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São Cristóvão/SE|2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
reitor Angelo Roberto Antoniolli
vice-reitora Iara Maria Campelo Lima
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
coordenador do programa editorial Péricles Morais de Andrade Júnior
coordenadora gráfica Germana Gonçalves de Araújo
conselho editorial
Antônio Martins de Oliveira Junior Maria Leônia Garcia Costa Carvalho
Aurélia Santos Faroni Martha Suzana Nunes
Fabiana Oliveira da Silva Péricles Morais de Andrade Júnior (Presidente)
Germana Gonçalves de Araújo Rodrigo Dornelas do Carmo
Luís Américo Silva Bonfim Samuel Barros de Medeiros Albuquerque
Luisa Helena Albertini Pádula Trombeta Sueli Maria da Silva Pereira
Mackely Ribeiro Borges
projeto gráfico e editoração Jeane de Santana
eletrônica/ capa e fotografias
revisor Everton de Jesus Santos

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Habilidades socioemocionais & afetividade no ensino de ciências e


biologia : pesquisas e reflexões [recurso eletrônico] / Alice Alexandre
H116h
Pagan, Yzila Liziane Farias Maia de Araújo (org.). – São Cristóvão, SE :
Editora UFS, 2019.

324 p. : il.

ISBN 978-85-7822-653-4
1. Ciência – Estudo e ensino. 2. Biologia – Estudo e ensino. 3.
Educação afetiva. I. Pagan, Alice Alexandre. II. Araújo, Yzila Liziane Farias Maia
de Araújo.
CDU 573:37

Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem
autorização escrita da Editora.
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado
no Brasil em 2009.
Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos
CEP 49.100 - 000 – São Cristóvão - SE.
Telefone: 3194 - 6922/6923. e-mail: editora@ufs.br
www.editora.ufs.br
7 APRESENTAÇÃO CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 1 58 INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCI-


OEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORESDE BIOLOGIA
11 AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO
SUMÁRIO ENSINO DE BIOLOGIA 58 Introdução
11 Introdução 63 A sutil expressividade da inovação no
Ensino de Ciências
18 Entre dicotomias e dualidades: uma pers
pectiva ecotransfeminista
64 Inovação Pedagógica
20 Uma primeira dualidade: ensino- 66 Gestão Inovadora
aprendizagem
67 Inovação Curricular
25 Biologia e autoconhecimento, uma
relação possível? 70 As HSE na educação e no Ensino
33 Os seres humanos do ensino de Biologia de Ciências

43 Para além dos gradientes, as não dissocia 73 Tácitas relações entre as HSE e as habili
dades requeridas na formação de profes
ções: o caso das relações humano-natureza
sores reflexivos e inovadores
52 O componente afetivo no ensino e no
aprendizado de biologia para a conexão:
77 Algumas Considerações
você entendeu? Como está se sentindo? 79 Referências
55 Referências
CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 161 Possibilidades do uso de habilidades so
cioemocionais na disciplina “projeto de
vida” na educação básica.
87 HUMANIZANDO A AVLIAÇÃO SOB O 141 POSSIBILIDADES DO USO DE HABIL-
OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS IDADES SOCIOEMOCINAIS NA DISCIPLINA 166 Considerações finais
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFES-
87 Iniciando o diálogo SORA
167 Referências

91 Construindo uma reflexão: caminhos a 141 Introdução CAPÍTULO 5


serem percorridos
146 Bases teóricas das competências socioe
93 Encaminhamentos metodológicos mocionais na educação 170 ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO
DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INO-
94 A avaliação da aprendizagem nas vo 148 Competências socioemocionais e sua im
VAÇÃO INCLUSIVA
zes dos/as professores/as portância para formação integral
170 Introdução
125 O papel das Habilidades no processo 151 A família e a escola no desenvolvi
de humanização da avaliação mento socioemocional 173 O ensino superior e o sistema de cotas
153 A participação dos professores e 176 Inclusão e participação: repensando a pa
133 Construindo caminhos: algumas considerações
gestores dronização do ensino
136 Referências 155 Competências socioemocionais e 181 Singularidades e o ensino de Ciências
desempenho educacional e Biologia

157 Monitoramento das competências 189 Inovação no contexto educacional


socioemocionais
192 Considerações

193 Referências
CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8

199 FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMO- 278 HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA


239 ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VUL-
CIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE
NERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA
DEFICIÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA IST NO ENSINO FUNDAMENTAL
ANÁLISE SOBRE PREVENÇÃO DAS IST/AIDS
PARA ADOLESCENTES
199 Introdução 278 Introdução
239 Introdução
206 Caminho Metodológico 284 Metodologia
246 Educação em Saúde no ensino de ciências
210 Resultados e Discussão 291 Resultados e discussão
247 Atitudes e suas implicações sobre vul
210 A História de vida de Tétis 291 Questões sobre IST
nerabilidade e qualidade de vida
221 Vida acadêmica de Tétis 300 Perfil dos alunos e conteúdos
253 Reflexões sobre a adolescência e a
231 Considerações vulnerabilidade às IST/AIDS 301 Questões relacionadas às Habilidades
Socioemocionais
260 HSE e aprendizagem socioafetiva
234 Referências 314 Relações entre HSE e IST
como estratégias para o ensino e a
promoção da saúde
316 Considerações finais
268 Considerações finais
319 Referências
270 Referências
324 Sobre as organizadoras
APRESENTAÇÃO

Uma das maiores forças que tem movido a sociedade


nos últimos tempos sem dúvidas é a relação que se
tem estabelecido entre a ciência e a tecnologia. Contu-
do, é fato reconhecido dentro do campo da educação
científica que essa relação só se completa de maneira
sustentável, quando próxima das questões éticas que
envolvem os impactos da ciência e da tecnologia sobre
nossa espécie e os demais seres vivos do planeta.

Nesse sentido, a relação Ciência, Tecnologia, Socie-


dade e Ambiente (CTSA) se constitui, portanto, como
importante campo de compreensão dos processos
educativos. Além dessa perspectiva há também outra,
que envolve a relação entre Ciência, Tecnologia, Enge-
nharia e Matemática, que está focada na formação de
estudantes para o campo do empreendimento científi-

7
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

co e tecnológico. Embora haja embates entre os defensores das duas


perspectivas, nesta proposta apostamos na complementariedade
das mesmas, posto que não conseguimos pensar na formação de
profissionais críticos que não empreendam e, muito menos, cami-
nharíamos para nossa extinção formando empreendedores que não
compreendessem a importância da crítica ética sobre suas propos-
tas de desenvolvimento.

No movimento empreendedor brasileiro é comum o trabalho fo-


cado na compreensão da dimensão afetiva do trabalho executivo,
contudo, pouco dessa perspectiva tem-se mostrado perceptiva no
campo da formação de cientistas e professores de ciências. Embora
elementos autobiográficos tenham sido implementados na didática
da formação de professores de ciências, pouco sabemos sobre como
lidar com a questão dos sentimentos e das emoções. Nosso foco ain-
da se coloca naquela antiga pergunta: você entendeu? E por vezes
nos esquecemos daquela outra, tão importante quanto a primeira:
como você está se sentindo?

Buscando ampliar o trabalho cognitivo para uma esfera mais ampla,


que realmente consiga abarcar a inteireza humana, propomos esta
obra pensando alguns dos elementos que fazem parte do discur-
so afetivo no Ensino de Ciências e Biologia, trazendo pesquisas que
apontam para a possibilidade das Habilidades Socioemocionais na
construção de uma didática para a formação de indivíduos mais co-
nectados com a natureza, cognitiva e afetivamente. Embora haja tra-
balhos que defendam o uso da psicanálise para esse fim, ou mesmo

8
APRESENTAÇÃO

que se estabelecem na abordagem do componente atitudinal, da


relação dos sujeitos com a ciência e com a natureza, entendemos
que as HSE são menos complexas que a teoria freudiana, para uso
em sala de aula, com possibilidade de rápida formação docente,
bem como, por outro lado, mostra-se mais complexa que a mera
análise de atitudes.

Nesse sentido, no capítulo 1 apresentamos uma discussão sobre


como o ensino das Ciências e da Biologia pode atender a objetivos
afetivos na ampliação da relação humana com a natureza, promo-
vendo, inclusive, a cura do afastamento humano de sua essência
ecossocial; no capítulo 2 apresentamos como a análise das HSE
pode se mostrar fecunda na formação de professores mais capazes
de inovar; no capítulo 3, aproximando as HSE das escolas, com-
preendemos como elas podem ser positivas no processo de avalia-
ção discente nas aulas de ciências. No capítulo 4 ainda no espaço
escolar, buscamos problematizar como elas podem fortalecer as
propostas relacionadas à disciplina projeto de vida, compreenden-
do um estudante integral com preocupações, planos e sentimentos
no processo de construção de uma carreira ética. No capítulo 5, re-
tomamos a compreensão das HSE na formação de professores de
biologia, analisando como elas podem ser eficientes na construção
de inovações inclusivas, aquelas que os próprios alunos inclusos se
tornam agentes ativos do processo de inclusão; no capítulo 6, ca-
minhamos para entender a relação da família com a construção de
Habilidades Socioemocionais, por uma futura professora de biologia
com deficiência auditiva e visual; e nos capítulos 7 e 8, direciona-

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

mos novamente nossa ótica para a compreensão da escola, desta


vez, visando o componente afetivo na construção de atitudes que
protejam os estudantes das infecções sexualmente transmissíveis.

Trata-se de um ebook que responde ao que o nosso laboratório


tem produzido em matéria de dissertações de mestrado e iniciação
científica, no processo de formação de pesquisadores no contexto
da Educação Científica. São contribuições recentes e inovadoras a
esse campo, espaço que ainda necessita se abrir para o caminho da
formação que transcenda ao mero aprendizado cognitivo de concei-
tos científicos, compreendendo o sujeito da aprendizagem como al-
guém dotado de capacidades de pensar e de sentir. Além disso, esta
proposta tem ainda relevância na aproximação da pesquisa com o
autoconhecimento o que pode ser muito fecundo para a redução do
adoecimento profissional dentro das escolas.

Alice Alexandre Pagan

10
CAPÍTULO 1

AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO
NO ENSINO DE BIOLOGIA

Alice Alexandre Pagan

INTRODUÇÃO

Uma das vantagens de ser minoria de gênero, pelo me-


nos no Brasil, é o fato de que, em diversas circunstân-
cias, embora algumas dolorosas, somos estimuladas ao
desenvolvimento de nosso propósito existencial. Por
que existimos como existimos? Certamente que essa
pergunta não se aplica apenas às minorias, mas a todos
os membros da espécie Homo sapiens sapiens.

Trata-se também de uma questão fecunda para a pes-


quisa em Ciências Biológicas. Embora em alguns mo-
mentos, para satisfação das oligarquias empresariais, os
biólogos contemporâneos estejam mais interessados
na manipulação e aplicação do conhecimento biológico
no campo da tecnologia, na maioria dos casos, nós pro-
fessoras de biologia, mesmo não muito explicitamente,
nos preocupamos em compreender os organismos:
suas origens, constituição e perspectivas de existência
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

no planeta. De certa forma, em nossas aulas, promovemos questio-


namentos sobre de onde viemos, o que somos e para onde vamos.
Ao mesmo tempo, portanto, compreendemo-nos como mais uma
forma de vida deste planeta (PAGAN, 2009).

Na trilha das possibilidades de pensar algumas contribuições do en-


sino e da aprendizagem de Biologia e para a construção simbólica
da identidade humana, bem como as implicações dessa construção
para as relações ecossociais, apresento uma discussão inicial com a
pretensão de nortear minha pesquisa nos próximos anos, vislum-
brando contribuições da biologia para o autoconhecimento, a partir
de uma abordagem afetiva de ensino e aprendizagem.

Em analogia à proposta metodológica de Love (2013), criada para


a discussão conceitual no campo da filosofia da biologia, pretendo
mostrar um conjunto de pressupostos e problemas que poderão ser
aprofundados no decorrer do percurso futuro de minha pesquisa,
construindo uma agenda coordenada de investigação de um gru-
po de questões relacionadas à perspectiva didática proposta neste
texto. De uma maneira geral, me proponho a pensar sobre possíveis
adequações dos conhecimentos de base afetiva para a compreen-
são do ensino e da aprendizagem de Biologia na promoção de um
tipo de autoconhecimento, sobre a construção de saberes acerca de
como nos compreendemos como seres humanos. Essa proposta não
está dissociada de minha própria história e, portanto, se remete a
elementos autobiográficos.

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AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

Como pesquisadora do campo da Educação Científica, bem como


formadora de professores de Biologia, desde que aceitei minha con-
dição transgênero, mudanças drásticas ocorreram em minha vida.
Antes disso, minha maior e mais arrogante preocupação era não
perder a oportunidade de mudar o mundo através da pesquisa e das
minhas práticas pedagógicas. Sublimava toda minha felicidade em
um trabalho que aparentemente me realizava. Lutava, arduamente,
por recursos para meu laboratório, mesmo que precisasse passar por
cima de outros colegas.

A crença que me justificava àquele tipo de atitude, basicamente, era:


– pelo mundo em que acredito, infelizmente, sacrifícios deverão ser
feitos. Mesmo que esses sacrifícios signifiquem perder bons amigos
e amigas ou mesmo minha própria saúde. No entanto, no fim das
contas, eu estava me negando o direito de viver. Se eu não conseguia
me respeitar como ser humano, como poderia fazer isso com os meus
alunos e colegas? Que tipo de profissional eu poderia formar, se meu
profissionalismo era construído de maneira cega, uma vez que minha
carreira era mais importante do que as pessoas ou do que eu mesma?

Costumava orientar uma infinidade de alunos de iniciação e de pós-


-graduação, além dos conselhos, comissões e atividades que pudes-
sem garantir algum poder nas tomadas de decisão. Tudo pelo mun-
do que gostaria de construir e criar. Vivia estressada e alimentando
uma ambição desmedida por cargos e coordenação de projetos.

Esse excesso de atividades não me permitia ter o tempo suficien-


te para planejar e compreender em quais atividades realmente eu

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

deveria investir meu tempo. Tinha dificuldade para dialogar e, não


por acaso, transmitia todo esse estresse aos alunos que trabalhavam
sob minha orientação. Quanto mais atividades eu buscava, mais de-
mandas elas me requeriam, sentia-me escravizada. Na verdade, não
me permitia sentir, só pensar, racionalizar. No domingo, nos feriados,
durante as férias, sempre tinha um trabalho a ser corrigido, uma re-
união que precisava preparar, um aluno ou colega que precisava de
ajuda em alguma análise.

Dores de cabeça eram constantes, insônia era algo normal, dava risa-
da de mim mesma ao olhar para minhas olheiras, enquanto tomava
baldes e baldes de café e fumava dezenas de cigarros, para me man-
ter ativa e acordada.

Depois de me dar conta de tremores faciais e fadiga intensa, bus-


quei psicoterapia, coaching e diversos cursos que me permitiram
abrir os olhos para o autoconhecimento e, principalmente, sobre
meu padrão autodestrutivo de produzir. Eu era uma formadora de
professores de Biologia, e, praticamente, mais nada, não tinha vida
fora da universidade.

Uma das coisas que essa busca me ensinou foi a necessidade de me


perceber como o centro do meu processo produtivo. Um ser huma-
no que circula em diferentes campos da vida humana. Que pode se
realizar construindo maior coerência entre aquilo em que acredita,
o que vive e o que faz. Essa percepção se mostra como central em
minhas atuais preocupações no que se refere à formação profis-
sional. Hoje, busco integrar minha pesquisa ao que acredito estar

14
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

ligado à construção da felicidade a partir de uma determinada


leitura das contribuições afetivas do aprendizado de biologia
para o autoconhecimento.

Nesse sentido, busquei problematizar uma linha de pesquisa que tenho


chamado de Humanização do Ensino de Biologia, orientada de acordo
com minhas novas percepções sobre a vida: 1) acredito que o mundo
pode ser melhorado a partir da educação e da formação de professo-
res singulares, mais conscientes de si e de seus propósitos de vida; 2)
tenho buscado integrar as diversas facetas que compõem minha vida
em um propósito coerente que compreende a busca de conexões pro-
fundas entre diferentes singularidades humanas e não humanas; 3) faço
de minha prática pedagógica um processo no qual o componente afe-
tivo é parte do aprendizado no campo do conhecimento da Biologia.
“– Como está se sentindo?” é uma pergunta tão importante quanto “–
Você entendeu?”, questionamento feito não apenas para os alunos, mas
para mim mesma, constantemente, desde então.

A tentativa de construir uma maior consciência de quem sou, do


meu próximo e daquele que identifico como outro, humano ou não
humano, me permite assumir, neste texto, bem como nas perspec-
tivas de pesquisa que futuramente desenvolverei ou orientarei, um
discurso autobiográfico em primeira pessoa, posto que concordo
com Josso (2007) no tocante ao fato de que as narrativas de vida são
instrumentos de profunda compreensão de quem somos e, conse-
quentemente, do que fazemos profissionalmente.

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Um trabalho transformador de si, ligado à narração das histórias


de vida e a partir delas, tornou-se indispensável a uma Educação
Continuada, digna desse nome. As narrações centradas na forma-
ção ao longo da vida revelam formas e sentidos múltiplos de exis-
tencialidade singular-plural, criativa e inventiva do pensar, do agir
e do viver junto (JOSSO, 2007, p. 413).

Resumindo as percepções apresentadas em uma questão que será


norteadora dessa linha de pesquisa, aponto: É possível que o Ensino
de Biologia contribua para a construção de conexões profundas e
conscientes entre as espécies que habitam este planeta?

A partir desse breve relato busquei mostrar como minhas percep-


ções sobre trabalho e produção acadêmica têm evoluído para no-
vos caminhos, à medida que eu tenho tomado consciência, cada vez
mais ampla, sobre quem sou, como ser humano: com sentimentos,
crenças e propósitos de vida, descobrindo o trabalho docente como
um campo de realização, perseguindo a construção de um olhar e
uma voz própria, ecotransfeminista, sobre como o conhecimento
biológico ensinado na educação formal pode ser mais humaniza-
do e capaz de promover conexões nas relações ecopsicossociais.
Ou seja, a grosso modo, apresento reflexões sobre como tenho me
tornado uma professora XY conectando-me cada vez mais intensa-
mente com a vida com a qual dialogo. Falo em transfeminismo posto
que compreendo a necessidade de transcendermos as caixinhas dos
papéis sociais dicotômicos que nos amarram a gêneros, a posições
e a comportamentos que aparentemente promovem determinada
ordem às expectativas da sociedade, mas que limitam nossas possi-
bilidades de fluir de acordo com nossas verdadeiras essências.

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AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

Dar visibilidade a essa voz, também para as pessoas que estão fora
da comunidade acadêmica, diante de uma escrita professoral, tam-
bém é um objetivo importante desta proposta. Embora a linguagem
eminentemente acadêmica proponha olhares para além do aparen-
te, compreendo que a linguagem professoral, nesse caso, atenda a
meus propósitos de trazer um pouco mais de luz ao óbvio. Essa for-
ma de escrita tem-se amadurecido à medida que tomo consciência
sobre as minhas preocupações de pesquisa, que sempre estiveram
mais focadas na descrição de casos cotidianos do que na elabora-
ção de teorias. Portanto, o texto pode ter limitações no que tange
a conhecimentos epistemológicos, fortalecendo-se na originalidade
das aproximações conceituais propostas, que em outros trabalhos
poderão ser aprimoradas.

Escrevo, ainda, com a pretensão de fazer entender, mas também de fa-


zer sentir, posto que minha proposta, ancorada no feminino, não me
permite apartar a intrínseca relação entre afeto e cognição, que propõe
uma perspectiva questionadora do discurso analítico predominante-
mente masculino, tido na pesquisa científica como de elegância téc-
nica. Por vezes, essa escrita poderá parecer mais próxima daquilo que
um pesquisador conservador compreenderia como bruxaria ao invés
de ciência, particularmente pela intenção de produzir um discurso que
se proponha participar da construção de um pensamento enraizado no
feminino, que não descarta a razão, mas que a compreende apenas a
partir da explicitação e da tomada de consciência do sentir, em conexão
com os elementos que compõem o universo da comunidade ecosso-
cial, constituída por todas as espécies viventes no planeta.

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Conexão, aqui, é vista como uma possibilidade de relação que vai


para além do entendimento e busca religar pessoas aos elementos
da natureza, minimizando os sintomas do adoecimento acarretado
pela relação de dominação que se tem processado pelos Homo sa-
piens sapiens sobre as demais espécies do planeta, relação que trans-
forma os coabitantes da Terra em objetos a serviço das necessidades
da nossa espécie. A conexão busca superar o especismo.

ENTRE DICOTOMIAS E DUALIDADES:


UMA PERSPECTIVA ECOTRANSFEMINISTA

Um pressuposto importante para compreender esta discussão será


separarmos a ideia de dualidades daquelas de dicotomias ou bina-
rismos, posto que elas são significadas a partir da separação entre
polos tidos como opostos na compreensão global de quem somos
como indivíduos, sociedade, cultura e ecossistema, aproximando-a
da noção de gradientes. Nessa noção, compreendemos que há uma
forte ligação entre cada polo, favorecendo a postura de que cada
ponto da linha que os relaciona é igualmente importante. Metafori-
camente, exemplificando, não há apenas dia e noite, apenas maior
ou menor intensidade de luz. Ignoramos tanto as alvoradas quanto
os crepúsculos quando pensamos por dicotomias.

Neste sentido, não há homem ou mulher, há uma dualidade mascu-


lino-feminino (FILHO, 2005), na qual o homem misógino está de um
lado, renegando a dimensão que compreende sua feminilidade e,

18
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

do outro, a mulher trans, lutando contra a masculinidade que lhe foi


culturalmente imposta por simplesmente possuir um pênis.

O olhar para a dualidade, vivificado na valorização dos gradientes, é


uma perspectiva trans, importante para transcendermos aos limites
que também foram criados para separar o psicológico do social, do
ecossistêmico. Essa separação não pode ser sustentada. Embora te-
nhamos possibilidade de escolhas, elas estão em constante diálogo
com um corpo de saberes socialmente elaborados por indivíduos
conectados a um conjunto de seres vivos. Natureza-cultura, mascu-
lino-feminino, sujeito-objeto, individual-coletivo, ciência-cotidiano,
conhecimento-crenças são dualidades cujos gradientes podem ser vi-
síveis, ampliando-se, com isso, as possibilidades de compreensão dos
fenômenos vivos no processo de ensino-aprendizagem de Biologia.

Um gradiente dual não tem limites claros sobre onde se inicia ou se


finaliza a influência de cada polo. Além disso, muito provavelmen-
te, dependendo do contexto no qual a dualidade é representada,
os polos não são significados com igual potencial de influência. De
acordo com as situações que se impõem, alguns são minimizados ou
mesmo invisibilizados, enquanto que outros são supervalorizados.
Entretanto, em todos os contextos, ambos se fazem presentes. Não
há como conceituar um polo, de uma dualidade, sem que o outro
seja invocado, eles estão ligados. Um aspecto de uma dualidade não
apenas liga-se ao outro, ele está no outro, são duas e a mesma coisa:
a compreensão de alto só existe pela figura do baixo e pelo gradien-
te caracterizado nas nuances da subida e da descida.

19
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Por exemplo, em contextos de debate político, no congresso nacio-


nal brasileiro, a agressividade tida como masculina se impõe e a fe-
minilidade é diminuída, posto que há um tipo de organização que
dá ouvidos àquele que fala mais alto. Muitas mulheres que por lá
estão recebem estereótipos, infelizmente, por uma representação
pública de masculinidade, para se fazerem ouvir (BIROLI, 2010).

O dual masculino-feminino mostra que diversos elementos podem


estar em jogo com maior e menor expressão, propondo indicadores
sobre a maneira com que cada polaridade se sobressai em um con-
texto relacional específico: agressividade-fragilidade; objetividade-
-subjetividade; controle-submissão, obviamente que considerando
um ponto de vista estereotipado, diante de construções sociais de
gênero, presentes em nossa sociedade (BIROLI, 2010; FILHO, 2005).

Por fim, diversas dualidades influenciam-se mutuamente e se co-


nectam em uma ampla rede de significados que estruturam os
olhares humanos sobre si e sobre o mundo. Homem-mulher; mas-
culino-feminino; razão-emoção; mente-corpo; cultura-natureza são
dualidades que parecem representar características semelhantes
nos processos de representação humana sobre si e sobre o mundo,
certamente que, em geral, tais representações estão eivadas de es-
tereótipos e preconceitos, de maneira que reflexões mais profundas
e ressignificações são necessárias.

UMA PRIMEIRA DUALIDADE: ENSINO-APRENDIZAGEM

A dualidade ensino-aprendizagem é apresentada no sentido de que


não há ensinante que não aprenda e aprendiz que não ensine, em-

20
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

bora os modelos canônicos da atividade didático-científica, que visa


especialmente ao ensino da ciência acadêmica, pareçam sugerir que
aprender ciência seja enculturar em um novo universo de referen-
ciais sobre a compreensão do mundo, levando-se muito pouco em
conta que essa ciência está no mundo.

Estudos diversos do campo da Educação têm mostrado que em con-


textos formais o polo ensinante é tido como mais visível do que o
aprendiz. A professora e o professor geralmente têm maior tempo
de fala do que os alunos, definem a matéria a ser aprendida com
base nas diretrizes curriculares governamentais e nos livros didáti-
cos, com pequena ou ínfima participação dos discentes. Algumas
experiências que oferecem maior participação e protagonismo
ao discente têm tentado superar esse desequilíbrio entre ensino-
-aprendizagem, no entanto, ainda pouco sabemos sobre o discen-
te protagonista em nossos cursos de formação. A esse respeito, me
pergunto se somos capazes de formar protagonistas, sem que antes
tenhamos clara consciência sobre nosso próprio protagonismo. O
professor e a professora sabem realmente liderar em situações nas
quais os discentes têm crescente liberdade de participação?

Não creio que nossa preocupação, pelo menos na Educação Básica,


deva ser ensinar ciência, mas ensinar de que modo os estudantes
poderiam se utilizar de determinadas ferramentas do conhecimento
científico para resolverem questões de seu cotidiano.

Sob esse prisma, o cotidiano é que deveria ser o ponto de partida


para o trabalho do professor. Conhecer a sociologia e a psicologia

21
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

social que justifica e orienta as práticas do cotidiano nos deveriam


ser os principais elementos no processo de formação. Ao invés disso,
formamo-nos em um currículo abarrotado de conceitos científicos,
nem sempre conectados com os contextos sociais que se constituem
como o chão do trabalho pedagógico. Ainda não nos distanciamos
das perspectivas 3 + 1, que buscavam formar um bacharel em três
anos que fosse capaz de instrumentalizar esse conhecimento em
atividades pedagógicas, durante o último. Apenas acrescentamos
algumas horas de práticas pedagógicas no início da formação em
licenciatura. Embora tenhamos avançado, a carga horária está longe
de possibilitar a compreensão do contexto ecossocial do aprendiz.
Continuamos, assim, a ensinar conceitos científicos ainda promo-
vendo cisão entre o que o discente é e o que queremos que ele se
torne, promovendo dicotomias entre a ciência e o senso comum.

Por um lado, não discordo da perspectiva de que aprender ciências


se constitui como possiblidade de aprender uma segunda cultura
como novas formas de ler, escrever e pensar sobre o mundo (AI-
KENHEAD, 2001; LEWIS; AIKENHEAD; COBERN, 2001). Entretanto,
compreendo que o aprendizado de ciências se inicia com um passo
anterior, a partir da migração de saberes desse universo científico
para o mundo simbólico e identitário do qual o aluno é parte, em
seu universo cotidiano (MOSCOVICI, 1979; 2003). Há uma dualidade
em questão: ciência e senso comum se completam, se ligam e se
contrastam. Não haveria necessidades de mudanças conceituais ou
mesmo da construção de perfis conceituais diversos, se não enca-
rássemos essa relação como dicotômica: podemos, assim, superar

22
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

essa dicotomização pensando em uma educação científica formal


como um processo menos colonizador? Sob o ponto de vista eco-
transfeminista, a “concepção alternativa” é aquela que chega até o
universo cotidiano do aluno - a científica. Não há como demarcar
onde se inicia cada polo de uma dualidade, de maneira que todos
estão imbricados e são dependentes uns dos outros para se fazerem
compreensíveis. Tomemos, por exemplo, as relações individual-cole-
tivo, natureza-cultura, que compreendo serem as mais importantes
dualidades para a constituição do pensamento no campo do ensino
de Ciências. Embora tenhamos tentado recortar diferentes olhares,
para cada um, e nos sujeitemos a debates inférteis sobre qual se-
ria preponderante ou mesmo desnecessário, não se fala do coletivo
sem o individual, não se fala da cultura sem a compreensão da na-
tureza. O ser humano que sente, pensa e faz política é o mesmo que
come, defeca e tem orgasmos. Ignorar qualquer uma dessas ativida-
des no processo educacional formal é condenar a espécie humana à
infelicidade e à extinção.

Uma educação científica baseada apenas na racionalidade e tendo


por objetivo o entendimento dos conceitos científicos não dá su-
porte aos diferentes tipos de aprendizes. Só existem dificuldades
de aprendizado porque o ensino é padronizador. É mais fácil para
o sistema culpabilizar e diagnosticar estudantes como incapazes
de aprender do que realmente investir em formas de ensinar que
descentralizem os processos da voz do professor para a busca do
estudante. Um professor falar para muitos alunos custa menos do
que um aluno que demanda orientações e consultorias de diversos

23
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

professores orientadores. Essa fala padronizada, da aula expositiva,


baseada na racionalidade, nem sempre é acessível, por exemplo,
àquelas alunas que culturalmente foram educadas para se relacio-
nar a partir do afeto, em uma educação cultural que as prepara pre-
ponderantemente para serem mães. Além da injustiça social que
existe acerca da educação da mulher para o espaço privado, pare-
ce que aquela que se propõe a ocupar posições no espaço público,
ainda precisa se reestruturar mais profundamente para conseguir
adequar-se às lógicas de um tipo de pensamento participante da
educação do menino.

Vejamos a questão sob outro ângulo, o mundo padronizado e for-


matado para pessoas que andam, falam e escutam não abarca as
que têm diferentes formas de perceber a realidade. Quem apresenta
deficiência não é a pessoa, mas o mundo que a cerca. Um cadeirante
que tem acesso a todos os espaços de uma cidade não apresenta
deficiência, mas a cidade com deficiência não proporciona ao cadei-
rante os devidos acessos.

Vejo professores e professoras movidos pelo desespero por não con-


seguirem ensinar ciências para uma pessoa que apresenta aquilo
que chamam de deficiência intelectual, isso realmente parece im-
possível se os objetivos do ensino de ciências estiverem baseados
apenas no entendimento. Contudo, se pensarmos sob o ponto de
vista da conexão, quem será que consegue tirar mais prazer e relaxa-
mento em um banho de chuva, um aluno tido com altas habilidades
intelectuais ou aquele que apresenta a dita deficiência?

24
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

Cada vez mais, tem sido impossível prestar atenção em uma aula ex-
positiva. A interatividade das tecnologias da informação e da comu-
nicação faz da exposição oral de um professor, em sala de aula, algo
triste e deprimente. O estudante ou a estudante que não consegue
estar concentrado nesse tipo de atividade logo é diagnosticado com
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e mais
alguns dólares são colocados nas contas da indústria farmacêutica,
que lucra com os modelos padronizadores do existir e do aprender.

É importante estarmos atentos aos objetivos do ensino de ciências.


Eles não podem focar apenas no entendimento, posto que o ser
humano não se constitui na relação com os demais seres vivos
apenas através da razão. Os objetivos das aulas de biologia podem
ser muito mais profundos se levarem em conta a inteireza daquele
que aprende, seus aspectos biológicos, afetivos, culturais, além dos
racionais. A questão é olhar para aquele que aprende biologia antes
de olhar para o que a biologia pode ensinar; é focar antes de tudo no
aluno que aprende a ciência, tendo em vista, obviamente, a ciência
que se quer ensinar.

BIOLOGIA E AUTOCONHECIMENTO, UMA


RELAÇÃO POSSÍVEL?

Um primeiro pressuposto a ser considerado, quando pensamos o


autoconhecimento como um dos propósitos do aprendizado da
Biologia, se refere à compreensão de que, ao estudar os demais or-
ganismos, estamos construindo compreensões sobre quem somos

25
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

ou não somos como seres humanos. Obviamente que não se trata


de uma relação simples de se estabelecer e não será neste texto que
o farei, mas vale a pena começar a pensar sobre esse prisma.

A esse respeito, por exemplo, considerando que o pensamento evo-


lutivo é a espinha dorsal do conhecimento Biológico, Bizzo (1992)
mostrou que estudantes entrevistados sobre teorias evolutivas fre-
quentemente manifestam opiniões relacionadas à humanidade. Isso
sugere um desafio no trabalho de pensar o ensino-aprendizagem de
Biologia. Por que os discentes estabelecem tais conexões? Como elas
são constituídas? E que tipo de implicações elas podem provocar?

Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? São questões


existenciais tocadas pela Biologia em suas respostas sobre a di-
versidade viva no planeta. Esses papéis se referem à compreensão
de que versões biológicas sobre o ser humano se relacionam com
repensar sobre questões existenciais que norteiam a trajetória his-
tórica dos indivíduos.

Sobre as origens, se as abordagens cristãs falam de um paraíso onde


o ser humano organiza e controla o meio natural, as teorias biológi-
cas apresentam que alguns poucos organismos teriam se transfor-
mado no decorrer de bilhões de anos e dado origem à diversidade
viva contemporânea.

Coloca-se cada vez mais claramente, para a ciência, que a espécie hu-
mana não guarda um patamar especial dentro do reino animal. Esses

26
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

resultados se relacionam a novas explicações sobre a relação ser hu-


mano-natureza, ser humano-cultura e, implicitamente, quem somos.

A Biologia tem mostrado os humanos como apenas mais uma espécie


numa família que inclui até vinte, numa ordem que contém vinte ou
mais famílias vivas e muitas outras já extintas. Essa ordem, a dos Prima-
tas, é apenas uma das mais de 25 dentre os mamíferos (FOLEY, 2003).

As Ciências Biológicas também têm elaborado novas perspectivas


sobre o futuro da humanidade, especialmente sobre a atuação e a
finitude da espécie e da consciência individual. Nas discussões sobre
a vida (vivo, inanimado e morto), o fluxo de energia e a ciclagem
de nutrientes, reflexões sobre para onde vamos são apresentadas.
Seriam os humanos constituídos apenas de matéria física, cujo re-
sultado da decomposição retornaria ao ciclo da matéria bruta? O hu-
mano é apenas um predador ou é também uma presa? Como parte
de uma cadeia alimentar, é passível de ser alimento e abrigo para
outros organismos? Ou há um espaço destinado a esse ser, “guardião
do paraíso”, que lhe confere superioridade?

Sobre perspectivas de futuro, a Biologia prevê o desenvolvimento


e o melhoramento de organismos vivos, bem como dos humanos.
Pesquisas têm contribuído para uma maior resistência a doenças,
por exemplo. Por outro lado, manifestam-se preocupações sobre a
relação humana com o meio natural e o prenúncio de um possível
colapso ambiental.

Sob o ponto de vista individual, considera-se que qualquer organis-


mo vivo, após sua decomposição, terá suas moléculas perpetuadas

27
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

no ciclo de nutrientes. As moléculas dos indivíduos comporão ou-


tros organismos. Mas será o fim da consciência individual? Haveria
um princípio espiritual que a conserva? É plausível pensar que tais
questionamentos se colocam nas elaborações discentes. Por exem-
plo, no trabalho de Coelho e Falcão (2005), com alunos de São Gon-
çalo, no Rio de Janeiro, foi identificado que uma maior carga horária
em aulas de ciências pode estar relacionada a explicações menos
místicas sobre a morte.

Em um trabalho com futuros professores de Biologia na cidade de


Tangará da Serra (MT), Pagan (2009) apresentou dados que confir-
mam essa relação, de que os graduandos reconhecem o papel da
Biologia na compreensão de questões existenciais. Entretanto, essa
construção não é explicitada nas salas de aula. Esse contexto mostra
um ensino-aprendizado mais focado no conteúdo a ser aprendido e
menos na interação da pessoa que aprende, o que não se mostra mui-
to diferente em outros contextos no Brasil, pelo menos naqueles que
tive oportunidade de conhecer no Sul, no Sudeste e no Nordeste.

É comum, ao pensamos o currículo de Biologia, seja na formação do


professor ou na educação básica, que as discussões se coloquem em
termos de uma dicotomia macro-ecológica versus a micro-molecurar.
Ou seja, se os alunos devem aprender sobre a vida partindo dos
aspectos micro, em uma ordem crescente, das moléculas, passando
para as células, tecidos etc., até as relações ecológicas ou o inverso.
Se considerarmos a relação entre o conteúdo aprendido e o sujeito
que aprende, penso que deveríamos partir de um gradiente que

28
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

vai da relação do ser humano consigo mesmo, com os demais seres


vivos, caminhando para olhares mais biocêntricos e ecocêntricos.
Isso faria toda a diferença no processo de formação de professores,
inclusive distinguindo as preocupações da formação do licenciado
das do bacharel.

Nossa sociedade tem construído uma cultura do distanciamento com


os seres vivos, especialmente caracterizada pela indústria alimentícia
e agrícola. A carne na bandeja, o leite na caixinha, a planta que produz
sementes que não produzem plantas. Esses alimentos teriam sido se-
res vivos, nos sentidos atribuídos por aqueles que os consomem? Ou
se tornariam meros objetos adquiríveis? Essa última concepção não
poderia estar associada ao desperdício de alimentos no planeta?

Reduzir o desperdício com a alimentação, a partir do respeito à vida


que é doada para que possamos comer, seria um interessante come-
ço para pensarmos os propósitos do ensino de biologia. Mais do que
entendermos sobre os conceitos biológicos, precisamos construir
conexões afetivas com a vida no planeta.

Como discutimos teia alimentar e não problematizamos nossa pró-


pria alimentação, não apenas no ponto de vista saudável ou não
saudável, mas, também, sobre o respeito com a vida que foi sacrifica-
da? Em uma área da ciência que foi constituída por colecionadores
de organismos, há uma discussão ética sobre a redução de captura
e do uso de organismos animais. Por que essa discussão ainda não
é central nos currículos ensinados? Parece que a hierarquização en-
tre razão e afeto transforma ridícula qualquer tentativa de pensar

29
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

uma relação de amabilidade entre humanos e demais seres vivos,


contudo não vejo menos importante a ação de amar um animal, se
comparada àquela de entendê-lo.

Outro aspecto importante ao pensarmos sobre o autoconhecimento


no ensino de Biologia e na formação de professores é a contribuição
da biologia para a superação ou manutenção de preconceitos raciais
e de gênero. Por que somos como somos? Não se trata apenas de
uma questão que afeta a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Transgêneros (LGBT), ou qualquer outra minoria, mas a qualquer ser
humano que se perceba singular, diferente dos demais, seja em as-
pectos morfológicos, fisiológicos ou comportamentais.

Não faz muito tempo que discuti com uma colega da área de ana-
tomia sobre a forma como ela ensinava os alunos da licenciatura
sobre os aparelhos reprodutores. Na ementa, ela insistia que se co-
locasse aparelho reprodutor masculino e aparelho reprodutor fe-
minino, separadamente, então perguntei se não seria interessante
assinalar no texto apenas aparelho reprodutor, de maneira que não
se desconsiderasse a condição das pessoas intersexuais, que apre-
sentam morfologias intermediárias em suas gônadas dentre o que
se convencionou chamarem de masculino e feminino. Segundo ela,
a intersexualidade se tratava de uma questão secundária, tida como
exceção, portanto não procederia minha sugestão.

Então me pergunto: em uma área na qual organismos de transição,


como o Ornitorrinco, são valorizados pelo seu papel na construção

30
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

de evidências sobre as possíveis ligações evolutivas entre mamíferos


e aves, por que as ligações entre masculino e feminino, que sugerem
a não dicotomização dos gêneros, é negada? Para quem serve esse
conhecimento?

Pessoas intersexuais são submetidas a cirurgias logo que nascem, de


maneira forçosa a serem colocadas em uma categoria do masculino
ou do feminino, antes mesmo do desenvolvimento de suas identida-
des de gênero e orientações sexuais, e nós, professores de biologia,
tacitamente reafirmamos essa necessidade da dicotomia em nossas
aulas. Deveríamos questionar não apenas para que servem as estru-
turas biológicas, mas principalmente, para quem elas servem?

Para quem serve a dicotomização humana entre macho e fêmea?


Por que essa classificação não leva em conta os organismos de tran-
sição? Para os interesses de uma família nuclear burguesa construída
há trezentos anos pelo capital industrial, na qual o homem deveria
assumir um determinado papel na indústria e a mulher na criação de
filhos capazes de se adequarem a esse cenário produtivo?

Como professora de Biologia, formadora de professores, tenho pen-


sado em como essa disciplina poderia nos auxiliar a compreender
tal diversidade. Uma leitura que não é simples especialmente pelo
fato de que a maioria das questões que compreendemos sobre o
ser humano nas ciências biológicas parte de análises mecanicistas.

Diante dessa proposta, ao penar o currículo de biologia, não me


preocupa se o aluno aprenderá primeiro do molecular ao ecológico

31
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

ou vice-versa. Mas me preocupa fundamentalmente que ele comece


por tomar consciência crítica dos conhecimentos que ele já possui
sobre a natureza, analisando pontos positivos e negativos de cada
questão que participa desse saber, compreendendo que elementos
envolvem esse conhecimento, se origens tradicionais, mercadológi-
cas ou científicas.

A tomada de consciência crítica sobre quem somos em condições


naturais pode ser estimulada com reflexões trans. A percepção trans
é a tomada de consciência de que algumas posições que parecem
dadas não são tão claras assim. Ser trans é não se conformar com o
que é dado, com o que é dicotômico, com uma biologia que colo-
ca os seres em caixinhas e os classifica por suas frequências médias,
sem levar em conta suas especificidades. A consciência trans sobre
si e sobre o mundo é a percepção de que as nuances, os detalhes da
diferença, são o que nos faz especiais. Aquela diferença que aparen-
temente poderia se mostrar como algo inapropriado ou motivo de
reclusão ou anormalidade é, na verdade, o que nos faz especiais, são
nossas singularidades, tópico que foi objeto de estudo de uma aluna
de mestrado em meu laboratório e que foi melhor discutido em um
dos capítulos deste livro.

Esse ponto de vista parte da possibilidade de um olhar mais cuida-


doso sobre a própria cultura e as culturas do próximo e do outro
com as quais interagimos, considerando o ambiente e os demais se-
res vivos também como alteridades a serem respeitadas, dignas de
diálogo, com o fim maior sempre de proporcionar maior conexão do

32
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

indivíduo com o meio. Essa postura exigiria dos cursos de formação


de professores um cuidado maior com a formação centrada na com-
preensão do aluno e de sua cultura, a partir de um amplo conjunto
de conhecimentos sobre antropologia, sociologia e psicologia.

Particularmente, não compreendo a necessidade da quantidade


exagerada de conceitos biológicos na formação do professor des-
se campo e, por outro lado, tão pouco estudo sobre o aluno que
aprende e a sociedade na qual esse aprendizado se dá. O foco dos
currículos ainda está, infelizmente, no objeto do ensino do futuro
professor, não no sujeito que aprende, não na interação desse su-
jeito com o objeto. Humanizar o ensino é direcionar esforços para
que o professor de biologia olhe não para as ciências biológicas, mas
para o estudante que interage com elas. Trata-se de uma formação,
por exemplo, completamente diferente daquela dada ao bacharel
nesse campo.

OS SERES HUMANOS DO ENSINO DE BIOLOGIA

O ponto de vista que busquei apresentar aqui parte de uma com-


preensão ecotransfeminista da Biologia, no rastro das respostas que
essa perspectiva pode apresentar para novas possibilidades de ensi-
no-aprendizagem, tendo como objetivo a reflexão sobre os propósitos
humanos no planeta Terra e, consequentemente, criando um espaço
para a compreensão dos propósitos singulares de cada ser, aprendiz.

33
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Partindo da não dissociação entre sujeito e objeto, é importante


que o futuro professor de Biologia seja estimulado a encontrar seu
próprio olhar e sua própria voz frente ao conhecimento biológico,
especialmente quando questiona a quem esse conhecimento tem
servido, considerando a forma como tem sido ensinado.

Da mesma forma que o conhecimento biológico pode contribuir


para uma visão mais igualitária entre os seres humanos e os demais
organismos vivos, é possível que, em determinados contextos, nos
quais a questão não é satisfatoriamente abordada, ele seja distor-
cido se fundido a uma ideia na qual a humanidade representaria o
grupo animal mais bem aperfeiçoado do que os demais, como se
a seleção natural perseguisse um fim: a constituição de seres mais
próximos da perfeição.

Se o pensamento biocêntrico é um objetivo positivo perseguido


pelo ensino de Biologia, a consideração de igualdade entre huma-
nos e demais organismos vivos pode ser tida como ponto de partida
para o discurso eugênico. Se o ensino estiver centrado apenas no
conteúdo, desconsiderando as percepções e vozes dos aprendizes,
não duvido que algum aluno possa considerar que o aprimoramen-
to genético de animais (não humanos) e plantas deva ser aplicado
a nós. Esse tipo de construção eugênica pode ser evitado à medida
que um ensino humanizado seja proposto. Um ensino que conside-
re o ser humano como o centro do aprendizado, mas que caminhe
para a construção de olhares biocêntricos e ecocêntricos.

34
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

O professor de Biologia se destaca como um interlocutor relevan-


te nesse debate, no entanto estudos têm mostrado que há pouca
discussão sobre essa questão. Uma breve contextualização sobre
as concepções humanas presentes no ensino de Biologia pode ser
identificada nos trabalhos de Trivelato (2005), Macedo (2005) e Sil-
va (2005), que, referenciando-se no contexto da educação básica no
Brasil, procuraram discutir sobre “qual o ser humano que cabe no
ensino de Biologia?”.

Partindo do estudo sobre o currículo visível em documentos oficiais


e livros didáticos, elas perceberam que as discussões sobre o ser
humano, no ensino de biologia, se fixam principalmente nos con-
teúdos sobre o corpo. A análise desse contexto revelou a necessi-
dade de pensar com maior cuidado sobre a amplitude da dimensão
humana no ensino-aprendizagem de Biologia, de modo que outros
aspectos, além do enfoque biomédico, sejam englobados.

Trivelato (2005) traçou seus argumentos em duas linhas de análise.


Primeiramente, focou as atividades pedagógicas sobre os conteú-
dos de anatomia e fisiologia humanas. Em segundo lugar, tentou
compreender o ser humano que se considera ao estudar alguns dos
assuntos que constituem a Biologia na educação básica. As reflexões
da autora foram embasadas em pesquisas das quais ela participou
sobre formação de professores e elaboração de materiais didáticos.
Para ela, o tratamento dado ao conhecimento sobre o corpo huma-
no na educação básica é reducionista. Apenas as partes do organis-
mo são estudadas. Na educação infantil, seria uma divisão em cabe-

35
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

ça, tronco e membros; no ensino fundamental, em órgãos e sistemas


desconexos, enquanto que, no ensino médio, observa-se uma redu-
ção às estruturas celulares e moleculares.

Ao efetuar uma breve reconstituição histórica sobre o conhecimen-


to em anatomia e fisiologia humanas, a autora evidenciou que esse
conteúdo foi fragmentado desde sua gênese. Um exemplo são os
primeiros estudos desenvolvidos no Renascimento, que previam a
dissecação e construção de diagramas sobre os órgãos e sistemas
(TRIVELATO, 2005). Também segundo ela, muito do que se sabe so-
bre o humano vem de estudos comparados, cujas descobertas fo-
ram feitas primeiramente em outros organismos vivos. Esse aspecto
pode ser problemático, porque o estudo não contextualizado de
estruturas moleculares se coloca distante da autocompreensão do
sujeito. Por exemplo, alguns processos como mitose e meiose são
ensinados através de diagramas que os mostram como eventos au-
tônomos desconexos do indivíduo (TRIVELATO, 2005).

Por sua vez, estudos sobre o sistema nervoso e o sanguíneo, como


integradores e reguladores da dinâmica interna do organismo, pro-
moveram novas perspectivas na conexão entre os componentes do
sujeito. Atualmente, com base nesses princípios, há um convite para
o estudo com abordagens integradoras, embora ainda pouco incor-
poradas à rotina das salas de aula brasileiras (TRIVELATO, 2005).

Assim, outra questão foi analisada pela autora. Cabe uma visão holís-
tica no ensino de Biologia? Ela entendeu que sim. Por exemplo, com
o uso de temas geradores que motivem as atividades de ensino. As

36
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

diretrizes curriculares e muitos dos materiais didáticos já apresen-


tam esse tipo de visão, na qual o todo apresenta propriedades pró-
prias, não se constituindo num simples conjunto de partes (TRIVE-
LATO, 2005).

Ela concluiu que mudanças mais significativas têm sido vagarosas,


principalmente pela tradição curricular, segundo a qual o professor
acredita que é natural alguns conteúdos serem mantidos de de-
terminadas formas, mas também pelo tempo que decorre do mo-
vimento da criação de novas teorias, no âmbito científico, até sua
incorporação nas práticas curriculares (TRIVELATO, 2005).

Macedo (2005) baseou-se no estudo dos Parâmetros Curriculares


Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental e na análise de duas cole-
ções de livros didáticos que se qualificam em consonância com as
diretrizes nacionais. Sua opção por esses dados se baseou no enten-
dimento de que eles são produtos culturais resultantes de relações
sociais. Estão sujeitos a interesses políticos, econômicos e culturais
de diferentes grupos.

A autora buscou analogias nos trabalhos de Fanon sobre o papel da


linguagem na constituição da consciência dos sujeitos. Esse autor
discorre sobre o processo de colonização, que se constitui, entre ou-
tras coisas, na coação do colono para aprender a linguagem do do-
minador. Especificamente, fala sobre algumas colônias francesas em
que os negros nativos deveriam aceitar uma língua e uma cultura
que viam a pele negra como um símbolo de inferioridade. Assim, os
negros passavam a ver a si próprios como brancos e sujeitos de uma

37
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

sociedade universal de direitos iguais. O próprio corpo era negado


na adoção dos valores franceses.

Macedo (2005) parte dessa relação para pensar o processo de apro-


priação da cultura científica. O recorte abordado é a dimensão da
corporeidade. Ela se ocupa de duas questões. Primeiramente, como
a ideia de um corpo que se coloca como máquina humana, apre-
sentada pelas ciências, se relaciona com as experiências sensoriais e
sociais dos alunos? Em segundo lugar, como os sujeitos vivem suas
experiências corpóreas quando convidados a aprender a linguagem
da ciência?

As análises desenvolvidas pela autora permitiram a compreensão


de algumas categorias sobre o corpo apresentado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e nos livros didáticos: 1) Ele é descone-
xo dos espaços culturais que ocupa. Uma tentativa de contextuali-
zá-lo é transportada aos temas transversais; 2) É tido como objeto
de manipulação. Há um esquartejamento dos corpos e a valorização
dos órgãos que se destacam em carcaças insinuadas; 3) Em alguns
momentos, nos livros didáticos, a dimensão biológica é reduzida ao
mecânico, por meio de analogias.

A autora se preocupa com o tipo de significado que a fragmenta-


ção analítica pode adquirir no contexto escolar, no qual o corpo
dos discentes se torna supostamente compreensível pelo ensino de
ciências. Ela delimita sua discussão com base nos conteúdos sobre
sexualidade. Embora os PCN apresentem a sexualidade envolvida
por fatores biológicos, culturais e sociais, em ciências a ênfase re-

38
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

cai sobre o tema da reprodução: 1) indesejada e DSTs; 2) comparada


com a de outros organismos (MACEDO, 2005). Nos livros didáticos,
seguem-se
[...] a esses primeiros contatos, ovários, óvulos, trompas, úteros,
vaginas, testículos, espermatozóides, pênis soltos ou articulados
em silhuetas totais ou parciais de corpos femininos e masculinos.
Por fim, muitas imagens de fetos em diferentes estágios de de-
senvolvimento e, como leituras complementares, métodos anti-
concepcionais e doenças sexualmente transmissíveis (MACEDO,
2005, p. 135).

Em suas considerações, Macedo (2005) argumenta que a biologização é


um discurso que propõe uma identidade fixa e essencial. A universaliza-
ção de uma identidade humana retiraria do horizonte a discussão da di-
ferença. Uma política identitária, nesse contexto, se propõe a entender
como as autorrepresentações são construídas, quais seus significados e
como são contestadas. Embora seja possível estabelecer políticas com
base em identidades universais e estáveis, é possível que elas tenham
impacto negativo sobre a vida dos grupos minoritários.

Concordando parcialmente com a discussão de Macedo (2005),


compreendemos que o autoconhecimento no aprendizado de bio-
logia deve ser uma discussão explícita, em um caminhar que vai da
compreensão sobre aspectos da identidade humana, percorrendo
a discussão sobre a biologia e a cultura, considerando que os cor-
pos têm identidades, desejos, orientações, relações com tradições
culturais e espécies companheiras, sem deixarmos de continuar o
processo de compreensão biocêntrica dos organismos vivos.

39
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Silva (2005) usa o referencial de Derrida para entender que a ideia de


animal é anterior à ideia de humano. Entretanto, o animal tem sua
existência simbólica a partir do discurso humano, e a Biologia contri-
bui para tal nomeação dos seres vivos, animais e animais-humanos.
Assim, o ser humano é quem cria conhecimento sobre o animal e
sobre si mesmo.

Nesse ponto de vista, a Biologia passa a ser uma das vias de mani-
pulação do animal e, por meio desse controle, tem buscado com-
preender a natureza humana. Tais discursos influem nos modos de
ser e existir de homens e mulheres, bem como no planejamento das
instituições produtoras desses discursos. O discurso biológico é ela-
borado para e por políticas e práticas socioculturais (SILVA, 2005).

Silva (2005) faz uma relação entre o conhecimento sobre o ser hu-
mano e os conteúdos programáticos de Ciências. Esse conhecimen-
to aparece nas atividades didáticas e está ligado à ideia de corpo. A
autora reconhece o corpo como um substrato material da existência
humana, inseparável das identidades e diferenças.

O corpo é elemento-chave na classificação de homens e mulheres,


mas recebe forte influência do conteúdo biomédico no currículo
escolar. Assim, formam-se conhecimentos que se desconectam das
especificidades culturais e que funcionam para o afastamento entre
o que é proposto nos currículos de ensino de Biologia e as práticas
culturais, os espaços de lutas de classe e gênero (SILVA, 2005).

40
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

Para essa autora, o ensino de ciências deve responder à corporeida-


de e à cultura, que definem o humano como aquele que nomeia a
si e aos outros organismos, levando-se em conta as especificidades
que marcam a condição de homens e mulheres plurais (SILVA, 2005).

Trivelato (2005), Macedo (2005) e Silva (2005) analisam concepções


sobre o ser humano em programas curriculares, livros didáticos e
propostas de formação de professores. Esses trabalhos apontam
para a forte visão biomédica, mecanicista e reducionista no discurso
presente nesses contextos e também para a necessidade de que no-
vas perspectivas sejam implementadas.

Na introdução dos temas transversais dos PCN, é possível observar


que eles foram propostos na tentativa de suprir deficiências deixa-
das pela formação acadêmica de professores, especificamente na
tentativa de se pensarem discussões sobre temas pouco debatidos
no processo de formação de professores. Essas lacunas são descritas
como resultado de uma falsa postura neutra frente ao conhecimen-
to e no debate sobre temas polêmicos. A proposta de transversali-
dade visa a que todas as disciplinas trabalhem os referidos temas em
seus conteúdos específicos (BRASIL, 2001). O conteúdo, a identidade
e o contexto dos corpos humanos são abordados nos PCN do en-
sino básico: Ética e cidadania, Sexualidade, Saúde, Meio ambiente
e Pluralidade cultural tentam suprir as lacunas geradas pelas ideias
mecanicista, biomédica e reducionista de corpo, o que é denuncia-
do pelos trabalhos de Trivelato (2005), Macedo (2005) e Silva (2005).

41
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Compreende-se que a proposta da transversalidade se liga à possibi-


lidade de ruptura com a fragmentação, de modo que determinados
conteúdos sejam tratados de maneira global, se configurando como
temas geradores de atividades de ensino em todas as disciplinas
curriculares. Por outro lado, assumir o princípio da transversalidade
também envolve um risco: o de que cada um dos professores dei-
xe para os das outras disciplinas essa responsabilidade. O que é de
todos pode significar, ao mesmo tempo, não pertencer a ninguém.

Pensar em critérios para a aproximação e a diferenciação entre huma-


nos e outros organismos pode revelar, pelo menos, duas analogias.
Uma delas, que aproxima os Homo sapiens sapiens de outros organis-
mos, buscando considerações ambientalmente situadas, no entanto,
outras, mais perigosas, podem estar também em jogo. Elas se organi-
zam em torno da tendência de representar alguns grupos humanos
em grau superior a outros, sob a justificativa de serem menos “selva-
gens”. Essa perspectiva aponta um aspecto em que uma crítica precisa
ser posta sobre uma falsa dualidade, aquela que separa o ser humano
da natureza ou os domésticos dos selvagens. Abrem-se, assim, possi-
blidades para a compreensão de como alguns argumentos docentes
baseados em conhecimentos biológicos podem afirmar ou infirmar
preconceitos raciais (PAGAN; EL-HANI; BIZZO, 2011).

O ser humano, no ensino de Biologia, é visto como um corpo com


estruturas conectadas e organização, com determinadas funções
para a realização de determinadas ações, como uma máquina. Infe-
lizmente, essa metáfora da máquina não se sustenta na compreen-

42
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

são de propósito de vida do aprendiz. Não podemos concluir sobre


os propósitos humanos, se continuarmos a ensinar a vida a partir,
por exemplo, da perspectiva dos estudos anatômicos e de estrutu-
ras mortas e inertes.

Outro aspecto a ser considerado na compreensão das possibilidades


de construção de uma perspectiva ecotransfeminista, no ensino de
biologia, é a compreensão da dualidade natureza-cultura, que re-
quer um passo adiante, para além da construção de polos e gradien-
tes, mas um caminhar para a ideia de não dissociação e, portanto, a
ruptura da dicotomia que distingue humanos e animais.

PARA ALÉM DOS GRADIENTES, AS NÃO DISSOCIAÇÕES:


O CASO DAS RELAÇÕES HUMANO-NATUREZA

Na tentativa de superar a ideia de dicotomias, que empobrecem o


ensino-aprendizagem sobre a natureza, temos proposto até aqui a
possibilidade de análise das dualidades, através dos gradientes. No
entanto, em alguns casos, mesmo essa perspectiva é ineficaz para
um olhar que transcenda aos conceitos sociais estáticos, projetando
o aprendiz para a autonomia ecotransfeminista. Defendo a manu-
tenção das duas formas de ver as situações, posto que, na prática pe-
dagógica, por vezes, estudantes e mesmo professores e professoras
não conseguem alcançar facilmente as novas visões de mundo que
se produzem a partir do olhar da não dissociação. Nesse caso, pelo
menos romper com a dicotomização já se mostra um importante
primeiro passo, partindo da compreensão das dualidades.

43
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Embora tenhamos apresentado evidências do quanto aprender


sobre a natureza nos inspira a conhecer a nós mesmos, como es-
pécie humana, algumas considerações precisam ser ponderadas,
especialmente no que diz respeito aos reflexos das representações
construídas a esse respeito sobre as relações sociais, especialmente,
mostrando caminhos nos quais a biologia pode ser um instrumento
de afirmação ou de ruptura de preconceitos raciais (PAGAN, 2009).

Primeiramente, é importante compreendermos que o preconceito


pode ser representado: pelo rechaço, quando explicitamente alguns
indivíduos são agredidos por suas características sociais minoritá-
rias; ou por comportamentos sociais de rechaço explícito, de manei-
ra que, às vezes, nem seus próprios agentes se dão conta de que
suas ações são discriminatórias, posto serem fruto de um processo
educativo sexista, especista e/ou xenofóbico.

Nesse sentido, Pérez, Moscovici e Chulvi (2002) apresentam a noção


de ontologização, que se manifesta pelo menos de duas formas: 1.
pela representação positiva ou negativa de um outro indivíduo ou
grupo em uma condição menos humana que a minha própria; 2.
pela não representação do grupo nesse gradiente de maior ou me-
nor humanização, promovendo sua invisibilidade.

A ontologização pode ser entendida como o processo de pensar a


categorização social segundo critérios ancorados na ideia da grada-
ção entre natureza e cultura. Essa gradação evoca uma hierarquia
que valoriza aqueles situados mais proximamente à determinada
cultura padrão. Por outro lado, algumas minorias não são sequer re-

44
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

presentadas nesse mapa social. Assim, a ontologização pode supor


uma exclusão sem passar pela discriminação negativa. O racismo é
recriado em um novo contexto, menos explícito (PÉREZ; MOSCOVICI;
CHULVI, 2002).

Para os autores, parece haver uma discrepância global entre aceitação


manifesta e rechaço latente de grupos minoritários tanto em casos de
xenofobia como de lgbtfobia e sexismo. Trabalhos sobre atitudes pare-
cem insuficientes diante dessa discrepância. Não basta tentar entender
afeto negativo; é importante compreender o racismo sob um ponto de
vista psicossocial, como a crença de que alguns grupos seriam inferiores
com relação a outros (PÉREZ; MOSCOVICI; CHULVI, 2002).

Embora se encontre em todas as culturas algum exogrupo carac-


terizado como selvagem, não existe ser humano selvagem em si.
Ele é definido por referências culturais próprias de cada civilização.
Assim, todas as culturas intercalariam grupos ou categorias sociais
que fariam uma ponte entre o universo da identidade humana e o
referente do qual ela se diferencia, por exemplo, o animal1 (PÉREZ;
MOSCOVICI; CHULVI, 2002).

Esses autores fazem a distinção entre discriminação, como juízos e


comportamentos que desfavorecem uma minoria dada, e ontologi-
zação, uma operação de classificação na qual uma minoria pode ser

1 Animal é entendido como prospecto daquilo que não é humano. Tal distinção es-
taria ligada a uma gradação que se coloca entre o polo da cultura e o da nature-
za. Quanto mais distante dos produtos e costumes estabelecidos pela sociedade,
maior seria a animalidade do ser.

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

categorizada como grupo estrangeiro ou também ser representada


para fora do mapa social da identidade humana. A primeira refere-
-se a uma avaliação ou um comportamento negativo, desfavorável
e não equitativo; a segunda, a uma representação por objetivação,
dando descontinuidade ao contínuo, afastando um determinado
grupo de outros. Essa última pode ser positiva, por exemplo, se um
grupo se considerar mais próximo de outro por escolher aquele que
é culto, como referência, ao invés de outro que seja polido (PÉREZ;
MOSCOVICI; CHULVI, 2002).

Em um polo da gradação, estaria o ser-humano-cultura (domesti-


cado), e, no outro, o ser-humano-natureza (selvagem). Dessa clas-
sificação se organizam diversos tipos de interações sociais tanto no
campo individual quanto no intergrupal, em sua maioria presentes
nos fenômenos racistas.

Eles elaboraram a hipótese de que, na construção da identidade hu-


mana, encontra-se um universo estruturado por divisões e hierarquias.
A divisão fundamental corresponde à da natureza-cultura, tendo
como tela de fundo o animal e o ser humano. Assim, a hierarquização
se ancora no fato de que a hominização constitui o metassistema in-
terpretativo da classificação social, na qual se estabelecem distâncias,
graus ou descontinuidades com respeito a uma significação social do
ser humano, como se ele estivesse em constante evolução frente ao
seu aperfeiçoamento (PÉREZ; MOSCOVICI; CHULVI, 2002).

Para Pérez, Moscovici e Chulvi (2002), o combate à exclusão não de-


veria estar ligado à inversão ou à mudança de posições dentro dessa

46
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

escala, mas na tentativa de abolir a ideia de categorização. As dife-


renças são inevitáveis, mas se ligam a modos de vida e não a algum
tipo de essência humana. Na medida em que se aceite que as dife-
renças não são saltos qualitativos, é possível que qualquer ser huma-
no possa ser visto como exemplo para os outros. Nessa perspectiva,
o combate à ontologização se coloca em um profundo repensar das
relações raciais.

Pode-se perguntar qual a participação do conhecimento biológico


e, consequentemente, da formação do professor de Biologia nesse
propósito. Até que ponto a ciência que tem participação na ponte
entre os universos da natureza e da cultura humana estaria afirman-
do ou infirmando essa escala?

O estudo de Amérigo e Bernardo (2007) analisou crenças sobre meio


ambiente combinando um componente atitudinal, sob a perspec-
tiva de Pérez, Moscovici e Chulvi (2002). Foram identificados dois
tipos de atitudes: a biosférica, quando o reconhecimento da natu-
reza está ligado a argumentos intrínsecos ao valor da natureza; e a
antropocêntrica, quando ela é vista por sua contribuição na melhora
da qualidade da vida humana. Eles aplicaram um questionário para
moradores das zonas urbana e rural de Madrid, Toledo e pequenas
cidades da província de Toledo.

Esses pesquisadores acreditam que visões biosféricas, que se re-


portem à igualdade entre o meio ambiente e as pessoas, sob uma
perspectiva ecocêntrica ou biosférica, conceberiam a humanidade
apenas como mais uma parte do ambiente. Por outro lado, sob um

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

ponto de vista antropocêntrico, sua visão sobre esse objeto se colo-


caria como busca pela conservação de recursos naturais, visando-se
à qualidade da vida humana. Nesse último caso, para os autores, a
natureza seria vista como fora do sistema de representação da iden-
tidade humana (AMERIGO; BERNARDO, 2007).

Uma resposta interessante para a superação das classificações hu-


manas dentro do gradiente natureza e cultura foi apresentada por
Ingold (1995). Ele criticou as considerações sobre ser humano cons-
truídas a partir das ideias de oposição acerca dos animais, distin-
guindo a compreensão de condição humana daquela de existência
humana, em que a primeira seria originada a partir da pergunta: o
que é um ser humano? E a segunda surgiria da questão: o que signi-
fica ser humano?

Primeiramente, Ingold (1995) apontou que a espécie humana é sin-


gular como qualquer outra espécie existente neste planeta, pela con-
fluência de diferentes fatores relacionados à sua genética, ecologia,
etologia, gerando uma combinação específica. Basicamente, essa ex-
plicação tocaria em uma questão biológica sobre o que faz os seres
humanos pertencerem à determinada espécie. No entanto, segundo
Ingold (1995, p. 5), a pergunta que nos confunde tem sido outra: “o
que torna os seres humanos diferentes dos animais, como espécie?”.

Considerando essa última pergunta, em estado de natureza, os or-


ganismos estariam em uma condição bruta, irracional, e distantes de
qualquer influência da moral ou dos costumes. O ser humano estaria
em posição intermediária, dicotomizado, com sua natureza física ali-

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AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

cerçada na animalidade e a moral em um status de humanidade. Cria-


-se, portanto, um paradoxo, “o pensamento ocidental afirma […] tan-
to que os seres humanos são animais quanto que a animalidade é o
exato oposto da humanidade”. É curioso que a maioria dos traços utili-
zados na compreensão dessa natureza humana, especialmente quan-
do se fala, por exemplo, na evolução da caça para o desenvolvimento
da racionalidade e da linguagem, é coincidente àqueles presentes nos
homens e ausentes ou fracos nas mulheres (INGOLD, 1995, p. 8).

Na tentativa de responder a esse paradoxo, Ingold (1995) analisou


que a natureza humana responde ao fato de sermos dotados de
cultura, o que nos garantiria diversidade dentro da nossa espécie,
caracterizando nossa humanidade na condição de sujeito moral. E,
assim, ele assume o conceito de existência humana. Segundo ele,
existir como humano é existir como pessoa, que, segundo a Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos, estaria fundada nas caracterís-
ticas: consciência e razão. Essa compreensão deixaria implícito que
os animais (não Homo sapiens sapiens) não participariam da existên-
cia humana, posto que seus atos são vistos pela ciência ocidental
como não intencionais e recheados de comportamentos automati-
camente expressos.
A bem dizer, a busca de atributos definidores da humanidade não
tem sido motivada pelo interesse em descrever o que os seres
humanos são, da mesma maneira como definimos, por exemplo,
os elefantes ou os castores. Na realidade, essa busca decorre do
desejo de definir o que se costuma chamar de condição humana
(INGOLD, 1995, p. 11).

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Haveria, entretanto, um processo de relação próxima entre a espécie


humana e as demais, especialmente as domésticas, que se baseia
na atribuição de intencionalidade e propósito sobre ações animais,
na mesma proporção com que fazemos às ações de outros Homo
sapiens (INGOLD, 1995).
Podemos agora entender porque, no mundo ocidental, pessoas
inteligentes continuam recorrendo à existência de atributos es-
senciais da humanidade a fim de determinar a singularidade do
Homo sapiens. A razão disso é a associação popular entre as no-
ções de espécie humana e condição humana, a que nos referimos
antes, e que, por seu turno, resulta de uma fusão ideológica do
conceito de indivíduo biológico com o de sujeito moral, ou pes-
soa. Na medida em que os dois conceitos forem devidamente di-
ferenciados, a espécie humana poderá ser definida em termos ge-
nealógicos, como qualquer outra espécie, sem a necessidade de
apelar para qualidades essenciais. A condição humana, por outro
lado, pode ser descrita segundo essas qualidades, sem pré-julgar
a extensão em que seres humanos biológicos ou outros animais
de fato dela participam (INGOLD, 1995, p. 12).

Em uma análise sobre a obra de Ingold, os autores Sautchuk e


Stoeckli (2012) apontam que ele pretende questionar as teorias
fundamentadas na necessidade de apresentar nossa espécie como
singular, em oposição a outras que ocupam o planeta. Para isso, ele
aceita que há intencionalidades nas ações dos animais, embora elas
sejam diferentes em cada espécie, incluindo a nossa. Por um lado,
ele parte da proposição de intencionalidade às ações animais, favo-
recendo uma compreensão de que eles não agem meramente rea-
gindo ao ambiente. Eles apresentariam racionalidade e consciência,
mesmo que diferentes da nossa, assim como diversas sociedades

50
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

tradicionais já os consideravam, construindo relações de respeito


que se mostram como alternativa às de controle propostas pela so-
ciedade industrial, que os subjuga e os representa como objetos pu-
ramente comercializáveis. Por outro lado, ele aponta que nem todas
as ações de nossa espécie estariam amparadas na racionalização. Ele
busca nos trabalhos da psicologia ecológica de James Gibson a com-
preensão de que nem sempre as nossas ações são parte de um pro-
cesso de significação do mundo; em muitos casos, reagimos a partir
de ações frente ao meio ambiente, assim “os sentidos acessariam os
significados sem mesmo a necessidade de uma elaboração mental,
racional. Deste modo, ação e percepção de pessoas e animais se dão
através do movimento e da interação destes com o mundo, e não
de uma perspectiva estática de observação e análise” (SAUTCHUK;
STOECKLI, 2012, p. 238).

Quando falamos em conexão, compreendemos essa forma de com-


preensão acerca da natureza a partir da ação. Nessa ação, os organis-
mos constroem seus mundos próprios, seus pontos de vista acerca
daquilo que constitui a realidade das interações interespecíficas.

A biologia focada na conexão tentaria compreender esses mundos


próprios dos demais seres vivos, pelo menos em perspectivas que
não se fundamentam no controle e na exploração dos demais orga-
nismos para o benefício do Homo sapiens sapiens. Trata-se de pensar
uma perspectiva clínica para a biologia, de maneira que, nas aulas,
seja possível construirmos uma aproximação dos indivíduos à cura
da doença proporcionada pela ruptura de nossa espécie com a natu-

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

reza, aproximando, consequentemente, nossos estudantes de mo-


dos de vida que garantam maior realização e felicidade.

A conexão com a natureza, portanto, é o elemento que confere sen-


sibilidade ao aprendizado de biologia. Não apenas compõe-se da
racionalização sobre os seres vivos, mas a compreensão de que há
um complexo processo de relações sociais entre espécies que convi-
vem dentro do planeta Terra. Trata-se do conceito que me tem pare-
cido possível e importante para os objetivos do ensino de ciências, e
talvez até de outras disciplinas. Conexão refere-se à vinculação, seja
na simbiose ou no conflito e na predação, contudo sob o olhar do
respeito, do diálogo, de algo que se pareça com a diplomacia, dis-
tanciando a compreensão do mundo das perspectivas do controle,
da objetificação, do desrespeito e do consumo inconsciente.

O COMPONENTE AFETIVO NO ENSINO E NO APRENDIZA-


DO DE BIOLOGIA PARA A CONEXÃO: VOCÊ ENTENDEU?
COMO ESTÁ SE SENTINDO?

Embora a maioria das perspectivas do ensino das ciências este-


ja focada no processo de interação entre o sujeito que aprende e
o conteúdo aprendido, ainda nos deparamos com contextos em
que o componente conceitual se mostra como o mais importante.
Ensinamos química, física, biologia, geologia, astronomia, quando
ensinamos ciências? Ou ensinamos aos cidadãos que essas discipli-
nas podem lhes ser favoráveis para a melhor compreensão e ação
na vida contemporânea? Se estivermos falando da segunda opção,

52
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

por que então a carência de pesquisas sobre os aspectos afetivos


do aprendiz na relação com o conhecimento? Em minha experiência
como formadora de professores, tenho percebido a centralidade do
discurso acadêmico, no campo do Ensino, sobre as metodologias da
interação. A preocupação do ensino tem sido garantir que o saber
escolar aprendido seja o mais compatível possível com o da ciên-
cia, ressalvadas as devidas contextualizações. Mas pouco sabemos
como dialogar com o sujeito que aprende.

Como formadora, posso ajudar um futuro professor a organizar suas


ideias em uma apresentação, mas pouco sei como agir quando as-
pectos traumáticos de sua história de vida o impedem de falar em
público. Embora não tenhamos que dar conta de toda a necessidade
do indivíduo que aprende, posto que algumas delas não podem ser
resolvidas com o conhecimento didático, talvez devêssemos partir
não do conteúdo a ser ensinado, mas de situações sociais que impli-
cariam seu uso. As metodologias ativas se apresentam nesse sentido
e se constituem a partir de ações que mobilizam a conexão do co-
nhecimento com a realidade do aluno.

Devemos superar a discussão sobre os níveis de explicação aparen-


tados no currículo que ficavam entre partirmos do conhecimento
ecológico para o molecular e vice-versa, mas darmos visibilidade
a um currículo que parta da aplicação do saber biológico nas rea-
lidades discentes, em níveis pessoais, comunitários, globais e ecos-
sociais. Assim como caminhou a geografia, para uma perspectiva
humana, reconhecendo a influência dos seres humanos na consti-

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

tuição dos espaços, proponho um olhar humanizado para a vida, de


maneira que possamos partir da influência humana na manutenção
da vida no planeta Terra.

Entretanto, é importante questionarmos: Será que os professores


e os formadores de professores estão prontos para aprender sobre
seus alunos? Para profundas relações de construção de conhecimen-
to, precisamos dar voz e visibilidade, dialogar e criar parcerias com o
aprendiz, descentralizar o espaço das aulas para a criação discente.
Creio que nossas crenças ainda nos levam a discursar sobre o fato de
que lidamos com os nossos alunos ou de que damos nossas aulas: –
“Minha aula foi ótima”. – “Minha aula foi ruim”. A aula é para o aluno
ou para o professor? Esse professor consegue realmente perceber e
desafiar o aluno a transformar singularidades em potencial na inte-
ração com o conhecimento? Há ferramentas suficientes, diante dos
métodos de ensino construídos, para termos a coragem de pergun-
tar ao aluno como ele está se sentindo além de perguntarmos o que
ele entendeu?

O que é importante na aula de ciências? Problematizar se o concei-


tual, o procedimental e o atitudinal foram aprendidos? Compreen-
der a relação daquele entendimento com as crenças discentes?
Compreender se, mesmo com as modificações epistemológicas (dis-
torções), aquele saber ainda pode ser funcional para a solução de
problemas cotidianos? Como cada uma dessas questões se conecta
com o que o meu aluno sabe sobre si? Ou com o que eu sei sobre
mim? Ou com o que sabemos sobre formar professores de ciências?

54
AFETIVIDADE E AUTOCONHECIMENTO NO ENSINO DE BIOLOGIA

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57
CAPÍTULO 2

INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOE-


MOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE BIOLOGIA

Márcia Cristina Rocha Paranhos


Aline Mendonça Santana

INTRODUÇÃO

Discussões sobre a formação de professores reflexivos


têm-se constituído objeto de estudo de pesquisas cien-
tíficas e se destacam nos debates sobre assuntos edu-
cacionais no Brasil. Esse modelo reflexivo de formação,
exige o desenvolvimento de habilidades que motivem
os indivíduos, a fim de que eles melhorem suas práticas
e reflitam sobre sua capacidade e potencialidade tan-
to profissional quanto humana (SCHÖN, 2000; GUIMA-
RÃES, 2004; RAMALHO, 2004; MALDANER, 2006; TARDIF,
2000; 2007).

Garcia (2012, p. 69) aponta a formação profissional


como multifacetada, com desenvolvimento de habili-
dades que decorrem de situações como: “a) as forma-
ções pré-inicial, inicial e contínua, b) vivências, c) inte-
rações cotidianas e d) reflexão sistemática”. De acordo
INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

com Nóvoa (1997), apenas o curso de formação e a obtenção de co-


nhecimentos técnicos, por si só, não são suficientes para construir a
identidade profissional, logo é preciso que tais profissionais reflitam
criticamente sobre si, bem como sobre suas crenças e práticas, para
então se construírem diariamente como profissionais.

Essa questão opõe o modelo da racionalidade técnica ao da for-


mação do professor crítico reflexivo. A racionalidade técnica é
entendida por Schön (2000, p. 15) como um movimento em que
“os profissionais são aqueles que solucionam problemas instru-
mentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para
propósitos específicos”.

Maldaner (2006) faz uma crítica a esse modelo de formação técnica


quando o aponta como pautado numa visão simplista, que não per-
mite reflexão sobre aspectos que fujam aos conceitos e conteúdos
técnicos. Sonneville e Jesus (2009, p. 298-299) enfatizam que a cul-
tura escolar e acadêmica baseada na racionalidade técnica é inope-
rante, uma vez que:
[...] revela sua insuficiência quando pretende responder de manei-
ra satisfatória aos problemas enfrentados pela sociedade contem-
porânea, repleta de contradições evidenciadas nos fenômenos
educacionais; nas situações complexas do cotidiano escolar e do
processo formativo de professores e das gerações (SONNEVILLE;
JESUS, 2009, p. 298-299).

Compreendemos, assim, que há necessidade de formar professo-


res reflexivos e com habilidades que favoreçam a quebra de para-
digmas, a exemplo da formação limitante e técnica, baseando-se

59
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

apenas numa compreensão específica dos conteúdos, em que se


acredita que um “bom” professor de Ciências é aquele que sabe o
conteúdo, desconsiderando, os saberes, as opiniões, as experiências
e as habilidades sociais e emocionais dos indivíduos que estão sen-
do formados.

Essas Habilidades Sociemocionais (HSE) são estudadas e interpreta-


das, neste trabalho, a partir da construção conceitual proposta por
Paranhos et al. (2016), na qual a autora aponta que tais habilidades:
[...] levam em consideração, como o indivíduo consegue refletir
sobre suas emoções quando precisa tomar decisões intrapessoais
e interpessoais. É, portanto, uma capacidade reflexiva de lidar
com as emoções e potencializar características ímpares do seu eu
nas relações com o outro (PARANHOS et al., 2016, p. 2).

A partir dessa reflexão sobre as HSE, existem algumas habilidades


como autonomia, criatividade, amabilidade - que são sugeridas na
epistemologia da prática profissional que vão ao encontro das pro-
postas nas HSE. Logo, a formação profissional precisa ser repensada,
de modo a superar esse modelo técnico e simplista. Tardif (2007, p.
229) coloca que o primeiro passo para superá-lo é “sustentar que os
professores são atores competentes, sujeitos do conhecimento”, as-
sim, para que isso aconteça, é preciso levar em consideração a sub-
jetividade dos atores em atividade. Nesse contexto,
Ora, um professor de profissão não é somente alguém que apli-
ca conhecimentos produzidos por outros. [...] não é somente um
agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sen-
tido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática
a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que

60
INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

possui conhecimentos e um saber-fazer proveniente de sua pró-


pria atividade a partir das quais ele estrutura e a orienta (TARDIF,
2007, p. 230).

Sonneville e Jesus (2009, p. 300) também compartilham dessa opi-


nião e enfatizam que é preciso pensar na formação do professor
como “ator e autor de sua prática pedagógica, sua história de vida,
suas experiências e seus saberes como objeto de investigação”.

Para Avalos (2011), a formação profissional de professores é, por na-


tureza, complexa e requer tanto o desenvolvimento cognitivo quan-
to emocional dos envolvidos, como indivíduos e como grupos. En-
tretanto, esse modelo de formação docente precisa ser avaliado em
termos de perspectivas e contextos dos próprios professores.

As questões afetivas como importantes no Ensino de Ciências, no


entanto pouco tem sido feito para incorporá-las de forma sistemáti-
ca nas pesquisas científicas, uma vez que as crenças dos professores
nas investigações científicas não interagem com as emoções e as
atitudes no aprender e ensinar as Ciências. Por outro lado, o autor
entende que as pesquisas que se direcionam a estudar as emoções
são um tanto complexas e apresentam desafios, visto que levam em
consideração as questões subjetivas de cada indivíduo, e, na acade-
mia, as pesquisas educacionais ainda são direcionadas às análises
cognitivas e não subjetivas (ZEMBYLAS, 2005).

Assim, partimos da hipótese de que algumas mudanças necessárias


ao aprimoramento pessoal, social e profissional se relacionam às

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

inovações, que, por sua vez, necessitam de habilidades - como co-


ragem e capacidade de comunicação de seus executores - para que
sejam colocadas em prática.

Temos percebido uma constante pressão para que o professor de


Ciências proponha inovações em suas práticas, visando à melho-
ria delas (KRASILCHIK (1980, 2000); MOREIRA (1999); MARANDINO
(2003); DINIZ (2009); CACHAPUZ et al. (2011)); por outro lado, pesqui-
sas mostram que há fatores limitantes para a implementação desses
recursos no decurso das práticas pedagógicas na escola brasileira,
a exemplo da falta de tempo e da rotatividade dos professores por
terem jornadas duplas de trabalho, salários baixos, além da própria
formação inicial que não oferece condições para que as inovações
aconteçam (GARCIA, 2009; 2010; PARANHOS, 2012).

Diante do exposto, o objetivo deste artigo é relacionar inovação às


HSE durante a formação docente em Biologia. Apresentamos, para
tanto, algumas discussões sobre a formação de professores reflexi-
vos, bem como sobre a inovação no Ensino de Ciências e HSE, con-
ceituando suas diferentes expressões e buscando relações entre
essas temáticas, sejam elas na prática pedagógica, na discussão aca-
dêmica feita no campo da gestão escolar ou do currículo ou mesmo
nas metodologias de ensino.

62
INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

A SUTIL EXPRESSIVIDADE DA INOVAÇÃO NO


ENSINO DE CIÊNCIAS

Ao falar em inovação, geralmente esta é associada ao uso ou desen-


volvimento de aparelhos tecnológicos (LEVY, 1993; MORAN, 2000;
SAMPAIO, 2000; MAGALHÃES et al., 2009), posto que as mudanças
ocasionadas pelo avanço da Ciência e Tecnologia (C&T) exigem dos
cidadãos uma postura inovadora. O tema inovação tem ganhado
ênfase na mídia e nas mais variadas discussões de esferas pública
e privada, em espaços acadêmicos e empresariais; existem, inclusi-
ve, incentivos do governo com o financiamento de pesquisas para
a geração de inovação no setor econômico do país (RUSSO, 2012).
Uma postura inovadora é caracterizada pela habilidade de estabe-
lecer relações, detectar oportunidades e tirar proveito delas (TIDD;
BESSANT, 2013). Assim,
Embora as políticas no país para desenvolvimento da inovação
nas empresas sejam relativamente recentes, esta tem sido uma
das prioridades estratégicas na atual conjuntura econômica bra-
sileira, já havendo inclusive incentivos públicos e privados para o
seu fomento (RUSSO, 2012, p. 13).

No Brasil, as contribuições de pesquisas com inovação relacionadas


às inovações educacionais ainda são recentes (GARCIA, 2009) se
comparadas ao contexto norte-americano (FULAN, 2001) e europeu
(HERNANDEZ et al., 2001; CARBONELL, 2002; CARDOSO, 2002), nas
quais tais investigações científicas estão diretamente relacionadas a
essas mudanças.

63
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

No Ensino de Ciências, por exemplo, as primeiras reflexões são pon-


tuadas por Krasilchick (1980; 2000). A autora faz uma reflexão no to-
cante às modalidades didáticas que são utilizadas para ensinar que,
por vezes, são pautadas na tendência de currículos tradicionalistas ou
racionalistas acadêmicos, dificultando, as mudanças educacionais.

O termo inovação ganha formas quando é pensado no campo do


ensino e da aprendizagem de Ciências, uma vez que está relacio-
nado às mudanças no ambiente acadêmico da formação de pro-
fessores. Entretanto, ainda há necessidade de maiores reflexões
sobre a articulação dessas mudanças com as transformações na
escola e na prática docente da educação básica (GARCIA, 2009;
2010; PARANHOS, 2012).

Uma revisão bibliográfica a partir de pesquisas no campo da edu-


cação científica, desenvolvidas no Brasil e publicadas em língua
portuguesa, mostrou que é explícita a relação entre a inovação e a
inserção de tecnologias educacionais nas práticas pedagógicas. Essa
revisão foi organizada em três categorias. Na primeira, foi discutida a
Inovação Pedagógica. Além dessa, apresentamos outras duas cate-
gorias que aparecem como práticas inovadoras no campo da educa-
ção científica: a Gestão Inovadora e a Inovação Curricular.

Inovação Pedagógica

Nessa categoria, os trabalhos analisados traziam a proposta de ino-


vação no Ensino de Ciências, apontando inovação como a inserção

64
INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

de recursos tecnológicos nas instituições de ensino. Porém, com-


preendemos que a inovação pode acontecer também de outras
maneiras além dessas, como, por exemplo, colocar o aluno como
protagonista da ação.

A mediação do professor nos processos que ocorrem dentro da sala


de aula é também importante, à medida que ele se atente às neces-
sidades que cada escola e aluno demandam. O trabalho realizado
por Almeida e Souza (1996) mostra que o sistema de avaliação, por
exemplo, foi mudado de provas testes para provas dissertativas, com
o objetivo de ampliar a visão de mundo que os alunos tinham. Esse
tipo de inovação metodológica parte do professor que visa a aten-
der à demanda - nesse caso, dos discentes -, a ponto de que eles
alcancem melhor rendimento acadêmico.

Outros exemplos de metodologias inovadoras são vistos nos traba-


lhos de Cunha (2016) e Santos (2016). Essas pesquisas foram desen-
volvidas no estado de Sergipe com alunos do 9º ano da educação
básica. As autoras criaram um teste de desempenho, com base nos
eixos temáticos “Vida e Ambiente” e “Ser Humano e Saúde”, respec-
tivamente, propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
Cada teste foi composto de dez perguntas com quatro alternativas,
cujas respostas transitavam desde o conhecimento científico até
o senso comum. A princípio, construíram matrizes de referências
pautadas nos interesses de três grupos: o Estado, os docentes e os
discentes. Essa matriz de referência elucidava as competências e ha-
bilidades sugeridas nos PCN para aprender tais assuntos. Entre os

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

resultados encontrados, as estudiosas perceberam que os alunos


explicam conceitos ligados à ciência, porém por meios alternativos
e não necessariamente os científicos.

Considerando essas propostas de inovação, entendemos que o ato


de aprender os conteúdos não envolve apenas competências liga-
das à velocidade de raciocínio e à memória, mas exige a contextua-
lização daquilo que é ensinado, buscando, uma aproximação com o
cotidiano dos discentes.

Gestão Inovadora

Na gestão inovadora, evidenciamos o papel da unidade (escola/uni-


versidade) como protagonista de mudanças na esfera educacional.
A escola e/ou a universidade são as responsáveis por promover a
inovação, por isso a gestão deve ser pensada como algo inovador.
Assim, “É preciso identificar e buscar (se necessário, construir) novos
princípios de Gestão Escolar a fim de propiciar o movimento de ino-
vação necessário às escolas” (COELHO, 2011, p. 7).

Analisar as questões fundamentais e os novos desafios da gestão


escolar, em face das novas demandas que ela enfrenta, no contexto
de uma sociedade que se democratiza e se transforma é papel da
instituição de ensino. Dessa forma, é possível refletir sobre teorias
e práticas que possam auxiliar para a construção de um novo para-
digma de Gestão Escolar como uma das soluções organizacionais
necessárias para a inovação educativa.

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INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

Estudos acerca da Gestão Inovadora mostram que “precisamos pen-


sar como inovadores – com fins a identificação de necessidades,
questionamento do status quo, experimentação, avaliação e adapta-
ção ao novo” (COELHO, 2011, p. 7). Nesse sentido, a escola/universi-
dade reflete o pensamento de seus administradores e sua equipe, e
esses modos de pensamento é que são responsáveis pelas possibili-
dades de promover ou impedir as inovações.

A inovação dentro da gestão escolar “é constituída também de exi-


gências emocionais para os professores, pois ela gera insegurança,
perdas, medo e abala, em geral, os relacionamentos entre profes-
sores e alunos” (GARCIA, 2010, p. 34). Nesse âmbito, o ato de mudar
uma gestão a ponto de torná-la inovadora exigirá de seus membros
uma postura que vai além dos aspectos de planejamento, logo é
preciso, também, saber lidar com as emoções.

Inovação Curricular

Outra categoria que se apresenta quando buscamos compreender


a questão da inovação no Ensino de Ciências é aquela associada às
mudanças no currículo. Uma das inovações mais características nes-
se campo, e que podemos apontar, é a inserção da perspectiva do
movimento Ciência, Tecnologia, Sociedade (CTS), ou Ciência, Tecno-
logia, Sociedade e Ambiente (CTSA), nos currículos escolares. Esse
movimento, que aqui consideramos como um único, pode servir
como uma ferramenta de aprimoramento da didática aos educa-

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

dores, uma vez que lhes permite trabalhar seus próprios entendi-
mentos teóricos, bem como suas escolhas e práticas em ciência e
tecnologia, sob uma perspectiva ética das implicações delas para a
sociedade e o ambiente.

A educação baseada na perspectiva CTSA apresenta diferentes dis-


cursos relacionados a um conjunto de abordagens, programas e mé-
todos pedagógicos (PEDRETI; NAZIR, 2010). O trabalho de Pedreti e
Nazir (2010) aponta seis correntes de ensino CTSA: 1) a corrente de
aplicação/design; 2) a corrente histórica; 3) a corrente de raciocínio
lógico; 4) a corrente centrada no valor; 5) a corrente sociocultural, e
6) a corrente sócio-ecojustiça.

Na primeira, o foco é a C&T, direcionando o ensino e a transmissão


de conhecimento, estimulando o desenvolvimento de competências
técnicas pautadas em resoluções de problemas. Na segunda, a ciência
é entendida como um esforço humano, como os alunos compreen-
dem a inserção histórica e sociocultural presente nos trabalhos cientí-
ficos. Na terceira, são evidenciadas as Questões Sociocientíficas (QSC),
que, por mais complexas que sejam, podem ser tratadas por meio de
um modo positivista de raciocínio. Na quarta corrente, o foco é me-
lhorar a compreensão do aluno na tomada de decisões relacionadas
às QSC; as atividades desenvolvidas nessa corrente tendem a focar nas
identidades morais e emocionais dos alunos, estimulando o desenvol-
vimento cognitivo e moral. Na quinta, identificamos a ideia de que a
ciência é apenas uma maneira de conhecer e que a compreensão da
C&T pertence a um contexto sociocultural mais amplo. Na última cor-

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INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

rente, o ensino é pautado na compreensão dos impactos da C&T na


sociedade e nos ambientes. Questiona-se como tais impactos podem
ser resolvidos por meio da ação humana; nesse sentido, os alunos são
tidos como ativistas, aqueles que irão buscar sanar as problemáticas
de forma correta e justa.

Essas diferentes correntes de CTSA permitem evidenciarmos o quan-


to a inserção desse movimento nos currículos escolares poderá ser
inovadora, uma vez que oportuniza o ato de aprender ciência em
contextos mais amplos, além de que reconhece a diversidade e as
necessidades dos alunos e das salas de aula.

Nesse contexto, Siqueira (2012) aborda a necessidade de renovação


do currículo de Ciências, pensando na devida formação de professo-
res com conteúdo, metodologias, formas de avaliação, adequação da
carga horária e valorização profissional. Pintó (2004) e Davis (2003)
apontam que a inovação curricular só chegará efetivamente à sala de
aula quando o professor, ao ensinar os conteúdos incorporar ideais,
refletir e tornar explícitas as suas crenças, atitudes e preocupações.

Destacamos que, nos Estados Unidos da América, já se observa um


movimento de reforma curricular, “cuja ênfase desloca-se das neces-
sidades do conteúdo para as necessidades dos aprendizes” (MAR-
QUES-FILHO, 2011, p. 24). Dessa forma, o professor poderá amparar-
-se em subsídios para promover essa inovação curricular, bem como
conhecer a realidade de seus discentes e o contexto em que eles
estão inseridos para a promoção de tal processo inovador.

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Diante das considerações expostas dentro dessas subcategorias de


inovação, percebemos que há uma forte preponderância da ideia
de inovação associada aos conteúdos e às metodologias utilizados
pelos professores, e vemos que pouco é discutido sobre professores
e alunos inovadores. Bezerra (2013, p. 7) aponta que “em inovação
não existem fórmulas. Antes de criar as inovações, precisamos criar
indivíduos inovadores”.

Entendemos que, para que aconteça a inovação, é preciso que haja


integração por parte de alunos, professores e gestores, em prol de
melhorar o sistema educacional e que, por vezes, é necessário refle-
tir nas HSE para então lograr êxito.

AS HSE NA EDUCAÇÃO E NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Para entendermos o que são as HSE, mapeamos algumas teorias


advindas da Psicologia, as quais deram suporte na construção das
nossas reflexões sobre o termo HSE.

As Habilidades Sociais (HS) estão em uma área da Psicologia que se


preocupa com o desenvolvimento integrado das capacidades pessoal
e interpessoal. Os primeiros estudos foram publicados nos Estados Uni-
dos da América e na Inglaterra, por volta da década de 1930, e tinham
como foco principal os diferentes modelos conceituais: 1) o cognitivo;
2) o da teoria dos papéis; 3) o da assertividade; 4) o da aprendizagem
social, e 5) o da percepção social (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1996).

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INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

O modelo cognitivo atende à demanda de que o desempenho so-


cial é mensurado pelas habilidades sociocognitivas que são apren-
didas durante as interações com o meio social, durante a infância.
O modelo da teoria dos papéis parte do pressuposto de como os
indivíduos se comportam nos trabalhos grupais. A assertividade é
entendida como “defender-se em situação de injustiça ou, no míni-
mo, buscar restabelecer uma norma, quando, rompida, causa algum
tipo de prejuízo a pessoa ou a seu grupo” (DEL PRETTE; DEL PRETTE,
2003, p. 131). A aprendizagem social se dá quando desenvolvemos
habilidades através de experiências, sejam elas positivas ou negati-
vas, mas que geram um significado e uma aprendizagem. E, por fim,
no modelo da percepção social, as impressões, motivações e metas
serão estabelecidas através da percepção do contexto social em que
o indivíduo esteja inserido (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1996).

Para Del Prette e Del Prette (2001), o termo HS refere-se a compor-


tamentos sociais que ocorrem durante uma interação social, por
exemplo, uma conversa entre dois amigos ou uma pergunta feita
pela professora durante a aula. As HS estão ligadas às relações in-
terpessoais e intrapessoais, evidenciando os comportamentos dos
indivíduos frente à questão social e cultural.

Quando se refere aos usos do termo HSE, não encontramos uma


definição precisa, entretanto alguns trabalhos com competências
sociais e emocionais foram norteadores para que criássemos uma
aproximação do que chamamos de HSE.

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

No cenário norte-americano, a educação social e emocional como


um conjunto amplo de conhecimentos que mede a capacidade de
compreender, processar, gerenciar e expressar-se, social e emocio-
nalmente, durante as interações. De acordo com o autor, esse mo-
delo de educação existe desde os séculos passados, mas o ato de
ensinar esteve concentrado em questões cognitivas e de consciên-
cia. Somente no século XXI, houve uma apreciação mais explícita do
que precisamos ensinar, e essas dimensões de competências sociais
e emocionais ganharam expressividade nas escolas (COHEN, 2001).

Dentro do contexto europeu, as competências sociais e emocionais


são entendidas como a capacidade de gerenciamento de comporta-
mentos, permitindo que os indivíduos se envolvam e se relacionem
harmoniosamente com outras pessoas dentro de um contexto so-
cial (PARHOMENKO, 2014).

Já no cenário brasileiro, as competências socioemocionais “destacam


a capacidade individual de superar os desafios, de modificar a situa-
ção social, de atingir benefícios próprios e alcançar sucesso confor-
me um padrão ideal previsto, conformando a personalidade ao meio”
(SMOLKA et al., 2015, p. 224). Santos e Primi (2014) entendem as HSE
como um conjunto de comportamentos e sentimentos individuais
responsáveis pela construção da personalidade de cada indivíduo.

Uma classificação que tem sido proposta para o estudo das HSE,
no âmbito da formação profissional, baseia-se em organizá-las em
cinco dimensões, ou seja, o big five. De acordo com Nunes (2005, p.
16), o big five teve sua origem através de “um conjunto de pesquisas
realizadas na área da personalidade, advindo das teorias fatoriais e
traços de personalidade”.

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INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

Autores como Cattell (1946; 1965), Tupes e Christal (1961) e Eysenck


(1970) foram alguns dos que produziram trabalhos precursores do
modelo big five, desenvolvido na década de 1980 por McCrae e Costa
(1989). Contudo Goldberg (1990) reviu o modelo, elevando seu nível
de organização. Posteriormente a eles, John e Srivastava (1999) defini-
ram o modelo de personalidade que está sendo atualmente adaptado
à cultura do Brasil por Santos e Primi (2014), em pesquisa no Rio de
Janeiro. Atualmente, o big five apresenta-se nas seguintes dimensões:
1) abertura a novas experiências; 2) conscienciosidade; 3) extroversão;
4) amabilidade, e 5) estabilidade emocional/neuroticismo.

Para cada uma das categorias do big five é atribuída uma descrição de
características pertencentes aos domínios de personalidade, as facetas
que podem ser desenvolvidas de um indivíduo para outro, bem como
o temperamento pessoal que é atribuído a cada um quando criança.

TÁCITAS RELAÇÕES ENTRE AS HSE E AS HABILIDADES RE-


QUERIDAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES REFLEXIVOS
E INOVADORES

Diante desse contexto, não poderíamos falar sobre HSE no Ensino


de Ciências sem apontar algumas questões relacionadas à forma-
ção de professores. Ao pensarmos sobre as habilidades necessárias
ao professor de Ciências, buscamos as discussões da epistemologia
da prática docente proposta por Tardif (2000; 2007), como também
a proposta da formação de professores pesquisadores de Maldaner
(2006), Carvalho e Gil-Pérez (2006) e Briccia e Carvalho (2016), visto
que compreendemos que tal epistemologia requer o desenvolvimen-
to de habilidades que estão associadas àquelas do big five (Quadro 1).

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Habilidades sugeridas nas teorias de formação de professores, de acordo


Habilidades que compõem o big five, de acordo com o trabalho de
com Tardif (2000), Maldaner (2006), Carvalho e Gil-Pérez (2006) e
Santos e Primi (2014)
Briccia e Carvalho (2016)

Autocontrole, segurança no trabalho Estabilidade Emocional: autocontrole

Autonomia, planejar, organizar Consciência: disciplina, autonomia, responsabilidade, organização

Abertura a Novas Experiências: criatividade, imaginação, prazer pela aprendiza-


Improvisação
gem

Empatia e trabalho coletivo Cooperatividade: Altruísmo, empatia e sociabilidade

Quadro 1: Relação entre as habilidades


presentes na formação profissional e as HSE.

Fonte: Elaboração do autor.


INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

O ato de ensinar parte de um reinventar profissional, além de exigir


“autonomia e discernimento por parte dos profissionais, ou seja, não
se trata somente de conhecimentos técnicos padronizados cujos
modos operatórios são codificados e conhecidos de antemão dos
professores”. E, além disso, “uma parcela de improvisação e de adap-
tação a situações novas e únicas que exigem do profissional reflexão
e discernimento para que possa não só compreender o problema
como também organizar e esclarecer os objetivos almejados e os
meios a serem usados para atingi-los” (TARDIF, 2000, p. 7).

Percebemos que essas habilidades se encaixam em duas categorias


entre as que são propostas pelo big five, a autonomia está presen-
te na categoria consciência, na qual os indivíduos devem ter uma
postura centrada; e a improvisação trata-se de uma habilidade que
requer criatividade e imaginação, essa habilidade está contida na ca-
tegoria abertura a novas experiências.

Quando falamos em empatia e trabalho coletivo, habilidades sugeri-


das na teoria epistemológica da prática profissional, alguns autores
trazem essas discussões. Tardif, (2000, p. 16-17) aponta a profissão
docente como uma atividade de “interação humana”, embora algu-
mas vezes essa profissão seja vista como solitária. O autor explica
que “em primeiro lugar, os seres humanos têm a particularidade de
existirem como indivíduos. Mesmo que pertençam a grupos, a co-
letividades, eles existem primeiro por si mesmos como indivíduos”
(TARDIF, 2000, p. 17). A maneira como esse trabalho é conduzido, de
modo a ter contato diário com alunos, possibilitará aos professores

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

“o desenvolvimento de um conhecimento de suas próprias emoções


e valores, da natureza, dos objetos, do alcance e das consequências
dessas emoções e valores”, o que, por sua vez, influenciará sua ma-
neira de ensinar e de viver coletivamente.

Para Carvalho e Gil-Pérez (2006) e Maldaner (2006), o trabalho cole-


tivo é uma ferramenta indispensável para que as mudanças e ino-
vações aconteçam e cheguem às salas de aula. De acordo com os
autores, esses processos de inovação não alcançaram ou ainda não
alcançam as salas de aula devido ao processo de formação inicial
não suprir as necessidades do professorando. Ou seja, a formação
inicial por si só não consegue abraçar as competências necessárias
para o trabalho coletivo do licenciando. Uma das possibilidades de
romper essa barreira seria a análise crítica de que, para ser bom pro-
fissional, deve-se apenas ter domínio de conteúdo.

Briccia e Carvalho (2016, p. 18) compartilham da ideia de que “o tra-


balho em equipe, desenvolvido dentro do ambiente escolar, susten-
tando a aplicação de atividades e o envolvimento dos docentes, da
coordenação e o apoio para e com a proposta” é crucial para que
haja o processo de inovação no ato de ensinar e aprender Ciências.

Considerando a relação existente entre as habilidades sugeridas no


big five e as da teoria epistemológica da prática, nos perguntamos se
de fato elas são incongruentes com o que se busca no ensino, pois,
de um lado, temos as HSE que buscam despertar a capacidade dos
indivíduos no tocante ao protagonizar, possibilitando, por exemplo,
uma melhora no desempenho acadêmico. E, por outro lado, temos

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INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

as habilidades sugeridas na teoria epistemológica da prática, as


quais servem para subsidiar os indivíduos durante a sua prática pro-
fissional. Nesse sentido, elas são convergentes se pensarmos numa
formação inicial baseada no desenvolvimento dessas habilidades,
permitindo, uma formação e atuação abertas, enquanto profissio-
nais da educação, visando a voz e a visibilidade desses sujeitos.

Apesar de haver pontos que precisam ser superados na agenda de


pesquisa sobre as questões afetivas no Ensino de Ciências, partimos
do princípio da valorização das emoções no aprendizado, de maneira
que a discussão deve ser ampliada para aspectos não racionais liga-
dos ao ensino e à aprendizagem de Ciências. Para Zembylas (2005),
estudar aspectos emocionais durante a formação inicial de professo-
res tem um papel de destaque, uma vez que permite enxergar e pro-
mover novas formas de subjetividade na educação científica.

Entendemos que o Ensino de Ciências é carente de reflexões sobre


questões relacionadas ao desenvolvimento de HSE que permitam
aos alunos protagonizar dentro do ambiente de formação, bem
como no exercício da profissão.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Não há na literatura uma aproximação direta entre inovação e HSE,


entretanto entendemos que elas se relacionam, visto que os indiví-
duos com tais habilidades desenvolvidas poderão propor inovações,
haja vista, também, que provavelmente muitas inovações não são

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

colocadas em prática por haver barreiras a serem superadas pelos


seus agentes, os quais estão desprovidos de HSE para superá-las.

A partir da análise de trabalhos investigados e de uma revisão em


bases de dados nacionais e internacionais, notamos que essas re-
lações se mostraram bastante sutis, mais uma vez nos motivando a
enfatizar a relevância de explicitá-las, na tentativa de contornar os
fatores limitantes de caráter psicológico e social que afetam a inova-
ção na educação científica.

Por outro lado, consideramos que há tácitas relações entre as HSE e


as habilidades sugeridas na formação profissional propostas por Tar-
dif (2000), Maldaner (2006) e Carvalho (2006). Além disso, considera-
mos que, a partir dos trabalhos que são desenvolvidos com as HSE,
os indivíduos possam refletir sobre suas necessidades individuais
para potencializar qualidades na busca de atingir objetivos, levando
em consideração que cada indivíduo apresenta características pró-
prias, logo as habilidades serão peculiares e únicas para cada um.

Por fim, quando buscamos entender teoricamente o sujeito como


inovador dentro do processo de formação, percebemos que as
inovações podem não acontecer dentro do ambiente educacional,
na medida em que as mudanças estão relacionadas às exigências
emocionais. Assim, o não conhecimento sobre as próprias HSE pode
gerar insegurança, desconforto e medo, o que impossibilita que os
indivíduos sejam inovadores.

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INOVAÇÃO E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA

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CAPÍTULO 3

HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O


OLHAR DAS HABILIDADES
SOCIOEMOCIONAIS

Aline Lima de Oliveira Nepomuceno


Rubiana Passos Custódio Bandeira
Yzila Liziane Farias Maia de Araujo

INICIANDO O DIÁLOGO

A escola é uma instituição que exibe grande papel na


sociedade. É um espaço de formação em vários âmbi-
tos: profissional, humano, político, social, intelectual e
emocional. Dessa forma, como espaço de formação,
ela pode (des)construir diversas representações, pois
sinaliza e (des)potencializa saberes que estão inseridos
na vivência plural de seus sujeitos. Entre as dimensões
formativas que estão mais restritas e desenvolvidas na
escola, é a dimensão profissional que visa à preparação
e formação do discente para o mercado de trabalho.

Nesse ínterim, a escola atual torna-se competitiva, (des)


humana, com conhecimentos acumulativos, os quais
não se transformam em saber, apenas um mero produ-
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

to para ser usado e/ou descartado. Para que serve uma educação
que apenas mede o acúmulo de conhecimento? Concordamos com
Alsop (2005) quando defende que a educação é muito mais que a
memorização de um conteúdo previsto no currículo. Ela proporcio-
na ver o mundo de outras maneiras; para o aluno, ela garante a pos-
sibilidade da emoção em descobrir novas ideias e novos contextos,
com diferentes possibilidades, nas quais cada um é protagonista da
sua história de aprendizagem.

Para tanto, um dos desafios hoje é encontrar outros caminhos e re-


fletir sobre qual escola desejamos. A sociedade busca e exige indiví-
duos com competências e habilidades complexas, tais como traba-
lho em equipe, valorização da criatividade, ser flexível e adaptável. É
importante pensar qual currículo e metodologia são desejáveis para
essa escola do século XXI, que precisa preparar os cidadãos e aten-
der a tantos paradigmas, novos valores, principalmente culturais,
sociais e econômicos.

Dentro desse entendimento, diante de tantos pontos a pensar e re-


fletir sobre a educação, aqui realizamos algumas asseverações sobre
metodologias de avaliação da aprendizagem que historicamente
têm como objetivo medir o que o aluno aprendeu nas disciplinas, o
qual não leva em consideração aspectos do sujeito, chamados de so-
cioemocionais, como curiosidade, autonomia, encorajamento, que
são tão importantes e influenciam na aprendizagem.

Nesse sentido, Cubero, Alzina, Monteagudo e Moar (2006) defen-


dem que a educação deveria apresentar respostas a todas essas

88
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

dimensões humanas que são necessárias para o equilíbrio vital, as


quais incluem o pensar (cognitivo), o fazer (condutas sociais) e o
sentir (emocional e afetivo), e, quando a educação estabelece um
olhar para essas dimensões de forma igualitária, ela poderá auxiliar o
desenvolvimento das potencialidades dos alunos. Os autores acres-
centam que hoje, na escola, é latente contemplar a dimensão afeti-
va, que justamente é a menos desenvolvida, pois é possível, a partir
disso, melhorar o relacionamento e a comunicação entre alunos e
professores, constituindo um ambiente saudável e harmônico para
a aprendizagem acontecer.

Porém, como Alsop (2005) também destaca, as necessidades sociais


e emocionais como a afetividade têm sido consideradas obstáculos
e não um aliado no aprendizado das Ciências. Historicamente, de-
vido à sua neutralidade, tem-se a compreensão de que a Ciência só
contribui para os avanços da sociedade se ela – a Ciência – deixar de
lado as questões sociais e emocionais dos indivíduos, para buscar
exclusivamente verdades científicas. Contudo, o autor supracitado
aponta que a emoção pode conduzir de forma significativa o conhe-
cimento e, assim, o aspecto cognitivo.

Em suma, para desfrutarmos da união desses dois aspectos razão/


cognitivo e emoção, é preciso humanizar a educação científica. Se-
gundo Reiss (2005), esse argumento de que a Ciência precisa de hu-
manização considera não só o aspecto de motivar os alunos pelo
gosto de compreender a Ciência e suas tecnologias, mas para per-
mitir que a educação científica melhore o mundo e assim melhore

89
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

a qualidade da existência humana em todos os sentidos que cons-


troem o sujeito.

Dessa forma, temos uma das razões pelas quais se despertou o inte-
resse pelas emoções e habilidades socioemocionais (HSE). Os con-
teúdos e o foco só nos aspectos cognitivos não estão sendo suficien-
tes para os alunos enfrentarem os desafios com os quais convivem; a
competição, a seleção, as desigualdades social e de renda e a escas-
sez nas oportunidades. Chega-se à conclusão de que, lapidando os
aspectos socioemocionais, é possível melhorar o desempenho nos
vários âmbitos da vida, e assim foi desenvolvido o termo Inteligên-
cia/Educação emocional (CUBERO et al., 2006).

Como forma de superar o paradigma do cientificismo no ensino, as


habilidades socioemocionais (HSE) são importantes nesse momen-
to de renovação curricular, pois, quando o indivíduo consegue lidar
com as mais variadas situações e os obstáculos impostos pela vida,
as HSE fornecem subsídios para o fortalecimento da reflexão e o res-
peito às diferenças culturais. A discussão dessas atividades nos leva,
invariavelmente, a um questionamento das visões simplistas do pro-
cesso pedagógico de ensino das Ciências, usualmente centradas no
modelo transmissão-recepção e na concepção empirista-positivista
de Ciências (SILVA; SCHNETZLER, 2000).

As HSE são compreendidas como “uma capacidade reflexiva de lidar


com as emoções e potencializar características ímpares do seu eu nas
relações com o outro” (PARANHOS et al., 2016, p.7647). Tal entendimen-
to permite ao aluno e aos sujeitos perceberem e manejarem seus senti-

90
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

mentos e emoções, utilizando-os para orientar suas ações para viverem


melhor consigo e com os outros. Assim são habilidades importantes
para o ser humano em qualquer área e momento de sua vida.

Diante do exposto, o objetivo deste trabalho não é o de transpor


para a avaliação socioemocional os modelos de avaliação cognitiva
de que dispomos, mas o de tornar a avaliação da aprendizagem me-
nos objetiva e mais transparente, de modo que os alunos sejam pro-
tagonistas na tarefa de construir sua formação e seu conhecimento.

Para tanto, é necessário ouvir os professores, suas práticas avaliati-


vas e suas necessidades nesse processo. Assim, o estudo em questão
teve como objetivo geral compreender a avaliação da aprendizagem
na implementação das Habilidades Socioemocionais na perspectiva
de docentes da área de Ciências da Natureza.

Dessa forma, neste trabalho, para propor encaminhamentos acerca


da humanização da avaliação da aprendizagem, utilizamos como re-
ferencial a perspectiva da afetividade no ensino de Ciências, propos-
ta por Alsop (2005), pois, segundo ele, a educação funciona melhor
quando combina corações e mentes.

CONSTRUINDO UMA REFLEXÃO: CAMINHOS A SEREM


PERCORRIDOS

Diante das reflexões e dos questionamentos acima, iremos prosse-


guir aprofundando as discussões com foco na seguinte pergunta:
por que e para que avaliar? Quando falamos em avaliação, quase

91
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

sempre ela se remete àquela atrelada à educação, discutindo-se so-


bre a aprendizagem dos alunos ou as técnicas avaliativas. Porém, a
avaliação transcende os muros da escola, ela está presente em nosso
cotidiano: avaliamos impressões, sentimentos, possibilitando-nos
observar que avaliar é inerente ao pensar, está presente no sentir e
agir humanos. Como faz parte de uma atividade humana, a avalia-
ção se constitui num processo intencional e consiste em uma prática
constante. Sociedade, escola, pais, alunos e professores interessam-
-se pela avaliação da aprendizagem, pois, através dela, é possível
acompanhar passo a passo o processo de ensino e aprendizagem,
constatar progressos, dificuldades e reorientações do trabalho, o
que a configura como tarefa didática necessária e permanente na
ação docente.

No contexto educacional, o conceito de avaliação é amplo e possui


diferentes olhares epistemológicos e metodológicos. Segundo Libâ-
neo (1994, p.195), “[...] a avaliação é uma tarefa complexa que não se
resume à realização de provas e atribuição de notas. A mensuração
apenas proporciona dados que devem ser submetidos a uma apre-
ciação qualitativa”.

Entendemos que a compreensão e a reflexão de todo o processo


que direciona a prática avaliativa são permeadas por concepções
pedagógicas que tentam esclarecer e orientar a prática docente em
diversos momentos e circunstâncias da história humana. Dessa for-
ma, aqui, nesta pesquisa, caminhamos em direção a uma reflexão
de humanização da prática avaliativa, e, como tal, é imprescindível

92
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

entender em vez de julgar; assim sendo, tentamos entrelaçar as con-


cepções dos sujeitos pesquisados para compreender sua práxis e
as demandas que surgem durante o trabalho avaliativo, visto que,
a partir dessa compreensão, será possível dialogar para o enfrenta-
mento das crises que vivenciamos.

Encaminhamentos metodológicos

A pesquisa aqui retratada teve um caráter qualitativo de natureza


exploratória, tendo levado em consideração a vivência e a experiên-
cia de vida de indivíduos (FLICK, 2009). A intenção foi compreender
os fenômenos, reconstruir conhecimentos existentes sobre os temas
investigados e não testar hipóteses para comprovar ou refutar (MO-
RAES; GALIAZZI, 2011).

O grupo de sujeitos compôs um total de 11 professores de Ciências


da Natureza (Biologia, Química e Física) da rede básica de ensino de
Aracaju. Para coletarmos os dados desta pesquisa, que tem como
abordagem o olhar qualitativo, e, para alcançarmos os objetivos,
foram realizadas entrevistas como instrumento de coleta de dados,
pois elas permitem uma exploração com profundidade do objeto a
ser estudado (ALVES-MAZZOTTI; GWANDSZNAJDER, 2004).

Para isso, a entrevista foi dividida em três eixos temáticos baseados


nos objetivos da pesquisa: Avaliação; Competências e Habilidades, e
Habilidades Socioemocionais. Para que pudéssemos compreender
as inúmeras significações de respostas transmitidas pelos sujeitos,

93
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

os dados produzidos foram analisados à luz do referencial teórico


já mencionado e de adaptações da Análise Textual Discursiva - ATD
(MORAES; GALIAZZI, 2006; 2011).

Os discursos dos sujeitos são representados ao longo do texto,


e entre parênteses as descrições com a identificação utilizada
na pesquisa referente à formação, idade e tempo de serviço na
área respectivamente.

A avaliação da aprendizagem nas


vozes dos/as professores/as

Para discutir e refletir sobre a avaliação, é importante ouvir as


concepções que os docentes têm acerca dela, pois é bem pos-
sível que a forma como o professor utiliza a avaliação é con-
dicionada pela concepção que ele tem desse processo de ensi-
no- aprendizagem. Assim, podemos relacionar a avaliação da
aprendizagem a um caleidoscópio, em que podemos enxergar
realidades, funções e objetivos muito diferentes, cada um com
sua lógica, seu fundamento, porque,como foi citado acima,
cada professor projeta na ação avaliativa o seu olhar, as con-
cepções, as construções, as escolhas e as experiências de vida.

Nesse sentido, em relação às concepções de avaliação, encontramos


nos dados produzidos basicamente três tendências: verificação da
aprendizagem, processo contínuo e diagnóstico.

94
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

A primeira categoria visualizada foi a concepção de avaliação da


aprendizagem como uma verificação, através de exames, para
medir a transmissão de conhecimento.
Avaliação da aprendizagem, no meu ponto de vista, seria [...] se a
gente conseguiu de fato transferir aquele conhecimento in-loquo
pro aluno ou não. (P2, Biologia, 35 anos, 14 anos T.S., grifo nosso)

A visão da avaliação nessa perspectiva de transferência e medição


não foi extinta, ela é uma prática evidente até hoje nas escolas. Se-
gundo Luckesi (1994) e Saviani (2009), a avaliação realizada nos sé-
culos XVI e XVII tinha apenas o objetivo de classificar e selecionar,
sendo um resquício da pedagogia tradicional com gênese no ensino
jesuítico. Nessa época, o caráter pedagógico da avaliação, no senti-
do de consolidação da aprendizagem, ainda não havia sido pensa-
do/refletido e discutido. Entretanto, é importante destacar que hoje
temos mais artefatos de reflexão da teoria e da prática docentes,
assim como teorias que embasam e explicam o processo de ensino
e aprendizagem. Dessa forma, surge a questão: por que, diante de
tantas possibilidades, ainda continuamos realizando provas classifi-
catórias no viés da pedagogia tradicional?

Devemos retomar a compreensão de que a doutrina liberal que


surgiu no Brasil está atrelada à colonização e ao ensino jesuítico, o
qual teve seu apogeu com a sociedade de classes e o pensamento
capitalista de produção. Assim, as concepções sobre a avaliação da
aprendizagem são bastante marcadas por essa tendência, e nós, en-
quanto alunos que já convivemos com essa perspectiva, e enquanto

95
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

professores, é bem provável que fomos formados e direcionados até


pelo próprio sistema a agir pedagogicamente orientados por ela.
Filho (2011) lembra que a pedagogia liberal tradicional tem seus ali-
cerces teóricos fundamentados também no positivismo científico e
que, mesmo predominando no início da colonização pelos jesuítas
no Brasil, ela ainda está presente nas escolas, e, por mais que outras
teorias tentem ofuscá-la, ela poderá estar de forma sutil em alguma
ação pedagógica, principalmente na avaliativa.

Como visto acima, a perspectiva de transferência de conteúdos pos-


sivelmente está atrelada à racionalidade técnica, a qual fornece in-
dícios de que está presente no currículo de formação do professor
de Ciências da Natureza. Para Schön (2000, p. 15), a racionalidade
técnica impõe que “os profissionais são aqueles que solucionam
problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais
apropriados para propósitos específicos”. Dessa forma, o professor é
formado para ser um mero técnico que vai atuar transferindo o que
aprendeu e testando se o aluno captou o que foi ensinado, ao ponto
em que a sociedade diferencia o bom e o ruim professor de Ciências
justamente pelo que se sabe do conteúdo e das técnicas, anulando
e desconsiderando outros saberes e até suas necessidades sociais e
emocionais. Esse modelo de formação técnica é questionado, pois
aponta para uma visão reduzida e simplista da ação de aprender e
ensinar Ciências (MALDANER, 2006), que acaba sendo ineficaz, uma
vez que é insuficiente para dialogar e até superar os problemas en-
frentados atualmente (SONNEVILLE; JESUS, 2009).

96
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

A racionalidade técnica no processo de formação do professor de


Ciências indica a possibilidade de uma abordagem do mesmo no
ensino tradicional. Assim, para compreender o engessamento no
ensino tradicional, com provas classificatórias, é possível que esteja
associado à formação limitante e técnica; assim sendo, essa crise é
uma oportunidade para pensar na formação de professores como
uma possibilidade de superar esse modelo técnico e simplista. Tardif
(2007, p. 229) coloca que o primeiro passo para o superar é “susten-
tar que os professores são atores competentes, sujeitos do conheci-
mento”, logo, para que isso aconteça, é preciso levar em considera-
ção a subjetividade dos atores em atividade e que ela pode e deve
interferir nas suas ações avaliativas.

Seguindo a reflexão acerca dos dados produzidos, percebemos, nos


trechos abaixo, o quanto a pedagogia tradicional com o método de
exposição, repetição e memorização faz-se presente:
Observar através até mesmo de conhecimentos prévios aquilo que
o aluno consegue captar, né. (P3, Química, 28 anos, 6 anos T.S.)

Às vezes você diz um tema lá, dá uma proposta e começa a captar


dos alunos, a partir daquele momento, você já começa a avaliar o
que que aquele aluno entende, aí a gente vai construindo os con-
ceitos, até a gente poder observar realmente, né, a aprendizagem
dele como um todo, uma avaliação continuada. (P3, Química, 28
anos, 6 anos T.S.)

Testar se o aluno aprendeu ou não aprendeu em sala de aula, né.


[...] (P5, Química, 37 anos, 19 anos T.S.)

É, inicialmente a gente tem que analisar a questão do cognitivo,


né, o que o aluno aprendeu da matéria [...]. (P9, Biologia, 45
anos, 15 anos T.S)

97
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Nesses trechos, os indivíduos tendem a mostrar um direcionamento


de que aprender ocorre de fora para dentro. Tem-se a ideia de que
o professor deve “regurgitar” todo o conteúdo que sabe, e o aluno
apenas captar, pois anteriormente este não tinha nenhum conheci-
mento. Essa compreensão na fala dos professores acima está prova-
velmente relacionada à formação baseada na racionalidade técni-
ca, como citado anteriormente. É uma atitude que está associada à
concepção de avaliação que o professor adquiriu durante sua vida,
sendo um reflexo de sua vida como aluno na educação básica ou de
sua formação superior. Em relação a isso, Luckesi (2005, p. 30) faz a
seguinte afirmação: “em nossa vida escolar, fomos muito abusados
com os exames (...), hoje no papel de educadores, repetimos o pa-
drão”. Dessa forma, não podemos cobrar dos professores algo que
eles não têm, ou não foram formados para tal, por isso a importân-
cia da formação do professor reflexivo no sentido de superar a ação
classificatória e autoritária da avaliação, o que é ainda utilizado no
processo educativo.
Então, geralmente eu só trabalho em escola particular, na escola
particular cada uma tem o seu padrão, você tem que fazer as-
sim, e é assim e tchau, quem manda é o sistema, é elas. (P4,
Física, 29 anos, 4 anos T.S)

Analisando a fala de P4 acima, há um apontamento indicando que o


exame é algo obrigatório nas escolas, destacando um sistema edu-
cativo engessado, que, para os professores, não pode ser alterado e

98
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

nem discutido. Como expõe Fulan (2007, p.23), “o professor não con-
segue se desvincular do conceito classificatório de avaliação, pois
necessita dele”. Essa contradição é responsável pelo resgate de uma
avaliação classificatória que leva a uma desarmonia entre as orien-
tações passadas aos professores e a legislação em vigor. Professores
recebem a informação de que os registros devem estar em ordem,
com as notas e o preenchimento correto das aulas. Ao mesmo tem-
po, recebem capacitações com perspectivas construtivistas e de re-
flexões. O professor, dessa forma, não consegue desvincular-se des-
se conceito, pois necessita dele para cumprir o que é solicitado. Vive,
então, uma contradição: pesquisas que apontam a necessidade de
uma avaliação transformadora e sistemas educativos que impõem
uma prática classificatória.

Entendendo que a aprendizagem ocorre de dentro para fora, é certo


que o aluno somente aprende a ser e construir o conhecimento den-
tro de si, a partir dos seus saberes disponíveis e no seu tempo. Nesse
processo de (re)construção do seu próprio conhecimento, o aluno
não pode permanecer somente escutando, copiando e devolvendo,
praticamente “regurgitando”, o que captou em uma prova. Nesse ce-
nário, segundo Demo (2004), sendo a aprendizagem “dinâmica re-
construtiva” que ocorre de dentro para fora, não é a realidade externa
que simplesmente se impõe ao sujeito, mas é ele que, no processo de
aprendizagem, assimila de modo reconstrutivo e interpretativo.

99
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Hoffmann reforça e esclarece essa ideia:


O processo avaliativo não deve estar centrado no entendimento
imediato pelo aluno das noções em estudo, ou no entendimento
de todos em tempos equivalentes. Essencialmente, por que não
há paradas ou retrocessos nos caminhos da aprendizagem. Todos
os aprendizes estão sempre evoluindo, mas em diferentes ritmos
e por caminhos singulares e únicos. O olhar do professor precisará
abranger a diversidade de traçados, provocando-os a progredir
sempre (2010, p. 47).

De todo modo, percebemos que a racionalidade técnica regada pelo


positivismo das Ciências provoca uma distorção nas concepções que
os professores têm sobre avaliar. Na sua pesquisa, Furlan (2007) tam-
bém destaca que os professores entrevistados fazem uma associa-
ção entre os conceitos de avaliação e a verificação quantitativa. Mas
porque será que temos construído um sistema de avaliação dessa
forma? É possível que os objetivos da educação, por mais que sejam
refletidos, continuem na perspectiva de classificação para atender
às demandas do mercado. Dessa forma, a escola acaba ficando en-
gessada e com o papel de realizar a função de preparar os alunos
para atender a essas necessidades, as quais notoriamente são vistas
como uma hegemonia.

Na segunda categoria de concepção da avaliação, identificamos a


ação avaliativa como um processo contínuo, presente na fala abaixo:
Não, não seria só uma proposta de examinação não, seria na ver-
dade uma proposta final, porque a avaliação na verdade é a
todo momento, desde o início da aula até a prova, né, no caso,
o exame, então todo momento a gente tá avaliando o aluno [...].
(P3, Química, 28 anos, 6 anos T.S.)

100
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

A avaliação na perspectiva dinâmica como um processo contínuo é


formativa, na medida em que permite ao professor localizar falhas e
dificuldades na aprendizagem do aluno, como também na sua ação
docente. Essa avaliação promove a inserção do aluno no processo
educativo, construindo uma autoavaliação. Essa ideia corrobora com
Furlan (2007) quando ele afirma que o ato de ensinar e de aprender
precisam ser apropriados pelos atores do processo na construção de
uma prática libertadora. Na autoavaliação, o professor poderá de-
sapegar das suas verdades e racionalidades, para refletir suas ações
metodológica e até emocionalmente, e assim é possível até traba-
lhar as HSE referentes à consciência, as quais têm a possibilidade de
(re)planejar suas ações, e à estabilidade emocional, desenvolvendo,
assim, um autocontrole diante das negativas do planejamento e
conquistando segurança para seguir adiante.
Na verdade, assim, eu pego as questões, né, no caso, as que
eles tiveram mais dificuldade, e eu começo a abordar em sala
de aula, né, tirar como se fosse um momento de discussão, pra
ver ali onde foi no caso, é aonde ficou o déficit, se foi na verdade
alguma coisa que eu não passei em sala, até, né, sei lá, e eles
atrapalharam, ou se foi do próprio aluno que não conseguiu
aprender. (P3, Química, 28 anos, 6 anos T.S.)

Continuando a observar a fala de P3, em “[...] se foi na verdade alguma


coisa que eu não passei em sala [...]”, percebemos que o professor apa-
rentemente se culpa pelo insucesso do aluno na avaliação; com isso,
esse professor demonstra se sentir na função de técnico, que precisa
passar os conhecimentos, e o aluno, captá-los. Outra possibilidade
para o insucesso dos seus alunos, segundo P3, pode ser o “próprio alu-

101
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

no que não conseguiu aprender”, e, diante da falta de aprendizagem vi-


sualizada nas provas, P3 diz: “[...] eu pego as questões, né, no caso, as que
eles tiveram mais dificuldade, e eu começo a abordar em sala de aula”.
Observamos, nesse contexto, que outras possibilidades para o insu-
cesso da aprendizagem não são visualizadas, como a questão emocio-
nal dos seus alunos ou até mesmo da professora, que podem interferir
de forma significativa na aprendizagem. Dessa forma, concordamos
com Galvão (1996) quando afirma que a dimensão emocional traz re-
percussões para a vida intelectual dos indivíduos.

E, por último, notamos a categoria da avaliação como diagnósti-


co das dificuldades. Ela é importante por apresentar e determinar
capacidades e aptidões do alunado, uma vez que o diagnóstico é
imprescindível para refletir sobre os paradigmas, tanto no viés da
aprendizagem quanto no da ação docente:
[...] você tá tentando ter um diagnóstico das duas maneiras,
talvez possa ser que a avaliação ela precisa de mais competência
pra ter um diagnóstico melhor, talvez o que falta na avaliação seja
isso, ter outras competências. (P1, Física, 32 anos, 6 anos T.S.)

[...] bem como também aquilo que o professor precisa fazer pra
poder melhorar nesse processo, então seria como se fosse o
instrumento pra utilizar pra ver como é que anda esse pro-
cesso de ensino-aprendizagem, não seria pra dar uma nota, pra
dizer como o aluno é, mas pra observar exatamente como é que
tá sendo esse percurso do processo, e a gente ver o que fazer pra
melhorar também. (P7, Biologia, 32 anos, 10 anos T.S.)

102
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Na fala de P1 acima, percebemos que o professor salienta a neces-


sidade de a avaliação ter mais “competência para ter um diagnósti-
co melhor”. Assim, compreendemos que da forma como a avaliação
vem sendo realizada historicamente não é possível atender às fun-
ções preconizadas para uma qualidade tão requerida nos dias atuais.
Entendemos, portanto, que é importante o diálogo da ressignifica-
ção para a possibilidade de construção de uma autonomia e uma
aprendizagem significativa. É importante recortar também o trecho
da fala de P7 quando indica que esse diagnóstico serve como uma
autoavaliação docente, pois orienta o professor para certa direção,
no sentido de como selecionar um melhor método de aprendiza-
gem e da melhor forma de superação, caso seja necessário.

A avaliação pode se destacar como um conjunto de conhecimentos


essenciais e imprescindíveis à formação do professor, na medida em
que, constituindo-se como prática cotidiana de função reflexiva e
investigativa insubstituível sobre os processos de ensino-aprendi-
zagem, assume um papel importante no desenvolvimento da pro-
fissão docente. A autoavaliação poderá possibilitar ao professor se
abrir a novas experiências, isso “abre um leque” para ele aumentar
seu poder de criatividade e improvisação, e, com a apropriação des-
sas HSE, poderá dar subsídios para o aluno ter confiança nele e em
si próprio. Santos e Primi (2014) acrescentam que a criatividade esti-
mulada com novas experiências fará com que os professores supe-
rem formas tradicionais de pensamento.

103
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Na sequência, observaremos elementos na ação pedagógica que


representavam acolhimento, integração e inclusão, mostrando um
olhar mais compreensivo diante das necessidades dos alunos e en-
tendendo que, como a aprendizagem ocorre de dentro para fora,
fatores ligados às HSE podem interferir nesse processo.
Apesar de assim, é... uma das coisas que tem angustiado mui-
to, né, é fazer com que, pensar como é que o aluno conseguiu
entender aquele conceito, né, essa semana eu tava discutindo
isso com eles, porque eu vejo a avaliação como um momento
também de aprendizado, é um momento de que eu não quero
apenas que eles reproduzam aquilo que eu passei em sala de aula
naquele momento, mas que eu saiba, que eu entenda que eles
estão entendendo e começando a pensar sobre aquilo, às vezes
de uma forma um pouco até com mais com pressão, porque é
um momento que eles estão preocupados com nota, mas e que
isso de certa forma os obriga a pensar, e por eles estarem abertos
a responder, eu acho interessante que eles estão abertos a te
ouvir, um pouco diferente de um momento de sala de aula,
por isso que eu falo assim, às vezes a avaliação é muito mais um
momento de aprendizado do que um momento de somente que
você atribui uma nota dos meninos, porque é um momento
que eles estão receptivos também, porque eles querem aceitar
aquilo ali porque daquilo depende, eles ficam na cabeça que de-
pende uma aprovação ou não, eu tô resumindo senão eu vou
falar muito, eu vejo mais isso assim, eu penso bastante nesse sen-
tido, mais de um momento também de eles estarem receptivos a
aprender. (P6, Física, 38 anos, 16 anos T.S.)

Seria o processo de a gente vai tá observando os pontos que os


alunos estão se sentindo mais à vontade em relação a discutir
o que ele tá aprendendo de maneira tanto do conteúdo conceitual,
procedimental, atitudinal [...]. (P7, Biologia, 32 anos, 10 anos T.S.)

104
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Assim, observamos o diagnóstico de que a avaliação tem a função


de propiciar um olhar mais acolhedor para o outro e para si mesmo,
reconhecendo que cada aluno tem suas subjetividades, e assim fa-
cilitando a autocompreensão do nível e das condições em que se
encontram tanto o aluno quanto o professor, na sua perspectiva
humana. Esse reconhecimento do limite e da amplitude de onde se
está com a função diagnóstica da avaliação possibilita uma motiva-
ção, visto que aluno e professor estão à vontade, compreendemos,
dessa forma, que a emoção é parte inerente do processo avaliativo e
de ensino-aprendizagem.

A participação do aluno também é observada no processo avaliati-


vo, assim como destacam P9 e P10, e, no viés das HSE, ela propicia a
consciência, dando segurança para ele falar o que entende sobre o
assunto, possibilitando até um autocontrole da sua timidez.
É, inicialmente a gente tem que analisar a questão do cognitivo,
né, o que o aluno aprendeu da matéria, mas eu em particular
considero muito participação do aluno, é independente da
resposta estar certa ou errada, se ele tá tendo iniciativa de
participar, de questionar, tá procurando tirar dúvidas, então
eu acho que a avaliação é um conjunto de fatores, não só se ele
realmente aprendeu o assunto de fato, que às vezes o aluno ele
aprende quando erra, na maioria das vezes, né, então numa prova
a gente vê que ele não se saiu tão bem, mas durante a aula a gen-
te vê o interesse dele, o entusiasmo de participar, porque alguns
têm mais limitações do que outros, então a gente tem que avaliar
tudo isso. (P9, Biologia, 45 anos, 15 anos T.S.)

É, a avaliação, é sempre que eu faço a avaliação, é avaliação


escrita, né, mas eu também faço avaliação em sala de aula, assim

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

de exercícios, né, e é participação, né, então anota, né, a avaliação,


a nota dos alunos não consiste só na prova, consiste também
participação e é, tanto em sala de aula quanto de exercícios, né,
sobre cada unidade, né, sobre cada assunto de cada unidade.
(P10, Biologia, 40 anos, 1 ano e meio T.S.)

Essas observações em um indivíduo permitem incluí-lo como asser-


tivo, um sujeito que pensa e reflete seus pensamentos controlando
a forma que expressa, sem causar constrangimento aos demais que
o rodeiam. Além disso, com a participação o professor estimula a
cooperação, isso poderá possibilitar aos alunos expressarem suas
opiniões, socializando-a, e desenvolverem mecanismos para toma-
da de decisões nos diversos âmbitos da vida.

Nesse ínterim, quando paramos para refletir e pensar na formação


do aluno como um ser humano completo, o qual tem um destino
multifacetado (MORIN, 2000), não só focando no intelectual, racio-
nal, no que ele precisa conhecer de conteúdos técnicos, mas tam-
bém na complexidade das suas necessidades sociais e emocionais
na sua relação com o outro colega e o professor, percebemos o quão
complexo é o contexto escolar. Nesse entendimento, não podemos
simplificar e nem culpabilizar alguém desse cenário, mas é impor-
tante descrever uma conjuntura com as variantes que temos dispo-
níveis e buscar possibilidades pragmáticas para dar conta das neces-
sidades dos alunos que vivem uma época turbulenta que demanda
respostas rápidas, porém não conseguem superar os obstáculos
reais, como é possível perceber no trecho a seguir:

106
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Bom, avaliação da aprendizagem, no meu ponto de vista, é a gen-


te, é orientar o aluno, a gente monitorar o aluno, acompanhar o
aluno em todo o processo de desenvolvimento, o que seria esse
processo de desenvolvimento, eu vejo da seguinte forma, não é só
a gente aplicar uma prova, não é só a gente aplicar um exer-
cício, é você formar um cidadão na verdade, é você, é no caso
avaliar esse aluno, é você trabalhar o crescimento dele, tanto
dentro da escola, certo, é dentro de regras sistemáticas, como
você também é, trabalhar o emocional dele, que a gente em sala
de aula faz isso, então a gente trabalha o conjunto, o ser humano
como um todo, avaliar também não é só aplicar prova, não é só
aplicar um trabalho, não é só trabalhar seminário, não é só fazer
ponchete, é você trabalhar o conjunto, o ser humano certo, o ser
humano, gente, e também você trabalhar, preparar o aluno pro dia
a dia, pra escola, pro mercado de trabalho, pra uma faculdade, pra
um curso profissionalizante, é isso que eu vejo, é dessa forma que
eu encaro. (P11, Biologia, 42 anos, 20 anos T.S.)

No que se refere aos demais professores, as entrevistas apontam


para uma tendência a se trabalharem as dificuldades dos alunos du-
rante o processo:
[...]pra mim, a avaliação vai no decorrer do que o aluno tá apren-
dendo, que o professor sabe quem tá aprendendo, quem tá com
mais dificuldade no decorrer do ano, e a partir daí, traçar um
material, alguma coisa que o aluno possa dar a sua nota final, né,
mas sem aquela prova objetiva que você senta na cadeira, pas-
sa duas horas respondendo aquelas dez questões e se você errar
tudo [...]. (P4, Física, 29 anos, 4 anos T.S.)

Percebemos aqui uma compreensão da avaliação como um guia do


processo de construção da aprendizagem, apontando para um tra-
balho na perspectiva de perceber as dificuldades e usá-las como um
elemento na busca do conhecimento.

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

[...] tem aluno que sabe, fica nervoso, tira zero, tem aluno que
não sabe de nada, mas inventa um jeito de burlar o sistema e colar
e tira nota boa, então eu acho assim, errado esse sistema de pro-
vas como a gente tem. (P4, Física, 29 anos, 4 anos T.S.)

Não, eu não vejo por esse lado, eu vejo mais pra tentar ser um facili-
tador, eu não sei se essa palavra existe dentro desse contexto atual-
mente educação, mas um facilitador de entender determinado
conceito, é complicado você falar a questão de alguém ser avalia-
do, porque depende de muitos outros aspectos, às vezes você tem
alunos que respondem muito bem em sala de aula, mas eles ficam
extremamente tensos no momento de uma avaliação formal, e isso
também eu tento levar em conta, porque são pessoas diferentes,
né, eu falo por experiência também porque pessoas em determina-
das situações de pressão podem não dar um rendimento conta de
que aquele rendimento esperado numa provinha, mas em outras
situações, como do laboratório, num pensar, num desenvolvimen-
to, na criação de determinada coisa, respondem muito bem, por
isso eu não vejo como só um avaliação, só pra avaliar, são outros
aspectos também. (P6, Física, 38 anos, 16 anos T.S.)

Destacamos também, na percepção dos entrevistados, um olhar


empático para com os alunos, na compreensão de que são sujeitos
diferentes, os quais têm suas necessidades próprias, dificuldades no
processo de aprendizagem e com formas de aprender diferentes.
Parhomenko (2014) considera a empatia uma capacidade de reco-
nhecer, entender e se colocar no lugar do outro, compadecendo-se
dos seus sentimentos, com o objetivo de afetá-los positivamente.
Na concepção, é um procedimento que você faz de forma con-
tínua, então eu faço todo o processo levando em consideração
todos, tudo que cerca o discente, né, em relação ao ambiente
que ele está inserido, não uma prova fixa [...]. (P8, Química, 50
anos, 22 anos T.S.)

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HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

[...]então eu acho que a avaliação é um conjunto de fatores, não só


se ele realmente aprendeu o assunto de fato, que às vezes o aluno
ele aprende quando erra[...]. (P9, Biologia, 45 anos, 15 anos T.S.)

Nos posicionamentos dos professores acima, identificamos uma


postura de acolhimento das dificuldades (não de julgamento) que
os alunos apresentam, mas acolhimento no sentido de redireciona-
mento do processo, com o objetivo de atenuaras dificuldades, o que
consiste em uma prática avaliativa conceituada por Luckesi (2010)
de ato amoroso. Nesse cenário, a avaliação é um ato amoroso, pois
é uma prática que acolhe a realidade como ela aparece na possibili-
dade de uma transformação positiva. Na perspectiva das HSE, pode-
mos correlacionar essa ação como uma cooperatividade, visto que,
através da empatia, o professor pode se colocar no lugar do aluno e
tentar ouvir e compreender as necessidades socioemocionais dele,
para assim refletir sobre o seu resultado na aprendizagem. Dessa for-
ma, o professor observa a realidade sem julgamentos, criando estra-
tégias de superação para garantir a aprendizagem dos seus alunos.

Nesse contexto, Hadji (2001) destaca que a avaliação é uma possibi-


lidade de o professor transpor o olhar objetivo para o subjetivo dian-
te do sujeito-aluno. Assim, como é apontado por Esteban (2001), é
urgente a necessidade de uma cultura de reflexão da avaliação, para
que ela se transforme em um processo contínuo de investigação.

Para o entendimento das concepções apresentadas acima, pergun-


tamos aos professores como eles planejam sua avaliação:

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

[...] partindo dessa ideia do ENEM das competências e habilida-


des, né, no meu caso, as ciências da natureza, a avaliação ela vai
sempre no sentido do aluno tentar colocar aquilo dali de uma ma-
neira que ele visualize um pouco, mesmo que não seja na prática,
mas que ele consiga entender o sentido social desse problema
[...]. (P1, Física, 32 anos, 6 anos T.P.)

A gente sempre planeja voltada ao que rege hoje o MEC em com-


petências e habilidades[...]. (P2, Biologia, 35 anos, 14 anos T.S.,
grifo nosso)

Observamos que o planejamento de alguns professores está ba-


seado no que regem as orientações de alguns documentos oficiais,
como a matriz de habilidades do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem). Esse documento é um guia para orientar a elaboração dos
itens da prova do Enem e, assim como as escolas preparam os alu-
nos para o Exame, os professores guiam seu fazer avaliativo a partir
dessa perspectiva.

Na matriz de habilidades, encontramos a divisão de cinco eixos cog-


nitivos comuns a todas as áreas de conhecimento, são eles: I. Domi-
nar linguagens: dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer
uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas
espanhola e inglesa. II. Compreender fenômenos: construir e apli-
car conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreen-
são de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da
produção tecnológica e das manifestações artísticas. III. Enfrentar
situações-problema: selecionar, organizar, relacionar, interpretar da-
dos e informações representados de diferentes formas, para tomar

110
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

decisões e enfrentar situações-problema. IV. Construir argumenta-


ção: relacionar informações, representadas em diferentes formas, e
conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir
argumentação consistente. V. Elaborar propostas: recorrer aos co-
nhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas
de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores huma-
nos e considerando a diversidade sociocultural (INEP, 2017). Nessa
proposta, visualizamos um foco bastante cognitivo, que acentua a
racionalidade, e os conteúdos cognitivos, e que deixa de lado os as-
pectos que também estão inerentes ao indivíduo, como os emocio-
nais e os sociais.

Diante disso, nos perguntamos: quais seriam essas necessidades?


Será que não estamos focando em necessidades somente cogniti-
vas, do aprender a conhecer e a fazer? As situações-problema que
P2 cita, no trecho a seguir, não seriam um mecanismo de moldar os
indivíduos para situações do cotidiano no aspecto somente de co-
nhecimentos cognitivos? É importante lembrar que nós professores
e alunos somos seres complexos, dessa forma diversos pesquisado-
res reiteram que as nossas necessidades vão muito além de somen-
te aprender conteúdos, por isso é preciso compreender também o
âmbito do autoconhecimento e da dinâmica de gerenciar o relacio-
namento com o outro. Sobre isso, Alsop (2005) advoga que agora a
educação é mais do que a memorização de um assunto curricular, é
o momento de visualizarmos o mundo de outras maneiras, com di-
ferentes possibilidades. Segundo o autor supracitado, é o momento
de convidarmos os alunos a se desafiarem, a viverem as expectativas

111
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

e os mistérios de conhecer um mundo novo e sentirem as emoções


das suas descobertas.
[...] a gente tenta focar em competências e habilidades que se-
jam mais inerentes às necessidades daquele indivíduo, pra
aquele momento, na sua faixa etária e daí por diante [...]diante
dessas competências e habilidades, a gente tenta trazer as situa-
ções-problemas, voltada pro jovem, pro aluno, é situações cor-
riqueiras do seu dia a dia [...]. (P2, Biologia, 35 anos, 14 anos T.S.,
grifo nosso)

Na continuidade da entrevista, ao entendermos como os professo-


res realizam seu planejamento avaliativo, observamos nos trechos
abaixo um indicativo de que as ações avaliativas ocorrem geralmen-
te baseadas na abordagem tradicional associada a conteúdos cog-
nitivos, a qual, para o sistema educativo, é a mais formal a ser aceita,
pois é uniforme, padronizando os sujeitos.
Observando todo o conteúdo, o objetivo que tá por trás do
conteúdo, o que que tem que explorar, né, e aí eu vou pesquisan-
do tudo referente, o conteúdo trabalhado, porque eu pego até
caderno de aluno pra ver realmente o que foi abordado no cader-
no do aluno, pra depois no caso eu fazer a avaliação. (P3, Química,
28 anos, 6 anos T.S.)

Bem, a tradicional é de uma forma uniforme, né, quem manda


é a instituição [...]. (P4, Física, 29 anos, 4 anos T.S.)

Olha, a avaliação eu faço em cima do assunto, eu preparo um,


como eu dou aula fundamental, né, agora, eu preparo as provas
em cima do assunto com questões, eu tento mesclar, né, ques-
tões objetivas, questões de escrever também[...]. (P10, Biolo-
gia, 40 anos, 1 ano e meio T.S.)

112
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Essa perspectiva de avaliação reduz a autonomia do professor, que


precisa aceitar a padronização do sistema, e, consequentemente,
não dá oportunidades ao docente de rever práticas pedagógicas e
buscar novas modalidades de avaliar.

Notamos que o sujeito P6 corrobora com a reflexão acima, e, prova-


velmente insatisfeito com esse engessamento que reduz a autono-
mia docente no fazer avaliativo, afirma:
Nem tanto quanto gostaria de planejar mais, né, mas assim
ela é, ela ainda é de uma forma tradicional, né, mas assim ao
longo do, de uma unidade eu procuro é, não fazer só provas for-
mais, mas também tá avaliando o desempenho dele através de
experimentos do laboratório, é como é que ele tá entendendo
aquele conceito ali, quando ele faz e relata aquilo, né, num relató-
rio em grupo ou até mesmo no momento que ele tá é, desenvol-
vendo aquilo, como é que tá sendo aquele entendimento e tem
também as atividades que ele entrega e tem também uma prova,
o momento da prova formal que é um momento também que
eu tenho avaliado assim se essas provas formais também têm
valido a pena assim da forma que elas estão sendo feitas. (P6,
Física, 38 anos, 16 anos T.S.)

Nessa afirmação, percebemos um indicativo de reflexão quando ele


cita “eu tenho avaliado assim se essas provas formais também têm va-
lido a pena assim da forma que elas estão sendo feitas”, pois com isso
o professor mostra um repensar da forma como a prova tradicional-
mente vem sendo realizada pelos sistemas de ensino.

Quando se pensa no aspecto de que a avaliação é mais focada em


verificar conteúdos passados em sala de aula, P5 nos chama a aten-

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

ção para a saturação dos conteúdos abordados em sala e para a co-


brança por um tipo de prova tradicional.
Eu planejo de uma maneira em que o aluno não só fique, so-
mente saturado com os assuntos passados em sala de aula,
mas que eu possa passar pra ele uma forma “prática”, o que
não precisa ser só em laboratório, mas a gente fazendo o ensi-
no na nossa casa, né, um trabalho em si, ele compreenda de que
ele pode aprender a ciência química de várias maneiras, certo.
(P5, Química, 37 anos, 19 anos T.S.)

Ele nos traz a reflexão de que há outras formas de se dialogar com


conteúdos para além de aulas expositivas e formas tradicionais de
avaliação. Uma possibilidade é associar a prática do conteúdo, as vi-
vências, e aqui não falamos em somente realizar experimentos em la-
boratório, mas possibilitar ao aluno vivenciar o que está aprendendo.

Com relação a outras possibilidades de dialogar e avaliar conteúdos,


P4 destaca a seguir que, quando isso acontece,as instituições con-
sideram como algo informal, que não faz parte da ação avaliativa
formal, geralmente essa atividade se refere a uma nota extra, como
se ela não fizesse parte do processo de aprendizagem e avaliação.
[...] mas quando você faz, por exemplo, um trabalho que nesse caso
aí, essa avaliação é um extra [...]. (P4, Física, 29 anos, 4 anos T.S.)

Outro aspecto importante que chama a atenção é o cuidado que


alguns professores têm em planejar a sua ação avaliativa entenden-
do que o espaço da sala de aula é um local bastante heterogêneo e
que os indivíduos têm aspectos subjetivos e necessidades emo-
cionais próprias. É possível perceber tal posicionamento nas afir-
mações a seguir:

114
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Normalmente, eu planejo com antecedência, primeiro observan-


do a série, normalmente eu observo quando eu pego a turma,
a primeira semana de aula, aí eu vou saber exatamente qual
a idade dos alunos, qual a experiência, se a turma tem uma
maioria que tá dentro da idade série, ou se ou não tem uma
grande quantidade de repetentes, em que repetiram, pra eu
ter noção de mais ou menos como é que seria esses alunos[...],
eu observo também o que eles gostam pra poder fazer essa
contextualização, então eu vou contextualizando com o que tá
na atualidade mais com aquilo de interesse que eles mostram, né,
que é interessante pra eles, pra poder utilizar isso também como
fundo pras avaliações. (P7, Biologia, 32 anos, 10 anos T.S.)

[...]eu vou adequando à realidade da minha turma, eu planejo


assim, agente planeja qual o tipo de prova que eu vou querer apli-
car, qual é o tipo de trabalho que eu vou fazer, quais são as minhas
metas(...), mas não é uma coisa, é, parada, inerte, não a gente vai
adequando à realidade e à necessidade da turma, até mesmo
numa escola a gente adequa à necessidade e à realidade dos tur-
nos, de manhã é uma realidade, e à tarde transforma-se em outra e
à noite é totalmente diferente. (P11, Biologia, 42 anos, 20 anos T.S.)

É notório que os professores falam na busca deformas diferentes de


avaliar, objetivando aspectos que os motivem, para tentar atender a
todos e às suas diferenças, seja no tempo da aprendizagem, seja no
aspecto cultural, psicológico e emocional. Em contrapartida, é im-
portante destacar que, em outros momentos durante as análises das
entrevistas, percebemos os docentes usando diversas metodologias
tradicionais de avaliação.

P8, no trecho transcrito abaixo, destaca a importância de o plane-


jamento avaliativo permitir que os alunos possam participar dialo-

115
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

gando e emitindo opiniões, descentralizando a fala do professor,


visto que isso permite buscar uma educação voltada para a huma-
nização. Porém, no caminhar, a busca da humanização recai em
formas tradicionais de avaliar, assim observamos que é construído
um distanciamento na construção de sujeitos do processo para se-
rem protagonistas, emitindo suas opiniões e sendo equilibrados
emocionalmente.
Isso, ela é planejada bimestralmente, né, a cada bimestre a gente
faz, assim na verdade é concomitante com os alunos, eu trago a
proposta e na hora a gente discute assim, eu trago assim é pro-
posta em relação aqui, eu faço uma avaliação escrita pra ver os
conhecimentos deles, né, a parte escrita, e um percentual que
esse percentual que a gente discute, se é 30%, se é 40, no má-
ximo até 50%, de outras atividades, que outras atividades são
essas? Geralmente são seminários, são entrevistas que eles fazem,
é experimentos, laboratório, já que trabalho com química, é como
é que eu posso dizer? Já tivemos casos de peças teatrais, então,
quer dizer, essa avaliação a gente busca dessa forma, e atividades
corriqueiras como atividades é exercícios, trabalhos, trabalhos as-
sim, trabalho escrito eu não faço muito, porque eu acho que
eles copiam muito, na verdade, é mais em forma dos seminá-
rios. (P8, Química, 50 anos, 22 anos T.S.)

Acreditamos que, no processo de construção do protagonismo,


os alunos podem ter subsídios para desenvolver HSE como aber-
tura a novas experiências, criatividade, autocontrole e iniciativa
de participação.

Dando continuidade a essa reflexão, os professores indicam que


a pluralidade nos instrumentos avaliativos permite compreender
de forma empática os vários olhares dos alunos, por entender que

116
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

somente a prova escrita não permite que os alunos se expressem,


além de ser um momento muito pontual e curto. Dessa forma, en-
tendemos que essa perspectiva, a depender dos métodos avaliati-
vos usados, poderá encaminhar-se para um processo humanizador,
no sentido de possibilitar aos alunos compreenderem que aprender
não é somente decorar conceitos, mas, sim, a oportunidade de se
expressarem de acordo com seus olhares subjetivos.

Essa pluralidade também possibilita, segundo P9, que os alunos não


se limitem e se sintam cerceados de progredir, permitindo, assim,
maior confiança em si mesmos.
E ele não fica limitado, porque, se eu faço só uma prova, ele vê os
colegas se saindo bem, e ele não se sai, então isso pra vida dele já
vai diminuir a autoconfiança [...]. (P9, Biologia, 45 anos, 15 anos T.S.)

Quando analisamos no viés da HSE, observamos também que a


pluralidade poderá possibilitar um diálogo com a motivação, pois
ela estimula a autonomia dos alunos e mostra que eles podem ser
construtores de sua aprendizagem, assim como se referem os pro-
fessores abaixo:
Ah, muito, assim eles ficam encantados, eu acho que contribui
muito pelo fato de que muitas coisas eles buscam[...]. (P8, Quí-
mica, 50 anos, 22 anos T.S.)

Ah, muitas, muitas porque à medida que a gente vai avançan-


do, as necessidades vão sendo outras, até mesmo pelo entorno,
pela sociedade, o contexto que a gente vive hoje, já não é o
que a gente vivia há dez anos atrás, então a gente tem que
ir mudando, é a gente tem que tá sempre se modificando,

117
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

inovando pra atender essas necessidades, é como eu disse no


início, a gente tem que ver também a necessidade de dentro, a
necessidade emocional, pra você puxar, né, o aluno, colher o que
tem de melhor, porque às vezes ele vem com a bagagem tão
carregada, aí vem com tanto problema, com tanta coisa que
a gente tem que ir adequando avaliações até o emocional, é
como se fosse uma espécie de trabalho de psicólogo, mesmo sem
ter formação em psicologia, mas acontece dessa forma. (P11, Bio-
logia, 42 anos, 20 anos T.S.)

Em contrapartida, um dos obstáculos que os professores P4 e P5


destacam é o fato de a instituição escolar particular, principalmente,
buscar um padrão engessado, baseado em um sistema de classifi-
cação que muitas vezes não permite essa pluralidade nas formas de
avaliar. Como vimos na discussão que inicia esta seção, esse padrão
é um resquício do viés liberal da Educação associado à pedagogia
tradicional (LUCKESI, 1994; SAVIANI, 2009), como foi possível desta-
car na fala a seguir:
Então, geralmente eu só trabalho em escola particular, na escola
particular cada uma tem o seu padrão, você tem que fazer as-
sim, e é assim e tchau, quem manda é o sistema, é elas. (P4, Física,
29 anos, 4 anos T.S.)

Porém, P5 mostra um indicativo de que não se mantém refém do


sistema de educação, principalmente o das instituições particulares.
Na sua fala, visualizamos uma tentativa de propor alternativas para
superar o engessamento do sistema. Acreditamos que uma possi-
bilidade pode ser a reflexão e o olhar mais voltado à humanização,
pois, a partir dessa compreensão, podemos dar um novo significado
à avaliação da aprendizagem.

118
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Eu tento mudar isso pela questão, porque nós professores,


nós trabalhamos diretamente com a aprendizagem do aluno
[...] porque assim, se eu tenho uma instituição que não me ajuda,
eu vou ajudar meu aluno, e, se a recíproca não for a verdadeira,
infelizmente eu vou ter que colocar esse tipo de aluno pra praticar
na sua residência [...]. (P5, Química, 37 anos, 19 anos T.S.)

A seguir, quando perguntamos sobre as possíveis dificuldades em


avaliar o aluno através de outros instrumentos para além da prova
tradicional, metade dos entrevistados afirmou que não encontra di-
ficuldades. Para P9, utilizar mais instrumentos permite que a aula e a
aprendizagem tornem-se mais proveitosas, uma vez que isso possi-
bilita identificar os potenciais dos alunos e estimulá-los:
Não, não sinto dificuldade não, mas eu acho que uma pessoa,
como eu já disse, ela não tem habilidade só em um ponto [...]
então acho que a gente tem que procurar ver no aluno esse
potencial, então quando ele não tem potencial em determinado
ponto, a gente tenta desenvolver do outro lado [...]. (P9, Biologia,
45 anos, 15 anos T.S.)

Esse olhar para as potencialidades, segundo P3, vai ocorrendo ao


longo da experiência e da prática docentes. A construção da identi-
dade docente envolve a experiência pessoal e profissional, as quais,
de acordo com Nóvoa (1992), influenciam na capacidade de o pro-
fessor agir de forma autônoma e com domínio do seu trabalho, dan-
do-lhe subsídios para enxergar as potencialidades dos alunos e as-
sim nortear seu trabalho, a fim de desenvolvê-las, como foi dito por
um dos entrevistados:

119
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Não, no caso, na prática, a gente já vai aprendendo, a gente já


vai é, tendo por base quais são no caso as dificuldades que o
aluno vai tendo, e você já consegue, né, através daqueles pontos
observar, você consegue no caso planejar, o que que eu tenho
que observar durante um seminário, qual é o foco que eu tenho
que ter pra saber se o aluno realmente aprendeu [...]. (P3, Química,
28 anos, 6 anos T.S.)

As dificuldades no processo de utilização de outros instrumentos


também são sinalizadas, como podemos ver a seguir:
É mais difícil, é mais difícil e mais trabalhoso, por exemplo, você é
mais trabalhoso porque você vai fazer uma aula prática, você tem
um momento de fazer toda uma preparação do laboratório,
toda uma preparação de um esquema de aula pra que eles sigam
esse, não digo um roteiro, mas, assim, têm que ter alguns passos
do laboratório que eles precisam seguir [...]. (P7, Biologia, 32 anos,
10 anos T.S.)

Então tem, e às vezes assim a gente principalmente aqui no co-


légio de aplicação, a gente fica tomado por tantas situações
que às vezes você não tem muito tempo de planejar uma pro-
va nos moldes que você queria [...] às vezes você pega provas
de 2010 que você já tem, e isso me incomoda um pouco tam-
bém. É mas é também eu acho que o professor assim, eu tenho
comentado com os colegas, a gente se, às vezes fica um pouco
sobrecarregado. (P7, Biologia, 32 anos, 10 anos T.S.)

Muita, é assim eu falei uma variedade, mas assim a cada bimestre


a gente por exemplo, seleciona duas, três no máximo. [...] Senão
fica muita coisa, a gente não dá tempo, e esses nossos pro-
blemas de greve meio que atrapalha todo o andamento, né,
[...] porque aqui a gente tem que a questão do calendário pra
obedecer, então é a dificuldade é essa assim, a gente ter que dar
continuidade devido alguns fatores externos que atrapalham.
(P8, Química, 50 anos, 22 anos T.S.)

120
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

A falta de tempo para planejar a avaliação e a utilização de outros


instrumentos são reforçadas na fala de P7. Além do tempo precário
para elaborar e até refletir sobre novas modalidades, o professor
tem o seu pouco tempo sobrecarregado por diversas funções, por
vezes burocráticas, isso por vezes acontece como um resquício da
tecnicidade da profissão docente e da precarização do trabalho
docente. Segundo Gasparini e colaboradores (2005), atualmen-
te o professor, além de ensinar, precisa participar da gestão e do
planejamento escolar, e essas funções, atreladas às condições de
trabalho as quais mobilizam suas capacidades físicas, cognitivas e
afetivas, possivelmente podem gerar uma exaustão, e, como o pro-
fessor necessita responder às demandas de forma eficiente, não há
tempo para se recuperar, ocasionando afastamentos do trabalho
ou até problemas psicossomáticos.

Além da situação abordada acima, a falta de motivação do próprio


aluno é destacada por P2 na afirmação a seguir, situação também
apontada por Reiss (2005), que acrescenta: “durante a carreira esco-
lar, a maioria dos alunos perde o interesse pelas Ciências”.
Sinto dificuldade por não ter uma reciprocidade do aluno, né,
a gente tenta criar, ou melhor, tenta trazer, implantar esses
novos métodos, mas muitas vezes o jovem não consegue de
fato é, abraçar a ideia, o jovem ainda ele tem dentro do seu ser
aquela sistemática de que a prova tem um valor maior, que a pro-
va de fato é o que vai fazer ele conhecer ou não, essa questão da
medição da prova contaminou muito o nosso aluno [...]. (P2,
Biologia, 35 anos, 14 anos T.S., grifo nosso)

121
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Por vezes, isso acontece, até porque o discente tem a sua curiosi-
dade e criatividade reduzidas devido à ênfase no método científico
indicada por P5, o que reduz a autonomia, pois segue padrões e
normas já estabelecidos como verdades absolutas para validar um
conhecimento e até porque existe uma cultura na própria socie-
dade da preocupação excessiva com a nota, traços deixados pela
pedagogia tradicional.
Bom, na verdade, avaliar um aluno é meio complicado na questão da
gente aplicar a teoria em relação à prática, certo, o que que eu tô di-
zendo, na química em si quando nós trabalhamos com substâncias,
com misturas, com as reações químicas, é de fato bem interessante
a gente trabalhar com isso ligado diretamente ao laboratório[...] na
minha área seria prática, prática, como uma física também seria
interessante, a parte biológica também, se tiver uma parte prática
também é muito interessante, porque somente assunto eles ficam
muito saturados.(P5, Química, 37 anos, 19 anos T.S.)

Notamos, assim, que é importante utilizar instrumentos e meto-


dologias que possam auxiliar na superação desses paradigmas
dominantes e positivistas de fazer avaliações no processo edu-
cativo. P5, na sua fala, cita as atividades ligadas ao laboratório,
dessa forma é importante destacar que a experimentação é uma
importante ferramenta no ensino de Ciências da Natureza (KA-
SILSICK, 2000). Os experimentos, além de auxiliarem no aprendi-
zado de conteúdos curriculares, possibilitam o desenvolvimen-
to de habilidades socioemocionais importantes para crianças e
adolescentes, como a criatividade e a colaboração. Um aspecto a
considerar com relação à experimentação em Ciências é a forma

122
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

e o método que são utilizados para a criação de atividades. Essas


escolhas podem torná-las extremamente mecânicas e repetitivas
e não levar ao resultado esperado.

Em suma, as ideias dos docentes apresentadas possivelmente con-


vergem para a utilização de vários instrumentos alternativos na ação
avaliativa; por outro lado, entendemos que também não podem ser
quaisquer instrumentos, mas sim os mais adequados para coletar os
dados de que estamos necessitando e configurar os nossos objeti-
vos de acordo com que aluno queremos formar, sem esquecer que
toda aprendizagem é ativa e, em algum momento, exigirá formas
diferentes de movimentação interna e/ou externa de todos os ele-
mentos que o rodeiam (SHÖN, 2000). Essa compreensão implica pri-
meiro pensarmos que as metodologias, aqui falando da avaliação,
precisam ser acompanhadas dos objetivos pretendidos pelo docen-
te. Assim, se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos
adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades
que precisem tomar decisões, possibilitando-os abertura a novas
experiências. Se o objetivo for a criatividade, os alunos precisam ter
experiência com possibilidades para mostrar seu poder de improvi-
sação e iniciativa.

Os professores também podem utilizar as tecnologias incenti-


vando os alunos a serem produtores do conhecimento e não so-
mente receptores, como propaga a pedagogia tradicional. Nessa
perspectiva, poderá ocorrer o desenvolvimento da consciência e
da responsabilidade, possibilitando uma maior interatividade e li-

123
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

berdade da tarefa repetitiva, cansativa, de reproduzir conteúdos


prontos, que muitas vezes não motivam os alunos. Ao se debruçar
sobre as tecnologias, o professor também poderá se libertar das
tarefas mais penosas, as quais reforçam a sobrecarga de trabalho e
a falta de motivação para o docente.

Assim, a partir das leituras, é possível compreender que avaliar é uma


tarefa árdua e implica tomada de decisão, disposição para transfor-
mar e compromisso com o aprendizado do estudante. É notável a
presença do paradigma de que um bom professor é aquele que sabe
o conteúdo, desconsiderando, portanto, os saberes, as opiniões, as
experiências e as habilidades que estão sendo formados. É de suma
importância compreender que o professor é um profissional que não
está completamente formado e nunca estará, por isso a necessidade
de busca constante, procurando atualizar-se mediante a formação
continuada, assim é importante a promoção de oportunidades,
nas instituições escolares e/ou universidades, para melhorar suas
concepções sobre ensino e avaliação, objetivando a tão preconizada
qualidade no ensino e de um olhar mais subjetivo. Nesse sentido, a
formação de professores pode contribuir para a potencialização de
educadores reflexivos e para a superação de avaliações classificató-
rias e, consequentemente, excludentes. Como preconiza Hoffmann
(2003, p.73), “novas concepções de avaliação levam ao repensar do
trabalho pedagógico, reconfigurando o cenário educativo e as rela-
ções entre professores e alunos. O que representa um dos grandes
desafios da escola”.

124
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

O papel das Habilidades no processo de


humanização da avaliação

No decorrer das entrevistas, buscamos também compreender, a par-


tir do olhar dos professores, quais as atividades que podem direcio-
nar e desenvolver subsídios para estimular habilidades nos alunos.
Diante das colocações, construímos uma correlação entre as habili-
dades citadas e as dimensões propostas nas HSE, através do big Five.

Identificamos, nas falas, que as atividades avaliativas que envolvem


a HSE abertura a novas experiências são os debates. Segundo os
professores, essas atividades estimulam a imaginação e a criativi-
dade do aluno em refletir e propor argumentos. Ainda falando so-
bre essa HSE, os professores também apontam para as atividades
investigativas, que têm destaque no ensino de Ciências, visto que
elas tendem a tirar o aluno da passividade ou até diminuí-la, pois
eles precisam ir em busca de respostas e de novas possibilidades
para os experimentos, além de estimular a curiosidade e o questio-
namento, e, diante dessas situações, o aluno poderá vivenciar novos
desafios que o motivem. Para Santos e Primi (2014), para estimular a
criatividade é necessário que os alunos tenham autoestima elevada
e confiança em si mesmos, tornando-se protagonistas de sua vida
pessoal e escolar.

A HSE conscienciosidade poderá ser estimulada com trabalhos e ati-


vidades de pesquisa, em que são estabelecidos prazos; dessa forma, o
aluno precisará ser organizado e esforçado para cumpri-las. Atributos
como a persistência serão importantes para que ele tenha autonomia

125
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

e consiga planejar suas atividades escolares. Normalmente, essas face-


tas que envolvem discursos de comprometimento e responsabilidade
geralmente estão relacionadas ao desempenho acadêmico positivo.
Nesse ínterim, corroboramos com Palma (2012) quando compreen-
de que sujeitos que são autodisciplinados e resistentes a distrações
tendem a ser mais orientados na organização e conclusão de tarefas.
Além disso, os trabalhos de pesquisa também auxiliam o aluno a ge-
renciar onde vai buscar as informações, para poder filtrá-las bem e or-
ganizá-las da forma que o professor as solicitou.

Os trabalhos em grupos são bastante utilizados e são destacados pe-


los professores como algo importante, pois os estudantes começam
a relacionarem-se com os demais e a respeitar as diferenças entre os
colegas. Esse acolhimento às diferenças é uma das facetas da HSE
extroversão, na qual, segundo Santos e Primi (2014), o indivíduo
busca energia para o mundo externo, sendo sociável e amigável.
Essas facetas são importantes na construção e manutenção dos rela-
cionamentos vivenciados dentro e fora do âmbito escolar.

Ainda na discussão sobre os trabalhos em grupos, eles são destaca-


dos também pela HSE cooperatividade, em que os indivíduos preci-
sam ter boa vontade e disponibilidade para ajudar o outro e ter tole-
rância de esperar o tempo do outro durante a atividade. P1 ressalta
que, no trabalho em grupo “você não pode deixar que os alunos façam
da maneira como eles acham que devem fazer”, isso nos leva a perce-
ber que a cooperatividade estimula a obediência e a amabilidade, e,
quando o indivíduo não demonstra essa faceta, isso pode se remeter

126
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

a uma falta de estabilidade emocional. A resistência citada em al-


guns momentos nos discursos aparenta ser ocasionada por caracte-
rísticas egoístas e individualistas, semautogestão das suas emoções,
e essa vulnerabilidade pode resultar em um ambiente hostil.

É possível compreender que essa hostilidade e intolerância são algo


bastante recorrente na atual geração, segundo a fala de P11:
Olha, veja o seguinte, é os meninos, a realidade dessa turma hoje,
dessa juventude hoje não tem muita paciência pra você che-
gar e ficar só com quadro, com giz, que geralmente é isso que a
gente dispõe na escola, e utiliza somente o livro didático [...]. (P11,
Biologia, 42 anos, 20 anos T.S.)

Dessa forma, uma aprendizagem pautada em valores, atitudes e


habilidades poderá possibilitaraos educandos habilidades para li-
dar com a própria agressividade e com a do outro (DEL PRETTE; DEL
PRETTE, 2007). Compreendemos, portanto, que o trabalho de forma
colaborativa entre alunos e professores aparenta ser um mecanismo
para além de desenvolver a empatia e superar a falta de instabili-
dade emocional, mostrando, assim, indicativos de possibilidades de
autoconhecimento e de trabalho, de forma menos intuitiva, as HSE.

Nesse momento, tentamos identificar, a partir dos discursos dospro-


fessores entrevistados, quais suas ideias sobre as relações emocio-
nais que circulam na sala de aula e os sujeitos que a compõem, e se
eles atribuem alguma importância à aprendizagem dos alunos.

A saúde emocional dos alunos é marcada nos discursos que apon-


tam como uma habilidade que norteia de forma positiva o aluno em

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HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

seus estudos, pois possibilita que ele tenha uma consistência nas
suas reações, sem ficar vulnerável e sem que isso acabe prejudican-
do o seu processo de construção de uma aprendizagem, como rela-
tado nos trechos a seguir:
Eu acho que a aprendizagem, ela começa, sim, ela é influencia-
da, mas eu não acredito que ela seja o fator principal nisso daí o
aluno ele se emociona com o professor, com perspectiva fami-
liar que ele tem dentro de casa, são fatores que norteiam ele,
sem dúvida, mas eu acho que isso não define a aprendizagem
do aluno, eu acredito que concorre muito para ajudar, né, esses
fatores, mas que ela seja o fator decisivo eu creio que não. (P1,
Física, 32 anos, 6 anos T.S.)

Porque uma vez ele tendo emoção positiva ou negativa, ele


pode abrir campos pra que esse trabalho ele consiga absor-
ver ou então ele bloqueia definitivamente[...] a sensibilidade
emocional de um aluno pode ser o sucesso completo da discipli-
na ou do trabalho daquele segmento dele do nível que ele esteja
ou insucesso completamente, então acho extremamente válido
essa análise de saber que tipo de emoção a gente tá estimulando
no jovem, acho válido. (P1, Física, 32 anos, 6 anos T.S.)

Alsop (2005) advoga a influência positiva das emoções na sala de


aula e enumera algumas emoções envolvidas no aprendizado, como
o bem-estar, o amor, a felicidade, acrescentando que elas atuam
para melhorar a educação, otimizando, no aluno, a construção dos
seus saberes com prazer e realização pessoal. Em contrapartida, é
possível compreender que, nos momentos em que o aluno não con-
segue gerenciar suas emoções, como, por exemplo, o nervosismo, o
que pode acabar prejudicando-o em alguma atividade.

128
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Às vezes, eu acho que até um possível nervosismo dele assim, vai


apresentar, você percebe, o aluno vai apresentar um trabalho, às
vezes o aluno sabe o conteúdo mas chega na hora, a questão emo-
cional, ele não consegue de forma alguma apresentar e acaba
interferindo porque a gente tem que usar também a questão da
razão, né, se ele não conseguiu é apresentar, então você fica, né,
como é que eu vou atribuir, né. (P3, Química, 28 anos, 6 anos T.S.)

Se for problema familiar, aí se tem que ver, tem que sentar com o
aluno, tem que sentar com o psicólogo da escola, alguma coisa
assim pra ver como é que a escola pode ajudar aquele aluno. En-
tão, o professor é o que vai perceber isso aí, e comunicar, né. (P4,
Física, 29 anos, 4 anos T.S.)

Notamos que, quando o professor mostra uma percepção empá-


tica durante as situações da sala de aula, isso poderá auxiliá-lo na
mediação de conflitos. Assim, compreendemos que a atitude em-
pática do professor é muito importante na construção do protago-
nismo discente.

Na continuidade das reflexões, percebemos, nas falas dos sujeitos,


que as disciplinas científicas que, segundo Reiss (2005), advêm de
uma cultura na educação científica em que os professores repetem
a forma como foram ensinados, são marcadas por uma tensão e
pelo medo nos alunos. Assim, a relação entre o professor e o aluno,
quando amparada na habilidade de cooperatividade, pode auxiliar
aproximando o aluno, favorecendo uma maior motivação e desmiti-
ficando os conteúdos científicos.
Completamente, porque o aluno que tem aversão a um profes-
sor, a uma disciplina, ele já bloqueia todo o processo neuroló-
gico pra aquisição do novo conhecimento [...]. (P7, Biologia, 32
anos, 10 anos T.S.)

129
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

[...] seu aluno entra com uma visão às vezes, há disciplina tal, vixe,
é ruim, a disciplina tal é difícil, só que quando a gente bota na
cabeça que algo é difícil, mais difícil fica, né, e aí, quando você
consegue cativar o seu aluno, não ser amigo totalmente, que
a gente sabe que tem que diferenciar, né, porque senão o aluno
às vezes acaba querendo é, usar de coisas no caso achando que
o professor é amigo, então tem que fazer de tudo, não, você tem
que ter a interação professor-aluno, eu acho que, a partir do mo-
mento que se consegue ter interação professor-aluno, você con-
segue ter uma aula dinâmica, você consegue ter uma aula com
que o aluno aprenda, né, às vezes o conteúdo não vai ser tão legal,
mas o seu aluno pelo menos tá ali tentando, né, e é isso que eu
observo nesses seis anos no caso, né, de docência em sala de aula.
(P3, Química, 28 anos, 6 anos T.S.)

Destacamos também que a empatia e o olhar humanizado diante


do aluno e suas necessidades emocionais no processo educativo
podem ajudar a superar a mecanização da abordagem tradicional
na avaliação.
É, eu acho que o professor, como eu já falei, os professores que
hoje estão em sala de aula na sua maioria eles tiveram uma edu-
cação meio mecanizada, aquele assunto, aquela aprendizagem,
tá ótimo, passou, teve nota, e hoje eu acho que o aluno ele é ava-
liado de uma forma mais é, ampla, talvez até por força das circuns-
tâncias das situações como vão acontecendo, mas eu acho que a
questão emocional vai fazer ele lidar bem com situações posi-
tivas e negativas, como eu já disse que ele venha a passar, ele
ter autocontrole, ele saber cooperar, ajudar [...].(P9, Biologia,
45 anos, 15 anos T.S.)

[...] o jovem hoje ele vem com uma carência emocional muito
forte [...] hoje há uma necessidade de trabalhar o psicológico e o
emocional. (P11, Biologia, 42 anos, 20 anos T.S.)

130
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

Quando nos debruçamos a compreender a emoção do professor


nesse processo de humanização, percebemos, nas falas, discursos
preocupados com a saúde emocional dos docentes, a qual precisa
estar equilibrada e estável emocionalmente, para que, na sala de
aula, ela não venha a interferir negativamente nas suas atitudes. Nos
fragmentos abaixo, é possível perceberas influências da formação
técnica do professor, baseada no racionalismo, como um indicativo
de que o bom professor precisa separar, nas suas ações técnicas, a
emoção da razão.
Tem que ter um equilíbrio, tem que ter todo um equilíbrio porque
às vezes você, quando tá em sala de aula, você tem que ser o
professor, você não pode deixar em nenhum momento de que
nada venha a interferir, né. [...]. (P3, Química, 28 anos, 6 anos T.S.)

Bem, a questão emocional do professor, né, professor, como eu


vejo, tem que deixar o emocional dele fora da classe, aula, né,
você não pode entrar estressado, ou teve um problema em casa
e passar isso pra os alunos, você tá dando aula, cê tem que deixar
tudo fora da sala e dar sua aula como se nada tivesse acontecido,
já na questão do aluno, o emocional deles, dependendo do pro-
blema, se der pra você resolver, tentar auxiliar o aluno e fazer com
que ele tenha um, digamos assim, melhore, deixar ele mais à von-
tade, certo, isso depende do problema que ele esteja passando
no momento.(P4, Física, 29 anos, 4 anos T.S.)

Na perspectiva contrária à racionalidade técnica, Reiss (2005) ad-


voga que o bom professor de Ciências é aquele que envolve seus
alunos no viés da afetividade e da humanização. Nessa compreen-
são, para o mesmo autor, a educação científica precisa ser humani-
zada, e seus argumentos partem da perspectiva de que a educação

131
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

científica tem potencial para melhorar o mundo, para além do de-


senvolvimento de tecnologias científicas modernas, mas para con-
tribuir com o avanço da democracia e assim melhorar a qualidade
da existência humana.

É possível notar que, diante de todas as considerações da importância


da humanização no processo de melhoria da qualidade das relações na
sala de aula e de autogestão do aluno, observamos que os professores
desempenham uma série de funções, e isso acaba refletindo em
uma sobrecarga intensa, que por vezes gera problemas de saúde
e vulnerabilidade. Além dos problemas de saúde, os professores
sobrecarregados podem ficar mais susceptíveis a problemas de
ordem emocional. Porém, as pesquisas, segundo Zembylas (2005),
poucas vezes discutem sobre o papel desempenhado ou o significa-
do da afetividade e de emoções na vida dos professores, sua carreira e
seu comportamento em sala de aula, mesmo notando que os profes-
sores demonstram paixão pela sua profissão, os seus sentimentos ao
longo do tempo não recebem muita atenção.

Compreendemos, nessa perspectiva, que o professor também pre-


cisa estar bem consigo mesmo e com o outro para poder desempe-
nhar um papel de mediador no processo de humanização da avalia-
ção. É possível que, ao entendê-lo como um ser também incompleto
e com diversas necessidades sociais e emocionais, o processo está
passível a falhas, isso leva a perceber que, no processo de humaniza-
ção, é importante se pensar nas dificuldades dos professores, a fim
de superá-las.

132
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

CONSTRUINDO CAMINHOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Com o encerramento do trabalho, algumas considerações são trazi-


das à baila, embora não se esgotem em si mesmas, tendo em vista
os diversos questionamentos que não puderam ser elucidados em
função do tempo e dos limites dos caminhos traçados para e por
esta pesquisa, além da totalidade (considerando sua multidimensio-
nalidade e sua subjetividade) que circunda o real.

Este trabalho mostra ainda de maneira inicial a importância de re-


pensar um olhar mais reflexivo e subjetivo diante do aluno e da prá-
tica avaliativa. Discussões acerca dessa temática não se esgotam,
tendo em vista que é uma área com poucas discussões no ensino de
Ciências; dessa forma, são muitas inquietações e questionamentos,
os quais não puderam ser elucidados, considerando-se até a própria
subjetividade do tema proposto.

Dessa maneira, a proposta para esta pesquisa era de encontrar cami-


nhos e refletir sobre qual escola desejamos, qual currículo e metodo-
logia são desejáveis para a escola do século XXI, refletir sobre novos
modelos educacionais e revisar as práticas de avaliação de compe-
tências socioemocionais que sempre estão/estiveram presentes no
âmbito escolar e em todos os momentos nos quais os estudantes
são vistos para além da sua “nota na prova”.

Para isso, foi importante definir uma questão principal: Quais as pos-
sibilidades e dificuldades de utilizar, no processo avaliativo da apren-
dizagem, um olhar voltado às Habilidades Socioemocionais (HSE)?

Essas reflexões auxiliam na desmistificação da concepção que alguns


professores têm da atividade docente e do Ensino de Ciências, vistos

133
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

como uma ação simplista, pois concebem que, para ensinar, basta co-
nhecer o conteúdo e utilizar algumas técnicas pedagógicas. Essa visão
reduzida é, ainda, reforçada pelo modelo usual de formação docente,
o qual é calcado na racionalidade técnica, derivada do positivismo.

Em síntese, a dimensão socioemocional é relevante para reduzir as


desigualdades de aprendizagem dentro dos sistemas educativos e
imprescindível para a formação de cidadãos autônomos, solidários e
produtivos, capazes de mobilizar os conhecimentos adquiridos para
encarar os desafios de um mundo em constante transformação. Para
que seja efetivo, será preciso atribuir à abordagem socioemocional
um caráter intencional e estruturado e que necessita fazer parte da
rotina escolar. E, por sua vez, essa intencionalidade precisa se con-
cretizar em práticas pedagógicas e de gestão que efetivamente che-
guem à sala de aula e impactem o cotidiano escolar.

Ao nos debruçarmos sobre os dados produzidos, foi possível reu-


nir algumas reflexões. Entre as dificuldades encontradas pelos pro-
fessores, podemos citar: o positivismo da Ciência, a racionalidade
técnica da formação, o sistema educativo e o currículo escolar que
muitas vezes impedem o professor de inovar, a saturação de conteú-
dos, como exemplo a matriz de referencial ENEM, e a abordagem tra-
dicional construída historicamente dentro do âmbito educacional.

Dentro desse entendimento, é importante uma análise do que temos


como pontos positivos e, através deles, reunir forças em busca de uma
avaliação mais humanizada. Como possibilidades, os professores lis-
taram: a perspectiva formativa e contínua da avaliação, a consciência
de que o processo avaliativo hoje é simplista, o acolhimento das difi-
culdades dos alunos, a compreensão da heterogeneidade dos alunos

134
HUMANIZANDO A AVALIAÇÃO SOB O OLHAR DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS

enquanto sujeitos complexos e a possibilidade de permitir que o alu-


no participe do planejamento pedagógico e avaliativo, para descen-
tralizar a função do professor e possibilitar o protagonismo discente.

Em suma, reconhecemos que as Habilidades Socioemocionais podem


se constituir em um objeto de planejamento das aulas de Ciências, para
que de fato possam vir a se constituir como parte do fazer docente.

Esses apontamentos não encerram o debate pertinente a esta pes-


quisa, contribuindo para pesquisas futuras com temas fundamen-
tais, para que a concretização do processo educativo possa ser feita
de maneira consistente pelos professores comprometidos com a
educação científica e efetivamente possa colaborar para o estabe-
lecimento de vínculos entre os resultados de pesquisas científicas e
a realidade vivida nas aulas de Ciências, proporcionando, com isso,
mudanças qualitativas nas práticas de ensino vigentes.

135
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

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140
CAPÍTULO 4

POSSIBILIDADES DO USO DE HABILI-


DADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCI-
PLINA “PROJETO DE VIDA” – VOZ DE
UMA PROFESSORA

Maria Rosa Melo Alves


Yzila Liziane F.Maia de Araújo
Antonio Alves Júnior

INTRODUÇÃO

Formar crianças e jovens para superar os desafios do


século XXI não tem sido tarefa fácil para pais e educa-
dores em meio as profundas e aceleradas mudanças na
sociedade. Tudo muda muito rapidamente e o sistema
de educação já conhecido, que oferece o desenvolvi-
mento de habilidades relacionadas à leitura, à escrita,
à compreensão das operações matemáticas e diversos
outros conteúdos disciplinares necessita adaptar-se a
um contexto onde o aluno possa apropria-se desses sa-
beres para compreensão e transformação do mundo e
de si mesmo (ABED, 2016).
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

A função da escola vai muito além da transmissão do conhecimento;


faz-se necessário o fortalecimento de habilidades e competências
nas crianças e jovens, que lhes possibilitem construir uma vida pro-
dutiva e feliz. Auto conhecimento, autonomia, motivação, perseve-
rança, interesse em aprender, capacidade de trabalhar em equipe e
resiliência diante de situações difíceis são algumas das habilidades
socioemocionais imprescindíveis para uma formação completa e
que tenha impacto ao longo da vida (COSTA e FARIA, 2013).

Desde 1930, o psicólogo americano Gordon Allport e colaboradores


buscaram nos dicionários todos os adjetivos que poderiam descre-
ver atributos da personalidade humana. A partir dos anos 60, diver-
sos estudiosos na área identificaram que cinco fatores principais ex-
plicavam a maior parte da variação existente (SMOLKA at al., 2015).

Entre os que mais contribuíram para esse modelo o também psicó-


logo americano Lewis Goldberg e seus colaboradores Robert R. Mc-
Crae, Paul T. Costa, Jerry Wiggins e Oliver John foram considerados
os autores das cinco dimensões conhecidas mundialmente como
Big Five. As experiências objetivavam estimar aspectos da perso-
nalidade tentando enquadrar o indivíduo em ao menos um dos
grupos do Big Five. Para os referidos autores a observação desses
domínios no contexto escolar proporciona uma descrição do indiví-
duo nas características que o diferenciam de seus pares e cria, então,
a possibilidade de alinhar o ambiente de aprendizagem de acordo
com a individualidade, proporcionando por isso um ensino melhor
aos alunos. As cinco dimensões, conhecidas como os cinco grandes

142
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

fatores: extroversão, amabilidade (ambos se referem às diferenças


individuais sobre a frequência e a qualidade das interações sociais),
consciencionalidade (denota diferenças de compromisso com tare-
fas, concentração e realização), estabilidade emocional (refere-se à
vulnerabilidade ou força emocional) e abertura a novas experiên-
cias (descreve variações individuais em criatividade, originalidade e
fantasia) (FRUYT, 2014).

Nesse contexto, observa-se que embora não seja inédita, a ideia de


construir uma escola voltada ao desenvolvimento integral do ser
humano ainda pode ser considerada algo bastante revolucionário
nos dias de hoje. Uma das principais fundamentações internacionais
que inspiram esse conceito de educação é o Paradigma do Desen-
volvimento Humano, proposto pelo PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) nos anos 1990, ele aponta a edu-
cação como oportunidade central para preparar os estudantes para
fazer escolhas que os auxiliem na transformação do seu potencial
em competências (SANTOS, 2014).

Uma das iniciativas recentes, o relatório para a Organização das


Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) da Co-
missão Internacional sobre Educação para o Século XXI, organizado
por Jacques Delors e colaboradores em 2010 é apontado como um
dos documentos marcantes da mudança de discurso educacional
em resposta aos novos desafios. O relatório sugere um sistema de
ensino que ficou conhecido como “Os Quatro Pilares da Educação”:
aprender a ser, aprender a conviver, aprender a conhecer e aprender

143
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

a fazer (DELORS, et al., 2010). Desde a sua publicação, prolife-


raram no mundo iniciativas para definir de maneira mais precisa e
rigorosa quais seriam as competências necessárias ao alcance dos
quatro pilares propostos (IAS, 2014).

Em seguimento, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvi-


mento Econômico (OCDE) em 2015 passou a produzir conhecimen-
to para apoiar governos e instituições a criarem políticas e práticas
voltadas para a promoção das competências.

Todos os documentos traduzem a ideia de formar os jovens de maneira


mais completa, tanto para o mercado de trabalho, quanto para a vida
adulta. O aluno precisa ser colocado no centro do processo de educa-
ção, de modo que, o desenvolvimento das competências socioemocio-
nais seja discutido no ambiente escolar, para preparar esse jovem a fim
de que ele faça escolhas e transforme seu potencial em competências.

No Brasil, muitos são os desafios para a promoção de um modelo


pedagógico que torne a educação mais significativa. Desde 2007 o
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que é calcu-
lado com base no aprendizado dos alunos em português e matemá-
tica através da Prova Brasil/Sistema de Avaliação da Educação Básica
(SAEB) e no fluxo escolar através da taxa de aprovação, tem sido uti-
lizado como o principal parâmetro para a construção de metas que
visam alcançar uma escola de boa qualidade (VIEIRA, 2014). Dados
divulgados pelo IDEB, em 2015, mostraram que a meta para o Brasil
de 4,3 não foi alcançada no ensino médio e que o índice permanece
estagnado desde 2011 em 3,7 (PLATAFORMA QEdu, 2018).

144
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

O cenário dos indicadores do Ensino em Sergipe é igualmente preo-


cupante se considerarmos os índices de abandono e repetência.
O IDEB 2015 referente aos anos iniciais do ensino fundamental da
rede pública estadual apresentou crescimento e ficou em 4,3, mas
não atingiu a meta de 4,4. Nos anos finais do ensino fundamental
foi obtido um resultado de 2,9 quando a meta seria 4,1. Já no ensi-
no médio a meta de 3,7 não foi atingida e ainda apresentou queda
com resultado final de 2,6 (GABRIEL, L. 2018; PLATAFORMA QEdu,
2018). Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacio-
nais Anísio Teixeira (INEP)/ Ministério da Educação (MEC), no ano de
2013, apontam que dos 75 municípios sergipanos, 35 apresentaram
taxa de aprovação inferior a 72,9% (BRASIL,2013).

Ainda segundo dados disponíveis na plataforma QEdu com base nos


resultados da Prova Brasil 2015, considerando alunos até o 5º ano, o
Estado de Sergipe possui a segunda menor proporção no Nordes-
te - 34% - de alunos que aprenderam o adequado na competência
de leitura e interpretação e %22  na de resolução de problemas. A
situação fica ainda mais grave quando constatados os resultados dos
alunos até o 9º ano onde apenas %21 aprenderam o adequado na
competência de leitura e interpretação de textos e %7 na resolução
de problemas, estas são informações referentes a rede estadual de
ensino, o que alerta para a necessidade de intervenções urgentes
(INEP/MEC, 2018; GABRIEL, L. 2018).

O desafio para garantir uma formação acadêmica de excelência e


capaz de promover melhores índices educacionais, ainda não foi al-

145
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

cançado e o Estado precisa propor medidas para o enfrentamento


desse problema.

BASES TEÓRICAS DAS COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIO-


NAIS NA EDUCAÇÃO

A ideia de construir uma escola voltada ao desenvolvimento integral


do ser humano apesar de ser considerada uma proposta contem-
porânea, inovadora e alinhada às demandas do século XXI, Platão
quatrocentos anos antes de Cristo já sugeria tal necessidade. Muito
preocupado com a qualificação dos cidadãos, o mesmo defendia
que a educação era a mais nobre das ciências e que a sociedade de-
veria ser composta por homens virtuosos que necessitariam buscar
o que ele denominava de “equilíbrio de si”. Ao contrário de Platão,
para Aristóteles, dentre as várias ciências a política era a mais nobre,
todavia destacava a importância de se promover uma educação que
preparasse as pessoas plenamente para a vida, ao dizer que “educar
a mente sem educar o coração não é educação” (SILVA, 2006).

O debate sobre a importância de uma educação plena que promo-


vesse aspectos relacionados não somente ao cognitivo ganhou o
mundo e tomou expressividade na década de 1990. Desde então,
retomou-se a discussão do tema avaliando de que forma ocorreria à
promoção intencional de habilidades socioemocionais na socieda-
de moderna e no ambiente escolar. Muitos pesquisadores das mais
diversas áreas do conhecimento passaram a investigar a relação

146
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

entre o papel das competências sobre os indicadores de bem-estar


individual e o progresso social, cobrindo aspectos de nossas vidas
tão diferentes quanto à educação, o desempenho no mercado de
trabalho, a saúde e a vida familiar (PRIMI e SANTOS, 2014; LERMAN e
MANRIQUE, 2016; OLIVEIRA et al. 2007).

Dentre as muitas ciências norteadoras do processo educacional, a


psicologia sempre esteve particularmente muito próxima, existindo
registros de sua utilização no contexto educacional desde o início
do século XX. Todavia, neste período sua prática estava vinculada
a processos de avaliação de deficiência mental e dificuldades de
aprendizagem (AMIBEL, et al. 2015). Em 1961, o psicólogo Lewis
Goldberg e colaboradores constataram um conjunto de cinco
grandes fatores que enquanto traços de personalidade poderiam
ser medidos cientificamente, surgia assim à teoria do “Big Five”.
No entanto, Goldberg não conseguiu relevância no mundo
acadêmico até os anos de 1980 quando se tornou crescente o
número de pesquisas realizadas na área da avaliação psicológica em
contextos educacionais com a finalidade de promover o desenvolvi-
mento e a aprendizagem de todos os envolvidos no cotidiano esco-
lar, retirando a ênfase do indivíduo e relacionando todas as variáveis
do processo de ensino e aprendizagem (AMIBEL et al., 2015).

Corroborando o argumento apresentado, Del Prette e Del Prette (2006)


relataram também que a escola é chamada para um papel mais ativo
na formação geral do educando, o que envolve aquisição de novos
conhecimentos que devem incluir, também, mudança de atitudes, va-

147
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

lores e formas de convivência. Recentemente, Colagrossi e Vassimon


(2017) publicaram que apesar de fundamentais, as competências liga-
das aos aspectos cognitivos e a aquisição dos conteúdos curriculares
tradicionais não são suficientes para garantir o sucesso acadêmico e
profissional. As autoras destacam ainda que as competências socioe-
mocionais são elementos-chave para promover o aprendizado e o de-
senvolvimento pessoal com projeções para uma vida adulta saudável
(COSTA e FARIA, 2013). Em síntese, a educação deve adaptar- se cons-
tantemente a essas mudanças da sociedade, considerando relevantes
as vivências, os saberes básicos e os resultados da experiência huma-
na para promover o desenvolvimento de atributos socioemocionais
associados ao sucesso (MALIK, K., 2014).

COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS E SUA


IMPORTÂNCIA PARA FORMAÇÃO INTEGRAL

A educação socioemocional auxilia o aluno a desenvolver a capacida-


de de reconhecer, expressar e gerir suas emoções e comportamentos
para alcançar e concretizar seu projeto de vida a curto, médio e lon-
go prazo. Neste sentido, a necessidade em disseminar o desenvolvi-
mento de competências socioemocionais na escola é algo que tem
emergido significativamente com o tempo. É preciso, pois, uma nova
atuação nesse ambiente, com o olhar voltado para trabalhar a moti-
vação dos alunos para aprender e estudar (CARVALHO e SILVA, 2017).

148
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

Pesquisas extensas apontam que a aprendizagem socioemocional


melhora resultados acadêmicos, ajuda a desenvolver auto regu-
lação, melhora as relações da escola com a comunidade, reduz os
conflitos entre alunos, melhora a disciplina na sala de aula e ajuda os
jovens a serem mais saudáveis e bem-sucedidos na escola e na vida.
(COLAGROSSI et al. 2017; AMBIEL et al. 2015; DUNCAN et al. 2007;
COSTA e FARIA, 2013). Mais ainda, conduz também a efeitos indire-
tos no desenvolvimento dos alunos, como a redução da ansiedade,
da depressão ou da perturbação emocional, a prevenção de proble-
mas de conduta e de atitudes mais positivas face à escola (COSTA e
FARIA, 2013). Por outro lado, os déficits em habilidades sociais têm
sido vistos como fatores de risco, na medida em que são sistematica-
mente associados a comportamentos que evidenciam a não adap-
tação ao ambiente escolar (DEL PRETTE, Z. e DEL PRETTE, A., 2006).

A educação moderna exige que se faça uma reavaliação do contexto


da aprendizagem e que se direcione a preocupação em oferecer uma
formação integral envolvendo aspectos emocionais que quando re-
conhecidos podem ser mensurados objetivamente e ensinados inten-
cionalmente na escola (TOUGH, 2017). Fala-se do desenvolvimento de
um conjunto de competências necessárias para aprender, viver, con-
viver e trabalhar em um mundo cada vez mais complexo. Segundo
Tough (2014, p. 32) “Competências socioemocionais não são inatas e
fixas, elas são habilidades que você pode aprender, praticar e ensinar,
seja no ambiente escolar ou dentro de casa”.

149
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Essa visão não implica em deixar de lado a educação formal na qual


se considera os aspectos cognitivos como: interpretar, refletir, ge-
neralizar aprendizados, nem os instrumentos essenciais de apren-
dizagem como leitura, escrita, expressão oral, cálculo, resolução de
problemas, até porque eles estão relacionados estreitamente com
as habilidades socioemocionais. Na verdade, a ideia a ser considera-
da refere-se às adaptações para que simultaneamente a educação
favoreça a construção contínua da pessoa, de seu saber e de suas
aptidões (PETRUCCI et. al, 2016).

É no contexto de resgatar autoestima do aluno que as habilidades


socioemocionais apresentam-se como tema importante a ser
discutido na escola, pois o torna capaz de identificar o que eles gos-
tam de estudar, como eles preferem aprender, onde eles costumam
errar e o que os fazem desistir. Com a educação socioemocional será
mais fácil para o aluno descobrir e/ou aprimorar as habilidades e
competências que necessita para alcançar a realização dos seus ob-
jetivos (ABED, 2016).

O escritor Tough (2017), publicou que “nenhum programa ou esco-


la é perfeito”. Porém, cada intervenção bem-sucedida contém pis-
tas sobre como e porque deu certo. É nesse movimento de busca
pelo aprimoramento na qualidade da educação que a escola deve
emergir com propostas que atendam a essa nova demanda por uma
educação mais humanizada e voltada para formação integral do in-
divíduo (TOUGH, 2017).

150
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

Estudos já demonstram a eficácia destas linhas de intervenção,


apresentando resultados que indicam um impacto significativo no
desenvolvimento de competências socioemocionais dos alunos,
quando comparado com outros resultados avaliados. Desta forma,
apenas o esforço combinado entre a escola e as demais instituições
da sociedade permitirão um avanço essencial no desenvolvimento
dos alunos, cidadãos de amanhã (COSTA e FARIA, 2013; IAS, 2014).

A família e a escola no desenvolvimento socioemocional

Evidentemente, os programas de aprendizagem socioemocional


elaborados em escolas podem apoiar o desenvolvimento das com-
petências socioemocionais; todavia a família é a peça fundamental
(PETRUCCI et al.,2016 ).

A sociedade não deve atribuir exclusivamente à escola a função de


educar os cidadãos, alegando a sua maior capacidade e competên-
cia para o efeito, pois se torna extremamente necessário para o su-
cesso da proposta envolver a família para que os filhos deem conti-
nuidade em casa ao que foi aprendido na escola.

O estudo de Colagrossi et al. (2017) considera que o desenvolvi-


mento socioemocional é influenciado por três fatores principais:
biologia, relacionamentos e meio ambiente. O primeiro refere-se a
influências genéticas e ao temperamento do indivíduo, o segundo
aos relacionamentos formados com familiares, cuidadores, educa-
dores entre outros e o terceiro a fatores ambientais como convívio

151
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

em ambientes mais ou menos harmônicos. No Brasil em 2012 esti-


mava-se que uma em cada seis crianças entre três e quatro anos não
tinham habilidades básicas de desenvolvimento socioemocional ou
cognitivo (MCCOY, 2016 ).

Quando a literatura trata da questão do fracasso escolar, os trabalhos


apresentados, em sua maioria, são realizados em escolas públicas,
que, diferentemente da escola particular, atendem principalmen-
te crianças das classes menos favorecidas da população (TACCA e
BRANCO, 2008). Sem dúvida alguma, a precária situação econômica
familiar implica em privações no tocante à saúde, à moradia, à segu-
rança e evidentemente á educação - principalmente ao mundo da
leitura e da escrita - que acabam por impedir, mais do que facilitar,
a continuidade da escolarização e do bom desenvolvimento físico,
intelectual e emocional (MALIK., 2014).

Ainda assim, não podemos considerar que se trata de um fracasso


inerente somente a essa população, até porque estaríamos atribuin-
do à educação o papel único na amenização ou redução desse fator.
Considera-se de fundamental relevância a implementação de es-
tratégias coordenadas que envolvam melhorias a escola e na famí-
lia.  Desta forma, o efeito das ações será potencializado, ampliando
ainda mais seus benefícios e fortalecendo os vínculos familiares (CO-
LAGROSSI et al., 2017; ABED, 2016).

O relatório de desenvolvimento humano publicado em 2014, cujo


tema foi Sustentar o Progresso Humano: Reduzir as Vulnerabilidades
e Reforçar a Resiliência identifica esse extenso grupo de indivíduos

152
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

como “estruturalmente vulneráveis”, haja vista que são mais suscep-


tíveis do que outros em razão da sua história ou da desigualdade
de tratamento de que são alvo pelo resto da sociedade. Na mesma
direção, Del Prette, Z. e Del Prette, A. (2006) abordam a questão do
adolescente em situação de risco ligando-o à possibilidade de uma
trajetória anti-social se nenhuma prática de intervenção for adotada.

As habilidades e competências socioemocionais podem ser ensi-


nadas e aprendidas, pois são fatores de proteção para o desenvol-
vimento do indivíduo. Defender que o desenvolvimento das habi-
lidades seja promovido no ambiente escolar não implica isentar a
família, a sociedade ou as políticas públicas. É preciso fortalecer toda
a sociedade para que cada elo possa cumprir o seu papel e colaborar
com os demais em suas funções (PETRUCCI, et al. 2016).

A participação dos professores e gestores

Inúmeros motivos contribuem para os resultados pouco expressivos


apresentados nas avalições externas que compõem o diagnóstico
da educação básica no Brasil. O atual modelo curricular que a escola
estabelece com os alunos tem em parte favorecido o fracasso na es-
colarização. O processo de ressignificação do ambiente escolar - que
inclui conhecer mais e melhor as dinâmicas que movimentam o pro-
cesso de aprendizagem - precisa ser considerado como importante
recurso, o que implica por parte de cada um, a capacidade de assu-
mir sua própria responsabilidade, processo este que deve envolver

153
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

alunos, professores, gestores e toda a comunidade escolar. Desta


forma, as emoções, necessidades e pensamentos, de todos, estarão
mobilizados positivamente na direção dos objetivos educacionais
(TACCA e BRANCO, 2008).

Para que a escola apresente-se como um espaço onde o aluno possa


manifestar-se e ter autonomia em seu próprio aprendizado, é preciso
olhar de outra maneira para a formação dos professores; é preciso cola-
borar para que todos os educadores percebam a importância de anali-
sar atentamente suas próprias ações e interações, à luz das concepções,
crenças e valores que, de fato, orientam suas práticas cotidianas. Esse
processo não se restringe apenas às competências acadêmicas, o tem-
po e a qualidade das interações entre professores e alunos são fatores
críticos para o desenvolvimento socioemocional, assim como entre os
docentes e os gestores escolares (TACCA e BRANCO, 2008).

É na educação básica que os conteúdos devem desenvolver o gosto


por aprender; cabe ao professor despertar o interesse do aluno,
deixando para trás o papel de único detentor do conhecimento
para assumir uma postura de mediador. Funcionaria, por exemplo,
o professor como facilitador da aprendizagem, estimulando
discussões que ultrapassem os limites das competências acadêmicas
e aprimorem as habilidades sociais que garantirão aos alunos, quan-
do deixarem a escola e entrarem no mercado de trabalho, serem
pessoas mais preparadas e seguras (PARANHOS, et al. 2017).

De maneira geral, torna-se necessário um plano de ação que envol-


va os principais protagonistas da escola: o professor e o aluno. Afinal,

154
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

os processos de significação emergem das interações professor-alu-


no em contextos de ensino e aprendizagem. Parafraseando Freire
(2005) “ensinar exige respeito à autonomia do educando”, desta for-
ma, a relação entre aluno e professor deve ser vista como aspecto
fundamental para atingir os aspectos motivacionais do aluno, assim
torna-se imprescindível considerar, nos conteúdos, atividades e mé-
todos de ensino, o quanto isso tudo constitui aspectos mobilizado-
res para eles (TACCA e BRANCO, 2008).

O professor precisa buscar diferentes linguagens pedagógicas para


gerar a reciprocidade em todos os seus alunos. Nesse contexto, faz-
-se oportuno que a escola promova o desenvolvimento do conheci-
mento, favorecendo a integração entre as pessoas e seus múltiplos
potenciais, devendo ainda, induzir os alunos ao autoconhecimento
para que identificados os seus pontos mais frágeis, aqueles sejam
estimulados sempre no sentido de tornarem-se pessoas mais equili-
bradas e completas (TOUGH, 2014).

Competências socioemocionais e desempenho educacional

Um grande desafio para a escola moderna é atender a diversidade


cultural, motivacional e cognitiva dos alunos no contexto escolar.
Enquanto alguns apresentam excelente desempenho acadêmico,
outros demonstram indisciplina e descompromisso com a escola.
Essas variações comportamentais dificultam e limitam o sucesso da
escola, pois ao tentar ser democrática oferecendo a todos o mesmo

155
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

tratamento, a escola acaba cometendo inadequações severas. En-


tretanto é fundamental responder aos diversos desafios emocionais
que interferem no comprometimento, motivação e envolvimento
dos alunos com o ambiente escolar (COSTA e FARIA, 2013).

Com relação a isso, professores, gestores, coordenadores e pais de-


vem entender que o ato de aprender os conteúdos curriculares não
envolve apenas competências ligadas ao cognitivo como o raciocí-
nio e à memória, mas exige também um domínio de competências
não cognitivas de natureza afetiva e comportamental como moti-
vação e capacidade de controlar a ansiedade e outras emoções. Um
dos caminhos que vem se provando mais eficaz para fechar essas
lacunas é o investimento nos aspectos socioemocionais para alavan-
car a aprendizagem (TACCA e BRANCO, 2008).

Valorizar e desenvolver essas habilidades oferece mais um canal de


apoio para que todos os envolvidos no processo educativo possam
planejar, executar e avaliar ações mais eficientes. O desenvolvimen-
to consciente e estruturado dessas competências na escola surge,
portanto, como uma oportunidade valiosa para acelerar a melhoria
da qualidade da educação no Brasil (COSTA e FARIA, 2013).

A literatura que investiga as habilidades sociais e a aprendizagem


acadêmica vem sendo exaustivamente investigada com resultados
indicativos de que déficits no repertório de habilidades sociais se
correlacionam a dificuldades de aprendizagem e, por outro lado, de
que o investimento na superação desses déficits e na melhoria da
qualidade de relacionamento interpessoal dessas crianças pode ser

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POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

um fator de superação daquelas dificuldades (DEL PRETTE, Z. e DEL


PRETTE, A., 2005).

Os resultados desta mudança de postura são sentidos na própria


sala de aula. Alunos mais responsáveis, focados e organizados
aprendem em um ano letivo cerca de um terço a mais do que os
colegas que apresentam essas competências menos desenvolvidas.
Conforme ocorre o progresso no desenvolvimento das habilidades
socioemocionais nos alunos, o desempenho acadêmico acompanha
os resultados positivos. E o avanço do desempenho estimula o de-
senvolvimento das habilidades sociais. É uma relação de equilíbrio e
de troca (IAS, 2014).

A longo prazo, o domínio de competências socioemocionais po-


tenciará o desenvolvimento mais ajustado do aluno, contribuindo,
assim, para o progresso do seu envolvimento na escola. Em suma, a
aprendizagem social e emocional influência o uso de diversas com-
petências cognitivas e interpessoais para alcançar, de forma ética,
objetivos relevantes socialmente e do ponto de vista do desenvolvi-
mento (CARVALHO e SILVA, 2017).

MONITORAMENTO DAS COMPETÊNCIAS


SOCIOEMOCIONAIS

Tem-se assistido por parte do poder público um interesse redobra-


do na melhoria dos resultados acadêmicos dos alunos. A sociedade
exige uma educação de qualidade e para tal tem requerido a investi-

157
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

gação dos fatores que implicam no fracasso escolar particularmente


persistente no ensino público. Desta forma, nas últimas décadas, as
políticas públicas em relação à educação passaram a se basear na
ideia que é necessário avaliar para identificar o sucesso ou o fracasso
(SMOLKA et al., 2015).

Nesse contexto, tornou-se um grande desafio excluir do ambiente es-


colar as avaliações com finalidade apenas classificatória e inserir a te-
mática da avaliação em que a ênfase fosse dada ao indivíduo conside-
rando todas as variáveis do processo de ensino e aprendizagem como
sensações, emoções, sentimentos e pensamentos. Afinal, ao se definir
os indicadores que serão tomados como referência para avaliação se
estabelece o padrão de qualidade que está assumindo para análise da
realidade e indução de sua transformação (SOUZA, 2014).

Entende-se a importância em estudar as condições e possibilidades


de avaliação, contudo a adoção das estratégias requer muita cautela
tendo em vista as implicações para a educação. No nível dos sistemas
educativos, a mensuração das competências socioemocionais pode
fornecer informações valiosas para promover a ampliação dos con-
textos de aprendizagem e garantir que estes sejam propícios para o
desenvolvimento das competências (CARVALHO e SILVA, 2017).

Corroborando o argumento, Fruyt (2014), destaca que o papel da


avaliação no aspecto socioemocional é fundamental, seja para
acompanhar o aprendizado personalizado, seja para monitorar os
resultados. Esse processo será relevante primeiro para o próprio es-
tudante, para que ele aprenda sobre seus pontos fortes e também

158
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

sobre as habilidades que precisará desenvolver mais. Então, a ideia


da avaliação é facilitar o processo, não causar uma correção, nem
uma pontuação máxima ou ideal. Por isso, não se deve transferir
para a avaliação socioemocional os modelos de avaliação cognitiva
de que dispomos, mas sim torná-la menos subjetiva e mais transpa-
rente. Nesse cenário, muitas são as discussões acadêmicas em torno
do reconhecimento e da mensuração das competências e de quais
deveriam ser desenvolvidas no espaço escolar.

Políticas e programas para mensurarem e aperfeiçoarem as compe-


tências diferem e divergem consideravelmente sobre a eficácia dos
métodos de avaliação. Avaliar o desempenho dos alunos relacionan-
do habilidades cognitivas e socioemocionais como indicadores foi
proposto pelo MEC e inicialmente apresentado pela Secretaria de
Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República em 2011
ao se colocar em debate a proposta de uso do Ages &StagesQues-
tionnaires–ASQ3- para avaliação do desenvolvimento das crianças
na educação infantil. Esse instrumento foi desenvolvido nos Estados
Unidos, em 1997, com o propósito de avaliar individualmente as
crianças, resultando em sua classificação em três níveis: necessidade
de uma avaliação, monitoramento e estímulos adicionais ou desen-
volvimento dentro do esperado/programado (SOUZA, 2014).

A proposta em adotar tal referencial pelo governo federal gerou


polêmicas e manifestações por especialistas, pesquisadores e insti-
tuições governamentais e não governamentais. As reações de não
aceitação evidenciaram a não anuência a propostas de avaliação da

159
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

educação infantil que tenham como foco a criança, mas sim as con-
dições de oferta e dinâmicas institucionais (VIEIRA, 2014; SMOLKA
et al., 2015). Em seguida foi desenvolvida a Avaliação Nacional da
Alfabetização (ANA), em 2013, com o objetivo de avaliar o nível de
alfabetização dos educandos no 3º ano do ensino fundamental. A
proposta implica numa visão geral dos processos avaliados e não
somente do desempenho das crianças, elegendo, assim, uma meto-
dologia que amplia e qualifica as informações (ANA, 2013).

A mais recente proposta de monitoramento do processo, o docu-


mento intitulado “Desenvolvimento socioemocional e aprendizado
escolar foi divulgado em 2014, no Fórum Internacional de Políticas
Públicas cujo tema foi “Educar para as Competências do Século 21”, or-
ganizado pelo Instituto Ayrton Senna, em parceria com a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), IAS, INEP e
o Ministério da Educação. Essa proposta não se refere exclusivamen-
te à educação infantil, mas apresenta instrumento de mensuração de
competências socioemocionais que afetam o desempenho educacio-
nal dos alunos e ajudam a promover o bem-estar na vida adulta, com
vistas a transformar essa medição em política pública de avaliação e
em abordagem educacional a ser adotada no país. Também foi alvo
de críticas, uma vez que Souza (2014) entende tal documento como a
intensificação de processos de controle e adaptação de condutas edu-
cacionais e sociais de crianças e jovens. Todavia, Smolka et al. (2015)
entendem que as teorias, concepções e estratégias que embasam a
teoria merecem ser analisadas com atenção.

160
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

Em meio a tantas controvérsias a respeito de como mensurar o de-


senvolvimento das competências socioemocionais, torna-se difícil
para professores e pais saberem se seus esforços estarão de fato
dando resultado nem o que poderia ser feito para aprimorá- lo. En-
tretanto, é urgente e necessário que os paradigmas que sustentam
a prática pedagógica se adequem ao novo estudante e à nova reali-
dade em que vivemos.

POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMO-


CIONAIS NA DISCIPLINA “PROJETO DE VIDA” NA EDUCA-
ÇÃO BÁSICA.

É no cenário de convívio diário com crianças e adolescentes que


vagam em corredores e salas meio desambientados, indiferentes e
sem um propósito que estabeleça sua necessidade em estarem na
escola, que passamos a refletir sobre o modelo de pedagogia que
poderíamos exercer naquele ambiente de tamanha hostilidade e des-
compromisso com a educação; que acreditamos ser transformadora.

Tal realidade nos inquietava, pois não se trata apenas de assegurar


o acesso dos alunos à escola e sim em garantir sua permanência re-
duzindo assim os índices de abandono e repetência que frequente-
mente acompanham a rede pública. Dessa forma, entendemos que
a família, em parceria com a escola, deve assegurar apoio e incen-
tivo à educação, ao invés de utilizar seus maiores tesouros com a
finalidade meramente lucrativa em um contexto assistencialista que

161
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

efetivamente não assegura nada a seus legítimos beneficiários. Mo-


dificar tal situação requer a mobilização da família, da escola e da
sociedade no intuito de promover um ambiente social, emocional e
acadêmico propício ao desenvolvimento e formação das crianças e
adolescentes (PETRUCCI et al.,2016).

Desde muito cedo ouvimos dos nossos pais ou responsáveis que


precisamos estudar para ser “alguém na vida” e concordamos em ab-
soluto que para a construção de uma carreira profissional vitoriosa
deve-se enveredar pelos caminhos do conhecimento cognitivo. Mas
dificilmente fomos questionados sobre os valores morais, éticos e
de convívio social que precisaríamos desenvolver ou aprimorar para
essa travessia repleta de dúvidas e desafios que é a formação de um
indivíduo. Afinal, fazer escolhas, e tomar decisões que oportunizem
suas realizações definitivamente não são tarefas fáceis para um ado-
lescente, principalmente quando muitas variáveis estão envolvidas
nesse contexto.

Para que a escola oportunize a reversão desse quadro, acreditamos


que o aluno precisaria encontrar nesse ambiente as condições para
a construção do seu próprio futuro e para a realização dos seus pla-
nos. Um ambiente de ressignificação para sua vida, sendo assim,
uma ponte para realização dos seus sonhos e consequentemente
dos seus projetos.

Nesse contexto, e de forma bastante oportuna a Secretaria de Esta-


do da Educação de Sergipe (SEED) efetivou na rede pública estadual
o programa “escola educa mais” com o objetivo de ofertar educação

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POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

em tempo integral aos estudantes do ensino médio. Esse modelo de


ensino garante ao aluno um acréscimo em sua carga horária diária
na escola - escola em tempo integral - e a possiblidade de inserção
ao currículo básico de novas disciplinas que favoreçam a formação
mais profunda e abrangente das crianças e adolescentes. Tal currí-
culo mais amplo e flexível por combinar o cognitivo e as emoções
- em torno das quais se organiza e ressignifica o ensino das discipli-
nas e das áreas de conhecimento - oferece ao nosso ver propostas
pedagógicas mais voltadas para a pedagogia da afetividade. Então,
será que não era disso que precisávamos enquanto formadores de
cidadãos, ou seja, desenvolver uma proposta pedagógica menos
conteudista e direcionada apenas para o vestibular e o ENEM e mais
tendente para reflexão de valores que somados as competências
cognitivas poderiam promover a mudança que tanto desejamos ver
acontecer em nossos alunos.

E por assim acreditarmos, buscamos nos aprofundar sobre esse novo


modelo pedagógico que tanto poderia contribuir para dar a escola
uma concepção mais alinhada a oferecer uma formação para a vida
através da consolidação de valores e competências necessárias as
demandas contemporâneas. Desta forma, deparamo-nos, na parte
diversificada do novo currículo, com a disciplina eletiva intitulada
“projeto de vida”, na qual os encontros são estruturados ao longo do
ensino médio a partir de três eixos principais: o autoconhecimento;
os planos e as decisões; e o acompanhamento dos projetos. A dis-
ciplina possui caráter humanista e considera que o educando já é
alguém com sua história e seus sonhos. Ela vem reforçar nele que

163
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

suas possibilidades são infinitas, pois o encoraja a acreditar em seu


potencial à medida em que o conduz a traçar o seu roteiro de vida.
A proposta é criar a percepção de onde ele está e para onde ele quer
chegar. Trata-se de incentivo e apoio, por isso, a sua elaboração exi-
ge uma formação em que os elementos cognitivos, as competências
socioemocionais e as experiências pessoais estejam devidamente
correlatos e alinhados.

Neste momento, resgatamos o questionamento crítico que tanto


nos afligia e que por inúmeras vezes internalizamos como mecanis-
mo de defesa. Afinal, não tínhamos respostas convincentes à indi-
ferença dos nossos educandos ao ambiente escolar. Nossos alunos
não têm projeto de vida? Ou, será que lhes falta enxergar a capacida-
de de concretizar seus projetos? De fato, se a escola fosse entendida
como parte indissociável para os seus projetos, ela teria mais sentido
e significado para os alunos e suas famílias.

Nessa perspectiva enxergamos na disciplina projeto de vida a possi-


bilidade em trabalhar um conjunto de ações educativas por meio de
recursos pedagógicos com ênfase no desenvolvimento de compe-
tências como: autodeterminação, planejamento, perseverança, res-
ponsabilidade, solidariedade, respeito, autoconsciência, autonomia
entre outras. Estas competências referem-se às características mais
flexíveis dos indivíduos, à capacidade do indivíduo de relacionar-se
consigo mesmo e com os outros, adotando comportamentos res-
ponsáveis, estabelecendo metas, autocontrole emocional e resiliên-
cia. A necessidade em trabalhar esses aspectos na escola insere-se

164
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

num debate mais amplo de promoção, aprendizado e desenvolvi-


mento pessoal que permitirá ao aluno tomar decisões mais respon-
sáveis diante dos imensos desafios e possibilidades que encontrará
ao longo da vida.

Não se trata, portanto, de descuidar dos conteúdos que compõem


as grades curriculares das disciplinas escolares, mas de resgatar os
demais aspectos do humano. Reinserir as habilidades socioemocio-
nais na proposta pedagógica das escolas é considerar os seres que
comparecem à escola em sua integralidade. Precisamos nos apro-
ximar dos nossos educandos para que possamos estabelecer com
eles uma relação de confiança e consequentemente de troca que a
posteriori trará benefícios para a formação integral do mesmo e para
formação pessoal e humana de ambos.

A escola passaria a disponibilizar condições para a formação acadê-


mica de excelência associada à formação de valores fundamentais
para apoiar os estudantes a transformar seus sonhos em realidade.
Tal referencial de educação já consolidado em muitos países que
hoje são liderança em educação nos faz crer que não devemos en-
xergar a proposta como modismo, mas como um processo de for-
mação integral que deve ser intencionalmente inserido na prática
pedagógica de todos os profissionais da educação.

165
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento intencional de capacidades que extrapolam os


conteúdos cognitivos ainda suscita muitas perguntas entre gestores
e profissionais de educação. As competências socioemocionais têm
impactos positivos na aprendizagem, no desenvolvimento integral,
na promoção da equidade e na mudança cultural. No entanto, seu
desenvolvimento depende da ação articulada de diversos agentes:
sociedade, Ministério da Educação e às secretarias municipais e esta-
duais, a comunidade escolar (família, diretores, coordenadores, pro-
fessores, auxiliares, monitores, porteiros, merendeiras, profissionais
de apoio e limpeza) entre outros.

Agregar à disciplina projeto de vida aspectos que auxiliem o desen-


volvimento das habilidades socioemocionais, proporcionará ao alu-
no a inspiração, o estímulo e a motivação que tanto precisa para a
construção de sua identidade e para consolidação de valores e prin-
cípios necessários à sua vida pessoal, social e produtiva.

O aluno necessita experienciar a possibilidade de que ele é capaz de


realizar seus objetivos e enxergar o poder de transformação que a
educação pode oferecer para o desenvolvimento de suas potencia-
lidades e para a concretização dos seus projetos de vida. Espera-se
assim, que a escola deixe de ser um ambiente indiferente e passe a
ser um espaço mais atraente e relevante para os estudantes.

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POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

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170
170
POSSIBILIDADES DO USO DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA DISCIPLINA
“PROJETO DE VIDA” – VOZ DE UMA PROFESSORA

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171
CAPÍTULO 5

ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICA-


ÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PRO-
POSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

Aline Mendonça Santana


Márcia Cristina Rocha Paranhos

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, buscamos descrever os conceitos de sin-


gularidade, inovação e inclusão a partir da aproximação
dos termos inovação e inclusão, com o propósito prin-
cipal de destacar possiblidades teóricas de pensar que
os alunos inclusos, a partir da consciência das próprias
singularidades, podem propor inovações que garantam
sua permanência no Ensino Superior, em ações protago-
nistas. Refletimos, também, sobre atividades de gestão
e docência para inovação, discutindo possíveis relações.
Para tanto, iniciamos com um apanhado do panorama
atual do Ensino após a proposição de políticas afirma-
tivas, focando nas cotas sociais e raciais. Em seguida,
trazemos a discussão sobre a formação de professores
de ciências, discutindo a singularidade e o protagonis-
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

mo dos alunos como um possível caminho para a manutenção da


permanência discente na universidade. Na sequência, fazemos um
apanhado geral das abordagens sociais nas ciências, mostrando a
relação de cada singularidade com o ensino de ciências. E, por fim,
relacionamos os termos inovação e inclusão no contexto universitá-
rio de acordo com os temas sugeridos neste estudo.

O ENSINO SUPERIOR E O SISTEMA DE COTAS

No Brasil, e, especificamente, na Universidade Federal de Sergipe


(UFS), vivemos um momento de transição dentro do que entende-
mos como formação profissional e/ou acadêmica. Um momento
que envolve amplo processo de inclusão de discentes que em ou-
tros tempos dificilmente entrariam na universidade. Não se trata de
alunos incompetentes, mas que apresentam uma formação intelec-
tual e cultural que, por vezes, não é levada em conta em processos
de seleção para ingresso em universidades.

De acordo com o padrão nacional, o graduando que geralmente


ingressa na UFS é de faixa etária considerada jovem. Em 2011, um
estudo estatístico nacional verificou que 73,71% dos estudantes ti-
nham de 18 a 24 anos, sendo que em outras universidades do Nor-
deste esse percentual era quase o mesmo (73,16%) (ANDIFES, 2011).
Santana et al. (2013), em um estudo com 233 alunos dos cursos de
ciências biológicas e da saúde da UFS, destacaram que a faixa etária
dos graduandos era entre 18 e 35 anos, com destaque para os mais
de 50% menores de 20 anos.

173
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Ao ingressarem no Ensino Superior, esses jovens defrontam-se com


um mundo novo. Para alguns se trata de um ambiente totalmente di-
ferente daqueles com os quais estavam acostumados, especialmen-
te para aqueles que vêm de contextos familiares em que não houve
introdução da cultura acadêmica. Esse aluno precisa amadurecer
abruptamente a sua postura frente aos estudos, o que demanda habi-
lidades como autonomia, comunicação, resiliência, além de foco, pla-
nejamento e concentração nos estudos. Isso porque, como diz Santos,
A transição para o ensino superior implica e é concomitante com
uma série de mudanças na vida do estudante, cujo impacto de-
pende das características desenvolvimentais do próprio jovem e
das exigências e apoios dos novos contextos (2001. p. 205).

Almeida et al. (2006) relatam que, ao entrar na universidade, o jo-


vem passa por várias mudanças, novos espaços, colegas, modos de
se comportar e de estudar. Essas alterações podem causar maiores
ou menores níveis de estresse que, em certos casos, podem con-
duzir ao desajustamento, ao fracasso e ao abandono acadêmico.
Cunha e Carrilho (2005) acrescentam que, nessa fase, o aluno passa
por múltiplos desafios derivados das tarefas psicológicas normati-
vas essenciais à passagem da adolescência para a vida adulta. Suas
singularidades são evidenciadas frente ao contexto padronizador
das demandas acadêmicas. Alguns se enquadram com êxito, outros
evadem, e outros ainda percorrem os caminhos da formação até o
final, colecionando reprovações e frustrações.

Tacca e Gonzalés Rey (2008) explicam que, no início de sua trajetória


escolar, o aluno transporta para a escola, além da influência cultu-

174
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

ral de sua comunidade, algo muito profundo, a sua singularidade.


Com aspectos próprios, o aluno lançar-se-á no processo da apren-
dizagem escolar, completando essa trajetória e prosseguindo a sua
construção enquanto pessoa nas novas e importantes experiências
no espaço social.

Estudar e descrever singularidades é importante para auxiliar na inclu-


são discente de maneira mais eficiente, observando-se possíveis bar-
reiras ao desenvolvimento acadêmico discente, para que se criem me-
didas ou políticas afirmativas que possam minimizar essas barreiras.

Dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


(IBGE) do ano de 2014 afirmam que as matrículas de pessoas com
deficiência no Ensino Superior aumentaram quase 50% em quatro
anos, entre 2010 e 2014, sendo a maioria em cursos de graduação
presenciais. Em 2013, eram quase 30 mil alunos, enquanto que, em
2010, eram pouco mais de 19 mil. Em 2004, 16,7% dos alunos que
frequentavam uma faculdade não eram brancos; já em 2014, por
sua vez, esse número subiu para 45,5%. Quanto aos alunos oriundos
da rede pública de ensino, antes da implantação do sistema de co-
tas, 1,2% dos estudantes universitários tinham renda familiar de R$
192,00 em média per capita; já no Censo de 2014, esse percentual
subiu para 7,6% (BRASIL, 2014).

Assim, verifica-se que as políticas afirmativas são importantes para


o avanço da sociedade em geral; foi a partir delas que determina-
dos grupos da sociedade puderam ter voz e garantir direitos iguais
aos dos grupos mais favorecidos. Nas universidades, as reservas de

175
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

vagas para alunos negros, alunos com deficiência e alunos de classe


social desprivilegiada deram oportunidades a esses alunos de cursar
o nível superior e mudar estigmas sociais. No entanto, precisa ser fei-
to mais para que se possa efetivamente garantir a permanência dos
cotistas nas universidades. Há uma percepção geral de que poucos
professores têm modificado suas metodologias para darem conta
das necessidades dos discentes inclusos (FERNANDES, 2014), espe-
cialmente no que diz respeito aos alunos com deficiência. São pou-
cas as iniciativas institucionais que realmente dão conta de mostrar
aos alunos negros a presença de cientistas negros e da cultura afri-
cana na ciência (VERRANGIA, 2013), ou de problematizar a pequena
presença feminina nesse campo do conhecimento (CHASSOT, 2003).
Diante disso, há uma preocupação em compreender a capacidade
dos licenciandos em dar voz e visibilidade às suas singularidades, e
ainda existe uma busca por criar um caminho de formação dos alu-
nos para o ativismo político (HODSON, 2011), preocupações essas
que estão presentes na discussão de uma ciência contextualizada
nas relações com a sociedade e o ambiente.

INCLUSÃO E PARTICIPAÇÃO: REPENSANDO A PADRONI-


ZAÇÃO DO ENSINO

A partir dos anos 90, a palavra inclusão vem se afirmando cada vez
com maior força no âmbito, principalmente, das políticas públicas de
caráter social (CANDAU, 2012). Fernandes (2014) afirma que inclusão
trata-se de um processo complexo em um contexto sociocultural e

176
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

que necessita ser refletida ativamente, para além de ações que refor-
cem o respeito à diversidade. Trata-se, nesse sentido, da construção
de uma cultura de respeito e de mudança de atitude, valorizando as
diferenças culturais, sociais e individuais.

Dentre as diferentes abordagens utilizadas para descrever o pro-


cesso de inclusão que tem sido implementado em diversos países,
apresentamos a visão de Candau (2009), que classifica dois tipos: a
assimilacionista e a diferencionalista. E, diante dessas duas, a autora
propõe uma terceira, denominada por ela inclusão aberta e interati-
va, com a qual simpatizamos.

Inclusão assimilacionista significa colocar todos os sujeitos sob uma


mesma realidade, inseridos numa cultura homogênea. Na educa-
ção, seria a universalização da escola em que todos são chamados a
aprender, porém sem se importar com os fatores específicos a cada
necessidade, envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Por
outro lado, a diferencionalista foca nas diferenças e leva à criação de
guetos, grupos de pessoas de mesma cultura (CANDAU, 2009).

Diante desses dois tipos, considerados precários, de inclusão, Can-


dau (2009) propõe um terceiro tipo, denominado aberto e interativo,
focado na interculturalidade, a fim de construir uma sociedade mais
democrática e inclusiva, visando estabelecer políticas de igualdade
e identidade e relacionar os indivíduos de diversas culturas sem que
eles se desconectem de sua identidade cultural (CANDAU, 2009).

177
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Focando na inclusão aberta e interativa, a inclusão escolar está in-


trinsecamente ligada ao respeito às singularidades apresentadas
pelos alunos, reconhecendo-os como indivíduos que têm particula-
ridades que necessitam ser ponderadas na elaboração de iniciativas
pedagógicas que objetivem garantir o seu desenvolvimento cogni-
tivo (MOSCARDINI; SIGOLO, 2012).

Candau (2002) aponta que a educação apresenta aspectos padroni-


zadores. Para ela, a cultura escolar está impregnada por uma repre-
sentação padronizadora da igualdade em que todos teoricamente
são iguais e todos são tratados da mesma maneira, além de ser mar-
cada por um caráter monocultural.

Buchvit (2005) explica que, nesse tipo de ensino padronizador, o alu-


no é tratado de forma coletiva e precisa reproduzir, literalmente, o
que lhe foi ensinado. Assume-se que o processo de aprendizagem
siga uma evolução linear, única e a-histórica, e em todos os sujeitos,
como se todos tivessem as mesmas fases de desenvolvimento afeti-
vo, cognitivo, social e sexual.
Como se fosse algo comum a todas as pessoas e culturas, per-
sistindo a pedagogia baseada na concepção de que o sujeito se
desenvolve naturalmente passando por etapas e processos (BU-
CHVIT, 2005).

Para a psicanálise, por exemplo, não existe um desenvolvimento


igual ao outro, nem físico, nem social, nem emocional. A noção de
estrutura é que possibilitará entender o aluno de forma mais precisa
(BUCHVIT, 2005).

178
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

A singularidade do indivíduo é marcada por sua multiplicidade,


observada no antagonismo e na complementaridade entre racio-
nal e afetivo, sabedoria e loucura, certezas e incertezas (CORTADA;
DIAS, 2009).

A inclusão escolar carece da elaboração de propostas adequadas


para garantir a participação social desses sujeitos, levando em conta
suas especificidades, sendo pautada pela constante busca da valo-
rização da diversidade humana e assumindo o compromisso com
o atendimento pedagógico necessário para o êxito acadêmico de
todos, compreendendo, assim, suas singularidades (MOSCARDINI;
SIGOLO, 2012).

Diante dessas questões, acreditamos também que é necessário o


aluno assumir o controle da sua inclusão. No ensino padronizador,
é comum que o professor assuma o controle e o protagonismo em
sala, porém, para que o aluno seja realmente incluso, é necessário
que em algum momento ele tome esse papel e seja protagonista
em sua ação. O protagonismo está presente nos trabalhos de inclu-
são no campo educacional e é abordado em diversos trabalhos de
ciências sociais, geralmente relacionado a minorias. Esse conceito
gera controvérsias no meio sociológico, e, segundo Ferretti (2004),
muitos autores confundem participação e protagonismo.

Para Ferretti (1995), o termo protagonismo, no Brasil, surgiu no


contexto da busca pela participação dos alunos nos processos de
gestão da escola, que, na década de 90, foram incentivados e valo-
rizados pelo governo através de documentos oficiais. O objetivo é

179
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

propiciar aos indivíduos sua independência de atitudes e escolhas


e fazer com que ele próprio tome as iniciativas para mudar sua rea-
lidade. Acreditamos que, ao se dar oportunidade para o aluno ter
maiores possiblidades de criar o próprio pensamento, isso o fará ser
mais independente e crítico quanto ao mundo que o rodeia.

Dessa forma, defendemos que é necessário que os indivíduos pos-


sam tornar-se protagonistas da própria inclusão a partir de uma
maior consciência de suas singularidades e dos contextos socioeco-
nômicos e psicológicos que as constituem.

Assim, para uma efetiva inclusão, é necessário observar e auxiliar


os discentes a perceberem as próprias singularidades, continuar o
processo com o incentivo para a tomada de decisão a respeito das
próprias necessidades, e proporcionar a reflexão das suas dificulda-
des para que eles pensem modos de melhorar sua participação no
meio acadêmico.

A esse processo denominamos de inovação inclusiva no contex-


to educacional, que poderia ser definida, para fins desta proposta,
como um produto ou processo desenvolvido por um discente, a
partir de suas singularidades, visamos à ampliação de suas possibli-
dades de desenvolvimento em um contexto educacional. Essa abor-
dagem, especialmente para os acadêmicos da licenciatura, é inte-
ressante, posto que poderão estimular esse processo na escola onde
porventura venham a atuar.

180
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

SINGULARIDADES E O ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA

Não obstante o ensino padronizador em geral, o ensino de ciências,


como citado, apresenta algumas dificuldades, a saber: conteúdos
extensos, memorização de conceitos, descontextualização e desar-
ticulação com outras disciplinas (TEIXEIRA, 2003; KRASILCHIK, 1992;
CHASSOT, 2003).

Dentro do ensino de ciências, existem posturas e condutas pautadas


em concepções racionalistas advindas do pensamento moderno e
que tomam como válida uma única forma de saber, excluindo, as-
sim, tantas outras culturalmente válidas. O problema desse modo
de ensino está na sua “postura excludente e hierarquizada frente a
outras formas de saberes culturalmente constituídos”, o que gera
preconceito e intolerância (SILVA; CHAVES, 2009).
No âmbito pedagógico os conteúdos escolares são apresentados
de forma fechada, impenetrável a questionamentos e, nessa pers-
pectiva, passam a ter valor absoluto e não relativo ao que trazem
de contribuição para ampliar, acrescentar a outras formas de com-
preensão do mundo (SILVA; CHAVES, 2009).

Além disso, o ensino de ciências é acrítico e “incorpora uma forma


de propaganda racista sutil, difícil de ser detectada, principalmente
tendo em vista que essa forma de conhecimento é comumente per-
cebida como politicamente neutra”, fazendo com que professores/as
e estudantes perpetuem o racismo (SILVA, 2009. p. 12).

A Ciência configura-se como uma disciplina masculina, europeizada,


branca e heterossexual (LOURO (2000); MORTIMER (1998); CHASSOT

181
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

(2007); OLINTO (2011); BANDEIRA (2008) HAYASHI et al. (2007); SIL-


VA (2008)), e essa padronização das ciências causa desigualdades
relacionadas às singularidades, sejam elas de gênero, sexualidade,
socioculturais, socioeconômicas, de pessoas com deficiência etc.

Nas primeiras décadas do século XX, a ciência era considerada im-


própria para mulheres. Na Royal Society impediram a presença de
mulheres nas universidades europeias. E, até hoje, a sociedade tenta
definir o que é profissão de homens e profissão de mulheres (CHAS-
SOT, 2007; BANDEIRA, 2008). As mulheres não tinham direito a pa-
tentes e, durante a revolução científica, somente os homens podiam
ser considerados pesquisadores. A presença de mulheres só seria
aceita nas universidades a partir do século XIX e, em Cambridge, só
seriam aceitas a partir de 1947 (HAYASHI, 2007).

Mesmo em pleno século XXI, as mulheres ainda veem sua inserção


no meio acadêmico, muitas vezes, restrita às periferias das revolu-
ções científicas, com salários inferiores e poucas vezes assumindo
cargos de alta importância e responsabilidade (SILVA, 2008).

Segundo Silva (2008), a presença das mulheres na ciência é resultante


de um processo produtor de muitos modos de excluir, vivendo por
muito tempo à sombra dos homens, tendo suas pesquisas usurpadas
e não podendo dividir espaços científicos. Isso tudo relacionado à fal-
ta de estímulos nas escolas para estudar disciplinas como a matemá-
tica, a física, a biologia e outras. A autora ainda afirma que a falta de
mulheres na ciência foi causada por uma educação sexista, começan-
do na escola e sendo perpetuada até a universidade. Nesse contexto,

182
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

Em grande medida, poderíamos afirmar que o processo de distan-


ciamento das mulheres para com a ciência, enquanto atividade
sistematizada, começa no processo de socialização. Direcionadas
para atividades ditas ‘femininas’, mesmo a entrada na carreira cien-
tífica acaba esbarrando em outros constrangimentos como a difícil
escolha entre família, maternidade e carreira (COSTA, 2006. p. 457).

Hoje, como reflexo dessa história, as mulheres têm de cuidar da casa


e dos filhos. Possuem atribuições e deveres que os homens não têm,
e essa dupla jornada pode trazer mais dificuldades para a pesquisa-
dora. As estudantes precisam dividir sua atenção entre a universi-
dade e o lar, o que lhes pode acarretar prejuízos para sua formação
acadêmica e profissional. E, segundo Costa (2006), as mulheres que
se dedicam ao lado profissional são por vezes criticadas e malvistas
socialmente. O certo é que, como relatam Unger e Santos (2015), há
muito ainda que lutar para uma melhor compreensão da produção
e reprodução dos papéis de gênero na nossa sociedade.

Assim como as questões de gênero estão relacionadas ao caráter


das ciências, o conhecimento científico visto em cursos de formação
de professores apresenta um caráter ocidental e, quase exclusiva-
mente, eurocêntrico (SILVA, 2008).

Verrangia (2013) ressalta o papel importante das relações étnico-ra-


ciais e da cultura africana e afro-brasileira no conhecimento cientí-
fico e que estas precisam estar comprometidas com uma formação
para a cidadania. Ele ainda defende a valorização dos conhecimen-
tos produzidos na América Latina e a partir de matrizes afro-brasilei-
ra e africana.

183
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Munanga (2001) revela que estudos acadêmicos recentes não dei-


xam dúvidas sobre a seriedade da exclusão do negro na sociedade
brasileira, trazendo artigos que mostram os quantitativos da dife-
rença entre alunos brancos e não brancos em universidades brasilei-
ras. Em suma, dos universitários brasileiros, 97% são brancos, 2% são
negros e 1% é descendente de orientais. No Brasil, dos 22 milhões de
cidadãos que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% são negros. E,
ainda, dos 53 milhões que vivem na pobreza, 63% deles são negros.

Essa realidade da baixa quantidade de negros nas universidades foi


abordada por Carvalho (2003), que em sua pesquisa relatou que,
apesar de a população no Brasil, no ano de 2003, ter 47% de negros,
o contingente de estudantes não passava de 12% e o de professores
era menor que 1%. E observou ainda que a média de estudantes ne-
gros era de aproximadamente 2% de pretos e 10% de pardos, sendo
que esses negros geralmente se encontravam nos cursos chamados
de baixa demanda e geralmente em faculdades particulares de me-
nor prestígio. É sabido que, somente após o ano de 2012, com a in-
serção das cotas, esse quadro veio a mudar.

Antes da sua adoção, as cotas eram motivo de muitas discussões.


A universidade passou a ser cada vez mais vista como um espaço
aberto a processos de democratização e instrumento de promo-
ção de igualdade de oportunidades. [O acesso o que antes se ba-
seava apenas em méritos, agora passa a ser mais democratizado
pois], ao final do processo de escolarização básica, estudantes ne-
gros e pobres enfrentam todo tipo de adversidade para ingressar
na universidade, não dispondo de acesso a formas de treinamen-
to e estudo comparáveis às dos estudantes das classes médias e
elites (JUNIOR; DAFLON, 2014. p. 32).

184
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

Na discussão sobre o ensino de ciências, Silva (2009) afirma que o


caráter acrítico do ensino e aprendizagem de ciências provoca a
manutenção do racismo em professores/as e estudantes. Ela expli-
ca que “o ensino de Ciências incorpora uma forma de propaganda
racista sutil, difícil de ser detectada, principalmente tendo em vista
que essa forma de conhecimento é comumente percebida como po-
liticamente neutra” (SILVA, 2009. p. 12). Ela relata ainda que a maioria
dos professores não se sentem preparados para tratar de questões
étnico-raciais em sala de aula. Para ela,
O ensino de Ciências deve abordar informações sobre a origem do
conhecimento ocidental e sobre a história de conhecimentos produ-
zidos no continente africano. Para tanto, deve questionar a visão do-
minante que coloca a Europa, e mais especificamente a Grécia, como
única fonte inicial do pensamento científico. Dessa forma, indica-se a
importância de questionar o eurocentrismo das Ciências Naturais e o
papel que assumiu na história em reforçar e legitimar explorações de
africanos/as e seus descendentes (SILVA, 2009, p. 151).

Assim sendo, além das dificuldades enfrentadas pelos afrodescenden-


tes diariamente, o aluno negro enfrenta preconceitos e estigmas na sua
vida acadêmica. As ciências acabam desconsiderando as contribuições
das culturas Africanas e Afro-americanas para o desenvolvimento cien-
tífico, o que reforça a discriminação sofrida por essas culturas.

Em relação à singularidade dos povos indígenas, Bernardi e Caldeira


(2012) trazem um histórico da dominação da cultura dos índios que
teve início com a catequização dos Jesuítas. Desde aí, houve uma
integração e homogeneização cultural, visto que os portugueses jul-
gavam a cultura indígena como inferior. Apenas em 1988 foi dado o

185
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

direito aos indígenas de praticar suas formas culturais, garantindo


com isso sua alteridade.

Quanto às questões socioeconômicas, Correa e Castro (2000) rela-


tam que o Brasil, nos seus 500 anos, é um país marcado por desi-
gualdade de renda e altos índices de pobreza. Essas desigualdades
estão embaralhadas entre culturas e povos diversos que compõem
a história do nosso país.

Essas questões econômicas estão ligadas também às regiões que


compõem geograficamente o país. No ano de 2000, a proporção
de pobres no Brasil era mais elevada no Norte (43%) e no Nordeste
(46%), sendo de 23% no Sudeste, de 24,5% no Centro-Oeste e de
20% no Sul. Além disso, a maior porção de pobres residia na zona
rural, e o estado mais pobre da Federação era o Piauí (CORREA; CAS-
TRO, 2000. p. 199).

Essa parcela da população geralmente tem necessidade de traba-


lhar, mesmo ainda sendo muito jovem e inclusive enquanto estuda.
Esses alunos precisam garantir sua permanência na escola e/ou na
universidade. Fernandes e Oliveira (2012) afirmam que essa perma-
nência requer alguns sacrifícios para viver em dupla jornada, para
estudar e trabalhar ao mesmo tempo, além da falta de estímulos e
dos prejuízos causados pelo cansaço físico e mental.

É notável que o acesso ao ensino superior é diferente para cada par-


cela da sociedade no tocante às classes sociais. Os estudantes das
classes mais baixas estão rompendo barreiras tanto sociais quanto

186
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

econômicas. Para eles, é a realização de um sonho chegar à universi-


dade. E geralmente uma forma de alcançar esse objetivo é escolher
cursos considerados de menor prestígio e, assim, de menor concor-
rência, por exemplo, as licenciaturas. (ARANHA; SOUZA, 2013).
Dentre os fatores que determinam o desempenho dos alunos, o
nível socioeconômico tem uma grande influência na performan-
ce dos mesmos. Isso é evidenciado pela grande quantidade de
estudos que concluem que o aspecto socioeconômico pode de-
terminar o desempenho dos alunos (COSTA, 2010. p. 15).

Nesse contexto, as questões sociais e econômicas se relacionam fa-


cilmente com as outras singularidades já vistas.
No Brasil, a maior parte da população pobre e com baixa escolari-
dade é afrodescendente e constatam-se preconceitos raciais em
vários contextos, inclusive educativos. Os preconceitos afastam
os jovens das escolas impedindo-os de ascender a conhecimen-
tos científicos que os capacitem para participarem em decisões
sobre questões CTS (SOUSA et al., 2016, p. 823).

Por fim, no que se refere à pessoa com deficiência, vários artigos


tratam do ensino de ciências voltado para esse público, principal-
mente para alunos cegos ou com baixa visão e surdos ou deficientes
auditivos. Porém, nessas pesquisas, geralmente são desenvolvidas
inovações metodológicas para auxiliar os professores no processo
de ensino e aprendizagem.

Existe, como nas outras singularidades citadas, exclusão das pessoas


com deficiência. No que se refere à deficiência visual, Costa et al.
(2006) afirmam que tanto do ponto de vista educacional como tec-
nológico e trabalhista os alunos com deficiência visual continuam

187
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

sendo excluídos. Muitas vezes, a falta de compreensão da deficiên-


cia causa a desconsideração por parte da escola para com o aluno.
Logo, “A escola definitivamente não é um horizonte de possibilida-
des para os deficientes visuais, um mundo que se insere no universo
das potencialidades do ser humano” (COSTA et al., 2006, p. 151).

O caso do ensino de ciências, como no ensino das outras disciplinas,


apresenta uma série de barreiras que compromete e exclui o aluno
das possibilidades da educação científica. Costa et al. (2006) elencam
alguns fatores que estão ligados às barreiras do aprendizado desses
alunos: falta de recursos didáticos adequados, desuso da tecnologia,
ausência de experimentação, didática baseada exclusivamente no
visual, evasão escolar, despreparo docente, etc.

Dickman e Ferreira (2008) elucidam que a formação de professores é pau-


tada em alunos que não possuam deficiências, e, além disso, não con-
templam as singularidades. Esses cursos oferecem apenas paliativos que,
quando muito, amenizam o cotidiano da escola no quesito inclusão.

Por isso, não se deve esquecer de que “A inclusão no âmbito aca-


dêmico requer professores preparados para atuar na diversidade,
compreendendo as diferenças e valorizando as potencialidades de
cada estudante, de modo que o ensino favoreça a aprendizagem de
todos” (FERNANDES, 2014, p. 52).

Carlan e Dias (2015, p. 7) afirmam que, dentro da Universidade, pre-


cisa-se investir na formação de professores “capazes de abordar, com
segurança e sabedoria a cultura que se insere na comunidade escolar,

188
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

como por exemplo, através de assuntos polêmicos como o preconcei-


to étnico-racial não se restringindo apenas aos conteúdos específicos
de sua área de formação”. Elas afirmam que essas discussões são es-
senciais na construção da autonomia, da cidadania e de indivíduos
preocupados em fazer do Brasil um país, de fato, para todos.

Na UFS, existe o programa Incluir, responsável por atender os alunos


que possuam algum tipo de deficiência. O atendimento acontece
nos três turnos, e é dado apoio tanto para locomoção, fornecendo
cadeiras de rodas elétricas, quanto para necessidades educativas,
como intérpretes para auxílio em aulas e provas. Além disso, dá-se
orientação aos estudantes que estão buscando seus direitos e há o
auxílio a professores para se capacitarem para o trabalho com os alu-
nos que possuem deficiência (FERNANDES, 2014).

Partilhamos da opinião de Fernandes (2014) de que existe uma ne-


cessidade de se estabelecer um sistema educacional inclusivo, a fim
de promover a participação de todos e todas, independentemente
de etnia, religião, língua, condição socioeconômica ou condição físi-
ca de cada um. É de suma importância um currículo voltado para a
diversidade dos discentes, e mais essencial ainda é o atendimento às
necessidades deles, pautando-se em suas singularidades.

INOVAÇÃO NO CONTEXTO EDUCACIONAL

O conceito Inovação inclusiva foi por nós construído a partir da bus-


ca pela aproximação dos termos inovação e inclusão. Os dois temas

189
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

são alvo de debates no meio acadêmico. Geralmente, estão interli-


gados, mas em nenhum dos textos que encontramos estavam dire-
tamente relacionados.

A inovação é um tema atualmente relacionado a diversas áreas. Na


educação, muitas vezes, é vista de forma equivocada, geralmente
sendo relacionada a tecnologias. Ao contrário do que muitos acre-
ditam, tecnologia não é um conjunto de máquinas e equipamentos
eletrônicos, mas sim um meio, uma solução para uma determinada
necessidade ou problema (RODRIGUES, 2013). É notória a quantida-
de de recursos tecnológicos visíveis à sociedade, mas Siqueira (2012)
ressalta que esses avanços pouco entraram nas salas de aula. Em ge-
ral, o que se pensa ser inovação na educação está somente ligado a
metodologias diferenciadas utilizadas nas aulas. Na pesquisa de Leal
e Mortimer (2008), alguns professores de Minas Gerais, que partici-
param dos programas de apresentação e capacitação para implan-
tação da nova proposta curricular de química do Estado no ano de
2008, conceituaram inovação principalmente como a abordagem
de temas cotidianos e a realização de experimentos em sala de aula.

Segundo Garcia (2009), inovar, no campo educacional, é uma tenta-


tiva de melhorar um sistema, uma escola, uma aula. É a criação de
algo novo para, dentre muitas coisas, dar respostas a um problema
ou simplesmente viver a experiência do novo. No conceito propos-
to por Carbonell (2002), seria a introdução de projetos, programas,
materiais curriculares, estratégias de ensino e, também, organização
e gestão do currículo, escola e dinâmica de classe. Não é apenas ve-

190
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

rificar até que ponto as novidades podem melhorar o sistema edu-


cacional, mas fazer com que elas gerem mudanças.

É importante também que essas inovações não sejam pensadas


somente pelos professores ou gestores, é possível que o aluno
seja incentivado a inovar para resolver as questões que afetam o
desempenho dele próprio e dos colegas, a fim de se incluir no meio
em que está inserido.

As atuais demandas da “Sociedade do Conhecimento” suscitaram,


pela exigência de novas habilidades e competências, uma deficiên-
cia nas carreiras profissionais. Além da competência técnica, já antes
exigida, o profissional agora deve ter alguns atributos, a saber:
Trabalho em equipe, adaptação a situações novas, aplicação de
conhecimento e aprendizagens, atualização contínua pela pes-
quisa, abertura à crítica, busca de soluções criativas, inovadoras,
fluência em vários idiomas, domínio do computador e de proces-
sos de informática, gestão de equipe, diálogo entre pares (MA-
SETTO, 2004. p. 200).

Essas exigências afetam diretamente a universidade em seu papel


de formação do profissional exigido pela sociedade atual, o que nos
remete à inovação na educação superior (MASETTO, 2004). Além dis-
so, no âmbito atual da educação, “é importante preparar os alunos
para que sejam inovadores e criativos; que tenham um bom conhe-
cimento de si mesmos, uma boa autoestima e que aprendam a ser
cidadãos, com um comportamento ético e preocupação social cres-
centes” (MORAN, 2004. p. 347).

191
HABILIDADES
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS
SOCIOEMOCIONAIS EE AFETIVIDADE
AFETIVIDADE NO
NO ENSINO
ENSINO DE
DE CIÊNCIAS BIOLOGIA || PESQUISAS
CIÊNCIAS EE BIOLOGIA PESQUISAS EE REFLEXÕES
REFLEXÕES

CONSIDERAÇÕES

Diante desse panorama, uma aproximação entre singularidades,


inovação e inclusão, pensando a educação, isso nos permite ana-
lisar cada indivíduo e motivar que ele se autoavalie também. Uma
vez que o indivíduo se conhece, ele poderá identificar seus pontos
fortes e de melhorias, bem como buscar alternativas para solucio-
nar eventuais barreiras para seu sucesso no desempenho das fun-
ções relacionadas à aprendizagem. Somente a pessoa que passa
por determinada situação, conhecendo seu próprio ponto de vista,
saberá o que pode ser mudado para que seu desempenho seja fa-
vorecido, e, uma vez emancipada, ela poderá gerar mudanças não
apenas para si, mas para outros que eventualmente sofram com os
mesmos problemas.

192
ASPECTOS AFETIVOS NA IDENTIFICAÇÃO DAS SINGULARIDADES E A PROPOSTA DA INOVAÇÃO INCLUSIVA

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198
CAPÍTULO 6

FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMO-


CIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA
COM DEFICIÊNCIA NO ENSINO SUPE-
RIOR EM BIOLOGIA

Joanna Angélica Melo de Andrade

INTRODUÇÃO

A Educação Inclusiva, adotada como política pública,


é uma medida relativamente antiga, e o Brasil assumiu
esse compromisso em 1990 ao assinar o acordo de cons-
trução de um sistema educacional inclusivo durante a
Declaração Mundial de Educação para Todos, em confe-
rência da Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO). E, posteriormente, em 1994,
quando se tornou signatário da Declaração de Salaman-
ca. A partir de então, ocorreram mudanças que refletiram
na legislação do país frente a essa nova demanda educa-
cional (FERRARI; SEKKEL, 2007).

No Estatuto da Pessoa com Deficiência, encontramos


que a educação é um direito garantido a esse público e
deve ocorrer através de um sistema educacional inclusi-
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

vo presente em todos os níveis de ensino, de modo que os alunos com


deficiência atinjam o maior desenvolvimento possível conforme suas
particularidades, seus interesses e suas necessidades de aprendiza-
gem (BRASIL, 2015).

Contudo, apesar de ser orientada a se realizar em todos os níveis de


ensino, “em se tratando do ensino superior a inclusão é uma discus-
são recente” (CASTANHO; FREITAS, 2006, p. 98). Quando um aluno
com deficiência chega à Universidade, devido à falta de preparo des-
sas entidades para recebê-lo, algumas situações constrangedoras
acontecem em sala de aula, as quais não chegam a ser levantadas
nas discussões institucionais (FERRARI; SEKKEL, 2007).

Esses constrangimentos vão desde questões referentes à acessibi-


lidade até questões pedagógicas. Com relação ao primeiro, alguns
autores trazem os aspectos arquitetônicos, como a dificuldade do
acesso ao banheiro, aos andares superiores e à biblioteca (MANZ-
ZONI et al., 2005; NUERNBERG, 2008; SANTOS, 2012). Quanto às
questões pedagógicas, notamos como ponto central o despreparo
metodológico e didático dos professores frente às singularidades do
aluno com deficiência (CORREA, 2016).

Conforme Fernandes (2014), alguns professores não desenvolvem


estratégias que alcancem o aluno com deficiência, deixando ao
encargo de terceiros, como intérpretes de Língua Brasileira de Si-
nais (LIBRAS), a tarefa de ensinar a esse aluno, o que os mantém
muitas vezes afastados do relacionamento com ele, configurando
também uma barreira atitudinal. Esse despreparo dos professores

200
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

está associado a uma lacuna na sua formação, a qual não abrangeu


essa demanda social que é a inclusão da pessoa com deficiência
(PcD) (CORREA, 2016).

Para minimizar esses déficits durante o processo da inclusão no en-


sino superior, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) elaborou, em
2008, documento intitulado “Programa de Ações Afirmativas” (PAAF),
que foi criado “com o objetivo de ampliar o acesso, sem negligenciar
as questões ligadas à diversidade e à permanência. Insere-se num
panorama contemporâneo mais amplo da necessidade de aten-
ção às demandas sociais através de políticas públicas voltadas para
ações afirmativas” (BRASIL, 2008, p. 2).

Uma preocupação frente à educação inclusiva nesse nível de ensi-


no recai sobre a permanência e conclusão do aluno com deficiência;
nesse sentido, Castanho e Freitas (2006) alegam que não basta para o
governo implementar ações que favoreçam o ingresso, mas também
é fundamental que desenvolva medidas para a permanência e con-
clusão desses discentes. Uma alternativa que pode ser desenvolvida
para amenizar essa situação é a inserção e o desenvolvimento de ha-
bilidades socioemocionais (HSE) nos currículos dos cursos superiores.

O conceito de HSE surgiu no campo da formação profissional, li-


gado à psicologia (CORDEIRO et al., 2016), objetivando possibili-
tar aos trabalhadores melhores performances em suas atividades.
Posteriormente, foi introduzido no campo da educação, no qual
encontrou terreno propício e seus requisitos básicos direcionados
para o bom desenvolvimento da aprendizagem do aluno, conside-
rando-o como ser integral.

201
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

As HSE começaram a ganhar cada vez mais espaço na educação


quando se passou a considerar que o sucesso ou o fracasso escolar
não estão relacionados apenas a habilidades cognitivas, mas tam-
bém a HSE, e estas são fruto da interação social, associada às ques-
tões emocionais de cada indivíduo (PARANHOS et al., 2017).

Paranhos et al. (2016) relata ainda que não foi encontrado um signi-
ficado preciso para o conceito HSE, todavia, perante os estudos de-
senvolvidos com habilidades sociais e inteligência emocional, que
consideram as emoções imprescindíveis para a tomada de decisão,
a autora chegou a uma aproximação do conceito. Desta forma as
HSE podem ser concebidas, como “uma capacidade reflexiva de lidar
com as emoções e potencializar características ímpares do seu eu
nas relações com o outro” (PARANHOS et al., 2016, p. 7647).

Para Santos e Primi (2014), as HSE podem ser classificadas em cinco


grandes domínios da personalidade humana, os quais são denomi-
nados de Big Five. Ainda segundo esses autores,
Os Big Five são constructos latentes obtidos por análise fatorial
realizada sobre respostas de amplos questionários com perguntas
diversificadas sobre comportamentos representativos de todas as
características de personalidade que um indivíduo poderia ter.
Quando aplicados a pessoas de diferentes culturas e em diferentes
momentos no tempo, esses questionários demonstraram ter a
mesma estrutura fatorial latente, dando origem à hipótese de
que os traços de personalidade dos seres humanos se agrupariam
efetivamente em torno de cinco grandes domínios (SANTOS;
PRIMI, 2014, p. 16).

202
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

Os cinco domínios do Big Five são respectivamente: abertura a


novas experiências: ligado a competências como curiosidade, ima-
ginação e criatividade; consciência ou conscienciosidade: este do-
mínio engloba competências como disciplina, responsabilidade,
autonomia e autorregulação; extroversão: nela podemos encontrar
habilidades como simpatia, autoconfiança, entusiasmo e sociabili-
dade; cooperatividade: compreende habilidades como tolerância,
simpatia, altruísmo e cooperação, e, por fim, estabilidade emocio-
nal: abrange características como autocontrole, calma, confiança e
otimismo (SANTOS; PRIMI, 2014).

Santos e Primi (2014) ressaltam que HSE como perseverança, au-


tonomia e curiosidade são tão importantes quanto as cognitivas
para desempenho satisfatório em diversos contextos da vida de
um indivíduo, como educacional, profissional e social. Os autores
reiteram ao destacar que “mais que isso: as evidências sugerem
que essas habilidades beneficiam os resultados na vida adulta via
escolarização, ou seja, por meio da sua contribuição para o sucesso
escolar” (SANTOS; PRIMI, p. 5).

Com isso, podemos refletir que as HSE podem ser conduzidas para
potencializar o processo de formação docente, na medida em que,
para ensinar verdadeiramente, necessitamos de uma gama de habi-
lidades fundamentais que se desenvolvem antes, durante e depois
do processo de formação dos professores, sendo importante realçar
que elas transpassam o domínio do conhecimento. Isso posto, espe-
ra-se que nós sejamos capazes de analisar e resolver problemas con-

203
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

ceituais e do cotidiano, selecionar e organizar conteúdos e propos-


tas metodológicas mais pertinentes à nossa realidade e de nossos
alunos, estruturar e realizar pesquisas, além de desenvolver formas
avaliativas ao processo de aprendizagem deles (VEIGA, 2006).

Como podemos notar, as demandas atribuídas ao papel do pro-


fessor para serem efetivadas necessitam de HSE bem-sucedidas, as
quais são desenvolvidas ao longo da vida familiar, social e acadêmi-
ca dos docentes.

A família representa uma unidade social significativa na vida de uma


pessoa, uma vez que ela corresponde ao primeiro grupo em que o
indivíduo é inserido logo ao nascer. Nela ocorrem as primeiras rela-
ções pessoais, o que a torna uma unidade interdependente, na me-
dida em que os relacionamentos estabelecidos entre seus integran-
tes gerarão influências, seja de modo individual ou ao grupo como
um todo (FIAMENGHI; MESSA, 2007).

A influência das relações familiares em seus membros fica mais evi-


dente em famílias que apresentam filhos com deficiência, visto que
receber um filho com alguma deficiência se torna uma experiência
inesperada e que demandará mudanças de planos e expectativas
dos pais e demais familiares (FIAMENGHI; MESSA, 2007).

Lopes, Kato e Corrêa (2002) ressaltam que é natural, durante o perío-


do de gestação, que os pais desejem receber um filho saudável, que
não possua deficiência e que possa crescer como qualquer outra

204
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

criança. Todavia, os autores destacam que, “quando esses mesmos


pais deparam-se com a realidade do filho desejado ter uma(s) de-
ficiência(s), muitos sentimentos podem aflorar. As respostas a essa
realidade, tanto sociais como familiares, podem ser desde a prote-
ção excessiva até a rejeição” (LOPES; KATO; CORRÊA, 2002, p. 70).

Por conseguinte, para melhor compreender o papel da família no


desenvolvimento da PcD, necessário se faz conhecer e entender o
contexto socioemocional no qual ela está inserida, assim como as
inter-relações nela construídas. Lima e Dessen (2001) consideram
que, para entender a dinâmica e o funcionamento dessas famílias, é
importante estudá-las dentro de uma conjuntura social mais ampla.

Fiamenghi e Messa (2007) consideram que os pais podem ter di-


ficuldades em educar seus filhos com deficiência e salientam que
essa dificuldade pode emergir da ideia equivocada de que seu filho
é uma pessoa limitada e restrita em muitos aspectos, o que pode
gerar uma educação e cuidados diferenciados entre esses filhos e os
demais que não possuem deficiência.

A família é, portanto, um elo importante na vida do indivíduo e,


quando devidamente orientada sobre como proceder frente à defi-
ciência de seu filho, ela estará mais preparada para ajudá-lo ao longo
do processo de inclusão, seja num círculo de amigos, na escola pri-
mária ou na universidade.

O olhar sobre o curso de licenciatura em Biologia da UFS leva-nos


além, pois essa interferência da família pode repercutir de modo ne-

205
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

gativo ou positivo durante o processo de inclusão e formação dos


futuros professores, o que pode gerar algumas consequências e im-
pactos para a vida social e profissional desses discentes.

Dessa forma, estabelecer a relação entre a família e o desenvolvi-


mento das HSE dos licenciandos com deficiência no curso de Bio-
logia faz-se importante, uma vez que estes estão se preparando
para atuar no mercado profissional como professores, e essa relação
pode trazer consequências durante o processo de formação, bem
como nas práxis docentes nos ambientes de trabalho.

Diante do exposto, objetivamos compreender as influências da fa-


mília durante o desenvolvimento das HSE de uma licencianda com
deficiência do curso de Ciências Biológicas da UFS durante seu pro-
cesso de inclusão.

CAMINHO METODOLÓGICO

Para atender ao objetivo pretendido, destacamos que quanto ao seu


caráter a pesquisa classifica-se como exploratória, dentro de uma
abordagem qualitativa, visto que ela enquadra-se como mais adequa-
da no campo das ciências sociais e da educação, e, conforme Minayo e
Sanches (1993), essa abordagem permeia o campo da subjetividade e
estabelece uma aproximação estreita entre sujeito e objeto de estudo
para melhor compreender as relações e atividades humanas.

206
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

Ao inferir sobre questionamentos acerca de uma licencianda com


deficiência de um curso de Licenciatura em Biologia, o que corres-
ponde a um grupo específico de alunos, temos, como método de
estudo, o estudo de caso. E, como instrumento de coleta de dados,
realizamos a entrevista semiestruturada com a elaboração de um
roteiro orientador, cujo “objetivo é uma compreensão detalhada
das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos com-
portamentos das pessoas em contexto sociais específicos” (BAUER;
GASKELL, 2002, p. 67). Os roteiros de entrevista foram elaborados
e, posteriormente, aprimorados através da avaliação de três juízes,
professores pesquisadores que já possuem experiência com esse
instrumento de coleta de dados.

Entrevistamos uma aluna com deficiência visual (DV) do tipo baixa


visão, devido à perda do olho direito na adolescência por conta de
um câncer, e que possui também deficiência auditiva (DA) do tipo
baixa audição, matriculada no curso de Biologia Licenciatura da UFS,
o que ocorreu sem necessidade de adaptações porque a aluna con-
segue ouvir com o auxílio de aparelho auditivo, além de fazer leitura
labial. Realizamos entrevista também com a mãe dessa licencianda,
com a professora que ela apontou como importante para seu de-
sempenho no curso e com a intérprete de LIBRAS, que a acompa-
nhou durante os primeiros períodos do curso. Ao entrevistar a mãe,
buscamos aumentar a compreensão sobre o papel da família no de-
senvolvimento das HSE da licencianda e, ao entrevistar a professo-
ra e a intérprete, pretendemos compreender como as HSE da aluna
têm-se manifestado no decorrer do processo de formação.

207
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Para resguardar o anonimato das envolvidas, resolvemos dar a elas


o nome de quatro importantes titânides da mitologia grega. De
acordo com Pouzadoux, Mansot e Brandão (2001), titânides são seis
deusas gregas filhas da união entre Urano, Deus do Céu, e Gaia, Deu-
sa mãe-Terra. Das seis, escolhemos a deusa Tétis para representar a
licencianda com deficiência, a deusa Réia para simbolizar a mãe da
licencianda, a deusa Febe simbolizando a professora e a deusa Têmis
como a intérprete de LIBRAS.

A escolha por essa aluna especificamente atribui-se ao fato de que


já a conhecíamos antes mesmo de pensar em iniciar esta pesquisa.
Nosso primeiro contato com Tétis ocorreu em 2014, quando a pri-
meira autora deste capítulo ainda era aluna de graduação e colega
de Tétis na disciplina ofertada pela segunda autora. Logo de início,
percebemos que ela tinha deficiência auditiva porque havia uma in-
térprete de LIBRAS a acompanhando e pudemos notar também que
essa profissional, com o passar do tempo, se tornou mais próxima
dela. Mas o que nos surpreendeu foi o fato de que Tétis, apesar da
timidez, tinha iniciativa de liderança e, também, era muito inteligen-
te, porque no meio das discussões de grupo, entre poucas pessoas
que se manifestavam para resolver a atividade, ela dava opinião, em
geral, muito pertinente. Dessa forma, Tétis apresentou um diferen-
cial ao superar as dificuldades advindas das barreiras que encontrou
diante ao despreparo do mundo frente à suas deficiências, ela mos-
trou-se, portanto, protagonista da própria inclusão.

208
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

Essa percepção ficou guardada e, no ano de 2016, quando a primeira


autora ingressou no mestrado trazendo a vontade de direcionar a
pesquisa para o ensino da pessoa com deficiência, resgatou-se da
memória a lembrança da licencianda. Durante as reuniões de orien-
tação, ao definir que estudaria questões afetivas na formação de
professores de Biologia com deficiência, ela não teve dúvidas em
propor dar voz à história de Tétis, o que foi aceito imediatamente
por sua orientadora.

A primeira entrevista foi realizada com Tétis e durou cerca de uma


hora; ao final, foi solicitado que a aluna indicasse um familiar e um
professor que lhe ensinou no curso, ela indicou como familiar sua
mãe, Réia, e a professora, Febe. A segunda entrevista foi com Réia e
durou também aproximadamente uma hora; a terceira foi com Febe,
ao longo de mais ou menos trinta minutos, e, finalmente, com Têmis,
com duração de aproximadamente vinte minutos.

Para ser condizente com as características de nossa pesquisa e tra-


balhar os dados de maneira mais satisfatória possível, optamos pela
Análise Textual Discursiva (ATD), conforme Moraes e Galiassi (2014).
Ainda conforme os autores:
A análise textual discursiva pode ser entendida como um pro-
cesso auto-organizado de construção de compreensão em que
novos entendimentos emergem a partir de uma sequência recur-
siva de três componentes: a desconstrução dos textos do ‘corpus’,
a unitarização; o estabelecimento de relações entre elementos
unitários, a categorização; o captar o emergente em que a nova
compreensão é validada (MORAES; GALIAZZI, 2014, p. 12).

209
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O desenvolvimento das HSE ocorre ao longo de toda a vida do indi-


víduo. Elas são aprendidas nos diversos contextos, através das inte-
rações sociais, sendo importantes para a formação do sujeito emo-
cionalmente saudável (ROSIN-PINOLA et al., 2017). Neste momento,
buscamos compreender como a família da licencianda influencia no
desenvolvimento das suas HSE; para tanto, analisamos sua história
de vida. Posteriormente refletimos como tais habilidades surgem e
também interferem no processo de inclusão da aluna no curso.

A História de vida de Tétis

Num sábado, às 10h da manhã, quando Réia estava com seis me-
ses e dezessete dias de gestação, ela sentiu contrações, e a bolsa
rompeu prematuramente: iniciava o trabalho de parto. Foi um par-
to demorado e difícil, no qual Réia teve uma eclampsia1 e somente
na terça-feira seguinte, à noite, Tétis chegou ao mundo. Mãe e filha
sobreviveram a toda complexidade de um parto prematuro com 24
semanas, todavia a família não previa que dessa situação resultariam
sequelas que iriam aparecer, aos poucos, dali por diante, como a de-
ficiência visual e a auditiva.

Contudo, a história de superação de Tétis não se resume a saber li-


dar com as duas deficiências, porque, quando estava com quatorze

1 Afecção grave que ocorre geralmente no final da gravidez, caracterizada por con-
vulsões associadas à hipertensão arterial.

210
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

anos, eis que Tétis e Réia enfrentaram mais um momento difícil, pois
ela sentia muita dor de cabeça, e, ao fazer exames, descobriu que
estava com um tumor no olho com deficiência, o olho direito. Para a
retirada do tumor, foi necessário retirar o olho inteiro, o que a tornou
usuária de prótese:
Tétis já tinha um olho maior que o outro, mas com quatorze anos
Tétis teve câncer, o olho dela teve um tumor. Ela não é uma pessoa
que se queixe, Tétis não é uma pessoa que se queixa [...]. (Réia)

Todavia, mesmo diante de tanta dor e sofrimento que a família esta-


va passando, Réia se mostrava forte, ao demostrar um autocontrole
de não chorar na presença da filha, o que poderá ser refletido para a
construção dessa habilidade socioemocional de Tétis, visto que, de
acordo com Bandeira, Moura e Vieira (2009), os filhos muitas vezes
se inspiram nos exemplos observados nas condutas dos seus pais.
Foi difícil, porque você lutou por um bebê que nasceu de uma
gestação de seis meses e dezessete dias, você viu esse bebê cres-
cer, quando ele tava ali cheio de vida você descobrir que seu fi-
lho tá com câncer! (pausa e lágrimas). É complicado demais, você
acha que [...] (pausa) e você não passar pra seu filho que você tá
sofrendo, eu nunca chorei na frente de Tétis, nunca. (Réia)

E, além disso, Réia conseguiu também enxergar algo positivo ao re-


conhecer a solidariedade dos amigos e o exemplo de perseverança
de Tétis, que, tão jovem e passando por dificuldades, mobilizava a
mudança de algumas pessoas que estavam ao seu redor:

211
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

E foi um momento muito lindo na nossa vida também, porque você


percebe os amigos que você tem, aí na época que eu tinha entrado
aqui já [refere-se ao posto de saúde onde trabalha atualmente] e
aqui tinha uma dentista que ela assim comprou nossa causa. (Réia)

Essa pessoa [a dentista] ela tinha uma síndrome que compra mui-
to, e ela tava vivendo assim um momento horrível na vida dela, e
essa mulher deu todas as roupas que ela tinha em duplicidade para
que fosse feito o bazar, pra fazer a cirurgia de Tétis imediatamente
[...]. Essa dentista, disse pra mim que a situação de Tétis curou ela,
por que ela comprava a ponto de estar assim à beira..., não tinha
mais como se recuperar, tava no psiquiatra e não melhorava, e ela
percebeu que aquela hora ela ia se curar e ajudar Tétis. (Réia)

A partir de então, passamos a perceber que a história de vida de


Tétis passou a estimular pessoas ao seu redor para realizarem mu-
danças em determinados aspectos de sua vida. Entre essas pes-
soas, a que mais se influencia e se emociona com Tétis é sua mãe,
Réia, que considera ter uma filha com deficiência um presente que
lhe ensina diariamente:
A mãe que tem um filho especial, ela tem um tesouro, ela tem
alguém que ensina todo dia a ela que a vida não tem limites, eu
aprendi muito com Tétis. (Réia)

Dessa forma, notamos a influência de Réia na vida de Tétis e perce-


bemos que a mãe mostrou-se como um catalizador do aprendizado
socioemocional da filha, ao traduzir e ensinar a ela como construir
percepções positivas sobre as barreiras que enfrentava, principal-
mente dentro do domínio conscienciosidade, por meio da perseve-
rança e do autocontrole.

212
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

Entre os requisitos que são primordiais para o progresso da PcD, está


a conduta dos pais, visto que ela pode refletir benefícios ou prejuízos
durante o desenvolvimento dos vários aspectos da vida deles (BRU-
NHARA; PETEAN, 1999). Os pais que buscam superar os sentimentos
de frustração e medo frente ao filho com deficiência e desenvolvem,
para tanto, o sentimento de resiliência tem maior chance de ajudar
seus filhos a “planejar adequadamente a independência funcional,
o desenvolvimento físico, psíquico, social, educacional, laboral e in-
cluir seu filho na sociedade com condições de exercer sua cidadania
de forma digna e eficaz” (OLIVEIRA; POLETTO, 2015, p. 113).

É notório que uma das maiores incentivadoras de Tétis foi sua mãe.
E, segundo Tétis, é ela seu principal motivador externo até hoje, pois
a estimulava a mostrar todo o seu potencial:
O que me motivou foi essa questão assim... da minha mãe nunca
ter desistido de mim, os outros diziam pra ela: “ah, desista, porque
ela não vai conseguir!”. Era o que ela ouvia, mas ela não desistiu de
mim, o que me motivou foi a minha mãe de modo especial. (Tétis)

Minha mãe sempre foi muito presente, com essa coisa de mostrar
que eu sou capaz, com essa coisa de mostrar que eu podia con-
quistar meu espaço. (Tétis)

Réia sempre acreditou no potencial de Tétis, desde que esta era mui-
to pequena. Quando todos acreditavam que ela não conseguiria se
desenvolver Réia sempre esteve presente, ao acreditar e incentivar o
desenvolvimento das potencialidades da filha, o que auxiliou dessa
forma, para construção da autonomia da aluna.

213
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

De todas as HSE necessárias para um bom desenvolvimento no cur-


so e a inclusão de alunos com deficiência, certamente a autonomia
é a mais relevante. De acordo com o documento orientador do pro-
grama Incluir, do Ministério da Educação (MEC), o desenvolvimento
da autonomia favorece a plena participação de estudantes com defi-
ciências na educação superior, o que maximiza seu desenvolvimen-
to acadêmico e social (BRASIL, 2013).

Em contrapartida, apesar de incentivar significativamente a filha,


Réia também teve momentos em que a superprotegeu ao longo
de sua história de vida, aspecto este que é apontado pela própria
mãe como um erro:
Acho que eu errei quando eu protegi que mesmo querendo ou
não você protege seu filho quando ele é diferente, porque você
tem medo das pessoas, [...] eu acho que meu ponto negativo foi a
proteção, eu protegia assim, eu colocava Tétis na minha redoma,
eu cuidava de Tétis nesse sentido. (Réia)

Apesar de percebermos a atitude da mãe ensinando a filha a alcan-


çar seu próprio aprendizado e desenvolvimento através de suas
conquistas, notamos que a mãe apontou que, em uma perspectiva
procedimental, a filha pode ter desvantagens, o que pode ter gera-
do essa superproteção. No entanto, pelo que podemos observar nos
relatos, os momentos de superproteção podem ter ocorrido com
frequência menor do que os momentos de estímulo ao desenvolvi-
mento. Afinal, lidar com a realidade de ter um filho com deficiência
envolve um misto de emoções, tais como: tristeza, revolta, medo,
busca, resignação, entre outros (BRUNHARA; PETEAN, 1999).

214
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

Podemos perceber através das falas de Tétis e sua mãe Réia, que
elas apresentam uma relação constituída de momentos difíceis, mas
que, pela perseverança de ambas, esses momentos transformam-se
em aprendizado e valorização da vida. Notamos também que, por
essa relação, passam momentos nos quais a autonomia de Tétis é
estimulada, assim como a superproteção também se faz presente.
Posto isso, consideramos que até mães conscientes sobre a necessi-
dade de desenvolvimento e autonomia de seu filho com deficiência
acabam apresentando momentos de superproteção no intuito de
resguardar os filhos dos perigos do mundo.

Uma característica interessante na vida familiar de Tétis é que ela


tem uma irmã mais nova; seu núcleo familiar é constituído de mãe,
pai e irmã. E, de acordo com a visão de Réia, ela buscou tratar de
igual forma as duas filhas:
Não existe uma diferença, Tétis estudou na mesma escola da irmã,
todas as duas na mesma escola, Tétis ensinou muito a irmã, e acho
que não existe uma diferença na educação, porque eu não conse-
guia ver por esse ângulo que eu tinha que tratar Tétis assim. (Réia)

Porém, na visão de Tétis, houve, sim, uma atenção dedicada a mais


para ela, em detrimento da irmã, que desde logo cedo necessitou
cuidar-se relativamente sozinha:
Minha mãe, ela sempre me deu mais atenção, ela tinha sempre
aquela preocupação, “ai vai se machucar”, sempre, ela foi muito
apegada. (Tétis)

Eu era uma criança muito complicada, muito, e minha mãe as-


sim... Minha irmã aprendeu a ser independente muito cedo, en-

215
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

tão ela se virava só, na hora da alimentação, na hora de vestir uma


roupa, então eu sentia que ela andava sempre perto de mim, do
que dela. (Tétis)

Nunes, Silva e Aielli (2008) trazem em sua pesquisa resultados simi-


lares ao mostrarem que entre irmãs, na qual uma possuía deficiência
e a outra não, o relacionamento era menos íntimo, apresentando
padrões de cuidados diferentes dos pais, o que dificultava o compa-
nheirismo e a troca nos laços fraternos. E, conforme Sharpe e Rossiter
(2002), famílias que apresentam um dos membros com deficiência
acabam por gerar maiores demandas e, por consequência, maiores
exigências para o irmão, que muitas vezes sofre pela diminuição da
atenção dos pais.

Essas ponderações podem ser percebidas no relato de Tétis quando


alega que não interagia muito com a irmã no aspecto brincar e tam-
bém na fala de Réia ao relatar que há entre elas uma disputa pela
atenção e pelos sentimentos dos pais:
[...] a gente não brincava juntas, dos dez anos em diante é que a
gente começou a interagir mais. (Tétis)

E, mas, a relação é normal de irmão, é uma competição muito


grande de sentimentos hoje, né, porque os filhos tão nessa fase
acham que a mãe dá mais atenção a um, que a mãe gosta mais
do outro. (Réia)

Essa disputa de sentimentos e atenção dos pais pode ter sido o mo-
tivador para que a relação das irmãs não fosse tão íntima, e, como
uma pressão negativa, essa situação possivelmente impulsionou Té-
tis a buscar desenvolver ainda mais sua autonomia.

216
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

Assim como a mãe, o pai de Tétis também mostrou-se como um ca-


talisador do aprendizado emocional ao reconhecer o potencial que
a filha tem e ao agradecer e comemorar por cada uma das conquis-
tas dela. Esse reforço positivo proporciona à licencianda a capacida-
de de superar as situações difíceis e desenvolver habilidades presen-
tes no domínio da estabilidade emocional. Isso fica visível através da
importância de Tétis para com o seu pai, visto que Réia compara Té-
tis ao núcleo da vida dele. Notamos então os sentimentos de amor,
aceitação e orgulho:
O pai é... ele é o parceiro, ele é o grande amigo, ele é aquela pes-
soa que Tétis foi a vida dele, né, Tétis é um... eu acho que, para o
pai de Tétis, Tétis representa o núcleo da vida dele, as realizações
de Tétis são dele, as vezes eu acho que tudo que Tétis alcança ele
acha que foi ele que alcançou [...]. (Réia)

O desenvolvimento dessa categoria do Big Five mostrou-se relevan-


te para sua inclusão no curso, na medida em que, de acordo com
Paranhos (2017), a estabilidade emocional corresponde ao quanto
os indivíduos aproximam-se ou distanciam-se em situações que os
tiram da zona de conforto, ou seja, como as pessoas reagem consi-
go mesmos e com o próximo diante de acontecimentos que fogem
ao seu controle.

Podemos então analisar que, por parte do seu núcleo familiar, ape-
sar de surgirem algumas situações conflituosas ao longo do relato,
como, por exemplo, a interferência dos cuidados dos pais na rela-
ção entre as irmãs e a superproteção, de modo geral, eles buscavam
sempre incentivar Tétis a desenvolver suas capacidades, porque

217
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

confiavam no potencial de crescimento dela. Em contrapartida, ao


considerar a família mais ampla, com avós, primos e tios a situação
apresentou-se diferenciada:
Os parentes, eu moro num sítio, com a família de meu pai, eu sofri
muito, é... à medida que eu fui comentando aqui, eu fui lembran-
do, sempre me separavam, o pessoal não gostava muito. (Tétis)

Mas atualmente o pessoal tá bem diferente, porque eu aprendi


a ter mais autonomia, essa coisa de falar, de me defender, de ex-
pressar opinião, então, hoje, eles se surpreendem comigo, no mo-
mento que conversa comigo: “nossa não sabia que você era assim,
que você pensava dessa forma, nossa como você é inteligente,
nossa como você tem sabedoria”, como não conviveram comigo,
não conhecem muito. (Tétis)

Notamos que Tétis passou por situações de preconceito no ambiente


familiar mais amplo; nessa direção, Pimentel, Gomes e Xavier (2013)
alegam que o preconceito ocasionado por membros pertencentes
à família é uma das dificuldades enfrentadas durante o cuidado e
o desenvolvimento da PcD. O preconceito e a discriminação vindos
desses familiares de certa forma representam um pouco do que Tétis
pode experimentar na vida social e a pressionam a uma maior ação
e maior autonomia.

Ao observar a história de vida de Tétis, notamos uma circularidade


existente nas relações familiares, o que ocorre através de uma mútua
interferência que acabou proporcionando aprendizado socioemo-
cional para todos e, mais especificamente, para a licencianda ao in-
fluenciar na construção de algumas HSE. Essa circularidade pode ser
observada graficamente no mapa conceitual presente na figura 1.

218
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

Percebemos que, na relação entre Tétis e os pais, a circularidade


acontece na medida em que ela tenta encarar com persistência as
barreiras advindas do despreparo do mundo diante das deficiências.
Ao observar essa postura da filha, a mãe Réia busca ter autocontrole
e perseverança, o que é percebido por Tétis, e, dessa forma, pode
influenciar no desenvolvimento de suas HSE dentro do domínio
conscienciosidade, enquanto que as conquistas da licencianda são
recebidas com alegria pelo pai, que as reverte em gratidão, e a im-
pulsionam para também desenvolver a estabilidade emocional dela.

Quanto à sua irmã, a relação não é cumplicidade, provavelmente


porque esta desenvolveu algum sentimento que bloqueia a parceria
mais íntima entre as duas, devido à disputa existente entre elas pela
atenção dos pais.

No que se refere à família, avôs, tios e primos, a relação foi difícil,


principalmente durante a infância, pois foi marcada por preconcei-
tos. Contudo, percebemos que essa postura por parte desses fami-
liares, irmã e família mais ampla, promoveu uma pressão em direção
à construção da autonomia, HSE dentro do domínio conscienciosi-
dade, em busca de visibilidade e aceitação.

219
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Figura 1- Mapa conceitual que representa a


circularidade nas relações estabelecidas entre
Tétis e seus familiares.
Fonte: elaborado pela autora.
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
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Vida acadêmica de Tétis

Para Tétis, a universidade representa um novo mundo, no qual ela


duelou com sentimentos de receio e liberdade, pois está longe da
família assustou-a, porque a partir de então, estaria por si mesma:
[...] pra mim aqui era uma selva, porque aqui eu estava em perigo,
porque não tinha meu pai, não tinha minha mãe perto, meus pais
sempre foram muito..., se acontecesse alguma coisa, eles estavam
ali perto, interferindo, e aqui eu precisei me virar sozinha. (Tétis)

Esse receio pode estar relacionado ao fato de que em alguns momen-


tos ao longo da sua vida familiar, Tétis passou por algumas situações
de superproteção e também preconceito, o que pode ter gerado uma
barreira para a abertura a novas experiências e o desenvolvimento da
HSE extroversão. É nesse sentido que Foreman (1989) alega que os
jovens que possuem deficiência adquirem sua identidade social de
forma mais tardia e sentem dificuldades em integrar-se a novos con-
textos devido à superproteção vivenciada por parte da família.

Todavia, com a entrada na universidade, Tétis passou gradativamen-


te a se mostrar mais aberta às novas experiências, pois, segundo ela,
a vida acadêmica está lhe possibilitando ter novas oportunidades de
conhecer lugares e pessoas:
é... as experiências estão contribuindo muito, porque a univer-
sidade me trouxe uma oportunidade de sair mais de casa, por
exemplo, porque eu era muito caseira, não saía com os amigos,
então comecei a ter mais amizades, é... essa experiência contri-
buiu bastante pra questão da relação, é... essa questão do estágio,
essa questão de disciplinas, que faz com que a gente faça viagens,

221
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

eu nunca tinha feito viagens, minha mãe sempre foi superprote-


tora [...] a universidade, ela praticamente foi uma porta aberta
para as novas experiências. (Tétis)

A extroversão é uma habilidade que favorece o relacionamento in-


terpessoal e, no caso da licencianda, pode favorecer seu processo de
inclusão, na medida em que ela corresponde ao “traço que predispõe
as pessoas para experimentarem estados emocionais positivos e para
sentirem-se bem consigo mesmas e com o mundo” (PALMA, 2012, p. 8).

A HSE extroversão possivelmente passou a ser desenvolvida no de-


correr da vida acadêmica de Tétis, e a isso podemos associar a parti-
cipação de Têmis, que é a intérprete de LIBRAS que a acompanhou
nos primeiros períodos do curso e que buscou estimulá-la a interagir
mais com colegas:
Assim, no período de tempo que trabalhei com ela, antes ela era
mais retraída, ela ficava com aquele medo, eu conversando com
ela também, e eu percebi que ela começou a mudar, começou a
falar mais, porque antes ela era um pouco retraída, aí depois ela
falou: ‘Têmis, agora eu estou mais, assim, depois que você come-
çou a me acompanhar, eu estou me sentindo assim mais, assim,
mais aberta pra isso e aquilo, agora eu estou me desenvolvendo
melhor’, e realmente, até os colegas dela tavam falando: ‘Tétis
você tá mais assim, mais extrovertida’. (Têmis)

[...] Têmis era maravilhosa e trazia aquele conceito, do companhei-


rismo. [...] (Réia)

Conforme Pereira (2008), esse tipo de intervenção que Têmis desen-


volveu no seu trabalho como intérprete está dentro de um modelo
de atuação desses profissionais, denominado modelo do Aliado, no

222
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

qual o intérprete deve se aliar ao aluno com DA ou surdez e favore-


cer seu desenvolvimento e empoderamento, mantendo assim uma
interação dialógica de mútua aceitação.

Outro ponto importante para a inclusão do aluno com deficiência é


a atuação docente. Tétis conseguiu visualizar um avanço no seu re-
lacionamento com seus professores, alguns inclusive se esforçaram
para se ajustar às particularidades dela:
[...] eu consigo notar, perceber que os professores estão preocu-
pados, daqui, da área da biologia, eles se preocupam, sempre me
perguntam: “o que que eu preciso ajustar pra você?”, então essas
perguntas eu não estava habituada a ouvir, “o que que eu preciso
fazer pra que você possa tirar proveito da disciplina?”, “Das aulas”,
então isso começou a dar oportunidade de expressar minhas
necessidades, ao contrário de antes que eu tinha que tá sempre:
“professor, eu tenho isso, eu preciso disso”. (Tétis)

[...] os professores em si, eles vão se ajustando de acordo, eu per-


cebo assim, com a circunstância, vão... procuram falar mais alto,
procuram falar olhando pra mim. (Tétis)

Santos (2014, p. 85) enfatiza: “o professor sabendo como lidar e sa-


bendo ensinar aos alunos com deficiência, o aprendizado desses dis-
centes será mais eficiente”. Essa posição dos professores estimulou a
aluna a se tornar ainda mais colaborativa com sua própria aprendi-
zagem, ao potencializar a curiosidade e a vontade de aprender, habi-
lidades presentes no domínio abertura a novas experiências, o que
torna Tétis participativa nas aulas, como podemos notar nos relatos
da professora Febe:

223
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Ela é curiosa e ela gosta de aprender, uma característica dela é


que ela gosta de aprender, então ela vai procurar aprender aquilo,
aquela novidade, que tá sendo colocada em sua frente. (Febe)

Aula prática, por exemplo, ela era uma das alunas que ia pra frente
mesmo da bancada e que botava a mão na massa, pessoalmente
na disciplina em que eu ministro, [...] então, quando a gente tem
grupos, geralmente dois, três botam a mão na massa, e os outros
observam, ela é aquela aluna que põe a mão na massa, então em
várias aulas práticas ela tava ali, fazendo e perguntando e anotan-
do, então ela é assim. (Febe)

Contudo, apesar de passar por experiências positivas ao longo do


curso, o que auxiliou a licencianda a desenvolver HSE que antes não
havia desenvolvido, como a extroversão e a abertura a novas expe-
riências, na universidade Tétis vivenciou situações de preconceito,
principalmente vindas dos colegas da turma, o que gerou um obstá-
culo na relação com eles:
[...] no primeiro momento na universidade tinha pessoas que im-
plicavam até pela cadeira que ela tinha que sentar na frente, tinha
meninas que iam e colocavam a bolsa lá pra ela não sentar. (Réia)

[...] teve momentos que eu acompanhei, ela ficava explicando,


tinha seminário, ela fazendo a parte dela e tinha pessoas que fi-
cavam rindo dela, entendeu, aí depois ela me falava, mas eu sem-
pre assim, conversando com ela pra ela não ligar, porque ela era
capaz, se ela entrou na faculdade, é porque ela era capaz. (Têmis)

De acordo com Batista e França (2007), o preconceito, juntamente


com a discriminação e a desinformação, se configuram como bar-
reiras atitudinais durante a inclusão da pessoa com deficiência em

224
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

variados contextos da vida. E, segundo Cruz (2016), transpor essas


barreiras não é uma tarefa fácil:
Romper com o paradigma construído na sociedade durante anos
através dos preconceitos, menosprezo, exclusão, segregação, ao
advento do progresso de inclusão de todas as pessoas em situa-
ção de risco, minorias, pessoas com deficiência, idosos ou pessoas
em situação de vulnerabilidade, não é algo fácil de ser exercido,
realizado (CRUZ, 2016, P. 27)

Destacamos que essas observações ocorrem também com alunos que


não possuem deficiência. E Paranhos (2017) traz essas e outras percep-
ções ao analisar as relações existentes entre as HSE e a inovação em alu-
nos que não possuem deficiência do curso de Biologia da UFS.

No caso de Tétis, a dificuldade no relacionamento com os colegas


está no fato de estes desenvolverem atitudes que subestimam, im-
plicam e desdenham e que não podem ser mudadas por leis ou
decretos, visto que elas são modificadas de dentro para fora do ser,
quando pessoas que apresentam essas posturas reconhecerem as
consequências negativas que surgem desses pensamentos e com-
portamentos. Segundo Fernandes (2014), as situações de precon-
ceito e discriminação vivenciadas pelas PcD podem ocasionar uma
baixa autoestima e um sentimento de incapacidade durante a vida
em sociedade.

O que notamos com esses relatos de situações preconceituosas é


que a Educação Inclusiva, mesmo embasada por Lei e tentando ser
concretizada através do oferecimento de serviços e recursos pelas
universidades, ainda precisa vencer uma importante barreira, a ati-

225
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

tudinal, a qual não é derrubada através da criação de novas leis ou


da oferta de recursos necessários à inclusão. Esta derruba-se atra-
vés da mudança do pensamento e das ações que cada cidadão tem
diante da diferença do outro.

Entretanto, mesmo entre todas essas observações, Tétis contou com


o incentivo de sua família, de Têmis e de uma amiga que a acompa-
nhou desde o início do curso e está ao seu lado até hoje:
Eu observei que a única pessoa que ficou com ela foi uma colega
nossa, que até hoje eu tenho contato com ela, que foi a única que
viu a discriminação que o pessoal tinha, que essa foi, que deu o
maior apoio a ela, e que até hoje as duas vivem juntas. (Têmis)

Percebemos que preconceito e discriminação marcaram a vida acadê-


mica de Tétis, mas notamos também que a família e algumas amigas
a ajudaram a passar por essas dificuldades. Contudo, necessitamos
salientar que um dos principais fatores que colaborou para a sua vida
universitária é o progressivo desenvolvimento da autonomia.

Com a autonomia, Tétis mudou seus conceitos e também suas pos-


turas. Passou a ser mais ativa e reivindicar, junto as esferas respon-
sáveis na universidade, como a Divisão de Ações Inclusivas (DAIN),
assim como com os professores, pelo seu direito à educação com
qualidade para efetivar sua inclusão no curso:
[...] ela aprendeu a correr atrás do que ela queria, ela vai no DAIN,
vai não sei aonde, vai não sei aonde, “Mainha, hoje eu fui e dis-
se que não quero mais aquela menina (referente à bolsista que
a acompanhava), porque ela está me fazendo mal”, então, ótimo,
ela aprendeu. (Réia)

226
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

Eu tenho muita dificuldade com professores da área de exatas,


eles são muito incompreensivos, eu peço: “olhe, por favor, na hora
de explanar o assunto, eu peço, tente, faça um esforço para virar
pra frente”, não adianta, é o mesmo de não ter falado nada, en-
tão... é como se essa realidade está muito distante deles. Vou ficar
avisando toda hora, cansa todo momento, todo dia, toda hora,
toda semana, eu fico até sem graça, com vergonha. (Tétis)

Podemos assim observar que, apesar de percebidas as dificuldades,


Tétis utilizou-as não como obstáculos para a autocomiseração, mas,
ao contrário, como mola propulsora para o desenvolvimento de sua
autonomia, indo em busca do que faltava ou não estava em conso-
nância para a sua efetiva inclusão, assim reivindicando um direito
que lhe é atribuído por lei.

Exemplos como o de Tétis podem ser encontrados em outras pes-


quisas, como a realizada por Mansini e Bazon (2005), com estudan-
tes universitários que apresentam alguma deficiência, entre elas a
visual, a auditiva e a paralisia cerebral. Os autores destacam que es-
ses alunos, ao vivenciarem algumas dificuldades, como não ter as
adaptações necessárias para a aprendizagem ou até mesmo sofre-
rem tentativas de impedimento ao ingresso na universidade, bus-
caram seus direitos e denunciaram tais fatos. A maioria dos alunos
desse estudo considera importante para a sua inclusão efetiva nos
cursos superiores a aceitação da deficiência, a persistência para su-
perar as dificuldades presentes ao longo do processo e as atitudes
em direção à autonomia (MANSINI; BAZON, 2005).

227
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Notamos que, apesar de alguns impasses advindos dos requisitos


que suas deficiências demandam às pessoas à sua volta, Tétis es-
força-se para pertencer ao grupo e colaborar em igualdade de con-
dições. Essa predisposição à cooperatividade é um dos elementos
fundamentais para a formação de professores cônscios e responsá-
veis, independentemente da presença ou ausência de deficiência. É
seguindo esse pensar que Capellini (2004, p. 84) considera que:
A cooperação tem por princípio a solidariedade que acentua a
autonomia da consciência, a intencionalidade do ato, e por con-
seguinte, a responsabilidade do sujeito. Ou seja, nas relações
cooperativas, o respeito mútuo é uma exigência e isto resulta no
compartilhar com os outros regras e valores, para se definirem
conjuntamente as metas para a solução de um problema.

Percebemos que a vivência acadêmica da licencianda colabora para


o desenvolvimento de HSE relevantes para sua inclusão no curso,
como podemos visualizar no mapa conceitual da figura 2.

Entre essas habilidades, identificamos principalmente as que estão


presentes nos domínios abertura a novas experiências, extroversão
e cooperatividade. Contudo, ressaltamos que a conscienciosidade é
um domínio que começa a ser construído na vida familiar, mas que
continua sendo desenvolvido na universidade.

228
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

As HSE que fazem parte das categorias abertura a novas experiên-


cias, extroversão, conscienciosidade e estabilidade emocional co-
laboram para o desenvolvimento da dimensão cooperatividade, e
esta aparenta ser a categoria mais complexa de ser construída, uma
vez que sofre a influência de todas as outras.

Nesse sentido, essas HSE levam a licencianda a ser cooperativa com


o outro e em suas atividades, a buscar superar a timidez, a estar mais
aberta a vivenciar novas experiências e a se mostrar comprometida
com as pessoas do seu convívio social.

Consideramos que essas são habilidades importantes para a futu-


ra atuação docente de Tétis, pois, possivelmente, proporcionarão à
licencianda a capacidade de planejar, propor ideias, improvisar, tra-
balhar em equipe, enfim, o que pode colaborar para que ela se torne
uma profissional consciente e responsável.

Conforme as observações feitas, notamos que abordar as HSE du-


rante a formação docente mostra-se uma alternativa relevante e,
de acordo com Godin, Morais, Brantes (2014), os fatores emocionais
são importantes no processo de formação docente, na medida em
que podem gerar habilidades que favorecem a construção de novas
competências profissionais.

229
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Figura 2- Mapa conceitual sobre as habilidades


socioemocionais que são construídas ao longo da
vivência acadêmica de Tétis.
Fonte: elaborado pela autora.
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

CONSIDERAÇÕES

No decorrer deste capítulo, procuramos compreender a influência


que a família exerce no desenvolvimento das HSE de uma licencian-
da com deficiência, matriculada no curso de Ciências Biológicas da
UFS, e como essas HSE se mostram presentes ao longo de seu pro-
cesso de inclusão. Para isso, inicialmente buscamos conhecer um
pouco da história de vida da aluna, a qual denominamos de Tétis;
posteriormente, analisamos seu processo de inclusão no curso, e,
por fim, trouxemos as principais HSE identificadas, associando-as
tanto à influência exercida pela família quanto aos benefícios/bar-
reiras que essas habilidades lhe proporcionaram ao longo do seu
processo de inclusão no curso.

Através dos relatos trazidos, podemos perceber que as duas defi-


ciências de Tétis originaram-se provavelmente a partir de um parto
prematuro com graves complicações e que, para a mãe, a deficiência
auditiva e visual da filha não foram consideradas obstáculos para o
desenvolvimento de suas potencialidades. No seu núcleo familiar,
constituído de pai, mãe e irmã, devido às deficiências de Tétis, ela
conviveu com um misto de sentimentos que gerou dois estímulos
distintos, o incentivo e a superproteção, a partir dos quais suas HSE
começaram a ser desenvolvidas.

A categoria conscienciosidade começou a ser estimulada ao longo


da vivência familiar da licencianda através do estímulo à autonomia,
seja através de pressões positivas, como o incentivo e a gratidão dos
pais, ou por pressões negativas, como a disputa com a irmã por aten-
ção e o preconceito da família mais ampla.

231
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Essa categoria é estimulada durante a vida acadêmica através do


comprometimento que Tétis apresenta diante da relação com o ou-
tro e também na medida em que ela não se utilizou das deficiências
que possui para obter vantagens, o que a direcionou também para a
reivindicação de alguns direitos.

A entrada na universidade demonstrou ser um momento importan-


te na vida da licencianda, visto que, a partir dela, Tétis passa a desen-
volver habilidades presentes no domínio abertura a novas experiên-
cias e extroversão, que possivelmente não foram incentivas na vida
familiar devido aos episódios de superproteção exercidos principal-
mente pela mãe. O desenvolvimento das HSE nesses domínios fa-
voreceu uma interação maior com os colegas da turma, mesmo que
por vezes tenha vivenciado situações de preconceito. No entanto,
essas mesmas situações auxiliaram a licencianda a sair da passivi-
dade, o que a levou a expor os aspectos que a desagradavam, e isso
pareceu melhorar a relação com os colegas, o que tornou Tétis mais
colaborativa na interação com eles.

Frente a esses aspectos observados, consideramos que, no caso da


licencianda Tétis, a família e a universidade influenciaram na cons-
trução das HSE da aluna. Além disso, percebemos que essas habili-
dades foram e são importantes para a sua inclusão no curso de Bio-
logia e na sua posterior formação.

Diante dessas ponderações, propomos uma reflexão sobre a rele-


vância de considerar o licenciando e futuro professor através de suas
várias faces, o que inclui sua relação com a família, suas emoções e

232
FAMÍLIA E HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS: UM ESTUDO SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO
ENSINO SUPERIOR EM BIOLOGIA

aptidões, seus interesses e suas HSE, fato que se torna mais neces-
sário quando estamos lidando com alunos que possuem algum tipo
de deficiência.

Sugerimos também que pesquisas futuras possam abordar a temá-


tica da inclusão do aluno com deficiência no ensino superior nos
diversos departamentos e cursos, sejam eles de licenciatura ou ba-
charelado, da UFS e demais Instituições de Ensino Superior do nos-
so país, para que possamos ter noções mais sólidas do processo de
inclusão deles, de modo que essas pesquisas possam colaborar para
que as divergências entre o acesso e a permanência desses alunos
se minimizem.

233
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

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238
CAPÍTULO 7

ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VUL-


NERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA:
UMA ANÁLISE SOBRE PREVENÇÃO DAS
IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

Manoel Messias Santos Alves

INTRODUÇÃO

Tradicionalmente, as pesquisas relacionadas ao ensino


de ciências são mais frequentes nas áreas e nos mode-
los de ordem cognitiva e conceitual da aprendizagem,
com enfoque em estratégias metacognitivas e de deco-
dificação de conteúdos (BONNEY et al., 2005).

No entanto, discussões acerca de um novo paradigma


de ensino têm ganhado destaque no atual cenário da
educação científica, em que o número de publicações
abordando implícita ou explicitamente fatores não
cognitivos, como aspectos atitudinais, motivacionais e
habilidades socioemocionais (HSE), tem se mostrado
relevante sobre a influência da atividade intelectual e
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

da aprendizagem dos indivíduos, na qual os sentimentos e as emo-


ções modulam suas atitudes, suas preferências e sua motivação em
aprender (ALSOP, 2005; REISS, 2005).

Nesse sentido, Zabala (1998) estabeleceu uma inter-relação entre


as capacidades cognitivas com a autonomia pessoal dos indivíduos
no ensino de ciências, para garantir a formação integral deles e o
desenvolvimento das capacidades afetivas e da interação social. O
autor faz referência a Coll (1986), ao abordar algumas considerações
sobre os conteúdos de aprendizagem, que correspondem a dados,
habilidades, técnicas, atitudes e conceitos como instrumentos de
explicitação das intenções educativas. Tais conteúdos classificam-se
em conceituais, procedimentais e atitudinais e possibilitam o desen-
volvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpes-
soal e de inserção social, com a finalidade também de alcançar as
capacidades propostas no processo educativo. Essa tipologia “pode
nos servir de instrumento para definir as diferentes posições sobre
o papel que deve ter o ensino”, respondendo respectivamente aos
seguintes questionamentos: “o que se deve saber?”, “o que se deve
saber fazer?” e “como se deve ser?” (ZABALA, 1998, p. 32).

Ampliando essa discussão sobre a aprendizagem dos conteúdos


segundo sua tipologia, Zabala (1998, p. 40) considera que “todo
conteúdo, por mais específico que seja, sempre está associado, e
portanto será aprendido junto ao conteúdo de outras naturezas”, o
que nos faz inferir que, além dos conhecimentos cognitivos da es-
fera conceitual, o ensino de ciências necessita englobar também os

240
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

componentes procedimentais e atitudinais dos indivíduos para que


eles possam viver em sociedade com autonomia e expressar suas
ideias de forma consciente e responsável para viver com qualidade
(BEDIN; QUEIROZ, 2015).

Assim, os conteúdos conceituais (saber) são mais abstratos e refe-


rem-se aos conceitos propriamente ditos, juntamente com os con-
teúdos factuais, ou seja, os fatos, acontecimentos, códigos e fenô-
menos para o desenvolvimento da parte cognitiva e da construção
do pensamento do ser; já os conteúdos procedimentais (saber fazer)
incluem regras, técnicas, habilidades, estratégias, métodos e ações
ordenadas para a realização de um objetivo, ou, em outras palavras,
esses conteúdos implicam colocar em prática o conhecimento ad-
quirido através dos conteúdos conceituais, nos quais essa apren-
dizagem ocorre, sobretudo, com a realização de ações seguida da
reflexão para poder melhorar sua capacidade; e, por fim, no que se
refere aos conteúdos atitudinais (ser), estão presentes, mesmo que
inconscientemente, em todo contexto escolar, envolvendo um con-
junto de valores, atitudes e normas que influenciam as relações e
interações dos alunos conforme suas experiências, mediante os
componentes cognitivos, afetivos e condutais ou conotativos (COLL
et al., 1998; ZABALA, 1998; MALDONADO et al., 2014).

É importante frisar que quando nos referimos ao termo atitude, seu


entendimento deve ir muito além de um simples comportamento
derivado de intenções ou propósitos realizados pelos indivíduos,
pois, como já explicitava Thurstone (1928), as atitudes dos sujeitos

241
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

podem ser expressas em circunstâncias diferentes, pela aceitação


ou rejeição de determinadas opiniões, bem como sentimentos, pre-
conceitos, ideias, medos e convicções pessoais. Apesar de não exis-
tir uma definição precisa e universal sobre a terminologia atitude,
Zabala (1998) traz uma importante explanação sobre os aspectos
atitudinais no contexto escolar:
As atitudes são tendências ou predisposições relativamente está-
veis das pessoas para atuar de certa maneira. São a forma como
cada pessoa realiza sua conduta de acordo com valores determi-
nados. Assim, são exemplo de atitudes: cooperar com grupo, aju-
dar os colegas, respeitar o meio ambiente, participar das tarefas
escolares, etc. (ZABALA, 1998, p. 46).

Diante da dificuldade na definição do termo atitude como análise


de estudos de pesquisa, consideramos pertinente a contribuição de
Nieswandt (2005), em seu estudo de revisão de campo com alunos
sobre aspectos atitudinais em direção à ciência, sendo que as ati-
tudes são compostas por componentes cognitivos, afetivos e com-
portamentais, correspondendo a uma predisposição para responder
positiva ou negativamente a coisas, pessoas, lugares ou ideias. E, em
relação ao ensino de ciências, as atitudes podem ser manifestadas
também através de sentimentos positivos ou negativos dos alunos e
professores sobre a ciência e os conteúdos científicos.

Nessa perspectiva, espera-se que o ensino de ciências possibilite aos


educandos, em determinadas etapas de suas vidas, a capacidade de
desenvolver atitudes e habilidades imprescindíveis para seu conví-
vio em sociedade. No viés da análise, as abordagens relacionadas

242
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

à Educação em Saúde têm contribuído para mudanças atitudinais


e comportamentais nos estudantes, como a construção de novos
conhecimentos, a adoção de estilos de vida saudáveis e de hábitos
que visem à promoção da saúde e à qualidade de vida (GONÇALVES;
CARVALHO, 2007).

Entre as temáticas de maior relevância no contexto da Educação em


Saúde, a sexualidade tem se destacado principalmente com o públi-
co adolescente, visto que é nessa faixa etária que se inicia o amadu-
recimento sexual juntamente com uma série de transformações físi-
cas e comportamentais. Por isso, na ausência de orientações sobre
sexualidade ou quando essas orientações ocorrem de forma distor-
cida e incompleta, os adolescentes tornam-se vulneráveis a contrair
Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), como a infecção pelo
Vírus da Imunodeficiência Humana (Human Immunodeficiency Virus)
(HIV), que, se não for devidamente tratada, pode resultar na Síndro-
me da Imunodeficiência Adquirida (Acquired Immunodeficiency Syn-
drome) ( AIDS) (OLIVEIRA; DIAS; SILVA, 2005; BESERRA et al., 2017).

Ao refletir essa discussão sob uma óptica pós-modernista e frente


as diferentes dimensões do ser humano, Piaget (1995) defende que
o desenvolvimento intelectual está entrelaçado com os componen-
tes afetivos e cognitivos, visto que uma prática pedagógica pautada
exclusivamente nos aspectos cognitivos, tecnicistas e conceituais
torna-se insuficiente para que o indivíduo possa tornar-se um ci-
dadão consciente, crítico, reflexivo e participativo no meio em que
está inserido. Dessa forma, entendemos que as questões atitudinais,

243
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

afetivas e as de natureza socioemocionais são de suma importân-


cia para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem,
visto que possibilita aos alunos a reflexão sobre seu papel histórico,
cultural e a tomada de decisões, tornando-os menos vulneráveis às
IST/AIDS e aos demais problemas de saúde (ABED, 2014; MOREIRA;
SILVÉRIO JÚNIOR, 2017).

Nesse contexto, o desenvolvimento das HSE surge como estratégia


inovadora no ensino de ciências, mas sem desconsiderar os aspectos
cognitivos na prática pedagógica, mas por meio do resgate e realo-
cação dessas habilidades que estão intrinsecamente envolvidas no
processo de aprendizagem (PARANHOS et al., 2016). Assim, antes de
adentrarmos na discussão sobre Educação em Saúde, é imprescindível
considerar sua implicação para com os elementos atitudinais e emo-
cionais, sobretudo no que se refere aos aspectos afetivos, bem como
sua íntima relação com a vulnerabilidade e qualidade de vida dos
indivíduos, pois o entendimento de saúde possui um elevado nível
de subjetividade e passa por diversas determinações históricas que
podem variar de indivíduos e culturas ao longo do tempo, conforme
os valores e estilos de vida que contextualizam as relações humanas.

Dessa forma, quando nos referimos à vulnerabilidade, é importante


frisar que seu entendimento é também bastante subjetivo, e Ayres
et al. (2003; 2009) têm colaborado com essa discussão ao aborda-
rem em diversos estudos as origens e os fundamentos práticos e
epistemológicos da vulnerabilidade em articulação com aspectos
comportamentais, culturais, políticos e econômicos para compreen-

244
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

der como os indivíduos e os grupos populacionais estão expostos


a determinados agravos e riscos à saúde (AYRES et al., 2009; AYRES;
PAIVA; FRANÇA JÚNIOR, 2012).

Nesse dualismo entre afetividade e cognição, chegamos a algumas


importantes questões problematizadoras, a saber: de que forma a
afetividade articula-se com a possível relação entre vulnerabilidade
e qualidade de vida? Será que indivíduos com diferentes qualidades
de vida podem ser considerados menos ou mais vulneráveis, respec-
tivamente? Trabalhar com HSE no ensino de ciências inseridas na
perspectiva Educação em Saúde pode contribuir para mudanças de
atitudes e estilos de vida saudáveis com alunos adolescentes frente
às IST/AIDS? A discussão sobre essas questões se faz necessária para
tentarmos entender a complexidade do processo de aprendizagem
no ensino de ciências, considerando, além dos aspectos puramente
cognitivos, também os componentes afetivos que interagem nesse
processo no ambiente escolar.

Assim, propusemos, neste capítulo, estabelecer uma discussão no âm-


bito do ensino de ciências que contemple a relação entre afetividade,
vulnerabilidade e qualidade de vida dos alunos adolescentes confor-
me suas atitudes, e com enfoque nas IST/AIDS. Esperamos, então, que
a abordagem dos componentes afetivos contribua para que os jovens
adotem estilos de vida saudáveis, tornando-se menos vulneráveis às
IST de modo geral, para que possam além de ter um desempenho es-
colar satisfatório, saber lidar melhor com a diversidade de situações
do dia a dia, e assim, garantir uma melhor qualidade de vida.

245
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Para que a saúde seja compreendida como um valor coletivo, é ne-


cessário um enfoque voltado às relações dos indivíduos na socieda-
de e com o meio ambiente, e não apenas aos fenômenos biológicos.
Desse modo, em 1948 a Organização Mundial de Saúde (OMS) re-
definiu o conceito de saúde como o estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. No Brasil, a
Lei Federal nº 8080, de 19 de setembro de 1990, também conhecida
como Lei Orgânica da Saúde, reforça os princípios constitucionais de
que a saúde é um direito fundamental de todos e dever do Estado,
mas esse dever não exclui a responsabilidade das pessoas, da famí-
lia, da escola e da coletividade em geral com a promoção, proteção
e recuperação da saúde (BRASIL, 1990).

No contexto escolar, a Educação em Saúde pode ser compreendida


como a formação de atitudes e valores desenvolvidos na escola, com
o objetivo de promover nos alunos a adoção de comportamentos
favoráveis à saúde, por isso é imprescindível estar presente em to-
dos os aspectos da vida, a qual necessita ser trabalhada de maneira
interdisciplinar, especialmente no ensino de ciências, para garantir
uma aprendizagem efetiva e transformadora de atitudes capazes de
melhorar a qualidade de vida dos alunos (BRASIL, 1998; MARINHO;
SILVA; FERREIRA, 2015). No entanto, o ensino de saúde tem se tor-
nado um desafio a ser alcançado na educação básica, visto que o
tradicional modelo biomédico da saúde, centrado na mera transmis-
são de conceitos acerca da saúde/doença com enfoque apenas nos
aspectos biológicos e fisiológicos, não é eficaz para promoção da

246
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

saúde e não contribui significativamente para a adoção de atitudes


e estilos de vida saudáveis pelos alunos (RABELLO, 2010).

De acordo com Carvalho e Carvalho (2006), a Educação em Saúde


contribui positivamente para a sensibilização de mudanças e na
adoção de estilos de vida saudáveis, em que as convicções pessoais
e os valores dos alunos são considerados. Nessa perspectiva, Educa-
ção em Saúde no ensino de ciências tem o compromisso de ser con-
dizente com as realidades e necessidades dos educandos e de toda
comunidade em geral, pois considera o sujeito como um ser biopsi-
cossocial e engloba aspectos conceituais, procedimentais e atitudi-
nais que permitam aos estudantes exercerem com responsabilidade
sua cidadania (OMS, 1948; ZABALA, 1998; RODRIGUES et al., 2007).

Atitudes e suas implicações sobre vulnerabilidade e


qualidade de vida

Intrinsecamente, o ensino de ciências envolve muitas habilidades so-


cioafetivas e de qualidade emocional na aprendizagem, tais como o
interesse, o engajamento e a motivação, para que os professores e alu-
nos possam interagir e se posicionar criticamente em relação ao saber.
Nessa caminhada, trabalhar com afetividade e demais componentes
atitudinais muitas vezes pode envolver resistência e frustração para
suportar o processo de amadurecimento ao longo da vida. Geralmen-
te esses elementos são melhor evidenciados quando o indivíduo se
mostra otimista, criativo, responsável e desenvolve comportamentos

247
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

singulares diante de situações diferentes daquelas com as quais estão


acostumados a lidar (ABED, 2014; PARANHOS, 2017).

Ao considerar os componentes cognitivos e afetivos da aprendi-


zagem, Shaw e Wright (1968, p. 13, apud NIESWANDT, 2005, p. 42)
apontam que a “atitude é melhor compreendida como um conjun-
to de reações afetivas em relação ao objeto de atitude, derivado
de conceitos de crenças que o indivíduo tem sobre o objeto e que
predispõe o indivíduo a se comportar de certa maneira em relação
a esse objeto”. Com efeito, no ramo da Psicologia Social, atitude
corresponde a um sistema duradouro que abrange componentes
cognitivos, sentimentais (ou afetivos) e uma tendência para realizar
determinada ação (ou comportamento), sendo que os elementos
cognitivos consistem em convicções ou opiniões sobre um objeto
ou ideia, enquanto que os afetivos englobam uma parcela de sen-
timentos relacionados às convicções ou opiniões e às tendências
comportamentais (FREEDMAN; CARLSMITH; SEARS, 1970).

Dessa forma, fica evidente que a atitude não é um termo unidimen-


sional, mas sim uma estrutura multifacetada que inclui a interação
dinâmica de seus componentes (cognitivos, afetivos e comporta-
mentais) e pode ser manifestada em várias outras categorias, como
o autoconceito científico, a relação entre os professores e os alunos,
o ambiente físico da sala de aula, o currículo científico e escolar, a
ansiedade científica, as crenças e imagens, bem como os valores e
a personalidade dos sujeitos envolvidos (ALSOP, 2005; NIESWANDT,
2005). Uma vez estabelecidas, as atitudes tendem a ser resistentes à

248
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

mudança, pois “as pessoas não mudam suas atitudes sem luta e sem
se exporem a um considerável montante de pressão” (FREEDMAN;
CARLSMITH; SEARS, 1970, p. 250).

No entanto, a relação entre atitudes e comportamento vem sendo ob-


jeto de estudo já há algum tempo, e, como apontam Lima e D’Amorim
(1986), existem fortes divergências sobre o fato de as atitudes predize-
rem ou determinarem o comportamento humano, sobretudo no que
se refere ao componente afetivo, visto que um único comportamento
pode ser tipicamente influenciado por vários outros fatores. Entre-
tanto, a partir do pressuposto de que o comportamento é “uma ação
aberta sob o controle voluntário e dentro da capacidade do indiví-
duo” (CRAWLEY; COE, 1990, p. 463, apud NIESWANDT, 2005, p. 43), não
podemos deixar de considerar a importância dos aspectos atitudinais
na previsão das intenções comportamentais dos sujeitos.

Diante do exposto, a relação entre uma decisão a favor de ou contra


um determinado comportamento ou objeto particular e suas conse-
quências é rotulada como crenças de resultados comportamentais,
em face das quais as atitudes adotadas têm implicações significati-
vas sobre qualidade de vida, riscos e vulnerabilidades dos indivíduos
(NIESWANDT, 2005).

Nesse sentido, de acordo com Ayres et al. (2003, p. 123), a vulnera-


bilidade busca interagir com diversos outros saberes, podendo ser
estabelecida conforme as dimensões analíticas de caráter individual,
social e programático, para considerar assim, “a chance de exposi-
ção das pessoas ao adoecimento como a resultante de um conjunto

249
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos, con-


textuais, que acarretam maior suscetibilidade à infecção e ao adoe-
cimento”. Frente a esta discussão, Mann Tarantola e Netter (1993)
abordam que a vulnerabilidade se insere no âmbito individual e
social, em que o primeiro se relaciona com o grau de informação e
conscientização com aspectos peculiares dos sujeitos para o enfren-
tamento dos problemas, e o segundo corresponde às condições dos
sujeitos frente ao poder de negociação e de acesso à saúde, à educa-
ção, ao trabalho e ao nível de liberdade e autonomia, de acordo com
gênero, etnia, orientação sexual, classe social e demais elementos.

Vale a pena lembrar que a vulnerabilidade também está inserida


numa esfera multidimensional em que envolve fatores biológicos,
epidemiológicos e socioculturais com a potencialidade de colocar os
indivíduos em situação de fragilidade, influenciando seu modo de vi-
ver e de adoecer, e, consequentemente, sua qualidade de vida (AYRES;
PAIVA; FRANÇA JÚNIOR, 2012; SOBRAL et al., 2015). Ainda sobre a dis-
cussão voltada à Educação em Saúde, vale ressaltar que o termo quali-
dade de vida possui uma relação direta com a saúde física e o bem-es-
tar emocional ou psicológico das pessoas, incluindo sentimentos de
felicidade, contentamento e satisfação com as condições da própria
vida (SELENE, 2006; NERI, 2007; SOBRAL et al., 2015).

Diante do pressuposto de que as atitudes exercidas pelos sujeitos


permitem inferir ou até mesmo identificar se eles estão vulneráveis a
determinados agravos, riscos e danos à saúde, cabe aqui uma impor-
tante reflexão sobre: até que ponto a vulnerabilidade pode influen-

250
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

ciar na qualidade de vida das pessoas? É possível ter boa qualidade


de vida mesmo estando vulnerável a uma série de fatores individuais
e sociais? Embora qualidade de vida e saúde sejam termos indisso-
ciáveis, a saúde não é o único fator que influencia a nossa qualidade
de vida, pois há toda uma complexidade envolvendo também as
diferentes relações sociais e ambientais, como o nível socioeconô-
mico, o estado emocional, a atividade intelectual, o autocuidado, os
valores culturais, éticos e religiosos, o estilo de vida e a satisfação
com o ambiente em que se vive (SILVA et al., 2013; SOBRAL, 2015).

A definição de qualidade de vida trazida pela OMS como “a percep-


ção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e
sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações” (THE WHOQOL GROUP, 1994,
p. 1405, apud SEIDL; ZANNON, 2004, p. 583) fortalece a importância
de abordar essa temática no ensino de ciências, considerando-se o
ser humano na sua integralidade (SILVA et al., 2013). Nessa perspec-
tiva, implicitamente, podemos inferir que as diferentes especifica-
ções de vulnerabilidade têm uma importante relação com a quali-
dade de vida das pessoas, pois, se um indivíduo, por exemplo, está
vulnerável a uma série de problemas sociais, como moradia em si-
tuação precária de saneamento básico, dificuldades financeiras, falta
de acesso a informações e até mesmo de assistência médica e social,
tais circunstâncias possivelmente trarão consequências prejudiciais
ao seu bem-estar, o que certamente irá interferir negativamente em
sua qualidade de vida.

251
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Entretanto, apesar dessa importante relação entre saúde e qualidade


de vida em contraste com situações e condições de vulnerabilidade,
esses fatores não podem ser considerados como via de regra, visto
que há situações de vulnerabilidade em que os indivíduos podem
não sofrer prejuízos em sua qualidade de vida, pelo menos até que
os danos às suas condições básicas de saúde se consolidem, pois ter
qualidade de vida é, de maneira geral, estar em harmonia com vários
fatores que não se restringem apenas à vulnerabilidade e à saúde fí-
sica e mental, é necessário, sobretudo, que os indivíduos estejam de
bem consigo mesmo, com a vida e com o meio em que está inserido.
Assim, diante dessas considerações, é possível inferir que a mudan-
ça de atitudes para a promoção de estilos de vida saudáveis é uma
tarefa complexa, pois implica mudanças individuais e socioculturais
com a necessidade de uma aprendizagem que permita ao indivíduo
escolher e assumir suas opções de vida ciente de suas responsabili-
dades e assumindo um papel ativo em seu processo de saúde (CAR-
VALHO; CARVALHO, 2005; 2006).

Ao trazer essa discussão para o contexto escolar com o público ado-


lescente, Silva et al. (2013), em seu estudo realizado com alunos de
uma comunidade vulnerável localizada no Sul do Brasil, evidencia-
ram uma série de fatores que interferem na qualidade de vida dos
estudantes, como as atitudes, os valores e os comportamentos es-
tabelecidos no âmbito familiar e que repercutem no desejo e nas
escolhas relacionadas ao trabalho e aos estudos, além da relação en-
tre as condições sociais, como a renda dos familiares, a escolaridade
dos pais, entre outros. Resultados semelhantes foram encontrados

252
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

na pesquisa de Cabral et al. (2013), realizada com adolescentes ex-


postos a riscos sociais, na qual se constatou que o suprimento das
necessidades humanas básicas, como segurança, nutrição adequa-
da, higiene e condição de vida satisfatória, altera a percepção acerca
da qualidade de vida dos sujeitos.

Nesse contexto, Carvalho et al. (2008) reafirmam ainda a ideia de


que as situações de vulnerabilidade não são consequência exclusi-
vamente da dificuldade de acesso a informações ou da ignorância
das pessoas, pois, segundo esses autores, o conhecimento por si só
não é capaz de despertar as mudanças comportamentais necessá-
rias que melhorem sua qualidade de vida, visto que, mesmo após
um “bombardeamento” de informações, muitos indivíduos persis-
tem em suas atitudes e seus estilos de vida. Enfim, essa é uma rela-
ção um tanto quanto complexa de se estabelecer, mas a princípio
gostaríamos de ressaltar essa relatividade em ser vulnerável e, con-
comitantemente, ter qualidade de vida.

Reflexões sobre a adolescência e a


vulnerabilidade às IST/AIDS

A adolescência corresponde ao período do desenvolvimento hu-


mano marcado por uma série de transformações biopsicossociais,
sendo a fase de transição entre a infância e a vida adulta, na qual a
maioria dos jovens define sua personalidade e adquire maturidade
cognitiva. Geralmente, é nesse período que ocorre maior incidência

253
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

de conflitos sociais, comportamentais, psicológicos, físicos e tam-


bém a iniciação da vida sexual (BESERRA et al., 2008; OLIVEIRA; DIAS;
SILVA, 2009; BORGES; SCHOR, 2006).

A OMS considera a adolescência inserida na faixa etária de 10 a 19


anos, enquanto que, para a Organização das Nações Unidas (ONU),
esse limite cronológico está entre 15 a 24 anos, e, no Brasil, conforme
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, a ado-
lescência é definida como a faixa etária de 12 a 18 anos de idade. No
entanto, é importante enfatizar que a idade cronológica nem sem-
pre é o melhor critério para determinar o grau de maturidade e de
intelectualidade do adolescente, já que essas características podem
apresentar uma assincronia de maturação devido a vários fatores,
como a variabilidade e diversidade de parâmetros biológicos e psi-
cossociais (BRASIL, 1990; ARAÚJO et al., 2015).

Dessa forma, por ser um período de descobertas importantes, no


qual o jovem busca construir sua identidade diante do contexto
sociocultural em que está inserido, muitas vezes com dificuldades
para tomar decisões e lidar com seus sentimentos, a adolescência é
caracterizada também por apresentar vulnerabilidade a uma série
de elementos prejudiciais à saúde, como no caso das IST/AIDS, em
virtude também da falta de experiência e de responsabilidade dian-
te de relacionamentos afetivos e sexuais (TAQUETTE et al., 2004). Um
estudo documental realizado por Beserra et al. (2008) aponta que o
início prematuro da vida sexual é um fato marcante na adolescên-
cia, o que contribui para o aumento da vulnerabilidade às IST, em

254
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

especial à AIDS, bem como para uma gravidez precoce não plane-
jada, considerando as evidências de que muitos adolescentes não
possuem orientação adequada sobre sexualidade e de que há riscos
existentes na prática sexual sem proteção.

Como já foi ressaltado, a vulnerabilidade está intimamente relacio-


nada aos aspectos atitudinais e comportamentais de risco para o
adoecimento (AYRES et al., 2003; 2009). No entanto, no que refere
às IST/AIDS, o conceito de vulnerabilidade transcende a atitude se-
xual praticada pelos adolescentes, a qual leva em consideração a
capacidade de discernimento e de interpretação desses jovens, sua
maneira de viver e interagir com o meio, e, inclusive, a qualidade
de informações recebidas acerca dessas infecções, suas formas de
transmissão e prevenção (ALBUQUERQUE et al., 2012).

Ayres (2003) aborda ainda diferentes graus e naturezas de vulnera-


bilidade individual e coletiva às IST/AIDS, considerando os aspectos
individuais, sociais e programáticos, sendo que:
No plano individual, a avaliação de vulnerabilidade ocupa-se,
basicamente, dos comportamentos que criam a oportunidade
de infectar-se e/ou adoecer, nas diversas situações já conhecidas
de transmissão do HIV (relação sexual, uso de drogas injetáveis,
transfusão sanguínea e transmissão vertical) (p. 125).

Consideramos, assim, que o comportamento de risco de exposição


à infecção não é algo que depende exclusivamente da vontade dos
adolescentes, e sim do grau de consciência desses jovens sobre suas
atitudes e seus comportamentos. Diferentemente do que aconte-

255
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

ce no plano social abordado por Ayres, em que a vulnerabilidade é


analisada diante de alguns aspectos, como o acesso à informação,
a quantidade de recursos destinados à saúde por parte das autori-
dades e da legislação local, a qualidade e o acesso aos serviços de
saúde, o nível geral de saúde da população, o grau de liberdade de
pensamento e expressão, entre outros, o plano programático se re-
fere à existência e efetividade, por parte das autoridades locais, de
ações institucionais voltadas para a solução dos problemas relacio-
nados à saúde, neste caso, às IST/AIDS.

Diante do exposto, podemos inferir que as pessoas não são necessaria-


mente vulneráveis, mas, sim, que podem, em determinados momentos
e circunstâncias, estar vulneráveis a alguns agravos (AYRES et al., 2003).
Colaborando com esse pensamento, Câmara (2012) defende não ser
correto afirmar que uma pessoa “é vulnerável”, o ideal seria dizer que
uma pessoa “está vulnerável” a um problema específico e em um deter-
minado momento da vida, uma vez que as mudanças comportamen-
tais estão envolvidas com as relações interpessoais dos indivíduos.

Nessa conjuntura, é importante ressaltar que o despreparo dos fami-


liares e da escola em discutir sobre sexualidade favorece o aumen-
to da vulnerabilidade dos adolescentes frente às IST/AIDS, fazendo
com que os jovens cheguem à adolescência sem nenhuma ou pouca
orientação acerca desse assunto. Por esse motivo, há um consenso
sobre a importância de o adolescente ser orientado desde cedo so-
bre sexualidade, por meio de um diálogo aberto com os familiares e
educadores, para que possa se expressar e ter suas dúvidas esclare-

256
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

cidas, contribuindo, com efeito, para a prevenção das IST e a adoção


de atitudes e estilos de vida saudáveis (BESERRA et al., 2008).

No entanto, entre os fatores que dificultam os pais falarem sobre se-


xualidade com seus filhos, destacam-se a falta de instrução sobre a
temática, assim como a timidez e a escassez de intimidade e/ou de
afetividade devido às barreiras culturais. Como consequência, mui-
tos jovens podem discutir erroneamente entre si sobre sexo seguro
e iniciar sua vida sexual sem conhecer adequadamente o seu corpo
e os riscos inerentes a uma relação desprotegida, tornando-os, as-
sim, ainda mais vulneráveis às IST/AIDS, como também a uma gra-
videz não planejada. Diante dessa realidade, a escola assume um
importante compromisso social em orientar os jovens através de
um diálogo aberto sobre temas relevantes em prol da qualidade de
vida, como, por exemplo, a sexualidade e as ações de Educação em
Saúde, para incentivá-los a adotar estilos de vida saudáveis em suas
práticas cotidianas, enfatizando a percepção de fatores de risco e as
mudanças no comportamento sexual, como a utilização adequada
do preservativo (PASSOS, 2001).

Um estudo transversal realizado por Taquette, Vilhena e Paula (2004)


com adolescentes no Rio de Janeiro evidenciou que a atividade se-
xual precoce geralmente tem início na faixa etária de 11 a 15 anos, e
prevalece algumas conotações quanto ao gênero, já que os jovens
do sexo masculino são estimulados e incentivados a iniciarem pre-
cocemente sua vida sexual “para mostrarem que são potentes se-
xualmente, como se fosse uma imposição da sociedade ao aconteci-

257
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

mento desse fato” (idem, p. 33). De maneira geral, os jovens afastam


de si a possibilidade de adquirir IST, demonstrando imaturidade e
pouca preocupação sobre os riscos dessas infecções, além de, no
caso das meninas, geralmente não demonstrarem capacidade de
negociar o sexo seguro (uso do preservativo) com seus parceiros.
Assim, muitos adolescentes se expõem a riscos e acabam se conta-
minando com alguma IST, e, quando isso acontece, tentam esconder
dos pais e não procuram o serviço de saúde por medo e/ou vergo-
nha de descobrirem que já iniciaram sua vida sexual, bem como por
desconhecimento dos sinais e sintomas das IST/AIDS (BORGES; NI-
CHIATA; SCHOR, 2006; MARTINS et al., 2006).

As políticas públicas nacionais e internacionais no âmbito da saúde


apontam que o uso do preservativo é a maneira mais segura e indi-
cada para prevenção das IST/AIDS e de uma gestação não planeja-
da. Nessa perspectiva, a Educação em Saúde no ensino de ciências
pode contribuir significativamente para diminuição do estado de
vulnerabilidade dos jovens diante das IST/AIDS e, consequentemen-
te, melhorar sua qualidade de vida, enfatizando-se a importância de
utilizar o preservativo nas relações sexuais, sendo necessário tam-
bém facilitar o acesso dos jovens a esses métodos contraceptivos,
bem como a realização de oficinas que orientem sobre sexo seguro
(ROUQUEIROL; FAÇANHA; VERAS, 2003; BORGES; NICHIATA; SCHOR,
2006; MARTINS et al., 2006).

Nas últimas décadas, a escola vem sendo considerada um ambiente


de intervenção e de promoção da Educação em Saúde, em que a

258
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

sexualidade é um dos temas mais relevantes a ser trabalhado com


os adolescentes, com ações que contribuam para sua formação e
seu processo de amadurecimento, pois muitos iniciam a vida sexual
precocemente e, muitas vezes, sem fazer uso de preservativo por di-
versos motivos, como confiança no parceiro ou na parceira, paixão,
desejo e também por falta de habilidade ou poder de negociação,
esse último exemplo ocorre principalmente com os jovens do sexo
feminino (BESERRA et al., 2008; ALBUQUERQUE et al., 2012).

Diante do exposto, um estudo realizado por Oliveira et al. (2009)


corrobora nessa direção ao analisar os conhecimentos sobre a pre-
venção das IST/AIDS e a utilização de preservativos masculinos com
492 adolescentes de duas escolas do Rio de Janeiro, estudo esse que
apontou outros motivos prejudiciais para a prevenção das IST entre
os jovens pesquisados, como a falta do preservativo no momento
da relação sexual, o sentimento de invulnerabilidade, a queixa de
desconforto e a ausência de prazer com o uso desse método, além
da dificuldade das jovens em solicitar a seu parceiro o uso do pre-
servativo, caracterizando, assim, uma espécie de subordinação de
gênero, pois “as condições sociais, financeiras e estruturais consubs-
tanciam diferentes graus de vulnerabilidade entre os adolescentes,
diminuindo a possibilidade de adoção de práticas sexualmente se-
guras” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 837).

Assim, para se trabalhar sexualidade por meio da Educação em Saú-


de, como qualquer outra temática ou abordagem científica, é impor-
tante que o ensino de ciências preze pela demarcação de saberes

259
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

sempre que os estudantes apresentarem conhecimentos alternati-


vos diferentes dos saberes científicos, para que eles, os discentes,
possam ter as suas concepções expandidas com ideias científicas,
evitando, com isso, a anulação de saberes, visto que as salas de
aula são espaços multiculturais, onde há a necessidade de um en-
sino condizente com as diversas concepções prévias dos alunos, de
modo que ocorra a aprendizagem esperada (BAPTISTA, 2010). Tor-
na-se evidente, então, que uma abordagem pedagógica tradicional
em que os estudantes são meros espectadores passivos, e em que o
ensino preza pela autoridade do professor e pela transmissibilidade
de conteúdos conceituais, não é suficiente para despertar mudanças
atitudinais entre os jovens acerca da educação e promoção da saú-
de, por isso é necessário conhecer quais são as vulnerabilidades que
eles estão expostos e identificar suas necessidades para promover
ações favoráveis à proteção, à implementação e ao desenvolvimen-
to de práticas educativas voltadas à realidade, à cultura e à sua visão
de mundo (KRASILCHIK, 2000; OLIVEIRA et al., 2009).

HSE e aprendizagem socioafetiva como estratégias para o


ensino e a promoção da saúde

Como já ressaltado, o ensino de ciências envolve intrinsecamente


muitas habilidades de qualidade emocional na aprendizagem, essas
habilidades não cognitivas, ou HSE – como preferimos chamar –, es-
tão presentes em todo desenvolvimento humano, seja no contexto
escolar, social, familiar e profissional, envolvendo várias dimensões,

260
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

como o interesse, a afetividade, o engajamento e a motivação, para


que os professores e os alunos possam interagir e se posicionar criti-
camente em relação ao saber (ABED, 2014). De acordo com Cordeiro
et al. (2016, apud ANDRADE, 2018), a discussão acerca das HSE teve
início no campo da psicologia relacionada à formação profissional,
com o intuito de promover melhor desempenho entre trabalhado-
res, e, posteriormente, esse conceito foi introduzido gradativamente
no âmbito da educação.

Apesar da definição de HSE se encontrar em fase de construção, Pa-


ranhos et al., (2016), após realizarem estudos envolvendo habilida-
des sociais e inteligência emocional, chegaram a uma importante
aproximação desse conceito:
[...] as habilidades socioemocionais levam em consideração, como
o indivíduo consegue refletir sobre suas emoções quando precisa
tomar decisões intrapessoais e interpessoais. É, portanto, uma ca-
pacidade reflexiva de lidar com as emoções e potencializar carac-
terísticas ímpares do seu eu nas relações com o outro (PARANHOS
et al., 2016, p. 7647).

Com base nessa definição de Paranhos et al., (2016), podemos inferir


que as HSE constituem uma extensa e complexa organização de co-
nhecimentos e comportamentos relacionados ao sucesso ou ao fra-
casso dos indivíduos, seja na esfera pessoal, acadêmica, profissional
ou social, pois à “medida que os indivíduos se permitem lidar com
situações que os tirem da zona de conforto estão desenvolvendo
habilidades que os amparam na superação dos problemas” (Idem,
p. 7647). Nesse contexto, há, na literatura, uma classificação baseada

261
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

em cinco grandes dimensões envolvendo as HSE na formação do su-


jeito, denominada de big five1, a qual vem passando por novas reor-
ganizações e adaptações, e, atualmente, essas dimensões podem
ser classificadas em: abertura a novas experiências; consciência ou
conscienciosidade; extroversão; amabilidade ou cooperatividade,
e estabilidade emocional ou neuroticismo (PARANHOS et al., 2016;
PARANHOS, 2017; ANDRADE, 2018).

Essa relação das HSE com as dimensões do Big Five reforça o que es-
tamos enfatizando desde o início deste capítulo, isto é, que o mode-
lo de formação tradicional ancorado apenas nos aspectos cognitivos
da educação, com priorização na transmissão de conteúdos concei-
tuais, tem se tornado insuficiente para que os alunos possam de-
senvolver habilidades imprescindíveis para sua formação crítica e re-
flexiva, bem como despertar mudanças atitudinais e estilos de vida
saudáveis, pois não considera os saberes, as experiências, as HSE e as
opiniões dos indivíduos que estão sendo formados. Nessa perspecti-
va, concordamos que é necessário que a escola proporcione um es-
paço de reflexão sobre a vida do aluno como um todo, contribuindo
para o desenvolvimento de uma consciência crítica e transformado-
ra que não se dissocie da afetividade (BEDIN; QUEIROZ, 2015).

Diante dessas considerações, a escola assume o papel de atuar


num contexto socializador das HSE para despertar atitudes e va-
lores relativos aos conhecimentos conceituais, procedimentais e
atitudinais na vida dos indivíduos. Por esse motivo, entendemos

1 Para saber mais sobre o Big Five, sugerimos a leitura dos capítulos 2 e 6 desta obra.

262
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

que trabalhar Educação em Saúde com esses diferentes tipos de


conteúdo e em consonância com as HSE possibilita também a in-
fluência de estilos de vida saudáveis entre os jovens, tornando-se
uma importante estratégia de prevenção de agravos e problemas
de saúde. Corroborando com esse pensamento, Gonçalves e Car-
valho (2007), de maneira implícita, apontam uma possível relação
entre essas habilidades e a adoção de estilos de vida saudáveis pe-
los estudantes, em que os sistemas de interação socioambiental,
os aspectos físicos, psíquicos, sociais e emocionais se conectam
com valores, concepções, culturas, responsabilidades e comporta-
mentos dos sujeitos envolvidos.

Nessa perspectiva, a Colaborativa para a Aprendizagem Acadêmi-


ca, Social e Emocional (The Collaborative for Academic, Social, and
Emotional Learning – CASEL), uma organização mundial que atua na
área da educação promovendo o aprendizado acadêmico, social e
emocional, de forma integrada para a formação de crianças desde
a pré-escola até o ensino médio, identificou cinco grupos inter-re-
lacionados, semelhantes às dimensões do Big Five, que envolvem
competências cognitivas, afetivas e comportamentais. Esses grupos
fazem parte de uma esfera central denominada de aprendizagem
socioemocional ou aprendizagem socioafetiva (ASA) – como prefe-
rimos chamar –, cujo objetivo é intensificar a “capacidade dos alunos
para integrar habilidades, atitudes e comportamentos para lidar efi-
caz e eticamente com tarefas e desafios diários” (CASEL, 2018, p. 1).

263
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

De acordo com a CASEL (2018), podemos resumidamente estabe-


lecer uma relação entre essas competências da ASA, sendo que: ini-
cialmente, a competência Autoconsciência corresponde à capacida-
de de reconhecer as próprias emoções, os pensamentos e valores
e como eles influenciam no comportamento, avaliando as poten-
cialidades e limitações com um senso de confiança e otimismo; no
que diz respeito ao Auto Gerenciamento, consiste na capacidade de
regular as emoções, os pensamentos e os comportamentos de uma
pessoa em diferentes situações, gerenciando o estresse, os impulsos
e promovendo motivação; já a Consciência social envolve a capaci-
dade de assumir e demonstrar perspectiva e simpatia com os ou-
tros, independentemente de suas origens e culturas, de forma ética
e de acordo com os princípios familiares, escolares e comunitários;
quanto às Habilidades de relacionamento, essa competência tem a
capacidade de estabelecer e manter relacionamentos saudáveis e
gratificantes com diversos indivíduos e grupos, por meio de comuni-
cação clara, cooperação e trabalho em equipe; por fim, a Tomada de
decisão responsável resulta na capacidade de fazer escolhas constru-
tivas sobre comportamentos pessoais e interações sociais baseadas
em padrões éticos, preocupações de segurança e normas sociais.

Diante do exposto, vale ressaltar que diversas pesquisas realizadas


pela CASEL demonstraram que os professores de todas as áreas aca-
dêmicas podem efetivamente ensinar por meio da ASA, e em múl-
tiplos campos e abordagens, como neurociências, saúde, emprego,
psicologia, gerenciamento de sala de aula, teoria da aprendizagem,
economia e prevenção de comportamentos problemáticos na ado-
lescência (CASEL, 2018). Desse modo, é perceptível o fato de a ASA

264
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

envolver processos através dos quais os alunos podem usufruir do


conhecimento adquirido por meio de atitudes e habilidades emo-
cionais para determinar e alcançar metas positivas, bem como sentir
e demonstrar empatia pelos colegas, estabelecendo relações so-
cioafetivas e tomada de decisões responsáveis.

Nessa conjuntura, percebemos que em todas essas discussões le-


vantadas até aqui acerca do ensino-aprendizagem de ciências, os
aspectos afetivos se fizeram presentes, pois não tem como falarmos
de emoções, atitudes, HSE, ASA e demais elementos não cognitivos
sem nos remetermos à afetividade. Dessa forma, concordamos com
Wallon quando afirma que “as emoções são a exteriorização da afe-
tividade” (2007, p. 124).

Como já explanado no início deste capítulo, a educação científica


tradicionalmente tem atribuído pouca ênfase aos aspectos emo-
cionais na prática de ensino, na qual, de forma implícita, e erronea-
mente, a ciência e as emoções foram tratadas em mundos separa-
dos por muitos anos. Entretanto, um novo paradigma de ensino
está ganhando espaço na literatura científica contemporânea, visto
que estudos relacionados às emoções e aos sentimentos, apesar de
ainda serem relativamente pouco abordados de maneira explícita,
têm demonstrado a importância de se trabalhar com afetividade no
ensino de ciências nas escolas, para que os alunos atribuam valor
pessoal aos conteúdos que são ensinados e despertem o interesse
em aprender (ALSOP, 2005; REISS, 2005).

265
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Nesse sentido, a afetividade pode ser compreendida de diferentes


formas, a depender da perspectiva que é abordada, mas, de maneira
geral, costuma ser relacionada como sinônimo de sentimentos e emo-
ções, motivação, atitudes e valores, desenvolvimento pessoal e social,
comportamento moral e ético, ternura, inter-relação e empatia. E, no
que diz respeito ao âmbito pedagógico, ou seja, na relação educativa
entre o professor e aluno, a afetividade é considerada como funda-
mental por favorecer a construção de conhecimento dentro e fora da
sala de aula, assumindo papel indispensável na formação dos sujeitos
(REISS, 2005; RIBEIRO, 2010; MOREIRA; SILVÉRIO JÚNIOR, 2017).

Nessa perspectiva, Moreira e Silvério Júnior (2017) corroboram ao con-


siderarem ainda que cada aluno leva um pouco de sua história para a
escola, como os problemas pessoais, comportamentais e de aprendi-
zagem, e, para educá-lo, é preciso inicialmente que se estabeleça uma
relação pedagógica e, ao mesmo tempo, afetiva para conhecer toda sua
complexidade e proporcionar situações que contribuam com seu de-
senvolvimento, pois, dessa maneira, o aluno perceberá que é acolhido e
respeitado, despertando, assim, interesse, atenção e empatia para ouvir
o professor e aprender com ele. De acordo com Wallon (1971), a afetivi-
dade e a inteligência têm funções definidas e são inseparáveis na evo-
lução mental. Concordando com esse pensamento, Piaget (1995, apud
MOREIRA; SILVÉRIO JÚNIOR, 2017, p. 207) explicita que o desenvolvi-
mento intelectual é inter-relacionado com os componentes afetivos e
cognitivos, ou seja, esses elementos são interligados, já que a “afetivida-
de constitui aspecto indissociável da inteligência, pois ela impulsiona o
sujeito a realizar as atividades propostas”.

266
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

É importante reforçar que, no atual cenário da educação, a


atuação docente tem se tornado cada vez mais ampla e complexa
para atender às demandas das mudanças socioemocionais e da
crescente globalização e suas implicações no processo de ensino-
aprendizagem, dando espaço, como aponta Ribeiro (2010, p.
405), a “novos saberes e atitudes que possibilitem aos estudantes
integrar no processo de aprendizagem das disciplinas, os aspectos
cognitivo e afetivo, e a formação de atitudes”. Para Wallon (1971),
apesar de inseparáveis, a afetividade e a inteligência têm funções
bem definidas no processo de evolução mental, além de que o meio
social contribui para o desenvolvimento da inteligência através da
linguagem e das demais simbologias culturais.

Desse modo, outra inquietação que nos instiga ao relacionar o ensi-


no de ciências com a Educação em Saúde é entender de que forma
a afetividade ou a ASA atrelada às demais HSE em sala de aula po-
dem contribuir para a adoção de estilos de vida saudáveis peran-
te os alunos adolescentes com relação às IST/AIDS. Consideramos,
então, o entendimento de que o aluno é um ser em formação, e os
desenvolvimentos afetivo e cognitivo estão presentes em sua vida
desde cedo, antes mesmo de começar a frequentar a escola, assim
a afetividade e a inteligência são essenciais em sua personalidade.

Logo, o desenvolvimento integral dos estudantes, e não apenas à


aprendizagem de conteúdo, o professor de ciências pode conside-
rar em suas aulas os diferentes saberes e opiniões dos seus alunos,
suas experiências e HSE, pois, como ressalta Paranhos (2017) em sua
pesquisa, cada indivíduo possui crenças sobre si mesmo, inseridas

267
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

num emaranhado e complexo conjunto de conhecimentos e atitu-


des comportamentais. Portanto, torna-se evidente a necessidade de
incluir os aspectos afetivos no ensino de ciências, trabalhando de
forma contextualizada e próxima dos estilos de vida e do cotidiano
dos discentes, para que eles possam enfrentar situações-problema,
investigar e compreender os diferentes tipos de conteúdos aborda-
dos, organizar ideias e agir individual ou coletivamente com autono-
mia, respeito e responsabilidade na busca de soluções para os pos-
síveis entraves com os quais se deparem no decorrer de suas vidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o modelo de formação pautado numa vertente tecnicista


e cognitiva do ensino de ciências tenha contribuído nitidamente
para o processo de formação e para o desenvolvimento da socie-
dade, atualmente esse modelo não supre as necessidades da for-
mação humana, necessitando, assim, do envolvimento tanto de
aspectos sociais quanto emocionais pelos agentes envolvidos, por
meio do desenvolvimento de algumas habilidades não cognitivas,
como as HSE e ASA. Nesse contexto, os componentes afetivos são
tão importantes quanto as habilidades cognitivas no processo de
ensino-aprendizagem, pois contribuem significativamente para a
formação da personalidade, da identidade e do caráter dos educan-
dos, bem como para um desempenho escolar satisfatório, com au-
tonomia na tomada de decisões e manutenção dos relacionamentos
socioafetivos, para que atribuam valor pessoal aos conteúdos que
são ensinados e lhes despertem o interesse em aprender.

268
ASPECTOS AFETIVOS DA RELAÇÃO VULNERABILIDADE E QUALIDADE DE VIDA: UMA ANÁLISE SOBRE
PREVENÇÃO DAS IST/AIDS PARA ADOLESCENTES

Conforme discutido, as diferentes modalidades de vulnerabilidade


estão inter-relacionadas com os aspectos atitudinais e comportamen-
tais dos sujeitos, podendo interferir na qualidade de vida deles devido
ao risco de adoecimento e restrições no modo de viver. Quanto à vul-
nerabilidade dos adolescentes às IST, deve-se levar em consideração,
além dos estilos de vida e dos componentes atitudinais, a maneira
como essa temática é trabalhada no contexto escolar no âmbito da
Educação em Saúde. Dessa forma, a vulnerabilidade não é exclusiva-
mente consequência da falta de conhecimento dos alunos, visto que,
apesar de muitas informações acerca das IST, como sinais e sintomas,
prevenção e tratamento, ainda não se obtêm como resposta, em al-
guns casos, as mudanças comportamentais esperadas.

Assim, diante de tudo o que foi exposto e discutido, chegamos à


conclusão de que os aspectos cognitivos e afetivos devem fazer
parte do cotidiano escolar; no entanto, frisamos a necessidade de
certa reavaliação das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos do-
centes em sala de aula referente ao ensino de ciências. Dessa forma,
a dimensão afetiva não pode ser mais ignorada ou negligenciada
no âmbito educacional, pois o entrelaçamento da afetividade com
a cognição constitui um dos diferenciais do novo paradigma de en-
sino, tendo, por isso, grande potencialidade de proporcionar uma
aprendizagem transformadora e significativa, capaz de despertar
nos alunos, além da assimilação e compreensão de conceitos cientí-
ficos, mudanças atitudinais em prol do seu bem-estar, da saúde e da
qualidade de vida.

269
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

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277
CAPÍTULO 8
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA
EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE
SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Fabrícia Leoniza de Araujo


Guilherme Fernandes Ramos da Silva
Alice Alexandre Pagan

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de um país está intimamente ligado


à educação de qualidade que ele oferece. É percebido
um aumento na proporção da criação de programas de
avaliação de aprendizagem, como o Programa Interna-
cional de Avaliação de Proficiência Educacional (PISA),
desenvolvido e coordenado pela Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
(BRASIL, 2010).

Em 1998, a UNESCO- (Organização para a Educação,


a Ciência e a Cultura das Nações Unidas) Brasil edi-
tou o livro “Educação: um tesouro a descobrir” a par-
tir do Relatório da Conferência Internacional sobre a
Educação para o Século XXI, coordenado por Jacques
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Delors. Esse relatório continha os considerados quatro pilares da


educação. São estes: aprender a conhecer, aprender a fazer, apren-
der a viver juntos e aprender a ser. (GADOTTI 2000). Esse relatório,
conhecido como Relatório Delors, estabeleceu os quatro pilares
considerados por alguns como “pilares do conhecimento e da edu-
cação contemporânea” (GADOTTI, 2000). Com isso, nos vêm os se-
guintes questionamentos: Aprender a conhecer o quê? Aprender
a fazer o quê? Aprender a viver juntos para quê? Aprender a ser
por quê? Todas essas perguntas são respondidas, respectivamente,
com objetivos conceituais, procedimentais e atitudinais. Segundo
Zabala (1998, p. 42-45),
Os conteúdos conceituais referem-se à construção ativa de ca-
pacidades intelectuais para operar símbolos, imagens, ideias e
representações que permitam organizar as realidades. Os conteú-
dos procedimentais referem-se ao fazer com que os alunos cons-
truam instrumentos para analisar, por si mesmos, os resultados
que obtém e os processos que colocam em ação para atingir as
metas que se propõem e os conteúdos atitudinais referem-se à
formação de atitudes e valores em relação à informação recebida,
visando a intervenção do aluno em sua realidade.

A educação acompanha o ser humano em diversas fases da sua vida,


proporcionando uma interação entre as pessoas envolvidas dentro
do contexto educativo com o mundo que as cerca, visando a trans-
formações em ambas as partes (GIRONDI, 2006).

Mas para promover saúde na escola, é necessário incluí-la na pro-


posta político-pedagógica das escolas, envolvendo toda a comuni-
dade escolar e as parcerias que se comprometem com a proposta de
trabalho (FEUERWERKER, 2005).

279
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Segundo Beserra (2012), a promoção de saúde tem como objetivo fa-


vorecer um estilo de vida mais saudável ao indivíduo, através de polí-
ticas públicas voltadas para diversos campos, como moradia e educa-
ção, e também da interação do homem com o meio em que ele vive.

Para Gavidia (2003), há um consenso sobre o papel das ações de pro-


moção da saúde e de educação em saúde que são desenvolvidas no
ambiente escolar, com a função de garantir uma formação integral
aos alunos, sendo que comportamentos espontâneos não assegu-
ram a saúde das pessoas, por isso é necessária a instrução formal e
obrigatória para que seja incorporada a saúde entre seus objetivos.

Segundo Leonello e L’Abbate (2006), é essencial, para o educador


que trabalha diariamente com alunos de Ensino Fundamental e Mé-
dio, que ele tenha uma atuação consciente e crítica na formação dos
estudantes, mas, para tanto, é essencial que ele esteja bem prepara-
do e receba uma boa formação na Universidade.

Para Rouquayrol (2000), doenças transmissíveis podem ser concei-


tuadas como aquelas cujo agente etiológico é vivo e transmissí-
vel, podendo a infecção ser veiculada por um vetor, ambiente ou
indivíduo. A terminologia Infecções Sexualmente Transmissíveis
(IST) passa a ser adotada em substituição à expressão Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST), porque destaca a possibilidade
de uma pessoa ter e transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e
sintomas. (BRASIL,2017).

280
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Os jovens estão entre os mais vulneráveis aos riscos das doenças


transmissíveis e das IST. Isso porque muitos pais se acham despre-
parados para orientar os filhos, não conseguindo, por exemplo, falar
sobre a sexualidade e o sexo seguro, muitas vezes por conta da ver-
gonha ou da falta de instrução sobre as IST, podendo ser atribuído
esse fato como o resultado da cultura em que eles vivem, na qual o
sexo ainda é um tabu.

Segundo Zagury (2000), algo muito atual, mesmo tendo sido escri-
to há 17 anos, a orientação ao jovem sobre a sua sexualidade deve
ser inserida e exercida e forma aberta, pois eles ainda são imaturos,
muitas vezes lidando com situações vistas por eles como “aventu-
ras” ignorando assim a possibilidade de se contaminarem com algu-
ma IST, ou até mesmo acreditam estar realizando o ato com pessoas
seguras isentas dessas infecções. 

A educação é um compromisso social e um direito que todos os jo-


vens têm para se tornarem cidadãos críticos. É importante que haja
a realização de ações educativas que permitam o amadurecimento e
o diálogo, promovendo o autocuidado a fim de reduzir o receio e até
mesmo a vergonha de abordarem o assunto da sua vida sexual. As
ações educativas como a orientação, promoção de hábitos compor-
tamentais mais saudáveis, ainda são o melhor meio de prevenção de
doenças (SOUZA, 2000)

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio


(PCNEM), ao se referirem a habilidades e competências, mostram-nas
como a capacidade de realizar procedimentos que gerem interven-

281
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

ções nas práticas do dia a dia, proporcionando a construção e o enten-


dimento para o convívio material, harmônico e social (BRASIL, 2000).

Para alguns autores, como Cruz (2002), Primi (2001) e Perrenoud


(1999), existem algumas diferenças entre competências e habilida-
des, além de várias definições para elas. Ainda segundo Perrenoud
(1999, p. 7), competência é a “Capacidade de agir eficazmente em
um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas
sem limitar-se a eles”. Ou se trata de uma forma eficiente de enfren-
tar situações parecidas, de modo a relacionar os recursos cognitivos
com saberes, capacidades, atitudes, informações e valores de manei-
ra rápida e criativa.

Por outro lado, quando se fala de habilidades, alguns autores abor-


dam habilidades e atitudes correlacionando-as com competências,
sendo que a definição acaba inter-relacionando uma à outra, ou seja,
para falar de competências, é necessário conceituar habilidades. Se-
gundo o Dicionário Aurélio, habilidade é “qualidade daquele que é
hábil; capacidade, destreza, agilidade: ter habilidade para trabalhos
manuais [...]” (FERREIRA, 1993).

Quando o sujeito consegue mobilizar seus conhecimentos e suas


capacidades para resolver um problema, sem ao menos pensar ou
planejar antes de fazer, então ele está utilizando uma habilidade,
uma vez que está usando uma série de procedimentos mentais que
ele aciona para resolver uma situação real, na qual ele precisa tomar
uma decisão (PERRENOUD, 1999).

282
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Paranhos (2016), em sua dissertação, não encontrou uma definição


conceitual sobre as habilidades socioemocionais, mas buscou pes-
quisas no campo da educação social e emocional, a fim de criar uma
aproximação àquilo que considera como habilidades socioemocio-
nais. Para a autora, as HSE são:
[...] a capacidade do indivíduo de refletir sobre suas emoções
quando precisa tomar decisões que envolvam aspectos intrapes-
soais e interpessoais. Sendo, por fim a capacidade reflexiva de li-
dar com as emoções e potencializar características impares do eu
nas relações do outro (PARANHOS, 2014, p. 30).

Uma classificação que tem sido proposta para os estudos das ha-
bilidades socioemocionais, no âmbito da formação profissional, é
baseada em uma organização em 5 dimensões, o chamado big five.

De acordo com Nunes (2005), o big five foi originado através de pes-
quisas realizadas na área da personalidade, com base nas teorias
fatoriais e nos traços de personalidade. Atualmente, o big five apre-
senta 5 fatores: Abertura a novas experiências; conscienciosidade;
extroversão; amabilidade, e estabilidade emocional/neuroticismo.

Segundo Paranhos (2016), é atribuída, para cada uma dessas catego-


rias, uma descrição de características que pertencem a um domínio
de personalidade, podendo ser desenvolvidas de um indivíduo para
o outro, como o temperamento pessoal é atribuído para cada indiví-
duo. Atualmente, há uma preocupação por parte desses autores em
entender como as habilidades socioemocionais podem influenciar
no comportamento e no desempenho dos alunos.

283
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Este trabalho se mostra inovador posto que propõe a construção de


novos tipos de questões a partir de uma organização própria, que
visa a compreensão da relação entre os saberes tradicionais discen-
tes e os científicos aprendidos na escola. Além de analisar as possí-
veis relações com habilidades sociemocionais.

METODOLOGIA

A metodologia adotada nesta pesquisa parte de uma abordagem


qualiquantitativa. Partimos de uma leitura qualitativa de dados nu-
méricos, que não se exime da análise estatística, mas que leva em
conta um profundo conhecimento do contexto na interpretação
dos dados. O instrumento de coleta de dados foi um questionário
contendo 2 seções, sendo que, na primeira, foram abordados con-
teúdos conceituais, procedimentais e atitudinais sobre as IST; na se-
gunda, por sua vez, foram abordadas questões em escala tipo Likert
sobre as habilidades socioemocionais.

Esse tipo de escala é composta por um conjunto de frases, na qual


a cada uma delas se pede ao sujeito que está sendo avaliado para
manifestar o grau de concordância NADA, discordo totalmente e TO-
TALMENTE, concordo totalmente (LIMA, 2000).

Para analisar os resultados coletados por uma escala Likert, atribuem-


-se valores a cada um dos itens, começando em zero para a opção em
que não há concordância e quatro para totalmente, quando o indiví-
duo concorda totalmente com o que está sendo proposto; em segui-

284
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

da, obtém-se a média dos valores totais avaliados. Para compreender


as possíveis relações entre as habilidades socioemocionais e as ques-
tões conceituais, procedimentais e atitudinais sobre as IST, foram cria-
das 4 variáveis latentes e depois foram feitas análises bivariadas.

Metodologicamente, a pesquisa, foi construída e realizada em 6 mo-


vimentos: fundamentação teórica, elaboração do questionário, vali-
dação qualitativa, validação quantitativa, aplicação do questionário
(coleta de dados) e análise dos dados.

Assim sendo, a presente pesquisa se propôs a identificar, no currí-


culo-padrão da Educação Básica, conteúdos que tenham alguma
aproximação com a realidade cotidiana do estudante; foi elencado,
na condução desta pesquisa, o tema “Infecções Sexualmente Trans-
missíveis” (IST), pela sua relevância na vida cotidiana dos estudantes,
na sua atual fase da vida. No que concerne a esse conteúdo, foram
elencadas questões-chave, discursos que estão presentes no seu dia
a dia, de uma forma prática, e que, portanto, são importantes na for-
mação do educando.

Em consideração as situações-problema, foram elaboradas questões


inovadoras por abordar os aspectos conceituais, procedimentais e
atitudinais das ciências, questões essas que visavam evidenciar a
aproximação ou o distanciamento do discurso adotado pelo discen-
te daquele oferecido pela ciência normativa.

Pois no amplo universo dos conhecimentos, é comum deparar-se


com estudantes que possuem um saber considerado mais diver-

285
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

sificado, ou seja, tanto saberes tradicionais como científicos. Esses


alunos, por terem um acervo diversificado de saberes, realizam es-
colhas em relação àquilo que consideram importante e aplicam os
conhecimentos que têm ao seu dispor (científicos e/ou tradicionais)
quando são requeridos. Por outro lado, os alunos que possuem sa-
beres mais tradicionais podem aplicar ambos os saberes para solu-
cionar problemas para os quais, nas comunidades tradicionais, ainda
não se tem resposta (BAPTISTA, 2007).

Segundo Baptista e El-Hani (2009) é percebida a dificuldade de


comunicação com os estudantes nas salas de aula, nas quais suas
concepções previas, sejam diferentes das concepções científicas,
como por exemplo os estudantes das sociedades tradicionais. Para
Luna-Morales (2002), o saber tradicional é caracterizado como um
conjunto de saberes, práticas e crenças, como por exemplo, mitos,
lendas, provérbios e etc. 

Para Santilli (2002), a demarcação dos saberes no ensino de ciências


para sociedades tradicionais, se caracteriza por um conjunto de
conhecimentos e práticas de suas próprias culturas que são úteis
para a sua sobrevivência. 

De acordo com Bandeira (2001) os conhecimentos tradicionais se


diferem dos conhecimentos científicos de maneira que, em um
não há teorias construídas, enquanto no outro essas teorias podem
ser aplicáveis de maneira geral sendo, também mais abrangente e
universal, partindo de um paradigma mais conceitual, com graus
elevados de abstração. Enquanto nos conhecimentos tradicionais as
formas de conhecimentos são guiadas pelos seus critérios de valida-

286
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

des locais, com isso, sofrendo variações regionais e culturais, sendo


assim fortemente ligadas aos contextos de onde foram produzidas. 

Esta pesquisa teve como pressuposto o seguinte: uma das funções


da educação é servir de interface entre o discurso do senso comum
e o conhecimento científico. Com isso, o questionário foi criado se-
guindo os seguintes objetivos: Conceitual “saber que”, procedimen-
tal “saber fazer” e atitudinal “ser”. A relevância deles deve se traduzir,
na vida cotidiana, nas respostas práticas aos problemas efetivos que
se nos apresentam diariamente, por conta da nossa interação com o
mundo que nos cerca e com os outros. Esses conhecimentos se ex-
plicitam em sucessivos movimentos, no curso dos quais incrementa,
produz, abandona e ultrapassa conceitos previamente adquiridos
por tradição, construindo novos conhecimentos e um novo discurso
a partir de certa ordem argumentativa.

Buscamos avaliar conceitualmente os saberes dos estudantes sobre


a definição de IST, suas formas de transmissão, de prevenção e seu
tratamento, e tentamos medir qual discurso foi mais prevalente en-
tre os estudantes, mensurando, ainda, a sua aproximação ou o seu
distanciamento em relação ao discurso padrão da ciência. Quanto
aos procedimentais e atitudinais, os quais partem do “saber fazer”
e do “saber ser” do aluno, primeiramente buscamos compreender a
sua capacidade de tomar decisões, analisar e interpretar questões e,
em um segundo momento, compreender que atitudes esse aluno
pode vir a ter através dessas interpretações.

287
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Quanto às questões de HSE, pedimos aos discentes que avaliassem


uma lista com 25 características – que afirmavam o quanto con-
seguiam executar uma determinada tarefa –, classificando-as em
nada, pouco, mais ou menos, muito e totalmente. A proposta visava
a compreender o perfil desses alunos quando relacionado aos itens
do big five, ou seja, que característica estava mais presente na per-
sonalidade deles.

As coletas foram realizadas em três diferentes escolas da rede Esta-


dual situadas na Grande Aracaju, sendo duas em Aracaju – a Escola
Estadual Joaquim Vieira Sobral, no Sol Nascente, e a Escola Estadual
Vitória de Santa Maria, no bairro Santa Maria – e uma em São Cristó-
vão, o Colégio Estadual Glorita Portugal.

No total, 77 alunos participaram da pesquisa, e todos, mediante a


aquiescência dos seus responsáveis, deram consentimento para par-
ticipação na pesquisa, o que foi expresso pela assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, que foi explicado em
cada uma das classes. Além disso, este trabalho foi submetido ao Co-
mitê de Ética para análise de seus objetivos e procedimentos, garan-
tindo a relevância da investigação e a seguridade física, psicológica,
moral e intelectual dos envolvidos.

Para a validação qualitativa, o questionário elaborado constou de


16 questões de objetivos conceituais, procedimentais e atitudinais
que foram avaliadas por três professores (juízes) distintos e com ex-
periência em educação, da Universidade Federal de Sergipe, com o
objetivo de verificar a coerência e a pertinência das questões, bem
como se as alternativas continham uma gradação de discursos que

288
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

deveriam variar do senso comum ao discurso padrão da ciência. A


primeira juíza sugeriu tornar a linguagem de algumas questões mais
objetiva, evitando muitos rodeios que deixam as questões longas
e cansativas, o que foi prontamente corrigido. Por sua vez, uma se-
gunda juíza pontuou a importância de se evitar o excesso de termos
científicos no cabeçalho das perguntas, o que também foi retificado.

Posteriormente, procedemos a uma aplicação comentada com 2 es-


tudantes do primeiro ano do Ensino Médio, um menino e uma me-
nina, com o objetivo de verificar como os estudantes interpretam as
questões, objetivando as perguntas, certificando-nos de que estas es-
tão sendo interpretadas da forma como foram elaboradas, avaliando,
assim, se o discurso está adequado e suficiente, se as questões estão
claras e se são compreensíveis. Verificamos, com isso, que ambos os
estudantes compreenderam os termos e os enunciados das questões.

Em seguida, para a validação quantitativa desse instrumento, objeti-


vo desta pesquisa, o questionário foi aplicado em três turmas do pri-
meiro ano do Ensino Médio de três diferentes escolas da Grande Ara-
caju, como já foi mencionado. Após a obtenção dos resultados, os
dados foram analisados estatisticamente e submetidos ao teste do
coeficiente alfa de Cronbach, para verificação da coesão interna do
questionário, ao final do qual finalmente procedemos à sua valida-
ção quali-quantitativa. Além de testes de correlações de Spearmann.

Os resultados das respostas obtidas após a aplicação do instrumen-


to foram analisados estatisticamente com auxílio do Software Packa-
ge for Social Science (SPSS) 18.0, licenciado para o Departamento de
Biologia da Universidade Federal de Sergipe.

289
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Para a análise das questões conceituais, procedimentais e atitu-


dinais, foi feito uma categorização das questões construídas, de
modo que aquelas que apresentaram características em comum
foram agrupadas. O resultado do instrumento foi analisado através
da interpretação dos relatórios produzidos pelo processamento do
banco de dados no Software Package for Social Science (SPSS) 18.0,
licenciado para o Laboratório de Ensino de Biologia da Universidade
Federal de Sergipe.

Foram feitas análises quantitativas medindo as frequências absolutas


e relativas de cada questão, que, por sua vez, foi agrupada por carac-
terísticas latentes que compõem as subpersonalidades descritas pelo
big five: extroversão, conscienciosidade, neuroticismo, amabilidade e
abertura a novas experiências. Os dados ainda foram submetidos ao
teste do coeficiente alfa de Cronbach, para verificação da coesão inter-
na das escalas, buscando com isso formar variáveis latentes.

290
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Questões sobre IST

As questões do quadro 1 foram construídas de forma direta, com


textos curtos, facilitando a interpretação por parte dos alunos. Os as-
suntos que foram tratados nessas questões têm como foco principal
as consequências por contaminação, tema apresentado nos títulos e
nas alternativas. Quanto as alternativas o questionário apesentava 3
opções senso comum, voltado aos saberes tradicionais, o adequado
ao fundamental que era a questão que esperava-se que o aluno
marcasse considerando a série que ele estava e o mais próximo do
científico que tinha um discurso mais próximo do saber científico.

O objetivo atitudinal dessas questões, representado no título do


quadro 1, buscou mensurar a capacidade de cada indivíduo de
agir em uma situação de risco, portanto cada afirmação se remete
a objetivos procedimentais. O que é comum em cada uma delas
é a capacidade de discernimento no momento de agir em uma
situação de risco.

291
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Questão Descritores procedimentais Senso comum (%) Adequado ao fundamental (%) Mais próximo ao científico (%)

Agir diante da descoberta de possíveis


Q2 10,38 6,49 83,11
sintomas de IST

Se portar adequadamente diante de pessoas


Q5 3,89 28,57 55,84
contaminadas por HIV

Lidar com situações de exposição da au-


Q6 3,89 10,38 83,11
toimagem frente à opinião pública

Q8 Se preparar para prática do sexo seguro 2,59 24,67 70,12

Prevenir-se adequadamente frente a uma


Q9 10,4 42,9 33,8
situação pouco comum de contaminação

Relacionar métodos contraceptivos a


Q10 20,8 18,2 53,2
prevenção e sintomas

Q11 Informar de forma adequada um conceito 6,5 15,6 74,0

Quadro 1: Atitude de discernimento


para ação em situações de risco.
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

A frequência apresentada no quadro 1 para Q2 permite notar que a


maioria dos alunos 83,11% respondeu em um nível acima do espera-
do para aqueles que recentemente concluíram o Ensino Fundamen-
tal. Duas alternativas tiveram cerca de 83,11% de marcação no nível
do Ensino Médio, ficando acima do esperado para o grupo.

Na questão 2, o principal objetivo seria desenvolver a capacidade


de resolução de problemas frente a situações que envolvem desde
pedir ajuda a um parente próximo até procurar diagnósticos na in-
ternet. A maioria 83,11% apresentou que procuraria ajuda de um pa-
rente, resposta esperada como a mais adequada para desenvolver
a questão e também a mais politicamente correta, embora não se
saiba se realmente, diante das pressões familiares no que diz res-
peito à sexualidade, os alunos agiriam assim em contexto real. No-
ta-se ainda que a segunda maior frequência da questão, pesquisar
na internet e ir diretamente à farmácia, para resolver o problema
apresentado, teve apenas 6,49% de respostas. A alternativa menos
frequente relacionou-se à preferência por buscar ajuda sozinho, sem
auxílio de uma pessoa mais próxima.

Segundo Reichert (2007, p. 28), “é na adolescência que surgem os pen-


samentos, sentimentos e tomadas de decisões que envolvem não só
o próprio indivíduo, mas também as relações que ele estabelece com
os outros membros da família”. É nessa fase que está sendo definida
a habilidade para pensar, sentir, tomar decisões e agir por conta pró-
pria. Nesse sentido, o desenvolvimento da independência é um com-
ponente crucial para adquirir autonomia e autocuidado. Entretanto,

293
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

em casos de cuidado com a saúde, pode ser arriscado o adolescente


tentar resolver sozinho a situação, sem auxílio de um adulto.

Para Assis (2005), sentir que não tem apoio afeta a resiliência dos
adolescentes de ambos os sexos. Aqueles com maiores dificuldades
para enfrentar os problemas preferem guardá-los para si, mesmo
quando têm com quem contar. Sendo assim, têm dificuldade em di-
vidir seus problemas e são mais inseguros.

A Questão Q5 apresentou um pequeno problema em relação às


demais, posto que suas opções não apresentavam uma alternativa
mais próxima ao conhecimento científico (Ensino Médio), mas uma
de nível fundamental e duas de senso comum. Ainda assim, a maio-
ria dos alunos 55,84%, marcou o esperado para o Ensino Fundamen-
tal, mesmo trazendo duas opções de senso comum. Nota-se que a
segunda alternativa mais escolhida pelos alunos, com uma frequên-
cia de 28,57%, mostra que eles ainda acreditam que podem se con-
taminar com o vírus HIV pela saliva.

A Questão Q6 tinha como objetivo procedimental mensurar a “ca-


pacidade do indivíduo de lidar com situações de exposição à opi-
nião pública”. A maioria dos alunos (83,11%) respondeu a alternativa
que mais valorizava a atitude do sujeito frente a uma situação de
exposição, na qual o objetivo era sensibilizar as pessoas quanto ao
preconceito sobre o portador de HIV, por outro lado, não fazer nada
a respeito apresentou uma frequência de 3,89%.

294
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

A Questão Q8 tinha como objetivo procedimental saber se o aluno


seria capaz de relacionar os métodos de prevenção com o autocui-
dado no momento da primeira relação sexual. Nota-se que a maioria
dos alunos (70,12%) sabe que o preservativo é essencial para a práti-
ca do sexo seguro. Também se pode ver, na segunda maior frequên-
cia (24,87%), que alguns alunos ainda acreditam que o diafragma
protege contra as IST porque não deixa que o sêmen entre em con-
tato com o útero, fazendo relação entre o contato do sêmen com o
útero e a contaminação.

Na pesquisa de Lopes (2013), 54,99% dos alunos responderam de


forma inexata sobre os métodos de prevenção da infecção pelo HPV,
e a maioria dos discentes não soube indicar corretamente como se
prevenir de uma DST.

As questões Q9, Q10 e Q11 estão relacionadas às formas de trans-


missão, aos sintomas e à prevenção de IST. No enunciado, elas apre-
sentavam um objetivo mais conceitual em relação às questões an-
teriores, porém foi percebido que essas questões se encaixavam no
perfil da variável de discernimento.

Notou-se que 42,9% dos alunos estão dentro do esperado quando


se trata de prevenção, enquanto 53,2% estão acima do esperado
quando se trata de métodos contraceptivos. Quando se trata de
compartilhar seus conhecimentos sobre as IST, 74% desses alunos
conseguem disseminar a informação utilizando um discurso mais
científico, sendo esse índice acima do esperado para estudantes que

295
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

acabaram de concluir o Ensino Fundamental. Para esse eixo, 24,6%


dos alunos não responderam a essas questões, deixando-as em
branco.

No que se refere ao Quadro 2, as questões que foram agrupadas nes-


se eixo exigem a capacidade de interpretação de textos sobre pre-
venção. Os assuntos abordados nessas questões foram situações em
relação aos portadores das Infecções Sexualmente Transmissíveis,
além da interpretação das imagens para o autocuidado.

296
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Questões Descritores procedimentais Senso comum (%) Adequado ao fundamental (%) Mais próximo ao científico (%)

Interpretar texto escrito e formular juízo de valor


sobre vacina 3,89 80,51 14,28
Q1

Interpretar imagem e texto sobre eficácia do pre-


servativo 7,79 41,60 50,64
Q3

Interpretar imagem a respeito do uso da vacina


11,69 18,18 62,33
Q4

Interpretar imagem e texto a respeito do uso do


preservativo 20,77 42,85 35,06
Q7

Quadro 2: Atitude de comunicação


para o autocuidado; N=77.
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Na Q1, que teve como objetivo procedimental a interpretação de


um texto mais longo, mais informativo, com algumas imagens, es-
perava-se que o aluno fosse capaz de formular sua opinião, correla-
cionando-a com as alternativas apresentadas.

Nota-se que a grande maioria (80,51%) respondeu dentro do espe-


rado para aqueles que acabaram de concluir o Ensino Fundamental.
Também se pode observar na menor frequência (3,89%) que alguns
alunos acham que a vacina contra o HPV, na adolescência, pode esti-
mular os adolescentes a iniciarem a vida sexual mais cedo. Os dados
parecem refutar a afirmação de Dantas (2015), visto que, para ele,
vacinar meninas tão jovens é comumente associado a relações se-
xuais. No caso dos alunos investigados, apenas uma minoria parece
fazer essa associação.

A Q3 tinha como objetivo procedimental interpretar e relacionar a


imagem e o texto quanto à eficácia do uso do preservativo na pre-
venção das IST. Nessa questão, houve uma alta frequência tanto para
o senso comum quanto para o científico. Nessa mesma questão, a fre-
quência de 7,79%, marcada no item de senso comum, indicou que,
para essa parcela de respondentes, celibatarismo antes do casamento
é uma das formas mais eficazes de se evitar a contaminação por IST,
dando indicativo de crenças religiosas envolvidas nas respostas.

Para Luna-Morales (2002), o saber tradicional é caracterizado como


um conjunto de saberes, práticas e crenças, como, por exemplo,
mitos, lendas, provérbios, etc. Embora seja um trabalho da década
de oitenta, não podemos deixar de levar em conta a atualidade da

298
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

informação de Conceição (1988, p.74), ao propor que “[...] os tabus


e preconceitos estão nas pessoas de qualquer idade e condição so-
cioeconômica e cultural, acentuando-se mais naquelas que seguem
uma religião”.

Como objetivo procedimental para a Q4, esperava-se que o estu-


dante fosse capaz de interpretar um cartaz que falava sobre a vaci-
na contra o HPV. A frequência de 62,33% mostra que a maioria dos
alunos teve uma interpretação acima do esperado para alunos que
acabaram de concluir o Ensino Fundamental.

Também foi percebida uma proximidade nas frequências das alter-


nativas de senso comum e nível científico, enfatizando que apenas
as mulheres recebem vacina contra o HPV, sendo o homem imune
ao vírus. Talvez essa representação tenha surgido porque, inicial-
mente, a vacina era apenas para as meninas, os meninos não eram
incluídos, pois, de acordo com estudos, eles passavam a ser protegi-
dos de forma indireta com a vacinação feminina, o que era chama-
do de imunidade coletiva, reduzindo, assim, a transmissão do vírus
(DANTAS, 2015). Porém, com o número de casos de câncer de ânus,
pênis e boca, ligados ao vírus, os meninos também passaram a rece-
ber a vacina (BRASIL, 2017).

O objetivo procedimental da Q7 visava a que os discentes fossem


capazes de interpretar imagem e texto, correlacionando-os com as
alternativas propostas que melhor explicassem o cartaz. A maior fre-
quência para essa questão foi de 42,85% para o nível fundamental,
o que estava dentro do esperado; nota-se que houve ainda uma pe-

299
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

quena frequência de 20,77% na alternativa de senso comum, mos-


trando que alguns alunos concebem que pessoas portadoras do
vírus HIV não têm um tempo de vida longo.

Moura (2017), em sua pesquisa sobre as representações sociais de


estudantes de escolas públicas, indica que o discurso de alguns alu-
nos remete o HIV a uma doença incurável, na qual o portador, ao se
deparar com a realidade, tem sentimentos de medo da morte, soli-
dão e desespero.

Perfil dos alunos e conteúdos

Foram feitas algumas correlações entre as variáveis extraídas das


questões e os dados de perfil censitário, utilizando-se o teste de
Spearmann. Esse teste consiste em analisar correlações não paramé-
tricas, ou seja, ele avalia a função, invertendo ou preservando a rela-
ção de ordem, que pode ser a relação entre bivariáveis, sendo impar-
cial quanto à distribuição de frequências das variáveis (SPIEGEL, 1985).

Em teste, a variável idade foi correlacionada com Q2, obtendo-se


valores negativos significativos (spearmann = -277, sig 0,16), de
maneira que se mostrou uma tendência em que alunos mais novos
tendem a responder mais próximo do científico em relação a alunos
mais velhos; além disso, essa correlação também indica que alunos
mais jovens tendem a procurar mais ajuda de familiares para resol-
ver problemas, se comparados aos alunos mais velhos.

300
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Foi identificada também uma correlação positiva entre a Q6 e a Q2


(spearmann = 231, sig 0,46), indicando a tendência de alunos que
escolheram a alternativa de nível mais científico em Q2 quando
também marcaram mais científico em Q6. O que essas questões têm
em comum é a situação de enfrentamento, visto que Q2 tratava de
saber agir em situações de risco e Q6 sobre lidar melhor com a ex-
posição pública.

Outra correlação positiva e significativa que obteve destaque foi a


Q7, com o grau de instrução do pai (spearmann = 261, sig 0,24). Per-
cebe-se, com isso, que quanto maior o grau de instrução do pai o
aluno tende a responder mais próximo do científico para esta ques-
tão. Assim, consequentemente, esse indivíduo tende a se proteger
de forma correta contra as IST.

Questões relacionadas às Habilidades Socioemocionais

Na segunda seção do questionário, pediu-se aos discentes que


avaliassem uma lista com 25 características, afirmando o quanto
conseguiam executar uma determinada tarefa e as classificando
em nada, pouco, mais ou menos, muito e totalmente. A proposta
visava a compreender o perfil desses alunos quando relacionado
aos itens do big five, ou seja, que característica estava mais presen-
te em sua personalidade.

Para analisar os resultados coletados por uma escala Likert, atri-


buem-se valores para cada um dos itens, começando em zero para a

301
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

opção em que não há concordância e quatro para totalmente, quan-


do o indivíduo concorda totalmente com o que está sendo propos-
to; em seguida, obtém-se a média dos valores totais avaliados.

Foram agrupadas, no Quadro 3, as questões relacionadas à cons-


cienciosidade, sendo que essa habilidade é definida como a ten-
dência a ser organizado, esforçado e responsável. Nesse sentido, o
indivíduo consciencioso é caracterizado como eficiente, organizado,
autônomo, disciplinado, não impulsivo e orientado para seus objeti-
vos (SANTOS; PRIMI, 2014).

302
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Questões Nada Pouco Mais ou Menos Muito Totalmente

HSE1 Terminar as atividades acadêmicas 3,89% 10,38% 54,54% 20,77% 10,38%

HSE9 Ter bom desempenho em prova 2,59% 6,49% 62,33% 18,18% 10,38%

Mantenho meu material escolar sempre


HSE13 7,79% 11,68% 35,06% 22,07% 23,37%
arrumado

Não sou um(a) aluno(a) cuidadoso(a) e


HSE20 29,87% 24,67% 24,67% 14,28% 6,49%
dedicado(a)

HSE15 Sou um(a) aluno(a) que se esforça 11,68% 10,38% 36,36% 20,77% 20,77%

Sei como agir em situações em que não


HSE25 5,19% 11,68% 36,36% 35,06% 11,69%
me sinto à vontade

Quadro 3: Característica do big five:


Conscienciosidade; N=77.
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Na questão HSE1, foi visto que 10,38% dos indivíduos afirmam que
sempre conseguem terminar as atividades acadêmicas, e 3,89% dos
alunos afirmam que não conseguem. Talvez esses dados tenham re-
lação com o fato de que, em HSE9, apenas 10,38% dos alunos afir-
maram ter bom desempenho nas provas, e 2,59% disseram não con-
seguir ter um bom desempenho.

Quando os alunos são questionados sobre o quanto conseguem


ser organizados, na HSE13, notam-se mais de 40% dos alunos, se
somados concordo e concordo totalmente, no que concerne a se
considerarem organizados com o material escolar. Em contraparti-
da, quando se questiona sobre se o aluno é esforçado, na HSE15,
apenas 20,77% afirmam ser totalmente esforçados. Quanto ao cui-
dado e à dedicação às atividades, na HSE20, 29,87% se consideram
totalmente dedicados, e 6,49% não se consideram nada dedicados.

Quando se fala em tomar uma decisão em uma situação na qual não


se sente à vontade, na HSE25, 35,06% se consideram muito à von-
tade para esse tipo de decisão, enquanto 5,19% nunca conseguem
agir em situações nas quais não se sentem à vontade.

Saldanha (2017), em sua pesquisa sobre o autoconceito de adoles-


centes da rede pública e privada, obteve como resultado que adoles-
centes da rede pública tinham uma visão mais positiva de si próprios,
definindo-se como mais caprichosos, compreensivos, cuidadosos, frá-
geis, organizados, responsáveis, românticos, sentimentais e sonhado-
res em relação aos alunos da rede privada, por exemplo.

304
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Segundo Sapienza e Pedromônico (2005), o autoconceito positivo,


ou seja, ter uma boa visão de si, pode promover ao indivíduo o de-
senvolvimento da resiliência, de forma que o indivíduo fique prote-
gido contra experiências estressantes.

Existem diversas definições para o termo resiliência, alguns autores


relacionam resiliência com a forma como o indivíduo utiliza seus
recursos pessoais e contextuais, utilizando esses recursos para en-
frentar determinadas situações e aproveitar os fatores protetores,
de maneira a enfrentar adversidades e se adaptar às exigências co-
tidianas, isso é o que o torna resiliente (GRUNSPUN, 2003; BASTOS,
ALCANTARA, FERREIRA, 2002).

As questões do Quadro 4 estão relacionadas ao neuroticismo/estabi-


lidade emocional. Essa habilidade é definida como a previsibilidade
e consistência de reações emocionais, e o indivíduo que possui essa
habilidade é tido como estável e autoconfiante, tendo, com isso,
uma autoestima elevada. Já o indivíduo que não possui essa habi-
lidade é caracterizado como emocionalmente instável, preocupado,
irritadiço, introspectivo, impulsivo, não autoconfiante, podendo ma-
nifestar depressão e desordens de ansiedade (SANTOS; PRIMI, 2014).

305
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Questões Nada Pouco Mais Ou Menos Muito Totalmente

HSE5 Controlar seus sentimentos 16,88% 12,98% 35,06% 22,07% 12,98%

Não consigo me acalmar depois de ficar


HSE8 37,66% 24,67% 18,18% 6,49% 12,8%
muito assustado(a)

Sinto que a melhor maneira de lidar com


HSE14 23,37% 15,58% 25,97% 16,88% 18,18%
os problemas é apenas não pensar neles

HSE17 Perco a cabeça com facilidade 35,06% 15,58% 31,16% 9,09% 9,09%

Quadro 4: Característica do big five:


Neuroticismo; N=77.
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Quando é questionado aos alunos o quanto eles acham que conse-


guem controlar seus sentimentos, na HSE5, cerca de 35% afirmam
que conseguem se controlar, e quase 30% afirmam que não conse-
guem. Em uma situação na qual o indivíduo precisa se acalmar em
um momento de estresse, na HSE8, mais de 60% afirmam conseguir
se acalmar, e cerca de 20% afirmam não conseguir. Em outro mo-
mento, ainda sobre agir em uma determinada situação, em HSE17,
quase 20% afirmam ter facilidade em perder a cabeça.

Quanto a agir e saber lidar com os problemas, na HSE14, mais ou


menos 39% acham que os problemas devem ser pensados para po-
derem ser resolvidos, enquanto cerca de 35% afirmam que a melhor
maneira de os resolver é não pensar neles.

Quanto a essa característica, sugere-se que a grande maioria


dos respondentes está dividida quanto à sua capacidade de ge-
renciar sentimentos.

Foram agrupadas, no Quadro 5, questões que estão relacionadas à


extroversão. Essa habilidade é definida como interesse e direciona-
mento ao mundo externo, a pessoas e coisas. O indivíduo extroverti-
do é caracterizado como amigável, sociável, autoconfiante, energé-
tico, aventureiro e entusiasmado (SANTOS; PRIMI, 2014).

307
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Questões Nada Pouco Mais ou Menos Muito Totalmente

Se tornar amigo(a) de outras pessoas de


HSE2 3,89% 9,09% 18,18% 46,75% 22,07%
sua idade

Estudar e compartilhar o que aprendeu


HSE3 3,89% 25,97% 41,55% 19,48% 9,09%
com outras pessoas

Não consigo contar uma coisa engraçada


HSE4 44,15% 19,48% 19,48% 11,68% 5,19%
para um grupo de colegas

HSE6 Fazer trabalhos em grupo 2,59% 11,69% 29,87% 35,86% 22,07%

Não tenho muitas amizades porque con-


HSE16 44,15% 10,38% 23,37% 11,69% 10,38%
verso pouco

Não gosto de conversar nem de fazer


HSE24 67,53% 2,59% 9,09% 9,09% 2,59%
amigos

Quadro 5: Característica do big five:


Extroversão; N=77.
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Quando é questionado sobre o quanto os alunos têm facilidade em se


tornar amigos de outras pessoas da sua idade, na HSE2, 46,75% afir-
mam ter muita facilidade, e 3,89% afirmam não ter nenhuma facilidade.

Quanto a trabalhar em grupo, estudar e compartilhar o que apren-


deu, os alunos se dividem de maneira que cerca de 28% dizem ter
facilidade, enquanto praticamente a mesma quantidade mostra
ter dificuldades.

Em relação a contar uma piada entre amigos, na HSE4, quase 17%


não se sentem à vontade em fazê-lo.

Quanto a realizar trabalhos em grupo, na HSE6, 35,89% dizem gos-


tar muito desse tipo de atividade, e 2,59% afirmam não gostar nada
desse tipo de atividade.

No que diz respeito à timidez e introversão, na HSE16, 10,38% afir-


mam não ter muitas amizades, porque conversam muito pouco com
os colegas; já a grande maioria, 44,15%, afirma se sentir à vontade
para conversar com os colegas. Quanto a conversar e fazer amigos,
na HSE24, 67,53% afirmam gostar de conversar e fazer amigos, en-
quanto 2,58% não gostam nem de conversar nem de fazer amigos.

Quanto à extroversão e sociabilidade, nota-se que a maioria desses


alunos é muito sociável e gosta de atividades em grupo.

309
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Questões Nada Pouco Mais ou Menos Muito Totalmente

Não sou obediente, logo não faço o que


HSE22 16,88% 22,07% 36,36% 12,98% 11,69%
me mandam

Sou amável, amigável e legal com quase


HSE21 6,49% 9,09% 22,09% 33,76% 28,59%
todo mundo

Tenho disponibilidade para ensinar aos


HSE23 15,58% 19,48% 42,85% 10,38% 11,68%
outros

HSE12 Não ligo que os outros usem minhas coisas 37,66% 29,87% 22,07% 6,49% 3,89%

Quadro 6: Característica do big five:


Amabilidade; N=77.
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Quanto à amabilidade, sendo um outro fator de personalidade, ela


está definida como uma tendência a agir de modo cooperativo e
não egoísta. O indivíduo amável ou cooperativo se caracteriza como
tolerante, altruísta, modesto, simpático, não teimoso e objetivo, di-
reto quando se dirige a alguém (SANTOS; PRIMI, 2014).

Quando é questionado aos alunos sobre se eles se consideram obe-


dientes, na HS22, 22,07% se consideram pouco desobedientes, e
apenas 11,69% se consideram totalmente desobedientes.

Quanto a compartilhar objetos, na HS12, alguns dos alunos afirmam ter


facilidade em emprestar suas coisas, sendo eles um total de 37,66%, en-
quanto cerca de 10% afirmam não se importar em dividir.

Entretanto, quando se questiona sobre o quanto esse aluno se conside-


ra amável, amigável e legal com quase todo mundo, na HS21, 33,76% se
consideram muito amáveis, e 6,49% não se consideram nada amáveis,
nem sequer com algumas pessoas.

Quanto a ter um tempo para ajudar o próximo, nesse caso, ensinar


aos colegas, em HSE23, 42,85% marcaram a opção mais ou menos, e
15,58% afirmaram não tirar parte do seu tempo para ajudar os colegas.

311
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Mais ou
Questões Nada Pouco Muito Totalmente
menos

HSE7 Ir ou assistir peças a teatrais, cinema 36,36% 28,57% 19,48% 7,79% 7,79%

HSE10 Aprender coisas novas 1,29% 5,19% 18,18% 35,36% 40,25%

Conheço vários tipos de obras de arte,


HSE11 22,07% 35,06% 23,37% 12,98% 6,49%
música ou literatura

HSE18 Eu não tenho imaginação 37,66% 24,67% 18,18% 6,49% 12,98%

HSE19 Tenho ideias novas e originais 2,59% 6,49% 62,33% 18,18% 10,38%

Quadro 7: Característica do big five:


Abertura a novas experiências; N=77.
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

Uma outra categoria do big five é a abertura a novas experiências, a


qual é definida como a tendência a ser aberto(a) a novas experiên-
cias estéticas (artísticas), culturais e intelectuais. O indivíduo aberto
a novas experiências caracteriza-se como imaginativo, artístico, exci-
tável, curioso, não convencional e com amplos interesses.

Quando se questionam os alunos sobre o quanto eles conseguem


ir ao cinema ou assistir a peças teatrais, na HSE7, apenas 7,79% afir-
mam totalmente ter acesso a esses programas, e 36,36%, ou seja,
a maioria considera que nunca consegue ir ao cinema ou assistir a
uma peça de teatro.

Martins (2017) buscou saber o que os jovens das consideradas clas-


ses populares fazem no seu tempo livre (recreativo), notando que,
em primeiro lugar, a maioria procura utilizar a internet, alegando ser
mais acessível e prático; em segundo, assistir à TV e ouvir música. Já
o baixo índice de idas ao cinema pode estar relacionado à renda. As
diferenças significativas aparecem nas opções: Navegar na internet,
Cinema ou teatro e Ir a festas, sendo que, quanto maior era a renda
familiar em salários mínimos, maior a frequência dessas atividades.

No que se refere a aprender coisas novas, na HSE10, a maioria dos


alunos, cerca de 40,25%, afirma conseguir aprender totalmente algo
novo, e apenas 6,48% afirmam nunca ou poucas vezes conseguir
aprender algo novo. No que se refere ao conhecimento particular de
cada aluno, referente a obras de arte, música e literatura, na HSE11,
35,06% afirmam conhecer pouco, e 19,47% afirmam conhecer muito
e totalmente vários tipos de músicas e artes.

313
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Quanto a se considerar imaginativo, na HSE18, 37,66% se conside-


ram imaginativos, enquanto 12,98% não se consideram nada ima-
ginativos.

No que diz respeito a ter ideias novas e originais, na HSE19, apenas


2,59% não se consideram nada inovadores, e 62,33% se acham mais
ou menos inovadores, enquanto apenas 10,38% se consideram to-
talmente inovadores.

Relações entre HSE e IST

Para compreender as possíveis relações entre as habilidades socioe-


mocionais com as questões conceituais, procedimentais e atitudi-
nais sobre as IST, foram criadas 4 variáveis latentes e depois feitas
análises bivariadas.

Foram elaboradas as seguintes variáveis: HSE1, na qual tínhamos


todas as questões da segunda seção do questionário sobre as ha-
bilidades socioemocionais, sendo que o índice de confiabilidade de
consistência interna para esse grupo de questões resultou em alfa
de cronbach: 0,66; e HSE2, a segunda variável, resultante da soma de
duas características do big five (neuroticismo e conscienciosidade)
que estavam voltadas a características de equilíbrio emocional e or-
ganização (alfa de cronbach: 0,93).

Para as variáveis do questionário procedimental/atitudinal, foram


criadas as variáveis IST 1, com as questões procedimentais/atitudi-

314
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

nais voltadas à comunicação (alfa de cronbach: 0,79), e IST 2, com


questões que refletiam o discernimento para o autocuidado (alfa de
cronbach: 0,62).

Após a elaboração das variáveis latentes, foram feitas correlações de


Spearmann cruzando-se essas variáveis: HSE1 com IST1 e IST2, HSE2
com IST 1 e IST2. Com isso, foi feito o cruzamento a fim de encontrar
alguma relação entre essas bivariáveis que confirmassem ou não es-
sas relações entre HSE e IST.

O resultado do cruzamento dessas variáveis não mostrou nenhuma


correlação direta entre as questões das habilidades socioemocionais
com as de IST.

Como justificativa, entendemos que o número da amostra pode ter


sido insuficiente para gerar correlações entre essas variáveis. Além
disso, presumimos que, pelo fato de os alunos apresentarem pouca
idade e poderem não ter iniciado a vida sexual, consequentemente
dispõem de pouca vivência com situações relacionadas às IST.

É possível, também, que os alunos apresentem conhecimentos mais


conceituais e menos atitudinais frente às IST, isso pode ser observado
na análise das questões conceituais do questionário aplicado, feitas
por um outro membro, na qual foi feita uma análise do eixo das ques-
tões conceituais. Também é observado que, quando cruzadas indivi-
dualmente as questões sem o uso de variáveis latentes, como entre
Q1 e HSE14 (o valor de spearmann= -269, sig 0,19), o resultado mostra
que alunos que se consideram totalmente indiferentes aos problemas

315
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

tendem a escolher a alternativa de senso comum, na qual se afirma


que a vacina contra o HPV é um incentivo para jovens iniciarem a vida
sexual. Outra correlação que reforça essa hipótese seria a de Q4 com
HSE15 (spearmann= 246, sig 0,38), ou seja, alunos que se consideram
esforçados tendem a usar o discurso mais científico.

Quanto ao grau de instrução dos pais e às habilidades socioemocio-


nais, não foi apresentada nenhuma correlação entre elas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando nos referimos à educação de qualidade e comparamos o


currículo atual e as práticas pedagógicas atuais, percebe-se que elas
não são mais capazes de responder aos desafios enfrentados pela so-
ciedade, como no caso do sucesso acadêmico e, consequentemente,
profissional e pessoal, nos dias de hoje (SANTOS; PRIMI, 2014).

Para Abed (2014), não se trata de descuidar dos conteúdos que


compõem as grades curriculares das disciplinas, mas de resgatar
os demais aspectos do humano, suas emoções, reinserindo as ha-
bilidades socioemocionais na proposta pedagógica das escolas. O
presente estudo buscou encontrar as possíveis relações entre as
habilidades socioemocionais de indivíduos frente às IST. Diante da
construção de variáveis latentes com as atitudes dos alunos sobre
IST e mesmo com suas HSE, não percebemos correlações diretas no
conteúdo das respostas, talvez pelo número pequeno de questões
que compuseram cada uma das variáveis atitudinais, o que sugere

316
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

a necessidade de ampliar o teste de desempenho, considerando-


-se obviamente o tempo que possa ser adequado para respondê-
-lo sem maiores desgastes.

Outra hipótese explicativa desse resultado é o fato de que a pouca


idade dos respondentes sendo a maioria na faixa etária de 15 anos,
pode ter interferido nos resultados, posto que a maioria pode não ter
ainda um contato mais próximo com as práticas sexuais, de maneira
que habilidades socioemocionais não tenham sido ainda mobiliza-
das para lidar com situações relacionadas a essa prática. Contudo,
algumas aproximações ainda puderam ser feitas qualitativamente,
conforme segue.

Das características do big five, a extroversão teve a frequência mais


alta, o que mostra que a maioria dos respondentes se considera so-
ciável e entusiasmada.

Isso também pode ser notado quando falamos de informar ao outro


sobre um conceito de IST, sendo que a frequência apresentada mos-
trou que esses alunos tendem a usar um discurso mais científico,
tendo cuidado ao disseminar uma informação.

Quanto à conscienciosidade, os alunos apresentam um autoconcei-


to positivo, afirmando serem organizados e disciplinados, o que nos
leva a dizer que ter uma visão positiva de si ajuda a promover o de-
senvolvimento da resiliência.

317
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS E AFETIVIDADE NO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA | PESQUISAS E REFLEXÕES

Pode ser notado em uma das questões de IST que, quando diante
de situação de exposição pública, como assumir publicamente ser
portador de HIV, por exemplo, esses alunos tendem a mostrar apoio
ao próximo, portanto tendem a ser resilientes em questões de expo-
sição pública (estresse) se apoiados pelo outro.

Como consequência das discussões aqui apresentadas, é interes-


sante compartilhar o argumento defendido por Abed (2014, p. 103-
104): “[...] para desenvolver habilidades socioemocionais na escola, é
necessário investir no professor para que este construa em si, as con-
dições necessárias para mediação de aprendizagem”. Com isso, esse
profissional será capaz de reconhecer as múltiplas inteligências e os
diferentes estilos cognitivo-afetivos de seus alunos e de si, atuando
ativamente sobre isso.

Também podemos concluir que é necessário que, juntamente com os


conteúdos, também seja trabalhada em sala de aula a sensibilização
desses estudantes frente a algumas questões de relacionamento in-
terpessoal, podendo isso ser trabalhado de forma dinâmica e coletiva.

318
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE IST NO ENSINO FUNDAMENTAL

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Alice Alexandre Pagan
Doutora em Educação, Professora Associada da Universidade Fede-
ral de Sergipe.

Yzila Liziane Farias Maia de Araújo


Doutora em Biotecnologia, Professora Adjunta da Universidade
Federal de Sergipe.

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