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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

Esta obra busca suscitar a reflexão sobre a educa-


ção inclusiva como uma conquista e um direito das
pessoas com deficiência. Ainda há barreiras teóri-
cas e práticas a serem vencidas, do mesmo modo
que se faz necessário o enfrentamento de pre-
conceitos e o convencimento de diferentes atores
envolvidos no processo inclusivo. Assim, discutir
os caminhos da inclusão é uma prática que precisa
permear a formação de professores e se dissemi-
nar socialmente para fomentar a inclusão social.
São abordados neste livro os principais conceitos,
as características das dificuldades específicas de
aprendizagem e os transtornos/distúrbios mais
comuns no espaço escolar. Com foco na melhoria
da qualidade da aprendizagem para todos, esta
obra busca subsidiar o professor na identificação
de sinais de alerta e definição das ações pedagó-
gicas mais adequadas, por meio de metodologias
inovadoras, estratégias e intervenções variadas,

ANA CRISTINA GIPIELA PIENTA


compreendendo que é pela sólida formação dos
profissionais da educação que a inclusão ocorre.

Código Logístico

59643

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6703-9

9 788538 767039
Fundamentos da
educação especial
e inclusiva

Ana Cristina Gipiela Pienta

IESDE BRASIL
2020
© 2020 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Denis Kuvaev/fotogestoeber/Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
P669f

Pienta, Ana Cristina Gipiela


Fundamentos da educação especial e inclusiva / Ana Cristina Gipiela
Pienta. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2020.
126 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6703-9

1. Educação especial. 2. Educação inclusiva. 3. Educação especial -


Brasil. 4. Educação especial - Aspectos sociais. 5. Pessoas com deficiência
- Educação. I. Título.
CDD: 371.9
20-66454
CDU: 376

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Ana Cristina Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em
Gipiela Pienta Organização do Trabalho Pedagógico pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e em Educação Especial e
Inclusiva pela Unifacear. Graduada em Pedagogia pela
UFPR. Possui experiência como professora de educação
infantil e anos iniciais do ensino fundamental e como
pedagoga. Atua ainda como docente e pesquisadora
em cursos de capacitação, graduação e pós-graduação,
tendo atuado também como coordenadora em cursos
de graduação na modalidade presencial e a distância.
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SUMÁRIO
1 A trajetória de educação especial e inclusiva  9
1.1 Princípios e fundamentos   9
1.2 História da educação especial: da exclusão à visibilidade do
deficiente   11
1.3 Declarações internacionais: os arautos da inclusão   18
1.4 A função da escola na perspectiva da inclusão   23

2 Educação especial e inclusiva no Brasil  30


2.1 Educação especial e inclusiva na Constituição de 1988   30
2.2 A inclusão na LDB 9.394/1996   32
2.3 Diretrizes nacionais para a educação especial e inclusiva   38
2.4 A organização escolar e dos sistemas de ensino para a
inclusão   42

3 Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem  50


3.1 Dificuldades e transtornos de aprendizagem: conceitos básicos  50
3.2 Transtornos específicos da aprendizagem  54
3.3 Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade  67

4 Inclusão de estudantes com deficiência  75


4.1 Deficiência auditiva   75
4.2 Deficiência física e motora   82
4.3 Deficiência intelectual   85
4.4 Deficiência visual   90
4.5 Altas habilidades/superdotação   95
4.6 Transtornos globais do desenvolvimento   101

5 Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão  108


5.1 Percursos inclusivos e relação família-estudante-escola   108
5.2 Acessibilidade  111
5.3 Currículo adaptado e adequações metodológicas   113
5.4 Avaliação   116
5.5 Escolas de educação especial   118
5.6 Atendimento educacional especializado – AEE   121
Vídeo
APRESENTAÇÃO
Esta obra busca suscitar a reflexão sobre a educação inclusiva
como uma conquista e um direito das pessoas com deficiência.
O tema em questão ainda tem barreiras teóricas e práticas
a serem vencidas, do mesmo modo que se faz necessário o
enfrentamento de preconceitos e o convencimento de diferentes
atores envolvidos no processo inclusivo. Assim, discutir os
caminhos da inclusão é uma prática que precisa permear a
formação de professores e se disseminar socialmente para
fomentar a inclusão social.
Nessa perspectiva, no primeiro capítulo apresentamos
o percurso histórico da construção do ideal de inclusão.
Revisamos os estigmas que incentivavam as práticas cruéis
e preconceituosas que marcaram diferentes momentos
históricos e grupos sociais. Ter consciência das barbáries
cometidas auxilia na compreensão da importância dos
eventos internacionais, apresentados nesse mesmo capítulo,
que serviram de marco para a conquista de direitos e o
delineamento de políticas de inclusão. Com a bandeira de
“educação para todos”, a educação inclusiva começa a tomar
corpo.
O segundo capítulo faz uma imersão nas legislações
brasileiras e mostra como a Constituição Federal de 1988,
com sua característica de “Constituição Cidadã”, foi essencial
para indicar os primeiros passos da educação inclusiva no
Brasil, influenciando em especial a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996. As duas servem de fundamento
para as demais leis, decretos e resoluções que têm a função de
delinear os princípios da educação especial e inclusiva em um
país tão grande e diverso.
No terceiro capítulo é iniciada a discussão sobre as práticas
da educação especial e inclusiva. Especialmente nesse capítulo,
abordamos as principais características que marcam os
educandos com dificuldades e transtornos de aprendizagem.
Buscamos trazer os principais conceitos, as características das dificuldades
específicas de aprendizagem e os transtornos/distúrbios mais comuns no
espaço escolar com o objetivo de subsidiar o professor na identificação
de sinais de alerta e definição das ações pedagógicas mais adequadas por
meio de metodologias inovadoras, estratégias e intervenções variadas,
tendo como foco a melhoria da qualidade da aprendizagem para todos.
O quarto capítulo apresenta as principais características de cada
deficiência, suas possíveis causas e orientações para melhorar o processo de
inclusão escolar, compreendendo que é pela sólida formação dos profissionais
da educação que a inclusão vai ocorrer. Por meio do conhecimento sobre
as deficiências, toda a comunidade escolar pode se mobilizar para organizar
ambientes propícios para a aprendizagem de todos.
No último capítulo, a organização do trabalho pedagógico para a inclusão
é a tônica da reflexão. Uma escola que se propõe a acolher a diversidade,
proporcionando educação de qualidade independentemente das condições
ou características dos educandos, também precisa ser diversificada em
sua práxis pedagógica e nos elementos que a compõem, como currículo,
metodologia e avaliação. Ainda no mesmo capítulo, refletimos sobre a relação
que se estabelece entre família e escola no processo de inclusão. Sempre
no contexto das melhores estratégias educacionais para todos, abordamos
também o atendimento educacional especializado e a escola especial.
Que o livro Fundamentos da educação especial e inclusiva possa colaborar
para a construção de uma prática educativa que respeite e valorize as
diferenças.
Bons estudos!

8 Fundamentos da educação especial e inclusiva


1
A trajetória de educação
especial e inclusiva
Conhecer a trajetória da educação especial e inclusiva implica
perceber que a forma como a sociedade vê a deficiência é uma
construção histórico-social, que será o foco da primeira seção do
capítulo. Na segunda seção, você vai se aproximar dessas diferen-
tes maneiras de leitura social da deficiência em diversos momen-
tos históricos e grupos sociais.
Essa contextualização inicial é necessária para entender a im-
portância das declarações internacionais apresentadas na terceira
seção, as quais, em um contexto de sociedade globalizada e ex-
pansão das tecnologias, vêm indicar estratégias e metas na tentati-
va de superação das formas mais cruéis de exclusão e segregação.
Nesse contexto, a escola tem função imprescindível para fo-
mentar a inclusão, apesar dos inúmeros desafios e dificuldades
que ainda precisa transpor. Para tanto, é necessário buscar infor-
mações e nos sensibilizarmos frente à importância iminente da
inclusão, assim como sua implementação em todos os projetos
educacionais.

1.1 Princípios e fundamentos


Vídeo A educação é uma das práticas humanas mais abrangente e comple-
xa, presente desde os relatos mais primitivos da civilização, trazendo uma
grande contribuição na existência e perpetuação da espécie humana.

Abagnano (2007, p. 357) evidencia a relação entre educação e so-


ciedade humana ao afirmar que educação designa “a transmissão e o
aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produ-
ção e comportamento mediante as quais um grupo de homens é capaz

A trajetória de educação especial e inclusiva 9


de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do
ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto”. Nessa perspec-
tiva, a sobrevivência da sociedade humana depende da transmissão
desses saberes (cultura) de uma geração para outra, ou seja, depende
da educação, de um processo educativo.

A educação, portanto, é uma ação que nos humaniza. Em resumo,


a finalidade do ato de educar é “trans-formar” seres humanos, dando
ênfase a como se processam as mudanças nos sujeitos, por meio de
um incremento em suas competências, tornando-os humanos. Como
afirma Gadotti (1995, p. 18),
a educação tem importante papel no próprio processo de hu-
manização do homem e de transformação social, embora não
se preconize que sozinha a educação possa transformar a socie-
dade. Apontando para as possibilidades da educação, a teoria
educacional visa à formação do homem integral, ao desenvolvi-
mento de suas potencialidades, para torná-lo sujeito de sua pró-
pria história e não objeto dela.

Em Freire (1999, p. 15), encontramos o conceito de educação inti-


mamente ligado à condição de “inconclusão do ser humano” e, devido
à sua incompletude, homens e mulheres estão em permanente mo-
vimento de busca. Modificar-se é, portanto, uma necessidade da na-
tureza dos seres humanos, na busca de complementarem-se como
pessoas.

A educação (em especial a educação escolar) já serviu para conduzir


e aproximar os indivíduos do conhecimento, entretanto essa função
isolada não é mais suficiente para o atual contexto.

A educação vai além da transmissão de infor-


et/Shutterstock mações e conteúdos curriculares. A Constituição
t-kesh
ayele
Federal Brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, LDB n. 9.394/1996, in-
dicam o exercício da cidadania como uma das
finalidades da educação ao estabelecer uma
prática educativa inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade huma-
na, com a finalidade do pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1996).

10 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Todos os documentos de referência convergem para um processo
educacional cuja função é fomentar a discussão acerca das questões
de identidade, justiça social, superação das desigualdades e democrati-
zação de oportunidades, indicando, portanto, a educação como direito
de todos, independentemente das mais diversas condições individuais.
Isso implica a inserção de práticas pedagógicas intencionais voltadas à
cidadania; conhecimento dos direitos fundamentais; enfrentamento ao
preconceito e à discriminação; respeito, reconhecimento e valorização
de toda a diversidade humana; buscando ações de promoção, prote-
ção, prevenção, defesa e reparação dos direitos de todos os indivíduos.

No dizer de Boaventura de Souza Santos:


temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferio-
riza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualda-
de nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que Importante
reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza,
alimente ou reproduza as desigualdades (2003, p. 56). Direitos inalienáveis são todos os
direitos fundamentais que não
É nessa perspectiva, de uma educação que humaniza e transforma podem ser negados a ninguém.
Eles fazem parte da essência da
enquanto direito individual inalienável, que estudaremos a importân- pessoa e nenhuma autoridade
cia e o “espaço” da educação inclusiva. tem competência para negá-lo.

1.2 História da educação especial: da


Vídeo exclusão à visibilidade do deficiente
Durante séculos, as pessoas com deficiência foram excluídas da so-
ciedade. Devido a um estigma de incapacidade, tiveram negadas sua
cidadania e sua humanidade. As deficiências já estiveram ligadas a
ideias de castigo, doenças ou manifestação divina para punir ou coibir
determinados comportamentos de gerações passadas.

Como afirma Silva, “anomalias físicas ou mentais, deformações con-


gênitas, amputações traumáticas, doenças graves e de consequências
incapacitantes, sejam elas de natureza transitória ou permanente, são
tão antigas quanto a própria humanidade” (1987, p. 21).

Para compreendermos a construção do conceito de práticas sociais


e pedagógicas que tiram do obscurantismo e incluem esses indivíduos
que fogem do padrão de “normalidade”, é necessário nos transportar-
mos para um período histórico anterior à existência de processos edu-
cacionais formais.

A trajetória de educação especial e inclusiva 11


Voltando-nos para o desenvol-
vimento do ser humano primitivo,
ainda no início do chamado período
Cenozoico Quaternário , a ação li-
1

mitava-se à garantia de sua sobrevi-


vência. Para tanto, os seres humanos
viviam da coleta de alimentos e da
caça de pequenos animais. Embora
Gorodenkoff/Shutterstock
vivessem agrupados, seu nível de de-
senvolvimento comunitário era tão baixo que foram classificados como
1
“rebanhos humanos primitivos” (MANFRED, 1981, p. 45), e a principal
A Era Cenozoica é a mais razão para se manterem juntos era porque a vida fora do rebanho era
recente do Éon Fanerozoico,
da qual fazem parte também repleta de perigos impossíveis de serem enfrentados por um indivíduo
o Paleozoico e o Mesozoico. isolado.
O período Quaternário da Era
Cenozoica se iniciou há 2,6 Os sujeitos, nesse período, agiam, aprendiam e se desenvolviam
milhões de anos e estende-se por meio da imitação de modelos transmitidos pelos integrantes mais
até hoje (POLON, 2014).
velhos dos grupos. Não havia, entretanto, intencionalidade no ato de
ensinar e aprender, apenas imitavam, assimilavam e, através da repe-
tição contínua, agregavam pequenas especializações a esses atos, de-
senvolvendo e aprimorando algumas técnicas. A produção e uso do
2 2
fogo foram dominadas pelo homem somente no Período Paleolítico ,
De acordo com Polon (2014), o permitindo aos indivíduos descerem das árvores e passarem a viver em
paleolítico designa um período
da pré-história de cerca de 2,5 cavernas, utilizando o fogo para espantar o frio e os grandes animais,
milhões de anos até 10.000 além de assar seus alimentos.
anos atrás. Também é conhecido
como “período da pedra lascada”, Em todo esse longo período da história, pessoas que apresentassem
pois corresponde ao desen- algo diferente (que fugissem das características comuns dos demais) na
volvimento da habilidade dos
maioria das vezes eram exterminadas, pois representavam empecilho à
seres humanos primitivos em
construir armas e ferramentas. sobrevivência do grupo (FONSECA, 2000, p. 482), trazendo dificuldades
para suas práticas nômades e para sua defesa contra grandes animais,
além de não contribuírem para a caça e a coleta de alimentos.

No Antigo Egito, acreditava-se que as deficiências, assim como ou-


tros males graves, eram provocadas por maus espíritos, demônios ou
pecados de vidas anteriores que deviam ser pagos.

Em função dessa compreensão, os deficientes não podiam ser ex-


terminados, ao contrário, necessitavam da intervenção dos deuses por
meio da atuação de um médico-sacerdote, que era “revestido” pelo po-
der divino e especializado nos Livros Sagrados sobre doenças e suas

12 Fundamentos da educação especial e inclusiva


curas. Há que se destacar que apenas os membros da nobreza, ou en-
tão sacerdotes, guerreiros e seus familiares tinham o privilégio de rece-
ber essa assistência (SILVA, 1987, p. 79).

Entre os hebreus a aparência física era o principal fator de exclu-


são das pessoas com deficiência. No livro bíblico do Levítico, Moisés
determina que o cego, coxo, corcunda, assim como os leprosos, não
poderiam participar de seu ministério (ROSA, 2007, p. 11).

Na Grécia Antiga, o ideal de beleza e perfeição, representado por um


corpo belo, forte e rápido, era um meio de se aproximar dos deuses. Ou
seja, a perfeição era um ideal desejado por todos, levando os deficientes
a serem sacrificados ou escondidos, segregados da convivência social.

Essa atitude em relação aos sujeitos com deficiência é expressa por


Platão, na obra A República (Livro IV), na qual afirma: Filme
pegarão então os filhos dos homens superiores, e levá-los-ão
para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bair-
ro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros
que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto,
como convém (apud GUGEL, 2007, p. 63).

Diversos registros indicam o abandono ou sacrifício de crianças “de-


feituosas” em Atenas e Esparta, ações estas legitimadas pela lei e pelos
costumes da sociedade grega.

No Império Romano, também se fazia presente a ideia de exterminar O filme 300 retrata a
batalha de Thermopylae,
as crianças com alguma deficiência, conforme texto do postulado romano: na qual Leônidas, rei da
Nós matamos os cães danados, os touros ferozes e indomáveis, cidade grega de Esparta,
lidera seus guerreiros em
degolamos as ovelhas doentes com medo que infectem o reba- desvantagem contra o
nho, asfixiamos os recém-nascidos mal constituídos, mesmo as massivo exército persa,
crianças, se forem débeis ou anormais, nós as afogamos: não se liderado pelo rei Xerxes.
300 começa com uma
trata de ódio, mas da razão que nos convida a separar das partes
cena que mostra vários
sãs aquelas que podem corrompê-las. (CARVALHO, 1997, p. 15) bebês considerados in-
desejados, em função de
Apesar de os registros históricos apresentarem valiosos avanços do deficiências, sendo sacrifi-
cados, pois não serviriam
Império Romano, em especial em relação à legislação, à medicina e à
para a guerra. Leônidas
vida em sociedade, as leis romanas proibiam a morte intencional de não tem deficiências, en-
tão ele consegue viver.
crianças com menos de três anos de idade, exceto no caso dos nasci-
O filme retrata o ideal do
dos com alguma mutilação ou serem considerados de aspecto repulsi- homem grego perfeito,
guerreiro destemido,
vo. Nesses casos, a lei previa a morte ao nascer (SILVA, 1987).
forte e belo.
É verdade que nem todas as crianças eram mortas, entretanto, mui- Direção: Zack Snyder, EUA: Warner
tas eram abandonadas à própria sorte em locais públicos e acolhidas Bros. Pictures, 2006. 117min.

A trajetória de educação especial e inclusiva 13


por pessoas que viviam de esmolas, que as criavam e mais tarde utili-
Atividade 1 zavam-nas para conseguir esmolas mais significativas.

A história da Educação Especial


nos mostra comportamentos de A obra ao lado, de título “Be-
exclusão, violência, segregação e lisarius recebendo esmola”
muito preconceito relacionados retrata a prática da esmola a
às pessoas com deficiência. No pessoas com deficiência.
atual contexto social, você ainda
identifica alguma situação que Belisário (505-565) foi um
se assemelha a essa realidade? general com importante parti-
Em caso afirmativo, relate cipação na conquista de Roma,
alguma experiência sua ou então entretanto foi aprisionado acu-
um caso ou notícia que chegou a
seu conhecimento.
sado de conspiração, ficando
cego na prisão. Passou a viver
de esmolas desde então.
Essa prática se tornou um ne-
gócio em Roma, com registros
de crianças raptadas e mu-
DAVID, Jacques-Louis. Belisarius recebendo esmola. 1781. tiladas para serem utilizadas
1 óleo sobre tela, 312 x 288 cm. Palácio de Belas Artes, Lille, como pedintes.
França.

Durante o Império Romano surge o cristianismo e com ele a ideia


de caridade e amor ao próximo, trazendo um período de acolhimen-
to para os menos favorecidos e excluídos.
O cristianismo combateu, dentre outras práticas, a eliminação
dos filhos nascidos com deficiência. Os cristãos foram persegui-
dos, porém, alteraram as concepções romanas a partir do sécu-
lo IV. Nesse período é que surgiram os primeiros hospitais de
caridade que abrigavam indigentes e pessoas com deficiências.
(GUGEL, 2007, p. 1)

O cristianismo introduz o conceito de que todos são filhos de Deus,


gerando uma grande “irmandade” entre as pessoas, assim os deficien-
tes “passaram a ter alma” e as práticas de extermínio, abandono e
3 maus tratos se tornam inaceitáveis perante a moral cristã.
Buda, Maomé e Confúcio são
Assim como Jesus, representante do cristianismo, outros líderes
respectivamente fundadores 3
do budismo, islamismo e religiosos como Buda, Maomé e Confúcio pregaram a piedade e o
confucionismo. cuidado às pessoas com deficiência. O extermínio e o abandono dão

14 Fundamentos da educação especial e inclusiva


lugar ao cuidado em forma de isolamento, por meio do confinamen-
to e da exclusão das pessoas com deficiência do convívio social.

Durante a Idade Média os registros históricos demonstram um Importante


retrocesso no tratamento destinado aos deficientes. O aumento da Idade Média é um período da
população das cidades nesse período, somado à falta de infraes- história da Europa compreendido
trutura e higiene, favoreceu o aparecimento de doenças, pestes e entre os séculos V e IV. Começa
com a queda do Império Roma-
epidemias, muitas das quais foram responsáveis pelo aumento do no (476 d.C.) e estende-se até
número de pessoas com mutilações e deformidades, assim como o a tomada da capital do Império
Bizantino (1453).
nascimento de crianças com más-formações.

Entretanto, todas essas circunstâncias eram consideradas sinais


da ira celeste ou do castigo de Deus, ou então manifestações de- Filme
moníacas. Grande parte da população não tinha acesso a cuidados
médicos e era tratada por curandeiros, benzedeiros, sessões de
exorcismo e até castigos físicos empregados por inquisidores, sem-
pre influenciados pelo misticismo que cercava, e “explicava”, as defi-
ciências nesse período histórico.

É também nesse período que começam a surgir as primeiras


instituições de caridade para abrigar deficientes. Por volta do ano
de 1300, na Inglaterra, o Rei Eduardo II baixa a primeira legislação
que trata dos cuidados com a sobrevivência e, principalmente, com Para compreender um
pouco mais sobre esse
os bens das pessoas consideradas “idiotas”, isso porque havia uma
período, uma dica é
preocupação com a herança dos filhos de nobres e de famílias da assistir ao filme de 2013
O Físico. Por meio de seu
elite que possuíam deficiências mentais. Legitimado por essa lei, o
enredo, podemos ter
rei teria a incumbência de garantir que as necessidades dos deficien- uma ideia de como era a
medicina e a ciência na
tes fossem satisfeitas, em contrapartida teria direito de tomar pos-
Idade Média.
se dos bens da pessoa cuidada, utilizando apenas uma parte para
Diretor: Philipp Stölzl. Alemanha:
custear as despesas com os cuidados necessários (PESSOTTI, 1984). Universal Pictures, 2013. 150min.

Somente no século XVI (Idade Moderna) que Paracelso (1493-


1541) e Cardano (1501-1576), respectivamente, apresentam estudos
Documentário
que consideram a deficiência mental como um problema médico. No
Outra dica interessante é
livro Sobre as doenças que privam o homem da razão (1567), Paracelso assistir ao documentário
foi o primeiro a considerar a deficiência mental uma questão médica A peste negra na Idade
Média, produzido pelo
que necessita de tratamento e complacência. Cardano reitera essa History Channel Brasil.
compreensão e demonstra preocupação com a educação das pes- Disponível em: http://youtu.be/L2-
soas com deficiência (ROLIM, 2008). HoovP-Dk. Acesso em: 11 set. 2020.

A trajetória de educação especial e inclusiva 15


Biografia

Paracelso, pseudônimo de Philippus Aureolus Theo-


phrastus Bombastus von Hohenheim, foi um médico,
alquimista, astrólogo e ocultista suíço-alemão que viveu
no período denominado Renascimento, após a Idade
Média. Foi o primeiro a usar como medicamento uma
substância que não fosse nem animal e nem vegetal, no
caso ele utilizou o zinco no tratamento contra a sífilis.

Girolamo Cardano, por sua vez, foi um astrólogo, médi-


co, filósofo e matemático italiano. Na medicina alcançou
notoriedade na época também pelo uso de medicações
para a cura de enfermidades.

A partir desse estudo, algumas ações com fundamentação nas ciên-


cias médicas, anatômicas e jurídicas começam a substituir as explica-
ções místicas, de possessão demoníaca ou transcendentais.

O Renascimento foi marcado pelo progresso científico, tudo o que


antes era explicado pela ação divina passa a ter uma teoria racional e
científica para esclarecer.

Por volta de 1650 um importante, e pioneiro, estudo anatômico do cé-


rebro humano é realizado por Thomas Willis (1621-1675), o qual afirma
que a idiotia e outras deficiências eram produto de alterações na estrutura
do cérebro. Tal publicação muda a abordagem no tratamento dispensado
às pessoas com deficiências mentais, que ora tinha o viés religioso, ora
humanitário, passando a se amparar em argumentos científicos.

Biografia

Thomas Willis foi um médico inglês que ganhou


notoriedade devido aos seus pioneiros estudos em
neuroanatomia. Foi cofundador da Royal Society, impor-
tante instituição voltada à promoção do conhecimento
científico.

16 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Outros estudos começaram a surgir, e, em 1690, John Locke (1632-
Saiba mais
1704), filósofo, médico e ensaísta, publica sua obra Essary, apresentan-
Jean Itard é considerado o “pai
do uma visão naturalista da mente humana. Locke postula que a mente
da Educação Especial”. Em 1799,
humana é como uma folha em branco, que será preenchida ao longo da no Sul da França, foi encontrada,
vida pelas experiências vividas e pelo ensino recebido (PESSOTTI, 1984). por alguns fazendeiros, uma
criança abandonada em uma
A Teoria do Conhecimento e Aprendizagem de Locke influenciou floresta, provavelmente por ter
fortemente outros intelectuais e educadores, como Jean-Jacques Rous- deficiência.
seau e suas teorias educacionais, que, por sua vez, serviram como fun- Sabendo dos estudos do médico
e preocupados com a criança,
damento para Jean Itard, em 1800, realizar a primeira sistematização entregaram-na ao Dr. Itard, que
de um programa educacional para pessoas com deficiência. a acolheu e passou a chamá-la
de Victor.
Biografia Jean Itard incubiu-se da educa-
John Locke foi um filósofo inglês considerado o “pai ção de Victor e utilizou técnicas
do liberalismo”, além de defensor da liberdade e da to- de desenho para ensiná‑lo a
falar algumas poucas palavras,
lerância religiosa. Principal representante do empirismo
andar na posição vertical, comer
britânico, é um dos principais teóricos do contrato so- fazendo uso de pratos e talheres
cial. Em sua teoria da tábua rasa, defende que a mente e interagir com outras pessoas.
é uma folha em branco que é preenchida apenas com a Muitas dessas técnicas ainda são
experiência. aplicadas na educação especial
(SMITH,2008, p. 32).
Você pode conhecer um pouco
Depois da iniciativa de Itard, surgiram diversos estudos educacio- mais sobre essa fascinante re-
nais no campo das deficiências. Apesar disso, uma parcela maciça da lação através do filme: O garoto
selvagem (François Truffaut,
população ainda encarava as pessoas com deficiência de maneira pes- França – 1970).
simista, omitindo-se em relação ao atendimento e às necessidades
específicas desses indivíduos. Segundo Mazzotta (2017), esse compor-
tamento se assenta sobre a ideia de incapacitado, inválido e também
da condição imutável do deficiente.

No início do século XX, a médica italiana Maria Montessori desenvol-


veu um programa de treinamento para crianças com deficiência mental
nos internatos de Roma. A educadora enfatizava em seu método a au-
toeducação através do uso de materiais didáticos, adequando a didá-
tica às características de cada aluno. A contribuição de Montessori se
faz presente ainda hoje em escolas do mundo todo, por meio de seus
materiais didáticos manipulativos, sensoriais e lúdicos.

De acordo com Pessotti (1984), a maior contribuição de Montessori


para o atendimento educacional à deficiência mental reside no fato de
desviar o foco do ensino da aquisição de conteúdos e repertórios aca-
dêmicos, centralizando a atenção em alcançar o educando, atingir seus
desejos, seus valores e sua autoestima.

A trajetória de educação especial e inclusiva 17


Nesse mesmo período, inicia-se um movimento de propagação
Atividade 2
e surgimento de iniciativas individuais, coletivas e institucionais,
Você conhece a história do
Corcunda de Notre-Dame? É um públicas e privadas de atenção à educação especial. Apesar de ser
romance histórico do escritor um avanço, ainda se defendia a ideia do atendimento em institui-
francês Victor Hugo, publicado ções especializadas, por entender que os indivíduos com deficiência
em 1831. O enredo se passa no
século XV e retrata a história de não se enquadravam nos padrões e normas de ordem e moral da
Quasímodo, que foi abandonado sociedade.
por seus pais quando ainda era
pequeno. Outra personagem No Brasil, a primeira instituição especializada foi criada em 1926,
central é Esmeralda. Pesquise a na cidade de Canoas (RS), pelo Instituto Pestalozzi. Ofereciam aten-
respeito dessa história clássica,
se desejar assista ao filme (há dimento em regime de internato e semi-internato para crianças e
uma famosa animação de 1996) adolescentes com deficiência mental. Alguns anos depois estende-
e analise a relação entre a histó- ram seu atendimento, com a abertura de outras unidades, no Rio de
ria da Educação Especial citada
no capítulo e a realidade vivida Janeiro e em São Paulo.
por Quasimodo e Esmeralda.
Na década de 1950, por influência de movimentos organizados
Eles sofriam preconceito? Quais
as causas desse preconceito? de pais de crianças com deficiência excluídas das escolas na Europa
A história retrata segregação e e nos Estados Unidos, que criaram a National Association For Retar-
exclusão?
ded Children (NAR), surge no Brasil a Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais – APAE.

Essas iniciativas são marcos da educação especial no Brasil.


Entretanto muitos passos ainda nos separam da inclusão, social
e escolar, das pessoas com deficiência. Na sequência, trataremos
da elaboração de documentos internacionais imprescindíveis para
guiar as ações rumo ao processo de inclusão.

1.3 Declarações internacionais:


Vídeo os arautos da inclusão
Em diferentes períodos históricos, em variados contextos sociais,
nos mais diversos lugares do mundo, há uma máxima salvacionis-
ta que atribui à educação a solução da maioria dos problemas da
sociedade moderna. Nessa perspectiva, e em plena expansão da
globalização, a partir da década de 1990 uma série de encontros
e conferências mundiais ocorrem para discutir e deliberar sobre
redução de índices de analfabetismo, superação de problemas de
aprendizagem e diminuição dos índices de evasão escolar e repe-
tência, além de definir políticas educacionais a fim de diminuir as
desigualdades.

18 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Para refletir

As conferências mundiais, as discussões acerca da escolarização dos excluídos e a


definição de metas educacionais são imprescindíveis. Entretanto é necessário refletir a
respeito da responsabilidade imputada quase que exclusivamente à escola na superação
de problemas sociais historicamente enraizados.
Consta no documento de Jomtien que “[...] a educação pode contribuir para conquistar
um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero, [...] favorecer o progresso social,
econômico, a tolerância e a cooperação internacional” (UNESCO, 1990, p. 2).
Nessa perspectiva, constrói-se uma expectativa de ascensão social unicamente pela via
educacional, transformando, assim, a escola em espaço para a resolução das contradi-
ções presentes, criadas nas relações sociais da sociedade capitalista.

Em 1990, em Jomtien (Tailândia), aconteceu a Conferência Mun-


dial de Educação para Todos, financiada pela Organização das Na-
ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial.

Dessa conferência, participaram representantes de 155 gover-


nos, tendo como resultado uma declaração aprovada e assumida
por todos esses países, a Declaração de Educação Para Todos, na
qual ficou estabelecido o compromisso em assegurar educação bá-
sica de qualidade a crianças, jovens e adultos. O Brasil, além de
signatário da Declaração, era um dos nove países com maior taxa
de analfabetismo do mundo.

Uma das estratégias acordadas na Conferência de Jomtien


(UNESCO, 1990) era dar atenção especial aos grupos desampara-
dos e aos portadores de necessidades especiais, e uma das metas
o acesso universal à educação básica até 2000.

Pensando nas pessoas com deficiência, essa estratégia e meta


indicam a execução de ações que facilitem a aprendizagem e eli-
minem as desigualdades educativas impostas a esses grupos. Mas
afinal tais estratégias e metas estabelecidas em 1990 foram atingi-
das? Foram superadas? Continuemos em nosso estudo.

Outro documento internacional, a Declaração de Salamanca


(1994), foi o resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais: acesso e qualidade, realizada na Universidade
de Salamanca, na Espanha, juntamente com a ONU. Dela participa-

A trajetória de educação especial e inclusiva 19


ram 94 países e 25 organizações internacionais, tendo como pano
de fundo a Declaração de Educação para Todos, com vistas à edu-
Saiba mais
cação especial (UNESCO, 1994).
Além das declarações aqui
destacadas, existem outros Tal documento então trazia a imposição de que os países signa-
documentos de relevância para tários, entre eles o Brasil, dedicassem prioridade política e finan-
a educação especial e inclusiva. ceira à melhoria e aprimoramento de seus sistemas educacionais
Vale a pena consultá-los:
para incluírem todas as crianças, independentemente de suas dife-
Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948). Disponível renças ou dificuldades individuais (UNESCO, 1994).
em: https://declaracao1948.
Salamanca foi muito significativa, visto que, embora os docu-
com.br/%20declaracao-u-
niversal/declaracao-%20 mentos de Jomtien fizessem referências explícitas às pessoas com
direitos-humanos/ deficiência, pouco, ou quase nada, havia sido feito pelos governos
signatários para criar condições de acesso delas à escola.
Convenção sobre os Direitos da
Criança (1989). Disponível em: Nesse sentido, a Conferência de Salamanca reforçou que as
https://www.unicef.org/brazil/ crianças com deficiência devem ser incluídas na agenda de estraté-
convencao-sobre-os-direitos-
-da-crianca gias e metas da Educação para Todos. Foi assim criado um fórum
para discussão e troca de ideias e de experiências sobre como o
Carta do Terceiro Milênio (1999). desafio estava sendo enfrentado em diferentes partes do mundo.
Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/
A Declaração de Salamanca ampliou o conceito de inclusão ao
carta_milenio.pdf identificar diversos grupos que tinham seu direito à educação ne-
gado ou dificultado, incluindo as crianças:
•• Que vivem em situação de rua ou que são obrigadas a
trabalhar.
•• Que são vítimas de guerra, doenças e abusos.
•• Oriundas de comunidades isoladas e nômades.
•• Com deficiência ou com altas habilidades.

Além disso, a Declaração definiu e esclareceu a filosofia e a prá-


tica de inclusão, unificando esses conceitos, no intuito de universa-
lizá-los. De acordo com Mittler (2003, p. 44), a filosofia, os valores
e princípios da inclusão delineados na Declaração de Salamanca
resumem-se nos seguintes tópicos (UNESCO, 1994):
•• A inclusão e a participação são essenciais para a dignidade
humana e para o gozo e o exercício dos direitos humanos.
•• As diferenças humanas são normais.
•• As diferenças de aprendizagem devem ser adaptadas às ne-
cessidades da criança.

20 Fundamentos da educação especial e inclusiva


•• As escolas regulares devem reconhecer e responder à diversi-
dade de necessidades de seus alunos.
•• As escolas regulares com uma orientação inclusiva constituem
o meio mais efetivo de combater atitudes discriminatórias,
de criar comunidades em que todos se sintam bem-vindos,
de construir uma sociedade mais inclusiva e de proporcionar
educação para todos.
•• Essas escolas oferecem, além disso, uma educação efetiva
para a maioria das crianças, melhoram a eficiência e, por fim,
a efetividade do custo do sistema educacional como um todo.
•• Os governos devem adotar o princípio da educação inclusiva
como uma questão legal ou política, matriculando todas as
crianças em escolas regulares, a menos que haja razões con-
vincentes para agir de modo diferente.

Até a publicação da Declaração de Salamanca, não existia no


Brasil nenhum documento com orientações tão específicas, a isso
se deve sua importância como marco referencial para as políti-
cas voltadas à educação especial. Cabe salientar que, ainda nes-
se momento histórico, apresenta-se uma proposta de “educação
integradora”, que, na sequência dos fatos e no aprofundamento
conceitual, será substituída pelo conceito de educação inclusiva.

As macro conferências, de Jomtien e Salamanca, estão pautadas


em princípios inclusivos, que se concretizam através da recomen-
dação de oportunidades de condições educacionais para o acesso
e permanência dos indivíduos excluídos no processo educacional
por meio da escolarização formal, possibilitando assim sua inser-
ção ativa na sociedade e no mundo do trabalho.

Na mesma década, em 1999, acontece na Guatemala a Convenção


Interamericana para a eliminação de todas as formas de discrimina-
ção contra as pessoas portadoras de deficiência. No Brasil, a Declara-
ção da Guatemala foi promulgada com o Decreto n. 3.956/2001, a
qual determina que: “as pessoas portadoras de deficiência têm os
mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras
pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser subme-
tidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignida-
de e da igualdade que são inerentes a todo ser humano” (BRASIL,
2001).

A trajetória de educação especial e inclusiva 21


Nesse decreto, são abordadas ações necessárias a diversos se-
tores da sociedade para prevenir e eliminar progressivamente a
discriminação e promover a integração, por meio de:
a) medidas das autoridades governamentais e/ou entida-
des privadas para eliminar progressivamente a discrimina-
ção e promover a integração na prestação ou fornecimento
de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais
como o emprego, o transporte, as comunicações, a habita-
ção, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos
serviços policiais e as atividades políticas e de administração;
b) medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações
que venham a ser construídos ou fabricados em seus res-
pectivos territórios facilitem o transporte, a comunicação e o
acesso das pessoas portadoras de deficiência;
c) medidas para eliminar, na medida do possível, os obstácu-
los arquitetônicos, de transporte e comunicações que exis-
tam, com a finalidade de facilitar o acesso e uso por parte das
pessoas portadoras de deficiência;
d) medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de
aplicar esta Convenção e a legislação interna sobre esta ma-
téria estejam capacitadas a fazê-lo. (BRASIL, 2001)

Em 2001, ocorre mais um evento significativo para a educação


especial, o Congresso Internacional “Sociedade Inclusiva”. Realizado
em Montreal (Quebec, Canadá), teve como resultado a Declaração
Internacional de Montreal sobre Inclusão.

A Declaração de Montreal traz como avanço a ênfase da inclu-


são em sua dimensão social e não apenas como uma responsabili-
dade das instituições escolares. Firma seus princípios no artigo 1º
da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948):

Todos os seres humanos nascem livres


e são iguais em dignidade e direitos.

Com base nessa premissa, a Declaração de Montreal postula


que o acesso igualitário a todos os espaços da vida é um pré-requi-
sito para os direitos humanos universais e liberdades fundamen-
tais das pessoas, e que o esforço rumo a uma sociedade inclusiva
para todos é a essência do desenvolvimento social sustentável. Ao
firmar seus princípios, a declaração também registra a necessidade

22 Fundamentos da educação especial e inclusiva


de que sejam criadas políticas e práticas de inclusão pelos diversos
setores da sociedade (governos e sociedade civil organizada).

Todas essas iniciativas foram marcos históricos decisivos para


que a educação especial fizesse parte das pautas de discussão, afir-
mando-se em uma perspectiva de prática inclusiva. Entretanto, tais
eventos servem como indicativos de políticas e ações, e por isso é
necessário estudarmos a forma como as decisões resultantes de
tais eventos se desenhou nas práticas educativas dentro da rea-
lidade das instituições escolares. Faremos isso na próxima seção.

1.4 A função da escola na


Vídeo perspectiva da inclusão
A escola, como instituição, é um reflexo do que acontece nos
contextos histórico e social nos quais está inserida, portanto, ao
trazermos essa afirmação para a discussão da educação especial
e inclusiva, chegamos à seguinte conclusão: se há exclusão na so-
ciedade, há exclusão na escola. Até agora, estudamos sobre a tra-
jetória histórica da inclusão em diferentes períodos e sociedades,
agora iremos focar nossa atenção na inclusão dentro do ambiente
escolar.

Historicamente a escola se constituiu com o objetivo de atender


a um grupo homogêneo, haja vista as formas de organização peda-
gógica mais conservadoras, nas quais um conteúdo é ensinado da
mesma maneira, ao mesmo tempo, para um grupo de indivíduos
dos quais se espera que aprendam de forma parecida. Quem não
se adapta a esse modelo é apontado como diferente, inadequado
à proposta.

O processo de inclusão nos leva a refletir sobre as diferenças entre as pessoas.


A diversidade precisa ser respeitada e valorizada, nessa perspectiva, referir-se
às pessoas com deficiência utilizando os termos corretos é fundamental para
que o preconceito e a exclusão não tenham mais espaço na sociedade.
A partir da década de 1990 alguns termos foram utilizados em documentos
oficiais, legislações e no cotidiano para designar as pessoas com deficiência:
“portador de deficiência”, “pessoa com necessidades especiais”, “portadora de
deficiência” ou “portadora de necessidade especial”.

(Continua)

A trajetória de educação especial e inclusiva 23


Entretanto, o termo oficial e correto, que foi definido pela Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, é PcD, que significa Pessoa com
Deficiência. Com essa terminologia fica esclarecido que há algum tipo de deficiência
sem que isso inferiorize quem a tem.
No Brasil, o termo “pessoa portadora de deficiência” foi substituído por “pessoa com
deficiência” através da Portaria da Secretaria de Direitos Humanos n. 2.344/2010.
Deficiência não é algo “que se porta”, não é um objeto, a pessoa tem uma deficiência
e essa característica faz parte dela. Lembrando ainda que deficiência não é doença,
nem tão pouco significa ineficiência ou defeito, por isso não é ofensivo usar a ex-
pressão “pessoa com deficiência”.

Durante muito tempo a escola serviu apenas aos que se adaptavam.


Para alguns, a exclusão acontecia por meio das repetências consecuti-
vas e a consequente evasão, e, para muitos com deficiência, a escola
não chegava a ser uma opção, pois sabiam que não seriam aceitos.
Esse cenário, em uma sociedade excludente, era normalizado.

No Brasil, a primeira iniciativa educacional formal voltada às pes-


soas com deficiência foi a criação do Instituto dos Meninos Cegos, em
1854, no Rio de Janeiro, o qual em 1891 passou a se chamar Instituto
Benjamin Constant. Três anos mais tarde, em 1857, na mesma cidade,
foi criado o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, atual Instituto Nacio-
nal de Educação de Surdos.

A década de 1920 marca o surgimento de novas instituições educa-


cionais destinadas aos deficientes (JANUZZI, 2004), trazendo uma nova
perspectiva ao modelo até então utilizado, no qual as pessoas com
deficiência permaneciam em instituições psiquiátricas. Esse período
ainda é marcado por um modelo médico de educação, no qual esses
profissionais atuavam dentro das escolas especiais, tanto no atendi-
mento clínico quanto na orientação dos profissionais da educação.

Até a década de 1950 o Brasil contava com cerca de 40 instituições


de educação especial (MAZZOTTA, 2017), todas resultado de iniciativas
isoladas. Apenas em 1957, o Governo Federal assumiu, de maneira ofi-
cial, a responsabilidade de oferecer educação às pessoas com deficiên-
cia, ainda no modelo de escolas especiais.

Com a crescente discussão mundial sobre os direitos das pessoas com


deficiência e a democratização do acesso à educação escolar crescem
também as discussões acerca da inclusão escolar, embora, nas primeiras
manifestações, ainda receba o nome de integração escolar. A questão a

24 Fundamentos da educação especial e inclusiva


respeito dos termos integração e inclusão escolar não é meramente se-
mântica, pois a cada um, respectivamente, equivale um paradigma.

Ao conceito de integração, está ligada a ideia de preparar o aluno


para ser colocado na escola regular, o que implica um conceito de pron-
tidão, ou seja, o aluno que estiver pronto é transferido da escola espe-
cial para o ensino regular. Nessa perspectiva, é o aluno que deve se
adaptar à escola, assim o foco está no indivíduo e a ele depende adap-
tar-se, enquanto, nessa perspectiva, não há necessidade de a escola
mudar para acolher a diversidade.

Ainda na dimensão da integração, há a crença de que profissionais,


recursos, métodos e técnicas das escolas especiais precisam ser tra-
zidos para a escola regular. Ou seja, é como se o estudante com de-
ficiência apenas mudasse de espaço (da escola especial para a escola
regular), mas continuasse sendo visto como incompatível com o modelo
ofertado e, por isso, precisasse de todo o aparato para ali permanecer.

Ao paradigma da integração, está vinculada uma compreensão de


igualdade como sinônimo exato de equidade, o que acaba por negar as
diferenças e necessidades individuais.

No intuito de superar um modelo educacional que se baseia na


ideia da integração e que, portanto, não consegue incluir a todos,
é necessário fundamentar as práticas pedagógicas em um conceito
de inclusão e acolhimento à diversidade, no qual as diferenças in-
dividuais sejam valorizadas e respeitadas. Isso significa atender às
necessidades de cada um, oferecendo o que precisa para seu pleno
desenvolvimento, respeitando seu ritmo e características pessoais.

INCLUSÃO
INTEGRAÇÃO
A escola se adapta às
O aluno se adapta à escola
necessidades do aluno

Uma escola pluralista, que deseja verdadeiramente a inclusão,


acolhe a diversidade e atende ao pressuposto de “escola para to-
dos”, incluindo não apenas os estudantes com deficiência, mas to-
dos os sujeitos, independentemente de sua condição. Entretanto,
atingir esse ideal de educação exige mais do que boa vontade e com-
preensão dos conceitos.

A trajetória de educação especial e inclusiva 25


Para refletir

Embora o discurso da inclusão já esteja presente nos Projetos Políticos Pedagógicos de


todas as escolas, nem sempre está assimilado nas ações cotidianas. Não é incomum
que situações envolvendo conflitos entre estudantes ou entre estudantes e profissio-
nais sejam explicados à luz de: “ele tem problemas, realiza atendimentos, precisa tomar
remédios”. O questionamento que vem em seguida normalmente é: “mas ele precisa
estudar aqui? Não deveria estar em outra escola, adequada aos ‘problemas’ dele?”.
Diante desse contexto, como podemos contribuir para a mudança dessa realidade?

A inclusão pressupõe mudanças significativas, radicais mesmo, em


bases estruturais da escola tradicional, como currículo, avaliação e me-
todologia. É necessário, ainda, uma adequação de seus espaços físicos e
melhorarias nas condições materiais de trabalho de professores e fun-

Atividade 3 cionários, estimulando e motivando-os a inovar em suas concepções e


práticas, proporcionando atualização dos conhecimentos e insumos às
Elabore um quadro comparativo
com características da escola: capacidades crítica e reflexiva – ações imprescindíveis para garantir a
integradora / inclusiva. aprendizagem e a participação de todos, indiscriminadamente.

A inclusão ocorre na “inter-ação”, no “espaço entre”: professor e


aluno; aluno e aluno; aluno e funcionários; escola e família; aluno e
conhecimento; bem como em todas as possíveis relações existentes no
espaço escolar. Desde que tais relações se mostrem abertas à diver-
sidade, dispostas a contribuir para a construção de uma comunidade
participativa e engajada no processo de inclusão. De acordo com Car-
valho (1997, p. 34-35):
Uma escola inclusiva não “prepara” para a vida. Ela é a própria
vida que flui devendo possibilitar, do ponto de vista político,
ético e estético, o desenvolvimento da sensibilidade e da capa-
cidade crítica e construtiva dos alunos-cidadãos que nela estão,
em qualquer das etapas do fluxo escolar ou das modalidades de
atendimento educacional oferecidas. Para tanto, precisa ser pra-
zerosa, adaptando-se às necessidades de cada aluno, promoven-
do a integração dos aprendizes entre si, com a cultura e demais
objetos do conhecimento, oferecendo ensino-aprendizagem de
boa qualidade para todos, com todos e para toda a vida.

Todos os indivíduos têm características próprias, sejam objetivas


ou subjetivas, que os constituem como sujeitos de interesses, ha-
bilidades e necessidades únicos. À educação inclusiva cabe adotar
e implementar ações significativas que congreguem e valorizem as
demandas de todos.

26 Fundamentos da educação especial e inclusiva


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo procurou fazer a primeira aproximação com o tema edu-
cação especial e inclusão. Ao trazer a trajetória histórica da educação es-
pecial, marcada nos tempos mais remotos pela exclusão, discriminação
e segregação, buscamos evidenciar a importância das ações de inclusão
como garantia para a educação de todos.
Existem ainda publicações que classificam linear e cronologicamente
os períodos da educação especial marcados por aspectos como:

Exclusão Segregação Integração Inclusão

Entretanto, essa pode ser uma compreensão muito simplificada,


uma vez que infelizmente ainda existem exclusão e segregação, inclu-
sive às vezes disfarçadas de inclusão e cheias de boas intenções. Tão
pouco podemos afirmar que já tenhamos superado a ideia de integra-
ção e atingido completamente o ideal de inclusão. Mais do que apenas
movimentos cronológicos, trata-se de conceitos que permeiam ações
cotidianas, ainda que alguns mereçam ser valorizados enquanto ou-
tros, substituídos e superados.
Há de ser reiterado que, neste primeiro capítulo, a inclusão aparece de
forma a sensibilizar você, leitor, sobre sua necessária implementação em
todos os projetos educacionais. Não é um movimento simples, por isso,
ao longo da obra, o conceito será detalhado em diferentes dimensões.

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br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 3 jul. 2020.

GABARITO
1. O acadêmico deverá citar algum exemplo vivido por ele, ou então alguma situação
que tenha ficado sabendo através de notícias ou relato, como os exemplos de notícias
a seguir:

“Criança deficiente é vítima de preconceito em pizzaria no Rio, denuncia mãe”. (CRIAN-


ÇA, 2015)

“Mulher com deficiência visual sofre preconceito em praia”. (MULHER, 2017)

O objetivo da questão é que os estudantes reflitam e percebam que o preconceito


com os deficientes, infelizmente, ainda não foi completamente superado.

2. As duas personagens do romance O Corcunda de Notre Dame citadas, Quasímodo e


Esmeralda, representam grupos sociais discriminados na sociedade da época (França
do século XV). Quasímodo vivia nas torres da Catedral de Notre Dame desde os quatro
anos de idade, quando foi abandonado por seus pais em função de deformidades

28 Fundamentos da educação especial e inclusiva


físicas e surdez. Vivia isolado e segregado porque nas raras tentativas de convívio
social era apontado pelas pessoas na rua, que o chamavam de “Monstro”. Esmeralda
era uma cigana, grupo social historicamente marcado por preconceitos, por isso era
rejeitada pela sociedade, que a intitulava como feiticeira, além de ser uma mulher es-
trangeira em meio a uma sociedade pouco esclarecida. Na história, ela é condenada à
morte pelo Rei Luis XI, mas posteriormente é resgatada por Quasímodo, tornando-se
sua amiga.

3.

INTEGRADORA INCLUSIVA
• o aluno precisa se adaptar a escola; • a escola se adapta para acolher os alunos;
• baseia-se nos princípios da igualdade; • baseia-se nos princípios da equidade;
• avaliação, metodologias e currículo são • realiza adequações metodológicas, cur-
iguais para todos os alunos; riculares e avaliativas para atender às
• integra o aluno a um modelo que já necessidades dos estudantes;
está pronto. • inclui o aluno, mudando o que for preci-
so para isso.

A trajetória de educação especial e inclusiva 29


2
Educação especial e
inclusiva no Brasil
Muitos são os indicadores, as expectativas, as concepções, os
interesses e tantos outros fatores que permeiam a realidade edu-
cacional de um país. Em especial no Brasil, com suas dimensões
continentais, a confluência de todos esses referenciais precisa es-
tar muito bem delineada e sistematizada nos documentos oficiais.
Veremos neste capítulo que a Constituição Federal e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional fundamentam todas as
outras leis, resoluções, decretos e normas que dão corpo à educa-
ção especial e inclusiva em nosso país, servindo como alicerce para
que as ações locais, em diferentes regiões do país, baseiem-se nos
mesmos princípios, proporcionando uniformidade ao processo
educacional.
Portanto, é imprescindível que o educador conheça os docu-
mentos oficiais que servem de lastro à sua atuação profissional,
mostrando suas possibilidades e também seus limites.

2.1 Educação especial e inclusiva


Vídeo na Constituição de 1988
A Constituição é a mais importante de todas as leis de um país, pois
nela constam as orientações para elaboração das demais leis. Nos-
sa atual Constituição, que foi promulgada em 5 de outubro de 1988,
é conhecida como Constituição Cidadã, especialmente por ter ampliado,
em seu texto, as liberdades civis e os direitos e as garantias individuais.
Naquele contexto, as pessoas com deficiência e suas famílias ansiavam
por visibilidade e garantia de direitos, algo que não era encontrado na
realidade das leis constituintes anteriores.

30 Fundamentos da educação especial e inclusiva


De acordo com Araujo (2017), a Consti-
tuição de 1967, ao tratar do tema, referia-se
aos deficientes como “excepcionais” e pou-
co, ou quase nada, contribuía para a ga-
rantia de direitos específicos. Em 1978, foi
promulgada a Emenda Constitucional nú-
mero 12, a qual reconhecia a esse grupo
alguns direitos, visando à garantia de me-
lhoria em sua condição social e econômica.
rafapress/Shutterstock
Entretanto, a emenda ficou sempre no final
do texto constitucional e, diferentemente
de outras, nunca foi incorporada ao texto oficial, ficando segregada,
Saiba mais
assim como os deficientes naquele período.
Promulgada durante o governo
A Constituição de 1988 apresenta sua tônica, de igualdade geral, de José Sarney, a Constituição
no artigo 5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer em vigor é a sétima adotada
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país e tem como um de
seus fundamentos dar maior
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, liberdade e mais direitos ao
à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988). cidadão. Das sete Constituições,
quatro foram promulgadas por
No artigo 6º, a Constituição de 1988 apresenta a educação como assembleias constituintes, duas
um direito social, assim como “a saúde, a alimentação, o trabalho, foram impostas – uma por
D. Pedro I e outra por Getúlio
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
Vargas – e uma foi aprovada
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, pelo Congresso por exigência
1988), e define, no artigo 205: “a educação, direito de todos e dever do regime militar. Na história
das Constituições brasileiras, há
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colabo- uma alternância entre regimes
ração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, fechados e mais democráticos,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o com a respectiva repercussão
na aprovação das Cartas, ora
trabalho” (BRASIL, 1988). impostas, ora aprovadas por
assembleias constituintes.
Devemos atentar para o fato de não serem impostas condições
Para saber mais detalhes a
ou critérios quando se afirma que “todos”, sem distinção de qual-
respeito de cada uma das
quer natureza, são sujeitos de direito. A importância de se destacar Constituições, acesse o link:
a garantia irrestrita de direitos a todos os cidadãos brasileiros, in- https://www12.senado.leg.br/
noticias/glossario-legislativo/
dependentemente de sua condição, torna-se ainda mais relevante constituicoes-brasileiras. Acesso
quando consideramos o número de pessoas com deficiência apre- em: 18 set. 2020.
sentado pelo censo de 2010 do IBGE: 6,2% da população possui pelo
menos uma deficiência, correspondendo, naquele ano, a aproxima-
damente 12,4 milhões de pessoas (IBGE, 2012), que não podem ser
segregadas da lei maior da nação.

Educação especial e inclusiva no Brasil 31


Nesse tocante, a Constituição determina, no capítulo 208, inciso III,
Saiba mais que é dever do Estado ofertar educação básica, obrigatória e gratuita
A Emenda Constitucional dos 7 aos 14 anos, mediante a garantia de: “atendimento educacional
59/2009 ampliou a idade para especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
a oferta de ensino obrigatório,
regular de ensino” (BRASIL, 1988).
alterando a redação do inciso I
do capítulo 208: “I – educação Ao indicar o atendimento educacional “preferencialmente na rede
básica obrigatória e gratuita dos 4
(quatro) aos 17 (dezessete) anos regular de ensino”, o texto constitucional defende a ideia de plena in-
de idade, assegurada inclusive sua tegração e inclusão das pessoas com deficiência em todas as áreas da
oferta gratuita para todos os que sociedade, inclusive com direito à educação em escola de ensino regu-
a ela não tiveram acesso na idade
própria” (BRASIL, 2009). lar, como forma de assegurar o mais plenamente possível o direito de
Para saber mais sobre o conteú- inclusão na sociedade.
do dessa Emenda Constitucional,
É importante frisar que na lei não é estabelecida a obrigatoriedade,
acesse: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/ e sim a preferência. Isso garante que em casos específicos, mediante
emendas/emc/emc59.htm. avaliação multidisciplinar, se o ensino regular não atender às neces-
Acesso em: 18 set. 2020.
sidades específicas do estudante com deficiência, outras formas de
atendimento (escola especial, classe especial) podem garantir o acesso
Atividade 1 à educação, sem que isso signifique segregação (aprofundaremos a re-
O que significa, na prática, flexão sobre isso mais adiante).
a Constituição não estabelecer
a inclusão do indivíduo com Com base na Constituição de 1988, considerando suas determina-
deficiência na rede regular de ções e sua concepção, outras legislações foram elaboradas; com isso,
ensino obrigatoriamente, e sim
definiu-se o desenho da educação especial e inclusiva no Brasil, confor-
“preferencialmente”?
me estudaremos a seguir.

2.2 A inclusão na LDB 9.394/1996


Vídeo Se a Constituição é a carta magna de uma nação, da qual todas as
demais legislações emanam, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional é a que “marca o ritmo” da educação de um país. De acordo
com Carneiro (2010, p. 28):
diretrizes denotam o conceito de alinhamento e, no caso, de
normas de procedimento. Aplicados os conceitos à norma
educativa, infere-se que as bases remetem à função subs-
tantiva da educação organizada. Compõem-se, portanto, de
princípios, estrutura axiológica, dimensões teleológicas e
contorno de direitos. A este conjunto, podemos chamar de
funções substantivas. As diretrizes, por outro lado, invocam
a dimensão adjetiva da educação organizada. Encorpam-se,

32 Fundamentos da educação especial e inclusiva


por conseguinte, em modalidades e procedimentos para a
articulação inter e intrassistemas. As bases detêm um con-
teúdo de concepção política, as diretrizes, um conteúdo de
formulação operativa.

A LDB 9.394 de 1996 foi a terceira Lei de Diretrizes e Bases bra- Importante
sileira, antecedida pela Lei 4.024/1961 e pela Lei 5.692/1971; vale Todo profissional da educação
um breve olhar para essas duas legislações e para a forma como a deve, necessariamente, conhecer
educação especial e inclusiva foi abordada, servindo de lastro para a lei que rege seu ofício no
país. Para conhecer a Lei de
as orientações legais atuais. Diretrizes e Bases na íntegra,
acesse: http://www.planalto.
A Lei de Diretrizes e Bases 4.024/1961 trouxe as primeiras mani-
gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
festações de responsabilidades efetivamente assumidas pelo Estado Acesso em: 21 set. 2020.
com a educação especial de maneira organizada para todo o país.
Mendes (2010) alerta para o fato de a Lei 4.024 trazer, em dois arti-
gos, a expressão “educação de excepcionais”:
Art. 88 – A educação de excepcionais deve, no que for pos-
sível, enquadrar-se no sistema Geral de educação, a fim de
integrá-los na comunidade.
Art. 89 – Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos
conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de
excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento es-
pecial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções.
(BRASIL, 1971, grifos nossos)

Entretanto, ainda segundo a autora, as ações decorrentes des-


sa legislação seriam todas de responsabilidade financeira da assis-
tência social, e não de verbas educacionais. Isso demonstra que, do
ponto de vista do Estado, a educação especial ainda não era assunto
educacional.

Ainda, diante do exposto Joanna Dorota/Shutterstock

nos artigos, surgem no país


diversas instituições especia-
lizadas, de iniciativa privada e
que se constituíram como or-
ganizações filantrópicas, rece-
bendo subvenções do Estado,
o que veio a reforçar a falta de
comprometimento por parte
do ensino público.

Educação especial e inclusiva no Brasil 33


Na década de 1970, a Lei de Diretrizes e Bases 5.692/1971 reforça,
no artigo 9º, a existência das escolas especiais:
Art. 9: Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais,
os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade re-
gular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamen-
to especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes
conselhos de educação.

Alinhado ao pensamento vigente nesse período, o texto da lei ape-


nas trata da especificidade do estudante com deficiência, mas ainda
não indica nenhuma iniciativa referente à sua inclusão.

A Constituição de 1988 exigia uma nova lei com diretrizes e bases


articuladas aos princípios ali expressos, entretanto, nas palavras de
Carneiro (2010, p. 18),
a Lei 9.394/96 resultou de um parto difícil. Os interesses envol-
vidos no palco das discussões eram fortes, contraditórios e, não
raro, inconciliáveis. Do projeto inicial do Deputado Octávio Elísio
em 1988 ao substitutivo do Senador Darcy Ribeiro, afinal apro-
vado em 1996, passaram-se oito longos anos que funcionaram
como cenários fecundos de despistes de interesses. O texto, por
fim, aprovado tem o grande mérito de, abdicando das discussões
improdutivas, apresentar uma moldura de organização educa-
cional dentro de um escopo de autonomia possível.

Em relação à educação especial, é um marco relevante para uma


área até então com pouca visibilidade o fato de a nova LDB ter um
capítulo todo dedicado a ela. Em três artigos, o capítulo V, intitula-
do “Da educação especial”, caracteriza a natureza do atendimento
especializado, configurando o cenário de uma educação especial
mais ligada à educação escolar e ao ensino público, iniciando com o
artigo 58, o qual apresenta a seguinte definição:
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta
Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencial-
mente na rede regular de ensino, para educandos portadores de
necessidades especiais. (BRASIL, 1996)

Os parágrafos 1º e 2º desse artigo preveem a existência de apoio


especializado subsidiando o ensino regular, assim como a oferta de
ensino especial, seja em escolas, classes especiais ou outros serviços
especializados (realizados por meio de parceria entre as áreas de edu-
cação, saúde, assistência social e trabalho), quando não for possível
a inclusão:

34 Fundamentos da educação especial e inclusiva


§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado,
na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de
educação especial.
§2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou
serviços especializados, sempre que, em função das condições
específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas clas-
ses comuns do ensino regular. (BRASIL, 1996)

A redação da lei traz a ideia de um “cardápio” de opções que


podem, e devem, ser disponibilizadas de acordo com as caracterís-
ticas e necessidades pessoais dos estudantes, ou seja, a lei supõe a
emergência de uma escola disponível a se reinventar, que se reor-
ganiza com base em um planejamento flexível do ensino, possibili-
tando atender às singularidades de cada aluno.

Cabe salientar aqui que, ao abordar a questão de um ensino vol-


tado às características individuais, pressupondo que todas as pes-
soas têm os mesmos direitos humanos (inclusive à aprendizagem
escolar), a lei não se refere apenas aos estudantes com algum tipo
de deficiência. A “clientela” da educação inclusiva são todos que
por algum motivo têm seu processo de escolarização “dificultado”,
como aqueles oriundos de grupos étnicos marginalizados e desfa-
vorecidos, estrangeiros, refugiados e estudantes marcados por des-
conformidades sociais ou por contingências de trabalho (famílias
circenses, agricultores sem terra, boias-frias etc.). bsd/Shutterstock

O atendimento educacional especializado para essas si-


tuações tem como pressuposto uma escola flexível, disposta
e capaz de apoiar seus professores de modo a garantir
ambientes de aprendizagem em uma proposta pe-
dagógica inclusiva.

Quando a “condição específica” do aluno não


possibilitar sua inclusão no ensino regular, entram
em cena as instituições especializadas. Tratam-se
das conhecidas escolas especiais, que pres-
tam um relevante serviço à educação das
pessoas com deficiência e que, em ações
compartilhadas com os sistemas de ensi-
no, também contribuem para efetivar as
políticas de inclusão.

Educação especial e inclusiva no Brasil 35


No parágrafo 3º do mesmo artigo, consta outra importante
“novidade”, com a indicação da oferta da educação especial já na
educação infantil, contrariando uma tendência histórica no Brasil
de retardar o início da escolarização da criança com deficiência: “a
oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem iní-
cio na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil”
(BRASIL, 1996).

Pesquisas e estudos diversos comprovam a importância das esti-


mulações essenciais desde a mais tenra idade, assim como a estimu-
lação que ocorre por meio da escolarização, a qual proporciona que
quanto mais cedo a criança chegue à escola, maiores serão as chan-
ces de desenvolver potencialidades, garantindo também o direito,
à criança com deficiência, de ir à escola na mesma idade das demais.

O artigo 59 da LDB destaca como os sistemas de ensino deverão


realizar a organização específica do trabalho pedagógico para asse-
gurar a inclusão.
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos
com necessidades especiais:
I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organi-
zação específicos, para atender às suas necessidades;
II – terminalidade específica para aqueles que não puderem
atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamen-
tal, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir
em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III – professores com especialização adequada em nível médio
ou superior, para atendimento especializado, bem como pro-
fessores do ensino regular capacitados para a integração des-
ses educandos nas classes comuns;
IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efeti-
va integração na vida em sociedade, inclusive condições ade-
quadas para os que não revelarem capacidade de inserção no
trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos ofi-
ciais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habi-
lidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais
suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino
regular. (BRASIL, 1996)

O inciso I aponta para o pressuposto mais básico do efetivo en-


sino inclusivo: não basta “instalar” o aluno da educação especial no
interior da sala de aula de uma escola regular para que a inclusão

36 Fundamentos da educação especial e inclusiva


ocorra. Toda a comunidade escolar, o projeto político pedagógico e
as práticas e formas de organização do trabalho pedagógico preci-
sam estar preparados, alinhados e dispostos a trabalhar com a ideia
de uma pedagogia diferenciada, ativa e cooperativa. Como afirma
Perrenoud (2000, p. 29), “organizar as intenções e as atividades de
modo que cada aprendiz vivencie, tão frequentemente quanto pos-
sível, situações fecundas de aprendizagem”.

Outra questão central na educação inclusiva é abordada no in-


ciso III: a especialização adequada dos professores como respon-
sabilidade dos sistemas de ensino. Isso implica profissionais que
dominem conhecimentos específicos, por exemplo, em Libras, em
braile e em técnicas e metodologias voltadas às variadas deficiên-
cias, síndromes e transtornos, assim como condições para estudos e
formação continuada que subsidiem o domínio das características e
necessidades de aprendizagem de cada grupo.

Os critérios para caracterização das instituições privadas de edu-


cação especial são previstos no artigo 60:
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino esta-
belecerão critérios de caracterização das instituições privadas
sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em
educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo
poder público.
Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa
preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com
necessidades especiais na própria rede pública regular de en-
sino, independentemente do apoio às instituições previstas
neste artigo. (BRASIL, 1996)

É preciso destacar que a educação especial no Brasil se desen-


volveu por meio dessas instituições privadas sem fins lucrativos.
Em face de sua relevância para a educação especial, a lei reconhece
a necessidade de definição de critérios para que tais instituições
recebam apoio técnico e financeiro do Poder Público. Essa função
cabe aos órgãos normativos dos sistemas de ensino (conselhos de
educação).

A relevância dessas instituições também repousa no fato de que


Atividade 2
ainda é um desafio para os sistemas estaduais e municipais de ensi-
Cite três conquistas da educação
no assumir um volume significativo de estudantes que hoje depen-
especial expressas na LDB
dem delas. 9.394/1996.

Educação especial e inclusiva no Brasil 37


É necessário reiterar que essas instituições precisam ser respei-
tadas e valorizadas no seu trabalho e em sua função social e educa-
tiva, mas a diretriz principal da LDB 9.394/1996 é a utilização da rede
pública de ensino como a principal alternativa para o atendimento
de todos os estudantes.

As orientações básicas para a adequada efetivação da educação in-


clusiva estão amparadas também em outras legislações, as quais, sub-
sidiadas pela LDB, configuram os contornos da educação especial no
Brasil. Trataremos das principais diretrizes legais na próxima seção.

2.3 Diretrizes nacionais para a


Vídeo educação especial e inclusiva
A educação especial no Brasil recebeu status de modalidade de
ensino por meio da Resolução n. 2, de setembro de 2001 (Resolução
CEB/CNE n. 2/2001), a qual institui diretrizes nacionais para a educa-
ção especial na educação básica em todas as etapas e modalidades
de oferta.

A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa to-


dos os níveis, etapas e modalidades, realizando o atendimento educa-
cional especializado, disponibilizando os serviços e recursos próprios
desse atendimento e orientando os alunos e seus professores quanto
à sua utilização nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008).
A Figura 1 mostra como deve ocorrer a oferta da educação especial e
qual sua relação, como parte integrante do sistema educacional brasi-
leiro, em todos os níveis e etapas de ensino:
Figura 1
Oferta da educação especial no sistema educacional brasileiro

Sistema educacional 
wavebreakmedia/Shutterstock

Educação Superior
Educação especial
Educação básica

Ensino Médio

Ensino Fundamental

Educação Infantil

Fonte: Brasil, 2001, p. 38.

38 Fundamentos da educação especial e inclusiva


De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Importante
Educação Básica, todos os alunos com deficiência têm direito ao aten-
O objetivo desta seção não é
dimento escolar a partir da educação infantil, e o trabalho deve ser tratar do texto da Resolução
desenvolvido de maneira integrada com a família e a comunidade. Tal CEB/CNE n. 2/2001 em sua
totalidade. Faremos aqui uma
resolução vem reforçar a LDB ao reiterar a necessidade de respeitar o
análise reflexiva e sintética dos
indivíduo em suas características, como fica explícito no texto do artigo seus principais aspectos, mas
a seguir: é de fundamental importância
que você conheça o texto na
Art. 4º Como modalidade da Educação Básica, a educação especial íntegra. Para isso, acesse: http://
considerará as situações singulares, os perfis dos estudantes, as carac- portal.mec.gov.br/cne/arquivos/
terísticas bio-psicossociais dos alunos e suas faixas etárias e se pautará pdf/CEB0201.pdf. Acesso em: 18
em princípios éticos, políticos e estéticos de modo a assegurar: set. 2020.
I – a dignidade humana e a observância do direito de cada aluno de
realizar seus projetos de estudo, de trabalho e de inserção na vida
social;
II – a busca da identidade própria de cada educando, o
reconhecimento e a valorização das suas diferenças
e potencialidades, bem como de suas necessi-
dades educacionais especiais no processo de
ensino e aprendizagem, como base para
a constituição e ampliação de valores,
atitudes, conhecimentos, habilidades e
competências;
III – o desenvolvimento para o exer-
cício da cidadania, da capacidade de
participação social, política e econô-
mica e sua ampliação, mediante o
cumprimento de seus deveres e o
usufruto de seus direitos. (BRASIL,
2001)

Outra importante contribuição ocorre no


artigo 5º, no qual é feita a definição dos estudan- c
to

k
rs
tes “com necessidades educacionais especiais”. hu
tte
e/S
São classificados em três grupos, que consideram o e schk
Kn
ert
Rob
fato de qualquer indivíduo pode vir a apresentar alguma
necessidade educacional especial ao longo de seu processo de
aprendizagem, abordando assim a necessária compreensão de múl-
tiplas causas e situações diversas que envolvem esses sujeitos:
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educa-
cionais especiais os que, durante o processo educacional,
apresentarem:

Educação especial e inclusiva no Brasil 39


I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no
processo de desenvolvimento que dificultem o acompanha-
mento das atividades curriculares, compreendidas em dois
grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou
deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas
dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e
códigos aplicáveis;
III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de
aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos,
procedimentos e atitudes. (BRASIL, 2001)
Atenção
No inciso I, ao citar dificuldades Há ainda a indicação de que os sistemas de ensino devem co-
ou limitações no acompa- nhecer a demanda real de atendimento a alunos com necessidades
nhamento das atividades
educacionais especiais, condição essencial para que a oferta seja
curriculares não vinculadas a
uma causa orgânica, as diretrizes adequada à demanda de atendimento.
para a educação especial e
inclusiva chamam a atenção A Resolução CEB/CNE n. 2/2001, em seu artigo 3º, indica a im-
para a necessidade de um portância de que as escolas revejam suas propostas pedagógicas de
“olhar sensível e inclusivo” a modo a assegurar recursos e serviços educacionais especiais, orga-
uma ampla população, que, por
motivos sociais, econômicos, nizados institucionalmente para “promover o desenvolvimento das
étnicos e culturais (entre outros), potencialidades dos educandos que apresentam necessidades edu-
podem apresentar dificuldades
cacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação
permanentes ou transitórias.
Uma escola inclusiva (um básica” (BRASIL, 2001). De acordo com o inciso III do artigo 8º da
professor inclusivo) identifica e Resolução, a essa orientação se articulam ações referentes a adap-
promove estratégias de inclusão
tações curriculares e adequações metodológicas e avaliativas, assim
não só para os estudantes com
deficiência, mas para todos. como atividades de apoio em contraturno – sendo todas elas ações
A inclusão reconhece e acolhe a pedagógicas entendidas como essenciais em um processo de inclu-
diversidade.
são comprometido com educação de qualidade para todos.
III – flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o
significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, meto-
dologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e proces-
sos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais, em consonân-
cia com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência
obrigatória. (BRASIL, 2001)

Além de instituir as diretrizes para a educação especial, algumas


deliberações da Resolução, ao orientar estratégias para a organização
da inclusão escolar, contribuem para o fortalecimento do processo de
inclusão social ao propor, de modo intencional e planejado, situações

40 Fundamentos da educação especial e inclusiva


de convivência em uma sociedade múltipla e diversa, conforme o inciso
II do artigo 8º:
II – distribuição dos alunos com necessidades educacionais es-
peciais pelas várias classes do ano escolar em que forem classi-
ficados, de modo que essas classes comuns se beneficiem das
diferenças e ampliem positivamente as experiências de todos
os alunos, dentro do princípio de educar para a diversidade.
(BRASIL, 2001)

Nesse contexto, o papel do professor é fundamental para que o


processo inclusivo seja efetivo e produza aprendizagens significativas
nos estudantes que dele se beneficiam. Para tanto, de acordo com o
artigo 18 das diretrizes para a educação especial, é preciso estar ca-
pacitado, ou seja, ter recebido em sua formação (inicial e continuada)
“conteúdos sobre educação especial”. Ainda de acordo com o mesmo
artigo, a referida formação deve capacitar o professor para:
I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e
valorizar a educação inclusiva;
II – flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de co-
nhecimento de modo adequado às necessidades especiais de
aprendizagem;
III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para
o atendimento de necessidades educacionais especiais;
IV – atuar em equipe, inclusive com professores especializados
em educação especial. (BRASIL, 2001)

As diretrizes nacionais para a educação especial também trazem


orientações para as situações de estudantes com deficiências mais se-
veras e que necessitem de ambiente, atenção e cuidados diferencia-
dos, conforme segue:
Art. 10. Os alunos que apresentem necessidades educacionais
especiais e requeiram atenção individualizada nas atividades da
vida autônoma e social, recursos, ajudas e apoios intensos e con-
tínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que
a escola comum não consiga prover, podem ser atendidos, em
caráter extraordinário, em escolas especiais, públicas ou priva-
das, atendimento esse complementado, sempre que necessário
e de maneira articulada, por serviços das áreas de Saúde, Traba-
lho e Assistência Social. (BRASIL, 2001)

Além dos casos que exigem o trabalho específico da escola especial,


o artigo 9º afirma que as “escolas podem criar, extraordinariamente,
classes especiais” para atender estudantes “que apresentem dificulda-

Educação especial e inclusiva no Brasil 41


des acentuadas de aprendizagem ou condições de comunicação e sina-
lização diferenciadas dos demais alunos e demandem ajudas e apoios
intensos e contínuos” (BRASIL, 2001). A recomendação para frequentar
a classe especial cabe ao resultado de uma avaliação psicoeducacional
e multidisciplinar, sendo essa classe sempre uma alternativa em caráter
temporário e transitório, como determina o parágrafo 2º do artigo 9º:
§ 2º A partir do desenvolvimento apresentado pelo aluno e das
condições para o atendimento inclusivo, a equipe pedagógica da
escola e a família devem decidir conjuntamente, com base em
avaliação pedagógica, quanto ao seu retorno à classe comum.
(BRASIL, 2001)

Alguns dos principais aspectos das diretrizes nacionais da educação


especial mostrados aqui denotam a importância desse documento no
sentido de orientar o planejamento e a organização das escolas e dos
sistemas de ensino em todo o país com base em fundamentos comuns
que buscam promover a equidade da aprendizagem para todos.

2.4 A organização escolar e dos sistemas


Vídeo de ensino para a inclusão
A inclusão demanda planejamento e organização dos sistemas de
ensino e das escolas, que, com base nos marcos normativos estabeleci-
dos nas legislações, precisam definir ações educacionais consistentes,
as quais pressupõem:
igualdade de oportunidades, respeito às necessidades indivi-
duais, melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem
(respostas educativas das escolas), melhoria das condições de
trabalho dos educadores, maior participação das famílias e da
sociedade em geral, remoção de barreiras para a aprendizagem
e para a participação... são outros princípios que devem ser se-
guidos para colocar-se em prática o que se concebe como siste-
mas educacionais inclusivos. (CARVALHO, 2004, p. 79)

A escola inclusiva precisa ser flexível em sua organização pedagógi-


ca, a fim de apoiar seus profissionais e criar ambientes de aprendizagem
com base na promoção da cultura da diversidade, no desenvolvimento
de redes de apoio aos estudantes e na adoção de abordagens efetivas
de ensino, nas quais são identificados os interesses, as habilidades, as
motivações e as limitações dos educandos.

42 Fundamentos da educação especial e inclusiva


De acordo com o artigo 7º da Resolução CEB/CNE n. 2/2001, “o aten-
dimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser
realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou
modalidade da Educação Básica”. Cabe salientar que essa determina-
ção não consiste apenas na permanência física desses alunos junto aos
demais, mas representa a necessária re-
visão de concepções e paradigmas, a fim
de que as escolas e os sistemas de ensi-
no criem condições para desenvolver o
potencial de todos,
independente de suas condições
físicas, intelectuais, sociais, emo-
cionais, linguísticas ou outras,
crianças deficientes e bem dota-
das, crianças que vivem nas ruas
e que trabalham, crianças de po-
pulações distantes ou nômades,
crianças de minorias linguísticas,
étnicas ou culturais e crianças
de outros grupos ou zonas des-
wavebreakmedia/Shutterstock
favorecidos ou marginalizados.
(UNESCO, 1994, p. 17)

Nesse contexto, é necessário pensarmos nas responsabilidades e na


função específica de dois cenários: a escola e os sistemas educacionais
(federal, estadual e municipal). Embora articulados, cada um precisa
cumprir o seu papel para garantir que os sistemas educacionais criem
escolas inclusivas, pois ações isoladas e desconectadas de qualquer um
prejudicam a fluidez do trabalho: uma escola não consegue promover
a inclusão sem o necessário apoio político, administrativo e financeiro
do sistema que a mantém, assim como projetos ou determinações dos
sistemas educacionais não têm continuidade sem a adesão das esco-
las. Como destaca Carvalho (2004, p. 77):
a letra das leis, os textos teóricos e os discursos que proferimos
asseguram os direitos, mas o quê os garante são as efetivas
ações, na medida em que concretizam os dispositivos legais e
todas as deliberações contidas nos textos de políticas públicas.
Para tanto, mais que prever há que prover recursos de toda a
ordem, permitindo que os direitos humanos sejam respeitados
de fato.

Educação especial e inclusiva no Brasil 43


Refletindo sobre a inclusão no ambiente escolar, temos o seguin-
te questionamento: qual é a função essencial da escola? As diversas
respostas para essa questão passam por diferentes concepções e ma-
neiras de compreender e interpretar o mundo atual. A escola já serviu
para conduzir e aproximar os indivíduos do conhecimento, entretanto
essa função isolada não é mais suficiente para o atual contexto.

A educação escolar vai além da transmissão de informações e con-


teúdos curriculares; a Constituição Federal e a LDB indicam o exercício
da cidadania como uma das finalidades da educação ao estabelecer
uma prática educativa inspirada nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana, tendo como finalidade o pleno desen-
volvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.

Entretanto, para que essa finalidade se efetive, é necessário com-


preendermos as contingências do contexto contemporâneo. O pro-
cesso de globalização, entendido já há alguns anos como o novo e
complexo movimento das relações entre nações e povos, tem gerado
consequências na concentração da riqueza, tendo como resultado o
aumento da desigualdade e a exclusão social, assim como a violação
de direitos humanos, em especial para as classes menos favorecidas.

A escola inclusiva tem a função de fazer resistência e fomentar a


discussão acerca das questões de identidade, justiça social, superação
das desigualdades e democratização de oportunidades para todos os
educandos. Isso implica a inserção de práticas pedagógicas intencio-
nais voltadas aos seguintes pilares: cidadania; conhecimento dos direi-
tos fundamentais; enfrentamento do preconceito e da discriminação;
respeito, reconhecimento e valorização de toda a diversidade humana.
Para isso, devemos buscar ações de promoção, proteção, prevenção,
defesa e reparação dos direitos de todos os indivíduos.

Estabelecer práticas inclusivas efetivas no dia a dia das escolas re-


quer desconstrução de ideias pré-concebidas, além de aquisição de
novas concepções e posicionamentos, o que só é possível por meio
da formação continuada. Como indica Freire, ao chamar nossa aten-
ção para a necessária consciência do “inacabamento do ser humano”
(1999, p. 55). Essa perspectiva nos remete à necessidade de constante
formação, no sentido de busca por aperfeiçoamento, e à aprendizagem
permanente, pressuposto da formação continuada.

44 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Outro aspecto verificado é que a formação continuada realizada no
interior da escola, aliada às iniciativas de formação continuada propos-
tas pelos sistemas de ensino, direciona mais precisamente o processo
de formação às expectativas dos sujeitos a quem se destina, dando voz
e vez ao professor sem transformá-lo em mero receptor de informa-
ções. Muitos estudos defendem a importância de conceder aos profes-
sores o poder de tomar nas mãos sua própria formação e às escolas a
capacidade de avaliar as necessidades de formação de seu corpo do-
cente, o que não significa descomprometer os sistemas, e sim dar voz
e vez aos principais interessados.

Considerando a dinâmica do trabalho com a inclusão, presente diaria-


mente nas ações e relações que se estabelecem nas escolas, a formação
continuada para esse fim se mostra necessária por meio de diferentes
estratégias: em momentos pontuais, previamente definidos e planejados
(como em reuniões pedagógicas), e também no cotidiano escolar, em con-
versas e trocas de ideias informais sobre uma atividade que se pretende
fazer, ou no acompanhamento diário realizado, no qual se verifica alguma
prática digna de reflexão e orientação.

Outra importante estratégia de formação é a criação de parcerias e


intercâmbios entre as escolas regulares e as especiais, que acumularam
ao longo de sua atuação exclusiva na educação especial um repertório
de experiências bem-sucedidas e conhecimentos muito relevantes que
não podem ser ignorados. Atividade 3
De que maneira a formação do
Alarcão (1998) se refere a essa formação continuada como um pro-
professor (inicial e continuada)
cesso permanente no tempo, ajustada às necessidades dos respectivos pode contribuir para o processo
atores e construtiva de saberes e da pessoalidade na interação com de inclusão dos estudantes com
deficiência?
seus pares.

São ações aparentemente “simples”, mas não de pouca importân-


cia, pois geram novos comportamentos, assim como outras formas de
compreender e interpretar o cotidiano.

Aos sistemas de ensino, compete a elaboração e proposição de po-


líticas de inclusão que subsidiem e preparem (em todos os aspectos
necessários) a escola e os professores para trabalharem com a ideia de
pedagogia diferenciada, compreendendo que os alunos não aprendem
de uma única maneira.

Essa perspectiva supõe reorganizações pedagógicas que não traba-


lham com situações padronizadas de ensino, assim como a realização

Educação especial e inclusiva no Brasil 45


de processos avaliativos fundamentados no princípio da educabilidade,
o que significa também reorganizar currículos, metodologias e recursos
educativos. Para tanto, os sistemas de ensino (municipal, estadual e fede-
ral) precisam mobilizar todos os recursos existentes, considerando que
a realidade presente na maioria das escolas – turmas lotadas, professores
sobrecarregados com carga horária extenuante, infraestrutura precária –
tende a comprometer e dificultar o processo de inclusão.

Importante

O volume de adequações e suportes para a inclusão vai além da dimensão


pedagógica. Os recursos necessários são muito numerosos; observe:
• Estudantes cegos precisam de impressões em braile, de instrumentos
para produzir a escrita em braile e de profissionais habilitados para
realizar a leitura e correção do que esses alunos produzem, assim
como computadores com softwares sintetizadores de voz.
• O intérprete de Libras é essencial para acompanhar o estudante surdo.
• Professores itinerantes, especializados no atendimento às deficiên-
cias, são necessários para prestar apoio às escolas periodicamente,
realizando orientações sobre adequações curriculares, metodológicas
e avaliativas necessárias.
• As escolas precisam de mobiliário adaptado para acomodar de maneira
adequada e confortável estudantes com deficiências físicas e motoras.
• Os espaços escolares necessitam de todo o aparato de acessibilidade,
como áreas amplas e livres para circulação, faixas com textura e cor
diferenciadas e banheiros (portas, vasos sanitários, torneiras, barras)
e ambientes (parquinhos, bibliotecas, laboratórios de informática
etc.) adaptados
• A utilização de tecnologias assistivas para comunicação, locomoção e
demais necessidades é essencial.
A lista é mais extensa; os itens apresentados são exemplos muito resumidos
de todo o aparato necessário para a inclusão responsável e efetiva.
A escola, isoladamente, não consegue prover esses recursos, pois não tem
sequer autonomia financeira para tanto. Por isso, as políticas de inclusão im-
plementadas pelos sistemas de ensino são muito importantes.

É imprescindível a adoção de políticas públicas que articulem di-


ferentes setores e instituições de modo a garantir apoios e suportes
pedagógicos, laborais, instrumentais e procedimentais para que o

46 Fundamentos da educação especial e inclusiva


estudante com deficiência avance no seu processo de aprendiza-
gem. Alcançar práticas ideais de inclusão não é uma tarefa fácil e
exige de escolas e sistemas o compromisso com os princípios demo-
cráticos da educação enquanto direito de todos, assim como ações
comprometidas com o exercício da cidadania e cientes de seu poder
de emancipação, sem perder de vista a crença no potencial humano
de que todos podem aprender, ainda que de diferentes formas e
trilhando caminhos diversos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Desenhar o corpo” de um sistema educacional está longe de ser uma
tarefa fácil. O primeiro desafio é definir estratégias objetivando garantir o
direito de se beneficiar de educação de qualidade, direito este assegura-
do a todos. O que segue é ainda mais desafiador: transformar em ações o
que está expresso nos textos das leis.
De quem é a responsabilidade pela construção da educação inclu-
siva? Das leis? Das políticas educacionais? Dos sistemas de ensino?
Das escolas? Dos professores? A conclusão que encontramos ao final
deste capítulo é que as ações articuladas, aquelas que integram “as
letras das leis” ao que acontece no cotidiano do chão da escola, são as
que produzem respostas educativas alinhadas aos princípios da inclu-
são, que juntos escrevem a história da educação especial e inclusiva
no Brasil.

REFERÊNCIAS
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VEIGA, I. P. A. (org.). Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas: Papirus, 1998.
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2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/51/edicao-1/direito-
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DF, 24 jan. 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
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BRASIL. Emenda Constitucional n. 59, de 11 de novembro de 2009. Diário Oficial da União,

Educação especial e inclusiva no Brasil 47


Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 nov. 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm. Acesso em: 28 ago. 2020.
BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
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Acesso em: 27 ago. 2020.
CARNEIRO, M. A. LDB fácil: leitura crítico compreensiva, artigo a artigo. Petrópolis: Vozes,
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necessidades educativas especiais. 1994. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/
arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 15 jul. 2020.

GABARITO
1. Todos os estudantes são únicos e têm características e peculiaridades, por isso, ao
não definir como obrigatória a matrícula dos estudantes com deficiência no ensino
regular, e sim como condição preferencial, a Constituição colabora para o respei-
to à individualidade e às necessidades específicas dos estudantes com deficiência.
Assim, em casos específicos, com a devida avaliação multidisciplinar e aceitação da
família, é possível buscar outras formas de atendimento especializados, como as
escolas especiais.

2. Existem várias conquistas da educação especial expressas na LDB 9.394/1996; po-


demos citar algumas: caracteriza a natureza do atendimento especializado, prevê a
existência de apoio especializado subsidiando o ensino regular, inclui a oferta da edu-
cação especial já na educação infantil, orienta como os sistemas de ensino deverão
realizar a organização específica do trabalho pedagógico para assegurar a inclusão e
trata da especialização adequada dos professores como responsabilidade dos siste-
mas de ensino.

48 Fundamentos da educação especial e inclusiva


3. O professor precisa se capacitar por meio de conteúdos sobre educação especial,
de modo que consiga: perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos
e valorizar a educação inclusiva; flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas
de conhecimento de maneira adequada às necessidades especiais de aprendiza-
gem; avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento
de necessidades educacionais especiais; atuar em equipe, inclusive com professores
especializados em educação especial, que poderão subsidiá-lo com materiais e ade-
quações necessárias.

Educação especial e inclusiva no Brasil 49


3
Dificuldades e transtornos/
distúrbios de aprendizagem
A prática pedagógica bem-sucedida é aquela que tem como
resultado a aprendizagem efetiva do educando. Pesquisas sobre
atualizações pedagógicas, metodologias inovadoras, estratégias e
intervenções variadas têm como objetivo a melhoria da qualidade
da aprendizagem. Somado a tudo isso, é imprescindível o trabalho
atento de todos os profissionais da educação a cada estudante,
com foco em suas características e habilidades para aprender, as-
sim como em possíveis dificuldades.
Nesse contexto, é fundamental que o professor conheça as
principais características das dificuldades e dos transtornos de
aprendizagem para identificar sinais de alerta e também saber
diferenciá-las de dificuldades escolares, podendo, assim, definir
as intervenções e os encaminhamentos necessários. Neste capí-
tulo, abordaremos os principais conceitos, as características das
dificuldades específicas de aprendizagem e dos transtornos/
distúrbios mais comuns no espaço escolar.

3.1 Dificuldades e transtornos de


Vídeo aprendizagem: conceitos básicos
A reflexão apresentada neste texto exige que compreendamos
alguns conceitos, e todos derivam daquilo que entendemos como
­indivíduo. Para a Filosofia (ABAGNANO, 2007, p. 640), todo indiví-
duo é “singular e irrepetível”; partindo dessa premissa, fica eviden-
te que todos somos diferentes, pois cada um de nós, com nossa
história, experiências, constituição física, herança genética, forma

50 Fundamentos da educação especial e inclusiva


um organismo biológico e social inédito, “singular e irrepetível”.
Essa diversidade estará sempre presente em todos os ambientes
onde grupos de pessoas convivem, em especial na escola.

Sem perder de vista os aspectos da individualidade, daquilo que


costumamos denominar como “o jeito de cada um”, é preciso con-
siderar que existem características comuns à espécie humana, al-
guns padrões que são comuns a todas as pessoas – por exemplo,
todos os indivíduos da espécie humana, ao nascer, expressam-se
por meio do choro quando sentem fome ou outro desconforto.

Portanto, todos nós temos a nossa dimensão individual, mas


fazemos parte de um grupo biológico, de uma espécie, que deter-
mina muitas das nossas características, às quais estão delineados
alguns padrões de desenvolvimento, que são “mudanças sistemáti-
cas ordenadas, padronizadas e relativamente permanentes” (SHA-
FFER, 2005, p. 2) que ocorrem nos indivíduos desde a concepção
até a morte.

Dentre essas características, é preciso destacar que vários es-


tudos sobre a cognição e o funcionamento psíquico mostram que
nascemos com uma tendência à aprendizagem, e é isso que move
a engrenagem do desenvolvimento desde o início de nossa vida:
aprendemos a mamar, a chorar quando temos alguma necessida-
de, a falar e inúmeras outras aprendizagens que nos ajudam em
nossa sobrevivência.
Logo, a aprendizagem e a construção do conhecimento são
processos naturais e espontâneos na nossa espécie e, se não
estão ocorrendo, certamente existe uma razão, pois uma lei
da natureza está sendo contrariada. (BOSSA, 2010, p. 11)

Esses conceitos são necessários para compreendermos que


cada educando tem seu jeito, único, individual, que precisa ser re-
conhecido e valorizado, mas que há um “padrão” de desenvolvi-
mento a ser considerado. Não se trata de estabelecer um modelo
desejável e classificar os estudantes entre os que se encaixam ou
não nesse modelo, e sim de conhecer as características do desen-
volvimento para proporcionar estratégias que potencializem esse
desenvolvimento para todos. Aqui, começaremos a discutir os ter-
mos que dão título a este texto: dificuldades e transtornos.

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 51


Na rotina das escolas, nas conversas sobre o desempenho aca-
dêmico dos estudantes, são bastante comuns afirmações e ques-
tionamentos dos seguintes tipos:
•• Já tentei de tudo, mas ele não consegue ler, será que esse
aluno tem alguma dificuldade?
•• Não se preocupe, isso é apenas uma dificuldade.
•• Talvez o neurologista possa identificar qual é a dificuldade.
•• Ele está apresentando alguns transtornos, mas acredito que
logo irá superá-los.

Os termos dificuldade, distúrbio e transtorno são frequentemen-


te utilizados como sinônimos para designar desempenho escolar
que não atinge os objetivos de aprendizagem esperados.

Os autores que tratam desse tema não têm uma resposta unâ-
nime a respeito de conceitos e terminologias, pois alguns apresen-
tam diferenças conceituais entre dificuldades de aprendizagem
e distúrbios/transtornos de aprendizagem. Spratt (2006) ressalta
que existem várias definições para os distúrbios de aprendizagem
e que não há um acordo universal sobre essa questão.

França (1996), por sua vez, defende que os termos dificuldade,


distúrbio e transtorno designam situações diferentes. Segundo o
autor, a dificuldade não tem como foco apenas o estudante e o seu
processo de aprendizagem, havendo, também, fatores relaciona-
dos ao professor e ao processo de ensino, no qual estão envolvidos
aspectos emocionais e sociais. Para ele, a dificuldade é algo pon-
tual, não permanente, e deve ser acompanhada por especialistas
de pedagogia, fonoaudiologia e psicologia.

Segundo Olivier (2012), os distúrbios ou transtornos, diferen-


temente das dificuldades de aprendizagem, estão relacionados a
uma patologia, ou seja, envolvem comprometimentos neurológicos
das funções cerebrais, sendo, nesses casos, fundamental o acom-
panhamento clínico (neurologista e/ou psiquiatra) aliado ao traba-
lho pedagógico para o favorecimento da aprendizagem.

Em contrapartida, muitas pesquisas apontam uma multiplicida-


de de fatores e causas relacionadas às dificuldades de aprendiza-
gem em geral, sendo difícil uma classificação muito rígida. Assim, o
termo dificuldades de aprendizagem:

52 Fundamentos da educação especial e inclusiva


refere-se não a um único distúrbio, mas a uma ampla gama
de problemas que podem afetar qualquer área do desem-
penho acadêmico. Raramente elas podem ser atribuídas a
uma única causa: muitos aspectos diferentes podem pre-
judicar o funcionamento cerebral, e os problemas psico-
lógicos dessas crianças frequentemente são complicados,
até certo ponto, por seus ambientes doméstico e escolar.
As dificuldades de aprendizagem podem ser divididas em
tipos gerais, mas uma vez que, com frequência, ocorrem em
combinações – e também variam imensamente em gravida-
de -, pode ser muito difícil perceber o que os estudantes
agrupados sob esse rótulo têm em comum. (SMITH; STRICK,
2007, p. 15)

Embora aprender seja uma atividade “natural”, inerente ao ser


Livro
humano, trata-se de uma ação que mobiliza milhares de conexões
neurais e uma complexa atividade mental, envolvendo aspectos
cognitivos incluindo pensamento, percepção, emoções, memória,
motricidade, mediação, conhecimentos prévios etc. Por esse moti-
vo, compreender o que envolve alguma dificuldade relacionada ao
baixo desempenho escolar não é tarefa simples.

Isso se deve ao fato de que as dificuldades de aprendizagem


envolvem diversos fatores. Elas podem ser resultado de problemas
Compreender como a
fisiológicos (comprometimentos neurológicos, por exemplo), des- criança aprende e se de-
nutrição, doenças de diferentes naturezas ou então decorrentes senvolve é essencial para
o trabalho do professor.
de fatores de ordem social ou cultural, como problemas familia- Na obra Como a criança
res, estresses ou traumas vividos, ambiente com pouca motivação pequena se desenvolve, a
autora mostra, por meio
e estímulo para o desenvolvimento, baixa autoestima. Junto a isso de estudos da neurop-
tudo, temos ainda situações de tédio na sala de aula, estratégias e sicologia, como ocorre o
desenvolvimento do cé-
metodologias inadequadas e pouco estimulantes, que também po- rebro da criança. Aborda,
dem contribuir para os problemas de aprendizagem. Nas palavras também, os aspectos da
plasticidade cerebral, bem
de Smith e Strick (2007, p. 20): como as conexões neu-
Irregularidades no funcionamento cerebral contam apenas rais e o quanto a infância
é um período propício
parte da história. O desenvolvimento individual das crianças
para a aprendizagem.
também é maciçamente influenciado por sua família, pela es-
cola e pelo ambiente da comunidade. Embora supostamente
LIMA, E. S. São Paulo: Inter
as dificuldades de aprendizagem tenham uma base biológica,
Alia, 2009.
com frequência é o ambiente da criança que determina a gra-
vidade do impacto da dificuldade.

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 53


Ainda no contexto das divergências e confluências em relação à
definição dos conceitos, um ponto importante é a diferença entre di-
ficuldade de aprendizagem e dificuldade escolar. A primeira rela-
Figura 1
Relação entre dificuldades ciona-se a problemas na aquisição e no desenvolvimento de funções
escolares e de aprendizagem cerebrais envolvidas no ato de aprender; já no que diz respeito à se-
k
stoc gunda, podemos englobar desde a adaptação ao ambiente e à pro-
u tter
Sh
S/
IC
ON posta institucional, as metodologias e estratégias de avaliação, até
E

o ambiente sociocultural em que a criança vive (OHLWEILER,


LIN

Dificuldades
escolares 2006).

A dificuldade escolar se manifesta em problemas emocio-


nais causados por fatores do ambiente e externos ao educando,
ou mesmo de práticas pedagógicas inadequadas; em países menos
desenvolvidos, ela afeta até 40% da população escolar (­
CIASCA,
ck 1995). Já os distúrbios e transtornos de aprendizagem são dificulda-
sto
t ter
hu des que surgem como resultado de fatores internos e atingem
/S
ev

cerca de 6% dos educandos.


sh
ay
Mlll

Assim, podemos concluir que nem todo educando com di-


Kiri

ficuldade escolar tem algum transtorno ou alguma dificulda-


Dificuldades e transtornos
de de aprendizagem. O devido diagnóstico deve ser realizado
de aprendizagem
por uma equipe multidisciplinar, que envolve, além de especialistas
da área pedagógica, profissionais da área médica, da fonoaudiologia
e da psicologia. Cada profissional, em seu campo de atuação e fun-
Fonte: Elaborada pela autora
damentado em instrumentos e métodos de avaliação adequados, vai
contribuir para um diagnóstico responsável e bem subsidiado.
Atividade 1
Ao professor cabe reconhecer as características dos educandos e
É possível definir conceitos
que diferenciem dificuldades, reorganizar a prática pedagógica de modo a privilegiar a aprendiza-
transtornos e distúrbios de gem de todos, atendendo às suas necessidades – ações que, além de
aprendizagem? Explique sua
promover a inclusão, podem trazer melhorias efetivas nos quadros
resposta.
de dificuldades de aprendizagem.

3.2 Transtornos específicos da aprendizagem


Vídeo De acordo com a Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), os distúrbios ou
transtornos de aprendizagem recebem a denominação específica
de “transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades
escolares” (CID 10 – F81) (OMS, 2013) e subdividem-se da seguinte
forma:

54 Fundamentos da educação especial e inclusiva


F81.0 Transtorno específico de leitura
F81.1 Transtorno específico da soletração
F81.2 Transtorno específico da habilidade em aritmética
F81.3 Transtorno misto de habilidades escolares
F81.8 Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares
F81.9 Transtorno não especificado do desenvolvimento das habilidades escolares

Entretanto, como já abordado na seção anterior, não existe um


acordo universal sobre a definição dos transtornos de aprendizagem.
As causas multifatoriais e as diferentes manifestações comportamen-
tais quase individuais impedem que as classificações sejam rígidas.
Nessa perspectiva, outro manual internacional de diagnóstico de doen-
ças, o Diagnósticos de Transtornos Mentais V (DSM) (APA, 2014), de-
fende a ideia de que os indivíduos que apresentam esses transtornos
podem ter ­déficits em mais de uma área de aprendizagem e subdivide
os transtornos específicos de aprendizagem em:
terstock
Shut
us/
vik
sla
che
Vya

Transtorno
Transtorno Transtorno da expressão
da leitura da matemática escrita

Qual é o impacto dessas classificações médicas no trabalho peda-


gógico envolvendo estudantes com transtornos específicos de apren-
dizagem? O professor precisa conhecer as características próprias de
cada transtorno, pois é por meio do seu olhar sensível, no acompa-
nhamento pedagógico contínuo e sistemático, que ele identificará si-
nais de alerta nos estudantes que apresentam dificuldades escolares
e que, mesmo após a diversificação de estratégias metodológicas, da
adequação de atividades, da proposição de recursos e materiais didáti-
cos diversos, não conseguem progredir em seu processo de aquisição
da aprendizagem.

Após um intenso investimento pedagógico, cabe ao professor in-


dicar que esse estudante deve ser encaminhado para uma avaliação
multiprofissional a fim de investigar possíveis transtornos específicos
de aprendizagem. A seguir, temos um organograma que pode auxiliar
a ação do professor.

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 55


Figura 2
Exemplo de organograma para ação do professor na educação especial

Crianças que estão apresentando dificuldades para aprender

Intervenções escolares
• Adaptações metodológicas
• Adequação das atividades propostas
• Retomada de conteúdos utilizando outras estratégias
• Intensificação de oferta de materiais concretos e manipuláveis
• Proposição de trabalhos em duplas e em grupos, com estudantes de diferentes
níveis de aprendizagem, motivando a interação
• Proposição de trabalhos em duplas e em grupos, com estudantes com as mesmas
dificuldades, motivando a busca de hipóteses
• Intervenções do professor de maneira individual ou em pequenos grupos

Crianças que superam Crianças que permanecem


as dificuldades iniciais com as dificuldades iniciais

Provável transtorno de
Provável dificuldade escolar,
aprendizagem, é necessário
não há necessidade de
encaminhar para avaliação
atendimento especializado
especializada

Fonte: Elaborado pela autora.

Além disso, saber o que caracteriza os distúrbios específicos de


aprendizagem e as dificuldades que eles produzem fornece subsídios
às equipes docentes no planejamento do trabalho pedagógico adequa-
do para os estudantes que possuam esse diagnóstico, proporcionando
sua inclusão por meio de oportunidades de aprendizagem que sejam
efetivas e respeitem suas necessidades.

Nesta seção, abordaremos três transtornos específicos de aprendizagem:


•• com prejuízo na leitura: dislexia;
•• com prejuízo na expressão escrita: disgrafia ou disortografia;
•• com prejuízos na matemática: discalculia.

A dislexia é compreendida como um transtorno de aprendizagem,


sendo consequência de um déficit particular na linguagem (FUKUDA;

56 Fundamentos da educação especial e inclusiva


CAPELLINI, 2012). Primeiro surge a di-
ficuldade na fala, que é resultado de
problemas no processamento fonoló-
gico, e isso se reflete nos processos de
leitura.

O indivíduo disléxico tem a inteli-


gência preservada, inclusive pode ter
inteligência superior em outras áreas
(fato que é bastante comum), mas
apresenta dificuldades de decodifica-
ção da palavra, o que causa impacto no Carla Francesca Castagno/Shutterstock
desempenho ortográfico e na fluência
da leitura. Além das dificuldades de leitura, o disléxico tem problemas
na proficiência da escrita e da soletração (SNOWLING, 2012).

Segundo Snowling (2012), a dislexia é um distúrbio neurológico com Importante

uma provável base genética e afeta de 5 a 8% da população, com maior Processamento fonológico
é a habilidade de analisar a fala
incidência sobre os meninos.
oral e identificar desde partes de
É bastante comum que crianças com dislexia apresentem proble- palavras e sílabas até palavras
individuais em uma sentença.
mas relacionados a atenção, memória, organização e disciplina, o que Também está relacionado à
é denominado comorbidades. Por esse motivo, constantemente são ta- capacidade e à velocidade de
xados como desatentos, preguiçosos, desinteressados, bagunceiros e armazenar, manipular e resgatar
os componentes sonoros da
indisciplinados. palavra.
Na escola, os principais sinais apresentados pelos educandos dislé- Para facilitar a compreensão, va-
mos a um exemplo: a alteração
xicos são: no processamento fonológico
•• produção escrita, muitas vezes, incompreensível tanto para o lei- gera dificuldade em realizar
atividades com rimas (palavras
tor como para o estudante que a produziu; que terminam com o mesmo
•• dificuldade no reconhecimento e na identificação de letras; som) e aliterações (palavras que
começam com o mesmo som)
•• confusão na grafia das letras (por isso, é importante o trabalho porque a ação de identificar uma
com a letra maiúscula de imprensa, com grafia mais simples), sílaba ou parte de uma palavra
para poder relacioná-la a outra
•• dificuldade em relacionar grafemas com fonemas (ou seja, a é um desafio para pessoas com
sílaba escrita com o som equivalente); esse tipo de dificuldade.
•• repertório linguístico pequeno;
•• escrita de palavras com supressão, adição ou repetição de le-
tras ou sílabas;
•• dificuldades para analisar sequência de sons na palavra lida
(ler “cava” no lugar de “vaca”);

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 57


•• tentativas de adivinhar palavras no momento da leitura, sem
Filme
utilizar habilidades de análise, reconhecimento e decodifica-
ção das letras e sons;
•• leitura sem compreensão, especialmente nos casos de senten-
ças mais longas, quando o esforço fica todo voltado para a de-
codificação das letras e sílabas, sem apreensão do significado
da mensagem lida;
•• afirmações sobre não gostar de ler, evitando a leitura.

Vale ressaltar que muitas dessas dificuldades listadas aparecem


O filme indiano Como
estrelas na Terra retrata a
em algum momento no processo de apropriação da leitura da maio-
história do menino Ishaan, ria das crianças, uma vez que, como afirmam Schirmer, Fontoura e
com características de
aprendizagem “diferen-
Nunes, (2004) durante o processo de aquisição do sistema escrito, a
tes”, que fazem com criança se depara com erros e acertos que são questões implícitas no
que seja marginalizado
na escola e punido pela
processo de aprendizagem.
família. Seu destino muda A leitura e a escrita envolvem habilidades cognitivas complexas,
quando o professor de
Arte Nikumbh consegue
além de capacidade de reflexão sobre a linguagem no que se
compreender a razão da refere aos aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos e prag-
dificuldade de aprendi- máticos. As crianças, ao iniciar a alfabetização, já dominam a
zagem do menino, que
linguagem oral, sendo capazes de iniciar o aprendizado da es-
é diagnosticado com
dislexia, e se esforça crita. Porém, sabe-se que existem regras mais específicas e pró-
para motivá-lo e mostrar prias da escrita, havendo, então, maiores dificuldades no seu
à escola e à família as aprendizado. (SCHIRMER; FONTOURA; NUNES, 2004, p. 99)
suas necessidades e o
seu valor. O filme aborda
Por isso, para que se faça a devida e sensata distinção entre dificul-
temas como a tolerância
e o aprendizado com a di- dade escolar e transtorno de aprendizagem, é necessário o constante
ferença, além de mostrar,
acompanhamento do professor por meio de intervenções pedagógi-
ao longo da trama, ações
que exemplificam práticas cas citadas anteriormente.
de exclusão, integração e
inclusão escolar. O reconhecimento desses sinais de alerta é fundamental para um
Direção: Aamir Khan. Índia: trabalho pedagógico inclusivo, que constantemente observe e acom-
Aamir Khan Productions; PVR panhe o processo de aprendizagem de todos, definindo ações e inter-
Pictures, 2007.
venções adequadas.

O papel do professor é imprescindível nesse processo, pois na


grande maioria dos casos os sinais de um possível diagnóstico de
dislexia acontecem somente após o ingresso da criança na esco-
la e com a indicação do professor. Assim, o docente precisa estar
­adequadamente preparado, com informações e conhecimentos teó-
ricos e práticos adquiridos em formações iniciais e continuadas que
subsidiem sua análise.

58 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Figura 3
Disléxicos famosos que se destacaram em diferentes áreas da ciência e da arte

Albert Einstein Leonardo DaVinci Charles Darwin Walt Disney

Outras personalidades conhecidas com dislexia são: Ágatha Christie, Pedro Cardoso,
Tom Cruise e Woopy Goldberg.

A intervenção pedagógica junto a crianças com sinais de disle-


xia deve ocorrer ainda nos primeiros anos de alfabetização, assim
como o diagnóstico, que é feito por meio de avaliações realizadas
por uma equipe de profissionais de neurologia, psicologia, pedago-
gia e fonoaudiologia.

Um diagnóstico adequado orienta o trabalho pedagógico para a


organização de ambientes, bem como práticas pedagógicas inclu-
sivas, e oferece aos professores informações para o ajuste de es-
tratégias, métodos, conteúdos e formas de avaliação, de maneira
a proporcionar melhores condições de desempenho acadêmico. O
apoio educacional especializado – por meio de atendimento psico-
pedagógico, fonoaudiologia e outros que se fizerem necessários –
também é essencial para a melhoria da aprendizagem do indivíduo
com dislexia.

Outro transtorno específico da aprendizagem relacionado à ex-


pressão escrita é a disgrafia ou disortografia. Ela se manifesta na
forma de escrita quase indecifrável, podendo comprometer tanto o
traçado das letras quanto a disposição e a sequência da utilização
das letras nas tentativas de escrita. Dependendo das características,
subdivide-se em disgrafia motora e disgrafia perceptiva.

Na disgrafia motora, a criança consegue falar e ler, entretanto


apresenta dificuldade na coordenação motora fina durante a escri-
ta de letras, palavras e números, isto é, ela vê a figura gráfica, mas

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 59


não consegue fazer os movimentos para escrever. Já na disgrafia
perceptiva, a criança não consegue fazer a devida relação entre o
símbolo gráfico (letra) e seu respectivo som, o que explica a escrita
com trocas, omissões e supressões de letras.

A disgrafia, nas palavras de Kiguel (1976, p. 46), “caracteriza-se


por erros na transformação do som no símbolo gráfico, e uma ‘per-
turbação’ quanto ao uso correto dos grafemas e quanto à manuten-
ção da individualidade das palavras”.

Algumas características motoras são comuns nos estudantes dis-


gráficos. Conforme Coelho (2012), são elas:
•• caligrafia com traçado irregular, fora do padrão, com formato
irreconhecível;
•• letras muito grandes (macrografia) ou muito pequenas
(micrografia);
•• pressão inconstante do lápis sobre o papel, gerando traça-
do muito forte e grosso ou extremamente suave, com pouca
marca;
•• traçado trêmulo e irregular;
•• escrita demasiadamente lenta ou muito rápida;
•• espaçamento irregular entre letras ou palavras;
•• escrita com muitas rasuras, borrões, correções excessivas, di-
ficultando a leitura;
•• texto desorganizado.

É muito provável que a disgrafia esteja relacionada a distúrbios


da motricidade fina e da motricidade ampla, assim como transtor-
nos de coordenação visomotora e da organização de lateralidade e
direcionalidade (CINEL, 2003).

Isso se explica porque, para que a criança se aproprie dos meca-


nismos próprios da escrita (traçado, tamanho das letras, direção da
escrita, espaçamento, organização etc.), é necessário também saber
orientar-se no espaço (motricidade ampla), ter consciência corporal
e das possibilidades motoras de seu corpo, assim como ter capaci-
dade de individualizá-los, ou seja, diferenciar o controle de movi-
mentos mais amplos daqueles mais precisos e detalhados, como os
realizados durante a escrita (motricidade fina) para pegar o objeto
riscante e produzir marcas (escrever, riscar, traçar, pintar).

60 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Na prática

Algumas atividades realizadas com crianças pequenas na educação infantil são importantes para a aqui-
sição da consciência corporal e para desenvolver a motricidade fina.
Nos exemplos a seguir, as crianças têm à sua disposição papéis grandes, espaço amplo para desenhar,
rabiscar, marcar o papel de maneira livre e com movimentos amplos, às vezes envolvendo o movimento
da articulação toda do braço. A evolução entre desenhar utilizando o movimento amplo até chegar à in-
dividualização das articulações da mão e realizar desenhos e marcas menores é resultado de um processo
de representação mental do gesto necessário para o traço.

ChameleonsEye/Shutterstock

WeronikaH/Shutterstock

Sharomka/Shutterstock
Exemplo 1 Exemplo 2 Exemplo 3

Práticas como essas, que precisam ser constantes na educação infantil, colaborarão para o desenvolvi-
mento do percurso gráfico da criança na evolução de sua motricidade fina e no uso organizado do espaço
no papel (folhas, cadernos etc.).

Fatores escolares também podem contribuir como causa da disgra-


fia, uma vez que estratégias de ensino inadequadas – como instruções
rígidas, inflexíveis e forçadas nas primeiras etapas de aprendizagem
– podem acarretar alterações de caligrafia, assim como expectativas
de objetivos inalcançáveis para a etapa de desenvolvimento da criança
(envolvendo exigências de qualidade e rapidez excessivas).

A disgrafia é menos frequente do que a dislexia. A leitura é nor-


mal no caso da disgrafia, pois o déficit estará presente na capacida-
de de produzir textos escritos, que terão estrutura e organização
muito simples, com erros gramaticais, ortográficos e de pontuação
muito acentuados, com lenta evolução e progressão, distante de
uma produção de texto com a devida argumentação, coerência e
fluência de ideias.

É necessário ressaltar, novamente, a importância de o professor


fazer um acompanhamento muito próximo dos estudantes disgrá-
ficos. Esses indivíduos têm a capacidade cognitiva preservada, sem
nenhum prejuízo na retenção de informações ou conteúdos acadêmi-

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 61


cos; entretanto, se forem avaliados apenas com base em instrumen-
tos de registro escrito, é muito provável que sejam classificados como
“ineficientes”. Assim, estratégias pedagógicas de inclusão, nesse caso,
­significam proporcionar ao estudante outras formas para se expressar,
além da escrita.

Além das dificuldades motoras que envolvem o “desenho” da escri-


ta, algumas manifestações são bastante comuns na escrita dos indiví-
duos com disgrafia:

Trocas de letras com sons Escrita com características da


semelhantes: oralidade:

•• Carosa (CARROÇA) •• Leiti (LEITE)


•• Traviceiro (TRAVESSEIRO) •• Boua (BOA)
•• Girasou (GIRASSOL) •• Muinto (MUITO)

Junção ou separação
Omissões de letras:
inadequada de palavras:

•• Quete (QUENTE) •• Em bora (EMBORA)


•• Fizes (FELIZES) •• Ques tava (QUE ESTAVA)
•• Cobina (COMBINAR) •• Derepente (DE REPENTE)

Inversão da posição das letras


Acréscimo de letras: na sílaba

•• Vece (VEZ) •• Secova (ESCOVA)


•• Maricia (MARCIA) •• Protao (PORTÃO)
•• Baraco (BARCO) •• Tratro (TRATOR)

Inversão espacial das letras

•• Cedola (Cebola)
•• Camqo (Campo)
•• Abiar (Adiar)

62 Fundamentos da educação especial e inclusiva


No entanto, o aspecto mais marcante e que tem maior significado
como indicador para a disgrafia envolve as trocas e as substituições
relacionadas a traços de sonoridade das letras, como nos exemplos a
seguir:

•• Jurasgo (CHURRASCO) •• Susdo (SUSTO)


•• Ticholu (TIJOLO) •• Tata (DATA)
•• Fiachanto (VIAJANDO) •• Dampa (TAMPA)
•• Majugato (MACHUCADO) •• Ninquem (NINGUÉM)
•• Acora (AGORA) •• Conviar (CONFIAR)
•• Calinha (GALINHA) •• Vada (FADA)
•• Gadeado (CADEADO) •• Confide (CONVITE)

Schirmer, Fontoura e Nunes (2004) indicam que a principal in-


tervenção pedagógica feita com estudantes disgráficos deve ser o
estímulo às habilidades de leitura, pois, por meio da leitura cons-
tante, eles têm condições de fixar a grafia correta das palavras. Os
autores orientam, ainda, que as intervenções devem ser realizadas
sempre de maneira lúdica, despertando o prazer em ler e escrever.

Realizar atividades de escrita de pequenos textos com clara


função social também é uma estratégia interessante; por exemplo,
produzir bilhetes, recados, convites, listas de compras, ingredien-
tes de uma receita, mostrando para o estudante a importância da
escrita legível para que o interlocutor (leitor) compreenda a mensa-
gem registrada. É pertinente lembrar a importância em se utilizar a
letra maiúscula de imprensa, com traçado mais simples.

Também são necessárias atividades pictográficas (pintura, de-


senho, modelagem) e escriptográficas, utilizando lápis e papel para
melhorar os movimentos e a posição gráfica; também podem ser
realizados pontilhados e traçados estimulando o sentido da escrita
(da esquerda para a direita, de cima para baixo), mas sem repeti-
ções excessivas e cansativas para a criança.

O atendimento especializado por meio de sessões de psicope-


dagogia, pedagogia especializada e fonoaudiologia, associado às
intervenções escolares adequadas, é fundamental para o estudan-
te disléxico.

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 63


A atuação do professor é fundamental no enfrentamento das
dificuldades resultantes da disgrafia. Segundo Coelho (2012), o
professor deve estabelecer um bom relacionamento com a crian-
ça, apresentando incentivos e reforços positivos constantes e fa-
zendo-a perceber que a sua presença é relevante para auxiliá-la
em suas necessidades, uma vez que a criança disgráfica tende a
buscar o distanciamento e não querer expor seus erros com medo
das críticas frequentes.

Além daqueles que afetam a leitura e a escrita, outro transtor-


no específico da aprendizagem é a discalculia, definida como “um
distúrbio de aprendizagem que interfere negativamente com as
competências de matemática de alunos que, noutros aspetos, são
normais” (REBELO, 1998, p. 230).

A discalculia tem como origem causas multifatoriais, como um


comprometimento específico do sistema nervoso central, além de
poder estar associada a fatores emocionais, ambientais e compor-
tamentais. De acordo com Coelho (2012, p.13), existem também ex-
plicações de base genética apontando para a determinação de um
gene responsável pela transmissão dos transtornos relacionados
aos cálculos. Embora existam registros significativos de anteceden-
tes familiares de crianças com discalculia que também apresentam
dificuldades na matemática, os estudos sobre hereditariedade/ge-
nética carecem ainda de aprofundamento e comprovação.

Na cultura escolar, ter dificuldades com o aprendizado da ma-


temática é algo significativamente comum. Talvez por esse moti-
vo, a discalculia parece “incomodar” menos, como se fosse uma
dificuldade mais “naturalizada”. Entretanto, pesqui-
sas apontam que os distúrbios em matemática
têm sido tão frequentes quanto os transtornos
de linguagem, leitura e escrita (HALLAHAN;
­KAUFFMAN; PULLEN, 1994). Nesse sentido,
Coelho (2012, p. 13) afirma:
Indicadores estatísticos dizem-nos que
a maior parte dos alunos revela pro-
blemas na aprendizagem desta disci-
plina. Muitos deles não compreendem
Veja/Shutterstock

os enunciados dos problemas, outros


demoram muito tempo a perceber se
precisam de somar/dividir/multiplicar

64 Fundamentos da educação especial e inclusiva


e alguns não conseguem concluir uma operação aparentemente
simples. É importante referir, no entanto, que essas dificuldades
podem não estar associadas a fatores como a preguiça/desmoti-
vação/desinteresse (como alguns pais/professores julgam), mas
relacionadas com a discalculia.

A presença muito próxima do professor é imprescindível, pois iden-


tificar o distúrbio é fundamental para o desenvolvimento acadêmico
do estudante – isso porque, em algumas situações, a naturalização da
dificuldade em matemática pode levar ao fracasso e ao abandono es-
colar, sem ao menos haver a consciência de que existia um transtorno
de aprendizagem envolvido.

As crianças com discalculia normalmente apresentam desempenho


cognitivo superior nas funções verbais quando se compara estas com
as habilidades nas funções não verbais. Isso explica a característica
percebida por alguns professores e explicitada em afirmações como
“ele responde muito bem oralmente, parece compreender, mas não
consegue sistematizar os cálculos”. São estudantes com um ritmo de
prontidão mais lento das atividades, que muitas vezes usam os dedos
para contar, repetem a contagem várias vezes e, entre concluir a con-
tagem e registrá-la no caderno, esquecem, confunde-se e precisam rei-
niciar. Em sua maioria, são ansiosos e têm receio de demonstrar suas
dificuldades para evitar a reprovação de colegas, professores e pais.

Segundo Rebelo (1998), a discalculia pode ser responsável por difi-


culdades, como:
•• inverter os números (números espelhados);
•• confundir números e letras (E por 3, S por 5);
•• compreender e memorizar conceitos matemáticos, regras e/ou
fórmulas;
•• sequenciar números (antecessor e sucessor) ou em dizer qual de
dois números é o maior;
•• diferenciar esquerda/direita e direções (norte, sul, leste, oeste);
•• ter fluência em tarefas que impliquem a passagem de tempo (ver
as horas em relógios analógicos);
•• realizar tarefas que implicam lidar com dinheiro;
•• resolver operações matemáticas por meio de um problema pro-
posto (podem ser capazes de compreender o cálculo isolado:
“3 + 2 = 5”, mas incapazes de resolver “João tinha 3 balas e mais 2
de seu amigo. Quantas balas João tem no total?”);

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 65


•• realizar correspondência um a um (por exemplo: entregue uma
bala para cada amigo da sala, quantas balas você entregou?);
•• conservar quantidades (por exemplo: para realizar a operação 3 + 5,
a criança não precisa iniciar a contagem do 1, ela escolhe um dos
fatores para iniciar e incluir a quantidade do outro fator, ou seja, ela
conserva uma das quantidades contando a partir dali);
•• reconhecer símbolos matemáticos;
•• compreender os princípios do sistema de numeração decimal
(unidade, dezena, centena, unidade de milhar e assim por diante).

Intervenções pedagógicas adequadas auxiliam muito na melhora


dos quadros de discalculia. Recomenda-se que os professores sem-
pre incluam, em seus planejamentos, atividades que demonstrem
o uso social da matemática. Por exemplo, ao trabalhar a sequência
de números, pode-se fazer uma pesquisa sobre o número/tamanho
do calçado dos alunos e realizar a ordenação dos números sequen-
cialmente, comparando-os com os respectivos tamanhos (o calçado
menor é representado por um número menor, o calçado maior é
representado por um número maior).

Outra estratégia é propor atividades com diferenciados níveis de


dificuldade entre a turma, de modo que o estudante com discalculia
consiga resolvê-los progressivamente, sem reforçar sentimentos de
frustração e incapacidade, muito comuns nessas crianças.

Recomenda-se, também, utilizar constantemente jogos e materiais


concretos, possibilitando a manipulação por parte da criança, que pre-
cisa observar, tocar, mexer, agrupar, classificar, contar para chegar aos
resultados de maneira mais significativa e com compreensão eficaz.

De acordo com Coelho (2012), deve-se permitir o uso da calculadora


e também a consulta da tabuada, pois essas crianças têm dificuldades
relacionadas à memória; portanto, elas podem ter capacidade de re-
solver um exercício (realizar o raciocínio correto), mas serem incapa-
zes de efetuar as operações matemáticas necessárias para concluir a
atividade.

Vale ressaltar que o desenvolvimento da criança é constante e as di-


ficuldades manifestadas em um período ou ano letivo podem vir a ser
superadas com as devidas intervenções e, assim, minimizadas no ano
seguinte. Ou seja, com o apoio adequado, muitas dessas dificuldades
podem permanecer, mas de modo leve (SACRAMENTO, 2008).

66 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Smith (2001) alerta para a relação entre os transtornos de apren-
dizagem e a autoestima das crianças, uma vez que as dificuldades en- Atividade 2
frentadas causam sérias consequências emocionais, e a criança deixa Cite e explique três possíveis
intervenções pedagógicas para
de crer em si mesma e em suas possibilidades de sucesso. Isso se ma-
auxiliar o aluno com discalculia.
nifesta, por vezes, em atitudes de resistência à aprendizagem, além de,
frequentemente, a criança deixar de tentar realizar uma atividade por
medo do fracasso.

Independentemente do distúrbio específico de aprendizagem de-


monstrado pela criança, a associação de diferentes atendimentos – es-
colares, clínicos, terapêuticos – é fundamental para a evolução do seu
processo de desenvolvimento. A escola e seus profissionais têm papel
fundamental na inclusão desses estudantes, devendo acolhê-los, per-
ceber suas necessidades e proporcionar as adequações necessárias
para auxiliá-lo em sua trajetória acadêmica.

3.3 Transtorno do déficit de


Vídeo atenção e hiperatividade
O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um
problema ocorrido no desenvolvimento de aspectos relacionados à
atenção, à impulsividade e à conduta governada por regras (obediên-
cia, autocontrole e resolução de problemas), que se inicia nos primei-
ros anos do desenvolvimento.

A criança hiperativa demonstra dificuldades de concentração, em


prestar atenção e controlar emoções; assim, por não terem medo de
situações de perigo, são crianças que geralmente assumem o papel
de líder. O hiperativo apresenta algumas características que se so-
bressaem, como ter dificuldade de pensar antes de agir e traba-
lhar com objetos por um tempo mais longo. Frequentemente,
são inquietas com as mãos e os pés e dificilmente conseguem
permanecer sentadas por longo período. Outros aspectos
das crianças hiperativas são: falar excessivamente, pa-
recendo não ouvir o que está sendo dito; mudar de
atividade constantemente, interrompendo
o que estavam fazendo; deixar ativida-
des incompletas; e, na hora de brincar
im
tm

ou jogar, ter dificuldade em esperar


ph
ot
o/
Sh

sua vez.
ut
te
rs
to
k c

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 67


Esses comportamentos surgem em muitas situações, bem como
Filme
em diferentes contextos, e são mantidos durante toda a vida. Na
idade adulta, podem permanecer na forma de dificuldade de con-
centração e impulsividade, assim como para organizar e controlar
tarefas e o tempo. O adulto hiperativo normalmente tem capacida-
de reduzida para desenvolver um trabalho de modo independente
e sem supervisão.

O TDAH tem como origem uma alteração neurológica, um desvio


no padrão de funcionamento do lobo frontal, parte do cérebro rela-
cionada às funções executivas.
O filme Mommy, premiado
drama canadense, narra O que são e para que servem essas funções? De modo geral,
a história de Diane, uma
podemos afirmar que elas impedem a criança de ser capaz de
mulher que ficou viúva há
pouco tempo e que luta guiar o seu próprio comportamento em direção a uma meta
para criar o filho Steve, desejada, ou seja, “ela pode querer chegar, mas há algo que
um adolescente com a impede”, e esse algo é a incapacidade de autocontrole. De
TDAH, muito imprevisível
e às vezes violento. O
fato, as crianças com TDAH são incapazes de controlar seus
jovem conta com o amor impulsos. Esse transtorno também é chamado “transtorno
de sua excêntrica mãe executivo de autocontrole”. (BONET; SORIANO; ­S OLANO,
e o carinho de sua nova
2008, p. 4, grifo do original)
vizinha, Kyla, que ajuda a
cuidar de mãe e filho no
enfrentamento dos seus
Compreender que o indivíduo com TDAH não age de maneira
conflitos. impulsiva e sem controle porque deseja, e sim devido a fatores
Direção: Xavier Dolan. Canadá: neurológicos que prejudicam esse sistema – ou seja, trata-se de um
Les Films Séville; Metafilms;
comportamento involuntário – é fundamental para incluir e aceitar
Sons of Manual, 2014.
o estudante.
Assim como o cego não enxerga, as crianças com TDAH não
captam as consequências de sua própria conduta, e isso não
significa que elas se esquivem de cumprir as suas responsa-
bilidades. Por isso, muitas vezes assumem riscos desneces-
sários, parecem descuidadas, não têm medo do futuro e são
incapazes de fazer previsões. Elas também não aprendem
com a experiência e tropeçam centenas de vezes na mesma
pedra. (BONET; SORIANO; SOLANO, 2008, p. 6)

O TDAH pode se manifestar de maneiras diferentes e em inten-


sidades diversas de um sujeito para o outro. Entretanto, algumas
características são mais comuns:
•• excesso de atividade;
•• dificuldades para focar a atenção;
•• dificuldade no controle dos impulsos;

68 Fundamentos da educação especial e inclusiva


•• dificuldade no autocontrole;
•• não planejam suas atividades;
•• buscam satisfação imediata;
•• dificuldade na coordenação dos movimentos (tropeçam e
caem com frequência);
•• relações sociais problemáticas;
•• dificuldades de aprendizagem como consequência das demais
características.

Apesar de muitos sintomas do TDAH manifestarem-se desde os


primeiros anos de vida, é normalmente no início da fase escolar que
o transtorno vem à tona, já que, na escola, surgem situações que
exigem atenção, disciplina e atividade mental prolongada. Mesmo
sem qualquer rebaixamento cognitivo ou dificuldade específica de
aprendizagem, é comum que a criança com TDAH apresente dificul-
dades escolares.
Os professores queixam-se de que a criança interrompe, não se
senta quieta, não presta atenção, não termina seus trabalhos ou
não escuta. Incapaz de planejar ou de aderir a um curso de ação,
a criança logo começa a decair em seu desempenho escolar. Tal-
vez ainda mais doloroso, a criança é deixada para trás também
socialmente. As crianças com o transtorno têm dificuldade para
aprender regras de jogos e são impacientes quanto ao reveza-
mento. Com frequência, elas verbalizam impulsivamente qual-
quer coisa que lhes venha à mente, sem considerar o efeito de
suas palavras. Os companheiros tendem a considerá-las rudes,
intrometidas e insensíveis. Quando convites de aniversário são
distribuídos e cartões de festas trocados, a criança com TDAH
logo percebe o que os companheiros sentem a seu respeito. A
rejeição social, juntamente com o baixo desempenho escolar,
é uma boa receita para a perda da autoestima. Muitas dessas
crianças começam a ver a si mesmas como perdedoras em uma
idade precoce. (SMITH; STRICK, 2007, p. 38)

Embora algumas características predominantes do TDAH sejam


comuns na maioria das crianças com o transtorno, esse “estilo de
comportamento inadequado” pode se manifestar de maneira dife-
rente em cada indivíduo, com intensidades e variações de compor-
tamento em cada um. Em relação a isso, as pesquisas sobre o TDAH
(KIGUEL, 1976; OLIVEIRA, 1995) indicam três subtipos:

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 69


terstock
Shut
us/
vik

sla
che
TDAH com TDAH com
Vya

predomínio predomínio TDAH de tipo


de déficit de hiperativo- combinado
atenção -compulsivo

Atualmente, o termo hiperatividade passou a ser amplamente utilizado,


tornando-se quase sinônimo pejorativo para designar toda criança com
comportamento muito ativo. Por se tratar de um transtorno, seu diagnós-
tico deve ser feito por profissionais da área médica, normalmente neuro-
logistas. Na obra Aprendendo com crianças hiperativas (2008), as autoras
apresentam um quadro com orientações valiosas para pais, professores
e profissionais que atuam com crianças, sejam elas hiperativas ou não:

Importante
Nem todos os hiperativos se movimentam muito, e nem todos aqueles que se movimentam muito são hiperativos.
As crianças hiperativas se movimentam mais nos momentos em que mais precisariam ficar quietas.
Nem todas as crianças que se distraem demais são hiperativas, e nem todos os hiperativos têm dificuldades em prestar atenção
o tempo todo.
Quando as crianças hiperativas estão realizando uma tarefa que exige que elas parem e pensem, é exatamente o momento em que
apresentam mais dificuldades de atenção, pois todos os estímulos que as rodeiam invadem a sua percepção.
Essas crianças, entretanto, são capazes de permanecer atentas em outras atividades que não exigem tanto esforço mental,
como assistir a um filme, jogar videogame etc.
Nem todas as crianças que têm dificuldade de autocontrole e agem impulsivamente são hiperativas, mas todos os hiperativos
agem impulsivamente.
PRINCIPAIS DIFERENÇAS:
1. As crianças hiperativas ainda não adquiriram um determinado autocontrole quando chegam a uma idade em que se
espera que isso tivesse ocorrido.
2. Elas não sabem adequar o seu comportamento às situações: falam da mesma maneira com o pai e com um policial. O
comportamento adotado em casa é o mesmo apresentado em outros lugares, como um consultório médico etc.
3. Quando têm que resolver um problema, surgem diferentes dificuldades:
• indicam apenas uma única alternativa, ou seja, fazem a primeira coisa que vem à cabeça;
• geralmente essa alternativa não é adequada;
• se é solicitado que reflitam sobre outras opções, estas são sempre variações da primeira;
• não aprendem com os próprios erros.
Fontre: Adaptado de Bonet; Soriano; Solano, 2008, p. 12.

70 Fundamentos da educação especial e inclusiva


O desafio da escola é identificar esses estudantes, caso a família já
não o tenha feito, e buscar estratégias pedagógicas adequadas, assim
como fornecer formação e orientação à equipe docente e a todos os
profissionais da escola de modo a estabelecer práticas uniformes en-
tre todos os envolvidos – de nada adianta o professor compreender
as consequências do transtorno e outro profissional classificar o aluno
como mal-educado.

O esclarecimento sobre o TDAH é o primeiro passo para a adequa-


da inclusão escolar do estudante, evitando julgamentos e classificações
sobre seu comportamento. É necessário que essas crianças sejam aco-
lhidas e que os profissionais envolvidos acreditem em seu potencial,
pois isso ajudará a estabelecer objetivos possíveis para esses alunos,
auxiliando-os a encontrar maneiras de enfrentar suas limitações.

Algumas ações são necessárias para auxiliar na melhora do foco de


atenção e no controle da impulsividade e da hiperatividade:

Controlar os estímulos: manter a criança perto do professor para


que os estímulos desnecessários fiquem fora de seu campo de visão;
pedir que ela repita o que deve fazer e constantemente trazê-la de vol-
ta ao foco da atividade, evitando que se disperse.

Deixá-la se movimentar: programar pequenos períodos de des-


canso para que a criança possa levantar e se movimentar, sem que isso
atrapalhe a execução das atividades; pedir que ela leve um material em
outra sala ou que entregue um recado podem ser estratégias interes-
santes para permitir a necessária movimentação que está contida.

Ajudá-la no autocontrole: estabelecer rotinas e combinados obje-


tivos; sempre fornecer feedback do que ela está conseguindo atingir e
o que precisa melhorar.

Ordens claras: as instruções devem ser breves, objetivas e conci-


sas. Sugere-se o uso de autoinstruções ajudando-a a dirigir e contro-
lar o seu próprio comportamento, o que pode ser feito por meio de
desenho; por exemplo, uma sequência que indique retirar o caderno
e o estojo de lápis da mochila, posicionar os materiais sobre a mesa e
iniciar as tarefas – ordens simples, mas que podem significar um longo
caminho para uma criança que dispersa sua atenção facilmente.

Definir e repetir as normas: definir normas com toda a turma e


retomá-las constantemente, recordar as normas com a criança com
TDAH de maneira individual e sem exposições, principalmente antes

Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 71


das situações em que ela normalmente perde o controle (antes de sair
para o recreio, antes de iniciar um jogo etc.).

Dividir as tarefas: as crianças com TDAH tendem a ser ansiosas,


por isso, planejar o que vai acontecer e dividir isso em pequenas etapas
de acordo com o tempo de atenção da criança é essencial para evitar
cansaço, desânimo e frustrações. Não falar tanto em metas, valorizar
mais a atividade presente.

Utilizar marcadores de tempo: crianças com TDAH normalmente


não têm consciência sobre tempo, então instruções como “vou dar mais
tempo para você terminar” são inúteis. O tempo deve ser marcado por
um objeto real e visível; pode-se, por exemplo, ter um relógio na sala
e mostrar a hora em que está iniciando a atividade, desenhando outro
no quadro para demonstrar o tempo destinado para a realização.

Aumentar a motivação: propor atividades mais atraentes e dinâ-


micas e sempre reforçar os avanços e conquistas, por menores que
sejam.

Valorizar as condutas adequadas e ignorar as inadequadas: im-


plantar um sistema de pontos, no qual a criança vai conquistando pon-
tuação pelo cumprimento de normas e combinados, pode ser uma boa
estratégia; quando ela realizar comportamentos inadequados, lembrá-
-la de quando conseguiu “agir certo” para que perceba que é possível.

Ampliar sua capacidade de reflexão: estimular constantemente a


criança a esperar e pensar antes de agir; sugere-se colocar no ambien-
te da sala de aula, ao alcance de sua visão, sinais visuais relacionados
a essas atitudes. Pode-se pedir que a criança “pense em voz alta”, que
conte ao professor como pretende resolver uma determinada situação
para que possa receber intervenção e instruções.

É pertinente lembrar que essas estratégias devem ser realizadas


diariamente, porque, embora o estudante com TDAH tenda a melhorar
alguns comportamentos com a intervenção constante, a inexistência
Atividade 3 delas fará com que os avanços conquistados sejam perdidos.

Um aluno com TDAH pode Também é importante destacar que apenas a intervenção escolar,
ser um grande desafio para o na maioria das vezes, não é suficiente para minimizar as consequências
convívio em sala de aula. De que
maneira a definição de regras e do TDAH. A parceria com a família e, em alguns casos, a combinação
normas claras e objetivamente de acompanhamento psicoterapêutico e tratamento medicamentoso
definidas podem auxiliar esse orientado por profissional médico habilitado são fundamentais para o
estudante?
controle dos sintomas.

72 Fundamentos da educação especial e inclusiva


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Garantir uma prática pedagógica inclusiva não é tarefa simples e en-
volve muitos fatores para agregar todas as necessidades dos estudan-
tes, respeitando suas características e peculiaridades. As dificuldades, os
transtornos e os distúrbios de aprendizagem enquadram-se nesse con-
texto, portanto é necessário conhecê-los para poder incluir os estudantes
com esses diagnósticos.
Utilizar intervenções e adaptações pedagógicas específicas para
cada situação é função dos profissionais da educação, sendo essa uma
dimensão importante para a evolução dos estudantes com dificuldades
específicas de aprendizagem e/ou transtornos/distúrbios, e essas ações
complementam um tratamento que é multiprofissional.

REFERÊNCIAS
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Ohio: Pearson, 2006.

GABARITO
1. Não há consenso entre os autores e as pesquisas sobre um conceito único quanto a
dificuldades, transtornos e distúrbios de aprendizagem. O que é possível definir é que
existem dificuldades escolares, manifestadas como resultado de fatores externos ao
educando, como problemas emocionais ou ambientais, ou mesmo relacionadas a prá-
ticas pedagógicas não adequadas; e dificuldades de aprendizagem, que normalmente
são resultados de transtornos e distúrbios que surgem como consequência de fatores
internos e podem ser potencializados quando combinados com aspectos culturais,
sociais e de outra natureza.

2. A discalculia provoca prejuízo nas habilidades matemáticas, e as intervenções pedagó-


gicas adequadas podem auxiliar muito na superação de algumas dificuldades causa-
das por esse transtorno específico de aprendizagem. Por exemplo: 1. Uso de materiais
concretos e manipuláveis, auxiliando o aluno nos cálculos por meio de objetos que
podem ser agrupados, contados, classificados, o que torna a operação matemática
mais concreta e visível; 2. Uso social da matemática, incluindo os números e os proble-
mas em situações de uso real, com significado e contexto; 3. Utilização da calculadora
como ferramenta para realização de um cálculo, pois assim o aluno deverá saber qual
cálculo realizar, mas não precisará usar a memória para resolvê-lo.

3. Regras e ordens claramente definidas são essenciais para o indivíduo com TDAH, isso
porque instruções breves, objetivas e concisas, que podem ser continuamente repe-
tidas e retomadas pelo professor, auxiliam o aluno a dirigir e controlar seu compor-
tamento. Elas devem, inclusive, estar dispostas na sala de aula de maneira visível,
proporcionando sua consulta constante e auxiliando no autocontrole.

74 Fundamentos da educação especial e inclusiva


4
Inclusão de estudantes
com deficiência
A inclusão é um direito de todas as pessoas com deficiência, e
a Constituição Federal de 1988 determina que todos os cidadãos
brasileiros, independentemente de qualquer condição ou caracte-
rística, devem ter acesso à educação pública de qualidade, prefe-
rencialmente na escola de ensino regular.
O preconceito é alimentado pela falta de informação, pois nos
faz enxergar aquilo que foge da normalidade como algo assusta-
dor. Sendo assim, cabe aos profissionais da educação buscar co-
nhecimento acerca das deficiências, tanto para efetivar a inclusão
escolar de forma adequada, garantindo um ambiente propício para
a aprendizagem aos estudantes com deficiência, como para se tor-
narem agentes sociais de conscientização, defendendo a inclusão.
Nessa perspectiva, este capítulo traz as principais característi-
cas de cada tipo de deficiência, suas possíveis causas e as orienta-
ções para otimizar a inclusão escolar.

4.1 Deficiência auditiva


Vídeo Surdez é a perda da capacidade de percepção normal dos sons
(BRASIL, 2006a) e pode ocorrer em maior ou menor grau; isso expli-
ca a existência de vários tipos de driaticfoto/Shutterstock

surdez, dependendo do nível de


perda auditiva, sendo considera-
da o principal distúrbio da comu-
nicação. A surdez infantil pode
comprometer seriamente o de-
senvolvimento social, cognitivo e
emocional da criança.

Inclusão de estudantes com deficiência 75


Na infância, a surdez pode ter três principais causas. São elas:
•• Pré-natal (antes do parto): pode estar relacionada a fatores
hereditários ou, então, a malformações causadas por infecções
virais ou bacterianas (mãe com rubéola, sarampo, sífilis, citome-
galovírus, herpes). Pode, ainda, ter relação com o uso de álcool e
drogas, com alterações da tireoide ou diabetes, bem como ane-
mias e carências alimentares ou exposição a radiações (raio x).
•• Perinatal (durante o parto): pode estar relacionada a trauma-
tismos obstétricos (hemorragias no ouvido interno), falta de oxi-
gênio para o bebê (anoxia), prematuridade ou incompatibilidades
sanguíneas (mãe RH- e pai RH+).
•• Pós-natal (durante a vida): pode estar relacionada a doenças
infecciosas, bacterianas (meningites, otites), virais (encefalites,
varicela) ou, então, pode ocorrer com intoxicações por excesso
de antibióticos, exposição prolongada a ruídos e sons elevados
ou acidentes com traumatismos cranianos.

As classificações médicas utilizam os alguns parâmetros para identificar diferentes tipos


de surdez. São eles:
Parcialmente surdo (com deficiência auditiva – DA)
a) Pessoa com surdez leve – perda auditiva de até 40 decibéis, impedindo a percep-
ção por igual de todos os fonemas, assim como de vozes fracas ou distantes. Não impede
a aquisição da língua oral, mas pode causar problemas articulatórios na leitura e/ou na
escrita.
b) Pessoa com surdez moderada – perda auditiva entre 40 e 70 decibéis, sendo ne-
cessário uma voz intensa para que uma palavra seja compreendida. Maior dificuldade de
discriminação auditiva em ambientes ruidosos, normalmente identificando as palavras
mais significativas. Compreensão verbal relacionada à aptidão visual.
Surdo
a) Pessoa com surdez severa – perda auditiva entre 70 e 90 decibéis. Nesse tipo de
perda, a pessoa identifica alguns ruídos familiares e percebe apenas a voz forte, podendo
chegar até os quatro ou cinco anos sem aprender a falar. Bem estimulada, a criança pode
chegar a adquirir a linguagem oral.
b) Pessoa com surdez profunda – perda auditiva superior a 90 decibéis. Essa perda
leva à privação das informações auditivas necessárias para perceber e identificar a voz hu-
mana, impedindo-o de adquirir a língua oral.
Atualmente, de acordo com surdos e pesquisadores, o termo surdo remete à pessoa que
percebe o mundo por meio de experiências visuais e opta por utilizar a língua de sinais,
valorizando a cultura e a comunidade surda.
Fonte: Adaptado de BRASIL, 2006a, p. 19.

76 Fundamentos da educação especial e inclusiva


A princípio, toda criança é capaz de assumir a língua de sua co- Atenção
munidade como língua materna. Ao partir de um estado em que
Não é correto utilizar o termo
não possui qualquer forma de expressão verbal e, sem a necessi- surdo-mudo. Essa é uma forma
dade de aprendizagem formal, passa a incorporar a língua de sua antiga e equivocada de se referir
a uma pessoa surda. O surdo se
comunidade nos primeiros anos de vida, adquirindo um modo de
comunica e, inclusive, pode falar
expressão e de interação social dela dependente. se for submetido a técnicas de
oralização.
As crianças adquirem a língua não por lhes ser ensinada, mas
por meio da exposição informal e do uso ativo ao seu redor. A
experiência em casa e em seus contextos de convivência é fun- Saiba mais
damental. Pais e adultos com quem a criança convive funcionam A Língua Brasileira de Sinais
como facilitadores do idioma, permitindo que elas se aproximem (LIBRAS) é a língua utilizada,
por meio de gestos e expressões
da cultura e façam uso ativo da sua curiosidade, apropriando-se da faciais e corporais, para substituir
língua materna. a língua oral ou de sons.
Desde 24 de abril de 2002, por
A surdez prejudica esse processo de aquisição da linguagem, meio da Lei Federal n. 10.436,
não permitindo que a criança surda aprenda a língua oral de for- é considerada uma língua
oficial do Brasil. A LIBRAS é
ma espontânea, ouvindo e repetindo o que ouve em seu dia a dia, uma importante ferramenta
como a criança ouvinte. de inclusão social das pessoas
surdas, sendo a língua materna
Todas as crianças passam por estágios de desenvolvimento da do surdo brasileiro. Trata-se de um
linguagem; para que esse desenvolvimento seja adequado, elas legítimo sistema linguístico, com
fonologia, morfologia, sintaxe e
necessitam de dados linguísticos satisfatórios, ou seja, participar semântica, ou seja, não é uma
de situações de uso da língua para construir e enriquecer seu re- língua de gestos que apenas tra-
duz a língua portuguesa, é uma
pertório linguístico com palavras, expressões, entonações e tantos autêntica língua brasileira, com
outros elementos presentes e que constituem a linguagem. organização gramatical própria.
Para saber mais sobre a Língua
O desenvolvimento da linguagem ocorre tanto em crianças ouvin- Brasileira de Sinais, acesse:
tes como em crianças surdas. Nos dois casos, isso depende do uso da https://www.libras.com.br/ e
linguagem no meio em que estão inseridas. Para se desenvolver ade- http://www.acessibilidadebrasil.
org.br/libras_3/.
quadamente, sem defasagens no campo da linguagem, a criança ou-
Acesso em: 21 set. 2020.
vinte deverá participar de contextos sociais nos quais se fale a língua
materna oral, assim como a criança surda “precisará fizkes/Shutterstock

estar em meio rico em estímulos visuais, com


pessoas que utilizam a LIBRAS e com pessoas
que utilizam a língua portuguesa, para que
desenvolvam satisfatoriamente sua lingua-
gem” (BRASIL, 2006a, p. 17).

A capacidade de comunicação por meio


de uma língua nos faz adquirir caracte-
rísticas de um grupo, de uma comunidade.
Além de palavras, também aprendemos e

Inclusão de estudantes com deficiência 77


adquirimos um “jeito” específico de se comunicar, combinando expres-
sões verbais e não verbais. Negar à criança surda o acesso à língua de
sinais impede sua aquisição dessas aprendizagens. Com a aquisição
da língua de sinais, a criança surda pode ter acesso a conceitos de sua
comunidade, construindo sua identidade e formando uma maneira de
pensar, agir e ver o mundo característico da cultura de sua sociedade.
Se a criança surda tem pais surdos que utilizam a língua de sinais
desde o nascimento dela, o desenvolvimento dessa língua irá se-
guir, essencialmente, o mesmo curso que o desenvolvimento da
fala em crianças ouvintes. As crianças surdas de famílias ouvintes
passam pelo risco de séria privação de linguagem no início da vida
e de uma incapacidade para apreender o que está acontecendo
ao redor delas e o porquê (aprendizagem incidental), uma vez que
seus pais não sabem comunicar-se com elas. (BRASIL, 2006a, p. 18)

Mas como proporcionar, então, as condições ideais de desenvol-


vimento para a criança surda? Algumas ações são essenciais, como o
diagnóstico precoce, a orientação familiar e o encaminhamento a aten-
dimentos adequados.

Reconhecendo a importância do diagnóstico precoce, a Lei Federal


n. 12.303/2010 tornou obrigatória e gratuita a realização do Teste da
Orelhinha, também chamado de Triagem Auditiva Neonatal, um exame
rápido, indolor e sem contraindicação. Ele é realizado no recém-nas-
cido ainda na maternidade, a fim de detectar problemas de audição;
desse modo, o diagnóstico e o tratamento, desde os primeiros dias de
vida, são possíveis.

Ao se detectar algum problema, o bebê é encaminhado a um serviço


de diagnóstico, no qual será realizada uma avaliação otorrinolaringológica
e exames complementares. Nessa fase, muitos bebês apresentam audi-
ção normal e alguns têm a confirmação da perda auditiva. Uma vez que se
confirme o tipo e o grau da perda auditiva, o bebê será encaminhado a um
programa de intervenção precoce, para que a família receba as devidas
orientações quanto ao tratamento mais adequado.

Mesmo para as crianças que não apresentaram alteração nos re-


sultados do Teste da Orelhinha, ou que, por algum motivo, não o te-
nham realizado, ou, ainda, considerando situações que podem gerar
a deficiência auditiva ou surdez, é importante a observação de outros
critérios, conforme orienta o Ministério da Educação.

78 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Do nascimento aos três anos de idade
• O recém-nascido não reage ao som de um forte bater de palmas a uma
distância de 30 cm.
• Desenvolve-se normalmente nas áreas que não envolvem a audição,
quando devidamente estimulado.
Dos três aos seis meses de idade
• A criança não procura, com os olhos, de onde vem um determinado som.
• Ela não reage quando os pais falam.
Dos seis aos dez meses de idade
• A criança não reage quando é chamada pelo nome, quando há o som
da campainha da porta ou a voz de alguém, por exemplo.
• Ela demonstra não entender expressões simples como “não, não” ou
“tchau”.
Dos dez aos quinze meses de idade
• A criança não aponta para objetos familiares ou pessoas quando inter-
rogada em língua portuguesa oral.
• Ela não imita sons e palavras simples.
• Também não reage quando surgem expressões, como o “não, não”, ou
quando falam seu nome, a menos que veja quem está falando.
• Ainda, não demonstra interesse por rádio ou outros objetos com estí-
mulos apenas sonoros.
Dos quinze aos dezoito meses de idade
• A criança não obedece a instruções faladas, por mais simples que sejam.
• As primeiras palavras, como “não, não” e “mama”, não se desenvolvem.
• Ela começa a se comunicar através de linguagem gestual, sinalizada.
Dos dezoito meses aos três anos e meio de idade
• Não há enriquecimento vocabular (via oral).
• Em vez de usar a fala, a criança gesticula para manifestar necessidades
e vontades.
• Ela observa intensamente o rosto dos pais enquanto eles falam.
• A criança não gosta de ouvir histórias.
• Tem histórico de dores de cabeça e infecções de ouvido.
• Ela parece desobediente a ordens dadas em língua portuguesa oral.
• Desenvolve a língua de sinais e comunica seus desejos e suas necessi-
dades por meio dela; gosta de histórias narradas em língua de sinais e
de desenhos.
(Continua)
Inclusão de estudantes com deficiência 79
Dos três anos e meio aos cinco anos de idade
• A criança não consegue localizar a origem de um som.
• Não consegue entender nem usar palavras simples em língua portu-
guesa oral, como ir, mim (eu), em, grande etc.
• Ela não consegue contar oralmente, com sequência, alguma expe-
riência recente.
• Não consegue executar duas instruções simples e consecutivas emi-
tidas oralmente.
• Também não consegue levar adiante uma conversa simples em língua
portuguesa oral.
• A fala da criança é difícil de se entender.
• Ela utiliza a língua de sinais para as funções sociais.
A criança com mais de cinco anos de idade
• Tem dificuldade em prestar atenção em conversas em língua portu-
guesa oral.
• Não responde quando é chamada oralmente.
• Confunde direções ou não as entende quando expressas em língua
portuguesa.
• Frequentemente, dá respostas erradas às perguntas formuladas
oralmente.
• Não se desenvolve bem na escola, onde os conhecimentos são repas-
sados somente em língua portuguesa oral; é mais lenta que as demais
crianças.
• Expressa-se confusamente quando recebe ordem ou quando lhe per-
guntam alguma coisa em língua portuguesa oral.
• Possui vocabulário pobre em língua portuguesa.
• Substitui sons, omite-os e apresenta qualidade vocal pobre.
• Evita pessoas, brinca sozinha, parece ressentida ou irritada se não tem
colegas que com ela interajam.
• Amanhece cansada; parece inquieta ou tensa quando o ambiente lin-
guístico não lhe é conhecido.
• Movimenta a cabeça sempre para um mesmo lado quando deseja
ouvir algo, mostrando perda de audição em um dos ouvidos.
• Tem frequentes resfriados e dores de ouvido.
Fonte: Adaptado de BRASIL, 2006a, p. 20-22.

80 Fundamentos da educação especial e inclusiva


A adequada inclusão escolar da criança surda inicia com um diag-
nóstico, para identificar se ela já utiliza sua língua materna (LIBRAS).
Nesse caso, cabe à escola sistematizar o conhecimento por meio da lín-
gua de sinais. Para tanto, a criança tem o direito de ser acompanhada
por um intérprete de LIBRAS, que fará a transposição do que é falado
pelo professor para a língua de sinais. As próprias instituições de ensi-
no, ou suas entidades mantenedoras, devem disponibilizar esse profis-
sional como garantia do direito do estudante com deficiência.

Nesse contexto, recomenda-se, desde a educação infantil, que a


criança surda frequente classes regulares de ensino e conte com a pre-
sença de um professor/instrutor surdo, para que tenha contato diário
com a LIBRAS.

No caso de a criança ainda não dominar a língua de sinais, a escola


tem a função de lhe oferecer condições para a sua aquisição e para o
aprendizado da língua portuguesa.

O professor da turma deve atuar como mediador da comunicação


entre todos os estudantes, inclusive aqueles com surdez e deficiências
auditivas de diferentes níveis, garantindo o entrosamento natural en-
tre todos. Para auxiliar em sua prática, é necessário que o docente re-
ceba formação continuada e apoio especializado.
Os encontros com os profissionais da fonoaudiologia ou com
o responsável pela estimulação específica de língua oral e pela
intervenção comunicativa em LIBRAS tornam-se obrigatórios
para conhecer melhor a criança, obter respostas a muitos
questionamentos sobre ela e traçar as metas do trabalho edu-
cacional. Deve-se manter uma certa periodicidade entre os
encontros, considerando ser esse um período especial. O pro-
fessor deve contar com a colaboração de todos os profissio-
nais envolvidos para ajudar a construir uma avaliação
do desenvolvimento da linguagem da criança mais
próximo da realidade. (BRASIL, 2006a, p. 45)

Em sala de aula, é sempre indis-


pensável que o professor estabeleça
uma excelente comunicação visual
com o estudante surdo. Diante dis-
so, a seguir são apresentadas algu-
mas dicas (BRASIL, 2006a, p. 46-47)
para que isso aconteça de maneira
adequada:
gypsy.aiko/Shutterstock

Inclusão de estudantes com deficiência 81


•• olhar sempre para o aluno quando estiver falando, e esperar que
o aluno olhe para o professor;
•• depois que o aluno olha para o professor, ele (professor) aponta
para o local, ou o objeto, sobre o que deseja falar com o aluno.
Nunca apontar e falar ao mesmo tempo;
•• falar dando expressões ao rosto, ou seja, comunicar não somen-
te através da língua oral;
•• o rosto do professor deve ficar iluminado pela luz, a luz deve
estar à frente do rosto do professor. Se o professor ficar a fren-
te da janela, por exemplo, a iluminação que vem de trás de seu
rosto pode atrapalhar o aluno;
•• o rosto do aluno deve estar na mesma altura do rosto do pro-
fessor, se isso não for possível, o professor deve se afastar um
pouco para possibilitar uma posição mais horizontal. O professor
em pé e a criança surda sentada logo à sua frente é a pior posição
para a compreensão das expressões faciais;
•• inserir nos encaminhamentos metodológicos recursos
visuais adequados que facilitem a compreensão e a
aprendizagem significativa.

O ideal é que os professores e demais funcionários da escola tam-


bém dominem a LIBRAS (ou ao menos tenham noções básicas). Lem-
brando que com a regulamentação, em 2002, todos os cursos de
licenciatura (formação de professores) têm de incluir em suas matrizes
curriculares, obrigatoriamente, a disciplina de LIBRAS.
Atividade 1 Além das intervenções didáticas adequadas, também é recomen-
Cite três estratégias para a dável que o estudante com surdez receba atendimento complemen-
inclusão escolar de alunos surdos tar em sala de recursos e seja acompanhado por profissional da
na sala de aula de ensino regular.
fonoaudiologia.

4.2 Deficiência física e motora


Vídeo A deficiência física consiste em problemas e complicações que levam
à limitação da mobilidade e da coordenação motora geral. Dependen-
do de suas características e causas, também pode afetar a capacidade
de comunicação por meio da fala.

De acordo com o inciso I do artigo 4º do Decreto n. 3.298 de 1999, a


deficiência física é considerada:
alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do
corpo humano, acarretando o comprometimento da função
física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, parapesia,

82 Fundamentos da educação especial e inclusiva


monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia,
triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência
de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade
congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e
as que não produzam dificuldades para o desempenho de
funções.

As causas e o comprometimento causado pelas deficiências físicas


são variadas. Podem acontecer quando há falta, má formação ou defor-
mação de um membro. Também podem ser devido a alterações físicas
e motoras decorrentes de lesão do sistema nervoso central, que alteram
principalmente o tônus muscular. Isso porque deficiência física se refere
ao comprometimento do aparelho locomotor composto pelos sistemas
osteoarticular, muscular e nervoso. Aquelas doenças ou lesões que afe-
tarem quaisquer desses sistemas, de forma isolada ou em conjunto, po-
dem produzir grandes limitações físicas de grau e gravidades variadas,
de acordo com os segmentos corporais afetados e o tipo de lesão
ocorrida (BRASIL, 2006b, p. 28).

É comum ocorrer uma associação entre a deficiência físi-


ca e os problemas de comunicação, como nos casos de
indivíduos com paralisia cerebral, devido à alteração do
tônus muscular, que, nesses casos, prejudica também
as funções fonoarticulatórias. As dificuldades de co-
municação podem comprometer
a correta avaliação cognitiva de
crianças com paralisia cerebral,
Olesia Bilkei/Shutterstock
por isso, nesses casos, a implemen-
tação de tecnologias assistivas para comunicação aumentativa e
alternativa e o Atendimento Educacional Especializado (AEE) são es- Saiba mais
senciais para colaborar com o processo de inclusão e escolarização Tecnologias assistivas são
dos estudantes. todos os recursos e serviços que
contribuem para proporcionar ou
Frente à diversidade de tipos e graus de comprometimento cau- ampliar habilidades funcionais
sados pela deficiência física, cada caso requer um estudo sobre suas de pessoas com deficiência,
promovendo vida independente
necessidades específicas. Isso é necessário, também, para a adequada e inclusão. Os recursos são classi-
inclusão escolar de alunos com esse tipo de deficiência. Para que o ficados em diferentes categorias,
educando com deficiência física possa acessar o conhecimento escolar de acordo com a funcionalidade
oferecida ao usuário. Para saber
e interagir com os demais alunos e com o ambiente, é preciso criar as mais acesse o link a seguir.
condições adequadas para sua locomoção e comunicação, bem como Disponível em: https://www.
para seu conforto e sua segurança. assistiva.com.br/tassistiva.html.
Acesso em: 21 set. 2020.

Inclusão de estudantes com deficiência 83


Agregar o conhecimento de profissionais de várias áreas nesse pro-
cesso é fundamental, pois são necessárias adequações arquitetônicas,
estruturais, de mobiliário, tecnológicas, entre outras; envolvendo, as-
sim, profissionais da arquitetura, fisioterapia, fonoaudiologia, psicolo-
gia, terapia ocupacional, tecnologias da informação e comunicação etc.

É necessário, ainda, que os professores conheçam a diversidade e a


complexidade dos diferentes tipos de deficiência física, para definir es-
tratégias de ensino que desenvolvam o potencial do aluno. De acordo
com a limitação física apresentada, é preciso utilizar recursos didáticos
e equipamentos especiais, buscando viabilizar a participação do aluno
nas situações práticas vivenciadas no cotidiano escolar, para que este,
com autonomia, possa otimizar suas potencialidades e transformar o
ambiente em busca de uma melhor qualidade de vida (BRASIL, 2006b).

O atendimento escolar de estudantes com deficiência física, as-


sim como determinado na legislação, deve ocorrer preferencialmen-
te em classes regulares de ensino. No caso de alunos com graves
comprometimentos motores, que necessitam de cuidados na ali-
mentação, na locomoção e no uso de aparelhos ou equipamentos
médicos, é necessário a presença de um profissional de apoio espe-
cializado no período em que frequenta a classe comum. Assim, cabe
à mantenedora da instituição de ensino, seja ela pública ou privada,
subsidiar esse profissional, garantindo a esses alunos a autonomia,
a segurança e a comunicação, para que possam ser inseridos em
turmas do ensino regular.
Evgeny Gubenko/Shutterstock
O AEE também é imprescindível nesse sentido.
Além do trabalho realizado com o estudante, cabe
também ao profissional de AEE selecionar recur-
sos e técnicas adequados a cada tipo
de comprometimento, para otimizar
o desempenho do estudante nas
atividades escolares. O trabalho
entre escola e AEE tem como
objetivo oferecer melhores
condições de desenvolvimento
integral, aprendizagem, comuni-
cação, autonomia e mobilidade
para os estudantes com defi-
ciência física.

84 Fundamentos da educação especial e inclusiva


4.3 Deficiência intelectual
Vídeo A deficiência intelectual ocorre por limitações em habilidades re-
lacionadas à inteligência, ao raciocínio, à resolução de problemas,
ao planejamento, entre outros. Todavia, conceituá-la é uma difícil
tarefa, dada a sua complexidade e a grande quantidade de caracte-
rísticas e manifestações.

Muitas denominações preconceituosas já foram utilizadas para


designar o indivíduo com deficiência intelectual, como idiota, re-
tardado, débil mental, excepcional, mongoloide, oligofrênico, entre
outras. Todos esses termos expressam um conjunto de ideias, signi-
ficados e manifestações cotidianas da sociedade frente às pessoas
com deficiência.

A deficiência, antes chamada de deficiência mental, passou a ser


designada como deficiência intelectual, com base no sistema de clas-
sificação da Associação Americana de Deficiência Intelectual e Desen-
volvimento (AAIDD).
A deficiência intelectual é compreendida como uma condição
caracterizada por importantes limitações, tanto no funciona-
mento intelectual, quanto no comportamento adaptativo, que
está expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais
e práticas, manifestadas antes dos dezoito anos de idade.
(AAMR, 2006, p. 46)

É importante destacar que a deficiência intelectual não é um


transtorno médico e tampouco um transtorno mental. Embora seja
um diagnóstico que acompanhará a pessoa por toda a vida, não é
uma condição estática e permanente, uma vez que o desenvolvi-
mento da pessoa com deficiência intelectual dependerá dos estímu-
los, das condições do meio, das experiências culturais, educacionais,
sociais e das comorbidades existentes ou não. Nesse sentido, pode
ser compreendido como um estado particular de funcionamento
que começa na infância, caracterizando-se por ser multidimensional
e afetado positivamente pelos apoios individualizados (AAMR, 2006).

Até 1992, o coeficiente de inteligência (QI), obtido por meio de


testes padronizados e utilizado como parâmetro de diagnóstico, era
o que definia a deficiência intelectual. De acordo com essa definição,
a classificação era a seguinte:

Inclusão de estudantes com deficiência 85


Deficiência Deficiência Deficiência Deficiência
leve moderada Q.I. severa profunda
Q.I. entre 50 entre 35 e 49 Q.I. entre 20 Q.I. menor
e 70 e 30 que 20

O próprio Código Internacional de Doenças (CID 10), desenvolvido


pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda propõe uma defini-
ção com base no coeficiente de inteligência, sendo que, de acordo com
seu resultado, classifica a deficiência intelectual (no CID 10 denomina-
da Retardo Mental, com código F70) entre leve, moderada e profunda,
conforme o comprometimento.

Ainda há muitos antagonismos e divergências relacionadas à de-


ficiência intelectual, tanto que teorias psicológicas desenvolvimen-
tistas, psicanalíticas, antropológicas, neurológicas, tentam explicá-la,
entretanto:
há uma busca de encampar esse problema o mais amplamente
possível, introduzindo dimensões de diferentes áreas do conhe-
cimento na tentativa de abranger o fenômeno mental. Em suma,
a deficiência mental não se esgota na sua condição orgânica e/
ou intelectual e nem pode ser definida por um único saber. Ela
é uma interrogação e objeto de investigação para todas as áreas
do conhecimento. (BRASIL, 2006c, p. 11)

Essa dificuldade para precisar um conceito de deficiência intelectual


é refletida também na maneira como as pessoas convivem com a de-
ficiência. A falta de informações alimenta o medo pelo diferente, por
aquilo que é desconhecido, explicando, em parte, a discriminação das
pessoas com deficiência.

No mesmo contexto das divergências, ainda existe a dificuldade em


se estabelecer um diagnóstico diferencial entre o que é doença mental
e deficiência mental. Principalmente no caso de crianças pequenas, que
estão na idade escolar, a deficiência intelectual é confundida com doença
mental. A deficiência intelectual atinge o aspecto cognitivo do indivíduo;
o aluno com essa condição tem dificuldade para construir conhecimento
como os demais e de demonstrar a sua capacidade cognitiva.

As pessoas diagnosticadas com deficiência intelectual, em ge-


ral, apresentam dificuldades na resolução de problemas e na com-
preensão de ideias abstratas; por exemplo, ideias relacionadas a

86 Fundamentos da educação especial e inclusiva


metáforas, noção de tempo e de valores monetários. Elas têm difi-
Importante
culdades, também, em estabelecer relações sociais, compreender
e obedecer regras, bem como executar afazeres do dia a dia de Você sabe a diferença entre
síndrome e deficiência?
forma autônoma, como ações relacionadas à higiene.
Deficiência é um desenvolvi-
Embora haja limitações cognitivas, a deficiência intelectual mento insuficiente, podendo
ocorrer em aspectos mais
mantém intacta no indivíduo a capacidade de autopercepção e de
globais ou específicos, que gera
compreensão da realidade ao redor, conservando a capacidade de os seguintes déficits: intelectual,
tomar decisões importantes. Já a doença mental prejudica a capa- físico, visual, auditivo ou
múltiplo (quando atinge duas ou
cidade de discernimento entre realidade e fantasia; isso ocorre por mais dessas áreas).
causa da lesão de outras áreas cerebrais além das responsáveis A palavra síndrome deriva do
pela cognição. grego e significa “reunião”, ou
seja, é o nome que se dá a uma
Definir claramente a origem ou identificar as causas da deficiên- série de sinais e sintomas que,
cia intelectual ainda é um desafio. Em cerca de 40% dos casos, não reunidos, evidenciam uma
condição particular. A Síndrome
é possível determinar exatamente sua causa (APA, 2003). Entretan-
de Down, por exemplo, reúne
to, existem situações de risco multifatoriais que podem favorecer deficiência intelectual, baixo
o aparecimento da deficiência intelectual. São eles: biomédicos; tônus muscular (hipotonia) e
dificuldades na comunicação,
sociais; comportamentais; e educacionais. Eles podem variar de além de outras características,
acordo com o momento da ocorrência, como pré-natais, perinatal que variam entre os indivíduos.
e pós-natais, de acordo com o Instituto Jô Clemente (INSTITUTO..., Uma criança pode ter deficiência
intelectual e não ter nenhuma
2020).
síndrome, assim como nem
Pré-natais: fatores que interferem desde o momento da con- todas as síndromes estão relacio-
cepção do bebê até o início do trabalho de parto, entre esses nadas à deficiência intelectual.
destacam-se:

•• Alterações cromossômicas, que provocam, por exemplo, a Sín-


drome de Down, Síndrome do X Frágil, Síndrome de Turner, entre
outras.
•• Alterações gênicas (erros inatos do metabolismo), provocam fe-
nilcetonúria, entre outras.
•• Tabagismo, alcoolismo, consumo de drogas, efeitos colaterais de
medicamentos, são fatores capazes de provocar danos nos em-
briões e fetos.
•• Doenças maternas crônicas ou gestacionais (diabetes, por
exemplo).
•• Doenças infecciosas na mãe (sífilis, rubéola, toxoplasmose).
•• Desnutrição materna.

Perinatais: fatores que interferem no bebê do início do trabalho


de parto até o 30º dia de vida do recém-nascido e que podem
gerar deficiências intelectuais. Fazem parte desse grupo:

Inclusão de estudantes com deficiência 87


•• Hipóxia ou anoxia (oxigenação cerebral insuficiente), causando
lesões cerebrais.
•• Prematuridade e baixo peso.
•• Icterícia grave do recém-nascido (Kernicterus), pode produzir
lesão cerebral em função da alta concentração de bilirrubina.

Pós-natais: fatores ao longo da vida.

•• Desnutrição, desidratação grave, carência de estimulação global.


•• Infecções: meningites, sarampo.
•• Intoxicações graves: envenenamentos por remédios, inseticidas,
produtos químicos como chumbo, mercúrio etc.
•• acidentes que podem gerar traumatismos cranianos ou lesões
cerebrais por falta de oxigenação do cérebro (quedas, afoga-
mento, choque elétrico, asfixia, acidentes de trânsito etc.).

Independentemente da causa ou dos fatores envolvidos, o indi-


víduo com deficiência intelectual tem assegurado seu direito à edu-
cação com respeito às suas necessidades individuais. Para a efetiva
inclusão desses estudantes, é necessário que sejam criadas alter-
nativas pedagógicas por meio das quais eles se tornem membros
participativos e atuantes no processo educacional. Isso é possível
ao se desviar o foco apenas em suas limitações e criar estratégias
para valorizar suas habilidades, uma vez que “o uso de rótulos e
categorias enfatiza apenas as dificuldades e desvia a atenção de
outros fatores que não são importantes e podem facilitar a apren-
dizagem” (VOIVODIC, 2008, p. 60).

Segundo Voivodic (2008), é necessário romper com o determinismo


genético relacionado a alguns casos de deficiência intelectual e considerar
que o desenvolvimento da pessoa com deficiência resulta não só de fato-
res biológicos, mas também das importantes interações com o meio. Para
isso, não há método específico; é preciso haver uma intervenção particu-
lar de acordo com as necessidades de cada um desses estudantes.
Halfpoint/Shutterstock

88 Fundamentos da educação especial e inclusiva


De acordo com Vygotsky (1997, p. 149),
Filme
ainda que as crianças mentalmente atrasadas estudem mais
prolongadamente, ainda que aprendam menos que as crianças
normais e ainda que, por fim, se lhes ensine de outro modo,
aplicando métodos e procedimentos especiais, adaptados às ca-
racterísticas específicas de seu estado, devem estudar o mesmo
que as demais crianças, receber a mesma preparação para a vida
futura, para que depois participem nela em certa medida ao par
com os demais.

A intervenção didático-pedagógica para estudantes com deficiência


intelectual deve oferecer situações envolvendo ações em que o próprio O premiado filme Colegas
retrata, de modo muito sensível,
aluno tenha participação ativa na sua execução e que façam parte de a história de três amigos com
sua experiência de vida, proporcionando a ampliação da capacidade de Síndrome de Down. Eles vivem
abstração por meio do desenvolvimento da memória, da atenção, das em um instituto com vários
colegas da mesma condição e
noções de espaço, tempo, causalidade e raciocínio lógico-matemático. certa noite resolvem fugir para
realizar seus sonhos. Um ótimo
O objetivo é proporcionar condições e liberdade para que o estu-
filme que leva o expectador
dante possa construir seu conhecimento de acordo com seus recursos a refletir sobre a forma como
intelectuais. Para isso, o trabalho com situações reais, contextualiza- pessoas deficientes são tratadas
na sociedade.
das, assim como com objetos conhecidos e concretos, pode ser uma
Direção: Marcelo Galvão. Brasil:
boa estratégia para que o aluno perceba sua capacidade de pensar, Gatacine, 2013.
de realizar ações em pensamento (abstração). Assim, podem também
se conscientizar de que são capazes de ampliar seus conhecimentos
à medida que investem esforços para compreender um determinado
conceito ou, então, resolver uma situação problema proposta.

Essas estratégias devem ser apresentadas por meio de desafios


graduais, a fim de que o aluno consiga resolvê-los e ganhe confiança,
investindo esforços para a resolução de situações cada vez mais com-
plexas. Isso o estimula a agir com autonomia para escolher o cami-
nho da solução e encontrar suas estratégias através da construção de
hipóteses.
O nosso maior engano é generalizar a dotação mental das pes-
soas com deficiência mental em um nível sempre muito baixo,
carregado de preconceitos sobre a capacidade de, como alu-
nos, progredirem na escola, acompanhando os demais colegas.
Desse engano derivam todas as ações educativas que descon-
sideram o fato de que cada pessoa é uma pessoa, que tem an-
tecedentes diferentes de formação, experiências de vida e que
sempre é capaz de aprender e de exprimir um conhecimento.
(BRASIL, 2006c, p. 21)

Inclusão de estudantes com deficiência 89


Portanto, o estudante com deficiência intelectual deve receber AEE
combinado com intervenções pedagógicas escolares adequadas. Tais
atendimentos buscarão o conhecimento que permite ao aluno a lei-
tura, a escrita e a quantificação, sem o compromisso de sistematizar
essas noções, como é o objetivo da escola.
Na escola comum, o aluno constrói um conhecimento necessário
e exigido socialmente e que depende de uma aprovação e re-
conhecimento da aquisição desse conhecimento por um outro,
seja ele professor, pais, autoridades escolares, exames e avalia-
ções institucionais. No atendimento educacional especializado, o
aluno constrói conhecimento para si mesmo, o que é fundamen-
tal para que consiga alcançar o conhecimento acadêmico. Aqui,
ele não depende de uma avaliação externa, calcada na evolução
do conhecimento acadêmico, mas de novos parâmetros relativos
às suas conquistas diante do desafio da construção do conheci-
mento. (BRASIL, 2006c, p. 23)

Escola e AEE, então, colaboram concomitantemente para beneficiar


o desenvolvimento do indivíduo com deficiência intelectual, atuando
de maneira complementar um ao outro.

4.4 Deficiência visual


Vídeo Deficiência visual é a limitação ou a perda das funções do olho e do
sistema visual. Não significa, necessariamente, total incapacidade para
ver, mas sim o prejuízo dessa aptidão sensorial em níveis incapacitan-
tes para o exercício de tarefas rotineiras.

De acordo com a OMS, existem diferentes graus de deficiência vi-


sual. São elas:
•• Baixa visão ou visão subnormal (leve, moderada ou profunda):
a capacidade de acuidade visual das pessoas com baixa visão é
muito variável, dependendo do grau de comprometimento da vi-
são. É definida como a condição na qual a visão não pode ser to-
talmente corrigida por óculos ou lentes; interfere nas atividades
diárias do indivíduo, como leitura e locomoção. Uma definição
simples de visão subnormal é a incapacidade de enxergar com
clareza suficiente para contar os dedos da mão a uma distância
de três metros à luz do dia.
•• Próximo à cegueira: indivíduos que só têm percepção de proje-
ções luminosas (luz e sombra). Em alguns casos, a pessoa é capaz

90 Fundamentos da educação especial e inclusiva


de identificar a direção de onde vem a luz; em casos mais seve-
ros, só existe a capacidade de distinguir entre claro e escuro.
•• Cegueira: é a completa perda visual, sem qualquer percepção de
luz e forma. A cegueira total também é denominada amaurose e
pode ocorrer desde o nascimento (cegueira congênita) ou pos-
teriormente (cegueira adquirida). É possível, também, que a ce-
gueira esteja associada à perda da audição – surdocegueira – ou
a outras deficiências.

As principais causas da cegueira e da visão subnormal são:

Vyacheslavikus/Shutterstock
Retinopatia da
prematuridade:
Catarata congênita:
causada pela
em consequência de Glaucoma congênito:
imaturidade da retina,
rubéola ou outras pode ser hereditária ou
em decorrência de
infecções na mãe causada por infecções.
parto prematuro ou de
durante a gestação.
excesso de oxigênio na
incubadora.

Alterações Degenerações
visuais corticais: Atrofia óptica:
retinianas:
encefalopatias, perda das fibras do
causadas por doenças
alterações do sistema nervo ótico; pode ser
hereditárias ou
nervoso central ou congênita ou adquirida.
diabetes.
convulsões.

A pessoa que nasce com o sentido da visão e o perde mais tarde


(cegueira adquirida) guarda memórias visuais, como imagens, luzes
e cores, lembranças que podem ser muito úteis em seu processo de
readaptação. Entretanto, esses casos de cegueira exigem acompanha-
mento terapêutico cuidadoso para a pessoa e sua família, buscando
minimizar os efeitos traumáticos dessa perda. Isso porque, além da
perda do sentido da visão, a cegueira adquirida acarreta também per-
das emocionais, das habilidades básicas (mobilidade, execução das
atividades diárias), da atividade profissional, da comunicação e da per-
sonalidade como um todo.

Para incluir adequadamente a pessoa com deficiência visual, so-


cialmente e na escola, é preciso que ela não seja considerada apenas

Inclusão de estudantes com deficiência 91


na perspectiva da deficiência, mas como uma pessoa em sua totalida-
de, evitando restringi-la à cegueira ou à sua baixa capacidade visual.
Uma relação próxima e cordial com a família dos alunos também
é fundamental para conhecer melhor suas necessidades, hábitos e
comportamentos.

Na escola, a primeira atitude para a efetiva inclusão da criança cega


ou com visão subnormal consiste em acreditar e investir nas suas po-
tencialidades, na sua capacidade de estudar, de ser independente e de
realizar a maioria das outras atividades que os amigos fazem. Entretan-
to, cabe à escola prover as condições e oportunidades para isso.

Nessa perspectiva, é necessário organizar um ambiente educativo


estimulador, que proporcione mediações e condições favoráveis à ex-
ploração e à aprendizagem, por meio de suas condições perceptivas
particulares. Cabe ressaltar, ainda, que devem ser tratados como qual-
quer estudante no que se refere aos direitos, deveres, normas, regu-
lamentos, combinados, disciplinas e outros aspectos da vida escolar.

Nada é mais inadequado e prejudicial para uma criança com defi-


ciência visual que isolá-la em situações de brincadeiras, recreações, mo-
vimentações intensas das outras crianças com o intuito de protegê-la ou
mesmo evitar acidentes. Isso prejudica (ou até impede) o conhecimento
do mundo a seu redor e o seu relacionamento com outras pessoas. É
necessário que a criança, desde cedo, participe de programas de estimu-
lação precoce, orientação e mobilidade. Por meio de técnicas especializa-
das, ela receberá orientação e estímulos para desenvolver o sentido de
orientação, por meio do tato, da audição e do olfato, utilizando-os para
se relacionar com os objetos e as pessoas. O treinamento da orientação
e da mobilidade permite que a pessoa se movimente e oriente-se com
segurança na escola, em casa, no trânsito, em locais públicos etc., de
acordo com sua idade, incentivando, assim, a inclusão e a autonomia.

Para os estudantes com baixa visão ou visão subnormal, o trabalho


pedagógico inclusivo se baseia no princípio de estimular a utilização do
potencial de visão residual, bem como na superação de dificuldades e
conflitos emocionais. As atividades propostas devem ser significativas,
prazerosas e motivadoras, estimulando sempre a iniciativa e a autono-
mia do estudante.

Mediante avaliação multiprofissional, constituída por profissionais da


pedagogia, de psicologia, de orientação e mobilidade, da oftalmologia,

92 Fundamentos da educação especial e inclusiva


bem como outros que se fizerem necessários, recursos ópticos e não
ópticos podem auxiliar no trabalho pedagógico e na qualidade de vida e Saiba mais
aprendizagem de pessoas com visão subnormal. Alguns recursos ópticos e não
ópticos são muito úteis para au-
Os estudantes cegos, em função da ausência da percepção visual, xiliar a inclusão escolar de alunos
necessitam de experiências alternativas para seu desenvolvimento, que com baixa visão. São exemplos:
lupas, óculos especiais, tipos
estimulem sua inteligência e promovam capacidades sócioadaptativas. ampliados, lápis especiais etc.
Conforme Grifing e Gerber (1996), o ponto central desses esforços é a Para conhecer recursos ópticos e
exploração do pleno desenvolvimento tátil. saber mais sobre a sua utilização,
acesse o documento Recursos
A consciência tátil geral será adquirida mais rapidamente pela criança ópticos que auxiliam a pessoa
com baixa visão de perto, de
cega se a ela forem apresentados objetos familiares no ambiente que
Regina de Souza Carvalho.
explora (LIMA, 1998). Daí a importância dos professores, assim como
Disponível em: https://clinica-
das instituições com alunos cegos, receberem assessoramento de insti- deolhosarrudamello.com.br/
tuições especializadas. Além de orientarem os profissionais sobre como pdf/curiosidades/recursosop-
ticosqueauxiliamapessoacom-
estimular o desenvolvimento tátil, também podem promover encontros baixavis%C3%A3odeperto.pdf.
para a construção de materiais didáticos adequados a essa finalidade. Acesso em: 21 set. 2020.
Para conhecer recursos não
Assim como na inclusão escolar do estudante com qualquer tipo de
ópticos e saber mais sobre a
deficiência, também para os deficientes visuais é necessário que os pro- sua utilização, acesse o site
fessores se sensibilizem e inovem suas práticas, propiciando novas for- Acessibilidade na prática.
mas para que os alunos recebam os conhecimentos. Disponível em: http://www.
acessibilidadenapratica.com.br/
Além da percepção tátil, os outros sentidos também servem como textos/auxilios-nao-opticos-pa-
ra-baixa-visao/. Acesso em: 21
“porta de entrada” para a aprendizagem e percepção do mundo externo.
set. 2020.
Para que o aprendizado seja completo e significativo, é impor-
tante possibilitar a coleta de informação por meio dos sentidos
remanescentes. A audição, o tato, o paladar e o olfato são impor-
tantes canais ou porta de entrada de dados e informações que
serão levados ao cérebro. Lembramos que se torna necessário
criar um ambiente que privilegia a convivência e a interação com
diversos meios de acesso à leitura, à escrita e aos conteúdos es-
colares em geral. (SÁ; CAMPOS; SILVA, 2007, p. 21) wavebreakmedia/Shutterstock

A organização do espaço físico da escola e do mobi-


liário, em especial da sala de aula, é um fator que me-
rece atenção na inclusão de estudantes cegos.
A configuração do espaço físico não é per-
cebida de forma imediata por indivíduos
cegos. Por esse motivo, cabe ao professor
proporcionar o conhecimento e o reconhe-
cimento do espaço físico e da disposição do
mobiliário com a criança cega, assim como

Inclusão de estudantes com deficiência 93


Saiba mais do trajeto rotineiro que esse estudante realiza na escola: entrada, pá-
O sistema Braile foi criado por tio, cantina, banheiros, biblioteca e todos os demais ambientes.
Louis Braille, em 1825, na França, e
Portas entreabertas podem causar acidentes, por isso devem per-
é conhecido universalmente como
código ou meio de leitura e escrita manecer completamente abertas ou fechadas. O mobiliário não deve
das pessoas cegas. Baseia-se na sofrer alterações sem que o aluno cego seja devidamente avisado e
combinação de 63 pontos que
realize o reconhecimento do espaço modificado. Recomenda-se, ainda,
representam as letras do alfabeto,
os números e outros símbolos reservar um espaço na sala de aula para que os instrumentos utiliza-
gráficos. A combinação dos pontos é dos pelos alunos cegos fiquem de maneira permanente, possibilitando
obtida pela disposição de seis pontos
básicos, organizados espacialmente acesso autônomo e independente.
em duas colunas verticais com três
Caso o professor perceba insegurança ou distanciamento dos ou-
pontos à direita e três à esquerda
de uma cela básica denominada tros estudantes, é preciso estimular a classe para que conversem na-
cela braile. Para saber mais sobre turalmente e esclareçam suas dúvidas, podendo, inclusive, pedir ao
esse sistema, acesse o PDF do
estudante cego que responda às perguntas dos colegas na sala de
link a seguir e leia a partir da
página 22. aula. Todos precisam criar o hábito de evitar a comunicação gestual ou
Alfabeto Braile utilizar referências visuais na interação com esses alunos, assim como
evitar a fragilização ou a superproteção, que podem se configurar em
VectorPlotnikoff/Shutterstock

atitudes discriminatórias.

O estudante cego utiliza o sistema Braile para leitura e escrita. Esta


pode ser realizada pela utilização de uma régua de orientação com as ce-
las braile dispostas em linhas horizontais sobre uma base plana, chamada
reglete, e uma punção (objeto anatômico com uma espécie de agulha na
Disponível em: http://portal.mec. ponta, utilizado para marcar os pontos em cada cela).
gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_
dv.pdf. Acesso em: 01 out. 2020. O movimento de perfuração utilizando a reglete deve ser feito no
sentido da direita para a esquerda, para produzir a escrita em relevo
de forma não espelhada. Já a leitura é realizada no sentido oposto, da
esquerda para a direita. Esse processo de escrita tem a desvantagem
de ser lento devido à perfuração manual de cada ponto. Além de exigir
boa coordenação motora, ele também dificulta a correção de erros. NataLT/Shutterstock

Punção e
reglete usados
para a escrita
Braile

94 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Máquina de escrever em braille

Outro instrumento utilizado para essa


escrita é a máquina de escrever em Braile,

ChameleonsEye/Shutterstock
que tem seis teclas básicas corresponden-
tes aos pontos da cela braile. É uma forma
de escrita mais rápida, prática e eficiente,
uma vez que o toque simultâneo das teclas
produz os pontos que correspondem aos
sinais e símbolos desejados. Além disso,
produz uma escrita mais uniforme, facili-
tando a correção. Máquina para escrever
em Braile
Caso o professor não tenha domínio da leitura e da produção
escrita em Braile, é recomendável que as escolas e os sistemas de
ensino estabeleçam parceria com instituições especializadas no
atendimento a pessoas cegas. Essas instituições dispõem de pro-
fissionais volantes, que visitam as escolas para realizar a correção
dessas atividades, assim como a preparação em Braile das ativida-
des planejadas pelo professor.

É necessário, também, que qualquer atividade utilizando re-


curso pedagógico visual (desenhos, gráficos, símbolos, ilustrações
etc.) seja adaptada anteriormente pelo professor, prevendo a ne-
cessidade do estudante cego. Outras atividades, como visitas pe-
dagógicas, excursões, filmes e documentários, devem ser descritos
oralmente ao estudante simultaneamente à atividade.

4.5 Altas habilidades/superdotação


Vídeo Segundo a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1995),
a conceituação para altas habilidades/superdotação está relacionada
aos educandos com destaques no seu desempenho e grande poten-
cialidade em qualquer dos seguintes aspectos, sejam eles isolados ou
combinados: capacidade intelectual geral; competência escolar especí-
fica; inteligência criativa ou produtiva; habilidade para liderar; talento
especial voltado às artes; e aptidão psicomotora.

Desse modo, educandos com altas habilidades/superdotação são


aqueles que apresentam considerável facilidade de aprendizagem, o
que os leva a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitu-

Inclusão de estudantes com deficiência 95


des, de acordo com o artigo 5, parágrafo 3, da Resolução CNE/CEB n. 2,
Filme de 2001, que instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica (BRASIL, 2001).

Há um equívoco comum em confundir ou tratar como sinônimos


os termos superdotação e genialidade. É comum que as pessoas histo-
ricamente apontadas como gênios atendam às características que as
classificariam como superdotadas. Entretanto, o gênio seria aquele in-
divíduo reconhecido por ter dado uma contribuição original e de gran-
de valor para a sociedade, seja através da ciência, da arte, ou de outra
área, como Einstein, Darwin e Picasso, por exemplo (BRASIL, 2006d).
O filme Mentes que brilham
A escola tem importante papel na identificação de alunos com altas
narra a história de Fred, que aos
7 anos apresenta talentos bem habilidades/superdotação. Isso porque nem sempre a criança, em seu
precoces, destacando-se em ambiente social e familiar de origem, teve oportunidades de demons-
áreas como matemática e arte.
trar seu potencial criativo, sua curiosidade ou suas habilidades específi-
Sua mãe, Dede Tate, ao tentar
proteger o filho do sofrimento cas. Entretanto, ao ser acompanhada por um professor que a estimule
devido ao preconceito, acaba e a encoraje, consegue expressar todo o seu potencial.
limitando seu potencial.
Cabe aqui uma observação. De Por outro lado, algumas crianças extremamente estimuladas por
maneira geral, os filmes que ten- suas famílias, com recursos e experiências propulsoras de desenvol-
tam retratar personagens com
vimento e aprendizagem, podem apresentar um desempenho cogniti-
altas habilidades/superdotação
tendem a caracterizá-los como vo diferenciado. Todavia, atingindo a idade escolar, o progresso dessa
“gênios”. Cabe fazer a devida criança pode se normalizar, passando a demonstrar um desempenho
distinção e saber reconhecer a
parecido com os de alunos de sua idade. Em outras palavras, nem sem-
“liberdade poética” da obra artís-
tica cinematográfica, que precisa pre uma criança precoce poderá ser caracterizada como superdotada.
deixar o roteiro mais fantasioso
para agregar expectadores. No campo das altas habilidades/superdotação, o grande desafio da
escola e dos professores é identificar e acompanhar o desempenho
Direção: Jodie Foster. EUA: Orion dessas crianças, registrando habilidades e interesses para oferecer
Pictures, 1991. oportunidades que estimulem e enriqueçam seu potencial.

E como identificar crianças com características de altas habilidades


e superdotação? Dentre as mais comuns, podemos destacar (CLINE;
SCHWARTZ, 1999; LEWIS; LOUIS, 1991):
•• alto grau de curiosidade;
•• boa memória;
•• atenção concentrada;
•• persistência;
•• independência e autonomia;

96 Fundamentos da educação especial e inclusiva


•• interesse por áreas e tópicos diversos;
•• aprendizagem rápida;
•• criatividade e imaginação;
•• iniciativa;
•• liderança;
•• vocabulário avançado para a sua idade cronológica;
•• riqueza de expressão verbal (elaboração e fluência de ideias);
•• habilidade para considerar pontos de vistas de outras pessoas;
•• facilidade de interagir com crianças mais velhas ou com adultos;
•• habilidade para lidar com ideias abstratas;
•• habilidade para perceber discrepâncias entre ideias e pontos de vista;
•• interesse por livros e outras fontes de conhecimento;
•• alto nível de energia;
•• preferência por situações/objetos novos;
•• senso de humor;
•• originalidade para resolver problemas.

No entanto, não se deve considerar que uma criança apresentará


todas essas características, até mesmo porque existe uma grande he-
terogeneidade entre os indivíduos superdotados. Alguns apresentam
mais consistentemente alguns desses atributos enquanto outros po-
dem apresentar várias. Também vale frisar que as classificações clássi-
cas fundamentadas apenas em testagens psicológicas com o objetivo
de medir o QI não são mais utilizadas como fator único e determinante
para identificar um indivíduo com altas habilidades/superdotação; em-
bora seja uma informação relevante, essas testagens contam apenas
como uma das etapas de identificação e diagnóstico.

A devida identificação e o diagnóstico de um estudante com altas


habilidades/superdotação passa primeiro pela observação atenta do
professor, identificando potencialidades e habilidades. Isso precisa
ser devidamente registrado por instrumentos de verificação e sonda-
gem aplicados em diferentes atividades, contextos e por um período
de tempo, pois essa condição não pode ser identificada em um mo-
mento pontual. Além disso, as observações e contribuições dos vários
segmentos – família, escola e grupos sociais – contribuirão para traçar

Inclusão de estudantes com deficiência 97


o perfil da superdotação. Quando as características se mantêm em ca-
ráter permanente e constante, em diversos ambientes e situações, é
que se evidencia, de maneira mais consistente, o potencial.

Com esse conjunto de constatações, o diagnóstico é feito por uma


equipe multiprofissional, através de uma avaliação diagnóstica psicoe-
ducacional, com instrumentos de avaliação estruturados e validados
pela comunidade científica.

O educando com altas habilidades/superdotação, infelizmente, ain-


da pode “assustar” o ambiente escolar. Alguns profissionais se sentem
desafiados ou, então, desconfiam do real potencial do aluno, muitas
vezes como consequência da falta de informação a respeito. Um exem-
plo disso é acreditar que o superdotado tem recursos próprios para
desenvolver suas habilidades; em outras palavras, compreende que ele
aprende sozinho, sem intervenções externas. A aprendizagem é sem-
pre resultado de interações com o ambiente, com o objeto de apren-
dizagem, com as outras pessoas, independentemente do quadro de
superdotação ou não. Nesse sentido, é fundamental que o professor
proporcione a esse estudante experiências de aprendizagem enrique-
cedoras, que estimulem seu potencial. Moaci Alves Carneiro faz uma
crítica à falta de suporte adequado para a inclusão de alunos com de-
ficiência, mas também se reporta ao atendimento educacional pouco
diferenciado aos superdotados:
Idêntica providência de rearranjos organizacionais, incluindo a for-
mação curricular e pedagógica, é necessária, também, para o ade-
quado atendimento aos alunos superdotados. Estes alunos vivem
praticamente abandonados nas salas de aula. Na verdade, os Sis-
temas de Ensino ignoram tudo aquilo que é marca de diferencia-
ção no processo educacional. Ora, a responsabilidade de reordenar
a aprendizagem do aluno na sala de aula é do professor, porém,
a responsabilidade de definir políticas e ordenar o planejamento
para as escolas é do Sistema. Na verdade, o Brasil cuida mal ou não
cuida do aluno com elevada aptidão intelectual, talvez porque não
tenha conseguido resolver questões mais gerais da educação bási-
ca. Só que a educação do superdotado é, igualmente, uma questão
de educação básica. (CARNEIRO, 2010, p. 420)

Outro mito comum é a de que o indivíduo superdotado sempre terá


um bom rendimento escolar; quando isso não acontece, ele se torna
alvo de desconfianças. Muitas pesquisas mostram (ALENCAR; FLEITH,

98 Fundamentos da educação especial e inclusiva


2001; ALENCAR; VIRGOLIM, 1999) que indivíduos superdotados podem
apresentar um rendimento acadêmico abaixo do que é capaz, eviden-
ciando, assim, uma discrepância entre seu potencial e o desempenho
real. Isso pode ser explicado porque, muitas vezes, o aluno com altas
habilidades/superdotado pode ficar desmotivado com as atividades es-
colares propostas, que podem ser para ele uma excessiva repetição de
conteúdos já conhecidos, pouco estimulantes, mas que são propostas
para atender ao ritmo da classe. Daí decorre a importância de estraté-
gias diferenciadas, mais desafiadoras e voltadas para a característica e
necessidade do estudante em questão. Além disso, nem todos os su-
perdotados têm desempenho admirável e elevada capacidade para as
atividades escolares específicas. Sua potencialidade pode estar voltada
a outras áreas, como as ligadas à criatividade, como um talento espe-
cial para as artes, para a liderança ou, ainda, para atividades ligadas à
capacidade psicomotora.

Vale lembrar que os indivíduos com superdotação/altas habilida-


des podem se destacar no aspecto intelectual, mas apresentar traços
de imaturidade emocional. Também é comum, por exemplo, que uma
criança superdotada apresente habilidades precoces de leitura, mas
tenha dificuldade no manuseio de um lápis, devido ao fato de que
suas habilidades motoras não se desenvolveram no mesmo ritmo;
ou, ainda, pode ocorrer de uma criança de oito anos de idade, com
elevado potencial acadêmico e com interesses diferenciados, ter di-
ficuldade para se relacionar com outras crianças da mesma idade e,
também, não se relacionar adequadamente com indivíduos mais ve-
lhos, que teriam os mesmos interesses, porém com mais experiência
e maturidade.

O adequado processo de inclusão escolar do educando com altas


habilidades/superdotação por essas possíveis faltas de sincronia entre
diferentes aspectos do desenvolvimento.

Estratégias variadas podem ser executadas em sala de aula para


diferenciar e modificar o currículo regular, contribuindo para estimular
potencialidades de toda a turma, não apenas dos educandos superdo-
tados. A recomendação nesse aspecto é que o professor utilize meios
inovadores e variados, evitando ter como prática exclusiva a exposição
oral de conteúdos seguida de exercícios e atividades.

Inclusão de estudantes com deficiência 99


Atividades em grupo, dramatizações, brincadeiras, jogos e expres-
sões artísticas podem ser estratégias de ensino com maiores chances de
envolvimento e adesão de todos os alunos, inclusive os superdotados.

Um destaque são as atividades de solução de problemas. Os indiví-


duos com altas habilidades/superdotação se envolvem de modo posi-
tivo com essas atividades, pois elas levam à transferência dos objetivos
de aprendizagem para situações em que é preciso usar a criatividade,
bem como habilidades superiores de pensamento, como a análise, a
avaliação e a síntese. Para tanto, projetos que agreguem conhecimen-
tos de diversas áreas, com o intuito de construir engenhocas, maque-
tes, experimentos científicos, protótipos de robótica e programação,
são excelentes vetores de acesso ao interesse e ao desenvolvimento
das habilidades desses estudantes.

Você já ouviu falar do campeonato de aviões de papel, ou da competição de


pontes de palito, ou até das mais populares olimpíadas de Robótica? Esse tipo
Atividade 2 de evento pode ser muito motivador para estudantes com altas habilidades/
Francisco tem 10 anos de idade superdotação, pois ali eles têm condições de desenvolver suas habilidades na
e está no quinto ano do ensino construção de um projeto que demandará atividades de exploração, pesquisa,
fundamental. Sempre foi muito além de desafiá-los a novos conhecimentos.
precoce em suas aprendizagens,
pois começou a ler com apenas
3 anos. Aos 5, ele já escrevia pe- Em qualquer circunstância, o professor e os profissionais da escola,
quenos textos e, quando iniciou
de maneira geral, devem evitar o uso do rótulo de aluno superdota-
o terceiro ano, foi encaminhado
pela escola para uma avaliação do. As diferenças individuais devem ser tratadas como um fato natural.
diagnóstica psicoeducacional. Além disso, nunca se deve criar expectativas em torno desse aluno com
Nessa avaliação, identificou-se
que Francisco tinha altas base em critérios de perfeição ou superioridade; é muito provável que
habilidades/superdotação. O ele não tenha excelente desempenho em todas as áreas ou atividades.
garoto sempre foi um aluno
muito dedicado e com bom De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
desempenho, entretanto, agora, Educação Básica (BRASIL, 2001), aos alunos com necessidades educa-
no quinto ano, está apático, não
cionais especiais, devem ser ofertados serviços de apoio pedagógico
conclui suas atividades e seu
desempenho está decaindo. O especializado. Para o superdotado, em particular (BRASIL, 2006d), su-
que pode estar acontecendo? gere-se o atendimento complementar, a fim de aprofundar, enriquecer
e ampliar o currículo escolar. Esse atendimento é realizado em salas
de recursos, em escolas da rede regular de ensino, no contraturno. O
objetivo do atendimento suplementar a alunos superdotados é ofere-
cer oportunidades para explorarem áreas de interesse, aprofundarem
conhecimentos já adquiridos e desenvolverem habilidades ligadas à
criatividade, à resolução de problemas e ao raciocínio lógico. Esse aten-

100 Fundamentos da educação especial e inclusiva


dimento contribui, também, para o desenvolvimento de habilidades
sociais e emocionais, como cooperação e autoconceito, auxiliando o
estudante a construir uma imagem real e positiva de si mesmo e de
suas potencialidades. Ele propicia, ainda, oportunidades para os alunos
vivenciarem o processo de aprendizagem de forma motivada.

4.6 Transtornos globais do desenvolvimento


Vídeo Os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) designam um
quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor e, em es-
pecial, nos comprometimentos nas relações sociais e na comunicação.
Estão sob a classificação de TGD:

Abert/Shutterstock
Transtorno
Transtorno Transtorno Invasivo do
do Espectro Desintegrativo Desenvolvimento
Autista da Infância sem outra
especificação

Há uma grande variedade de características e manifestações desses


transtornos nos indivíduos, ou seja, não há um único padrão de Autis-
mo, pois “variações no desenho do cérebro social que implicam mo-
dos de funcionar distintos, ainda que tenham sempre em comum uma
desadaptação precoce dos processos de sociabilidade” (MERCADANTE;
ROSÁRIO, 2009, p. 19).

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é composto por um grupo


de outros transtornos caracterizados pela presença de prejuízos para
o desenvolvimento da interação social, da comunicação e do compor-
tamento. Eles podem afetar a criança em maior ou menor grau, sendo
possível que ele apresente comportamentos restritivos, repetitivos e
estereotipados.

O termo autismo, originário do grego autós, que significa “por si


mesmo”, traz a ideia de perda de contato com a realidade e, como con-
sequência, dificuldade ou impossibilidade de comunicação. O prefixo
aut- se refere ao que é individual, próprio da pessoa; no caso do TEA,
isso tem relação com a tendência ao isolamento social; a viver em uma
realidade própria.

Inclusão de estudantes com deficiência 101


Com a ampliação de estudos e pesquisas sobre o TEA, o diagnós-
Livro
tico do Autismo tem sido realizado cada vez mais precocemente, as-
sim como sintomas mais leves também estão sendo reconhecidos por
especialistas.

Um estudo publicado, em 2014, pelo Centro de Controle e Preven-


ção de Doenças do governo estadunidense, realizado pela Rede de
Monitoramento de Autismo e Transtornos do Desenvolvimento dos Es-
tados Unidos, revelou que, nesse país, uma a cada 68 crianças é autista.

A inclusão dos estudantes com Autismo no ensino regular exige do


O livro Brilhante – a inspiradora
professor conhecimento sobre as características mais comuns do trans-
história de uma mãe e seu filho
gênio e autista narra, de forma torno e, especificamente, do aluno em questão. Uma conversa preli-
emocionante, a história de minar com a família é essencial, e o professor precisa ter consciência
Kristine e seu filho Jacob.
Ao receber o diagnóstico de de que, considerando o aspecto comportamental, um grande número
Autismo, as previsões mais de estudantes com esse diagnóstico demonstra intolerância diante de
otimistas afirmavam que ele mudanças na rotina, expressando-se com reações de oposição.
teria no máximo a capacidade
de amarrar seu tênis sozinho. Há dificuldade em lidar com sentimentos e expressá-los, que é ob-
Contrariando esse prognóstico,
servada nas variações de humor sem causa aparente, podendo em al-
Jacob se tornou um estudante
de mestrado aos 14 anos, depois guns casos se refletir em agressividade. Conforme Mercadante (2006),
de iniciar uma teoria original de ao contrário da maioria das crianças, que demonstram interesse diante
astrofísica aos 9.
de novidades e que têm necessidade de adquirir novos conhecimentos
BARNETT, Kristine. Rio de
Janeiro: Zahar, 2013. e explorar o meio, em crianças autistas é comum haver comportamen-
tos estereotipados (estereotipias), com interesse limitado diante do
novo; são repetitivos em ações, gestos e falas.

Mas, afinal, o que são estereotipias? São ações repetitivas realiza-


das por meio do movimento, fala ou postura. É comum que ocorram:
em situações que o autista se sente bombardeado por estímu-
los, e as ações repetitivas ajudam a pessoa a se reorganizar in-
ternamente e processar tudo o que está sentindo. Há relatos de
pacientes com TEA que entendem a estereotipia como algo pra-
zeroso, que ajuda a acalmar, a concentrar e a aliviar a ansiedade.
(O QUE SÃO ESTEREOTIPIAS, 2019)

Os exemplos mais comuns de estereotipias em crianças com TEA são:


•• flapping (movimento de balançar as mãos);
•• girar em torno de si mesmo;
•• interesse excessivo em observar objetos que giram;
•• pular em cama, no sofá, no chão;
Africa Studio/Shutterstock

102 Fundamentos da educação especial e inclusiva


•• balançar o corpo para frente e para trás;
•• deixar o olho fixo em um objeto e movimentar apenas a cabeça;
•• andar na ponta dos pés;
•• fazer sons de estalo com a língua;
•• gritar sem motivo reconhecido;
•• lamber as mãos;
•• repetir frases ou palavras por longos períodos fora do contexto;
•• bater na cabeça.

A estereotipia não é um problema, mas justamente uma forma de alí-


vio e ajuste da criança com Autismo a uma situação que gera ansiedade.
Dica
Conforme o indivíduo com Autismo vai crescendo e seu cérebro
Uma série atual muito interes-
“amadurece”, os movimentos repetitivos tendem a ser substituídos por sante para entender um pouco
comportamentos ritualísticos e compulsivos. Por exemplo: organizar pra- sobre o Autismo é Atypical, da
teleiras compulsivamente, alinhando os objetos; repetir uma pergunta Netflix. Nela, acompanhamos o
amadurecimento de Sam, um
insistentemente; e criar sequências de atividades como condição para rapaz de 18 anos diagnosticado
realizar algo (como caminhar por todos os cômodos da casa, em círculo; dentro do espectro do Autismo.
A comédia dramática que trata
deixando todas as portas fechadas antes de cada refeição).
do assunto sem criar rótulos e
Para reduzir esses comportamentos, é necessário identificar o que estereótipos é muito elogiada,
tanto pela crítica como por
causa a ansiedade. Os comportamentos repetitivos não devem ser repri- profissionais da área de saúde.
midos; o correto é ensinar ações que possam substituí-las.

Assim como o Autismo, a Síndrome de Asperger também faz parte


do TEA. Segundo Ferrari (2012), essa síndrome resulta da união de um
conjunto de problemas no desenvolvimento das funções psicológicas, es-
pecialmente aquelas envolvidas em adquirir capacidade para desenvolver
relações sociais e para usar a linguagem.

O desenvolvimento intelectual das crianças com Asperger, em geral,


é normal e frequentemente apresentam inteligência verbal superior que
a não verbal. Entretanto, encontram grandes dificuldades sociais e de
semântica.
Atenção
Segundo Teixeira (2006), diferente do Autismo, o desenvolvimento ini-
cial da criança com Asperger aparenta ser normal, todavia, com o passar Se você fizer um comentário
utilizando a expressão “dancei
dos anos, sua expressão verbal vai se tornando diferente, ficando monó- tanto que meus pés estão
tona e com frequência surgem preocupações obsessivas. É um transtor- queimando”, é muito provável
no que envolve várias funções do psiquismo, afetando principalmente as que a pessoa com Asperger
compreenda que seus pés estão
áreas do relacionamento interpessoal e da comunicação, apesar de a fala literalmente em chamas.
apresentar certa normalidade (tem apenas um padrão diferente).

Inclusão de estudantes com deficiência 103


A pessoa com Síndrome de Asperger apresenta um comportamento
Saiba mais
excêntrico, e a dificuldade de socialização pode torná-lo solitário. É infle-
A ativista ambiental Greta
Thunberg, uma adoles- xível, apresentando dificuldades para lidar com mudanças. A síndrome
cente sueca de apenas 16 ainda traz prejuízos na coordenação motora e na percepção visual e es-
anos, foi eleita a “pessoa
do ano” pela Revista pacial. É muito comum que apresente interesses peculiares em determi-
Time em função de suas nadas áreas do conhecimento ou por assuntos muito específicos, além de
ações no enfrentamento
à inação governamental se aprofundar na aquisição de informações e pesquisar sobre o tema que
frente ao aquecimento tiver escolhido. Alguns indivíduos com Síndrome de Asperger também
global. A jovem tem
Síndrome de Asperger e apresentam superdotação/altas habilidades.
é um exemplo de sucesso
quanto ao importância do Ainda na classificação dos Transtornos Globais do Desenvolvimento,
adequado processo de há o Transtorno Desintegrativo da Infância. De acordo com o Manual
inclusão. Para saber mais
sobre ela e a síndrome de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (APA, 1995), esse
de Asperger, acesse a transtorno também é conhecido como Síndrome de Heller, demência in-
Revista Autismo.
fantil ou psicose desintegrativa.
Disponível em: https://www.
revistaautismo.com.br/artigos/ A psicose é tida como uma perda dos limites do ego, uma desordem
greta-thunberg/. Acesso em: 21
mental em que há danos relativos à capacidade de perceber a realidade
set. 2020.
sem distorções.

Conforme Assumpção (1993), existem muitos conceitos diferentes re-

Atividade 3 lacionados ao termo psicose, tais como perda temporária ou definitiva do


contato com a realidade, perturbação psíquica grave (podendo ser gerada
Embora o Autismo e a Síndrome
de Asperger façam parte do uma desintegração das estruturas da personalidade) e personalidade que
mesmo transtorno (Transtorno se fragmenta e compromete o relacionamento interpessoal.
do Espectro Autista), existem
algumas diferenças entre elas. Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento sem outra especifi-
Aponte quais são elas. cação se referem a um grupo de transtornos caracterizado por importante
atraso no desenvolvimento, em diferentes áreas, incluindo a socialização, a
comunicação e o relacionamento interpessoal. Trata-se de um grupo hete-
rogêneo de crianças com tendências a apresentar comportamento inflexí-
vel, intolerância à mudança e explosões de raiva e birra quando submetidas
às exigências do ambiente ou até mesmo às alterações de rotina.

Normalmente, esse diagnóstico é utilizado quando há prejuízo severo


e invasivo no desenvolvimento da interação social e são excluídas as hipó-
teses de outros Transtornos Globais do Desenvolvimento (Autismo, Sín-
drome de Asperger e Psicose Infantil), daí a razão de se utilizar a expressão
“não especificado”.

De maneira geral, no processo de inclusão escolar, as crianças com


TGD necessitam de atenção nas áreas de interação social, comunicação e
comportamento.

104 Fundamentos da educação especial e inclusiva


É muito importante que se estabeleçam rotinas, pois independente-
mente do transtorno específico, todos são pouco tolerantes a mudanças.
Definir regras para convivência em grupo e auxiliar o aluno a incorporar
essas normas de convívio social também são ações fundamentais para
garantir sua inclusão com sucesso.

A maioria desses estudantes necessita de auxílio contínuo e pontual


na aprendizagem e na autorregulação de seus comportamentos. Utilizar
recursos visuais na proposição dos conteúdos e atividades curriculares é
uma das intervenções pedagógicas que poderão contribuir para o proces-
so de aprendizagem.

É necessário também que realizem AEE, sendo a interação entre o


professor e o profissional responsável pelo AEE uma importante fonte de
orientação para que as atividades sejam adaptadas e ajustadas às necessi-
dades e características específicas de aprendizagem desses alunos.

Cabe ainda aos professores identificar as potencialidades e maiores


habilidades dos alunos com TGD, para investir em ações que resultem em
respostas positivas, aumentando sua autoconfiança e podendo, assim,
demonstrar ao grupo suas capacidades. Estabelecer vínculos de confiança
com o aluno com TGD também é fundamental para seu desenvolvimento
e adaptação no ambiente escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer as principais características das pessoas com deficiência e
saber a maneira adequada de planejar e conduzir a ação pedagógica para
esses estudantes não é tarefa apenas de professores que já têm alunos
com deficiência, mas um conhecimento necessário e obrigatório para
todo profissional da educação.
A escola inclusiva é aquela que se abre como espaço de aprendizagem
para todos e oferece a cada estudante aquilo que ele precisa: aos surdos,
a língua de sinais; aos deficientes físicos, as tecnologias assistivas; a quem
precisa de mais tempo para aprender, a repetição e diversas estratégias;
aos cegos, o Braile. Todos esses recursos precisam fazer parte da escola
de maneira natural, sem estranhamento, pois o objetivo é fazer o alu-
no progredir, incondicionalmente. Incluir e respeitar a diversidade é dar
oportunidades para que todos aprendam.

Inclusão de estudantes com deficiência 105


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GABARITO
1. Para que a inclusão do estudante surdo seja realizada adequadamente no ensino re-
gular, é preciso garantir o seu direito de ser acompanhado por um professor intér-
prete de LIBRAS, que fará a transposição do conteúdo da língua oral para a língua de
sinais é necessário. Também, é preciso que o professor estabeleça, continuamente,
uma comunicação visual com o estudante e atue como mediador da comunicação
entre os estudantes ouvintes e os estudantes surdos.

2. Não é incomum que o aluno com altas habilidades/superdotado se sinta desmotivado


com as atividades escolares propostas, uma vez que, para ele, podem ser uma exces-
siva repetição de conteúdos já conhecidos e pouco estimulantes. Isso normalmente
acontece quando se elabora um planejamento único para atender ao ritmo de toda
a classe. No caso de Francisco, seria interessante que a equipe de professores pla-
nejasse atividades mais desafiadoras e de acordo com seu desempenho acadêmico
específico. Para motivá-lo ainda mais, o ideal seria identificar suas preferências e uti-
lizá-las como fio condutor para as atividades propostas. Outra estratégia interessante
é a realização de gincanas, competições, olimpíadas acadêmicas, além de motivar o
estudante a participar, realizando as devidas orientações necessárias.

3. Ambas geram dificuldades nas relações sociais, entretanto, no caso do Autismo, dis-
túrbios no desenvolvimento são evidentes desde os primeiros meses de vida. Na
síndrome de Asperger, o desenvolvimento inicial da criança parece normal, apenas
no decorrer dos anos é que sua expressão verbal se torna diferente. Normalmente,
as crianças com Asperger têm o desenvolvimento intelectual normal e, às vezes, em
função de seus interesses muito peculiares, conquistam aquisições cognitivas muito
elevadas em assuntos específicos. Suas principais dificuldades ficam concentradas no
relacionamento interpessoal e na comunicação.

Inclusão de estudantes com deficiência 107


5
Organização do
trabalho pedagógico
voltado à inclusão
A escola que se propõe a aderir verdadeiramente ao paradigma
da inclusão exige discussão, planejamento e organização de suas
ações e do trabalho pedagógico para ressignificar suas práticas,
contribuindo significativamente para o desenvolvimento integral
dos estudantes.
O presente capítulo provoca a reflexão acerca de alguns dos
principais aspectos da práxis pedagógica: currículo, metodolo-
gia e avaliação. Aborda também a relação entre família e escola
no processo de inclusão, apresentando a escola comum, o aten-
dimento educacional especializado e a escola especial como
possibilidades educacionais que, em comum, visam oportunizar
o desenvolvimento de todos os indivíduos, respeitando suas ca-
racterísticas e diferenças.

5.1 Percursos inclusivos e relação


Vídeo família-estudante-escola
A trajetória percorrida pelas famílias de crianças com deficiência no
momento de decidir por sua escolarização é influenciada, necessaria-
mente, por suas vivências anteriores, desde o nascimento. Para refletir
a respeito, é importante procurarmos entender como é a experiência
de ter um filho com deficiência.

É comum que as famílias tenham muitas inseguranças e se surpreen-


dam pelo desafio de realizar todos os atendimentos e as estimulações
que uma criança com deficiência demanda, assim como, infelizmente,

108 Fundamentos da educação especial e inclusiva


colecionem experiências negativas de olhares curiosos, julgamentos e
Vídeo
comportamentos de exclusão em diversas situações.
Emily Perl Knisley escre-
A escola não pode ser um agente que estimule a exclusão; por isso, veu um emocionante
relato em 1987 sobre
é preciso haver mudança de atitudes frente à diferença, com a conse- a experiência de saber
quente necessidade de repensar o trabalho desenvolvido para superar que teria um filho com
deficiência.
obstáculos diferentes, em especial as barreiras mais difíceis que emer-
Para assistir a um vídeo com o
gem de dúvidas social e culturalmente arraigadas. É natural que as fa- texto “Bem-vindo à Holanda” de
mílias sejam orientadas, mas essa orientação não deve se sobrepor à Knisley, acesse o link: http://youtu.
be/-k_JVRda40s.
escolha familiar. As famílias devem ser acolhidas, e jamais abordadas
com afirmações como: “não tenho certeza se poderemos oferecer tudo
o que seu filho precisa”, “acho que o melhor para ele seria uma escola Filme
especial” ou, ainda, “não posso fazer a matrícula antes de realizar algu-
mas consultas”.

É necessário que a escola esteja preparada para exercer a inclusão


em todas as dimensões institucionais de planejamento e ação, a co-
meçar pelo projeto político pedagógico, o qual indica as concepções
norteadoras de tudo o que acontece no espaço escolar:
a elaboração do projeto-político-pedagógico para a escola que
queremos, a escola com a qual sonhamos, exige que a gestão
O documentário Do luto
seja democrática. E como o conceito de educação inclusiva pre- à luta apresenta uma
cisa ser mais debatido, creio que convém iniciar as discussões análise da síndrome
de Down, retratando
para a elaboração do projeto com esse tema, procurando-se mo-
deficiências e potencia-
dernizar a cultura da escola a respeito, em clima organizacional lidades. O filme se inicia
de liberdade de expressão e de respeito às incertezas. Todos os com entrevistas de pais
que (con)vivem na comunidade escolar sabem que precisamos de crianças com Down
contando sua experiência
mudar. A questão é como implementar as necessárias reformu- desde o momento em
lações, sejam administrativas, pedagógicas, culturais ou atitudi- que foram informados
nais. (CARVALHO, 2004, p. 104) sobre a síndrome,
passando, em seguida,
A prática escolar inclusiva envolve todos os atores da comunidade para os indivíduos com a
síndrome, mostrando-os
escolar, pois todos, independentemente da função que exercem, preci- em diversas situações
sam atuar de maneira a incluir os estudantes em sua totalidade, garan- cotidianas. Não há um
enfoque técnico, o objeti-
tindo seu direito à educação, independentemente de sua característica vo é mostrar a relação de
ou condição. cada pessoa afetada pela
síndrome de Down.
A legislação brasileira, por meio das Diretrizes Nacionais para a Disponível em: http://
youtu.be/CRyzd6Wsof4.
Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), determina que Acesso em: 29 set. 2020.
as escolas de ensino regular, públicas ou privadas, devem matricular Direção: Evaldo Mocarzel. Brasil:
todos os alunos em suas classes comuns, com os apoios necessários. Casa Azul Produções Artísticas,
2005.
Ou seja, compete à família do estudante, tenha ele deficiência ou não,

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 109


a escolha da instituição. Vale ainda destacar que qualquer escola que
negar matrícula a um aluno com deficiência comete crime punível com
reclusão de um a quatro anos, de acordo com o artigo 8º da Lei n. 7.853
(BRASIL, 1989).

Entretanto, o que se deseja é que as escolas estejam aptas e se com-


prometam com o acolhimento e inclusão de todos os estudantes com
base em suas concepções e sua natureza inclusiva, e não que o façam
apenas pelo caráter compulsório determinado pela lei.

Também é necessário destacar o fato de que praticar a educação


inclusiva não significa apenas introduzir o aluno com deficiência no “es-
paço” escolar. Como afirma Carvalho (2004, p. 109), apenas
inserir esses aprendizes nas escolas comuns, distribuindo-os
pelas turmas do ensino regular, como ‘figurantes’, além de injus-
to, não corresponde ao que se propõe no paradigma da escola
inclusiva e, de igual modo, não vai contribuir para seu desenvol-
vimento integral.

As famílias também devem ser incluídas na ação pedagógica das


escolas, sendo chamadas a participar dos processos decisórios, e não
apenas informadas das decisões, estabelecendo a necessária parceria
com as instituições.

Cabe ainda às famílias subsidiar as instituições com todas as infor-


mações necessárias ao estudante, além de acompanhar as ações e dia-
logar com as equipes escolares sobre as atividades que poderiam ser
mais afinadas ao perfil do aluno. A presença atuante da família auxilia
no processo pedagógico igualmente no sentido de diagnosticar fragili-
dades e encontrar solução de mudanças e adaptações.

Todas as famílias que integram a comunidade escolar, sejam elas


compostas de estudantes com deficiência ou não, po-
dem estimular uma prática naturalizada de respeito
às diferenças por meio de atitudes inclusivas. Além
disso, podem observar e mediar no ambiente
extraescolar os conflitos que tais diferenças ge-
ram, contribuindo assim para a cultura da in-
clusão em todos os espaços sociais com base
em respeito, empatia e solidariedade.
terstock t
Daisy Daisy/Shu

110 Fundamentos da educação especial e inclusiva


5.2 Acessibilidade
Vídeo Garantir a matrícula dos estudantes com deficiência nas escolas de
ensino regular, assim como refletir sobre as práticas pedagógicas rea-
lizadas e ressignificá-las, é essencial para que a inclusão escolar acon-
teça. Entretanto, também é necessário preparar a estrutura física para
acolher e incluir, garantindo condições para utilização (com segurança
e autonomia) dos espaços pelas pessoas com deficiência ou com mo-
bilidade reduzida.

As escolas são espaços públicos abertos à comunidade. Assim, con-


tinuamente são utilizadas como ambientes eleitorais e podem acolher
eventos de interesse das comunidades, entre outros usos possíveis.
Para tanto, necessitam de estrutura adequada para garantir o livre
acesso a todas as pessoas, mesmo não havendo alunos com necessida-
des específicas que exijam modificações, pois o conceito de acessibili-
dade deve estar presente na forma de organizar e conceber os espaços,
para que os estudantes e demais membros da comunidade escolar e
da sociedade em geral tenham o direito de ir e vir com segurança e
autonomia, de acordo com o disposto no Decreto n. 5.296/2004.

Filme Acessibilidade, de acordo com a norma técnica NBR 9050


(ABNT, 2004), que trata da acessibilidade a edificações, mobiliá-
rio, espaços e equipamentos urbanos, “é a possibilidade e con-
dição de alcance, percepção e entendimento para a utilização
com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário,
equipamento urbano e elementos”.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,


O documentário Todos adotada pela ONU em 2006, trata, em seu artigo 9º, especifica-
apresenta a trajetória do
historiador com baixa
mente da acessibilidade, assegurando que:
visão Felipe Mianes, que a fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma
viaja por várias cidades
do Brasil e do exterior
independente e participar plenamente de todos os aspectos da
conversando tanto com vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para
especialistas quanto com assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade
pessoas com deficiência
de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao
sobre o tema acessibili-
dade. transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas
e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros
Direção: Luiz Alberto Cassol e
Marilaine Castro da Costa. Brasil: serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto
Accorde Filmes, 2017. na zona urbana como na rural. (BRASIL, 2009)

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 111


O Brasil foi signatário da Convenção por meio do Decreto n.
6.949/2009, cujo propósito é apresentado no artigo 1º:
promover, proteger e assegurar o exercício pleno e
equitativo de todos os direitos humanos e liberda-
des fundamentais por todas as pessoas com deficiên-
cia e promover o respeito pela sua dignidade inerente
(BRASIL, 2009).

Além dos aspectos estruturais e arquitetônicos, alguns recursos


e serviços de acessibilidade também são necessários para atender
às necessidades específicas de aprendizagem dos estudantes. En-
tre eles, destacam-se o tradutor e intérprete de Língua Brasileira
de Sinais (LIBRAS), o guia-intérprete, equipamentos de tecnologia
assistiva e materiais pedagógicos acessíveis. A obrigação de oferta
compete à instituição educacional, seja ela pública ou privada, e
não deve ser transferida aos estudantes com deficiência ou às suas
famílias por meio da cobrança de taxas ou qualquer outra forma de
transferência da atribuição.

Segundo o Documento Orientador do Programa Incluir (BRASIL,


2013, p. 14) algumas ações de acessibilidade são essenciais, entre
elas:
• • Adequação de sanitários, alargamento de portas e vias de
acesso, construção de rampas, instalação de corrimão e co-
locação de sinalização tátil e visual;
• • Aquisição de mobiliário acessível, cadeira de rodas e demais
recursos de tecnologia assistiva;
• • Formação de profissionais para o desenvolvimento de prá-
ticas educacionais inclusivas e para o uso dos recursos de
tecnologia assistiva, da Língua Brasileira de Sinais – Libras e
ESB Professional/Shutterstock outros códigos e linguagens.

Escola inclusiva é aquela que elimina qual-


quer “entrave ou obstáculo que limite ou im-
peça o acesso, a liberdade de movimento,
a circulação com segurança e a possibilida-
de de as pessoas se comunicarem ou te-
rem acesso à informação” (BRASIL, 2004),
sendo configurado como uma barreira à
aprendizagem.

112 Fundamentos da educação especial e inclusiva


5.3 Currículo adaptado e adequações
Vídeo metodológicas
Neste livro, já tratamos da história da educação especial, dos pre-
conceitos históricos que envolviam as pessoas com deficiência, de leis,
conferências internacionais, acessibilidade e uma infinidade de assun-
tos que compõem o conceito e a prática da educação inclusiva. Entre-
tanto, qual o valor de toda essa rede de informações se, dentro da sala
de aula, o aluno não entender o que o professor estiver falando e não
conseguir compreender o que se espera dele? E isso não se aplica ape-
nas aos alunos com deficiência, uma vez que a ideia de inclusão pressu-
põe uma escola para todos. Vejamos como Mittler (2003, p. 40) analisa
essa situação:
as crianças que se sentem educacionalmente excluídas têm
maior probabilidade de se sentirem socialmente isoladas. Elas
podem experimentar ainda não apenas a perda de confiança em
si próprias como estudantes, mas também como indivíduos. Isso
pode ser disfarçado pelo comportamento provocativo, o que,
por sua vez, pode ativar medidas punitivas da escola ou dos cole-
gas – esse fato pode isolar ainda mais o aluno, talvez até o ponto
de ser excluído. Um modo para romper esse círculo maligno é
tentar prevenir as dificuldades de aprendizagem antes mesmo
de elas surgirem, planejando um currículo acessível e asseguran-
do um ensino planejado de modo a garantir uma aprendizagem
efetiva.

Como principal documento que fundamenta a prática docente, a


função primordial do currículo é orientar as ações docentes frente aos
diversos níveis de ensino. Muitos educadores questionam e interpre-
tam a adaptação do currículo às necessidades dos estudantes como
ações para abrir mão da qualidade do ensino ou diminuir as expectati-
vas educacionais (BRASIL, 2006). No entanto, tais adaptações curricula-
res podem ser, em alguns casos, as únicas alternativas possíveis para
que a exclusão de um grupo específico de alunos (não só aquele com
deficiência) seja evitada.

Adaptar o currículo para atender às necessidades da diversidade


presente na escola significa planejar e criar oportunidades de apren-
dizagem para todos os estudantes aprenderem com sucesso, incluin-
do alunos com deficiência, estudantes com transtornos específicos de

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 113


aprendizagem, alunos de todos os níveis sociais e culturais e de grupos
étnicos diferentes, estrangeiros, refugiados, superdotados, itinerantes.
Ou seja, para todos.

O currículo é um documento que exprime a identidade da escola e


Site
tem também a função de concretizar as intenções dos sistemas edu-
Segundo o MEC, a BNCC
“é um documento de cacionais e o plano cultural e educacional defendido pela sociedade.
caráter formativo que de- No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em
fine o conjunto orgânico
e progressivo de apren- 2017, determina as competências (gerais e específicas), as habilidades
dizagens essenciais que e as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvol-
todos os alunos devem
desenvolver ao longo das ver em cada etapa da educação básica. De acordo com a BNCC, essas
etapas e modalidades da competências, habilidades e conteúdos devem ser os mesmos para to-
Educação Básica”.
Assim, a BNCC é de das as crianças, adolescentes e jovens, da educação infantil ao ensino
conhecimento essencial médio.
e obrigatório para todo
educador. Entretanto, a BNCC não é um currículo, e sim um conjunto de orien-
Disponível em: http:// tações que norteia e serve como base para que todas as escolas ela-
basenacionalcomum.mec.gov.br/.
Acesso em: 30 set. 2020.
borem seus currículos locais. Essa compreensão é necessária, pois
garante princípios norteadores para o ensino em um país com dimen-
sões continentais como o Brasil, reduzindo a chance de grandes desi-
gualdades ou distorções, proporcionando também a manifestação das
identidades locais, que poderão ser discutidas e definidas com base em
suas finalidades e especificidades educativas.

A escola inclusiva, que se propõe a atender a todos, requer um cur-


rículo dinâmico no sentido de possibilitar ajustes das ações pedagógi-
cas às necessidades dos estudantes, diversificando e flexibilizando o
processo de ensino-aprendizagem de modo a atender à diversidade
presente na escola.
wavebreakmedia/Shutterstock

114 Fundamentos da educação especial e inclusiva


As adaptações e adequações curriculares se constituem na busca por
estratégias mais apropriadas às peculiaridades dos estudantes. Não sig-
nifica um novo, ou diferente, currículo para um grupo, mas um currículo
dinâmico, real e flexível que atenda realmente a todos os educandos.

As adaptações podem ser organizativas (BRASIL, 2006), ou seja, re-


lacionadas às estratégias pedagógicas, visando estabelecer um caráter
facilitador do processo de ensino-aprendizagem, por exemplo:
•• Agrupamentos distintos de alunos para a realização das atividades,
ora com níveis de aprendizagem semelhantes para construções co- Saiba mais
letivas de hipóteses, ora com estudantes com diferentes níveis de Você já ouviu falar da sala
de aula invertida e das es-
aprendizagem, estimulando a interação e a cooperação. tações de aprendizagem?
•• Disposição física da sala diferenciada, organizada por cantos de Esses termos fazem parte
das metodologias ativas.
interesses ou por meio de rotação em estações de aprendizagem. Para saber mais, acesse:
https://novaescola.org.br/
•• Organização do tempo em sala de aula, considerando que
conteudo/3352/blog-au-
nem todos os alunos precisam fazer a mesma atividade la-diferente-rotacao-es-
tacoes-de-aprendizagem.
simultaneamente.
Acesso em: 30 set. 2020.

As adequações nos procedimentos didáticos, por sua vez, são vol-


tadas a como ensinar os componentes curriculares:
•• Utilização de metodologias ativas.
•• Estímulo à aprendizagem colaborativa.
•• Realização de atividades que exijam habilidades diferentes da-
quelas costumeiramente utilizadas na escola, nas quais a fixação
de um conteúdo, por exemplo, possa ser feita com uma gravação
de voz do que o estudante compreendeu, e não necessariamente
por meio do registro escrito.
•• Atividades diferenciadas para estudantes de uma mesma tur-
ma, adequadas às características, às necessidades e ao nível de
aprendizagem de cada um.
•• Atividades alternativas, além das planejadas para a turma, para
estudantes mais habilidosos, enquanto os demais realizam ou-
tras atividades.
•• Atividades com diferentes níveis de abstração e complexida-
de dentro de um mesmo conteúdo. Por exemplo: em uma
situação-problema envolvendo a ideia multiplicativa, utilizar,
para alguns alunos, números menores, que exigem menos cál-
culos, e oferecer material concreto para sua execução.

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 115


As adaptações na temporalidade dizem respeito a:
•• Planejamento prevendo tempos diferentes para a realização de
atividades ou o desenvolvimento de conteúdos.
•• Períodos diferentes para alcançar determinados objetivos de
aprendizagem.

Por meio de adequações e adaptações curriculares, busca-se solu-


ções para as necessidades específicas dos estudantes, de modo a evitar
o fracasso no processo de ensino-aprendizagem. Assim, as demandas
escolares precisam ser ajustadas com o objetivo de favorecer a inclusão
do aluno. Não podemos esquecer que as adequações precisam ser pen-
sadas tendo como objetivo as capacidades e o potencial do estudante,
Atividade 1 e não suas deficiências ou limitações. As práticas escolares inclusivas,
O que são adaptações curricula- diferentemente do que se imagina, não envolvem um ensino adaptado
res na temporalidade? Em que
a alguns alunos, mas, em verdade, um ensino diferente para todos, que
elas auxiliam?
dê condições para que os alunos aprendam segundo suas capacidades.

5.4 Avaliação
Vídeo A avaliação escolar pode ser a grande vilã da inclusão escolar, sen-
do que aquela de caráter classificatório, realizada por meio de notas,
testes, provas e outros instrumentos similares, reforça e mantém pre-
sentes nas escolas a repetência e a exclusão.

Antes de definir o “como avaliar”, é necessário compreender o ver-


dadeiro sentido da avaliação na escola. Por muito tempo ela se resumiu
à decisão de mensurar resultados que comprovassem a capacidade de
aprovação ou reprovação dos alunos.

A avaliação, em uma perspectiva inclusiva, deve se basear em ações


avaliativas mediadoras nas quais o professor precisa conhecer seu
aluno, ouvir e entender suas falas, argumentos e hipóteses, propondo
constantemente novas e desafiadoras questões por meio de diferentes
estratégias, que proporcionem a manifestação da diversidade de habi-
lidades em uma mesma sala de aula.

A avaliação contínua e qualitativa da aprendizagem, ou seja, que


tenha a participação do aluno, deve ser aquela que compreenda e va-
lorize manifestações diferentes dos alunos diante das tarefas de apren-
dizagem, que não busque uniformidade nas respostas e proporcione
diferenciadas formas de expressão.

116 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Nas escolas em que a diversidade é acolhida e respeitada, o ideal de
turmas homogêneas não encontra espaço, assim como não se aplicam
critérios precisos, inflexíveis e uniformes para avaliar o desempenho
de todos os estudantes.

Em uma perspectiva inclusiva, avaliar é considerar o caráter impre-


visível e variado da aprendizagem. Os professores sob essa percepção
não avaliam somente em momentos específicos para isso ou se utili-
zando de instrumentos formais. Ao contrário, aproveitam todos os mo-
mentos para observar, de modo aberto e sem ideias pré-concebidas,
a curiosidade do aluno que busca conhecer e questionar, que presta
atenção no que leu e lhe foi respondido, aquele que procura resolver e
encontrar a solução para o que lhe perturba e desafia.

O trabalho pedagógico com princípios na educação inclusiva reco-


nhece e valoriza as características individuais de cada aluno. Tal con-
cepção enfatiza as possibilidades de desenvolvimento acadêmico e de
sucesso escolar para todos, mesmo que ocorra por meio de manifes-
tações diferentes.

Considerando essa perspectiva de acompanhamento contínuo e fo-


cado, a avaliação na educação inclusiva precisa garantir a observação
crítica e criativa das atividades e interações no cotidiano das institui-
ções. Em outras palavras, a avaliação acontece de modo con-

Er
m
ola
tínuo, rotineiro, e não apenas em momentos determinados.

ev
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lga
A avaliação deve ser refletida com base nas experiências

84
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hu
tte
vividas e que são ressaltadas pela heterogeneidade, pela dife-

rs
to
ck
rença e pela ideia contínua de construção e reconstrução do
conhecimento. De modo simultâneo, a avaliação deve poten-
cializar o individual e o coletivo. Também é importante frisar
que a avaliação serve como instrumento de reflexão e toma-
da de decisão sobre a prática do professor, pois ela pode
apontar e orientar caminhos para melhorar e otimizar
a aprendizagem dos estudantes.

A avaliação também tem como objetivo possi-


bilitar a reflexão sobre o ensino oferecido
e torná-lo cada vez mais adequado à
aprendizagem de todos os alunos. De
acordo com Carvalho (2004), adotar
esse modo de avaliar, pensando na

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 117


qualidade do ensino e da aprendizagem, levaria a uma substancial re-
dução da quantidade de alunos indevidamente avaliados e rotulados
de modo negativo nas escolas.
Saiba mais
Frente a essa concepção de avaliação, resta pensar em instrumen-
Um importante e rico ins-
tos de avaliação e registro que possibilitem a melhoria do trabalho
trumento de avaliação é
o portfólio do estudante, pedagógico, a fim de contribuir para a aprendizagem e o desenvolvi-
uma vez que ele pode ser
mento de todos.
um recurso revelador de
memória do percurso de
Considerando a importância da observação sistemática de vários
trabalho e das aprendiza-
gens realizadas. elementos que compõem a prática pedagógica, é recomendável a uti-
Saiba mais a respeito do
lização de múltiplos registros realizados pelo professor e pelos alunos
portfólio acessando o
link: https://novaescola. (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns, produções escritas, pautas
org.br/conteudo/436/
de observação etc.). Esses registros constituem assim uma documenta-
portfolio-como-instru-
mento-de-avaliacao-a-fo- ção específica que permite, além do acompanhamento do desenvolvi-
tografia-da-turma. Acesso
mento do aluno, que as famílias conheçam o trabalho da instituição e
em: 30 set. 2020.
os processos de desenvolvimento e aprendizagem ali proporcionados.

5.5 Escolas de educação especial


Vídeo Se hoje podemos discutir e pensar em estratégias para a educa-
ção inclusiva, não podemos esquecer da grande contribuição que
instituições como Apaes, Pestalozzi e tantas outras, bem como es-
colas, ofereceram e continuam a oferecer para a educação especial
e primordialmente para o desenvolvimento das pessoas com de-
ficiência no Brasil. Foi por meio dessas escolas especiais privadas
filantrópicas que as pessoas que sempre estiveram excluídas das
escolas comuns vieram a ter acesso à educação (JANNUZZI, 2004).

A educação como direito de todos e o atendimento educacional


“preferencialmente na rede regular de ensino” para pessoas com
deficiência são conceitos estabelecidos pela Constituição Federal
de 1988 e pela LDB 9.394/1996. De modo concomitante, em que
ampara a possibilidade de acesso à escola comum, a legislação não
define obrigatoriedade e até considera a possibilidade de escolari-
zação que não seja na escola regular (MENDES, 2006).

Reconhecendo a necessidade da existência das instituições de edu-


cação especial, a LDB 9.394/1996 indica a necessidade de os conselhos
de educação definirem critérios para que essas instituições recebam
apoio técnico e financeiro do Poder Público. Nesse sentido, o artigo 60
da LDB define que:

118 Fundamentos da educação especial e inclusiva


Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabe-
lecerão critérios de caracterização das instituições privadas
sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva
em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro
pelo Poder Público. (BRASIL, 1996)

Entretanto, políticas educacionais da última metade da década


de 1990, guiadas pela atratividade do baixo custo, buscaram imple-
mentar ações fundamentadas no princípio da inclusão total. Nas
palavras de Mendes (2006):
a curto prazo a ideologia da inclusão total traz vantagens fi-
nanceiras, porque justifica tanto o fechamento de programas
e serviços nas escolas públicas (como as classes especiais ou
salas de recursos), quanto a diminuição do financiamento
às escolas especiais filantrópicas. A médio e longo prazos,
ela permite ainda deixar de custear medidas tais como a for-
mação continuada de professores especializados, mudanças
na organização e gestão de pessoal e no financiamento para
atender diferencialmente o alunado com necessidades edu-
cacionais especiais.

No centro dessa discussão, a única certeza que prevalece é a


de que “não há nenhuma estrada da realização para a inclusão,
porém, há um consenso de que ela é um processo e uma jornada
e, não, um destino” (MITTLER, 2003, p. 326).

Para muitas pessoas, as escolas especiais ainda são vistas como


instituições segregadoras, entretanto, ao longo das últimas déca-
das, elas vêm ganhando uma roupagem nova, deixando de lado
o cunho mais assistencialista que marcou seu trabalho por muito
tempo. Portanto, foi ressignificada nos aspectos pedagógicos, psi-
cológicos e sociais, oferecendo aos estudantes um currículo ade-
quado e adaptado, com atendimentos de modo integral e sistêmico
às pessoas com deficiência, contando com materiais, equipamen-
tos e professores especializados.

Vale lembrar que as escolas especiais são totalmente favorá-


veis à inclusão educacional e social, compreendendo que a inclu-
são educacional passa necessariamente pela oferta de educação
de acordo com a necessidade do indivíduo.

Grande parte das escolas especiais oferece educação infantil,


ensino fundamental e educação de jovens e adultos, com o objeti-
vo de proporcionar ao estudante a conclusão da educação básica.

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 119


A proposta pedagógica se fundamenta na Base Nacional Comum
Curricular, com vistas ao desenvolvimento cognitivo, psicomotor
e socioafetivo, e se utiliza de conteúdos acadêmicos adaptados in-
seridos nos componentes curriculares obrigatórios (Língua Portu-
guesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, Ensino Religioso,
Arte e Educação Física), visando paralelamente à independência e
à autonomia do aluno.

Há que se considerar que existem estudantes com quadro de


comprometimento severo em função das deficiências e síndromes,
o que dificulta sua presença na sala de aula regular. Para esses in-
divíduos, o trabalho desenvolvido nas escolas especiais é extraordi-
nário e absolutamente necessário. Não significa segregar ou excluir,
mas oferecer ao aluno o atendimento educacional adequado à sua
necessidade, considerando ainda que a inclusão não é tarefa apenas
da escola, ou seja, mesmo em uma escola especial, esses alunos po-
dem, e devem, beneficiar-se dos processos de inclusão social. Como
afirma Schwartzman (1997, p. 66):
acredito, portanto, que todo o empenho deverá ser dirigido no
Atividade 2 sentido de integrar ao sistema escolar regular normal a maior
De que maneira as escolas parte das crianças; mas me parece que uma parcela signifi-
especiais podem colaborar cativa de indivíduos portadores de deficiência terão melho-
para a educação de alunos com res oportunidades de aprendizado e de desenvolver de forma
deficiência? otimizada seu potencial em uma situação de aprendizado di-
versa daquela que nosso sistema educacional regular pode
oferecer-lhes nos dias de hoje.

O fato de as escolas especiais terem uma atuação exclusiva


Olesia Bilkei/Shutterstock
nessa área lhes assegura um repertório de conhecimentos e
experiências bem-sucedidas como fundamento para o tra-
balho realizado. Além disso, toda essa construção de conhe-
cimento tem muito a ensinar às escolas e aos profissionais
do e+++nsino regular, portanto o estabeleci-
mento de parcerias e integração entre es-
colas especiais e regulares tem como
único beneficiário o aluno e seu
desenvolvimento.

120 Fundamentos da educação especial e inclusiva


5.6 Atendimento educacional
Vídeo especializado – AEE
O atendimento educacional especializado (AEE) é um serviço da
educação especial implantado pela Política Nacional de Educação Es-
pecial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008. Sua função é a de
“identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibili-
dade, que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos,
considerando suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008c, p. 11).
A oferta do AEE é obrigação de todas as redes públicas de ensino.

De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Pers-


pectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008c), o AEE objetiva com-
plementar e/ou suplementar a formação do estudante de inclusão,
visando à sua autonomia e independência na escola ou fora dela.
Assim, recomenda-se que o AEE seja realizado nas escolas comuns,
em um espaço físico denominado sala de recursos multifuncionais,
no turno inverso da escolarização. Há a possibilidade de também
ser ofertado em centros de atendimento educacional especializado,
sejam eles públicos ou privados sem fins lucrativos, conveniados às
secretarias de educação.

De acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial


para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica,
considera-se público-alvo do AEE (BRASIL, 2008b, p. 2):
a. Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial,
os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas.
b. Alunos com transtornos globais do desenvolvimento:
aqueles que apresentam um quadro de alterações no desen-
volvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações
sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se
nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de
Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infân-
cia (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.
c. Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que
apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com
as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: in-
telectual, acadêmica, liderança, psicomotora, artes e criatividade.

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 121


Para se beneficiar do AEE, o aluno, obrigatoriamente, precisa estar
matriculado no ensino regular.

A preferência pela oferta do AEE na mesma escola comum em


que o aluno estuda tem como objetivo aproximar o ensino comum
da educação especial. A proximidade proporcionada entre os profis-
sionais otimiza a troca de experiências e a construção de condições
favoráveis à melhoria do desempenho escolar dos estudantes. Jun-
tos, os professores podem compartilhar entre si objetivos específi-
cos de ensino e trabalhar de maneira interdisciplinar e colaborativa
para que sejam alcançados.

Ainda que no mesmo espaço físico, a escola, as frentes de traba-


lho de cada professor sejam distintas, conforme determinado nas
Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento
Educacional Especializado na Educação Básica (BRASIL, 2008b), o pro-
fessor da classe de ensino regular tem como atribuição o ensino dos
componentes curriculares obrigatórios, enquanto o professor do AEE
tem como incumbência complementar/suplementar a formação do
aluno por meio de recursos específicos. No caso dos alunos com altas
habilidades/superdotação, “são desenvolvidas no AEE atividades de
enriquecimento curricular, assim como articulação com instituições
de ensino superior, tecnológicas e científicas, de pesquisa, de arte,
esportes, entre outros” (BRASIL, 2008b, p. 1).

Considerando que nem todas as escolas têm condições de possuir


uma sala de recursos multifuncionais e ofertar o AEE, também é pos-
sível que o aluno estude em uma instituição e realize o AEE em outra.
Nesses casos, antes deve ser estabelecido um acordo com a família
do aluno, e o transporte, se necessário, deve ser custeado pela rede
municipal ou estadual de ensino. Em tal situação, é preciso que haja a
necessária articulação entre os professores e especialistas de ambas as
escolas, a fim de garantir uma efetiva parceria no processo de desen-
volvimento dos alunos.

Para atuar no AEE, o professor “deve ter formação inicial que o ha-
bilite para o exercício da docência e formação específica na educação
especial” (BRASIL, 2008b, p. 4). Cabe ao professor de AEE o estudo e a
identificação do problema relacionado ao encaminhamento do aluno
à educação especial, “a elaboração de planos individuais de AEE e o
desenvolvimento de recursos e materiais didáticos para o atendimento

122 Fundamentos da educação especial e inclusiva


do aluno em sala de aula e o acompanhamento conjunto da utilização
dos recursos e do progresso do aluno no processo de aprendizagem”
(ROPOLI, 2010, p. 21). Também cabe ao professor, após uma avaliação
diagnóstica com o estudante, ao definir seu plano de trabalho, indicar
o número de atendimentos semanais, assim como a forma de atendi-
mento, se será individual ou coletiva.

De acordo com Ropoli (2010), alguns alunos frequentarão o AEE


mais vezes na semana e outros, menos. Não existe um roteiro, um guia,
uma fórmula de atendimento previamente indicada; desse modo, cada
aluno terá um tipo de recurso a ser utilizado, uma duração de atendi-
mento, um plano de ação que garanta sua participação e aprendiza-
gem nas atividades escolares.

Cabe ao Ministério da Educação a responsabilidade por


apoiar as redes públicas de ensino na organização e na
oferta do AEE. A Portaria Normativa n. 13, de 24 de abril
de 2007, instituiu o Programa de Implantação de
Salas de Recursos Multifuncionais, ficando esta-
belecido que ao estado ou município compete
a disposição do espaço para implantação dos
equipamentos, mobiliários e materiais didáticos
e pedagógicos de acessibilidade e a garantia de
professor especializado (BRASIL, 2007). O Governo
Federal, por meio do MEC, disponibiliza às escolas,
para a sala de recursos multifuncionais tipo I, o con-
junto de equipamentos de informática, além de outros
recursos e materiais, tais como: “microcomputadores, mo-
nitores, fones de ouvido e microfones, scanner, impressora ock
tterst
Olesia Bilkei/Shu
laser, teclado e colmeia, mouse e acionador de pressão, laptop, ma-
teriais e jogos pedagógicos acessíveis, software para comunicação alter-
nativa, lupas manuais e lupa eletrônica, plano inclinado, mesas, cadeiras,
armário, quadro melanínico” (ROPOLI, 2010, p. 31). Para o atendimento
de alunos com cegueira, é disponibilizado o kit para sala de recursos mul-
tifuncionais tipo II, que, além de todos os materiais supracitados, também
conta com “impressora Braille, máquina de datilografia Braille, reglete de
mesa, punção, soroban, guia de assinatura, globo terrestre acessível, kit
de desenho geométrico acessível, calculadora sonora, software para pro-
dução de desenhos gráficos e táteis” (ROPOLI, 2010, p. 31).

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 123


Atividade 3 Por meio do AEE, a educação escolar avança no processo inclusi-
A quem compete a implantação vo, uma vez que nele educação especial e ensino comum atuam em
de uma sala de recursos parceria, com objetivos comuns para otimizar o desenvolvimento
multifuncionais?
do educando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que não ocorra a situação de o aluno de inclusão ser simples-
mente matriculado em uma escola regular, tornando-se um “figuran-
te” em uma classe comum, é necessário que a escola e todos os seus
atores tenham clareza da intencionalidade educativa da inclusão e se
empenhem em sua concretização.
Não basta simplesmente matricular os alunos com deficiência e se
limitar a um trabalho de socialização e desenvolvimento de habilidades
motoras básicas. Além de injusto, isso não contribui para a aplicação
do paradigma da inclusão, e tampouco para o desenvolvimento sistê-
mico do educando.
A inclusão, seja na escola comum, no AEE ou na escola especial,
tem objetivos muito mais amplos do que a simples presença física.
A busca deve ser pelo desenvolvimento e pela aprendizagem de to-
dos, com uma escola para a diversidade, que planeja, ensina e avalia,
de maneira diversa e adequada, as necessidades do todo heterogê-
neo que constitui o espaço escolar.

REFERÊNCIAS
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urbanos. 2. ed. Rio de Janeiro, 2004.
BRASIL. Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Diário Oficial da União, Poder
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SCHWARTZMAN, J. S. Integração: do que estamos falando? In: MANTOAN, M. T. E. (org.).
A integração de pessoas com deficiências: deficiências contribuições para uma reflexão
sobre o tema. São Paulo: Memnon; SENAC, 1997. p. 62-66.

GABARITO
1. Adaptações curriculares temporais são importantes medidas pedagógicas por meio
das quais o professor prevê tempos diferentes, ajustados às condições individuais dos
alunos, para a realização de atividades ou então para alcançar determinados objetivos
de aprendizagem. Essas adaptações, relativamente simples, podem auxiliar o estudan-
te em seu progresso acadêmico, além de prevenirem possíveis situações de evasão e
abandono escolar, eventos comuns que ocorrem com educandos que apresentam al-
guma dificuldade na assimilação de conteúdos curriculares ou com alunos de inclusão.

2. As escolas especiais têm um papel importante na educação de indivíduos com qua-


dros mais severos de comprometimentos em função de deficiências e síndromes,
contando com materiais, equipamentos e professores especializados. Além disso, seu
know how e amplo repertório de conhecimentos construído no trabalho pedagógico

Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 125


especializado pode colaborar para a assessoria e orientação ao processo de inclusão
dos estudantes com deficiência nas escolas regulares, prestando assistência aos pro-
fessores e colaborando para sua formação continuada.

3. A implementação das salas de recursos multifuncionais deve ocorrer por meio da par-
ceria entre Governo Federal e estados e municípios. Às redes estaduais e municipais
de ensino compete ofertar o espaço e o mobiliário para instalação dos equipamentos,
e também um professor especializado apto a atuar no AEE. O Governo Federal, por
meio do MEC, fornece o kit de equipamentos tecnológicos e de informática, bem como
outros recursos e materiais necessários.

126 Fundamentos da educação especial e inclusiva


FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA
Código Logístico

59643

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6703-9

9 788538 767039

ANA CRISTINA GIPIELA PIENTA

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