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QUESTÕES CÍVEIS RELEVANTES A RESPEITO DO ABORTO QUE ESTÃO

PASSANDO A LATERE NO STF

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA MAGISTRADO E PROFESSOR DE


GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO DA UNITÁ FACULDADE E DA UNIP
CAMPINAS, COORDENADOR NACIONAL DA PÓS GRADUAÇÃO EM
PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL DA ESD, DA PÓS EM DIREITO
MÉDICO DA VIDA FORMAÇÃO EM SAÚDE DA UNIP CAMPINAS (SWIFT
E VITALE), AUTOR DE LIVROS E ARTIGOS JURÍDICOS MESTRE EM
PROCESSO CIVIL PELA PUC-CAMPINAS, ESPECIALISTA EM DIREITO
PRIVADO PELA USP

Muito se tem discutido no país, a questão do aborto, sob


a sua perspectiva criminal, inclusive diante de posicionamentos do STF em
julgamento do crime de aborto e a partir de ADPF movida por um partido político,
observando-se intenção movimentação de grupos de ativistas pró e contra o aborto
em audiências públicas.

No entanto, há um exame que me parece simplista,


resumindo a questão somente ao âmbito da seara penal, quando em verdade, a
questão é muito mais complexa, com vieses que apontam ramificações diretas no
âmbito cível, como se pretenderá expor nesta oportunidade.

Não obstante eu tenha opinião formada a respeito do


tema, procurarei examinar a questão sob uma perspectiva preferencialmente técnica,
destituída de ideologias ou sentimentos pessoais, eis que existem, como apontarei,
obstáculos técnicos em torno da questão que a tornam muito mais complexa do que
a simplista discussão dos aspectos penais.

Isso porque, como professor de direito de família tenho


observado de modo atônito que a discussão, há mais de ano, parece ter como foco
central a questão a luz do direito penal e do direito da mulher ao próprio corpo (não o
nego, isso é evidente, mulheres tem direito ao próprio corpo, mas, em que medida, o
óvulo fecundado não seria outro corpo ?) enquanto que isso tem óbvias implicações
no direito civil - aliás, basta ver o Enunciado nº 1 das Jornadas de Direito de Família,
para que se constate que já se entende que existe vida desde a concepção (nidação
do ovo no útero, como aponta a Professora SIlmara Chinelato).

Sobre a questão, observe-se a transcrição literal:

ENUNCIADO Nº 1: A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o


natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome,
imagem e sepultura.

Disso se extrai, inequivocamente, que os direitos de


personalidade se adquirem independentemente do nascimento com vida. Em
síntese, o feto já tem direito à vida, na perspectiva civil – do contrário os alimentos
gravídicos não seriam possíveis ou haveria necessidade de repetição dos alimentos
se o nascituro não viesse ter entrada de ar nos pulmões.

Isso, aliás, explica discussões de biodireito e bioética no


sentido de que não se devam descartar embriões excedentários, antes de três anos,
a proteção do nome (direito de personalidade) do natimorto (não é mais uma questão
de capacidade condicional mas de efetivo direito desde a concepção).

Outro detalhe, se preservamos a vida desde a


concepção (hoje vi um comentário em conhecido site jurídico no sentido de que duas
células não podem prevalecer sobre bilhões de células - a questão não é essa -
essas duas também virarão bilhões), o fato é que o feto não se confunde com o
corpo da mulher, é outro corpo - simples assim.

E se todos tem direito ao contraditório efetivo, qualquer


procedimento tendente a extirpar a vida latente do nascituro deve pressupor a
indicação de um curador ao mesmo - do contrário o procedimento (a CF é clara no
sentido de que o contraditório resta como inerente ao processo e ao procedimento
administrativo) será inexistente por falta de capacidade postulatória negada ao
nascituro - coloco isso para ilustrar como o tema suscita discussões muito mais
profundas do que as que estão sendo colocadas, de modo raso, numa discussão
criminal.
Nessa medida, não criminalizar o aborto no âmbito
criminal é permitir-se a supressão de indivíduo dotado de direitos no âmbito do
direito privado – direitos materiais e direitos processuais.

Alguns partidos políticos não conseguem maioria para a


aprovação de suas pautas no Congresso Nacional – que representa a população e
que, se sabe, é majoritariamente contra o aborto. Esses mesmos partidos agora
tentam uma reversão no âmbito do Supremo Tribunal Federal analisando a
perspectiva puramente criminal, mas existem, repito, implicações e impactos diretos
no âmbito do direito civil

No Uruguai, citado com exemplo progressista de


algumas correntes, por exemplo, em que se verificou a legitimação do aborto nos
primeiros meses de gravidez, a Corte Constitucional se deparou com outra questão
cível instigante. Em caso de separação, pode a mãe abortar o nascituro daquele pai,
contra a sua vontade ? Isso lá não foi permitido, concedendo-se liminar ao pai.

O Livro Freaknomics aponta no sentido de que a


permissão do aborto diminui a violência eis que os que tendem a ser violentos, por
não serem amados (o que seria uma justificativa sociológica para o aborto), não
nasceriam, mas pondero, também para iniciar a discussão:

Com tantas pessoas querendo adotar neste país, com


todos os percalços que as mesmas tem que passar para adotar uma criança, não
seria mais lógico que se permita que essas crianças venham a nascer e se organize
um cadastro para que já sejam encaminhadas a uma família que as queira, desde o
primeiro dia ?

Repito, mulheres e homens tem direito ao próprio corpo,


mas não tem direito de matar vida que não é órgão de seu corpo. Em última análise,
tenho visto analogias no sentido de que se tenha a proteção de filhotes e ovos de
animais (tartarugas, por exemplo) por grupos ambientalistas (postura mais do que
louvável, diga-se de passagem).
Mas não haveria aí, uma certa desproporcionalidade,
tratando-se a vida humana com menos valor do que a vida de uma animal (sabe-se
que os animais no moderno direito europeu estão perdendo a natureza de coisas
para se constituírem em categoria própria, mas não se permite que tenham
precedência sobre a vida humana – haveria séria desproporcionalidade).

Sei que muitas pessoas se submetem a situações


indignas buscando realizar abortos clandestinos em clínicas irregulares, mas isso
não parece ser justificativa para que se ignore que existam aspectos cíveis da
questão e o fato de que o feto não tem culpa alguma pelo comportamento de seus
pais - restaria para ele pagar pelos erros de planejamento de seus genitores, o que
igualmente não parece despontar como razoável ou proporcional.

Sei que suscitarei polêmica, mas não pretendo tolher o


direito de quem quer que seja, de questionar minhas opiniões, mas o faço apenas e
tão somente para suscitar um debate mais maduro e completo em torno dessa
questão do aborto.

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