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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
Junta Recursal Promotor de Justiça Francisco José Lins do Rêgo Santos – Procon-MG

Recurso n.º 11.117/2015


Processo Administrativo n.º 0145.13.001763-8/001
Comarca de Juiz de Fora
Recorrentes: Almar Imóveis Ltda.
INVEST – Administradora e Corretora de Imóveis
Ltda.
Nogueira Rezende Imóveis Ltda.
Sênior Silva Administração e Corretagem de
Imóveis Ltda.
Universal Imóveis Ltda.
Recorrido : PROCON-MG

RELATÓRIO

A autoridade a quo julgou insubsistente a


infraçãoimputada às empresas Ponto dos Imóveis e Globo
Imóveis, uma vez que não cobram taxa correspondente à 13.ª
mensalidade de honorários de administração, caracterizando-se,
neste ponto, recurso de ofício (fls. 119-121).

Posteriormente, em decisão meritória, multou


as empresas INVEST – Administração e Corretagem de Imóveis,
Almar Imóveis, Universal Imóveis, Nogueira RezendeI móveis e
Sênior Silva Administração e Corretagem de Imóveis,
respectivamente,em R$323,70 (trezentos e vinte e três reais e
setenta centavos), R$ 588,83 (quinhentos e oitenta e oito reais e
oitenta e três centavos), R$ 872,33 (oitocentos e setenta e dois
reais e trinta e três centavos), R$ 543,44 (quinhentos e quarenta
e três reais e quarenta e quatro centavos) e R$ 1.000,00 (mil
reais), por cobrarem taxa correspondente à 13.ª mensalidade de
honorários de administração sem que haja contraprestação de
serviços, o que configura violação à Lei n.º 8.078/90 (fls. 135-
141).

Inconformados, os fornecedores Sênior Silva


Administração e Corretagem de Imóveis, Almar Imóveis,
Universal Imóveis e INVEST – Administração e Corretagem de
Imóveis interpuseram a este Órgão Colegiado recursos.
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Recurso n.º 11.117/2015

A Sênior Silva Administração e Corretagem


de Imóveis,a Almar Imóveis e a Universal Imóveis alegam, em
preliminar, violação à ampla defesa e ao contraditório, uma vez
que não lhes foi possibilitada a apresentação de defesa, e a
primeira nem sequer foi notificada nesse sentido.

No mérito, afirmam que inexiste ilegalidade


na cobrança em dobro da comissão no mês de dezembro de
cada ano, incidindo no caso os princípios da livre contratação e
da legalidade.

Sustentam, também, que não se aplica a


analogia utilizada na decisão administrativa quanto aos contratos
escolares, pois, naquele caso, “o 13.º já está embutido na
planilha de custos anual” dentro das 12 prestações (fls. 149 e
158).

Ao final, requereram seja dado provimento


ao recurso e, subsidiariamente, que seja revisto o valor da multa.

Já a INVEST - Administradora e Corretora de


Imóveis afirma que a cobrança da taxa de administração, em
dobro, no mês de dezembro de cada ano só é efetivada após a
anuência do cliente. Não é ela cobrada de forma impositiva nem o
pacto é um contrato de adesão, no qual as partes contratantes
são obrigadas a aderir ao contrato previamente elaborado.

Aduz, também, que a decisão fere os


princípios da autonomia da vontade e da intangibilidade dos
contratos, retirando o poder que as partes têm de livremente
estipular as obrigações contratuais.

Entende, ainda, que inexiste vantagem


excessiva na cobrança efetuada.

Por fim, requer seja provido o recurso.

Eis, em síntese, o relatório.

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À douta revisão.

Belo Horizonte, 24 de fevereiro de 2016.

JOSÉ MARIA DOS SANTOS JÚNIOR


Procurador de Justiça
Relator

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Processo Administrativo n.º 0145.13.001763-8/001
Comarca de Juiz de Fora
Recorrentes: Almar Imóveis Ltda.
INVEST – Administradora e Corretora de Imóveis
Ltda.
Nogueira Rezende Imóveis Ltda.
Sênior Silva Administração e Corretagem de
Imóveis Ltda.
Universal Imóveis Ltda.
Recorrido: PROCON-MG

ACÓRDÃO

Acorda a Primeira Turma da Junta Recursal


do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor
(Procon-MG), em conformidade com a ata dos julgamentos,
incorporando neste o relatório de fls., à unanimidade de votos,
EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMAR A
INSUBSISTÊNCIA DA INFRAÇÃO IMPUTADA ÀS EMPRESAS
PONTO DOS IMÓVEIS E GLOBO IMÓVEIS. QUANTO AOS
RECURSOS VOLUNTÁRIOS, ACOLHER A PRELIMINAR DE
VIOLAÇÃO AO AMPLO DIREITO DE DEFESA E AO
CONTRADITÓRIO EM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS SÊNIO SILVA
ADMINISTRAÇÃO E CORRETAGEM DE IMÓVEIS LTDA. E
ALMAR IMÓVEIS LTDA., RECONHECER A NULIDADE DA
DECISÃO ADMINISTRATIVA EM RELAÇÃO A ELAS (ARTIGO
48 DO DECRETO Nº 2.181/97), DEVENDO A AUTORIDADE
ADMINISTRATIVA, CASO ASSIM O ENTENDA, QUANTO À
SÊNIO ADMINISTRAÇÃO E CORRETAGEM DE IMÓVEIS,
INSTAURAR PROCESSO ADMINISTRATIVO E NOTIFICÁ-LA,
NOS TERMOS LEGAIS, PARA APRESENTAR DEFESA, E EM
RELAÇÃO À ALMAR IMÓVEIS, INSTAURAR PROCESSO
ADMINISTRATIVO ESPECIFICAMENTE PARA APURAR
INFRAÇÃO QUANTO AO CONTRATO DE ADMINISTRAÇÃO DE
LOCAÇÃO APRESENTADO PELA RECORRENTE. NO

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TOCANTE À EMPRESA UNIVERSAL IMÓVEIS, REJEITAR A


PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO, APENAS PARA REDUZIR O VALOR DA MULTA
APLICADA. QUANTO À INVEST – ADMINISTRADORA E
CORRETORA DE IMÓVEIS, NEGAR PROVIMENTO AO
RECURSO.

Belo Horizonte, 24 de maio de 2016.

JOSÉ MARIA DOS SANTOS JÚNIOR


Procurador de Justiça
Relator

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VOTO

REEXAME NECESSÁRIO. COBRANÇA DE


TAXA REFERENTE À 13.ª MENSALIDADE DE
HONORÁRIOS DE ADMINISTRAÇÃO.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL.
INSUBSISTÊNCIA DE INFRAÇÃO
CONFIRMADA.
FORNECEDORES DE SERVIÇO.
SÊNIO SILVA ADMINISTRAÇÃO E
CORRETAGEM DE IMÓVEIS. NOTIFICAÇÃO
PARA SE DEFENDER. AUSÊNCIA. NULIDADE
CONFIGURADA. PRELIMINAR ACOLHIDA.
ALMAR IMÓVEIS E UNIVERSAL IMÓVEIS.
NOTIFICAÇÃO PARA SE DEFENDER.
EXISTÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA
NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR
REJEITADA.
COBRANÇA DE TAXA REFERENTE À 13.ª
MENSALIDADE DE HONORÁRIOS DE
ADMINISTRAÇÃO. ILEGALIDADE. CDC.
VIOLAÇÃO. MULTA APLICADA CONFORME
LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA.RECURSO DA
EMPRESA SÊNIO SILVA ADMINISTRAÇÃO E
CORRETAGEM DE IMÓVEIS ACOLHIDO.
RECURSOS DAS EMPRESAS ALMAR
IMÓVEIS, UNIVERSAL IMÓVEIS E INVEST –
ADMINISTRAÇÃO E CORRETAGEM DE
IMÓVEIS. NEGADO PROVIMENTO.

REEXAME NECESSÁRIO

Incensurável a decisão a quo ao julgar


insubsistente a infração em relação às empresas Ponto dos
Imóveis e Globo Imóveis, uma vez que inexiste previsão em seus
contratos da cobrança de taxa correspondente à 13.ª
mensalidade de honorários de administração.

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Assim, mantenho a decisão que julgou


insubsistente essa infração em relação a essas empresas, bem
como o arquivamento dos autos.

RECURSOS VOLUNTÁRIOS

Presentes os pressupostos objetivos e


subjetivos de admissibilidade, conheço dos recursos.

SÊNIO SILVA ADMINISTRAÇÃO E


CORRETAGEM DE IMÓVEIS

Razão assiste à recorrente ao alegar, em


preliminar, violação a seus direitos à ampla defesa e ao
contraditório.

Analisando os autos, verifico que em nenhum


momento houve a notificação da empresa para se defender da
prática infracional a ela imputada na decisão administrativa.

Nesse sentido, foi ela notificada para


apresentar cópia dos contratos-padrão de administração de
condomínio e de locação (fls. 21 e 39), para comparecer em
audiência conciliatória a fim de firmar compromisso de
ajustamento de conduta (fls. 110 e 112) e para tomar ciência da
decisão administrativa e, se fosse de seu interesse, recorrer (fl.
142).

Portanto, diante do descumprimento do


disposto no artigo 42 do Decreto n.º 2.181/97, violados foram os
direitos de ampla defesa e do contraditório previstos
constitucionalmente (artigo 5.º, inciso LV, Constituição Federal de
1988).

Sobre essa questão, já se manifestaram


vários tribunais, valendo transcrever o acórdão proferido pela 6.ª

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Turma suplementar do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região,


in verbis:

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO


REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO (CRA).
ANUIDADE. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO
CONTRIBUINTE. NULIDADE. 1. Anuidade devida
ao Conselho Regional de Administração (CRA).
Ausência de notificação pessoal do contribuinte para
se defender no processo administrativo. Devido
processo legal, contraditório e ampla defesa. CF,
artigo 5º, LIV e LV. Ofensa. Nulidade da Certidão de
Dívida Ativa (CDA). Precedentes. 2. Apelação não
provida.
(Apelação Cível n. 0040912-18.2003.4.01.3800/MG,
Rel. Juiz Federal Leão Aparecido Alves, data e local
da publicação: e-DJF1 p.254 de 18.01.2012)

No mesmo sentido, os acórdãos proferidos


nos recursos AC n. 39825MG – Processo n. 2001.01.99.039825-8
TRF 1.ª Região – 5.ª Turma suplementar - Relator: Juiz Federal
Grigório Carlos dos Santos – data do julgamento: 23.04.2013 –
data e local da publicação: e-DJF1 p. 712 de 03.05.2013; AC n.
45780MG – Processo n. 2001.01.99.045780-0 – 5.ª Turma
suplementar - Relator: Juiz Federal Grigório Carlos dos Santos –
data do julgamento: 13.11.2012; e AC n. 1052508150444700-1
MG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais – 1.ª Câmara Cível -
Relator: Des. Eduardo Andrade – data do julgamento: 05.02.2013
-data da publicação: 14.02.2013.

Assim, acolho a preliminar arguida e anulo a


decisão administrativa em relação à Sênior Silva Administração e
Corretagem de Imóveis Ltda., nos termos do artigo 48 do Decreto
in comento, para que a autoridade administrativa instaure
processo administrativo em relação à empresa e notifique-a, nos
termos legais, para apresentar defesa.

ALMAR IMÓVEIS LTDA.

Também em preliminar, alega a recorrente


violação a seus direitos à ampla defesa e ao contraditório, uma

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vez que foi intimada a apresentar defesa apenas em relação ao


contrato para a administração de condomínios, nada tendo sido
dito em relação aos contratos de administração de locação.

Em acréscimo, argumenta que esse fato foi


esclarecido à fl. 85, oportunidade na qual disse que não tinha
como atividade a administração de condomínios, motivo pelo qual
“entendia que não precisava apresentar defesa prévia, pois, como
dito, a sua notificação foi exclusiva para aquela finalidade e
atividade” (fl. 149).

Realmente, o estudo do processo


administrativo permite inferir que sua instauração se restringiu à
prática abusiva consubstanciada na “cobrança do ´13º`” nos“
contratos celebrados entre as imobiliárias e os condomínios” (fl.
77).

Devido aos mesmos motivos, houve a


notificação da empresa Almar Imóveis para se defender (fl. 79).

Entretanto, de acordo com as informações


apresentadas pela recorrente à fl. 85 dos autos, ela não realiza a
administração de condomínios nem celebra contrato com esse
objeto, só o fazendo em relação à administração de locação.

Aplicável, assim, a teoria dos motivos


determinantes, que, nas palavras do eminente professor Celso
Antônio Bandeira de Mello, estabelece o seguinte:

De acordo com esta teoria, os motivos que


determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos
que serviram de suporte à sua decisão, integram
a validade do ato. Sendo assim, a invocação de
“motivos de fato” falsos, inexistentes ou
incorretamente qualificados vicia o ato mesmo
quando, conforme já se disse, a lei não haja
estabelecido, antecipadamente, os motivos que
ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados
pelo agente os motivos em que se calçou, ainda
quando a lei não haja expressamente imposto a
obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se
estes realmente ocorreram e o justificavam.

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(Curso de direito administrativo. 18. ed. São Paulo:


Malheiros, 2005, p. 374) – grifos nossos.

Portanto, não pode a recorrente ser


condenada em razão de fato que extrapola o objeto do processo
administrativo.

Assim, acolho a preliminar arguida e


reconheço a nulidade da decisão administrativa também em
relação à Almar Imóveis Ltda.(artigo 48 do Decreto n.º 2.181/97),
para que a autoridade administrativa, caso assim o entenda,
instaure processo administrativo especificamente para apurar
infração quanto ao contrato de administração de locação
apresentado pela recorrente.

UNIVERSAL IMÓVEIS

Assim como as empresas Sênior Silva


Administração e Corretagem de Imóveis e Almar Imóveis, a
Universal Imóveis argui violação a seus direitos ao devido
processo legal, à ampla defesa e ao contraditório por não lhe ter
sido possibilitada a apresentação de defesa e produção de
provas.

No entanto, e diferentemente do
entendimento adotado na ocasião da análise das teses das
empresas mencionadas, entendo que o estudo atento dos autos
não deixa dúvida de que inexiste vício a macular o processo
administrativo em relação à Universal Imóveis.

Nesse sentido, às fls. 80-80v, constam a


notificação para que ela apresente defesa administrativa dentro
do decêndio legal e o respectivo aviso de recebimento
devidamente assinado.

Por sua vez, às fls. 104-104v e 118-118v,


consta a notificação para participar de audiência conciliatória
realizada em 17 de setembro de 2014, na qual foi representada
pela senhora Marcial Genimar Ribeiro Lombardi (fl. 119-121).

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Ora, o Decreto n.º 2.181/97 dispõe em seus


artigos 42 e 44:

Art. 42. A autoridade competente expedirá


notificação ao infrator, fixando o prazo de dez dias, a
contar da data de seu recebimento, para apresentar
defesa, na forma do art. 44 deste Decreto.

[...]

Art. 44. O infrator poderá impugnar o processo


administrativo, no prazo de dez dias, contados
processualmente de sua notificação, indicando em
sua defesa:

[...]

III – as razões de fato e de direito que fundamentam


a impugnação;

IV – as provas que lhe dão suporte.

Sendo assim, se a recorrente, embora


devidamente notificada para impugnar os autos, abriu mão de seu
direito, inclusive de indicar as provas que entendesse cabíveis,
não pode agora, em sede recursal, arguir nulidade.

Aplicável, ao caso, a máxima latina


“dormientibus non succurrit jus”, ou seja, a inércia da recorrente
só pode a ela ser atribuída.

Rejeito, pois, a preliminar.

No mérito, afirma que inexiste ilegalidade na


cobrança em dobro da comissão no mês de dezembro de cada
ano, incidindo no caso os princípios da livre contratação e da
legalidade.

Sustenta, também, que não se aplica a


analogia utilizada na decisão administrativa quanto aos contratos

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escolares, pois, naquele caso, “o 13.º já está embutido na


planilha de custos anual” dentro das 12 prestações (fl. 158).

Inicialmente, cumpre esclarecer que os


princípiosda livre contratação e da pacta sunt servanda não mais
vigoram em sua plenitude; sofrem atenuação por outros
princípios, como é o caso do princípio da função social do
contrato, do princípio da boa-fé etc.

No sistema legal brasileiro, essa mitigação


se deu com a entrada em vigor da Carta Magna de 1988
e,posteriormente, com a criação da Lei n.º 8.078/90 e com a
substituição do Código Civil de 1916 pelo Código Civil de 2002.

Em suas concepções originais, referidos


princípios tinham como limites apenas o preenchimentos dos
requisitos do contrato, tanto de ordem subjetiva (manifestação de
vontade das partes, capacidade genérica e específica dos
contraentes e o consentimento livre), como de ordem objetiva
(licitude do objeto, possibilidade física e jurídica, determinação e
economicidade) e formal (forma prescrita ou não vedada em lei e
a prova admissível).

Atendidos esses requisitos,o contrato


obrigava as partes quase de maneira absoluta, só podendo ser
relativizado pelo poder Judiciário e em situações
excepcionalíssimas.

Com a entrada em vigor da Constituição


republicana de 1988, iniciou-se a mudança dessa forma de
enxergar o contrato.

Por sua vez, foi importada do direito alemão


a teoria da imprevisão, a qual possibilitou que a cláusula rebus sic
stantibus fosse aplicada em determinadas situações aos
contratos onerosos de execução continuada.

Nesse sentido, a ocorrência de fatos


imprevisíveis e extraordinários que desequilibrem a situação
original do contrato e gerem desproporcionalidade entre as

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obrigações do devedor e o direito do credor autoriza a revisão


contratual, para que a obrigação não seja exigível da forma como
pactuada inicialmente.

Por fim, o Código de Defesa do Consumidor


trouxe em seu bojo inovações significativas para o direito
contratual consumerista, abandonando os requisitos exigidos
para a aplicação da cláusula rebus sic stantibus (ou seja, não
adota a teoria da imprevisão) para permitir que o contrato seja
revisto em casos nos quais se verifica o desequilíbrio do negócio
jurídico e o torna mais oneroso para uma das partes.

Nesse sentido, é o artigo 6.º, inciso V, da Lei


n.º 8.078/90, in litteris:

Art. 6.º. São direitos básicos do consumidor:

[...]
V - a modificação das cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais ou sua
revisão em razão de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas;

Sobre o tema, o prof. Flávio Tartuce escreve:

Teríamos, portanto, com o Código de Defesa do


Consumidor, a adoção de outro fundamento para a
revisão contratual, o da revisão por simples
onerosidade, que tem como embrião a teoria da
equidade contratual, que é motivada pela busca, em
todo o momento, de um ponto de equilíbrio nos
contratos, afastando-se qualquer situação
desfavorável a protegido legal.
(RODRIGUES ALVES, Vilson. Responsabilidade civil
dos estabelecimentos bancários. São Paulo:
Bookseller, 1997, p. 386)

No mesmo sentido, a doutrina de Josimar


Santos Rosa, que esclarece:

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O Código de Defesa do Consumidor inova


consideravelmente o espírito do direito das
obrigações, e relativo à máxima pacta sunt
servanda. A nova Lei vai reduzir o espaço antes
reservado para a autonomia de vontade, proibindo
que se pactuem determinadas cláusulas, vai impor
normas imperativas que visem proteger o
consumidor, reequilibrando o contrato, garantindo as
legítimas expectativas que depositou no vínculo
contratual.
(Contrato de adesão. São Paulo: Atlas, 1994, p. 34).

Vê-se, assim, que os princípios invocados


pela recorrente em seu socorro não são suficientes para obstar
que os órgãos competentes analisem o teor do contrato de
adesão disponibilizado pela empresa e, em sendo o caso, a autue
por violação da legislação consumerista.

Especificamente no tocante à cláusula 12.ª


do contrato de fls. 29-33, entendo que a cobrança da décima
terceira taxa de administração, no mês de dezembro, configura
conduta abusiva, tipificada nos artigos 39, inciso V, e 51, § 1.º,
inciso III, da Lei n.º 8.078/90.

Na verdade, o que se observa da cláusula


contratual em estudo é que busca a recorrente fazer “caixa” que a
possibilite minimizar o impacto de seus encargos trabalhistas de
final de ano. Ou seja, traz para dentro da relação contratual
benefício similar àquele criado em favor unicamente do
empregado (artigo 7.º, inciso VIII, CF/88).

Entretanto, a cobrança implementada pela


imobiliária desequilibra a relação contratual, uma vez que, como
bem frisou a autoridade primeva em sua decisão, inexiste
contraprestação que a justifique (fl. 139).

Embora inexista legislação regulamentando a


matéria, cabe frisar que a exigência de décima terceira
mensalidade não se mostra razoável e falta à empresa justa
causa a lhe permitir implementar essa cobrança.

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Sem razão, também, a imobiliária ao afirmar


ser inaplicável ao caso em exame a analogia utilizada na decisão
administrativa quanto aos contratos escolares.

A Lei n.º 9.870/99, ao estabelecer em seu


artigo 1.º, § 5.º, que “o valor total, semestral ou anual, [...] será
dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais” deixa
transparecer que o legislador ordinário se manteve em sintonia
com os objetivos almejados pelo Governo Federal quando da
edição da Medida Provisória n.º 1.156, de 24 de outubro de 1995,
e suas subsequentes reedições, de forma que o pagamento das
mensalidades tivesse correspondência com a contraprestação
ofertada pelas instituições de ensino.

O mesmo entendimento é aplicável ao caso


em estudo, pois a atividade de administração de condomínios,
realizada de forma mensal, não encontra grandes alterações
durante o decurso do ano a justificar a cobrança de uma décima
terceira mensalidade.

Por fim, em relação à sanção pecuniária,


entendo que ela deve ser revista.

Conforme o entendimento sedimentado por


esta Junta Recursal, exemplificado nos RACsn.os 8.105/12 e
7.796/12, sendo a empresa primaria, há que se reduzir o valor da
multa-base no percentual máximo previsto no artigo 66 da
Resolução PGJ n.º 11/2011, ou seja, em 50%.

Assim, refazendo-se o cálculo da sanção


pecuniária, temos:

Sobre a multa-base (R$1.046,80), incidirá a


atenuante prevista no artigo 25, inciso II, do Decreto n.º 2.181/97,
implicando redução do valor original em metade (em razão da
primariedade).

Dessa operação (R$1.046,80 – R$523,40) e


ausentes outras circunstâncias atenuantes ou agravantes, bem
como majorante a incidir no cálculo da sanção, chega-se ao valor

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de R$523,40 (quinhentos e vinte e três reais e quarenta


centavos).

Entretanto, o parágrafo único do artigo 57 da


Lei n.º 8.078/90 estabelece que a pena de multa não poderá ser
fixada “em montante inferior à duzentas e não superior a três
milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir)”.

A Unidade Fiscal de Referência foi extinta em


27 de outubro de 2000, por meio da Medida Provisória n.° 2.095-
70/2000, artigos 29, § 3.° e 37, e seu valor então era 1,0641.

Corrigindo-se monetariamente esse valor


para o corrente mês com base na tabela de correção monetária
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (índice = 2,8422130), o
piso de 200 Ufir’s estabelecido pelo CDC equivalerá a R$ 604,87
(seiscentos e quatro reais e oitenta e sete centavos).

Desta forma, concretizo a sanção pecuniária


em R$ 604,87 (seiscentos e quatro reais e oitenta e sete
centavos).

INVEST ADMINISTRADORA E
CORRETORA DE IMÓVEIS LTDA.

No tocante à afirmação de que o


entendimento firmando na decisão administrativa violou os
princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade da
convenção entre as partes (pacta sunt servanda), adoto o mesmo
entendimento desenvolvido na análise do recurso da empresa
Universal Imóveis, para refutar os argumentos recursais.

A despeito de a recorrente afirmar que todos


os contratos são amplamente debatidos com os contratantes
antes de serem assinados, não logrou êxito em demonstrar isso.

Ao contrário, o documento apresentado às


fls. 34-36 não deixa dúvida de que se trata de um contrato-padrão

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Recurso n.º 11.117/2015

de adesão, em que o contratante não tem possibilidade de fazer


ajustes nas cláusulas pré-estabelecidas.

Também sem razão a imobiliária ao


questionar a configuração de vantagem auferida.

Esta decorre da exigência do pagamento da


décima terceira mensalidade sem que haja contraprestação que a
justifique.

Ao implementar essa cobrança, objetiva a


recorrente obter quantia pecuniária suficiente para reduzir ou
mesmo eliminar os custos com seus encargos trabalhistas de
final de ano.

Portanto, restam configuradas as violações


dos artigos 39, inciso VI, e 51, § 1.º, da Lei n.º 8.078/90.

Diante do exposto, em reexame necessário,


confirmo a insubsistência da infração imputada às empresas
Ponto dos Imóveis e Globo Imóveis. Quanto aos recursos
voluntários, acolho a preliminar de violação ao amplo direito de
defesa e ao contraditório em relação às empresas Sênio Silva
Administração e Corretagem de Imóveis Ltda. e Almar Imóveis
Ltda. e reconheço a nulidade da decisão administrativa em
relação a elas (artigo 48 do Decreto n.º 2.181/97), devendo a
autoridade administrativa instaurar processo administrativo e
notificá-las, nos termos legais, para apresentar defesa.

No tocante à empresa Universal Imóveis


Ltda., rejeito a preliminar e, no mérito, dou parcial provimento,
apenas para reduzir o valor da multa.

Quanto à imobiliária INVEST –


Administradora e Corretora de Imóveis Ltda., nego provimento ao
recurso.

É como voto.

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Belo Horizonte, 24 de maio de 2016.

JOSÉ MARIA DOS SANTOS JÚNIOR


Procurador de Justiça
Relator

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O PROCURADOR DE JUSTIÇA GERALDO DE FARIA


MARTINS DA COSTA

VOTO

De acordo.

O PROCURADOR DE JUSTIÇA SAULO DE TARSO PAIXÃO


MACIEL

VOTO

De acordo.

SÚMULA: à unanimidade de votos, EM REEXAME


NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A INSUBSISTÊNCIA DA
INFRAÇÃO IMPUTADA ÀS EMPRESAS PONTO DOS IMÓVEIS
E GLOBO IMÓVEIS. QUANTO AOS RECURSOS
VOLUNTÁRIOS, ACOLHERAM A PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO
AO AMPLO DIREITO DE DEFESA E AO CONTRADITÓRIO EM
RELAÇÃO ÀS EMPRESAS SÊNIO SILVA ADMINISTRAÇÃO E
CORRETAGEM DE IMÓVEIS LTDA. E ALMAR IMÓVEIS LTDA.,
E RECONHECERAM A NULIDADE DA DECISÃO
ADMINISTRATIVA EM RELAÇÃO A ELAS (ARTIGO 48 DO
DECRETO Nº 2.181/97), DEVENDO A AUTORIDADE
ADMINISTRATIVA, CASO ASSIM O ENTENDA, QUANTO À
SÊNIO ADMINISTRAÇÃO E CORRETAGEM DE IMÓVEIS,
INSTAURAR PROCESSO ADMINISTRATIVO E NOTIFICÁ-LA,
NOS TERMOS LEGAIS, PARA APRESENTAR DEFESA E EM
RELAÇÃO À ALMAR IMÓVEIS, INSTAURAR PROCESSO
ADMINISTRATIVO ESPECIFICAMENTE PARA APURAR
INFRAÇÃO QUANTO AO CONTRATO DE ADMINISTRAÇÃO DE
LOCAÇÃO APRESENTADO PELA RECORRENTE. NO
TOCANTE À EMPRESA UNIVERSAL IMÓVEIS, REJEITARAM A
PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO
AO RECURSO, APENAS PARA REDUZIR O VALOR DA MULTA
APLICADA. QUANTO À INVEST – ADMINISTRADORA E
CORRETORA DE IMÓVEIS, NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO.

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