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IV
A evolução da condição feminina não prosseguiu de maneira contínua. Com as
grandes invasões, toda a civilizações foi posta em causa. O próprio direito romano
sofreu a influência de uma ideologia nova: o cristianismo.
E, nos séculos que se seguem, os bárbaros fa2em que suas leis triunfem. A
situação econômica, social e política é transtornada: e isto repercute na situação da
mulher.
A ideologia cristã não contribuiu pouco para a opressão da mulher. Há, sem dúvida, no
Evangelho um sopro de caridade que se estende tanto às mulheres como aos leprosos;
são os pequenos, os escravos e as mulheres que se apegam mais apaixonadamente à
nova lei.
Logo no início do cristianismo, eram as mulheres, quando se submetiam ao jugo
da Igreja, relativamente honradas; testemunhavam como mártires ao lado dos homens;
não podiam, entretanto, tomar parte no culto senão a título secundário; as "diaconisas"
só eram autorizadas a realizar tarefas laicas: cuidados aos doentes, socorros aos
indigentes. E se o casamento é encarado como uma instituição que exige fidelidade
recíproca, parece evidente que a esposa deve ser totalmente subordinada ao esposo:
Numa sociedade em que toda capacidade encontra sua fonte na força brutal, a
mulher era de fato inteiramente impotente; mas reconheciam-lhe direitos que a
dualidade dos podêres domésticos de que ela dependia lhe assegurava; escravizada, era
contudo respeitada; o marido comprava-a, mas o preço da compra constituía uma renda
de que ela era proprietária; além disso, seu pai dotava-a; É essa tradição que se perpetua
durante a Idade Média.
V
Poder-se-ia imaginar que a Revolução transformasse o destino
feminino. Não foi o que aconteceu. A revolução burguesa mostrou-se respeitosa das
instituições e dos valores burgueses; foi
feita quase exclusivamente pelos homens.
Só quando o poder econômico cair nas mãos do trabalhador é que se tornará
possível à trabalhadora conquistar capacidades que a mulher parasita, nobre ou
burguesa, nunca obteve.
A mulher reconquista uma importância econômica que perdera desde as
épocas pré-históricas, porque escapa do lar e tem, com a fábrica, nova participação na
produção. É a máquina que dá a20 a essa modificação violenta, porque a diferença de
força física entre trabalhadores masculinos e femininos se vê, em grande número
de casos, anulada. Como o súbito desenvolvimento da indústria exige uma mão-de-obra
mais considerável do que a fornecida pelos trabalhadores masculinos, a colaboração da
mulher é necessária. Essa é a grande revolução que, no século XIX, transforma o
destino da mulher e abre, para ela, uma nova era.
Porque é pelo trabalho que a mulher conquista sua dignidade de ser humano;
contentando-se grande quantidade de mulheres com salários inferiores, o conjunto do
salário feminino alinha-se naturalmente nesse nível que é o mais vantajoso para o
empregador.
E primeiramente esta: toda a história das mulheres foi feita pelos homens. Viu-se
por que razões tiveram eles, no ponto de partida, a força física juntamente com o
prestígio moral; criaram valores, costumes, religiões; nunca as mulheres lhes disputaram
esse império. Algumas isoladas rotestaram contra a dureza de seu destino; ocorreram,
por vezes, manifestações coletivas: mas as matronas romanas, ligando-se contra a lei
Ápia ou as sufragistas anglo-saxônias, só conseguiram exercer uma pressão porque os
homens estavam dispostos a aceitá-la. Eles é que sempre tiveram a sorte da mulher nas
mãos; foi o conflito entre a família e o Estado que então definiu o estatuto da mulher;
foi a atitude do cristão em face de Deus, do mundo e da própria carne que se refletiu na
condição que lhe determinaram;
O fato que determina a condição atual da mulher é a sobrevivência obstinada, na
civilização nova que se vai esboçando, das tradições mais antigas. Abrem-se as fábricas,
os escritórios, as faculdades às mulheres, mas continua-se a considerar que o casamento
é para elas uma carreira das mais honrosas e que a dispensa de qualquer outra
participação na vida coletiva.
Os costumes estão longe de outorgar a esta possibilidades sexuais idênticas às do
homem celibatário; a maternidade, em particular, é-lhe, por assim dizer, proibida, sendo
a mãe solteira objeto de escândalo. Tudo encoraja ainda a jovem a esperar do "príncipe
encantado" fortuna e felicidade de preferência a tentar sozinha uma difícil e incerta
conquista. Os pais ainda educam suas filhas antes com vista ao casamento do que
favorecendo seu desenvolvimento pessoal. E elas vêem nisso tais vantagens, que o
desejam elas próprias; e desse estado de espírito resulta serem elas o mais das vezes
menos especializadas, menos sòlidamente formadas do que seus irmãos, e não se
empenham integralmente em suas profissões; desse modo, destinam-se a permanecer
inferiores e o círculo vicioso fecha-se, pois essa inferioridade reforça nelas o desejo de
encontrar um marido.
O privilégio econômico detido pelos homens, seu valor social, o prestígio do
casamento, a utilidade de um apoio masculino, tudo impele as mulheres a desejarem
ardorosamente agradar aos homens. Em conjunto, elas ainda se encontram em situação
de vassalas. Disso decorre que a mulher se conhece e se escolhe, não tal como existe
para si, mas tal qual o homem a define. Cumpre-nos, portanto, descrevê-la
primeiramente como os homens a sonham, desde que seu ser-para-os-homens é um dos
elementos essenciais de sua condição concreta.