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ENTRE A ORDEM
E O PROGRESSO
A Escola de Aprendizes Artífices de
Natal e a Formação de Cidadãos
Úteis (1909 – 1937)
Renato Marinho Brandão Santos
ENTRE A ORDEM
E O PROGRESSO
A Escola de Aprendizes Artífices de
Natal e a Formação de Cidadãos
Úteis (1909 – 1937)
Natal, 2019
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E
TECNOLOGIA DA PARAÍBA TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO NORTE
REITOR REITOR
Cícero Nicácio do Nascimento Lopes Wyllys Abel Farkatt Tabosa
PRÓ-REITORA DE ENSINO PRÓ-REITOR DE PESQUISA E INOVAÇÃO
Mary Roberta Meira Marinho Márcio Adriano de Azevedo
PRÓ-REITORA DE PESQUISA, INOVAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO
COORDENADORA DA EDITORA IFRN
Silvana Luciene do Nascimento Cunha Costa Kadydja Karla Nascimento Chagas
PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E CULTURA
REVISÃO TEXTUAL
Maria Cleidenédia Moraes Oliveira Sayara de Medeiros Xavier
PRÓ-REITOR DE ASSUNTOS ESTUDANTIS
Manoel Pereira de Macedo Neto
PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS
Pablo Andrey Arruda de Araujo
EDITORA IFPB
DIRETOR EXECUTIVO
Carlos Danilo Miranda Regis
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Alexandre J. S. de Araújo
CDU 377
Introdução – 7
Capítulo I
OS OLHARES DA REPÚBLICA BRASILEIRA SOBRE
O ENSINO PROFISSIONAL – 16
1. O que Fazer com as “Classes Perigosas”? – 16
2. Projetos de Educação para os Desafortunados do
Império à República – 29
3. As Escolas de Aprendizes Artífices: Um Novo Olhar da
República Sobre a Educação Profissional – 38
4. A Atuação do Serviço de Remodelação do Ensino
Profissional nas Escolas de Aprendizes (1920-1930) – 66
5. O Tempo do Nacional-Estatismo e suas Repercussões
no Ensino Profissional – 76
Capítulo II
DISCIPLINA, PRÁTICA, FÉ E PÁTRIA: As Bases
do Ensino na Escola de Aprendizes Artífices de
Natal – 87
1. O Cenário Educacional Brasileiro na Segunda Metade do
Século XIX pela Lente de Rui Barbosa – 87
2. As Escolas de Aprendizes Antes do Serviço de
Remodelação – 101
3. O Serviço de Remodelação do Ensino Profissional:
Reformar é Preciso! – 108
4. O que Liam os Alunos das Escolas de Aprendizes – 130
4.1. As Leituras de Caráter Higienizador: Transmissoras
do Ideal de Ordem e Disciplina – 136
Capítulo III
A ESCOLA DE APRENDIZES E A CIDADE DO
NATAL, ENTRE 1909 E 1937 – 152
1. A Cidade do Natal nos Primórdios do Regime
Republicano – 152
2. A Escola e suas Sedes – 162
3. As Expectativas Geradas pela Escola e seu Enredamento
com as Tramas da Política Local – 176
4. A Escola, o Comércio e o Trabalho – 185
5. Cinco Espaços, um Desejo: o Lazareto, o Leprosário, o
Presídio, a Escola e o Dispensário – 201
6. A Escola e a Cidade que se Queria – 208
Capítulo IV
OS ARTÍFICES DA ESCOLA DE APRENDIZES
DE NATAL: Seus Alunos, Funcionários e
Dirigentes – 214
1. Questões Iniciais – 214
2. Os Diretores da Escola de Aprendizes de Natal – 217
2.1. A Era dos Bacharéis – 217
2.2. A Era dos Engenheiros e Técnicos – 227
3. Os Funcionários da Escola de Aprendizes Artífices de
Natal – 235
4. Afinal, Quem Eram os Aprendizes? – 249
4.1. Caracterização Geral dos Alunos da Escola de
Aprendizes de Natal – 256
4.2. Evasão Escolar: Resistência à Disciplina? – 262
Conclusão – 276
Referências Bibliográficas – 281
Fontes – 293
1. Fontes Manuscritas – 293
1.1. Acervo da Escola – 293
2. Impressas – 294
2.1 Leis, Decretos, Códigos e Regulamentos – 294
2.2. Anais da Câmara e do Senado – 296
2.3. Relatórios de Governo e Ministeriais – 297
2.4. Matérias de Periódicos – 301
2.5. Livros Didáticos – 306
2.6. Outras Fontes Impressas – 306
3. Fontes secundárias – 308
4. Sítios – 309
Introdução 7
Introdução
A preocupação sistemática com a Educação Profissional no
Brasil é fato que nos remete ao início do século XX, mais espe-
cificamente ao ano de 1909. Antes disso, as experiências nesse
campo eram esparsas. Naquele tempo, em 1909, o presidente
Nilo Peçanha, inspirado em uma experiência desenvolvida no Rio
de Janeiro, estado que governara, criou as Escolas de Aprendizes
Artífices, espalhadas pelas capitais dos estados brasileiros. Natal,
capital do Rio Grande do Norte, recebeu uma dessas Escolas.
As circunstâncias que envolvem a criação das Escolas são
explicáveis: vinte anos após a proclamação da República, o novo
regime já se encontrava consolidado, com arranjos bem deline-
ados entre os governos estaduais e o governo federal. Não havia
mais necessidade de se despender tanta energia com pactos que
permitissem o funcionamento da engrenagem da República e, ao
mesmo tempo, as resistências ao novo regime haviam diminuído
significativamente, o que permitia aos dirigentes da República o
olhar sobre outras questões. Uma dessas, muito presente nas re-
flexões dos dirigentes republicanos, dizia respeito ao que fazer
com uma massa de homens denominados de “desfavorecidos da
fortuna”, inquietação que se tornou mais intensa após a abolição
da escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888.
O Decreto nº 7.566/1909, responsável pela criação das
Escolas de Aprendizes Artífices, tentou responder essa questão.
Essas instituições, que aliavam o ensino primário à formação pro-
fissional através de oficinas, eram direcionadas principalmente
aos jovens desfavorecidos de fortuna, com o objetivo de tirá-los,
segundo argumentação dos dirigentes republicanos, do mundo
dos vícios, da vadiagem e dos crimes e, simultaneamente, tor-
ná-los cidadãos úteis à nação. Para tal, deveria se incutir nesses
jovens a cultura do trabalho. O labor deveria ser visto como ele-
8 ENTRE A ORDEM E O PROGRESSO
Capítulo I
OS OLHARES DA REPÚBLICA
BRASILEIRA SOBRE O ENSINO
PROFISSIONAL
quer outro meio que não fosse a compra2. Na prática, a lei dificul-
tava bastante, para não dizer que impossibilitava, o acesso à terra
aos negros beneficiados pela abertura do processo de abolição
da escravatura naqueles meados do século XIX. Dificultava não só
a eles, mas a todos aqueles que não fossem homens de posses e
rendas, aos que não pertenciam, enfim, à elite brasileira.
Com o 13 de maio, esses despossuídos passaram a ser
donos de sua força de trabalho. E era justamente nesse ponto,
na visão do referido grupo social, que residia o problema capaz
de obstar o desenvolvimento e pôr em xeque a ordem nacional.
A Lei Áurea não resolvia, nem de longe, “o problema social da
escravidão, o problema da incorporação dos ex-escravos à vida
nacional” (CARVALHO, 2007, p. 23-24), à nova sociedade pós-
-abolição. Em especial, os membros da elite imperial se viam in-
cumbidos da difícil missão de tornar esse liberto um trabalhador,
para o que “medidas que obrigassem o indivíduo ao trabalho”
eram indispensáveis, mas não de todo suficientes. Isso porque
esses homens perceberam que essas medidas só seriam verda-
deiramente frutíferas se fossem acompanhadas por um significa-
tivo “esforço de revisão de conceitos, de construção de valores”
capazes de constituir uma “nova ética do trabalho” (CHALHOUB,
2001, p. 65).
Nessa perspectiva, cerca de um mês depois da abolição
da escravatura, o ministro da Justiça, Ferreira Vianna, apresen-
tava aos parlamentares do Império um projeto que combatia a
“mãe de todos os vícios” (ANAIS do Senado do Império do Bra-
sil, 3, 1888, p. 309): a ociosidade. O Código Criminal do Império
do Brasil, de 1830, já tinha um capítulo específico, o de número
2 Também inserida no contexto de abolição do sistema escravocrata no Brasil
está a lei eleitoral de 1881 (Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881), pela qual
ficaram proibidos de votar aqueles que não soubessem ler e escrever, o que impedia
a participação de quase todos os libertos e, em geral, dos membros das classes
populares, da política eleitoral. Ver J. M de Carvalho (2007, p. 24).
20 ENTRE A ORDEM E O PROGRESSO
3 Para o crime de vadiagem, a pena imposta era de prisão com trabalho por
oito a vinte e quatro dias. Para aqueles que fossem pegos a mendigar, podiam ser
penalizados com prisão simples, ou com trabalho, por oito dias a um mês (Código
Criminal do Império do Brasil, 1830, p. 32-33).
Capítulo I – Os Olhares da República Brasileira Sobre o Ensino Profissional 21
4 Usamos “casa de educandos artífices” por ser esse o termo mais comum
encontrado na literatura sobre o tema. Mas as denominações variavam de lugar para
lugar, como afirma Cunha (2000, p. 113). No caso do Rio Grande do Norte, usava-se
a denominação “Colégio de Educandos Artífices”.
Capítulo I – Os Olhares da República Brasileira Sobre o Ensino Profissional 31
zação. Diante disso, podemos dizer que não estava de fato claro
como se desenvolveria o ensino profissional no Brasil naquele
início de século XX.
Por outro lado, vemos pela discussão nos Anais do Senado
que os dirigentes republicanos começavam a apresentar maior
preocupação com o desenvolvimento desse ramo de ensino, o
que pode ser percebido pela emenda proposta pela Comissão
de Finanças daquela casa legislativa, pela qual a verba destinada
para a implantação das ditas escolas técnicas e profissionais pas-
saria de cem contos de réis para quinhentos (ANAIS do Senado
Federal, 1906, p. 901). Nem todos, porém, mostravam-se satisfei-
tos com a proposição de mudança feita pela Comissão.
O senador Barata Ribeiro, do estado do Rio de Janeiro,
apresentava-se como defensor da instrução pública e afirmava
a necessidade de dar-lhe um cunho prático. Contudo, alegava
que não estava claro na proposta o que se queria dizer com es-
colas técnicas e profissionais. A dúvida era pertinente. O senador
destacava que essa falta de clareza poderia levar ao aumento da
“possibilidade de erros” e “sacrificar o interesse público” (Idem,
ibid.) e temia, ainda, que o governo usasse a amplitude da ex-
pressão “escolas técnicas e profissionais” para criar profissões,
de maneira arbitrária, sem considerar as demandas da economia
nacional.
Não seria ainda naquele momento que o governo republi-
cano despenderia seus esforços no desenvolvimento do Ensino
Profissional no Brasil. Mas, de qualquer modo, vemos que na-
quele ano de 1906 começava a tomar corpo e a se fixar a ideia da
necessidade do governo federal intervir na questão, razão pela
qual pode-se dizer que a proposta da Câmara dos Deputados
pode ser tomada como um marco significativo para a história do
ensino industrial no Brasil.
Capítulo I – Os Olhares da República Brasileira Sobre o Ensino Profissional 37
Diretor Geral
Escriturário
Mestre Geral –
(Cons. 1926)
Serventes
(dec. 9.070/ 1911)
Fonte: elaboração própria a partir do conteúdo dos decretos nº 7.566/ 1909 e 9.070/ 1911; do
regulamento a que se refere o decreto nº 13.064/ 1918; e da Consolidação dos dispositivos concernentes
às Escolas de Aprendizes Artífices, aprovada por portaria de 13 de novembro de 1926.
1910 83
1911 83
1912 120
1913 120
1914 136
1915 148
1916 123
Fonte: relatórios do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, dos
anos de 1910 a 1917.
1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939
53,6 49,8 50,5 51,2 57,3 63,8 71,4 84,1 88,3 91,1 100,0
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (http://
seriesestatisticas.ibge.gov.br/).
Fonte: http://www.expo500anos.com.br/painel_16.html
Capítulo I – Os Olhares da República Brasileira Sobre o Ensino Profissional 81
Imagem 04: instalação de uma sede dos escoteiros no então Liceu Industrial
de Natal, 1939.
Capítulo II
seguir:
Correspondência Escrituração de Português (3) Português (3) Leitura e escrita (6) Leitura e escrita (8)
e escrituração de oficinas e correspon-
oficinas (3) dência (4)
Desenho industrial e Desenho industrial e Desenho industrial e Caligrafia (2) Caligrafia (2) Caligrafia (2)
tecnologia (9) tecnologia (9) tecnologia (6)
Noções de física e Física experimental Rudimentos de Lição de coisas (2) Lição de Coisas (2) Lição de Coisas (2)
química aplicada (3) e noções de quími- Física (2)
ca (4)
Noções de mecâ- Desenho ornamental Desenho ornamental Desenho e trabalhos Desenho e trabalhos
nica (2) e de escala (6) e de escala (8) manuais (16) manuais (15)
Aprendizagem nas Aprendizagem nas Aprendizagem nas Aprendizagem nas Ginástica e canto (3) Ginástica e canto (3)
oficinas oficinas (24) oficinas (24) oficinas (18)
27 Tavares afirma que Nossa Pátria foi reeditada mais de oitenta vezes (2013, p.
11). Adquirimos a edição de número 85, lançada em 1967.
144 ENTRE A ORDEM E O PROGRESSO
28 A partir daqui, faremos referência à 85ª edição da obra (1967), adquirida por
nós. Os trechos referidos, como pequenas adaptações linguísticas, estão presentes
também na 1ª edição, a qual foi exclusivamente pesquisada na Biblioteca Nacional.
Capítulo II – Disciplina, Prática, Fé e Pátria 145
das coisas do céu (Idem, p. 69). Ambas eram marcadas por forte
hierarquia e exigiam do aluno/fiel obediência ao que pregavam.
A desobediência, por outro lado, levaria esse aluno/fiel – como
se defendia nas referidas instituições – a caminhos tortuosos: a
expulsão da escola; a prisão; a internação em hospitais, manicô-
mios (para aqueles tomados pelos vícios); o dispensário de po-
bres; a danação, enfim.
Observamos, pois, que as Escolas de Aprendizes caminha-
vam entre três tempos. O porvir, que queria se fazer presente,
era representado pelo ideário progressista que a República, atra-
vés de seus dirigentes, dizia trazer. Rui Barbosa já tratava des-
se tempo quando se referia a uma escola marcada por saberes
como o Higienismo e a Arquitetura. O projeto de Barbosa ficou
adormecido, até que a República trouxe os grupos escolares e as
Escolas de Aprendizes espalhadas pelas capitais brasileiras.
Na visão de Peçanha, essas escolas deveriam se inspirar
nas modernas experiências de ensino vivenciadas na Europa e na
América do Norte. Os relatórios ministeriais também apontam
essas experiências como exemplos a serem seguidos. Mas na re-
alidade brasileira, mais do que formar para o trabalho, as Escolas
deveriam formar o cidadão útil à nação – à nação que a República
desejava criar –, o homem livre de vícios, obediente às leis e a seu
patrão, ordeiro. As Escolas serviam, em síntese, para manter o
status quo da sociedade na qual estavam inseridas.
Na década de 1920, o Serviço de Remodelação do Ensino
profissional procurou transformar o porvir em presente, na ten-
tativa de superar as dificuldades encontradas até ali nas Escolas
de Aprendizes. Essas instituições passaram por um processo de
industrialização do ensino, com base no taylorismo. Com a Era
Vargas, os investimentos nas Escolas cresceram e o caminho da
industrialização continuou. Nessa mesma época, o Manifesto dos
pioneiros, liderado, entre outros, por Anísio Teixeira, defendia
Capítulo II – Disciplina, Prática, Fé e Pátria 151
Capítulo III
A ESCOLA DE APRENDIZES E A
CIDADE DO NATAL, ENTRE 1909 E
1937
Imagem 12: mapa do bairro de Cidade Alta, entre 1900 e 1920, com as
indicações das principais edificações do logradouro (sublinhadas estão as
três sedes da Escola: Hospital da Caridade, Natal Club e o Liceu Industrial)
Quadro 07: inserção dos egressos no mercado de trabalho por fases (1910-
1974)
1ª fase 2ª fase 3ª fase
Critérios
(1910-1942) (1942-1963) (1963-1974)
Matrículas 6220 Percentual 4122 Percentual 8535 Percentual
Concluintes 49 0,79% 276 6,7% 921 10,8%
Inseridos 41
_ _ 37 13,4% 724 78,6%
Fonte: SOUSA, 2015, p. 230 (reprodução do original, com adaptações
gráficas). 41
ção que lhes era oferecida na Escola não era compatível com as
demandas da indústria local. Em outras palavras, havia um des-
compasso entre o que era ensinado na Escola e o dito “progresso
técnico reclamado pela indústria” (SOUSA, 2014, p. 2).
Em defesa dessa hipótese, podemos usar o depoimento
de Evaristo Martins de Sousa. Em palestra intitulada Evocando o
passado de nossa Escola, ao tratar dos caminhos tomados pela
instituição e por alguns de seus personagens entre 1910 e o início
da década de 1950, o ex-aluno da Escola de Aprendizes, um dos
poucos a concluir seu curso, afirmou que, apesar de ter buscado
logo “ganhar a vida” após a obtenção de seu certificado, posto
que necessitava ajudar seu “pobre pai”, os primeiros momentos
longe da Escola foram de martírio. Em suas palavras, asseverou
que “pouco trabalhei pela arte, pois ninguém queria confiar os
seus serviços aos alunos que daqui saíssem, em virtude do ro-
tineiro método de ensino em que os mesmos foram instruídos”
(SOUSA, 1952, p. 4). Em seguida, lembrou que, após uma passa-
gem de cerca de três anos e meio na Empresa Tração, Força e Luz,
responsável pelo fornecimento de energia elétrica em Natal, foi
nomeado contramestre da Escola, em julho de 1920.
Devemos ressaltar, ainda, que Evaristo Sousa era um dos
melhores alunos da Escola em seu tempo, entre 1910 e 1916.
Não por acaso, em novembro de 1913, durante a festa de encer-
ramento do ano letivo, recebeu das mãos do então governador
Alberto Maranhão um prêmio pelo seu aproveitamento escolar,
no valor de 21 mil e quinhentos réis (21$500) – o que era “muito
dinheiro” para o desafortunado aprendiz – além de “um estojo
de desenho e uma Aritmética Progressiva do Curso Superior de
Antonio Trajano (Idem, p. 3)”.
Ora, se para o premiado aluno a situação após a conclusão
do curso não era das mais fáceis, o que dizer daqueles alunos
medianos e de tantos outros que sequer terminaram seus estu-
188 ENTRE A ORDEM E O PROGRESSO
43 Quanto aos anos de 1911, 1913, 1914, 1916, 1917, 1923, 1924, 1927 e
1928, são apresentados nos relatórios ministeriais os valores de todos os artefatos
produzidos nas oficinas. Nos demais anos, tem-se a renda obtida com a venda dos
artefatos, não ficando claro, contudo, se se trata da renda bruta, ou apenas do lucro,
como parece ser o caso do dado apresentado no relatório relativo a 1919.
194 ENTRE A ORDEM E O PROGRESSO
44 Para termos uma ideia desse valor, ele representa um quarto de toda a receita
usada pela Intendência Municipal para gerir a capital potiguar no ano de 1910, o
mesmo de inauguração da Escola na cidade (Santos, 2012, p. 184).
Capítulo III – A Escola de Aprendizes e a Cidade de Natal, Entre 1909 e 1937 195
46 Sobre o papel da instrução militar na Escola, ver tese de Gurgel, 2007, p. 191-
192. No relatório ministerial de 1920, temos a informação de que “foi suspensa a
instrução militar por ausência do respectivo instrutor” (Lopes, 1921, p. 464). Não
sabemos quando, nem se essa instrução foi retomada de maneira sistemática.
200 ENTRE A ORDEM E O PROGRESSO
Capítulo IV
OS ARTÍFICES DA ESCOLA DE
APRENDIZES DE NATAL: Seus
Alunos, Funcionários e Dirigentes
1. Questões Iniciais
Identificamos que parte significativa das pesquisas volta-
das para a História da Educação Profissional no Brasil e, mais es-
pecificamente, sobre as Escolas de Aprendizes Artífices, analisa,
em essência, a ação do Estado sobre esse campo de ensino. Esse
Estado é normalmente o personagem macro, o protagonista dos
enredos construídos a partir das Escolas de Aprendizes. Não à
toa, muitos desses enredos começam justamente pelo Decreto
nº 7.566/1909, lançado pelo presidente Nilo Peçanha e respon-
sável pela criação das referidas Escolas. É como se o decreto em
questão tivesse dado animus a essas instituições de ensino, ou
alargando nossa análise, como se as leis tivessem por si só o po-
der de criação de uma nova realidade.
Não se trata de negar o poder da legislação na criação e na
ordenação das Escolas nem, muito menos, de refutar a impor-
tância de leis, decretos e regulamentos como fontes históricas.
Devemos lembrar, inclusive, que usamos constantemente essas
fontes em nossa pesquisa, tendo em vista que elas nos ajudam a
compreender como os dirigentes da República brasileira pensa-
ram, planejaram e puseram em prática seu projeto de educação
profissional destinada às classes desafortunadas. A legislação é,
porém, precedida por uma realidade sobre a qual ela procura
intervir.
Capítulo IV – Os Artífices da Escola de Aprendizes de Natal 215
Fonte: http://centenario.ifrn.edu.br/ex-diretores/silvino-bezerra-neto
Capítulo IV – Os Artífices da Escola de Aprendizes de Natal 225
Fonte: http://centenario.ifrn.edu.br/ex-diretores/alcides-raupp-feijo
quanto a isso, que Natal era uma cidade pequena: em 1920, se-
gundo dados retirados do sítio do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, a população natalense tinha 30.696 habitantes. Há de
se considerar, ainda, que sendo os alunos, em sua maioria (e não
em sua totalidade) desfavorecidos de fortuna, muitos dos pais pre-
feriam vê-los trabalho para complementar a renda do lar a tê-los
nos bancos escolares.
Outra hipótese para o descumprimento da regra é o “pre-
domínio constante das vontades particulares” (HOLANDA, 2009,
p. 146), que costumeiramente se sobrepõe às normas, às leis, ao
interesse público. Trata-se de algo que pode ser traduzido pela ex-
pressão “dar um jeitinho”, bem típica do Brasil e que representa
justamente esse desvio da norma, das regras. Assim, um pedido
de um pai, amigo ou conhecido para que um aprendiz fosse ma-
triculado, mesmo ferindo as normas da instituição, podia ser cor-
dialmente atendido pelo diretor do estabelecimento. A disciplina
que se desejava incutir nos aprendizes não era válida para tudo. No
cotidiano da Escola, ela tinha claros limites.
Edivandi Romano e Osmidio Pery de Lima não são os únicos
casos que nos chamam a atenção e nos levam a repensar o perfil
dos Aprendizes da Escola de Natal. Identificamos, no ano de 1927,
o aluno L. de H. Montenegro. Matriculado no curso noturno de
aperfeiçoamento, estabelecido a partir do regulamento de 1918,
L. Montenegro tinha 33 anos e era funcionário público. Não foi
possível identificar que cargo ocupava. Certamente, não era fun-
cionário do alto escalão, mas em um país onde havia grande ânsia
pelos cargos públicos, talvez pudesse se gabar de realizar “um mí-
nimo de esforço pessoal, de aplicação e sujeição da personalidade,
como sucede tão frequentemente com certos empregos públicos”
(HOLANDA, 2009, p. 157). Mesmo que se desviasse desse padrão,
L. Montenegro, na sociedade brasileira da década de 1920, dificil-
mente seria identificado como um desfavorecido de fortuna.
254 ENTRE A ORDEM E O PROGRESSO
53 Os dados dos anos de 1924 a 1932, e 1937 foram retirados dos livros de
matrícula. O dado relativo ao ano de 1935 foi retirado da Sinopse estatística do
Estado (1939). Por fim, os dados referentes ao ano de 1936 foram retirados de
Cunha, 2005, p. 107, pois não encontramos na Sinopse estatística, fonte usada por
esse autor, qualquer referência ao índice de evasão em 1936.
Capítulo IV – Os Artífices da Escola de Aprendizes de Natal 267
Conclusão
Referências Bibliográficas
HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. 26. ed. (1. ed. 1936). São
Paulo: Companhia das letras, 2009.
Fontes
1. Fontes Manuscritas
2. Impressas
3. Fontes secundárias
4. Sítios
desfavorecidos
de fortuna
do trabalho e da disciplina, o amor à pátria e o respeito à