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Fundamentos da

educação especial
Irene Carmen Picone Prestes
Fundamentos da
educação especial

Irene Carmen Picone Prestes

2017
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dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
P939f Prestes, Irene Carmen Picone
Fundamentos da educação especial / Irene Carmen Picone
Prestes. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017.
96 p.: il.
ISBN: 978-85-387-6318-5

1. Educação especial. 2. Inclusão escolar. I. Título.


CDD: 371.9
17-40515
CDU: 376

Capa: IESDE BRASIL S/A.


Imagem da capa: Shutterstock/Max Krasnov

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Apresentação

Articular de maneira criativa a prática e a teoria é um dos desafios


que a educação inclusiva nos convida a fazer.

Os fundamentos teóricos da educação especial apresentam temas


dirigidos ao trabalho do educador com alunos com necessidades edu-
cativas especiais e/ou com deficiência, ou melhor, alunos com ritmos,
tempo, funcionamentos cognitivos e estilos de aprendizagens pró-
prios. Alguns dos temas abordados são: a compreensão da educação
num sentido amplo e suas perspectivas entrelaçadas ao contexto his-
tórico-cultural atual; o conhecimento e as sugestões dos dispositivos
legais nacionais e internacionais direcionados à educação acessível e
inclusiva; o lugar e a função do educador e do aluno no processo ensi-
no-aprendizagem; a reflexão sobre os saberes que sustentam as propo-
sições curriculares das instituições escolares.

Esperamos que os temas descritos estimulem a reflexão crítica fren-


te às dimensões que envolvem a implementação de práticas educativas
inclusivas e acessíveis. Que as ações em sala de aula considerem a singu-
laridade de cada aprendiz e suscitem o máximo das suas potencialidades
para o sucesso na aprendizagem. Ainda, que o respeito à alteridade e à
diversidade humana sejam ingredientes na sala de aula e favoreçam o
desenvolvimento das habilidades e competências de todos os alunos.
Sobre a autora

Irene Carmen Picone Prestes

Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).


Especialista em Antropologia Cultural pela UFPR. Especialista em
Psicopedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Psicanalista.
Psicóloga. Docente na UTP. Presidente da Comissão de Educação
Inclusiva da UTP.
Sumário

1 Educação especial e educação inclusiva no Brasil 9


1.1 Educação no Brasil e educação especial 9
1.2 Abordagens do processo de ensino 12
1.3 A instituição escolar inclusiva 13

2 Necessidades educacionais especiais e a formação docente 21


2.1 Necessidades educacionais especiais 21
2.2 Processo do aprender 23
2.3 Formação docente 25

3 Inclusão escolar: legislação, teoria e prática 31


3.1 Educação para todos 31
3.2 Políticas educacionais 32
3.3 Inclusão educacional 34

4 Altas habilidades/superdotação 41
4.1 Concepções teóricas 41
4.2 Reconhecendo a pessoa com altas habilidades/superdotação 44
4.3 Questões éticas na educação inclusiva 47

5 Comportamento social inadequado 53


5.1 Fatores associados ao comportamento social inadequado 53
5.2 Dificuldades de aprendizagem 54
5.3 Sobre o comportamento e a educação inclusiva 55

6 Fundamentos da educação especial


Sumário

6 Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) 61


6.1 Características e manifestações do TDAH 61
6.2 O contexto e a percepção social 62
6.3 O professor e o aluno com TDAH 64

7 Transtornos do neurodesenvolvimento 71
7.1 Conhecendo a etiologia 71
7.2 Pode-se aprender? 73
7.3 Relação escola–família na inclusão 74

8 Habilidades cognitivas 81
8.1 O que são as habilidades cognitivas? 81
8.2 Estilo cognitivo 83
8.3 Processo criativo na educação escolar inclusiva 84

9 Adaptações curriculares para a educação inclusiva 89


9.1 Operacionalizando as adaptações curriculares 89
9.2 Recursos necessários 90
9.3 Avaliação da aprendizagem 91

Fundamentos da educação especial 7


1
Educação especial e
educação inclusiva no Brasil

1.1 Educação no Brasil e educação especial


Vídeo
As análises atuais acerca da história da educação no Brasil centram-se na investiga-
ção do contexto escolar, nos aspectos de interatividade, organização e funcionamento
institucional. As pesquisas de cunho histórico contribuem para a compreensão das mu-
danças filosóficas, ideológicas e culturais que influenciam o comportamento manifesto
nos diferentes espaços interativos: família, escola, comunidade e trabalho.
Historicamente identifica-se que o comportamento conservador e tradicional da sociedade brasilei-
ra manteve-se até o período entre 1960 e 1970, quando superou a atitude social individualista para dar
lugar à convivência social voltada à coletividade, à solidariedade e ao bem-viver em comunidade. Esse
mesmo comportamento vigorou na instituição escolar refletindo na função do professor na sala de aula
e nos efeitos à aprendizagem do aluno.
As mudanças ocorridas, ao longo do tempo, também decorrem dos efeitos produzidos pelos dis-
positivos legais, entre eles, a Constituição Federal do Brasil1 (BRASIL, 1988) que traz em seu bojo a ação e
participação política apoiada nos Direitos Humanos Universais2 (ONU, 1948) que vêm sendo consoli-
dadas no século XXI. Trouxe também sugestões para erradicar o analfabetismo, universalizar o atendi-
mento escolar e a implementação da formação para o trabalho e da formação humanística e tecnológica

1 A Constituição Brasileira no seu Preâmbulo institui o Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos, fundada na ordem interna e internacional.
2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama como o ideal a ser atingido por todos os povos e todas as
nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração,
se esforce, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e à liberdade, e, pela adoção
de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observân-
cia universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos dos territórios
sob sua jurisdição (ONU, 1948).

Fundamentos da educação especial 9


1 Educação especial e educação inclusiva no Brasil

no país. A Constituição ainda assegurou que a educação da pessoa com deficiência deveria
ocorrer, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Também verificam-se efeitos à construção de valores morais e éticos socialmente dese-
jáveis que vieram incrementar o comportamento colaborativo do cidadão nas decisões polí-
ticas, promover melhores condições de vida para todos, indiscriminadamente, e igualdade
de oportunidades educativas e sociais.
Outro dispositivo que fortalece o atual comportamento na educação escolar refere-
-se à Declaração de Jomtien (UNESCO, 1990) que recomenda o fim de preconceitos e es-
tereótipos de qualquer natureza na educação. Nessa declaração, os países lembram que
a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens de todas as idades,
no mundo globalizado.
A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) corrobora com essas recomendações e des-
taca princípios, políticas e práticas voltadas às necessidades educativas especiais. A educa-
ção escolar deve adaptar-se às especificidades dos alunos e não o contrário, independente
das diferenças individuais, a educação é direito universal.
Sobre a atual concepção de educação destacamos a contribuição do educador e pesqui-
sador Jamil Cury (2006), que foca a educação escolar no desenvolvimento das habilidades e
competências do aluno, entendendo que se trata da aquisição e da socialização em relação
à ética e à moral e vivência na sociedade, entrelaçadas à produtividade, à autonomia e ao
pleno exercício da cidadania.
A educação escolar ao privilegiar o lugar do aluno na escolarização deve oferecer ativi-
dades e experiências significativas, sem desconsiderar a subjetividade dos alunos. Tais ativi-
dades devem promover a interatividade entre partícipes (aluno e professor, aluno e aluno)
e, consequentemente, desenham e revelam o sentido e significado do lugar do professor na
sala de aula e os efeitos à aprendizagem do aluno.
Assinala-se que levar em conta diferentes pontos de vista, aprender a respeitar as opi-
niões dos demais e exercitar-se na busca de autênticos consensos são habilidades essenciais
na constituição da personalidade do aluno, na autonomia de aprendizagem e na qualidade
de vida em sociedade.
A pesquisadora da educação Isabel Alarcão (2001) apresenta a educação atual voltada
à nova racionalidade do século XXI, preocupada com contextos relacionais saudáveis e arti-
culada às tecnologias de informação e comunicação.
Neste contexto de profunda mudança ideológica, cultural, social e profissional,
aponta-se a educação como cerne do desenvolvimento da pessoa humana e da
sua vivência na sociedade, sociedade da qual se espera um desenvolvimento eco-
nômico acrescido e uma melhor qualidade de vida. (ALARCÃO, 2001, p. 10)
Assim, a educação é a essência do processo de humanização na sociedade. Ciente disso,
a escola deve utilizar, o mais adequadamente possível, seu espaço e tempo para facilitar e fa-
vorecer o aprendizado de todos os alunos. Desse ponto de vista, podemos considerar como
fator de sucesso na aprendizagem a riqueza e a diversidade de atividades educacionais que,
oferecidas ao aluno, potencializam seu desenvolvimento integral.

10 Fundamentos da educação especial


Educação especial e educação inclusiva no Brasil 1
A educação especial, ao longo da história da educação no Brasil, passou por inúmeras
transformações políticas, filosóficas, ideológicas e culturais. Essas influências refletiram na
concepção da instituição de educação especial, desde seu caráter assistencialista, filantrópi-
co até o educativo do atendimento aos alunos com deficiência no espaço escolar.
A seguir, citamos alguns aspectos que neste percurso histórico interferiram na definição
do público-alvo e nas práticas de ensino e aprendizagem na educação escolar especial. São eles:
• ensino público obrigatório;
• conceituação e classificação da deficiência;
• serviços de diagnóstico e plano de tratamento;
• abordagens do ensino à educação especial;
• escolas especiais, classes especiais na escola comum;
• formação de professores.
Para a compreensão histórica da educação especial é interessante destacar alguns documen-
tos legais, entre eles, as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica (BRASIL,
2001, p. 9-10) que delimita a educação especial “como modalidade da educação escolar, organi-
za-se de modo a considerar uma aproximação sucessiva dos pressupostos e da prática pedagó-
gica social da educação inclusiva” devendo garantir a educação escolar e promover o desenvol-
vimento das potencialidades dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.
Nesta mesma direção, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva descreve seu objetivo de assegurar a inclusão escolar de alunos
[...] com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino
regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais eleva-
dos do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a
educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional
especializado; formação de professores para o atendimento educacional espe-
cializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da
família e da comunidade [...]. (BRASIL, 2008, p. 14)
Em 2009 a Resolução CNE/CEB n. 4/2009 (BRASIL, 2009) institui as Diretrizes Operacionais
para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação
Especial. Em acordo, outro dispositivo, o Decreto n. 7.611, de 17 de novembro de 2011, dispõe
sobre a Educação Especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências.
Além desses, existem outros dispositivos legais sobre as dimensões da educação especial e
sua implementação.
Atualmente, a educação especial sistematiza suas práticas educativas inclusivas e delineia
seus caminhos planejando intervenções de forma colaborativa entre professores, para identi-
ficar as condições de melhorar as tecnologias, os instrumentos pedagógicos para que o aluno
possa se beneficiar dos recursos e possa aprender a aprender. A educação especial pode atuar
de forma complementar, suplementar ou substitutiva como espaço educacional de preparação
para que o aluno tenha mais autonomia de aprendizagem na educação regular.

Fundamentos da educação especial 11


1 Educação especial e educação inclusiva no Brasil

1.2 Abordagens do processo de ensino


Vídeo
São inúmeras as abordagens pedagógicas que, historicamente, influen-
ciam as tendências dos processos de ensino e aprendizagem. Resgatar e
refletir criticamente sobre a interferência dos diversos enfoques do ensino
contribui para a identificação de suas manifestações nas ações educacionais
da escola.
As abordagens do processo de ensino se entrelaçam ao planejamento e aplicação das
tarefas e atividades escolares formativas e avaliativas. Compreender a inter-relação entre
as abordagens de ensino e os processos de aprendizagem é essencial para uma educação
escolar atualizada aos fundamentos teóricos e construtivistas da perspectiva inclusiva, ou
melhor, uma educação voltada ao aprendizado dos conceitos e atenta à qualidade e trans-
missão do ensino para todos.
Há várias formas de se conceber o fenômeno educativo. [...] É um fenômeno
humano, histórico e multidimensional. Nele estão presentes tanto a dimensão
humana quanto a técnica, a cognitiva, a emocional, a sociopolítica e cultural [...]
Diferentes formas de aproximação do fenômeno educativo podem ser conside-
radas como mediações historicamente possíveis, que permitem explicá-lo [...]
por isto, devem ser elas analisadas, contextualizadas e discutidas criticamente.
(MIZUKAMI, 1986, p. 7)
Em acordo ao proposto por Mizukami e demais pensadores da educação, apresentamos
a seguir alguns enfoques do processo de ensino:
1. Teoria da educação de enfoque progressista – Representantes de destaque: Dewey,
Montessori e Piaget. Função da escola visa ao ajustamento social em que, por meio
de experiências, a escola deve retratar a vida cotidiana. A função do professor é
auxiliar o desenvolvimento livre e a vivência do aluno, por meio de conteúdos
curriculares selecionados com base nos interesses do aluno. O ambiente é um meio
estimulador à atividade do aprendiz. Valorização dos aspectos afetivos e atitudi-
nais para o desenvolvimento pleno do aluno.
2. Teoria da educação de enfoque não diretivo de Carl Rogers – Função da esco-
la: voltada à formação de atitudes individuais e coletivas no espaço da instituição
escolar. O professor é um especialista em relações humanas e oferece um relacio-
namento autêntico e pessoal ao aluno. Aprender é refletir sobre a percepção de si
mesmo no contexto social da escola, a autorrealização. Privilegia a autoavaliação.
3. Teoria da educação de enfoque diretivo tecnicista – Representantes: Skinner,
Gagné. O enfoque tecnicista atende às Leis 5540/683 e 5692/714 revogadas pela Lei

3 Lei 5540/68 – Fixa normas de organização do ensino superior e sua articulação com a escola média,
e dá outras providências.
4 Lei 5692/71 – Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Fixa diretrizes e bases para o ensino
de 1° e 2° graus e dá outras providências.

12 Fundamentos da educação especial


Educação especial e educação inclusiva no Brasil 1
9394/965 que trouxe um novo direcionamento à educação escolar. É função da es-
cola produzir mão de obra capacitada para o mercado de trabalho. O papel do pro-
fessor é de técnico que aplica instrumentos que garantem a eficiência e a eficácia de
ensino. Ênfase na produtividade do alunado.
4. Teoria da educação de enfoque progressista libertadora – Representantes: Celestin
Freneit, Paulo Freire e Rubem Alves. É função da escola desenvolver mecanismos
de mudanças institucionais e transformação no alunado. Baseia-se na participação
grupal e nas atividades de aprendizagem ao aluno. O conhecimento é a desco-
berta às necessidades e exigências da vida em sociedade. O papel do professor é
de orientador da aprendizagem por meio de temas geradores. A apropriação dos
conteúdos curriculares só tem sentido e significado quando aplicados ao cotidiano
da vida do alunado.
5. Teoria da educação de enfoque histórico-crítico – Representantes: Makarenko,
Saviani e Frigotto. A escola tem um caráter ideológico e serve para socializar o
saber para todos os alunos. Na relação pedagógica professor e aluno são sujeitos.
É função do professor criar as condições necessárias à apropriação do conhecimen-
to científico.
6. Teoria da educação de enfoque crítico-reprodutivo – Representantes: Bourdieu,
Passeron e Althusser. É função da escola reproduzir a cultura dominante. O conví-
vio entre alunos e professores serve de articulador às relações entre grupos sociais
(família, escola, comunidade). As práticas educativas pedagógicas estão funda-
mentadas na cultura dos grupos sociais.
Os diversos enfoques de ensino descrevem algumas qualidades básicas que alicerçam
as práticas educativas na instituição escolar. Desta maneira, revelam a organização, o fun-
cionamento e o clima institucional, em que professores e alunos, com deficiência e sem,
participam como atores no processo ensino-aprendizagem.

1.3 A instituição escolar inclusiva


Vídeo
A escola6 como organismo vivo, institucionalmente, mostra-se como va-
riável interveniente no aprendizado do aluno. Atualmente, verificamos que
os pais/responsáveis preocupam-se com as propostas educativas da escola e
interessam-se em conhecê-la previamente a matrícula do filho. Os pais, em
sua maioria, procuram uma escola que estimule as potencialidades, atenda

5 Lei 9394/96 – Fixa as diretrizes e bases da educação nacional. No Art. 1° a educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais. No Art. 8° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem
organizar em regime de colaboração os respectivos sistemas de ensino.
6 Escola – de acordo a Maria Mossato, 2000, p. 3 “a escola (e seus participantes), enquanto organis-
mo vivo, [...] Articula-se como qualquer outro sistema, na busca da manutenção de sua identidade, de
seu equilíbrio, ainda que esse equilíbrio implique ônus consideráveis”.

Fundamentos da educação especial 13


1 Educação especial e educação inclusiva no Brasil

às necessidades de aprendizagem e conte com recursos tecnológicos e socializadores que


favoreçam o desenvolvimento do seu filho, uma vez que a educação escolar para o aluno é
“qualitativamente diferente do processo de educação em sentido amplo. Na escola a criança
está diante de uma tarefa particular: entender as bases dos estudos científicos, ou seja, um
sistema de concepções científicas” (VYGOTSKY, 1991, p. 147).
Refletir sobre a instituição7 escolar requer ponderar sobre seus princípios filosóficos,
ideológicos e culturais e sinalizar as características organizacionais da escola que contri-
buem para o sucesso da aprendizagem de cada aluno. Não há consenso sobre que aspectos
constituem o sistema organizacional escolar, no entanto, é possível sugerir alguns alicerces
ao funcionamento institucional:
1. as relações e o cenário sócio-histórico-cultural;
2. as metas e tarefas propostas ao aluno;
3. ser um sistema aberto e funcional;
4. a permanente formação docente;
5. as tecnologias de comunicação e informação;
6. a interatividade comunicacional institucional.
De acordo com Aquino (1998, p. 44), “o papel da escola é o de uma instituição social-
mente responsável” e acessível nos aspectos comunicacional, metodológica e instrumental
ao aluno e aos demais atores escolares.
Os autores Cesar Coll, Álvaro Marchesi, Jesus Palacios e colaboradores (2004, p. 394),
ao estudar o clima institucional da escola, sinalizam que a dinâmica do sistema escolar, “a
cultura que molde o seu funcionamento e as decisões que se tomem nela acabarão de fato
tendo uma influência educacional sobre os alunos”. Os autores discorrem sobre duas possi-
bilidades de influência:
1a) a influência indireta é aquela que organiza as práticas docentes numa direção espe-
cífica, conformada com as características da instituição escolar;
2a) a influência direta que se dá nas atividades oferecidas aos alunos dentro e fora da
sala de aula.
O quadro 1 apresentado a seguir detalha aspectos das influências, direta e indireta, da
escola que regem os seus modelos de atuação sobre o aprendizado de cada aluno (COLL;
MARCHESI; PALACIOS et al., 2004, p. 396).

7 Instituição – na obra Psicologia Institucional, de José Bleger, 1984, p. 37, significa “o conjunto de
organismos de existência física concreta, que têm certo grau de permanência em algum campo ou setor
específico da atividade ou vida humana”.

14 Fundamentos da educação especial


Educação especial e educação inclusiva no Brasil 1
Quadro 1 – Influência direta e indireta da escola.

Influência indireta ou mediada


Influência direta
Favorecendo as melhores
condições na escola para que Favorecendo a participação direta dos alunos em
os professores respondam de situações de aprendizagem complementares às da
maneira adequada às necessida- sala de aula
des educacionais de seus alunos
Normas e modelos
Objetivo básico Atividades não letivas
de comportamento
Contar com um projeto de es-
cola coerente, ajustado e viável
Fatores: decisões do projeto
- Agrupamento dos alunos
- Organização do tempo
- Organização dos espaços I. Fase de planejamento
da prática
- Grau de interdisciplinarida-
de das matérias curriculares - Intencionalidade: incluí-
-lo no currículo explícito - Riqueza e variedade
- Medidas de trânsito en-
tre séries e etapas - Participação da oferta de atividade

Processos: organização e - Caráter preventivo, e - Complementaridade


estilo da tomada de de- não meramente sanciona- dessas atividades
cisões do projeto dor do RRI (regulamento com as letivas
do regimento interno) - Competência educa-
- Estruturas de participação
II. Fase de pôr em prática tiva dos responsáveis
- Coordenação vertical e pelas atividades
horizontal da escola - Coerência entre o que
se diz e o que se faz e - Complementaridade
- Grau de participação de com o ambiente
coerência entre o con-
toda a comunidade escolar
junto dos professores
- Estilo de liderança
- Uso da razão dialógi-
- Autonomia da escola e de ca na educação moral
cada professor ao longo do
tempo para ajustá-las
- Variação das formas
de interatividade
- Avaliação da escola

Fonte: COLL; MARCHESI; PALACIOS et al., 2004, p. 396.

Refletir sobre os aspectos estruturais da instituição escolar revela a complexidade do


sistema escolar e a necessidade da reflexão crítica institucional.

Fundamentos da educação especial 15


1 Educação especial e educação inclusiva no Brasil

Desejamos uma escola reflexiva, concebida como uma organização que conti-
nuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização
e confronta-se com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico
simultaneamente avaliativo e formativo. (ALARCÃO, 2001, p. 11)
Desse modo, a escola é convidada a pensar com responsabilidade e cuidado quando
busca alicerçar ao funcionamento escolar as premissas da educação inclusiva, como acolher
a diversidade cultural, as diferenças individuais e a alteridade do sujeito, com vias à convi-
vência socioeducativa harmoniosa e saudável. Ainda, a competência educativa da mediação
e das atividades de aprendizagens a que os alunos, com deficiência e sem, são partícipes na
escola.

Ampliando seus conhecimentos

A fundamentação filosófica
(BRASIL, 2004, p. 7-9)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) uniu os povos do


mundo todo, no reconhecimento de que “todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de cons-
ciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”
(Art. 1°).

A concepção contemporânea de Direitos Humanos, introduzida pela


Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), se fundamenta no
reconhecimento da dignidade de todas as pessoas e na universalidade
e indivisibilidade desses direitos; universalidade, porque a condição de
pessoa é requisito único para a titularidade de direitos e indivisibilidade,
porque os direitos civis e políticos são conjugados aos direitos econômi-
cos, sociais e culturais.

A Declaração conjuga o valor de liberdade ao valor de igualdade, já que


assume que não há liberdade sem igualdade, nem tampouco igualdade
sem liberdade.

Neste contexto, o valor da diversidade se impõe como condição para o


alcance da universalidade e a indivisibilidade dos Direitos Humanos.

Num primeiro momento, a atenção aos Direitos Humanos foi marcada


pela tônica da proteção geral e abstrata, com base na igualdade formal;
mais recentemente, passou-se a explicitar a pessoa como sujeito de direito,
respeitado em suas peculiaridades e particularidades.

16 Fundamentos da educação especial


Educação especial e educação inclusiva no Brasil 1
O respeito à diversidade, efetivado no respeito às diferenças, impul-
siona ações de cidadania voltadas ao reconhecimento de sujeitos de
direitos, simplesmente por serem seres humanos. Suas especificidades
não devem ser elemento para a construção de desigualdades, discri-
minações ou exclusões, mas sim, devem ser norteadoras de políticas
afirmativas de respeito à diversidade, voltadas para a construção de
contextos sociais inclusivos.

Princípios

A ideia de uma sociedade inclusiva se fundamenta numa filosofia que


reconhece e valoriza a diversidade, como característica inerente à cons-
tituição de qualquer sociedade. Partindo desse princípio e tendo como
horizonte o cenário ético dos Direitos Humanos, sinaliza a necessidade de
se garantir o acesso e a participação de todos, a todas as oportunidades,
independentemente das peculiaridades de cada indivíduo e/ou grupo
social.

A identidade pessoal e social e a construção


da igualdade na diversidade

A identidade pessoal e social é essencial para o desenvolvimento de todo


indivíduo, enquanto ser humano e enquanto cidadão.

A identidade pessoal é construída na trama das relações sociais que per-


meiam sua existência cotidiana. Assim, há que se esforçar para que as rela-
ções entre os indivíduos se caracterizem por atitudes de respeito mútuo,
representadas pela valorização de cada pessoa em sua singularidade, ou
seja, nas características que a constituem.

“A consciência do direito de constituir uma identidade própria e do reco-


nhecimento da identidade do outro traduz-se no direito à igualdade e no
respeito às diferenças, assegurando oportunidades diferenciadas (equi-
dade), tantas quantas forem necessárias, com vistas à busca da igual-
dade.” (MEC/SEESP, 2001).

A Constituição Federal do Brasil assume o princípio da igualdade como


pilar fundamental de uma sociedade democrática e justa, quando reza no
caput do seu Art. 5° que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, resi-
dentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual-
dade, à segurança e à propriedade” (CF – BRASIL, 1988).

Fundamentos da educação especial 17


1 Educação especial e educação inclusiva no Brasil

Para que a igualdade seja real, ela tem que ser relativa. Isto significa que
as pessoas são diferentes, têm necessidades diversas e o cumprimento da
lei exige que a elas sejam garantidas as condições apropriadas de atendi-
mento às peculiaridades individuais, de forma que todos possam usufruir
as oportunidades existentes. Há que se enfatizar aqui, que tratamento
diferenciado não se refere à instituição de privilégios, e sim, a disponibili-
zação das condições exigidas, na garantia da igualdade.

[...]

Atividades
1. Como Isabel Alarcão descreve a nova racionalidade na educação?

2. Sugira um esquema que demonstre a organização e o funcionamento do processo de


ensino-aprendizagem na escola. Alguns elementos que pode usar: professor, aluno,
método, avaliação, conteúdo e objetivo.

3. Qual a definição de José Bleger para instituição?

Referências
ALARCÃO, Isabel (Org.). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre, ArtMed, 2001.
AQUINO, Julio (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo:
Summus, 1998.
BLEGER, José. Psico-higiene e psicologia institucional. Porto Alegre: ArtMed, 1984.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicada no Diário Oficial da
União, de 05 de out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm>. Acesso em: 6 abr. 2017.
______. Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do
ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Publicada no Diário
Oficial da União de 23 dez. 1968 e retificado no Diário Oficial da União 03 dez. 1968. Revogada pela
Lei n. 9.394, de 20 nov. 1996. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5540.htm>. Acesso
em: 6 abr. 2017.
______. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino
superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial
da União de 23 nov. 1968 e retificado no Diário Oficial da União de 03 dez. 1968. Revogada pela Lei
n. 9.394, de 1996, com exceção do artigo 16, alterado pela Lei n. 9.192, de 1995. Disponível em: <www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm>. Acesso em: 6 abr. 2017.

18 Fundamentos da educação especial


Educação especial e educação inclusiva no Brasil 1
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacio-
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Fundamentos da educação especial 19


1 Educação especial e educação inclusiva no Brasil

Resolução
1. A pesquisadora da educação Isabel Alarcão (2001) apresenta a educação atual volta-
da à nova racionalidade do século XXI, preocupada com espaços de vida saudável e
articulada às tecnologias de informação e comunicação.

2. Processo de ensino-aprendizagem (sugestão):

OBJETIVOS CONTEÚDO

PROFESSOR

GRUPO ALUNO

MÉTODOS AVALIAÇÃO

RECURSOS

3. Instituição para Bleger é “o conjunto de organismos de existência física concreta, que


têm um certo grau de permanência em algum campo ou setor específico da atividade
ou vida humana”.

20 Fundamentos da educação especial


2
Necessidades educacionais
especiais e a
formação docente

2.1 Necessidades educacionais especiais


Vídeo

Ao longo da história a terminologia dirigida às pessoas com necessi-


dades especiais e/ou deficiências recebeu múltiplos sentidos e significa-
dos, desde os de ordem biológica voltados aos deficits e incapacidades da
pessoa, sustentados numa premissa clínico-médica, até as significações
mais atuais sustentadas numa premissa socioeducativa que remetem à singularidade,
à convivência socioeducativa e ao exercício da cidadania.

As discussões para precisão e atualização da terminologia e conceptualização no


Brasil começam nos anos 1980 com inúmeros movimentos da sociedade civil, rom-
pendo com o paradigma assistencialista e clínico para um paradigma sociocultural
que busca compreender as pessoas com limitações e restrições de participação física,
sensorial, mental ou múltipla.

Entre os documentos nacionais e internacionais, a Constituição Federal Brasileira


(1988) e a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (1989)
orientam que a educação, num sentido amplo, deve promover o desenvolvimento
das potencialidades de todos os seres humanos e a Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994) ratifica a expressão pessoas com necessidades especiais.

Fundamentos da educação especial 21


2 Necessidades educacionais especiais
e a formação docente
O termo “necessidades especiais” não substitui a palavra “deficiência”, como se
imagina. A maioria das pessoas com deficiência pode apresentar necessidades
especiais (na escola, no trabalho, no transporte) mas nem todas as pessoas com
necessidades especiais têm deficiências. As necessidades especiais são decorren-
tes de condições atípicas como, por exemplo, deficiências, insuficiências orgâ-
nicas, transtornos mentais, altas habilidades, experiências de vida marcantes.
Estas condições podem ser agravadas e/ou resultantes de situações socialmente
excludentes”. (BRASIl, 2008, p. 84-85)
Atualmente, um documento de referência é a Lei 13.146/2015 que institui a Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência, e dá orientações no Art. 2°.
Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de lon-
go prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
1o A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada
por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I – os impedimen-
tos nas funções e nas estruturas do corpo; II – os fatores socioambientais, psicoló-
gicos e pessoais; III – a limitação no desempenho de atividades; e IV – a restrição
de participação.
2o O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.
(BRASIL, 2015)
Para incrementar a identificação das necessidades especiais das pessoas é importante
destacar o documento da CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade
e Saúde (OMS, 2004), o qual articula a acessibilidade e representa uma mudança no para-
digma para avaliar, planejar intervenções e trabalhar com a “deficiência”. Alinha-se a este as
ajudas técnicas ou tecnologias assistivas1, como recursos essenciais a todas as pessoas para
potencializar as suas habilidades e competências e promover a cidadania.
Ainda, incrementando a discussão sobre classificação de deficiências, a Cartilha de com-
portamentos , mitos e verdades – SEDPCD-PR (CURITIBA, 2014) pautada na Convenção sobre
os direitos das pessoas com deficiência (BRASIL, 2008) e o protocolo facultativo, apresenta
uma estrutura básica cronológica para compreender a deficiência (CURITIBA, 2014, p. 23):
1° momento: o ambiente dá origem à causa;
2° momento: a causa produz impedimento na pessoa;
3° momento: o impedimento se transforma em deficiência;
4° momento: no ambiente, a interação “barreiras ambientais/pessoa com defi-
ciência” resulta em incapacidade imposta sobre a pessoa.
O significado da expressão necessidades educacionais especiais delimita as necessida-
des específicas do aluno, seja de natureza psíquica, biológica, social ou cultural, as quais

1 Tecnologia Assistiva (TA) – entendida como dispositivo que atende a todas as dimensões de aces-
sibilidade dirigidas às necessidades da pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida e limitada nas
suas funções motoras, auditivas, visuais ou de comunicação.

22 Fundamentos da educação especial


Necessidades educacionais especiais
e a formação docente 2
influenciam na aprendizagem e nos comportamentos esperados do aluno. “É uma forma
de reconhecer que muitos alunos, tenham ou não deficiência [...] apresentam necessidades
educacionais que passam a ser especiais quando exigem respostas específicas e adequadas”
(PARANÁ, 2001, p. 15).
O pesquisador do desenvolvimento humano Lev Vygotsky2 (1896-1934) ao estudar as
necessidades educativas especiais relata que para compreendê-las devemos observar suas
manifestações no comportamento social da pessoa em relação a um determinado período do
desenvolvimento do ser humano. “É lembrar que essa estrutura humana completa é produ-
to de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história
individual e história social” (VYGOTSKY, 1991, p. 33).
Para atender às necessidades educativas especiais de cada aluno “é necessário que os
recursos educacionais sejam viabilizados em várias instâncias para assegurar a todos o di-
reito de exercício da cidadania” (PARANÁ, 2001, p. 15). Quer dizer, a perspectiva educa-
cional atual deve alinhar-se às contingências de acessibilidade e à remoção das barreiras
para o aprendizado do aluno com deficiência. A prática educativa inclusiva deve focar na
potencialização das habilidades e competências próprias do aluno para seu desenvolvimen-
to intelectual e vivência social.
Desse ponto de vista, o psicólogo Vygotsky (1991, p. 101) ressalta que o
[...] aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequada-
mente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento
vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis
de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do pro-
cesso de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e
especificamente humanas. (VYGOTSKY, 1991, p. 101)
Espera-se que na construção das ações pedagógicas e educativas o professor ponde-
re entre as respostas esperadas e as necessidades educacionais especiais para a adequada
aprendizagem do aluno. Uma prática educativa inclusiva trabalha na direção do sucesso da
aprendizagem e no desenvolvimento das potencialidades do aluno, não fica restrita à inca-
pacidade e à falta de participação, seja ela motora, intelectual, visual ou auditiva.

2.2 Processo do aprender


Vídeo
Historicamente, as práticas educativas deixam de focar as necessidades
educacionais especiais nos deficits, incapacidades de aprendizagem e nas
dificuldades específicas dos alunos, para focar no seu processo do apren-
dizado, nas práticas educativas formativas e no desenvolvimento das suas
habilidades e competências.
2 Lev S. Vygotsky foi advogado, filólogo e psicólogo russo. O objetivo dos seus estudos foi relacionar
os princípios do materialismo histórico e dialético à psicologia do desenvolvimento humano. Buscou re-
construir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e da consciência. O desenvolvimento
é um processo em movimento e em mudança que tem sua história, a qual é caracterizada por mudanças
qualitativas (mudança na forma, estrutura e características básicas) e quantitativas.

Fundamentos da educação especial 23


2 Necessidades educacionais especiais
e a formação docente
O sentido e significado do processo do aprendizado descrito por Maria Luisa Cabani
(2004) considera a interatividade entre três variáveis que moldam a relação ensino-aprendi-
zagem e seu resultado. A seguir as variáveis:
1° o cenário educacional, que é composto pelo ambiente institucional físico e humano,
a sala de aula;
2° as intenções, que podem ser conscientes e inconscientes, que orientam a atitude e a
vontade do aprendiz;
3° a ação pedagógica educacional do professor na sala de aula.
A educadora Cabani (2004) ao discutir sobre as teorias de Entwistle (1998)3 descreve a
“aprendizagem centrada no aprendiz” na interatividade entre quatro enfoques:
• Enfoque de aprendizagem: identifica a intenção que orienta a atividade do
aprendiz.
• Enfoque estratégico: o aprendiz organiza a informação para conseguir o melhor re-
sultado possível. Orienta seu trabalho em função da percepção que tem das preferên-
cias dos professores. Busca as condições e os materiais adequados para o estudo.
• Enfoque profundo: o aprendiz transforma a informação para compreender as
ideias e dotá-las de sentido. Relaciona as ideias com o conhecimento prévio e com
a experiência. Examina a lógica e os argumentos de maneira cautelosa e crítica.
• Enfoque superficial: o aprendiz reproduz a informação para cumprir os requisi-
tos da série. Memoriza os dados e os procedimentos de maneira rotineira. Sente-se
pressionado e angustiado pelo trabalho sem motivo aparente.
Vale lembrar que a aprendizagem centrada na perspectiva do aprendiz vai ao encontro dos
estilos cognitivos e de aprendizagem do aluno que são definidos como a atitude, consciente e
inconsciente, do aprendiz frente às atividades escolares e à resolução dos problemas na sala de
aula. A pesquisadora Vanessa Lindemann, quando define os estilos de aprendizagem, diz que:
[...] os sujeitos têm variadas maneiras de perceber e processar a informação, que
implica diretamente em diferenças nos processos de aprendizagem, que podem
modificar-se ao longo do tempo no mesmo sujeito. (LINDEMANN, 2008, p. 36)
Finalmente, ao focalizar o processo do aprendizado no aprendiz, a escola confirma os
fundamentos teóricos e metodológicos da inclusão. Dar maior valor ao aluno, sem desva-
lorizar as técnicas e os recursos educacionais, para que as atividades escolares promovam
novas formas de funcionamento mental. Portanto, coerente aos pressupostos teóricos para
uma educação inclusiva que atende as diferenças e potencialidades individuais e a diversi-
dade cultural humana.

3 Noel Entwistle é psicólogo educacional e professor na universidade de Edimburgo, na Escócia. É


autor de diversas publicações, dirigidas ao tema das teorias da aprendizagem e ensino, e à compreen-
são da universidade e o ensino superior.

24 Fundamentos da educação especial


Necessidades educacionais especiais
e a formação docente 2
2.3 Formação docente
Vídeo
O pressuposto atual é que a educação exerce função essencial na huma-
nização dos sujeitos na sociedade. No contexto escolar compete ao educador
ocupar o lugar de interlocutor do aluno, desta feita, impõe-se hoje a revitali-
zação do seu status, “o professor dever ser reconhecido como tal pela socie-
dade, além de dispor da autoridade necessária e das ferramentas adequadas
para exercer sua função” (DELORS, 2010, p. 34)4.
Jacques Delors (2010) descreve a prática educativa do professor alicerçada sobre qua-
tro aprendizagens fundamentais: aprender a conhecer, a fazer, a viver em comunidade e,
finalmente, a ser humano. O autor chama a atenção para as práticas de educação formativa
do sujeito nas dimensões cognitiva, afetiva e sociocultural. Essas práticas devem despertar
o potencial criativo, a capacidade do saber pensar e o pensamento argumentativo do aluno
para a compreensão dos conceitos, seus significados e sentidos num plano teórico e prático.
O lugar do professor se conforma na convivência escolar, coerente com o projeto políti-
co pedagógico atrelado a um tempo e espaço escolar. De outro modo, o lugar do professor
se dá em acordo a sua formação continuada durante a permanência na instituição escolar.
A Lei 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, proclama a
educação por meio do processo de ensino-aprendizagem em instituições escolares dando
ênfase à formação docente continuada.
A formação do professor deve ser um processo continuo que perpassa sua práti-
ca com os alunos, a partir do trabalho transdisciplinar com uma equipe perma-
nente de apoio. É fundamental considerar e valorizar o saber de todos os pro-
fissionais da educação no processo de inclusão [...]. É imprescindível, portanto,
investir na criação de uma política de formação continuada para os profissionais
da educação. (PAULON, et al., 2005, p. 21-22)
A formação permanente do docente pode ser pensada na interatividade de quatro di-
mensões que a sustentam na escola:
• A interatividade trata da relação professor-aluno que vai se construindo e se atua-
lizando na sala de aula. “Quando um profissional reconhece uma situação como
única não pode lidar com ela apenas aplicando técnicas derivadas de sua bagagem
de conhecimento profissional” (SCHON, 2000, p. 17), trata-se portanto de uma
interação afetivo-social-cultural entre professor-aluno.
• A coerência que é revelada na atitude e prática docente que, quando ajustada aos
processos pedagógicos institucionais, viabiliza o aprender do aprendiz.
• A responsividade é demonstrada quando o docente está em comunhão com as
propostas institucionais da escola.

4 Jacques Delors redigiu o Relatório para a Unesco, produzido pela Comissão Internacional sobre
a Educação para o século XXI. Este documento mundial sobre a educação para todos deu origem ao
livro: Educação: um tesouro a descobrir, trazendo como eixos essenciais os quatro pilares da educação,
que são as bases das habilidades e competências para este século.

Fundamentos da educação especial 25


2 Necessidades educacionais especiais
e a formação docente
• A executável é a dimensão que se refere à viabilidade das condições de trabalho
proporcionada pela instituição ao professor, para que concretize sua práxis peda-
gógica e educacional, a favor do seu aluno, de todos os alunos.
Muitos reconhecem que a tarefa do professor é viabilizar o desenvolvimento do aluno.
Para tanto, foca o trabalho com o aluno na mediação dos conteúdos e conceitos e nas ativi-
dades desafiadoras de aprendizagem. Lavoura, Botura e Darido (2006) no artigo “Educação
física escolar: conhecimentos necessários para a prática pedagógica”, enfatizam que uma
qualidade essencial do professor é a generosidade e o respeito incondicional ao aluno
[...] pois com a generosidade é que o professor consegue chegar ao aluno; a ar-
rogância nega a generosidade e também a humildade. O respeito [...] nasce de
relações justas, sérias, humildes e generosas, e então o professor assume a sua
autoridade docente e o aluno assume a sua liberdade de forma ética, e assim se
forma o espaço pedagógico, o conteúdo pode chegar ao aluno e este pode pon-
derar a respeito do que recebe. (LAVOURA; BOTURA; DARIDO, 2006, p. 206)
A formação docente consiste numa das conquistas e também num dos desafios à in-
clusão. Cabe à escola, na formação inicial e continuada do professor, atentar para que não
seja diferenciada para alguns alunos, mas que seja própria para cada aluno. A tarefa do pro-
fessor deve oferecer diretrizes claras que potencializem as habilidades e competências do
aluno. Deve oferecer condições que impulsionem os processos de aprendizagem criativos e
significativos aos alunos com deficiência e demais.
Essas e outras ações atreladas às condições de trabalho do professor e ao funcionamen-
to da instituição escolar certamente colaborarão para a melhoria das práticas educativas
inclusivas no Brasil.

Ampliando seus conhecimentos

Os estilos cognitivos na educação escolar


e sua dimensão conceitual como aporte
teórico para a orientação do ensino e da
aprendizagem. Uma discussão introdutória
(LEMES, 2012, p. 2-4)

A dimensão cognitiva no processo de aprendizagem é objeto permanente


de preocupação e busca de respostas aos desafios apresentados pela com-
plexidade das circunstâncias educativas. Nesse contexto, a educação esco-
lar procura atender às demandas da sociedade na qual está contida. Entre
essas demandas encontra-se a necessidade da qualificação do processo
pelo respeito e compreensão às diferenças e, com efeito, à individualidade

26 Fundamentos da educação especial


Necessidades educacionais especiais
e a formação docente 2
e potencialidade de cada sujeito. Os estudos sobre Estilos Cognitivos têm
contribuído significativamente nesse sentido. São algumas dessas contri-
buições que serão exploradas neste texto, de forma conceitual e introdu-
tória, com o objetivo de esclarecer e possibilitar esse debate no âmbito da
educação escolar.

Com origem na Psicologia Cognitiva, mais especificamente, nos estudos


sobre cognição humana, na perspectiva diferencial, os Estilos Cognitivos
são constructos desenvolvidos para descrever traços perceptuais dos
indivíduos.

Desde o século XIX, psicólogos como Cattell e Jastrow procuravam anali-


sar e medir as diferenças individuais através da avaliação das capacidades
perceptuais dos indivíduos; porém, juntamente com a evolução dos estu-
dos no campo da psicologia ocorre a sua fragmentação, emergindo daí
inúmeras subáreas e, dentre elas, a própria Psicologia Experimental. Já
no século XX, inúmeros desafios se apresentam na busca da compreensão
do homem e sua individualidade. Estudos procuram estabelecer relações,
por exemplo, entre a denominada Psicologia Diferencial e a Psicologia
Genética de Piaget. Nos anos 80, Reuchlin e Bacher (1981), desenvol-
vem estudos sobre aspectos cognitivos da personalidade e, dentre outras
coisas, destacam, numa alusão direta aos postulados piagetianos, como
sendo altamente provável a hipótese da origem genética das diferenças
entre os indivíduos.

Sperry (1977) considera que o interesse por esses estudos tenha se disse-
minado de forma mais intensa, a partir dos trabalhos de três diferentes
grupos de investigação: o de Brooklyn, o de Menninger e o do Instituto
Fels.

Na escola de Brooklyn, Asch e Witkin, isolam traços de percepção que


denominam como “Dependência e Independência de Campo” e, mais
tarde, o próprio Witkin e outros (1962), apresentam evidências em seus
estudos de que as percepções individuais são parte de um conjunto mais
amplo de fatores interrelacionados que refletem o nível de diferenciação
psicológica dos indivíduos (SPERRY, 1977, p. 72-73).

Os autores, apesar disso, procuram ir além desse constructo ampliando a


sua abrangência. Em discussões específicas sobre essa questão, descrevem
esse constructo – Estilos Cognitivos (EC)2 – como as “características do
modo como a concepção individual organiza o ambiente”.

Fundamentos da educação especial 27


2 Necessidades educacionais especiais
e a formação docente

Conforme os principais grupos de maior influência sobre os estudos dos


EC, apresentados por Sperry, as concepções também se mostram dife-
rentes. Para o grupo da Fundação Menninger, formado por Holtzman,
Gardner e outros, EC é visto como um “composto de controles cogniti-
vos” que, por sua vez, é definido como “[...] processos internos de con-
trole cognitivo, enquanto formas características de integração dos aconte-
cimentos externos” (SPERRY, 1977, p. 73). Para o grupo do Instituto Fels,
formado por Kogan e seus associados, EC é definido como “preferências
individuais estáveis nos modos de organização perceptiva e categoriza-
ção conceitual do ambiente externo” (SPERRY, 1977, p. 71). No caso do
terceiro grupo, denominado de Grupo do Brooklin ou Escola de Brooklin,
formado por Witkin, Asch e colaboradores, EC foi definido como “[...]
formas, sutís e relativamente estáveis, como o indivíduo percebe, pensa,
resolve problemas, aprende e se relaciona com os outros” (PENNINGS;
SPAN, 1991, p. 8).

As principais correntes de estudo que têm sustentado as pesquisas sobre


EC na atualidade, manifestam suas posições a partir dos conceitos de
Dependência e Independência de Campo propostos por Herman Witkin e
seus colaboradores; da concepção de diferenciação e indiferenciação cog-
nitivas, propostas por Gardner e colaboradores e dos traços de reflexão
e impulsividade, apresentados por Kogan e associados. Estas dimensões
de estilos cognitivos, além de serem as mais pesquisadas, introduzem o
leitor a alguns estudos clássicos destes diferentes grupos (do Brooklyn, da
Fundação Menninger e do Instituto Fels). Nos três casos, a preocupação
principal é a investigação das diferenças individuais e do modo pelo qual
a informação é processada por diferentes indivíduos (SPERRY, 1977, p.
111).

[...]

Atividades
1. Qual documento internacional que ratifica o termo necessidades especiais?

2. Descreva o foco do processo do aprender na educação atual.

3. Quais as quatro dimensões sugeridas à sustentação da formação continuada docente?

28 Fundamentos da educação especial


Necessidades educacionais especiais
e a formação docente 2
Referências
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VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos supe-
riores. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Resolução
1. Declaração de Salamanca, 1994.

2. O foco atual do processo do aprender é o desenvolvimento das habilidades e com-


petências do aprendiz.

3. Interatividade, coerência, responsividade e executável.

30 Fundamentos da educação especial


3
Inclusão escolar:
legislação, teoria e prática

3.1 Educação para todos


Vídeo

A “educação para todos” como a nova cultura educacional é viável


no mundo globalizado em concordância com as tecnologias de comuni-
cação e informação que avançam sem parar. A sociedade atual alerta que
as demandas de ensino e aprendizagem devem considerar o excesso de
informações disseminadas pelos diferentes canais de comunicação. Cabe aos profis-
sionais da educação o “saber lidar” com esse contexto complexo para que construam
práticas educativas inclusivas voltadas à apropriação e aplicação do conhecimento nos
diversos ambientes de convivência das pessoas com deficiência e as demais.

É válido relembrar os dispositivos legais que fundamentam a educação para todos.


A política educacional brasileira se entrelaça às propostas internacionais de educação,
entre elas a Conferência de Jomtien (UNESCO, 1990), que reconhece como necessidade
da educação proporcionar ao aluno a satisfação no processo do aprender. Cada aluno
deverá estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas oferecidas no
espaço escolar.

Fundamentos da educação especial 31


3 Inclusão escolar: legislação, teoria e prática

A proposta internacional da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) valoriza a peda-


gogia centrada no aprendiz e reconhece a necessidade de providências dos programas de
educação às crianças com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de
ensino. Para combater as atitudes discriminatórias e desenvolver ações acolhedoras e cola-
borativas, a declaração defende aplicação de práticas educativas inclusivas. “Toda a criança
possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são úni-
cas” (UNESCO, 1994, p. 1), que devem ser contempladas nas ações e atividades docentes
em sala de aula para que as pessoas possam aprender a aprender e aprender a ser. Ainda,
práticas educativas que promovam a autonomia na aprendizagem.
A Convenção da Guatemala de 1999 proclama o favorecimento das pessoas com defi-
ciência para plena inclusão social e a eliminação de todas as formas de discriminação contra
elas, exaltando a garantia da dignidade do ser humano. A expressão discriminação é entendi-
da como qualquer modo de exclusão ou restrição de participação baseada em “deficiência”
(BRASIL, 2001b).
Outro documento fundamental é a Declaração Internacional de Montreal1 sobre
Inclusão, de 2001, que defende os direitos universais das pessoas, reforça a igualdade dos
direitos inerentes ao ser humano e a liberdade de convivência em todos os espaços de vida
como fundamental ao exercício pleno da cidadania. Ainda, estabelece que a conquista do
desenvolvimento sustentável da sociedade no século XXI depende do esforço coletivo e é
um desafio fundamental à inclusão para todos (BRASIL, 2001a).
O Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação (DELORS, 2001) para o sécu-
lo XXI destaca os eixos essenciais à aprendizagem: os quatro pilares da educação, que são
alicerces das habilidades e competências à educação para todos. O relator Jacques Delors
(2001) descreve a educação como um direito e uma necessidade de todos os seres humanos.
Aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender
a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim
de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; final-
mente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. (DELORS,
2001, p. 89-90, grifo nosso)
Delors (2001) desenha a cultura educacional focalizada no aluno. O aprendiz deverá
descobrir, reavivar e fortalecer seu modo particular de aprender, e também compreender
o mundo ao seu redor para viver dignamente e em harmonia. Aprender a aprender é de-
senvolver a curiosidade de ser pesquisador do conhecimento, é ser criativo. Finalmente, o
maior desafio da educação para todos é aprender a conviver com os outros, derrubar os pre-
conceitos, a discriminação e a hostilidade nas relações interpessoais e deixar aflorar a ami-
zade, a solidariedade, o acolhimento das diferenças individuais e a diversidade humana.

1 Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão (2001) – decorre do Congresso Internacional re-
alizado em Montreal, Quebec, em junho de 2001. Dá reconhecimento fundamental e providências aos
direitos inerentes à pessoa humana. Delineia que o acesso igualitário a todos os ambientes da vida é
um pré-requisito para os direitos humanos universais e liberdades fundamentais do cidadão. Consi-
dera que o desafio rumo a uma sociedade inclusiva para todos é a essência do desenvolvimento social
sustentável.

32 Fundamentos da educação especial


Inclusão escolar: legislação, teoria e prática 3
3.2 Políticas educacionais
Vídeo
A política educacional e ações inclusivas em linhas gerais existem para
preservar o Direito Universal de Ser Humano (1948) e promover a convivên-
cia social plena e equitativa entre as pessoas. A sociedade inclusiva viabiliza
a acessibilidade e acolhe as diferenças individuais e a diversidade cultural
entre seus cidadãos. Nesta mesma direção, a escola inclusiva viabiliza ao
aluno a transmissão do conhecimento sistematizado histórica e coletivamente.
As políticas educacionais e políticas educacionais inclusivas constituem os fundamen-
tos à inclusão nos contextos familiar, escolar e na comunidade. Entre elas, a Constituição
Federal do Brasil (BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDBEN
n. 9.394 (BRASIL, 1996), de 20 de dezembro de 1996, são instrumentos legais centrais para
a cultura educacional nacional. Ambas promoveram um avanço qualitativo na concepção e
diretrizes da educação num sentido amplo.
A Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988) é um dispositivo legal de grande signifi-
cância à inclusão social, pois assegura ao cidadão a igualdade de oportunidades. Em conso-
nância, a LDBEN-9.394/96 (BRASIL, 1996) reforça o caráter humanista e social da educação,
destacando como essencial à formação do cidadão a relação pessoa-pessoa nos diversos
contextos da vida familiar, escolar e profissional.
A LDBEN-9.394/96 (BRASIL, 1996) na seção II, artigo 29 orienta que a educação infantil
deve ter como finalidade o desenvolvimento pleno da criança em todos os seus aspectos
biopsicossociais, devendo ser complementado pela intervenção da família e da comunidade.
Quer dizer, a finalidade última da LDBEN visa a internalização da cidadania e seu pleno
exercício no espaço socioeducativo.
A Lei n. 13.005/2014 (BRASIL, 2014) aprova o Plano Nacional de Educação para o de-
cênio 2014-2024, sugere diretrizes à política de educação especial e indica objetivos e metas
para a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais. Esse dispositivo legal
aponta os fundamentos às políticas educacionais e ações inclusivas no território nacional. É
composto por 20 metas para a educação com foco na valorização do magistério, na univer-
salização e a qualidade da educação escolar.
O Plano Nacional de Educação, ao descrever a Meta 4, indica providências à educação espe-
cial e aos direitos da pessoa com deficiência. Implementa as salas de recursos multifuncionais e
fomenta a formação continuada docente para o atendimento especializado complementar.
Meta 4: universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou su-
perdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especia-
lizado, preferencialmente na rede regular de ensino, com garantia de sistema
educacional inclusivo, de sala de recursos multifuncionais, classes, escolas ou
serviços especializados, públicos ou conveniados. (BRASIL, 2014)

Fundamentos da educação especial 33


3 Inclusão escolar: legislação, teoria e prática

O Decreto 7.612/2011 (BRASIL, 2011) proclama o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa
com Deficiência e institui o Plano Viver sem Limite. Esse dispositivo legal tem a finalidade
de promover, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações, o exercí-
cio pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência. Possui basicamente quatro
eixos: acessibilidade, atenção à saúde, inclusão social e acesso à educação. Esse dispositivo
prevê a garantia de que os equipamentos públicos de educação sejam acessíveis para as
pessoas com deficiência.
Concluímos que os dispositivos legais, nacionais e internacionais, têm valor relevante
para o aprimoramento da educação nacional e desenham ações inclusivas com a intenção de
instrumentalizar a sociedade e os profissionais da educação nos conhecimentos necessários
para o desenvolvimento das habilidades e competências e o aperfeiçoamento das potencia-
lidades de todos os alunos.

3.3 Inclusão educacional


Vídeo
Nos processos educativos a inclusão educacional tem como premissa a va-
lorização da diversidade humana de modo a preservar a liberdade, a criativida-
de e a singularidade do aluno para o aperfeiçoamento integral das suas poten-
cialidades. Esses aspectos devem ser considerados na elaboração e transmissão
dos conteúdos curriculares pelo professor na sala de aula.
Sabemos que um professor sozinho pouco pode fazer diante da complexidade
de questões que seus alunos colocam em jogo. Por este motivo, a constituição
de uma equipe interdisciplinar, que permita pensar o trabalho educativo desde
os diversos campos do conhecimento, é fundamental para compor uma prática
inclusiva junto ao professor. É verdade que propostas correntes nessa área refe-
rem-se ao auxílio de um professor especialista e à necessidade de uma equipe de
apoio pedagógico. (PAULON; FREITAS; PINHO, 2005, p. 9)
No contexto contemporâneo em que se insere o sujeito, a acessibilidade e a inclusão vis-
tas enquanto direito humano alicerçam a autonomia, a independência e o empoderamento
da pessoa com deficiência, limitações e restrições de participação (SASSAKI, 1997). Para
tanto, a acessibilidade nas suas diferentes dimensões arquitetônica, tecnológica, comuni-
cacional, linguística, pedagógica e atitudinal (preconceito, medo e ignorância), preconiza a
construção de acesso e eliminação dos diversos tipos de barreiras favorecendo a dignidade,
o bem-estar e o bem-viver de todos os cidadãos.
A promoção e proteção da acessibilidade prevista na Lei Federal n. 10.098/2000 (BRASIL,
2000), estabelece as normas e os critérios básicos de acessibilidade às pessoas com deficiên-
cia ou mobilidade reduzida e a aplicação se dá em todos os espaços de convivência social,
educativa e profissional. Sobre as condições gerais da acessibilidade:
Para fins de providências da Lei, o Artigo 2° estabelece as seguintes definições:
I – acessibilidade: possibilidade e condição para utilização, com segurança e au-
tonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos

34 Fundamentos da educação especial


Inclusão escolar: legislação, teoria e prática 3
transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de
deficiência ou com mobilidade reduzida;
II – barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liber-
dade de movimento, a circulação com segurança das pessoas, classificadas em:
a) barreiras arquitetônicas urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos es-
paços de uso público;
b) barreiras arquitetônicas na edificação: as existentes no interior dos edifícios
públicos e privados;
c) barreiras arquitetônicas nos transportes: as existentes nos meios de transportes;
d) barreiras nas comunicações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou
impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos
meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa;
III – pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida: a que tempo-
rária ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o
meio e de utilizá-lo;
IV – elemento da urbanização: qualquer componente das obras de urbanização,
tais como os referentes a pavimentação, saneamento, encanamentos para esgo-
tos, distribuição de energia elétrica, iluminação pública, abastecimento e distri-
buição de água, paisagismo e os que materializam as indicações do planejamen-
to urbanístico;
V – mobiliário urbano: o conjunto de objetos existentes nas vias e espaços públi-
cos, superpostos ou adicionados aos elementos da urbanização ou da edificação,
de forma que sua modificação ou traslado não provoque alterações substanciais
nestes elementos, tais como semáforos, postes de sinalização e similares, cabines
telefônicas, fontes públicas, lixeiras, toldos, marquises, quiosques e quaisquer
outros de natureza análoga;
VI – ajuda técnica: qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou possi-
bilite o acesso e o uso de meio físico. (BRASIL, 2000)
Romeu Sassaki (2009), consultor de inclusão social, ao descrever sobre aplicação das
premissas de acessibilidade ressalta que é uma qualidade que desejamos ver em todos os
espaços de convivência e que traz benefícios a todas as pessoas, tendo ou não deficiência.
Sassaki (2009, p. 1-6) dá exemplo de acessibilidade no contexto escolar:
1 – Acessibilidade arquitetônica: guias rebaixadas na calçada defronte à entrada
da escola, caminhos em superfície acessível por todo o espaço físico dentro da
escola, portas largas em todas as salas e demais recintos, sanitários largos, tor-
neiras acessíveis, boa iluminação, boa ventilação, correta localização de mobílias
e equipamentos, etc. Implantação de amplos corredores com faixas indicativas
de alto contraste, elevadores, rampas no trajeto para o recinto da biblioteca e
áreas de circulação dentro dos espaços internos desse recinto entre as prateleiras
e estantes, as mesas e cadeiras e os equipamentos (máquinas que ampliam letras
de livros, jornais e revistas, computadores entre outros).

Fundamentos da educação especial 35


3 Inclusão escolar: legislação, teoria e prática

2 – Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação interpessoal,


na comunicação escrita e na comunicação virtual e digital. Ensino de noções bá-
sicas da língua de sinais brasileira (Libras) para se comunicar com alunos surdos;
ensino do braille e do sorobã para facilitar o aprendizado de alunos cegos; uso de
letras em tamanho ampliado para facilitar a leitura para alunos com baixa visão;
permissão para o uso de computadores de mesa e/ou notebooks para alunos com
restrições motoras nas mãos; utilização de desenhos, fotos e figuras para facilitar
a comunicação para alunos que tenham necessidades especiais etc.
3 – Acessibilidade metodológica: sem barreiras nos métodos e técnicas de estu-
do. Ensino e aplicação dos estilos de aprendizagem; aprendizado e aplicação da
teoria das inteligências múltiplas; utilização de materiais didáticos adequados às
necessidades educacionais especiais, etc.
4 – Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios
de estudo, dispositivos que atendam às limitações sensoriais, físicas e mentais.
Adaptação da forma como alguns alunos poderão usar o lápis, a caneta, a régua
e todos os demais instrumentos de escrita, normalmente utilizados em sala de
aula, na biblioteca, na secretaria administrativa, etc. As bibliotecas deverão pos-
suir livros em braille, produzidos pelas editoras de todo o Brasil. Dispositivos
que facilitem anotar informações tiradas de livros e outros materiais, manejar
gavetas e prateleiras, manejar computadores e acessórios etc.
5 – Acessibilidade programática: revisão atenta de todos os programas, regula-
mentos, portarias e normas da escola, a fim de garantir a exclusão de barreiras
invisíveis neles contidas que possam impedir ou dificultar a participação plena
de todos os alunos, com ou sem deficiência, na vida escolar. Sem barreiras invi-
síveis nos regulamentos e normas para uso dos serviços e materiais disponíveis
na biblioteca.
6 – Acessibilidade atitudinal: através de programas e práticas de sensibiliza-
ção e de conscientização das pessoas promovidas dentro e fora da escola a fim
de eliminar preconceitos, estigmas e estereótipos, e estimular a convivência com
alunos que tenham as mais diversas características atípicas (deficiência, síndro-
me, etnia, condição social etc.) para que todos aprendam a evitar comportamen-
tos discriminatórios. Um ambiente escolar (e também familiar, comunitário etc.)
que não seja preconceituoso melhora a autoestima dos alunos e isto contribui
para que eles realmente aprendam em menos tempo e com mais alegria, mais
motivação, mais cooperação, mais amizade e mais felicidade. Pessoal capacitado
em atitudes inclusivas para dar atendimento aos usuários com deficiência de
qualquer tipo.
Para tanto, entendemos que a inclusão educacional se faz desenhada pelas políticas de
educação inclusiva e acessibilidade aplicadas criativamente nos espaços socioeducativos,
aprimorando a qualidade de vida e o bem-estar social a todas as pessoas.

36 Fundamentos da educação especial


Inclusão escolar: legislação, teoria e prática 3
Ampliando seus conhecimentos

Responsabilidades definidas e necessidades


de articulação: a oportunidade do novo PNE
(BRASIL, 2014, p. 5-6)

A Constituição Federal de 1988 define, em seu Capítulo III (Seção I, Da


Educação), os papéis de cada ente federativo no cenário da garantia do
direito à educação. Em resumo:

À União cabe organizar o sistema federal de ensino, financiar as institui-


ções de ensino federais e exercer, em matéria educacional, função redis-
tributiva e supletiva, para garantir equalização de oportunidades edu-
cacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência
técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Os
municípios devem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na
educação infantil; os estados e o Distrito Federal, prioritariamente nos
ensinos fundamental e médio (art. 211, §§ 1°, 2° e 3°).

As responsabilidades estão definidas, mas ainda não há normas de coo-


peração suficientemente regulamentadas. Isso faz com que existam lacu-
nas de articulação federativa que resultam em descontinuidade de políti-
cas, desarticulação de programas, insuficiência de recursos, entre outros
problemas que são históricos no Brasil. Tais lacunas são bastante visíveis
no campo da educação básica em função da obrigatoriedade e da conse-
quente necessidade de universalização.

O Ministério da Educação exerce, nesse contexto, sua função de coorde-


nação federativa, tendo como desafio estimular que as formas de colabo-
ração entre os sistemas de ensino sejam cada vez mais orgânicas, mesmo
sem que as normas de cooperação ainda estejam regulamentadas. Cabe
ressaltar, inclusive, que o art. 13 da Lei do PNE estipula um prazo de
dois anos a partir da sua publicação para que o poder público institua o
Sistema Nacional de Educação em lei específica.

Assim, o PNE significa também uma oportunidade: se as diferentes esfe-


ras de governo têm compromissos comuns, terão resultados mais efetivos
e recursos otimizados se planejarem suas ações de maneira integrada e

Fundamentos da educação especial 37


3 Inclusão escolar: legislação, teoria e prática

colaborativa. Além desses claros benefícios, ao realizarem essa tarefa, os


gestores indicarão caminhos concretos para a regulamentação dos pactos
federativos nacionais em torno da política pública educacional, estabele-
cendo o primeiro desenho para o Sistema Nacional de Educação.

O espírito deste PNE: uma política de estado de educação para a próxima


década

Elaborar um plano de educação no Brasil, hoje, implica assumir compro-


missos com o esforço contínuo de eliminação de desigualdades que são
históricas no País. Portanto, as metas são orientadas para enfrentar as bar-
reiras para o acesso e a permanência; as desigualdades educacionais em
cada território com foco nas especificidades de sua população; a formação
para o trabalho, identificando as potencialidades das dinâmicas locais; e o
exercício da cidadania. A elaboração de um plano de educação não pode
prescindir de incorporar os princípios do respeito aos direitos humanos, à
sustentabilidade socioambiental, à valorização da diversidade e da inclu-
são e à valorização dos profissionais que atuam na educação de milhares
de pessoas todos os dias.

O PNE foi elaborado com esses compromissos, largamente debatidos e


apontados como estratégicos pela sociedade na CONAE 2010, os quais
foram aprimorados na interação com o Congresso Nacional. Há metas
estruturantes para a garantia do direito à educação básica com quali-
dade, que dizem respeito ao acesso, à universalização da alfabetização e à
ampliação da escolaridade e das oportunidades educacionais.

[...]

Atividades
1. Quais as três ações que os dispositivos legais apresentados preconizam à nova cultu-
ra educacional voltada à educação para todos?

2. Qual a premissa primordial das políticas educacionais e das ações inclusivas no ter-
ritório nacional?

3. Qual o significado de acessibilidade descrito no Art. 2° da Lei 10.098/2000?

38 Fundamentos da educação especial


Inclusão escolar: legislação, teoria e prática 3
Referências
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em: 6 abr. 2017.
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promoção da acessibilidade às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, e dá outras providên-
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______. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras
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Fundamentos da educação especial 39


3 Inclusão escolar: legislação, teoria e prática

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______. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. 2009. In: Revista Nacional de
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Resolução
1. Satisfação no processo do aprender; Pedagogia centrada na criança; Práticas educa-
tivas inclusivas.

2. Em geral, as políticas educacionais e as ações inclusivas existem para preservar e


promover os Direitos Universais do Ser Humano.

3. Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos es-
paços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos siste-
mas e meios de comunicação, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.

40 Fundamentos da educação especial


4
Altas habilidades/
superdotação

4.1 Concepções teóricas


Vídeo

Desde a década de 1980 verifica-se uma preocupação maior dos cien-


tistas com as teorias sobre inteligência e amplia-se a visão sobre altas
habilidades/superdotação. Não há consenso sobre a definição das altas
habilidades/superdotação, no entanto, todos concordam que a criança
superdotada apresenta elevado desempenho e elevada potencialidade.

Apresentamos cinco estudos que buscam definir e delinear características às pes-


soas superdotadas, entre eles:

Fundamentos da educação especial 41


4 Altas habilidades/superdotação

• Teoria da desintegração positiva de Kazimierz Dabrowski (1950) – marca os pri-


meiros estudos voltados à superdotação. Além de estudar a personalidade huma-
na, Drabrowski identifica a criança superdotada como tendo hiperexcitabilidade
devido a um alto nível de habilidades gerais que se correlacionam positivamente.
Essas habilidades apresentam cinco características: sensório-perceptiva, psicomo-
tora, cognitiva, vivacidade e sensibilidade emocional. No processo de desenvol-
vimento socioemocional pessoal a maioria das pessoas experimenta inicialmente
uma integração caracterizada na internalização de comportamentos sociais vigen-
tes. Num segundo momento, é a desintegração positiva que leva a pessoa a perío-
dos de reflexão e introspecção que culminam na adoção dos próprios valores. Esse
processo de desintegração é acompanhado por angústia e ansiedade.
• Teoria do círculo dos três anéis, de Joseph Renzulli (1986) – destaca os aspectos
intelectuais e o raciocínio lógico-matemático, ou melhor, a capacidade de resolu-
ção de problemas, a capacidade criativa elevada e o envolvimento com a tarefa.
As pessoas superdotadas são muito motivadas e comprometidas com as ativida-
des que desenvolvem. A manifestação do comportamento é definido na dinâmica
funcional entre os três anéis, em que se valoriza a realização criativo-produtiva.
Os comportamentos dos superdotados ocorrem com determinadas pessoas, em
determinados momentos e em determinadas circunstâncias, ou seja, têm relação
com o tema e as circunstâncias vivenciadas. Renzulli destaca que a educação esco-
lar deve buscar o aprimoramento das potencialidades, habilidades e competências
do aluno superdotado.

Figura 1 – Teoria do círculo dos três anéis.

Comportamento do
superdotado Capacidade realizadora
acima da média

Criatividade Envolvimento emocional


com a tarefa-motivação

Fonte: Elaborada com base em RENZULLI, 1986.

• Teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner (1995) – baseia sua con-
cepção de inteligência em competências cognitivas que se interpenetram às inteli-
gências múltiplas. A maioria das pessoas é capaz de uma atuação em pelo menos
sete diferentes habilidades: inteligência linguística, inteligência lógico-matemá-
tica, inteligência corporal-cinestésica, inteligência espacial, inteligência musical,
inteligência intrapessoal e interpessoal. As pessoas são inteligentes quando de-
monstram um comportamento intencional e habilidades na resolução de proble-
mas. “Algumas inteligências são mais valorizadas em uma cultura do que outra
e, portanto, o indivíduo só pode ser considerado inteligente se o seu contexto for
levado em consideração” (VIRGOLIM, 2007, p. 54).

42 Fundamentos da educação especial


Altas habilidades/superdotação 4
Figura 2 – Teoria das inteligências múltiplas.

Linguística

Logico-
Espacial -matemática

Inteligências
múltiplas

Corporal
Interpessoal
cinestésica

Intrapessoal Musical

Fonte: Elaborada com base em GARDNER, 1995.

• Teoria triádica da inteligência de Robert Sternberg (1996) – a inteligência está


marcada pela habilidade de êxito. As pessoas superdotadas conhecem seus pontos
fracos e fortes e são capazes de equilibrá-los para a resolução dos conflitos cotidia-
nos. O pesquisador descreve cinco características essenciais presentes na superdo-
tação: excelência, raridade, produtividade, demonstratividade e valor. “A pessoa
pode ser inteligente de três formas: pelo uso de uma inteligência analítica, ou pelo
uso de uma inteligência criativa, ou ainda pelo uso de uma inteligência prática”
(VIRGOLIM, 2007, p. 53). A pessoa superdotada poderá destacar-se apenas em
uma das formas de inteligência, em duas, ou ainda nas três simultaneamente.
Sternberg adverte que a valorização e o reconhecimento sociocultural interfere na
funcionalidade das atividades cotidianas da pessoa superdotada.

Figura 3 – Teoria triádica da inteligência.

Analítica

Criativa Prática

Fonte: Elaborada com base em STERNBERG, 1996.

Fundamentos da educação especial 43


4 Altas habilidades/superdotação

• Teoria do modelo diferenciado de sobredotação e talento de Françoys Gagné


(2000) – reconhece habilidades intelectuais inatas a priori na sobredotação ou su-
perdotação. A pessoa superdotada se refere ao rendimento alcançado como resul-
tado independente da vivência prática. Gagné descreve alguns talentos específicos
da superdotação que decorrem das influências e interações num campo ambiental
e gradativamente se desenvolvem. O pesquisador identifica cinco talentos: cog-
nitivo, criativo, socioafetivo, sensório-motor e perceptivo-sensorial. O talento se
aprimora no contexto relacional e a pessoa é identificada como superdotada entre
seus pares.
A partir dos estudos apresentados se percebe que a identificação das pessoas com altas
habilidades é um tema complexo e com implicações importantes nos diversos contextos fa-
mília, escola e sociedade. A avaliação diagnóstica e o plano de intervenção devem envolver
equipe de profissionais especializados nas áreas da educação e saúde.

4.2 Reconhecendo a pessoa com altas habilidades/


superdotação
Vídeo
Quando o assunto é superdotação alguns mitos estão presentes: diz-se
que é uma pessoa “pronta”, “gênio” e “extraordinária”. Nem tanto assim,
são pessoas comuns que devem ser reconhecidas por seus talentos, poten-
cialidades específicas e um modo não convencional de resolver problemas
cotidianos.
Já seu reconhecimento na escola se dá na medida em que o professor foca o aprendi-
zado na potencialização dos talentos, habilidades e competências próprias do aluno. Para
o aluno superdotado o reconhecimento do professor e seu acolhimento tornam-se muitas
vezes essenciais para sua adaptação e sucesso ao ambiente escolar, não apenas do ponto de
vista cognitivo, como também social e afetivo.
A pesquisadora Angela Virgolim (2007) descreve características importantes para o re-
conhecimento das pessoas com altas habilidades.
As pessoas com altas habilidades formam um grupo heterogêneo, com caracterís-
ticas diferentes e habilidades diversificadas; diferem uns dos outros também por
seus interesses, estilos de aprendizagem, níveis de motivação e de autoconceito, ca-
racterísticas de personalidade e principalmente por suas necessidades educacionais.
Entendemos que é tarefa dos educadores, sejam eles professores ou pais, compreen-
der a superdotação em seus aspectos mais básicos e assim se tornarem agentes na
promoção do desenvolvimento dos potenciais, de forma a poder atender as necessi-
dades especiais desta população. (VIRGOLIM, 2007, p. 11)
O professor deve aplicar estratégias educativas inclusivas que visem identificar o es-
tilo cognitivo e de aprendizagem do aluno superdotado. Na transmissão dos conteúdos

44 Fundamentos da educação especial


Altas habilidades/superdotação 4
curriculares pode utilizar a suplementação, a diferenciação e o enriquecimento curricular.
Dessa maneira, contemplam-se no processo de aprendizagem as necessidades especiais cog-
nitivas, sociais e afetivas do aluno; respeitando seu modo particular de construir conheci-
mento e seu estilo e ritmo de aprendizagem.
As diretrizes legais são instrumentos essenciais ao reconhecimento e às necessidades
especiais da pessoa com altas habilidades/superdotação. Ainda, sugerem as ações inclusivas
na educação escolar.
Na resolução do Conselho Nacional de Educação – CNE/CEB n. 2 de 2001 (BRASIL,
2001), que estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,
no artigo 5° inciso III, apresenta como perfil da pessoa com altas habilidades/superdotação a
grande facilidade de aprender o que as leva a dominar rapidamente conceitos, procedimen-
tos e atitudes. Ainda, apresenta um padrão irregular de desenvolvimento cognitivo, social
e afetivo.
As diretrizes educacionais em sua série de adaptações curriculares, Saberes e Práticas
da Inclusão (BRASIL, 2006), descrevem indicativos às crianças com altas habilidades/super-
dotação. Alertam que é notável seu desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos
seguintes aspectos isolados ou combinados (BRASIL, 2006. p. 20-21):
• aprendizagem com instrução mínima;
• persistência e concentração;
• alto grau de energia;
• interesses específicos;
• estilo próprio para resolver situações-problema;
• curiosidade acentuada.
Para o levantamento do perfil cognitivo do aluno superdotado, a seguir sugere-se
ao professor o preenchimento de um formulário com indicativos de altas habilidades/
superdotação.
Reserve alguns minutos para listar os nomes dos alunos que venham primeiramente à
sua mente quando você lê as descrições abaixo. Utilize essa lista como uma associação livre
e de forma rápida. Não é necessário preencher todas as linhas. É provável que você encontre
mais do que um aluno em cada descrição.

Formulário para a identificação da superdotação

01 Aprende fácil e rapidamente.

02 Original, imaginativo, criativo, não convencional.

03 Amplamente informado; informado em áreas não comuns.

Fundamentos da educação especial 45


4 Altas habilidades/superdotação

04 Pensa de forma incomum para resolver problemas.

05 Persistente, independente, autodirecionado (faz coisas sem que seja mandado).

06 Persuasivo, capaz de influenciar os outros.

07 Mostra senso comum; pode não tolerar tolices.

08 Inquisitivo, cético, curioso sobre o como e porquê das coisas.

09 Adapta-se a uma variedade de situações e novos ambientes.

10 Esperto ao fazer coisas com materiais comuns.

11 Habilidades nas artes (música, dança, desenho etc.).

12 Entende a importância da natureza (tempo, Lua, Sol, estrelas, solo etc.).

13 Vocabulário excepcional, verbalmente fluente.

14 Aprende facilmente novas línguas.

15 Trabalhador independente, mostra iniciativa.

16 Bom julgamento, lógico.

17 Flexível, aberto.

18 Versátil, muitos interesses, interesses além da idade cronológica.

19 Mostra insights e percepções incomuns.

20 Demonstra alto nível de sensibilidade, empatia com relação aos outros.

21 Apresenta excelente senso de humor.

22 Resiste à rotina e repetição.

23 Expressa ideias e reações, frequentemente de forma argumentativa.

24 Sensível à verdade e à honra.


Fonte: GALBRAITH; DELISLE, 1996.

Verifica-se como uma tarefa difícil a avaliação diagnóstica e o levantamento do per-


fil característico da pessoa superdotada. Para o professor é um grande desafio oportuni-
zar ao aluno atividades escolares que atendam às necessidades educacionais específicas
do aluno superdotado e ainda estimular e aprimorar suas potencialidades para o suces-
so da aprendizagem.

46 Fundamentos da educação especial


Altas habilidades/superdotação 4
4.3 Questões éticas na educação inclusiva
Vídeo
A educação inclusiva na interface com as ações éticas tem por referên-
cia diretrizes nacionais e internacionais, entre elas a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (ONU, 1948), a Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988),
o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), os Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1997), Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão
(BRASIL, 2001) e a Política Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2007).
Agir em acordo com as premissas éticas significa ter por base o respeito às diferenças
individuais como único meio de se atingir a igualdade social e a convivência solidária. A
ética se traduz na atitude de respeito e de reconhecimento do outro em qualquer ambiente
de relacionamento pessoa-pessoa, a família, a escola e o trabalho.
As práticas educativas viabilizam ações éticas no cotidiano escolar quando promovem
um clima de sociabilidade, visando à construção de um ambiente de respeito ao ser huma-
no. Dessa maneira, as ações éticas no contexto da educação escolar inclusiva superam as
práticas discriminatórias e excludentes vigentes, promovem a igualdade entre as pessoas,
propiciam a interatividade comunicacional, a responsividade social, o acolhimento às dife-
renças e a diversidade.
Para tanto, na sala de aula cabe ao professor propiciar aos alunos atividades coerentes
às questões éticas e que estimulem a manifestação de comportamentos adequados. A seguir,
algumas sugestões de ações educativas à postura ética no espaço escolar:
• promover uma atitude reflexiva sobre as práticas educativas;
• mobilizar a compreensão do conceito de justiça social;
• desenvolver o aprender a ser solidário e rejeitar discriminações;
• aplicar o diálogo como forma de gerenciamento de conflitos e tomada de decisões;
• construir uma postura que considere diferentes pontos de vista e valorize as po-
tencialidades de cada um.
• desenvolver o desejo e a satisfação de aprender a ser.
Concluímos que cabe ao educador transmitir ao aluno a atitude reflexiva-crítica-ética
para incrementar e disseminar a cultura educacional em todos os ambientes. Propiciar ao
aluno atividades escolares que provoquem o saber pensar e saber agir frente aos conflitos
desafiadores do cotidiano.
É a convivência ética que nos faz diferentes de outras espécies, nos faz essencialmente
humanos. Incentivar a reflexão, despertar o senso crítico, a curiosidade, a criatividade do
aluno é inseri-lo na sociedade inclusiva e para todos são atitudes essenciais para o desenvol-
vimento social sustentável.

Fundamentos da educação especial 47


4 Altas habilidades/superdotação

Ampliando seus conhecimentos

Altas habilidades/superdotação
encorajando potenciais
(VIRGOLIM, 2007, p. 28-29)

[...] A definição brasileira atual considera os educandos com altas habi-


lidades/superdotação aqueles que apresentam grande facilidade de
aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, proce-
dimentos e atitudes (BRASIL, 2001, Art. 5º, III). Essa definição ressalta
duas características marcantes da superdotação, que são a rapidez de
aprendizagem e a facilidade com que estes indivíduos se engajam em
sua área de interesse.

Também, completa a apresentada pelas Diretrizes gerais para o atendi-


mento educacional aos alunos portadores de altas habilidades/super-
dotação e talentos (BRASIL, 1995), que foi construída a partir do refe-
rencial teórico apresentada por Sidney Marland no relatório oficial da
Comissão de Educação ao congresso americano em 1971 e posterior-
mente integrado na definição brasileira. Permitiu, asim, que a superdo-
tação ultrapassasse a tradicional visão acadêmica para ser entendida
em uma perspectiva mais plural.

Essa definição postula que as pessoas com altas habilidades/superdo-


tação são os educandos que apresentam notável desempenho e/ou ele-
vada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou
combinados:

a. capacidade intelectual geral – envolve rapidez de pensamento, com-


preensão e memória elevadas, capacidade de pensamento abstrato,
curiosidade intelectual, poder excepcional de observação;

b. aptidão acadêmica específica – envolve atenção, concentração, motiva-


ção por disciplinas acadêmicas do seu interesse, capacidade de produção
acadêmica, alta pontuação em testes acadêmicos e desempenho excep-
cional na escola;

c. pensamento criativo ou produtivo – refere-se à originalidade de pen-


samento, imaginação, capacidade de resolver problemas de forma
diferente e inovadora, capacidade de perceber um tópico de muitas
formas diferentes;

48 Fundamentos da educação especial


Altas habilidades/superdotação 4
d. capacidade de liderança – refere-se à sensibilidade interpessoal, ati-
tude cooperativa, capacidade de resolver situações sociais complexas,
poder de persuasão e de influência no grupo, habilidade de desenvol-
ver uma interação produtiva com os demais;

e. talento especial para artes – envolve alto desempenho em artes plásticas,


musicais, dramáticas, literárias ou cênicas (por exemplo, facilidade para
expressar ideias visualmente; sensibilidade ao ritmo musical; facilidade
em usar gestos e expressão facial para comunicar sentimentos); e

f. capacidade psicomotora – refere-se ao desempenho superior em


esportes e atividades físicas, velocidade, agilidade de movimentos,
força, resistência, controle e coordenação motora fina e grossa.

Esta definição é vantajosa, uma vez que chama a atenção para importantes
aspectos, como:

a. a pluralidade de áreas do conhecimento humano em que uma pessoa


possa se destacar, não se limitando à tradicional visão acadêmica da
superdotação;

b. o entendimento de que as altas habilidades se relacionam tanto com


o desempenho demonstrado quanto com a potencialidade em vir a
demonstrar um notável desempenho; e

c. a percepção de que a superdotação se modifica no decurso do desen-


volvimento do indivíduo.

Vejamos então como estas capacidades em distintas áreas podem ser


observadas em pessoas que se destacaram, no cenário mundial, pelo uso
superior destas habilidades. A nossa intenção aqui é justamente mostrar
como características únicas de personalidade, a curiosidade, a criativi-
dade, a persistência e motivação intrínseca para se atingir um objetivo,
aliadas às oportunidades oferecidas por um ambiente suportivo, foram
fundamentais para que o indivíduo chegasse a um patamar superior de
realizações. Embora focalizando nossa atenção em pessoas extraordiná-
rias, é nosso dever enquanto pais e educadores favorecer a expressão
das potencialidades únicas de nossos filhos e alunos, por meio de um
ambiente de suporte e estimulação.

Habilidade intelectual geral: Stephen Hawking

O físico inglês Stephen William Hawking (1942 – atual) é doutor em


Cosmologia e um dos mais consagrados físicos teóricos do mundo.

Fundamentos da educação especial 49


4 Altas habilidades/superdotação

Conhecido pela ousadia de suas ideias e pelo humor e clareza com que
as expressa, Hawking utiliza como principais campos de pesquisa a cos-
mologia teórica e a gravidade quântica. Seu livro, O Universo em uma casca
de noz (HAWKING, 2001), mostra seu poder excepcional de abstração, a
grandeza de seu pensamento lógico-matemático e sua capacidade única
de ver problemas sob ângulos inusitados.

Seu trabalho com relação à singularidade no espaço-tempo e com a rela-


tividade geral reformulam as ideias de Newton e de Einstein, o que lhe
rendeu numerosos prêmios e medalhas honrosas. Seus trabalhos com
Buracos Negros, como a quarta Lei da mecânica de buraco negro, ocu-
param grande parte de sua vida adulta. Hawking fez descobertas impor-
tantes que levaram o seu nome, como a radiação Hawking, em que faz
uma analogia dos buracos negros com a termodinâmica. O asteroide 7672
Hawking é assim chamado em sua homenagem.

Apesar de sofrer, desde os 21 anos, de esclerose amiotrófica lateral, uma


rara doença degenerativa que paralisa, um a um, os músculos do corpo,
inclusive a musculatura voluntária, Hawking não parou de trabalhar.
Depois de sofrer uma traqueotomia, passou a utilizar um sintetizador de
voz para se comunicar e, com seu auxílio (e muita perseverança), publicou
mais de 180 trabalhos, entre artigos, livros e ensaios científicos.

Hawking demonstra uma grande coragem, persistência em atingir seus


objetivos e uma enorme força para ultrapassar as vicissitudes de sua
vida. Nascido exatamente 300 anos depois da morte de Galileu, Hawking
ocupa hoje o posto que foi de sir Isaac Newton, atuando como professor
lucasiano de Matemática na Universidade de Cambridge na Inglaterra.

Pela definição de superdotação apresentada, Hawking se encaixa per-


feitamente no perfil de uma pessoa com habilidade intelectual geral.
Ressaltamos aqui sua capacidade de pensamento abstrato, sua curiosi-
dade intelectual e o poder excepcional de observação dentro de usa área.
Aliados a estas características ressaltam-se aspectos de personalidade,
como persistência em atingir seus objetivos, coragem e resiliência.

A resiliência se refere à capacidade interior de reagir aos sofrimentos e


tragédias da vida, tornando-se mais forte, criando uma couraça de pro-
teção e fazendo do sofrimento assumido uma alavanca para prosseguir
a luta da vida. Talvez a resiliência tenha impulsionado o jovem Stephen
a ultrapassar os obstáculos da doença e persistir nos caminhos que sua
grande potencialidade já apontava.

[...]

50 Fundamentos da educação especial


Altas habilidades/superdotação 4
Atividades
1. Qual destaque o pesquisador Renzulli, na teoria do círculo dos três anéis, dá aos
aspectos intelectuais da pessoa superdotada?

2. Como é reconhecido o aluno com altas habilidades/superdotação nas Diretrizes Na-


cionais para a Educação Especial na Educação Básica?

3. O que significa agir de acordo com as premissas éticas?

Referências
BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos/Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. – Brasília: Secretaria Especial
dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download gid=2191>. Acesso
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______. Conselho Nacional de Educação. Câmara de educação Básica. Resolução CNE/CEB n. 2, de
11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
Publicada no Diário Oficial da União. Brasília, 14 de setembro de 2001.
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicado no Diário Oficial da União
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______. Declaração internacional de Montreal sobre inclusão. 2001. Disponível em: <http://portal.
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______. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá
outras providências. Este texto não substitui o publicado no DOU 16.7.1990 e retificado em 27.9.1990.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 11 abr. 2017.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Saberes e Práticas da Inclusão: de-
senvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com
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mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/altashabilidades.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017.
______. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Comitê Nacional de Educação em Direitos
Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da
Justiça, UNESCO, 2007.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Adaptações
Curriculares. Secretaria de Educação Fundamental. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/
SEF/SEESP, 1998.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos
parâmetros curriculares nacionais/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2017.
GAGNÉ, F. Understanding the complex choreography of talent development through DMGT-Based
Analysis. In: HELLER, K. A.; MÖNKS, F. J.; STERNBERG R. J.; SUBOTNIK, R. F. (Eds.). International
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Fundamentos da educação especial 51


4 Altas habilidades/superdotação

GALBRAITH, J; DELISLE, J. The gifted Kid’s survival guide: A tem handbook. Minneapolis, MN: Free
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GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das Inteligências Múltiplas. (M. A. V. Veronese,
Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. De
10 de agosto de 1948. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em:
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RENZULLI, Joseph. S. The three-ring conception of giftedness: A developmental model for creative
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Resolução
1. Renzulli destaca na pessoa com superdotação os aspectos intelectuais e o raciocínio
lógico-matemático, ou melhor, a capacidade de resolução de problemas, a capacida-
de criativa elevada e o envolvimento com a tarefa.

2. Estabelece que o aluno com altas habilidades/superdotação apresenta grande faci-


lidade de aprender a aprender, dominando rapidamente conceitos, procedimentos
e atitudes.

3. Significa ter por base o respeito às diferenças individuais como único meio de se
atingir a igualdade social.

52 Fundamentos da educação especial


5
Comportamento
social inadequado

5.1 Fatores associados ao comportamento social


inadequado
Vídeo
A criança com comportamento social inadequado pode ser descrita como aquela que
foge aos padrões de comportamento esperado para determinada pessoa num determina-
do período do desenvolvimento (infância, adolescência), numa determinada comunidade.
No cotidiano pode ser referida como a criança “sem limites” que tem dificuldade
em perceber o espaço do outro e se harmonizar com o ambiente, por exemplo, na sala
de aula ao relacionar-se com o professor e os colegas. Sua atividade é incessante, questiona o professor,
fala e quer mostrar que ninguém manda nela. A pesquisadora Elias (2005, p. 54) faz um alerta aos pro-
fessores: “de acordo com a percepção dos professores, esses alunos apresentam mais dificuldades de
adaptação às demandas da sala de aula quando comparados aos colegas com rendimento satisfatório”.
A manifestação do comportamento social inadequado pode estar relacionada à impossibilidade de
internalizar responsabilidades, deveres, não respeitar as regras e os limites do ambiente e apresentar
atitude desafiadora diante da autoridade. Dessa maneira, a criança revela imaturidade e dependência
das relações afetivas e não sabe como lidar com a frustração e a castração.
O reconhecimento da criança com comportamento social inadequado ocorre normalmente, quan-
do atinge um comportamento patológico ou quando persiste por muito tempo, parecendo faltar-lhe a
capacidade de aprender com os efeitos prejudiciais e destrutivos dos seus próprios atos e seu comporta-
mento passa a ter maior impacto nos outros que em si mesmo. A pessoa manifesta um comportamento
intimidador e violento com os outros.
Creditam-se como fatores causais do comportamento social inadequado o ambiente interior e exte-
rior, ou seja, fatores constitucionais e o ambiente de convivência (familiar e social) da criança.
No ambiente escolar, o aluno com comportamento social inadequado não se envolve com o ensino
e isso reflete no seu aproveitamento e desempenho. Ao ser questionado responde impulsivamente “não

Fundamentos da educação especial 53


5 Comportamento social inadequado

quero saber de nada disso”, “isso não me interessa”. Estes padrões de comportamento ina-
dequados se chocam com a aprendizagem formal e o perfil idealizado do alunado vigente
na instituição escolar, dificultando a intervenção da educação como um elemento transfor-
mador do comportamento no espaço escolar.
Quanto mais cedo forem identificados os comportamentos sociais inadequados de uma
dada criança, maiores serão as chances de reversão nos quadros de desajustamento socioe-
ducativo e maiores serão os benefícios para um desenvolvimento saudável e digno de ci-
dadania. “Sem um programa de intervenção precoce, os problemas de comportamento em
crianças podem se cristalizar a partir dos oitos anos de idade, iniciando uma trajetória de
problemas acadêmicos” (RIOS, WILLIANS, 2008, p. 800).

5.2 Dificuldades de aprendizagem


Vídeo
Na busca por uma compreensão atualizada das dificuldades de apren-
dizagem, supera-se o paradigma de que as causas estejam no aluno e ig-
noram-se as influências do ambiente na aprendizagem. Não há dúvidas de
que o entendimento das dificuldades de aprendizagem só acontece quando
se compreende a complexidade das interações entre aspectos do ambiente
interior e exterior, quer sejam contexto socioafetivo, biológico e cognitivo, e o contexto das
estratégias de aprendizagem na escolarização do aluno.
A pesquisadora Evely Boruchovitch considera que para uma compreensão das dificul-
dades de aprendizagem inúmeros problemas podem ser identificados como
[...] problemas situacionais de aprendizagem [...] problemas de comportamen-
to, problemas emocionais, problemas de comunicação [...] problemas físicos, de
visão e de audição e, por fim, problemas múltiplos. (BORUCHOVITCH, 2001,
p. 40-41)
Tais problemas afetam e interferem nas manifestações do comportamento social. Dessa
forma, pessoas que os apresentam podem ser interpretadas como “alunos que não apren-
dem”, “são desatentos” ou “desinteressados” no ambiente de aprendizagem.
No ambiente escolar o aluno frente ao professor e às atividades e tarefas pode apresen-
tar atitudes de descrença, percepção negativa da sua capacidade de realizar tarefas escola-
res, distorção da realidade e problemas motivacionais.
Outros aspectos que podem complementar e ampliar a definição das dificuldades de
aprendizagem são os atrasos ou dificuldades na linguagem oral e escrita e raciocínio ló-
gico-matemático, em pessoas com inteligência potencialmente normal e sem deficiência.
Geralmente, afetam algumas áreas do processamento cognitivo e podem estar relacionadas
a problemas de percepção, concentração, memória, raciocínio lógico, pensamento reflexivo-
-crítico, adaptação social e conflitos afetivos.
Diferentes campos do conhecimento investigam as dificuldades de aprendizagem como
a psicologia, fonoaudiologia, neuropsicologia, musicoterapia, entre outros. Cabe reconhecer

54 Fundamentos da educação especial


Comportamento social inadequado 5
que as dificuldades de aprendizagem exigem um olhar interdisciplinar para pensar as ques-
tões relativas a sua definição, etiologias, diagnósticos e planos de intervenção.
O pesquisador Vitor da Fonseca (1995) no livro Introdução às dificuldades de aprendizagem am-
plia os procedimentos de avaliação diagnóstica ao sugerir uma investigação psicoeducacional,
como um instrumento avaliativo para a identificação do potencial de aprendizagem do aluno.
Isso contribui no planejamento de uma intervenção que atenda melhor as necessidades específi-
cas de aprendizagem do aluno. Permite a melhor compreensão dos pressupostos da modificabi-
lidade cognitiva e da experiência de aprendizagem mediada pelo professor.
O reconhecimento precoce das dificuldades de aprendizagem é essencial para preser-
var as potencialidades e a vontade de aprender do aluno e propiciar um ambiente inclusi-
vo e acessível que respeite as características, os interesses, os diferentes ritmos e estilos de
aprendizagem de cada aluno.

5.3 Sobre o comportamento e a educação inclusiva


Vídeo
O termo comportamento pode aqui ser entendido como uma reação da pes-
soa aos efeitos da interação com o ambiente interior e exterior. O comporta-
mento é uma ação dirigida à adaptação da pessoa no ambiente. Apresenta ca-
racterísticas de maleabilidade e mutabilidade que se desenvolvem no curso do
ciclo de vida da pessoa, desde a infância, adolescência, vida adulta e velhice.
O psicólogo do desenvolvimento Lev Vygotsky, ao discorrer sobre a origem do desen-
volvimento humano, diz que
Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adqui-
rem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo di-
rigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da
criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de
outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o processo de desenvolvimento
profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social.
(VYGOTSKY, 1991, p. 33)
Pensar a relação entre o comportamento e a educação inclusiva remete-nos à acessi-
bilidade em todos os ambientes de interatividade entre pessoas. Em especial, a acessibili-
dade atitudinal reflete um comportamento coerente e adequado ao sistema social vigente,
fundamentado nos direitos humanos universais e sem qualquer forma de comportamento
discriminatório e excludente.
A manifestação de um comportamento inclusivo no ambiente escolar revela a oferta de
condições de acesso e de permanência na escola, de garantia do direito à educação escolar
de qualidade a todos os alunos com vistas ao exercício da cidadania, entendendo que a edu-
cação é um direito básico e fundamental do ser humano.
Credita-se à escola um dos espaços institucionais de convivência formativa entre pes-
soas, a inscrição de comportamentos socioeducativos adequados. Cabe ao professor criar
um ambiente acolhedor a todo tipo de comportamento do aluno, mesmo este sendo, inicial-
mente, “não adequado” ou, com “dificuldades” no processo de aprender. Com esta postura

Fundamentos da educação especial 55


5 Comportamento social inadequado

ética o professor fortalece no aluno o eixo educacional aprender a ser, tanto no plano cogniti-
vo quanto no plano das atividades práticas.
A postura do educador deve ser de uma constante reavaliação de sua atuação
e de uma análise crítica sobre as reais potencialidades e dificuldades de seus
alunos que estejam interferindo no aprender. É claro que estamos considerando
também o aluno que possui como causa da desadaptação escolar fatores psico-
lógicos, neurológicos, psiquiátricos, dentre outros. O professor não irá “curar”
os problemas dos alunos e nem saberá diagnosticá-los, mas tem uma participa-
ção muito importante na criação de um ambiente de respeito, de promoção de
autoconfiança, diminuindo a ansiedade e uma visão negativa que seus alunos
possam estar criando. (OLIVEIRA, 2001, p. 94)
Esse ambiente de respeito caracteriza uma instituição escolar inclusiva, que é um siste-
ma complexo aberto, dinâmico e flexível, que se atualiza nas trocas com a comunidade num
contexto histórico cultural. Nos comportamentos dos professores e dos alunos verificamos
o engajamento, a valorização e aceitação das diferenças, demonstrando a internalização dos
fundamentos inclusivos.
Assim, teremos pessoas implicadas e mobilizadas para a busca de alternativas que elimi-
nem qualquer tipo de barreira à inclusão educacional e social. Pessoas com comportamentos
solidários, colaborativos e éticos propiciam o exercício da cidadania plena. As experiências me-
diadas no ambiente escolar possibilitam o aprimoramento de outras formas de funcionamento
mental e de atitudes comportamentais adequadas ao sistema social vigente. Sociedade inclusiva
é aquela que acolhe a diversidade, a alteridade como direitos inerentes ao ser humano.

Ampliando seus conhecimentos

Problemas de comportamento de crianças/


adolescentes e dificuldades de pais/
cuidadores: um estudo de caracterização
(BOLSONI-SILVA; PAIVA; BARBOSA, 2009)

Dificuldades de interação social, a partir de deficits em habilidades sociais e de


consequentes interações coercitivas e/ou negligentes, são muito identificadas
nas interações estabelecidas entre as pessoas no geral, o que não é diferente no
caso do relacionamento estabelecido entre pais e filhos.

Muitas são as definições de habilidades sociais encontradas na literatura. De


acordo com Caballo (1996), o comportamento socialmente habilidoso ocorre
quando o indivíduo consegue expressar atitudes, sentimentos (positivos e
negativos), opiniões e desejos, de maneira que possa respeitar a si próprio e aos
outros, para que possa existir, de uma maneira geral, resolução de problemas

56 Fundamentos da educação especial


Comportamento social inadequado 5
imediatos de uma determinada situação e consequente diminuição de proble-
mas futuros.

Mais recentemente, Del Prette e Del Prette (2001) classificam e definem inte-
rações sociais a partir de respostas habilidosas, não habilidosas passivas e não
habilidosas ativas (agressivo). No caso do relacionamento pais-filhos, Bolsoni-
Silva e Marturano (2006) identificaram habilidades que parecem maximizar
interações positivas, às quais denominou-se Habilidades Sociais Educativas
Parentais, referindo-se a habilidades sociais aplicáveis às interações pais e
filhos (Silva, 2000). Bolsoni-Silva e Marturano (2002) afirmam que para os
pais promoverem comportamentos socialmente habilidosos em seus filhos
é necessário que se comportem maximizando as interações sociais positivas,
como, por exemplo, comunicando-se, sendo afetivos, sendo consistentes,
dizendo não com explicação, resistindo a pressões e elogiando comporta-
mentos socialmente habilidosos. Diante de comportamentos problema seria
interessante, por outro lado, que os pais utilizassem algumas estratégias para
estabelecer limites sem serem agressivos, tais como expressarem sentimentos
negativos e positivos, apontando a quais comportamentos se referem, além de
expressarem opinião e de pedirem mudança específica de comportamento e,
assim, sinalizarem possíveis consequências positivas frente à mudança com-
portamental dos filhos (BOLSONI-SILVA e MARTURANO, 2002).

O desenvolvimento dessas habilidades sociais educativas dos pais pode ajudar


na prevenção de problemas de comportamento das crianças, visto que, como
apontam diversos autores (Bolsoni-Silva e Del Prette, 2002; Bolsoni-Silva, 2003;
Bolsoni-Silva e Del Prette, 2003; Bolsoni-Silva, Del Prette e Oishi, 2003; Cole,
Zahn-Walser e Smith, 1994; Cowan, Cohn, Cowan e Pearson, 1996; D’Ávila-
Bacarj, Marturano e Elias, 2005; Jouriles e Norwood, 1995; Kilgore, Snyder e
Lentz, 2000; Marinho e Silvares, 1996; Marturano, Parreira e Benzoni, 1997;
Rosa, Garcia, Domingos e Silvares, 2001; Weber, Prado, Viezzer e Bandenburg,
2004), problemas de comportamento estão direta e/ou indiretamente relacio-
nados ao repertório comportamental dos pais.

Nesta direção, Romero (1995) afirma que famílias de crianças com problemas
de comportamento são caracterizadas por maior desorganização, mais proble-
mas emocionais ou de comunicação e apresentam comportamentos e mode-
los “indesejáveis” para o desenvolvimento social e cognitivo das crianças.
Mais especificamente, tais famílias parecem estimular esses comportamentos
por disciplina inconsistente, pouca interação positiva, pouco monitoramento
e supervisão insuficiente das atividades das crianças (Brioso e Sarria, 1995;
Conte, 1997; Kaiser e Hester, 1997; Kaplan, Sadock eGrebb, 1997; Patterson,
DeBaryshe e Ramsey, 1989; Webster-Stratton, 1997). Ainda de acordo com

Fundamentos da educação especial 57


5 Comportamento social inadequado

esses mesmos autores, muitos pais tendem a não reforçar positivamente os


comportamentos socialmente habilidosos de seus filhos e punem, de forma
pouco efetiva (não contingente, inconsistente), os comportamentos problema
dos mesmos. Esta prática pode levar ao fortalecimento de respostas coercitivas
emitidas pela criança ou adolescente, enquanto que as socialmente habilido-
sas são ignoradas ou consequenciadas de forma inapropriada.

As práticas parentais podem fazer elo com o campo teórico-prático do


Treinamento em Habilidades Sociais, no que se refere às práticas parentais
positivas, entendidas por Gomide (2006) como as que envolvem monitoria
positiva (uso adequado da atenção e distribuição de privilégios) e o compor-
tamento moral (o qual implica, por exemplo, promover condições favoráveis
ao desenvolvimento das virtudes, tais como empatia, senso de justiça, respon-
sabilidade e trabalho). As práticas educativas negativas envolvem, por outro
lado, a negligência, ausência de atenção e de afeto e disciplina relaxada que
compreende, entre outros aspectos, o afrouxamento das regras estabelecidas
e a punição inconsistente.

E quanto à definição de problemas de comportamento, por não haver con-


senso na literatura (Bolsoni-Silva e Del Prette, 2003), neste trabalho será uti-
lizada a definição funcional de Bolsoni-Silva (2003), na qual os problemas de
comportamento “seriam aqueles que dificultariam o acesso da criança a novas
contingências de reforçamento, que por sua vez facilitariam a aquisição de
repertórios relevantes de aprendizagem” (BOLSONI-SILVA, 2003: 10).

Por entender que além da funcionalidade a topografia de resposta também


é importante, considera-se a classificação de Achenbach e Edelbrock (1979),
que identificam duas amplas categorias de problemas de comportamentos: os
comportamentos externalizantes e os internalizantes. Os primeiros são aque-
les que envolvem impulsividade, agressão, agitação, bem como provocações
e brigas. Já os internalizantes podem ser observados quando há preocupa-
ção em excesso, tristeza, timidez, insegurança e medos. Ambos conjuntos de
comportamentos podem trazer dificuldades de interação da criança com seus
pares e adultos de sua convivência por dificultar o seu acesso a novas contin-
gências de reforçamento e consequente redução de possibilidades de expan-
são de repertórios. Por exemplo, ao ser tímida, a criança pode perder a chance
de tirar dúvidas com a professora ou de inserir-se em turmas de amigos e, por
outro lado, se for agressiva, pode ficar isolada na escola e/ou na família, o que
é fator de risco para aproximar-se de grupos desviantes. Tais relações também
denotam as dificuldades da escola e da família, em particular, em estabele-
cer contingências mais promotoras de habilidades sociais para as crianças e
adolescentes.

58 Fundamentos da educação especial


Comportamento social inadequado 5
Intervenções junto a pais e mães têm sido eficazes em diversos casos de pro-
blemas de comportamento. A orientação de pais possibilita equipá-los com
habilidades necessárias para lidar com as dificuldades da criança (Dishion e
Andrews, 1995; Pfiffner e McBurnett, 1997; Rosa, Garcia, Domingos e Silvares,
2001; Ruma, Burke e Thompson, 1996; Sanders, Markie-Dadds, Tully e Bor,
2000; Webster-Stratton, 1997).

Para uma efetiva intervenção torna-se importante caracterizar as pessoas que


procuram pelo atendimento, seja através da caracterização dos comportamen-
tos dos pais, seja através da caracterização dos comportamentos das crianças/
adolescentes, a fim de permitir a elaboração de estratégias mais condizentes
com a população atendida.

Marinho e Silvares (1996) concordam que dados obtidos em estudos como


esse podem auxiliar tanto em intervenções para reduzir problemas de com-
portamento, como para aquelas que buscam prevenir o surgimento dessas
dificuldades. Poucos foram os estudos de caracterização realizados com a
mencionada população, porém todos indicam a incidência alta de dificulda-
des interpessoais em crianças e adolescentes (Achenbach e Edelbrock, 1979;
Graminha, 1994; Santos, 1990), o que justifica a preocupação com intervenções
o mais cedo possível, com os filhos e, especialmente, com suas famílias.

Diante da literatura apresentada encontra-se uma lacuna no conhecimento no


que se refere a caracterizar repertórios de pais e filhos quanto às queixas que
motivam a procura por atendimento, ao menos na realidade brasileira, pois são
escassos os estudos nessa direção. Consequentemente, o objetivo do presente
artigo é o de caracterizar, através de uma Entrevista Clínica Semiestruturada,
as queixas de um grupo de pais/mães/educadores que buscaram o serviço de
atendimento psicológico em um Centro de Psicologia Aplicada (CPA), nos
anos de 2004 a 2006, com a intenção de melhorar a relação estabelecida com
seus filhos.

[...]

Atividades
1. O comportamento social inadequado é definido com base em três aspectos determi-
nantes. Quais são esses aspectos?

2. Quais os problemas que Boruchovitch identifica para a definição das dificuldades de


aprendizagem?

3. Qual dimensão de acessibilidade favorece o comportamento inclusivo?

Fundamentos da educação especial 59


5 Comportamento social inadequado

Referências
BOLSONI-SILVA, Alessandra Turini; PAIVA, Mariana Marzoque de; BARBOSA, Caroline Garpelli.
Problemas de comportamento de crianças/adolescentes e dificuldades de pais/cuidadores: um estudo
de caracterização. Psicologia Clínica, vol. 21, n. 1, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-56652009000100012>. Acesso em: 24 fev. 2017.
BORUCHOVITCH, Evely. Dificuldades de aprendizagem, problemas motivacionais e estratégias de
aprendizagem. In: SISTO, Fermino; BORUCHOVITCH, Evely. Dificuldades de aprendizagem no
contexto psicopedagógico (Orgs). Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
ELIAS, Luciana; MATURANO, Edna. Oficina de linguagem proposta de atendimento psicopedagogi-
co para crianças com queixas escolares. Revista Estudo de Psicologia,10(1) p. 53-61. 2005. Disponível
em: <www.scielo.br/pdf/epsic/v10n1/28008.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017.
FONSECA, Vitor. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: ArtMed, 1995.
OLIVEIRA, Gislene. Dificuldades subjacentes ao não-aprender. In: SISTO, Fermino; BORUCHOVITCH,
Evely (Orgs). Dificuldades de aprendizagem no contexto psicopedagógico. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
RIOS, Karyne; WILLIAMS, Lucia. Intervenção com famílias como estratégia de prevenção de pro-
blemas de comportamento em crianças: uma revisão. Revista Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13,
n. 4, p. 799-806, out./dez. 2008. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/pe/v13n4/v13n4a18>. Acesso em:
5 abr. 2017.
VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos supe-
riores. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Resolução
1. Um comportamento social inadequado é aquele que:
• foge aos padrões de comportamento esperado para determinada pessoa;
• aparece num determinado período do desenvolvimento (infância, adolescência);
• é reconhecido numa determinada comunidade.
Ou seja, será identificado numa pessoa específica, numa das etapas do ciclo de desen-
volvimento humano e numa determinada comunidade, cultura.

2. Boruchovitch considera que para a definição das dificuldades de aprendizagem inú-


meros problemas podem ser identificados:

• problemas situacionais de aprendizagem;


• problemas de comportamento;
• problemas emocionais;
• problemas de comunicação;
• problemas físicos, de visão e de audição;
• problemas múltiplos.

3. A acessibilidade atitudinal reflete um comportamento coerente e adequado aos fun-


damentos da educação escolar inclusiva.

60 Fundamentos da educação especial


6
Transtorno de
deficit de atenção e
hiperatividade (TDAH)

6.1 Características e manifestações do TDAH


Vídeo
Há controvérsias sobre a definição, as causas, o diagnóstico e o tratamento clínico
do transtorno de deficit de atenção e hiperatividade – TDAH. De acordo com DSM IV e
V1 e OMS2 pode-se entender que a pessoa com hiperatividade ou transtorno hipercinéti-
co apresenta perfil de comportamento com ausência de atenção e concentração, hipera-
tividade e/ou impulsividade, em grau maior que aquele observado entre pessoas com a
mesma faixa etária e período de desenvolvimento.
Para um diagnóstico do TDAH indica-se que as manifestações sintomáticas devam estar presentes
antes dos sete anos de idade em pelo menos dois ambientes (familiar, escolar e social) diferentes, por
um período superior de seis meses. Ainda, deve-se observar a manifestação de um padrão de compor-
tamento hiperativo e sintomas de desatenção e hiperatividade frequentes como:
[...] agitar as mãos ou os pés ou se remexer na cadeira; abandonar sua cadeira em sala de aula
ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado; correr ou escalar em dema-
sia, em situações nas quais isto é inapropriado; pela dificuldade em brincar ou envolver-se
silenciosamente em atividades de lazer; estar frequentemente “a mil” ou muitas vezes agir
como se estivesse “a todo o vapor”; e falar em demasia. Os sintomas de impulsividade são:
frequentemente dar respostas precipitadas antes das perguntas terem sido concluídas; com
frequência ter dificuldade em esperar a sua vez; e frequentemente interromper ou se meter
em assuntos de outros. (ROHDE et al., 2000, p. 2)

1 DSM IV e V – referem-se ao Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana


de Psiquiatria. É um instrumento padrão de classificação de transtornos mentais de uso dos profissionais de saúde.
Entre os anos de 1994 a 2000 o DSM IV foi elaborado e publicado e esteve vigente até a publicação do DSM V em
2013. O DSM V atualizou e alterou alguns critérios do DSM IV.
2 OMS – Organização Mundial da Saúde foi criada em 1948, estando subordinada às prerrogativas da ONU. Tem
por fundamento gerenciar as ações de promoção e proteção de saúde a todas as nações. Saúde entendida como o
pleno desenvolvimento e bem-estar da pessoa nos aspectos orgânicos, psíquicos e socioculturais.

Fundamentos da educação especial 61


6 Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

A criança com TDAH pode sofrer de inquietação, hiperexcitabilidade e desorganiza-


ção generalizada. Pode demonstrar interesse por tudo o que está acontecendo no ambiente
ao seu redor, embora não sustente o interesse. O que importa para ela é perguntar, não
tanto ouvir a resposta. Pode apresentar dificuldade de manter a atenção nas tarefas e/ou
atividades que são desagradáveis. Dificilmente escuta as instruções e conclui as atividades
solicitadas pelos pais, professores e/ou autoridades. Mantém uma referência egocêntrica nos
relacionamentos e nas interações com o ambiente.
Tendem a adotar um estilo de vida e de aprendizagem muito peculiar que pode com-
prometer sua adaptação social e sucesso escolar e de aprendizagem. É possível verificar
alto índice de inteligência nas crianças com esse transtorno. Parecem ser mais atraídas pelas
atividades divertidas e recompensadoras em qualquer ambiente (família, escola, sociedade).
A interação entre os aspectos genéticos e o contexto ambiental de convivência da crian-
ça influenciam no destino do TDAH e podem ser considerados como aspectos determinan-
tes a sua etiologia. Os problemas no ambiente familiar não são determinantes únicos mas
influenciam a apresentação do transtorno. Uma das características familiares importantes
são as práticas educativas negligentes dos pais em relação a seus filhos, que conduz a crian-
ça a ter que se comportar de maneira inadequada para conseguir a atenção necessária das
figuras parentais ou seus representantes. A história de vida pessoal e escolar é um dado
significativo para o diagnóstico do transtorno.
Pela multiplicidade e complexidade dos aspectos etiológicos do transtorno, seu
diagnóstico e tratamento clínico devem ser realizados por equipe interdisciplinar com
profissionais da neuropsiquiatria, psicologia, psicopedagogia, fonoaudiologia e terapia
ocupacional. Já no que se refere ao tratamento, em alguns casos, é adequada a prescrição
de fármacos específicos.
Finalmente, o diagnóstico deve buscar compreender as características e manifestações
próprias do transtorno e o desenvolvimento da criança e propor um plano de tratamento
que contribua para a melhoria da qualidade de vida da criança em todos os ambientes de
sua convivência.

6.2 O contexto e a percepção social


Vídeo
O contexto e a percepção social são dimensões significativas para o pro-
cesso ensino-aprendizagem. Ao estudar o contexto contemporâneo em que
se inserem a escola e o sujeito (aluno e professor), Benedetti (2008) investiga
a influência dos contextos sociais, culturais e éticos no comportamento social
adequado e na educação escolar.
A desconsideração das dimensões socioculturais e psicológicas da criança obs-
taculiza o conhecimento do aluno na totalidade de suas características o que
pode levar os professores a terem uma visão irreal daqueles com quem atuarão.
(BENEDETTI, 2008, p. 143)

62 Fundamentos da educação especial


Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) 6
A educadora Selma Martinelli (2001) destaca que “o aspecto afetivo é um importante ele-
mento a se considerar quando se pretende compreender o processo de aprendizagem dos indiví-
duos” (MARTINELLI, 2001. p. 99). Portanto, devemos investigar os ingredientes do conhecimen-
to nos domínios cognitivo, sociocultural e psicológico com a intenção de compreender mais sobre
as barreiras no contexto escolar que impedem o sucesso à aprendizagem de cada aluno.
Na teoria histórico-cultural de Vygotsky3 o homem é um ser social em permanente de-
senvolvimento e aprendizagem. É inserido num contexto específico no qual internaliza ele-
mentos constituintes como costumes, valores, moral e ética, os quais delineiam a percepção
do mundo e as manifestações do comportamento social.
No mesmo sentido, a aprendizagem não acontece de maneira isolada, o indiví-
duo participante de um grupo social, ao conviver com outras pessoas efetua tro-
cas de informações e, desta forma, vai construindo o seu conhecimento conforme
seu desenvolvimento psicológico e biológico lhe permite. (MELLO, 2012, p. 3-4)
O outro ingrediente essencial ao conhecimento é a percepção social da pessoa. Esse
termo é muito bem descrito na Psicologia da Gestalt4 como o ato de perceber o mundo ao
seu redor e apreender um sentido e um significado que será manifesto no comportamento.
[...] a forma como interpretamos os estímulos do meio ambiente, utilizando nos-
sa experiência e vivências anteriores e nossas necessidades presentes, constitui
o ato de perceber. Experiências anteriores, maior ou menor interesse pelos estí-
mulos, motivação, estado afetivo-emocional no momento de observação, sen-
sibilidade dos órgãos dos sentidos para estímulos particulares e a integração
ou organização do que está ocorrendo – determina nossa percepção dos fatos.
(COUTINHO, 2008, p. 36)
O pediatra e pesquisador do desenvolvimento mental humano Donald Winnicott5 in-
tegra os termos contexto e percepção ao descrever o conceito holding como essencial para o
desenvolvimento do comportamento social da criança. Trata-se do ambiente relacional en-
tre a mãe e seu filho, no qual a mãe faz continente para a convivência e desenvolvimento
saudável do bebê. No holding a mãe protege o filho das agressões fisiológicas e externas,
estabelecendo uma relação de cuidado.
Nesta mesma direção em que pensamos a relação professor/aluno, cabe ao professor
criar um ambiente que favoreça a continuidade do desenvolvimento e crescimento pes-
soal e escolar. Portanto, as práticas educativas devem estar centradas no aluno com foco

3 Lev Vygotsky dedicou-se a investigar os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte de cada
comportamento social. Para Vygotsky a pessoa troca experiências no contexto de convivência social e
adquire conhecimento a partir das relações intra e interpessoais.
4 Psicologia da Gestalt – Sua premissa é que o todo sempre é mais que a soma de suas partes. Ainda,
os fatos, sensações, percepções sociais e manifestações de comportamento são definidos e alcançam
seu sentido e significado quando de sua organização num contexto específico e não por meio de seus
componentes individuais. A natureza humana se organiza em estruturas. A unidade mínima estrutu-
ral é a figura-fundo.
5 Donald Winnicott (1896-1971) – Pediatra inglês. Enfatizou nos seus estudos a influência do meio
ambiente no desenvolvimento do ser humano. É o ambiente, inicialmente representado pela mãe, que
permite ou entrava o livre desenrolar dos processos psíquicos do ser humano.

Fundamentos da educação especial 63


6 Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

no conteúdo emocional visando ao desenvolvimento cognitivo. Um contexto educacional


inclusivo acolherá e servirá de continente para que todos os alunos desenvolvam o melhor
das suas habilidades e competências.

6.3 O professor e o aluno com TDAH


Vídeo
As pessoas com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade, em li-
nhas gerais, caracterizam-se por ter dificuldades para transformar suas gran-
des ideias em ação verdadeira. Têm problemas em entender e explicar seus
pontos de vista e isso afeta a apreensão e significado da aprendizagem. Seu
limite de tolerância à opinião discordante da sua é baixo, o que faz com que
apresente comportamento instável, rapidamente vai da tristeza para a raiva e vice-versa.
A pessoa com transtorno também tem dificuldade de gerenciamento de organização,
planejamento e tempo nas atividades e tarefas. Raramente apresenta consciência crítica re-
flexiva, não aprende com seus próprios erros.
No contexto escolar e na sala de aula devem-se observar as manifestações do compor-
tamento social inadequado associadas às características da hiperatividade, no que se refere
ao respeito às regras e à autoridade instituída na escola.
A educadora e pesquisadora Rita Signor (2013) alerta que o não reconhecimento das ca-
racterísticas específicas do transtorno reforça a patologização da educação, e compromete a
subjetividade e o aprendizado do aluno com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade.
[...] Muitas escolas não acolhem a diversidade manifesta nos modos de ser,
pensar e agir dos alunos e tentam impor um comportamento em conjunto. Os
educadores que aderem a esse movimento de higienização das diferenças no
espaço da escola, terminam por adotar certas estratégias, entre elas a exclusão
[...]. (SIGNOR, 2013, p. 6)
O aluno com transtorno apresenta dificuldades de aprendizagem que podem afetar seu
desempenho e aproveitamento escolar, o que pode resultar no fracasso e/ou evasão escolar.
As dificuldades de aprendizagem no TDAH remetem aos processos mentais básicos e supe-
riores como atenção, memória, percepção, pensamento, linguagem, entre outros.
O professor, no trabalho com o aluno, deve considerar que se trata de um transtorno
complexo e multifatorial no qual interferem a história de vida pessoal e escolar do aluno,
para a definição do conteúdo curricular e dos fatores avaliativos na aprendizagem.
Estamos discutindo aqui não o conteúdo do professor, mas a forma como ele geren-
cia seu conteúdo, ou seja, não o que ele faz, mas como ele age. A generosidade do
professor é que o faz questionar os seus conteúdos e permite que ele não se paralise
diante de suas convicções. É também o que toca o aluno e lhe desperta o sentimento
de empatia e anseio de conhecer, que faz surgir nele a vontade de ir além do que é
simplesmente proposto. (LAVOURA; BOTURA; DARIDO, 2006, p. 207)

64 Fundamentos da educação especial


Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) 6
Os autores enfatizam que uma qualidade essencial do professor é a generosidade e o
respeito incondicional ao aluno. Vale destacar, para além dos diversos contextos em que se
insere o sujeito, que especificamente na escola é importante levar em conta o estilo cogni-
tivo, que é a ideia de que cada aluno tem uma maneira peculiar de “perceber” e de “pro-
cessar a informação” o que resulta num modo próprio de proceder em relação à aquisição
dos conhecimentos. Ainda, devem-se levar em conta os contextos extraescolares que tratam
das dimensões das políticas públicas educacionais, da gestão administrativo-financeira e da
gestão pedagógica.

Ampliando seus conhecimentos

O uso da gestaltpedagogia no
desenvolvimento das inteligências múltiplas
aplicada no processo de ensino-
-aprendizagem
(BÖNMANN, 2001, p. 55-59)

O aluno no processo de ensino aprendizagem em


gestaltpedagogia

[...] Em gestaltpedagogia objetiva-se desenvolver a personalidade dos alu-


nos, levando em consideração seu campo fenomenológico, assim a situa-
ção de ensino aprendizagem deve sempre levar em conta a unidade indi-
víduo-meio, a relação interpessoal com o professor, como seus colegas de
classe, seus pais, amigos e outros, estar atento aos laços que prendem o
aluno ao seu meio. Como trabalhar para este desenvolvimento? Bem, há
a implicação com relação à mudança de comportamento do professor que
foi apreciada anteriormente e há também a introdução de novos objetivos
e métodos de ensino. Por novos métodos destaca-se a aplicação de méto-
dos e técnicas gestálticas, como por exemplo, a viagem-fantasia, a troca
de papéis trabalhando com a cadeira vazia, o feedback e a identificação, em
essência o ensino em gestaltpedagogia passa segundo Besems (1977 apud
BUROW, ano 1951, p. 123) pela:

• a situação de ensino aprendizagem: aluno = unidade, indivíduo-meio;

• o contato direto entre as pessoas: contato direto, baseado na relação


intersubjetiva e não somente em passar tema;

Fundamentos da educação especial 65


6 Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

• o aluno não pode ser formado só intelectualmente, mas estimulados


emocional e fisicamente;

• desenvolver uma situação horizontal de ensino: desenvolver uma


parceria entre aluno e professor como seres humanos totais, pois
ambos empenham a sua própria condição psíquica como instru-
mento no processo de ensino e aprendizagem;

• o processo de ensino não começa na matéria: mas no ponto de par-


tida de todas as - reflexões, é criar novas situações e possibilidades
que permitam aos alunos uma aprendizagem repleta de sentido.
Exemplo: a aula sobre “cálculo da área de figuras irregulares”
poderia começar com o professor perguntando: “para que poderia
ser importante a você/vocês saberem calcular tais áreas?”;

• ensino no método pela vivência: exige do professor captação do aqui


agora na sala de aula, reagindo com criatividade, fantasia e capaci-
dade de compreensão. Assim o professor não diz mais ao aluno o que
ele deve descobrir, mas cria situações nas quais os alunos vivenciam
as coisas que lhes são importante, tomando-se consciente de suas pos-
sibilidades e necessidades.

O existencialismo como o humanismo dão fundamentação teórica a ges-


taltterapia, Cari Rogers um expoente da teoria humanista traça pressu-
postos no processo de ensino aprendizagem relacionando-os com a sua
teoria da personalidade e destaca os princípios da aprendizagem centrada
no aluno, suas ideias remontam suas experiências no magistério e sua
hipótese central sobre o ensino centrado no estudante é o seguinte:

Não se pode ensinar diretamente a uma outra pessoa, pode-se, tão


somente, facilitar a aprendizagem (ROGERS, ano 1951 apud JUSTO,
1973; p. 109).

Justo (1973) examina esta hipótese comparando-a a uma afirmativa prá-


tica e de verdade ignorada, “Podes conduzir um cavalo junto á água, mas
não podes obrigá-lo a beber”.

A ideia agora, não é, falar extensivamente sobre a teoria humanista de


Rogers, mas tomar emprestado este ponto que reforça o atual estudo. O
ponto central do autor está dividido em 10 princípios que serão apresen-
tados resumidamente.

a. Todos os seres humanos têm natural potencialidade para aprender:


Há uma tendência do homem em ser curioso e a autoatualização, ou
seja, querer estudar. Há o desejo de crescer, de procurar descobrir. Na

66 Fundamentos da educação especial


Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) 6
aprendizagem há seu aspecto penoso, requer esforço, quiçá renúncia
a experiência atual, reformulação, nem sempre fácil, de esquemas de
saber já estruturados, Rogers compara o processo de aprender às ten-
tativas feitas pela criança para caminhar, apesar dos tropeços e even-
tuais contusões, recomeça e toma a recomeçar. A satisfação do cami-
nhar compensa os sacrifícios do esforço e do sofrimento. O professor
terá como tarefa estabelecer relação pessoal e clima na sala de aula,
para essas tendências naturais vir à tona.

b. Aprendizagem significativa ocorre quando o aluno percebe a relevân-


cia da matéria de estudo para seus objetivos: Isso significa que o aluno
aprende de modo significativo somente as coisas percebidas por ele
como associada à manutenção ou à valorização do próprio “self”. O
conhecimento autêntico, significativo é função de uma necessidade
pessoal. Exemplo: o universitário, para quem, o conhecimento repre-
senta a possibilidade de acesso à profissão dos seus sonhos e reali-
zações de seus objetivos, diferente do eu, que tem na posse de um
diploma, um elemento decorativo.

c. A aprendizagem que implica uma mudança da organização do self —


na percepção de si mesmo — é ameaçadora, e tende a provocar resis-
tências: “Leciono fez trinta anos e agora vem gente nova querendo me
ensinar como dar aula!” a ameaça ao conformismo dificulta muitas
vezes em aceitar os argumentos. Observe o exemplo de Justo (1973, p.
111), onde a resistência é explicável, embora não admissível, como é
explicável, mas não admissível o caso do “matuto mineiro” – conto de
Urbano Duarte.

d. As aprendizagens ameaçadoras do “self’ são mais facilmente perce-


bidas e assimiladas quando as ameaças externas forem reduzidas ao
grau mínimo: exemplo, aluno deficiente em alguma disciplina: se
humilhado, castigado, privados de jogos, TV – a dificuldade tende a
aumentar. “A ameaça ao ‘self’ aparece como barreira à aprendizagem
significativa” (ROGERS, 1951 apud JUSTO, 1973). Ambiente deve ser
favorável, que o estimule e livre de medo.

e. Se a ameaça ao “self” for débil, a experiência pode ser percebida de modo


diferenciado, possibilitando ocorrência da aprendizagem: as ameaças são
claramente distinguidas, ameaça intensa, onde a prendizagem se dá para
preservar a integridade do organismo e as que ameaçam ao “self’, são
tipos de ameaças que interferem negativamente no processo de aprendi-
zagem, como humilhações, desprezos, ridicularizações etc.

Fundamentos da educação especial 67


6 Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

f. A maior parte da aprendizagem significativa é adquirida pela prática:


Possibilitar ao estudante contato direto com problema de toda classe:
social, filosófico, literário...

g. A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa responsavel-


mente no processo de aprendizagem: A aprendizagem ativa, parti-
cipada, é superior à passiva e puramente dependente. Identificado
em seu interesse, estudar os problemas que o preocupam, escolher a
forma e o ritmo para estudar a solução, o aluno mobiliza recursos.

h. A aprendizagem voluntária, a engajar totalmente o estudante — tanto


a sensibilidade como a inteligência — é a mais duradoura e mais per-
cuciente: “E da divergência ou da concordância emocional e intelec-
tual entre as experiências que vai nascer ou não a possibilidade de
aprender” (PERETTI, 1966 apud JUSTO, 1973; p. 228-229).

i. Independência, criatividade, autoconfiança são facilitadas quando


a autocrítica e a autoavaliação são básicas, passando a avaliação
dos outros a um segundo plano: “A criatividade pode desabrochar
tão somente num clima de liberdade” (ROGERS, 1969 apud JUSTO,
1973; p. 163). O autor recomenda aos pais serem modelos de com-
portamento aos filhos, mas, à medida que avançam em idade, devem
estimulá-los à autoavaliação a fim de chegarem a conclusões pessoais.

j. A aprendizagem socialmente mais útil no mundo moderno consiste


em aprender o processo da aprendizagem, a permanente abertura à
experiência e a assimilação do processo da mudança: “Se nossa cul-
tura sobreviver, será devido ao feto de termos sido capazes de desen-
volver indivíduos para os quais a mudança é o elemento central da
existência, podendo viver satisfatoriamente com este dado fundamen-
tal” (ROGERS, 1969 apud JUSTO, 1973; p. 63).
Estes princípios apresentados por Rogers contribuem com muitas ideias sensa-
tas, estímulos e conceitos. Estes conhecimento possibilitam tomar clara a estrutura da
psique do ser humano em vários aspectos importantes para as práticas terapêuticas e
pedagógicas. Embora esta abordagem seja não diretiva como é a gestalt-terapia, ve-
rifica-se que a ajuda passa pelo sinalizar da compreensão do que o aluno afirma ou
apresenta. A gestalt-terapia tenta encontrar métodos que lhe possibilitem tomar claro
ao aluno a estrutura das aberrações de sua percepção.
[...]

68 Fundamentos da educação especial


Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) 6
Atividades
1. Qual deve ser a premissa no diagnóstico e tratamento do TDAH entendido como um
transtorno complexo e multifatorial?

2. Como a psicologia da Gestalt define o termo percepção?

3. O que o professor, na definição dos conteúdos curriculares para o aluno com trans-
tornos de deficit de atenção e hiperatividade, deve levar em conta?

Referências
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constituição do sujeito que “não aprende”. Psicologia da Educação. São Paulo. n. 27, 2 sem. 2008, p.
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WINNICOTT, Donald. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: ArtMed, 1983.

Fundamentos da educação especial 69


6 Transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

Resolução
1. No diagnóstico deve-se compreender o desenvolvimento peculiar da criança. No
tratamento deve-se visar à melhoria da qualidade de vida da criança em todos os
ambientes de convivência (familiar, escolar e social).

2. Percepção é a forma como interpretamos os estímulos do meio ambiente, utilizando


nossa experiência e vivências anteriores e nossas necessidades presentes.

3. O professor, no trabalho com o aluno, deve considerar que se trata de um transtorno


complexo e multifatorial no qual interferem a história de vida pessoal e escolar do aluno,
para a definição do conteúdo curricular e dos fatores avaliativos na aprendizagem.

70 Fundamentos da educação especial


7
Transtornos do
neurodesenvolvimento

7.1 Conhecendo a etiologia


Vídeo
A expressão transtornos do neurodesenvolvimento foi descrita, recentemente, no DSM
V – Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais, que tem por finalidade
1

fazer um levantamento estatístico da prevalência e curso dos transtornos e ser um guia


facilitador das trocas interdisciplinares entre os profissionais da área da saúde mental
(psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, entre outros).
De acordo com pesquisas recentes, os transtornos do neurodesenvolvimento estão relacionados
a alterações das células neuronais, que formam o sistema nervoso e o cérebro humano. As manifesta-
ções dos transtornos estão entrelaçadas aos contextos relacionais, características pessoais, dimensões
neuropsicológicas e cognitivas. Geralmente, apresentam comprometimento nas áreas: comportamento
social, linguagem e interação interpessoal e intrapessoal.
De acordo com as informações descritas, compreende-se que o uso da classificação sintomatológica
é insuficiente para um diagnóstico e intervenção clínica ou educacional que atendam as particularida-
des de cada indivíduo, como apontam os pesquisadores Araújo e Neto (2014).
Nesse sentido o uso de classificações categoriais é limitante pois a topografia de um compor-
tamento não é suficiente para a compreensão da sua função para um determinado indivíduo.
A análise funcional do comportamento é imprescindível para o planejamento da intervenção
clínica. (ARAÚJO; NETO, 2014. p. 68)
São descritas pelo DSM V como transtorno do neurodesenvolvimento as patologias:
1 O DSM-V, oficialmente publicado em 18 de maio de 2013, é a mais nova edição do Manual Diagnóstico e Esta-
tístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana. A publicação é o resultado de um processo
de doze anos de estudos, revisões e pesquisas de campo realizados por centenas de profissionais divididos em dife-
rentes grupos de trabalho. O objetivo final foi o de garantir que a nova classificação, com a inclusão, reformulação
e exclusão de diagnósticos, fornecesse uma fonte segura e cientificamente embasada para aplicação em pesquisa e
na prática clínica (ARAÚJO; NETO, 2014, p. 70).

Fundamentos da educação especial 71


7 Transtornos do neurodesenvolvimento

• deficiências intelectuais;
• transtornos da comunicação;
• transtorno de espectro autista;
• transtorno de deficit de atenção e hiperatividade;
• transtorno específico de aprendizagem;
• transtornos motores.
Um exemplo de deficiência intelectual é a síndrome de Down, que apresenta caracte-
rísticas como percepção adequada de si mesmo e do ambiente em que vive, interesse pelo
ambiente e relacionamento afetivo interpessoal. Seu desenvolvimento global é persistente,
harmônico e lento. Apresenta estilo e ritmos de aprendizagem próprios. Destacamos que a
investigação clínica das alterações provocadas pela síndrome de Down constitui um eixo
fundamental para o diagnóstico e plano de tratamento que atendam às necessidades espe-
cíficas da pessoa com a síndrome.
Entre os transtornos de comunicação, estão as disfluências de linguagem e da fala, que
comprometem a comunicação com um interlocutor. Entre eles estão a gagueira infantil e a
dislalia. Essas alterações de linguagem envolvem fatores genéticos, degenerativos, ambien-
tais e emocionais, caracterizam a má articulação, omissões, distorções dos sons da fala, inca-
pacidade respiratória, inadequação da mastigação e deglutição, hábitos orais inadequados.
No transtorno de espectro autista, encontram-se o autismo e a síndrome de Asperger,
com características de ruptura nos processos das habilidades sociais, comprometimento de
habilidades estratégicas para o aprendizado que podem determinar prejuízos persistentes
e difusos. Apresentam incapacidade nas funções executivas e rigidez dos comportamentos
estereotipados e interesses restritos.
Os transtornos de deficit de atenção e hiperatividade caracterizam-se como transtornos
de alta incidência nas crianças, com comorbidades de difícil análise diagnóstica e tratamen-
to. Suas manifestações comprometem a capacidade de atenção, concentração, atividade psi-
comotora e comportamento social adequado.
Entre os transtornos específicos de aprendizagem, encontram-se as disartrias, dis-
calculias e as dislexias. As dislexias apresentam limitações nas funções cognitivas de
atenção e memória, em alguns aspectos do desenvolvimento da linguagem oral e escrita,
na socialização e até emocionalmente. Falta de habilidade em aprender com sua expe-
riência é uma característica.
Os transtornos motores podem ser ilustrados com a síndrome de Tourette, caracteriza-
da por tiques múltiplos de alta frequência e repetitivos, motores ou vocais, como tossir, fun-
gar ou limpar a garganta, movimentos de coçar ou de bater com as mãos na cabeça. Podem
estar associados a outros transtornos.
Assim, os transtornos do neurodesenvolvimento são classificados de acordo com as ca-
racterísticas sintomatológicas e comportamentais. Características que devem ser criteriosa-
mente observadas na avaliação diagnóstica e apresentação do tratamento clínico. Entende-
se que a investigação diagnóstica requer a participação e colaboração de vários informantes,
desde os familiares até o trabalho multiprofissional de especialistas das áreas da saúde.

72 Fundamentos da educação especial


Transtornos do neurodesenvolvimento 7
7.2 Pode-se aprender?
Vídeo
É fundamental considerar que todos os alunos podem aprender, porém,
para alguns alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, é
preciso compreender que englobam uma variedade de condições restritivas
de participação e de limitações orgânicas e sensoriais, condições ambientais
e condições pessoais psicológicas com diferentes consequências ao aprovei-
tamento e ao seu desempenho escolar.
As psicanalistas Maria Cristina Kupfer e Renata Petri (2000) discorrem sobre estas ques-
tões no livro: Por que ensinar a quem não aprende?
Deve-se ainda dizer à professora que pergunta pela capacidade de aprender des-
sas crianças algo sobre suas condições intelectuais. Evidentemente, essas crian-
ças aprendem. Aliás, todas as crianças aprendem muito mais do que sonha a nos-
sa vã pedagogia. A preocupação com os problemas de aprendizagem de leitura
e da escrita na escola moderna é tão grande, que muitos educadores acabam por
reduzir a imensa capacidade de aprender de uma criança ao seu repertório de
habilidades para ler e escrever. (KUPFER; PETRI, 2000, p. 115-116)
Na inclusão educacional, identificar condutas de interesse na instituição escolar, os mo-
delos de intervenção pedagógica, a rotina diária do professor, as relações de cooperação
contribuem para a compreensão e criação de um plano de intervenção que atende ao pro-
cesso de inclusão do aluno com necessidades especiais.
Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em qualquer
que seja o campo de atividade, trata-se, nesse “novo”, de novas coerências que
se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo
e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a capaci-
dade de compreender, e esta, por sua vez, a de ordenar, configurar, significar.
(OSTROWER,1987, p. 9)
Pode-se aprender quando observa-se a direção do olhar do educador na relação com
o aluno. É um indicativo dos aspectos que estão sendo iluminados, se para o diagnóstico,
para a deficiência, para o sujeito, para o aprendiz, para o contexto histórico-cultural, para as
dimensões de acessibilidade social e educacional de todos os alunos, ressaltando que uma
atitude inclusiva pressupõe assumir uma posição de coautoria na construção de novos co-
nhecimentos e novas possibilidades de aprender.
A concepção de que o aprendizado que possibilita o despertar de processos in-
ternos do indivíduo liga o desenvolvimento da pessoa a sua relação com o am-
biente sociocultural em que vive. (OLIVEIRA, 1993, p. 58)
A inclusão educacional desafia a instituição escolar a repensar suas estratégias táticas edu-
cativas. Para tanto, é necessário começar pelo processo do aprender do aluno, depois criar as es-
tratégias de aprendizagem que contemplem o ensino dos conceitos, seus significados e sentidos.
Aplicar atividades desafiadoras a fim de mobilizar e despertar a vontade de conhecer e, assim,
promover o desenvolvimento de novas formas de funcionamento mental do aprendiz.

Fundamentos da educação especial 73


7 Transtornos do neurodesenvolvimento

7.3 Relação escola–família na inclusão


Vídeo
A família, pensada como instituição, é essencial para a apresentação e
transmissão de crenças, virtudes, valores éticos e morais, e para a internali-
zação e o desenvolvimento saudável e adaptativo dos bebês e das crianças.
A convivência familiar, a inter-relação pais-filhos, é determinante à
aquisição e manutenção de comportamentos socioafetivos adequados.
Cabe aos pais perceberem o significado e o sentido valioso da função que têm o pai e
a mãe para o filho na formação de uma base de normas vigentes que representem um pa-
drão mínimo de referência socioafetiva, um repertório de possibilidades comportamentais à
convivência nos diversos ambientes (família, escola, comunidade), para uma capacidade de
discernimento crítico-reflexivo do filho.
O envolvimento familiar e o acolhimento família-sujeito são percebidos pelo filho ou
pela criança nas ações de proteção, de continente, nas relações de confiança, de segurança no
ambiente de conivência. Ainda, favorecem ao filho ou à criança a emergência de competên-
cias afetivas e sociais importantes para o pleno exercício de cidadania. Competências com-
portamentais como autonomia, independência, iniciativa, saber pensar e agir de maneira
crítica, criativa e reflexiva no gerenciamento satisfatório dos conflitos do dia a dia.
O contexto inter-relacional educativo, social, cultural e político propicia ao sujeito
criar estratégias para elaboração dos desafios cotidianos em prol da formação integral
do sujeito humanizado.
Sobre a importância da relação família-escola para a prevenção de problemas de com-
portamento social, conflitos afetivos, dificuldades cognitivas e educação inclusiva na infân-
cia verificamos que corroboram as políticas de saúde e de educação. Apresentamos a seguir
as orientações da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), que em seus artigos 57, 58 e 59
preconiza:
57 – A educação de crianças com necessidades educacionais especiais é uma ta-
refa a ser dividida entre pais e profissionais. Uma atitude positiva da parte dos
pais favorece a integração escolar e social. Pais necessitam de apoio para que
possam assumir seus papéis de pais de uma criança com necessidades especiais.
O papel das famílias e dos pais deveria ser aprimorado através da provisão de
informação necessária em linguagem clara e simples; ou enfoque na urgência
de informação e de treinamento em habilidades paternas constitui uma tarefa
importante em culturas aonde a tradição de escolarização seja pouca.
58 – Pais constituem parceiros privilegiados no que concerne as necessidades
especiais de suas crianças, e desta maneira eles deveriam, o máximo possível,
ter a chance de poder escolher o tipo de provisão educacional que eles desejam
para suas crianças.
59 – Uma parceria cooperativa e de apoio entre administradores escolares, profes-
sores e pais deveria ser desenvolvida e pais deveriam ser considerados enquanto
parceiros ativos nos processos de tomada de decisão. Pais deveriam ser encorajados

74 Fundamentos da educação especial


Transtornos do neurodesenvolvimento 7
a participar em atividades educacionais em casa e na escola (aonde eles poderiam
observar técnicas efetivas e aprender como organizar atividades extracurriculares)
bem como na supervisão e apoio à aprendizagem de suas crianças.
A relação colaborativa entre família e escola fortalece uma das premissas e fundamen-
tos da educação inclusiva, que é o envolvimento de todos com as questões de cada um. A
interação entre as instituições família e escola propicia a circulação e internalização de valo-
res éticos, morais, solidários e cooperativos.
Essa parceria estimula nos sujeitos a autonomia, independência e empoderamen-
to às manifestações do comportamento social, finalmente, serve de alavanca para que
crianças e adolescentes convivam em ambientes mais saudáveis e favoráveis ao seu de-
senvolvimento integral.

Ampliando seus conhecimentos

Alunos com transtornos globais do


desenvolvimento: da categoria psiquiátrica à
particularidade do caso a caso nos processos
de inclusão escolar
(RAMOS, 2012, p. 20-27)

Os paradigmas da educação especial e os transtornos


globais do desenvolvimento

Os estudos sobre a Educação Especial nos revelam a constituição de um


percurso que, a seu tempo e mediante os recursos técnicos e científicos
disponíveis, buscaram dar respostas educacional e socialmente adequa-
das face às diversas formas de compreensão sobre a diferença, estabele-
cendo proposições e paradigmas diferentes para lidar com as dificuldades
escolares vivenciadas por determinados alunos. As mudanças observadas
nesta trajetória também sedimentaram designações para as marcas sin-
gulares que alguns alunos trouxeram para o contexto da organização das
práticas pedagógicas na escola regular.

Desta forma, falar de inclusão escolar é ter em mente o campo conceitual


da Educação Especial que, historicamente, delineou práticas e designa-
ções para as diferenças. De um modo geral, a gênese das primeiras discus-
sões e abordagens a estas diferenças remonta ao final do século XVI, com
as atenções médicas e pedagógicas às deficiências físicas e sensoriais. As
premissas da Educação Especial ganham vulto a partir do século XIX, com

Fundamentos da educação especial 75


7 Transtornos do neurodesenvolvimento

a pesquisa e a atenção médico-pedagógica ao sofrimento mental infantil,


selando uma relação entre a Medicina e a Pedagogia e, mais especifica-
mente, entre a Psiquiatria e a Pedagogia que, ao longo de sua existên-
cia, passa por aproximações e distanciamentos. No campo da Educação
Especial brasileira, verifica-se que ainda hoje esta articulação se faz pre-
sente. Apesar de todas as proposições encontradas no sentido de ameni-
zar os efeitos do uso destas terminologias no âmbito das escolas, ainda
hoje se identifica a designação de quadros de impasses escolares por meio
de terminologias psiquiátricas.

Este é o caso específico do apontamento feito em torno dos alunos iden-


tificados nas legislações educacionais a partir de suas dificuldades de
aprendizagem e de seus comportamentos peculiares. São os alunos com
transtornos globais do desenvolvimento (BRASIL, 2008; 2009; 2010). Sua
inserção nas escolas regulares costuma levantar questionamentos sobre
a educação especial em detrimento da regular ou comum, sobre o diag-
nóstico psicopatológico encaminhado às escolas e sobre as estratégias
pedagógicas pertinentes aos processos de adaptação da criança na escola.
De certa forma, tais questões impelem o educador no sentido de revisitar
momentos, práticas e conceitos que contribuíram para o que atualmente
se concebe por inclusão escolar.

Ao se consultar alguns teóricos da inclusão escolar (COLL, 2004;


MARCHESI, 2004; MANTOAN, 2006; MENDES, 2006; PALÁCIOS, 2007,
GLAT; BLANCO, 2009), torna-se possível observar que as mudanças
paradigmáticas impressas no campo da Educação Especial trazem em si
um deslocamento primordial para que este campo seja reconhecido como
o lócus privilegiado das práticas pedagógicas de inclusão escolar. Este
deslocamento se processa do olhar lançado sobre a deficiência como algo
potencialmente irreversível e inerente a alguns indivíduos para a visão
não só sobre as potencialidades dos sujeitos deficientes – as quais podem
ser observadas para além destes quadros, como também para a verifica-
ção de que, no processo escolar, todos estão sujeitos a deficits maiores ou
menores em algum momento de sua trajetória educativa. Neste sentido,
a deficiência passa a ganhar a conotação de dificuldade, entendida como
transitória ou permanente conforme cada caso. Isso embasa o conceito de
necessidades educativas especiais, definidor do paradigma da inclusão
escolar, arrolado pelos autores aqui referidos.

O que se recolhe disto é um constante tensionamento entre o que pode


ser compreendido como possibilidades em torno de um projeto educativo

76 Fundamentos da educação especial


Transtornos do neurodesenvolvimento 7
inclusivo, bem como acerca da definição sobre quem deve ser o alvo des-
tas ações, imprimindo-se, a partir destas questões, modelos paradigmáti-
cos constantemente revisitados e aperfeiçoados. Sendo uma particulari-
dade presente na Educação Especial Inclusiva brasileira a partir do ano de
2008, a inserção de crianças com transtornos globais do desenvolvimento
nas escolas regulares não foge a um campo de discussões em que a ques-
tão da diferença se faz presente de forma radical [...].

Um tempo de passagem: novas perspectivas sobre a infância e


sobre a diferença

Entre os anos de 1930 e 1940, verifica-se uma evolução conceitual no


campo da atenção social e psiquiátrica à criança que deixará suas mar-
cas na Educação Especial. Referimo-nos aos movimentos institucionais da
nascente Psiquiatria Infantil que, a partir da década de 30 do século XX,
se encarregou de apontar as particularidades constitucionais a que esta-
vam submetidas as crianças e suas questões psíquicas (BERCHERIE, 2001;
KANNER, 1990 apud RAHME, 2010). É possível verificar nestes autores
a afirmação de que a produção teórica vinculada a partir da Psiquiatria
Infantil se difundiu para espaços institucionais e sociais diferentes da clí-
nica psiquiátrica, disseminando uma nova concepção de infância e de seus
problemas, bem como institucionalizando a prática da consulta dos edu-
cadores ao saber psiquiátrico. Nesta perspectiva, coube a este saber uma
ampliação da noção sobre os desajustes psíquicos infantis, não cabendo
mais ao psiquiatra apenas a avaliação sobre o sofrimento mental, mas a
todos os tipos de reações emocionais infantis – “ [...] el psiquiatra moderno
aprende a atender las reacciones de miedo, accesos de mal humor o terrores noc-
turnos de los niños [...]” (KANNER, 1976. p. 76).

Esta construção torna-se um reflexo da agregação de várias teorias dife-


rentes no corpo da Psiquiatria a partir da década de 30. Nota-se neste
campo teórico as influências da Psicanálise, da Gestalt e das teorias do
desenvolvimento psicológico infantil (KANNER, 1976; BERCHERIE,
2001), o que permitiu uma avaliação e uma distinção mais justa entre os
problemas psíquicos infantis e a questão da debilidade mental. Isso ofe-
rece a possibilidade de um encaminhamento mais acertado das questões
da infância em que estão implicadas inclusive as questões educacionais
(RAHME, 2010), uma vez que, a partir deste tipo de visão sobre o sofri-
mento psíquico infantil, nem todas as questões estariam mais referidas ao
campo cognitivo e, portanto, à deficiência.

Fundamentos da educação especial 77


7 Transtornos do neurodesenvolvimento

Ao se retomar o texto de Marchesi (2004), verifica-se os possíveis refle-


xos das inovações no campo da Psiquiatria, notadamente pelas mudanças
ocorridas entre os anos de 1940 e 1950. Segundo o autor, neste período
foram realizados sérios questionamentos sobre a origem constitutiva e a
incurabilidade da deficiência – dogma estabelecido desde as primeiras
pesquisas em torno da idiotia no campo da Psiquiatria. De acordo com
o autor, trata-se de uma nova visão, promovida a partir das influências
sociais e culturais abarcadas pelas proposições ambientalistas e behavio-
ristas que, nessa época, começaram a abrir caminhos tanto no campo da
psicologia quanto no campo da deficiência.

Os questionamentos que decorrem destas posições abriram espaço para


o questionamento da deficiência somente como questão inata e consti-
tucional para uma noção sobre uma organização deficitária da persona-
lidade gerada pela influencia do ambiente. O deficit seria causado tanto
pela falta de estímulo adequado à formação da personalidade quanto
pela condução equivocada dos processos de aprendizagem aplicados,
sobretudo, sobre o atraso intelectual. Marchesi (2004) sustenta ainda que
a distinção entre causas endógenas e exógenas para explicar os supostos
deficits de personalidade representou um passo definitivo para se revisar
o critério de incurabilidade que repousava sobre eles. A partir de então, a
nova visão sobre o deficiente aponta que ele é, de fato, capaz de aprender.
No campo da Educação Especial, a visão médico-pedagógica em torno
da deficiência começa a ser substituída, ao menos parcialmente, por uma
noção social do deficit, o que promove o início de um deslocamento dos
fracassos escolares localizados a partir da criança para a responsabilidade
ou corresponsabilidade do ambiente sobre eles.

No esteio da evolução social, científica e técnica que se seguiu após a


década de 50 do século XX, o deficit já não poderia ser considerado uma
categoria em que se verificavam perfis clínicos estáveis e as perspectivas
integracionistas de educação dos deficientes começam a ser delineadas
sob o pressuposto de que “[...] o sistema educacional pode intervir para
favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos com alguma
característica ‘deficitária’” (MARCHESI, 2004, p. 17). Há nesse movimento
uma nova concepção sobre os transtornos do desenvolvimento e a defici-
ência em que se verificam os reflexos das alterações experimentadas no
campo das teorias do desenvolvimento e da aprendizagem.

[...]

78 Fundamentos da educação especial


Transtornos do neurodesenvolvimento 7
Atividades
1. Compreende-se a etiologia dos transtornos do neurodesenvolvimento como sendo
multifatorial, por quê?

2. Como Ostrower descreve o tema criar?

3. Que ações traduzem o envolvimento e acolhimento familiar e família-escola?

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OLIVEIRA, Marta. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-histórico. São
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OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987.
RAMOS, Fernanda do Valle Corrêa. Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: da cate-
goria psiquiátrica à particularidade do caso a caso nos processos de inclusão escolar. Dissertação de
mestrado. Universidade Federal de Minais Gerais. Belo Horizonte, 2012. Disponível em: <http://www.
bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS-8ZLQD4/disserta__o_fernanda_
do_valle_corr_a_ramos_em_pdf___vers_o_final_para__impress_o.pdf?sequence=1>. Acesso em: 24
fev. 2017.
UNESCO. Declaração de Salamanca. Sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades
educativas especiais. Espanha, 1994. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/
salamanca.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017.

Resolução
1. Os transtornos do neurodesenvolvimento envolvem alterações das células neuro-
nais que formam o sistema nervoso, condições neuropsicológicas, cognitivas, con-
texto pessoal e o ambiente de convivência.

2. De acordo com o autor Fayga Ostrower, criar é poder dar forma a algo novo. É for-
mar. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender, e esta, por sua
vez, a de ordenar, configurar, significar.

3. As ações de proteção, de continente; as relações de confiança, de segurança no ambiente


familiar em que a criança convive com os integrantes da família (pais/responsáveis).

Fundamentos da educação especial 79


8
Habilidades cognitivas

8.1 O que são as habilidades cognitivas?


Vídeo
O funcionamento do nosso sistema cognitivo é complexo e articula-se ao desenvol-
vimento das competências da inteligência, como: raciocínio lógico-matemático, raciocínio
linguístico, pensamento reflexivo-crítico, capacidade de análise e síntese, atenção-concen-
tração, compreensão-interpretação e argumentação textual, para a autonomia e a atualiza-
ção das estruturas do conhecimento do aprendiz, no processo de educação escolar.
Para compreender o curso da inteligência recorremos à pesquisadora Dias (2002), que cita o
clássico epistemólogo do conhecimento Jean Piaget1 (1936) quando descreve a inteligência como
um processo mental.
É um termo genérico designando as formas superiores de organização ou de equilíbrio das
estruturas cognitivas [...] a inteligência é essencialmente um sistema de operações vivas e
atuantes. Ela é adaptação mental mais extremada. (PIAGET, 1936, apud DIAS, 2002, p. 22)
Jean Piaget é pioneiro na definição qualitativa da inteligência e sua concepção como um processo
mental humano. Assim, as competências e habilidades cognitivas constituem um dos grandes desafios
a ser aprimorado em todas as etapas de escolarização, desde a educação infantil ao ensino superior,
atendendo as prerrogativas da “educação para todos” e demais dispositivos legais nacionais e inter-
nacionais. Cabe à educação criar as condições para operacionalizar práticas educativas que atendam a
educação escolar inclusiva.

1 Jean Piaget (1896-1980): suíço, biólogo e filósofo do conhecimento. Investigou os mecanismos que levam o
sujeito à construção de operações lógicas mentais. O desenvolvimento mental humano se organiza progressiva-
mente e é entendido como uma adaptação sempre mais precisa à realidade. Esse processo de interação se dá pelos
mecanismos de assimilação e acomodação. São quatro os momentos de construção da inteligência: sensório-motor,
pré-operatório, operatório concreto e operatório mental.

Fundamentos da educação especial 81


8 Habilidades cognitivas

Nas primeiras décadas do século XX, Lev Vygotsky busca reconstruir o curso do desen-
volvimento estrutural cognitivo do homem, a transformação dos processos elementares em
processos mentais complexos.
Durante o processo de educação escolar a criança parte de suas próprias genera-
lizações e significados; na verdade ela não sai de seus conceitos mas, sim, entra
num novo caminho acompanhada deles, entra no caminho da análise intelectual,
da comparação, da unificação e do estabelecimento de relações lógicas. [...] Os
conceitos iniciais que foram construídos na criança ao longo de sua vida no con-
texto de seu ambiente social. (VYGOTSKY, 1991, p. 147)
Primi (2001), ao descrever as competências e habilidades cognitivas, apresenta a defini-
ção de habilidade proposta por Carrol (1993), articulada aos processos de aprender.
A habilidade pressupõe a ideia de potencial de realização, ou seja, a existência
de uma relativa facilidade em lidar com informações e com problemas de uma
determinada classe ou conteúdo. O investimento deste potencial em experiên-
cias de aprendizagem pode conduzir à maestria, que envolve um conhecimento
organizado sobre um determinado tema. (CARROLL, 1993, apud PRIMI, 2001,
p. 155)
O sistema cognitivo humano se desenvolve na interação de fatores condicionantes: or-
gânico, sociocultural e afetivo. Apresentamos três modelos explicativos para uma definição
da inteligência:
a. Modelo psicométrico – define as estruturas cognitivas com base nos instrumen-
tos de medida do coeficiente de inteligência – QI. Pesquisadores: Alfred Binet
e Francis Galton.
b. Modelo desenvolvimentista – define a inteligência e a sua dinâmica ao longo de
períodos do desenvolvimento específico (criança e adolescente), trazendo avan-
ços significativos, ao procurar descrever o processamento cognitivo e relacioná-lo
aos diferentes estágios do desenvolvimento humano. Pesquisadores: Jean Piaget,
Henri Wallon e Lev Vygotsky. Propõe que a inteligência evolui frente às resolu-
ções de conflitos entre dois mundos: o interior, povoado de sonhos e fantasias; e o
exterior (realidade), cheio de símbolos, códigos e valores sociais e culturais. Nesse
conflito entre situações antagônicas e soluções dos confrontos, a inteligência se de-
senvolve, estabelecendo um ciclo constante de boas e novas descobertas.
c. Modelo do processamento neuronal de informação – é a mais recente proposta
de entendimento das estruturas mentais. Pesquisadores: Howard Gardner, Daniel
Golemann e Robert J. Sternberg. Os neurocientistas trabalham para compreender
a relação entre estrutura neural (cérebro) e a função mental (linguagem, memória,
atenção entre outras); que são determinantes para a aprendizagem e para o com-
portamento do homem. Entendem que um comportamento pode ser aprendido e
aperfeiçoado pela experiência.

82 Fundamentos da educação especial


Habilidades cognitivas 8
A compreensão do sistema complexo cognitivo se dá na investigação das etapas de es-
truturação das habilidades mentais, por meio das correntes explicativas e interação dos três
condicionantes primordiais: o orgânico, o cultural e o afetivo.
O educador se instrumentaliza melhor ao conhecer o processo de construção do siste-
ma cognitivo humano. Contribui ao criar um ambiente escolar acessível e com estimulantes
experiências de aprendizagem a todos os alunos.

8.2 Estilo cognitivo


Vídeo
É importante entender que o desenvolvimento das habilidades cogniti-
vas alavancam as estratégias cognitivas utilizadas pelo sujeito aprendiz na
resolução dos problemas cotidianos. As habilidades cognitivas remetem-nos
a dois fatores constituintes: estilo de aprendizagem e estilo cognitivo. A in-
terdependência entre os fatores favorece a autonomia, a iniciativa e auto-
confiança do sujeito e, de fato, o reconhece como sujeito ativo no aprender a aprender e,
apreender o conhecimento.
Assim, o estilo é um modo de ser pessoal, em que a pessoa usa das suas competências
e habilidades para saber sobre si mesmo e conhecer seu ambiente de convivência. O estilo
define um modo particular de extrair informações, conscientes e inconscientes, para proces-
sá-las e criar formas significativas de se conduzir na vida. “É através da apercepção criativa,
mais do que qualquer outra coisa, que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida”
(WINNICOTT, 1975, p. 95).
Parga (2004), no texto “O enlace desejo-inteligência na aprendizagem” diz que “para
compreendermos o processo de aprendizagem, é necessário ir além da experiência imediata,
pois o conhecimento se encontra antes, por longos períodos, inconscientes” (PARGA, 2004,
p. 150). O autor aponta a vontade de conhecer atrelada aos processos mentais inconscientes
e singulares do sujeito aprendente.
Estilo cognitivo significa o modo como o indivíduo apreende e processa as informações
em situações gerais de resolução de conflito. Leibovitz (2013) cita a definição de Kolb (1984)
para estilo de aprendizagem, “como tendo a ver com características individuais e variáveis,
de índole cognitiva e/ou de personalidade, que explicam as diferentes formas de abordar,
planear ou responder a um desafio de aprendizagem” (KOLB, 1984 apud LEIBOVITZ, 2013,
p. 4522-4523).
No processo de aprendizagem, compreender e considerar o estilo tem implicações edu-
cacionais importantes que interferem na atitude do professor, no planejamento das ativida-
des para a sala de aula, nas estratégias desafiadoras de aprendizagem, na diversificação dos
instrumentos de avaliação aplicados aos alunos.
Reconhecer que os alunos aprendem de forma diferente vai ao encontro das premissas
da educação inclusiva, que contempla as diferenças individuais, a alteridade e a diversidade
cultural nas práticas educativas.

Fundamentos da educação especial 83


8 Habilidades cognitivas

Não se pode, pois, entender o processo da aprendizagem desconectado da pró-


pria história do sujeito aprendente, uma vez que este significa suas novas expe-
riências a partir da revivescência singular de seu passado. (PARGA, 2001, p. 151)
Finalmente, a educação escolar deve atender de maneira mais individualizada possível
e própria de cada aluno e, deve observar a forma como cada um lida com os conteúdos cur-
riculares apresentados pelo professor. Cabe ao professor oferecer condições de impulsionar
processos de ensino e aprendizagem criativos e significativos a todos os alunos.

8.3 Processo criativo na educação escolar inclusiva


Vídeo
O processo criativo na educação escolar inclusiva traz uma outra pers-
pectiva ao trabalho e à interação professor-aluno, aprimorando a atitude do
professor no ambiente de aprendizagem. “Muitos compararam o trabalho
do professor com o do artista, destacando como fundamentais os aspectos da
criação individual” (VYGOTSKY, 2003, p. 296). Criar produz maior envolvi-
mento com a tarefa e satisfação pessoal.
Essa perspectiva criativa norteia a educação atual. O processo ensino-aprendizagem
quando balizado pelo pensar criativo contribui à construção do sujeito autônomo. “Para a
educação atual não é tão importante ensinar certa quantidade de conhecimentos, mas edu-
car a aptidão de adquirir esses conhecimentos e valer-se deles” (VYGOTSKY, 2003, p. 296).
O ato criativo
[...] é algo que [...] se faz presente quando qualquer pessoa [...] se inclina de ma-
neira saudável para algo ou realiza deliberadamente alguma coisa [...] de modo
que seu impulso criativo possa tomar forma e o mundo seja testemunha dele.
(WINNICOTT, 1975, p. 100)
Compreendemos que o ato criativo depende das experiências vividas de cada pessoa em
seu ambiente sócio-histórico-cultural e que para o impulso criativo importa criar formas e
Formar importa em transformar. Todo processo de elaboração e de desenvolvi-
mento abrange um processo dinâmico de transformação, em que a matéria, que
orienta a ação criativa, é transformada pela mesma ação [...] o próprio homem
com isso se configura [...] Estruturando a matéria, também dentro de si ele se
estruturou. Criando, ele se recriou [...] A criatividade é, portanto, inerente à con-
dição humana. (OSTROWER, 1999, p. 52-53)
As práticas educativas que se organizam pelo processo criativo favorecem a identifica-
ção dos estilos cognitivos e de aprendizagem, do ritmo de aprendizagem de cada estudan-
te. Promovem igualdade de oportunidades e acessibilidade atitudinal, contribuindo para a
convivência entre todos os participantes.
“Há vários conceitos sobre a criatividade [...] em geral todos concordam que algo criati-
vo tem que atender aos critérios de ser original e útil, em um determinado tempo histórico”
(FLEITH, 2007, p. 16). Deste modo, as práticas educativas acolhem a história pessoal e esco-
lar de cada aluno, respeitando a diversidade e a alteridade do sujeito.

84 Fundamentos da educação especial


Habilidades cognitivas 8
Ampliando seus conhecimentos

A noção de competência:
uma visão construtivista
(TEIXEIRA, 2012, p. 9-10)

As origens do termo competência

O sentido original da palavra competência é de natureza jurídica, ou seja,


diz respeito ao poder que tem uma certa jurisdição de conhecer e decidir
sobre uma causa. Gradativamente o significado estendeu-se, passando o
termo a designar a capacidade de alguém para se pronunciar sobre deter-
minado assunto, fazer determinada coisa ou ter capacidade, habilidade,
aptidão, idoneidade.

Recentemente, competência tornou-se uma palavra difundida, com fre-


quência, nos discursos sociais e científicos. Entretanto, Isambert-Jamati
(1997) afirma que não se trata simplesmente de uma moda porque o cará-
ter relativamente duradouro do uso dessa noção e a existência de uma
certa congruência em relação ao seu significado,em esferas como a da
educação e do trabalho, podem ser reveladoras de mudanças na socie-
dade e na forma como um grupo social partilha certos significados. Nesse
sentido, o termo competência não é só revelador de certas mudanças como
também pode contribuir para modelá-las. Ou seja, comparece no lugar
de certas noções, ao mesmo tempo em que modifica seus significados.
Pode-se dizer que, no geral, o termo competência vem substituindo a ideia
de qualificação no domínio do trabalho e as de saberes e conhecimento,
no campo da educação.

As razões da invasão do termo competência, segundo Tanguy (1997), nas


diferentes esferas da atividade social, são difíceis de precisar, embora no
caso da educação e do trabalho possam estar associadas a uma série de
movimentos geradores de concepções nesses dois campos, bem como das
inter-relações entre eles. Dentre tais concepções ou crenças podemos des-
tacar: necessidade de superar a ênfase na instrução e privilegiar a educa-
ção; reconhecimento da importância do poder do conhecimento por todos
os meios sociais e de que a transmissão do conhecimento não é tarefa
exclusiva da escola; a institucionalização e sistematização de princípios
sobre formação contínua fora do âmbito escolar; exigência de superar a
qualificação profissional precária e baseada em aprendizagens mecâni-
cas; necessidade de rever o ensino disciplinar e o saber academicista ou

Fundamentos da educação especial 85


8 Habilidades cognitivas

descontextualizado; preocupação de colocar o aluno no centro do pro-


cesso educativo como sujeito ativo.

A intervenção desses elementos, refletindo sobre a problemática da for-


mação e aprendizagens profissionais e a necessidade de novas adaptações
ao mundo do trabalho e da escola, acabaram por proporcionar uma apro-
priação geral da noção de competência em vários países, provavelmente
na expectativa de atribuir novos significados às noções que ela pretende
substituir nas atividades pedagógicas. Mais especificamente, no entanto,
esse referencial sobre a noção de competência se impôs nas escolas, ini-
cialmente, por meio da avaliação. Essas inter-relações produziram uma
contaminação de significados e o termo competência passou a ser usado
com frequência no sistema educativo, no qual ganhou outras conotações.

Dado esse caráter polissêmico da noção de competência, trata-se de preci-


sar em que sentido pretendemos utilizá-la.

[...]

Atividades
1. Que fatores interagem para o desenvolvimento do sistema cognitivo humano?

2. Como definir estilo?

3. Como definir o processo criativo na escolarização do aluno?

Referências
DIAS, Maria da Graça. O desenvolvimento das competências que nos permite conhecer. In: Eixos
cognitivos do ENEM. Brasília, INEP Ministério da Educação, 2002, p. 21-29. Disponível em: <http://
pt.scribd.com/doc/23379855/eixos-cognitivos-do-enem#scribd>. Acesso em: 5 abr. 2017.
FLEITH, Denise de Souza (Org). A construção de práticas educacionais para alunos com altas habi-
lidades/superdotação: v. 2.: Atividades de estimulação de alunos. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial, 2007. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/me004651.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017.
LEIBOVITZ, Luiza Jesus; LEITE, Laurinda; NUNES, Manuela. A aprendizagem das ciências baseada
na resolução de problemas online: comparação entre estilos de aprendizagem e opiniões de alunos
do 7° ano. In: ATAS do XII Congresso Internacional Galego-Portugual de psicopedagogia. Braga:
Universidade do Minho, p. 4522-4536. 2013. Disponível em: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/
handle/1822/25186>. Acesso em: 5 abr. 2017.

86 Fundamentos da educação especial


Habilidades cognitivas 8
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processo de criação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
PARGA, Márcia. O enlace desejo-inteligência na aprendizagem. In: SISTO, Fermino, BORUCHOVITCH,
Evely e FINI, Lucila (Orgs). Dificuldades de aprendizagem no contexto psicopedagógico. Petrópolis;
RJ: Vozes, 2004.
PRIMI, Ricardo; et al. Competências e habilidades cognitivas: diferentes definições dos mesmos cons-
trutos. Revista Psicologia: teoria e pesquisa. Mai-ago 2001, v. 17, n. 2, p. 151-159. Disponível em:
<www.scielo.br/pdf/ptp/v17n2/7875.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017.
TEIXEIRA, Leny Rodrigues Martins. A noção de competência: uma visão construtivista. In: Eixos
cognitivos do ENEM. Ministério da Educação, Brasília, 2002. Disponível em: <https://pt.scribd.com/
doc/23379855/eixos-cognitivos-do-enem>. Acesso em: 24 fev. 2017.
VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos supe-
riores. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
______. Psicologia pedagógica. Trad. Claudia Schilling. Porto Alegre: ArtMed, 2003.
WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

Resolução
1. Fatores condicionantes: orgânico, sociocultural e afetivo.

2. O estilo é um modo de ser pessoal, em que a pessoa usa das suas competências
e habilidades para saber sobre si mesma e conhecer seu ambiente de convivência.
Define um modo particular de extrair informações, conscientes e inconscientes, para
processá-las e criar formas de se conduzir na vida.

3. Compreender que o ato criativo depende das experiências vividas de cada pes-
soa em seu ambiente sócio-histórico-cultural e que para o impulso criativo im-
porta criar formas.

Fundamentos da educação especial 87


9
Adaptações curriculares
para a educação inclusiva

9.1 Operacionalizando as adaptações curriculares


Vídeo
Pensar o currículo na inclusão e sua operacionalização convida o educador a refletir
sobre alguns dispositivos de funcionamento na instituição escolar inclusiva, entre eles:
• os fundamentos teóricos da inclusão;
• a concepção da educação escolar inclusiva;
• a contextualização histórico cultural;
• estilo cognitivo e estilo de aprendizagem;
• o lugar e a função do professor;
• transmissão dos conteúdos curriculares.
Esses saberes sustentam o currículo pedagógico e vão nortear as práticas educativas no espaço
escolar para garantir a acessibilidade aos conteúdos curriculares, a aquisição e transformação do conhe-
cimento do sujeito aprendente.
A educação como a essência do processo de humanização do homem no século XXI, entrelaçada
à atitude do professor, é a alavanca que dispara a inclusão do aluno com necessidades educacionais
especiais e os demais.
Cabe ao professor criar metodologias e instrumentos cada vez mais significativos que ofereçam
oportunidades de aprendizagem a todos os alunos.
A sala de aula é o espaço onde se concretiza o currículo e deve acontecer o processo ensino-
-aprendizagem. Este processo acontece não só por meio da transferência de conteúdos, mas,
também pela influência das diversas relações e interações desse espaço escolar, na sala de
aula e na relação professor-aluno. Concordamos que o eixo central do Currículo é diversos
conhecimentos. (SABAINI, 2007, p. 9)

Fundamentos da educação especial 89


9 Adaptações curriculares para a educação inclusiva

O currículo é sustentado em três dimensões interligadas: a epistemológica, a políti-


co-social e a de sistema aberto complexo. Estabelece as possibilidades de operacionali-
zar as competências e os conteúdos, os quais são descritos a partir do levantamento das
seguintes informações:
• sobre o que ensinar;
• quando ensinar;
• como ensinar;
• o que, como e quando avaliar.
Para uma proposta de adaptação curricular é válido considerar essas informações para
adequar as diferentes situações de ensino-aprendizagem para as quais se aplica.
Uma escola consegue organizar um currículo inclusivo quando reconhece a
complexidade das relações humanas (professor-aluno), a amplitude e os limites
de seus objetivos e ações; quando entende o ambiente escolar como um espaço
relacional que estabelece laços que contribuem para a formação de uma identi-
dade individual e social. [...] O professor organiza e pratica o currículo enquanto
constrói e reconstrói suas concepções, percepções e escolhas e, assim, também o
faz o aluno enquanto aprende. (MINETTO, 2008, p. 32-33)
De fato, um currículo educativo inclusivo deve contar com as adaptações e flexibiliza-
ções para atender as diferenças individuais, a alteridade e a diversidade em sala de aula,
para práticas educacionais avaliativas e formativas com vistas à aprendizagem significativa
e a autonomia do aprendiz com deficiência e dos demais.
Currículos, em qualquer processo de escolarização, transforma-se na síntese bá-
sica da educação [...] devem ter uma base nacional comum [...] a ser suplemen-
tada ou complementada por uma parte diversificada e exigida, inclusive pelas
características dos alunos. (BRASIL, 2001, p. 57-58)
Cabe ao professor diferenciar as formas de aprender de cada aluno com e sem defi-
ciência. Não deve apenas focar em diferenciar o conteúdo curricular e sim, a forma como
cada aluno maneja o conteúdo. Planejar aulas interessantes que despertem as habilidades
e competências e observar o comportamento do aluno. Não esperar a melhor resposta que
reproduz a resposta previamente idealizada a um perfil de aluno anônimo.
Essa estrutura e funcionamento da instituição escolar inclusiva deve demonstrar coe-
rência entre aquilo que diz e aquilo que faz. Isso é necessário para viver em acordo ao para-
digma da sociedade inclusiva da diversidade cultural e diferença individual no século XXI.

9.2 Recursos necessários


Vídeo
Os recursos necessários à educação inclusiva contemplam os servi-
ços de apoio pedagógico especializado, que acontece nas salas de aula
comuns, com a presença de especialistas, intérpretes de língua de sinais
brasileira – Libras, sistema braille, tecnologias assistivas, acessibilidade

90 Fundamentos da educação especial


Adaptações curriculares para a educação inclusiva 9
em suas dimensões necessárias e, nas salas de recursos, onde o professor realiza a com-
plementação curricular, utilizando de instrumentos técnicos e didático-pedagógicos
específicos.
Para a definição das ações pedagógicas, a escola deve prever e prover em suas
prioridades, os recursos humanos e materiais necessários à educação na diversi-
dade. (BRASIL, 2001, p. 42)
Para um contexto e condições pedagógicas inclusivas é necessário o planejamento de
práticas educativas que atendam às necessidades educacionais especiais de cada aluno. Para
o sucesso na aprendizagem do aluno, a avaliação das potencialidades é fundamental para
identificar necessidades específicas do aprendiz.
Uma rede de apoio interinstitucional que envolva profissionais das áreas de saú-
de, assistência social e trabalho sempre que necessário para o seu sucesso na
aprendizagem. (BRASIL, 2001, p. 48)
A flexibilização é uma ação essencial quando se pensa nos recursos e nas adaptações
à educação escolar inclusiva. Dispomos de uma variedade de recursos de acessibilidade,
desde os mais simples até os mais sofisticados. Os recursos da tecnologia de informação
e comunicação desempenham papel importante à acessibilidade e inclusão do aluno com
necessidades educacionais especiais.
Destaca-se a contribuição das tecnologias assistivas e comunicação alternativa, como
áreas de conhecimento investigativo e criação de instrumentos acessíveis à pessoa com de-
ficiência, de modo a viabilizar a inserção e participação escolar e social visando ao pleno
exercício da cidadania.
Para os recursos e adaptações que atendam às limitações e restrições motoras, visuais,
auditivas e físicas
[...] existem sistemas/dispositivos que apresentam soluções, próteses chamadas
de tecnologia assistiva/adaptativa ou Autoajudas/Ajudas técnicas [...] refere-se
ao conjunto de artefatos disponibilizados às pessoas com necessidades especiais,
que contribuem para prover-lhes uma vida mais independente, com mais quali-
dade e possibilidades de inclusão social. (SONZA, 2013, p. 199)
Concluindo, quando buscamos recursos necessários de acessibilidade ao aluno com
deficiência devemos “começar com uma análise detalhada e escuta aprofundada de suas
necessidades, para, a partir daí, ir optando pelos recursos que melhor respondem” (BRASIL,
2008, p. 38) às práticas educativas inclusivas.

9.3 Avaliação da aprendizagem


Vídeo
Entende-se que a avaliação da aprendizagem no currículo adaptado
deve estar interligada à prática docente de ensino adaptativo. “As práticas
avaliadoras configuram-se, no âmbito do ensino adaptativo, como recurso
por excelência para concretizar a atenção educacional à diversidade” (COLL;

Fundamentos da educação especial 91


9 Adaptações curriculares para a educação inclusiva

MARCHESI; PALÁCIOS, 2004, p. 378) do alunado, quer dizer, as capacidades do aluno de-
vem ser reconhecidas e ter algum significado para o professor.
Coll, Marchesi e Palácios (2004), ao discutirem a avaliação da aprendizagem escolar, su-
gerem alguns critérios no planejamento e no desenvolvimento das atividades de avaliação
adaptada. A seguir os critérios sugeridos:
• “Priorizar a função pedagógica da avaliação das aprendizagens” – avaliação cumula-
tiva; vincular todas as atividades de caráter avaliativo aplicadas em sala de aula.
• “Reforçar o valor regulador, formativo e formador da avaliação nas aprendizagens” –
deve ser um instrumento que contribua à melhoria do processo de aprender.
• “Recuperar e reforçar a função pedagógica da avaliação cumulativa das aprendi-
zagens” – avaliação continuada e diversificada, autoavaliação. Novas formas de
incluir os pais nos processos avaliativos e de participação do aluno.
• “A busca de maior coerência e continuidade entre as decisões de ordem peda-
gógica e de ordem social associadas à avaliação das aprendizagens” – critérios
de avaliação de acordo com os princípios psicopedagógicos que inspiram os usos
pedagógicos de avaliação.
• “A autonomia das escolas e dos professores no planejamento e no desenvolvi-
mento da avaliação das aprendizagens”. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004,
p. 378-384. Adaptado.)
Os autores também sugerem que no planejamento e na execução das avaliações da
aprendizagem escolar o professor atente para os seguintes pontos:
• a importância dos fatos cognitivos, afetivos e relacionais na avaliação das
aprendizagens;
• a avaliação é um fator essencial na configuração dos perfis motivacionais e dos
padrões atributivos dos alunos;
• a avaliação das aprendizagens realizadas pelos alunos é uma questão de grau;
• a inter-relação dos significados limita o alcance das atividades de avaliação;
• a avaliação da aprendizagem: um momento não estático do processo de constru-
ção do conhecimento;
• a importância dos erros na avaliação;
• a influência da natureza do conteúdo na avaliação;
• a importância do contexto na construção do conhecimento escolar e na avaliação
da aprendizagem;
• a funcionalidade da aprendizagem e a busca de indicadores para a avaliação;
• a incorporação progressiva do controle e da responsabilidade no processo de
aprendizagem: uma fonte de indicadores para a avaliação.
Ao refletir sobre essas informações, se espera criar instrumentos avaliativos e formativos
que viabilizem ao aluno demonstrar ao máximo as competências na resolução de problemas e
ampliem sua capacidade de aprender a aprender, bem como, sua autonomia na aprendizagem.

92 Fundamentos da educação especial


Adaptações curriculares para a educação inclusiva 9
Ampliando seus conhecimentos

Currículo e educação inclusiva:


as políticas curriculares nacionais
(MESQUITA, 2010, p. 309-313)

[...] Para compreender como se configura a constituição de uma política


curricular é importante primeiramente defini‐la a fim de se tornarem
explícitas as intenções que lhes estão ocultas. De acordo com Sacristán
(2000, p. 109) a política curricular é

um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma


de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema edu-
cativo, tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agen-
tes têm sobre ele, intervindo dessa forma, na distribuição do conhe-
cimento dentro do sistema escolar e incidindo na prática educativa,
enquanto apresenta o currículo a seus consumidores, ordena seus
conteúdos e códigos de diferente tipo.

Nesse sentido, se temos uma política educativa voltada para a consolida-


ção de uma educação e escola inclusiva, temos como consequência uma
política curricular voltada a essa mesma perspectiva que assume um cará-
ter próprio dentro das intenções de quem a elabora.

Enquanto política, o currículo emerge de decisões gerais oriundas da


ordenação jurídica e administrativa. Nesse sentido, as determinações por
elas definidas não são neutras, configuram‐se como intenções que fazem
parte de políticas mais amplas, articulando‐se a projetos sociais, econô-
micos, culturais fruto de determinada realidade situada historicamente,
de caráter espacial e temporal (APLLE, 1997; SACRISTÁN, 1998, 2000;
SANTOMÉ, 1998).

Para Sacristán (2000, p. 107)

A política sobre o currículo é um condicionamento da realidade


prática da educação que deve ser incorporado ao discurso sobre
o currículo; é um campo ordenador decisivo, com repercussões
muito diretas sobre essa prática e sobre o papel e margem de atua-
ção que os professores e os alunos têm da mesma.

Fundamentos da educação especial 93


9 Adaptações curriculares para a educação inclusiva

Apresentando‐se como um mecanismo de controle (SACRISTÁN, 2000;


GOODSON, 1995), as intervenções do governo incidem diretamente no
cotidiano escolar. Especialmente na década de 1990, podemos observar
uma série de reformulações que se desenham a partir da promulgação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996, que define no Art. 3°
como alguns dos princípios básicos da educação a igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola e o respeito à liberdade e apreço à
tolerância (BRASIL, 1996).

Esses princípios educacionais formulados a partir dos ideais de Educação


para Todos ganharam mais consistência com as diversas diretrizes, ela-
boradas para os diferentes níveis de ensino (Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental, 1996; Diretrizes Curriculares para
a Educação Especial na Educação Básica, 2001; Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores, 2002). Esses documentos con-
figuram‐se como um conjunto de definições doutrinárias sobre princípios,
fundamentos e procedimentos, com o objetivo de orientar as escolas em
suas organizações, articulações, desenvolvimento e avaliação de suas pro-
postas pedagógicas.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação


Básica (CNE/CB, n. 2, 11 de fevereiro de 2001) expressam determinações e
orientações voltadas ao processo de inclusão dos alunos com necessidades
educacionais especiais, no que tange aos aspectos pedagógicos e formação de
professores. No Parecer 17/2001, referente à Resolução 2/2001

A inclusão é definida como a garantia, a todos, do acesso contínuo


ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve
estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana,
de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equi-
paração de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em
todas as dimensões da vida (BRASIL/CNE, 2001a)

Nesse sentido a educação voltada às pessoas com necessidades educa-


cionais especiais está fundamentada nos princípios da preservação da
dignidade humana, na busca da identidade e no exercício da cidadania.
Práticas durante muito tempo negligenciadas no trato às pessoas que
apresentassem qualquer tipo de deficiência, fosse ela física, sensorial ou
cognitiva. De acordo com o Parecer, os princípios que orientam a elabora-
ção das diretrizes têm por finalidade acabar com qualquer tipo de discri-
minação e garantir o desenvolvimento da cidadania.

94 Fundamentos da educação especial


Adaptações curriculares para a educação inclusiva 9
Além dos fundamentos e princípios que embasam a inclusão das pessoas
com NEE nas classes regulares de ensino, das determinações sobre a orga-
nização do sistema educativo, são também desenvolvidas orientações
referentes aos aspectos e componentes pedagógicos. No Art. 8°, inciso III
as Diretrizes definem que as escolas devem prever e prover na organiza-
ção das suas classes comuns:

flexibilizações a adaptações curriculares que considerem os conte-


údos básicos e instrumentais dos conteúdos básicos, metodologia
de ensino e didáticos recursos diferenciados e processos de ava-
liação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresen-
tam necessidades educacionais especiais, em consonância com o
projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória.
(BRASIL, 2001b)

Apesar das determinações oriundas da Resolução 2/2001, podemos obser-


var orientações de forma mais nítida sobre a prática escolar nos Parâmetros
Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares: atendimento às pes-
soas com necessidades educacionais especiais, elaborados em 1998 pela
Secretaria de Ensino Fundamental em parceria com a Secretaria de
Educação Especial, cujo objetivo é subsidiar os professores na sua tarefa
de favorecer seus alunos na ampliação do exercício da cidadania por meio
da adequação curricular orientando a prática pedagógica (BRASIL, 1998).
O documento foi elaborado com base no reconhecimento da diversidade
existente na população escolar e na necessidade de respeitar e atender a
essa diversidade. Em sua apresentação o documento considera que:

O direito da pessoa à educação é resguardado pela política nacional


de educação independentemente de gênero, etnia, idade ou classe
social. O acesso à escola extrapola o ato da matrícula e implica
apropriação do saber e das oportunidades educacionais oferecidas
à totalidade dos alunos com vistas a atingir as finalidades da edu-
cação, a despeito da diversidade na população escolar. (BRASIL,
1998)

[...] Nesse sentido, é fundamental que as escolas tornem os currículos alter-


nativos/diferenciados – não os adaptados – os gerenciadores do conheci-
mento e da organização educacional, contribuindo para a constituição de
uma nova escola, de uma nova sociedade.

[...]

Fundamentos da educação especial 95


9 Adaptações curriculares para a educação inclusiva

Atividades
1. Para operacionalizar o currículo quais informações devem ser descritas?

2. Quais os passos para definir o recurso que atenda às necessidades do aluno?

3. A que deve estar interligada a avaliação no currículo adaptado?

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica.
Secretaria de educação especial. MEC: SEESP, 2001. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/
arquivos/pdf/diretrizes.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017.
COLL, Cesar; MARCHESI, Alvaro; PALACIOS; Jesus. Desenvolvimento psicológico e educação.
Porto Alegre: ArtMed, 2004.
ITS BRASIL.Tecnologia assistiva nas escolas: recursos básicos de acessibilidade sócio-digital para
pessoas com deficiência. Its Instituto Tecnologia Social. 2008. Disponível em: <www.itsbrasil.org.br/
sites/itsbrasil.w20.com.br/files/Digite_o_texto/Cartilha_Tecnologia_Assistiva_nas_escolas_-_Recursos_
basicos_de_acessibilidade_socio-digital_para_pessoal_com_deficiencia.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2015.
MESQUITA, Amélia Maria Araújo. Currículo e educação inclusiva: as políticas curriculares nacionais.
Espaço do currículo, v. 3, n. 1, p. 305-315, março a setembro de 2010. Disponível em: <http://periodicos.
ufpb.br/ojs/index.php/rec/article/view/9093/4781>. Acesso em: 24 fev. 2017.
MINETTO, Maria de Fátima. Currículo na educação inclusiva: entendendo esse desafio. Curitiba:
Ibpex, 2008.
SABAINI, Selma. Porque estudar currículo e teorias de curriculo. 2007. Disponível em: <www.diaa
diaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/261-2.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017.
SONZA, Andréa P. (org) Acessibilidade e tecnologia assistiva: pensando a inclusão sociodigital de
PNEs. Ministério da Educação. Bento Gonçalves, RS. 2013. Disponível em: <http://www.planetaeducacao.
com.br/portal/conteudo_referencia/acessibilidade-tecnologia-assistiva.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2017.

Resolução
1. Deve-se levantar para a operacionalização dos conteúdos curriculares as informa-
ções sobre o que ensinar, quando ensinar, como ensinar; e o que, como e quando avaliar as
competências e conteúdos transmitidos.

2. Para definir qual recurso é adequado ao aluno é necessário avaliar as suas reais ne-
cessidades educativas especias e planejar adaptações e recursos que atendam as ne-
cessidades específicas do aluno.

3. Entende-se que a avaliação no currículo adaptado deve estar interligada à prática


docente de ensino adaptativo.

96 Fundamentos da educação especial


Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6318-5

9 788538 76318 5

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