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Nº 4164/2014 – ASJCIV/SAJ/PGR

Mandado de Segurança 32.812 – DF


Relator: Ministro Luiz Fux
Impetrante: Álvaro Fernandes Dias
Impetrado: Presidente da República
Impetrado: Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior
Impetrado: Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social – BNDES

Mandado de Segurança. Lei de Acesso à Informação. Pretensão de


acesso a dados classificados como sigilosos. Preliminares de decadência
da ação e de ilegitimidade passiva ad causam.
No mandado de segurança, coatora é a autoridade que
pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou
inexecução do ato impugnado. Ato praticado por Ministro
de Estado. Incompetência do Supremo Tribunal Federal.
Art. 102 do texto constitucional.
Dados classificados como sigilosos e de acesso restrito
porque considerados imprescindíveis à segurança do Estado,
uma vez que podem prejudicar ou pôr em risco a condução
de negociações e as relações internacionais do País.
Parecer pelo não conhecimento da ação mandamental e,
ultrapassada a preliminar, pela denegação da segurança.

Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Senador


da República Álvaro Dias, em que aponta como autoridades
coatoras a Presidente da República, o Ministro de Estado do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o Presidente
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –
BNDES.
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O impetrante narra, inicialmente que, conforme teria sido


noticiado pela imprensa nacional, o Governo Brasileiro realizou,
por intermédio do BNDES, empréstimos para os governos de
Cuba e de Angola, afirmando que tais financiamentos foram feitos
em condições, valores e termos absolutamente desconhecidos do
público em geral, bem como do Senado Federal.

Afirma que as referidas operações financeiras foram classifica-


das como sigilosas pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior e que, por isso, na condição de par-
lamentar, protocolou junto àquele Ministério requerimento, com
fundamento na Lei 12.527/2011, de acesso às informações acerca
dos mencionados empréstimos1.

Sustenta que, advindo resposta no sentido de que a divulga-


ção das informações solicitadas não teria respaldo na invocada
norma, uma vez que se refere a dados classificados como sigilosos2,
1 Pleiteou fossem fornecidos os seguintes dados: I) Valor total (2005-2013)
dos recursos públicos envolvidos nas operações financeiras do BNDES em
benefício dos governos de Cuba e Angola, respectivamente; II) Datas das
operações e das transferências financeiras; III) Atos ou instrumentos
normativos e contratuais (nacionais ou internacionais) que viabilizaram as
operações financeiras; e (IV) Inteiro teor do despacho e motivações do Sr.
Ministro de Estado que classificou as operações e respectivos documentos
como secretos.
2 Eis o trecho essencial da resposta ao requerimento administrativo: A
divulgação de determinadas informações produzidas no âmbito das
negociações para a concessão de financiamento à exportação brasileira
destinada a Cuba e Angola pode prejudicar ou pôr em risco a condução de
outras negociações e as relações internacionais do Brasil, bem como
envolvem informações que foram fornecidas em caráter sigiloso por outros

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aviou-se o presente mandamus, em que se requer o pleno acesso


aos documentos e informações constantes do requerimento inde-
ferido administrativamente.

Assevera a necessidade de intervenção do Poder Judiciário


para garantir sua prerrogativa institucional de fiscalizar os atos do
Poder Executivo, alegando que o acesso à informação pública
Estados e organismos internacionais, nos termos do inciso II, art. 23 da Lei
12.527/2011 e dos incisos II e III, art. 25 do Decreto nº 7.724/2012.
Assim, visando resguardar o caráter sigiloso, foram objeto de classificação,
informações referentes às negociações para concessão de financiamento do
Brasil aos Governos de Cuba e Angola. Ademais, é importante registrar
que os países objeto de consulta não estão submetidos à Lei nº
12.527/2011. Dessa forma, este Ministério estaria violando a soberania
desses países se tais informações fornecidas em caráter sigiloso fossem
divulgadas. Vale destacar ainda que esses acordos são celebrados no intuito
de dar pavimentação política e garantia às operações comerciais, que são
cobertas, nos termos da lei, pelos sigilos bancário e comercial. Além disso,
esses instrumentos estabelecem as estruturas de garantias governamentais
para garantir as operações de empresas brasileiras que exportam para esses
países. Ressalte-se que os financiamentos são concedidos, em reais,
diretamente aos exportadores de bens e serviços brasileiros, não havendo
repasse de recursos do Tesouro a pessoas ou instituições estrangeiras. O
objetivo de tais financiamentos é promover a exportação nacional, além de
estimular e dar competitividade às empresas brasileiras no mercado
internacional. Trata-se, na verdade, de uma prática internacional, bastante
utilizada por países como China, Estados Unidos e Japão. Nesse contexto
de competição internacional pelos mais diversos mercados, avaliou-se que
a divulgação das condições negociais praticadas pelo Brasil poderia
impactar outras negociações brasileiras, bem como a dos países com os
quais o Brasil está negociando. Por último, destaca-se que as operações de
financiamento objeto da presente demanda seguem as orientações e
deliberações da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), colegiado de
Ministros responsável por fixar diretrizes para a política de financiamento
das exportações de bens e de serviços, bem como para a cobertura dos
riscos de operações a prazo, inclusive as relativas ao seguro de crédito às
exportações.

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constitui-se direito fundamental do cidadão, somente podendo ser


excepcionado nas hipóteses em que o sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado.

Solicitadas as informações, a Advocacia-Geral da União afir-


mou, preliminarmente, decorrido o prazo decadencial para a im-
petração, uma vez que, segundo argúi, o impetrante tinha conheci-
mento da classificação de sigilo desde a data em que formulou o
pedido administrativo, em 10/04/2013, de forma que o ajuiza-
mento da ação mandamental, em 24/02/2014, teria acontecido
quando já ultrapassados os 120 dias previstos no art. 23 da Lei
12.016/2009.

Aponta, de outra banda, a ilegitimidade passiva ad causam da


Presidente da República, salientando que a Exma. Sra. Presidenta
não foi responsável pelo ato apontado como violador; não o praticou. nem
ordenou sua prática, dizendo que, por conseguinte, a Suprema Corte
não tem competência para conhecer do presente mandamus.

Registra, nesse aspecto, que a inicial não indica qualquer


conduta que faça com que a Presidente da República possa figurar
no polo passivo da demanda, aduzindo ser inconteste sua não par-
ticipação na classificação de sigilo ou no indeferimento do pedido
administrativo formulado pelo impetrante.

Também o BNDES apresentou manifestação, em que pede a


denegação da segurança, invocando também as preliminares de ile-

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gitimidade passiva e decadência da ação.

Esses, em síntese, os fatos de interesse.

Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República para pa-


recer.

O pedido não reúne condições de êxito.

Quanto à preliminar de decadência, não obstante a decisão


de classificação de sigilo tenha efetivamente ocorrido em junho de
2012, houve prévio requerimento administrativo e a presente irre-
signação volta-se claramente contra a negativa de acesso às infor-
mações pleiteadas e ao consequente indeferimento do pedido ad-
ministrativo, não se podendo partir daquele termo para a conta-
gem inicial da decadência.

De outra parte, não há informação nos autos quanto à data da


resposta de indeferimento do pleito administrativo, limitando-se o
impetrante a transcrever trecho do conteúdo decisório e a juntar
cópia não datada do ato questionado, de modo que não há como
aferir a existência ou não de decadência na espécie.

No que se refere às alegações de ilegitimidade passiva ad cau-


sam, por outro lado, prosperam as preliminares invocadas nas infor-
mações, evidenciando-se, por consequência, a incompetência do
Supremo Tribunal Federal para examinar o presente mandamus.

É que, conforme leciona a doutrina, a autoridade coatora do

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mandado de segurança é aquela que pratica ou ordena concreta e


especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado3.

Nesse contexto, embora também aponte como autoridades


coatoras a Presidente da República e o Presidente do BNDES, a
impetração volta-se, na verdade, contra a negativa de acesso às in-
formações requeridas diretamente ao Ministério do Desenvolvi-
mento, Indústria e Comércio Exterior e cujo indeferimento deu-
se com fundamento em decisão do Ministro daquela pasta que
classificou como sigilosos os dados referentes aos financiamentos
feitos aos países estrangeiros em questão.

Assim, tendo o ato coator emanado de Ministro de Estado,


forçoso admitir a existência de ilegitimidade passiva ad causam no
writ, além de, em razão do rol disposto no art. 102 da Constituição
Federal, reconhecer-se a incompetência do Supremo Tribunal Fe-
deral para processar e julgar a demanda.

A ação mandamental não reúne, portanto, condições de co-


nhecimento. Caso, entretanto, ultrapassado o óbice, o parecer é
pela denegação da segurança.

3 Nesse sentido é a lição de Hely Lopes Meirelles: Considera-se autoridade


coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior
que o recomenda ou baixa normas para sua execução. Não há confundir, entretanto,
o simples executor material do ato com a autoridade por ele responsável. Coator é a
autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou
inexecução do ato impugnado e responde pelas suas consequências administrativas
(in Mandado de Segurança, 26ª edição, Editora Malheiros, pág. 59).

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Isso porque, a despeito da inegável importância da entrada


em vigor da chamada Lei de Acesso à Informação, a mencionada
norma não tem o alcance pretendido pelo impetrante.

O ato normativo em questão, relevante instrumento na con-


cretização do direito constitucional de acesso à informação, objeti-
va assegurar a gestão transparente da informação, de forma a pro-
piciar seu amplo acesso e divulgação, bem como garantir a dispo-
nibilidade, autenticidade e integridade dos dados, além de prever,
também para o alcance de sua finalidade, a proteção da informação
sigilosa e pessoal, bem como daquela que possa pôr em risco a se-
gurança da sociedade ou do Estado.

O próprio texto da norma prevê expressamente que suas


disposições não excluem a possibilidade de que determinadas in-
formações sejam passíveis de restrição, desde que consideradas im-
prescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, acrescentando
estarem inseridos entre tais dados aqueles que possam prejudicar
ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações inter -
nacionais do País, ou os que tenham sido fornecidos em caráter si-
giloso por outros Estados e organismos internacionais (art. 23 ca-
put e II).

Fica evidente, portanto, que o acesso aos dados referentes às


operações realizadas entre o Governo brasileiro e os Governos de
Cuba e Angola enquadram-se entre as hipóteses expressamente

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trazidas pelo texto legal, constituindo informações passíveis de


classificação quanto ao sigilo por envolver a condução de relações
internacionais, bem como pela possibilidade de existirem dados
fornecidos em caráter sigiloso pelos Estados estrangeiros referidos.

Revela-se ausente, destarte, qualquer ilegalidade, abuso ou ar-


bitrariedade, não havendo direito líquido e certo a ser tutelado.

Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da


República pelo não conhecimento da ação mandamental e,
ultrapassada a preliminar, pela denegação da segurança.

Brasília (DF), 24 de junho de 2014.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros


Procurador-Geral da República

VCM/JCCR

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