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Criacionismo científico? Não exatamente...

1 Na última edição de fim de semana do Jornal Atual, foi publicada a matéria "Cientista coloca
2 em dúvida teorias científicas". Confesso que ao acabar de ler fiquei bastante preocupado com uma
3 série de coisas. No texto eram apresentadas as idéias do Sr. Adauto Lourenço sobre uma possível
4 visão científica do criacionismo.
5 Bom, primeiramente a dúvida e o ceticismo são duas das características mais marcantes da
6 ciência desde que ela passou a ser algo organizado e passaram a existir pessoas que possam ser
7 denominadas cientistas.
8 É papel de todo bom cientista sempre colocar em cheque as teorias aceitas em sua época.
9 Assim foi com Galileu Galilei, Charles Darwin, Erwin Schrödinger e tantos outros.
10 A questão é: O Sr. Adauto Lourenço, defensor do criacionismo "científico", possui uma noção
11 clara do que significa a palavra ciência?
12 Não quero com aqui desmerecer suas idéias, sejam elas religiosas ou não. Sinceramente não
13 acredito estar a ciência acima de qualquer outra forma de cultura humana, apenas existem diferenças
14 entre essas culturas e há características muito específicas na ciência que a difere das demais.
15 Atualmente é consenso tanto entre os pesquisadores quanto entre os filósofos da ciência, que
16 um conhecimento pode ser considerado científico a partir do ponto em que duas coisas ocorram: que
17 este saber seja verificável através de previsões e testes, de forma que possa ser provado como falso,
18 e que este saber seja refutável. Ou seja, para que algo caracterize-se como científico ele deve poder
19 ser desmentido, seja através de experimentos em laboratório ou de sua estrutura teórica.
20 Vendo com esses olhos, mesmo que o criacionismo seja uma visão de mundo muito presente
21 em diversas culturas e de importância fundamental para a formação da indentidade de muitos povos
22 (como o nosso, por exemplo), ele não pode, de maneira alguma, ser considerado científico.
23 Quando admitimos um criador externo, temos a priori que este é inalcançável através da
24 experiência sensorial, já que não faz parte do universo. Isso faz com que a teoria não seja refutável
25 experimentalmente.
26 Mais ainda, esse mesmo criador não pode ser refutado através da lógica interna da teoria,
27 uma vez que ao vir antes de tudo e de todos, comporta-se como centro do qual emanam todas as
28 outras coisas.
29 Mesmo que não haja uma clareza objetiva sobre as fronteiras da ciência e do método
30 científico, pode-se observar dois mil e quinhentos anos desde os pré-socraticos até os pensadores
31 contemporâneos e em nenhum momento encontraremos argumentos sólidos para dizer que o
32 criacionismo é científico.
33 O que difere a ciência das demais culturas, não são seus objetos de estudo e muito menos os
34 títulos dos profissionais envolvidos, mas sim o método que ela emprega nas suas atividades.
35 Se as idéias criacionistas devem ser mencionadas nas escolas, isso deve ser feito na aula de
36 filosofia e não na de ciências.

Prof. Maurício dos Reis


Físico pela UFRRJ, mestrando em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia pela
UFRJ. Docente do Colégio Estadual Presidente Dutra e do Colégio Cenecista Luiz Murat.

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