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IMPLANTAÇÃO DE KANBAN COMO

TÉCNICA AUXILIAR
DO PLANEJAMENTO E CONTROLE DA
PRODUÇÃO: UM
ESTUDO DE CASO EM FÁBRICA DE
MÉDIO PORTE

Ethel Cristina Chiari da Silva


Doutoranda do Departamento de Engenharia Mecânica da
Escola de Engenharia de São Carlos - USP
José Benedito Sacomano
Prof. Dr. do Depto. de Engenharia Mecânica da
Escola de Engenharia de São Carlos - USP
fone: 0162-72.6222

v.2, n.1 ,p.59-69, abr.1995

Resumo
O presente artigo relata a experiência da implantação do sistema Kanban em uma célula-
piloto, realizada em uma fábrica de médio porte do setor metal mecânico em São Carlos -
SP. A intenção da implantação do sistema kanban surgiu como expectativa de auxílio ao
Planejamento e Controle da Produção, a fim de buscar padrões tecnológicos de gestão mais
adequados à realidade mundial. Para implantação do sistema Kanban criou-se um ambiente
Just-in-Time na célula piloto a fim de gerar um sistema consistente e também um modelo de
aprendizado para a fábrica. Trabalhou-se com operários de baixa escolaridade e elaborou-
se todo o material didático utilizado nas atividades de treinamento. Após um ano e meio
(1130 horas) de trabalho na fábrica, pôde-se chegar a resultados altamente satisfatórios,
tanto qualitativos quanto quantitativos.

Palavras-chave: Planejamento, Controle, Kanban, Treinamento, Célula.

1. Introdução
Destaca-se inicialmente o caráter explo- A convivência com a realidade e o coti-
ratório desta pesquisa, mais especificamen- diano de uma fábrica, com a possibilidade
te, um caráter de intervenção in loco nas de interferência nessa realidade, é uma
atividades de Planejamento e Controle da experiência rica e extremamente difícil.
Produção (PCP) desenvolvidas no chão- Difícil porque expõe dois universos, apa-
de-fábrica, para possibilitar um confronto rentemente antagônicos, em confronto
entre teoria e prática. dire-to, ou seja, uma atividade intelectual de
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pes-quisa versus a atividade complexa de convencional para atividades mais


se produzir bens ou serviços. próximas ao novo paradig-ma produtivo
Trabalhos realizados por FLEURY mundial.
(1978), MACHELINE (1985), RESENDE A escolha de implantação do sistema
(1989), SACOMANO (1990), MARTINS Kanban se deu após um período de convi-
(1993), vem encurtando a distância entre a vência durante o qual, de início, se teve
Universidade e a empresa. contato com os procedimentos rotineiros
Com relação à escolha das atividades de do PCP, seus problemas e propostas de
PCP, é importante mencionar que elas melhoria, sentindo assim o ambiente da or-
podem ser consideradas como o centro ner- ganização, para, então, propor um projeto
voso do sistema de manufatura, com fun- que tivesse grande aceitação no âmbito da
ções de coordenação e ponto de inte- empresa e condições que tornassem
gração. Para ZACCARELLI (1982), as factível sua implementação.
atividades de PCP apresentam acentuado Notou-se nesta fase o interesse por parte
caráter coordenador do processo produtivo da empresa nas novas técnicas de gestão da
e grande interação com as demais áreas do produção, principalmente as aplicadas no
sistema de manufatura. LINK (1978) afir- Japão. Decidiu-se explorar mais esta ques-
ma que o PCP apresenta caráter de coor- tão. Foram realizadas 22 entrevistas com
denação de funções e ponto de integração pessoas dos diferentes setores da produção.
de procedimentos administrativos. Com estas entrevistas foi possível registrar
A investigação nas atividades de PCP os principais problemas da produção e
pode fornecer claros indícios de como um também algumas sugestões.
sistema de manufatura está introduzindo Em seguida, estudou-se cada setor da
novas formas de organização industrial. produção, para verificação dos processos e
É importante destacar que uma adminis- do fluxo de materiais.
tração da produção deficiente não conse- Portanto, na convivência com os proce-
gue atender as novas dimensões de compe- dimentos das rotinas do PCP, por meio das
tição apontadas por BUFFA & SARIN entrevistas e do contato com os setores,
(1987) como sendo: custo, qualidade, pra- pôde-se ter uma boa visão do sistema de
zo de entrega, flexibilidade e serviço ao manufatura. O interesse da pesquisa estava
consumidor. centrado nas novas técnicas de gestão da
Portanto, o PCP converte-se ao mesmo produção; portanto, achou-se bastante
tempo em "janela de observação" de toda a oportuno o interesse da empresa no sistema
fábrica assim como a "porta de entrada" Kanban e decidiu-se propor o desenvolvi-
para o sistema produtivo. No presente mento de um setor piloto. O treinamento
estudo foi acrescentado um sistema da mão-de-obra viria constituir um ponto
Kanban numa célula piloto, como tentativa forte do presente trabalho como será visto.
de supe-ração da fase do PCP

2. A Fase de Desenvolvimento
Quando se deseja implantar o sistema Preparar o grupo para os conceitos
Kanban, deve-se seguir alguns da filosofia Just-in-Time.
mecanismos de implantação. Com base em Escolher um setor piloto para permi-
MONDEN (1984), SCHONBERGER tir o aprendizado da técnica.
(1987) e MOURA (1989) definiram-se os Determinar a demanda anterior, peça
seguintes passos: a peça.
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Definir as quantidades por contene- Com esta "caminhada" pelo chão-de-


dor (container). fábrica e analisando-se o fluxo de
Estudar o lead time de reposição de materiais, o setor Cabos Clusters revelou-
cada peça. se um bom candidato à célula piloto.
Definir o tipo de sistema Kanban Decidiu-se então explorar mais
(duplo cartão, cartão único) e os detalhadamente este setor e foi constatado
procedimentos. o seguinte:
Definir o número e os tipos de car- Produz pequeno número de itens
tões para cada peça. individuais
Estudar o lay out do setor. Poucas interações com outros
Criar painéis porta-Kanbans. produtos
Todos esses passos estão detalhados em Possui espaço para o supermercado
SILVA (1994). Cabe aqui uma observação Está passando por implantação de
com relação à escolha do setor piloto. programas de qualidade e existe por
Um bom candidato a setor piloto, con- parte do encarregado da célula um
forme MOURA (1989), é aquele que apre- grande interesse em conhecer o sis-
senta um número pequeno de itens indi- tema Kanban e aplicá-lo, além do de-
viduais, com programas de produção razo- sejo de contínuas melhorias no setor.
avelmente estáveis, e com poucas É o segundo produto da empresa em
restrições de produção (capacidade, termos de faturamento.
tamanho do lote, etc). Fizeram-se também estudos com
Como foi comentado, no início do relação à capabilidade dos processos
traba-lho levantou-se o fluxo de materiais (capacidade do processo manter os padrões
no chão-de-fábrica, isto foi feito pelo estabele-cidos), manutenção, refugos, etc.
contato com os encarregados das células, Dessa maneira, o setor Cabos Clusters
em que se ve-rificaram todos os processos foi escolhido como setor piloto para elabo-
e fluxos de materiais, o que possibilitou ração do sistema Kanban.
uma boa visão do chão-de-fábrica e um Os produtos da família cluster são:
cabeçotes com chicotes de fios (três fios).

bom conheci-mento dos produtos. e são utilizados na montagem de compres-


sores herméticos para indústria de refrige-
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ração. A família é composta por sete tipos ser vistos na foto 1.


de cabos clusters, dos quais quatro podem

Foto 1: Cabos Clusters


Com relação ao tipo de sistema Kanban, menciona-se que o suprimento de materiais
único ou duplo cartão, uma apresentação é efetuado, de acôrdo com a programação,
detalhada pode ser vista com detalhes em no próprio centro de trabalho. O posto de
SCHONBERGER (1983; 1987) e coleta indica a programação para o pró-
MOURA (1989). ximo período, ante a retirada de produtos
Na figura 1 pode-se ver o diagrama de prontos pelo cliente. O cartão retorna ao
funcionamento do sistema Kanban (de car- painel, reiniciando o ciclo do sistema Kan-
tão único) proposto. Como observação ban de cartão único.

Figura 1: Diagrama de Funcionamento do Sistema Kanban Proposto.

3. A Implantação

3.1 A Preparação da Mão-de-Obra


Decidida a implantação, iniciou-se a módulos. O curso foi dimensionado para
ela-boração e execução de um curso de duração total de aproximadamente seis
treina-mento, o qual foi dividido em três
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horas, sendo duas horas para cada módulo. conceitos por parte dos operários, melho-
Este curso foi ministrado a várias turmas. rando portanto sua qualificação.
O módulo 1 refere-se a uma simulação Em turmas que já haviam assistido a
em que se compara o sistema de produção outros cursos, como por exemplo lay-out, o
convencional e o sistema Just-in-Time resultado foi surpreendente, o que mostra a
(JIT); para tanto, utiliza-se a simulação de necessidade de reunião de todas as áreas, a
fabri-cação de canetas azuis e vermelhas, fim de elaborar um programa de treina-
que devem ser montadas conforme a lógica mento integrado, de modo que haja um
dos dois sistemas. melhor aproveitamento dos cursos minis-
A aplicação do módulo 1 transmite, de trados na fábrica.
forma clara, a lógica dos dois sistemas e Cabe observar, aqui, que foram colo-
desperta o interesse das pessoas para a cadas placas no caminho para a célula pi-
realização de mudanças em seus respec- loto, contendo conceitos e regras do siste-
tivos setores, a fim de obter deles um me- ma Kanban. Isso foi feito com o objetivo
lhor desempenho. de fazer com que as informações
O módulo 2 consta de uma apostila, a chegassem o mais próximo possível das
qual foi elaborada para treinamento das pessoas do chão-de-fábrica, de forma que
pessoas do chão-de-fábrica. Na elaboração elas pudes-sem ler e se auto instruir, o que
desta apostila teve-se a preocupação de ajudou a estimular a curiosidade dos outros
colocar os conceitos com linguagem sim- setores.
ples e arte final apropriada. Assim sendo, montou-se um kit de trei-
O objetivo do módulo 2 é transmitir, namento - composto dos módulos 1, 2, 3 -
mais detalhadamente, o que é a produção para o programa Just-in-Time.
Just-in-Time, seus pré-requisitos, alguns Com relação à importância da prepara-
conceitos e o funcionamento do sistema ção da mão-de-obra, FERRO (1990: 1992)
Kanban como uma ferramenta da produção declara que "apesar de todas as inovações
JIT. e revoluções tecnológicas trazidas pelo
É importante, no módulo 2, mostrar Siste-ma de Produção Toyota, sem dúvida
como as pessoas podem participar a fim de sua força fundamental encontra-se na
se atingir a produção JIT. Isto é feito pelo qualidade e motivação do pessoal. O
conhecimento das ferramentas ou pré- aproveitamento da potencialidade humana
requisitos, fase em que as pessoas em todos os níveis é um dos grandes
discutem o que pode ser feito com a méritos do siste-ma." Portanto, uma força
colaboração de cada um. Este módulo é de trabalho motivada e comprometida é de
antes de tudo um estímulo para discussões. importância crucial.
Quanto ao módulo 3, ele é um treina- Entretanto, é impossivel comprometer
mento específico para mostrar como vai ou motivar o trabalhador quando este não
funcionar o sistema Kanban da empresa; sabe por que nem para que está realizando
apresentar os cartões e os procedimentos determinada atividade.
adotados. Neste módulo, os operários pra- Neste sentido houve uma experiência
ticaram os novos procedimentos mediante bastante valiosa, pois foi possível ensinar
simulação da situação real e tomaram as aos trabalhadores os meandros da nova
decisões interpretando o painel. Este técnica a ser implementada, com material
módu-lo é bastante didático, transmitindo didático apropriado, criado para tal finali-
de for-ma clara o sistema adotado pela dade e, principalmente, utilizando a célula
empresa. piloto como um laboratório didático para
Após os três módulos ou etapas, pôde- que os trabalhadores pudessem ter entendi-
se concluir que houve uma absorção dos
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mento dos conceitos que vigoram na biblio-grafia geral sobre kanban.

3.2 Mudanças Efetuadas no Setor


Para implantação do sistema Kanban, grama de organização e limpeza, e a orga-
foram efetuadas algumas mudanças no se- nização do supermercado.
tor, das quais as principais foram: um pro- As fotos 2 e 3 deixam claro o que foi
realizado.
Foto 2: Vista do local antes da organização do supermercado
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Foto 3: Vista do local do supermercado pronto para funcionamento

4. Considerações Sobre a Empresa e os Resultados

Antes de nos reportarmos aos resultados gerên-cia de produção nestas industrias é


é importantíssimo fazer breves considera- tão importante como em qualquer outra,
ções sobre a empresa em que se realizou a ante as grandes perdas e desperdícios
pesquisa. quando as atividades de planejamento e
A empresa mostrou-se, desde o início, controle eram mal executadas ou
extremamente aberta à pesquisa e às mu- negligenciadas.
danças que fossem passíveis de implan- Dada esta preocupação, buscou-se man-
tação. Isto não é comum ou corriqueiro na ter na empresa um movimento, que já fora
empresa brasileira, que ainda resiste a uma iniciado havia algum tempo, na busca de
integração mais profícua com a Universi- padrões tecnológicos de gestão mais ade-
dade. Neste sentido a empresa pesquisada quados à realidade mundial. Procurou-se
mostra grande lucidez, servindo de labora- estabelecer um critério de implantação
tório para a pesquisa desenvolvida. Mesmo com acompanhamento passo a passo,
assim, ocorreram, no chão de fábrica, rejei- buscando melhorias contínuas no processo
ções naturais à implantação de uma nova produtivo, sem perturbar profundamente o
sistemática de trabalho. Essa situação per- andamento das atividades do chão-de-
durou por volta de dois meses. O que que- fábrica. Pode-se mencionar aqui, como

brou essa barreira foi a assimilação da uma dificuldade ini-cial, a falta de


técnica por parte dos operários. materiais no Centro de Trabalho (figura 1),
Convém ainda lembrar que, como men- devido ao aumento da velocidade
ciona SACOMANO (1983) pesquisando o (diminuição do ciclo de fabri-cação) da
PCP na pequena e média indústria, a célula, o que não pôde ser acom-panhado,
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inicialmente, pelo fornecedor desses "repulsa" pela técnica, caracterizada pelo


materiais. fracasso anterior.
Com relação ao sistema Kanban, foco A implantação apresentou ótimos resul-
principal da pesquisa, é importante tados. Os resultados quanificáveis foram
destacar uma observação feita por Taiichi obtidos a partir de dados coletados da
Ohno em uma entrevista que se encontra seguinte maneira:
em MOURA (1989): "o Kanban deve ter - antes da implantação os dados vie-
início sempre dentro de uma área da ram da comparação entre: os registros de
empresa, passar paulatinamente para outra, vários anos da programação de recebimen-
ter suas falhas corrigidas e ser consolidado tos dos clientes, os dados dos recebimentos
inter-namente, para só depois ser passado efetivados e os registros das entradas de
ao fornecedor. É um trabalho contínuo e materiais;
per-manente de aperfeiçoamento." E ainda, - após a implantação os dados foram
"começar o Kanban de fora para dentro da coletados diretamente no supermercado.
empresa é o maior erro que se pode Os resultados podem ser resumidos da
cometer." seguinte maneira:
Fica, portanto, consignada a Redução de 50% de estoque em pro-
importância de se iniciar por um setor cesso medido no período de novembro
piloto, para permitir o aprendizado da de 1993 a abril de 1994 (6 meses).
técnica e, só depois, expandir o sistema. Eliminação completa de todos os
Para essa ex-pansão é necessário criar uma
atrasos no mesmo período. Antes da
mentalidade de cliente-fornecedor na
implantação tinha-se um atraso
organização toda.
médio de 72.000 peças/mês.
É de fundamental importância que de-
Redução de 70% no estoque de pro-
pois da implantação do sistema, reserve-se
um tempo para medir seu desempenho e dutos acabados.
aumentar seus benefícios. Aumento da organização e limpeza
Observa-se ainda que MONDEN (1984) do setor.
alerta para o cuidado de não se confundir Alto grau de aprendizado da mão-de-
simples com simplista, pois apesar da obra.
teoria do sistema Kanban ser bastante Localização de apenas uma peça
simples, sua implementação é de extrema defei-tuosa em um total de 1.800.000
complexi-dade. (um milhão e oitocentas mil)
A falta de entendimento da filosofia entregues no período de novembro de
JIT, pode levar a um fraco aproveitamento 1993 a abril de 1994 (dado fornecido
da técnica, ou, pior, ao fracasso e posterior pelo controle de qualidade do cliente).
abandono, provocando geralmente uma

5. Considerações Acerca das Novas Técnicas de Gestão da Produção no Contexto


Brasileiro

Nos últimos anos a economia brasileira intensamente com os produtos nacionais.


tem-se caracterizado por uma forte instabi- Esses produtos, geralmente advindos de
lidade político-economica, recessão e altas países onde o novo paradigma já está
taxas inflacionárias. consolidado, apresentam maior qualidade,
No início da década de 90, houve a design moderno e maior variedade, além
abertura da economia brasileira e os produ- de serem bastante competitivos, no tocante
tos estrangeiros começaram a competir a preços, com os similares nacionais.
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Este fato veio colocar ao alcance dos nenhum tipo de pesquisa tecnológica,
consumidores uma maior variedade de pro- necessária pa-ra adaptá-las às condições
dutos, de alta qualidade e a preços acessí- locais. O autor citado pesquisou um
veis, refletindo assim uma tendência número significativo de empresas para
mundial. chegar a esta conclusão, e menciona,
Dentro desta nova conjuntura, a empre- ainda, que todas as mudanças a fim de
sa brasileira vê-se diante da necessidade de reverter o quadro relatado, apare-ceram na
se adequar a essa tendência, adotando téc- segunda metade dos anos 80. Entretanto,
nicas compatíveis, guardadas as limitações este movimento de mudança se dá sem
existentes no país, com o novo paradigma uma diretriz bem definida, e dentro de um
produtivo mundial. A produção Just-in- ambiente de incertezas tão preocu-pante
Time apresenta enormes vantagens nesse que exige cautela, tanto de quem analisa
sentido, trazendo ao sistema de manufatura quanto de quem implementa as novas
maior flexibilidade para atender à técnicas.
variedade da demanda, além da A indústria brasileira não é competitiva
preocupação com o fator qualidade e a internacionalmente e tem continuado a per-
possibilidade de preços competitivos pela der espaço na concorrência global.
redução dos custos de produção. FLEURY (1983) observa que, entre os
Como não há a menor chance de impor- fatores que têm dificultado as vendas dos
tação pura e simples tanto das técnicas manufaturados brasileiros no exterior são
quanto da filosofia que as gerou, haverá citados, freqüentemente, o preço, a quali-
então necessidade de fortes ajustes na dade e a incapacidade de cumprir prazos
implantação de tais técnicas de entrega. Hoje, no mundo, o emprego de
(SACOMANO ,1990; MARTINS, 1993). novas técnicas de gestão da produção a fim
Em meados da década de 80, o êxito de adequar os sistemas de manufatura ao
japonês começou a tornar-se mais novo paradigma produtivo mundial é uma
evidente, o que aguçou, no âmbito da questão de sobrevivência ante a intensa
empresa brasi-leira, a disposição de imitar competição global.
os métodos e procedimentos tidos como FERRO (1992) afirma que a indústria
responsáveis por aquele êxito, conforme se no Brasil pode ter um dos maiores cresci-
pode observar pelo grande número de mentos do mundo, nesta virada de século,
publicações divul-gadas, por exemplo, caso consiga adotar rapidamente esse novo
pelo IMAM (Instituto de Movimentação e padrão de produção.
Armazanagem de Ma-teriais). Conforme Com relação à adoção do novo padrão
FERRO (1992) muitas vezes, enxergou-se mundial de produção destaca-se que é pos-
apenas a ponta de um iceberg, sível a difusão ampla no Brasil das novas
identificando-se o sistema apenas por meio técnicas de fabricação oriundas do Japão,
de uma de suas técnicas. É o caso dos pois, como em qualquer processo de ino-
Círculos de Controle de Qualidade (CCQ), vação, os pioneiros, países ou empresas,
que provocaram grande febre na indústria obtêm vantagens com seu uso, mas gra-
nacional e hoje estão praticamente dualmente ocorre o aprendizado quando as
abandonados. novas técnicas são incorporadas por novos
Com relação à transferência das técni- usuários, tornando-se disponíveis para os
cas, RESENDE (1989) afirma que a maio- demais sistemas de manufatura e se ade-
ria da industria latino-americana se estabe- quando às mais diferentes condições.
leceu tendo como base a transferência de O presente trabalho confirma na prática
técnicas provenientes de países mais a última afirmação, porém ressalta de
desen-volvidos, sem que se realizasse forma veemente que a adaptação das
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técnicas deve ser cuidadosamente ticas de Recursos Humanos que, de forma


estudada, não se tratando de um processo geral, reproduzem uma ideologia
simples. brasileira, responsável pela má distribuição
Esta adaptação e a conseqüente transi- de renda.
ção para um patamar superior em termos Existem também, conforme o autor cita-
de gestão da produção poderão acontecer do, alguns pontos positivos nas práticas
se requisitos como o aprendizado das gerenciais no Brasil, com a existência de
novas técnicas, a estabilização da demanda esquemas de rotação de tarefas, mais fre-
e a escolarização da mão-de-obra forem qüentes do que em quase todos os países,
obser-vados. apenas inferiores aos índices japoneses e
Com relação à estabilização da deman- coreanos, apontando assim uma grande fle-
da, nota-se que as novas formas de organi- xibilidade e capacidade de adaptação da
zação da produção foram desenvolvidas mão-de-obra brasileira, não obstante sua
nos países do primeiro mundo, onde a pouca preparação técnica.
economia e a demanda são estáveis. É necessário lembrar que o caminho da
Quanto à escolarização da mão-de-obra, transição é longo e com muitos obstáculos.
FERRO (1992) cita que os trabalhadores Ressalta-se o fato de que serão necessários
brasileiros têm muito pouco treinamento muitos anos para a implementação com-
comparativamente aos de outros países, o pleta dos novos elementos que compõem
que é agravado pela baixa escolarização e as técnicas de gestão e, que talvez o mais
pelo baixo nível do ensino proporcionado di-fícil ainda seja a mudança da postura
pelo sistema escolar. Além disso, a ausên- vigen-te no âmbito das empresas. É
cia de esquemas de aprendizado constante, necessário, portanto, pensar-se a longo
no próprio trabalho, por meio de prazo, sem perder de vista que a indústria
superviso-res cuja tarefa seria ensinar e precisa caminhar hoje e, assim sendo,
guiar, e não vigiar e controlar, prejudica soluções rápidas e condizentes com a
ainda mais a capacitação dos trabalhadores globalização da economia precisam ser
no Brasil. Mesmo mostrando disposição encontradas, o que torna imperiosa a
para colabo-rar e aprender, existe falta de necessidade da implantação e ajuste das
preparo téc-nico adequado para poder novas técnicas, de maneira lúcida e sem
influir mais dire-tamente na resolução de falsas esperanças.
problemas. Não se trata apenas de mais Pela experiência relatada, a qual
treinamento técnico, mas efetivamente de focaliza um única célula, pode-se antever
melhor educação. uma grande possibilidade de melhorias
O Brasil é um dos países de maior des- sistemá-ticas nos processos produtivos, por
nível social, ou grau de desigualdade nas meio da escolarização da fábrica como um
relações sociais, o que se reflete nas orga- todo e da introdução de técnicas mais
nizações industriais. O maior fracasso na modernas de gestão, para que o país possa,
difusão do novo modo de produção oriun- a médio prazo, produzir riquezas e
do do Japão verifica-se, segundo FERRO distribuí-las à sociedade que as gera.
(1992), nos sistemas de trabalho e nas polí-

Referências Bibliográficas

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KANBAN SYSTEM IMPLANTATION AS A HELPING TECHNIQUE OF


THE PRODUCTION PLANNING AND CONTROL: A CASE STUDY AT A
MEDIUM-SIZE FACTORY

Abstract
GESTÃO & PRODUÇÃO v.2, n.1, p. 59-69, abr. 1995 70

The present article reports the experience of the Kanban system implantation on a pilot
cell at a medium-size factory in the mechanical metal sector in São Carlos - SP. The reason
for implanting the Kanban system arose in the hope of aiding Production Planning and
Control in order to seek technological standards of administration more adequade to the
world reality. For the kanban system implantation a Just-in-Time environment has been
created at the pilot cell to generate a consistent system as well as a learning model for the
factory. The work has been done with employees who have had low schooling and all
didactical material used has been elaborated using training activities. After one and a half
years' (1130 hours) work at the factory, highly satisfactory results - both qualitative and
quantitative - have been attained.

Key-words: Planning, Control, Kanban, Training, Cell.

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