Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. Introdução.
Na evolução do latim a perda da morfologia dos casos nas categorias nominais leva
as línguas românicas a explorarem diferentes recursos sintáticos para a expressão das
relações entre os constituintes da sentença, entre eles, a ordem das palavras e
enriquecimento funcional das preposições, as quais passam a assumir os valores das
formas casuais das declinações. Naturalmente, as mudanças gramaticais que marcam as
línguas românicas em relação ao latim criam problemas para os gramáticos preocupados
em descrevê-las nos moldes clássicos. Torna-se necessário uma reflexão mais voltada
para a nova realidade lingüística, de modo que termos tradicionais como nominativo,
acusativo, dativo, etc., referentes aos casos formais, embora ainda presentes na
nomenclatura gramatical, passam a ser entendidos como variantes denominativas das
relações ou funções gramaticais correspondentes, como sujeito, objeto direto (OD) e
objeto indireto (OI). No entanto, a tradição gramatical ainda encontra problemas para
alcançar rigor descritivo na determinação das relações gramaticais. No caso do OI a
imprecisão das descrições tradicionais tem sido notável no que diz respeito tanto ao
estatuto da preposição que introduz o constituinte, quanto à sua caracterização como
Sintagma Nominal (NP) ou Sintagma Preposicional (PP) e o seu estatuto argumental.
1
Alguns estudos de orientação sociolingüística, de natureza diacrônica, como os de Berlinck, (1996, 1997,
1999, 2000) mostram, nos contextos com os verbos ditransitivos, a queda percentual na expressão anafórica
do dativo e a substituição da preposições a pela preposição para na variante brasileira.
2
3
(2) La Reina entregó al presidente de la Cruz Roja un donativo para los presos de guerra.
d. Note-se que as frases introduzidas por para expressando o benefativo não podem ser
usadas em sentido negativo:
e. O melhor argumento, porém, na distinção das preposições para e a nos contextos com
2
Usamos simplesmente o termo português em algumas passagens em que a distinção português europeu
(PE) e português brasileiro (PB) não estiver sendo relevante.
3
A discussão baseou-se em Ordoñez (1999).
3
4
Nos termos do autor, está claro que a substituição pelo clítico dativo da seqüência
<para +NP> em (7b) não é adequada descritivamente e assumi-la obriga ou a postular
que os sintagmas introduzidos por a e para desempenham a mesma função, ou abandonar
o critério da substituição pelo clítico, uma vez que os contextos de redobro mostram
claramente que o lhe redobra unicamente NPs introduzidos por a. Nenhuma das
conclusões é aceitável: o que se verifica é uma má aplicação da possibilidade de
substituição do NP pelo clítico, com base na sinonímia contextual, ou em uma confusão
dos conteúdos lingüísticos com a realidade extralingüística que se depreende das
expressões a su hijo e para su hijo (cf. também, Hernanz & Brucart, 1987 e Campos,
1999). 4
4
5
Adaptando Bechara para os termos da nossa discussão, pode-se dizer que em uma
sentença como Alguns alunos compraram flores para a professora, a preposição para
não introduz o OI, dada a possibilidade de uma sentença como Alguns alunos compraram
flores ao florista para a professora, em que a preposição a expressa o papel-θ
origem/fonte e para o papel-θ benefativo. Por outro lado, se ambos os termos tivessem o
mesmo estatuto gramatical poderiam ser coordenados o que não ocorre, como mostra a
agramaticalidade de Alguns alunos compraram flores à florista e para a professora.
Note-se ainda que a pronominalização só poderia ser realizada com o termo à florista,
como mostra o contraste gramaticalidade vs agramaticalidade de Alguns alunos
compraram-lhe flores para a professora vs Alguns alunos compraram- lhe ao florista.
Pelo que foi exposto acima, fica fácil reconhecer que os temos usados por
Bechara na descrição do OI toma como base os fatos do PE, deixando de contemplar os
fatos do PB. Como sabemos, alguns trabalhos sobre o PB atual mostram a tendência em
substituir a preposição a pela preposição para com os verbos ditransitivos de
"transferência" ou "movimento". Além disso, o clítico lhe tem sido substituído pelo
oblíquo a ele/ a ela, outra reanálise que não se verifica no PE.
Por sua vez, Mateus & alii (1991) definem o OI como o argumento de verbos de
dois ou três lugares, tipicamente com a função sintática de recipiente, alvo ou meta, fonte
ou origem e experienciador. Na maioria dos casos tem o traço [+animado] e é cliticizado
por lhe. Observemos seus exemplos:
(8) a. O miúdo deu o brinquedo ao amigo. b. O miúdo deu-lhe o brinquedo.
c. O menino obedece ao pai. d. O menino obedece-lhe. (p. 231)
O autor observa ainda que com os verbos: limpar, enxugar, assoar, os brasileiros usam em e portugueses o
a:
j.Limpar as lágrimas no lenço. Limpar as lágrimas ao lenço.
5
6
Mateus & alii fazem ainda uma importante distinção entre OI e funções sintáticas
oblíquas, caracterizando estas últimas como argumentos opcionais ou nucleares,
dependendo da natureza do predicador. As funções sintáticas oblíquas expressam uma
variedade de relações semânticas, entre elas, instrumento, comitativo, benefativo, tempo,
duração, freqüência, locativo, situacional, direcional, causa, fim. Vejamos alguns
exemplos:
(11) a.O meu amigo pintou esse quadro para a Maria. (benefativo)
b.Tenho de sair já para não perder o avião. (fim)
c.O Luís foi ao cinema com a Ana. (comitativo)
d.O João cortou-se com o abre-latas. (instrumento)
Os constituintes oblíquos são, portanto, regidos por uma preposição que marca sua
função semântica. Os verbos que determinam esse esquema são, em geral, verbos com
regência preposicional. Assim, entre os verbos que selecionam a preposição com temos:
confundir, partilhar, repartir; preposição de: afastar, aproximar, esconder; em: converter,
enfiar; preposição por: distribuir, substituir, trocar. É importante ressaltar que as autoras
também registram que o OI aparece com predicadores de três lugares, usados como
predicadores de dois lugares. Nestes casos, ocorre o que fenômeno da “incorporação” do
do constituinte complemento do N, núcleo do NP- OD, à grade argumental do verbo, (cf.
seção 3)
6
7
Da mesma forma, verbos do tipo chegar, ir, vir, viver, morar, selecionam OBL,
que podem ser comutados por advébios de lugar:
(18) a. Ao teu amigo, ainda não lhe pagaram os direitos de autor, pois não?
b. * Ao teu amigo, ainda não pagaram a ele os direitos de autor, pois não?:
c *Para o João ainda não lhe pagaram os direitos de autor, pois não? (cf. Duarte,
1987)
7
8
Suñer (1988) estuda o comportamento dos PPs e NPs no espanhol e conclui que
os OIs não são PPs, mas NPs. Um dos seus argumentos toma como base os papéis
temáticos, considerando–se que o papel-θ do NP introduzido por uma preposição é
determinado por esta preposição. Como os exemplos abaixo mostram, a preposição a não
altera o papel temático atribuído pelas preposições plenas aos seus argumentos, o que
evidenciaria o seu estatuto de preposição semanticamente vazia:
4.1. No espanhol
Os fatos que dizem respeito às preposições a e para poderão ser situados num
quadro gramatical mais amplo, quando se leva em conta que, na literatura espanhola, foi
estabelecida uma tipologia do OI ou Complemento Indireto (CI) em duas grandes classes
8
9
Observe-se que o sintagma para su hijo em (24a), passa a ser interpretado como
um OI em (24c) sem que ocorra mudança na expressão do papel-θ. Cria-se, assim, uma
ambigüidade em que a su hijo pode ser interpretado como origem/meta ou benefativo.
Essa seria a razão tradicional para se atribuir de forma equivocada um estatuto de OI aos
NPs introduzidos por para. Portanto, a cada um dos significados das sentenças em (24)
associam-se propriedades formais distintas, que incluem, entre outras: (i) expressão de
papéis temáticos distintos; (ii) substituição da preposição plena para pela preposição
9
10
dummy a; (iii) Clítico dativo obrigatório diante de <a+NP> benefativo e opcional diante
de <a+NP>origem/meta, como ilustrado pelos exempolos em (25a-b) respectivamente.
6
Segundo Ordoñez (1999), o teste mais seguro para se considerar o estatuto de um OI como argumento
selecionado pelo verbo é o dos particípios, uma vez que estes, embore conservem o mesmo número de
argumentos selecionados pela forma finita do verbo, não permitem os clíticos pronominais. Esta
propriedade de admitir o OI, ou a forma <a+NP> sem o clítico pronominal coloca-se como a prova decisiva
para a determinação do estatuto argumental de um CI. Se o que individualiza um OI com verbos finitos é
a pronominalização com o lhe e se os particípios não o admitem, o fato de um particípio poder selecionar
um CI mostra que este já estava previsto na valência do verbo:
7
Os casos dos complementos adjetivais e nominais é bastante interessante. Por ser o adjetivo, um atributo
do verbo ser ou estar, pode ou manter o complemento com a preposição que o adjetivo rege, ou co-ocorrer
com um clítico pronominal que se apóia no verbo e é compatível com a preposição a. Embora os átonos
dativos dependam do adjetivo por terem sido selecionados por ele, comportam-se sintaticamente como
complementos verbais. Em outras palavras, o uso do le se torna obrigatório e o complemento do adjetivo
agora incorporado ao verbo tem como índice funcional possível a preposiçãoa a.
10
11
8
Os chamados dativos supérfluos diferem dos OI. Enquanto o OI é um função nominal, os dativos
supérfluos não ocupam uma função sintática, são opcionais, e se limitam a marcar a ênfase, o interesse a
afetação, como ilustrado em (I):
11
12
(29) a. Por exemplo, no final de uma consulta da rede HELP | basta-lhe apresentar o cartão, pagar
2.000$00 e tudo o resto fica | por nossa conta. (VISÃO, 7 a 13 /10/ 1999 )
b.| Em casos de carência vitamínica e reduzida quantidade de fibras no organismo. POSOLOGIA:
Tomar sempre que lhe apeteça. | Repetir sempre que possa. Óptimo acompanhamento de refeições. ( QUO,
no 49- 1999)
c. …já não | precisa ter um médico na família. | Basta pertencer à família de médicos | que o
Sistema Personalizado de | Saúde da Tranquilidade põe à sua | disposição, e que está preparado | para o
atender com a maior rapidez | e eficiencia, a si e à sua família. (Pais & Filhos, no 105 –10/1999)
(31) a. A minha mãe me pedia para puxar o lustro ao soalho. (DNA, no171- 11/03/00)
b. Reconhece-lhe o papel de padrinho? (DNA, no 170- 04/03/00)
10
As línguas apresentam diferenças na expressão do possessivo: o françês prefere expressar o DP com os
clíticos; o espanhol tem redobro obrigatório nessas construções. O português se alinha ao francês, ou seja,
não tem redobro e prefere os clíticos.
12
13
(32) a. …dizia nesta carta que tinha uma doença rara que lhe ia corroendo as extremidades dos
membros… ( DNA, no 180 13/05/00)
b. Por que é que uma fralda seca é tão importante | para a pele do bebé? || Porque o amoníaco
produzido pela interacção da urina| e das fezes pode irritar-lhe a pele, causando-lhe incómo- | do e mau-
estar…(Pais & Filhos, no 105-10/1999)
c. Eu tinha uma série de fotografias do Gorbachev que tinham sido distribuídas quando ele
chegou ao poder, eram fotografias oficiais distribuídas pela Novosti e que, portanto, tinham sido retocadas
de maneira a que não se visse a mancha que ele tem na cabeça. Quando o vi pela primeira vez na televisão,
vi-lhe a mancha, bem nítida na cabeça. (DNA, no 178- 29/04/00)
(33) a. Tive um conflito com o Savimbi, tenho tudo gravado, onde lhe chamei mentiroso. (DNA no 171
11 março 00)
b. Chamei mentiroso a Savimbi numa conferência de imprensa. ( DNA no 171- 11/ 03/00)
(34) a. …mas não fugiu aos tiques e situações dos anos 60. (DNA, no 171-03 /11/00)
b. Não vá a boca fugir-lhe para certas verdades … (DNA, no 168- 19/02/00)
c. Às vezes tenho ataques de nostalgia. Mas procuro fugir deles. (DNA, no 180- 13/05/00)
Portanto, nas estruturas com OIs não valenciais expressando valor possessivo,
benefativo, de direção, locativo, etc., nos quais se manifesta o fenômeno da incorporação,
o PE está muito próximo do espanhol. Como dissemos, a diferença entre as duas línguas
resume-se ao fato de que o português não manifesta o redobro obrigatório do dativo lhe
com os OIs incorporados. Conclui-se que o OI pode ser caracterizado como uma função
muito especial, quando a comparamos com o sujeito e objeto direto. De fato, enquanto
alguns verbos parecem trazê-la prefigurada em sua valência lexical, em um grande
número de casos ela é uma função construída. O importante a destacar na identificação
dos OIs é que os mesmos mostram diferentes graus de envolvimento no processo verbal,
os quais podem ser descritos, em termos semânticos, como um relacionamento temático
envolvendo papel -θ meta, fonte, benefativo, e outros. Do mesmo modo, reconhece-se
nos contextos dativos as particularidades do lhe frente ao quadro geral dos outros
pronomes pessoais. O dativo lhe se apresenta como um capacitador funcional, ou recurso
13
14
gramatical, para que, por exemplo, predicados de dois lugares possam incorporar um
novo argumento. Com essa propriedade evidencia-se que nem sempre os clíticos estão
'substituindo' um argumento ou objeto que poderia ser expresso por um NP, pronominal
ou não. Há certas relações que só podem ser expressas por eles.11
(35) a Durante a infância, os filhos vivem para agradar aos pais. Quando decidem contar que são gays,
os jovens estarão desagradando profundamente a eles (...). (VEJA, 16/02/00)
b. || Se o seu namorado | merece mais do que | rosas, dê para ele os | melhores botões.|| Camisas |
Dudalina | por Fernando de Barros. (CLÁUDIA, 06/04/1999)
c. Segundo seu relato, um empresário do setor de ônibus contou a ele ter sido obrigado a aceitar
11
Torres-Morais (em andamento) propõe uma hipótese de estrutura de frase distintas para as construções
com verbos ditransitivos do PE e PB, com base nas construções de objeto duplo do inglês.
12
Observa-se ainda em certas regiões do Nordeste o chamado fenômeno do "lheísmo", ou seja, o uso do
dativo lhe como pronome acusativo de segunda pessoa (cf. Ramos, 1999).
13
Cardinaletti & Starke (1994) distinguem três tipos de pronomes: clíticos, fracos e fortes. Cada classe
exibe suas próprias propriedades distribucionais e propriedades interpretativas que os autores atribuem a
diferentes níveis estruturais.
14
15
e.Em julho de 1980, o papa visitou o Rio Grande do Sul. Na oportunidade, eu era o presidente da
Câmara Municipal de Porto Alegre e entreguei a ele o título de cidadão porto-alegrense. (VEJA,
26/06/2002)
d. Quando o inverno chegar, | o que você quer ser: cigarra ou formiga?|| A Presidência BBV é | um
sistema de poupança | e previdência que | permitirá a você uma vida | confortável no futuro | e importantes
vantagens | fiscais no presente, | já que os depósitos | são dedutíveis de | sua renda bruta em sua | próxima
declaração, | até o limite de 12%. | Não deixe o inverno | pegar você de surpresa.|| (VEJA, 28/04/99)
(36) Olhamos para si de maneira diferente. || Se os seus sonhos são diferentes dos outros, por que é que o
seu banco não há-de-ser? No Finibanco, porque acreditamos | que você é diferente, propomos - lhe as
melhores soluções para o seu caso. | Descubra as diferenças num dos nossos balcões, ou através do
Finibanco | OnLine, via telefone ou Internet, ou do Agente Financeiro mais perto de si. | Consulte o
Finibanco, o banco com soluções diferentes para pessoas diferentes. (VISÃO, 7 a 13/10 /1999)
15
16
(37) a.Alega que o texto lhe foi lido pelo repórter. (VEJA, 19/01/00)
b.O aspecto que mais me interessou nessa correspondência, porém, foram os pronomes. Nós,
brasileiros, temos sérias dificuldades com pronomes. Os meus correspondentes, na maioria dos casos,
começavam se dirigindo a mim com um respeitoso "senhor". Depois de umas poucas linhas, passavam
informalmente para "você". A certa altura, escapava-lhes a segunda pessoa do singular, algo como "o teu
filho" (VEJA, 22/03/00)
c .Os últimos a surgir foram os adolescentes que espancavam seus coetâneos e roubavam-lhes o
telefones celulares. (VEJA, 19/01/00)
d.....que a boa solução para a Rocinha seria atirar-lhe uma bomba atômica. (VEJA. 19/01/00)
e. Só por troça, reconhecem-lhe a majestade…(VEJA, 08/03/00)
Com base nas diferenças pronominais entre o PB e PE, a questão é entender como
se deu a criação das novas estratégias para expressão das valores dativos, considerando-
se as reanálises em dois aspectos: (i) com respeito à substituição dos clíticos lhe/lhes
pelas formas anafóricas preposicionadas a ele/para ele e (ii) com relação à substituição
da preposição a pela preposição para como índice funcional próprio dos complementos
indiretos com os verbos ditransitivos. 14 Os exemplos em (38) manifestam esta última
tendência:
(38) a. Os internautas fazem exatamente a mesma coisa. Instalam câmaras em todos os cantos de suas
casas e transmitem essas imagens para o resto do mundo.(VEJA 21/06/00)
b. (…) Enriquecida com 11 vitaminas e sais minerais , é tão deliciosa que seria um pecado não
dar pra eles. (VEJA 21/06/00)
c.A minha amiga telefonou várias vezes para o pediatra de seu filho... (VEJA, 10/11/99)
d. ... admite que haja 20 bilhões de dólares de brasileiros enviados de forma irregular para paraísos
fiscais... (VEJA, 10/05/00).
14
Lembramos que alguns verbos de transferência e movimento perceptual não permitem o emprego de
para, entre eles: anexar, filiar, imputar, incorporar, juntar, sensibilizar, submeter, subordinar, e verbos
intransitivos do tipo de obedecer.
16
17
Com base neste quadro teórico, vamos assumir que, para se entender as reanálises
ocorridas no sistema pronominal do PB como um todo, em especial a difusão das formas
pronominais oblíquas no sistema acusativo e dativo, com a perda gradativa dos clíticos
dativos de terceira pessoa, é necessário postular uma mudança ou reanálise no estatuto
gramatical do pronominal ele, relacionada aos seus traços formais de Caso, nos termos
propostos em Raposo (1998) e Lobato (2000). Raposo, em particular, afirma que a forma
lhe foi reanalisada e está desaparecendo como forma de terceira pessoa no PB porque a
preposição a está sendo substituída por para, a preposição plena, que atribui Caso
oblíquo junto com um papel- θ, levando à perda da propriedade do verbo de atribuir
Caso inerente a um argumento. O que está sendo reanalisado no PB, portanto, é a
propriedade lexical dos verbos atribuírem Caso inerente dativo e papel- θ ao NP nos
contextos de verbos ditransitivos. De acordo com o autor, no PE ele e lhe têm um traço
de Caso nominativo e dativo respectivamente [+Intrínseco] na sua entrada lexical. A
diferença entre o PB e PE se deve ao fato de que, no PB, a forma ele perdeu o traço de
Caso nominativo que caracteriza o PE, o que permite que possa aparecer em contextos
nominativos, acusativos e dativos. Se essas considerações estiverem corretas, as
mudanças que ocorrem no sistema pronominal do PB representam novas evidências para
a hipótese da interdependência, nos contextos dativos, da preposição a e do pronome lhe.
Assim, o ponto fundamental na gramática do PB parece ser a possibilidade de alternar
pronomes clíticos de terceira pessoa pelos anafóricos oblíquos. No PE, ao contrário, a
forma ele jamais substitui os clíticos acusativos ou dativos de terceira pessoa.
17
18
Desta forma, o emprego da forma a ele nos contextos dativos na fala e escrita dos
falantes brasileiros pode ser entendido como uma reanálise do OI como uma função
oblíqua na presença dos verbos ditransitivos. Observe-se ainda que a baixa freqüência do
dativo lhe no PB é intrigante porque envolve não apenas a substituição de uma forma
clítica anafórica de terceira pessoa pelas formas preposicionadas, como também a perda
de seu valor possessivo e locativo. O lhe é substituído pelo pronome possessivo
anafórico.
Bibliografia
15
Dillinger & alii (1996) afirmam que a possibilidade de OI nulo no PB se deve ao fato de esta função ser
tratada não como um argumento do verbo, mas como um adjunto. Cf. também Cyrino (2000)
18
19
19