Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
O objetivo do presente texto é analisar a contribuição da autonomia em sala de aula no
ensino de ciências e a relação deste, no processo para alfabetização científica. Para que o
objetivo fosse alcançado, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental. Deste modo,
os fatores-chave principais do texto estão no referencial teórico que faz uma breve abordagem
sobre ensino hegemônico e inovador de ciências e o levantamento de pontos significativos no
ensino de ciências que conduzem a autonomia do educando.
Em grande parte, o ensino de ciências, o hegemônico, nomeado também de
tradicional, é descontextualizado e tem o objetivo a memorização. Esse ensino é conhecido
como bancário onde o professor deposita a informação no educando que a recebe sem
questionar. Sendo assim, esse ensino é abstrato e descontextualizado além de repassar
informações que não significam nada para o educando.
É necessário reconhecer que esse modo de ensino não forma as presentes gerações e
provavelmente pouco servirá para as futuras. Ele não serve porque não faz com que o
indivíduo pense no seu concreto e onde está presente o que aprende. Por isso é muito
significativo em um ensino inovador a resolução dos problemas cotidianos do indivíduo
através da ciência, onde o que se aprende se realiza na prática.
O entendimento da ciência através da prática leva a alfabetização científica, que em
miúdos significa que o educando entende o papel da ciência na sua realidade e mais, ele
consegue pensar maneira crítica em relação a mesma. Outro modo de provocar essa
alfabetização científica do educando é através da pesquisa, que deve ser planejada pelo
professor e aprofundada em conjunto com o educando.
A pesquisa pela pesquisa não é suficiente sendo, oportuno para aprendizagem a
comunicação do educando, o levantamento de hipótese, o senso crítico e até mesmo a
intervenção través do conhecimento adquirido. Isso tudo deve estar estreitamente ligado as
vivências do educando, sendo essas vivências do país onde vive, estado, cidade, mas,
principalmente do bairro que este está inserido.
Todos esses aspectos dão ao conteúdo de ciências um aprofundamento político com o
intuito de rever ou reverter algumas realidades injustas e desnaturadas, sendo significativo
também a formação de sujeitos atuantes. Todos esses pontos ditos até agora aguçaram a
curiosidade dos educandos ao aprender sobre ciências, os estimula a fazer perguntas e faz com
que esses busquem por respostas.
A autonomia do educando faz-se presente em meio a todo esse processo. É
fundamental que seja trabalhado gradualmente essa autonomia em sala de aula, pois, somos
indivíduos gerados no modo tradicional e a princípio pode trazer estranheza quando o
professor não traz tudo pronto para sala de aula. Assim, de maneira gradual, é exercitado a
autonomia e o restante do processo vai se concretizando.
METODOLOGIA
O referencial teórico deste artigo está dividido em duas partes. A primeira parte fala
sobre o ensino de ciências naturais buscando discutir sua forma hegemônica e inovadora. No
segundo trata-se da abordagem dos pontos que seriam relevantes no ensino de ciências
inovador. Esse referencial teórico conta principalmente com a fundamentação teórica da
Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire.
Pode-se compreender o presente trabalho como sendo uma revisão teórica de uma obra
de Freire com aplicação na discussão sobre ensino de ciências naturais. Compreende-se que
do ponto de vista do objeto a pesquisa é bibliográfica. “A pesquisa bibliográfica é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos.” (Gil, 2008, p. 50) também atribuindo a esta a característica de documental
abordando a BNCC. Quanto a sua natureza, consideramos ela básica, pois pode ser refutada
de maneira empírica.
A maneira que o trabalho foi abordado, pode-se deduzir que é qualitativo tendo, o
“[...] importante papel é conferido à interpretação.” (Gil, 2008, 177). Também é exploratória,
tem a finalidade de esclarecer, e é explicativa que no caso desse trabalho busca-se atribuir
alguns fatores significativos ao se ensinar ciências naturais na atualidade.
REFERENCIAL TEÓRICO
Para compreender um pouco a construção e consequentemente como se dá o ensino de
ciências hegemônico é preciso um aprofundamento em questões de formação de professor e
de abordagem do conteúdo das ciências naturais. O ensino dessa disciplina para ser inovador
precisa levar em consideração o contexto da comunidade escolar e preparo dos educandos
para aceitarem romper a barreira do tradicional (mesmo que hegemônico). O foco do ensaio é
discutir uma forma inovadora de abordagem que o professor de ciências pode trabalhar em
sala de aula.
De maneira a fundamentar e compreender como é trabalhado o conteúdo de ciências
hegemônica, recorre-se a Feynman (2019, p. 115) como foi feito em outro tralho que discutia
sobre a formação de professores. Ao palestrar no Brasil na década de 50 esse (o Feynman)
físico norte-americano e ganhador do prêmio Nobel afirma:
[...] folheando o livro ao acaso, e pondo o dedo e lendo as frases de cada página,
posso lhes mostrar qual é o problema — que isso não é ciência, mas decoreba, e em
todos os casos. Sou corajoso o bastante para folhear o livro aqui, diante dessa
plateia, pôr o dedo numa coisa qualquer, lê-la e mostrar a vocês.”
Foi o que fiz. Brrrrrrrup — pus o dedo num ponto qualquer e comecei a ler:
“Triboluminescência. Triboluminescência é a luz emitida por certos cristais quando
friccionados…”
Então perguntei: “E aqui, temos ciência? Não! Apenas se disse o que uma palavra
significa usando outras palavras. Não se disse nada sobre a natureza — que cristais
emitem luz quando friccionados, por que emitem luz. Vocês viram algum aluno ir
para casa e tentar fazer isso? Ele não conseguiria. Mas se em vez disso estivesse
escrito: ‘No escuro, pegue um torrão de açúcar e esmague-o com um alicate. Um
clarão azulado surgirá. Isso também acontece com alguns outros cristais. Não se
sabe por quê. O fenômeno é chamado triboluminescência’, então alguém poderia ir
para casa e tentar fazer o experimento. Isso é uma experiência com a natureza.” Usei
esse exemplo, mas não teria feito a menor diferença se tivesse posto o dedo em
qualquer outro lugar do livro; era a mesma coisa em toda parte.
Por fim, eu disse que não conseguia ver como alguém era capaz de se formar nesse
sistema de automultiplicação, em que as pessoas são aprovadas em exames e
ensinam outras pessoas a passar nos exames, mas ninguém sabe nada.
O ensino de ciências por muito tempo continuou como o do livro citado nesta vivência
de Feynman, isso em parte pelo motivo que professor segue o livro didático (que não mudou
muito, porém apresenta melhoras significativas) e outro motivo é que o mesmo foi formado
desta maneira. Este ensino que estimula a memorização não é necessário, pois, não ajuda o
educando a pensar seus problemas, seu concreto e até mesmo sua história como indivíduo-
espécie através da ciência, ou seja, o educando não tem sua alfabetização cientifica validada.
O conteúdo de ciências, precisa estar contextualizado, sendo assim, sempre o que há
de abstrato deve estar ligado ao concreto. Para além, o professor deve mostrar as dimensões
presentes dentro das ciências isso permitiria uma visão que a mesma não é algo isolado da
realidade e nem uma mera fragmentação curricular, porém, só fará sentido para o educando
quando o conteúdo conversar com realidade vivenciada por ele.
A autonomia do educando também se faz presente no ensino inovador das ciências
naturais. Através dela o educando torna-se protagonista do aprendizado ele cria proximidades
do aprendido com realidade que ele vive. Ela também faz com que seja superada a maneira
tradicional de ensinar, a maneira mecanicista do ensino, que Freire (2010) chama de bancário
que é aquele no qual o professor só reproduz, a memorização pura, a que falta a análise e
crítica. Esse ensino também mata a curiosidade, pois, o educando não pode fazer perguntas ao
professor.
Deve-se compreender que autonomia não é falta de disciplina, o professor deve ser a
autoridade e um ambiente de ensino precisa ter ordem. Dar autonomia em sala de aula seria
tornar o educando participante do processo de aprendizado seja ele ao fazer perguntas, ao
realizar experimentos, fazer pesquisa ou até mesmo ajudar no ensino dos colegas. Essas aulas
devem como qualquer outra ser bem planejadas pelo professor e pode haver resistência
O termo alfabetização científica, mencionado outrora pode ser definido como “[...] o
conjunto de conhecimentos que ajuda os indivíduos a realizar uma leitura compreensiva do
mundo onde vivem, tornando-os cidadãs e cidadãos críticos, que entendem as necessidades de
transformá-lo de forma positiva.” (Chassot, 2011 Apud Pereira et. al., 2016, p.19). Tornando
esse termo mais explícito e o trazendo para o contexto do ensino de ciências, seria a
constatação através ou com o conteúdo onde o educando percebe a aplicação, ou o
funcionamento do objeto.
Em prática, a título de exemplo, uma pessoa alfabetizada cientificamente ao ter a
informação que água está se tornando um bem precioso e ao ter-se a falácia que determinada
extração mineral resultará desenvolvimento para determinada região, no entanto, importantes
nascentes de água estão no local onde será extraído o mineral, essa pessoa sem dúvidas terá o
senso crítico de que determinada extração não será benéfica. Contudo, é preciso mais que a
alfabetação cientifica para dar sustentação como existência, do conteúdo de ciências da
natureza na escola.
Na BNCC (2017, p.320) “pressupõe organizar as situações de aprendizagem partindo
de questões que sejam desafiadoras e, reconhecendo a diversidade cultural, estimulem o
interesse e a curiosidade científica dos alunos e possibilitem definir problemas, levantar,
analisar e representar resultados; comunicar conclusões e propor intervenções”. Através desse
ponto da BNCC, pode-se perceber que o ensino de ciências naturais, busca a autonomia do
educando e com essa autonomia, a curiosidade do mesmo, cuja importância está
intrinsecamente ligada a aprendizagem.
Ramos (2018, p.19) realiza uma proposta através da interpretação que teve em relação
a BNCC, assim discursa: “A atividade investigativa permite ao aluno compreender o que
ocorreu, levanta hipótese sobre quais as possíveis causas que desencadearam aquele resultado,
analisar os dados, divulgar às pessoas sobre o que percebeu ou descobriu e, se for cabível,
intervir sobre alguma realidade.”
Compreende-se que a ação da pesquisa não é o fator total da aprendizagem, mas
também a comunicação, o modo crítico de perceber e a adequação a um contexto são fatores
significativos para aprender sobre ciências. Freire (2002) ao argumentar sobre a rigorosidade
metódica diz ser dever do professor instigar o educando a desenvolver a capacidade crítica,
sua curiosidade, sua insubmissão. Neste ponto é fundamental desenvolver a criticidade dos
educandos sobre a ciência, essa criticidade é aquela que faz duvidar do clichê ‘cientificamente
comprovado’.
Neste sentido e para Freire (2002) a criticidade faz com que os educandos e
professores construam o conhecimento, assim, fazendo parte do conteúdo as experiencias, as
vivencias e o contexto do educando. Além, ajuda a compreender a ciência de um ponto de
vista que representa a realidade, onde não se ama de nem se odeia as ciências, mas, admite-se
que ela apresenta erros e acertos em sua construção.
No entendimento de Hodson (2010) a educação científica apresenta quatro bases
fundamentais que são: I. ciência da aprendizagem; II. aprendendo sobre ciência; III fazer
ciência; IV engajamento na ação sociopolítica. A primeira refere-se a teoria e os conceitos da
ciência; o segundo faz menção ao funcionamento e como atua a ciência bem como as
dimensões presentes que são históricas, tecnológicas, ambientais, sociais, éticas, entre outras;
o que vem a seguir (III) compreende a investigação científica com intuito de resolver os
problemas; o último (IV) envolve a tomada de decisão envolvendo a ciência, sendo, questões
de caráter econômico, social, ambiental, entre outro.
Todos esses tópicos levantados por Hodson são importantes no ensino de ciências.
Destacando o último citado pelo autor, acredita-se na necessidade do respeito aos saberes do
educando, pois, os saberes que eles têm aliado a autonomia, engajará estes em relação ao
conteúdo que também aborda problemas que eles vivenciam.
[...] discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o
ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de
viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo,
a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das
populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes [...] Por que não
discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo
conteúdo se ensina [...] (FREIRE, 2002, p. 15).
Assim, deve o professor não reprima as perguntas que o educando tem e não as ache
banal em hipótese alguma. Se o professor não sabe a resposta deve ter a humildade para
responder que não sabe e propor a busca pela resposta junto ao educando. Isso seria o
reconhecimento do sujeito professor e sujeito aluno do inacabamento humano e o constante
processo de formação (FREIRE, 2002).
Esse professor (educador) acaba adestrando esse aluno com essas atitudes que se torna
um ser passivo que não se vê como um sujeito que faz a história. No fundo, a atitude desse
professor é apenas de alguém oprimido que se tornar opressor, mas isso, não é motivo para
tamanho decoro deste.
Os pontos abordados até aqui foram: I. o ensino de ciências deve estar contextualizado
e ser o mais concreto possível; II. a realidade do aluno deve estar presente nos conteúdos de
ciências; III. o ensino de ciências deve levar o educando a compreender o mundo através do
que aprende (alfabetização científica); IV. a pesquisa, comunicação da pesquisa, resolução
dos problemas, levantamento de hipótese e tomada de decisão são pontos que devem ser
incentivados nos educandos; V. o educando deve participar do processo de ensino; VI. O
ensino de ciências é um processo também político que envolve múltiplas dimensões sendo
social, cultural, econômica, entre outras; VII. O ensino de ciências deve estimular a
curiosidade do educando e todos os processos citados nos outros tópicos fazem com que essa
seja provocada.
Esses pontos só são atendidos na medida que o professor vai concretizando a
autonomia dos educandos. “Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando
exige de mim uma prática em tudo coerente [...]” (Freire, 2002, p. 25). Esses tópicos
sugeridos permitem que essa autonomia esteja presente e seja respeitada pelo professor de
ciências onde os educandos torna-se ativos dentro do processo ensino-aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para pensar os problemas que enfrenta o ensino de ciências é necessário pensar todo
um complexo que vai desde a formação do professor, ao modo que ele ensina e como os
educandos interagem com o conteúdo. No entanto, busca-se atribuir aqui aspectos que
desenvolvam a autonomia do educando sendo esta, importante para a utilização de conceitos
científicos no cotidiano.
No ensino hegemônico das ciências naturais o conteúdo é abstrato e
descontextualizado, além disso, ignora-se a realidade do educando e isso deve-se muitas vezes
ao uso do livro didático pelo professor ou pela formação que esse professor teve onde não
consegue apropriar elementos da vivência dos educandos com o conteúdo. Esse conteúdo do
ensino hegemônico na visão dos educandos não tem aplicabilidade.
É fundamental para haver ensino de ciências o estímulo e respeito da autonomia do
educando. Assim, o educando participaria do processo de ensino, quebrando o paradigma do
ensino mecânico que se pauta principalmente na decoração da informação sem o devido
questionamento. Essa autonomia levaria a aspectos importantes do ensino de ciências, que é a
contextualização, pesquisa, a curiosidade, a tomada de decisão, entre outros, sendo importante
para alfabetização científica também.
A pesquisa é importante para o ensino inovador das ciências ela deve ser
acompanhada do levantamento de hipótese pelo educando, a comunicação dos resultados e até
mesmo a intervenção por meio da expertise adquirida. A partir disso é necessário a criticidade
para avaliar as situações, sendo a criticidade também importante para conhecer a ciência em
sua realidade onde apresenta pontos positivos e negativos.
Ao demostrar o potencial político das ciências é necessário trazer demandas da realidade do
educando como o córrego contaminado do lugar onde mora, descarte de lixo de modo
incorreto, a falta de infraestrutura, enfim, o contexto do educando para dentro do conteúdo das
ciências. Isso pode levar o educando a engajar-se e a tomar decisões importantes para mudar a
realidade pervertida.
Vale destacar o importante papel da curiosidade onde professor precisa fazer com que
o aluno faça perguntas e que vá além buscando respostas. Todos esses tópicos abordados só
serão alcançados desde que os educandos se tornarem autônomos e isso fará com que o
propósito do ensino de ciências seja alcançado, que é de formar cidadãos conscientes e
participantes.
Para estudos futuros é sugerível aprofundar-se em aspectos ligados a formação de
professores, como o livro didático reproduz o ensino tradicional das ciências e como
contextualizar as informações que lá apresentam com a realidade da escola e dos alunos, por
fim, sugere-se a pesquisa de como realizar a avaliação dos educandos e do desempenho do
conteúdo através do ensino inovador.
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. A pedagogia dos caracóis. 1 ed. São Paulo: Verus editora, 2011.
FEYNMAN, Richard. Só Pode Ser Brincadeira, Sr. Feynman! 1ed. Rio de Janeiro:
Intrínseca editora, 2019.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
HODSON, Derek. Looking to the Future. Springer Science & Business Media editora, 2010.