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multidimensionalidade da música
Cecília Cavalieri França
MUS Produção e Consultoria em Educação Musical
contato@ceciliacavalierifranca.com.br
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Interdisciplinaridade
e Educação Musical
A interdisciplinaridade se apresenta como
um saudável desafio à educação contempo-
rânea. O conhecimento é um todo dinâmi-
co, uma rede de interações entre conceitos e
ideias que são acessíveis pela experiência con-
ciliadora entre sentidos, emoção e intelecto.
Mas herdamos da modernidade o costume
de acessá-lo por meio das disciplinas, muitas
vezes de maneiras um tanto afastadas da vida,
do frescor da descoberta e do imprevisível.
Sua complexidade escapa às disputas entre
disciplinas, que nos dão acesso apenas parcial
a fenômenos que tentamos compreender. As- O que podemos apreender desse debate,
sentados no paradigma da disciplinaridade, especialmente neste momento histórico em
deixamos escapar faíscas de novidade capazes que nos empenhamos para que a música seja
de incendiar a sala de aula. reconhecida como “área” e a educação musi-
cal como “disciplina”? O que ganhamos e que
Desde meados do século XX, percebeu-se concessões havemos de fazer para nos inserir-
a necessidade da aproximação e do diálogo mos na cultura escolar, especialmente diante
entre áreas do conhecimento. A interdiscipli- da aspiração da interdisciplinaridade? Ainda
naridade tornou-se uma bandeira epistemo- padecemos de crises de identidade! Levamos
lógica (ou seja, conceitual e teórica) e meto- décadas para nos livrarmos da pecha de “uti-
dológica (empírica e operacional) contra a lidade” em favor de outras disciplinas. Vamos
fragmentação do conhecimento. Segundo agora abrir mão do espaço recém-conquista-
esse princípio, disciplinas procuram dissolver do? Não estaremos em desvantagem ao atra-
fronteiras entre si, compartilham saberes e vessar fronteiras entre a música e suas compa-
operam de modo convergente visando à des- nheiras curriculares, que se vêm constituindo
coberta e à novidade. Mas, na verdade, não há mais tempo em seus aspectos epistemoló-
são as áreas que convergem: os fenômenos e gico, teórico, metodológico e didático?
os saberes são íntegros e complexos; é nosso
olhar disciplinar que tende ao sentido inverso. Penso que não. A especialização dentro
das áreas e a integração entre áreas são mo-
Há uma extensa literatura que aborda esses vimentos complementares: quanto mais
temas. Por exemplo:
aprofundamos o entendimento e refinamos o
A respeito da necessidade de superação da vi- olhar sobre nossa própria disciplina, maiores as
são fragmentada do mundo e dos fenômenos: chances de encontrarmos o traçado das pon-
Morin, 2007; Capra, 1982.
tes entre ela e as demais. Quando estamos se-
Sobre interdisciplinaridade em geral: Thiesen, guros de quem somos e onde nos localizamos,
2008; Pombo, 2006, 1993; Fazenda, 1998.
podemos transpor pontes sem nos desequili-
Sobre interdisciplinaridade em arte e música: brarmos. Quando fincamos raízes profundas
Welsh; Henley, 2014; Reys, 2013; Mateiro; Fer-
em nossa área específica, podemos expandir
reira, 2013; Lima; Braz, 2012; Kleber; Cacione,
2010; Freire, 2010; Amato, 2010; Picchi, 2010; nossos galhos sobre os muros vizinhos. Ao
Lima, 2007. mesmo tempo, as raízes se espalham numa
Inúmeros aspectos desse fascinante tema osso? Como seria a relação entre as pro-
podem ser abordados com diferentes faixas váveis melodias da flauta e a percussão
etárias, conjugando-se a discussão e a reflexão corporal e instrumental?
sobre o tema com a prática musical baseada • Passem à sonorização da história. Dis-
na história. As seguintes sugestões têm com- tribua instrumentos de sopro e/ou ae-
rofones construídos pelas crianças e
plexidade cumulativa por segmento escolar:
tambores variados. Peça que explorem
os segmentos finais incorporam as atividades sonoridades para realizar o som do ven-
e discussões dos anteriores. to; trabalhem o sopro do osso e a trans-
formação do ruído em som musical.
• A cena final sugere sons percussivos
Anos Iniciais do Ensino corporais e também, implicitamente,
sons instrumentais. Ensaiem diferentes
Fundamental combinações rítmicas e passos de dan-
ça, conforme os grupos ilustrados nas
• Com as crianças menores, pode-se par- imagens (figura 6). Os grupos podem
tir da leitura das imagens, que é um ficar distribuídos pela sala, criando-se
procedimento típico nesse segmento. um ambiente estereofônico.
Após a observação inicial, colha os co- • Amplie a discussão sobre o papel da
mentários, observações e significados música na coletividade. Pergunte se os
construídos pelos alunos. Discuta os alunos já vivenciaram situações em que
pontos divergentes e procure acolher a música tivesse aproximado as pesso-
todas as interpretações. as. Que tipo de música era tocada? Em
• Pergunte: como seria a música tocada? que ocasiões? Que sensações e senti-
Em que ocasiões isso ocorreria? Qual mentos ela despertou?
seria a duração das músicas? Haveria • Com a equipe de Geografia e de His-
cantos? Danças? Outros instrumentos? tória, situem esses achados no espaço
• Conversem sobre os primeiros instru- geográfico e no tempo histórico dese-
mentos musicais: de que eram feitos? nhando mapas e uma linha do tempo.
Como eram tocados? Em que situações • Com as equipes de Arte, Dança e Te-
do cotidiano eles deveriam ser utiliza- atro, proponha uma pesquisa sobre
dos? Há instrumentos primitivos que se outras manifestações artísticas da Pré-
assemelham aos atuais? Como teriam -história, notadamente do Paleolítico
sido construídos? Por que, dessa época, Superior. Encontrem imagens e vídeos
só foram encontrados instrumentos de de esculturas, da arte parietal, de ador-
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