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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RENATA DE LIMA VELLOSO

AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM E DE TEORIA DA MENTE NOS


TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO COM A APLICAÇÃO
DO TESTE STRANGE STORIES TRADUZIDO E ADAPTADO
PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

São Paulo
2011
RENATA DE LIMA VELLOSO

AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM E DE TEORIA DA MENTE NOS


TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO COM A APLICAÇÃO
DO TESTE STRANGE STORIES TRADUZIDO E ADAPTADO
PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em


Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutora.

Orientador:
Prof. Dr. José Salomão Schwartzman

São Paulo
2011
V441a Velloso, Renata de Lima.

Avaliação de linguagem e de teoria da mente nos trans-


tornos do espectro do autismo com a aplicação do teste S-
trange stories traduzido e adaptado para a língua portuguesa/
Renata de Lima Velloso. -

111 f. : il. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Distúrbios do Desenvolvimento) -


Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012.

Bibliografia: f. 88-98.

1. Transtornos do Espectro do Autismo. 2. Linguagem. 3.


Teoria da mente. I. Título.
ii

RENATA DE LIMA VELLOSO

AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM E DE TEORIA DA MENTE NOS


TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO COM A APLICAÇÃO
DO TESTE STRANGE STORIES TRADUZIDO E ADAPTADO
PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em


Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutora.

Aprovada em 02 de fevereiro de 2012.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Salomão Schwartzman – Orientador


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Maria Cristina T V Teixeira


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Lucas de Francisco Carvalho


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Ceres Alves de Araújo


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Profa. Dra. Ana Luiza Gomes Pinto Navas


Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
iii

Aos indivíduos com Transtornos do Espectro do


Autismo e suas famílias, com o desejo de acres-
centar conhecimento a esta área.
iv

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. José Salomão Schwartzman, por de forma tão generosa dividir seus
conhecimentos, ajudando no meu crescimento profissional e pessoal intensamente,
minha eterna admiração.

Às famílias dos indivíduos que participaram do estudo, que se mostraram sempre


dispostas a ajudar e muito interessadas na pesquisa.

Ao MackPesquisa, pelo apoio financeiro sem o qual não seria possível a conclu-
são deste trabalho.

Ao Prof. Dr. Décio Brunoni e à Profa Dra Maria Eloísa Famá D’Antino, que partici-
pam do Grupo de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento do Programa de Pós-
graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mac-
kenzie, por engrandecer meus conhecimentos por meio do convívio e das reuniões.

Às amigas que participam também desse grupo, sempre dispostas a ajudar: Cintia
Perez Duarte, Alessandra Aronovich Vinic e Tatiana Pontrelli Mecca.

À Profa Dra Roberta Monterazzo Cysneiros, à Profa Dra Maria Cristina Triguero Ve-
loz Teixeira e à Profa Dra Cristiane Silvestre de Paula, que participam também das
discussões do grupo, dividindo suas experiências.

À Profa Dra Ceres Alves de Araújo, que contribuiu de forma rica para que este tra-
balho se tornasse uma tese.

Ao Prof. Dr. Geraldo Fiamenghi Júnior, que colaborou muito com sugestões para
este estudo.
v

Ao Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo, pelas orientações e conselhos.

A Silvana Santos, pelo apoio na conclusão do trabalho.

Aos meus pais, Célia e Gerson, pelo incentivo, pelo amor, pela ajuda e pela dedi-
cação durante todos esses anos, que possibilitaram a conquista de mais uma vitória
importante em minha vida.

À minha avó, que de forma especial e pessoal contribuiu para minha formação.

Ao meu avô, com muita saudade, que representou fonte de sabedoria e força.

Ao meu marido, Leonardo, por acreditar em mim: Obrigada por ficar ao meu lado
mesmo nos momentos difíceis!
vi

O presente trabalho foi realizado com apoio do


Instituto Presbiteriano Mackenzie, por intermédio
do MACKPESQUISA.
vii

RESUMO

Os Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) se caracterizam por prejuízos


significativos na interação social, na comunicação verbal e não verbal e pela ausên-
cia de atividades imaginativas, substituídas por comportamentos repetitivos e este-
reotipados. Os pesquisadores vêm há muitos anos propondo teorias explicativas do
prejuízo primário nos TEA, prevalecendo atualmente duas vertentes teóricas: a teo-
ria desenvolvimentista e a teoria cognitivista. O objetivo deste estudo foi a avaliação
de habilidades de linguagem e de Teoria da Mente em indivíduos com TEA e indiví-
duos-controle, com a aplicação do teste Strange Stories, traduzido e adaptado para
a Língua portuguesa. Participaram do estudo 28 crianças com TEA e 56 crianças-
controle, todas do sexo masculino e na faixa etária entre seis e 12 anos. A versão
brasileira do teste Strange Stories foi aplicada, seguindo os mesmos procedimentos,
tanto ao grupo experimental quanto ao grupo-controle. Os resultados indicaram dife-
renças significativas entre os escores médios dos grupos experimental e controle em
cada uma das 12 histórias do teste e na soma dos escores de todas as histórias. Os
escores médios registrados para todas as histórias foram significativamente maiores
no grupo-controle do que no grupo experimental (crianças com TEA). Observou-se
correlação positiva entre quociente de inteligência e soma dos escores médios para
o grupo experimental, e correlação positiva entre idade e soma dos escores médios
para o grupo-controle. Observou-se ótima consistência interna do protocolo. Os re-
sultados foram discutidos sob a perspectiva cognitivista e desenvolvimentista. Con-
cluiu-se que as habilidades de linguagem e de Teoria da Mente avaliadas pelo teste
Strange Stories se mostraram alteradas no grupo de crianças com TEA quando
comparadas às crianças do grupo-controle.

Palavras-chave: Transtornos do Espectro do Autismo, Linguagem, Teoria da Mente.


viii

ABSTRACT

Autistic Spectrum Disorders (ASD) refer to important deficits in social interac-


tion, in verbal and nonverbal communication, and in imaginative activities, which are
replaced by repetitive and stereotyped behaviors. For several years, researchers
have been proposing theories for explaining the primary deficit in the ASD, and cur-
rently two theoretical approaches are preponderant: the developmental theory and
the cognitive theory. This study has aimed at assessing abilities of language and of a
theory of mind in children with ASD and in control children, with the application of the
Strange Stories Test translated into Portuguese and adopted for Brazilian culture.
Male children with ASD (28) and male control children (56) aged 6 to 12 years old
took part in this study. The Brazilian version of the Strange Stories Test was applied
following the same procedures to both experimental and control groups. Findings
evidenced significant differences between mean scores of the groups in every of the
12 histories composing the test as well as in the sum of mean scores for all histories.
Mean scores in all histories were significantly higher in the control group compared to
the experimental group (children with ASD). Significant positive correlation was es-
tablished between the estimated intelligence quotients and the sum of mean scores
in the ASD group, and between the age and the sum of mean scores in the control
group. Optimal internal consistence of the protocol was observed (0.955). Results
were discussed under developmental and cognitive theories. It is concluded that the
abilities of language and of a theory of mind assessed by the Strange Stories Test
presented altered in children with ASD compared to children with typical develop-
ment.

Keywords: Autistic Spectrum Disorders, Language, Theory of Mind.


ix

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Representação gráfica da diferença nas pontuações dos grupos expe-


rimental e controle em cada uma das histórias ....................................... 69

Figura 2 Gráficos de dispersão para idades versus QIe (A), idades versus so-
mas dos escores de todas as histórias (B) e QIe versus somas dos
escores de todas as histórias (C) no grupo experimental (indivíduos
com TEA) ................................................................................................. 71

Figura 3 Gráficos de dispersão para idades versus QIe (A), idades versus so-
mas dos escores de todas as histórias (B) e QIe versus somas dos
escores de todas as histórias (C) no grupo-controle ............................... 72

Figura 4 Escores médios e desvios-padrão registrados para cada história no


grupo experimental .................................................................................. 74

Figura 5 Escores médios e desvios-padrão registrados para cada história no


grupo-controle .......................................................................................... 75
Figura 6 Representação dos valores extremos de QIe observados no grupo ex-
perimental (vermelho) e no grupo-controle (azul), ilustrando diferença
de 30 pontos no maior estremo e de 20 pontos no menor extremo ........ 79
x

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Termos e abreviaturas utilizados na apresentação dos Resultados do


estudo ...................................................................................................... 67

Tabela 2 Comparação entre as médias de idade e de QIe dos grupos experi-


mental e controle ..................................................................................... 67

Tabela 3 Comparação entre os escores médios registrados para os grupos ex-


perimental e controle em cada história e no total equivalente à soma de
todas as histórias ..................................................................................... 68

Tabela 4 Coeficientes de Correlação de Pearson entre idades, QIe e somas dos


escores de todas as histórias no grupo experimental (indivíduos com
TEA) e no grupo-controle ........................................................................ 69

Tabela 5 Escores médios registrados para cada história no grupo experimental


(indivíduos com TEA) .............................................................................. 74

Tabela 6 Valores de p calculados na comparação dos escores médios de cada


par de histórias registrados no grupo experimental (indivíduos com
TEA) ......................................................................................................... 74

Tabela 7 Escores médios registrados para cada história no grupo-controle .......... 75

Tabela 8 Valores de p calculados na comparação dos escores médios de cada


par de histórias registrados no grupo-controle ........................................ 75

Tabela 9 Valores de Alfa de Cronbach para determinação da consistência interna


do protocolo nos grupos experimental e controle e na amostra geral ....... 76
xi

SUMÁRIO

Resumo ............................................................................................................................. vi
Abstract ............................................................................................................................. vii
Lista de Tabelas ................................................................................................................ viii
Lista de Figuras ................................................................................................................. ix

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12

2. REVISÃO DA LITERATURA ......................................................................................... 14


2.1 Os transtornos do espectro do autismo – TEA ....................................................... 14
2.2 Teorias sobre o prejuízo primário nos TEA ............................................................ 19
2.2.1 Teoria psicanalítica ....................................................................................... 19
2.2.2 Teorias cognitivas ......................................................................................... 21
2.2.3 Teorias afetivas ............................................................................................ 24
2.2.4 Teorias desenvolvimentista e cognitivista .................................................... 26
2.3 Teoria da Mente ..................................................................................................... 28
2.3.1 A Teoria da Mente ........................................................................................ 28
2.3.2 Teste avançado em Teoria da Mente Strange Stories ................................. 36
2.4 Linguagem .............................................................................................................. 39
2.5 Linguagem e Teoria da Mente ................................................................................ 48

3. OBJETIVOS .................................................................................................................. 53

4. CASUÍSTICA E MÉTODO ............................................................................................ 54


4.1 Casuística ............................................................................................................... 54
4.1.1 Grupo experimental ...................................................................................... 54
4.1.2 Grupo-controle .............................................................................................. 56
4.2 Método .................................................................................................................... 57
4.2.1 Procedimentos para tradução e adaptação do instrumento de pesquisa ...... 57
4.2.1.1 O instrumento de pesquisa .............................................................. 58
4.2.2 Procedimentos para seleção e composição das amostras .......................... 59
4.2.3 Procedimentos para aplicação do instrumento ao grupo experimental e ao
grupo-controle ....................................................................................................... 62
4.2.3.1 Aplicação do instrumento ................................................................. 62
4.2.3.2 Registro de escores ......................................................................... 63

5. RESULTADOS .............................................................................................................. 66

6. DISCUSSÃO ................................................................................................................. 77

7. CONCLUSÕES ............................................................................................................. 87

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 88

ANEXO A
Critérios Diagnósticos do DSM-IV ..................................................................................... 99
xii

ANEXO B
Critérios Diagnósticos da CID-10 ...................................................................................... 101
ANEXO C
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ao sujeito da pesquisa) ............................ 103
ANEXO D
Carta de Informação à Instituição ....................................................................................... 104
ANEXO E
Tradução do Teste Strange Stories .................................................................................... 105
ANEXO F
Teste Avançado em Teoria da Mente Strange Stories (Happé, 1994) ............................... 107
ANEXO G
Dados das crianças do grupo experimental ........................................................................ 109
ANEXO H
Dados das crianças do grupo-controle ............................................................................... 111
13

1. INTRODUÇÃO

Os Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) se caracterizam por prejuízos

severos na interação social e na comunicação e por ausência de atividades imagina-

tivas, substituídas por comportamentos repetitivos e estereotipados (Wing e Gould,

1979).

As dificuldades apresentadas nos indivíduos com TEA foram atribuídas, ao

longo dos anos, a prejuízos primários sociais, afetivos e cognitivos.

Duas habilidades são citadas, dentre outras, como amplamente prejudicadas

nos TEA: a Teoria da Mente e a Linguagem. Os sujeitos com TEA apresentam difi-

culdade em levar em consideração os próprios estados mentais e os das outras

pessoas, com a finalidade de compreender e predizer comportamentos (Baron-

Cohen, 1995), o que envolve a Teoria da Mente. Esses sujeitos apresentam também

grave comprometimento de Linguagem, com grande prejuízo na comunicação.

A maioria dos estudos que investigam a relação entre Linguagem e Teoria da

Mente fornece poucos dados e usa testes restritos à Teoria da Mente. Além disso,

há escassez no Brasil de instrumentos formais e objetivos disponíveis comercial-

mente e indicados para avaliação e diagnóstico de linguagem nos TEA, o que indica

a necessidade de pesquisas nesta área.

É de extrema importância que as habilidades e dificuldades dos sujeitos com

TEA sejam avaliadas por meio de testes adaptados que contemplem situações natu-

ralísticas e que, assim, apresentem questões para respostas mais reais. É também
14

muito importante que essas habilidades e dificuldades sejam estudadas além das

diferenças entre as concepções teóricas sobre os TEA, uma vez que influenciarão

diretamente sobre a abordagem utilizada na intervenção do indivíduo. Uma visão

abrangente das concepções cognitivista e desenvolvimentista pode resultar em in-

tervenção adequada.

No sentido de contribuir para o esclarecimento dessas questões foi proposta a

realização deste estudo, que inclui a tradução e a adaptação para a Língua portu-

guesa do Teste Strange Stories, cuja aplicação permite a avaliação da linguagem e

da Teoria da Mente, e a discussão dos achados à luz das teorias cognitivista e de-

senvolvimentista.
15

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 OS TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO – TEA

O autismo foi descrito pela primeira vez por Leo Kanner, psiquiatra infantil, em

1943, após estudar 11 crianças com idade de dois a 11 anos, sendo oito meninos e

três meninas, com quadro caracterizado por isolamento extremo, atividades repetiti-

vas e estereotipadas, aparente incapacidade inata de relacionamento com as pes-

soas e intensa resistência a mudanças. O autor observou variações nos níveis de

isolamento apresentados por essas crianças, e nomeou este quadro de Distúrbio

Autístico do Contato Afetivo.

Kanner (1943) relatou também que essas crianças apresentavam dificuldades

para assumir postura antecipatória para serem carregadas; dificuldades para usar a

linguagem para a comunicação; repetição de fala tardia; reação de horror diante de

barulhos com volume alto; e aspecto físico essencialmente normal. Descreveu como

particularidade a existência de habilidades excepcionais, como a memória.

Em 1944, quase na mesma época, o pediatra Hans Asperger desenvolveu sua

tese, discorrendo sobre crianças que apresentavam habilidades intelectuais normais,

mas tinham a comunicação não verbal empobrecida e se isolavam do convívio social,

com manifestações clínicas semelhantes àquelas descritas por Kanner, e que pare-

ciam “pequenos professores”. Outros comportamentos observados por Asperger fo-


16

ram: pobreza de contato de olho, limitação de empatia, fala pedante e com pouca

modulação, intenso envolvimento com tópicos específicos de interesse, grande re-

sistência a mudanças e falhas nas habilidades motoras. Asperger nomeou este qua-

dro de Psicopatia Autista.

Muitos anos depois, Lorna Wing (1981) analisou as descrições de comporta-

mento feitas por Asperger (1944) e encontrou similaridades com aquelas feitas por

Kanner (1943), atribuindo, então, o termo Síndrome de Asperger para nomear o

quadro. Até a sua introdução na literatura por Lorna Wing em 1981, essa condição

era praticamente desconhecida da comunidade científica. A autora considerou a

possibilidade de compreensão de ambas as descrições como um conjunto de ele-

mentos variáveis em grau, e propôs a expressão Espectrum ou Continuum de De-

sordens Autísticas (Wing, 1988).

Muitos estudos foram realizados desde então, e, com o passar do tempo, os

critérios diagnósticos sofreram alterações. A ideia de que o autismo de Kanner faria

parte de um amplo espectro de desordens começou a ser seriamente considerada

nos anos 1970 e 1980, o que possibilitou uma série de estudos posteriores a esse

respeito (Szatmari, 1992; Wing, 1996; Berney, 2000; Beglinger e Smith, 2001; Wil-

lemsen-Swinkels e Buitelaar, 2002).

Na tentativa de identificar e caracterizar os sintomas mais comuns que fariam

parte do autismo, Wing e Gould (1979) descreveram uma tríade de comprometimen-

tos muito específicos e característicos do distúrbio: prejuízos severos na interação

social, dificuldades severas nas comunicações tanto verbais como não verbais, e

ausência de atividades imaginativas, substituídas por comportamentos repetitivos e

estereotipados.
17

Atualmente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-

IV (APA, 2002) utiliza o termo Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) para

caracterizar esses quadros com prejuízos no desenvolvimento, nas habilidades de

interação social, de comunicação e de comportamento, e com presença de interes-

ses e atividades estereotipados. Os TGD englobam o Transtorno Autista, o Trans-

torno de Rett, o Transtorno Desintegrativo da Infância, o Transtorno de Asperger e o

Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. Os critérios diag-

nósticos propostos pelo DSM-IV se encontram detalhados no Anexo A.

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relaciona-

dos à Saúde - CID-10 (OMS, 2000) também utiliza o termo Transtornos Globais do

Desenvolvimento (TGD), que englobam: Autismo Infantil, Autismo Atípico, Síndrome

de Rett, Outro Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno com Hipercinesia

Associada a Retardo Mental e a Movimentos Estereotipados, Síndrome de Asperger,

Outros Transtornos Globais do Desenvolvimento e Transtornos Globais Não Especi-

ficados do Desenvolvimento. Os critérios diagnósticos detalhados da CID-10 se en-

contram no Anexo B.

Considerando a heterogeneidade de quadros, o diagnóstico diferencial dos

TEA nem sempre é um trabalho fácil. Seria possível, segundo Perissinoto (2003),

reagrupá-los em duas categorias de alterações qualitativas no comportamento: a

primeira seria composta por Transtorno de Rett e Transtorno Desintegrativo da In-

fância, caracterizando-se por perda de habilidades já adquiridas em diferentes áreas

do desenvolvimento, com prejuízos cognitivos, motores e físicos específicos; a outra

categoria seria composta por Transtorno Autista e por Transtorno de Asperger, sen-

do mais polêmica e bastante controversa em suas distinções.


18

Rutter (2005) ressalta a ampliação do diagnóstico de autismo que ocorreu nos

últimos 40 anos. Essa mudança ocorreu não pela determinação de características

sintomatológicas de um único distúrbio, mas pela introdução da ideia de um espec-

tro, conhecido como Autism Spectrum Disorder (ASD), ou Transtorno do Espectro do

Autismo (TEA). Neste estudo, será utilizado o termo TEA (Transtornos do Espectro

do Autismo) para os diagnósticos de Autismo, Síndrome de Asperger e Transtorno

Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TGD/SOE), levando-se em

conta as semelhanças de manifestações encontradas nesses diagnósticos.

Discutindo os critérios diagnósticos, Rapin e Tuchman (2009) salientam que al-

cançar consenso é essencial para a capacitação de clínicos e pesquisadores no uso

de um sistema de diagnóstico comum ao se referir a indivíduos com TEA. Mas, os

subtipos do DSM-IV, com exceção da Síndrome de Rett, ainda não satisfazem os

critérios de um transtorno biologicamente específico. Os autores referem, ainda, que

esses sistemas de classificação, como o DSM-IV e a CID-10, estão em constante

aperfeiçoamento, e continuarão a evoluir à medida que se acumularem novas infor-

mações. É provável que, no futuro, a Síndrome de Rett, originalmente considerada

um tipo de TGD, seja retirada dessa lista no DSM-V, uma vez que os critérios para o

seu diagnóstico se baseiam em critérios bastante singulares: quadro clínico, formas

de transmissão e marcadores biológicos específicos.

Devido à modificação dos critérios diagnósticos, a literatura registra variações

na estimativa da prevalência do autismo. Em 2003, Fombonne averiguou a preva-

lência média de TEA nos últimos 37 anos e percebeu aumento de 4,4:10.000 (entre

1966 e 1991) para 12,7:10.000 (entre 1992 e 2001). Estudos atuais estimam taxas

de prevalência mais altas: 13:10.000 para indivíduos com autismo; 2,5-3:10.000 para

indivíduos com a Síndrome de Asperger; e entre 30 e 60:10.000 para indivíduos com


19

TEA (Fombonne, 2003; Yeargin-Allsopp et al., 2003; Rutter, 2005; Chakrabarti e

Fombonne, 2005). Frente a esses dados, Fombonne (2003) discute essa prevalên-

cia maior justificando-a por evidências de mudança na definição e pelo conhecimen-

to mais amplo e mais disseminado do transtorno.

Sigman e Capps (1997) relatam que há maior número de meninos do que de

meninas com autismo, na proporção de 4:1, e de meninos com melhor índice de de-

sempenho medido por QI (Quoeficiente Intelectual).

A etiologia dos TEA clinicamente definidos é complexa e multifatorial, pois, em

geral, sofre forte influência genética e ambiental, embora também compreenda cau-

sas ocasionais não genéticas (Muhle et al., 2004).

Diante de um quadro de heterogeneidade sintomática e da grande incidência

na população, cada vez mais as pesquisas apontam para recursos diagnósticos que

diferenciem as características das crianças dentro do espectro do autismo. Uma

compreensão completa do quadro autístico envolve quatro níveis do conhecimento:

etiologia, estruturas e processos cerebrais, neuropsicologia, sintomas e comporta-

mento (Gadia et al., 2004).

O desenvolvimento de procedimentos de avaliação mais precisos pode ser diri-

gido para a avaliação neuropsicológica e estudos de processos biológicos dessas

crianças. Assim, novas possibilidades de determinar um marcador preciso para o

autismo vêm sendo amplamente discutidas na literatura, tais como a estratégia de

usar endofenótipos biológicos ou marcadores biológicos, ou endofenótipos compor-

tamentais, como a história de regressão comportamental, estereotipias ou transtorno

da linguagem, a fim de restringir a busca por etiologias subjacentes (Gottesman e

Gould, 2003).
20

2.2 TEORIAS SOBRE O PREJUÍZO PRIMÁRIO NOS TEA

Os pesquisadores vêm há muitos anos relatando teorias que buscam explicar a

natureza do prejuízo primário nos TEA. Serão relatadas a seguir as principais teorias

discutidas, nesta ordem: Teoria Psicanalítica, Teorias Cognitivas (Teoria da Mente,

Teoria da Coerência Central e Teoria da Disfunção Executiva) e Teoria Afetiva. Pre-

tende-se, ao final deste capítulo, retomar essas teorias, levantando as duas princi-

pais vertentes teóricas que hoje são discutidas em relação ao prejuízo primário nos

TEA: a teoria desenvolvimentista e a teoria cognitivista.

2.2.1 Teoria psicanalítica

Kanner relatou em 1943 que crianças autistas sofriam de uma inabilidade inata

de se relacionarem emocionalmente com outras pessoas. Foi, então, levantada a

hipótese de que o autismo estaria relacionado à depressão materna, o que influenci-

aria na capacidade da mãe em se envolver emocionalmente e cuidar do bebê. As

causas do autismo foram, então, atribuídas a fatores psicogênicos, sob a abordagem

psicanalítica.

Melanie Klein (1965) reconheceu a presença, nas crianças com autismo, de ca-

racterísticas qualitativamente diferentes de outras crianças consideradas psicóticas,

mas não distinguia os quadros autistas da esquizofrenia infantil. A autora foi a pre-

cursora no reconhecimento e no tratamento da psicose em crianças.

Em 1967, Bettelheim definiu o autismo como uma reação independente da cri-

ança à rejeição materna; sua interpretação do mundo seria a imagem da sua cólera
21

e desesperança. O autor defendia que os pais de crianças autistas não forneciam

condições emocionais necessárias para que a criança saísse do seu isolamento,

embora salientasse que esse não seria o único fator causal implicado no autismo.

Esses conceitos levaram à formação de comunidades terapêuticas nas quais

as crianças eram afastadas do convívio familiar.

Margaret Mahler (1968) foi quem estudou primariamente as psicoses infantis,

fazendo delas um modelo para o estudo do desenvolvimento da criança. Identificou

diferentes fases no desenvolvimento psicológico do bebê, sendo a primeira a do

narcisismo primário. Na segunda, haveria uma consciência de que a satisfação das

necessidades viria de algum lugar externo ao eu. Em seguida, viria a fase de simbi-

ose normal, na qual o bebê funciona como se ele e sua mãe fossem uma unidade

dual. Então, na fase de separação-individuação, haveria a organização do indivíduo

(Mahler, 1975).

Mahler (1968) defendia a teoria evolutiva, e incluía o autismo num subgrupo

das psicoses infantis com uma regressão ou fixação a uma fase inicial do desenvol-

vimento de não diferenciação perceptiva, que promoveria dificuldades em integrar

sensações vindas do mundo externo e interno e em perceber a mãe como represen-

tante do mundo exterior.

O autismo foi também interpretado como uma forma de ausência completa de

fronteira psíquica decorrente de uma falta de diferenciação entre o animado e o ina-

nimado (Mazet e Lebovici, 1991).

Em 1981, Tustin propôs que o autismo seria uma reação traumática à experi-

ência de separação materna, que envolveria o predomínio de sensações desorgani-

zadas, levando a um colapso depressivo. Esse colapso ocorreria em consequência


22

da incapacidade da criança autista em filtrar as experiências sensoriais, na qual a

função da “concha autística” seria mais de proteção do que compensatória. Em

1994, Tustin já não usava mais o termo autismo psicogênico, e ressaltava a impor-

tância de se desenvolver uma técnica psicoterapêutica apropriada às necessidades

e características específicas da criança autista, alegando ser um erro tratar a criança

autista com um método de psicoterapia baseada nas manifestações apresentadas

por pacientes neuróticos.

Maratos (1996) pondera a contribuição das teorias psicanalíticas e discute a

noção de o transtorno ser decorrente de problemas na qualidade da maternagem,

criticando o fato de grande parte dos psicanalistas dar enfoque à descrição do fun-

cionamento mental, dos estados afetivos e do modo como as crianças de relacionam

com as pessoas, e deixar de lado as questões etiológicas.

O tratamento psicanalítico é defendido e utilizado por determinados grupos de

profissionais para indivíduos com TEA. Barros (2011) ressalta que, apesar de ainda

haver uma forte tendência para a psicanálise ser considerada como forma antiquada

e ultrapassada de atendimento a estas crianças, essa é uma generalização indevida.

Tal discussão não será aqui aprofundada, uma vez que o intuito deste capítulo é a-

penas descrever o histórico das principais teorias que buscam, ao longo dos anos,

explicar a natureza do prejuízo primário nos TEA.

2.2.2 Teorias cognitivas

Procurando entender as características presentes nos TEA, algumas teorias

cognitivas têm sido propostas e estudadas, e as mais exploradas são a Teoria da

Mente, a Teoria da Coerência Central, e a Teoria da Disfunção Executiva. Entre es-


23

sas teorias, a Teoria da Mente é a que mais tem sido utilizada para investigar os as-

pectos cognitivos em indivíduos com TEA.

O termo Teoria da Mente se refere à capacidade da criança de levar em con-

sideração os próprios estados mentais e os das outras pessoas, com a finalidade de

compreender e predizer o comportamento (Baron-Cohen, 1995). Essa capacidade

daria à criança a possibilidade de considerar o que as outras pessoas pensam e fa-

zem, habilidade necessária em quase todas as situações sociais (Jou e Sperb,

1999). Em item posterior deste estudo, a Teoria da Mente será mais bem descrita,

uma vez que está diretamente relacionada ao objetivo da pesquisa.

Frith (1989) apresentou o termo Teoria da Coerência Central para se referir à

falta da tendência natural a juntar partes de informações para formar um todo com

significado, característica marcante nos TEA. Segundo essa teoria, sujeitos com TEA

não integram as informações a que são expostos, e são inaptos para fazer inferências

e identificar as relações de causa e efeito entre as ações, pois não constroem inter-

pretações compreensivas das situações (Frith, 1996; Happé, 1993).

Hermelin e O`Conor (1970) observaram desempenho superior de crianças com

TEA, quando comparadas com crianças típicas, em tarefas de memorização de uma

série de palavras sem sentido em vez daquelas com significado. Shah e Frith (1993)

relataram resultados superiores apresentados por crianças com TEA, comparadas

com grupo-controle, em tarefas de localização de figuras escondidas. Da mesma

forma, Happé (1993) relatou resultados superiores apresentados por crianças com

TEA nas escalas de Weschler que envolvem reunião e classificação de imagens por

séries. Esses autores levantaram a hipótese de que esse desempenho superior em

algumas atividades pelas crianças com TEA pode ser explicado pela tendência a ver

partes em vez da figura inteira, e a preferir uma sequência randômica em vez de


24

uma sequência munida de significado (contexto), questões essas explicadas pela

Teoria da Coerência Central.

Bosa (2001) ressaltou a importância de essa teoria enfocar tanto as deficiên-

cias quanto as habilidades dos indivíduos com TEA. A autora discutiu também o fato

de essa teoria não esclarecer a sua relação com os déficits sociais e comunicativos,

recorrendo à Teoria da Mente, e se relacionar com questões de função executiva, o

que ainda não está esclarecido.

Alguns pesquisadores (Ozonoff et al., 1991) argumentaram que as suposições

da Teoria da Mente, por si só, não justificam os comportamentos repetitivos, os inte-

resses restritos ou as ilhas de habilidades apresentados pelos indivíduos com TEA.

A falha nessas funções seria anterior à Teoria da Mente, devendo-se antes a um

dano cerebral no córtex pré-frontal.

A suposição de comprometimento das funções executivas como prejuízo subja-

cente aos TEA surgiu em decorrência da similaridade entre o comportamento de indi-

víduos com disfunção cortical pré-frontal e aqueles com TEA (Ozonoff et al., 1991).

Segundo Duncan (1986), a habilidade de planejamento e desenvolvimento de

estratégias para atingir metas está ligada ao funcionamento dos lobos cerebrais

frontais. Kelly et al. (1996) referiram que essas habilidades englobam flexibilidade de

comportamento, integração de detalhes isolados num todo coerente, e o manejo de

múltiplas fontes de informação, ordenados por meio de conhecimento obtido.

Harris (1994) também atribuiu os comportamentos dos indivíduos com TEA a

falhas nas funções executivas, mais especificamente no planejamento de ações fu-

turas com objetivos específicos.


25

Ao relacionarem os comportamentos apresentados pelos indivíduos com TEA

com uma disfunção executiva, Ozonoff et al. (1991) referiram que esses sujeitos

apresentam angústia frente a mudanças no ambiente; insistem em seguir suas roti-

nas com detalhes; são perseverantes, focados em interesses restritos; apresentam

comportamentos estereotipados, dificuldades de antecipação de consequências, de

autorreflexão e de automonitoramento; mostram-se impulsivos e apresentam dificul-

dade em inibir respostas.

Alguns pesquisadores referem a linguagem como comprometimento cognitivo

causador do prejuízo nas diversas áreas dos TEA. Rutter (1976) enfocou a impor-

tância do prejuízo da linguagem ao considerar essa falha como um aspecto central

do déficit cognitivo associado ao autismo, e passou a desenvolver pesquisas nessa

área. Este aspecto, a linguagem, será mais bem abordado em item posterior deste

estudo, uma vez que, ao lado da Teoria da Mente, se relaciona diretamente ao obje-

tivo da pesquisa.

Segundo Assumpção e Pimentel (2000), não há nenhuma teoria cognitivista

específica que explique ou justifique completamente os TEA, mas há nelas vários

aspectos que podem auxiliar na explicação do funcionamento cognitivo e comporta-

mental dos indivíduos com TEA.

2.2.3 Teorias afetivas

Hobson (1989, 1990) começou a estabelecer os fundamentos das teorias afeti-

vas atuais sobre o autismo. O autor referiu que a criança com TEA apresentaria uma

dificuldade primária na capacidade de relação interpessoal, em que há impedimento

inato da habilidade de perceber e responder ao afeto. Para justificar sua hipótese, o


26

autor retomou a formulação original de Kanner (1943), que descreveu a escassez de

contato afetivo nas crianças com TEA.

O engajamento social com o outro e as relações interpessoais, segundo Hob-

son (1989, 1990, 2004), são processos básicos que iniciam o ser humano no pen-

samento e na linguagem, ou seja, as relações interpessoais precedem a linguagem

e dão origem ao pensamento. Desta forma, o autor remete à teoria da intersubjetivi-

dade, uma vez que defende a hipótese de que os indivíduos com TEA não experi-

mentam as formas de engajamento social esperadas no desenvolvimento típico, o

que ocasiona as demais dificuldades apresentadas.

Mundy e Sigman (1989) ressaltaram a importância para as crianças de relacio-

nar a representação do afeto vivido pelo próprio eu com o de outras pessoas. A ex-

periência interna de outros e a concomitante expressão afetiva apresentada por eles

seriam contrastados com a própria experiência da criança. Essas interações propicia-

riam o contexto em que tais esquemas de ação social surgem, quando se dá o de-

senvolvimento da cognição social.

Segundo Mundy et al. (1993), crianças com TEA apresentam, desde muito ce-

do, respostas afetivas atípicas diante de estimulação social, e distúrbios na autorre-

gulação de estímulos. Essas características podem ser observadas em pesquisas

experimentais que visam à compreensão do comportamento de atenção comparti-

lhada e de expressão da emoção nas crianças com TEA.

Baron-Cohen (1995), pesquisador que estuda a Teoria da Mente, questionou a

afirmação de que os prejuízos sociais decorreriam de problemas no sistema afetivo

com bases inatas, pois seriam pré-existentes à habilidade de metarrepresentar. Em

contrapartida, as teorias afetivas destacam o fato de os teóricos da mente não con-


27

siderarem o componente afetivo na representação de estados mentais (Bosa e Cal-

lias, 2000).

Portanto, segundo a Teoria Afetiva, as trocas afetivas fundamentam a diferen-

ciação entre as pessoas e os objetos e marcam o início da própria vida mental e o

reconhecimento da mente do outro. O prejuízo inato nessa área justificaria a dificul-

dade que o indivíduo com TEA apresenta para participar da interação social e de-

senvolver formas mais sofisticadas de compreensão social, incluindo a percepção do

ponto de vista do outro (Stern et al., 1977; Trevarthen, 1996).

Ao discutir as teorias afetivas sobre os TEA, Araújo (2011a) refere que o mútuo

engajamento com o outro é parcial ou ausente nos indivíduos com TEA, o que traz

implicações sobre a capacidade de pensar da criança. Ao salientar a importância da

experiência individual de uma pessoa com outra para a construção do pensamento,

a autora discute a possível relação do fato de muitas crianças com TEA nunca fala-

rem, com a questão de que a maior motivação para se aprender linguagem é afetar

a mente dos outros.

2.2.4 Teorias desenvolvimentista e cognitivista

Retomando as teorias descritas acima, observa-se que as dificuldades apre-

sentadas pelos indivíduos com TEA foram atribuídas, ao longo dos anos, a prejuízos

primários sociais, afetivos e cognitivos.

Lampreia (2004) discriminou três fases nesse sentido. Na primeira fase, a da

formulação inicial de Kanner (1943), o autismo é definido como um distúrbio de con-

tato afetivo. Na segunda fase, o autismo passa a ser visto, nas décadas de 1970 e
28

1980, como um distúrbio cognitivo; o autismo é, então, definido como um transtorno

do desenvolvimento que envolve déficits cognitivos severos com origem em disfun-

ção cerebral em que estão implicados processos de atenção, memória, sensibilidade

a estímulos e linguagem. Na terceira fase (final da década de 1980), muitos pesqui-

sadores passam a dar enfoque ao prejuízo social, à Teoria Desenvolvimentista. O

prejuízo do desenvolvimento da comunicação não verbal e da linguagem, segundo

essa teoria, decorre da incapacidade inata de se relacionar com pessoas e de res-

ponder emocionalmente aos outros.

Portanto, há autores como Frith (1997) e Baron-Cohen (2000) que defendem a

visão cognitivista da Teoria da Mente, alegando que indivíduos com TEA não possuem

a habilidade de imaginar e compreender o estado mental dos outros por terem o

mecanismo cognitivo inato, responsável por essa habilidade, prejudicado. O compor-

tamento social é afetado em consequência desse prejuízo. Em contrapartida, há au-

tores que defendem a hipótese de que há um prejuízo no estabelecimento de rela-

ções interpessoais nos indivíduos com TEA, o que acarretaria as dificuldades que

acompanham o desenvolvimento desses indivíduos (Trevarthen et al., 1998; Hob-

son, 2002).

As diferentes abordagens, apesar de concordarem na afirmação de que há pre-

juízo biológico nos TEA responsável pelas características comportamentais, discor-

dam no seu enfoque teórico, desenvolvimentista ou cognitivista. Essas questões a-

carretam diferenças importantes nas intervenções realizadas com essa população e

nos conceitos utilizados (Lampreia, 2004).

Bosa e Callias (2000) referiram que os estudos sobre os TEA têm sido domina-

dos pela polêmica em torno das possíveis causas afetivas, cognitivas e/ou biológicas

na determinação da síndrome. As autoras sugeriram que são necessários mais es-


29

tudos que investiguem os prejuízos e as competências sociais desses indivíduos,

uma vez que o conhecimento acerca dessas diferenças pode ter implicações para a

identificação precoce da síndrome.

Segundo Assumpção e Pimentel (2000), o autismo se instaura, na sua varieda-

de de comportamentos, a partir das dificuldades no relacionamento com o ambiente,

por prejuízos de tipo tanto afetivo quanto cognitivo. As diferenças entre as teorias

cognitivas e as afetivas sobre as falhas básicas decorrem de concepções teóricas

distintas sobre a mente humana, e não há, ainda, uma visão unidimensional da etio-

logia do autismo (Araújo, 1997).

Araújo (1997) ressaltou que, ao se adotar uma teoria cognitiva ou uma teoria

afetiva, consequentemente aparecem diferenças no modo de abordar, orientar e tra-

tar o indivíduo com autismo. A autora levanta a possibilidade de essas teorias se

integrarem, formando um terceiro modo, mais consistente, de abordagem aos TEA.

A busca de conhecimento em áreas interdisciplinares, segundo Araújo (2011a),

vem desmontando construções teóricas antigas, levando à abdicação de técnicas

terapêuticas tradicionais e à aceitação da possibilidade de novas hipóteses a respei-

to dos TEA, assim como de possibilidades de novas propostas terapêuticas.

2.3 TEORIA DA MENTE

2.3.1 A Teoria da Mente

Uta Frith (1996) e Simon Baron-Cohen (1985) assinalaram os déficits nas habi-

lidades cognitivas como prejuízos primários no desenvolvimento do indivíduo com


30

TEA. Os autores atribuíram a dificuldade de relacionamento ao prejuízo na compre-

ensão do ponto de vista do outro, na mentalização, na impossibilidade de formar

uma metarrepresentação da realidade. O indivíduo apresenta um distúrbio de intera-

ção social, diferentemente da incapacidade de percepção para qualquer situação,

não consegue atribuir estados mentais aos outros, e é incapaz de interpretar o com-

portamento alheio. Este modelo é denominado de déficit de Teoria da Mente, ou se-

ja, as dificuldades apresentadas em jogos interativos e simbólicos e na atenção

compartilhada são decorrentes do prejuízo no processo de metarrepresentação de

reconhecimento e de atribuição de estado mental ao seu interlocutor e a si próprio

(Baron-Cohen et al., 1985; Frith, 1996).

Baseados em pesquisa de Premack e Woodruff (1978) sobre a presença de

Teoria da Mente em chipanzés, Wimmer e Perner (1983) definiram essa Teoria da

Mente como a atribuição de estados mentais do indivíduo a si próprio e aos outros,

com o intuito preditivo de comportamento. Desenvolveram uma tarefa chamada de

falsa crença para avaliar se crianças eram capazes de interpretar comportamentos a

partir do que elas achavam que outra pessoa pensava a respeito de alguma coisa,

ou seja, para avaliar se as crianças eram capazes de interpretar ou antecipar a ação

da outra pessoa. Essa tarefa de falsa crença abarca um protagonista chamado Maxi,

que guarda um chocolate em determinado lugar, e sua mãe, enquanto ele está fora,

troca o chocolate de lugar. Indaga-se à criança onde Maxi, quando voltar, procurará

o chocolate. Se a criança indica o lugar onde Maxi guardou o chocolate, conclui-se

que ela está representando o que o protagonista está pensando (estado mental) e a

realidade (sua própria crença), e ao representar o protagonista prediz a sua ação.

Se, ao contrário, a criança indica o lugar onde a mãe guardou o chocolate, conclui-

se que ela não estaria representando o estado mental do protagonista, resolvendo a


31

tarefa e fazendo uso apenas da representação da realidade, ou seja, de sua própria

crença. Essa criança, portanto, não compreenderia os estados mentais como predi-

tivos de uma ação.

Os estudos de Gopnik e Astington (1988) e de Moses e Flavell (1990) com a

aplicação da tarefa de falsa crença indicaram que a maior parte das crianças de

quatro anos apresenta bom desempenho nessas provas, enquanto a maior parte

das crianças com três anos de idade falha nessas tarefas. Moses e Flavell (1990)

hipotetizaram que as dificuldades apresentadas pelas crianças aos três anos decor-

rem da complexidade linguística da tarefa.

Para Baron-Cohen et al. (1985), a compreensão do papel da crença na deter-

minação de uma ação é um dos aspectos fundamentais da Teoria da Mente: aquilo

em que um indivíduo acredita pode ser mais relevante no desencadeamento de um

comportamento do que qualquer circunstância real. Levando em consideração a im-

portância das falsas crenças na determinação de um comportamento, esses autores

adaptaram a pesquisa de Wimmer e Perner (1983), criando o teste de Sally-Ann pa-

ra investigar o possível comprometimento de crianças com autismo na habilidade de

usar o contexto social para compreender o que outras pessoas pensam e acreditam.

Nessa prova, uma boneca (Sally) coloca o seu brinquedo numa caixa. Enquanto Sal-

ly sai da sala, outra boneca (Ann) tira o brinquedo da caixa em que Sally o colocou e

põe em outra caixa. Questiona-se à criança em qual das caixas Sally vai procurar o

brinquedo quando retornar à sala. As crianças com autismo, ao contrário das crian-

ças com desenvolvimento normal ou com deficiência mental, responderam em sua

maioria que Sally procuraria o brinquedo na caixa em que Ann o havia colocado, in-

dicando dificuldades em perceber que Sally não tinha nenhuma informação a respei-

to da mudança de caixa. Essas observações sugerem que as crianças com autismo


32

mostraram dificuldades em compreender o que Sally pensava e em predizer o seu

comportamento com base no seu pensamento.

A partir desse estudo, observações com a aplicação dessa tarefa foram repli-

cadas e corroboraram os achados de que crianças com autismo apresentam atraso

ou distúrbio na capacidade de desenvolver a Teoria da Mente (Prior et al., 1990; O-

zonoff et al., 1991).

Baron-Cohen et al. (1985) e Frith (1996) definiram em seus estudos os estados

intencionais como estados mentais com conteúdo como, por exemplo, desejar algo

ou acreditar em algo, diferentemente de um estado particular que não se relaciona a

algo, como estar com dor, por exemplo.

Segundo Baron-Cohen (1991), os prejuízos de linguagem seriam consequência

da incapacidade dessas crianças para se comunicar com outras pessoas a respeito

de estados mentais, assim como os distúrbios no comportamento social refletiriam a

dificuldade em dar um sentido ao que as pessoas pensam e ao modo como se com-

portam, ou seja, o comprometimento na Teoria da Mente causaria prejuízos no com-

portamento social como um todo e na linguagem.

Baron-Cohen (1995) sugeriu, ainda, outro modelo para explicar o desenvolvi-

mento do sistema representacional, denominado de sistema de leitura da mente

(mindreading), que estabelece ligações entre as propriedades do mundo por meio de

quatro mecanismos básicos e interatuantes: detector de intencionalidade, detector

de direcionamento do olhar, mecanismo de atenção compartilhada e mecanismo de

teoria da mente. Os dois primeiros permitem que a criança construa imagens sobre

pessoas e aja segundo uma intenção, estabelecendo representações entre o agente

da ação e o objeto referente dessa ação (representação diádica), sem haver a com-

preensão de que ambos estão compartilhando uma mesma intenção (representação


33

triádica). A representação triádica acontece por meio do recebimento de informações

sobre o estado perceptual do agente, as quais são, então, associadas ao seu próprio

estado perceptual por meio do mecanismo de atenção compartilhada.

Baron-Cohen (1995) utilizou o termo “cegueira mental” (mindblindness) para

descrever as dificuldades apresentadas pelos indivíduos com TEA na capacidade de

inferir ou de atribuir estados mentais a terceiros, comprometendo sua capacidade de

interagir socialmente, ou seja, déficits de Teoria da Mente.

O autor refere que, devido a competências cognitivas e sociais, principalmente

relativas à atenção compartilhada, brincar intencional e imitação, as crianças com

desenvolvimento típico adquirem muito precocemente a compreensão de crenças.

Em decorrência da inteligência e da fala preservadas, os indivíduos com Síndrome

de Asperger podem fazer uso de estratégias para compensar suas dificuldades de

Teoria da Mente ao final da infância, o que não significa que apresentarão compe-

tência social adequada (Baron-Cohen, 1995).

De acordo com a referência acima, Araújo (2011b) afirma que, conforme os in-

divíduos com TEA se desenvolvem, podem adquirir a Teoria da Mente, podem com-

preender crenças sobre crenças, mas mantêm sempre uma defasagem em relação a

crianças da mesma idade com desenvolvimento típico. A autora refere que os indiví-

duos com déficits na Teoria da Mente podem apresentar dificuldades no entendi-

mento da comunicação social sutil e metáforas, além de não compreender quando

as pessoas estão mentindo ou brincando.

Segundo Bailey et al. (1996), as pesquisas envolvendo os TEA e a Teoria da

Mente possibilitaram grande impulso no conhecimento dos mecanismos cognitivos

envolvidos nesse distúrbio do desenvolvimento, mas alguns pontos ainda precisam

ser esclarecidos, como a pequena porcentagem de crianças autistas que apresen-


34

tam bom desempenho nos testes de Teoria da Mente, embora continuem apresen-

tando prejuízos sociais na sua vida cotidiana.

Nesse sentido, muitas pesquisas foram realizadas objetivando a compreensão

da Teoria da Mente nos indivíduos com TEA. Happé (1993a) realizou pesquisas re-

levantes na área, em que relata déficits de Teoria da Mente e de linguagem nos TEA

e discute a relação entre o prejuízo de Teoria da Mente e a dificuldade de compre-

ensão de aspectos não literais da linguagem, uma vez que os indivíduos com TEA

apresentam grande dificuldade em interpretar algo que não é dito literalmente.

Em seu estudo, Happé (1993a) discute a relação entre a Teoria da Mente e a

teoria de relevância de Sperber e Wilson (1986), em que se estabelece ligação entre

a compreensão das intenções e a comunicação humana. De acordo com a teoria da

relevância, os indivíduos com TEA poderiam ter dificuldades específicas com o uso

da linguagem para a comunicação. Os resultados desse estudo revelaram, a partir

de provas de avaliação de linguagem figurada, estreita relação entre o entendimento

comunicativo e social nos TEA e nos indivíduos com desenvolvimento típico, dando

suporte à teoria de relevância.

Gallese e Lakoff (2005) discutem o papel do sistema sensório-motor no conhe-

cimento de conceitos, ou das unidades fundamentais para a razão e significado lin-

guístico, incluindo os conceitos de ação e percepção, que são simbólicos e abstra-

tos. Os autores propõem que o sistema sensório-motor, ao contrário do que se pos-

sa pensar, tem estrutura para lidar também com conceitos abstratos. Para tanto, os

autores se utilizam da teoria neural da linguagem e da teoria de engrenagens, em

que estruturas cerebrais da região sensório-motora são exploradas para o uso de

conceitos abstratos que constituirão significados para as construções gramaticais e

para inferências.
35

Ponnet et al. (2008) realizaram pesquisa em que foram gravados jovens com

TEA e sem TEA em duas situações de interação com dois estranhos. Uma das situ-

ações era uma conversa estruturada, e a outra, menos estruturada. Os sujeitos da

pesquisa deveriam inferir os sentimentos e os pensamentos das pessoas, e ao final

do estudo pôde-se observar que a situação estruturada foi importante para o melhor

desempenho na tarefa de Teoria da Mente para os jovens com TEA.

Sinigaglia e Sparaci (2010) ressaltam a importância do sistema de neurônios-

espelho para a compreensão das ações dos outros, assim como das intenções, dis-

cutindo a importância do bom funcionamento desse sistema para a execução e para

a compreensão de ações, para o adequado desenvolvimento posterior da compre-

ensão emocional e social, o que não acontece nos TEA.

Pavarini e Souza (2010) investigaram se a aquisição da Teoria da Mente esta-

ria associada à habilidade de compartilhar emoções e à motivação pró-social. Para

tanto, avaliaram 37 crianças com 4 a 6 anos, com a aplicação de tarefas de Teoria

da Mente (crença-emoção e emoção aparente-real), de empatia (perguntas sobre

filmes) e de motivação pró-social (atividade de completar histórias). Os resultados

não indicaram correlação significativa entre o desempenho nas tarefas de Teoria da

Mente e o grau de empatia das crianças. A motivação pró-social foi significativamente

associada à Teoria da Mente. As autoras sugerem que a compreensão sofisticada dos

estados mentais subjacentes às ações influencia positivamente o comportamento pró-

social, mas talvez não seja pré-requisito para uma resposta emocional empática.

Loth et al. (2008) investigaram as dificuldades dos indivíduos com TEA na a-

quisição de “esquemas de evento”, que são sequências de ações referentes a de-

terminado contexto espaço-temporal, que devem ser organizadas de acordo com o


36

sistema de significados que o indivíduo adquire. Os autores discutem a importância

dessa aquisição para a adequada compreensão cognitiva social, uma vez que ofere-

ce estrutura sobre as experiências sociais como, por exemplo, uma festa de aniver-

sário. Foi observado que os indivíduos com TEA apresentaram dificuldade nas tare-

fas de narrativa de eventos, o que pode estar relacionado às dificuldades presentes

nas situações sociais reais desses indivíduos.

Os mesmos autores investigaram mais recentemente se crianças e adultos

com TEA de alto funcionamento estariam atentos a elementos relevantes para um

contexto. Os participantes da pesquisa (com e sem TEA) leram uma história e, em

seguida, examinaram no computador uma cena que continha objetos que eram rele-

vantes para o contexto, irrelevantes ou neutros. Durante as atividades de memória

imediata e tardia, pôde-se observar diferença significativa nos resultados, sendo que

o grupo com desenvolvimento típico se lembrou mais de objetos relevantes para o

contexto do que o grupo com TEA (Loth et al., 2011).

Como parte dos indivíduos com TEA (com bom funcionamento) consegue criar

estratégias compensatórias e responder adequadamente a parte dos testes de Teo-

ria da Mente, alguns estudos e instrumentos com medidas mais sofisticadas foram

desenvolvidos, como o PCToMM-E (Perceptions of Children`s Theory of Mind Mea-

sure – Experimental Version), um questionário que deve ser respondido pelos pais

ou cuidadores, com alternativas para resposta, desenvolvido por Hutchins et al.

(2008). Os autores observaram diferença significativa entre os resultados da aplica-

ção desse questionário a um grupo de informantes de indivíduos com TEA e um

grupo de informantes de indivíduos com desenvolvimento típico.


37

Outro teste que pode ser citado como exemplo é o ATOMIC (Animated Theory

of Mind Inventory for Children), desenvolvido por Beaumont e Sofronoff (2008), um

teste computadorizado que contém gravuras com questões que avaliam Teoria da

Mente (inferências sobre o estado mental dos personagens) e coerência central.

O NEPPSI-II (Korkman et al., 2007), em sua segunda revisão, conta também

com o domínio “percepção social”, em que são utilizadas algumas provas de Teoria

da Mente, como compreensão de pensamentos dos outros e percepção de senti-

mentos, além de metáforas e crenças, dentre outras.

Nesse contexto, este estudo tem como um de seus fins contribuir para a tradu-

ção e adaptação de instrumentos que visam avaliar as habilidades de Teoria da

Mente e linguagem nos indivíduos com TEA, mesmo os indivíduos com bom rendi-

mento capazes de criar estratégias para solucionar provas menos complexas.

2.3.2 Teste avançado em Teoria da Mente Strange Stories

Happé (1993b, 1994) construiu e aplicou um teste avançado para investigar a

Teoria da Mente respaldando-se em observações de outros autores, conforme segue.

Baron-Cohen et al. (1985) já haviam mostrado que 80% dos sujeitos autistas

falharam em atribuir falsa crença para os personagens. Em contraste, 80% dos su-

jeitos com deficiência intelectual e sujeitos normais com quatro anos conseguiram

predizer o comportamento do personagem da história de falsa crença. Se, por um

lado, o fato de apenas 20% dos sujeitos autistas apresentarem bom desempenho

numa tarefa de falsa crença de primeira ordem dava suporte para a Teoria da Men-

te, por outro lado, esses mesmos 20% com bons resultados nessa prova fundamen-
38

taram críticas sobre o poder de abrangência dessa Teoria da Mente (Ozonoff et al.,

1991; Bowler, 1992). Esses autores observaram que o sucesso no teste de Teoria da

Mente era muito maior em grupos de sujeitos autistas com QI verbal normal, que a-

presentavam resultados similares aos de sujeitos normais até em testes de segunda

ordem.

Happé (1993b), então, sugeriu duas possibilidades para tais observações: o

sucesso desses sujeitos pode ser considerado como prova de que eles apresentam

Teoria da Mente, ou pode significar uma evidência de que conseguem criar estraté-

gias que não fazem parte do conceito de Teoria da Mente para responder correta-

mente a essas provas. Isso explicaria por que eles mantêm o prejuízo social, apesar

do bom desempenho nos testes de Teoria da Mente.

Foi nesse contexto que Happé (1993b, 1994) criou o teste avançado em Teoria

da Mente Strange Stories, no qual são apresentadas aos sujeitos autistas vinhetas

ou histórias sobre situações do dia a dia, nas quais as pessoas dizem coisas que

elas não querem dizer literalmente. O intuito era apresentar histórias que represen-

tassem situações mais naturalísticas do que nas baterias de tarefas de Teoria da

Mente até então propostas, ou seja, adequar as tarefas envolvendo Teoria da Mente

a uma forma mais contextualizada e real.

De acordo com a autora, as histórias não são imaginativas ou ficcionais; são

simples contos ou eventos que levam a diferentes motivações que permitem mentir

em situações do dia a dia que não são literalmente verdades. Apenas uma interpre-

tação da situação pode ser feita por sujeitos normais e não autistas com deficiência

intelectual (Happé, 1993b; 1994).

Outras pesquisas replicaram o uso desse instrumento, comparando-o, inclusi-

ve, com outras provas de Teoria da Mente (Jolliffe e Baron-Cohen, 1999; Brent et al.,
39

2004; Kaland et al., 2005; 2008), e evidenciaram que, em relação a grupos-controle,

indivíduos com TEA não responderam adequadamente às histórias, mesmo quando

apresentaram bom desempenho nos demais testes de Teoria da Mente.

No Brasil, Perissinoto (2003) tem defendido a importância dessa prova na ava-

liação fonoaudiológica de linguagem, uma vez que aborda piadas, mentiras, ironias

e metáforas, que são situações relevantes para o diagnóstico de linguagem.

Em 2009, O’Hare et al. retomaram o estudo inicial de Happé (1994) e realiza-

ram pesquisa com as histórias propostas inicialmente, aplicando-as a 140 crianças

com desenvolvimento típico, com cinco a 12 anos de idade, com o objetivo de nor-

matizar o teste tanto para uso na clínica quanto para pesquisas. Os autores defen-

deram que os testes utilizados para avaliação de Teoria da Mente acessam normal-

mente habilidades de falsa crença que crianças típicas com quatro a cinco anos rea-

lizam; daí a importância de se normatizar um teste avançado em Teoria da Mente

que também seja aplicável a crianças a partir de cinco anos de idade.

Os resultados dessa pesquisa demonstraram diferença entre as idades para

resposta, sendo que o desempenho mais baixo foi observado nas crianças mais no-

vas, melhorando de forma crescente nas demais idades. No entanto, alguns concei-

tos se mostraram difíceis para as crianças mais novas, como persuasão (O’Hare et

al., 2009).

O’Hare et al. (2009) modificaram alguns procedimentos que foram utilizados o-

riginalmente, entendendo que o método utilizado anteriormente não permitia replica-

ções de forma facilitada. Quase todos os procedimentos modificados e atualizados

por esses autores foram utilizados nesta pesquisa, razão pela qual estão detalhados

no capítulo relativo aos métodos empregados neste estudo.


40

2.4 LINGUAGEM

A linguagem sempre representa um aspecto fundamental do quadro clínico, in-

dependentemente da abordagem conceitual, da hipótese etiológica e do critério di-

agnóstico envolvendo o autismo infantil (Fernandes, 1996). Segundo essa autora,

muitos estudos associam as dificuldades de linguagem com as causas do autismo

infantil, seja como elemento desencadeador ou como aspecto afetado pelas mes-

mas desordens que o determinam.

A diferenciação desses quadros está na intensidade dos desvios de linguagem,

déficits cognitivos e interação social. Lorna Wing (1988) introduziu o termo espectro

do autismo, referindo-se a uma entidade única para os quadros de autismo infantil,

de baixo ou alto funcionamento, juntamente com a Síndrome de Asperger. Bishop

(1989) complementou esse conceito, sugerindo a linguagem como ponto comum

entre o autismo infantil, a síndrome de Asperger e a síndrome semântico-pragmá-

tica.

A linguagem representa uma característica fundamental nos quadros do espec-

tro do autismo, independentemente do pressuposto teórico utilizado (Fernandes,

2003). As alterações de linguagem podem variar de acordo com o grau de severida-

de do quadro clínico, e é de grande importância para o prognóstico desses quadros.

Portanto, as pesquisas que têm como objetivo caracterizar e compreender a comu-

nicação desses sujeitos são muito importantes.

Perissinoto (2003) ressalta que, apesar de a criança com desenvolvimento típi-

co não falar durante o primeiro ano de vida, sua interação com os outros é essencial

para o desenvolvimento da linguagem, e o surgimento da linguagem marca o desen-

volvimento cognitivo e social da infância. Por esse motivo, torna-se importante con-
41

siderar as relações entre linguagem e interação social na fase pré-linguística e ao

longo do processo linguístico.

Segundo Bee (1996), a criança mostra seu interesse na comunicação com os

demais desde o nascimento, reagindo à modulação dos sons da fala, procurando a

fonte sonora, acompanhando o olhar referencial de seus pais e o movimento de ob-

jetos.

Bates (1976) se refere à linguagem, do ponto de vista do falante, como um con-

junto de operações mentais para construção e uso de sentenças dentro de um con-

texto. O uso dessas sentenças envolve regras tradicionalmente abordadas nas teo-

rias sintática (relação mantida entre os sinais), semântica (relações entre os sinais e

os seus referentes) e pragmática, isto é, o objetivo do falante ao usar uma expres-

são e regras que relacionem essas expressões a um determinado contexto. Para

que a criança adquira linguagem é necessário que aprenda estruturas abstratas da

competência linguística e o modo de usá-las apropriadamente. Halliday (1978) con-

sidera que a criança cria primeiramente sua própria linguagem e, depois, adquire a

língua materna conforme ocorre a interação com o seu grupo social. A linguagem

seria, então, um produto do processo de inserção do sujeito na sociedade. Quando a

criança desenvolve a linguagem, ela está aprendendo os conceitos existentes no

mundo por meio da própria linguagem e, dessa forma, construindo sua noção de

realidade. Esse desenvolvimento depende de habilidades cognitivas (Befi-Lopes et

al., 2000).

Uma das considerações fundamentais sobre a linguagem é ser um sistema or-

ganizado de forma regular e previsível, possibilitando, com isso, uma lista de regras

que descrevem a regularidade do sistema. Existem diferentes níveis nos quais o sis-

tema pode ser dito organizado, cada um lidando com uma unidade de análise distin-
42

ta. São eles: fonologia, gramática, semântica e a própria prática (Bishop e Mogford,

2002).

As habilidades metalinguísticas, segundo Salles et al. (1999), podem ser en-

tendidas como habilidades de pensar sobre a linguagem como um objeto de estudo

ou manipulação, e envolvem manipular, conscientemente, aspectos da linguagem.

A consciência metalinguística, segundo Barrera e Maluf (2003), é um termo ge-

nérico que envolve diferentes tipos de habilidades, tais como segmentar e manipular

a fala em suas diversas unidades (palavras, sílabas, fonemas), separar as palavras

de seus referentes (ou seja, estabelecer diferenças entre significados e significan-

tes), perceber semelhanças sonoras entre palavras, julgar a coerência semântica e

sintática de enunciados. Tal atividade envolve a atenção consciente aos aspectos

formais da linguagem (níveis fonológico, morfológico e sintático), e não apenas ao

seu conteúdo (nível semântico). Certos julgamentos sobre a gramaticalidade de e-

nunciados, a compreensão de metáforas, e a detecção de ambiguidades semânticas

parecem se desenvolver tardiamente, enquanto certos comportamentos indicativos

de reflexão sobre aspectos fonológicos da linguagem são encontrados mais preco-

cemente.

Vários elementos estão envolvidos no conceito de comunicação e linguagem, e

a efetividade comunicativa é estabelecida na relação falante-ouvinte, levando-se em

conta tanto as emissões do emissor quanto as do receptor e as trocas de papéis en-

tre eles (Perissinoto, 2003).

A linguagem verbal de crianças com TEA pode apresentar algumas alterações,

como a escolha de palavras pouco usuais, inversão pronominal, ecolalia, discurso

incoerente, alteração de prosódia, não resposta a questionamentos, o que leva a um

distúrbio de comunicação (Rapin e Dunn, 2003; Botting e Conti-Ramsden, 2003).


43

No autismo, a compreensão e a pragmática estão sempre afetadas, sendo que

sujeitos com essa condição apresentam também alteração da comunicação não

verbal, comportamentos estereotipados e perseverantes, interesses restritos e alte-

ração das capacidades sociais (Wilson et al., 2003).

As crianças que se enquadram no espectro do autismo apresentam dificuldade

na compreensão de seu próprio estado mental, assim como o dos outros, lembrando

que apresentam dificuldade nas interações sociais que envolvem atribuir estados

mentais aos outros. Portanto, apresentam alteração na capacidade de metarrepre-

sentação (Povinelli e Preuss, 1995). Essas crianças apresentam, assim, grande difi-

culdade em construir um discurso durante um diálogo, uma vez que não conseguem

se colocar a partir do ponto de vista do outro que faz parte do diálogo.

Crianças autistas apresentam dificuldade específica no mecanismo cognitivo

necessário para representar estados mentais, e manifestam, como consequência,

dificuldades nos padrões de interação social, habilidade que é pré-requisito para o

desenvolvimento do jogo simbólico, criatividade, originalidade e pragmática, ou seja,

padrões que podem estar alterados nesses sujeitos (Adamson et al., 2001).

Pastorello (1996) estudou aspectos do desenvolvimento da linguagem na Sín-

drome de Asperger, e observou que crianças com essa síndrome apresentam bom

desenvolvimento da linguagem em seus aspectos formais (elementos fonológicos e

sintáticos), independentemente da época de início do desenvolvimento da linguagem

verbal, e que apresentam fala pedante durante toda a vida.

Perissinoto (1995) descreveu alterações de linguagem presentes no autismo,

ressaltando alguns aspectos notados pelos pais dessas crianças e pelos profissio-

nais que trabalham na área, como atrasos ou alterações no comportamento inicial

de linguagem, dentre os quais a não resposta a estímulos verbais e não verbais é o


44

primeiro sinal a chamar a atenção, o que levanta a hipótese inicial de prejuízo da

audição. A autora refere que os pais dessas crianças descrevem anormalidades de

forma e conteúdo do discurso, desde a ausência de verbalização e mímica, até o

uso estereotipado da fala, ecolalia, repetição constante de assuntos, desrespeito a

padrões melódicos de fala, dentre outros sinais de inadequação à comunicação. Há

inabilidade em iniciar ou manter situações de diálogo, mesmo naquelas crianças em

que se observa a fala estruturada.

Segundo Fernandes (1996), o indivíduo com TEA apresenta dificuldade de inte-

ração recíproca, na qual a linguagem depende de atenção a pistas de atitudes e

emoções próprias e do outro. Para Sigman e Capps (1997), há inadequação do indi-

víduo com TEA ao contexto em que a comunicação acontece, desrespeito para com

o interlocutor, falhas na estrutura do discurso e redução das funções de comunica-

ção. Essas pessoas apresentam inabilidade em antecipar o que o ouvinte quer ouvir,

e raramente assumem o papel de iniciador ou propositor de tema comum de interes-

se (Perissinoto, 2003).

O uso adequado de informações do contexto é crítico para o processo de com-

preensão da linguagem, uma vez que o contexto está na situação presente e ativa o

histórico do ouvinte que acompanha a situação (Milosky, 1996). Neste sentido, a lin-

guagem figurada, ou exemplos de linguagem na qual o significado literal das pala-

vras é diferente do significado pretendido, fornece uma fonte de ambiguidade em

potencial. Milosky e Hardy (1990) registraram 55 usos de linguagem figurada em

cinco minutos de diálogo num programa de televisão familiar em horário nobre. Para

Pollio et al. (1990), todavia, a linguagem figurada não é um caso especial de input

linguístico, mas deve ser vista como parte do contínuo processo criativo na interação

comunicativa. De maneira semelhante, num contexto discursivo específico, as pala-


45

vras podem ser usadas de modo sintaticamente inédito, mas os seus significados

serão claros.

A linguagem apresenta muitos tipos de ambiguidade (fonológicas, semânticas,

sintáticas e pragmáticas), e os pesquisadores que estudam a compreensão linguísti-

ca apontam diferentes hipóteses sobre como os ouvintes usam as diferentes fontes

de informação para determinar o significado.

Os modelos autônomos em série (Cairns, 1983; Holmes, 1984) propõem que o

significado preferido para cada palavra numa frase é acessado primeiro, e a repre-

sentação sintática ou análise gramatical preferida é gerada. A representação resul-

tante é, então, comparada com o contexto para determinar se o significado é apro-

priado. Se não combinar, a frase é analisada novamente ou um significado alternati-

vo da palavra é encontrado.

Os modelos autônomos paralelos (Tananhaus et al., 1985) propõem que várias

representações possíveis são geradas, independentemente do contexto, e só então

o contexto é consultado para se escolher a análise gramatical correta. O significado

dominante e independente do contexto pode ser escolhido mais rápido do que os

outros.

Outra explicação se refere ao fato de que apenas certos sentidos relevantes

das palavras e da sintaxe aparecem porque o contexto dirigiu a busca do significado

ou foi usado para predizer significado. Os modelos interacionistas (Marslen-Wilson e

Tyler, 1980; Crain e Steedman, 1985) propõem que as decisões sobre sintaxe de

frases e significados de palavras interagem uns com os outros e com a informação

do contexto.
46

Os modelos de acomodação (Sperber e Wilson, 1986) sugerem que uma pers-

pectiva modular do processamento pode ser parcialmente mantida, com processa-

dores lexicais e sintáticos que sejam capazes de construir todas as interpretações

possíveis para os constituintes de um enunciado. O primeiro constituinte da frase

gera essa ativação exaustiva. No entanto, depois de apresentar todas as interpreta-

ções possíveis para uma unidade mais central que tem acesso ao conhecimento

contextual, essa unidade central alimenta a informação de volta para os módulos do

input e inibe a geração de análises exaustivas e interpretações múltiplas para cada

constituinte subsequente. Em vez disso, para o segundo constituinte e os subse-

quentes, o sentido consistente com o primeiro constituinte está sendo gerado, com

outros sendo inibidos. Assim, o módulo de input ainda não tem acesso amplo à in-

formação contextual, mas o contexto poderia afetar o processamento.

O modelo proposicional impreciso, sugerido por Rueckl e Oden (1986), defende

a ativação de muitos sentidos em potencial das palavras e postula um papel para o

contexto na resolução da lista de possíveis sentidos antes de o item léxico real ser

acessado. A seleção léxica é o resultado de dois processos independentes (autô-

nomos): análise de traços ou sensorial e análise semântica com base contextual.

Quando se considera como o conhecimento de mundo é usado no processo de

compreensão, torna-se claro que a história completa de cada elemento situacional

ou cada palavra num enunciado não é ativada em qualquer situação. Alguns aspec-

tos do contexto são mais salientes do que outros, e alguns aspectos do contexto e

do conhecimento de mundo são mais relevantes do que outros. A saliência, ou o que

é enfatizado ou percebido na situação presente, pode ser determinada, em parte,

por elementos da frase, por aspectos da situação, ou por experiência anterior. Os

ouvintes podem usar quaisquer fontes de informação que lhes estejam disponíveis,
47

porque uma ou outra fonte muitas vezes não está disponível, é incompleta, distorci-

da ou barulhenta. A noção de saliência provê um meio para determinar significado

numa dada situação (Milosky, 1996).

No entanto, Milosky (1996) refere que uma informação saliente não é necessa-

riamente relevante para a tarefa de compreensão do momento. O ouvinte utiliza a-

penas os aspectos específicos do contexto ao identificar e usar apenas o que é rele-

vante para a tarefa imediata de compreensão. A relevância, ou grau de importância,

de vários significados de palavras, de experiências anteriores e de vários aspectos

da situação corrente é determinada pela intenção do falante e pelos objetivos, aten-

ção e estado afetivo do ouvinte. A compreensão é máxima quando o que está mais

saliente é também o mais relevante. Assim, a interpretação do ouvinte de qualquer

enunciado é uma interação entre o enunciado, os aspectos salientes do contexto

presente e todos os aspectos salientes da experiência – experiência com palavras,

estruturas de frases, pessoas, lugares, coisas e eventos (Milosky, 1996).

Em relação ao papel central da relevância no processamento da linguagem,

Sperber e Wilson (1986) argumentaram que os processos cognitivos humanos estão

direcionados para alcançar o maior efeito cognitivo possível com o menor esforço de

processamento possível. Para alcançar isso, o indivíduo deve focalizar sua atenção

no que lhe parece a informação mais relevante disponível. A relevância, portanto, é

determinada pelos objetivos de um indivíduo e pelo que é de seu interesse.

Seguindo o raciocínio da importância do contexto na comunicação, falhas na

integração de pistas dos contextos e na habilidade de criar suposições das experi-

ências se manifestam nos desvios pragmáticos do sujeito com TEA (Perissinoto,

2003). Questões referentes à funcionalidade da linguagem se fundem às questões

cognitivas e de interação social, especialmente se analisadas sob os pontos de vista


48

propostos por falhas nas habilidades de detecção do olhar, metarrepresentação, co-

erência central e teoria da mente. A inabilidade da pessoa com autismo em integrar

informações com contexto e significado pode gerar referências fragmentadas ou

parciais das pistas de comunicação (Perissinoto, 2003).

As relações entre esses mecanismos e a construção da linguagem são polêmi-

cas. Assim, para Scheuer (1997), a Teoria da Mente tem consequências na constru-

ção da linguagem.

Astington e Jenkins (1999) observaram em estudo longitudinal que habilidades

iniciais de linguagem predizem o desempenho posterior nas provas de Teoria da

Mente, mas não verificaram o processo inverso, o que lhes levou a concluir que a

linguagem é fundamental para a configuração da Teoria da Mente.

Portanto, cabe ao interlocutor papel importante na relação entre os processos e

produtos da linguagem do sujeito autista, ao identificar e salientar pistas de informa-

ção e buscar sua coesão em um determinado contexto. Esse papel facilitador e de

suporte no desenvolvimento de habilidades permite ajustes na compreensão do

mundo físico e social por parte da criança com autismo (Perissinoto, 2003).

A noção de espectro do autismo inclui grande variedade de manifestações,

como os conceitos de Síndrome de Asperger e de autismo de alto funcionamento,

quadros em que o distúrbio autístico não envolve grandes prejuízos em algumas das

áreas analisadas. A noção de espectro do autismo permite que se pense em cada

indivíduo em termos de sua posição em um gráfico, estando em um dos eixos os inte-

resses e relacionamentos sociais e no outro a comunicação verbal. Uma criança autis-

ta típica estaria em algum ponto determinado por graves prejuízos em ambos os ei-

xos, e uma criança com Síndrome de Asperger estaria em algum ponto determinado

por um grave prejuízo no eixo referente aos interesses e relacionamentos sociais e


49

desenvolvimento relativamente bom na comunicação verbal (fala), o que não elimina

grandes dificuldades no uso funcional da comunicação verbal (Fernandes, 2003).

Nesse sentido, a ação de avaliar permeia todo o fazer clínico, e a síntese das

evidências conclui o processo diagnóstico com um objetivo final para o caso. Um

diagnóstico de linguagem tem o objetivo de explorar todo o desenvolvimento da

compreensão e da expressão do indivíduo, levando-se em conta a linguagem antes

da fala propriamente dita (Perissinoto e Chiari, 2003).

Vale ressaltar que, atualmente, há escassez no Brasil de instrumentos formais

e objetivos disponíveis comercialmente e indicados para avaliação e diagnóstico de

linguagem, principalmente que possam ser direcionados a indivíduos com TEA, o

que indica a necessidade de pesquisas nesta área.

2.5 LINGUAGEM E TEORIA DA MENTE

Vários pesquisadores têm demonstrado interesse em investigar a relação entre

linguagem e Teoria da Mente. Uma investigação da linguagem que as crianças utili-

zam para se referir a estados mentais poderia, a princípio, revelar dados importantes

a respeito do processo de aquisição de uma Teoria da Mente. Entretanto, ainda há

divergências sobre o papel da linguagem, ou mais precisamente sobre quais aspectos

da Teoria da Mente são influenciados pela linguagem e de que forma essa influência é

exercida (Astington e Jenkins, 1999; Astington, 2001; De Villiers e De Villiers, 2003).

Astington e Jenkins (1999) realizaram pesquisa com 59 crianças com 3 anos

de idade que foram avaliadas três vezes durante um período de sete meses para

determinar a contribuição da Teoria da Mente para o desenvolvimento da linguagem


50

e a da linguagem para o desenvolvimento da Teoria da Mente (incluindo as contribui-

ções independentes de sintaxe e semântica). A competência de linguagem foi avali-

ada com uma medição padronizada de recepção e produção de sintaxe e semântica

(The Test of Early Language Development). A Teoria da Mente foi avaliada com ta-

refas de falsas crenças e tarefas de aparência-realidade. Habilidades precoces de

linguagem predisseram o desempenho do teste da Teoria da Mente posterior, porém

a avaliação de Teoria da Mente não predisse o desempenho no teste de linguagem

posterior. Essas descobertas são consistentes com o argumento de que a linguagem

é fundamental para o desenvolvimento da Teoria da Mente.

Alguns pesquisadores afirmam que a linguagem pode exercer papel importante

e específico no desenvolvimento da Teoria da Mente. Para Happé (1995), o sucesso

na tarefa de falsa crença está significativamente correlacionado com o vocabulário

receptivo. Além disso, indivíduos com autismo precisam de um nível mais elevado

de habilidade verbal do que crianças com desenvolvimento típico para que possam

apresentar bom desempenho nas tarefas de falsa crença. De Villiers e de Villiers

(2003) argumentam que a compreensão da falsa crença, evidenciada mediante a

aplicação de tarefas específicas de falsa crença, depende da linguagem.

Outros pesquisadores têm se dedicado a outros aspectos linguísticos do de-

senvolvimento da Teoria da Mente. De Villiers e De Villiers (2000) estudaram o papel

da sintaxe, argumentando que a sintaxe de complementação é pré-requisito impor-

tante para a aquisição da Teoria da Mente.

Os métodos atuais de avaliação da Teoria da Mente se apoiam fortemente na

linguagem. Comumente se contam histórias para as crianças ou se explica o proce-

dimento da atividade. As crianças precisam compreender essas informações, pro-

cessar as questões do avaliador e fornecer alguma resposta. Assim, propõe-se que


51

crianças com três anos de idade compreendem a falsa crença, mas, devido à com-

plexidade linguística das tarefas, não conseguem demonstrar sua compreensão no

contexto dos testes-padrão de falsa crença (Chandler et al., 1989).

Astington e Jenkins (1999) discutem a possibilidade de a Teoria da Mente de-

pender da linguagem, uma vez que o desenvolvimento linguístico apoia o desenvol-

vimento da Teoria da Mente. Os autores aventam que o desenvolvimento da Teoria

da Mente e o desenvolvimento da linguagem são fundamentalmente relacionados e

interdependentes. O desenvolvimento da linguagem pode, ele mesmo, fornecer re-

cursos às crianças, como habilidade sintática ou compreensão semântica, que pro-

movem ou permitem compreensão da falsa crença.

Em contrapartida, os autores que apoiam a possibilidade de a Teoria da Mente

ser necessária para o desenvolvimento da linguagem afirmam que a Teoria da Men-

te não é dependente da representação linguística, e que as crianças primeiramente

adquirem uma compreensão conceitual da falsa crença e da aparência-realidade, e

só então a linguagem se torna elaborada para refletir esse desenvolvimento (Perner,

1991; Leslie e Roth, 1993; Baron-Cohen, 1995).

Outros pesquisadores argumentam que a Teoria da Mente e a linguagem se

correlacionam, porque ambas são dependentes de algum outro fator, um fator sub-

jacente que pode desenvolvê-las. Segundo Zelazo e Jacques (1996), esse fator é

interno, como a função executiva, que permite às crianças racionalizarem utilizando

regras embutidas mais complexas que são, então, exploradas nas tarefas de Teoria

da Mente e de linguagem. De acordo com Dunn (1988) e Nelson (1996), esse fator é

externo e envolve a participação cada vez mais sofisticada da criança em atividades

sociais e culturais.
52

É provável, segundo Astington e Jenkins (1999), que os aspectos pragmáti-

cos, semânticos e sintáticos da linguagem estejam relacionados à Teoria da Mente.

A habilidade pragmática diz respeito à capacidade de utilizar e interpretar a lingua-

gem de forma apropriada em situações sociais, sendo preciso acompanhar as cren-

ças e intenções dos ouvintes e oradores. Assim, a pragmática e a Teoria da Mente

estão relacionadas por definição.

A semântica se preocupa com o significado da palavra e facilita a participação

da criança em uma interação social verbal, importante para o desenvolvimento da

Teoria da Mente. Olson (1988) argumentou que o desenvolvimento da Teoria da

Mente é dependente da aquisição de termos particulares que são utilizados para se

referir a estados mentais. Tais estados não são observáveis, embora seus efeitos

possam ser sentidos na própria pessoa e observados em outras. Esses fenômenos

não observáveis são trazidos à atenção da criança quando são referidos aos termos

linguísticos. Os mesmos termos linguísticos são aplicados aos próprios estados

mentais da criança e àqueles de outras pessoas, o que permite às crianças mapea-

rem seus sentimentos subjetivos sobre experiências de outras pessoas e desenvol-

verem uma compreensão desses estados. Moore et al. (1990) analisaram o papel da

semântica e da aquisição de palavras que se referem a estados mentais no desen-

volvimento da Teoria da Mente. Os resultados demonstraram que a competência

das crianças com verbos que expressam diferentes níveis de certeza, como “achar”

e “saber”, está relacionada com o desempenho em tarefas que testam a Teoria da

Mente.

As habilidades sintáticas apoiam a racionalização sobre falsas crenças ao faci-

litar a representação de estados diferentes a partir da realidade atual. Relatos de

estados mentais exigem construções complexas constituídas de uma sentença prin-


53

cipal com outra sentença embutida nela. São orações que complementam o objeto e

permitem o relato de falsas crenças toda a construção que pode ser verdadeira

mesmo que a sentença embutida seja falsa (Plaut e Karmiloff-Smith,1993; Astington

e Jenkins, 1999).

Souza (2006) apontou que a maioria dos estudos que investigaram a relação

entre linguagem e Teoria da Mente fornece apenas dados correlacionais e utiliza a

tarefa de falsa crença como se fosse a única medida da Teoria da Mente. A autora

sugeriu que estudos transculturais podem apontar importantes influências linguísti-

cas e culturais no desenvolvimento de uma compreensão da mente.

Inúmeras dificuldades estão associadas às pesquisas transculturais, e é prova-

velmente por essa razão que o número de estudos transculturais sobre o desenvol-

vimento de uma Teoria da Mente ainda é pequeno. Além de custos mais elevados

para se conduzirem pesquisas em mais de um país simultaneamente, há ainda a

preocupação com fatores culturais que possam afetar os resultados. Apesar das difi-

culdades, se os pesquisadores interessados em Teoria da Mente quiserem estabe-

lecer se essa teoria envolve um processo de desenvolvimento universal, é necessá-

rio que se conduzam mais pesquisas em vários países, comparando-se diversas

comunidades linguísticas (Souza, 2006).

A criação de novas medidas de avaliação da Teoria da Mente que não sejam

restritas à capacidade de compreensão da falsa crença pode, talvez, contribuir para

o estabelecimento das relações entre linguagem e Teoria da Mente. Pesquisas com

crianças brasileiras, por sua vez, também podem trazer importantes contribuições.

Além disso, ainda há muito a ser revelado sobre o processo de desenvolvimento da

Teoria da Mente em crianças brasileiras (Souza, 2006).


54

3. OBJETIVOS

Este estudo foi desenvolvido com os seguintes objetivos:

1) Traduzir e adaptar para a Língua portuguesa do teste avançado em Teoria

da Mente Strange Stories.

2) Verificar a aplicabilidade da versão brasileira do teste avançado em Teoria

da Mente Strange Stories a crianças brasileiras.

3) Avaliar habilidades de linguagem e de Teoria da Mente em crianças brasilei-

ras com TEA, e compará-las às de crianças-controle sem o transtorno, considerando

as idades de seis a 12 anos.

4) Analisar e discutir os resultados encontrados sob as perspectivas cognitivista

e desenvolvimentista.
55

4. CASUÍSTICA E MÉTODO

Este estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, que aprovou todos os procedimentos propostos para a sua

realização (processo CEP/UPM n. 1295/10/2010 e CAAE n. 0103.0.272.000-10).

4.1 CASUÍSTICA

Participaram do estudo 28 crianças do sexo masculino com TEA (grupo expe-

rimental) e 56 crianças do mesmo sexo sem o transtorno (grupo-controle), na faixa

etária de seis a 12 anos.

4.1.1 Grupo experimental

Para a composição do grupo de 28 crianças com TEA, foram adotados os se-

guintes critérios de inclusão:

1. Diagnóstico clínico de Transtorno Global do Desenvolvimento, segundo os cri-

térios propostos tanto pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais -

DSM-IV (APA, 2002) quanto pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e

Problemas Relacionados à Saúde - CID-10 (OMS, 2000) para esse diagnóstico.


56

2. Ausência de rebaixamento do Quociente de Inteligência (QI), ou seja, de de-

ficiência intelectual que pudesse interferir nos resultados. Para tanto, as crianças

foram submetidas a avaliação neuropsicológica realizada por psicóloga competente,

com a aplicação da Escala de Inteligência Wechsler Infantil, 3ª Edição – WISC III

(Wechsler, 2002). Para este estudo, foram utilizados os subtestes “vocabulário” (es-

cala verbal) e “cubos” (escala de execução), como forma reduzida do teste WISC III.

Essa versão reduzida indica um QI estimado e vem sendo amplamente utilizada em

pesquisas. Sattler (1992) publicou uma tabela de conversão de QIs estimados para

QIs globais correspondentes utilizando esses dois subtestes. Recentemente, Mello

et al. (2011) realizaram estudo correlacionando o QI total de todos os subtestes do

WISC III com o QI estimado na população brasileira, utilizando a tabela norte-

americana de Sattler (1992). Os resultados indicaram que o QI estimado pode ser

empregado quando o desempenho intelectual é utilizado como triagem em pesquisa

(não representando o valor exato de QI geral), e, por esse motivo, foi usado neste

estudo seguindo, também, a tabela de Sattler (1992) para a conversão dos dados.

Neste critério de inclusão, para determinação de ausência de deficiência inte-

lectual foi utilizado o valor de QI de 70 como ponto de corte, ou seja, participaram do

estudo apenas as crianças com QI estimado acima de 70. Rutter e Bartak, já em

1976, afirmaram, em pesquisa realizada com grupos de TEA com QI abaixo e acima

de 70, que diferenças significativas foram notadas entre os grupos, sendo importante

a diferenciação com relação ao QI. Estudos realizados com o teste avançado em

Teoria da Mente Strange Stories utilizam também o QI 70 como ponto de corte para

critério de inclusão (Brent et al., 2004; White et al., 2009).

3. Condições de resposta, ou seja, modalidade oral como forma de expressão

e compreensão de ordens simples.


57

Foram excluídas do estudo crianças com deficiência auditiva e/ou visual, ou

com outro distúrbio do desenvolvimento e possíveis comorbidades neurológicas e

psiquiátricas.

Conforme leis e normas vigentes, todas as crianças foram assim selecionadas

e incluídas no estudo mediante consentimento expresso de pais ou responsáveis

para a sua participação, por meio de carta de informação ao sujeito de pesquisa e

termo de consentimento livre e esclarecido assinado após leitura e compreensão

das informações (Anexo C).

4.1.2 Grupo-controle

A constituição do grupo-controle com 56 crianças do sexo masculino seguiu os

mesmos critérios de inclusão, à exceção do diagnóstico de TGD, utilizados para o

grupo experimental, ou seja, ausência de rebaixamento do QI, condições de respos-

ta verbal e compreensão adequada para as solicitações.

Também foram excluídas crianças com queixa de dificuldades de aprendiza-

gem, deficiência auditiva e/ou visual, ou com outro distúrbio do desenvolvimento e

possíveis comorbidades neurológicas e psiquiátricas.

Para a formação deste grupo-controle, cujas crianças foram selecionadas em

um centro social, emitiu-se carta de informação e termo de consentimento livre e

esclarecido à instituição (Anexo D), que providenciou e arquivou as autorizações dos

pais ou responsáveis dessas crianças para participação no estudo.


58

4.2 MÉTODO

4.2.1 Procedimentos para tradução e adaptação do instrumento de pesquisa

Na primeira etapa do estudo, o teste avançado em Teoria da Mente Strange

Stories, proposto por Happé em 1994, e oportunamente apresentado em itens poste-

riores deste estudo, foi devidamente traduzido para a Língua portuguesa, seguindo

as fases indispensáveis para esse tipo de tradução.

Na primeira fase, duas traduções foram realizadas por tradutores independen-

tes: um deles conhecia a temática da escala, e o outro não a conhecia. Não foram

trocadas informações sobre a tarefa entre os tradutores. As traduções foram compa-

radas, e discrepâncias nas traduções foram resolvidas com consultas aos mesmos

tradutores. Os tradutores nasceram no Brasil, onde a escala deverá ser validada, e

possuem domínio do idioma nativo (Português) e do idioma original da escala (In-

glês).

Na segunda fase, procedeu-se à síntese das duas traduções, realizada por um

terceiro profissional que compôs a versão final, trabalhando com as duas traduções

e com o instrumento original.

Numa terceira fase, dois outros tradutores nascidos e alfabetizados em país de

Língua inglesa, com domínio linguístico e cultural desse idioma e também da Língua

portuguesa, procederam à retrotradução da versão final sintetizada do instrumento,

sem qualquer acesso ao instrumento original.

Por fim, na quarta e última fase, foi realizada a revisão da tradução e da retro-

tradução por um comitê composto por seis especialistas bilíngues. Todos receberam
59

todas as versões do teste, as instruções de aplicação da escala, e a forma de regis-

tro dos dados. Cada membro desse comitê fez uma avaliação inicial independente.

Com essa avaliação, foi possível realizar o cálculo da taxa de concordância, impor-

tante meio de se determinar quantitativamente a validade de conteúdo. Essa taxa foi

calculada para cada item do instrumento, a fim de identificar se havia correspondên-

cia com o conceito original. A taxa percentual de concordância foi calculada multipli-

cando-se o número de juízes concordantes por cem, e dividindo-se esse resultado

pelo número total de juízes (ou seja, seis). A taxa de concordância calculada foi de

100%.

Para a análise qualitativa da tradução, foi realizada reunião com os mesmos

membros do comitê para discussão de sugestões. O objetivo dessa reunião foi conso-

lidar todas as versões do instrumento e indicar quais características deveriam ser con-

sideradas na versão final. Após todas as sugestões feitas pelos juízes e depois de ter

sido atingido consenso considerando-se as equivalências semântica, idiomática, expe-

rimental e conceitual, foi elaborada a versão utilizada neste estudo (Anexo E).

4.2.1.1 O instrumento de pesquisa

Em sua versão original, o teste avançado em Teoria da Mente Strange Stories

é composto por 24 histórias contendo diferentes atribuições de estado mental e seis

histórias sem essas atribuições, utilizadas apenas para avaliar a compreensão audi-

tiva. As histórias devem ser lidas pelo avaliador e, ao mesmo tempo, ilustradas por

uma figura que é apresentada para os sujeitos testados. Estudos posteriores propu-

seram números menores e variados dessas histórias (Jolliffe e Baron-Cohen, 1999;

Brent et al., 2004; Kaland et al., 2005; 2008).


60

Para esta pesquisa, foram utilizadas as 12 histórias apresentadas em artigo

publicado recentemente por O’Hare et al. (2009), em estudo que buscou dados nor-

mativos a partir da aplicação do teste a 140 crianças típicas, que foram extraídas

das 24 histórias originalmente publicadas por Happé (1994). Cada uma dessas his-

tórias representa um tipo de atribuição a estado mental, a saber: Mentira, Mentira

Branca, Mal-entendido, Sarcasmo, Persuasão, Emoções Invertidas, Fingimento, Pi-

ada, Figura de Linguagem, Duplo Blefe, Aparência / Realidade e Esquecimento. As

histórias originais se encontram no Anexo F.

Para a aplicação do instrumento, após a leitura de cada história para a criança,

foram realizadas duas questões para verificar a interpretação de estado mental rea-

lizada pelas crianças. Com exceção das histórias que abordam Mal-entendido e Du-

plo Blefe, as questões são sempre: “É verdade o que (personagem) disse?”. Em se-

guida, pergunta-se: “Por que (o personagem) disse isso?”.

Conforme descrito nos diferentes estudos que serviram de base para esta pes-

quisa (Jolliffe e Baron-Cohen, 1999; Kaland et al., 2005; 2008), durante a leitura de

cada história pelo avaliador, um cartão plastificado com a história impressa em fonte

Arial tamanho 16 foi colocado à frente da criança, de modo a se excluir a interferên-

cia de aspectos relacionados à memória.

4.2.2 Procedimentos para seleção e composição das amostras

Na segunda etapa do estudo, as crianças com e sem TEA foram selecionadas

para a avaliação desta pesquisa.


61

As crianças com TEA foram selecionadas aleatoriamente, a partir da divulga-

ção da procura de sujeitos para o grupo experimental da pesquisa. Tanto essa divul-

gação quanto a posterior coleta de dados foram realizadas na Clínica de Transtor-

nos Invasivos do Desenvolvimento, vinculada ao Programa de Pós-graduação em

Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Embora na rotina da Clínica de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento os

sujeitos com suspeita de TEA sejam submetidos a avaliações neuropsicológica e

fonoaudiológica e a exames físico e neurológico, os dados decorrentes dessas in-

vestigações não foram utilizados neste estudo, já que extrapolam os seus objetivos.

Por outro lado, os dados de identificação dos sujeitos foram retirados do protocolo

padronizado de rotina da clínica, dados esses coletados em longa entrevista realiza-

da com os pais e/ou responsáveis pelo indivíduo que é avaliado. Essa anamnese

contém questões referentes à identificação, histórico escolar, histórico médico e ge-

nético, desenvolvimento neuropsicomotor, dentre outros aspectos essenciais para o

conhecimento do desenvolvimento do indivíduo.

Rotineiramente, também são aplicados aos sujeitos em avaliação instrumentos

para rastreamento de Transtornos Globais do Desenvolvimento, a saber: Autism S-

creening Questionnaire (ASQ) e Autism Behavior Checklist (ABC).

O Autism Screening Questionaire (ASQ) ou Questionário de Comportamento e

Comunicação Social é um instrumento de rastreamento para autismo / TGD. Deve

ser respondido por pais ou cuidadores, ou seja, é autoaplicado. Apresenta questões

relativas a: 1) interação social recíproca; 2) comunicação e linguagem; 3) padrões de

comportamento estereotipados e repetitivos; e 4) funcionamento atual da linguagem.

Os pontos de corte classificam os indivíduos em três categorias: sem diagnóstico


62

(escores <15), com TGD (escores >15 e <22), e com autismo (escores >22). Esse

instrumento se encontra atualmente em fase de validação no Brasil (Sato et al.,

2009). Na validação da versão original, apresentou sensibilidade de 0,85 e especifi-

cidade de 0,75 (Berument et al., 1999).

O Autism Behavior Cheklist, o ABC, é um questionário constituído de 57 itens,

elaborados para a avaliação de comportamentos autistas em populações com retar-

do mental, e tem demonstrado êxito na elaboração de diagnóstico diferencial de au-

tismo. Esses itens estão agrupados em cinco áreas: sensorial, relacionamentos, uso

do corpo e de objetos, linguagem, habilidades sociais e de autoajuda. Pode ser usa-

do como triagem, para indicar a gravidade do autismo, como observação de crianças

ou como forma de entrevista com mães ou cuidadores. Exige pouco tempo para a-

plicação e pode ser respondido com respostas do tipo sim ou não (Krug et al.,

1980). Este instrumento foi validado no Brasil por Marteleto e Pedromônico (2005).

Desse modo, 28 crianças com idade entre seis e 12 anos foram selecionadas

seguindo os critérios de inclusão e exclusão para o estudo, constituindo o grupo ex-

perimental.

As crianças sem transtornos do desenvolvimento foram selecionadas da popu-

lação geral, em um centro social localizado na cidade de São Paulo. Esse centro

social tem como objetivo promover atividades e projetos sociais para crianças no

período em que não se encontram na escola, auxiliando as famílias de baixa renda

na educação dessas crianças.

Foram avaliadas todas as crianças do sexo masculino com seis a 12 anos de

idade matriculadas nesse centro e que o frequentavam nos períodos da manhã e da

tarde, perfazendo o grupo-controle constituído de 56 crianças.


63

4.2.3 Procedimentos para aplicação do instrumento ao grupo experimental e ao

grupo-controle

4.2.3.1 Aplicação do instrumento

Após a coleta dos dados de identificação relevantes para a pesquisa e a avali-

ação de QI estimado, foi realizada a aplicação do instrumento na terceira etapa do

estudo. A aplicação tanto ao o grupo experimental quanto ao grupo-controle foi feita

seguindo exatamente os mesmos procedimentos e registro de escores.

Para a aplicação do teste, foram seguidos os mesmos procedimentos utilizados

por O’Hare et al. (2009). As crianças foram testadas individualmente em sala silen-

ciosa. O avaliador começou a avaliação explicando: “Aqui temos algumas histórias e

algumas perguntas. Eu vou ler para você as histórias. Eu quero que você escute

cuidadosamente e, então, responda às perguntas no final de cada história”.

Como citado anteriormente, cada uma das 12 histórias selecionadas de Happé

(1994) e citadas no estudo de O’Hare et al. (2009) representa um tipo de atribuição a

estado mental. As histórias foram aplicadas sempre na mesma ordem, a saber: (1)

Mentira, (2) Mentira Branca, (3) Mal-entendido, (4) Sarcasmo, (5) Persuasão, (6)

Emoções Invertidas, (7) Fingimento, (8) Piada, (9) Figura de Linguagem, (10) Duplo

Blefe, (11) Aparência / Realidade e (12) Esquecimento (Anexo E).

As histórias foram lidas em voz alta para as crianças. Durante a leitura de cada

história e as perguntas realizadas pela avaliadora, foi apresentado o referido cartão

com a história impressa. Não foi, porém, permitido que a criança lesse a história em

voz alta, o que poderia interferir na avaliação.


64

Para as respostas à primeira pergunta, ou seja, “É verdade o que (o persona-

gem) disse?”, puderam ser feitas no máximo duas leituras de cada história, mediante

pedido da criança para sua repetição, ou se ela respondesse “eu não sei” para essa

questão. As crianças receberam encorajamento positivo, mas não foi dado retorno

com direcionamento para a resposta correta. Quando a pesquisadora leu a história

numa segunda ocasião, ela foi lida desde o início. A resposta foi registrada, mas os

dados de maior importância para análise mais detalhada foram as respostas dadas à

segunda questão, que avalia a habilidade de “mentalizar”. Dessa forma, após a res-

posta à primeira questão, a pesquisadora fez a segunda questão: “Por que (o perso-

nagem) disse isso?”. Para essa segunda questão, a história foi relida para a criança,

até que respondesse à questão ou justificasse sua resposta.

Todas as respostas das crianças foram gravadas em áudio para posterior re-

gistro e análise dos dados.

4.2.3.2 Registro de escores

Foi atribuído registro numérico às respostas da segunda questão, com o intuito

de verificar objetivamente se as crianças interpretaram corretamente a história. As-

sim, quando a criança respondeu incorretamente ou se referiu a estado físico (as-

pectos como a aparência física, a ação dos objetos, eventos físicos ou resultados),

foi atribuída a pontuação 0. Quando a criança respondeu se referindo a estado men-

tal que envolve pensamentos, sentimentos, desejos, traços e disposições (isto é,

utilizando as palavras gostar, querer, feliz, bravo, medo, achar, pensar, brincar, gos-

tar, fingir, mentira, enganar alguém, esperando algo), essa resposta foi caracterizada

como atribuição de estado mental parcial ou total. Na atribuição de estado mental


65

parcial, apesar de incluir estado mental, as respostas não incluem a compreensão

de todo o sentido devido, e foi atribuída a pontuação 1. Na atribuição de estado

mental total, compreendendo estado mental e interpretação completa, foi atribuída a

pontuação 2.

Portanto, a pontuação de cada sujeito pode variar de 0 a 24 pontos, e quanto

maior a pontuação, melhor a compreensão e a interpretação das histórias.

A história que envolve Duplo Blefe compreende três questões, e é analisada a

resposta dada à terceira questão.

A seguir se encontra ilustrado um exemplo de atribuição de pontuações basea-

do no estudo de O’Hare et al. (2009):

História 1 (Mentira):

“João odeia ir ao dentista porque, toda vez que ele vai ao dentista, ele precisa

fazer uma obturação, e isso dói muito. Mas, João sabe que quando ele tem dor

de dente, sua mãe sempre o leva ao dentista. Neste momento, João está com

muita dor de dente, mas quando sua mãe nota que ele parece doente e per-

gunta a ele: “Você está com dor de dente, João?”, João diz: “Não, mamãe”.

Pergunta 1. É verdade o que João disse para sua mãe?

Pergunta 2. Por que João disse isso?

Respostas:

- Exemplo de resposta incorreta (pontuação 0): “Ele não tinha dor de dente”.

- Exemplo de resposta com referência a estado físico (pontuação 0): “Ele tinha

dor de dente”.
66

- Exemplo de resposta com referência a estado mental parcial (pontuação 1):

“Ele não gosta de ir ao dentista”.

- Exemplo de resposta com referência a estado mental total (pontuação 2): “Ele

não quer ir ao dentista”.


67

5. RESULTADOS

Para a análise estatística dos dados deste estudo (Anexos G e H), foi adotado

nível de significância de 0,05 (5%). Ao longo do estudo, todos os intervalos de confi-

ança construídos foram equivalentes a 95%.

Foram utilizadas estatísticas paramétricas, pois os dados são quantitativos e

contínuos. Verificou-se a normalidade dos resíduos deste modelo estatístico, con-

forme a aplicação do Teste de Normalidade de Kolmogorov-Smirnov.

Para melhor compreensão dos resultados que são descritos a seguir, os princi-

pais termos, abreviados ou não, utilizados neste capítulo, se encontram esclarecidos

na Tabela 1.

Inicialmente, foram comparadas as médias de idade e de QIe registradas para

o grupo experimental (TEA) e o grupo-controle. Essa análise comparativa entre os

grupos nas duas variáveis foi realizada com a estatística ANOVA (Análise de Vari-

ância) (Tabela 2), e os resultados não evidenciaram diferença significativa entre os

grupos, atestando a devida homogeneidade da amostra.

A seguir foi realizada comparação entre os grupos com relação aos escores

médios registrados para cada uma das 12 histórias e com relação aos escores mé-

dios totais equivalentes à soma dos escores de todas as histórias para cada grupo.

Novamente, utilizou-se ANOVA para tal análise (Tabela 3).


68

Tabela 1. Termos e abreviaturas utilizados na apresentação dos Resultados do estudo.


Termos / Significados
Abreviaturas
SS Strange Stories

SS1 História 1 – Mentira

SS2 História 2 – Mentira Branca

SS3 História 3 – Mal-entendido

SS4 História 4 – Sarcasmo

SS5 História 5 – Persuasão

SS6 História 6 – Emoções Invertidas

SS7 História 7 – Fingimento

SS8 História 8 – Piada

SS9 História 9 – Figura de Linguagem

SS10 História 10 – Duplo Blefe

SS11 História 11 – Aparência / Realidade

SS12 História 12 – Esquecimento

QIe Valor estimado do Quociente de Inteligência

Valor(es) de p (em vermelho) Valores considerados estatisticamente significativos para o nível


de significância adotado (p < 0,05).

Valor(es) de p (em azul) Valores próximos do limite de aceitação (p = 0,05) que tendem a
ser significativos (até cinco pontos percentuais acima do valor
de alfa adotado).

Tabela 2. Comparação entre as médias de idade e de QIe dos grupos experimental e


controle.

Variáveis
Estatísticas
Idade QIe
Grupos
TEA Controle TEA Controle
Média 8,89 8,79 99,0 100,7
Mediana 9 9 89,5 100
Desvio-padrão 2,15 1,89 23,2 4,32
Min 6 6 71 91
Max 12 12 141 109
N 28 56 28 56
IC 0,8 0,5 8,6 1,13
Valores de p 0,816 0,589
69

Tabela 3. Comparação entre os escores médios registrados para os grupos experimen-


tal e controle em cada história e no total equivalente à soma de todas as histórias.
Desvio-
Grupo Média Mediana Min Max N IC p-valor
padrão
TEA 0,64 1 0,56 0 2 28 0,21
SS1 <0,001
Controle 1,38 1 0,62 0 2 56 0,16
TEA 0,43 0 0,57 0 2 28 0,21
SS2 <0,001
Controle 1,18 1 0,69 0 2 56 0,18
TEA 0,54 1 0,51 0 1 28 0,19
SS3 <0,001
Controle 1,14 1 0,67 0 2 56 0,18
TEA 0,25 0 0,44 0 1 28 0,16
SS4 <0,001
Controle 1,14 1 0,67 0 2 56 0,18
TEA 0,07 0 0,26 0 1 28 0,1
SS5 <0,001
Controle 0,96 1 0,69 0 2 56 0,18
TEA 0,32 0 0,48 0 1 28 0,18
SS6 <0,001
Controle 1,39 1 0,62 0 2 56 0,16
TEA 0,29 0 0,46 0 1 28 0,17
SS7 <0,001
Controle 1,36 1 0,55 0 2 56 0,14
TEA 0,29 0 0,46 0 1 28 0,17
SS8 <0,001
Controle 0,96 1 0,66 0 2 56 0,17
TEA 0,46 0 0,51 0 1 28 0,19
SS9 <0,001
Controle 1,11 1 0,71 0 2 56 0,18
TEA 0,11 0 0,31 0 1 28 0,12
SS10 <0,001
Controle 0,96 1 0,66 0 2 56 0,17
TEA 0,36 0 0,49 0 1 28 0,18
SS11 <0,001
Controle 1,14 1 0,59 0 2 56 0,15
TEA 0,29 0 0,46 0 1 28 0,17
SS12 <0,001
Controle 1,2 1 0,55 0 2 56 0,14
Total TEA 4,04 4 1,26 3 7 28 0,47
<0,001
SS Controle 13,9 12,5 6,25 2 24 56 1,64

Houve, portanto, diferenças significativas entre os escores médios dos grupos

experimental e controle registrados para cada uma das histórias e para a soma dos

escores médios de todas as histórias. Em todas as histórias, os escores médios do

grupo-controle foram sempre superiores aos do grupo de indivíduos com TEA. A

soma dos escores médios de todas as histórias foi de 4,04 pontos para o grupo ex-

perimental, e de 13,9 para o grupo-controle.

Na Figura 1, pode-se visualizar as histórias em que as diferenças de escores

médios entre os grupos estiveram menos ou mais distantes. Observa-se nessa figu-
70

ra que as menores diferenças entre os escores médios registrados para os grupos

experimental e controle se referiram às SS3 (Mal-entendido) e à SS9 (Figura de Lin-

guagem), enquanto as maiores diferenças foram registradas para SS6 (Emoções

Invertidas) e SS7 (Fingimento).

SS7 (Fingimento)
SS6 (Emoções Invertidas)
SS12 (Esquecimento)
SS5 (Persuasão)
SS4 (Sarcasmo)
SS10 (Duplo Blefe)
SS11 (Aparência / Realidade
SS8 (Piada)
SS2 (Mentira Branca)
SS1 (Mentira)
SS9 (Figura de Linguagem)
SS3 (Mal-entendido)

0,00 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20

Figura 1. Representação gráfica da diferença nas pontuações dos grupos experimental e


controle em cada uma das histórias.

Foi aplicada, então, a Correlação de Pearson para medir o grau de relação en-

tre idade, QIe e a soma dos escores médios de todas as histórias (SS Total) em ca-

da um dos grupos separadamente. Para validar as correlações encontradas, foi apli-

cado o Teste de Correlação (Tabela 4).

Tabela 4. Coeficientes de Correlação de Pearson entre idades, QIe e somas dos escores de todas as
histórias no grupo experimental (indivíduos com TEA) e no grupo-controle.
Variáveis correlacionadas Grupo experimental Grupo-controle
Coeficiente Valor de p Coeficiente Valor de p
Idade versus QIe -0,40 0,037 -0,02 0,875
Idade versus soma dos escores -0,13 0,493 0,63 <0,001
QIe versus soma dos escores 0,89 <0,001 0,15 0,259
71

Verificou-se que, no grupo experimental (indivíduos com TEA), o maior coefici-

ente de correlação (0,89) foi encontrado entre os QIe e os escores totais de todas as

histórias. Essa correlação se mostrou positiva e significativa, indicando que quanto

maior o QIe, maior foi o escore total no teste aplicado. Por outro lado, observou-se

correlação negativa, também significativa (-0,40), entre as idades e os QIe, ou seja,

quanto maior a idade, menor foi o QIe. As dispersões relativas às idades, QIe e so-

mas dos escores de todas as histórias relativas ao grupo experimental se encontram

representadas na Figura 2.

No grupo-controle, o maior coeficiente de correlação (0,63) foi encontrado entre

as idades e os escores totais de todas as histórias. Essa correlação positiva signifi-

cativa indicou que quanto maior a idade, maior foi o escore total no teste aplicado.

As dispersões relativas às idades, QIe e somas dos escores de todas as histórias

relativas ao grupo-controle se encontram representadas na Figura 3.


72

140

130

120

110

100

90

80

70

60
6 7 8 9 10 11 12 A

6,5

5,5

4,5

3,5

3
6 7 8 9 10 11 12 B
7

6,5

5,5

4,5

3,5

3
70 80 90 100 110 120 130 140 150 C
Figura 2. Gráficos de dispersão para idades versus QIe (A), idades versus somas
dos escores de todas as histórias (B) e QIe versus somas dos escores de todas as
histórias (C) no grupo experimental (indivíduos com TEA).
73

110
108
106
104
102
100
98
96
94
92
90
6 7 8 9 10 11 12 A
25

20

15

10

0
6 7 8 9 10 11 12 B
25

20

15

10

0
90 95 100 105 110 C
Figura 3. Gráficos de dispersão para idades versus QIe (A), idades versus somas
dos escores de todas as histórias (B) e QIe versus somas dos escores de todas as
histórias (C) no grupo-controle.
74

Foram comparados os escores médios registrados para cada uma das histórias

em ambos os grupos (experimental e controle) separadamente. Para tanto, aplicou-

se ANOVA com Medidas Repetidas, uma vez que se trata de dados pareados em

que o mesmo indivíduo é controle dele mesmo.

No grupo experimental (indivíduos com TEA), ANOVA evidenciou diferença

significativa entre os escores médios registrados para cada história (Tabela 5), os

quais estão ilustrados na Figura 4. O maior escore médio (0,64) foi registrado para

SS1 (Mentira), e o menor (0,07), para SS5 (Persuasão).

Para determinar entre quais histórias ocorreram essas diferenças, aplicou-se a

Comparação Múltipla de Tukey, e os valores calculados de p por essa estatística se

encontram na Tabela 6. As diferenças mais significativas foram estabelecidas entre

a SS1 e as SS5 e SS10 (Duplo Blefe).

No grupo-controle, ANOVA também evidenciou diferença significativa entre os

escores médios registrados para cada história (Tabela 7), que se encontram ilustra-

dos na Figura 5. O maior escore médio (1,39) foi registrado para SS6 (Emoções In-

vertidas), e os menores (0,96), para SS5 (Persuasão), SS8 (Piada) e SS10 (Duplo

Blefe).

Observam-se na Tabela 8 os valores calculados de p na comparação dos esco-

res médios de cada par de histórias registrados para o grupo-controle.


75

Tabela 5. Escores médios registrados para cada história no grupo experimental (indivíduos com
TEA).
Histórias
Estatísticas
SS1 SS2 SS3 SS4 SS5 SS6 SS7 SS8 SS9 SS10 SS11 SS12
Média 0,64 0,43 0,54 0,25 0,07 0,32 0,29 0,29 0,46 0,11 0,36 0,29
Mediana 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Desvio-padrão 0,56 0,57 0,51 0,44 0,26 0,48 0,46 0,46 0,51 0,31 0,49 0,46
Min 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Max 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
N 28 28 28 28 28 28 28 28 28 28 28 28
IC 0,21 0,21 0,19 0,16 0,1 0,18 0,17 0,17 0,19 0,12 0,18 0,17
Valor de p <0,001

Figura 4. Escores médios e desvios-padrão registrados para cada história no grupo experimental.

Tabela 6. Valores de p calculados na comparação dos escores médios de cada par de histórias
registrados no grupo experimental (indivíduos com TEA).
SS1 SS2 SS3 SS4 SS5 SS6 SS7 SS8 SS9 SS10 SS11
SS2 0,246
SS3 0,477 0,449
SS4 0,001 0,202 0,073
SS5 <0,001 0,002 0,001 0,096
SS6 0,026 0,449 0,083 0,602 0,032
SS7 0,022 0,212 0,050 0,787 0,056 0,802
SS8 0,010 0,293 0,129 0,745 0,031 0,769 1,000
SS9 0,202 0,832 0,602 0,083 0,003 0,293 0,232 0,170
SS10 <0,001 0,017 0,001 0,161 0,663 0,083 0,057 0,096 0,005
SS11 0,058 0,602 0,232 0,415 0,003 0,787 0,537 0,602 0,449 0,032
SS12 0,015 0,355 0,090 0,787 0,056 0,787 1,000 1,000 0,134 0,096 0,537
76

Tabela 7. Escores médios registrados para cada história no grupo-controle.


Histórias
Estatísticas
SS1 SS2 SS3 SS4 SS5 SS6 SS7 SS8 SS9 SS10 SS11 SS12
Média 1,38 1,18 1,14 1,14 0,96 1,39 1,36 0,96 1,11 0,96 1,14 1,2
Mediana 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
Desvio-padrão 0,62 0,69 0,67 0,67 0,69 0,62 0,55 0,66 0,71 0,66 0,59 0,55
Min 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Max 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
N 56 56 56 56 56 56 56 56 56 56 56 56
IC 0,16 0,18 0,18 0,18 0,18 0,16 0,14 0,17 0,18 0,17 0,15 0,14
Valor de p <0,001

Figura 5. Escores médios e desvios-padrão registrados para cada história no grupo-controle.

Tabela 8. Valores de p calculados na comparação dos escores médios de cada par de histórias regis-
trados no grupo-controle.
SS1 SS2 SS3 SS4 SS5 SS6 SS7 SS8 SS9 SS10 SS11
SS2 0,078
SS3 0,014 0,532
SS4 0,014 0,532 1,000
SS5 <0,001 0,044 0,049 0,049
SS6 0,849 0,013 0,001 0,001 <0,001
SS7 0,799 0,049 0,013 0,013 <0,001 0,659
SS8 <0,001 0,004 0,017 0,017 1,000 <0,001 <0,001
SS9 0,001 0,419 0,597 0,597 0,031 0,008 0,002 0,010
SS10 <0,001 0,004 0,017 0,017 1,000 <0,001 <0,001 1,000 0,010
SS11 0,008 0,532 1,000 1,000 0,049 <0,001 <0,001 0,003 0,597 0,003
SS12 0,032 0,784 0,322 0,322 0,014 0,010 0,002 <0,001 0,228 <0,001 0,083
77

Por fim, o cálculo do índice Alfa de Cronbach para medir a consistência interna

do protocolo, ou seja, das 12 histórias em cada um dos grupos e na amostra geral

(Tabela 9), mostrou que, no grupo-controle e na amostra geral, os valores de Alfa

foram excelentes, o que permite afirmar que o protocolo tem ótima consistência in-

terna (0,955 no geral).

Tabela 9. Valores de Alfa de Cronbach para determinação da consistência interna do protocolo nos
grupos experimental e controle e na amostra geral.
Grupo experimental Grupo-controle Amostra Geral
Valores de alfa -0,704 0,953 0,955
78

6. DISCUSSÃO

Foram avaliadas 28 crianças com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e

56 crianças com desenvolvimento típico, com idade de seis a 12 anos, todas do se-

xo masculino e sem deficiência intelectual. Não se observou diferença significativa

entre as médias de idade e de QIe dos grupos experimental e controle, o que evi-

denciou que os grupos são homogêneos e garantiu análise mais precisa dos dados.

Um dos objetivos deste trabalho foi, a partir da tradução e da adaptação para a

Língua portuguesa e da aplicação dessa versão do teste avançado em Teoria da

Mente Strange Stories, avaliar habilidades de linguagem e de Teoria da Mente em

crianças brasileiras com TEA e compará-las com as de crianças-controle sem o

transtorno.

Nesse sentido, os grupos experimental e controle foram comparados no que se

refere tanto aos escores médios obtidos em cada uma das 12 histórias que compu-

seram o teste quanto aos escores médios totais, equivalente à soma dos escores

médios de todas as histórias. Foram evidenciadas diferenças significativas entre os

grupos nos escores médios de todas as histórias e nos escores médios totais. Em

todas as histórias, os escores médios do grupo-controle foram sempre maiores do

que os do grupo de crianças com TEA, com diferenças muito grandes e evidentes.

Esses resultados indicam diferenças significativas entre o grupo-controle e o

grupo experimental, mesmo excluindo-se a possibilidade de deficiência intelectual, o

que demonstra que o grupo experimental apresentou resultados muito abaixo das
79

médias esperadas para crianças com desenvolvimento típico nas tarefas de Teoria

da Mente e de linguagem. Essas observações foram as mesmas para todas as 12

histórias apresentadas, o que reflete pior desempenho do grupo experimental em

relação a todos os estados mentais representados nas histórias.

Esses achados vêm ao encontro dos resultados de pesquisas realizadas em

que se utilizou o teste Strange Stories, as quais também referem diferenças signifi-

cativas quando a comparação entre grupos com TEA e grupos-controle é realizada

(Happé, 1993b; 1994; Jolliffe e Baron-Cohen, 1999; Brent et al., 2004; Kaland et al.,

2005; 2008).

Verificou-se, neste estudo, que, no grupo de crianças com TEA, o maior coefi-

ciente de correlação foi estabelecido entre os QIe e os escores médios totais das

histórias, correlação essa que se mostrou positiva (0,89) e significativa (p < 0,001).

Por se tratar de uma correlação forte (> 0,75) com alta probabilidade de ocorrência,

pode-se de fato afirmar que quanto maior o QIe, maior o escore total no grupo com

TEA. Esses achados encontram respaldo no fato de crianças com TEA com melhor

desempenho intelectual conseguirem criar mais estratégias compensatórias para

responder aos testes. Correlação semelhante foi descrita também no estudo de Ka-

land et al. (2005).

Muitos estudos demonstram que indivíduos com autismo de alto funcionamento

ou Síndrome de Asperger apresentam bom desempenho nas tarefas usuais de Teo-

ria da Mente. Entretanto, quando os testes são mais complexos, envolvendo contex-

tos sociais, pode-se notar o prejuízo desses indivíduos (Happé, 1994; Kaland et al.,

2002). Por esse motivo, são necessários testes mais sofisticados envolvendo as ha-

bilidades aqui estudadas.


80

Como relatado, apesar da correlação positiva observada entre o QIe e o de-

sempenho nas tarefas (histórias) do teste aplicado, as crianças com TEA apresenta-

ram desempenhos muito inferiores, quando comparadas com as crianças do grupo-

controle, o que indica que este instrumento pode ser utilizado na descrição de difi-

culdades mais sutis na população com TEA.

Por outro lado, observou-se correlação negativa (-0,40) significativa entre idade

e QIe nesse mesmo grupo experimental, ou seja, quanto maior a idade, menor o QI-

e, ou vice-versa, o que não observado no grupo-controle, no qual, inclusive, não

houve qualquer correlação entre idade e QIe. Essa correlação pode estar indicando

uma característica peculiar ao grupo com TEA selecionado para esta amostra, que

não interferiu diretamente nos resultados gerais, uma vez que não houve diferença

significativa entre os grupos no que se refere às médias de idade e de QIe. Essa

correlação também pode ter sido devida à distância dos extremos encontrados nos

valores de QIe nas crianças com TEA (que oscilaram entre 71 e 141), enquanto es-

ses valores estiveram mais concentrados na faixa entre 91 e 109 nas crianças-

controle, conforme ilustrado na Figura 6.

FAIXA DE VALORES DE QUOCIENTE DE INTELIGÊNCIA ESTIMADO


70 80 90 100 110 120 130 140

 Maior idade Menor idade 

Idade-independente

Figura 6. Representação dos valores extremos de QIe observados no grupo experimental (vermelho) e
no grupo-controle (azul), ilustrando diferença de 30 pontos no maior extremo e de 20 pontos no menor
extremo.
81

Deve-se ressaltar, ainda, que embora significativa, trata-se de correlação fraca

(< 0,50), o que permite inferir que apenas cerca de 16% das crianças com TEA na

faixa etária estudada apresentariam alta probabilidade de QIe mais alto em idades

menores (ou vice-versa). Caso se tratasse de uma correlação forte (> 0,75), associ-

ada à correlação positiva encontrada nessas crianças entre QIe e soma dos escores

obtidos nas 12 histórias contadas, poder-se-ia esperar melhor desempenho nas tare-

fas (histórias) nas crianças mais novas. No entanto, não houve correlação entre ida-

de e soma dos escores nesse grupo.

Já na análise realizada com os dados do grupo-controle, essa correlação entre

idade e escore total das histórias se mostrou positiva (0,63) e significativa (p = <

0,001), ou seja, o desempenho nas tarefas propostas melhora à medida em que a

idade avança. Esse resultado está de acordo com o estudo realizado por O’Hare et

al. (2009), que tiveram como objetivo normatizar o teste Strange Stories, aplicando-o

a uma população de 140 crianças com cinco a 12 anos e desenvolvimento típico. Os

autores relataram que o desempenho mais baixo foi observado nas crianças mais

novas, melhorando de forma crescente nas idades mais avançadas, tal qual obser-

vamos neste estudo. Esses achados dão suporte à possibilidade de uma futura nor-

matização deste instrumento na população brasileira.

O’Hare et al. (2009) afirmam que os testes utilizados para avaliação de Teoria

da Mente acessam normalmente habilidades de falsa crença que crianças típicas de

quatro a cinco anos realizam; daí a importância de se normatizar um teste avançado

em Teoria da Mente que também seja aplicável a crianças a partir de cinco anos de

idade.

Quando os resultados do grupo experimental e do grupo-controle foram anali-

sados em relação a cada uma das 12 histórias separadamente, observou-se dife-


82

rença significativa entre os escores registrados para as diferentes histórias. A histó-

ria com maior escore médio no grupo TEA foi a que se refere à Mentira (média de

0,64 pontos), e a com menor escore médio a história 5, que se refere à Persuasão

(média de 0,07 pontos). Por sua vez, no grupo-controle a história com maior escore

médio foi a história relativa a Emoções Invertidas (média de 1,39 pontos), e os me-

nores escores médios (0,96 pontos) foram observadas nas histórias 5 (Persuasão),

8 (Piada) e 10 (Duplo Blefe).

No estudo de O’Hare et al. (2009) envolvendo crianças com desenvolvimento

típico, foi observado que as crianças mais novas apresentaram maior dificuldade

com a história que se refere à “Persuasão”, que foi também a história que apresen-

tou escore médio baixa nos dois grupos estudados nesta pesquisa. Uma possível

explicação para esses resultados seria a complexidade evolvida na história, uma vez

que a criança, além de se colocar no lugar dos personagens, precisa também inter-

pretar o significado da mentira contada por uma personagem para persuadir a outra.

Hermelin e O’Connor (1985) referem que alguns indivíduos fazem uso de meca-

nismos cognitivos para lidar com questões que normalmente são tratadas por proces-

sos afetivos, o que, em muitos momentos, faz com que esses indivíduos tenham dimi-

nuição de respostas, rupturas inadequadas em situações de interação social, o que

muitas vezes os torna “estranhos” nessas situações. Portanto, embora esses indiví-

duos possam fazer uso de suas habilidades cognitivas preservadas para responder a

muitas questões, essas estratégias não suprem todas as situações sociais que envol-

vem a complexa Teoria da Mente e a linguagem abstrata, como no caso deste estudo.

Foi medida a consistência interna do protocolo utilizado neste estudo, o que in-

cluiu as 12 histórias em cada um dos grupos e na amostra total. No grupo-controle e

na amostra geral, os valores indicaram alta consistência interna (0,955 no geral).


83

Esse resultado vem ao encontro de um dos objetivos do trabalho, ou seja, o de veri-

ficar a aplicabilidade desta versão brasileira do teste avançado em Teoria da Mente

Strange Stories a crianças brasileiras, e a possibilidade de sua futura validação nes-

sa população. A alta consistência interna encontrada indica viabilidade para que este

instrumento seja utilizado na população brasileira, uma vez que apresenta resulta-

dos consistentes nas crianças com desenvolvimento típico, também com aumento

de respostas adequadas com o avanço da idade.

Nesse contexto, este estudo traz como contribuição a utilização de instrumento

que visa a avaliar as habilidades de Teoria da Mente e de linguagem nos indivíduos

com TEA, mesmo em indivíduos com bom rendimento capazes de criar estratégias

para solucionar provas menos complexas.

Foi observado durante a aplicação do teste que, embora muitos dos participan-

tes do grupo de crianças com TEA fornecessem respostas corretas ou parcialmente

corretas, essas respostas eram dadas, muitas vezes, de forma idiossincrática. Apre-

sentaram, em sua maioria, alteração de prosódia, respostas curtas ao questionamento

e, quando as respostas eram mais extensas, com elementos pouco relevantes.

Em estudo realizado por Loth et al. (2011), foi observado que indivíduos com

TEA apresentam dificuldade em apreender elementos relevantes para o contexto, o

que pode interferir diretamente na sua compreensão desse contexto. Muito possivel-

mente, os indivíduos que participaram da presente pesquisa não estavam atentos a

aspectos muito relevantes para a adequada interpretação de estado mental nas histórias.

Também observamos que muitas crianças com TEA aprenderam que existe o

elemento “metáfora”, mas não conseguem interpretá-la naturalmente e adequada-

mente. Por exemplo, uma das crianças, por muitas vezes, ao não interpretar ade-

quadamente o significado da história, exclamava: “Isso é uma metáfora, minha se-


84

nhora!”. Mas, ao ser questionada sobre a história, não conseguia dar outra resposta.

No mesmo sentido, muitos indivíduos do grupo experimental tendiam a dar

respostas literais sobre as histórias, com interpretações “físicas” dos eventos sociais.

Happé (1993a; 1993b; 1994) relata em seus estudos o prejuízo de Teoria da Mente

e a dificuldade de compreensão de aspectos não literais da linguagem, uma vez que

os indivíduos com TEA apresentam grande dificuldade em interpretar algo que não é

dito literalmente.

As características observadas nas crianças com TEA durante as avaliações,

como inversão pronominal, ecolalia, discurso incoerente, alteração de prosódia, não

resposta aos questionamentos e interpretação literal foram amplamente descritas na

literatura que remete à linguagem e TEA (Perissinoto, 1995; Fernandes, 1996; Sig-

man e Capps, 1997; Rapin e Dunn, 2003; Botting e Conti-Ramsden, 2003).

Retomando os aspectos de saliência e relevância descritos por Sperber e Wil-

son (1986) e Milosky (1996), tem-se que a compreensão de determinada situação e

contexto social é máxima, quando o que está mais saliente é também o mais rele-

vante. A partir dos resultados obtidos nesta pesquisa, discutem-se, então, as possí-

veis dificuldades que os indivíduos com TEA apresentam em situações sociais e em

atividades que envolvam contextos sociais, uma vez que podem apresentar prejuízo

na integração das pistas relevantes para o contexto e dificuldade de metarrepresen-

tação. Esses indivíduos podem apresentar, portanto, dificuldades de saliência e re-

levância, pois apresentam dificuldade em utilizar os aspectos específicos do contex-

to para saber o que é relevante para a tarefa imediata de compreensão. Provavel-

mente se torna muito difícil para o indivíduo com TEA focalizar sua atenção no que

lhe parece a informação mais relevante disponível, determinada pelos seus objetivos

e pelo que é de seu interesse dentro de um contexto.


85

Vários pesquisadores têm demonstrado interesse em investigar a relação entre

linguagem e Teoria da Mente e de que forma um aspecto pode influenciar o outro

(Astington e Jenkins, 1999; Astington, 2001; De Villiers e De Villiers, 2003). Não foi o

objetivo deste trabalho definir qual habilidade é dependente da outra, mas se enten-

de que as duas habilidades, linguagem e Teoria da Mente, estejam diretamente liga-

das, fator esse que justifica o título desta pesquisa.

Torna-se muito difícil determinar que o teste aplicado nesta pesquisa avalie a-

penas a Teoria da Mente, uma vez que traz em seus procedimentos fatores como

compreensão e expressão sintática das histórias, compreensão e expressão semân-

tica dos possíveis significados dos elementos nas histórias, que envolvem linguagem

figurada e ironia, por exemplo, e compreensão e expressão pragmática a partir do

contexto situado pela avaliadora quando lê a história, necessário para o uso funcio-

nal da linguagem.

É também difícil determinar que o instrumento desta pesquisa avalie apenas a

linguagem, uma vez que foi construído com o objetivo de avaliar a capacidade de

atribuição de estados mentais, a partir de histórias que representassem situações

mais naturalísticas do que aquelas encontradas nas baterias de tarefas de Teoria da

Mente até então propostas. Em outras palavras, o instrumento foi desenvolvido para

adequar as tarefas existentes a uma forma mais contextualizada e real; portanto, as

histórias são constituídas de situações sociais, e ensejam, necessariamente, a atri-

buição de estado mental para sua adequada interpretação (Teoria da Mente).

Portanto, este estudo parte do princípio de que o desenvolvimento da Teoria da

Mente e o desenvolvimento da linguagem são fundamentalmente relacionados e in-

terdependentes, podendo os fatores específicos da linguagem afetar o desenvolvi-

mento da Teoria da Mente e vice versa.


86

É de extrema importância que as habilidades e dificuldades dos sujeitos com

TEA sejam avaliadas por meio de testes adaptados que contemplem situações natu-

ralísticas e que, assim, apresentem questões para respostas mais reais. É também

muito importante que essas habilidades e dificuldades sejam estudadas além das

diferenças entre as concepções teóricas sobre os TEA, uma vez que influenciarão

diretamente a abordagem utilizada na intervenção do indivíduo. Uma visão abran-

gente das concepções cognitivista e desenvolvimentista pode resultar em interven-

ção adequada.

Durante as últimas décadas, as dificuldades apresentadas pelos indivíduos

com TEA foram atribuídas a prejuízos primários sociais, afetivos e cognitivos. Atual-

mente, predominam os enfoques teóricos cognitivista e desenvolvimentista. De a-

cordo com Lampreia (2004), entende-se que, ao se discutir a linguagem sob essas

perspectivas, pode-se argumentar que não faz sentido determinar uma ou outra

perspectiva apenas, uma vez que está implícita no conceito de interação social a

ideia de um adequado mecanismo de comunicação, e está implícito, também, que

um adequado mecanismo cognitivo de comunicação deve ser usado para interação

social. Portanto, não há linguagem e comunicação sem interação social, e não há

interação social sem linguagem / comunicação.

Araújo (2011a) discute, nesse sentido, a possível relação do fato de muitas

crianças com TEA nunca falarem, se a motivação para aprender linguagem é afetar

a mente dos outros.

Diferentes pesquisadores concordam que existe uma base inata para os TEA,

com características específicas comportamentais, sociais e de linguagem. Alguns

autores, como Shah e Wing (1986), afirmam que as crianças com TEA apresentam

déficit quanto à percepção de pessoas, e que esse déficit é cognitivo, mas aceitam a
87

possibilidade do prejuízo social estar na base das alterações de cognição social. Ou-

tros autores defendem um prejuízo primário na linguagem e admitem uma dificulda-

de social precoce com alteração de resposta às emoções dos outros (Rutter, 1978).

Há pesquisadores, ainda, que afirmam que não existe separação entre a linguagem

e o social, já que a linguagem é um ato social (Olley, 1985; Lord, 1985). Em pesqui-

sas mais recentes realizadas por Hobson (2004), defende-se que o engajamento

social com o outro e as relações interpessoais são processos básicos que iniciam o

ser humano no pensamento e na linguagem.

As inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos ratificam que ainda há dis-

cussão em torno do prejuízo primário nos TEA; mas, cabe aqui afirmar que existe

estreita relação entre as abordagens cognitivista e desenvolvimentista, uma vez que

esses indivíduos apresentam, em suas manifestações, questões importantes relati-

vas às duas abordagens. A adequada avaliação do indivíduo com TEA tem como

objetivo explorar todo o seu desenvolvimento, suas habilidades e dificuldades. Por-

tanto, o profissional que avalia e que realiza um planejamento terapêutico para esse

indivíduo deve ter como responsabilidade a busca de conhecimentos na área, le-

vando-se em consideração que, ao se adotar uma teoria (desenvolvimentista ou

cognitivista), consequentemente ocorrerão mudanças em sua abordagem terapêuti-

ca e na forma como orientar o indivíduo e sua família. Levanta-se a possibilidade de

essas teorias se unificarem, formando uma terceira abordagem de intervenção mais

consistente para os TEA, abrangendo os aspectos tanto cognitivos quanto afetivos

amplamente prejudicados nessa população.


88

7. CONCLUSÕES

A partir da tradução e adaptação para a Língua portuguesa do teste avançado

em Teoria da Mente Strange Stories e de sua aplicação a crianças com TEA e a cri-

anças com desenvolvimento típico, conclui-se que:

1) A versão brasileira do teste avançado em Teoria da Mente Strange Stories

possui boa aplicabilidade na população brasileira, com ótima consistência

interna.

2) A aplicação do teste Strange Stories evidenciou que as habilidades de lin-

guagem e de Teoria da Mente em crianças com TEA de seis a 12 anos se

encontram muito aquém do esperado em relação a crianças com desenvol-

vimento típico da mesma idade, ratificando significativa alteração dessas

habilidades.

3) A discussão dos resultados encontrados sob as perspectivas cognitivista e

desenvolvimentista permite sugerir que uma abordagem que englobe as

duas perspectivas seja utilizada, visando a um adequado plano terapêutico

para os indivíduos com TEA que favoreça questões tanto cognitivas quanto

afetivas.

4) Os resultados deste estudos sugerem pesquisas posteriores, envolvendo

novas análises (estudos de fidedignidade e evidência de validade) e discus-

sões.
89

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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100

ANEXO A
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO DSM-IV

Critérios Diagnósticos para 299.00 Transtorno Autista

A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3), com pelo menos dois de (1), um de (2) e um de (3):
(1) prejuízo qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes aspectos:
(a) prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não verbais, tais como contato visual direto, expressão
facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social
(b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nível de desenvolvimento
(c) falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por ex., não
mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse)
(d) falta de reciprocidade social ou emocional
(2) prejuízos qualitativos na comunicação, manifestados por pelo menos um dos seguintes aspectos:
(a) atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não acompanhado por uma tentativa de
compensar através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímica)
(b) em indivíduos com fala adequada, acentuado prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversação
(c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática
(d) falta de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e espontâneos apropriados ao nível de desenvolvi-
mento
(3) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos se-
guintes aspectos:
(a) preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse, anormais em intensi-
dade ou foco
(b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não-funcionais
(c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., agitar ou torcer mãos ou dedos, ou movimentos
complexos de todo o corpo)
(d) preocupação persistente com partes de objetos
B. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos de idade: (1)
interação social, (2) linguagem para fins de comunicação social, ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos.

C. A perturbação não é melhor explicada por Transtorno de Rett ou Transtorno Desintegrativo da Infância.

Critérios Diagnósticos para 299.80 Transtorno de Rett

A. Todos os quesitos abaixo:


(1) desenvolvimento pré-natal e perinatal aparentemente normal
(2) desenvolvimento psicomotor aparentemente normal durante os primeiros cinco meses após o nascimento
(3) circunferência craniana normal ao nascer

B. Início de todas as seguintes características após o período de desenvolvimento normal:


(1) desaceleração do crescimento craniano entre os 5 e os 48 meses de idade
(2) perda de habilidades manuais voluntárias anteriormente adquiridas entre os 5 e os 30 meses de idade, com o de-
senvolvimento subsequente de movimentos estereotipados das mãos (por ex., gestos como torcer ou lavar as mãos)
(3) perda do envolvimento social ocorre precocemente no curso do transtorno (embora em geral a interação social se
desenvolva posteriormente)
(4) aparecimento de marcha ou movimentos do tronco fracamente coordenados
(5) desenvolvimento das linguagens expressiva ou receptiva severamente prejudicado, com severo retardo psicomotor.
101

Critérios Diagnósticos para 299.10 Transtorno Desintegrativo da Infância

A. Desenvolvimento aparentemente normal, pelo menos durante os 2 primeiros anos após o nascimento, manifestado pela
presença de comunicação verbal e não verbal, relacionamentos sociais, jogos e comportamento adaptativo apropriados à
idade.

B. Perda clinicamente significativa de habilidades já adquiridas (antes dos 10 anos) em pelo menos duas das s eguintes
áreas:
(1) linguagem expressiva ou receptiva
(2) habilidades sociais ou comportamento adaptativo
(3) controle intestinal ou vesical
(4) jogos
(5) habilidades motoras

C. Anormalidades do funcionamento em pelo menos duas das seguintes áreas:


(1) prejuízo qualitativo na interação social (por ex., prejuízo nos comportamentos não verbais, fracasso para desenvol-
ver relacionamentos com seus pares, falta de reciprocidade social ou emocional)
(2) prejuízos qualitativos na comunicação (por ex., atraso ou ausência de linguagem falada, incapacidade para iniciar
ou manter uma conversação, uso estereotipado e repetitivo da linguagem, falta de jogos variados de faz-de-conta
(3) padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, incluindo estereotipias
motoras e maneirismos
D. A perturbação não é melhor explicada por um outro Transtorno Invasivo do Desenvolvimento específico ou por Esquizo-
frenia.

Critérios Diagnósticos para 299.80 Transtorno de Asperger

A. Prejuízo qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes quesitos:
(1) prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não verbais, tais como contato visual direto, expressão fa-
cial, posturas corporais e gestos para regular a interação social
(2) fracasso para desenvolver relacionamentos apropriados ao nível de desenvolvimento com seus pares
(3) ausência de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por ex.,
deixar de mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse a outras pessoas)
(4) falta de reciprocidade social ou emocional

B. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos
um dos seguintes quesitos:
(1) insistente preocupação com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesses, anormal em intensidade
ou foco
(2) adesão aparentemente inflexível a rotinas e rituais específicos e não funcionais
(3) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., dar pancadinhas ou torcer as mãos ou os dedos, ou m o-
vimentos complexos de todo o corpo)
(4) insistente preocupação com partes de objetos
C. A perturbação causa prejuízo clinicamente significativo nas áreas social e ocupacional ou outras áreas importantes de
funcionamento.
D. Não existe um atraso geral clinicamente significativo na linguagem (por ex., palavras isoladas são usadas aos 2 anos,
frases comunicativas são usadas aos 3 anos).
E. Não existe um atraso clinicamente significativo no desenvolvimento cognitivo ou no desenvolvimento de habilidades de
auto-ajuda apropriadas à idade, comportamento adaptativo (outro que não na interação social) e curiosidade acerca do
ambiente na infância.

F. Não são satisfeitos os critérios para um outro Transtorno Invasivo do Desenvolvimento ou Esquizofrenia.

299.80 Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (incluindo Autismo Atípico)

Categoria deve ser usada quando existe um comprometimento grave e global do desenvolvimento da interação social
recíproca ou de habilidades de comunicação verbal ou não verbal, ou na presença de estereotipias de comportamento,
interesses e atividades, sem que sejam satisfeitos os critérios para um Transtorno Global do Desenvolvimento específico,
Esquizofrenia, Transtorno da Personalidade Esquizotípica ou Transtorno da Personalidade Esquiva. Esta categoria inclui,
por exemplo, “Autismo Atípico” – apresentações que não satisfazem os critérios para Transtorno Autista em vista da idade
tardia de seu início, quadros com sintomatologia atípica, sintomatologia subliminar ou todas acima.
102

ANEXO B
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA CID-10

F84 Transtornos Globais do Desenvolvimento


Grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de com u-
nicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Estas anomalias qualitativas
constituem uma característica global do funcionamento do sujeito, em todas as ocasiões.

F84.0 Autismo infantil


Transtorno global do desenvolvimento caracterizado por a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes
da idade de três anos, e b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios
seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo. Além disso, o transtorno se acomp a-
nha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, por exemplo fobias, perturbações de sono ou da ali-
mentação, crises de birra ou agressividade (auto-agressividade). Síndrome de Kanner ou Transtorno autístico.

F84.1 Autismo atípico


Transtorno global do desenvolvimento, ocorrendo após a idade de três anos ou que não responde a todos os três grupos
de critérios diagnósticos do autismo infantil. Esta categoria deve ser utilizada para classificar um desenvolvimento anormal
ou alterado, aparecendo após a idade de três anos, e não apresentando manifestações patológicas suficientes em um ou
dois dos três domínios psicopatológicos (interações sociais recíprocas, comunicação, comportamentos limitados, estereo-
tipados ou repetitivos) implicados no autismo infantil; existem sempre anomalias características em um ou em vários des-
tes domínios. O autismo atípico ocorre habitualmente em crianças que apresentam um retardo mental profundo ou um
transtorno específico grave do desenvolvimento de linguagem do tipo receptivo.

F84.2 Síndrome de Rett


Transtorno descrito até o momento unicamente em meninas, caracterizado por um desenvolvimento inicial aparentemente
normal, seguido de uma perda parcial ou completa de linguagem, da marcha e do uso das mãos, associado a um retardo
do desenvolvimento craniano e ocorrendo habitualmente entre 7 e 24 meses. A perda dos movimentos propositais das
mãos, a torsão estereotipada das mãos e a hiperventilação são características deste transtorno. O desenvolvimento social
e o desenvolvimento lúdico estão detidos enquanto o interesse social continua em geral conservado. A partir da idade de
quatro anos manifesta-se uma ataxia do tronco e uma apraxia, seguidas frequentemente por movimentos coreoatetósicos.
O transtorno leva quase sempre a um retardo mental grave.

F84.3 Outro transtorno desintegrativo da infância


Transtorno global do desenvolvimento caracterizado pela presença de um período de desenvolvimento completamente
normal antes da ocorrência do transtorno, sendo que este período é seguido de uma perda manifesta dos habilidades
anteriormente adquiridas em vários domínios do desenvolvimento no período de alguns meses. Estas manifestações se
acompanham tipicamente de uma perda global do interesse com relação ao ambiente, condutas motoras estereotip adas,
repetitivas e maneirismos e de uma alteração do tipo autístico da interação social e da comunicação. Em alguns casos, a
ocorrência do transtorno pode ser relacionada com uma encefalopatia; o diagnóstico, contudo, deve tomar por base as
evidências de anomalias do comportamento.

F84.4 Transtorno com hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos estereotipados


Transtorno mal definido cuja validade nosológica permanece incerta. Esta categoria se relaciona a crianças com retardo
mental grave (QI abaixo de 35) associado à hiperatividade importante, grande perturbação da atenção e comportamentos
estereotipados. Os medicamentos estimulantes são habitualmente ineficazes (diferentemente daquelas com QI dentro dos
limites normais) e podem provocar uma reação disfórica grave (acompanhada por vezes de um retardo psicomotor). Na
adolescência, a hiperatividade dá lugar em geral a uma hipoatividade (o que não é habitualmente o caso de crianças hi-
percinéticas de inteligência normal). Esta síndrome se acompanha, além disto, com frequência, de diversos retardos do
desenvolvimento, específicos ou globais. Não se sabe em que medida a síndrome comportamental é a consequência do
retardo mental ou de uma lesão cerebral orgânica.
103

F84.5 Síndrome de Asperger


Transtorno de validade nosológica incerta, caracterizado por uma alteração qualitativa das interações sociais recíprocas,
semelhante à observada no autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetit ivo. Ele
se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que não se acompanha de um retardo ou de uma deficiência de
linguagem ou do desenvolvimento cognitivo. Os sujeitos que apresentam este transtorno são em geral muito desajeitados.
As anomalias persistem frequentemente na adolescência e idade adulta. O transtorno se acompanha por vezes de episó-
dios psicóticos no início da idade adulta.

F84.8 Outros transtornos globais do desenvolvimento

F84.9 Transtornos globais não especificados do desenvolvimento


Categoria utilizada para transtornos que se adaptam à descrição geral do transtorno, mas achados contraditórios ou falta
de informações adequadas fazem com que o paciente não satisfaça critérios para outros transtornos.
104

ANEXO C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

CARTA DE INFORMAÇÃO AO SUJEITO DE PESQUISA

O projeto de pesquisa proposto intitulado “AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM E TEORIA DA MENTE NOS TRANS-
TORNOS DO ESPECTRO AUTISTA COM A APLICAÇÃO DO TESTE STRANGE STORIES TRADUZIDO E ADAPTA-
DO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA” tem como objetivo aplicar o teste Strange Stories (Happé, 1994) num grupo de
crianças com desenvolvimento típico e num grupo de crianças com Transtorno do Espectro Autista, possibilitando desta
forma a comparação de resultados nos dois grupos, avaliando habilidades de Linguagem e de Teoria da Mente.
Serão avaliados os sujeitos que são assistidos na rotina de avaliação da Clínica de Transtornos Invasivos do De-
senvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie, vinculada ao programa de pós-graduação em Distúrbios do
Desenvolvimento.
Durante esta rotina, os sujeitos são submetidos à avaliação neuropsicológica, fonoaudiológica, exame físico e neu-
rológico. A pesquisa será realizada durante a avaliação fonoaudiológica, fazendo parte desta forma da rotina dos aten-
dimentos.
Os sujeitos serão submetidos individualmente à aplicação do teste. As instruções serão dadas oralmente, e os es-
tímulos serão apresentados oral e graficamente através de um cartão com a história que será lida, de forma escrita. As
crianças deverão apenas ouvir as histórias e responder as questões referentes a estas histórias.
Os sujeitos que participarem da pesquisa estarão livres para se retirarem do procedimento em qualquer momento
em que assim o desejarem; sem nenhuma consequência em relação ao seu atendimento. Não haverá custos financei-
ros aos familiares responsáveis durante a realização da pesquisa.
A pesquisa proposta tem fins estritamente acadêmicos (de pesquisa), resguardando assim todo o sigilo das infor-
mações pessoais colhidas.

_________________________ ____________________________
Renata de Lima Velloso José Salomão Schwartzman
Pesquisadora Responsável Professor Orientador Responsável

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pelo presente instrumento, que atende às exigências legais, o(a) senhor (a) _______________________ ________,
sujeito da pesquisa, após leitura da CARTA DE INFORMAÇÃO AO SUJEITO DA PESQUISA, ciente dos serviços e
procedimentos aos quais será submetido, não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e do explicado, firma seu
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância em participar da pesquisa proposta.
Fica claro que o sujeito de pesquisa ou seu representante legal podem, a qualquer momento, retirar seu CONSEN-
TIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar de participar do estudo alvo da pesquisa e fica ciente que todo trabalho
realizado torna-se informação confidencial, guardada por força do sigilo profissional.

São Paulo, __ de ___________ de ____.

___________________________________
Assinatura do sujeito ou representante legal
105

ANEXO D
CARTA DE INFORMAÇÃO À INSTITUIÇÃO
106

ANEXO E
TRADUÇÃO DO TESTE STRANGE STORIES

João odeia ir ao dentista porque, toda vez que ele vai ao dentista, ele precisa fazer
uma obturação, e isso dói muito. Mas João sabe que, quando ele tem dor de dente,
sua mãe sempre o leva ao dentista. Neste momento, João está com muita dor de
1) Mentira dente, mas, quando sua mãe nota que ele parece doente e pergunta a ele: “Você
está com dor de dente, João?”, João diz: “Não, mamãe”.
1. É verdade o que João disse para sua mãe?
2. Por que João disse isso?

Um dia a tia Júlia veio visitar o Pedro. Pedro ama muito sua tia, mas hoje ela está
usando um chapéu novo, um chapéu novo que Pedro acha realmente muito feio.
Pedro acha que sua tia parece boba, e fica muito melhor com seu velho chapéu.
2) Mentira Branca Mas, quando a tia Julia pergunta a Pedro: “Você gostou do meu chapéu novo?”,
Pedro diz: “É muito bonito!”.
1. É verdade o que Pedro disse?
2. Por que ele disse isso?

Um assaltante que acabou de roubar uma loja está fugindo. Como ele está correndo
para casa, um policial, durante a ronda, vê sua luva cair. Ele não sabe que esse
homem é um assaltante, ele só quer avisar que ele deixou cair sua luva. Mas, quan-
3) Mal-entendido do o policial grita para o assaltante: “Ei, você, pare!”, o ladrão se vira, vê o policial e
se entrega. Ele coloca suas mãos para cima e admite que roubou a loja.
1. O policial ficou surpreso com o que o ladrão fez?
2. Por que o ladrão fez isso, se o policial só queria devolver sua luva?

Bianca e Daniel vão para um piquenique. É ideia de Daniel. Ele diz que será um dia
lindo e ensolarado para um piquenique. Mas, assim que eles desembalam a comida,
4) Sarcasmo começa a chover e logo eles ficam ensopados. Bianca está brava. Ela diz: “Sim, um
lindo dia para um piquenique!”.
1. É verdade o que Bianca disse?
2. Por que ela disse isso?

Joana queria comprar um gatinho, então foi ver a Sra. Sílvia, que tinha muitos gati-
nhos que ela não queria. No entanto, a Sra. Sílvia amava os gatinhos, e ela não faria
nada para prejudicá-los, embora ela não pudesse mantê-los sozinha. Quando Joana
a visitou, não tinha certeza se ela queria um dos gatinhos da Sra. Sílvia, pois eles
5) Convencimento eram todos machos, e ela queria uma fêmea. Mas a Sra. Sílvia disse: “Se ninguém
comprar os gatinhos, eu terei que afogá-los!”
1. É verdade o que a Sra. Sílvia falou?
2. Por que a Sra. Sílvia disse isso para Joana?

Hoje Carla quer ir ao balanço do parque, mas ela sabe que, para ir ao parque, ela
precisa passar pela casa do velho Sr. José. O Sr. José tem um cachorro feroz e
desagradável, e toda vez que Carla passa pela casa, o cachorro pula no portão e
late. Isso assusta muito a Carla, e ela odeia passar andando pela casa por causa do
6) Emoções Invertidas cachorro bravo. Mas Carla quer tanto brincar nos balanços! A mãe da Carla pergunta
a ela: “Você quer ir ao parque?”, e Carla diz: “Não”.
1. É verdade o que Carla disse?
2. Por que ela disse que não quer ir ao parque, quando ela quer ir aos balanços que
tem lá?

Ana e Bruna estão brincando em casa. Bruna pega uma banana da fruteira e leva até
sua orelha. Ela diz para Ana: “Olha! Esta banana é um telefone!”
7) Fingimento 1. É verdade o que Bruna disse?
2. Por que Bruna disse isso?

Caio e Danilo veem a Sra. Lúcia vindo do cabeleireiro um dia. Ela está engraç ada
porque o cabeleireiro cortou seu cabelo muito curto. Caio diz para Danilo: “Ela deve
8) Piada ter tido uma briga com um cortador de grama!”.
1. É verdade o que Caio disse?
2. Por que ele disse isso?
107

Fernanda estava com tosse. Durante todo o almoço, ela tosse, tosse e tosse. Seu pai
9) Figura de Linguagem diz: “Coitada da Fernanda, você deve ter um sapo na sua garganta!”
1. É verdade o que papai disse à Fernanda?
2. Por que ele disse isso?

Gabriel é um grande mentiroso. O irmão de Gabriel, Tiago, sabe disso. Ele sabe que
Gabriel nunca diz a verdade! Ontem Gabriel roubou a bola de futebol de Tiago, e ele
sabe que Gabriel a escondeu em algum lugar, embora ele não consiga encontrá-la.
Ele está muito bravo. Então, ele encontra Gabriel e diz: “Onde está minha bola de
futebol? Você deve ter escondido no armário ou embaixo da sua cama, porque eu
10) Duplo Blefe
procurei em toda parte. Onde está? No armário ou embaixo da sua cama?”. Gabriel
diz a ele que a bola está embaixo da sua cama.
1. É verdade o que Gabriel disse a Tiago?
2. Onde Tiago procurará sua bola de futebol?
3. Por que Tiago procurará lá pela sua bola?

Na véspera do Natal, a mãe de Juliana a leva para uma grande loja na cidade. Elas
vão olhar no departamento de brinquedos. Lá, o Sr. Marcos, vizinho de Juliana, está
vestido de Papai Noel, dando doces para todas as crianças. Juliana acha que ela
11) Aparência / Realidade reconhece o Sr. Marcos, então ela corre até ele e pergunta: “Quem é você?” e o Sr.
Marcos responde: “Sou Papai Noel!”.
1. É verdade o que o Sr. Marcos disse?
2. Por que ele disse isso?

Paula está brincando no jardim com sua boneca. Ela deixa sua boneca no jardim,
quando sua mãe a chama para almoçar. Enquanto elas almoçam, começa a chover.
A mãe de Paula pergunta para ela: “Você deixou a sua boneca no jardim?”, e Paula
12) Esquecimento diz: “Não, eu a trouxe comigo, mamãe”.
1. É verdade o que Paula disse?
2. Por que Paula disse isso?
108

ANEXO F
TESTE AVANÇADO EM TEORIA DA MENTE STRANGE
STORIES (HAPPÉ, 1994)

1) Lie
John hates going to the dentist because every time he goes to the dentist he needs a filling, and that hurts a lot. But
John knows that when he has toothache, his mother always takes him to the dentist. Now John has bad to othache at the
moment, but when his mother notices he is looking ill and asks him “Do you have toothache, John?”. John says “No,
Mummy”.
1. Is it true what John says to his mother?
2. Why does John say this?

2) White Lie
One day Aunt Jane came to visit Peter. Now Peter loves his aunt very much, but today she is wearing a new hat; a new
hat which Peter thinks is very ugly indeed. Peter thinks his aunt looks silly in it, and much nicer in her old hat. But when
Aunt Jane asks Peter, “How do you like my new hat?” Peter says, “Oh, it`s very nice”.
1. Was it true what Peter said?
2. Why did he say it?

3) Misunderstanding
A burglar who has just robbed a shop is making his getaway. As he is running home, a policeman on his beat sees him
drop his glove. He doesn`t know the man is a burglar, he just wants to tell him he dropped his glove. But when the pol i-
ceman shouts out to the burglar, “Hey you, stop!”, the burglar turns round, sees the policeman and gives himself up. He
puts his hands up and admits that he did the break-in at the local shop.
1. Was the policeman surprised by what the burglar did?
2. Why did the burglar do this, when the policeman just wanted to give him back his glove?

4) Sarcasm
Sarah and Tom are going on a picnic. It is Tom`s idea, he says it is going to be a lovely sunny day for a picnic. But just
as they are unpacking the food, it starts to rain and soon they are both soaked to the skin. Sarah is cross. She says “Oh
yes, a lovely day for a picnic alright!”
1. Is it true what Sarah says?
2. Why does she say this?

5) Persuasion
Jill wanted to buy a kitten, so she went to see Mrs. Smith who had lots of kittens she didn`t want. Now Mrs. Smith loved
the kittens and she wouldn`t do anything to harm them, though she couldn`t keep them all herself. When Jill visited she
wasn`t sure she wanted one of Mrs. Smith`s kittens, since they were all males and she had wanted a female. But Mrs.
Smith said, “If no one buys the kittens, I`ll just have to drown them!”
1. Was it true what Mrs. Smith said?
2. Why did Mrs. Smith say this to Jill?

6) Contrary Emotions
Today, Katy wants to go on the swings in the playground. But to get to the playground she knows she has to pass old
Mr. Jones house. Mr. Jones has a nasty fierce dog and every time Katy walks past the house, the dog jumps up at the
gate and barks. It scares Katy awfully and she hates walking past to the house because of the nasty dog. But Katy does
so want to play on the swings. Katy`s mother asks her “Do you want to go out to the playground?” Katy says “No”.
1. Is it true what Katy says?
2. Why does she say she doesn`t want to go to the playground, when she so wants to go on the swings that are there?
109

7) Pretend
Katie and Emma are playing in the house. Emma picks up a banana from the fruit bowl and holds it up to her ear. She
says to Katie “Look! This banana is a telephone!”
1. Is it true what Emma says?
2. Why does Emma say this?

8) Joke
Daniel and Ian see Mrs. Thompson coming out of the hairdressers one day. She looks a bit funny because the hairdresser
has cut her hair much too short. Daniel says to Ian, “She must have been in a fight with a lawnmower!”.
1. Is it true what Daniel says?
2. Why does he say this?

9) Figure of Speech
Emma has a cough. All through lunch she coughs and coughs and coughs. Father says “Poor Emma, you must have a
frog in your throat!”
1. Is it true what Father says to Emma?
2. Why does he say that?

10) Double Bluff


Simon is a big liar. Simon`s brother Jim Knows this, he knows that Simon never tells the truth! Now yesterday Simon
stole Jim`s ping-pong bat and Jim knows Simon has hidden it somewhere, though he can`t find it. He`s very cross. So
he finds Simon and he says “Where is my ping-pong bat? You must have hidden it either in the cupboard or under your
bed, because I`ve looked everywhere else. Where is it, in the cupboard or under your bed?” Simon tells him the bat i s
under his bed.
1. Was it true what Simon told Jim?
2. Where will Jim look for his ping-pong bat?
3. Why will Jim look there for his bat?

11) Appearance / Reality


On Christmas Eve, Alice`s mother takes her to the big department store in town. They go to look in the toy department.
In the toy department Mr. Brown, Alice`s next door neighbor, is dressed up as Santa Claus, giving out sweets to all the
children. Alice thinks she recognizes Mr. Brown, so she runs up to him and asks “Who are you?” Mr. Brown ans wers
“I`m Santa Claus!”.
1. Is it true what Mr. Brown says?
2. Why does he say this?

12) Forget
Yvonne is playing in the garden with her doll. She leaves her doll in the garden when her mother calls her in for lunch.
While they are having lunch, it starts to rain. Yvonne`s mother asks Yvonne “Did you leave your doll in the garden?”
Yvonne says “No, I brought her in with me, Mummy”.
1. Is it true what Yvonne says?
2. Why does Yvonne say this?
110

ANEXO G
DADOS DAS CRIANÇAS DO GRUPO EXPERIMENTAL

Sujeito Idade QIe SS1 SS2 SS3 SS4 SS5 SS6 SS7 SS8 SS9 SS10 SS11 SS12 Total

1 6 123 1 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1 1 6
2 6 126 0 1 1 0 0 0 1 0 0 1 1 0 5
3 6 105 1 0 0 1 0 0 0 1 1 0 0 0 4
4 6 112 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 1 4
5 6 94 1 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 3
6 7 126 1 1 0 1 0 0 1 0 0 0 1 0 5
7 7 123 0 1 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 5
8 7 126 1 0 1 0 0 1 0 0 0 0 1 0 4
9 7 83 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 3
10 7 83 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 3
11 8 76 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 1 3
12 8 83 1 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 3
13 9 83 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 3
14 9 141 2 0 0 1 0 0 0 1 1 0 1 1 7
15 9 102 0 1 1 0 0 0 1 0 1 0 0 0 4
16 9 141 1 2 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 7
17 9 77 1 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 3
18 10 83 1 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 3
19 10 77 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 3
20 11 77 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 4
21 11 126 1 0 0 1 0 1 0 1 1 0 0 0 5
22 11 126 0 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1 1 6
23 11 85 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 3
24 11 77 1 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 3
25 12 74 0 0 0 0 0 0 1 1 0 1 0 1 4
26 12 71 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 3
27 12 97 1 0 0 1 0 0 0 0 1 1 0 0 4
28 12 74 1 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 3
111

ANEXO H
DADOS DAS CRIANÇAS DO GRUPO-CONTROLE

Sujeito Idade QIe SS1 SS2 SS3 SS4 SS5 SS6 SS7 SS8 SS9 SS10 SS11 SS12 Total

1 6 100 1 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0 0 3
2 6 97 0 1 1 1 0 1 1 0 0 0 1 1 7
3 6 106 1 2 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 12
4 6 97 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 0 0 4
5 6 100 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12
6 6 103 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 3
7 7 103 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 2
8 7 97 0 1 1 1 0 1 1 0 0 0 1 1 7
9 7 103 2 2 2 2 1 2 2 2 2 2 2 2 23
10 7 94 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 0 0 4
11 7 106 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12
12 7 97 2 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 2 15
13 7 106 0 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 12
14 7 106 1 1 1 1 0 2 1 0 0 0 1 1 9
15 7 106 1 2 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 12
16 7 94 1 1 1 1 2 1 1 1 2 1 1 1 14
17 7 94 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12
18 7 100 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 3
19 7 106 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12
20 8 106 1 1 1 1 0 2 1 0 0 0 1 1 9
21 8 100 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12
22 8 97 2 2 2 2 1 2 2 2 2 2 2 2 23
23 8 94 1 0 0 0 1 1 2 1 1 1 1 1 10
24 8 100 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 13
25 8 103 2 1 2 2 2 1 1 1 2 1 1 1 17
26 8 106 0 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12
27 9 100 1 1 1 1 0 2 1 0 0 0 1 1 9
28 9 97 1 2 2 2 1 2 2 2 2 2 2 2 22
29 9 100 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 24
30 9 100 2 0 0 0 1 1 2 1 1 1 1 1 11
31 9 106 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 13
32 9 103 2 1 2 2 2 1 1 1 2 1 1 1 17
33 9 103 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 13
34 9 100 1 1 1 1 1 2 1 0 0 0 1 1 10
35 9 97 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 11
36 10 100 1 2 2 2 0 2 2 1 1 1 2 2 18
37 10 103 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 24
38 10 106 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 24
112

Sujeito Idade QIe SS1 SS2 SS3 SS4 SS5 SS6 SS7 SS8 SS9 SS10 SS11 SS12 Total

39 10 100 2 0 0 0 1 1 2 1 1 1 1 1 11
40 10 97 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 13
41 10 106 2 1 2 2 2 2 1 1 2 1 1 1 18
42 10 94 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 13
43 10 94 1 1 1 1 1 2 1 0 0 0 1 1 10
44 10 106 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 11
45 11 100 2 2 2 2 1 2 2 1 2 1 2 2 21
46 11 103 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 24
47 11 106 2 2 1 1 2 2 2 2 1 2 1 1 19
48 11 91 2 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1 1 15
49 11 94 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12
50 11 109 2 1 2 2 1 2 2 1 2 1 2 2 20
51 12 103 2 2 2 2 1 2 2 1 2 1 2 2 21
52 12 103 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 24
53 12 100 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 24
54 12 100 2 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1 1 15
55 12 97 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 24
56 12 100 2 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1 1 15

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