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TÉCNICA AUXILIAR
DO PLANEJAMENTO E CONTROLE DA
PRODUÇÃO: UM
ESTUDO DE CASO EM FÁBRICA DE
MÉDIO PORTE
Resumo
O presente artigo relata a experiência da implantação do sistema Kanban em uma célula-
piloto, realizada em uma fábrica de médio porte do setor metal mecânico em São Carlos -
SP. A intenção da implantação do sistema kanban surgiu como expectativa de auxílio ao
Planejamento e Controle da Produção, a fim de buscar padrões tecnológicos de gestão mais
adequados à realidade mundial. Para implantação do sistema Kanban criou-se um ambiente
Just-in-Time na célula piloto a fim de gerar um sistema consistente e também um modelo de
aprendizado para a fábrica. Trabalhou-se com operários de baixa escolaridade e elaborou-
se todo o material didático utilizado nas atividades de treinamento. Após um ano e meio
(1130 horas) de trabalho na fábrica, pôde-se chegar a resultados altamente satisfatórios,
tanto qualitativos quanto quantitativos.
1. Introdução
Destaca-se inicialmente o caráter explo- A convivência com a realidade e o coti-
ratório desta pesquisa, mais especificamen- diano de uma fábrica, com a possibilidade
te, um caráter de intervenção in loco nas de interferência nessa realidade, é uma
atividades de Planejamento e Controle da experiência rica e extremamente difícil.
Produção (PCP) desenvolvidas no chão- Difícil porque expõe dois universos, apa-
de-fábrica, para possibilitar um confronto rentemente antagônicos, em confronto
entre teoria e prática. dire-to, ou seja, uma atividade intelectual de
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2. A Fase de Desenvolvimento
Quando se deseja implantar o sistema Preparar o grupo para os conceitos
Kanban, deve-se seguir alguns da filosofia Just-in-Time.
mecanismos de implantação. Com base em Escolher um setor piloto para permi-
MONDEN (1984), SCHONBERGER tir o aprendizado da técnica.
(1987) e MOURA (1989) definiram-se os Determinar a demanda anterior, peça
seguintes passos: a peça.
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3. A Implantação
horas, sendo duas horas para cada módulo. conceitos por parte dos operários, melho-
Este curso foi ministrado a várias turmas. rando portanto sua qualificação.
O módulo 1 refere-se a uma simulação Em turmas que já haviam assistido a
em que se compara o sistema de produção outros cursos, como por exemplo lay-out, o
convencional e o sistema Just-in-Time resultado foi surpreendente, o que mostra a
(JIT); para tanto, utiliza-se a simulação de necessidade de reunião de todas as áreas, a
fabri-cação de canetas azuis e vermelhas, fim de elaborar um programa de treina-
que devem ser montadas conforme a lógica mento integrado, de modo que haja um
dos dois sistemas. melhor aproveitamento dos cursos minis-
A aplicação do módulo 1 transmite, de trados na fábrica.
forma clara, a lógica dos dois sistemas e Cabe observar, aqui, que foram colo-
desperta o interesse das pessoas para a cadas placas no caminho para a célula pi-
realização de mudanças em seus respec- loto, contendo conceitos e regras do siste-
tivos setores, a fim de obter deles um me- ma Kanban. Isso foi feito com o objetivo
lhor desempenho. de fazer com que as informações
O módulo 2 consta de uma apostila, a chegassem o mais próximo possível das
qual foi elaborada para treinamento das pessoas do chão-de-fábrica, de forma que
pessoas do chão-de-fábrica. Na elaboração elas pudes-sem ler e se auto instruir, o que
desta apostila teve-se a preocupação de ajudou a estimular a curiosidade dos outros
colocar os conceitos com linguagem sim- setores.
ples e arte final apropriada. Assim sendo, montou-se um kit de trei-
O objetivo do módulo 2 é transmitir, namento - composto dos módulos 1, 2, 3 -
mais detalhadamente, o que é a produção para o programa Just-in-Time.
Just-in-Time, seus pré-requisitos, alguns Com relação à importância da prepara-
conceitos e o funcionamento do sistema ção da mão-de-obra, FERRO (1990: 1992)
Kanban como uma ferramenta da produção declara que "apesar de todas as inovações
JIT. e revoluções tecnológicas trazidas pelo
É importante, no módulo 2, mostrar Siste-ma de Produção Toyota, sem dúvida
como as pessoas podem participar a fim de sua força fundamental encontra-se na
se atingir a produção JIT. Isto é feito pelo qualidade e motivação do pessoal. O
conhecimento das ferramentas ou pré- aproveitamento da potencialidade humana
requisitos, fase em que as pessoas em todos os níveis é um dos grandes
discutem o que pode ser feito com a méritos do siste-ma." Portanto, uma força
colaboração de cada um. Este módulo é de trabalho motivada e comprometida é de
antes de tudo um estímulo para discussões. importância crucial.
Quanto ao módulo 3, ele é um treina- Entretanto, é impossivel comprometer
mento específico para mostrar como vai ou motivar o trabalhador quando este não
funcionar o sistema Kanban da empresa; sabe por que nem para que está realizando
apresentar os cartões e os procedimentos determinada atividade.
adotados. Neste módulo, os operários pra- Neste sentido houve uma experiência
ticaram os novos procedimentos mediante bastante valiosa, pois foi possível ensinar
simulação da situação real e tomaram as aos trabalhadores os meandros da nova
decisões interpretando o painel. Este técnica a ser implementada, com material
módu-lo é bastante didático, transmitindo didático apropriado, criado para tal finali-
de for-ma clara o sistema adotado pela dade e, principalmente, utilizando a célula
empresa. piloto como um laboratório didático para
Após os três módulos ou etapas, pôde- que os trabalhadores pudessem ter entendi-
se concluir que houve uma absorção dos
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Este fato veio colocar ao alcance dos nenhum tipo de pesquisa tecnológica,
consumidores uma maior variedade de pro- necessária pa-ra adaptá-las às condições
dutos, de alta qualidade e a preços acessí- locais. O autor citado pesquisou um
veis, refletindo assim uma tendência número significativo de empresas para
mundial. chegar a esta conclusão, e menciona,
Dentro desta nova conjuntura, a empre- ainda, que todas as mudanças a fim de
sa brasileira vê-se diante da necessidade de reverter o quadro relatado, apare-ceram na
se adequar a essa tendência, adotando téc- segunda metade dos anos 80. Entretanto,
nicas compatíveis, guardadas as limitações este movimento de mudança se dá sem
existentes no país, com o novo paradigma uma diretriz bem definida, e dentro de um
produtivo mundial. A produção Just-in- ambiente de incertezas tão preocu-pante
Time apresenta enormes vantagens nesse que exige cautela, tanto de quem analisa
sentido, trazendo ao sistema de manufatura quanto de quem implementa as novas
maior flexibilidade para atender à técnicas.
variedade da demanda, além da A indústria brasileira não é competitiva
preocupação com o fator qualidade e a internacionalmente e tem continuado a per-
possibilidade de preços competitivos pela der espaço na concorrência global.
redução dos custos de produção. FLEURY (1983) observa que, entre os
Como não há a menor chance de impor- fatores que têm dificultado as vendas dos
tação pura e simples tanto das técnicas manufaturados brasileiros no exterior são
quanto da filosofia que as gerou, haverá citados, freqüentemente, o preço, a quali-
então necessidade de fortes ajustes na dade e a incapacidade de cumprir prazos
implantação de tais técnicas de entrega. Hoje, no mundo, o emprego de
(SACOMANO ,1990; MARTINS, 1993). novas técnicas de gestão da produção a fim
Em meados da década de 80, o êxito de adequar os sistemas de manufatura ao
japonês começou a tornar-se mais novo paradigma produtivo mundial é uma
evidente, o que aguçou, no âmbito da questão de sobrevivência ante a intensa
empresa brasi-leira, a disposição de imitar competição global.
os métodos e procedimentos tidos como FERRO (1992) afirma que a indústria
responsáveis por aquele êxito, conforme se no Brasil pode ter um dos maiores cresci-
pode observar pelo grande número de mentos do mundo, nesta virada de século,
publicações divul-gadas, por exemplo, caso consiga adotar rapidamente esse novo
pelo IMAM (Instituto de Movimentação e padrão de produção.
Armazanagem de Ma-teriais). Conforme Com relação à adoção do novo padrão
FERRO (1992) muitas vezes, enxergou-se mundial de produção destaca-se que é pos-
apenas a ponta de um iceberg, sível a difusão ampla no Brasil das novas
identificando-se o sistema apenas por meio técnicas de fabricação oriundas do Japão,
de uma de suas técnicas. É o caso dos pois, como em qualquer processo de ino-
Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), vação, os pioneiros, países ou empresas,
que provocaram grande febre na indústria obtêm vantagens com seu uso, mas gra-
nacional e hoje estão praticamente dualmente ocorre o aprendizado quando as
abandonados. novas técnicas são incorporadas por novos
Com relação à transferência das técni- usuários, tornando-se disponíveis para os
cas, RESENDE (1989) afirma que a maio- demais sistemas de manufatura e se ade-
ria da industria latino-americana se estabe- quando às mais diferentes condições.
leceu tendo como base a transferência de O presente trabalho confirma na prática
técnicas provenientes de países mais a última afirmação, porém ressalta de
desen-volvidos, sem que se realizasse forma veemente que a adaptação das
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Referências Bibliográficas
Abstract
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The present article reports the experience of the Kanban system implantation on a pilot
cell at a medium-size factory in the mechanical metal sector in São Carlos - SP. The reason
for implanting the Kanban system arose in the hope of aiding Production Planning and
Control in order to seek technological standards of administration more adequade to the
world reality. For the kanban system implantation a Just-in-Time environment has been
created at the pilot cell to generate a consistent system as well as a learning model for the
factory. The work has been done with employees who have had low schooling and all
didactical material used has been elaborated using training activities. After one and a half
years' (1130 hours) work at the factory, highly satisfactory results - both qualitative and
quantitative - have been attained.