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Conselho Editorial Autografia
Daniel Chaves
Pesquisador do Círculo de Pesquisas do Tempo Presente/CPTP;
Pesquisador do Observatório das Fronteiras do Platô das Guianas/OBFRON;
Professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional - PPGMDR/Unifap.

Deivy Ferreira Carneiro


Professor do Instituto de História e do PPGHI da UFU;
Pós-doutor pela Université Paris I - Panthéon Sorbonne.

Elione Guimarães
Professora e pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz de Fora.

Rivail Rolim
Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História-UEM-PR.

Conselho Científico Autografia


Adriene Baron Tacla
Doutora em Arqueologia pela Universidade de Oxford;
Professora do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.

Ana Paula Barcelos Ribeiro da Silva


Doutora em História Social pela UFF;
Professora Adjunta de História do Brasil do DCH e do PPGHS da UERJ/FFP.

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Rio de Janeiro, 2022

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
(EDOC BRASIL, BELO HORIZONTE/MG)

P371 Pedagogia social: da indignação à emancipação / Organizador Arthur Vianna


Ferreira. – Rio de Janeiro, RJ: Autografia, 2022.
274 p. : 15,5 x 23 cm
ISBN 978-85-518-4631-5
1. Educação – Aspectos sociais. 2. Prática de ensino. 3. Políticas educacionais.
I. Ferreira, Arthur Vianna.
CDD 370.115
Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

Pedagogia social: da indignação à emancipação


ferreira, Arthur Vianna (org.)

isbn: 978-85-518-4631-5
1ª edição, outubro de 2022.

revisão geral do texto e do conteúdo:


Alan Navarro Fernandes, Clara Regina Moscoso de Avelar,
Lucas Salgueiro Lopes, Thiago Simão Dias

Editora Autografia Edição e Comunicação Ltda.


Rua Mayrink Veiga, 6 – 10° andar, Centro
rio de janeiro, rj – cep: 20090-050
www.autografia.com.br

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem
prévia autorização do autor e da Editora Autografia.

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Sumário

LISTA DE SIGLAS  � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 7

APRESENTAÇÃO: PEDAGOGIA SOCIAL É UM PROCESSO DE


INDIGNAÇÃO E EMANCIPAÇÃO? � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 13
Arthur Vianna Ferreira

Parte I — FUNDAMENTOS PARA UMA


PEDAGOGIA/EDUCAÇÃO SOCIAL

PEDAGOGIA SOCIAL: INDIGNAÇÃO E/OU EMANCIPAÇÃO?  � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 19


Geraldo Caliman
Arthur Vianna Ferreira
Lucas Salgueiro Lopes

A PROFISSÃO DE EDUCADOR SOCIAL EM PORTUGAL: PROCESSOS DE


INDIGNAÇÃO E EMANCIPAÇÃO  � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 47
Silvia Azevedo
Fátima Correia

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DA INDIGNAÇÃO EM BUSCA DE


“INÉDITOS VIÁVEIS”  � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 65
Carlos Soares Barbosa

INDIGNAR-SE PARA EMANCIPAR A EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS  � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 83


Maurício Perondi

INDIGNAR-SE PARA EDUCAR É O CAMINHO? FORMAÇÃO DOCENTE,


PRÁTICAS EDUCATIVAS NÃO ESCOLARES E PEDAGOGIA SOCIAL � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 101
Arthur Vianna Ferreira

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Parte II — REFLEXÕES TEÓRICAS QUE LEVAM À INDIGNAÇÃO

TRANSGREDIR PARA EMANCIPAR: REFLEXÕES E CAMINHOS PARA A


PRÁTICA DE EDUCADORES SOCIAIS� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 131
Débora Simeão Ortman Pereira
Larissa Lopes Mattos
Mariana Nogueira Rodrigues

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO CONSTRUÇÃO


TEÓRICA E INVESTIGATIVA NOS ESTUDOS EM PEDAGOGIA SOCIAL � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 149
Lucas Salgueiro Lopes
Adam Alfred de Oliveira

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO CONTEXTO DAS INSTITUIÇÕES NÃO


ESCOLARES: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA O LETRAMENTO DIGITAL  � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 171
Adam Alfred de Oliveira
Alan Navarro Fernandes

Parte III — PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


PRODUTORAS DE EMANCIPAÇÃO

“A GENTE VAI NA CONTRAMÃO”: A ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NÃO ESCOLARES DAS PROFISSIONAIS DO REFORÇO
ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO-RJ  � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 197
Clara Regina Moscoso de Avelar
Emanuelle Cristine Santos da Silva
Thiago Simão Dias

AS VIOLÊNCIAS PRATICADAS EM CORPOS FEMININOS EMPOBRECIDOS:


ESTUDOS DE CASOS A PARTIR DO ACERVO DIGITAL DO GRUPO DE
ESTUDOS, PESQUISA E EXTENSÃO FORA DA SALA DE AULA � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 223
Ariel Pimenta Baptista Teixeira
Lucas Salgueiro Lopes

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO VOLUNTARIADO LASSALISTA EM


UMA COMUNIDADE EMPOBRECIDA EM NITERÓI-RJ � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 241
Thiago Simão Dias
Antonio José de Lucena de Romão Júnior

SOBRE OS AUTORES � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 267

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Lista de siglas

AEIC Acervo do Estágio Interno Complementar


AIEJI Associação Internacional de Educadores e Educadoras
Sociais
APTSES Associação Profissional dos Técnicos Superiores de
Educação Social
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CIESS Centro Interdisciplinar de Educação Social e
Socioeducação
CV Comando Vermelho
COP Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
CONFINTEA Conferência Internacional da Educação de Adultos
CIPS Congressos Internacionais de Pedagogia Social
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
EJA Educação de Jovens e Adultos
EP Educação para a Paz
EPIS Equipamentos de Proteção Individual
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

Pedagogia Social • 7

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ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FFP/UERJ Faculdade de Formação de Professores da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro
FUNABEM Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Hoje,
Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente)
GEPE Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IC Instituição Confessional
IESC Instituição de Ensino Superior Confessional
IES Instituições de Educação Superior
IEC Instituições Educativas Confessionais
ILE Instituições Lassalistas de Ensino
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
JENEPS Jornada de Educação Não Escolar e Pedagogia Social
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MCP Movimento de Cultura Popular
NAECA Núcleo de Assistência Especializado da Criança e do
Adolescente
OSPB Organização Social e Política Brasileira
PC Pedagogia da Convivência
PH Pedagogia da Hospitalidade
PS Pedagogia Social
PNE Plano Nacional de Educação
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPGedu Programa de Pós-Graduação em Educação

8 • Pedagogia Social

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PERLA Projeto Educativo Regional Lassalista Latino-Americano
PPC Projeto Pedagógico do Curso
PEC Proposta de Emenda Constitucional
RS Responsabilidade Social
SNJ Secretaria Nacional de Juventude
SAM-FEBEM Serviço de Amparo ao Menor-Fundação do Bem-Estar
do Menor
TDIC’s Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
TRS Teoria das Representações Sociais
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization (Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura)

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“O êxito dos educadores está centralmente nesta certeza que jamais os
deixam de que é possível mudar, de que é preciso mudar, de que preservar
situações concretas de miséria é uma imoralidade. É assim que este saber
que a história vem comprovando se erige em princípio de ação e abre
caminho à constituição, na prática, de outros saberes indispensáveis.”
Paulo Freire em “Pedagogia da Indignação”, p. 37.

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A P RE S E N TAÇÃO

Pedagogia Social é um processo


de indignação e emancipação?

A Pedagogia Social é um campo do saber, dentro das Ciências da Edu-


cação, que se apresenta como um céu aberto à gama de diversidade
de existências, práticas e relações socioeducativas em nosso país. De
fato, as reflexões sistemáticas, críticas e organizadas sobre a Educação
Social, em suas múltiplas manifestações de matriz diferenciada (Edu-
cação Popular, comunitária, medidas socioeducativas, entre outras) se
tornam, em si mesmas, oportunidades de criação de um espaço de in-
dignação e de emancipação diante da realidade desigual e excludente
das demandas educativas não escolares em nosso país.
Assim, os materiais organizados neste livro são expressões do exer-
cício de indignar-se sobre a realidade e promover práticas pedagógicas
emancipatórias em nossas relações educativas, escolares ou não. A Pe-
dagogia Social brasileira se fortalece com as reflexões sistematizadas
pelos autores dentro de suas pesquisas, suas práticas e eventuais dis-
cussões formuladoras de teorias na história de uma educação voltada
às camadas empobrecidas da sociedade brasileira. Da mesma forma,
as reflexões entrelaçadas pelos diversos autores se apresentam como
uma grande trama de ideias, experiências e atitudes que podem instar
novas pesquisas e/ou formações docentes, iniciais e/ou continuadas,
construídas pelas instituições de formação no país.

Pedagogia Social • 13

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Por isso, um dos pontos de partida desses artigos produzidos a partir
da VI Jornada de Educação Não Escolar e Pedagogia Social ( JENEPS),
acontecida em novembro de 2022 – e organizados neste material – foi o
legado deixado por Paulo Freire e celebrado em seu centenário dentro
das universidades brasileiras. De maneira especial, os autores desses ar-
tigos buscarão se inspirar no seu livro póstumo “Pedagogia da Indignação:
cartas pedagógicas e outros escritos”, que tem sua primeira edição no ano
2000 e foi organizado por sua viúva, Ana Maria (Nita) Araújo Freire.
Este livro, composto de três cartas pedagógicas e seis textos livres
deixados por Paulo Freire, se pauta na premissa de que um mundo
novo é possível a partir da reconstrução de um debate que passa pela
ética e a política, contudo, incluindo os mais pobres e oprimidos dos
contextos educacionais brasileiros. Assim, mais do que inspirar o
nome dessa Jornada, a leitura do material de Paulo Freire testemunha
uma forma específica de pensar a educação, diante da desigualdade
social que se arrasta no país desde o final do século XX.
No capítulo 5 da obra do patrono da educação brasileira, intitulado
“Alfabetização e Miséria”, podemos observar Paulo Freire conversando
com um educador popular na década de 1990. Nesse relato, o autor
revela as suas preocupações acerca do processo educacional realizado
nas periferias urbanas e a importância do protagonismo dos educan-
dos. Embora o tempo-espaço histórico de Freire seja diferente do atual,
sua inquietação se assemelha com muitas das nossas indignações como
educadores no contexto sociopolítico do Brasil do século XXI.

Tropeçando na dor humana, nós nos perguntamos em torno de um sem


número de problemas. Que fazer, enquanto educadores, trabalhando
num contexto assim? Há mesmo o que fazer? Como fazer e o que fazer?
Que precisamos nós, os chamados educadores, saber para viabilizar até
mesmo os nossos primeiros encontros com mulheres, homens e crianças,
cuja humanidade vem sendo negada e traída, cuja a existência vem sendo
esmagada? (FREIRE, 2000, p. 77-78).

14 • Pedagogia Social

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A inquietação suscitada pela citação continua pulsando em nossos
trabalhos nos dias atuais, produzindo em nossas atitudes como docen-
tes a indignação como elemento propulsor para práticas pedagógicas
criativas – e resistentes – para tempos pós-pandêmicos vindouros.
Dentro desse panorama, entende-se que o profissional da educação
deve repensar como ele consegue ocupar os espaços existentes na so-
ciedade contemporânea, de maneira a proporcionar aos sujeitos novas
possibilidades de existências. E, para que isso ocorra de forma efetiva e
eficiente, deve passar pela sua formação docente, inicial e continuada.
Assim, a Pedagogia Social, pensada desde a perspectiva da indignação,
passa a ser chave para que os próprios sujeitos em vulnerabilidade social
sejam capazes de engendrar atitudes emancipatórias de acordo com suas
necessidades e suas demandas sociais. O processo reflexivo que se “pré-o-
cupe” como uma prática pedagógica interventiva que ajude o outro-educa-
tivo a ajudar a si mesmo se torna um dos critérios importantes para que os
educadores avaliem a sua ação socioeducativa em contextos de empobreci-
mento social. Em que medida a minha ação socioeducativa promove esse
desejo dos indivíduos ajudarem a si mesmos? Ou melhor dizendo, capacita
o mesmo sujeito a buscar espaços – internos e externos – de autonomia
que os levem a essa atitude diante do mundo pautado a partir de desigual-
dades sociais? Perguntas iguais a essas são o início de um conjunto de no-
vas indagações (e indignações) para os educadores no campo da Pedagogia
Social. Sob essa égide, é que se encontram os textos propostos neste livro.
A primeira parte, de caráter teórica, origina-se dos professores pales-
trantes da distinta jornada. E, como novidade no processo de escrita dos
materiais anteriores, alguns desses textos foram trabalhados a partir das
transcrições das palestras realidades nos dois dias de encontro. O leitor
terá a oportunidade de se deleitar com uma escrita viva e cheio de senti-
mentos, pausas e calores vindo da paixão dos autores ao falarem sobre os
temas que os movem em suas pesquisas e suas reflexões sobre Pedagogia
Social, Educação Social, Juventudes, Práticas Pedagógicas e Formações
Docentes ampliadas para ambientes escolares e não escolares.

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Na segunda parte do livro, os textos já se encontram postos para
mostrar que a indignação pode se transformar em pesquisa no campo
específico do ambiente não escolar. Assim, os integrantes do Grupo
de Estudos, Pesquisa e Extensão Fora da Sala de Aula mostram os re-
sultados de suas reflexões sobre a realidade concreta de desigualdade
socioeducacional do Leste Fluminense, e partilham de suas indigna-
ções frente as políticas públicas para a educação, a organização das
práticas pedagógicas com os pobres e as relações estabelecidas com
essas populações em situação de vulnerabilidade social.
E, na terceira e última parte, entendemos que a indignação pode
se transformar em processos emancipatórios por meio de práticas pe-
dagógicas que produzam emancipação na vida daqueles que se envol-
vem nas relações cognitivas, ou seja, educadores sociais e educandos
em ambientes não escolares. Os textos mostram não apenas relatos de
experiências, mas verdadeiramente, reflexões teóricas desde a realida-
de concreta que motiva os sujeitos à adesão de processos emancipató-
rios de maneira criativa e autoral em cada uma das situações proble-
mas que apresentam as pesquisas dessa parte do livro.
Enfim, como o mesmo Paulo Freire cita no livro que inspirou essa
Jornada: “O mundo não é, o mundo está sendo. Como subjetividade com que
dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem cons-
tata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrên-
cias.” (2000, p. 79). Essa passa a ser uma das funções deste material
pedagógico que está em suas mãos e que convidamos a partilhar co-
nosco. Indignar-se e emancipar-se se torna um processo pedagógico
de intervenção social. Eis o nosso desafio. Vamos juntos.

Prof. Dr. Arthur Vianna Ferreira


Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação: Processos formativos e desi-
gualdades sociais da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Es-
tado do Rio de Janeiro – FFP/UERJ. Coordenador do Grupo de Estudos, Pesquisa e
Extensão Fora da Sala de Aula – FFP/UERJ.

16 • Pedagogia Social

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Parte I
FUNDAMENTOS PARA
UMA PEDAGOGIA/
EDUCAÇÃO SOCIAL

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PEDAGOGIA SOCIAL: INDIGNAÇÃO
E/OU EMANCIPAÇÃO? 1
Geraldo Caliman
Arthur Vianna Ferreira
Lucas Salgueiro Lopes

Arthur Vianna: Boa noite a todos, a todas e a todes! Estamos aqui


nesta VI Jornada (web) de Educação Não escolar e Pedagogia Social do ano
de 2021, nossa sexta versão do que chamamos “JENEPS”. Sejam bem-
-vindos, bem-vindas e bem-vindes! Agradeço a participação de todos.
Ao longo deste dia começamos as nossas atividades às oito horas da
manhã, com a apresentação de trabalhos, e vamos até amanhã às nove
horas da noite. Então, realmente é uma jornada, que somando, são
quase vinte e quatro horas falando de Pedagogia Social e Educação
Social de diversos campos.
Hoje, já falamos de Educação Social e Pedagogia Social em práticas
educativas, como também sobre educação social e práticas educativas
com jovens e adultos. Neste momento, é uma imensa alegria essa tela
de abertura, porque teremos conosco um dos que trabalhamos como
um dos nossos referenciais de estudo dentro desse grupo de pesqui-
sa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mais especificamen-
te da Faculdade Formação de Professores, que é o professor Geral-
do Caliman. Ele é um dos nossos referenciais quando falamos sobre

1.  Este texto tem como base a comunicação realizada no dia 17 de novembro de 2021, como par-
te da VI Jornada de Educação Não escolar e Pedagogia Social. O vídeo original com os diálogos está
disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bXUPmEnWAF4. Acesso em: 09 mai. 2022.

Pedagogia Social • 19

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Pedagogia Social. Então, ter essa oportunidade de conversar com um
dos “nossos autores” será um momento de muita riqueza teórica,
aproveitando a generosidade intelectual desse professor com larga his-
tória e que conheceremos melhor, partilhando este momento.
Toda tela de abertura estará na nossa pasta do Youtube e poderá ser
utilizada por todos vocês nos projetos, nas aulas, nas pesquisas que ar-
ticularem no campo da Pedagogia Social e da Educação Social. Então,
gostaria de convidar agora, para nossa tela, o professor Geraldo Cali-
man. Antes de chamá-lo, queria fazer a apresentação como se pede:
O professor Geraldo Caliman é pós-doutor, doutor e mestre pela
Universidade Pontifícia Salesiana da Itália, onde ele também atuou
como professor e foi coordenador do Programa de mestrado e dou-
torado em Pedagogia Social, até o ano de 2000. Ele tem uma vasta
experiência na parte de gestão de instituições socioeducativas, seja em
Brasília, seja em Belo Horizonte. Atualmente, é professor da Univer-
sidade Católica de Brasília, no programa de mestrado e doutorado na
área da Educação e coordenador da Cátedra UNESCO da Juventude,
Educação e Sociedade.
Com um currículo desse, ele poderá se apresentar muito melhor
para todos nós; chamo o professor Geraldo Caliman para estar conos-
co. Boa noite, professor!

Geraldo Caliman: Boa noite a todos! Espero que estejam me ouvindo


bem. É uma honra poder estar aqui, participar com vocês. Na verda-
de, quando se trabalha com Educação na dimensão social, muito mais
do que uma função ou uma profissão, isso significa uma opção de vida
também, pois impõe certas escolhas na nossa trajetória. Então, prepa-
rei uma apresentação para nos ajudar na reflexão. O que eu vou falar é
uma dimensão dessa ampla reflexão no campo da Pedagogia Social, e
não representa o conjunto todo, mas sim aquilo que, para mim, nesses
trinta anos de universidade, ensinando e aprendendo Pedagogia So-
cial, eu acho que posso dividir e compartilhar.

20 • Pedagogia Social

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Nesse sentido, queria iniciar conversando sobre a minha experiên-
cia nessa área. Na verdade, tenho trinta, quase quarenta anos dentro
deste campo. Dez de prática, e trinta anos de universidade. Hoje em
dia, em algumas ideias, eu parto muito do campo que trabalho. Atuo
há mais de dez anos na coordenação de uma Cátedra da UNESCO
voltada à juventude, e uma das inspirações mais importantes, e que
a gente trabalha muito com ela, é essa ideia e esse tema ligado às
culturas de paz. Assim, se exprime em seu preâmbulo a constituição
da UNESCO: “Uma vez que as guerras nascem na mente dos ho-
mens, são na mente dos homens que devem ser construídas as defe-
sas da paz”.
Esse é só um preâmbulo para mostrar como a gente tem uma
preocupação em foco. Eu sempre trabalhei com a Pedagogia Social,
desde a minha juventude, primeiro, na prática, e depois, na acade-
mia. Quando ministro as minhas aulas de Pedagogia Social, sempre
pergunto aos meus alunos: “Já ouviram falar de Pedagogia Social?”.
Muitas pessoas nunca ouviram falar e simplesmente ficam curio-
sos, porque já ouviram falar em Psicologia Social, mas a Pedagogia
Social é uma palavra nova para eles. Então, eu sempre me refiro a
uma palavra, a um qualificativo mais palatável que seria o “Social da
Pedagogia” e a “Dimensão Social da Educação”, da mesma maneira
como tem uma dimensão psicológica na Pedagogia, viabilizada com
a Psicologia Social, por exemplo. Ainda me referindo a esse diálogo
inicial nas aulas com meus alunos, a Pedagogia Social, muitas vezes é
confundida, em suas opiniões, como uma ideia de pedagogia aplicada
ao contexto da pobreza.
Eu estava ouvindo um pouco a mesa do professor Carlos Soares,
onde ele falava sobre o trabalho do voluntariado que, às vezes, é con-
fundido com a cidadania para pobres. Então, isso às vezes acontece,
é uma constatação dele que é realmente vista também no campo da
Pedagogia Social. Veremos que Pedagogia Social não é somente orien-
tada aos “pobres”.

Pedagogia Social • 21

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Vou colocar rapidamente, a contextualização pessoal do porquê fui
parar nesse campo, visto que o tempo não nos permite muito. Um
breve percurso da Pedagogia Social, perspectivas, os domínios e um
conceito. Acho que a parte principal é o conceito. Tentarei chegar até
lá, deixando os princípios metodológicos para outra ocasião.
Eram mil e quinhentos jovens adolescentes aprendizes. Me Refi-
ro ao início dos anos 1980. Por sete anos trabalhei com esses jovens.
Eu não vim da pura academia. Não, eu fui para a academia, porque
sentia a necessidade do confronto com as ideias. Inicialmente, traba-
lhava com esses mil e quinhentos jovens em Brasília. E, hoje, ainda
existem aproximadamente mil desses jovens que estão lá, até hoje,
pois a instituição continua, mesmo após quarenta anos. Eram adoles-
centes muito pobres, que moravam na periferia. Na instituição, eles
eram preparados para trabalhar nas empresas, onde eram acompanha-
dos para evitar a eventual ocorrência de exploração no trabalho. Mas,
nos ocupávamos não só da dimensão do trabalho, como produção,
mas, sobretudo, com a educação voltada a esses adolescentes que, sem
uma oportunidade como essa, não tinham muita perspectiva na vida.
A partir dessas condições poderiam, então, ter um futuro melhor. Na-
quela época, anos 80, não se chamavam ainda adolescentes aprendi-
zes, mas o conceito é esse. Hoje, tenho um aluno de doutorado que
faz uma análise desse programa de adolescente aprendiz em Brasília.
Trata-se de um ex-adolescente do programa.
Como dizia antes, eu sentia a necessidade de aprofundar teoricamen-
te, e não só na prática. Consegui abrir uma “janela” e ir para a Itália. Eu
queria estudar, pois sentia a necessidade de uma aprendizagem maior.
Percebia que tinha uma prática muito boa, mas sentia falta da refle-
xão teórica sobre o tema. E foi lá na Pontifícia Universidade Salesiana
(Roma) que fui acolhido. E na hora certa, pois, justamente em 1988,
eles estavam iniciando na Itália, o primeiro curso de Pedagogia Social.
Entrei com a cara e a coragem, com muita disposição. Para resumir,
esse Programa de Pedagogia Social era voltado à formação do educador

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profissional que, na Itália, já era uma profissão regulamentada e volta-
da à infância e ao educador profissional, que trabalhava com pessoas
com deficiência. As linhas de pesquisas eram orientadas para as camadas
emergentes da juventude, sobretudo, aquelas com mais dificuldades.
Naquela universidade, tive a oportunidade de fazer mestrado e
doutorado. Depois fui convidado para continuar lá como professor e
acabei me tornando Diretor do Programa de Formação de Pedago-
gos Sociais. Foi uma experiência muito rica para mim. A minha última
turma foi em 2004, quando tive que voltar para o Brasil com proble-
mas sérios de saúde.
Com base nesse histórico, inicio ou continuo a reflexão me questio-
nando sobre como hoje em dia entendemos a educação. A tendência é
a de identificar a educação com a escola. No entanto, com o tempo isso
vai se diluindo, pois, sobretudo no século XXI, a educação permanente,
a educação a distância e ao longo da vida, são conceitos que estão en-
trando no dia a dia. As pessoas, nos velhos tempos, faziam um curso e
se credenciavam nas universidades com um belo diploma e o afixavam
orgulhosamente na parede por anos e anos. Com o tempo essa concep-
ção fixa de educação foi mudando e foi se criando a ideia da educação ao
longo da vida. Se você pregar o seu diploma na parece e não fizer com
o tempo uma qualificação, acaba ficando para trás. Emerge então a ne-
cessidade de um aperfeiçoamento permanente e constante.
A escola seria, então, uma das formas para se viabilizar os proces-
sos educativos. Mostra-se como a melhor e a mais importante, sem
dúvidas, que pode ser posteriormente complementada com outras
formas. De fato, nós temos hoje em dia a educação no trabalho, no
tempo livre, na família, nos meios de comunicação, nas novas tecno-
logias... e temos também nas áreas de vulnerabilidade, muitas vezes
caracterizada por conflitos sociais.
Refiro-me brevemente à evolução da Pedagogia Social, com raízes
e num tempo em que nem se falava nesse conceito. Vou me referir
brevemente a esses termos, que são termos-chaves, e que caracterizam

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cada um dos períodos. Nos anos 1930, as metodologias que se volta-
vam ao atendimento de populações vulneráveis tinham uma tendên-
cia ao controle social voltado ao controle da periculosidade do “me-
nor” [de idade] por parte da polícia. Falava-se em restabelecer a ordem
social pela segregação dos indivíduos perigosos para não “contagiar”
o resto da sociedade. Uma perspectiva muito coerente com o pensa-
mento de matriz positivista oriundo do final do século XIX.
Nos anos 1960, prevalece uma perspectiva assistencialista, que ins-
pirava as atividades institucionais do SAM-FEBEM e FUNABEM. Uti-
lizava-se de um processo constituído pela institucionalização, triagem,
rotulação, deportação e confinamento do indivíduo. Era praticamente
um processo de exclusão bem qualificado. Quem refletiu muito sobre
esse processo perverso foi o saudoso professor Antônio Carlos Gomes
da Costa, sobretudo, durante os anos 1990.
A partir dos anos 1970, percebe-se uma perspectiva voltada a uma
educação progressista e pragmática como uma resposta voltada às
pessoas que tinham problemas com a sociedade. Nos anos 1980, já se
falava de uma perspectiva crítica e estrutural, em que as necessidades
se tornam direitos. Uma mudança de ótica inspirada pelas reformas
constitucionais e pelas reflexões em torno da construção do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA). A partir dos anos 1990, com a im-
plantação da ECA, sente-se a necessidade da formação de profissionais
brasileiros voltados para a viabilização da dimensão social da educa-
ção. E, do exterior, emergem ideias e ares novos para a implementa-
ção de metodologias educativas no campo da Educação Social.
Nos anos 2000, surge a necessidade da construção da Pedagogia
Social com identidade brasileira, a partir dos Congressos Internacio-
nais de Pedagogia Social (CIPS), como muitos de vocês já tem conhe-
cimento. Essa foi uma evolução muito significativa para a Pedagogia
Social no Brasil. Esses Congressos Internacionais estão sendo reto-
mados após as limitações da pandemia. Ao mesmo tempo, está se de-
senvolvendo um curso de especialização sediado na USP, coordenado

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pelo Prof. Roberto da Silva, no qual tive a oportunidade de ministrar
algumas aulas, onde participavam cerca de cento e cinquenta alunos.
O curso constitui-se em uma preparação para o próximo congresso,
projetado para novembro de 2022.
A fase atual de desenvolvimento da Pedagogia Social no Brasil, eu
a chamaria de fase de sistematização. Acredito ser uma fase muito im-
portante, no momento em que o desenvolvimento epistemológico de
uma disciplina necessita de muitas pesquisas para fundamentar as me-
todologias a serem desenvolvidas na Educação Social. Nesse sentido,
manifesta-se a necessidade de sistematizar o conhecimento dessa área
de estudo dentro das universidades, sobretudo, pela pesquisa na pers-
pectiva de uma construção da identidade da Pedagogia Social no Bra-
sil e da formação do educador social como profissional da Educação
Social. Um objetivo muito desejado por todos é que esse profissional,
tanto em nível de estudos de segundo grau (educador social), quanto
universitário (pedagogo social), tenha condições de formação profis-
sional. Disso, emergem desafios como o de desenvolvimento de uma
infraestrutura curricular em ambos os níveis de estudos acima referi-
dos, como também do desenvolvimento de pesquisas para a constru-
ção epistemológica da Pedagogia Social enquanto ciência.
Uma das mudanças interessantes que refletiram a abrangência da
educação nos tempos de hoje foi a LDB (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional). Promulgada em 1996, a LDB nos diz que a
educação acontece em vários âmbitos da vida: no âmbito familiar, da
convivência humana, do trabalho nos movimentos sociais, das orga-
nizações da sociedade e das manifestações culturais. Ela, enfim, reco-
nhece o alargamento dos espaços da educação para além dos muros
da escola.
Na perspectiva da LDB, a escola, como instituição de ensino e pes-
quisa, é uma entre tantas outras esferas onde ocorrem os processos
educativos. As outras esferas (familiar, da convivência, do trabalho,
das organizações, da cultura) são, sem dúvida, permeadas de modo

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privilegiado pela dimensão social da educação na medida em que tal
dimensão permeia esses campos de atuação.
A disciplina “Pedagogia Social” forma-se a partir de dois polos que
se uniram: a pedagogia e o social; a educação e o social. Utilizo-me
com frequência da metáfora da ponte: ela une duas margens. Nela se
unem os dois polos, a educação e o social; a pedagogia e a sociolo-
gia. Um processo que já ocorreu na Europa décadas atrás quando lá
por primeiro se desenvolveram as epistemologias próprias da Peda-
gogia Social. A metáfora da ponte projeta uma ligação entre a prática
pedagógica (Educação Social) e as Ciências da Educação (Pedagogia
Social). Ou seja, entre a prática viabilizada pela Educação Social e a
teoria desenvolvida pela ciência pedagógica.
Temos um sobrenome único para os vários campos e modalidades
de atuação da dimensão social da educação: o sobrenome comum se
aplica à Pedagogia Social, à Educação Social, ao Educador Social e ao
Pedagogo Social. A partir disso pode emergir a pergunta: Por que essa
diferenciação entre a figura do educador e do pedagogo se eles são da
mesma família (social)?
No meu entender, porque têm uma formação em níveis diferen-
tes: um mais voltado ao operacional e o outro mais para o acadêmi-
co. Relembrando minha história, e fazendo uma releitura dos tempos
passados, no período em que trabalhei como diretor de instituições
sociais me identificava como educador social, como atuante no âmbi-
to operacional da educação. A partir de certo momento, atuei como
profissional voltado à dimensão acadêmica (mestrado, doutorado e
professor na área) onde fazia a gestão dos recursos acadêmicos na área
social da educação.
Ao longo do tempo, a Pedagogia Social orientou-se para alguns fo-
cos, tais como o foco na doutrinação, na Antroposofia, na comunida-
de, nos indivíduos e na relação de ajuda. A Pedagogia Social foi e pode
ser instrumentalizada, como o foi historicamente em alguns casos,
com aplicação de metodologias a serviço da doutrinação e a serviço

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do Estado. Tal concepção existiu nos tempos de totalitarismo na Eu-
ropa. Também no Brasil, certas metodologias pedagógicas pautaram
esse sistema de doutrinação a serviço do Estado.
Cursei a graduação em Pedagogia nos anos 1970. Foi meu curso ini-
cial e uma opção de vida. Entre os anos de 1973 e 1974, estudávamos
uma disciplina que se chamava OSPB (Organização Social e Política Bra-
sileira). Uma formação cívica voltada a colocar em foco o que o regime
político de então projetava para você: um cidadão colaborativo com as
diretivas do Estado, para que todos os universitários saíssem devidamen-
te “formatados” segundo as diretivas do sistema político vigente.
O foco na comunidade, por sua vez, é utilizado na Europa atual-
mente, por exemplo, para se construir uma cidade educativa. Uma
pedagogia da sociedade para formar os seus membros. O foco na An-
troposofia foi inspirado por Rudolf Steiner e orienta-se à aplicação
dos princípios da Antroposofia na educação de crianças e jovens. Está
presente no Brasil em várias instâncias, mas, embora seja um foco sig-
nificativo, não representa exatamente o nosso ponto de vista. A Peda-
gogia Social também desenvolveu um foco no indivíduo, enquanto é
concebida como ciência da educação social do indivíduo, o qual tem
a necessidade de amadurecer para entrar e conviver na sociedade. Por
último, o foco na relação de ajuda. Esse foco é muito mais amplo, no
qual me situo, na medida em que acentua a intervenção preventiva
orientada, sobretudo, à infância e à juventude.
A dimensão social da educação manifesta-se de modo transversal na
prática educativa. Orienta-se cada vez mais à realização da prática da
educabilidade humana, voltada, de modo particular, às pessoas que se
encontram em situações sociais desfavoráveis. E é aí que, às vezes, se
confundem essas condições desfavoráveis com a pobreza, em sentido da
falta dos recursos materiais. Depende de que pobreza estamos falando.
A dimensão social da educação tem um caráter universal. Ela não
pode ser aplicada somente em base ao conceito de educação não
formal. Se fizermos a separação de educação formal e não formal e

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aplicarmos o conceito de Pedagogia Social somente às atividades edu-
cativas não formais, empobreceremos o conceito e a aplicabilidade das
metodologias socioeducativas. A Pedagogia Social é uma pedagogia
aplicada não a um espaço dentro ou fora da escola; mas aplicado às
pessoas humanas que estudam, trabalham, vivem... na escola ou fora
dela, pois são pessoas humanas. É uma pedagogia voltada ao ser hu-
mano lá onde necessita desenvolver uma relação participativa com a
sociedade. E isso pode acontecer tanto na Finlândia, onde a Pedagogia
Social é tão desenvolvida, como também aqui, onde existem mais po-
breza e vulnerabilidade social, seja dentro que fora da escola.
Uma pedagogia para o ser humano e não uma pedagogia porque
uma pessoa é pobre, ou porque tem problemas comportamentais. É
uma relação de ajuda ao ser humano, que possui necessidades de ser
ajudado, na relação com os outros e com a sociedade em que vive. Do
contrário, repito, por que razão a Pedagogia Social seria tão desenvol-
vida nos países nórdicos?
Temos uma colega professora de Pedagogia Social lá em uma uni-
versidade da Finlândia. Certa vez, perguntei-lhe o porquê, na Finlân-
dia, um país com sistema educacional tão desenvolvido, ter se desen-
volvido tão bem a Pedagogia Social como ciência. Ela acentuou que
todo ser humano é social, e não só os “pobres”, que possuem proble-
mas com essa dimensão social. O foco das metodologias da Pedagogia
Social é para todos aqueles que não têm condições de conviver bem
na sociedade em que vivem. Uma perspectiva que nos faz refletir.
A partir da reflexão sobre a Pedagogia Social no Brasil, desenvolvida,
sobretudo nos Congressos Internacionais de Pedagogia Social, foram de-
finidos três domínios com os quais trabalhamos. São eles: o domínio socio-
cultural, o domínio sociopolítico e o socioeducativo [sociopedagógico].
O domínio sociocultural, por exemplo, nós o consideramos de uma
particular riqueza, enquanto trabalha com as manifestações expres-
sas do espírito humano por meio dos sentidos, das artes, da cultura,
da música, da dança e o do esporte. São manifestações múltiplas do

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ser humano. Elas têm um potencial significativo para a Educação So-
cial porque o indivíduo, as pessoas, o grupo que precisam de atenção
no âmbito da dimensão social da educação, encontram uma sinto-
nia muito grande nessa manifestação para dar respostas aos desafios
representados pela educação dos jovens de hoje, particularmente os
mais vulneráveis.
Consideremos, por exemplo, o esporte. Se você jogar uma bola no
campo de futebol, as crianças jogam uma “pelada”, como se diz; é útil
para a descontração e a ocupação do tempo. No entanto, se você co-
loca uma intencionalidade educativa a essa atividade esportiva, isso
muda tudo, isso tem um valor enorme. Consideremos a capoeira, por
exemplo: imaginemos o potencial desse esporte em poder ajudar jo-
vens hoje em dia, desde que se tenha a viabilização de uma intencio-
nalidade educativa. As manifestações culturais na arte, na música e na
dança, tudo isso, proporciona uma fonte enorme de recursos pedagó-
gicos e metodológicos.
O domínio sociopedagógico [socioeducativo], por sua vez, trabalha com
a educação à cidadania, aos direitos humanos, para ajudar e desenvol-
ver habilidades e competências dos indivíduos para que eles possam
romper e superar as condições de marginalidade, romper com a vio-
lência, com a pobreza. Pessoalmente, me identifico muito com esse
campo, embora os outros campos ajudem e são transversais nas meto-
dologias por nós desenvolvidas. Esse domínio da Educação Social tra-
balha também na prevenção terciária com unidades de internação de
jovens que estão em conflito com a lei, com problemas comportamen-
tais ou com privações de liberdade. O domínio socioeducativo orienta-se
também ao desenvolvimento de metodologias voltadas para a recupe-
ração de pessoas envolvidas na drogadição e à difusão de culturas de
paz em ambientes socialmente problemáticos em relação à violência.
Outro campo muito significativo para a Pedagogia Social é o do-
mínio sociopolítico. Ele se expressa na forma do desenvolvimento
da participação social, do protagonismo, do cooperativismo, do

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empreendedorismo, da formação profissional, tendo em vista a gera-
ção de renda e da gestão social das habilidades, competências para que
o indivíduo se qualifique para uma participação ativa, politicamente
voltada à transformação social das condições de vulnerabilidade. De-
senvolve a dimensão da participação da vida social, que não é só de
cunho individual, mas, também, coletivo, na medida em que precisa-
mos fazer com que o indivíduo participe ativamente da sociedade.
Primeiramente, vejo a Pedagogia Social, como uma ciência voltada
para produzir soluções educacionais, tecnologias educacionais que en-
volvam o cuidado e a ajuda onde existir um ser humano, seja rico, seja
pobre, a fim de ajudá-lo a administrar seus riscos. A Pedagogia Social
é ciência, na qualidade de saber teórico, no qual a prática precisa ser
fundamentada e refletida. A dimensão prática é muito rica, mas neces-
sita da dimensão teórica. Daí a necessidade do diálogo teoria-prática.
Referi-me em parágrafos anteriores sobre a razão que me levou a bus-
car fundamentar a minha prática pedagógica pelo estudo sistemático
da Pedagogia Social enquanto ciência, em uma universidade europeia.
A Pedagogia Social tem uma dimensão teórica baseada e construí-
da com a sistematização teórica das práticas que “rolam” nas metodo-
logias, do jeito de fazer pedagógico, que se alimenta do trabalho na
rua, nos bairros e nas comunidades, nas instituições. Essas atividades
práticas precisam de sistematização, pois muitas delas geram bons re-
sultados, mas tem pouca sistematização. Sendo a pesquisa muito ne-
cessária. O objeto de estudo da Pedagogia Social é a prática socioedu-
cativa. Nela os procedimentos pedagógicos privilegiados são aqueles
voltados ao desenvolvimento das relações humanas, que devem pre-
valecer sobre eventuais processos voltados ao ensino e aprendizagem.
Não custa lembrar, aqui, uma ideia importante de Paulo Freire. Ele
dizia que a posição normal do homem é ser da ação e da reflexão, é a
de “admirador” do mundo. Como um ser da atividade, capaz de refle-
tir sobre si e sobre a própria atividade que dele se desliga, o homem
é capaz de “afastar-se” do mundo para ficar nele, e com ele. É uma

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inserção crítica da realidade que ele olha de longe, “ad-mirar”. Todo
ponto de vista é a vista a partir de um ponto. Sendo importante parar
e admirar a realidade que você vive, a sua prática pedagógica, a partir
do seu ponto e olhar e admirar o ponto de vista do outro e refletir.
Lembro-me dos anos 1980 que fazíamos reuniões com os pais de
adolescentes trabalhadores. Não eram poucos, pois eram de duzentos
a trezentos pais que se reuniam em uma escola da Ceilândia (DF). As
pessoas que dirigiam as reuniões eram voluntárias, em geral, casais
muito dedicados. Inicialmente, eles tinham um procedimento comum
que era trazer o conteúdo a ser falado, tudo pronto, de cima para bai-
xo. Eles propunham, por exemplo, a discussão sobre como efetuar um
orçamento doméstico. E aí começavam a explicar com base em es-
quemas pré-constituídos. Fiz uma sugestão aos palestrantes: que antes
de falar suas sugestões e teorias, discutissem com os pais como eles
conseguiam, com um salário-mínimo, administrar seus orçamentos.
Foi uma maravilha, pois tanto para palestrantes quanto para os pais
ouviram-se soluções que os fizeram refletir.
O homem, segundo Freire, é um ser da práxis, da prática; somen-
te o homem tem um pensamento e uma linguagem que se distancia,
sendo capaz de refletir sobre sua própria atividade. Este evento traba-
lha justamente a ideia de emancipação que seria essa dimensão social
da educação, ou seja, a reflexão sobre a vida, para poder transformar
o mundo em que se vive. Não ver a realidade e o mundo como um
“fruto do destino”, mas como algo que pode ser transformado e ser
diferente, sobretudo, quando se necessita de uma reação a algo maléfi-
co para os indivíduos e para a coletividade.
Já afirmamos como a Pedagogia Social é uma ciência que nasce de
um diálogo entre teoria e práxis. Mas devemos ficar atentos, pois a Pe-
dagogia Social tem uma dimensão normativa: quando um pai de famí-
lia corrige o seu filho por algo que não está muito correto, chega para
ele, argumentando e conversando. No caso, existem valores e princí-
pios em questão, que são passados de pai para filho e dizem respeito

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às normas e valores. Então, quando você institui uma metodologia
ou atividades educativas em uma instituição, você a institui em base a
normas, valores e princípios da instituição. É importante definir bem
essas normas, valores e princípios. Do contrário, se você admite nor-
mas e princípios fascistas, em uma instituição, ela formará fascistas.
Então, trabalhe bem o projeto pedagógico da instituição com normas
e valores democráticos sintonizados com a vida das pessoas, para não
trair os objetivos da instituição.
A Pedagogia Social é ciência, e, como tal, é investigativa por natu-
reza. A pesquisa produz tecnologias educacionais, métodos, técnicas e
soluções voltadas para a Educação Social em várias instâncias. Então,
são métodos que não existem em lugar nenhum, pois são “fabricados”
sob medida para cada desafio, advindo da realidade. Normalmente,
uso aqui uma comparação: quando se vai a uma farmácia, temos re-
médios pré-fabricados, por isso, estão imediatamente disponíveis nas
prateleiras. Existem, porém, farmácias que se chamam “farmácias de
manipulação”. Elas produzem o remédio a partir da demanda imedia-
ta de seu médico, em resposta a necessidades especiais. Na Educação
Social é a mesma coisa: são remédios (metodologias) específicas para
cada situação, para cada necessidade especial que emerge da realida-
de. Não adianta você importar um método pré-fabricado. No trabalho
com uma comunidade, nas comunidades terapêuticas para dependen-
tes químicos, é preciso construir uma metodologia que não existe fa-
cilmente dentro do mercado de metodologias (“farmácia normal”). A
Pedagogia Social ajuda a construir metodologias específicas para uma
realidade específica. Às vezes, nas escolas se encontram metodologias
prontas, pois há muitos anos já existem estilos de procedimentos me-
todológicos voltados ao ensino e à aprendizagem. Na Educação So-
cial, porém, na maioria das vezes, é preciso criar praticamente do zero.
A Pedagogia Social orienta-se a potencializar a sociabilidade de in-
divíduos e grupos. Uma parte muito importante que prioriza as rela-
ções humanas, mais que os processos de ensino-aprendizagem. Essa

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é uma dimensão essencial: eu defino como a carteira de identidade
da Pedagogia Social e da Educação Social. É claro que os processos
de ensino e aprendizagem são necessários e eles são utilizados dentro
da Pedagogia Escolar, por exemplo. Mas as relações humanas são ne-
cessárias e precisam ser construídas na educação em geral, também
na escola. Principalmente quando sabemos que os alunos são pessoas
humanas que precisam de ajuda, independente do fato de serem alu-
nos de uma escola, mas porque são pessoas em processo de educação.
A palavra de um educador que presta atenção no indivíduo, que
conhece o seu educando é diferente daquele que só vai à sala de aula e
ensina uma educação, como dizia Freire, “bancária”. Sendo as relações
humanas essenciais, constituindo-se como característica essencial da
identidade da Pedagogia Social.
É necessário fortalecer o ambiente afetivo pela pedagogia da pre-
sença com a qual o educador propõe valores. Os educadores preci-
sam se mover em torno de referenciais de valores. E propor visões de
mundo, às vezes, é arriscado, porque no mercado de visões de mundo,
muitas delas se revelam inadequadas e prejudiciais. Assim, também a
importância da definição dos fins educativos dentro do projeto peda-
gógico dos programas educacionais.
Por último, a prevenção. Atuamos na prevenção por meio de ações
em níveis diferentes. Num primeiro nível de prevenção encontra-se a
educação, de modo especial, a educação escolar. Dela faz parte a socia-
lização na primeira infância, dentro do ambiente familiar, e a educa-
ção na escola, onde as relações humanas são qualificadas e integradas.
Num segundo nível atuamos em áreas de risco. Trabalham-se as re-
sistências aos riscos por meio de ações propositivas: cidadania volun-
tariada, metodologias voltadas para grupos específicos, administração
dos riscos, construção de resiliência. Quando Paulo Freire começou a
aplicar o seu método de alfabetização, ele não queria tanto que seus
alunos desenvolvessem uma leitura das palavras, das letras. A questão
dele era fazer uma leitura, uma reflexão da realidade do mundo, do

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jeito que o mundo era. Esse segundo nível da prevenção é voltado,
sobretudo para grupos que estão em situação de risco: imersos em
espaços caracterizados por violência, uso de drogas, individualismo.
E, um terceiro nível de prevenção que age por uma ação compen-
satória, quando as pessoas já estão comprometidas e envolvidas em
comportamentos estruturados e cristalizados, em ambientes carac-
terizados pela violência, delinquência e drogadição, situações para as
quais é preciso criar metodologias próprias. A Pedagogia Social é para
isso. Ela tem condições de construir tais metodologias e em condições
muito mais difíceis do que nos ambientes escolares. Criar metodolo-
gias para trabalhar com pessoas que estão em recuperação do uso de
drogas não é fácil; requer o desenvolvimento de processos educativos
inspirados na prática e na ciência, tanto na Psicologia da Educação
quando da Sociologia da Educação.
Finalizo, colocando em foco as relações humanas como essência
da Educação Social. Eu me refiro à escola como uma entre as tantas
agências educativas. Três funções estariam na base da escola: o pro-
cesso de ensino aprendizagem; o estilo e qualidade das relações entre
educador e educando; e a força da comunidade educativa. Dessas três
funções, as relações humanas e a comunidade educativa têm uma for-
te intersecção com a essência da Educação Social.
É incorreto dizer que a Pedagogia Social não se aplica a ambientes
escolares, ou que não se aplique à educação formal. Devemos seguir o
princípio, segundo o qual, é o espaço onde se encontra um ser humano,
que precisa ativar relações sociais construtivas, a cidadania e a capacida-
de de entender a sociedade, de viver nela criticamente, onde existe um
espaço para desenvolver a dimensão social da educação. Eu tive a opor-
tunidade de visitar escolas na Alemanha e nessas escolas o pedagogo
social formado na universidade, ao lado do orientador educacional (que
é minha profissão de origem), realizam e desenvolvem toda a progra-
mação do ano na área pedagógica. Finalizando, acredito que são muitas
ideias que podem ser depois refletidas com mais atenção.

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Arthur Vianna: Obrigado, professor Caliman, realmente foi uma
aula, em que várias pessoas saíram e entraram no chat com pergun-
tas. Mas, gostaria de recuperar algumas ideias que o senhor trouxe.
Fazendo um resumo de tudo o que o senhor traz e pontos importan-
tes para a nossa reflexão como, por exemplo, essa construção do con-
ceito de Pedagogia Social que nasce da sua vivência e da sua inquie-
tude, desde o começo trabalhando com jovens e adolescentes nesse
processo. A sua busca, que é uma linda história de vida, na verdade;
de buscar conhecimentos e reflexões sobre a prática. Ir à Itália que te
ajuda a refletir, mas também te ajuda como um suporte teórico, que
é construído lá, e que é trazido para nós, no Brasil, onde pensamos e
repensamos essa ideia, trazendo essa construção de Educação Social
e de Pedagogia Social.
É muito interessante perceber que a Pedagogia Social não está fe-
chada nessa ideia de “educação não formal”; até como o senhor disse,
não formal não combina com o formal. A Pedagogia Social é da di-
mensão do ser humano e, a partir disso, é interessante essa busca nos
escritos do senhor e nas reflexões que nos traz desde a Cátedra UNES-
CO, da Universidade Católica de Brasília.
Essa ideia de se construir uma Pedagogia Social, de pensar sobre a
Pedagogia Social desde perspectivas focadas no indivíduo, na comuni-
dade dentro dos domínios socioculturais, sociopedagógicos e também
essa estruturação além dela, tem um corpo que possui uma dimensão
teórica; ela é normativa, ela é investigativa, ela produz uma técnica
que é muito boa de relembrarmos: cada educador social constrói a sua
própria técnica seu método e sua solução diante de um problema. Eu
acho isso belíssimo!
E recuperar isso, estruturando de alguma maneira produtiva e
que possamos retomar, repensar, refletir, é muito importante. Um
dos pontos que vou terminando é que a essência da Pedagogia Social
seja as relações humanas; isso é muito interessante! A relação huma-
na como um centro, como essência da Pedagogia Social ao qual ela é

Pedagogia Social • 35

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capaz de potencializar a sociabilidade dos grupos, fortalecer os am-
bientes afetivos, a pedagogia da presença. Às vezes, ficamos receosos
com a questão da proposta de valores, pois cada um tem os seus valo-
res, mas é necessário também propor alguns valores sociais.
Nos escritos do senhor, fundamentados nos direitos humanos e na
possibilidade de participação social e política dos jovens, isso também
é uma forma de propor valores, propor uma existência no mundo por
uma realidade concreta de Brasil. Isso é muito interessante e nos traz
bastante coisa para conversarmos.
Gostaria de chamar para a nossa conversa o Lucas, que é do nosso
grupo de pesquisa e mestrando na área da Educação na UERJ. Gosta-
ríamos que o Lucas colocasse algumas inquietações do que ele reco-
lheu no chat dos professores que foram passando. Lucas, por favor!

Lucas Salgueiro: Muito obrigado! Boa noite, professor Arthur! Boa


noite, professor Geraldo Caliman!
Primeiramente, gostaria de agradecer pela presença do professor
aqui; o professor Geraldo Caliman é uma referência imensa para nós,
não só na Pedagogia Social, no Brasil, mas em nível internacional, tal-
vez seja a maior referência teórica do nosso grupo e, felizmente, esta-
mos tendo a oportunidade de falar diretamente com o senhor. Para
mim, já é um documento histórico que teremos no nosso canal, acre-
dito ser um relato muito importante para o desenvolvimento da Peda-
gogia Social no Brasil. E estamos tendo uma repercussão muito boa,
com vários comentários, questionamentos, perguntas... Se o professor
me permite, podemos fazer um bloco de duas perguntas, por vez?

Geraldo Caliman: Sim, pode ser!

Lucas Salgueiro: E até quando conseguirmos extrair do senhor, segui-


remos. Primeiramente, gostaria de agradecer a presença de muita gen-
te, vou distribuir alguns abraços, tem muita gente online. A primeira

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pergunta, que gostaria de colocar aqui, é da professora Karine Santos,
que achei muito pertinente; Karine diz: “Professor Caliman, no aspec-
to histórico, poderia falar do desenvolvimento da Pedagogia Social no
Brasil nesse período de 2000 a 2020?”. Eu gostaria de contribuir um
pouco com o questionamento da Karine. Creio que um dos textos que
a gente mais estudou do senhor foi “Pedagogia Social: seu potencial crí-
tico e transformador”, de 2010. O senhor dá um indício dessa resposta.
No contexto de 2010, lembro que o professor fala bastante que o con-
ceito de Pedagogia Social, no Brasil, estava se desenvolvendo, princi-
palmente a partir de dois eixos, que seriam de uma Pedagogia Social
crítica e emancipadora, o que o senhor diz ser uma influência muito
grande do pensamento freiriano, naquele momento.
Então, gostaria de deixar uma segunda reflexão que é um comple-
mento do que a Karine perguntou: será que ainda temos como uma
das marcas da Pedagogia Social no Brasil, depois de mais de uma déca-
da, esses dois eixos, o potencial crítico e transformador? Então, seria legal
ver como a Pedagogia Social andou nesses últimos anos.
A segunda questão, que podemos começar debatendo aqui, é da
Sônia Veras; ela perguntou se na perspectiva que o senhor tem sobre
a Pedagogia Social, a gente poderia dizer que essa se volta para a for-
mação de lideranças jovens. Então, seriam essas duas perguntas para
abrirmos, professor Caliman.
Geraldo Caliman: Esse tema que a Karine colocou diz respeito
a uma questão ligada à evolução da Pedagogia Social nesses últimos
vinte anos. Existe um colega nosso que fez uma pesquisa muito inte-
ressante nesse sentido. O Érico Machado desenvolveu a pesquisa de
seu doutorado na USP, sob o tema da evolução da Pedagogia Social
nesse período. Mas, diria que essa evolução foi marcada, primeira-
mente pela união entre aqueles que trabalham nesse campo. Porque
os psicólogos, por exemplo, se articularam por primeiro; eles tive-
ram uma participação muito boa historicamente, sempre se reunin-
do com outros grupos ou outras profissões ligadas à educação. Mas,

Pedagogia Social • 37

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o desenvolvimento em torno da dimensão social da educação é uma
novidade, nesses últimos anos. Em 2006, aconteceu o primeiro desses
Congressos Internacionais de Pedagogia Social.
Todos aqueles que trabalhavam nesse campo começaram a se co-
nhecer, a escrever sobre essa realidade, começaram a pedir aos meus
alunos que pudessem refletir e realizar pesquisas com o foco na di-
mensão social da educação. Professores integrantes de Programas de
Mestrado e Doutorado iniciam, com seus mestrandos e doutoran-
dos, a produção e a reflexão sobre a ação pedagógica dentro de uma
perspectiva da Pedagogia Social. Penso que a maior evolução aconte-
ceu nisso.
Uma segunda tentativa muito importante nesse período se trata do
reconhecimento e da regulamentação da profissão do educador social,
que parece não ter evoluído tanto. Nós temos no Brasil a figura de um
educador social na prática, mas que precisa de um reconhecimento pro-
fissional desse indivíduo, bem como também da regulamentação de sua
profissão. Tais processos abrem caminho para uma formação profissio-
nal específica para eles. Muitas vezes, esses indivíduos trabalham no dia
a dia com bastante luta, e a falta de reconhecimento profissional abre ca-
minho até para eventuais explorações de sua mão de obra. O reconhe-
cimento profissional, repito, abre caminho para processos formativos e
para a qualificação de sua atuação em vários níveis.
Outra instância importante é a questão da formação desses profis-
sionais, seja ele o educador social ou o pedagogo social. Observando
a situação atual, ainda tem muito a ser feito, sobretudo, no âmbito
universitário. Desde que cheguei aqui em Brasília, depois de Roma, eu
criei e leciono essa disciplina de Pedagogia e Educação Social. Pratica-
mente são quase vinte anos que dou essa disciplina na universidade no
nível do mestrado e doutorado.
Respondendo à doutoranda Sônia, diria que a formação de lide-
ranças é um campo que ainda temos muito a trabalhar. A formação
de lideranças me parece ainda pouco trabalhada pela educação social.

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Creio que falta quem possa assumir essa função de ajudar as pessoas
em cargo de liderança, para que elas possam desenvolver as suas ca-
pacidades e habilidades de maneira qualificada. Acredito que seja, em
perspectiva, uma ótima coisa a ser feita.

Lucas Salgueiro: Maravilhoso, professor! Acredito que colaborou bas-


tante, vamos aproveitar o tempo que ainda temos com o senhor; vou
trazendo mais perguntas. Para as pessoas que ficaram sem meus abra-
ços, declaro o meu abraço a todos que estão assistindo esta maravilhosa
noite! Continuando, temos algumas outras questões, creio que pode-
mos compartilhar mais duas, agora, as da Rândela Maria. Ela pergunta
sobre alguns pontos específicos dos seus slides: “O domínio sociocultural,
sociopedagógico e sociopolítico da Pedagogia Social estariam interligados?”
A segunda questão que trago é do Marcio Diniz, nosso grande par-
ceiro, falando direto de Moçambique, um educador social que tem co-
laborado muito com os nossos diálogos; grande abraço para o Marcio!
Ele pergunta: “Na sua visão, é possível se efetivar uma Pedagogia So-
cial escolar? Quais seriam os caminhos necessários para essa Pedago-
gia Social escolar?”
Também me permito fazer uma complementação sobre o que o
Marcio disse; em textos mais antigos, me recordo que o senhor havia
escrito que, em algum momento, a escola também traria contribui-
ções para o desenvolvimento da Pedagogia Social. Então, creio que é
até um movimento de mão dupla: não só a escola contribuindo para a
Pedagogia Social como a Pedagogia Social contribuindo para a escola.
Até adicionando, a gente tem estudado bastante no nosso grupo
a vertente portuguesa da Educação Social, e observamos que, em
Portugal, esse debate já está bem avançado. Inclusive, amanhã tere-
mos o prazer de ter um encontro com as professoras Silvia Azevedo
e Fatima Corrêa, que trabalham nessa essência de pensar que a es-
cola já está contribuindo para o campo teórico da Pedagogia Social.
Então, juntando com o que o Márcio quis dizer, acho que é uma

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inquietação nossa sobre fazer uma Pedagogia Social na escola e que
a gente hoje já vê a escola contribuindo para o desenvolvimento da
Pedagogia Social no Brasil.

Geraldo Caliman: Vou iniciar com a primeira pergunta, que diz res-
peito aos domínios, que são o sociocultural, sociopedagógico e o sociopo-
lítico. Os três não são estanques; eles são integrados e, assim, o devem
ser. A minha opção é trabalhar com o sociopedagógico, mas eu não pos-
so fazer a menos daquilo que são inspirações sociopolíticas da Peda-
gogia Social advindas de Paulo Freire. Ele nunca falou de Pedagogia
Social. Nós é que fazemos uma releitura dele e vemos, claramente,
que o seu pensamento se alinha às metodologias potenciais a serem
aplicadas no domínio sociopolítico da Pedagogia Social.
Acredito que os três são interligados e transversais em qualquer
projeto educativo da Educação Social. Em parágrafos anteriores, men-
cionei inclusive como a educação dirigida aos pais dos adolescentes
trabalhadores envolvia métodos advindos da pedagogia de Freire, es-
sencialmente do domínio sociopolítico. Com esses jovens e com os seus
pais, na verdade, eu trabalhava muito em base ao domínio sociopeda-
gógico com a educação pelo trabalho e no trabalho. Essa dimensão era
integrada com a dimensão política da educação (domínio sociopolítico),
que passou a ser demandada e ativada a partir do momento em que
grupos de pais e de adolescentes trabalhadores passam a refletir sobre
a realidade em que eles vivem. Por que esses adolescentes trabalhado-
res de periferia, por que eles não estavam na aula de Balé? Porque não
estavam no curso de Inglês, como qualquer jovem da classe média?
Essa reflexão tem uma fundamentação sociopolítica, é uma reflexão
sobre a cidadania e isso tem a ver com o que eles pensam a respeito da
realidade cotidiana vivida por eles. E o educador social é um profissional
que pode ajudá-los nesse processo, que chamo de administração do ris-
co vivido. A parte do domínio sociocultural, para mim, é importantíssima,
a partir do momento que o esporte, a cultura, a arte, a música, o teatro,

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são recursos e patrimônios inestimáveis que podem ser colocados inte-
grados nas metodologias e viabilizados por atividades eivadas de uma
intencionalidade educativa. Não somente fazê-los jogar bola. No mo-
mento em que você insere na atividade uma intencionalidade educativa,
exerce a função de um educador social, viabiliza um processo educativo
orientado por valores e fins educativos, que pertencem à instituição que
representa. Em veste representativa da instituição, você coloca intencio-
nalidade educativa na arte, na educação e na cultura.
Os três domínios (sociocultural, sociopolítico e socioeducativo/sociope-
dagógico), em que um pode prevalecer sobre o outro, mas não pode
fazer a menos da integração com partes do outro domínio. Eles preci-
sam de certa transversalidade. Quem trabalha mais dentro do domínio
sociocultural, por exemplo, tem que olhar também para a dimensão
política, voltada à formação do cidadão para que ele, em meio às ati-
vidades esportivas e culturais, possa tomar consciência do mundo que
está vivendo, refletindo sobre a situação de pobreza, vulnerabilidade
ou sobre os riscos sociais aos quais ele está sujeito.
A segunda pergunta se refere a uma Pedagogia Social escolar. Sem-
pre pensei que seja muito possível integrá-la dentro de uma pedagogia
escolar. Assim como a Psicologia Social é demandada dentro das escolas,
também a Pedagogia Social poderia, pois a formação do indivíduo tem
de ser integral. Observamos isso com a realidade das comunidades que
vivem no território que circunda uma escola; tal realidade se reproduz
também dentro da escola, pula os muros, escola adentro, pois as crianças
são filhos de pais que moram na vizinhança, que é a comunidade, e essa
é muito impregnada de valores ou contravalores, culturas e tendências
culturais, às vezes, impregnadas por atitudes de violência, de individua-
lismo. Esses “valores” são transmitidos na casa, na residência, na família,
no entorno e, se não ficarmos atentos, também dentro da escola.
É preciso trabalhar isso lá dentro das escolas. A escola não é uma
ilha da fantasia; ela está dentro de uma realidade. Então, a escola preci-
sa refletir com os alunos, por exemplo, sobre tais tendências culturais.

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É uma maneira de educar os alunos dentro de uma perspectiva da di-
mensão social para que eles também possam construir visões de socie-
dade, para além de eventuais tendências culturais prejudiciais à educa-
ção e, para aprenderem a conviver com o outro, sabendo respeitar o
outro, os direitos humanos do outro e, assim por diante.
Tem alguns alunos que fizerem suas teses de mestrado e doutora-
do comigo e que fizeram pesquisa sobre a atuação da Pedagogia Social
dentro da escola, por exemplo, pela aplicação da gestão de conflitos,
da construção de culturas de paz. Eles pesquisaram sobre a questão da
mediação dos conflitos dentro da escola, e essa é uma questão ligada
essencialmente à dimensão social da educação.

Lucas Salgueiro: Muito obrigado, professor! Infelizmente, estamos


no finalzinho do nosso tempo e já recebi no meu ponto eletrônico que
temos poucos minutos. Mas, gostaria de deixar uma última pergunta
que recebemos e depois podemos fazer os encaminhamentos finais.
Recebemos, por e-mail, a pergunta do Roberto, que só se identifi-
cou pelo primeiro nome; ele disse o seguinte: “Na assistência social,
além dos abrigos que abrangem a educação social, há departamentos
com uma educação permanente, gestão do trabalho, recursos huma-
nos, conselhos, medidas socioeducativas, família acolhedora, econo-
mia solidária, gestão de projetos, coordenação administrativa entre
outros que estão interligados à Pedagogia. Não seria preciso mais re-
presentatividade e vontade política para que haja mais convocações
em concursos que se efetive a atuação do pedagogo na área?”.

Geraldo Caliman: Eu acho evidente esse ambiente descrito pelo Ro-


berto, acredito que ele seja uma pessoa muito ligada nesses setores.
Ele enumerou vários fatores muito definidos em que a atuação do
educador social deve sintonizar com a do assistente social. No entanto,
tal integração representa um desafio e um trabalho a ser feito. Sou do
parecer que os profissionais já reconhecidos em sua profissão, como

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o psicólogo, o assistente social, e até outros profissionais, possam se
informar sobre os princípios metodológicos da Pedagogia Social, fa-
cilitando a eles a integração dentro de um processo mais sintonizado
com os fins da Educação Social. Esses profissionais, mesmo que sejam
de diferentes profissões, precisam de uma formação geral comum que
os ajude a trabalhar nas instituições socioeducativas de maneira cola-
borativa e eficiente.
É de uma riqueza inquestionável a capacidade de contribuição do
profissional da assistência social. Auspica-se que a instituição ou o pro-
grama social saiba construir uma sintonia dentro da ação educativa.
Essa integração entre as áreas da educação e da assistência social preci-
sa chegar também no nível das políticas sociais.
Gostaria de agradecer essa oportunidade. Estou conhecendo hoje
o professor Arthur Vianna. Foi um prazer muito grande poder entrar
em contato com vocês e de poder contribuir. Acredito que possamos
juntar forças no sentido de construir caminhos bem sólidos em prol
da nossa juventude, para que possamos qualificar os profissionais da
Educação Social, por uma reflexão baseada no diálogo entre teoria e
prática. E vejo que esse evento se orienta nessa linha.

Arthur Vianna: Queremos agradecer bastante à generosidade intelec-


tual do senhor, que ficou conosco aqui, por uma hora e vinte, nessa
live. Muito obrigado mesmo pela disponibilidade por essa generosida-
de! Agradecer, também, ao Lucas, que é o protagonismo da juven-
tude, do mestrando, do graduando, que também está aqui conosco
construindo isso. Creio ser algo do nosso grupo de pesquisa, querer
fazer com que graduandos produzam textos científicos, os mestran-
dos, os doutorandos... que todos eles possam entrar nesse contexto, e
não somente nós, que já temos doutorado e pós-doutorado, mas tam-
bém os outros que estão na base, pensando em incentivarmos uns aos
outros. Jovens com a leveza da juventude da participação social e nós
com um pouco de barba branca como estou, mas de caminhada que

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vamos fazendo essa construção. Professor Geraldo Caliman, quer dei-
xar alguma palavra final para irmos terminando esta mesa?

Geraldo Caliman: Mais uma vez agradeço e, precisando de alguns


livros, estarão disponíveis no meu site (pedagogiasocial.net). São de-
zenas de livros em PDF, alguns dos quais vocês já conhecem e que
podem ser baixados. Nossa opção é não vender papel, mas sim, difun-
dir ideias. Por isso, tudo nesse espaço é livre. Fico feliz em saber, por
exemplo, que aquele livro, “alteridade” [“Pedagogia da Alteridade: para
viajar a Cosmópolis”, de Geraldo Caliman com Vittorio Pieroni e An-
tonia Fermino], que é uma Pedagogia Social aplicada em ambientes
de imigração, está sendo utilizado. Além dos livros, são encontrados,
também, diversos artigos de minha autoria, todos deles ligados direta
ou indiretamente à Pedagogia Social.

Arthur Vianna: Muito obrigado, professor! Iremos Nos despedindo


de todos também.

Lucas Salgueiro: Antes de fazer o encerramento, Arthur, posso dar os


informes finais?

Arthur Vianna: Exatamente, por favor!

Lucas Salgueiro: Professor Geraldo Caliman, muito obrigado pela


sua presença novamente, por poder brindar a gente com tanto conhe-
cimento, tantas experiências durante uma hora e meia. Agradeço ao
Arthur pela honra de estar aqui representando os membros do “Fora
da Sala de Aula” nessa mesa tão relevante para nós. Passando os últi-
mos informes: às 20h30 estamos voltando no canal do Youtube, tere-
mos mais uma tela cultural hoje, e também uma tela de lançamento
de livros. Então, convocando, a gente ainda terá: “Eles já vêm assim:
representações sociais de pobreza e identidade socioprofissional docente”, o

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novo livro do professor Arthur Vianna Ferreira e do Thiago Simão
Dias. Iremos ter também o lançamento do livro “Educação e desenvolvi-
mento social”, do professor Alejandro Valdes.
Um recado muito importante aqui, se vocês querem esses livros,
e querem participar diretamente da JENEPS, a gente está com uma
promoção sensacional! O que você precisa fazer?! Estamos com uma
hashtag no JENEPS; você coloca a #tonojeneps2021, no Facebook, no
Twitter, no Instagram, na sua rede social de preferência, e coloca uma
foto acompanhando o nosso evento. Para quem postar, acompanhare-
mos. E terá o sorteio de um livro hoje, e amanhã. Agradecemos mui-
to pela presença de todos! Apesar de ser uma honra ter aqui, figuras
como o professor Geraldo Caliman, esse evento só acontece por que
tem bastante gente acompanhando e dando suporte, desde 2016. É
isso pessoal. Boa noite para todos, todas e todes que nos acompanha-
ram, e até às 20h30. Muito obrigado!

Geraldo Caliman: Boa noite!

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A PROFISSÃO DE EDUCADOR SOCIAL
EM PORTUGAL: PROCESSOS DE
INDIGNAÇÃO E EMANCIPAÇÃO 1
Silvia Azevedo
Fátima Correia

Falas que atravessam o Atlântico e chegam, como palavras,


em terras brasileiras
Este texto é organizado a partir da transcrição da palestra “A profis-
são de educador social em Portugal: processos de indignação e emancipação”,
realizada na VI Jornada (web) de Educação Não escolar e Pedagogia Social,
ocorrida no dia 18 de novembro de 2021 (de forma online) na Facul-
dade de Formação de Professores da UERJ. Neste recorte, escutare-
mos as vozes das pesquisadoras Silvia Azevedo e Fátima Correia, do
Instituto Politécnico da Cidade do Porto, que compõem a direção da
APTSES (Associação dos Profissionais Técnicos Superiores de Educa-
ção Social), em Portugal.
O material que se apresenta opta por manter as reflexões das edu-
cadoras sociais no formato apresentado na Jornada, de forma a regis-
trar esse momento importante de internacionalização do evento e,
trazer ao leitor, a experiência de um texto mais leve e que conduza a
uma reflexão – e por que não indignação? – dos processos educativos

1.  Este texto tem como base a comunicação realizada no dia 18 de novembro de 2021, como
parte da VI Jornada de Educação Não escolar e Pedagogia Social. O vídeo original com os diálogos
está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=avnWBNzHn4c&t. Acesso em: 09
mai. 2022.

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realizados entre os educadores sociais, sua formação docente e a sua
responsabilidade na Educação Social lusófona.
Agradecemos pelo esforço da bolsista Beatriz Serrano, que fez a
transcrição dessas falas ditas além do oceano atlântico e que nos che-
garam por videoconferência, ao continente americano. Transforma-
das em palavras, essas experiências poderão ser lidas, e relidas, por
outros educadores que falaram desde suas experiências e, Oxalá, ins-
taurará o início de um processo de indignação que faça crescer o cam-
po do saber da Pedagogia e Educação Social nessas terras brasileiras.

Silvia Azevedo: Muito obrigada! Muito obrigada pelas vossas pala-


vras, pela vossa apresentação. Vocês deixaram-nos com uma grande
responsabilidade depois de todas essas palavras proferidas e, é com
muito orgulho e sentimento que, de fato, fiquei aqui comovida e te-
nho a certeza de que a professora Fátima também, de saber que vocês
têm lido aquilo que escrevemos sobre a educação social, e que nossos
documentos têm servido também para vos ajudar a refletir sobre a
profissão e sobre a Educação Social, no Brasil. Primeiro, porque o Bra-
sil é um país que eu gosto imenso, com os quais nós temos trabalhado
muito no campo da Educação Social e, portanto, acompanho. Eu e
a professora Fátima acompanhamos muito de perto vossa discussão,
que tem vindo a brotar já há alguns anos para cá. Mas, antes disso,
gostaria de fazer os meus agradecimentos mais formais e, também,
parabenizar as instituições e o professor Arthur Vianna por este even-
to, portanto, queria agradecer o convite da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, na pessoa do senhor reitor, o professor Ricardo Lodi.
Queria, também, agradecer ao Departamento de Educação, e ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Forma-
ção de Professores da UERJ, no Brasil. Claro que, um especial agra-
decimento também ao professor Arthur Vianna, por ser, sem dúvida,

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uma oportunidade muito importante para ambos os países, termos
estes momentos de partilha e de conhecimento mútuo, e de poder-
mos crescer em conjunto, portanto, muito, muito obrigada! Parabéns
pelo evento! Fica, como dizia, há pouco, minha colega, o gostinho de
querer voltar ao modo presencial. Quem sabe, num futuro próximo,
não muito longínquo, assim que a pandemia nos permitir, portanto,
mais uma vez os meus parabéns e muito obrigada!
Optei por não fazer uma apresentação. Penso que será melhor fa-
lar, até porque eu acompanho muito de perto todo o vosso processo
de afirmação da profissão do educador social e da formação, e todo
o vosso processo histórico, portanto, quando estava a preparar uma
apresentação pensei: “Não, acho que é interessante, conhecendo o
processo de discussão, que está latente neste momento no Brasil, so-
bre o campo da Educação Social e sobre a importância da formação
do ensino superior, será mais interessante ou mais enriquecedor falar
na primeira pessoa: todo o processo histórico, e de que forma Portu-
gal começou a olhar para a educação social de forma a afirmar a pro-
fissão com uma formação de ensino superior.” Entender de que forma
chegamos, até hoje, a uma profissão consolidada, equiparada a outras
profissões, pertencendo ao grupo multidisciplinar de trabalho social.

II

Ora bem, os campos de intervenção da Educação Social, em Portugal,


não são muito diferentes do resto do mundo, portanto, não são mui-
to diferentes do Brasil. Nós Atuamos no âmbito social – sobretudo,
no âmbito social. Também temos alguns educadores sociais que tra-
balham na área da educação não formal, nas escolas, ou também na
área da saúde, ou na assessoria aos tribunais com processos de crian-
ças e jovens em risco. Portanto, os nossos campos de intervenção não
são assim tão diferenciados como possam parecer. A Educação Social,
em Portugal, começou-se a desenvolver, sobretudo, no âmbito social,

Pedagogia Social • 49

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mas, sobretudo, em espaço sociocomunitário, com as comunidades,
portanto, muito próximo também da vossa história no Brasil. Quando
nós falamos do espaço sociocomunitário, queremos dizer que a Edu-
cação Social se direcionou muito para a intervenção comunitária, para
a intervenção social, baseada, portanto, numa política socioeducati-
va de intervenção diferenciada daquela que existia até então, que era
muito direcionada para o assistencialismo.
Em nossa opinião, a Educação Social é caracterizada sempre com
uma perspectiva “teórica-prática”, ou seja: nós não concebemos a Edu-
cação Social, atualmente, apenas numa perspectiva prática. Sei que no
Brasil esta é uma discussão latente, ou seja, que os educadores sociais
nascem e são o resultado da prática profissional, portanto, dos movi-
mentos sociais que se formam nas comunidades. Achamos que, hoje
em dia, a Educação Social é caracterizada numa perspectiva muito mais
alargada, em que a teoria é, de fato, importante, portanto, nesse senti-
do, nós não podemos conceber a Educação Social sem conceber a teoria
e a prática. Ou seja, não há prática sem a teoria, mas também não há
teoria sem a prática. Portanto, digamos que, como dizia Petrus, que é
um autor que eu estudei na universidade, com o qual eu ainda gosto
muito de refletir: “É uma teoria de uma prática para sua prática”. Assim
é a forma como nós, em Portugal, vemos a Educação Social.
Além disso, para nós, o educador social é um profissional com for-
mação superior, enquadrado em equipes “multi-interdisciplinares” de
trabalho social educativo e na área da saúde. É também um profissio-
nal que investiga, que cria conhecimento, que faz reflexão sobre sua
prática profissional e que vai também criando dinâmicas próprias de
intervenção. Ele tem que conhecer as suas intervenções socioeduca-
tivas e deve procurar ter uma aproximação direta e humana com as
pessoas com as quais trabalha. O educador social tem que favorecer os
processos educativos das pessoas que lhes permitam a crescerem em
vários níveis, desenvolverem competências sociais, pessoais, profissio-
nais; criarem novas competências e inserirem-se nas comunidades a

50 • Pedagogia Social

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que pertencem ou outras quaisquer. Assim, a identidade do que é ser
educador social passa, na nossa visão, por um compromisso ético. Um
compromisso ético e educativo, no campo do trabalho social, o qual
estamos inseridos em Portugal. O trabalho social sugere que a inter-
venção seja uma intervenção baseada na Pedagogia Social, e numa
intenção pedagógica da alteração de algo que está menos bem, por-
tanto, de algo que necessita ser transformado, superando uma lógica,
obviamente assistencialista, e centrando-se na capacitação das pessoas
e nos seus processos educativos.
O trabalho social para nós é uma atividade profissional que exige, de
certa forma, que a ética seja implícita nas nossas práticas e que nos defi-
na o modo como nós, enquanto profissionais teórico-práticos, definimos
formas de ser, de estar, de agir. Da mesma forma, deve nos ajudar a re-
fletir, a saber atuar, a orientar e a trabalhar com os outros, sejam eles as
pessoas de nosso público-alvo, sejam os nossos colegas educadores.

III

A história da Educação Social em Portugal nasce da Pedagogia Social.


Nasce, portanto, muito com uma aproximação muito grande das teo-
rias e aos marcos teóricos, quer da Espanha, quer dos franceses, quer
dos alemães. A verdade é que, apesar de nós termos este forte com-
ponente da história da Pedagogia Social europeia, em Portugal, ela
é uma ciência incorporada numa ciência mãe, que são as Ciências da
Educação. Hoje, defendo, e tenho um artigo já escrito que tem sido
muito discutido também, e que posso depois, também, falar-vos dele,
que a Educação Social ainda continua sendo uma filha da Pedagogia
Social, uma práxis da Pedagogia Social. Isso é condutor para aquilo
que a Educação Social é hoje, pelo menos em Portugal. Porque a Edu-
cação Social, hoje, constrói saberes, ela desenvolve competências, cria
competências próprias, tem práticas que são refletidas, investigadas,
escritas, transformadas, e que são aplicadas. No fundo, o que eu quero

Pedagogia Social • 51

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dizer com isto é que a evolução, que se tem dado ao longo desses anos
da Educação Social, leva-me a crer que, se produzimos investigação,
se nós estamos no campo da intervenção, se refletimos sobre nossa
prática, então, nós estamos a produzir ciência. Sermos uma ciência da
Educação Social.
Portanto, diria que, se há uns anos definia-se que a Pedagogia So-
cial era a ciência mãe da prática da Educação Social, acho, hoje, que as
fronteiras entre uma e outra deveriam deixar de existir, porque, no fundo, eu
penso que a Pedagogia e a Educação Social são uma só. As duas são Educação
Social. Primeiramente, porque, como vos dizia há pouco, a educação
social produz a sua própria ciência no seu campo de intervenção e,
por isso, já sai um “bocadinho” fora das teorias espanholas, em que
se discutia que os pedagogos sociais eram aqueles que pensavam na
ciência da prática profissional dos educadores sociais. Penso que este
paradigma está um pouquinho em desuso, em Portugal. Isto daria ou-
tro tipo de discussão, mas que não poderia deixar de acrescentar a esta
minha apresentação, porque, no fundo, estaria, eu acho, a mentir-me
a mim própria, defendendo um enquadramento teórico e um paradig-
ma com o qual, neste momento, já não me identifico tanto. Para mim,
já não há, portanto, uma distância tão grande entre a Pedagogia Social
e o Educador Social. Acho que, de fato, está a altura de nós, pensar-
mos na evolução da profissão como uma ciência. Ou seja, a Educação
Social e a Pedagogia Social estão, de fato, unidas.
Nas últimas décadas, em Portugal, a evolução foi se dando grada-
tivamente. Para vocês terem noção, eu terminei minha licenciatura
e minha formação de ensino superior em 2001. Fui a segunda turma
de licenciados em Educação Social em Portugal. Quero dizer que não
fui a segunda turma de educadores sociais portugueses; fui a segunda
turma de licenciados em Educação Social. Ou seja, o curso de Educa-
ção Social e o profissional educador social já existiam em Portugal, na
década de 1970 e 1980, mas era um curso técnico-profissional. Portan-
to, um monitor, que desenvolvia um conjunto de competências que

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passavam pelo desenvolvimento de atividades lúdicas ou dinamização
de atividades de tempos livres. Não era um técnico que tinha autono-
mia de intervenção, nem podia envolver-se em determinado tipo de
intervenção social ou educativa, mas era um monitor de atividades de
tempos livres e de atividades lúdicas. A verdade é que, à medida que
o educador social foi – mesmo como monitor e outros sem qualquer
tipo de formação, mas que também desenvolviam pelas suas expe-
riências de vida atividades como educadores sociais – se aproximan-
do cada vez mais, não só da animação sociocultural, mas também, da
Educação Social, foi-se, também, exigindo outro tipo de formação que
os ajudasse a complementar sua prática, havendo, aqui, uma neces-
sidade de desenvolver formação que lhes permitisse assumir outras
responsabilidades na prática, e que não assumiam, porque não tinham
uma formação adequada.
Depois, da década de 1980 para 90, as Escolas Superiores de Educa-
ção dos Institutos Politécnicos em Portugal perceberam que a Educa-
ção Social tinha que evoluir, portanto, que não bastava experiência das
práticas partilhadas na intervenção em determinados contextos pela
experiência pessoal de cada um. Assim, começou-se a afirmar que os
educadores sociais deveriam fazer um curso de 3 (três) anos, um curso
técnico ou bacharelado, mas não uma licenciatura. Em 1996, isto evo-
lui para uma licenciatura.
E, por que, em 1996, há a necessidade de se criar esta licenciatura
dando uma formação superior aos educadores sociais? Porque à medi-
da que a dinâmica social evoluiu nos contextos de intervenção social,
a Educação Social foi adaptando-se às necessidades do público-alvo.
Assim, foi também demonstrando ter uma intervenção diferenciada
daquela que existia até então, muito baseada em paradigmas assisten-
cialistas. Nada contra, pois o assistencialismo também é importante
no apoio social, mas, quero dizer que era importante ir mais além.
Fazia-se necessário também criar perspectivas de desenvolvimento hu-
mano que permitissem as pessoas trabalharem as suas competências,

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transformando o sentido de novas perspectivas de vida. Era impor-
tante a Educação Social ajudá-los a encontrarem novos modelos de
vida e, de certa forma, de desenvolverem habilidades que permitissem
melhorar as suas vidas e não ficarem dependendo dos apoios sociais
eternamente.
Assim, o educador social deveria reunir todas essas competências
como profissional, já com formação de bacharelado – mas não era
o suficiente. Seu componente teórico ainda não era suficiente para
aprimorar a sua prática. E, então, houve a necessidade de criarem as
licenciaturas no sentido de dotá-los das competências para tal e equi-
pará-los aos seus colegas trabalhadores e técnicos como psicólogos, so-
ciólogos, assistentes sociais e entre outros profissionais que exerciam
as suas funções de técnicos sociais nos diversos contextos de interven-
ção que são similares a Educação Social. De fato, este educador social
necessitava de ser reconhecido e de ter autonomia de intervenção por-
que até então ele não a tinha. Ora, para ter autonomia de intervenção
era preciso ter um campo teórico robusto que justificasse e permitisse
desenvolver, na prática, todo o seu conhecimento científico.
E, pronto. Em 1996, surgiu a primeira licenciatura em Educação
Social. A partir daí, através do Tratado de Bolonha, que foi um tratado
assinado entre todos os países da Comunidade Europeia para que as
universidades tivessem os mesmos conteúdos programáticos, ou seja,
os mesmos programas de formação para que as pessoas pudessem fa-
zer intercâmbios entre países. O Tratado de Bolonha foi, sem dúvi-
da, muito importante para nós, porque permitiu-nos, de certa forma,
agregar as escolas de formação de educadores sociais que tinham o
curso de bacharelado e transformá-los em licenciaturas.
Com a primeira licenciatura em Educação Social, surgiu um pro-
blema. Quando termino meu curso de licenciatura em Educação So-
cial, em 2001, havia oportunidades de emprego em Portugal para edu-
cadores sociais, mas não para licenciados. Foi então que vi, que todo o
panorama que eu tinha criado, ao longo da minha formação superior,

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estava completamente desajustado para aquilo que o mercado estava
preparado para absorver. O que é que isto quis dizer? Quis dizer que
me deparei com uma situação, que era a seguinte: eu era licenciada
em Educação Social, tinha feito estágio no programa Erasmus, na
França, mas não tinha empregabilidade como tal.
Então, senti a necessidade de formar o primeiro grupo de trabalho
em educação social e procurar um sindicato, alguém que nos desse
apoio no sentido de afirmar a profissão e exigir, do mercado, a equipa-
ração do educador social e o reconhecimento do educador social, atra-
vés da sua licenciatura, e não só como técnico profissional ou como
bacharelado. Assim, começamos a trabalhar no reconhecimento da
profissão, juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde e
da Segurança Social, que são as áreas onde estamos integrados.
Em 2007, apresentamos a primeira proposta de estatuto profissio-
nal do técnico superior de Educação Social ao Estado Português. A
partir daí começamos a criar o código deontológico e a promover,
digamos assim, a afirmação e a abertura de concursos públicos, e
privados, que dessem empregabilidade aos licenciados em Educação
Social. Como vocês veem, é muito similar àquilo que vocês buscam
construir no Brasil noutra dimensão, obviamente, enquadrado nou-
tro tipo de contexto. Em 2008, cria-se a APTSES (Associação Pro-
fissional dos Técnicos Superiores de Educação Social), porque per-
cebemos que o trabalho do sindicato tinha sido muito importante.
Contudo, ao longo do processo, entendemos que o papel do sindi-
cato não era o suficiente para defender uma profissão e para ajudar
a afirmar essa profissão em Portugal. O que é que nós fizemos? Nós
começamos a estudar e a procurar contatos com outros educadores
sociais pelo mundo afora, desde a América Latina, Canadá, Estados
Unidos, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, para perceber quem
eram os educadores sociais no mundo.
Fomos percebendo que, nos outros países, o papel dos educadores
sociais, mesmo nos países nórdicos que se denominam de “Pedagogos

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Sociais” – e, para nós, são efetivamente educadores sociais – não es-
tavam muito aquém daquilo que realizávamos aqui. Começamos a
estabelecer contato com a Associação Internacional de Educadores e
Educadoras Sociais (AIEJI), onde neste momento fazemos parte como
representantes do Gabinete Europeu. Dessa forma, traçamos um ca-
minho no sentido de afirmar a profissão, agora não somente em Por-
tugal, mas também no resto do mundo.
De fato, a partir do momento em que o educador social tem uma
formação de ensino superior reconhecida, ele tem todo um compo-
nente teórico que o habilita para trabalhar com a população com au-
tonomia, proximidade, compromisso e responsabilidade; ele produz
o seu próprio conhecimento científico sobre sua ação. Como estão
vendo, tudo isto começa em 2001, e mesmo em 2021, continuamos
tendo uma missão: que é fazer com que a Educação Social seja con-
tinuamente reconhecida. Em Portugal, ela já é conhecida: abrem-se
concursos há muitos anos para educadores sociais licenciados, quer
no sistema público, quer no sistema privado. Todas as instituições de
ensino superior já têm a licenciatura em Educação Social. Nós não es-
tamos mais nesta discussão. Contudo, queremos que a profissão cres-
ça no resto do mundo. Por isso, estamos atentos a tudo o que passa
em países como o Brasil, Uruguai, Colômbia, entre outros. Porque, de
fato, ser educador social é ser educador social no mundo e, parece-nos
que é muito importante termos um projeto agregador de um perfil
profissional específico.
É isto que estamos, neste momento, trabalhando na associação
internacional. Na AEIJI termos um perfil profissional internacional
agregador, com a mesma consciência e ética, com o mesmo perfil de
funções e com a mesma formação. Eu sei que há, no Brasil, associa-
ções de educadoras e educadores sociais que não defendem a forma-
ção superior. Eu conheço muito bem alguns deles e alguns são meus
amigos pessoais. Temos muitas vezes esta discussão quando estamos
juntos. O Brasil tem que passar a olhar para a profissão com um olhar

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de um técnico que necessita de componente teórico suficiente que
o habilite a trabalhar nestas dinâmicas, sociais e coletivas, que hoje
emergem da sociedade e que tem outro tipo de exigências.
Defendemos, aqui em Portugal, e também para o resto do mundo,
que os movimentos sociais e as comunidades produzam conhecimentos
fundamentais para o público-alvo com os quais trabalhamos e para a afir-
mação de uma profissão. Porém, é importante que o conhecimento cria-
do se torne visível a uma matriz teórica em que se escreve uma prática
profissional. Os estudos superiores podem ajudar na intenção pedagógica
e no planejamento da ação que exigem um conhecimento científico para
tal. Enfim, para sermos bons profissionais de Educação Social temos que
ter uma consciencialização profissional, temos que ter uma atitude críti-
ca e reflexiva de que só poderá existir quando nós passamos por escolas
e universidades que nos ajudem a desenvolver esses conteúdos teóricos.
Agora, passo-vos a palavra, a professora Fátima. Muito obrigada!

IV

Fatima Correia: Obrigada. Eu reitero os agradecimentos que a Silvia


Azevedo fez e agradeço também o convite para partilharmos aquilo
que tem sido a evolução da Educação Social em Portugal. É sempre
uma honra partilhar a mesa com Silvia, que além de educadora so-
cial e minha companheira na área da Educação Social, tem sido nos
últimos anos minha amiga pessoal. Eu gostaria de partilhar convosco
sobre a história, aquela conhecida história da Educação Social e a for-
ma como ela evoluiu enquanto profissão em Portugal. Gostaria de me
centrar no presente e apontar alguns problemas futuros, com os quais
a Educação Social em Portugal se depara, se der tempo.
No âmbito da identidade do educador social em Portugal desta-
co, sobretudo, dois grandes papéis: por um lado a formação acadê-
mica, que tem sido essencial para nós tornarmos a Educação Social
uma profissão científica e legitimada; e, por outro lado, a questão da

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própria associação profissional, que também tem aqui um contributo
importante.
Focando na formação, de fato, o ensino superior tem aqui um im-
portante papel na nossa profissionalização ou na afirmação da Educa-
ção Social enquanto prática científica. Isso acontece porque se cons-
titui, aqui, uma cultura profissional organizada desde um processo
de construção da profissão que começa no ensino superior que tem
sido para nós, portugueses, essencial. Por outro lado, permite que os
próprios educadores sociais consigam adaptar-se a uma sociedade que
apresenta um contexto que está sempre em constante mutação e de-
senvolvimento. Assim, em termos de formação, destacam-se dois mo-
mentos: por um lado, a formação do ensino superior, ou seja, a forma-
ção acadêmica das universidades, das instituições de ensino superior;
e, por outro lado, uma formação que depende também de um próprio
investimento por parte do profissional, que acaba por investir na sua
formação contínua. Esse esforço é realizado pelo educador social, que
consegue perceber que o tempo histórico promove uma rápida obso-
lescência dos próprios saberes da prática profissional.
Em Portugal, neste momento, existem quinze instituições de ensino
superior com cursos de Licenciatura em Educação Social. Esses foram mui-
to motivados pelo Tratado de Bolonha que, de certa forma, nos apro-
xima de uma rede europeia de cursos de ensino superior. Esse tratado
facilitou certo processo de mobilidade europeia que existe entre os
profissionais. Destaca-se, também, o papel da Agência de Avaliação do
Ensino Superior que permitiu que todos os cursos da Educação Social
seguissem um plano curricular mais ou menos comum. E esta realida-
de permitiu, ou tem permitido nos últimos tempos, que a Educação
Social balize os seus limites. Essa agência tem insistido para que todas
as instituições de ensino superior tenham no seu plano de estudos dis-
ciplinas ligadas a três grandes áreas: a Psicologia; a Sociologia; e a Pe-
dagogia Social. Portanto, essas três grandes áreas constituem o tronco
científico da Educação Social em Portugal.

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Outro papel importante dessa agência é a que obriga, dentro do cor-
po docente dessas próprias instituições de ensino superior, a existência de
doutorados na área das Ciências da Educação e, preferencialmente, no
campo de concentração da Educação Social. Essa realidade é um ponto
importante de conquista dentro de Portugal. A existência de educadores
sociais com doutorados na área da Educação Social é sempre uma “mais
valia” para o ensino e a coordenação de cursos de Educação Social, como
é o próprio caso da nossa palestrante anterior, Silvia Azevedo.
O papel de uniformização dos cursos nos traz o contato com áreas
científicas importantes para a Educação Social. Na comparação entre
diferentes planos de estudo em Portugal, destaco que os conhecimentos
na área da Psicologia e da Sociologia nos dão noções importantes sobre
o indivíduo. Por nós intervirmos na prática é exigido aqui um conjunto
de conhecimentos científicos que só a formação acadêmica nos pode
dar. Assim, a “educação informal”, por muito boa que seja, não é su-
ficiente para nos conferir esses conhecimentos. A área da Psicologia é
muito importante para entendermos como é que funciona o indivíduo,
como é que são as suas estruturas mentais, assim como, alguns modos
de funcionamento comportamentais, sobretudo os atitudinais.
As questões da Sociologia trazem a análise das próprias questões do
meio social. Um meio social, pelo qual o indivíduo se move a partir de
um sistema social específico. A Pedagogia Social, presente entre esses dois
campos do saber, se apresenta quase como uma ‘cola’ entre estas duas
grandes áreas. Depois, em termos de formação acadêmica, existem ain-
da muitas disciplinas ligadas ao desenho e desenvolvimento de projetos:
as próprias metodologias socioeducativas, os métodos de intervenção e
investigação socioeducativas. Os conhecimentos sobre as problemáticas
sociais auxiliam nas diferentes respostas sociais nas quais o educador social
pode oferecer como intervenção ao campo socioeducativo.
Ao continuarmos essa análise desses planos de estudo, percebe-
mos que existem outras disciplinas associadas a determinados pú-
blicos, como o contexto dos idosos e a proteção das crianças, por

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exemplo. É uma formação muito polivalente e que, de certa for-
ma, nos permite também intervir como prática polivalente em um
mundo organizado de igual maneira. A nossa formação contempla
ainda unidades curriculares muito associadas às próprias políticas
sociais, mais especificamente, as políticas públicas. A Educação So-
cial é ainda muito dependente das políticas sociais e de bem-estar.
Por isso, temos que ter uma formação na área das políticas e da
legislação social.
E, por fim, faz-se necessário pensar sobre a própria formação ética
e deontológica do educador social. Ele é um profissional que traba-
lha com pessoas. Assim, é muito importante nós trabalharmos esta
dimensão afetiva e relacional com os sujeitos. Uma vez que existem
muitos educadores sociais que já estão a gerir instituições socioeduca-
tivas, devem existir também disciplinas que permitam coordenar estas
próprias organizações. Ou seja, perceber como é que funciona estas
organizações socioeducativas, como é que elas podem ser melhora-
das. Isto que foi falado até agora é o que podemos entender como as
grandes disciplinas que compõem aquilo que tem sido a formação do
educador social em Portugal.
Se nós tivermos que destacar uma área importante da prática da
educação social, eu destacaria aqui, a parte mais metodológica, ou
seja, de ensinar o educador social a intervir na prática. Nesse aspecto,
destaco desde logo o papel também que os estágios profissionais e o
que acrescentam para aquilo que é a formação do educador social. De
fato, todas as instituições de ensino superior têm vários momentos de
prática. São muito importantes, porque é uma prática supervisionada.
E o que é que isso quer dizer? Quer dizer que é um primeiro contato
com a realidade, mas é um primeiro contato com a realidade que vai
recebendo feedback de colegas, de professores, dos próprios orientado-
res, das instituições. Isso vai ajudar a criar uma identidade do próprio
estudante, sendo assim, muito importante quando se inicia no merca-
do de trabalho.

60 • Pedagogia Social

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Outra área que eu destaco, e que eu acho que é muito importante
na nossa formação em Portugal, tem a ver com a própria formação
pessoal e social do estudante em Educação Social. Ou seja, existe um
grande esforço por parte das instituições de ensino superior para for-
mar a pessoa que é o profissional. Portanto, não só formar o profissio-
nal, mas formar a pessoa que é o profissional. Isso é fundamental, pois
o educador social trabalha com pessoas em realidades muito difíceis e
com muitos valores próprios da outra pessoa que podem não ser com-
patíveis com os seus. Muitas vezes, os meus princípios, meus valores,
aquilo que eu trago como bagagem das minhas experiências familia-
res, das minhas vivências pessoais, tudo isso, podem entrar em choque
com as experiências pessoais do outro, com o qual eu trabalho. Assim,
formar esse educador social é fundamental para nós também criarmos
uma profissão rigorosa e científica – e, ao mesmo tempo, radicalmen-
te aberta a alteridade.

Por outro lado, temos também em Portugal, cada vez mais visível, o
papel da própria associação profissional que foi criada, a APTSES, des-
de 2008. Por meio dela, tem sido feito um grande percurso na divul-
gação da Educação Social. Por isso, eu acho que a APTSES tem aqui
um papel central e vital naquilo que é a Educação Social em Portu-
gal, atualmente, porque de fato, nós conseguimos criar uma imagem
pública do que é ser educador social em Portugal. Isso se dá tanto a
partir da participação em redes internacionais, como junto às institui-
ções de ensino superior no país. É a associação profissional que con-
segue trazer para as próprias instituições de ensino superior quais são
as necessidades do mercado de trabalho, as necessidades oriundas dos
profissionais, os desafios que encontram atualmente e como a própria
formação pode responder a estes desafios e acompanhar esta sociedade
em mudança. Eu acho que este é um ponto vital da própria identidade

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do educador social em Portugal. Depois, claro, não só divulgam a ima-
gem da profissão, mas também conseguem conceber as condutas ou as
normas que devem regular o próprio profissional. A APTSES, associa-
ção profissional, tem um papel fundamental na criação de um código
deontológico e de uma formação ética do educador social.
Muitas das vezes, o seu papel acaba por ser também de consulto-
ria ao próprio profissional. A associação profissional acaba por ajudar
estes profissionais no seu cotidiano, ou seja, nós temos o papel de su-
pervisão das suas práticas. Perceber o que está bem ou o que está mal,
não ultrapassar determinados dilemas e avaliar aquilo que é necessá-
rio para o próprio profissional e que a formação não conseguiu cum-
prir é uma ação prestada pela própria associação profissional. Além
disso, essa instituição auxilia na integração do profissional ao merca-
do de trabalho e suas condições laborais. Apesar de não sermos um
sindicato, acabamos por ter um importante papel na divulgação ou
da legislação laboral. Da mesma forma, entendemos as condições de
trabalho que dignificam a profissão ou não.
A situação profissional também tem um relevante papel no próprio
desenho de políticas socioeducativas. A Educação Social tem um impor-
tante papel nas negociações com o governo. Por meio das associações,
acessam os partidos políticos, podem exigir melhorias nas políticas so-
ciais que sejam mais emancipatórias para os indivíduos, para a comuni-
dade e, assim, conseguir um verdadeiro desenvolvimento comunitário.
Isto é possível por meio de uma associação que representa todos os pro-
fissionais. Por isso, o fato da APTSES ser a única associação profissional
da Educação Social em Portugal ajuda no crescimento do número dos
associados que se aproximam para colaborar conosco e divulgar a Edu-
cação Social no país. Essa realidade tem trazido muitos frutos. Essa nos-
sa participação nesse evento é um desses frutos internacionais.
Essa postura reivindicativa, de defesa aos profissionais, tem permi-
tido evoluir como profissão. A APTSES tem feito um trabalho gran-
de na sensibilização dos profissionais de diferentes categorias para

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perceber que trabalhos ou que funções são específicos do educador
social. Como foi relatado, existem muitas áreas profissionais em Por-
tugal que acabam por ser semelhantes ao trabalho que faz um educa-
dor social. De fato, o mundo social é muito complexo e é muito gran-
de, não é?! Há muitas profissões que partilham os mesmos territórios
de intervenção e de investigação. E, às vezes, as fronteiras entre essas
diferentes profissões não são muito fáceis de serem definidas, se é que
isso é possível.
Da mesma forma, a APTSES também tem tido um papel muito
importante na sensibilização dos nossos profissionais na valorização
daquele que é o nosso conhecimento epistemológico, seja da Peda-
gogia Social, seja da própria Educação Social. Se calhar, é este triân-
gulo (Psicologia, Sociologia e Pedagogia Social) que faz reconhecer o nosso
corpo científico.
Realmente, não sei se faz tanto sentido nós falarmos na Pedagogia
Social enquanto conhecimento epistemológico. De fato, temos de re-
correr àquela que é a nossa formação acadêmica, aquilo que a nossa
academia nos forma e nos profissionaliza, ou seja, a Educação Social.
Essa questão deve estar clara em nosso trabalho profissional e mostrar
quais as suas funções ou quais as suas capacidades e os seus limites. E
isto passa essencialmente pelo fato de nós conseguirmos investir na
nossa formação contínua. Nunca sabemos de tudo quando trabalha-
mos na área social. É impossível saber de tudo. Assim, independente-
mente do grau acadêmico que nós vamos tendo, o papel de formação
é contínuo e permanente.
E, por isso, que para mim e para Silvia, também, custa muito per-
ceber que existem educadores sociais formados, que depois nunca
mais voltarão à academia, ou nunca mais buscam formações. Quan-
do nós trabalhamos na prática profissional da Educação Social, a for-
mação é uma necessidade frequente, investir na nossa formação. O
que percebemos é que metodologias novas existem, sendo um gran-
de desafio também para os nossos profissionais. Quanto mais nós nos

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formarmos, mais conseguimos acompanhar a realidade. Tornamo-nos
mais ativos na sociedade e mais ativos para defender as pessoas com as
quais nós trabalhamos. Nós temos um papel enorme em sermos ati-
vistas da realidade social. Às vezes, penso que os profissionais ignoram
esta competência, esta missão que temos como profissionais: darmos
voz e sermos voz das pessoas com as quais nós trabalhamos.
Talvez, seja por isso que investimos muito, enquanto APTSES, na
criação de um coletivo profissional coeso. Em Portugal, conseguimos
unificar todos os profissionais para dar-lhes um feedback sobre à própria
associação profissional, sobre o mercado de trabalho, sobre os proble-
mas que existem, entre outras questões da nossa profissão. Nós temos
investido na partilha de narrativas, escrito artigos, feito conferências,
marcado reuniões com os governos, com os partidos e com as institui-
ções de ensino superior. Achamos importante participar de redes nacio-
nais e internacionais, para conseguir ouvir a voz dos profissionais e dar
visibilidade também àquilo que eles fazem e àquilo que eles são.

VI

Penso que este é um trajeto, um percurso, que a Educação Social no


Brasil vai trilhar, ao longo da história. Tornando-se uma profissão
científica abrir-se-á um processo que vai, de certa forma, agregar to-
dos os profissionais da Educação Social. Por isso, deixo também já
aqui a disponibilidade por parte da nossa associação profissional na-
quilo que vocês precisarem ao longo de vosso percurso e trajeto. Es-
tamos disponíveis para ajudar e para apoiar naquilo que entenderem
ser necessário. Enfim, era isto que eu gostaria de partilhar convosco e,
se calhar, tudo o que foi falado aqui pode abrir novas questões. E que
estejamos disponíveis para esclarecimentos futuros. Obrigada!

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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
DA INDIGNAÇÃO EM BUSCA
DE “INÉDITOS VIÁVEIS”
Carlos Soares Barbosa

Conceitualmente, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) abarca todo


o processo de aprendizagem, formal ou informal, que pessoas jo-
vens, adultas e idosas vivenciam ao longo da vida. Por essa concep-
ção ampliada de EJA, consolidada na V Conferência Internacional da
Educação de Adultos (CONFINTEA), ocorrida em 1997 na cidade de
Hamburgo–Alemanha, entende-se que a escola não é o único local de
construção do conhecimento, mas um entre muitos espaços sociais de
formação humana.
Essa concepção de EJA impõe a necessidade de reconhecer as
múltiplas experiências de aprendizados vivenciadas pelos sujeitos ao
longo da vida, uma vez que são por meio dessas experiências que se
humanizam e fazem ativamente a construção do/sobre/com o mun-
do. Como bem definida no Artigo 1º, da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), a educação abrange os “processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e orga-
nizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
É a partir dessa concepção ampliada da EJA que aceitei o desafio
de discorrer sobre o tema “Indignar-se para emancipar a Educação de Jo-
vens e Adultos”, na VI Jornada de Educação Não Escolar e Pedagogia

Pedagogia Social • 65

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Social, no ano de 2021. Sendo assim, esse texto cumpre três propósi-
tos: primeiro, o de ratificar a compreensão de que a EJA escolar pode
(e deve!) promover um diálogo fecundo com os outros espaços sociais
de formação humana – com os espaços de educação não escolar. Em
segundo, a necessidade de se desenvolver, no atual contexto brasileiro
de conservadorismo político, econômico, social e cultural, consolida-
do com o golpe de 2016, e fortalecido no governo de Jair Bolsonaro,
práticas pedagógicas fundamentadas na concepção da educação como
processo de indignação e emancipação, a partir do diálogo com a filo-
sofia de Paulo Freire. Em terceiro, reafirmar a importância de a EJA
se orientar teórico-metodologicamente nos princípios da Educação
Popular, estruturada e organizada nos marcos de uma educação críti-
ca, comprometida com a transformação social. Esses são os três eixos
estruturantes do presente texto.

A EJA e a diversidade dos sujeitos e dos espaços educativos


A diversidade é uma das características marcantes da EJA, expressa nas
múltiplas identidades dos sujeitos e na variedade dos espaços educati-
vos. Em relação aos sujeitos, além da diversidade geracional – jovens,
adultos e idosos –, existem as de outras naturezas: regional, étnico-ra-
cial, sexualidade, gênero, credo, ritmos de aprendizagens, trajetórias e
expectativas escolares, mas que se convergem em um aspecto: são, em
sua maioria, representantes das camadas empobrecidas da população.
Como destaca Andrade (2005), estamos falando de trabalhadores e não
trabalhadores; das diversas juventudes; das populações das regiões me-
tropolitanas, periféricas e rurais; dos povos indígenas, quilombolas, ri-
beirinhos, agricultores e pescadores; dos assentados e acampados; dos
internos penitenciários e os que cumprem liberdade assistida; das pes-
soas com deficiência, entre outras. Quanto à diversidade dos espaços
formativos, encontram-se aqueles sob a responsabilidade do Estado, do
setor privado e de algumas organizações da sociedade civil, como Igre-
jas, sindicatos, centros comunitários e instituições filantrópicas.

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Junto a essa concepção ampliada da EJA reforça-se o entendimen-
to de que o conhecimento se constrói ao longo da vida, não haven-
do, portanto, uma idade “certa” ou apropriada para se aprender. Esse
princípio, reafirmado na Declaração de Hamburgo (UNESCO, 1997),
compreende a educação como um direito que deve ser garantido ao
longo da vida e que a escola é apenas um dos espaços sociais de forma-
ção humana. Em outras palavras, significa reconhecer, por um lado,
que o conhecimento escolar é apenas uma das muitas formas de co-
nhecimento produzido por homens e mulheres nas diferentes relações
e contextos sociais que participam. Por outro, que ninguém é uma
“tábula rasa”, sem saberes a partilhar, mesmo os/as que se encontram
em condição de analfabetismo grafocêntrico, sejam eles/elas crianças,
jovens, adultos ou idosos, já que em sua atuação no mundo vão cons-
truindo diferentes saberes que devem ser valorizados pela escola no
processo de ensino-aprendizagem. Afinal, como afirma Freire (2006, p.
20), a leitura do mundo precede a leitura das palavras.
Reconhecer os múltiplos espaços-tempos de formação humana não
significa reduzir a importância da escola para as classes trabalhadoras,
mas a necessidade de se compreender os educandos na sua totalidade,
isto é, como sujeitos éticos, estéticos, criativos e produtores de cultu-
ra; demandantes de práticas pedagógicas que valorizem a diversidade
e que favoreçam o diálogo entre os saberes científicos e os saberes dos
estudantes, sem hierarquizá-los. Isso implica:

[...] pensar sobre as possibilidades de transformar a escola que os atende


em uma instituição aberta, que valorize seus interesses, conhecimentos
e expectativas; que favoreça a sua participação; que respeite seus direi-
tos em práticas e não somente em enunciados de programas e conteú-
dos; que se proponha a motivar, mobilizar e desenvolver conhecimentos
que partam da vida desses sujeitos; que demonstre interesse por eles como
cidadãos e não somente como objetos de aprendizagem (ANDRADE,
2005, p. 1).

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Embora a defesa de uma escola aberta e plural não se restrinja a
EJA, para a modalidade ela é urgente e necessária, por configurar, em
muitas situações, a escola da “segunda chance” para jovens, adultos e
idosos interditados da escola na infância ou que nela não tiveram su-
cesso porque descriminados nos processos de conhecimentos. E, para
que os processos velados de exclusão no interior da escola não perma-
neçam, a defesa que aqui se faz é por uma escola fundamentada nos
princípios da Educação Popular e da filosofia freireana.

Por uma Educação Popular e do legado de Paulo Freire em


tempos de neoconservadorismo brasileiro
No Brasil, durante décadas, a educação de adultos foi assumida ma-
joritariamente pelas organizações da sociedade civil, dado que a edu-
cação como direito de todos só ocorreu com a Constituição de 1988.
Entre as décadas de 1950 e 1980 foram muitas as experiências e práti-
cas educativas desenvolvidas por diferentes organizações com vistas à
ampliação da escolaridade e à elevação cultural das massas, a exemplo
das experiências de Paulo Freire em Angicos, no Rio Grande Norte,
em 1963. Ou de quando esteve à frente do Projeto de Educação de
Adultos, vinculado ao Movimento de Cultura Popular (MCP). Foi a
partir dessas experiências fora da escola e pautadas na dimensão políti-
ca da cultura e da educação popular que a EJA foi gerida.
Entre os objetivos da Educação Popular está o de junto aos ditos
conteúdos escolares, ampliar o nível de reflexão do povo sobre as suas
condições de vida, discutindo não só as causas das estruturas desu-
manizantes, mas projetar ações e estratégias para uma atuação crítica
na sociedade com vistas à transformação de tais estruturas. Para isso,
metodologicamente, parte da ideia de que os grupos populares de-
têm um saber particular, produzido nas suas práticas sociais, e de que
os processos educativos ocorrem a partir do encontro desses variados
saberes. Vale lembrar que os “círculos de cultura” eram um dos recur-
sos metodológicos utilizado por Freire no processo de alfabetização

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e conscientização, tomando como ponto de partida as próprias ex-
periências de vida dos educandos. Era nessa prática educativo-críti-
ca, propiciada pelas relações de uns com os outros e todos com o(a)
educador(a), que os educandos “ensaiam a experiência profunda de
assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comuni-
cante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva
porque capaz de amar” (FREIRE, 1996, p. 41). Para Brandão (1980,
p.129), “o horizonte da educação popular não é o homem educado, é
o homem convertido em classe, é o homem libertado”. Isso significa
que a missão educativa da Educação Popular nunca está descolada de
uma intencionalidade política, já que educar é um ato político, deven-
do estar a serviço da transformação e não da conservação das estrutu-
ras desumanizantes.
É a partir de uma educação dialógica, libertadora, crítica, cons-
cientizadora, emancipatória, provocativa e provocadora defendida
por Freire que podemos entender a perseguição sofrida pelo educador
após o Golpe Civil-Militar de 1964, bem como de todos os educadores
vinculados a um projeto político-pedagógico voltado à emancipação,
indignação e contra todo tipo de opressão vigente na sociedade. E não
por acaso, o ataque ao legado de Freire no atual contexto neoconser-
vador brasileiro – elaborado a partir de 2013 e consolidado com o Gol-
pe de 2016 e com a eleição do projeto neofascista no Brasil em 2019.
Projeto este, que se expressa no desprezo as populações em maior es-
tado de vulnerabilidade social (mulheres, negros, LGBTQI+) e no ata-
que às instituições democráticas, aos movimentos sociais, ao conheci-
mento científico e aos professores que atuam na perspectiva de uma
educação crítica (chamados pelos neoconservadores de doutrinadores
do “marxismo cultural”) (BARBOSA, 2021).
Foi nesse contexto que se intentou, por meio do Projeto de Lei nº
1930/2019, revogar o título concedido à Freire de patrono da educa-
ção brasileira. Na justificativa do PL apresentado à Câmara dos De-
putados consta “que o modelo freireano de educação é celebrado pela

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insubordinação do aluno perante o professor”. Na base desse argumento
reside não só a recusa de reconhecer que crianças, jovens, adultos e ido-
sos das camadas populares são sujeitos de direitos e sujeitos cognoscen-
tes no processo de ensino-aprendizagem, possuindo saberes a comparti-
lhar, mas, sobretudo, a defesa de uma educação tecnicista, instrumental e
conformadora, pautada metodologicamente na “educação bancária”.
Simultâneo a esse propósito, há um movimento de construção
de um consenso que visa associar a educação crítica como prática de
“professores doutrinadores”, responsável pelos baixos resultados dos
estudantes nas avaliações externas. Ainda, na justificativa do referido
PL consta que “a péssima situação da educação brasileira revela por si
só os resultados catastróficos da adoção dessa plataforma esquerdista
de ensino.” Embora essa seja a tônica dos três ministros da educação
do Governo Bolsonaro, esse movimento se inicia com o fortalecimen-
to do neoconservadorismo no Brasil. Em uma palestra proferida para
os empresários no Espírito Santo em 2018, durante a campanha eleito-
ral, Bolsonaro afirmou:

A educação brasileira está afundando. Temos que debater a ideologia de


gênero e a escola de partido. Vou entrar com lança-chamas no MEC para
tirar o Paulo Freire de lá.” e complementou: “Eles defendem que tem
que ser crítico. Vai lá no Japão, vê se eles estão preocupados com pensa-
mento crítico (PAIVA; HADDAD; SOARES, 2019, p. 3).

Essas ações discursivas, materializadas por meio de um PL e/ou


por movimentos como o Escola sem Partido, não estão isentas de uma
intencionalidade. E qual seria a intencionalidade dessa “escola da mor-
daça” (FRIGOTTO, 2017), que chegou ao ponto de insuflar os alunos
a filmarem os docentes em suas aulas, a denunciá-los e a desrespeitar
sua autoridade, naquele espaço de aprendizagem?
Entre as muitas respostas possíveis, estaria o de cercear a escola de pro-
mover uma reflexão sobre a precarização da existência dos trabalhadores

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na atual fase do capitalismo neoliberal e impedir uma reflexão sobre os
desafios que permanecem na sociedade brasileira, a exemplo do racismo
estrutural. Em diálogo com os autores da matriz histórico-crítica aqui
referenciados, entendo que defender a retirada do currículo escolar de
questões sobre as relações étnico-raciais, a diversidade, sexualidade e gê-
nero – sob alegação de se combater a suposta “ideologia de gênero” exis-
tente nas escolas públicas do país – é compactuar com a permanência das
estruturas da desumanização. É compactuar com o aumento da popu-
lação em situação de rua e com o retorno do país ao mapa da fome, ve-
rificados com a retomada da ortodoxia neoliberal após o golpe de 2016;
com o aumento dos casos de feminicídios1, com os assassinatos da popu-
lação LGBTQIA+ motivados pela homofobia, com prisões arbitrárias e
assassinatos da juventude preta e favelada, por conta de uma política de
segurança baseada no confronto e não em uma polícia investigativa.
Em síntese, toda proposta educativa (escolar e não escolar) cuja fi-
nalidade é a emancipação humana deve estar orientada à indignação,
pois como afirma (FREIRE, 1996, p. 41) “está errada a educação que
não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as injusti-
ças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a
violência um papel altamente formador”. É contra a educação con-
formadora e a serviço da colonialidade, defendida pelos neoconser-
vadores nesses tempos de obscurantismo, que se faz necessária uma
educação de jovens, adultos e idosos nos marcos da Educação Popular
e da “Pedagogia da Indignação” (FREIRE, 2000). Porém, mais do que
a denúncia das estruturas desumanizantes, é preciso anunciar inédi-
tos viáveis2. Lutar nos múltiplos espaços sociais de formação humana

1.  É preciso lembrar que, em 2019, o Brasil figurou entre os 5 (cinco) países do mundo em
casos de feminicídios, estando atras apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.
2.  Em Freire, “inédito-viável” é na realidade uma coisa inédita, ainda não claramente conhe-
cida e vivida, mas sonhada e quando se torna um “percebido destacado” pelos que pensam
utopicamente, esses sabem, então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se
tornar realidade (FREIRE, 1992, p. 206).

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por uma educação comprometida com os interesses das classes traba-
lhadoras, na defesa incondicional dos direitos humanos e contra todo
tipo de discriminação e opressão. Por um projeto de formação huma-
na alinhado a defesa da escola pública, da saúde pública, da valoriza-
ção da diversidade, por políticas de habitação, de geração de trabalho
e renda, de transporte público de qualidade, pela reforma agrária, pelo
direito ao trabalho digno, a liberdade de expressão e de credo, a tribu-
tação justa (e não a que sacrifica as camadas empobrecidas), ao direito
a participação social e a comunicação, a sustentabilidade ambiental,
entre outras pautas dos movimentos e organizações que lutam pela
ampliação e garantia dos direitos.

A EJA e a Educação Popular: em busca de inéditos viáveis


Há muitos desafios para a construção dessa EJA comprometida ético-
-politicamente com a emancipação humana. No campo das políticas
públicas, nos marcos da democracia representativa brasileira, uma das
primeiras tarefas consiste na afirmação de projetos políticos e societá-
rios voltados à defesa dos direitos humanos. Isso demanda a formação
de sujeitos históricos conscientes de seu papel político-social, o que
a educação crítica e desalienadora tem muito a contribuir. Por se en-
contrar imersa no conflito de interesses presentes na sociedade, há na
escola espaços de resistências e de ações contra hegemônicas, o que a
confere um papel relevante para a transformação social.
Não se trata de conferir uma função salvacionista a escola, já que
ela não tem autonomia para resolver as mazelas produzidas pelo siste-
ma do capital, mas reconhecer que a escola pode ampliar as condições
de inclusão social ao possibilitar o domínio de saberes qualificadores
para uma intervenção social de forma mais consciente e mais autôno-
ma. Como ressalta Freire (2000), “se a educação sozinha não transfor-
ma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
A defesa aqui é por uma formação integral, que possibilite o desen-
volvimento das múltiplas dimensões do ser humano. Para isso, além da

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demanda de um currículo integrado pautado nos eixos da cultura, do
trabalho, da ciência, da política e da tecnologia, é preciso fortalecer a
construção de políticas integradas e, por conseguinte, a EJA na perspec-
tiva da intersetorialidade, entendendo que há aspectos na vida dos jo-
vens, adultos e idosos que interferem no seu processo de aprendizagem,
mas que extrapolam o papel da escola e das políticas educacionais.
A defesa aqui, igualmente, é por uma educação para jovens, adul-
tos e idosos, tanto na vertente escolar quanto nos espaços não escola-
res, pautada nos marcos da Educação Popular; comprometida com o
desenvolvimento dos conteúdos escolares, éticos, estéticos e sociais e
o fortalecimento da participação cidadã dos educandos. O paradoxo
é que, tendo em vista que a EJA nasceu fora da escola, à medida que
foi se institucionalizando – resultado das lutas dos movimentos sociais
para que fosse reconhecida no campo das políticas públicas – ela foi
tendo que se adequar à estrutura institucional, ao engessamento da
escola quanto a organização, aos espaços-tempos, a disciplina e ao cur-
rículo. No decorrer desse processo os princípios da Educação Popular
foram deixando de ser priorizados.
E, considerando que a Educação Popular visa, a partir de um diálogo
fecundo com a realidade e a cultura popular, incentivar a participação e o
empoderamento do povo com vista à liberdade, à justiça e à igualdade, é
preciso esclarecer de qual participação me refiro, já que se trata de um con-
ceito disputado por indivíduos e coletivos de matrizes ideológicas distintas
e que vem sendo ressignificado pelos intelectuais orgânicos do capital.
Na virada do século XXI, os intelectuais orgânicos do capital, indi-
vidual e coletivos, a exemplo de Giddens (2005) e do Banco Mundial,
passaram a fomentar a participação da população pobre na resolução
dos problemas locais como uma das estratégias para reduzir a desi-
gualdade social e a pobreza3, intensificadas após a adoção do país a

3.  Concebida por uma perspectiva multidimensional, a pobreza passou a ser entendida “mais
que renda ou desenvolvimento social; é também vulnerabilidade e falta de voz, poder e repre-
sentação” (BIRD, 2000, p.12). Assim, a forma de enfrentar esse desafio está na autonomia e na

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agenda neoliberal. Por esse viés, a participação assume o caráter de
um associativismo colaborativo (na perspectiva do voluntariado), cir-
cunscrito a microesfera da participação e voltado à resolução dos pro-
blemas locais.
Conceitos como solidariedade, cooperação, cidadania e respon-
sabilidade social – forjados na luta pelas organizações coletivas dos
trabalhadores – passaram a ser utilizados agora para negar o conflito
inerente a sociedade de classes e justificar uma sociedade harmônica,
coesa e feitichizada como forma de enfrentar os problemas sociais. Na
concepção dos intelectuais orgânicos do capital, “dar voz aos pobres”
pode ser duplamente estratégico: garante a governabilidade e incide
na ajuda aos mais necessitados. De acordo com este pensamento, as
mazelas sociais podem ser resolvidas por meio da solidariedade dos in-
divíduos, o que faz reduzir a responsabilidade do Estado com as ques-
tões sociais e fortalecer, consequentemente, a configuração do Estado
“mínimo”. Esse é o sentido da participação fomentada pelos neolibe-
rais: uma participação circunscrita a microesfera política, que em mui-
tas ocasiões reforça as políticas assistencialistas e clientelistas locais.
Não se trata de negar a importância da microesfera política, do
agir local, mas problematizar o seu privilegiamento às populações
pobres, principalmente depois que os “economistas e formuladores
de política do desenvolvimento tornaram-se mais preocupados com
decisões no nível micro, compreendendo seu papel crucial no cresci-
mento da economia” (BIRD, 2004, p. 3-4). Ao canalizar as atenções
dos indivíduos para ativismos imediatistas que lhes são apresentados
como participação, assume um caráter ideológico de ocultar a não
participação nos espaços decisivos e decisórios da sociedade, na ma-
croesfera política. Assim como aconteceu no período da política de-
senvolvimentista, cumprem uma intencionalidade: “para que deixem

participação, “especialmente dos segmentos pobres e excluídos da sociedade”, devendo fazer


“melhor uso de todos os potenciais recursos da sociedade, inclusive os recursos das pessoas
de baixa renda”.

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de reivindicar uma participação real na orientação e determinação
‘dos destinos da nação’, ou seja, na configuração das estruturas so-
ciais e de suas mudanças” (AMMANN, 1980, p. 125). E, consideran-
do, como afirma Gramsci (2007), que o papel da “grande política” é
transformar a “pequena política” em “grande política”, essa é a razão
do privilegiamento da microesfera da participação dos segmentos
empobrecidos da população.
Decerto, trata-se de um sentido de cidadania e de participação bas-
tante diferente do defendido pela filosofia da práxis e pela Educação
Popular. Marx, na “Crítica ao Programa de Gotha”, estabelece uma re-
lação entre o nível de participação e a “plenitude da transformação
social”. Para esta finalidade, a participação política pressupõe uma in-
tervenção direta dos agentes sociais na busca de exercer poder sobre
as decisões políticas em seus vários níveis (local, regional e nacional),
envolvendo questões que ultrapassem a satisfação de seus interesses
diretos e imediatos (MARTORANO, 2011). Uma participação eman-
cipadora, pela qual os indivíduos “reconhecem e assumem seu poder
de exercer influência na determinação dessa unidade, de sua cultura e
de seus resultados, poder esse, resultante de sua competência e vonta-
de de compreender, decidir e agir sobre questões que lhe são afetas”
(LUCK, 1996). Isto é, uma participação que se dá no âmbito local, mas
também nos espaços decisivos e decisórios da sociedade, rompendo
com a concepção liberal e neoliberal de que o campo da política deve
ser reservado a poucos privilegiados (leia-se: detentores da proprieda-
de privada e dos meios de produção).
Desse modo, é oportuna a provocação feita por Boron:

[...] até que ponto é realista concebermos a existência e postularmos


a necessidade de uma democracia de “alta intensidade”, protagonista
ou participativa, sem estabelecermos as condições necessárias para
sua materialização efetiva no espaço do Estado nacional? (BORON,
2010, p. 84).

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Esse é um grande desafio em nosso país, cuja história é marcada
por mecanismos legais e subjetivos elaborados pela classe dominante-
-dirigente para interditar a participação política de parte significativa
da população. Um desses mecanismos é o elemento discursivo do pro-
tagonismo, que tem sido muito evocado nas políticas destinadas aos
jovens, tendo por base a ideia do jovem como sujeito autônomo, ator
e autor principal de sua história. No entanto, assim como a participa-
ção, o protagonismo é um conceito passível de diferentes interpreta-
ções, sendo uma expressão que muito se confunde com a participação.
Para Ferreti, Zibas e Tartuce (2004), a problemática em encaminhar
a participação dos jovens por meio do protagonismo é que carrega
consigo a possibilidade de despolitizar o olhar sobre as determinações
das questões sociais (e a sua manutenção), desviando o foco das preo-
cupações do debate político e social sobre tais determinações para o
da ação individual e coletiva. Ou seja, o suposto protagonismo tende
a encaminhar a promoção de valores, crenças e ações de caráter mais
adaptativo que problematizador4.
Retornando à reflexão sobre a EJA, é bem verdade que no período
2005-2016 houve um relativo aumento das matrículas na modalidade
e nos programas de aceleração e reposição de estudos destinados aos
estudantes em defasagem idade-série, implementados pelos gestores

4.  Atualmente, no contexto da reforma educacional aprovada no Governo Temer e executa-


da no Governo Bolsonaro, observa-se a ideia de protagonismo como estímulo ao empreen-
dedorismo. Ser protagonista é empreender, desenvolver “o espírito de iniciativa” e ser “gestor
de sua aprendizagem e de seus projetos de futuro” (RIO DE JANEIRO, 2016). O problema é
que por traz desse discurso está em identificar o empreendedorismo como “a” solução para
contornar as dificuldades de inserção dos jovens no mercado formal de trabalho. Este é um
aspecto que merece atenção, tendo em vista que o fomento ao empreendedorismo juvenil
pode ter por finalidade, como afirmam Barbosa e Deluiz (2008), adequar os jovens à socie-
dade do não emprego e a autorresponsabilização pela não inserção no mercado de trabalho,
naturalizando a redução dos postos de trabalho formais sem cobrar por políticas públicas de
geração trabalho e renda. Segundo o Sebrae, uma das principais instituições fomentadoras
do empreendedorismo, “O empreendedorismo no Brasil ganhou espaço e passou a ser visto
como uma opção de carreira e uma forma de absorver os diplomados e os que por algum motivo não
conseguem se colocar no mercado de trabalho” (grifos meus).

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municipais, estaduais e federais. Embora tais programas tenham con-
tribuído para o aumento da escolaridade da população jovem, de 15 a
29 anos, a questão que se coloca é: com qual qualidade?
Entendendo que qualidade na EJA implica educandos com “parti-
cipação e compromisso, oportunidade de desenvolver potencialidades
e a capacidade de ser sujeito de sua própria ação” (PAIVA, 2014, p. 91),
a tarefa que se impõe no tempo presente é de uma EJA que fomente a
participação cidadã no sentido oposto ao associativismo colaboracio-
nista aos interesses do capital; que contribua para a elevação cultural
das massas e para a construção de novas consciências e ações que con-
duzam ao fortalecimento dos movimentos coletivos e organizados.
Sobretudo no atual contexto de criminalização dos movimentos so-
ciais, de ataques aos direitos constitucionais, a democracia, ao pensa-
mento crítico e científico.
Um caminho possível para isso é de a modalidade retomar os mar-
cos políticos-pedagógicos da Educação Popular, isto é, um trabalho
pedagógico em diálogo com os saberes produzidos nas práticas sociais
e com as condições de vida dos sujeitos atendidos, no intuito de levá-
-los a compreensão crítica e a uma intervenção mais consciente na rea-
lidade visando a sua transformação. Um projeto político-pedagógico
que os levem a se perceberem como sujeitos da história e agentes de
mudanças.
Todavia, a falta de compromisso com a modalidade, tanto por par-
te dos gestores públicos quanto de alguns gestores escolares e pro-
fessores que atuam na modalidade, é um dos muitos desafios a ser
enfrentado pela EJA. O resultado desse processo é a construção/exe-
cução de projetos pedagógicos pobres, sem muito rigor metodológico
e conceitual. “Uma formação pobre porque destinada a pessoas po-
bres” (BARBOSA; PIRES, 2020).
Entretanto, não há como lutar contra essa relativa pobreza meto-
dológica e conceitual sem refletir sobre a formação docente. Como
propor uma EJA nos marcos da filosofia freireana e da Educação

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Popular se a maioria dos professores que atuam na modalidade não
tiveram estudos sobre a modalidade durante a sua formação inicial,
já que os cursos de licenciaturas no Brasil privilegiam, majoritaria-
mente, a formação para atuar com crianças e adolescentes? Segundo
Soares (2008), em 2005, das 612 IES brasileiras que ofertavam o curso
de Pedagogia e que foram avaliadas pelo Exame Nacional de Cursos,
apenas 15 ofereciam a habilitação de EJA (2,45%); e entre os 1698 cur-
sos existentes à época, somente 27 ofertavam essa formação específi-
ca (1,59%). Barbosa e Pires (2020) expõem que pouco se avançou no
sentido de minimizar as lacunas sobre os estudos da EJA na formação
inicial docente, principalmente nos demais cursos de licenciaturas,
embora esse déficit seja minimizado por meio da extensão acadêmica,
da Pós-Graduação (lato e stricto sensu) e/ou da formação continuada
ofertada por algumas redes de ensino, apesar de ser cada vez mais es-
cassa aos professores da EJA nos últimos tempos.
Nas pesquisas que tenho realizado com professores e professoras
que atuam na modalidade na etapa do Ensino Fundamental e Médio
constato essa triste realidade. A maioria não teve disciplinas que tra-
tam especificamente da EJA durante a sua formação inicial docente;
fato este que, além de gerar insegurança nos profissionais com pou-
ca experiência na modalidade, corrobora para que ela continue a ser
concebida como um território aberto à improvisação (BARBOSA; PI-
RES, 2019).
Outra situação constada é que, apesar de o educador Paulo Freire
ser muito citado nas epígrafes dos trabalhos acadêmicos, a influência
da sua filosofia/pedagogia se faz mais presente nos discursos dos pro-
fessores da modalidade do que nas práticas desenvolvidas no chão da
escola. Pesquisas vêm mostrando que são poucos os espaços-tempos
existentes nas matrizes curriculares dos cursos de licenciaturas para o
estudo das obras e o pensamento de Freire, muitas vezes apresentado
de forma fragmentada em algumas disciplinas, a depender do profes-
sor (BARBOSA; SILVA, 2022). Portanto, contraditoriamente do que

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é afirmado pelos conservadores e pelo bloco histórico no poder, se a
filosofia/pedagogia freireana estivesse sendo implementada na educa-
ção brasileira, muito provavelmente o projeto neofascista não sairia
vencedor nas eleições de 2018.
Pelo que aqui foi exposto e tendo em vista que a história é um pro-
cesso em construção, a luta para a constituição da EJA nos marcos da
Educação Popular se faz urgente e necessária em tempos de avanço das
ideias fascistas, da necropolítica (MBEMBE, 2026) e da consolidação do
Estado Penal (WACQUANT, 2001) que visa, entre outros, à conforma-
ção dos sujeitos à precarização da existência e à naturalização do racis-
mo estrutural e das demais formas de opressão. Uma EJA, cuja direção
ético-política esteja voltada à construção de uma pedagogia do opri-
mido, feita com e não para os oprimidos. No rastro da “justa raiva” de
Freire contra as injustiças, o que precisamos, de fato, é “indignai-vos” e
“comprometei-vos” com a transformação das estruturas desumanizantes,
como conclama Hessel (2011), não devendo esse comprometimento ser
reduzido ao discurso, mas posto em prática cotidianamente. Não seria
esse também o compromisso da Pedagogia Social?

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INDIGNAR-SE PARA EMANCIPAR A
EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS 1
Maurício Perondi

Introdução: transformando falas em letras


Este texto é uma transcrição da mesa de trabalho “Indignar-se para emanci-
par a Educação para Jovens e Adultos” que aconteceu durante a VI Jornada
(web) de Educação Não Escolar e Pedagogia Social, no dia 17 de novembro de
2021. Para este material, fizemos o recorte do que foi exposto pelo professor
Maurício Perondi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Sua exposição nos trouxe à reflexão a potencialidade das práticas educativas
não escolares que nascem da base do trabalho do educador social e suas rela-
ções com a juventude.
Assim, este material não se apresenta apenas como um relato de experiên-
cia, mas como um ponto de partida para novas reflexões realizadas no campo
da Pedagogia Social, assim como, insta processos de indignação sobre a rea-
lidade educacional brasileira e a potencialidade dos espaços socioeducativo
para a emancipação e transformação dos indivíduos.
Optou-se por deixar este texto com a linguagem o mais coloquial possível.
Assim, além de nos aproximarmos dos sentidos da palestra que origina este

1.  Este texto tem como base a comunicação realizada no dia 17 de novembro de 2021, como
parte da VI Jornada de Educação Não escolar e Pedagogia Social. O vídeo original com os diálo-
gos está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SWLi8USDufs. Acesso em: 09
mai. 2022.

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material, deseja-se dar ao leitor a oportunidade de aproximar-se dos conteú-
dos de forma simples, como uma conversa realizada por esse autor de maneira
próxima e mais “socioeducacionalmente afetiva”.
Agradecemos nesse processo à Beatriz Serrano, bolsista do Grupo Fora da
Sala de Aula – UERJ/FFP, que se dedicou ao processo árduo de transcrição,
transformando assim, essas “falas em letras”, que se materializam para opor-
tunizar a nossa leitura e reflexão.

Boa tarde a todas e todos. Eu venho de um grupo chamado CIESS,


que é o Centro Interdisciplinar de Educação Social e Socioeducação
da Faculdade de Educação da UFRGS, em Porto Alegre, onde a gente
trabalha muito a perspectiva do protagonismo dos estudantes e dos jo-
vens que participam dos projetos. Inclusive, acho que vários deles es-
tão participando aqui, acompanhando de forma online. Então, é muito
bom ver isso aqui, que vocês trazem essa perspectiva da participação
juvenil na organização do evento, de uma forma muito interessante.
Vou trabalhar o tema da nossa mesa de hoje, “Indignar-se para
emancipar a Educação para Jovens e Adultos”, a partir de dois conceitos,
o indignar-se e o emancipar, trazendo a realidade das juventudes, numa
perspectiva de jovens e adultos, mas discutindo muito a minha pers-
pectiva, que é a de trabalhar sobre a juventude e a participação social a
partir de uma visão de protagonismo dos jovens.
Eu quero começar trazendo aqui para vocês uma poesia do Sérgio
Vaz (2016), chamada “A vida é loka”. Essa poesia teve uma repercussão
expressiva e que viralizou no mês passado, quando a juíza Karla Aveli-
ne, da 3ª Vara da Infância e Juventude, aqui em Porto Alegre, utilizou
essa poesia numa sentença judicial em que tinha a perspectiva de um
jovem ser encaminhado para o cumprimento de medidas socioeduca-
tivas e ela negou esse pedido, justificando a falta de políticas públicas
de acesso à educação e outras políticas em sua trajetória. Talvez, vocês

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tenham visto, mas caso não tenham, vou ler aqui a poesia do Sérgio
Vaz, que é um poeta das periferias, que traz uma perspectiva muito
interessante para nós que trabalhamos na Pedagogia Social e na Edu-
cação Social.

“Esses dias tinha um moleque na quebrada


com uma arma de quase 400 páginas na mão.
Umas minas cheirando prosa, uns acendendo poesia.
Um cara sem nike no pé indo para o trampo com
o zóio vermelho de tanto ler no ônibus.
Uns tiozinho e umas tiazinha no sarau enchendo a cara de
poemas. Depois saíram vomitando versos na calçada.
O tráfico de informação não para, uns estão saindo algemado
aos diplomas depois de experimentarem umas pílulas de
sabedoria. As famílias, coniventes, estão em êxtase.
Essas vidas mansas estão esvaziando as cadeias e desempregando os Datenas.
A Vida não é mesmo loka?”

Acho que essa poesia ajuda a refletir sobre várias perspectivas, que,
hoje, grande parte dos jovens brasileiros estão submetidos, em que
existe um grande estigma social, colocado sobre esses jovens e que
muitas vezes as políticas públicas, as oportunidades de educação e
de participação, não são tão evidentes e não estão ao alcance da vida
desses jovens. Trago também duas imagens, que refletem um pouco
dessa perspectiva que tenta quebrar com esse paradigma e com esse
olhar estigmatizante que muitas vezes se tem dos jovens. Talvez, vo-
cês tenham visto também essas imagens que circularam nos últimos
tempos. A primeira é uma imagem de jovens, que está no perfil “@
favelagrafia” no Instagram, em que eles participam de um projeto social
no Rio de Janeiro e estão com instrumentos musicais nas mãos tais
como trompete e saxofone, numa posição como se estivessem empu-
nhando armas de fogo. Diferente de um apelo social muito forte que

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se tem hoje, que é o do armamento como forma de solução dos pro-
blemas dos conflitos sociais, aqui se apresenta a perspectiva inversa,
colocando a arte, a educação, como possibilidades de construção dos
sujeitos. Dialogando com o tema da nossa mesa de hoje, talvez para a
emancipação dos sujeitos.

Imagem 1 – Favela jazz grid. Fonte: @favelafrafia, autor @tonvalentim_

Na segunda imagem, os jovens estão com livros na mão e também


estão em posição como se fossem armas. O segundo jovem sentado,
da frente para trás, é o jovem que está com o livro de poemas do Sér-
gio Vaz; atrás dele, de pé, está um jovem com a Constituição Fede-
ral na mão; os demais jovens aparecem com outros livros de poesia.
Então, trazendo essa perspectiva da importância da educação para a
emancipação dos sujeitos, da educação que tem sido tão criticada, tão
recortada, a realidade é que, talvez, muitos jovens, se tivessem possibi-
lidades, poderiam ter outras perspectivas de emancipação.

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Imagem 2 – Jovens com livros. Fonte: https://soundcloud.
com/andreia-vedder/a-vida-e-loka-sergio-vaz.

É importante problematizar isso, porque, muitas vezes, a gente


não conhece aquilo que está se passando na realidade dos sujeitos
e as imagens nos ajudam a questionar isso que está sendo dito. Eu
gosto muito de trabalhar com aquele preceito base da Sociologia,
que diz que “se nós queremos compreender um fenômeno, é neces-
sário conhecê-lo”. No nosso caso, aqui, falando das juventudes, te-
nho a impressão que grande parte das instituições, das pessoas, dos
educadores, desconhece aquilo que circula entre os jovens. Muitas
vezes, a gente se impacta com a forma de falar, com a roupa que
está vestindo ou com uma gíria que os jovens estão usando porque
a gente não sabe aquilo que está significando para eles, o que eles
estão representando, o que isso significa para esses jovens. Então,

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isso acaba causando estranhamento, um estranhamento inclusive
preconceituoso, negativo.
Por isso, é muito importante que se a gente quer conhecer um fe-
nômeno, nosso caso, que é a juventude, nós precisamos conhecer para
poder compreender e acho que esse é um grande desafio que é co-
nhecer os sujeitos a partir das suas realidades, e isso contribui de uma
maneira muito significativa para a relação que se estabelece com eles
e também para os processos pedagógicos que a gente vai desenvolver.

II

Dessa forma, vou falar agora da própria concepção de juventude. É


possível dizer que a juventude tem estado na pauta de uma maneira
mais expressiva, nos últimos anos. Mas, muitas vezes, numa perspec-
tiva estigmatizante e, talvez, o grande desafio que a gente tenha hoje
é, justamente, de superar essas concepções que são estigmatizantes
sobre os jovens, que olham o jovem como problema, ou o jovem só
como alguém que está se preparando para o futuro, em que hoje não
é sujeito, no presente, que são irresponsáveis, ou que não têm expe-
riência ou que estão numa perspectiva de violência.
Isso acontece muito quando se fala de juventude e, muitas vezes, se
pensa imediatamente numa perspectiva de dificuldade nesse trabalho
com os jovens. E, um exemplo que trago aqui, é exatamente a crimina-
lização dos jovens na pandemia. A gente viu circular muito fortemen-
te quando aumentaram os números dos casos de contaminados, mas
também de morte por COVID, a ideia de que os jovens estariam sendo
os principais transmissores do vírus, porque estariam indo para festa,
para o “rolezinho”, para o baile e estariam contaminando o restante da
população. No entanto, o que a gente percebe é que grande parte da
juventude hoje, sobretudo, da juventude periférica, da juventude das
classes populares, não tem condições econômicas para ir regularmente
às festas, mas, ao contrário, estão trabalhando e, muitas vezes, expostos

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no período da pandemia, como a gente viu, a própria situação de não
ter os EPIS (Equipamentos de Proteção Individual), de segurança para
poder desenvolver o trabalho, além de pegar transporte público lotado.
Destaco aqui, a citação desta frase da jovem Natália Rodrigues, de
24 anos, que é estagiária de enfermagem, que foi infectada com o ví-
rus do COVID, em que ela diz assim: “não peguei COVID indo pra
‘rolezinho’ não” (SOBRINHO; ABRAMO, 2021). Ou seja, ela possivel-
mente pegou o vírus no momento do trabalho, como estagiária de en-
fermagem, ou no deslocamento no transporte público. Essa fala está
presente numa pesquisa desenvolvida pela FIOCRUZ, que fez pesqui-
sas tratando da situação dos jovens durante a pandemia, falando, in-
clusive dessa estigmatização dos jovens. Esse é um dos exemplos em
que aparece muito forte o estigma que se produz sobre os jovens.
Quando a gente está falando, por exemplo, de Educação de Jovens
e Adultos, é muito comum isso do estigma. O jovem que chega, já é
rotulado, pois tem uma série de preconceitos, de: Por que ele deixou de
estudar? Por onde ele circulou? Por que ele falta a aula? Por que ele está
dormindo na aula? Muitas vezes, se desconsidera toda a sua trajetória e
tudo aquilo que ele tá vivenciando. E aí eu acho que é importante a gen-
te trabalhar, então, qual que é que a perspectiva que hoje nós definimos
como um conceito de juventude mais abrangente e não estigmatizante.
Uma das principais concepções que se trabalha atualmente é a ideia
de falarmos de “Juventudes”, no plural, com “s”, justamente por cau-
sa da diversidade da juventude. As Juventudes do Brasil são diversas,
pois a gente vê características diferentes ao se olhar para os jovens do
país. Por isso, não dá para gente dizer que temos uma Juventude úni-
ca. Muitas vezes o pessoal faz essa pergunta: “Maurício, como são os
jovens de hoje?” Eu penso mais em responder com outra pergunta:
“De quais jovens vocês estão falando?” Porque dependendo do local,
dependendo da classe social, da etnia, do gênero, do território, da es-
colaridade, nós teremos Juventudes diferentes. Portanto, a Juventude
não é uma categoria social homogênea.

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Muitas vezes, a gente tem essa mesma perspectiva dos jovens da
EJA, quando se ouve dizer “Ah, os jovens da EJA têm essas, essas e
essas características”. Algumas características, sim, podem ser gerais
para os sujeitos, mas, outras não. A gente pode ter jovens que talvez
participem de um projeto cultural, que fazem poesia, que participam
de algum projeto de hip-hop, de alguma outra perspectiva, de algum
grupo online, e que a gente nem conhece. Nós homogeneizamos esses
sujeitos e descaracterizamos questões que são particulares.
Uma das questões que a gente tem discutido muito fortemente, na
atualidade, é a afirmação da ideia de que os jovens são sujeitos sociais
já no presente, não somente no futuro. É muito comum ouvir a fra-
se que diz que “Os jovens são o futuro da nação”. Contudo, há uma
grande limitação nessa afirmação, pois eles não serão sujeitos somen-
te lá no futuro, eles já são sujeitos hoje. Então, talvez, hoje esse é um
grande desafio que a gente tenha na educação e na sociedade em ge-
ral, considerar os jovens como sujeitos já no presente. Nós temos isso
hoje, do ponto de vista legal, representado inclusive na lei, quando em
2010, tivemos a chamada PEC da Juventude, que é uma Proposta de
Emenda Constitucional, que colocou a expressão à palavra “jovem”
na Constituição Federal.
A nossa Constituição de 88 é chamada de Constituição Cidadã,
pelas características de cidadania que ela traz e pelos avanços que
ela representou. Realmente isso foi um marco muito importante
no ponto de vista da democratização e da cidadania no Brasil. No
entanto, a palavra jovem não estava lá. Então, hoje, no art. 227 da
Constituição em que diz: “É dever do Estado, da família e da socie-
dade contribuir para a educação das crianças, adolescentes...” agora
dos jovens também. Antes não estava. Então, vejam bem com essa
perspectiva da juventude também acaba tendo um reconhecimento
que antes não tinha. Não é que a juventude não existia. Os jovens
sempre existiram, mas esse reconhecimento social, esse lugar de su-
jeito e de que ele é inclusive um sujeito importante para as políticas

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públicas, com a demanda de projetos próprios é algo que se acen-
tuou muito nas últimas duas décadas.
A partir de 2005, tivemos a criação da Secretaria Nacional da Juventu-
de, do Conselho Nacional de Juventude, da primeira política nacional, de
nível nacional de juventude, que é o ProJovem e, posteriormente, tam-
bém com a efetivação do Estatuto da Juventude. A gente tinha o ECA
de 1990, que compreendia as crianças e adolescentes até 18 anos, mas
de jovens, sobretudo, a partir dos 18 anos, a gente não tinha um marco
legal. Agora temos, pois, desde 2013, o Estatuto da Juventude está em
vigor. Dialogando com o tema desta mesa, eu diria que hoje talvez um
dos fatores de emancipação para juventude seria a gente dar a conhecer
e trabalhar o Estatuto da Juventude com os jovens e os diferentes grupos,
nos grupos de EJA, da Pedagogia Social, enfim, nos diferentes espaços
de educação não escolar. Arrisco dizer que grande parte, a maioria dos
jovens, não conhecem o estatuto, portanto, não conhecem seus direitos,
assim como os próprios educadores também não conhecem o estatuto.
Então, acredito que isso tem uma importância fundamental.
Sabemos que o estatuto, a lei por si própria, não garante que as po-
líticas se efetivem, mas que, se a gente também não conhece, também
não tem como se mobilizar e lutar por elas, então, acredito que seja
um importante marco.

III

Avançando na discussão, entrando no tema da indignação, que é o


tema da nossa mesa, falando especialmente da ideia de uma pedago-
gia da indignação, vou trazer duas referências para falar sobre o tema.
A primeira é o Stéphane Hessel, com duas obras e depois o Paulo Frei-
re, obviamente, que inclusive tá inspirando todo o evento aqui com o
livro “Pedagogia da Indignação”.
O Stéphane Hessel, pra quem não conhece, foi um dos redato-
res da Declaração Universal dos Direitos Humanos, lá de 1948. Ele

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faleceu recentemente, com mais de 90 anos e teve dois livros que fica-
ram muito marcados em 2011. O primeiro tem como título “Indignai-
-vos” (HESSEL, 2010), que é uma convocação para manifestar-se com
a crise que estava acontecendo naquele momento.
Stéphane Hessel é francês e viveu nesse contexto europeu, a crise
econômica que começou em 2008, na Europa, e depois vai chegar aqui
no Brasil, na América Latina, de uma maneira globalizada. Na Euro-
pa, a crise estava muito forte no período de 2011, em que tivemos,
em 2010, a Primavera Árabe e, depois, em 2011, acontece um grande
movimento de ocupação de jovens nas praças públicas, começando na
Espanha e se espalhando pela Europa. Tanto que o movimento espa-
nhol dos jovens ocupando as praças por mais de três meses, é chama-
do também de “Movimento de los indignados”, em conexão com essa
ideia e inspiração no próprio livro do Stéphane Hessel. Logo depois,
quando ele vê todo esse movimento acontecendo, escreve outro livro
intitulado “Comprometei-vos: não basta indignar-se” (HESSEL, 2011).
Tive a oportunidade de presenciar parte dessas mobilizações, pois
coincidiu com o período que estive fazendo o doutorado sanduíche,
na Catalunha, Espanha. Então, pude acompanhar essa perspectiva da
indignação e de comprometimento, através do contato com os jovens,
participando, fazendo pesquisa nos locais e acompanhando esse mo-
vimento de “Los Indignados”. Isso repercutiu de uma maneira muito
significativa em vários movimentos dos ocupas, em diferentes cidades,
inclusive aqui no Brasil, em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo,
Porto Alegre, Salvador e outras.
Outra referência, que trago pra gente discutir a indignação, é de
Paulo Freire, que inspira esse evento. Paulo Freire, lá na “Pedagogia da
Indignação” (2000), vai dizer que “uma das principais tarefas da pedagogia
crítica-radical-libertadora é trabalhar a legitimidade do sonho ético-político
da superação da realidade injusta. É trabalhar a genuinidade dessa luta e a
possibilidade de mudar” (p. 43, grifo nosso). E aqui destaco essa perspec-
tiva de mudar, porque parece que a gente hoje vive um momento tão

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caótico que a gente não encontra possibilidades, parece que a gente
não vai sair do buraco em que nos metemos ou que fomos metidos,
e o Paulo Freire traz essa perspectiva da possibilidade de mudança. E
aí ele continua dizendo: “vale dizer, é trabalhar contra a força da ideolo-
gia fatalista dominante, que estimula a imobilidade dos oprimidos e a sua
acomodação à realidade injusta, necessária ao movimento dos dominadores,
portanto, é defender uma prática docente em que o ensino rigoroso dos conteú-
dos jamais se faça de forma fria, mecânica e mentirosamente neutra” (p. 43,
grifo do autor).
Então, acho que Paulo Freire nos inspira nesse trabalho que a gen-
te tem com as juventudes, demonstrando a importância de acreditar
na mudança dos sujeitos, mas sobretudo na mudança social, a partir
da realidade de injustiça social, que estamos vivendo no Brasil, atual-
mente. Vemos 19 milhões de brasileiros passando fome, em situação
de insegurança alimentar; ao mesmo tempo, a gente vê grandes em-
presários e os bancos lucrando bilhões, então que crise é essa? É crise
pra quem? É uma crise que não atinge todos da mesma forma e isso
sim deve nos indignar para buscar superar essa situação, porque é pos-
sível mudar, como nos inspira Paulo Freire.
Existe todo um discurso de acomodação, mas a indignação é jus-
tamente superar essa perspectiva, buscando a mudança. E aí eu trago
alguns exemplos da mobilização de jovens nos últimos tempos para
gente pensar. Um caso específico é já do momento da pandemia, que
é o movimento dos entregadores antifascistas, que teve grande reper-
cussão em São Paulo, com Silvio Galo, que inclusive foi preso de uma
forma arbitrária, assim como outros integrantes do movimento. Este
é um movimento que se constitui, sobretudo, para os jovens, que é
um trabalho precarizado e no período da pandemia ainda é mais acen-
tuado e ainda mais explorado. Essa perspectiva da indignação de cole-
tivos que se articulam, ajuda justamente a questionar uma realidade
que é injusta e esse é o movimento que a gente também pode relacio-
nar falando sobre juventude e a educação.

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Talvez, o movimento mais impactante, que a gente teve dos estu-
dantes, nos últimos tempos, foi a ocupação das escolas públicas em
São Paulo, no segundo semestre de 2015, e se espalhando pelo Brasil,
durante o ano de 2016. Os estudantes ocuparam as escolas e as ruas,
mostrando a sua indignação com a realidade da educação, mostrando
a sua indignação com o descaso, a falta de investimento, além de se
colocarem contra projetos de lei como, por exemplo, da Escola Sem
Partido. Esse movimento apresenta reflexão e discussão crítica, a par-
tir da participação dos estudantes.
Na área da cultura temos a presença do Slam, a poesia falada, que
tem crescido muito, e pouco antes da pandemia estava explodindo no
Brasil. Com a pandemia deixou de ocupar os espaços públicos como
praças e embaixo dos viadutos, e foi também para as redes, pro YouTu-
be e para redes sociais. Dessa forma, o Slam se tornou um novo espaço
de resistência das periferias. Quem já teve oportunidade de acompa-
nhar uma batalha de Slam, consegue perceber que, em 3 (três) minu-
tos, geralmente o tempo máximo de uma poesia, esses jovens dão pra-
ticamente uma aula de história e de conjuntura brasileira. Então, às
vezes, a gente houve discursos de que os jovens não são politizados e
que eles não querem participar das questões sociais, contudo, quando
a gente percebe esse tipo de mobilização, de manifestação cultural e
política, a gente percebe que é um discurso falacioso.
Do mesmo modo, a gente percebe todo movimento que tem re-
percutido com as políticas de ação dos cursinhos pré-vestibulares po-
pulares, a lei das cotas, as leis que vão ampliando a diversidade dessa
juventude, inclusive, para dentro das universidades. O slogan “que as
Universidades se pintem de povo”, expressa a ideia da diversidade em
que jovens de diferentes características, de diferentes cores, de gêne-
ros, de etnia, de regiões, de perspectivas culturais possa ingressar nas
universidades, ampliando a diversidade.
Quando a gente fala da EJA, talvez a gente já viva isso, que as Uni-
versidades não viviam antes, que é essa diversidade dos sujeitos, das

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características, das trajetórias, e isso acaba se incorporando, inclusi-
ve, também, hoje, pro ensino superior. Então, isso acho que é muito
importante a gente pensar. E agora, mais recentemente, nas últimas
semanas, a gente viu a participação dos jovens protestando na COP26,
na conferência do clima, organizada pela ONU e como também teve
mais uma participação expressiva dos jovens.
Nessa conferência tivemos a participação também significativa de jo-
vens brasileiros, de jovens mulheres, mulheres indígenas, tais como a Pa-
loma Costa, Txai Surui, Carolina Oliveira Dias, que levaram para Glasgow
na Escócia, onde aconteceu a COP26, essas lutas indígenas, dos ribeirinhos
e dos quilombolas. Outra jovem, Alice Pataxó, que é indígena, da Bahia, se
destacou também, e o seu discurso repercutiu bastante, significativamen-
te. Ela foi citada, inclusive, pela Malala na COP26, como sendo uma das
líderes ativistas de expressão nesse momento. Então, nós percebemos esses
jovens se indignando e mostrando isso concretamente, saindo do seu lugar
de estar muitas vezes com os seus grupos e problematizando em outros
espaços sociais, que em outros momentos a gente não percebia.

IV

Como é que a gente pode perceber isso do ponto de vista de emancipa-


ção dos jovens? Dentre os vários estigmas que se tem sobre as juventu-
des, um dos mais presentes é aquele que afirma que os jovens não que-
rem participar e não se interessam em grupos, entidades, associações e
espaços escolares. Trago os dados de uma grande pesquisa nacional que
a gente teve sobre Juventude, a Agenda Juventude Brasil 2013, realizada
pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), ainda em outro formato,
outro governo com outra perspectiva social. Entre outras perguntas,
uma delas questionava se os jovens estavam participando de algum gru-
po coletivo, se já tinham participado ou se teriam interesse em participar.
De acordo com a pesquisa (SNJ, 2013), naquele momento, 46% dos
jovens disseram que participam ou já participaram de algum grupo.

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Desses 46%, 20% estavam participando, atualmente, e 26% já haviam
participado em algum momento da sua vida. A gente pode olhar e di-
zer: “20% é um número baixo”. Mas, vejam bem, é um número expres-
sivo dentro do contexto de participação política brasileira. O total dos
que nunca participaram foi de 54%. Foi perguntado para esses: “Você
nunca participou, mas gostaria de participar, caso tivesse oportunida-
de?”. Nesse caso, o número desse grupo foi de 39% de jovens. Os que
nunca participaram e não gostariam são apenas 15%. Então, se a gente
somar quem já participou (26%), quem tá participando no momento
(20%) e quem gostaria de participar (39%), a gente tem um total de 85%
dos jovens envolvidos de maneira, direta ou indireta, com a participação
social e política. Isso desconstrói o argumento de que os jovens não têm
interesse no coletivo, no público, nas questões de participação.
Outro dado, da mesma pesquisa, mostra também como a gente pode
buscar a perspectiva da incidência de como os jovens se mobilizam para
participar. Foi perguntado para eles: “Como você acha que esses quatro
âmbitos (o mundo, Brasil, o bairro e a vida pessoal) estarão daqui a 5
anos?”. Mal sabiam eles, naquele momento, o que a gente teria no Brasil
na sequência depois 2013. Mas, enfim, vejam o que, naquele momento,
os jovens falaram: 36% disseram que o mundo melhoraria nos próximos
cinco anos, 44% disseram que o Brasil iria melhorar, enquanto que 53%
afirmaram que o bairro iria melhorar e, por fim, 94% afirmou que a vida
pessoal iria melhorar. Vejam que vai aumentando gradativamente.
O que isso pode dizer para a gente? Que quanto mais próximo de
si, maior é a perspectiva de participação social dos jovens, em que eles
se sentem mais mobilizados em participar. Dessa forma, faz-se impor-
tante trabalhar a realidade concreta, próximo daquilo que é da vida
dos jovens. E aí, eu quero, a partir desses exemplos, apontar que a
gente pode pensar duas perspectivas da juventude nesse cenário. O
primeiro é de retomar aquele conceito que falei no início, do jovem
como sujeito social. Tem autores brasileiros que discutem juventudes
como Juarez Dayrel, Paulo Carrano, Marilia Sposito, Regina Novaes,

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Helena Abramo, Ana Karina Brenner e Maria Clara Corrochano, entre
outros, discutindo, exatamente essa ideia do jovem como sujeito so-
cial, não apenas como aquele que está se preparando para o futuro. A
partir de participações em grupos e movimentos o jovem tem a expe-
riência política, transformando-se em sujeito político, porque ele tem
poder de decisão, de participação e de indignar-se com a realidade.
O segundo é que a gente vê um paradoxo das juventudes nesse iní-
cio de século, nessas duas primeiras décadas. De um lado a juventude
vive altos índices negativos como: a pobreza, desigualdade, homicídio,
desemprego, precarização e problemas de saúde mental. Por outro,
nós vivemos talvez o que poderíamos chamar de uma epifania social
que, provavelmente, desde maio de 1968 os jovens não tinham tanto
destaque e visibilidade social quanto agora.
Dois exemplos concretos: a Malala, que também estava presente na
COP26, a primeira jovem mulher a receber um prêmio Nobel da Paz,
de 2014, quando ela tinha apenas 17 anos. Isso é um marco, do ponto
de vista das juventudes, pois, historicamente, não seria concebível dar o
prêmio Nobel para uma jovem. Outra jovem, a sueca Greta Thunberg,
que na COP26 também foi uma personagem importante. Ela há vários
anos vem se mobilizando na questão climática no mundo. Foi a pessoa
do ano na revista TIME, em 2019, aos 16 anos e foi indicada duas vezes
ao Prêmio Nobel da Paz em 2019 e em 2020. Ela não ganhou o prêmio,
mas só o fato de ser indicado ao prêmio Nobel já foi algo muito impor-
tante sendo uma adolescente. Isso repercute do ponto de vista de uma
perspectiva geracional, visto que são jovens ocupando espaços que, tra-
dicionalmente, somente adultos poderiam ocupar.

O que que a gente poderia dizer para finalizar? Como a gente poderia
sair da indignação e ir para emancipação? Esse é o tema da nossa mesa.
Eu diria que o primeiro é a inspiração do filósofo chamado Immanuel

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Kant, que diz “Sapere Aude”, que é um conceito que ele usa num texto
chamado “O que é Esclarecimento?”, que pode ter uma tradução próxima
de “aprenda a pensar por ti mesmo”. Nós poderíamos relacionar com a
importância de não acreditar em fake news, em que as pessoas recebem
informação no WhatsApp, nas redes sociais, diariamente. O importante
é conseguir pensar de uma forma crítica por si mesmo e desconfiar, du-
vidar das informações que recebe. Isso é algo muito importante. Então,
para o sujeito se emancipar, ele precisa refletir e ter um mínimo de crítica
sobre a sua realidade. Só que isso não se faz sozinho. A gente precisa fa-
zer isso coletivamente. Precisamos sair da menoridade intelectual, pen-
sar criticamente, mas não sozinhos. Coletivamente. E aqui é aquilo que o
Paulo Freire diz que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mes-
mo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Talvez,
com uma articulação coletiva, a gente pode, sim, enxergar emancipação.
Como a gente pode fazer a emancipação numa perspectiva de tra-
balhar a realidade dos alunos para tal ação? Trago aqui um recorte de
um estudante da época das ocupações estudantis de 2016 que dizia:
“Um sonho meu era que um dia, somente um dia, todos os profes-
sores se esquecessem de que exista o ENEM para dar uma boa aula
em que haja uma interação de educador e educando.” E para falar da
EJA, para falar de juventude, nós não podemos prescindir disso, da re-
lação humana. Assim, finalizo com uma metáfora do Pierre Bourdieu
(1998), que se chama “Contrafogos”. Eu não conhecia essa metáfora,
até ler seu livro intitulado “Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão
neoliberal”. Contrafogo é uma prática usada pelos bombeiros, quando
se deparam com uma labareda muito grande, um incêndio de grandes
proporções e eles não conseguem apagar, chegando com caminhão e
jatos de água. Assim, quando eles não conseguem apagar esse fogo,
fazem um fogo na direção contrária. Então, quando os dois se encon-
tram no meio, o fogo se dissipa, pois não tem mais nada para queimar.
Isso é um contrafogo. Ele usa a metáfora para pensar as relações so-
ciais, afirmando que a gente deve propor ações contrárias àquelas que

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a gente critica. Dessa forma, pergunta-se: sobre o que nós estamos
indignados? Estamos indignados com a reforma trabalhista, quando
estou perdendo os direitos? Então, vamos lutar por direitos coletivos,
por direitos trabalhistas e, assim por diante.
Termino, também, com Gramsci dizendo que: “É necessário, sobre-
tudo em tempos difíceis, equilibrar o pessimismo da inteligência com o
otimismo da vontade” (2006, p. 267) Que nesses tempos, em que parece
que nada vai dar certo, que a gente possa realmente ter essa perspectiva
de equilibrar o pessimismo da inteligência, com o otimismo da vontade.
São algumas ideias para nossa reflexão, espero que a gente possa dialogar
nessa perspectiva das juventudes, da EJA e da Pedagogia Social.

VI

Gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui refletindo e apren-


dendo junto com vocês. Acho que esse movimento sempre nos leva a
novas perspectivas e desejo que essas articulações possam continuar,
que a gente possa fortalecer as redes, as discussões coletivas. Eu tenho
um amigo que diz que “evento é vento”. Ou seja, por mais que ele seja
bom, ele passa. Então, que nós possamos construir redes, contatos, es-
tabelecendo essas conexões porque é isso que nos leva além. O capita-
lismo neoliberal sabe muito bem disso e se apropriou dessa realidade
promovendo a articulação entre as corporações a partir de grandes re-
des para dominar, de forma hegemônica, os setores produtivos da so-
ciedade. Então, para resistir a gente também precisa estar articulado.
Precisamos fortalecer as conexões entre nós, educadores e juventudes,
para a promoção de uma educação realmente social. Obrigado.

Referências
BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Tra-
dução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação. São Paulo: Unesp, 2000.

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GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2006.
HESSEL, Stephane. ¡Indignáos! Un alegato contra la indiferencia y a favor de la
insurrección pacífica. Barcelona: Ediciones Destino, 2010.
HESSEL, Stephane. ¡Comprometeos! Ya no basta con indignarse. Barcelona: Edi-
ciones Destino, 2011.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento? Tradução de
Luiz Paulo Rouanet. Brasília: Casa das Musas, 2008.
SECRETARIA NACIONAL DE JUVENTUDE – SNJ. Agenda Juventude Brasil
2013: pesquisa de opinião pública. Brasília, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3aG-
mXDI. Acesso em: 20 mar. 2022.
SOBRINHO, André; ABRAMO, Helena Wendel. A pandemia do coronavírus e
os impactos na condição juvenil contemporânea: subsídios para o debate. Rio
de Janeiro: FIOCRUZ, 2021. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.
fiocruz.br/files/documentos/juventude_pandemia_subsidios_saladesituacao.pdf.
Acesso em: 11 nov. 2021.
VAZ, Sérgio. Flores de alvenaria. São Paulo: Editora Global, 2016.

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INDIGNAR-SE PARA EDUCAR É O
CAMINHO? FORMAÇÃO DOCENTE,
PRÁTICAS EDUCATIVAS NÃO
ESCOLARES E PEDAGOGIA SOCIAL
Arthur Vianna Ferreira

O objetivo deste capítulo é refletir sobre a importância da indignação


nos processos de formação docente ampliada, ou seja, os que levam em
consideração os ambientes educacionais não escolares como espaços de
atuação dos pedagogos e licenciados no país. Inclui-se a essa reflexão o
poder potencializador do processo de “indignar-se”, realizado pelos edu-
cadores sociais no campo do saber da Pedagogia Social. Como exercício
da indignação como prática “educativo-formativa” o texto se abre ao
esforço de iniciar indagações sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica, de 2019,
nas temáticas relativas às ações educativas não escolares (reconhecida
comumente na educação brasileira como educação “não formal” e “in-
formal”). A partir dessa reflexão, busca-se entender como a Pedagogia
Social pode se beneficiar do dispositivo indignação nos processos refle-
xivos sobre suas práticas educativas não escolares, de maneira exemplar,
pela Pedagogia da Hospitalidade, trabalhada desde Isabel Baptista (2005)
e ampliada por Arthur Ferreira (2020).
Assim, ao recuperarmos os conceitos supracitados, os educado-
res podem reavaliar os processos educativos presentes no ambiente
não escolar, tendo como parâmetro as relações socioeducativas e a
organização das suas práticas socioeducacionais (pela hospitalidade),

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principalmente, com as camadas empobrecidas. Ao mesmo tempo, a
formação docente – inicial e continuada – voltada às didáticas organi-
zadas para ações socioeducativas pode se apresentar como um cami-
nho reflexivo que inste processos de indignação, tanto em relação à
formação docente dos profissionais da educação não escolar, quanto
em relação as suas práticas educativas com os sujeitos em situações de
vulnerabilidades.

Existe espaço para a indignação ao pensar na formação do-


cente voltada à atuação em ambientes não escolares?
As práticas educativas não escolares não são uniformes. O que se quer
dizer com isso? Que as práticas educativas ocorridas fora do ambiente
escolar (e que tradicionalmente convencionamos chamar de “não for-
mais” e “informais”), se apresentam em distintas formas e estruturas
organizadas a partir das demandas dos educandos e educadores em
seus tempos-espaços-históricos. Ou seja, a Educação Social, a Educa-
ção Popular, a Educação Comunitária, a Animação Sociocultural e as
práticas de medidas socioeducativas – entre outras denominações de
práticas do espaço não escolar – são expressões que mostram diver-
sas facetas organizadoras das ações educativas não escolares e de seus
grupos sociais. Cada uma delas apresenta as suas peculiaridades, suas
histórias e suas críticas específicas ao campo da educação não esco-
lar. Contudo, todas elas possuem algo em comum: a organização de
práticas – e relações – pedagógicas pautadas a partir de necessidades
específicas, seja dos grupos sociais, seja dos seus sujeitos de pertença,
em uma configuração socioeducativa enquadrada nas instituições re-
conhecidas como “não formais” e “informais” no campo da Educação.
Dessa forma, podemos dizer que as práticas educativas não esco-
lares se apresentam como um “céu aberto” às diversas manifestações
educativas do social. Isso não significa que essas práticas educativas
não tenham uma intencionalidade ou uma organização pedagógica in-
terna concreta, visível e viável. Ao contrário, essas práticas são eficazes

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e eficientes no interior de seus próprios grupos sociais e recuperam as
suas constituições históricas. Assim, a ação socioeducativa realizada
nos grupos são potencializadoras de processos emancipatórios dos su-
jeitos em sociedade se direcionadas a um espaço educacional que gere
a crítica e a indignação das relações entre os educandos, seus grupos
de pertença e a sociedade (em todas as suas dimensões).
Na verdade, ila-se que a potência dessa ação socioeducativa ganha
forma, existência e cotidiano educacional quando um educador tem,
em seus processos de formações, iniciais e continuadas, a possibilidade
de pensar-se para além da pedagogia aplicada pelos sistemas educacio-
nais de forma menos prescritiva e normativa, em relação aos conteú-
dos e os laços socioeducacionais. É por isso que a formação docente
pensada de forma “ampliada” (ou seja, aquela capaz de dar subsídios
para o profissional pensar sua prática para além da organização das
práticas e das relações educativas escolares) deve ser continuamente
tratada como um tema relevante nos currículos dos cursos de Pedago-
gia e de Licenciaturas no ensino superior brasileiro.
Pode-se retomar esse debate desde o próprio discurso organizado na
legislação educacional brasileira após a abertura democrática de 1988.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB nº 9.394/96), mes-
mo com todas as modificações realizadas em seu texto até o momento
atual, mantém as práticas educativas não escolares (não formais e in-
formais) como parte intrínseca do ensino-aprendizagem realizado nas
instituições escolares ou não. Na verdade, no artigo 3º, os três últimos
incisos reafirmam as práticas educativas não escolares como próprias
do processo de ensino-aprendizagem no contexto socioeducacional do
país. E no último inciso (o XIII) desse parágrafo, houve uma modifica-
ção acrescentando-se à ideia de ensino, posta inicialmente nesse artigo,
o conceito de “aprendizagem ao longo da vida”.
Sem a intenção de se aprofundar nas nuances do campo do saber
que discute esse termo, apenas se aponta, aqui, para uma preocupa-
ção de manter no horizonte do processo educacional que constitui

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ações pedagógicas no país a organização de práticas educativas pen-
sadas fora dos cânones escolares (estruturas físicas e curriculares),
podendo se deslocar as mesmas para outros espaços sociais que ca-
bem na organização de um trabalho pedagógico. Da mesma forma,
as duas primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
Inicial de Professores (DCNs) do início do século XXI, a de 2006 (vol-
tada aos Cursos de Pedagogia) e a de 2015 (que inclui os cursos de
Licenciaturas e Complementação Pedagógica), também possibilitam
pensar os componentes das práticas educativas não escolares na for-
mação docente.
Nas DCN de 2006, os artigos 4, 5 e 6 versam sobre a preocupação
de formar os futuros docentes para habilidades de planejar, executar,
coordenar, acompanhar e avaliar projetos e experiências educativas
não escolares. Essa dimensão está ancorada na compreensão de que
os processos educacionais auxiliam no desenvolvimento do ser huma-
no e que, por isso, os futuros docentes podem contribuir nos diversos
níveis de modalidade de ensino com o desenvolvimento social a partir
das práticas pedagógicas realizadas pelos educandos em instituições
educativas, independente se dentro ou fora de um sistema curricular.
Da mesma forma, as DCN de 2015 mantêm a mesma disposição
de uma formação docente, organizada de forma a pensar os ambien-
tes educativos não escolares. Os artigos 3, 12 e 18 nos auxiliam a pen-
sar a educação dentro de processos formativos que abrangem várias
instituições do social (como família, trabalho, convivência humana,
entre outros), e não somente o ambiente escolar. Dessa maneira, a
formação do futuro docente deve contemplar esses espaços de atua-
ção e as demandas dos sujeitos dentro desses processos educacio-
nais. Ou seja, as DCN de 2015, em traços gerais, ampliam a atuação
do docente tanto no campo formativo (para todas as Licenciaturas)
e no espaço de organização de trabalho. Esse último é inferido desde
os artigos 12 e 18, que promovem a formação docente para atua-
ção de “processos educativas e de experiências educacionais” e a

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valorização do magistério e dos profissionais da educação, respecti-
vamente. Assim, especificamente com essas DCN, temos a legitima-
ção da preocupação institucionalizada nos currículos do ensino su-
perior para a educação de uma docência ampliada, ou seja, pensada
para além dos ambientes escolares.
A ressonância dessa observação se encontra no Plano Nacional de
Educação (PNE), refletido para pensar as metas educacionais no perío-
do de 2014 a 2024, no Brasil. As metas 2, 6, 7 e 13, desse plano, trazem
ações concretas a serem desenvolvidas que perfilam as ações socioedu-
cativas no Brasil e exigem da formação inicial docente um olhar am-
pliado sobre o processo educativo escolar, ou seja, voltado às práticas
pedagógicas que não serão constituídas para uma ação direta para os
conteúdos dos anos escolares, mas sim, para outros processos educa-
cionais que promovam o desenvolvimento humano em seus ambientes
socialmente constituídos e que possuem configurações diferentes dos
escolares. O PNE (2014-2024) expressa essa realidade, a partir dos se-
guintes temas: a criação de vínculos institucionais, a partir de práticas
extracurriculares (meta 2); aproximação do educador nas práticas dos es-
paços socioeducativos (meta 6); processos cognitivos relacionados à Edu-
cação Popular e Cidadã (meta 7); e formação docente no ensino superior
em articulação com as diversidades do contexto social (meta 13).
Em 20 de dezembro de 2019, decreta-se a Resolução CNE/CP de
02/2019, com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
Inicial de Professores para a Educação Básica a partir da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), de 2018. A organização dessas diretrizes
representa um grande retrocesso na construção desse lugar ocupado
pelas práticas educativas não escolares na formação docente. A princí-
pio, ao busca atender somente ao cumprimento e execução da BNCC,
as DCN de 2019 invisibilizam a potência das práticas educativas não
escolares, excluindo dos artigos termos anteriormente organizados
pelas antigas DCNs – 2006 e 2015 – como “espaços não escolares”, “di-
versidade nas modalidades do processo educativo”, “desenvolvimento

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de pessoas, organizações e sociedade”, “processos e experiências edu-
cativas”, “profissionais da educação”, entre outros.
Centrada basicamente na organização escolar, as DCN de 2019 in-
dicam uma formação docente reducionista em relação as anteriores. À
medida que a formação docente estará organizada para aplicação e de-
senvolvimento da BNCC, a discussão sobre outras práticas educativas
não escolares (não formais e informais) é silenciada dentro dos cursos
de Licenciaturas (inclusive o de Pedagogia) no contexto educacional
brasileiro. Assim, reafirma-se com essa diretriz a centralidade da esco-
la como o processo educativo majoritariamente importante nas polí-
ticas públicas voltadas para a Educação. E, não possibilita um diálogo
com outros processos educativos acontecidos no interior dos grupos
sociais que não somente ampliam o desenvolvimento do ser huma-
no, mas que têm características específicas que o ambiente escolar não
será capaz de realizá-lo pela sua natureza institucional.
Essa crítica já vem sendo feita dentro de alguns setores da educação
escolar (reconhecida como educação formal) no tocante à formação
docente escolar no Brasil. Segundo Portelinha (2021), as novas dire-
trizes curriculares trazem tensões no processo de formação docente.
As três principais críticas realizadas por esse artigo são as seguintes: a
ênfase das DCNs 2019 recai sobre os conteúdos específicos das áreas
do ensino e suas respectivas metodologias em sintonia com a BNCC
da Educação Básica; o esvaziamento dos fundamentos da educação; e
a dissociabilidade na relação entre teoria e prática, questões essenciais
para a constituição da formação e do trabalho docente.
Seguindo essa linha de raciocínio, Marques et al. (2021), também
questionam as DCNs de 2019 sobre o entendimento das práticas (es-
tágios curriculares) apresentadas como componente curricular. Para
os autores, existe um deslocamento do conceito de prática no docu-
mento. Assim, percebe-se uma diminuição das posturas mais teóricas
em relação àquelas mais voltadas para a aplicação dos conhecimentos.
Consequentemente, o conjunto de ações organizadas por essas novas

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diretrizes curriculares para a formação inicial de professores pode
prejudicar a constituição de futuros docentes reflexivos, autônomos
e com abrangência nos mais diferentes saberes profissionais, discipli-
nares, curriculares e experienciais.
Da mesma forma, faz-se importante iniciarmos uma crítica tam-
bém no campo da educação não escolar sobre os discursos dispostos
nas DCNs de 2019. Ao ler-se o documento, ila-se que há certa inter-
rupção do diálogo sobre o lugar dos profissionais da educação den-
tro do contexto da educação brasileira. Assim, os educadores (sociais,
populares, comunitários, entre outros) voltam ao “limbo” da consti-
tuição da sua identidade como profissional da educação não escolar.
Uma vez que as DCN de 2019 não se preocupam diretamente com as
práticas educativas não escolares (lê-se educação não formal e infor-
mal) como parte importante da formação docente inicial, os profissio-
nais da educação não escolar não encontrarão, facilmente, um espaço
de formação adequado dentro desses cursos de Licenciatura. Assim,
esse profissional estará entregue a sua própria “boa vontade” em bus-
ca de uma formação que atenda à demanda do espaço socioeducativo
que desempenhará sua docência ampliada.
Além disso, da forma que estão postos os dispositivos desses do-
cumentos, poderão entregá-los a uma possível precarização dos con-
teúdos básicos dos fundamentos da Educação a serem trabalhados
na formação docente inicial e/ou continuada, e que estarão voltados
estritamente para cumprir as realidades educacionais do ambiente es-
colar e que não necessariamente atenderá as demandas dos espaços
socioeducativos.
Ainda, um dos impactos mais imediatos dessa desvinculação do
possível oferecimento de uma formação com uma reflexão mais
ampliada sobre a educação não escolar para os graduandos dos cur-
sos de Licenciaturas (como se tinha previsto anteriormente pelas
DCNs de 2006 e 2015) é o deslocamento desses sujeitos em busca de
uma formação continuada em outros campos das Ciências Sociais

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aplicadas. O problema dessa prática é que esses campos do saber não
irão possuir conteúdos pedagógicos necessários e específicos das
Ciências da Educação. E, por conseguinte, não atenderão a deman-
da da organização do trabalho sociopedagógico necessário para o
exercício da Educação Social. Essa organização, substancialmente,
parte de elementos básicos de campos do saber da Educação – como
a Pedagogia Social, a Didática, as Políticas Educacionais e da Psicolo-
gia da Educação e Psicologia Social, entre outros – que raramente se
encontram nos currículos das Ciências Sociais com a profundidade
que é dado nas Licenciaturas.
Os defensores dessas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2019
se colocarão incomodados nesse ponto de reflexão. Talvez, não se
entenderá as motivações para uma discussão sobre práticas educa-
tivas não escolares (não formais e informais) na formação docente,
haja vista que a intenção principal dessas Diretrizes Curriculares está
posta da seguinte forma: uma diretriz que organiza uma formação
docente organizada em função do BNCC (designado pela Lei nº
9.394/96, art. 26), uma formação docente para colocar os currículos
escolares desde essas práticas, uma busca de uma reorganização da
escola brasileira dentro da realidade do século XXI e uma reconstru-
ção de Ensino Médio, no país.
Apensando as suas indignações, os últimos poderão sublinhar que
algumas partes das diretrizes citam – de forma exígua – ações na for-
mação docente inicial que são de características das práticas educati-
vas não escolares. O artigo 8, sobre os fundamentos pedagógicos para
a formação docente, no inciso VIII, discursa sobre a formação do pro-
fessor de forma integral e que as competências e habilidades devem
levar em consideração “a diversidade, os direitos humanos, a democracia
e a pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas” (art. 8, VIII, grifo
nosso). Da mesma forma, o artigo 12, sobre a distribuição da carga
horária da formação docente pelos cursos de Licenciatura, em seu in-
ciso II, letra “b”, aponta a importância de “visão ampla do processo

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formativo e socioemocional como relevante para o desenvolvimento,
nos estudantes, das competências e habilidades para sua vida”.
A pergunta que surge para essa argumentação seria: como se pode
valorizar esses temas e valores que são trabalhados diretamente pelo
campo do saber da Pedagogia Social e das práticas educativas não es-
colares se os currículos desses cursos de Licenciatura não terão obriga-
toriedade de fundamentos da educação ajudem nessa reflexão? Aliás, o
artigo 11, no inciso III, que delimita 800 horas de práticas pedagógicas
(Estágio Supervisionado), não indica nenhuma atividade em ambien-
tes fora da escola; ao contrário, reafirma a presença dos graduandos
nas escolas para refletir a “situação real de trabalho em escola, segundo o
Projeto Pedagógico do Curso (PPC) da instituição formadora” (Art.11, III,
grifo nosso). Cada vez mais, os espaços educativos não escolares não
são compreendidos como espaços legítimos de ensino-aprendizagem
que podem funcionar como uma rede de apoio fundamental para os
trabalhos escolares propostos pela própria BNCC em questões da rea-
lidade social brasileira.
De fato, se assarapanta o uso da palavra “social” dentro do contex-
to das DCNs de 2019. Os artigos 2º, art. 7º, II e art. 12º, IX, são os três
artigos que aparecem o termo “social”, contudo, com o recorte volta-
do ao papel do aluno, da escola e do professor, respectivamente. Uma
formação docente voltada a uma dimensão social das práticas educati-
vas como processos de intervenção social concreta não se apresenta de
forma clara e concreta ao longo do documento. Ou seja, a dimensão
social da Educação, como intervenção da realidade e com as popula-
ções em situação de vulnerabilidade, é invisibilizada nas preocupações
dessas diretrizes, mostrando-se, assim, alijadas das situações concretas
que vivem as próprias escolas e a formação dos seus docentes.
Enfim, a pergunta que cabe neste ponto da reflexão é esta: será
que uma leitura mais acurada das Diretrizes Curriculares Nacionais
de 2019 sobre a Formação Docente do Ensino Básico pode nos levar a
processos de indignação na dimensão de formação docente que amplie

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a ação pedagógica dos futuros docentes para os espaços educativos
não escolares? Essa indignação deverá fazer parte de uma formação
docente que seja capaz de valorizar as práticas educativas não escola-
res (não formais e informais) que atravessam as realidades escolares
pelos grupos sociais que participam nos cotidianos escolares.
A indignação inicial, começado por esse ponto da nossa reflexão, se
encontra na invisibilidade do discurso sobre as práticas educativas não
escolares postas nas Diretrizes Curriculares de 2019, como um retro-
cesso às outras DCNs (2006 e 2015). Esses dois últimos, mostram uma
relação mais enlaçada com a valorização, as práticas e os fundamentos
educativos que propiciam uma formação docente inicial mínima que
auxilie a situar nos indivíduos as possibilidades de trabalho em am-
bientes educacionais, escolares ou não. Ao mesmo tempo, à medida
que as novas diretrizes se debruçam prioritariamente sobre as preocu-
pações da BNCC, as diretrizes naturalizam uma cegueira escolar, seja
sobre a existência das instituições socioeducativas presente nos terri-
tórios partilhados com as escolas, seja sobre a valorização das práticas
educativas não escolares dessas instituições socioeducativas, seja pela
constituição de uma rede de apoio que enriqueça o processo educati-
vo realizado na escola, com os saberes e experiências promovidas – e
produzidas – pelas instituições socioeducativas.

Indignar-se pode ser considerado um elemento de constru-


ção de práticas de Educação Social?
Indignar é um verbo que somente faz sentido na Educação se for con-
jugado de forma reflexiva. O pronome reflexivo “se” é sinal de sujeitos
que são capazes de pensar sobre si mesmo em relação a sua prática pe-
dagógica e a sua realidade histórica. No campo da Pedagogia Social, a
conjugação desse verbo de forma reflexiva é fulcral para que tomemos
consciência tanto da importância da formação inicial dos educadores
sociais, quanto para a organização dos trabalhos sociopedagógicos nas
instituições socioeducativas do país.

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Assim sendo, na primeira parte, esforçou-se por iniciar o processo
de indignação sobre a formação docente ampliada (pensada para uma
atuação dos docentes dentro e fora do ambiente escolar) e como essa
é invisibilizada – e desvalorizada – pelas Diretrizes Curriculares Nacio-
nais de 2019, organizada de forma explícita para atender as demandas
dos currículos escolares e não necessariamente as necessidades educa-
tivas dos alunos que se realiza também em outros espaços socioeduca-
tivos na sociedade brasileira.
Na segunda parte, volta-se o olhar para o processo de indignação
que pauta a organização das práticas educativas não escolares como
parte de um trabalho docente e que marca a identidade socioprofis-
sional daqueles que trabalham fora do ambiente escolar e, de maneira
especial, com as camadas mais empobrecidas do Brasil.
O tema da indignação faz parte da reflexão da Educação, princi-
palmente no campo do saber da Pedagogia Social. Caliman (2014) se
utiliza do termo “indignação” como uma virtude que tende a emergir
quando a dignidade humana se encontra ameaçada dentro do contex-
to social. De fato, a indignação é uma expressão de um certo “mal-es-
tar” vivido pelos sujeitos que se sentem excluídos dos processos que
afiançam a cidadania e que, ao final, acabam chegando a poucos da
realidade social de um grupo dentro da sociedade contemporânea. Ao
se dedicar aos estudos dos direitos humanos e o trabalho com a juven-
tude, compreende-se que o termo “indignação” exprime os processos
de exclusão vividos pelos jovens que participam das práticas educa-
tivas sociais do espaço socioeducativo pesquisado. Essa indignação
se expressa em reações concretas e que afetam tanto a vida pessoal,
quanto social em que os jovens se encontram imersos, como a vio-
lência, os traços de incivilidade e a delinquência. Nesse contexto, “a
indignação, quando orientada, pode provocar a motivação e, está, a
consciência da vulnerabilidade e dos riscos” (CALIMAN, 2014, p. 167).
Assim, o ato de indignar deve promover a motivação necessária
para a reflexão que encontra vias alternativas de comunicação entre

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os sujeitos sociais (os excluídos e a sociedade contemporânea) e, a
partir desse movimento, fazem-se fundamentais atitudes concretas
de administração de riscos, vislumbrando as motivações e as pers-
pectivas de sentidos sociais que sejam orientados para a transforma-
ção social e a construção de uma sociedade mais justa com a partici-
pação da juventude.

As atividades de ação-intervenção sobre a realidade têm o potencial de


provocar nos indivíduos e nos grupos, que delas participam, uma função
de transformação pessoal e social. De transformação social, enquanto a
ação exercida em atividades de extensão tende a refletir sobre as origens
do mal-estar social que gera a exclusão; a provocar o diálogo, a interação
com os outros, a capacidade de negociar e de administrar conflito. (CA-
LIMAN, 2014, p. 170).

Desde esse ponto, compreende-se que as instituições escolares, por


serem legitimadas pela sociedade, se apresentam como espaço pri-
vilegiado para desenvolver a capacidade de dialogar e desenvolver a
participação social dos jovens. Contudo, o próprio autor entende que
a mesma não é a única (e tampouco sozinha) que irá conseguir con-
templar a construção de valores necessários para dar respostas as suas
indignações diante das realidades sociais, políticas e econômicas.
Algumas ações educativas por meio de projetos sociopedagógicos
poderão ser um dos espaços legítimos nos quais os indignados encon-
trarão para constituir-se como protagonistas de processos educacio-
nais transformadores. Como posto pelo mesmo autor,

Em muitos casos, a população socialmente excluída, em particular


crianças, adolescentes e jovens, encontra em organizações sociais e ou-
tros agentes não formais de educação o apoio indispensável para supe-
rar suas condições de exclusão. São associações, clubes, obras sociais e
uma variedade de práticas educativas que viabilizam a educação através

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de metodologias, projetos e ações que incluem o esporte, o trabalho, o
lazer, a cultura, a expressão, a arte. Em outras palavras, a escola é indis-
pensável, mas não única nem suficiente, isto é, não se pode jogar sobre
seus ombros toda a responsabilidade pela luta a favor da inclusão social.
(CALIMAN, 2014, p. 178).

Assim, entendida a indignação como processo inicial de uma ação


educativa (escolar ou não), começamos a inferir que, a partir das prá-
ticas educativas não escolares podem-se estabelecer processos educa-
tivos que garantam a participação, o diálogo e o respeito pela pessoa
humana, enaltecendo o sentido da vida e a solidariedade.
Na compilação de suas cartas pedagógicas entre as décadas de 1970
e 1980 do século XX, Freire (2000) aponta que a indignação se apresenta
também como pano de fundo de todos os textos expressos no livro. Em-
bora o termo “Pedagogia da Indignação” para nomear essa compilação
póstuma das cartas de Paulo Freire não tenha sido escolhido pelo pró-
prio (mas sim por Ana Maria Araújo Freire, que levou a cabo e fim esse
trabalho), o termo “indignação” cabe corretamente no sentido presente
dos escritos que compõem esse livro: a denúncia de uma realidade so-
cial que não contribui para a transformação e a emancipação da realida-
de em que se desenvolve os processos educacionais brasileiros.
Na terceira carta desse livro, intitulada “Do assassinato de Galdino
Jesus dos Santos – índio Pataxó”, de 1997, escuta-se alto a ideia de in-
dignação diante da realidade cruel e extrema que pode alcançar as re-
lações interpessoais e que não promovem a inclusão dos mais fracos
no contexto socioeconômico de Brasil. No texto, o autor identifica a
indignação coincidindo com os sentidos de perplexidade e espanto
do educador diante de uma realidade que pode ser marcada por uma
perversidade intolerável que promove processos de desgentificação dos
excluídos sociais. Nesse caso específico, a indignação se apresenta para
Freire (2000, p. 31) como um dos sentidos fundamentais para instaurar
processos de transformação que partem da capacidade dos sujeitos de

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instaurar, entre si, relações socioeducativas que respeitam e valorizam
a diversidade humana em todos os seus aspectos e, de maneira espe-
cial, aos mais frágeis do contexto social.

Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humaniza-lo, torna-lo sério,


com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo
sonhos e inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a
sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. (FREIRE, 2000, p. 32).

O olhar sobre a realidade concreta e a sensibilidade diante das rela-


ções sociais que valoriza a vida em seus diversos aspectos também são
pontos importantes da indignação dos educadores que se dedicam a
uma educação transformadora, como podemos entender da leitura de
Paulo Freire. Na verdade, para esse autor, a indignação, diante ao que
se apresenta como contexto para desenvolver as atividades educativas,
exige uma postura ética do educador, que deve estar pautada tanto na
denúncia, quanto no anúncio: no primeiro caso, a realidade em que vi-
vemos; e no segundo, o que poderíamos viver se lográssemos colocar
em prática os processos educacionais humanizadores na sociedade.
Ou seja, a indignação é o início de um processo socioeducativo que
gerará um pensamento profético, capaz de organizar as relações edu-
cativas e, consequentemente, a vivência de uma transformação social,
e pessoal, no meio da humanidade.

Ao repensar os dados concretos da realidade, sendo vivida, o pensamento


profético, que é também utópico, implica a denúncia de como estamos
vivendo e o anúncio de como poderíamos viver. É um pensamento espe-
rançoso, por isso mesmo. É neste sentido que, como o entendo, o pen-
samento profético fala não somente do que há de vir, mas falar de como
está sendo a realidade, denunciando-a, anuncia um mundo melhor. Para
mim, uma das bonitezas do anuncio profético está em que anuncia o que
virá, necessariamente, mas o que pode vir ou não. (FREIRE, 2000, p. 54).

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Ao fim, chegamos à inferência de que a reflexão sobre a indigna-
ção, nesse contexto da vida de Freire, está organizada na capacidade
do educador de uma postura de perplexidade diante das realidades só-
cio-históricas e econômicas, vividas pelos seres humanos que podem
levar a relações de desgentificação da vida humana, em detrimento das
questões econômicas e/ou ideológicas dos pequenos grupos sociais
que exercem o poder nos processos “democráticos” de nosso país.
Assim, a partir dessa compreensão da indignação, instaura-se o binô-
mio “denúncia-anúncio” presente na ética dos educadores para que pos-
sam realizar, desde uma motivação profética do exercício da docência,
uma educação transformadora e, consequentemente, emancipadora dos
grupos vulneráveis socialmente. E essa indignação, que nos leva a um
processo de mudança “possível” do mundo, se concretiza com o que Ca-
liman (2014) coloca em sua reflexão sobre o tema: a consciência de uma
realidade consternadora em relação aos grupos sociais vulneráveis e a
possibilidade de escutá-los em suas demandas sociais a partir da educação.
Na verdade, não existe a Educação Social sem esse processo cons-
ciente da realidade excludentes vivida pelos indivíduos e suas relações
de desigualdades. A postura ética básica do profissional da educação
não escolar, pautada na indignação como elemento inicial para a or-
ganização de seu trabalho pedagógico, deve considerar que “a cons-
ciência do mundo e a consciência de si fazem um ser não apenas no
mundo, mas com o mundo e com os outros.” (FREIRE, 2000, p. 20).
E isso é o essencial para qualquer processo em que a indignação esteja
presente nas relações socioeducacionais.
Ao iniciarmos de forma lacônica essa reflexão sobre a indignação,
introduzimos e incitamos o desejo para que os profissionais da edu-
cação não escolar considerem a “indignação” como dispositivo funda-
mental para pensar: a sua formação docente ampliada; a sua didática na
perspectiva de uma intervenção social direta e pressurosa; e sua postura
ética profissional desde sua identidade de educador social nos contex-
tos de vulnerabilidades sociais do seu “saber-fazer” sociopedagógico.

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E quando a prática pedagógica da hospitalidade ganha di-
mensão de indignação na Educação Social?
Ao buscarmos consolidar em nossos estudos sobre práticas educativas
não escolares com as camadas empobrecidas uma abordagem psicos-
social dos processos de formação, tanto das práticas socioeducativas,
quanto da identidade do educador social, o campo do saber da Peda-
gogia Social tem tido uma grande contribuição para nossas pesquisas.
Partindo do princípio que a Pedagogia Social é o campo do saber
das Ciências da Educação que objetiva mapear as práticas educativas
nas instituições sociais e organizar uma reflexão crítica sobre os re-
sultados das ações educativas não escolares (não formais e informais),
nos debruçamos sobres seus conteúdos com o intuito de visibilizar e
potencializar novas práticas educativas que auxiliem na construção da
equidade social contemporânea.
Desde essa perspectiva, se abre a possibilidade de pensarmos em
novas formas de exercício da pedagogia para esses sujeitos envolvidos
nos processos de ensino-aprendizagem social. E, dentro desse conjun-
to de pedagogia constantemente pensado na contemporaneidade, o
conceito de hospitalidade se apresenta como prática possível na Educa-
ção Social.
A discussão sobre a hospitalidade não é específica da área da Educa-
ção. De fato, essa discussão é uma construção oriunda da Filosofia que
nos motiva a pensar um espaço da educação não escolar, que garanta
duas características essenciais para a Educação Social: o atendimento
das demandas específicas dos grupos em vulnerabilidade social envol-
vidos nas práticas educativas não escolares; e a “promoção-construção”
de ações sociais e cidadãs que gerem autonomias, emancipações e
transformações dos sujeitos diante das suas realidades sócio-históricas.
A hospitalidade pode ser definida como um local privilegiado de
encontro interpessoal, marcado por uma atitude de acolhimento em
relação ao outro, em que não se impõe ação direta do “eu” sobre o
“outro”. Ao contrário, o outro é o início e o fim da ação realizada

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neste encontro. As necessidades e demandas dos sujeitos, que se apre-
sentam no campo da alteridade, devem ser apontadas como fundantes
da nossa ação, e a reciprocidade, vivida nesse processo, é o que dá sus-
tento a um campo pedagógico de encontro entre “outros” que dese-
jam, mutuamente, estarem uns na presença dos demais e, por isso,
facilitam a sua própria vivência educacional, independente de quem,
aparentemente, se faz responsável pelo processo.
É um espaço de surpresa e revelação tanto para quem conduz o
processo de encontro, quanto para aquele que se imagina pendente
ao outro da relação. A partir da criação desse espaço da estranheza,
produzida por outro diferente de mim, é que estabelecemos uma re-
lação de liberdade uns com os outros. Isso deve caracterizar as nossas
relações interpessoais que se abrem como locais de acolhida, não de
pessoas que são iguais, mas que são diferentes entre si. E, sem a pre-
tensão de buscar o que é comum entre os seres, se relacionar a partir
da liberdade e manter a sua diferença como marca da alteridade e, ao
mesmo tempo, signo da humanidade que vive e aprende a viver na
“estranheza” de uma sociedade comum.

Só o absolutamente estranho nos pode instruir. Só o homem me pode ser


absolutamente estranho – refratário a toda a tipologia, a todo o gênero, a
toda a caracterologia, a toda a classificação – e, por consequência, termo
de um ‘conhecimento’ que penetre enfim para além do objeto. A estra-
nheza de outrem, a sua própria liberdade! Só os seres livres podem ser
estranhos uns aos outros. A liberdade que lhes é comum é precisamente
o que os separa. (LÉVINAS, 1998, p. 63).

A diferença, o estranhamento e a responsabilidade – do, em relação


ao – para com o outro é arriscado como relação interpessoal, porém,
é o contratempo assumido na concretização de nossa atividade edu-
cacional. Na hospitalidade, o único traço de semelhança se apresenta
na questão de sermos diferentes. Por isso, abre-se para o educador a

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possibilidade de o risco e da ousadia de ser-fazer diferente de todos os
aspectos constitutivos do processo educativo, inclusive em relação aos
conteúdos, metodologias e avaliações. A hospitalidade se manifesta de
diversas formas: pelas palavras, pelos gestos, pelas leis e pelas plurali-
dades imensas de formas de gerir os tempos e os espaços que nos cou-
be viver. E, por isso, podemos incluir os processos sociopedagógicos
como parte dessa realidade.
Na Pedagogia Social, as reflexões sobre a temática da Hospitalida-
de e a Educação são iniciadas por Isabel Baptista desde a hospitalidade
na Educação Social portuguesa. As inferências realizadas por seus es-
tudos demonstram que a:

[...] educação é hospitalidade. Em resultado da ação intencional e quali-


ficada dos educadores, os educandos são desafiados a viver a realização
de si mesmos através de uma experiência relacional de tal forma intensa,
complexa e misteriosa que só pode ser descrita em termos de hospitalida-
de. (BAPTISTA, 2014, p. 143).

O exercício da hospitalidade como Pedagogia no campo da Edu-


cação Social corresponde a um lugar privilegiado para a realização da
diferença em todos os planos da vida humana em que implica o en-
contro entre seres igualmente misteriosos e únicos. Assim sendo, em
um sentido democrático de Educação, o direito à Educação, proposto
pelas legislações educacionais brasileira, prima pelo respeito e valo-
rização da dignidade de cada sujeito de forma indissociável do dever
(responsabilidade no sentido levinasiano) de aprendizagem que con-
voca os sujeitos para um esforço de aperfeiçoamento contínuo. Essa
ideia encosta no sentido da educabilidade – ou seja, na capacidade hu-
mana de constante processo de ensino-aprendizagem social – que via-
biliza o acolhimento do outro e seus estatutos de verdades, incitando
uma relação de descoberta e de produção solidária de conhecimento
em sociedade (cf. BAPTISTA, 2005; 2007).

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Assim, a hospitalidade como local da relação socioeducativa insiste
que nos educamos na “estranheza”, ou seja, é precisamente nas dife-
renças, que nos constitui como seres humanos, que acontecem os pro-
cessos educativos. O discurso educativo formal parece insistir na cons-
trução de um espaço comum de aprendizagem entre os seres, embora
sempre valorizando as suas diferenças.
Ferreira (2020), ao ampliar os estudos sobre a hospitalidade na área
da Educação, construiu uma estrutura básica para uma Pedagogia da
Hospitalidade que pode auxiliar as questões surgidas, seja no interior da
organização das práticas socioeducativas, ou na formação desses docen-
tes para os espaços não escolares brasileiros. De fato, um dos resultados
dessa pedagogia é a hospitalidade como um lugar de escuta na educa-
ção, que promova uma formação docente ampliada (considerando a
prática educativa não escolar) e as relações interpessoais estabelecidas
nos processos educacionais (entre educadores e educandos entre si).

Imagem 1 – Estrutura da Pedagogia da Hospitalidade organizada por


Arthur Ferreira, a partir de Isabel Baptista. Fonte: Autor (2022).

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Como se apresenta no quadro anterior, dois pontos se apresentam
fundamentais para a estrutura da Pedagogia da Hospitalidade, a saber:
o “outro-educativo”, como local social da educação; e o “outro-forma-
tivo”, como espaço pedagógico da formação inicial e continuada dos
educadores em práticas não escolares. Para essa reflexão nos dedica-
mos ao aspecto do “outro-educativo” da hospitalidade como ser que nos
ajuda nos processos de indignação dos contextos socioeducacionais.
A hospitalidade educacional, na perspectiva do “outro-educativo”
como lugar da produção e afirmação de educabilidade, se apresenta
como proposta pedagógica concreta na relação entre educador-edu-
candos nos espaços das relações interpessoais da educação não escolar.

Falar da educação é falar de uma tarefa específica do animal homem. Os


outros animais são susceptíveis de adestramento, mas não de educação.
Para ser o que pode ser, para que se torne semelhante aos da sua espécie,
o simples animal não precisa do cuidado, do amparo e da orientação dos
que lhe são próximos. Ele foi, à partida, dotado das condições necessárias
à sua sobrevivência. O mesmo não acontece com o animal homem que
carece de especial atenção, proteção e acompanhamento para que possa
descobrir, por si próprio, os meios necessários à realização do seu destino
humano. (BAPTISTA, 2005, p. 59).

Dessa forma, o “outro-educativo” da estrutura dessa Pedagogia da


Hospitalidade indica uma postura específica do educador diante des-
se educando na promoção dessa Pedagogia para além da expressão
de “acolhimento” associado a essa definição comum de hospitalidade.
Conforme a autora, o processo pedagógico da hospitalidade suscita,
no educador, ações bem concretas expressas nos verbos cuidar, ampa-
rar e orientar.
De fato, a partir dessa reflexão, da hospitalidade como cuidado, na
perspectiva de uma atenção direcionada aos “outros” como seres “di-
ferentes e únicos”; amparo, como proteção de direitos civis e humanos;

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e, orientação, como acompanhamento dos processos individuais que
possam gerar laços sociais de solidariedade e justiça. O novo concei-
to de hospitalidade, proposto por essa Pedagogia, valoriza a educa-
ção como dimensão da própria vida, tanto quanto o ato de aprender é
percebido como responsabilidade pessoal, como dever pessoal de cada
um, no sentido de honrar a sua presença no mundo.
Pensar na dimensão da hospitalidade na Educação é ter claro que o
“outro-educativo” é construído na filosofia da alteridade, o que reme-
te que a presença da outra pessoa em nossa vida é fundamental para
criarmos o senso de liberdade e de responsabilidade pessoal e social. O
saber como marca do humano é trazido (impulsionado) pelos outros
(de diversos tipos e formas de manifestação) dentro da relação social.
O saber imbui-se de afeto, memória e experiências de vida. Ou seja,
a presença do outro dá testemunho de uma história de vida que não
depende de nosso poder e que, por essa característica exatamente, nos
traz a novidade necessária para o processo de ensino-aprendizagem.
Diante do outro estamos sempre em atitude de aprendizagem.
Essa realidade se transformará em um exercício constante de uma
hospitalidade que possa promover uma “escuta” atenta aos sinais dei-
xados pelo “outro-educativo” nos processos cognitivos. Na verdade, o
educador que se propõe ao exercício da Pedagogia da Hospitalidade
no seu saber-fazer pedagógico, deverá se preocupar com uma postura
ética diante do “outro-educativo” com base em “três H’s” fundamen-
tais para a colocação do tripé (cuidado-amparo-orientação) dos proces-
sos de ensino-aprendizagem não escolares, a saber:
1. Ser hospedeiro: a postura de inclinar-se diante da realidade vivida
pelo educando que se coloca como um ser com uma história própria,
com necessidades marcadas pelo seu tempo e por representações so-
ciais que determinam a sua visão de mundo e de pertenças grupais,
geralmente, pautadas por condições econômicas e sociais marcadas
pelas distintas vivências de vulnerabilidades sociais. Hospedar o outro
em si mesmo é estar sem o “imperativo do eu” de quem acolhe e na

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indignação de quem se deixa atravessar pelas suas diferenças, presen-
ças e ausências do/no social.
2. Ser hospital: a abertura da escuta e da presença diante da situação
real – e desnuda – do “outro-educativo”, marcada pelas “faltas” vividas
no sistema educacional, social e econômico, faz com que os sujeitos
se apresentem “feridos” pela frustração e/ou falta de perspectiva de
futuro. Nessa atividade socioeducativa, os processos sociocognitivos
realizados de forma coletiva e acolhedora podem ser fundamentais
para que os laços sociais vividos por esses sujeitos marcados pelo so-
cial produzam estímulos que suscitem no “outro-educativo” o desejo
de “ajudar a ajudar-a-si-mesmo”, propósito presente na primeira fase
da Pedagogia Social, no século XIX, e tão relevante para os tempos
atuais das práticas socioeducativas na contemporaneidade.
3. Ser hospício: a competência e habilidade do educador em assumir,
também como suas, as diferenças e as criatividades trazidos pelo “ou-
tro-educativo” que se apresenta tal qual um “estrangeiro” no proces-
so educativo. Ou seja, com uma linguagem própria, com uma lógica
de ação distinta e um olhar sobre o mundo que sempre se apresenta
desafiador e radicalmente diferente do educador, mesmo que ambos
estejam no mesmo espaço socioeducativo. O que convencionamos
chamar de “loucura” deve ser visto como novas possibilidades de
existências, processos de emancipação que possam garantir os direi-
tos civis, laços de solidariedades e processos de desenvolvimento que
continuem a questionar a realidade, de modo a sermos capazes de ad-
ministrar as nossas angústias existenciais e nossos limites como seres
humanos em sociedade.
Assim, esses “três H’s” devem ser levados em consideração nos
processos formativos docentes para o trabalho da educação não es-
colar, pois isso também compreende na capacidade de o educador a
dupla função de ensinar e de aprender diante de outro que também se
faz lugar de educação, ou seja, de uma realidade sócio-histórica con-
creta. Com base nesses conceitos produzidos desde uma Pedagogia

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da Hospitalidade, o educador organiza habilidades para entender as
mudanças temporais, as representações sociais, os estigmas, os pre-
conceitos e outros processos sociais dissociativos que impendem que
os sujeitos em situação de vulnerabilidade social exerçam a sua função
de “outro-educativo”.
Nesse caso, o lugar de escuta dos envolvidos nos processos educati-
vos surgem como possibilidade de existência e exercício da Educação
Social no contexto reflexivo que se convenciona entender como Pe-
dagogia Social. Enfim, a Educação como hospitalidade se apresenta
como local de abrigo, escuta e existência do “outro-educativo” que
convoca aquele que pretende uma prática pedagógica hospitaleira,
assumindo o acolhimento como o responsável pela manutenção da
diferença que caracteriza todos os seres humanos que se encontram
privados das condições para exercê-las na sociedade civil.
A questão da indignação encontra o seu lugar dentro da Pedago-
gia da Hospitalidade na medida em que a mesma vai se configurando
como preferível para aqueles que são impedidos ou não possuem ap-
tidões necessárias para “ser-estar” na sociedade vivida com liberdade e
responsabilidade, nas suas próprias diferenças que marcam as relações
do outro social em seus âmbitos sociais, econômicos, culturais, histó-
ricos, axiológicos, morais, religiosos, sexuais, entre outros temas que
atravessam as relações da sociedade contemporânea.
Nesse aspecto, o educador que se preocupa com o “outro-educa-
tivo”, da Pedagogia da Hospitalidade, faz o exercício do “cuidar-am-
parar-orientar” à medida que estabelece uma relação interpessoal no
processo educacional, que propicia as aptidões necessárias para que
se cumpram, de maneira livre e consciente, as devidas obrigações ao
hóspede da relação interpessoal estabelecida no processo educacional.
E, exatamente esse aspecto da Pedagogia da Hospitalidade, se encon-
tra com o dispositivo da indignação nos processos educativos.
À medida que os educadores avançam em suas reflexões sobre
o “outro-educativo”, o tripé (cuidado-amparo-orientação) pode ser

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avaliado nas relações socioeducativas e provocar a indignação diante
de todos os processos que dificultam a vivência desses laços sociais
fundamentais das práticas educativas não escolares. E, com isso, a in-
dignação poderá ser utilizada como um elemento constante de ponde-
ração sobre a organização das práticas que podem atender as deman-
das da hospitalidade na educação dos grupos sociais mais vulneráveis.
Diante disso, os educadores que exercitam a indignação como ele-
mento de reflexão de sua prática socioeducativa possuem um auxílio
maior para a construção de códigos sociais que sustentam as condi-
ções de hospitalidade, principalmente entre os sujeitos vulneráveis no
processo educativo. Assim, os processos de indignação associados às
práticas de hospitalidade promovem a vivência de uma responsabili-
dade fiadora do mistério da alteridade que fecunda a vida social. Esses
se transformam no que se compreende pelos “eixos da hospitalidade
acadêmica e interdisciplinar consistentemente alinhados com os impe-
rativos de uma cidadania mais cosmopolita, solidária, justa e hospita-
leira” (BAPTISTA, 2014, p. 147).
A partir do conceito proposto, de hospitalidade como lugar epis-
temológico de escuta nas relações socioeducativas, podemos pensar,
de forma criativa e autoral, em práticas de hospedagem do “outro-e-
ducativo”, de forma voluntária e gratuita, com objetivo de promover
comportamentos pró-sociais de uma cultura humana mais altruísta.
Esse movimento, por sua vez, circunscreverá um saber tecido na zona
de interface entre as áreas da Educação e da solidariedade social, que
servirá de esteio para a hospitalidade como uma forma de Pedagogia
Social concreta na Educação Social e suas outras formas de manifesta-
ção não escolar.
Portanto, encontramos na Pedagogia da Hospitalidade um espaço
profícuo para a presença da indignação na constituição do “outro-edu-
cativo” da hospitalidade, pois a realidade social em que vive esse sujei-
to passa a ser uma ameaça a vivência de sua alteridade e o reconheci-
mento do seu direito civil de experenciar as suas diferenças sem ferir

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os laços sociais. A indignação como um dispositivo de reflexão sobre a
realidade auxilia aos processos de hospitalidade, de maneira especial,
nessa reflexão, com respeito ao “outro-educativo”, no qual o exercí-
cio de cuidado-amparo-orientação praticado pelos educadores sociais se
transforma em um guia importante para a organização – e avaliação
– das suas práticas educativas sociais com as camadas empobrecidas.

Considerações parciais para manter acesa a indignação na


Educação
Ao findar essa reflexão sobre a indignação como dispositivo da forma-
ção docente voltada às práticas educativas não escolares, e da reflexão
específica da Hospitalidade como prática pedagógica na Pedagogia
Social, ajuíza-se que podemos construir essas considerações finais a
partir das perguntas realizadas em cada um dos subtópicos desse ma-
terial, a saber:
Existe espaço para a indignação ao pensar na formação docente voltada
à atuação em ambientes não escolares? Desde as colocações que foram
propostas, a respeito do início de uma discussão sobre certa obrigato-
riedade em considerar as práticas educativas não escolares (não for-
mal e informal) como fundamentais para a formação docente no país,
parece nos mostrar um retrocesso sobre as temáticas. Se nos disposi-
tivos da Legislação Brasileira sobre a Educação (LDB nº 9.394/96) e
nas suas principais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
Docente (2006 e 2015) era evidente a importância de um espaço para
o desenvolvimento de didáticas para os espaços não escolares, isso não
pode ser afirmado agora com as novas DCN de 2019.
A indignação levantada pela reflexão, até o momento, é que essas
diretrizes passam a atender as demandas curriculares postas pela BNCC,
de 2018, e desconsiderar outras formas de exercício da Educação que
não estão pautadas pelos currículos escolares. Os saberes e práticas edu-
cativas produzidas por outros espaços sociais não aparecem valorizados
no dispositivo da lei que simplesmente ignora relações socioeducativas

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fundamentais, tanto para a formação docente, quanto para o desenvol-
vimento dos processos sociocognitivos dos alunos.
Da mesma forma, a indignação está presente no conjunto da lei
que revoga parágrafos e incisos que proporcionavam a abertura de
uma formação docente que poderia ser pensada para além das práti-
cas escolares, promovendo, assim, novas relações entre a escola e ou-
tros espaços socioeducativos. Ao mesmo tempo, essa alteração vem
dificultando a abertura para a construção de redes de apoios e saberes
que poderiam ser motivados pelos próprios professores e outros pro-
fissionais da educação não escolar, enriquecendo as relações educacio-
nais e ampliando a discussão sobre a realidade social, política e eco-
nômica das crianças, jovens e adultos presentes na escola e em outros
espaços socioeducativos.
Indignar-se pode ser considerado um elemento de construção de práticas
de Educação Social? A resposta é simples e direta: sim. Autores como
Freire (2000) e Caliman (2014) mostram que a indignação é uma das
marcas para se pensar a educação independente da dimensão escolar.
Assim, reafirmam que, ao pensarmos a educação no contexto social
não escolar, a indignação cria conceitos que promovem pensamentos
críticos e conscientes de como funciona a realidade e como a Educa-
ção deve se organizar como prática interventiva nos grupos sociais.
Termos como motivação, “desgentificação” e “anúncio-denúncia” são
exemplos de como os educadores e pesquisadores que se interessa-
rem pela temática da indignação podem buscar nesses autores, de for-
ma exemplar, ou em outros do campo da Pedagogia Social, caminhos
epistemológicos para refletir sobre a indignação e os processos que
podem ser instaurados a partir de uma análise crítica, consciente e res-
peitosa da realidade em que se desenvolve os processos cognitivos.
E, de maneira especial, os que se dedicam a Educação Social pe-
las práticas educativas não escolares devem se utilizar da indignação
como chave de leitura da sua própria realidade educacional. Dessarte,
a escolha de autores que ajudem nesse exercício poderá servir para a

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própria formação continuada (ou até mesmo uma formação em servi-
ço), tal como a organização de suas práticas educacionais em ambien-
tes não escolares (por que não dizer didáticas sociais?).
E quando a prática pedagógica da hospitalidade ganha dimensão de in-
dignação na Educação Social? A hospitalidade é um processo pedagógi-
co organizado para a compreensão do outro da relação educacional
que se apresenta como a alteridade radical, ou seja, o papel da Edu-
cação não será transformar as pessoas em seres humanos iguais por
meio dos conteúdos, mas proporcionar que cada um se desenvolva
de maneira diferente dentro de processos cognitivos comuns. Sendo
assim, a indignação está na capacidade de o educador de identificar na
realidade sociocognitiva do seu educando aquilo que obstaculiza o seu
desenvolvimento como ser humano.
Como nos recorda Ferreira (2020), o “outro-educativo” da estru-
tura da Pedagogia da Hospitalidade nos interpela a organizar os tra-
balhos sociopedagógicos no tripé: cuidado (direito de ser diferente
e único), amparo (proteção dos direitos civis) e orientação (desenvol-
vimento individual de geração de laços sociais). A indignação pode
ser o dispositivo que atravessa essa organização pedagógica, des-
nudando a realidade proposta a ser vivenciada pelo aluno e trans-
formando em elemento de avaliação do educador que se propõe
a liberdade no processo de educar, promovendo assim autonomia
dos alunos para que ele possa desenvolver o ser humano que ele se
propõe a ser na sua autenticidade. Ao mesmo tempo, ajudando-o
a garantir, desde o seu grupo social, a vivência dos seus direitos, o
exercício da sua cidadania e a construção de laços sociais promoto-
res de solidariedade de novas possibilidades de vir-a-ser no mundo
contemporâneo.
Enfim, voltamos a primeira pergunta que abre para as demais de-
senvolvidas neste artigo: “Indignar-se para educar é o caminho?”. Essa
resposta já não pertence a quem escreve este texto, mas aquele que se
coloca a refletir sobre tudo o que tem sido colocado até o momento.

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Referências
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BAPTISTA, Isabel. Dar rosto ao Futuro: a educação como compromisso ético. Por-
to: Profedições, 2005.
BAPTISTA, Isabel. Laços sociais – por uma epistemologia da hospitalidade. Caxias
do Sul: EDUCS, 2014.
BRASIL. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 20 dez. 1996.
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Cur-
riculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 mai. 2006.
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Cur-
riculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura,
cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura)
e para a formação continuada. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 04 jul. 2015.
BRASIL. Resolução CNE/CP Nº 2, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2019. Define as Di-
retrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educa-
ção Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores
da Educação Básica (BNC-Formação). Diário Oficial da República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 15 abr. 2020
CALIMAN, Geraldo. Da indignação à participação. In: CALIMAN, Geraldo. Direi-
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FERREIRA, Arthur Vianna. Hospitalidade na Educação. Por uma pedagogia do cui-
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São
Paulo: Editora UNESP, 2000.
LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Paris: Edições 70, 1998.
MARQUES, Nelson Luiz Reyes et al. Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica: avanços ou retrocessos?
Revista Educar Mais, v. 5, n. 3, p. 637-649, 2021.
PORTELINHA, Ângela Maria Silveira. As DCN/2019 para a formação de professo-
res: tensões e perspectivas para o curso de Pedagogia. Práxis Educacional, v. 17, n.
46, p. 216-236, 2021.

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Parte II
REFLEXÕES TEÓRICAS QUE
LEVAM À INDIGNAÇÃO

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TRANSGREDIR PARA EMANCIPAR:
REFLEXÕES E CAMINHOS PARA A
PRÁTICA DE EDUCADORES SOCIAIS
Débora Simeão Ortman Pereira
Larissa Lopes Mattos
Mariana Nogueira Rodrigues

Introdução
Este capítulo objetiva promover reflexões sobre como determinadas
práticas educativas – aqui definidas como transgressoras – podem se
apresentar como uma via legítima de emancipação dos educandos em
situação de vulnerabilidade social. Para tanto, fundamentamos nossa
análise nas contribuições de Bell Hooks (2013) e Paulo Freire (1987;
1996; 2000; 2001), e aproveitamos a aproximação teórica entre os au-
tores para refletir sobre suas propostas, nem sempre uníssonas, sobre
como educadores podem se utilizar de práticas transgressoras – aque-
las que desafiam os modelos tradicionais de partilhar o conhecimento
– para devolver com os educandos a possibilidade de se emanciparem
socialmente.
Como base teórica, nos concentramos em discutir especificamente
duas obras dos autores: “Ensinando a transgredir: a educação como práti-
ca da liberdade”, livro publicado em 1994 por Bell Hooks, em que a au-
tora dialoga diretamente com Paulo Freire e incorpora parte de suas
teorias para construir o que ela intitula de práticas transgressoras para
o processo de ensino-aprendizagem. E, em Paulo Freire, nos voltamos
para a obra “Medo e Ousadia”, publicada em 1986. Nela, Freire e Shor

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assumem que uma educação emancipatória passa por transformar
a teoria em algo que consiga abranger o cotidiano. Nesse sentido, o
educador precisa se atentar aos processos sociais e políticos que acon-
tecem fora das salas de aula. A partir dessas reflexões, objetivamos rea-
firmar novos caminhos para as práticas educativas, focando especial-
mente em apresentar formas práticas de se construir a emancipação
por intermédio da transgressão.
Desse modo, iniciamos nossa discussão promovendo o seguinte
questionamento: por que pensar em novas práticas educativas? Neste
primeiro tópico, a indagação que nos guia visa promover a reflexão
sobre a necessidade de se pensar em novas práticas educativas em fun-
ção do contexto social que nos cerca. Entendemos que, para qualquer
prática educacional, mas especialmente para a educação social, a di-
mensão do contexto em que estão inseridos os indivíduos é essencial
no exercício da função dos educadores. Nesse sentido, fenômenos
como a crescente desigualdade socioeconômica, as questões, cada vez
mais debatidas, de raça e gênero e a democratização das mídias digi-
tais, por exemplo, são marcadores sociais que impactam diretamente
o processo de ensino-aprendizagem. Como prática social que se re-
nova, a educação deve acompanhar as transformações da sociedade
não somente para estar em sintonia com ela, mas para ser uma ferra-
menta efetiva de emancipação, em especial para as populações mais
vulneráveis.
Em seguida, o segundo tópico deste capítulo discute a aproxima-
ção entre Paulo Freire e Bell Hooks para tratar de duas práticas que
se alinham e se complementam: a educação libertadora e a educa-
ção transgressora. Ambos os autores manifestaram, cada qual a par-
tir de sua perspectiva histórica e social, suas visões sobre como o ato
de educar carrega a capacidade de promover transformações sociais.
Por fim, no terceiro tópico, sintetizamos as reflexões que promove-
mos ao longo do capítulo e reunimos e apresentamos caminhos pos-
síveis para a prática de educadores sociais. Longe de propor regras e

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padronizações, incentivamos um exercício de conhecimento profun-
do dos indivíduos e das realidades nas quais eles estão inseridos, a fim
de transgredir e subverter normas previamente estabelecidas que não
promovem transformações e não abrem espaço para que os sujeitos
sejam atores da própria emancipação.

Por que pensar em novas práticas educativas?


A sociedade atual se encontra em constante mudança, seja no aspecto
econômico, seja nos aspectos político e social. Tais fatores refletem
significativamente no processo de ensino-aprendizagem, fazendo com
que educadores repensem as suas práticas educativas e se adaptem
às novas características sociais do conhecimento, da globalização, do
multiculturalismo e das tecnologias, a fim de corresponder adequada-
mente à diversidade dos alunos (PINHEIRO, 2021, p. 74).
De acordo com Jurandir de Almeida Araújo (2013, p. 131), a educa-
ção no Brasil não abrange todos os grupos sociais e promove diferen-
ciações entre ricos, pobres, negros e brancos. Há distinções expressivas
que influenciam negativamente o êxito de grupos menos favorecidos e
discriminados historicamente, o que impacta diretamente no exercício
da democracia. Ao mesmo tempo em que é negada para a população
mais empobrecida, quanto maior é a escolaridade do indivíduo, maior
será a sua participação ativa nas relações de poder, de modo que aque-
les que possuem pouca escolaridade se tornam sujeitos a viver de for-
ma subalterna e marginalizada (ARAÚJO, 2013, p. 133). Jorge Abrahão
de Castro aponta que, mesmo com importantes avanços na ampliação
no acesso aos níveis e modalidades escolares, a situação relacionada à
baixa escolaridade média da população e à desigualdade social ainda
se encontra presente na população pobre, e abrange a maior parte da
sociedade negra e parda (CASTRO, 2009, p. 675-676). Partindo deste
ponto, observamos como a desigualdade ainda é presente no cenário
da Educação, quando vemos que questões de gênero, étnicas e econô-
micas impactam substancialmente o processo educativo. Não somente

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afetam o cotidiano escolar, mas revelam desigualdades no contexto so-
cial que podem se traduzir em violência física, moral e psicológica.
De acordo com Jayme e Alvez (2020), atualmente, embora se encon-
tre uma sensibilidade de alguns educadores para falar sobre tais questões,
muitos professores ainda possuem dificuldades em incorporar tais ques-
tões no ensino-aprendizagem. Dessa forma, tendo como base os aspectos
citados acima, observamos a importância de se pensar em novas práticas
educativas que atendam às diferentes especificidades sociais e a sua multi-
culturalidade. É indispensável que ambientes educacionais­– formais, não
formais e informais – promovam a comunicação e a troca de saberes en-
tre educadores e educandos, para que esses sujeitos desenvolvam, em co-
munhão, uma Educação Libertadora, que promova o diálogo entre pro-
fessores e alunos, abordando questões pautadas no que é real, formando
indivíduos críticos e conscientes da sociedade a qual estão inseridos.
O educador precisa ter a sensibilidade diante das especificidades e
subjetividades dos indivíduos, promovendo, conjuntamente aos edu-
candos, um ambiente educacional libertador e democrático. A ne-
cessidade de se forjar novas práticas educativas se justifica na própria
condição de transformação constante da sociedade. O processo de en-
sino-aprendizagem está inserido no meio social como ferramenta de
desenvolvimento pessoal dos indivíduos, mas, também, como motor
das novas relações que esses indivíduos estabelecem com a cultura,
com o trabalho, com a política e com as mais variadas esferas sociais.
Nessa perspectiva, a educação deve acompanhar o movimento da so-
ciedade e aprender com ele, abrindo espaço para novas formas de inte-
ração entre os educadores e os educandos.

Entre a educação transgressora de Bell Hooks e a educação


libertadora de Paulo Freire
A educação é um fenômeno complexo. Trata-se de uma complexidade
composta por diversas vertentes, enraizadas em culturas e filosofias di-
versas (Gadotti, 2012, p. 10). Para além disso, tão importante quanto

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as características das práticas educativas, é o objetivo que se busca al-
cançar por meio dela. Portanto, reafirma-se que toda educação é po-
lítica ao passo que ela pode contribuir para a adaptação, para o con-
formismo ou para a mudança da sociedade. Como diz Paulo Freire:
“Neutra, ‘indiferente’ a qualquer destas hipóteses, a da reprodução da
ideologia dominante ou a de sua contestação, a educação jamais foi, é,
ou pode ser.” (1996, p. 51).
Quando falamos de Paulo Freire e sobre a importância de suas obras,
falamos de obras que transcendem fronteiras e temporalidades e que
se tornam bases para novas Pedagogias que visam atender questões e
necessidades contemporâneas. Os referenciais teóricos produzidos pelo
Educador e Filósofo contribuíram não apenas para a formação docen-
te, mas também para a reafirmação da educação como prática huma-
nizadora, política e ética. Compreende-se que o impacto causado pelas
obras de Freire permitiu a ampliação dos debates educativos, chamando
a atenção para a necessidade do desenvolvimento de uma pedagogia éti-
ca preocupada com a mudança social. Em suas obras mais conhecidas,
como “Pedagogia do Oprimido” (1987) e “Pedagogia da Autonomia” (1996),
Freire discute a necessidade da superação das relações de violência e
aponta para a educação como ato de intervenção no mundo, onde as
mudanças sociais ocorrem por meio de sujeitos atuantes, que ao se mo-
verem aprendendo, também movem o mundo.
Para além das obras citadas acima, outra obra de grande importân-
cia é “Medo e Ousadia”, publicada em 1986 por Paulo Freire e Ira Shor.
Ambos os autores – por meio de uma escrita dialógica – trazem refle-
xões sobre o cotidiano do professor dentro das práticas educativas nos
espaços escolares, e apontam para a necessidade de práticas que visam
a uma Educação Libertadora. Para ambos, o que se predomina nos es-
paços escolares, é uma “educação bancária”, onde os educandos são os
depositários e o educador o depositante, tornando a educação um ato
de depositar, negando ao educando qualquer possibilidade de reflexão
e construção conjunta do saber. Dessa forma, Freire e Shor propõem

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uma Educação Libertadora, na qual ambos os sujeitos se tornam ati-
vos, na prática de ensinar e aprender:

A educação libertadora é, fundamentalmente, uma situação, na qual tanto


os professores como os alunos devem ser os que aprendem; devem ser os
sujeitos cognitivos, apesar de serem diferentes. Este é, para mim, o primei-
ro teste da educação libertadora: que tanto os professores como os alunos
sejam agentes críticos do ato de conhecer (FREIRE; SHOR; 1986, p. 27).

De acordo com Freire e Shor (1986), nesse contexto em que se bus-


ca uma Educação Libertadora, o professor e o aluno se tornam sujei-
tos ativos na construção do saber. Isso tudo se alinha à forma que o
educador decide trabalhar em sala de aula. Dessa forma, sinaliza-se
que tanto o educador tradicional quanto o educador democrático pre-
cisam ser competentes no que se refere à prática de educar os educan-
dos, porém, há uma ressalva:

O tradicional faz isso com uma ideologia que se preocupa com a preser-
vação da ordem estabelecida. O educador libertador procurará ser efi-
ciente na formação dos educandos cientifica e tecnicamente, mas tentará
desvendar a ideologia envolvida nas próprias expectativas dos estudantes
(FREIRE; SHOR, 1986, p. 86).

O ponto de partida de uma Educação Libertadora se inicia a partir


da construção da relação entre o educando e o educador. Com isso,
nota-se a importância de uma relação dialógica, em que o diálogo não
é usado como técnica de manipulação e tampouco como ferramen-
ta para se obter resultados agradáveis. De acordo com Freire e Shor
(1986), se trata de um diálogo que precisa ser entendido como parte
da própria natureza dos seres humanos (1986, p. 64). E é a partir dessa
comunicação dialógica que os sujeitos da ação se transformam cada
vez mais em seres criticamente comunicativos, sendo o diálogo: “O

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momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua
realidade, tal como a fazem e refazem” (FREIRE; SHOR, 1986, p. 64).
Outro ponto mencionado pelos autores é a comunicação democráti-
ca, que acontece a partir do momento em que se valoriza a realidade
dos educandos, estabelecendo novos processos de aprendizagens, em
que a vida e a linguagem desses alunos se tornam os textos sociais a
serem compreendidos e estudados.
Os pilares essenciais para a construção de uma Educação Liber-
tadora são o diálogo, a valorização de todos os sujeitos atuantes na
prática educativa e o uso da realidade social de cada indivíduo como
ferramenta de aprendizagem, em que a realidade de cada educando
passa a ser utilizada para trabalhar os conteúdos propostos no plano
de estudo da escola, propiciando um ensino libertador e não fechado.
Mas, tão importante quanto ser sensível e aprender sobre a realidade
de cada educando, é reconhecer que cada realidade tem suas especifi-
cidades e vulnerabilidades.
Freire, embora reconheça haver diferentes formas de desigualdades
e que elas se revelam para cada grupo – dentro da sua realidade – de
modo diferente, ele as discute sob referenciais teóricos muito centrados
nas questões econômicas e classistas. Embora sejam reais, essas questões
não são suficientes para contemplar a pluralidade e a heterogeneidade
da sociedade Brasileira. Por isso, sabendo que no mundo não há espaço
para otimismos ingênuos nem para pessimismos acabrunhadores (cf.
FREIRE, 1993), é preciso reconhecer que a intervenção no mundo, por
meio da educação, demanda a incorporação de novos temas e diálogos
que valorizem a subjetividade e as especificidades de cada realidade dos
indivíduos e dos grupos sociais. E é justamente isso que Bell Hooks pro-
põe ao chamar para o centro das práticas educativas, outras temáticas
que revelam o agravamento e a profundidade das desigualdades sociais,
fazendo da prática educativa, um espaço político e de resistência.
O livro “Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade”
(2013), de Bell Hooks, expõe uma análise crítica da prática pedagógica

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tradicional e aponta a importância e a necessidade de uma ação educa-
tiva que vise a autonomia dos sujeitos sociais. Hooks tem por base os
referenciais teóricos de Paulo Freire, mas ainda tece críticas e amplia o
debate sobre os objetivos da educação e o papel dos educadores nesse
processo. A autora inicia o debate discutindo os impactos do colonia-
lismo no campo Educacional. De acordo com ela, nesse cenário social,
ainda existem resquícios coloniais que contribuem para a manutenção
das opressões – sentidas por grupos sociais e étnicos – que atravessam
os espaços educacionais. Por isso, Hooks aponta para a necessidade de
um ensino pautado numa perspectiva decolonial1, crítica e feminista. E
é isso que é proposto na Pedagogia Engajada:

A educação progressiva e holística, a “pedagogia engajada”, é mais exi-


gente que a pedagogia crítica ou feminista convencional. Ao contrário
destas duas, ela dá ênfase ao bem-estar. Isso significa que os professores
devem ter o compromisso ático com um processo de autoatualização
que promova seu próprio bem-estar. Só assim poderão ensinar de modo
a fortalecer e capacitar os alunos (HOOKS, 2013, p. 28).

Para Hooks, é crucial que a educação seja fundamentada numa per-


cepção crítica sobre a realidade social para a construção de ações trans-
formadoras. Desse modo, exige-se a intervenção de reflexões concretas
junto aos diferentes grupos sociais. Sendo assim, Hooks reforça que
a educação para o engajamento, não se trata de uma prática educati-
va normativa, que se baseia em deveres e obrigações, mas consiste em
um processo que tem como objetivo exercer a liberdade e promover o
diálogo. Na construção desse diálogo, a autora fala sobre a necessidade
da autoatualização por parte dos educadores, em que há uma abertura
para a interação e o diálogo com o educando. De acordo com Hooks,

1.  Uma perspectiva que crítica a visão hegemônica do mundo e das narrativas eurocêntricas,
e propõem a valorização dos saberes dos povos colonizados e subalternizados.

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os professores que abraçam o desafio da autoatualização, serão mais
capazes de criar práticas pedagógicas “que envolvam os alunos, pro-
porcionando-lhes maneiras de saber que aumentem sua capacidade de
viver profundamente e plenamente” (HOOKS, 2013, p. 36).
A Educação Decolonial proposta por Hooks contribui para fazer
da sala de aula um espaço democrático, em que todos os sujeitos sin-
tam a responsabilidade de contribuir para uma educação transforma-
dora (2013, p. 56). Trata-se de uma educação engajada, cujo objetivo é
construir e ampliar dinâmicas sociais para a organização de uma cons-
ciência coletiva e ativa.
Se para Freire, o caminho da Educação Libertadora passa pela ne-
cessidade da conscientização, para Hooks, tão importante quanto a
conscientização é a decolonização. Em seus escritos, a autora relata
que a vivência das práticas pedagógicas de Paulo Freire foi essencial
para a construção de um saber de resistência. E, apesar de tecer críti-
cas à linguagem sexista, imposta nos escritos de Freire, Hooks (2013,
p. 70) aponta que a própria pedagogia crítica de Freire acolhe esse
questionamento crítico. Embora haja críticas, as contribuições de Frei-
re não podem ser rejeitadas. Bell Hooks afirma que a ênfase de Freire
na educação como prática de liberdade fez sentido para ela, pois se
assemelhava a ênfase que os negros davam à educação como prática
necessária para a libertação, na época da escravidão. Ao falar sobre sua
obra “Ain’t I a Woman: Black Women and e Feminism”, Hooks pontua:

O livro era a manifestação concreta da minha luta com a questão de dei-


xar de ser objeto e passar a ser sujeito – a própria questão que Paulo tinha
proposto. [...] A obra de Freire (e de muitos outros professores) afirma-
va meu direito, como sujeito de resistência, de definir minha realidade
(HOOKS, 2013, p. 74).

Desse modo, as contribuições de Hooks convidam os sujeitos ati-


vos nas práticas educativas a transgredirem e irem além dos métodos

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tradicionais e convencionais. Para a construção de uma educação para a
liberdade, tão importante quanto a conscientização apontada por Freire,
é também a prática de uma Educação Decolonial, que considere como
importante outras vozes e vivências, não se limitando a uma perspecti-
va tradicional. Se trata, portanto, de termos práticas educativas que nos
ofereçam reflexões sobre as mais variadas violências estruturais e cul-
turais presentes na sociedade. Dessa forma, as contribuições de Freire e
Hooks exigem dos Educadores o compromisso de transgredir os muros
de um ensino sistematizado, e pensar em práticas educativas que fujam
de construções hegemônicas, rompendo, assim, não apenas com os sis-
temas que legitimam a desigualdade econômica, mas também com os
sistemas que perpetuam as heranças coloniais.

Transformar a teoria em prática cotidiana: caminhos para


educadores sociais
A partir de suas contribuições teóricas e vivências, Paulo Freire e Bell
Hooks nos ensinaram ser possível pensar caminhos mais plurais e
menos engessados para transformar a educação convencional em um
exercício de acolhimento contínuo. No entanto, traduzir a teoria em
prática quase sempre é uma tarefa árdua ou pouco precisa. Muitas ve-
zes, o ambiente em que os educadores sociais atuam é diverso e com-
plexo, com variáveis múltiplas que podem incluir: espaços de trabalho
precarizados, ausência de recursos e ferramentas adequadas, hostilida-
de por parte dos educandos, formação e remuneração defasadas, entre
tantas outras adversidades que não cabem dentro das teorias pedagó-
gicas, as quais somente a prática do cotidiano poderá revelar.
Nesse sentido, como poderiam os educadores sociais transformar
as teorias sobre a educação transgressora e a educação libertadora
em práticas do cotidiano? Os caminhos para responder esse ques-
tionamento não são simples e nem uníssonos, mas podemos come-
çar fazendo algumas ponderações importantes. Primeiro, quando
nos referimos ao cotidiano, é importante pontuar que estamos nos

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debruçando sobre o processo permanente de ensino-aprendizagem
que acontece ao longo de toda a vida dos indivíduos e que, assim
como descreve a Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional:

[...] abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida fami-


liar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais (Brasil, 1996).

Por isso, transformar a teoria em prática não vale apenas para os


ambientes encarados como “formais” de ensino, mas para a educa-
ção continuada e permanente que atravessa os ciclos da vida de cada
indivíduo. Em se tratando do trabalho do educador social, é funda-
mental entender que o contexto em que atuam esses profissionais é
diverso e, cada qual tem as suas peculiaridades. Em diversos casos, o
público com o qual o educador lida está afastado das salas de aula ou
dos demais ambientes delimitados como “formais” de ensino em de-
corrência da exclusão social e dos processos históricos e estruturais de
perpetuação da desigualdade. Nesse sentido, assim como reconhecer
que o ambiente escolar se difere dos ambientes de ensino e aprendi-
zagem não escolares, é preciso pontuar que a educação social não é
homogênea. Dela fazem parte as mais diversas áreas, metodologias e
profissionais, cada qual atuando de acordo com o seu contexto.
Na prática, isso significa que o que funciona para uma associação
esportiva, por exemplo, pode não funcionar para uma instituição de
acolhimento para pessoas em situação de rua, ou para um espaço de
manifestação cultural. Neste tópico, nossa proposta é apontar cami-
nhos possíveis para transformar o que a teoria nos oferece em práticas
a serem implementadas no cotidiano do educador social. No entanto,
elas devem ser reivindicas e ressignificadas para que se adéquem aos
indivíduos e suas necessidades. O trabalho do educador é tão diverso
quanto o seu público, tornando o cotidiano um tanto quanto incerto,

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mas a incerteza não deve ser um problema para aqueles que conhe-
cem os desafios da profissão e entendem que o trabalho de educação
também pode ser emancipação das amarras da desigualdade.
Expostas essas pontuações, nos voltamos para a educação trans-
gressora de Bell Hooks, que aponta que a desigualdade não deve ser
encarada nem como fruto das escolhas dos indivíduos, tão menos
como uma exceção ou um desvio social. A vulnerabilidade social é
uma condição que pode estar relacionada a diversos fatores: gênero,
raça, classe, orientação sexual, região, entre outros. Essas caracterís-
ticas podem ocasionar desigualdades multiplicadas e duráveis, e estão
inter-relacionadas com o nosso modelo de economia e estrutura social
excludentes. Caliman (2011) pontua, a partir do que defende Molle-
nhauer (1999), que o educador social deve estar atento para não re-
produzir maneiras erronias de entendimento das desigualdades, o que
pode ser refletido em um trabalho que, ao invés de se ater ao fomento
e apoio dos mais desfavorecidos, exerça formas de controle ou domes-
ticação dos mesmos.
Pontualmente, sobre a atuação profissional dos educadores, Cali-
man (2011) assinala que não se trata apenas de socializar, adaptar ou
inserir os indivíduos em situação de vulnerabilidade na sociedade, mas
de promover uma verdadeira transformação no modo de educar, que
deve ser capaz de dar aos sujeitos as ferramentas necessárias para que
eles mesmos possam promover a sua emancipação. Sendo assim, a
partir dessa lente, um dos caminhos que propomos é sempre no senti-
do de falar “com”, e não “para” o outro, promovendo um movimento
dialógico entre quem assume a posição de educador e quem assume a
posição de educando. Essa postura passa por eliminar qualquer ideia
de superioridade e preconceitos, e requer sempre um olhar atento dos
educadores para que enxerguem que cada educando pode ter uma po-
tencialidade que espera a oportunidade para despertar.
O ato de colocar os educandos em um lugar de protagonismo nos
revela outro caminho para transformar a teoria em prática. Como

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indica Bell Hooks (2013), não basta reconhecer e reafirmar que as
ações educativas comprometidas com uma pedagogia radical existem,
é preciso demonstrar na prática como elas acontecem. De acordo
com a autora, isso começa pelo reconhecimento de que cada educan-
do tem uma contribuição valorosa e ímpar, que está ligada à vivên-
cia que apenas ele construiu ao longo de sua trajetória de vida. Essas
contribuições não são apenas relatos de experiência, mas recursos que
podem ser mobilizados para construir o que ela denomina de “comu-
nidade aberta de aprendizado” (HOOKS, 2013, p. 18). Neste processo,
o educador não deve ser encarado como a peça principal do ambiente
de aprendizagem, mas sim como mais uma pessoa disposta a compar-
tilhar conhecimento e aprender com os demais. Para Hooks,

Para lecionar em comunidades diversificadas, precisamos mudar não só nos-


sos paradigmas, mas também o modo como pensamos, escrevemos e fala-
mos. A voz engajada não pode ser fixa e absoluta. Deve estar sempre mu-
dando, sempre em diálogo com um mundo fora dela (HOOKS, 2013, p. 24).

Para trazer uma última contribuição que se apresenta como um


caminho possível para diminuir o espaço entre teoria e prática, Frei-
re e Shor (1986) afirmam ser preciso reaprender o que achamos que
sabemos, na medida em que os educandos conhecem junto aos edu-
cadores e entre eles mesmos. Neste caminho, é fundamental conhe-
cer as aspirações dos educandos: o que pensam sobre a vida, como
enxergam a própria realidade e quais são suas principais expectativas.
Essa é uma forma de fomentar a “comunidade aberta de aprendizado”
que Hooks (2013) defendia, um espaço sincero de livre manifestação
dos anseios de educadores e educandos, em que o conflito de ideias e
as fragilidades de cada um não serão escondidas ou reprimidas, mas
trabalhadas de forma respeitosa e comunitária.
Este tópico teve como objetivo discutir, a partir das lentes teóricas de
Bell Hooks e Paulo Freire, alguns caminhos para transformar a teoria

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em práticas do cotidiano. Como expomos nos dois primeiros tópicos
deste capítulo, a Educação Libertadora de Paulo Freire é mais que um
método de viés progressista que ressignifica a relação entre educador e
educando, ela é uma perspectiva política orientada pela noção de jus-
tiça social. Nela, ambos têm igual importância no processo de ensino-
-aprendizagem – que deve acontecer de maneira permanente – na busca
por uma sociedade mais justa e solidária. Em Hooks (2013), a educação
transgressora é aquela que, assim como indica o seu nome, transgride
os limites que foram estipulados e naturalizados pela sociedade para as
populações vulneráveis. Desse modo, a autora dialoga com as questões
de raça, gênero e classe, entendendo que elas são amarras que impac-
tam de maneira diferenciada os educandos. Apesar de vivências muito
distintas, podemos dizer que um dos principais pontos em comum en-
tre Freire e Hooks é a concordância de que educar é um ato político.
Por fim, a partir disso, as vias que propomos para responder ao
questionamento que colocamos no início dessa discussão, indagando
sobre quais caminhos poderíamos seguir para transformar a teoria em
prática, nos indicam que o processo de educação não pode ser unifor-
me ou homogêneo. Para ser efetivo, ele precisa incorporar as caracte-
rísticas dos educandos e do meio em que será promovido, e reconhe-
cer e enfrentar as desigualdades, tanto no seu sentido macro, quanto
os efeitos peculiares que elas promovem em cada indivíduo. Em suma,
é importante compreender que não há normas ou diretrizes prontas
e que se aplicam a qualquer realidade social, o que faz com que seja
necessário reaprender com o cotidiano, e dele retirar as ferramentas
necessárias para transformar a educação convencional em uma prática
transgressora e libertadora.

Considerações finais
Neste capítulo, buscamos apresentar a defesa de novas práticas edu-
cativas a partir das reflexões propostas por Bell Hooks e Paulo Freire.
Como teóricos que enxergam a educação como uma verdadeira forma

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de transformação social, ambos fogem da idealização desta ferramenta
como o único caminho possível para resolver os problemas sociais. Pelo
contrário, os autores defendem que há que se considerar múltiplos ca-
minhos e formas de se enfrentar as desigualdades, e mesmo quanto nos
utilizamos das práticas educativas, precisamos estar em diálogo constan-
te com os campos que também se apresentam como espaços de trans-
formação, como a cultura, a política e os movimentos sociais.
Como observamos ao longo deste capítulo, um exercício indispen-
sável para os educadores sociais é conhecer profundamente o contexto
social e as pessoas para as quais o trabalho se destina, visto não haver
prática efetiva sem que se reconheça o outro e a bagagem que carre-
ga. Ao refletir sobre as desigualdades, apontamos que elas funcionam
como marcadores sociais que impactam não somente a trajetória pas-
sada e presente dos indivíduos, mas especialmente as possibilidades de
futuro. No entanto, como aponta Freire:

Possivelmente, um dos saberes fundamentais mais requeridos para o


exercício de um tal testemunho é o que se expressa na certeza de que
mudar é difícil, mas é possível. É o que nos faz recusar qualquer posição
fatalista que empresta a este ou àquele fator condicionante um poder de-
terminante, diante do qual nada se pode fazer. (FREIRE, 2000, p. 26).

Se as situações sociais, econômicas e políticas têm forças condicio-


nantes sobre os indivíduos, para Freire – seja de maneira individual,
seja coletiva – é inaceitável, então, a passividade sobre elas. Pois se tra-
ta de uma passividade que implica, logo, no ato de renunciar a nossa
capacidade de pensar, conjecturar, de comparar, de escolher, de pro-
jetar e de sonhar. A construção de uma Educação libertadora exige
de cada Educador – dentro do seu campo de atuação – um posicio-
namento político, ético e pedagógico. Um posicionamento que anula
qualquer possibilidade de silenciamento mediante às violências cultu-
rais e estruturais da sociedade (FREIRE, 2000, p. 26).

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Por isso, reconhecendo a importância que os referenciais teóri-
cos de Freire trazem para a formação e prática docente, e do mesmo
modo, entendendo que a constante mudança dos espaços societários
e dos sujeitos sociais exigem a reinvenção de novas práticas educati-
vas, para haver a inclusão e a integração em sua totalidade, pontua-
mos que a Indignação exige dos educadores e dos educandos, uma
conscientização sobre as condições impostas socialmente e também a
crença sobre a possibilidade de mudanças. Do mesmo modo, a Eman-
cipação, exige de todos os sujeitos compromissados com as práticas
educativas, a ousadia de transgredir e ampliar os espaços de comuni-
cações, entendendo que tão importante quanto as questões de classes,
de raça e gênero, também são fatores importantes a serem considera-
dos, para haver o reconhecimento das diferentes realidades e neces-
sidades, contribuindo para a Emancipação não a partir de uma visão
igualitária, mas sim de uma visão equitativa.

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A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS COMO CONSTRUÇÃO
TEÓRICA E INVESTIGATIVA NOS
ESTUDOS EM PEDAGOGIA SOCIAL
Lucas Salgueiro Lopes
Adam Alfred de Oliveira

Introdução
O presente trabalho visa apresentar o estudo da Teoria das Represen-
tações Sociais (TRS), uma concepção psicossocial de compreensão da
organização e movimentação de sujeitos e grupos sociais, como poten-
cial espaço de construção teórica e investigativa em estudos e pesquisas
a serem realizados na área da Pedagogia Social (PS). Assim, partindo de
duas pesquisas que estão sendo desenvolvidas atualmente, no Programa
de Pós-Graduação em Educação – Processos formativos e desigualdades
sociais (PPGedu) da Faculdade de Formação de Professores da Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ) – intituladas como “As
possíveis representações sociais de violências dos educadores em práticas educa-
tivas não escolares no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo-RJ” e “Represen-
tações sociais de inclusão digital nas práticas educativas não escolares em uma
instituição não governamental no município de Niterói-RJ” –, este trabalho
tem por objetivo demonstrar como a TRS pode contribuir em investi-
gações, no já mencionado campo, ao auxiliar no entendimento dos sig-
nificados partilhados por determinados grupos de educadores frente a
objetos específicos que fazem parte de sua realidade educativa.

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Dessa forma, essas possíveis representações sociais são construídas
pela comunicação e da interação entre os indivíduos de um mesmo
grupo social – nesse caso, os educadores sociais –, colaborando com o
desenvolvimento de posturas por partes desses e que interferem dire-
tamente nas práticas socioeducativas empreendidas.
Portanto, este trabalho visa, em um primeiro momento, apresentar
o referencial teórico-metodológico interdisciplinar, tendo como autores
principais Moscovici (1978) e a abordagem societal das representações so-
ciais de Doise (2001), além das investigações desenvolvidas por Ferreira
(2012) voltadas para a pesquisa em instituições não escolares de educa-
ção. Ainda nessa primeira fase, serão apresentados os instrumentos de
obtenção de dados, como as entrevistas semiestruturadas e os diários de
campo de inspiração fenomenológica, a partir da teoria dos estudos dos
fenômenos desenvolvidos por Husserl (1975), conforme apresentado
e descrito por Depraz (2011), e preconizado por Ferreira (2021) como
uma possível forma de se constituir pesquisas na área da Educação.
Para tanto, mediante aos dados obtidos à luz dos teóricos estuda-
dos, intenta-se buscar as possíveis representações a partir da análise re-
tórico-filosófica inspirada em Aristóteles (2015), conforme apresenta-
da por Ferreira (2012) e tendo como referência os trabalhos de Reboul
(2004) e Mazzotti (2003), com o intuito de se desvelar as representa-
ções sociais consensualizadas pelos educadores sociais, presentes em
ambas as pesquisas.
Na segunda parte, serão apresentados os estudos das representa-
ções sociais na busca da compreensão da violência e como os edu-
cadores sociais de uma instituição não escolar, no município de São
Gonçalo, compartilham os entendimentos e significações ante a esta
questão. Em um terceiro momento, utilizaremos o campo da Teoria
das Representações Sociais na busca das possíveis representações de
inclusão digital compartilhadas por educadores sociais que atuam em
oficinas de tecnologia em uma instituição não governamental situada
em duas comunidades no município de Niterói.

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É importante salientar que, como ambos os estudos seguem em anda-
mento, os resultados parciais demonstram que as representações sociais
partilhadas por educadores sociais podem, de certa maneira, compreen-
der e lançar luz às atitudes, aos comportamentos, entendimentos e dis-
senções de educadores sociais que atuam em instituições não escolares.
Por fim, este trabalho dispõe-se ainda, a partir da problemática
principal proposta neste livro, a refletir sobre possíveis processos de
indignação e emancipação (cf. FREIRE, 2000) no campo da Pedagogia
Social. Para tanto, partimos da noção da TRS como teoria “privile-
giada” para a compreensão da realidade – realidade essa, construída a
partir de representações elaboradas por determinados grupos sociais
e, ao mesmo, caracterizada por seus “tempos difíceis” (cf. JARES, 2007),
dignos de causar indignação naqueles comprometidos com um pro-
cesso de emancipação humana. Desse modo, ainda que o estudo das
representações sociais não se proponha a causar uma ansiada trans-
formação social em si, cremos ser a partir dela que, na modernidade,
melhor podemos desvelar diversas questões sociais relevantes, tantas
vezes geradoras de opressões.
Concluindo, as reflexões, os objetivos e as hipóteses construídos ao
longo deste artigo serão estendidos e apresentados, posteriormente,
em artigos e produções que visam à ampliação dos conhecimentos
nos campos das representações sociais e da Pedagogia Social. No en-
cerramento do texto, seguem as considerações finais, concluindo as
reflexões levantadas por este trabalho.

A Teoria das Representações Sociais: suas abordagens, me-


todologias e potenciais na área da Pedagogia Social
“Sempre há necessidade de estarmos informados sobre o mundo à
nossa volta” ( JODELET, 2001, p. 17). A frase de Denise Jodelet, impor-
tante pesquisadora da Teoria das Representações Sociais, que abre este
tópico é bastante didática para entendermos o objetivo humano de
criar representações. Além desse motivo, poderíamos desenrolar esse

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argumento em mais duas questões bastante instintivas: não só nos im-
portamos em estar informados, mas, ao passo que estamos envolvidos
numa dada sociedade (na qual estão inseridos diversos grupos sociais),
(1) compartilhamos nossas informações e ideias com os outros e (2) reinven-
tamos e reorientamos essas representações que “produzimos” com os outros
de modo que essas nos auxiliam na tomada de decisões. Isso resume, de cer-
to de modo, porque as representações que falamos são sociais e como
elas são relevantes para o nosso cotidiano.
Desse jeito, podemos situar o nascimento da TRS a partir do mo-
mento em que o conceito de representação social é introduzido no
início da década de 1960 com a publicação de “Psicanálise, sua imagem
e seu público” (MOSCOVICI, 1978) pelo psicólogo social Serge Mosco-
vici. Nesse livro, o autor romeno rompe com as características hege-
mônicas da Psicologia Social em sua época, se vinculando à corrente
de pensamento sociopsicológica. Assim, Moscovici reitera que “as re-
presentações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de
compreender e comunicar o que nós já sabemos” (2015, p. 46). Essa
maneira de conhecimento, para o psicólogo, seria consequente de
proposições criadas no dia a dia por meio das interações e comunica-
ções interindividuais.
Saindo da Europa após essa “fase inicial”, a chegada dessa perspec-
tiva psicossociológica no Brasil ocorre por volta do início da década
de 1980, sobretudo, em universidades das regiões Nordeste e Cen-
tro-Oeste. Todavia, a TRS encontrou certas resistências na academia
brasileira nesse primeiro momento; na época, a Psicologia Social no
país se desenvolvia, especialmente por abordagens inspiradas na es-
cola americana e na teoria marxista – ambas as críticas à Teoria das
Representações Sociais. Felizmente, essa resistência dura pouco e nas
últimas décadas essa perspectiva se encontra em plena expansão em
todo território brasileiro, colaborando com investigações nas áreas da
Educação, Saúde, Serviço Social, História, Sociologia, Antropologia,
entre tantas outras (cf. ALMEIDA, 2009).

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Com a diversificação e o desenvolvimento das pesquisas na área das
representações sociais nos anos seguintes, a teoria ganhou desdobra-
mentos, observando-se no Brasil a maior inserção de três abordagens:
a abordagem estrutural (de Jean-Claude Abric); a abordagem processual
(de Denise Jodelet); e a abordagem societal (de Willem Doise), que será
a mais pertinente neste capítulo e nas investigações que utilizaremos
como exemplo. Sobre essa última abordagem, Almeida afirma que o
grupo liderado por Doise:

[...] articula as RS [representações sociais] com uma perspectiva mais so-


ciológica, enfatizando a inserção social dos indivíduos como fonte de va-
riação dessas representações. Nesta direção, é evidente o objetivo dessa
abordagem em conectar o individual ao coletivo, de buscar a articulação
de explicações de ordem individual com explicações de ordem societal,
evidenciando que os processos de que os indivíduos dispõem para fun-
cionar em sociedade são orientados por dinâmicas sociais (interacionais,
posicionais ou de valores e de crenças gerais). (ALMEIDA, 2009, p. 716).

Dessa forma, partindo de uma abordagem mais atenta às condi-


ções que as representações são produzidas (e por quais locais das so-
ciedades essas circulam), podemos encontrar em Doise (2002) uma
perspectiva em que a posição e a inserção social dos indivíduos e gru-
pos sociais se configuram num determinante fundamental das repre-
sentações que eles produzem.
Assim sendo, esse entendimento é de grande importância para as
pesquisas acerca das representações dos educadores sociais, pois são
nas dinâmicas de interação e comunicação entre os indivíduos e nos
seus grupos de pertença que surgem as representações sociais dos gru-
pos em relação a um determinado objeto – que neste artigo se limita
as violências e a inclusão digital, mas poderia ser em relação a qual-
quer outro tema que se deseja estudar e desenvolver uma pesquisa. A
melhor compreensão desses objetos, consequentemente, nos ajuda a

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ter uma visão mais dinâmica e abrangente, num recorte societal, de
determinados fenômenos sociais que podem ser causadores de pro-
cessos de marginalização e/ou exclusão para determinadas parcelas
da população. Desse modo, à medida que um indivíduo se identifica
ou não com determinado grupo, seguindo determinadas categorias de
representações, inclusive as sociais, “ele também participa das repre-
sentações sociais que este grupo possui sobre determinadas realidades
vividas pelo grupo” (FERREIRA, 2012, p. 143).
Para desvelar essas (possíveis) representações sociais conforme a
abordagem indicada, utilizou-se – em ambas as pesquisas escolhidas
como exemplo neste capítulo – como ferramentas de pesquisa as en-
trevistas semiestruturadas e a escrita de diários de campo relatando as
visitas nos espaços socioeducativos selecionados. Para escrever os já
referidos diários, pautados num trabalho de observação de campo, foi
utilizada como principal inspiração teórica a abordagem fenomenoló-
gica de Husserl (1975; 2020). Conforme essa, os diários de campo são
divididos em noema, noese e variação eidética.
Diante disso, o noema seria referente à parte mais objetiva do relato
de campo, descrevendo o fenômeno da maneira mais “imparcial” pos-
sível; o noese é mais subjetivo, sendo caracterizado por uma descrição
do fenômeno pelo investigador a partir de suas lembranças, sentimen-
tos e percepções; a variação eidética é a forma de relatar o fenômeno
com base na percepção e nos sentimentos dos outros indivíduos que
fizeram parte da ação – sendo uma tentativa de reflexão do pesquisa-
dor em busca de como o fenômeno interferiu sobre o outro.
Para analisar o material encontrado, buscando as possíveis repre-
sentações sociais, utiliza-se a análise retórico-filosófica do discurso,
inspirada em Aristóteles (2015), desenvolvida posteriormente por Re-
boul (2004), reestruturada por Mazzotti (2003) e demonstrada por Fer-
reira (2012). A retórica, com base na filosofia aristotélica, seria outro
lado da dialética, compreendida como “a capacidade de descobrir o
que é adequado a cada caso com o fim de persuadir” (2015, p. 62).

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Desse jeito, a análise realizada é fundamentada nas estruturas retóri-
cas e nos gêneros discursivos, visando identificar o que Reboul carac-
terizou como figuras retóricas.
Assim, a partir da organização dos discursos identificados nas pes-
quisas, existe a possibilidade de se aproximar das figuras presentes du-
rante o processo argumentativo dos educadores investigados, poden-
do, dessa forma, condensar os modelos figurativos das representações
sociais (cf. MAZZOTTI, 2003). Desse modo, têm-se como objetivo
realizar um processo de “triangulação” – tendo como base os referen-
ciais teóricos, as entrevistas e os diários de campo – dos dados obtidos
em pesquisa para identificar as possíveis representações sociais dos
grupos sociais analisados.
Tendo em vista tais pontos, como essas análises podem ser rele-
vantes para os estudos em Pedagogia Social? Considerando a PS – en-
tendida aqui como campo de fundamentação teórica para a atuação
prática do educador social – como uma área ainda de recente institu-
cionalização em nosso país, a Teoria das Representações Sociais pode
oferecer importantes potencialidades para esse processo de constru-
ção de uma Pedagogia Social brasileira. Entendendo a TRS como pri-
vilegiado meio para compreendermos como os sujeitos se movimen-
tam socialmente, Ferreira (2020) afirma que:

[...] a manutenção da utilização da Teoria das Representações Sociais


como campo de investigação e de estudos para compreensão do campo
da Educação como espaço de interação social se dará uma vez que for-
mos capazes de entender que as realidades sociais são constituídas a par-
tir das representações que recebemos dos grupos em que nascemos, nos
movemos e escolhemos como parte da nossa constituição como sujeito
social. As representações sociais, como teoria utilizada de forma sistemáti-
ca e metódica, podem contribuir para uma reflexão que ajude a entender
os mecanismos psicossociais utilizados pelos grupos, em profundo diálo-
go com outras teorias (como a Pedagogia Social, Psicologia, Sociologia,

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Antropologia, entre outras) que também estudam os sujeitos em suas in-
terações sociais produtoras de sentidos e significados, tanto para o meio
social quanto para o próprio indivíduo. (FERREIRA, 2020, p. 60).

Com base nessa perspectiva, o Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensão


(GEPE) Fora da Sala de Aula, que desenvolve pesquisas na área da Pe-
dagogia Social a partir da abordagem societal da TRS, tem valorizado,
principalmente, dois focos nessas investigações: (1) compreender como
as representações sociais influenciam na formação da identidade (socio)pro-
fissional docente – como no caso das pesquisas de Ferreira (2012) e Dias
(2020); (2) entender como as representações sociais partilhadas por um gru-
po de educadores influenciam na organização das práticas socioeducativas
oferecidas aos educandos. É nesse segundo enfoque que se encontram
as duas pesquisas utilizadas como estudo de caso neste capítulo. Para
tanto, ambas partem do pressuposto de que as representações sociais
são (também) conhecimentos de funcionamento sociocognitivo no
cotidiano que servem para orientar nossas atitudes e condutas. Sobre
a relação entre as atitudes e as representações sociais, Doise (2001)
pontua que:

De modo geral, pode-se dizer que, em cada conjunto de relações sociais,


princípios ou esquemas organizam as tomadas de posição simbólicas li-
gadas a inserções específicas nessas relações. E as representações sociais
são os princípios organizadores dessas relações simbólicas entre atores
sociais. Trata-se de princípios relacionais que estruturam as relações sim-
bólicas entre indivíduos ou grupos, constituindo, ao mesmo tempo, um
campo de troca simbólica e uma representação desse campo. (DOISE,
2001, p. 193).

Vejamos, na sequência, um breve resumo do que vem sendo desen-


volvido nas duas pesquisas mencionadas e como elas corroboram o
que foi tratado até aqui.

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As possíveis representações sociais de violências dos educa-
dores em práticas educativas não escolares no Complexo do
Salgueiro em São Gonçalo-RJ
Esta pesquisa em desenvolvimento pretende identificar as (possíveis)
representações sociais de violências dos educadores sociais de um projeto
social localizado no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo-RJ. Fun-
damentada em pesquisa bibliográfica, trabalho de campo e entrevis-
tas realizadas pelo autor desta (futura) dissertação durante os anos de
2021/2022, este trabalho tem como propósito investigar o já referido
projeto em busca da identificação das representações sociais de violências
compartilhadas pelo grupo de educadores atuantes nesse espaço não
escolar, dedicando-se a entender, primeiramente, como essas represen-
tações acabam por influenciar nas práticas socioeducativas oferecidas
a educandos vivendo em uma situação considerada de marginalidade.
Desse modo, trata-se de um trabalho com referencial teórico interdis-
ciplinar, utilizando-se, maiormente, os campos da Pedagogia Social,
Psicologia Social e Sociologia da Violência, mas também recorrendo a
autores e estudos de outras áreas distintas tanto quanto for necessário.
O projeto social escolhido foi o Instituto Impacto, entidade que
promove ações socioeducativas e assistencialistas no Complexo do
Salgueiro desde 2016 – mais especificamente na localidade conhecida
como “Conjunto da Marinha”, parte do bairro Palmeira (localizado
no 1º distrito de São Gonçalo). Essa instituição identifica seu projeto
socioeducacional como de viés cristão protestante interdenominacio-
nal, atuando, sobretudo, na promoção de trabalhos educativos, cultu-
rais, esportivos, entre outros, atendendo um público de 100 crianças e
adolescentes de 4 a 17 anos. A escolha pelo Impacto como local para a
pesquisa se dá especialmente por essa ser uma das instituições socioe-
ducativas de maior amplitude e alcance na região do Salgueiro nos úl-
timos anos. Por fim, cabe destacar que todas as pessoas envolvidas nas
atividades dessa organização (diretores, coordenadores, educadores...)
exercem trabalho voluntário não remunerado.

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Localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o municí-
pio de São Gonçalo possui, segundo o Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística (IBGE), uma população estimada de 1.077.687 pessoas
[2018]. Nos índices de Educação, São Gonçalo tem taxa de escolari-
zação (de 6 a 14 anos) em 96,7%, posição 72 de 92 municípios do Es-
tado. A avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB), de 2019, coloca São Gonçalo com o quarto pior desempenho
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental do estado (nota 4,6) e com
o oitavo pior na avaliação dos Anos Finais do Ensino Fundamental
(nota 3,7). Já no Complexo do Salgueiro, das seis escolas municipais
que participaram da avaliação do IDEB para Anos Iniciais, cinco apre-
sentaram média ainda mais baixa do que a de São Gonçalo – incluin-
do a EM Marinheiro Marcílio Dias, escola localizada na Palmeira e
local onde a maior parte dos educandos do Instituto Impacto estão
matriculados –, tendo apenas um colégio com a média igual ao do
restante do município.
Mas por que explorar as representações sociais de violências nesse
local? Antes dessa resposta, cabe destacar a perspectiva utilizada para
tal termo. Concebe-se aqui a tipologia proposta pelo sociólogo Johan
Galtung (1969; 2016) com a violência se dividindo em três tipos: di-
reta, estrutural e cultural. Dessarte, tal concepção (mais ampliada) da
violência, consideraria que diversas situações encontradas corriqueira-
mente no Salgueiro podem ser vistas como violentas. Numa perspec-
tiva estrutural, a pobreza, a desigualdade social, o desemprego, a falta
de acesso à educação – e demais serviços essenciais –, por exemplo,
são manifestações de violência. Da mesma forma, aspectos simbóli-
cos da cultura utilizados para legitimar a existência e a reprodução
da violência direta ou estrutural, empreendidos por instâncias como a
ideologia, a linguagem, os meios de comunicação, podem ser conside-
rados como uma violência cultural. Além dessas, claro, de maneira ain-
da mais facilmente visível, a violência direta (aquela referente à agres-
são física) também se faz presente em grandes níveis nesse território,

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amplamente reconhecido pelo domínio de grupos criminosos e palco
de confrontos desses com as forças policiais do Estado.
Além dos três tipos apresentados, uma violência sistêmica, mais li-
gada ao tempo histórico atual, é de importante destaque: a violência
da positividade. Pensada por Byung-Chul Han (2017a; 2017b), a violên-
cia da positividade seria a manifestação de violência (praticada de uma
pessoa contra ela mesma) dos tempos atuais, de uma sociedade do
cansaço que orienta a vida, cada vez mais, para uma superprodução,
superdesempenho, entre outros, que acabam favorecendo o desgas-
te das relações sociais e o cansaço psíquico entre os seus integrantes.
Considerando esses pontos, vemos as violências como elementos de
grande potencial de pesquisa para melhor compreender a realidade
social investigada e suas relações com as práticas educativas ofertadas.
Num passo adiante, já tendo finalizado os diários de campo e trans-
crito as entrevistas realizadas, tal como tendo sido feitas as respectivas
análises acerca de suas possíveis representações sociais de violências,
tem-se o objetivo de examinar tais resultados da pesquisa sob a ótica
da Educação para a Paz. Em sua obra clássica sobre o tema, Xesús Jares
(2002) caracteriza a Educação para a Paz (EP) como “uma expressão
e uma necessidade educativa cada vez mais conhecida e assumida por
boa parte dos que se dedicam a tarefas formativas, tanto na educação
formal como na educação não-formal” (p. 15). Tal “expressão e neces-
sidade”, se dá, sobretudo, nos tempos difíceis (cf. JARES, 2007) que vi-
vemos atualmente, caracterizados pela multiplicação das violências,
em suas mais diversas esferas, em nossos cotidianos. Nessa perspecti-
va, com a inferência de uma educação que sirva como instrumento de
combate às violências, se analisará se essas práticas socioeducativas po-
dem (ou não) ter servido de forma real para empreender tal modelo.
Engana-se, porém, quem acredita que a Educação para a Paz nasce
apenas nos últimos anos, sendo, como Jares pontuou, “uma ‘criação’
de última hora”, uma “moda pedagógica” ou “a resposta pontual a
determinado problema” (2002, p. 16). Como assegura o autor, já com

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essa terminologia, a Educação para a Paz possui quatro “grandes on-
das”: a primeira, em que vemos o nascimento da EP – considerando a
Europa – é o movimento da Escola Nova, pensando numa renovação
pedagógica a partir do início do século XX; a segunda onda se situa
historicamente no fim da Segunda Guerra Mundial, mas especifica-
mente, na criação da Organização das Nações Unidas para a Educa-
ção, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 1945; a terceira, a partir da
difusão da não violência, possuindo suas raízes na Ásia e no âmbito re-
ligioso, e tendo como principal expoente Mahatma Gandhi; e a quarta
onda, a mais recente – e que exercerá a maior influência sobre esta
pesquisa –, que nasce nos pressupostos da Pesquisa para a Paz, nova
disciplina com papel fundamental no plano conceitual, tendo como
alguns de seus principais nomes o já citado Johan Galtung – fundador
de um departamento de pesquisa sobre conflitos em Oslo (Noruega),
em 1959, e que, em 1964, lança o importante Journal of Peace Research
– e o brasileiro Paulo Freire – o qual Jares (2002, p. 85) chega a “eleger”
como maior influência da EP nesse momento histórico.
Quanto as justificativas para realizar tal pesquisa, alguns elementos
são essenciais para serem destacados. Em primeiro lugar, a escolha por
estudar representações sociais se coloca num paradigma bastante atual
nos debates teóricos acerca da violência. Segundo Misse (2016), o ter-
mo violência se encontra ainda em plena construção de sentido e, da-
das tamanhas dificuldades em compreender sua abrangência, esse autor
(e outros) preferem tratar a violência como representação social, e não
como conceito. Somado a isso, trazendo à tona a Teoria das Representa-
ções Sociais, tal como era da intenção de seu precursor, Moscovici, vê-se
com maior possibilidade de uma melhor compreensão desse fenômeno,
uma abordagem sociopsicológica, tendo em consideração uma análise
que considerasse tanto o social como o psicológico. Quanto à escolha
sobre as representações sociais de violências, trata-se do reconhecimen-
to de tal objeto como elemento de grande potencial de pesquisa para
melhor compreender o atual contexto social brasileiro.

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Consequentemente, acerca da preferência pelas práticas não esco-
lares para abordar essa problemática, parte-se da ideia da educação
como local de mediação entre o individual e o social, onde se apren-
dem modelos de convivência, valores morais e culturais, permitindo,
assim, propiciar transformações sociais. E, é em diversos espaços mar-
ginalizados da nossa sociedade, que a educação não escolar cumpre
as demandas específicas que, muitas vezes, fogem da alçada do ensino
formal. Desse jeito, as práticas em espaços não escolares são voltadas
“mais para as demandas ligadas a grupos específicos, com necessida-
des de socialização, atingidos por situações de vulnerabilidade e de ris-
co social”, podendo, dessa forma, privilegiar uma aprendizagem “mais
voltada ao desenvolvimento de atitudes, valores, culturas do que aos
processos cognitivos” (PIERONI et al., 2014, p. 22).
Considerando tais elementos destacados até aqui, inferimos a rele-
vância dos estudos sobre as violências no atual contexto contemporâ-
neo brasileiro, sobretudo, por meio de uma abordagem que considere
fatores sociais e psicológicos. Da mesma forma, destacamos a impor-
tância de identificarmos como essas representações (que podem ser
sociais ou não) acabam interferindo nas práticas educativas não escola-
res inseridos num local marcado por diversas expressões de violências.
Como visto no desenvolvimento deste tópico, tais contextos, mar-
ginalizados e vulnerabilizados, muitas vezes tem como principal local
para atender as demandas educacionais (mas também emocionais, eco-
nômicas, sociais, entre tantas outras) as instituições socioeducativas –
inseridas na dita educação não escolar. Dessa forma, este trabalho tam-
bém destaca a necessidade contemporânea de enxergarmos a educação
para “além dos muros” da escola. Feito isso, têm-se, conforme destaca-
do, uma maior possibilidade (e potencialidade) de empreendermos uma
Educação para a Paz, que vise ir de combate às violências.
Por fim, cabe ressaltar que este trabalho ainda está em desenvolvi-
mento (com previsão de término até março de 2023), contando aqui
apenas com reflexões e hipóteses iniciais – especialmente de natureza

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teórica – acerca dos seus objetivos. Futuramente, visamos expandir (e
publicizar) seus resultados de natureza empírica e analítica em formato
de novas apresentações orais e publicações escritas, objetivando contri-
buir com os estudos sobre a marginalização e as violências, tal como,
com os campos das representações sociais e da Pedagogia Social.
Em seguida, no campo da Pedagogia Social, outra possibilidade de
se fazer estudos e pesquisas será apresentada em instituições não esco-
lares para se compreender as interações, relações e atitudes de educa-
dores sociais e profissionais que atuam com as tecnologias na perspec-
tiva da inclusão digital.

Representações sociais de inclusão digital nas práticas edu-


cativas não escolares em uma instituição não governamental
no município de Niterói-RJ
Da mesma forma que o estudo anteriormente apresentado, esta pes-
quisa visa desvelar as possíveis representações sociais compartilhadas
por educadores sociais de uma instituição não governamental. Mas,
diferentemente, este trabalho intenta compreender o que os educa-
dores sociais compartilham sobre a inclusão digital, o que tem sido
reificado entre seus pares e como estas representações influenciam
na práxis educativa de uma instituição do Terceiro Setor que atende
a crianças e adolescentes oriundos das camadas empobrecidas da po-
pulação do município de Niterói, Região Metropolitana do estado do
Rio de Janeiro.
A pesquisa, que segue em andamento, pretende em seus objetivos
específicos: discutir os conceitos de inclusão digital, inclusão social e
práticas educativas não escolares à luz da Pedagogia Social, voltada às
populações menos favorecidas; desvelar, nos discursos dos educado-
res, as possíveis representações sociais de inclusão digital e averiguar
como estas representações sociais de inclusão digital condicionam
e interferem na práxis socioeducativa de caráter inclusivo, ofereci-
da às camadas empobrecidas da população. O trabalho vem sendo

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desenvolvido durante os anos de 2021 e 2022 e será apresentado como
uma futura dissertação de mestrado apresentado ao programa de Pós-
-Graduação Processos Formativos e Desigualdades Sociais da Faculda-
de de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (FFP/UERJ).
O Instituto NG (nome fictício) parte de uma iniciativa financiada
pelo poder público executivo de uma das três esferas do Estado brasi-
leiro, e gerida por uma grande instituição do Terceiro Setor1, contan-
do também com parcerias das várias autarquias e agências de estado e
do poder judiciário.
A instituição possui duas unidades, ambas no município de Niterói.
Uma está situada no bairro do Fonseca, Região Norte; a outra está situa-
da no bairro do Cantagalo, Região de Pendotiba, localizadas na segunda
e terceira regiões administrativas respectivamente, ambas atendendo aos
moradores das diversas comunidades presentes nos dois bairros.
Importante ressaltar também que, de acordo com o último Censo
do IBGE (2010), Niterói é a quinta maior cidade do estado e a 43º cida-
de maior cidade do país em termos populacionais. Além disso, segun-
do o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD
(2010), o município figura com a nota 0,837 no índice de desenvolvi-
mento humano (IDH), considerado muito alto, tendo a sétima coloca-
ção no ranque dos melhores municípios do Brasil para se viver.
Nesse contexto, o Instituto atende, atualmente, das 7 às 21h, de
segunda a sábado, contando educandos matriculados nas mais diferen-
ciadas oficinas pedagógicas e esportivas como: teatro oficina de leitura
e produção de texto, construção de móveis com material reciclado,
futsal, vôlei, basquete, capoeira, jiu-jitsu, tecnologias digitais e inova-
ção. Além da inserção de cinco projetos de prevenção desenvolvidos

1.  Mesmo os autores fazendo uma longa digressão sobre o tema, em suma, seria o conjun-
to de atividades voluntárias desenvolvidas em favor da sociedade, por organizações privadas
não governamentais, sem objetivar o lucro para seus associados. (CALEGARE; SILVA JU-
NIOR, 2009).

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pelo município e inseridos nas ações do espaço, sendo eles: o Poupan-
ça Escola – um incentivo financeiro para que os alunos permaneçam
na escola até a conclusão do Ensino Médio; o Escola da Paz – um pro-
jeto de prevenção a violência nas escolas, que potencializa capacidades
socioemocionais para professores e alunos do município; o Escola da
Família – que visa reduzir a violência familiar; o Banco de Oportuni-
dades – projeto que oferece vagas de emprego aos jovens do municí-
pio; e, por fim, o Rede Acolher – que visa prevenir a reincidência dos
egressos do sistema prisional.
A instituição recebe crianças, adolescentes e jovens dos 6 aos 29
anos, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade social
oriundos das camadas empobrecidas da população, encaminhados pe-
los: Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Re-
ferência Especializado de Assistência Social (CREAS), Núcleo de Assis-
tência Especializado da Criança e do Adolescente (NAECA), unidades
escolares e demais órgãos da rede pública dos bairros adjacentes. O
Instituto NG tem por objetivo promover a qualidade de vida, a rela-
ção comunitária, a construção da cidadania e a formação de projetos
na perspectiva de ressignificar a história da população atendida, utili-
zando-se como método de trabalho o engajamento em trilhas peda-
gógicas construídas pelas oficinas da instituição. Tais trilhas incluem
atividades de esporte, cultura, empregabilidade e desenvolvimento
educacional e inclusão, buscando estratégias de prevenção em face da
vulnerabilidade social e da exposição à violência que a faixa etária aco-
lhida pela ONG está cronicamente submetida.
Assim, esse trabalho está sendo desenvolvido pela observação das
práticas dos educadores, sob a égide da metodologia já apresenta-
da na segunda parte deste artigo, que tenham a tecnologia digital
como escopo de trabalho, com o intuito de pesquisar a existência de
possíveis representações sociais de inclusão digital que influenciem
a prática socioeducativa destes profissionais em uma perspectiva de
inclusão social.

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As oficinas que utilizam a tecnologia no seu cerne pedagógico,
dentro do Instituto, são duas: a oficina de informática e de inovação,
cuja premissa é desenvolver processos de inclusão digital. As duas mo-
dalidades estão em ambas as unidades, ministradas por quatro profis-
sionais e gerenciadas pelo mesmo coordenador, ou seja, um professor
de informática e outro de inovação, para a unidade do Cantagalo, e
outros dois profissionais que atendem as mesmas oficinas, na unidade
do bairro do Fonseca.
É importante ressaltar que o trabalho de educação digital tem ga-
nhado relevância, ao longo do tempo, não só nos meios escolares, mas
também, nas instituições não escolares, ou seja, aquelas que atuam
com educação, porém não estão centradas aos processos formais de
ensino. Com a pandemia, este contexto se aprofundou. Professores,
educadores, educandos e universidades foram lançados para um ce-
nário totalmente digital, no qual quase todas as relações, sejam de
trabalho, educacionais e inclusive relacionais, em sua grande maioria,
foram exercidas por intermédio das tecnologias digitais.
Mas essa realidade não foi estendida a todos. As populações menos
favorecidas foram as mais afetadas, tanto em questões de saúde, quan-
to financeiras e de estudo, causado pela falta de acesso, dificuldades
em lidar com as tecnologias ou mesmo por não ter condições finan-
ceiras de adquirir e/ou manter aparelhos digitais, bem como a sua
conectividade.
Estamos caminhando para o abrandamento da pandemia, mas a
emergência tecnológica não será arrefecida. Ela veio para ficar. Portan-
to, discutir a inclusão digital é de suma importância, se em um mundo
permeado pelas tecnologias, pode ser a linha que define quem é ou não
cidadão, e como esta relação afeta as classes menos favorecidas.

A exclusão digital possui forte correlação com as outras formas de de-


sigualdade social, e, em geral, as taxas mais altas de exclusão digital en-
contram-se nos setores de menor renda. A desigualdade social no campo

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das comunicações, na sociedade moderna de consumo de massas, não se
expressa somente no acesso ao bem material – rádio, telefone, televisão,
Internet –, mas também na capacidade de o usuário de retirar, a partir de
sua capacitação intelectual e profissional, o máximo proveito das poten-
cialidades oferecidas por cada instrumento de comunicação e informa-
ção. (SORJ, 2003, p. 59).

Dessa forma, estudar e compreender os educadores sociais e o seu


trabalho junto a instituições, cuja premissa é a inclusão digital, po-
dem, de certa forma, auxiliar na compreensão deste caminho que se-
ria incluir digitalmente para que as populações tenham subsídios para
se desenvolver e atuar digitalmente, na busca de uma inclusão social.
Nessa perspectiva, toda inovação tecnológica de relevância é apro-
priada rapidamente pelas camadas socialmente abastadas, aumentan-
do a desigualdade entre as classes (SORJ, 2003), desta forma, a inclu-
são/exclusão social surge de questões muito mais profundas do que o
mero acesso às tecnologias digitais. Contudo, é importante frisar que
sem a inclusão digital, em uma sociedade permeada pelo contexto
cibercultural, essa inclusão social será dificultada ou mesmo impedi-
da. Em suma, esta pesquisa pretende discutir e lançar luz sobre o pro-
blema da exclusão digital, a fim de se compreender apenas uma das
muitas transformações e ações necessárias para uma sociedade muito
mais inclusiva.
Por mais que uma instituição possua vultuosos recursos, alunos se-
dentos de saberes e tecnologias digitais de ponta, não seria suficiente
para um projeto emancipatório educacional de inclusão digital se as
representações sociais dos profissionais atuantes não favorecerem uma
práxis socioeducacional inclusiva, ou seja, que não contribua com o
desenvolvimento integral das potencialidades de seus educandos.
Dessa forma, compreender as dinâmicas de exclusão que po-
dem advir destas possíveis representações, principalmente daqueles
que têm em sua premissa a educação como sinônimo de inclusão, é

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fundamental para uma sociedade que se digna a diminuir os seus abis-
mos sociais, ainda mais quando parte de docentes presentes em insti-
tuições não escolares são atuantes na área da tecnologia.

Considerações finais
A Teoria das Representações Sociais, nessas duas pesquisas analisa-
das, apresenta a sua importância visto que os estudos de Moscovi-
ci – e dos teóricos que seguiram dentro dessa perspectiva – consti-
tuem-se como um dispositivo teórico-metodológico que auxilia na
compreensão do desenvolvimento dos processos sociais e educacio-
nais, como aponta Gilly (2005), Souza (2002), Alves-Mazzotti (2008),
além de Ferreira (2012) – especificamente, esse último, no âmbito
da educação não escolar, podendo ser de um valioso auxílio para os
estudos da Psicologia Social.
Ao construir representações, os indivíduos não forjam somente suas
próprias concepções sobre um objeto (algo ou alguém), mas sim, pro-
duzem representações elaboradas e transmitidas das mais variadas fon-
tes, misturando a classe geral de ideias e crenças às experiências indi-
viduais das realidades nas quais estão inseridos (MOSCOVICI, 1978, p.
131). Assim, esse entendimento gera uma imagem, um modelo mental
que não se distancia das opiniões e percepções do indivíduo, partindo de
um meio social pela comunicação e o retroalimentando. Esse modelo
mental, como pode ser entendido a partir da abordagem societal de Doise,
contribui nas tomadas de posição e nas atitudes, influenciando no traba-
lho e nos processos de alteridade dos educadores sociais.
Tem-se plena ciência que a Teoria das Representações Sociais não
tem por objetivo resolver os problemas da violência, tampouco da in-
clusão digital, mas os estudos dessa área da Psicologia Social podem
nos auxiliar a tecer um cenário e desvelar, no campo, atitudes, pen-
samentos, conceitos e preconceitos compartilhados por profissionais
que atuem em uma determinada área, e que no caso dessas duas pes-
quisas estão concernentes à educação não escolar. É por esse motivo

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que acreditamos na TRS como potencial caminho para a geração de
processos de indignação em investigações no campo da Pedagogia So-
cial. Essa indignação, por sua vez, não pode bastar por si só, mas, pelo
contrário, servir como geradora de novas reflexões, de uma práxis
mais humanizadora e libertadora.
Dessa forma, elaborar entendimentos sobre essas questões tem o
potencial de contribuir, de certa maneira, a conhecer uma realidade
dada e iniciar um processo de emancipação, de diminuição das desi-
gualdades sociais e marginalizações impostas aos grupos menos favo-
recidos, seja por meio das violências, da exclusão social ou de qual-
quer outra questão que possa ser desvelada pela aplicabilidade da
Teoria das Representações Sociais na compreensão de uma realidade
que se apresente no campo da Pedagogia Social. Assim, como defendi-
do por Freire, nos distanciaríamos de um “fatalismo libertador”, em que
o futuro não é problematizado e muitas vezes se acredita que apenas
sonhar com um mundo diferente bastaria para realizá-lo. Ou seja, pe-
rante o “risco de tanto idealizarmos o mundo melhor, desgarrando-
-nos do nosso concreto” (FREIRE, 2000, p. 61), a TRS pode oferecer
a possibilidade de “voltarmos” a nossa realidade, observando suas re-
presentações (e contradições) e, assim, dar um primeiro passo para a
emancipação benquista.

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AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO
CONTEXTO DAS INSTITUIÇÕES NÃO
ESCOLARES: POSSÍVEIS CAMINHOS
PARA O LETRAMENTO DIGITAL
Adam Alfred de Oliveira
Alan Navarro Fernandes

Introdução
Em 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU), por intermédio do
Conselho dos Diretos Humanos, declara, por meio de um relatório o
acesso à rede mundial de computadores, como um direito humano bá-
sico. No texto, o relator especial para a questão, Frank La Rue, trata
da importância do tema, em conformidade ao artigo 19º da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em que é apresentado o direito “à li-
berdade de opinião e expressão” (ONU, 1948). Neste capítulo, inclusive,
o direito de receber e transmitir informações é garantido, seja por qual-
quer meio, entre qualquer pessoa e, sobretudo, através das fronteiras.
No relatório, o Conselho entende o poder revolucionário da Inter-
net e sua potencialidade de compartilhar ideias e informações, pois,

[...] ao contrário de qualquer outro meio de comunicação, como rádio,


televisão e publicações impressas baseadas em transmissão de informa-
ções, a Internet representa um salto significativo como meio interativo.
De fato, com o advento dos serviços Web 2.0, ou plataformas intermediá-
rias que facilitam o compartilhamento participativo de informações e a

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colaboração na criação de conteúdo, os indivíduos não são mais destina-
tários passivos, mas também editores ativos de informações. (ONU, 2011,
tradução nossa).

Em suma, o acesso à internet, conforme a ONU, é notado como


um direito humano. Na mesma medida, no Brasil, o “Marco Civil
da Internet”, uma legislação de 2014 que tem por princípio regu-
lar o uso da rede mundial de computadores em território nacional,
em seu artigo 7º, salienta a importância da internet como “essen-
cial para o exercício da cidadania” (BRASIL, 2014), visto que em um
mundo rodeado pelo digital, o não acesso à internet pode aprofun-
dar os abismos sociais.
Mesmo ante as garantias de direitos, sejam internacionais ou na-
cionais, a questão do acesso à internet ainda é um grave problema
para uma faixa significativa de nossa população. A Pesquisa Nacio-
nal de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada
em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
demonstra que um em cada quatro brasileiros acima dos dez anos
não tem acesso à internet, representando, precisamente, 21,7%, da
população nesta faixa etária, o que corresponde a quase 40 milhões
de pessoas.
A investigação também demonstrou os motivos apontados por essa
população para o não uso das redes. Entre eles, estavam o “não saber
usar a internet”, abrangendo cerca de 43,8%. Outros 31,6% não utili-
zavam as redes pela “falta de interesse”. Ainda, 18% entendiam que o
“serviço ou os equipamentos para o acesso são caros”, e, para 4,3%, os
serviços de acesso não estavam disponíveis nos locais onde residem ou
costumam frequentar.
Com a crise pandêmica do coronavírus paralisando o país em 2020
e se agravando em 2021, a realidade da exclusão digital ficou ainda
mais evidente com a dificuldade dos alunos em acessar as atividades
escolares proporcionadas pelo ensino remoto, conforme amplamente

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divulgado pela imprensa2. Portanto, podemos compreender que a ex-
clusão digital se apresenta como um problema que ainda não foi equa-
cionado, prejudicando uma parcela significativa dos estudantes e da
população brasileira.
Logo, há de se considerar as profundas transformações ocorridas
pelo advento de uma sociedade organizada em rede (cf. CASTELLS,
1999) e as mudanças ocasionadas nas relações humanas em um con-
texto cibercultural, traduzidas em novas práticas, pensamentos e valo-
res. Além disso, devemos considerar todos os equipamentos e técnicas
que se desenvolvem com a ampliação das redes, como apresentado
por Lévy (1999). Dessa forma, podemos ter a dimensão do “apartheid”
que se configura para populações excluídas do acesso às redes.
Nesse contexto, percebe-se que uma gama expressiva dos serviços
privados e públicos estão sendo transferidos para o ciberespaço, tal
como: carteira de identidade, título de eleitor, contas em banco, pa-
gamentos de boletos, agendamento de serviços médicos, cadastro nos
em programas de assistência social, programas públicos de transferên-
cia de renda, inscrição em vestibulares, cursos universitários, emissão
de notas fiscais, cadastro de microempreendedores além de muitas ou-
tras atividades, que hoje, são fornecidos através das redes telemáticas
e outros tantos, somente através dela3.
Consequentemente, não é difícil compreender o quanto a exclusão
digital se constitui como um obstáculo para as populações acometidas

2.  Como se pode ver nestas duas reportagens: Exclusão digital: sem acesso à internet, jo-
vens abandonam os estudos e relatam as dificuldades na pandemia. Disponível em: https://
g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/06/11/exclusao-digital-sem-acesso-a-internet-
-jovens-abandonam-os-estudos-e-relatam-as-dificuldades-na-pandemia.ghtml. Ensino remoto
na pandemia: os alunos ainda sem internet ou celular após um ano de aulas à distância. Dis-
ponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56909255.
3.  Reportagem em grande veículo de comunicação em que será necessário ter acesso aos
meios digitais para conseguir recuperar dinheiro esquecidos em bancos. Segundo a reporta-
gem, somente por meios digitais este resgate poderá ser realizado. Disponível em: https://
g1.globo.com/economia/noticia/2022/02/14/resgate-de-dinheiro-esquecido-em-bancos-vai-
-exigir-cadastro-em-conta-govbr-tipo-ouro-ou-prata-saiba-como-fazer.ghtml.

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por esse problema e o quanto esta realidade pode aprofundar situa-
ções de exclusão social, afinal, em uma sociedade hiperconectada, a
não conexão pode se transfigurar na exclusão dessa própria sociedade.
Assim sendo, neste artigo pretende-se construir uma argumenta-
ção teórica visando articular um diálogo acerca do papel de um pro-
cesso educacional permeado pelas tecnologias digitais e oferecido por
instituições não escolares. A necessidade de estabelecer tais discussões
no tempo presente é de fundamental importância, dado que as Tec-
nologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC’s) se apresen-
tam, paulatinamente, como ferramenta em voga no campo educacio-
nal, mas ainda são pouco debatidas nos espaços não escolares.
Sob essa ótica, em um primeiro momento, este trabalho buscará
construir uma reflexão sobre o entendimento e a ampliação do termo
exclusão digital. Na segunda parte, será debatido o contexto da edu-
cação não escolar, o que os teóricos tratam do assunto e como estas
instituições podem contribuir em uma sociedade permeada pelas re-
des. No terceiro momento deste artigo, será argumentado acerca do
uso das tecnologias por essas instituições e como essas ferramentas
podem se inserir em um contexto de educação não escolar, principal-
mente em um possível trabalho na promoção do letramento digital
ou em busca de ações educacionais emancipatórias que promovam a
cidadania digital e a transformação social. Por fim, seguem as conside-
rações finais.

Indo além da exclusão e inclusão digital: a “terceira” face da


mesma moeda
Muitos são os teóricos que se debruçaram sobre o tema, e não cabe,
neste trabalho, tecer uma digressão ou discorrer sobre um histórico
completo e complexo sobre essa questão. Dessa forma, se optou por
percorrer um caminho que nos auxilie, fundamentalmente, a com-
preender a exclusão digital de forma que se contribua no trabalho de
educadores sociais que atuem com as tecnologias digitais.

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De acordo com Bonilla e Oliveira (2011), o termo exclusão digital é
adotado a partir da década de 1980 com a introdução da informática
no mercado de trabalho, ganhando magnitude com a popularização
da internet no decorrer da década de 1990. Conforme esses autores,
diversos estudos na contemporaneidade visam analisar as tecnologias
sob as mais diversificadas esferas do conhecimento, tendo como foco
a ampliação das TDIC’s no intuito de se construir uma sociedade da in-
formação em todo o mundo. Nesse âmbito, em esfera global, o “termo
inclusão digital entra em cena na dinâmica social e política da implan-
tação dos chamados Programas Sociedade da Informação” (BONIL-
LA; OLIVEIRA, 2011, p. 23).
Segundo esses pesquisadores, o Brasil incorpora essas pautas, po-
liticamente, a partir da publicação do “Sociedade da informação no Bra-
sil: livro verde” (TAKAHASHI, 2000). É nessa esfera onde se identifica,
na época, o grande contingente da população que não tinha acesso às
TDIC’s, construindo assim, a justificativa para a elaboração de polí-
ticas públicas com o intuito reduzir os abismos do acesso imposto às
populações com o surgimento dessa nova realidade.

Essas medidas, em termos gerais, são conhecidas como programas ou


projetos de inclusão digital e vêm sendo implementadas tanto pelo se-
tor público, quanto pelo setor privado e organizações do terceiro setor.
Inclusão digital vem sendo pauta política obrigatória em quase todos os
governos e tema de estudos em diversas áreas do conhecimento. (BO-
NILLA; OLIVEIRA, 2011, p. 24)

A questão da inclusão digital tem desencadeado inúmeros deba-


tes no meio acadêmico e na esfera pública. Nesse sentido, Silveira
(2008) destaca o quanto a noção de exclusão digital foi moldada pe-
las grandes corporações das indústrias de Tecnologia da Informação
(TI), percebendo a exclusão pelo ponto de vista “do não acesso”, uma
visão limitante, em que as pessoas são compreendidas apenas como

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consumidoras de produtos informacionais, partindo da questão do
acesso ou não às tecnologias. A esse respeito, cabe indagar: somente
o acesso às tecnologias digitais seria o suficiente para desenvolver um
processo de inclusão digital?
É importante abrir um espaço para a afirmação que esse debate
só é possível a partir dos avanços tecnológicos que possibilitaram o
surgimento das TDIC’s e, entre elas, a internet, um sistema global que
interliga todas as redes, tornando-se o alicerce de uma comunicação
mundial baseada em computadores. Para Castells (1999, p. 441), essa
tecnologia “moldou de forma definitiva a estrutura do novo veículo
de comunicação (...), na cultura de seus usuários e nos padrões reais
de comunicação”.
Segundo Lévy (1999, p. 17), essa transformação gerada nos relacio-
namentos em todas as esferas dos conhecimentos humanos ocasiona-
dos pela ampliação das redes vem permitindo o surgimento de novos
paradigmas que alteraram profundamente a nossa sociedade. Portan-
to, é notório destacar que esse fenômeno molda uma nova maneira
de ser e estar no mundo, ou seja, uma nova cultura permeada pelas
tecnologias digitais: a cibercultura.
Para o pensador, os meios telemáticos, principalmente a internet,
são um novo caminho para se obter informações, mas, da mesma ma-
neira, compreende-se que ainda que se tenha o acesso às redes, alguns
podem ter dificuldades, pois não dispõem dos conhecimentos básicos
para a sua operacionalidade. Desse modo, Lévy reconhece a possibi-
lidade da existência de uma exclusão gerada pela disseminação das
tecnologias digitais quando afirma que “cada novo sistema de comu-
nicação fabrica seus excluídos. Não havia iletrados antes da invenção
da escrita” (LÉVY, 1999, p. 242). Portanto, o filósofo assume que a ci-
bercultura pode gerar processos de exclusão, em outras palavras, uma
exclusão digital.
Silveira (2008) afirma que, mesmo que Lévy compreenda a possi-
bilidade de exclusão gerada pelo fenômeno cibercultural, esse acaba

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naturalizando e minimizando seus efeitos, percebendo-os como um
reflexo natural, fragilizando “a ideia de que é possível lutar contra esse
processo, uma vez que ele é quase que inerente a todo surgimento de
uma nova tecnologia de comunicação” (SILVEIRA, 2008, p. 46). Da
mesma maneira, Silveira destaca certa ambiguidade no discurso de
Lévy ante ao fato da exclusão. Mesmo que o filósofo a entenda como
algo intrínseco aos avanços tecnológicos, esse pondera que:

[...] Não basta estar na frente de uma tela, munido de todas as interfaces
amigáveis que se possa pensar, para superar uma situação de inferiorida-
de. É preciso antes de mais nada estar em condições de participar ativa-
mente dos processos de inteligência coletiva que representam o principal
interesse do ciberespaço. [...] Em outras palavras, na perspectiva da ciber-
cultura assim como das abordagens mais clássicas, as políticas voluntaris-
tas de luta contra as desigualdades e a exclusão devem visar o ganho em
autonomia das pessoas e grupos envolvidos. Devem, em contrapartida,
evitar o surgimento de novas dependências provocadas pelo consumo
de informações ou de serviços de comunicação concebidos e produzidos
em uma ótica puramente comercial ou imperial e que têm efeito, muitas
vezes, desqualificar os saberes e as competências tradicionais dos grupos
sociais e das regiões desfavorecidas. (LÉVY, 1999, p. 238 apud SILVEIRA,
2008, p. 45, grifo nosso).

Nessa citação, Lévy apresenta duas questões importantes para este


artigo que servem para refletir a práxis educativa de educadores so-
ciais que atuam com as tecnologias. A primeira, diz respeito à com-
preensão de que somente o acesso às tecnologias e às redes não seriam
o suficiente para superar uma situação de exclusão; a segunda, trata da
importância das ações de indivíduos e instituições – governamentais
ou não – que atuam politicamente como perspectiva de mudança de
uma realidade na busca por ganho de autonomia das populações ex-
cluídas em um contexto cibercultural.

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Cabe destacar que, para o pesquisador Mark Warschauer (2006), o
termo exclusão digital não seria adequado, pois carregaria a ideia de
que basta prover equipamentos de hardware e conexão em banda larga
para que o problema seja equalizado. Nesse viés, se olharmos a exclu-
são digital somente pelo prisma da conexão e do acesso às TDIC’s,
as questões relativas à autonomia, “as estruturas comunitárias e ins-
titucionais, o aprendizado, o incentivo à criatividade, o letramento, a
produção de conteúdo e até mesmo à apropriação tecnológica, entre
outras” (SILVEIRA, 2008, p. 42), ficariam de fora.
Dessa forma, promover a inclusão digital a partir de seu oposto,
a exclusão, é entender a realidade baseada em uma problemática bi-
polaridade. Warschauer postula que esse tema possui questões muito
mais profundas do que a acepção entre aqueles que tem acesso ou
não, e nesse sentido, qualquer ação que busque mitigá-la não poderá
ignorar os aspectos como a educação, a faixa etária, a etnia, a região
ou quaisquer outras informações que contribuam no entendimento
da população que está em um processo de exclusão.
Nessa lógica, do ponto de vista político, segundo Warschauer, o
trabalho com as populações marginalizadas não deveria ser voltado
à inclusão digital, mas para a inclusão social. Diante disso, o pesqui-
sador propõe o uso da expressão “tecnologia para a inclusão social”
(SILVEIRA, 2008, p. 49).

O resultado é de que não existe divisão binária e fator único predominan-


te para a determinação da exclusão digital. A TIC não existe como variá-
vel externa, a ser introduzida a partir do exterior, para provocar certas
consequências. Ao contrário, está entrelaçada de maneira complexa nos
sistemas e nos processos sociais. Além disso, do ponto de vista político,
o objetivo de utilização da TIC com grupos marginalizados não é a su-
peração da exclusão digital, mas a promoção de um processo de inclusão
social. Para a realização disso, é necessário ‘focalizar a transformação e
não a tecnologia’. (WARSCHAUER, 2006, p. 24).

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Mesmo perante a tão significativos questionamentos, Silveira
(2008) nota que Warschauer ignora o fenômeno dos diversos blo-
queios de acesso aos equipamentos e às redes digitais de informação,
afinal, esse não parece ser o foco principal do seu pensamento. Assim,
é importante fazer a crítica compreendendo que um não se configura
sem o outro. Silveira reflete que apenas o acesso não garante a equi-
dade social e cultural, mas, se não for debatido o seu fornecimento, as
demais questões ficam prejudicadas.
Na mesma linha, Sorj (2003) não só afirma a importância do acesso
às redes como também a sua universalização. Segundo o professor, esse
processo está praticamente concluído nos países desenvolvidos, mas, no
Brasil, ainda não foram universalizados, mesmo diante de meritórios
avanços. Para Sorj, universalizar o conhecimento e o acesso a computa-
dores, e internet, é fundamental para limitar os impactos negativos que
essas transformações possam infligir aos mais pobres. Em certa medida,
os conhecimentos mais básicos de internet e computação têm se torna-
do requisitos principais para a aquisição de emprego, emissão de docu-
mentos ou a realização de cadastros em programas sociais do governo.
Para auxiliar na compreensão e na delimitação da questão da exclu-
são digital, Sorj apresenta cinco características que determinam esse
processo:

A exclusão digital depende de cinco fatores que determinam a maior ou


menor universalização dos sistemas telemáticos: 1) a existência de infraes-
truturas físicas de transmissão; 2) a disponibilidade de equipamento/cone-
xão de acesso (computador, modem, linha de acesso); 3) treinamento no
uso dos instrumentos do computador e da Internet; 4) capacitação inte-
lectual e inserção social do usuário, produto da profissão, do nível educa-
cional e intelectual e de sua rede social, que determina o aproveitamento
efetivo da informação e das necessidades de comunicação pela Internet; 5)
a produção e uso de conteúdos específicos adequados às necessidades dos
diversos segmentos da população. (SORJ, 2003, p. 63).

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Essas características apresentadas por Sorj são importantes e po-
dem colaborar com um educador e/ou uma instituição não escolar que
atuam com as tecnologias para desenvolver programas de inclusão digi-
tal que promovam processos emancipatórios para a população.
Outro teórico que se debruça sobre a questão é Gilson Schwartz
(2006), economista, sociólogo e articulista do Centro de Estudos So-
ciedade e Tecnologia (USP). Segundo o pensador, os entendimentos
construídos acerca da exclusão não foram suficientes para proporcio-
nar a inclusão digital almejada. Desde a década de 1990, o debate foi
latente, com a criação de fóruns, artigos e ações em âmbito governa-
mental, mas, ainda assim, poucos são os dados disponíveis e, muitas
vezes, o debate se encerra quando o acesso se concretiza.
Dessa maneira, assim como Warschauer, Schwartz propõe ou-
tra expressão para desenvolver essa questão. Segundo o pensador, o
termo inclusão digital é insuficiente para abarcar a sua complexida-
de, assim como, os programas de inclusão por muitas vezes apenas
abrangem um elo desse problema (a conectividade), sendo um ponto
“necessário, mas insuficiente, na cadeia produtiva de informação que
poderá dar sustentabilidade à emancipação econômica, social e cultu-
ral dos cidadãos” (SCHWARTZ, 2006, p. 126).
Na análise de Silveira (2008) sobre o artigo de Schwartz, a ideia de
uma emancipação é de fundamental importância. Além do acesso às
redes, computadores e programas, essas populações necessitam do
controle dos processos produtivos de conteúdo digital. A emancipa-
ção se dá quando as comunidades podem agir e construir seus proje-
tos a partir de suas próprias necessidades.
Assim, a expressão inclusão digital não abarcaria “as exigências de
apropriação tecnológica e as habilidades necessárias a transformar
informação em conhecimento” (SILVEIRA, 2008, p. 61). Portanto, é
necessário a criação de um novo conceito: a emancipação digital. Se-
gundo Silveira, a partir do postulado por Schwartz, as políticas de in-
clusão digital pretendem, em seus programas, universalizar o acesso

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às redes. Entretanto, a emancipação digital buscaria conhecimentos
econômicos e culturais que pudessem ser utilizados pelas comunida-
des a partir das redes.

Tabela 1 – Quadro de possibilidades


CONCEITO FOCO CENTRAL REQUISITO CONSEQUÊNCIAS

Inclusão digital Acesso à infraes- Recursos públicos e Inserção dos


trutura e aos privados para montar cidadãos na rede e
recursos das TIC unidades de acesso garantia do direito
gratuito nas à comunicação
áreas carentes informacional

Emancipação Acesso ao conheci- Infraestrutura tec- Permitir a produ-


digital mento sobre a pro- nológica e formação ção de conteúdos
dução tecnológica educacional e cultural e tecnologias pelas
e de conteúdos necessárias comunidades

Fonte: Silveira (2008, p. 62) com base no texto de Schwartz (2006).

É evidente que sem o acesso e a estrutura necessária o conceito de


emancipação digital não se concretiza. Mas é importante ter a noção
de que “o fato de uma comunidade de bordadeiras ter acesso às redes
não a torna economicamente sustentável” (SILVEIRA, 2008, p. 62). A
sustentabilidade emancipatória só se dará a partir do domínio e das
interações que essa comunidade conseguir construir nas redes.
Portanto, o termo emancipação digital é apresentado como propos-
ta de autonomia na sociedade em rede, enquanto a inclusão digital
pode ser compreendida apenas como a inclusão de consumidores de
produtos informacionais e telecomunicações. Para Silveira (2008),
muitos dos programas de inclusão priorizam somente a conectividade
ou a operacionalização rasa de seus usuários, não se atentando ao as-
pecto da “cidadania e da capacidade de apropriação e uso autônomo
das tecnologias” (p. 62).
Para Schwartz (2006), superar a sociedade da informação é um passo
importante para ingressar na sociedade do conhecimento. Com essa in-
tenção, a educação precisa fazer parte desse processo no objetivo de

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transpor o uso passivo das tecnologias. Para o autor, é importante que
se construa espaços de vida, troca de experiências e de aprendizado,
onde a construção colaborativa faça parte da formação do conheci-
mento, permitindo o desenvolvimento de cidadania e gerando opor-
tunidades de trabalho, emprego e renda (2006, p. 129). Nesse sentido,
entende-se que as instituições não escolares que atuam com as tecno-
logias podem ter uma contribuição significativa para essa questão.

Sobre a Educação não escolar em uma sociedade em rede


Ao compreendermos o iminente cenário de exclusão digital no
Brasil, é prudente averiguar o papel das práticas educativas que se
dispõem a ir ao encontro dos sujeitos excluídos digitais, em espe-
cial, as ações manifestadas fora da sala de aula. Essas, representam
práticas pedagógicas essenciais para auxiliar a emancipação digital
dos sujeitos. Nesse contexto, o educador social possui papel funda-
mental na construção das bases necessárias para que os equipamen-
tos digitais possuam significado na vida dos sujeitos ao promover
meios para que as pessoas notem a utilidade dessas ferramentas em
ações do dia a dia, o que permitiria, como já visto anteriormente, o
exercício pleno da cidadania.
As reflexões quanto à relevância das ações de ensino não escolares
no Brasil são longínquas. Como exemplo disso, podemos citar a Lei de
Diretrizes Básicas da Educação Nacional (LDB) de 1996, que busca es-
tabelecer premissas fundamentais para concebermos esse campo edu-
cacional como elemento notório para a formação humana. Em seu
artigo 1º, o texto dispõe o seguinte:

Art. 1º: A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem


na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996).

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Ainda, o dispositivo legal irá apontar que a Educação deve ser com-
preendida como um elemento potencializador de processos forma-
tivos e elenca outros espaços e/ou instituições nas quais as práticas
educativas se manifestam. É necessário, portanto, assumirmos a mul-
tidimensionalidade (CALIMAN et al., 2012) das práticas educativas,
para concebermos uma educação que transcende o processo de es-
colarização. Infere-se isto, pois, que somente a escola não conseguirá
contemplar todas as esferas da formação humana.
Por sua vez, os espaços não escolares podem se dividir em formais,
não formais e informais (cf. LIBÂNEO, 2010; GOHN, 2010; TRILLA,
2008) – sendo bem verdade que essas três esferas não se anulam, mas,
ao contrário, se manifestam simultaneamente nos mais diversos es-
paços formativos. No entanto, apoia-se na perspectiva de que “este
tipo de classificação, por muitas vezes, desvaloriza os processos de en-
sino-aprendizagem acontecidos fora do ambiente escolar e tão neces-
sários para o desenvolvimento do ser humano” (FERREIRA; SIRINO;
MOTA, 2020, p. 593).
Assim sendo, se opta, aqui, pelo uso do termo não escolar, pois tais
práticas são observadas como um “processo complexo, plural e que
se desenvolve em múltiplos tempos e espaços, por diferentes sujeitos”
(FERREIRA; SIRINO; MOTA, 2020, p. 593). Por outro lado, a educa-
ção que se manifesta no espaço escolar “tem objetivos claros e espe-
cíficos e é representada principalmente pelas escolas e universidades”
(GADOTTI, 2005, p. 2). Por fim, a “educação formal seria, pois, aque-
la estruturada, organizada, planejada intencionalmente, sistemática”
(LIBÂNEO, 2018, p. 81).
Observa-se o trabalho do educador social como uma ação transfor-
madora na vida dos sujeitos, permitindo a emancipação e autonomia
desses para a vivência de uma cidadania ativa. Essas premissas que dia-
logam com Freire (2000) – acompanhadas por Graciani (2014) e Fer-
reira (2021) – apresentam-se como substanciais para uma mudança de
perspectiva nesse cenário e servem como um pertinente referencial

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teórico para os educadores que trabalham com letramento digital. No
entanto, questiona-se se esses sujeitos que atuam no letramento digi-
tal se consideram, de fato, educadores sociais e o quanto essa informa-
ção impacta em sua identidade profissional – algo que pode constituir
uma pertinente investigação.
Por hora, mantém-se a discussão tangente ao letramento digital
e como este, realizado por instituições não escolares que assumem
a perspectiva de educar para a emancipação, pode contribuir para a
construção de uma nova realidade social. Para tanto, é oportuno abor-
darmos o letramento digital, como forma de inclusão digital, em uma
perspectiva emancipatória, como ele é feito e a forma com que ele
pode gerar significado na vivência dos sujeitos.

Acesso, letramento e inclusão digital: as instituições não es-


colares na perspectiva de inclusão cibercultural
Debater a inclusão digital dentro de um contexto não escolar é de
fundamental importância. Isso é posto, pois, bibliotecas comunitárias,
ONGs, iniciativas autônomas, dentre outras que promovem ações
educacionais mediadas por computadores ou por equipamentos infor-
macionais, podem estar contribuindo com processos de desenvolvi-
mento de habilidades, conceitos e condições tecnológicas. Isso é algo
que transcende o uso mecânico ou instrucional das tecnologias.
Nesse sentido, Warschauer argumenta que, mais importante que
o acesso às TDIC’s não “é tanto disponibilidade do equipamento de
informática ou da rede de internet, mas sim a capacidade pessoal do
usuário de usar desse equipamento e dessa rede, envolvendo-se em
práticas sociais significativas” (WARSCHAUER, 2006, p. 63-64). Essa
questão é levantada pelo pesquisador para debater o letramento.
Segundo Warschauer, o letramento é um conjunto de práticas so-
ciais, e para a sua aquisição, necessita dos mais diversos recursos para
atingir esse fim. O primeiro deles são os “artefatos físicos”, sendo eles
livros ou equipamentos que estejam disponíveis para os educandos

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para o exercício da leitura e da escrita, sejam eles individuais ou social-
mente. O segundo se refere a importância dos conteúdos. Para o pes-
quisador, a relevância desses conteúdos é de suma importância para
o letramento. Para tanto, Warschauer demonstra que “Paulo Freire e
outros autores debatem que o ensino referente ao letramento é mais
eficaz quando envolve conteúdo que diz respeito às necessidades e às
condições sociais dos alunos.” (2006, p. 72). Em terceira medida, está
o desenvolvimento das diferentes habilidades, conhecimentos e atitu-
des. Em quarto e último recurso, está o ato social e as práticas sociais.
Para Warschauer, o letramento se dá através da interação, discussão,
aprendizado, prática e engajamento social, isto é, agindo socialmente
em relação aos estudos construídos.
Nesse momento, é importante fazer uma ressalva sobre a questão
do “letramento”. Magda Soares, uma das pesquisadoras mais impor-
tantes sobre este tema na alfabetização, destaca que o letramento se
refere ao “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escre-
ver, mas cultiva e exerce práticas sociais que usam a escrita” (SOARES,
1998, p. 47). Assim, a pesquisadora ressalta que letramento está para
além da alfabetização, ou seja, para além de saber ler e escrever.
Trata-se de um estado ou condição de quem interage com os mais
diferenciados estímulos de leitura e escrita, capaz de apreciar, compreen-
der e produzir diversificados gêneros literários, cumprindo a função so-
cial que a leitura e a escrita podem desenvolver em uma sociedade.
Warschauer argumenta que as transformações econômicas, sociais
e tecnológicas têm gerado novos tipos de letramentos, o que ele deno-
mina como letramento eletrônico (2006, p. 153), que seriam um grupo de
letramentos genéricos advindos de aspectos tecnológicos surgidos de
um cenário social amplo em que a tecnologia está inserida. Segundo
o pesquisador, o letramento não é uma “habilidade neutra em valor e
isenta de contexto; pelo contrário, a condição de ser letrado sempre se
refere a ter domínio sobre processos, por meio dos quais a informação
culturalmente significativa está codificada” (WARSCHAUER, 2006, p.

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68), permitindo que um indivíduo tenha poder e aja dentro de um
contexto social.
Tal como Warschauer, outros autores também afirmam a impor-
tância dessa habilidade, mas sendo denominada como “letramento
digital”.

O letramento digital significa o domínio de técnicas e habilidades para


acessar, interagir, processar e desenvolver multiplicidade de compe-
tências na leitura das mais variadas mídias. Um indivíduo possuidor
de letramento digital necessita de habilidade para construir sentidos
a partir de textos que mesclam palavras que se conectam a outros tex-
tos, por meio de hipertextos, links e hiperlinks; elementos pictóricos
e sonoros numa mesma superfície (textos multimodais). Ele precisa
também ter capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente
informação disponibilizada eletronicamente e ter familiaridade com
as normas que regem a comunicação com outras pessoas através
dos sistemas computacionais. (AQUINO, 2003, p. 1-2 apud ARAÚJO;
GLOTZ, 2009, p. 13-14.)

Dessa forma, quando se utiliza do termo “letramento eletrônico/


digital”, trata-se muito além de saber utilizar uma máquina, mas cum-
prir a função social que os usos desses dispositivos podem proporcio-
nar para as populações que as utilizam. Nesse sentido, Moita Lopes
(2010) vai além e defende as possibilidades de discussão, de reinvenção
social e, inclusive, de transgressão, fazendo com que as sociedades dei-
xem seu papel passivo de apenas consumidores de conteúdos informa-
cionais e assumam o papel de produtores de conteúdo dentro do ethos
colaborativo das redes.
Nesse sentido, uma instituição não escolar, junto aos seus educado-
res sociais que atuam com as tecnologias digitais, deve estar preparada
para o letramento digital na perspectiva da inclusão digital – e os cami-
nhos apresentados até o momento podem auxiliar para esse fim.

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Sob essa análise, a participação compromissada desses espaços que
oferecem iniciativas de inclusão digital se dá pela realização de uma
prática socioeducativa que não se limite aos meros preceitos técnicos
e operacionais, mas que ofereçam conhecimentos e fomentem as po-
tencialidades advindas das redes, trilhando por caminhos de emanci-
pação e solidariedade, com profissionais éticos e compromissados
com a transformação social.
Posto isso, percebe-se que no cerne do ato docente está a relação
entre educadores e seus educandos. Bem como Paulo Freire (2004)
nos assegura, essa construção promovida pelos educadores necessita
estar imbuída de intensa responsabilidade, desenvolvida como eman-
cipação e prática de liberdade.
Todavia, afinal, no que consiste essa liberdade levantada por Freire?
Para o pensador, a resposta está, inicialmente, em um esforço na cons-
trução de relações entre educador e educando, numa relação que abole
as hierarquias e se apresenta de forma horizontal. Uma relação em que
o educador é, simultaneamente, aquele que ensina e aquele que apren-
de, na construção de processos que permitam aos educandos a sua leitu-
ra de mundo e nele intervir politicamente na sociedade (FREIRE, 1967).
A liberdade, assim defendida por Freire, se realiza na consciência crí-
tica dos indivíduos de sua própria existência e na percepção da relação
de opressão em que se encontram. Nesse processo de conscientização,
na relação solidária, dialógica e problematizadora, os indivíduos vão se
apropriando da realidade, portanto, conseguindo transformá-la, indo
além das condições em que se encontram (FREIRE, 2004, p. 107). Logo,
a liberdade, para Freire, é um conceito que se constitui em coletivo, no
qual o ser humano se torna sujeito de seu próprio agir, em contrapon-
to às lógicas opressoras e desumanizantes em que os sujeitos se acham
“quase coisificados” (FREIRE, 2004, p. 95) pelas situações limites4.

4.  As “situações limites”, segundo Freire, são causadas pelo subdesenvolvimento que geram
processos de dependência e opressão (2004, p. 95).

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Superando as situações limites, a humanização se contrapõe a coi-
sificação em um processo de transformação. Logo, a humanização, se
caracteriza, para Freire, como um processo de liberdade.
Freire também não se deixa cair na inocência e entende que a edu-
cação sozinha não é capaz de alterar uma realidade. Assim sendo, edu-
cadores precisam ter a consciência que seus programas educacionais
não transformarão o país, mas o processo educacional tem o seu de-
ver de anunciação, seja em quaisquer espaços onde se dão processos
educacionais, no sentido de desafiar “os grupos populares para que
percebam, em termos críticos, a violência e a profunda injustiça que
caracterizam sua situação concreta”, (FREIRE, 2002, p. 89) mostrando
que a mudança é possível, um compromisso que Freire define como
político-pedagógico.
Dessa maneira, o trecho anterior nos inspira a pensar o compro-
misso ético de uma instituição e seu trabalho como perspectiva na
mudança de uma realidade. Da mesma forma, o profissional da edu-
cação não escolar, precisam estar atentos às suas práticas, principal-
mente em um mundo hiperconectado e cibercultural, agindo para a
inclusão nessa nova realidade.
Nessa perspectiva, Santos (2019) afirma o quão os profissionais que
operam os processos educativos permeados pelas tecnologias pre-
cisam se dar conta do espírito do tempo para poder agir e atuar nele.
Segundo a pesquisadora, para o “processo de construção de novos
conhecimentos, é necessário mobilizar saberes e competências dire-
tamente relacionados aos letramentos em tempos de cibercultura”
(SANTOS, 2019, p. 53), aproveitando as potencialidades das múltiplas
linguagens, buscando práticas e expressões cidadãs.
Mesmo a expressão inclusão digital abarcando um contexto teórico
e técnico, Santos promove o conceito de inclusão cibercultural. Para a
pesquisadora, um novo contexto se apresenta com o surgimento das
tecnologias portáteis, da internet sem fio e de alta velocidade. Essa in-
ternet mais dinâmica e interativa é a principal base dos novos desafios

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técnicos e sociais. Nela, o indivíduo incluído ciberculturalmente “é o
praticante cultural capaz de apropriar-se ou apoderar-se da dinâmica
autoral, colaborativa e móvel para empoderar-se como cidadão nas
cidades e no ciberespaço” (SANTOS, 2019, p. 46).
Portanto, os profissionais da educação necessitarão compreen-
der as complexidades e as conexões em rede que permitam a au-
toria, compartilhamento, “conectividade, colaboração e interativi-
dade para potencializar a prática docente” (SANTOS, 2019, p. 47).
Desse modo, o profissional estará atuando em confluência com o
desenvolvimento das redes, principalmente no que abarca às novas
gerações. Realizando, com isso, uma prática educativa com base na
participação e na colaboração, “conectando pessoas e lugares físicos
e online. Laptops, tablets, celulares conectados em rede mundial
favorecem e potencializam essa dinâmica” (SANTOS, 2019, p. 48).
Para Santos:

[...] a prática docente capaz de contemplar a dinâmica baseada em mobi-


lidade, ubiquidade, autoria, conectividade, colaboração e interatividade
deverá propiciar oportunidades de múltiplas experimentações e expres-
sões, disponibilizar uma montagem de conexões em rede que permita
múltiplas ocorrências e provocar situações de inquietação criadora e cola-
borativa. Mais especificamente, o professor precisará:
(a) acionar a participação-intervenção do discente, sabendo que partici-
par é modificar, é interferir na mensagem;
(b) garantir a bidirecionalidade da emissão e recepção, sabendo que a co-
municação é produção conjunta da emissão e da recepção; o emissor é
receptor em potencial e o receptor é emissor em potencial; os dois polos
codificam e decodificam;
(c) disponibilizar múltiplas redes articulatórias, sabendo que não se pro-
põe uma mensagem fechada, ao contrário, oferecem-se informações em
redes de conexões, permitindo ao receptor ampla liberdade de associa-
ções, de significações;

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(d) engendrar a cooperação, sabendo que a comunicação e o conheci-
mento se constroem entre discentes e docentes como cocriação;
(e) suscitar a expressão e a confrontação das subjetividades no presencial
e nas interfaces online, sabendo que a fala livre e plural supõe lidar com
as diferenças na construção da tolerância e da democracia;
(f ) garantir no ambiente de aprendizagem multimodal uma riqueza de
funcionalidades específicas, tais como: intertextualidade (conexões com
outros sites ou documentos). (SANTOS, 2019, p. 48-49).

Segundo a pesquisadora, os princípios apresentados na citação an-


terior são capazes de potencializar a ação educativa/docente frente ao
perfil comunicacional das novas gerações que surgem da expansão das
redes. Dessa forma, “o docente pode promover uma modificação pa-
radigmática e qualitativa na sua docência e na pragmática da aprendi-
zagem e, assim, reinventar a sala de aula em nosso tempo” (SANTOS,
2019, p. 49).
Logo, o desafio que se apresenta ante a inclusão/emancipação digi-
tal necessita de um compromisso ético dos educadores que estão nes-
sa área. Desafios que a cada mudança tecnológica e a cada nova trans-
formação, seja de estrutura, softwares, comportamentos e conceitos
que se apresenta com a velocidade das redes na cibercultura se abrem
como novos desafios que necessitarão ser explorados pelos educado-
res para atuar na inclusão.

Considerações finais
As mais diferentes visões e interpretações justificadas pelos autores
e os termos cunhados que defendem visões complementares, seme-
lhantes, e por vezes antagônicas, trazem o esforço dos pensadores em
elucidar o tema da inclusão/exclusão digital e desenvolver conceitos
que se adéquam às realidades apresentadas. Neste trabalho, não tive-
mos a pretensão de criar termos – tampouco desqualificar as escolhas
adotadas por autores no passado.

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Mas, para fins de entendimento, compreende-se que o conceito
de inclusão digital, ainda muito utilizado, não desaparecerá tão cedo.
Porém, entende-se que neste artigo – e em outros que podem advir –
esse termo deve ser defendido em um sentido ampliado, remetendo a
lógica emancipatória, como apresentado por Schwartz (2006), e den-
tro dos preceitos de uma educação em tempos de cibercultura, assim
como apresentado por Santos (2019).
Em suma, percebe-se que, apesar dos esforços de alguns autores, a in-
clusão digital se refere ao acesso aos meios telemáticos e hardwares. Con-
tudo, pode-se compreender que, para que um processo de inclusão seja
profícuo, é notório o desenvolvimento de conhecimentos que permitam
maior autonomia, liberdade, articulação, letramento e mobilização social.
Em vista dessa questão, não se pode esquecer dos processos edu-
cacionais que estarão atrelados a esse projeto emancipatório e a res-
ponsabilidade ética dos profissionais professores/educadores de não
só atuarem como reprodutores de conteúdos, mas atualizarem-se
constantemente para a realização dessa função em um contexto ciber-
cultural. Estar ciente desses desafios é estar em conformidade com os
últimos avanços das tecnologias informacionais e na busca de superar
os processos de exclusão.
Da mesma forma, é importante se considerar e analisar que essas
questões são conjuntas e que não devem ser observadas isoladamen-
te nesta nova realidade socioeducacional permeada pela cibercultura.
Somente compreendendo o contexto que se apresenta ante a estes de-
safios poderemos superar a exclusão digital, rumo a processos eman-
cipatórios educacionais e ciberculturais condizentes com as demandas
do tempo presente.

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Parte III
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
PRODUTORAS DE
EMANCIPAÇÃO

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“A GENTE VAI NA CONTRAMÃO”:
A ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS
EDUCATIVAS NÃO ESCOLARES DAS
PROFISSIONAIS DO REFORÇO ESCOLAR
NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO-RJ
Clara Regina Moscoso de Avelar
Emanuelle Cristine Santos da Silva
Thiago Simão Dias

Introdução
Este capítulo é fruto de um Projeto de Iniciação Científica (PIBIC) – For-
mações, Representações e Práticas Educativas não escolares e/ou extracurricu-
lares no município de São Gonçalo – que tem por objetivo investigar como
as profissionais da educação não escolar – que atuam no Reforço Escolar
– organizam as suas práticas didáticas e as relações interpessoais com os
educandos, para atender as demandas curriculares dos alunos de camadas
periféricas, em déficit nos seus processos de ensino-aprendizagem escolar.
Apresentaremos, primeiramente, o campo das narrativas, expla-
nando a sua importância, como ganhou legitimidade no meio acadê-
mico brasileiro – como ferramenta de pesquisa no campo da investiga-
ção das práticas docentes –, examinando-as a partir das experiências de
investigação-formação sob a perspectiva das narrativas de formação ao
longo da vida. Diante disso, refletiremos a respeito das práticas-didáti-
cas e da função do Reforço Escolar, contestando o rótulo comumente
utilizado como “explicadoras”.

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Por se tratar de uma pesquisa em educação em espaços não esco-
lares, iremos abordar a Pedagogia Social como uma Teoria Geral de
Educação, em especial, a Pedagogia da Hospitalidade (PH), elaborada
por Isabel Baptista (2005), como possível vertente sociopedagógica e
ferramenta para potencializar as relações interpessoais desenvolvidas
com os educandos pertencentes às camadas empobrecidas. Apresenta-
remos seus principais conceitos e articularemos com as contribuições
de Freire (2000), destacando a dimensão da indignação para que os
sujeitos, a partir das suas vivências e realidade social, possam construir
caminhos emancipatórios e transformações sociais.
Traremos uma contextualização a respeito do campo investigado, des-
crevendo informações sobre o desenvolvimento socioeconômico e edu-
cacional da localidade, bem como os indivíduos envolvidos na pesquisa.
A metodologia investigativa tem uma abordagem qualitativa, os
instrumentos utilizados são as narrativas e a confecção de cadernos de
campo, inspirando-se na fenomenologia de Husserl (1975), que con-
siste em três movimentos básicos, conforme descrito e refletido por
Depraz (2011) e proposto por Ferreira (2021): o noema, o noese e a va-
riação eidética.
Por fim, para examinar as narrativas de uma educadora, utilizou-
-se a análise retórico-filosófica, inspirada em Aristóteles (1998), orga-
nizada e desenvolvida por Reboul (2004), reestruturado por Mazzotti
(2003) e Ferreira (2016), articulando com os pressupostos da Pedago-
gia da Hospitalidade.

A potência das narrativas no campo da Educação e o Reforço


Escolar
As narrativas apresentam-se há, aproximadamente, um século como
fonte para o campo epistemológico da pesquisa qualitativa. Após trin-
ta anos de “eclipse” (1940-1970), elas se consolidaram a partir dos anos
1980. Há mais de três décadas, as narrativas ganharam força no campo
da Educação, chegando ao Brasil nos anos de 1990, direcionando-se à

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profissão docente e para como os professores vivenciam seus proces-
sos de formação, refletindo sobre as experiências de investigação no
magistério ou como investigação-formação.
A partir dos anos 2000, novas orientações acrescentaram-se à pers-
pectiva inicial, diversificando e ampliando a inquirição no campo com
variadas terminologias: “história de vida”, “narrativas de formação”,
“pesquisa narrativa”, “biografias” e “autobiografias”. O modo narrati-
vo organizou-se a partir das experiências dos sujeitos, no que é contex-
tual e singular, havendo uma grande heterogeneidade de abordagens
desse campo correlacionadas às influências e aos percursos dos dife-
rentes campos disciplinares em que foram constituídas.
As discussões aqui apresentadas tomam como referência a seara da
investigação-formação, centrada nas narrativas de formação ao longo da
vida, desenvolvidas por Josso (2007), Freitas e Ghendi (2015), entre ou-
tros. Ou seja, abordamos as narrativas a partir da investigação-formação,
cujos materiais se apresentam com grande relevância na investigação
das práticas docentes porque resguardam os sujeitos e as suas práticas
de terem os seus sentidos deturpados por pesquisas engessadas que
formatam a experiência ao olhar ou ao objeto do observador. As nar-
rativas potencializam a construção do conhecimento do fazer pedagó-
gico de modo reflexivo, ressignificando as próprias ações.
De acordo com Josso (2007), ouvir as histórias de modo sensível
introduz a um processo de identificação e diferenciação que sustenta
questionamentos dos sujeitos sobre a sua trajetória e a dos outros. As-
sim, é possível a construção de saberes relacionais com base nas estra-
tégias de trocas e de comunicação, da relação consigo, com os demais
e com mundo.
A investigação-formação nas narrativas de formação ao longo da
vida se apresentam tanto como um fenômeno, quanto um modo de
investigação e formação, já que partem das vivências humanas e se
retroalimentam, porque a narrativa não é apenas uma forma de com-
preensão da experiência, mas um meio para a aprendizagem humana.

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A centralidade do sujeito no processo de investigação-formação desta-
ca a relevância da abordagem e das apropriações da experiência vivida,
concedendo ao indivíduo a função de ator e autor da sua própria his-
tória, conforme Passeggi, Souza e Vicentini colocam:

Em todos os casos, a escrita de si é considerada como um dispositivo me-


diante o qual a pessoa que escreve é levada a refletir sobre seu percurso
de formação formal, não-formal e informal. Consideramos que escrever
e interpretar o que foi significativo para determinar modos de ser, seja
como aluno seja como professor-pesquisador-orientador, são, ao mesmo
tempo, atividades formadoras e podem dar acesso ao mundo da acade-
mia visto pelos olhares de seus protagonistas. (2011, p. 373).

Sendo assim, a experiência narrativa não é só contínua, mas, tam-


bém, interativa, existindo um status relacional, pois, ao buscar enten-
der a experiência dos sujeitos, o pesquisador resgata a sua subjetivi-
dade, tendo por eixo as especificidades dos indivíduos nos processos
educacionais. Diante disso, as pesquisas no campo da Educação a par-
tir do paradigma narrativo proporcionam a valorização dos profissio-
nais e do espaço onde a docência é exercida.
O uso da pesquisa narrativa em Educação ressalta as representa-
ções e experiências educativas dos sujeitos, colaborando com o enten-
dimento dos diversos mecanismos e processos históricos relacionados
ao desenvolvimento educacional, permitindo evidenciar: o prisma
subjetivo das representações dos professores sobre a sua identidade
profissional; seus ciclos de vida; o entendimento, os sentidos e as situa-
ções do contexto escolar. Logo, contribui para uma tomada reflexiva
dos indivíduos inseridos no contexto e na cultura da educação.
Agora, é assaz relevante usar a pesquisa narrativa na área da Educa-
ção de modo que abarque a discussão das práticas docentes nos espa-
ços não escolares, uma vez que a educação não se restringe somente a
este ambiente, pois “independente da sua importância social, a escola

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é apenas parte da formação do indivíduo na sociedade” (FERREIRA,
2019, p. 23). Ademais, Freitas e Ghendi (2015) afirmam que as narrati-
vas possibilitam a compreensão da formação do sujeito, conferindo a
este o lugar de destaque merecido. Assim, o campo narrativo passa a
ser uma possibilidade para compreendermos e valorizarmos como se
dão as práticas docentes nos espaços não escolares a partir da ação-re-
flexão daqueles que nela atuam.
Diante disso, buscamos o reconhecimento das profissionais que
são, popularmente, chamadas de “explicadoras” por não estarem no
espaço formal de ensino, mas que constroem relações sociais e pro-
cessos de ensino-aprendizagem com os seus alunos frente às urgên-
cias que a escola, muitas vezes, não consegue atender. Por isso, não
mais rotularemos essas docentes de “explicadoras”, e sim, de profissio-
nais da educação não escolar que trabalham com Reforço Escolar, porque
elas atuam como professoras fora do espaço escolar, mas, nem por
isso, devem ser estigmatizadas como se possuíssem menor impor-
tância. Ao contrário, elas agem justamente nas demandas em que o
espaço escolar de ensino não consegue, de alguma forma, dar conta.
O Reforço Escolar é um tema delicado no campo da Educação, se
articulando a outra situação: as questões que remetem ao fracasso es-
colar. Porém, precisamos transpor os melindres acerca dessa dicoto-
mização reforço escolar x fracasso escolar, mesmo que não haja como
falar do primeiro sem, de algum modo, tocar no outro. Todavia, pre-
cisamos deixar claro que, ao abordar esta temática, não significa que
queremos culpabilizar a escola e/ou os seus profissionais por conta da
necessidade do trabalho das profissionais do Reforço Escolar.
Ao propormos essa averiguação, frisamos que o Reforço Escolar não
“busca culpados”, mas sim, desejamos promover um melhor processo
de ensino-aprendizagem para os educandos envolvidos, sendo essa prá-
tica baseada nos conteúdos fornecidos pela escola, contudo, com pla-
nejamentos individualizados por alunos ou para pequenos grupos de
discentes, o que, costumeiramente, não é realizado nas escolas.

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De outra forma, no ambiente fora da escola, a docente que atua
com a prática do Reforço tem a possibilidade de desenvolver um esque-
ma voltado à necessidade do aluno. Conforme Candau (1985, p. 13-14),
a organização didática do processo de ensino-aprendizagem requer a
ação intencional norteada para proporcionar as melhores condições de
aprendizagem. Dessa forma, no Reforço Escolar, as educadoras conse-
guem elaborar um planejamento que pode ser direcionado a um con-
teúdo específico, ou para atender questões (anseios) familiares.

A Educação em Espaços não Escolares e as Pedagogias Social


e da Hospitalidade
A educação pode ser forjada socialmente nos mais variados espaços
sociais. É possível realizar uma separação entre: a educação formal, a
não formal e a informal. A educação formal é a escolar (curricular), or-
ganizada através dos seus conteúdos programáticos. A educação não
formal tem caráter formativo, intencional e estrutural, ocorrendo, por
exemplo, em ONGs, Igrejas, Empresas e Sindicatos. Por último, de
acordo com Ferreira, Sirino e Mota (2020):

A educação informal se articula por meio de saberes originados dos grupos


sociais em sua estreita relação com a vida cotidiana. Esse conjunto de
conhecimentos sobre o real se transforma na base concreta, na qual se
movimenta tanto a educação formal quanto a considerada não formal.
(p. 591, grifo nosso).

Todavia, entendendo que essa divisão gera uma hierarquização das


experiências educativas e dos saberes historicamente partilhados, por
escolha epistemológica, falaremos em educação em espaços não esco-
lares (englobando as educações não formal e informal) para valorizar
as práticas e as profissionais que trabalham fora do ambiente escolar.
Nessa ótica, o Reforço Escolar é caracterizado como um espaço de
educação não escolar, onde os saberes da vida cotidiana se articulam

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com os saberes atribuídos pela escola. Com isso, pensando a educação
como um fenômeno amplo e complexo, defendemos a ideia de docên-
cia ampliada.

[...] ao pensarmos em uma docência ampliada, pensamos na dimensão


que os que se fazem responsáveis pelas práticas de ensino-aprendizagem
devem ter para que possam atender às demandas educativas que se apre-
sentam na sociedade como tal e, assim, organizar dispositivos didáticos
mínimos para a atuação em outros ambientes que, embora não se confi-
gurem educacionais, carregam em si, os aspectos e as necessidades oriun-
das das relações intrinsecamente educativas. (FERREIRA, 2019, p. 14).

Nessa perspectiva, podemos entender o Reforço Escolar como práti-


ca socioeducativa que se insere no campo da Pedagogia Social (PS), uma
Teoria Geral da Educação que organiza, sistematicamente, os saberes
produzidos nas práticas educativas não escolares, capaz de propor mé-
todos educacionais consoantes com a realidade dos grupos socialmente
desfavorecidos visando atenuar as condições de vulnerabilidade social.

[...] a pedagogia social é uma ciência, normativa, descritiva, que orienta a


prática sociopedagógica voltada para indivíduos ou grupos, que precisam
de apoio e ajuda em suas necessidades, ajudando-os a administrarem seus
riscos através da produção de tecnologias e metodologias socioeducati-
vas e do suporte de estruturas institucionais. (CALIMAN, 2010, p. 352).

A Pedagogia Social (PS) surgiu entre final do século XIX e início


do XX, pelos processos sociais e educacionais desenvolvidos no con-
tinente europeu, principalmente na Alemanha (cf. FERREIRA, 2018).
Machado (2013) explica que a PS se adéqua às condições históricas e
sociais de cada país e, no Brasil, ela surgiu na década de 1970, mas ga-
nhou força a partir da década de 1980, em consonância com o proces-
so da redemocratização do país.

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Nesse contexto, as ações político-pedagógicas de Paulo Freire fo-
ram bastante relevantes para o desenvolvimento da Pedagogia Social
em nossa sociedade, embora ele não fizesse uso da terminologia. Ca-
liman (2011) coloca que há um forte potencial na Pedagogia Social
crítica e emancipadora, quando coadunada com os pressupostos frei-
reanos, posto que a Pedagogia Social, como ciência teórica da prática
da Educação Social, deseja que os indivíduos construam os seus cami-
nhos de superação diante da vulnerabilidade social.
As práticas do Reforço Escolar, para e com as camadas empobre-
cidas, ao considerar as experiências de vida e os saberes prévios dos
educandos, colocando-os como protagonistas do processo educativo,
promovem a autonomia dos sujeitos frente às injustiças, auxiliando no
processo de construção de uma consciência crítica coletiva. Estrutura-
-se como um ambiente propício ao surgimento da indignação como
postura política, pela qual os indivíduos se põem diante das agruras,
dos problemas sociais em busca da transformação social através do
movimento ação-reflexão, servindo como propulsora para nos mobili-
zarmos diante do mundo.
Essa indignação é um passo fundamental para alcançarmos a
emancipação como processo de libertação das pessoas oprimidas. Pro-
cesso de libertação político-social, cultural e educacional das pessoas
excluídas, configurando processos de indignação frente à realidade co-
tidiana, em que indivíduos poderão construir as suas próprias vivên-
cias emancipatórias. Conforme Freire (2000), os sujeitos não estão no
mundo para, simplesmente, se adaptarem, mas o contrário disso: os
sujeitos estão no mundo para o transformá-lo.
Diante disso, pensando nas práticas do Reforço Escolar a partir da
PS, nos embasaremos na Pedagogia da Hospitalidade (PH), concebi-
da por Baptista (2005), uma concepção sociopedagógica desenvolvida
a partir da Pedagogia Social estruturada na perspectiva da educação
como compromisso ético e na valorização da sociabilidade entre os
indivíduos.

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A hospitalidade, entendida como o lugar para a prática da Educação
Social, procura desenvolver a aproximação entre os sujeitos da educa-
ção, tornando plausível pensar os desafios provindos da relação com
a alteridade, tratando a interação humana de forma esperançosa, sig-
nificativa e problematizadora, suscitando o diálogo a partir da escuta.
Ferreira (2020a, p. 20) faz a asserção de que a hospitalidade é “um local
privilegiado de encontro interpessoal, marcado por uma atitude de
acolhimento em relação ao outro, onde não se impõe ação direta do eu
sobre o outro. Ao contrário, o outro é o início e o fim da ação realiza-
da neste encontro”.
A experiência de hospitalidade, de acordo com Batista (2005), tra-
ta- se de um processo de abertura que permite ao indivíduo sentir-se
acolhido e aceito. A hospitalidade corresponde à experiência de não
somente abrirmos a porta para os outros, mas ao encontro com um
mundo partilhado e de experiências diferentes.
Para Ferreira (2020b), a PH é uma possibilidade de contribuição
sensível à área do saber da Pedagogia Social, cumprindo a função de
aporte reflexivo para as práticas do Reforço Escolar, uma vez que as
docentes constroem, gradualmente, nas relações cotidianas, laços de
confiança, respeito e afetividade para com os alunos.
A hospitalidade busca criar caminhos para a comunicação e proxi-
midades que permitam melhores mediações diante dos desafios que
surgem na relação “eu-outro”, possibilitando o encontro dos indiví-
duos em vivências marcadas pela cordialidade, benquerença e acolhi-
da. Com isso, ao indagar quanto ao compromisso ético que os indiví-
duos devem ter, Baptista nos mostra a relevância de desenvolvermos
nossas atitudes de proximidade frente à alteridade.
O compromisso ético parte do princípio do entendimento de
que o “outro” é demasiadamente (radicalmente) diferente e é im-
portante realizarmos atitudes pautadas na proximidade, no acolhi-
mento e na cortesia. Assim, “a ética diz sempre respeito à exigência
pessoal que emerge da relação com os outros. Isto é, ao sentido de

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responsabilidade sem o qual que a liberdade perderia sentido” (BAP-
TISTA, 2005, p. 32).
Nesse sentido, a proximidade com o “outro” é um dos pontos cru-
ciais da hospitalidade, formando-se, aos poucos, no contato com a al-
teridade, sendo fundamental nas relações educativas, haja vista que
ocorrerá a descoberta do “outro” – e de cada um de nós –, dado que
as subjetividades dos indivíduos se constroem nas relações sociais. Por
esse aspecto, a convivência passa ser uma condição suscetível a afli-
ções e prazeres, que causam afetos (negativos e positivos). Por isso, a
hospitalidade precisa ser estruturada em relações sociais salutares, que
nos proporcionem o aprendizado de hospedar as outras pessoas, isto é,
assentir a alteridade e ficarmos disponíveis às práticas humanizadoras
e democráticas.

Além disso, as práticas de hospitalidade, ao mesmo tempo em que sal-


vaguardam o direito à privacidade e à intimidade, potencializam a socia-
lização dos indivíduos separados inevitavelmente pelo mistério das suas
subjetividades. Acolher o outro como hóspede significa que aceitamos recebê-lo
em nosso território individual, colocando à sua disposição o melhor do que somos
e possuímos. (FERREIRA, 2020b, p. 27, grifo nosso).

Nesse contexto, Baptista (2005) nos diz que a hospitalidade, ao se


concretizar nos espaços socioeducativos, constitui-se por três dimen-
sões éticas: a ética da proximidade, a ética da ação pedagógica e a ética da
prática profissional.
No processo de ensino-aprendizagem, a ética da ação pedagógica
necessita ser considerada em consonância construção da hospitalidade
e da proximidade, logo, de laços sociais mediante: o reconhecimen-
to da perfectibilidade humana, a crença incondicional na educabilidade e a
aceitação ética do negativo da educabilidade.
O reconhecimento da perfectibilidade humana concerne à compreen-
são de que todos os seres humanos são, fundamentalmente, seres

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inacabados, detentores de uma plasticidade capaz de propiciar o seu
amplo desenvolvimento diante dos processos educativos. Segundo
Ferreira (2020b, p. 45), a “perfectibilidade e educabilidade estão inti-
mamente ligados, o que proporciona a seguinte inferência: todo o ho-
mem é educável, na medida que é capaz de autoaperfeiçoamento”.
A ética do negativo da educabilidade é o entendimento de que nem
sempre as práticas pedagógicas irão alcançar êxito, todavia, é impres-
cindível confiarmos na ação educativa, posto que podemos ter ou não
“sucesso” em nossas práticas; e devemos considerar que os indivíduos
envolvidos podem questionar, criar resistências e contestações duran-
te os processos educativos.
Por último, a ética da prática profissional consiste na defesa de rela-
ções educacionais horizontais, não se estabelecendo a autoridade por
princípios autoritários; ao contrário, a relação de autoridade está fun-
damentada na convivência democrática. Os professores têm o dever
de formar valores pautados no respeito e proximidade humana, pois
“seu testemunho ético começa na sua própria presença, sensibilidade
e atitude” (BAPTISTA, 2005, p. 88) diante do “outro”.
Assim, com a Pedagogia da Hospitalidade, temos uma epistemo-
logia assentada em uma concepção de relações humanas pautada em
laços socioeducativos, que funcione como o lugar da criação de “laços
humanos que, não sendo definitivos e indissolúveis, possam, todavia,
ser consistentes e significativos” (BAPTISTA, 2008, p. 8). Assim, perante
o exposto, a seguir, observaremos a descrição do campo investigado e
os indivíduos desse ambiente, bem como as metodologias de pesquisas.

A localidade, sujeitos e as metodologias de pesquisa


O campo empírico desta pesquisa situa-se no município de São Gonça-
lo (SG), região metropolitana do estado do Rio de Janeiro. SG possui
uma população estimada, em 2021, de 1.098.357 habitantes, de acordo
com os dados disponibilizados no site do IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística). A respeito dos rendimentos econômicos,

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o salário médio mensal dos trabalhadores formais, em 2019, foi de 2,0
salários mínimos, sendo o IDHM (Índice de Desenvolvimento Huma-
no Municipal), no ano de 2010, de 0,739.
Além disso, na educação (IDEB, 2019), o município obteve o 6º pior
desempenho nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com nota média
de 4,6. Nos Anos Finais do Ensino Fundamental a média foi de 3,6 – o 4°
pior em todo o estado (todos os dados se referem a Rede Pública de Ensi-
no). Em vista disso, o município ocupa a posição de número 88, dentre 92
municípios do RJ, com taxa de escolarização de 96,7% – de 6 a 14 anos1.
Tais dados são de extrema relevância para compreendermos o es-
paço-tempo em que as educadoras estão situadas, no bairro do Ma-
rambaia, localizado no 3º Distrito (Monjolos) de São Gonçalo, fa-
zendo limite com o município de Itaboraí/RJ. O bairro é localizado
na periferia e é extremamente carente: pavimentação precária, falta
d’água, gravíssima deficiência de transportes públicos e vive sob a in-
fluência da facção criminosa Comando Vermelho (CV).
É nesse contexto de empobrecimento econômico e socioeducacio-
nal, marcado pela ineficiência do Poder Público, que a procura pelas
profissionais do Reforço Escolar é uma prática comum. Por conta da
pandemia da COVID-19, houve o aumento da demanda em razão do
fechamento das escolas. Os pais/responsáveis recorreram ainda mais a
essas educadoras, pelo fato de o ensino remoto, com suas dificuldades,
afetar as crianças no desenvolvimento das atividades provenientes da
escola. Isto é, mesmo com pouco capital financeiro, algumas famílias
buscaram investir em meios para que seus filhos não fossem tão preju-
dicados nos seus processos formativos (de ensino-aprendizagem).
Esse processo de educação com as camadas periféricas se dá em um
espaço que as educadoras nomeiam de Espaço Educativo, tratando-se
de uma casa onde todos os cômodos foram transformados em salas de

1.  Dados coletados no site do IBGE. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/


sao-goncalo/panorama. Acesso em: 18 mar. 2022.

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aula. A organização do ambiente consiste em 1 (uma) sala que possui
estrutura semelhante a uma instituição escolar, com mesas e cadeiras;
e outro recinto com almofadas espalhadas no chão e uma estante com
materiais didáticos (livros, gibis, folhas para desenhar, lápis de cor etc.).
Nesse local, elas recebem alunos de diferentes anos letivos e instituições
escolares, 80% dos alunos oriundos da rede pública de ensino.
As aulas são organizadas em encontros de 2 horas, de 2 a 5 vezes por
semana, de acordo com o que os pais/responsáveis combinam com elas,
dado que não se trata de um trabalho gratuito, pois o ofício se converte
em fonte de renda para essas profissionais. Contudo, os responsáveis pa-
gam R$ 5,00 a hora/aula, um valor mais acessível com base na realidade
socioeconômica do local. Ademais, os alunos são organizados em grupos
de 4 a 5 crianças, a partir da estruturação mais conveniente do espaço
educativo às estratégias didático-pedagógicas. Isto é, não há uma sala fixa
ou lugares rigidamente marcados, a cada aula as docentes e os discentes
definem como e onde irão organizar atividades planejadas para o dia.
A formação profissional dessas docentes se constitui da seguinte
forma: duas são graduadas em Pedagogia e as outras duas possuem
o ensino médio regular. Diante disso, vemos que há heterogeneidade
na formação das profissionais envolvidas. As profissionais auxiliam os
alunos na realização das tarefas escolares – popularmente conhecidas
como “tarefas de casa” e “trabalhos escolares” – e propõem outras
atividades de caráter pedagógico. Ao terminarem suas atividades, as
crianças podem desenhar, ler livros, histórias em quadrinhos ou reali-
zar exercícios direcionados à prática dos conteúdos escolares.
Diante desse cenário, esta pesquisa optou pela metodologia de
abordagem qualitativa, seus instrumentos básicos são o recolhimento
das narrativas e a confecção de cadernos de campos para registro do
material coletado, inspirando-se na filosofia fenomenológica de Hus-
serl (1975), conforme descrita e refletida por Depraz (2011) e proposta
por Ferreira (2021), que consiste em três ações em campo: o noema, o
noese e a variação eidética.

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O noema diz respeito à descrição detalhada e objetiva da realida-
de da forma como seus elementos são capturados. O noese representa
as expressões intimas do pesquisador, sua subjetividade e as vivências
proporcionadas, à medida que se deparava com os fenômenos. E a va-
riação eidética é a etapa reflexiva, na qual o investigador se coloca no
lugar dos demais que vivenciaram aquela realidade.
A coleta do material se deu em 3 (três) encontros remotos, com
a utilização da Plataforma Google Meet, no qual a educadora-coorde-
nadora do Reforço Escolar narrou acerca das atividades de todas as
professoras, do modo como organizam suas metodologias e se rela-
cionam com os discentes.
Por fim, para examinar as narrativas, será utilizada a análise retóri-
co-filosófica do discurso, inspirada em Aristóteles (1998), organizada e
desenvolvida por Reboul (2004), reestruturado por Mazzotti (2003) e
Ferreira (2016) para investigações no campo da Educação. Essa meto-
dologia tem por finalidade analisar a intencionalidade das narrativas
através das figuras retóricas existentes nas falas das educadoras.
Esses elementos retóricos ressaltam a importância do que diz e –
ao passo que agrega valores, sentidos e significados – intensifica o po-
der de persuasão das mensagens transmitidas aos ouvintes. Para Aris-
tóteles (1998, p. 33), retórica “é a faculdade de ver teoricamente o que,
em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”. A partir dessa
estrutura, procurar-se-á detectar as figuras retóricas (REBOUL, 2004)
e compreender como as educadoras buscam persuadir o seu interlocu-
tor à medida que discursam sobre suas experiências sociopedagógicas.

A análise das narrativas: o que elas nos indicam?


Vejamos, mediante às narrativas da educadora-coordenadora2, como
o grupo de educadoras que atuam no Reforço Escolar organiza e

2.  Optamos por reproduzir fielmente as falas da educadora, bem como manter o seu ano-
nimato. Dessa maneira, serão apresentadas as marcas de oralidade e iremos salvaguardar a
imagem desta profissional.

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efetua suas estratégias didáticas para atender os educandos empobre-
cidos. Realizaremos, ainda, conexões dessas práticas educativas com a
Pedagogia da Hospitalidade.

(...) Eles vêm para fazer as atividades de casa e estudar para a prova, só
que eu não foco tanto nisso, né? Eu foco mais nas dificuldades dos alunos,
que são incontáveis...
(...) eu vejo o conteúdo que a professora passa, mas ela está lá na frente
e a dificuldade da criança tá lá trás. Aqui é diferente, eu caminho junto
com elas. (...) então volto tudo. Então, acaba que eu não consigo ficar
juntinho com a professora no conteúdo. Porque depois eu preciso voltar
tudo com a criança pra ensinar as vogais e tudo mais. Na escola, duvido
que façam isso!
(...) A metodologia da escola é muito rígida, essa coisa mais tradicional
não funciona tanto. Os alunos que vêm pra cá aprendem muito por eu
usar uma metodologia mais dinâmica, mais lúdica... Acaba que dá muito
certo! Eu tento trazer jogos, quebra-cabeça... Eles aprendem brincando
aqui. Fazemos “atividades em folha”? Sim, mas eu tento sair mais do pa-
pel, porque eles já fazem muito isso na escola. Já aqui, é bem diferente.
E a gente busca trazer um olhar mais individual para a necessidade bem
particular daquela criança.

A metonímia3 “só que eu não foco tanto nisso”, seguida da hipérbole4


“foco mais nas dificuldades dos alunos, que são incontáveis”, explicitam
o direcionamento da educadora a uma questão que considera mais
relevante – não se limitando aos “deveres de casa”, afazeres relativos
aos conteúdos –, a compreensão significativa do educando daquilo
que está estudando, demonstrando que tais problemas no processo

3.  Figura retórica que designa um objeto pelo nome de outro que tem com ele um vínculo
habitual, uma semelhança.
4.  Figura retórica, que aumenta (Auxese) ou diminui (Tapinose) as coisas em excesso, apre-
sentando-as bem acima ou bem abaixo do que realmente são.

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formativo (de ensino-aprendizagem) parecem ser amplos, haja vista
que a explicadora não se propõe a pontuá-los.
Os desafios pedagógicos das explicadoras estão voltados às necessi-
dades das crianças e vinculados à proposta educativa da escola. Aquilo
que é delimitado dentro da escola vai movimentar (na mesma direção
ou não) as ações das professoras no Reforço Escolar.
A metalepse5 “eu vejo o conteúdo que a professora passa, mas ela está lá
na frente e a dificuldade da criança tá lá trás. Aqui é diferente, eu caminho
junto com elas” declara o modo como as explicadoras agem para es-
truturarem suas metodologias, uma vez que as professoras do ensino
escolar, aparentemente, não estão conseguindo acompanhar o ritmo
dos alunos e/ou há um descompasso entre aquilo que se aplica em
sala de aula e as expectativas de aprendizagem dos discentes. Nesse
sentido, contrapondo o modo como o ensino escolar atua, a expli-
cadora busca uma estratégia didática pautada na atenção particular
de cada aluno por ter maior flexibilidade, pois não está “presa” a um
currículo rígido; estabelece um plano individual para cada criança, ou
para um grupo reduzido de discentes.
Diante disso, a hipérbole “então volto tudo”, anteposta à metoní-
mia “acaba que eu não consigo ficar juntinho com a professora no con-
teúdo”, seguida da tapinose6 “depois eu preciso voltar tudo com a crian-
ça pra ensinar as vogais e tudo mais”, demonstram a necessidade de a
explicadora em ter que retomar os conteúdos programáticos desde
o início, uma vez que não há um diálogo entre as profissionais da
educação que trabalham dentro e fora dos espaços escolares. Des-
sa forma, fica destoante a cadência das estratégias didáticas, princi-
palmente pelo fato de a explicadora necessitar recomeçar desde o
mais básico, como “ensinar as vogais”, enquanto o ambiente escolar
segue na frequência que o currículo pré-estabelece, “deixando para

5.  Figura retórica composta por uma sequência de metonímias.


6.  Figura retórica com característica hiperbólica, ampliando o discurso, em sentido negativo
ou depreciativo.

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trás” as crianças com maiores dificuldades de aprendizagem dos co-
nhecimentos trabalhados.
A expolição7 “Na escola, duvido que façam isso!” coloca em questão a
forma como o colégio constitui o arranjo curricular, porque, de acor-
do com a narrativa da explicadora, a educação escolar não contem-
pla as particularidades socioeducativas dos discentes (para apreensão
de conteúdos) e, com isso, sobra para as professoras dos espaços não
escolares a missão de suprir lacunas de aprendizagem, muitas dessas
relativas à aquisição de conhecimentos conteudistas, embora as expli-
cadoras não se restrinjam a isso.
A conglobação8 “A metodologia da escola é muito rígida, essa coisa mais
tradicional não funciona tanto. Os alunos que vêm pra cá aprendem muito por
eu usar uma metodologia mais dinâmica, mais lúdica... Acaba que dá muito cer-
to!” explicita o fazer didático cotidiano de muitas escolas, que se “pren-
dem” às práticas conteudistas inseridas na tendência pedagógica tradicio-
nal, seguindo de maneira sistematizada os currículos, usualmente, sem
uma flexibilidade ou até mesmo ignorando os desejos e necessidades
reais das crianças. Em contraponto, no espaço não escolar, o grupo de
explicadoras se prontifica a mudar essa abordagem ao passo que propõe
atividades mais prazerosas e atraentes às crianças, obtendo resultados po-
sitivos, como narrado através da auxese9 “Acaba que dá muito certo!”.
Em prol de realizar um trabalho socioeducativo que considere as
finalidades da educação escolar – pois não há uma disputa entre os
ambientes educativos –, tentando auxiliar nas dificuldades dos alunos,
as professoras do Reforço Escolar buscam combinar práticas mais con-
teudistas, porém, transgredindo a rigidez do currículo.
As metonímias “Fazemos ‘atividades em folha’” e “mas eu tento sair
mais do papel”, antepostas as hipérboles “já fazem muito isso na escola”

7.  Figura retórica, que retoma o mesmo argumento com formas diferentes.
8.  Figura retórica que consiste em acumular os argumentos em favor de uma mesma tese.
9.  Figura retórica que corresponde à hipérbole quando amplia em sentido positivo.

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e “Já aqui, é bem diferente”, tornam notório que a organização das prá-
ticas educativas não escolares dessas profissionais faz um movimento
interligando a educação escolar ao ensino não escolar. Nesse contexto,
as profissionais desenvolvem as atividades “obrigatórias” conteudistas
(motivo maior pelo qual elas são requisitadas), entretanto, elas ultra-
passam a dimensão do tradicional (do básico), trazendo exercícios/
ações adicionais que implicam outro olhar sobre o processo formativo
das crianças, tanto que se colocam como educadoras que apresentam
uma proposta bastante diferenciada da escola.
Fechando esse primeiro fragmento de narrativas, encontramos
a metonímia “um olhar mais individual” intensificada pela hipérbole
“necessidade bem particular daquela criança”, sintetizando a proposta
didático-metodológica do grupo das educadoras: um percurso pa-
ralelo (mas não excludente) daqueles que vêm sendo forjado pelas
unidades escolares.
Dando continuidade à análise das narrativas, na sequência, trare-
mos mais um recorte que ilustra as práticas didáticas não escolares,
bem como as relações das explicadoras com os educandos das cama-
das empobrecidas.

Aqui tem a questão do lugar, a barra é pesada. Então, às vezes, para en-
tender a matéria da escola, a gente precisa falar a língua deles, relacionar
à verdadeira realidade deles, sabe? Porque as crianças daqui são de comu-
nidade, acabam morando colado com o conflito, ou tem parente metido
nisso, e ficam marcadas por isso. E eu tenho que mudar o meu jeito de
trabalhar e de receber eles aqui para fazer sentido na vida deles.
(...) para aprender probleminhas com dinheiro tive que adaptar... Assim...
Se a pessoa chega na “boca”, com uma nota de 20 reais, pra compra um
“pó de 5”, quanto vai ser o troco? Aí ele respondeu na hora: “Ué! 15, uma
nota de 10 e uma de 5”.
(...) aquele conteúdo visto na escola a gente vai ter que mudar a cara dele,
partir de outro lugar, trazendo outros elementos pra que o aluno possa

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compreender o conteúdo. (...) a gente vai trabalhando com os alunos até
pela forma tão tradicional que eles ainda são aplicados nas escolas... Aí...
A gente vai na contramão, né!?

A metáfora10 “Aqui tem a questão do lugar, a barra é pesada” caracteri-


za a localidade onde está situada esta unidade de educação não escolar
e a influência do poder paralelo, consequência da ausência do Poder
Público na vida dos cidadãos. Nesse contexto, a metáfora “a gente pre-
cisa falar a língua deles”, seguida da metonímia “Porque as crianças daqui
são de comunidade”, tornam compreensível o ponto de partida da confi-
guração das práticas educativas das explicadoras: o estado de pobreza,
no qual se encontram seus alunos. São crianças que, cotidianamente,
se deparam com o tráfico e com conflitos policiais, consequência da
negação dos direitos humanos.
Isso é nítido quando analisamos a sequência de metáforas: “aca-
bam morando colado com o conflito”, “ou tem parente metido nisso” e “ficam
marcadas por isso”. Essas crianças que, além de não desenvolverem seus
processos de ensino-aprendizagem de forma efetiva dentro do espaço
escolar, enfrentam a barbárie da violência, do descaso e abandono dos
setores sociais governamentais que deveriam resgatar a dignidade des-
ses sujeitos vulneráveis econômica e socialmente. Elas têm a educação
e suas experiências de infâncias vilipendiadas.
Essa negligência com essa população, em especial as crianças, não
afeta somente suas vidas, mas também, o exercício profissional das ex-
plicadoras para e com esses educandos. A metonímia “eu tenho que mu-
dar o meu jeito de trabalhar e de receber eles aqui” mostra a consequência
no fazer pedagógico do grupo de explicadoras, que precisa repensar e
alterar a forma como acolherá e reformulará suas práticas educativas,
frente essa camada empobrecida.

10.  Figura retórica que consiste em designar uma coisa pelo nome de outra que se lhe as-
semelha.

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Nesse contexto, de empobrecimento e desrespeito com as vidas
humanas, as educadoras adaptam suas didáticas às realidades dos dis-
centes. A metáfora “Se a pessoa chega na ‘boca’” e a metonímia “compra
um ‘pó de 5’” revelam a circunstância deplorável socialmente onde es-
sas crianças se encontram e que impacta diretamente na formulação
de atividades e apreensão de conteúdos escolares (da disciplina de Ma-
temática, por exemplo).
Por fim, podemos notar o caráter fundamental do trabalho dessas
educadoras. Ao comentar sobre o conteúdo escolar, a explicadora traz
a metáfora “a gente vai ter que mudar a cara dele” contígua à metoní-
mia “partir de outro lugar”, ou seja, elas tendem a ajustar os conteúdos
escolares à possibilidade de aprendizagem dessas crianças. Essa pos-
sibilidade real de entendimento e aplicação/significação social, nessa
esfera, será consolidada a partir do lugar do “outro”: da realidade dos
educandos, das suas trajetórias e experiências. É fazendo a transpo-
sição do “dever do livro” – e da sua distância das vidas das crianças
– para a materialização das relações sociais que se criará um caminho
viável para o sucesso escolar (formação cidadã dos educandos) e para
construção de pessoas éticas.
Por fim, a hipérbole “pela forma tão tradicional que eles ainda são apli-
cados nas escolas” reforça a ideia de inviabilidade de um processo de
ensino-aprendizagem de qualidade que auxilie na constituição de su-
jeitos críticos e reflexivos. E a metáfora “A gente vai na contramão, né!?”
condensa toda a forma de organização das práticas didáticas das pro-
fissionais da educação que atuam em espaços não escolares e forjam
encontros neste Reforço Escolar.
É pelo fato de a escola não dar conta de toda demanda para a cons-
trução dos cidadãos que existem os locais conhecidos, popularmente,
como Aulas de Reforço. Esses lugares que operam com os demais ambien-
tes socioeducativos, sobretudo suprindo as demandas que as instituições
escolares (públicas ou particulares) não conseguem atender. Sendo as-
sim, por mais que defendemos a Escola Pública como lócus primordial

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para a formação do sujeito em sociedade, temos que entender que ela
sozinha não é capaz de assistir o ser humano em sua integralidade, até
mesmo porque as relações sociais – logo, políticas e educacionais – ocor-
rem em todos os momentos, aspectos e dimensões coletivas.
Por fim, é possível analisar pontualmente a relevância da Pedagogia
da Hospitalidade nas práticas educativas não escolares frente à relação
explicadoras-alunos numa classe de Reforço Escolar.
Ao narrar, a educadora constrói a gradação11 “Muitos chegam aqui
desanimados, achando que não conseguem aprender. No início, aos poucos,
nós vamos nos aproximando e ganhando a confiança deles. Vamos construin-
do um diálogo. Eles percebem que estão abertos para falar das suas dificul-
dades, dos seus sentimentos e do que querem falar e estudar”, expressando
a dimensão da ética da proximidade, a primeira etapa do acolhimento,
fundamental para o convívio humano e para aprendizagem, porque
a proximidade é essencial nas relações educativas, pois proporcionará
a descoberta do “outro” e de nós mesmos, porque a subjetividade de
cada indivíduo se forma a partir da alteridade.
Mais adiante, a profissional usa a metáfora “A gente tenta abrir as
portas e o coração pra eles”, transmitindo a intenção que as educadoras
têm em hospedar as crianças, ficando dispostas a constituir relaciona-
mentos, cujas alteridades serão verdadeiramente aceitas, atravessando
as suas vidas profissionais e pessoais, posto que “tratar alguém como
hóspede significa que aceitamos recebê-lo nos nossos domínios, na
nossa casa, colocando à sua disposição o melhor do que somos e do
que possuímos” (BAPTISTA, 2005, p. 49).
Ainda, com a metáfora “nós ficamos de braços abertos pra eles” seguida
da hipérbole “somos muito amáveis e cordiais para eles se sentirem seguros”,
a profissional da educação exterioriza relações sociais permeadas na
cortesia, no aspecto de uma receptividade hospitaleira que possibilita o

11.  Figura retórica que representa uma sequência de termos em ordem crescente, seja por
extensão dos significantes, seja pela importância dos significados.

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bem viver, o encontro fraterno e recíproco. A “cortesia corresponde a
um sinal de hospitalidade, de capacidade de acolhimento, em relação a
outros modos de ser e de fazer” (BAPTISTA, 2005, p. 48).
Por fim, a educadora concebe a gradação “Porque tem criança que diz
que nunca vai aprender, que são burras e que nunca vai ficar inteligentes. E nós
provamos que ninguém é incapaz! Que todo mundo pode evoluir” trazendo
os desafios didático-pedagógicos que as explicadoras encontram ao re-
ceberem os educandos que estão ali para “receber um reforço escolar”.
Sendo agentes que valorizam a sociabilidade e mediam conflitos a partir
da experiência da hospitalidade em busca de construir uma proximidade
essencial para a base de relações sociais mais favoráveis à aprendizagem
das crianças, a narrativa da explicadora aponta para a crença incondicional
na educabilidade. Esse princípio fundamental da ética da ação pedagógica
considera que os sujeitos estão inseridos na condição humana de per-
fectibilidade e na educabilidade, sendo, necessariamente, seres educáveis e
habilitados ao autoaperfeiçoamento. De acordo Baptista (2005, p. 77), “a
crença na educabilidade deverá assentar numa visão positiva da alterida-
de”, pois “o outro é alguém igualmente vocacionado para a aprendiza-
gem permanente”, inexistindo discentes não educáveis.
Portanto, após a análise das narrativas da educadora, da caracteri-
zação de como se constroem as relações interpessoais numa classe de
Reforço Escolar e das articulações realizadas com os princípios da PH,
concluiremos com algumas considerações e inferências relevantes.

Considerações finais
Esta pesquisa abordou a relevância das narrativas para as investigações
de cunho qualitativo no campo da Educação, apresentando seu perío-
do de consolidação, legitimidade e expansão acadêmica. Consideran-
do a perspectiva de investigação-formação e da formação ao longo da
vida, as narrativas – à medida que colocam as pessoas como agentes
das suas próprias histórias – são ferramentas potentes que retratam as
experiências de vida dos indivíduos e das suas particularidades.

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Nessa esfera, valorizando as profissionais que atuam nos espaços não
escolares – nesse caso, no Reforço Escolar –, problematizou-se o termo
“explicadoras”, com a finalidade de desconstruir a imagem depreciativa
sobre essas educadoras. Afirmou-se que o Reforço Escolar não é contra
à instituição escolar, sendo um local de formação complementar. E, se
tratando de ações educativas, sociais e políticas – com o intuito de pro-
mover transformações na realidade, na autonomia e na emancipação dos
sujeitos –, esse espaço de encontro humano poderá usufruir da Pedago-
gia Social, ou de alguma proposta sociopedagógica com base nessa Teo-
ria Geral da Educação, como a Pedagogia da Hospitalidade (PH), para a
construção de relações interpessoais mais democráticas e acolhedoras.
Sendo assim, defendendo a pertinência e apresentando os princi-
pais conceitos da PH – associada à “Pedagogia da Indignação” (FREIRE,
2000) –, analisou-se o modo como um grupo de profissionais de uma
unidade de Reforço Escolar organiza as práticas didáticas e as relações
sociais para atender as necessidades dos educandos oriundos da peri-
feria de São Gonçalo-RJ diante das dificuldades encontradas em seus
processos de ensino-aprendizagem.
Nessa conjuntura, foi possível inferir que a análise retórico-filosófi-
ca do discurso evidenciou que o trabalho educativo das professoras do
Reforço Escolar vai além das demandas da Escola, possuindo maior ma-
leabilidade para cuidar das carências dos alunos. As profissionais criam
estratégias didático-pedagógicas a partir de planos próprios de ensino,
sendo essa proposta diferenciada daquela da escola: não se limitando,
mas permanecendo vinculada aos conteúdos programáticos. Nesse ce-
nário, as educadoras vão no sentido oposto da educação escolar, estão
“na contramão” do currículo tradicional, apesar de suas incumbências
direcionadas aos problemas na aprendizagem das “matérias escolares”.
As professoras mediam atividades mais lúdicas e dialogam com
as realidades dos discentes das camadas empobrecidas: mudam a for-
ma de trabalhar, trazem o contexto e os atravessamentos cotidianos
para formular questões, construindo saberes, reflexões e criticidade

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coletivamente. As situações sociais que afetam negativamente a for-
mação das crianças tornam-se elementos valiosos para a compreensão
dos exercícios, das suas vidas e histórias.
Enfim, a Pedagogia da Hospitalidade revelou-se propícia nesse es-
paço socioeducativo não escolar, cujos conceitos e princípios foram
evidenciados ao passo que existia um caráter da ética da proximidade
entre educadoras e educandos, que a hospitalidade e a cortesia se ma-
nifestavam junto à crença incondicional na educabilidade. Portanto, o
paradigma de Baptista (2005) ostentou viabilidade para construção de
laços sociais e propostas socioeducacionais nesta localidade ignorada e
marginalizada pelo Poder Público.

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AS VIOLÊNCIAS PRATICADAS EM CORPOS
FEMININOS EMPOBRECIDOS: ESTUDOS
DE CASOS A PARTIR DO ACERVO DIGITAL
DO GRUPO DE ESTUDOS, PESQUISA E
EXTENSÃO FORA DA SALA DE AULA
Ariel Pimenta Baptista Teixeira
Lucas Salgueiro Lopes

Introdução
Este capítulo pretende analisar casos de violências de gênero contra
mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica e apresen-
tar como essas ações eram divulgadas por meio de publicações em
jornais da época investigada (década de 1980). Diante disso, visa-se
demonstrar a viabilidade da utilização do “Acervo do Estágio Inter-
no Complementar”1 (AEIC) do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão
(GEPE) Fora da Sala de Aula na elaboração de pesquisas e práticas no
campo da educação não escolar pautadas em processos de indignação e
emancipação – inspirados na leitura de Freire (2000).
Utilizando como fonte principal fragmentos do jornal “O São Gon-
çalo”, o período delimitado para o desenvolvimento do presente texto
data os anos 1980 e 1989, portanto, uma fase de transição política e
histórica entre o fim da Ditadura Civil-Militar brasileira e o início da

1.  Disponível em: https://estagiocomplementar.wixsite.com/socioeducacao. Acesso em: 20


abr. 2022.

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chamada “Nova República”. Esse momento também é caracterizado
por uma conjuntura em que não existiam leis específicas que ampara-
vam mulheres – prejudicando, sobretudo, as que estavam em situação
de fragilidade socioeconômica – vítimas das violências.
Segundo Cunha (2016), essas violências acabam se tornando enrai-
zadas no cotidiano de forma que a sociedade perde, progressivamente,
a amplitude desse fenômeno, tornando essa uma herança cultural que
deixa profundas marcas sociais. Desse modo, podemos compreender
que essas violências de gênero agem de modo a romper com a inte-
gridade da vítima, seja de maneira moral, física, psicológica, etc. To-
davia, para além das questões de gênero, vê-se que essa dimensão das
violências se potencializa, ainda mais, diante das precariedades sociais
(cf. BUTLER, 2018) designadas historicamente.
Nesse contexto, a redemocratização política no Brasil possibili-
tou que as mulheres tivessem mais liberdade reivindicativa, gerando
conquistas políticas e sociais, como a própria Delegacia de Mulheres,
criada em 1985. Entretanto, quanto mais à margem da sociedade, me-
nos se tem acesso às políticas públicas. Isso é demonstrado quando no
mesmo período que lutas feministas conseguem mais possibilidades
de escolhas para algumas mulheres, outras, mais periféricas, conti-
nuam subalternizadas, violentadas e com seus lugares de fala negados
por homens. Como Santos (2020) pontua, a existência dessas mulhe-
res é um espaço de constantes disputas.
Já o Acervo do Estágio Interno Complementar, como veremos na
sequência do trabalho, é um banco de dados elaborado a partir das
atividades extensionistas do GEPE Fora da Sala de Aula, visando agre-
gar com a formação de educadores, estudantes e/ou pesquisadores
atuantes em São Gonçalo (ou em municípios vizinhos). Essa formação
se daria a partir da introdução desses indivíduos nas realidades sociais
e educacionais existentes no Leste Fluminense. Tais ações pressupõem
a necessidade atual de trazer para a formação docente uma crescen-
te utilização da tecnologia nos processos de ensino-aprendizagem, tal

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como a intencionalidade de democratizar e tornar público “para além
dos muros” da universidade os resultados dessas pesquisas de cunho
exploratório.
Assim, com base no conteúdo do AEIC e a partir do estudo de caso
de quatro ocorrências de violências com mulheres presentes nesse,
analisaremos o material sob à luz de referências do campo de estudos
das violências – como Bourdieu (1989; 2020) e Galtung (1969; 2016)
– e, mais especificamente, das violências ligadas às questões de gêne-
ro – Butler (2003; 2018), Cunha (2016), Saffioti (2015), entre outras. A
seguir, aprofundaremos teoricamente esses dois recortes.

Os estudos sobre violências (e sua importância para a Edu-


cação)
Como podemos educar sob um pano de fundo social marcado pelas
violências? É possível haver educação – sobretudo, visando a uma
transformação social – numa conjuntura em que situações de violên-
cias são negligenciadas? A intenção aqui não é responder tais questões,
mas causar uma reflexão acerca delas. Todavia, podemos situar um
norte que este texto segue: acreditamos que a primeira atitude para
qualquer finalidade educativa emancipadora (especialmente nas atuais
situações de margem brasileiras) passa pelo combate prévio às situa-
ções violentas. Pessoas que sofrem violências têm urgências, como
romper um ciclo de agressões, sair da marginalidade e/ou acabar com
a invisibilização de suas dores. Uma pessoa nessa condição precisa de
uma resolução antes de um educador pensar em qualquer outra finali-
dade educativa que a envolva.
Essa resolução, ao menos por parte de quem atua em práticas edu-
cativas (escolares ou não escolares), poderia nascer de dois esforços
iniciais: 1) compreender (e indignar-se) com a proliferação de violências;
2) ser propulsor de uma Educação para a paz, em que as violências deixam
de ser naturalizadas e reproduzidas, e suas existências são reconhecidas de
maneira a objetivar-se uma eliminação dessas. Por limitações do nosso

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recorte específico neste artigo, o foco do texto será em torno do pri-
meiro esforço, buscando um entendimento mais embasado desse fe-
nômeno – tentando gerar uma “indignação ativa” frente ao objeto ago-
ra conhecido.
De antemão, para uma melhor compreensão do fenômeno das vio-
lências, é necessário que situemos esse, no mínimo, a partir de dois
recortes: o temporal e o espacial. Isso significa dizer que ao tentarmos
assimilar a “violência” como algo estático, dado, quase naturalizado,
ficamos, cada vez mais, longe do seu real entendimento. Tal situação
ocorre, pois, esse fenômeno, da forma que vislumbramos atualmente,
carrega um sentido “moderno”, que possui uma significação apenas
no contexto em que está inserido. Isto é, a violência – tratada aqui não
como conceito, mas como representação (cf. MISSE, 2016) – precisa
ser apontada sempre a partir de um viés histórico e social específico.
Pensando em nosso enfoque aqui – as violências de gênero – po-
deríamos lembrar que determinadas ações, reconhecidas atualmen-
te como violentas contra a mulher (como o abuso sexual) já foram
praticadas de maneira cotidiana e impune em nosso próprio territó-
rio noutras épocas. Da mesma forma, mesmo atualmente, o que é re-
presentado como violento por uma determinada população, de certo
grupo social, pode não ser entendido assim por outro (como o caso
dos direitos civis das mulheres no Brasil em comparação com um país
do Oriente Médio, como o Afeganistão2, por exemplo).

2.  Algumas reportagens bastante atuais (e preocupantes) reiteram tal afirmação. Recente-
mente, o Talibã – grupo fundamentalista islâmico que retomou o poder político do Afeganis-
tão em 2021 – decretou a obrigatoriedade do uso da burca de corpo inteiro para as mulheres
do país. Segundo o decreto, caso alguma mulher descumpra a ordem, seu pai (ou parente
masculino mais próximo) pode ser preso ou demitido de cargos no governo. O grupo tam-
bém recuou nos últimos tempos com a promessa de permitir que meninas pudessem fre-
quentar a escola. Além de tudo isso, há denúncias por parte de defensoras dos direitos das
mulheres que apontam para uma perseguição às mulheres ativistas no Afeganistão. Relatos
ainda evidenciam o impedimento de diversas mulheres para entrar nos prédios universitários
que estudam ou em seus trabalhos. Essas informações estão disponíveis, respectivamente,
em: https://www.dw.com/pt-br/talib%C3%A3-reintroduz-apartheid-de-g%C3%AAnero-na-

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Consequentemente, outro comportamento que pode nos afastar
do entendimento integral do fenômeno da violência é reduzir esse
apenas a uma de suas esferas: a agressão física. Claro que é gravíssima
a forte presença de violências físicas em nossa sociedade; pensando
no caso das mulheres, mais ainda, é com urgência que saltam aos nos-
sos olhos problemas sociais enraizados em nossa estrutura, como os
casos de feminicídio, agressões domésticas, estupros e, outros tantos,
que afetam diretamente o corpo da vítima. No entanto, seria pouco
imaginar que existe violência apenas nessa situação. Nesse caso, onde
ficariam as mulheres que recebem salários mais baixos que os homens
desempenhando trabalhos da mesma função? Como poderíamos di-
mensionar os efeitos gerados pela vivência feminina numa sociedade
reconhecidamente patriarcal e machista?
Para tanto, reiteramos que existem violências, não mais entendidas
num redutor singular. Desse jeito, poderíamos então utilizar as cate-
gorias propostas por Galtung (1969; 2016) para melhor compreender
essa diferença. Para esse sociólogo, as violências se manifestariam de
três formas: 1) violência direta, aquela que é visível, e seria a de mais
fácil reconhecimento no senso comum, se caracterizando como a
agressão física frontal ao outro, podendo ser percebida por expressões
como a morte e as mutilações, por exemplo; 2) violência estrutural, de
tipo indireto, menos visível, estando presente em algumas estruturas
sociais e tendo como sinônimo mais próximo à injustiça social. Segun-
do Galtung (2016), essa manifestação violenta não deixa apenas mar-
cas físicas, mas também na mente e no espírito das pessoas, podendo
ser encontrada principalmente a partir da exploração e do poder de-
sigual; 3) violência cultural, considerada como uma “continuação” da
violência estrutural, sendo de tipo simbólico e relativa a determinados
aspectos da cultura que podem ser utilizados para legitimação das

-sociedade-afeg%C3%A3/a-61749759; https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-17/
os-talibas-comecaram-a-ir-de-casa-em-casa-a-procura-das-mulheres-ativistas-denuncia-humi-
ra-saqib.html. Acesso em: 25 mai. 2022.

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violências diretas/estruturais (cf. GALTUNG, 2016, p. 149) – como
pode ser materializado na ideologia dominante, na arte, nos meios de
comunicação, na linguagem, etc.
Se esses três tipos de violência delimitados por Galtung funcionam
para nós como um filtro mais geral, cabe ressaltarmos ainda que as
violências não se apresentam de maneira “universal” para todos os in-
divíduos de uma dada sociedade. Independente da esfera que pensar-
mos, são naquelas e naqueles considerados em situação marginal num
determinado contexto social que as manifestações violentas atingem
intensidade e recorrência mais altas. Ao pensarmos em “marginalida-
de”, aqui entendida num viés mais antropológico, como visto a partir
da leitura de Cabral (2000, p. 874), essa passa a ser concebida como
uma condição de pessoas, espaços, objetos, práticas e significados
que possuem a similaridade de serem menos legitimadas a partir das
disputas sociais no entorno do poder simbólico – como as mulheres
numa sociedade estruturalmente machista, como a nossa.
Tal condição pode ser confirmada pelos estudos de Bourdieu acer-
ca do poder e da violência. Para esse autor, o poder simbólico se apre-
sentaria de maneira “invisível” na sociedade, de forma que seriam
exercidos a partir da cumplicidade dos indivíduos que não querem sa-
ber que lhe estão sujeitos (ou que o exercem diretamente). Assim, o
poder simbólico em dado contexto social seria estruturado e estrutu-
rante, servindo como “instrumento de dominação” de classes. Como
dito, “os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de ins-
trumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contri-
buem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violên-
cia simbólica)” (BOURDIEU, 1989, p. 11).
Uma das formas em que essa violência simbólica se manifestaria,
para Bourdieu (2020), seria através de uma dominação masculina, per-
petuada na sociedade e manifestando-se por meio de diversas desi-
gualdades de gênero. O maior agravante dessa dominação, entendi-
da como uma expressão simbólica, seria justamente a já mencionada

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característica de invisibilidade. Isso ocorre em razão da capacidade
desse poder de se introjetar no pensamento de homens e mulheres
(que passa a ser configurado por intermédio de uma lógica de oposi-
ções), portanto, de se manifestar de maneira naturalizada, legitimada.
Sobre as especificidades dessas expressões violentas direcionadas con-
tra as mulheres discutiremos melhor no tópico a seguir.

Violências contra as mulheres


Existem assuntos na sociedade que ainda são classificados como “de
menor importância” na hora de se produzir um debate; as violências
contra as mulheres ainda é um deles. Como Safiotti (2015) aborda, a
violência tem seu ciclo – em específico a doméstica –, e ela não está
apenas no físico, mas também na mente. Ou melhor, esse simbolismo
da figura do homem como “todo-poderoso” traz o inconformismo, a
perseguição, e a importunação que caminham muitas vezes para um
feminicídio.
A violência doméstica não é a única, haja visto que a violência de
tipo urbana também atinge mulheres, porém, em número bem me-
nor, já que os espaços públicos são majoritariamente masculinos. Em
contrapartida, as mulheres costumam ser mais reclusas (“do lar”) e
por isso, mais expostas à violência doméstica. Inclusive, em diversas
pesquisas esse tipo de violência fica em foco e aparece mais por conta
da “prisão” que o domicílio ou os ciclos familiares acabam podendo
gerar (cf. SAFFIOTI, 2015).
Saffioti destaca ainda que, ao falar de violência doméstica, geral-
mente se pensa em apenas um modelo de violência familiar e pou-
co como violência de gênero. O uso do plural utilizado neste tópico
(e que será explicado melhor mais a frente), expõe que mulheres so-
frem esses efeitos de maneira variada ao longo do tempo e espaço de
inserção. O gênero entra nesse sentido, já que agrupamentos sociais
constroem imagens específicas para o masculino e o feminino, e sua
função a partir disso (cf. SAFFIOTI. 2015).

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Desse jeito, assim como outros fenômenos sociais, o patriarcado
está em constante comutação. Ele constitui uma estrutura de poder
que dá sinais em diversos espaços na sociedade, hierarquizando rela-
ções, seja no trabalho, em casa ou no ambiente familiar. Esse papel do
homem no mundo coloca a violência de forma naturalizada, isto por-
que ela é enraizada, histórica e construída (cf. HAYECK, 2009).
Nesse sentido, demonstrações de poder por meio da força estão
ligadas ao comportamento masculino há décadas, e nessa relação de
exploração-dominação, o corpo feminino acaba entrando como um
objeto. Entretanto, quando se fala desse poderio exercido pela figura
masculina, podemos ir além de uma força propriamente física. A esca-
la de violência no corpo feminino pode ser vista em forma de ameaças
ou de um comportamento que pode romper as “integridades: física(s),
psicológica(s), sexual, moral” (SAFFIOTI, 2015, p. 50).
Inclusive, as duas últimas características têm relação direta com
métodos de controle do comportamento social. Essa manipulação do
corpo e de suas vontades subalterniza mulheres e as conduz a um pa-
pel social “milimetricamente” planejado para elas (feito também em
relação aos homens, como dito anteriormente, mas sem existir ne-
nhum privilégio). O controle sexual, por exemplo, é um dos aponta-
mentos principais do patriarcado, visto que isso garante uma fidelida-
de dessa mulher – principalmente ao se tornar esposa. Pensando nisso,

A violência doméstica ocorre numa relação afetiva cuja ruptura deman-


da, via de regra, intervenção externa. Raramente uma mulher consegue
desvincular-se de um homem violento sem auxílio externo. Até que este
ocorra, descreve uma trajetória oscilante, com movimentos de saída da
relação e de retorno a ela (SAFFIOTI, 2015, p. 84).

Além disso, se torna evidente que esse ciclo de violências também


ultrapassa qualquer limite social. Nessa perspectiva, classe e cor ja-
mais seriam espaços neutros, claro. Mulheres ricas e pobres sofrem

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violências, sejam brancas ou pretas. Contudo, são evidentes as dife-
renças entre essas indivíduas e as formas de violências exercidas sobre
suas vidas (SAFFIOTI, 2015). Ademais, outros ordenamentos de po-
der podem entrar em cena nesse debate, sobretudo, ao se pensar nas
estruturas que existem nos privilégios que não são comuns a todos.
Por isso, as culpas que as mulheres violentadas levam, por exemplo,
são evidenciadas em qualquer classe. No entanto, para além do gêne-
ro – que também se encontra nos tijolos que compõem a sociedade
–, é necessário pensar nos privilégios de classe. Assim como exem-
plificado mais a frente nas análises de casos de violências contra mu-
lheres, as empobrecidas sofrem mais com a subalternização de seus
corpos – muitas vezes por não ter consciência que sofreu ou sofre um
tipo de violação.

O AEIC como fonte de pesquisa das violências contra as mu-


lheres no Leste Fluminense
O Acervo do Estágio Interno Complementar (AEIC) é um espaço vir-
tual de aprendizado voltado à formação de educadoras e educadores
de São Gonçalo-RJ e regiões adjacentes. Nele, encontram-se os resul-
tados de pesquisas – interligadas ao GEPE Fora da Sala de Aula – de-
senvolvidas desde 2017, onde se compilam materiais provenientes de
reportagens de jornais (utilizando o recurso temporal de 1930 aos dias
atuais) que tratem sobre as práticas socioeducativas destinadas às ca-
madas empobrecidas do Leste Fluminense e seus demais temas corre-
latos. Entre os jornais pesquisados pelo projeto estão: Império de Notí-
cias; O Fluminense; O São Gonçalo; Página Gonçalense.
No presente capítulo, utilizaremos especificamente análises d’O
São Gonçalo, que pode ser considerado o principal veículo de notícias
sobre São Gonçalo, atualmente. Esse periódico foi fundado em 1931
pelo jornalista Belarmino de Mattos (1891-1970), sendo atualmente
administrado pela “Fundação Universo”, empresa pertencente à famí-
lia Salgado de Oliveira. Essa família, com grande atuação na política

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brasileira, além do jornal, é proprietária também da Universidade
Salgado de Oliveira (UNIVERSO) e de outros meios de comunicação
(como estações de rádio e emissoras de TV). O jornal, com grande
amplitude em todo o município, possui nas plataformas de notícias
online e redes sociais números bastante consideráveis: por exemplo, no
Facebook, o veículo conta com mais de 250 mil seguidores em sua pági-
na, ao passo que no Instagram são mais de 45 mil pessoas.
Como possibilidades de uso do repositório, visamos demonstrar,
aqui, a viabilidade desse no desenvolvimento de pesquisas e práticas
educativas. Assim, para além de uma formação docente continuada –
como objetivado pelo grupo ao criar o Acervo inicialmente –, o AEIC
permite ainda uma visão social e histórica, mais abrangentes sobre o
território ao qual nos propusemos a atuar. Então, sendo no desenvol-
vimento de novas pesquisas ou na elaboração de práticas socioedu-
cativas, o acervo nos oferece a possibilidade de melhor compreensão
das estruturas sociais e dos sistemas simbólicos constituídos no espaço
gonçalense. Vejamos alguns dos exemplos encontrados no repositó-
rio que podem nos auxiliar na compreensão do objeto de investigação
deste texto.

Análise de exemplos de casos de violência encontrados no


Acervo
A utilização de notícias do jornal “O São Gonçalo” tiradas da década de
1980 são eficientes para demonstrar o quanto as violências contra a
mulher são ações de conhecimento público há décadas. Um dos pon-
tos centrais dos casos evidenciados é o fator econômico e social dessas
mulheres que sofreram. Como pessoas menos privilegiadas em poder
social, só são ensinadas a ceder, várias vezes, por conta de toda a ima-
gem de passividade que consiste na caracterização do ser mulher (SAF-
FIOTI, 2015, p. 46, grifo do autor).
Da mesma forma, o ser homem é comumente relacionado com
força e maior poder, fazendo com que não se aceite nada que tire ou

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desvie esse privilégio. Assim, o imaginário de que “o homem não fa-
lha, ou melhor, não tem o direito de falhar numa situação como figu-
rada, já que representa a força, quase a perfeição” (SAFFIOTI, 2015,
p. 38), só mostra que o machismo presente nessa estrutura patriar-
cal afeta não somente a mulher, mas também, o homem. Um exem-
plo que existe para explicar os geradores de violências sobre esses, é
o caso de homens que ficam sem ter como sustentar suas famílias e
partilham o sentimento de impotência, de culpa. Além desse, existem
outros estopins que possuem relação direta com o “medo” de perder
esse poder gerador de privilégios. Utilizam-se, aqui, exemplos claros
de reportagens que mostram o quanto é nociva essa predominância
do sistema patriarcal para a sociedade como um todo.
No entanto, antes, é necessário lembrar que nesse período, mesmo
com o avanço de lutas feministas, não existia nenhum tipo de lei de
amparo às mulheres, muito menos em situação de fragilidade socioe-
conômica. Assim, pensar as violências de gênero sentidas por mulhe-
res, em suma, em regiões abandonadas pelo Estado, é concluir que o
empobrecimento leva ao esquecimento desse fenômeno. Por isso, o
resgate de jornais da época, visto que eles servem para servir e fazer
pensar essa sociedade.
Um dos primeiros casos (imagem 1) se trata de uma doméstica que
deu entrada no Pronto Socorro (PS) por um trauma em sua mão, feito
por seu vizinho, à base de golpes de madeira. A história conta que ela
foi agredida por tentar defender sua mãe da mesma forma de agres-
são, ou seja, o acusado iria de qualquer forma cometer tal ação em
uma mulher. O episódio foi cometido no bairro de Jardim Catarina,
comunidade bastante populosa do município de São Gonçalo. A do-
méstica também contou não saber a causa daquela abordagem do ho-
mem, mas parentes da vítima disseram que não era a primeira vez que
ele fazia esse tipo de violência. Ao que tudo indica, ele era conhecido
por praticar atos violentos contra outras mulheres e até crianças, mas
não existiam registros de ocorrência sobre.

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Imagem 1 – “Doméstica leva pauladas ao defender
sua nora”. Fonte: Jornal O São Gonçalo.

Na notícia não se sabe a idade de “Niltinho” – o acusado –, mas


tendo em vista toda a narrativa se pode concluir que não se carece de
motivos tão específicos para explicar tal fato. Essa violência de tipo
física é apenas um dos casos que podem ser encontrados nas notícias
do mesmo ano. Inclusive, no segundo caso (imagem 2) se encontra o
episódio, novamente, de uma doméstica agredida, só que dessa vez
grávida e tendo sofrido agressões de seu companheiro. O caso se pas-
sou no bairro do Colubandê, onde a mulher foi atacada a base de so-
cos, pontapés e golpes de madeira em sua própria residência. A briga
teve origem no bebê que ela estava esperando, visto que o acusado
não queria que esse indivíduo nascesse, mas a vítima teria contestado
o homem. Mais uma vez, essa não foi a primeira vez; a doméstica
desabafou sobre essa realidade de ameaças e discussões por parte do
seu “amante”.

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Imagem 2 – “Grávida apanha do marido”. Fonte: Jornal O São Gonçalo.

Isso ilustra o quanto esses casos não eram apenas isolados, mas
antecedidos por ameaças, agressões e outras formas de violência.
Além disso, existiam outros recortes em que existiam dois tipos de
atentados contra a vida juntos: assaltos e o uso da força. No tercei-
ro caso (imagem 3), por exemplo, dois homens “curram” (violentam
sexualmente) uma mulher. A princípio, a situação era um assalto a
mão armada destinado tanto a ela quanto ao namorado, mas a moça
levou a pior – duas vezes. Os dois homens que cometeram o crime
espancaram e torturaram a jovem de apenas 20 anos. Levando em
consideração o recorte, se pode afirmar o quanto o modelo social
machista afeta violentamente essa mulher. Além de sofrer com o as-
salto, sofreu com a agressão que, novamente, não teve motivo espe-
cífico aparente.

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Imagem 3 – “Dois curraram moça na frente do
namorado”. Fonte: Jornal O São Gonçalo.

Desse modo, mais uma vez, não carece de motivações para a ação
violenta. Mas, uma coisa chama bastante atenção (além do episódio
de violência “gratuita”): a escolha do jornal em colocar em destaque
que o ato foi cometido “na presença” do namorado da vítima, como
se o crime fosse mais absurdo por ter sido feito em frente a outro ho-
mem. Encontram-se respostas para essa ação nas lógicas de poder já
mencionados neste capítulo, em que a figura masculina tende a de-
monstrar sua força diante o corpo de uma mulher, como se essa vio-
lência aumentasse a imagem desse imaginário masculino social.
Contudo, não são apenas agressões de modalidade física que se no-
tam nesses jornais, mas de nível moral também. Esse machismo explí-
cito de maneira mais sútil é um dos que as mulheres têm mais contato
no dia a dia. Um exemplo é o caso 4 (imagem 4) onde aparece na notícia
que guardas se mostraram contrários a atuação de mulheres no trân-
sito por acreditarem que essas não seriam respeitadas, apesar da farda
da polícia. Claro que essas mulheres que fariam parte da Polícia Militar
Feminina se mostraram divididas, afinal, nos anos 1980, o movimento
feminista não abraçava todas as causas – o que, inclusive, ocorre ainda
hoje. Muitas acreditavam que realmente não seriam respeitadas pois
segundo elas “nem mesmo os policias são respeitados”. No geral, a dú-
vida da capacidade de um corpo feminino em exercer serviços naturali-
zados para os homens é vista na “raiz” da sociedade.

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Imagem 4 – “Guardas são contra mulher no trânsito”. Fonte: Jornal O São Gonçalo.

Considerações finais
Passadas as análises de casos de violências contra mulheres em nos-
so recorte selecionado, esperamos (e cremos) que um dos objetivos
principais deste trabalho foi atingido: causar indignação. Isso, claro,
não vem da surpresa da existência de ações como essas, visto sua re-
gularidade, ainda hoje, mas, especialmente, pela naturalidade com
que esses casos são tratados nos meios de comunicação. Ao tratar tais
incidências violentas contra mulheres de maneira meramente infor-
mativa, quase banal, se deixa de lado a capacidade de se compreender
verdadeiramente o funcionamento do fenômeno da violência. Con-
sequentemente, indignar-se com isso não serve como reação última,
mas como uma possível maneira de estabelecer novas atitudes como
educadoras e educadores – ou qualquer que seja nossa área de atuação
–, atitudes que visem à transformação de uma estrutura perversa.
Desse jeito, podemos inferir, a partir dos exemplos trazidos, al-
guns aspectos relevantes acerca das violências contra mulheres – so-
bretudo, aquelas marginalizadas e/ou economicamente vulnerabi-
lizadas. Em primeiro lugar, vemos que apesar do imenso número
de casos violentos diretos contra o corpo das mulheres, essa não

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é a única forma dessas serem afetadas. É um contexto de violência
estrutural produzido por uma sociedade patriarcal, por sinal, que
gera uma série de desigualdades no grupo de mulheres que, além
de mulheres, são pobres.
Como segundo aspecto importante, vale destacar que é também a
partir de uma corriqueira violência cultural, encontrada inclusive nos
discursos produzidos por diversos veículos de comunicação, que outros
tipos de violências passam a ser “legitimadas”, naturalizadas no senso
comum e nas representações criadas pelos grupos que as consomem.
Por fim, vemos que, independentemente do tipo de ambiente em que
a violência contra a mulher ocorra, doméstico ou urbano, seus efeitos
são sentidos cotidianamente naquelas que lutam por uma vida digna,
com a garantia de direitos basilares para a existência humana.
Assim, vemos que pensar em violência de gênero contra mulheres
e estudar sobre essa temática é não deixar que casos como os ilustra-
dos permaneçam na obscuridade. Sabemos que lutas femininas e/ou
sociais são necessárias, mas políticas públicas de aprimoramento de
leis de amparo para esses corpos e mentes afetadas é uma responsabi-
lidade política. A carência de profissionais habilitados verdadeiramen-
te para o atendimento dessa mulher que sofreu (e sofre) violências,
seja ela de qual tipo for, ainda é gritante. Por isso, trazemos aqui auto-
res que nos fazem refletir o quanto o caminho para corpos em vulne-
rabilidade socioeconômica é mais difícil. Isso se dá tanto no reconhe-
cimento da violência em si, quanto nos percalços para denunciar casos
violentos em Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher – ou em
outros dispositivos com a mesma função de amparo.
Para concluir, conseguimos a partir deste capítulo vislumbrar os
grandes potenciais que a utilização do “Acervo do Estágio Interno
Complementar”, que vem sendo construído pelo GEPE Fora da Sala de
Aula nos últimos anos, possui para o desenvolvimento de novas práti-
cas e pesquisas voltadas a essas temáticas. Obviamente, este texto não
esgota as possibilidades do repositório; mais do que isso, desejamos

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que ele possa ter servido de inspiração para o desenvolvimento de no-
vas pesquisas a partir desses dados, que ainda carecem de análises mais
aprofundadas sob as mais diversas perspectivas epistemológicas. As-
sim, entendemos que é apenas buscando um verdadeiro olhar crítico,
indignado e embasado acerca das mazelas do passado que podemos
construir processos educativos emancipatórios. Que essa busca não
termine aqui.

Referências
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sil, 2020.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989.
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria
performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CABRAL, João de Pina. A difusão do limiar: margens, hegemonias e contradições.
Análise Social, Lisboa, v. 34, n. 153, p. 865-892, 2000.
CUNHA, Maria Luciana. A Percepção Social da Violência Contra a Mulher – Es-
tudo aplicado de um instrumento de pesquisa. São Paulo: USP, 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos, São
Paulo: Editora UNESP, 2000.
GALTUNG, Johan. Violence, Peace and Peace Research. Journal of Peace Resear-
ch, Noruega, v. 6, n. 3, p. 167-191, 1969.
GALTUNG, Johan. La violencia: cultural, estructural y directa. Cuadernos de estra-
tégia. Espanha, n. 183, p. 147-168, 2016.
HAYECK, Cynara Marques. Refletindo sobre a violência. Revista Brasileira de His-
tória & Ciências Sociais, v. 1, n. 1, 2009. Disponível em: https://periodicos.furg.br/
rbhcs/article/view/10353. Acesso em: 1 jul. 2021.
MISSE, Michel. Violência e Teoria Social. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e
Controle Social, v. 9, n. 1, p. 45-63, 2016.
SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado, Violência. 2. ed. São Paulo: Expressão
Popular – Fundação Perseu Abramo, 2015.

Pedagogia Social • 239

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SANTOS, Carolina da Silva. A Violência Doméstica Vivenciada no Espaço Geo-
gráfico pelo Corpo Feminino: Uma Análise sobre o Movimento de Mulheres em
São Gonçalo. Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero, v. 11, n. 1, p. 60-
76, 2020.

240 • Pedagogia Social

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A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
DO VOLUNTARIADO LASSALISTA
EM UMA COMUNIDADE
EMPOBRECIDA EM NITERÓI-RJ
Thiago Simão Dias
Antonio José de Lucena de Romão Júnior

Introdução
Este capítulo é um recorte de uma pesquisa em andamento – de-
senvolvida no Curso de Mestrado em Educação do Programa de
Pós-Graduação em Processos Formativos e Desigualdades Sociais
(PPGedu) da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – e seu objetivo é discutir a
constituição do processo formativo identitário dos voluntários, como
educadores sociais, vinculados a uma Instituição de Ensino Superior
Confessional (IESC), que atuam em uma comunidade empobrecida
de Niterói-RJ.
Inicialmente, compreenderemos o que são as Instituições Con-
fessionais de Ensino (ICE), abordando como se compõe a sua pro-
posta pedagógica, objetivando analisar o processo formativo dos
estudantes universitários que atuam como voluntários em projetos
sociais voltados às populações empobrecidas. Refletiremos sobre o
percurso formativo desses profissionais, entendendo a identidade
institucional confessional vinculada a uma política extensionista de-
rivada da Responsabilidade Social (RS) da instituição, observando a

Pedagogia Social • 241

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eficácia educativa nas ações de voluntariado universitário. Concei-
tuaremos o voluntário e discorreremos sobre o seu exercício como
ator social.
Em seguida, abordar-se-á, brevemente, a Pedagogia Social como
uma Teoria Geral de Educação que propõe intervenções sociope-
dagógicas a favor das transformações na realidade cotidiana dos
indivíduos que se encontram marginalizados socialmente. Será de-
notada sua definição, apresentando-se os seus conceitos básicos, a
diferenciação entre Educação Social e Pedagogia Social, exibindo
uma síntese sobre sua origem e relevância histórica no Brasil. Nes-
sa perspectiva, faremos articulações com as contribuições de Pau-
lo Freire (1982; 2000; 2016a; 2016b; 2019) e suas ideias-força indis-
pensáveis de “indignação” e “emancipação” para a mobilização do
voluntariado e dos seres humanos oprimidos diante das injustiças
do mundo.
Dentro disso, será trabalhada a Pedagogia da Convivência, campo
teórico e prático proposto por Jares (2008) – entendida como uma fer-
ramenta da Pedagogia Social –, posta como um possível viés para se
atuar com os grupos encontrados em vulnerabilidade social. Dar-se-á
ênfase à relevância desta concepção sociopedagógica ao serviço do vo-
luntariado através da discussão de 3 conceitos (ou ideias) centrais: a
convivência, o conflito e a Educação para a Paz. Essa proposta contribui
para os percursos formativos e práticas educativas destes universitá-
rios que realizam trabalhos voluntários, que almejam uma sociedade
pautada nos princípios democráticos e na justiça social.
Por fim, será trabalhada a teoria das constituições das identidades
socioprofissionais, em Claude Dubar (2005; 2009), explanando: seu ca-
ráter dinâmico e social; o conceito e os tipos de identidades que for-
jam a imagem dos sujeitos; e a importância da alteridade (a relação
“eu-outro”) no processo de negociação identitária dos voluntários que
exercem as funções de educadores sociais.

242 • Pedagogia Social

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As Instituições de Ensino Superior Confessionais (IESC) e o
serviço voluntário
Ao discutirmos a identidade institucional lassalista, mais especifica-
mente, como ela contribui para o desenvolvimento do processo for-
mativo do voluntariado, precisamos compreender o que é considerada
uma Instituição Confessional (IC). Denominam-se Instituições Educa-
tivas Confessionais (IEC) aquelas que adotam uma filosofia político-
-religiosa na sua metodologia de ensino. Nesse contexto, vamos dire-
cionar o nosso “foco analítico” para uma política institucional ligada a
uma gama de valores e princípios que emanam da filosofia cristã.
Para assimilarmos a identidade lassalista, é necessário realizarmos
um “caminho identitário” dentro do “universo relacional” das Institui-
ções de Ensino Superior Confessionais Católicas (IESCC), entendendo
a sua identidade e a sua missão, expressas pela constituição apostólica
EX CORDE ECCLESIAE1, documento escrito pelo Papa João Paulo II,
lançado em 1990, que orienta acerca das universidades ligadas à Igreja
Católica Apostólica Romana.

[12]. Toda a Universidade Católica, enquanto Universidade, é uma comu-


nidadeacadémica que, dum modo rigoroso e crítico, contribui para a de-
fesa e desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural
mediante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às co-
munidades locais, nacionais e internacionais. [14] Ela goza daquela auto-
nomia institucional que é necessária para cumprir as suas funções com
eficácia, e garante aos seus membros a liberdade académica na salvaguar-
da dos direitos do indivíduo e da comunidade no âmbito das exigências
da verdade e do bem comum. (2000, p. 5, grifo do autor).

Podemos observar que as IESCC em seu “fazer” devem prezar


pelo desenvolvimento da dignidade humana como princípio basilar de

1.  Documento Eclesiástico promulgado pelo Líder da Igreja Católica Apostólica Romana.

Pedagogia Social • 243

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atuação. Nesse sentido, para compreendermos como se organiza uma
instituição lassalista de ensino superior, apresentaremos a sua estrutu-
ra organizacional.
A Rede La Salle, no Brasil, compreende 45 comunidades educativas, 5
(cinco) dentre estas são Instituições de Educação Superior (IES), estando
a Rede vinculada à Província2 La Salle Brasil-Chile (2014), formada pelos
países: Brasil, Chile e Moçambique. Cada Instituição Lassalista deve or-
ganizar suas atividades de maneira independente, porém precisam seguir
as orientações e indicativos da Província, como uma proposta educativa
que serve de base para os seus projetos e atividades pedagógicas.
Sendo assim, o Projeto Educativo Regional Lassalista Latino-Ame-
ricano (PERLA), serve como um “guia”, ou seja, um referencial para a
Missão Educativa Lassalista na América Latina. É interessante para este
trabalho, e para a constituição do nosso “caminho identitário”, obser-
var o Capítulo 2 intitulado “Urgências Educativas”, mais especificamen-
te, o subtópico que dispõe sobre a democratização do conhecimento.

Inovar e impulsionar as práticas da pedagogia lassalista para sistematizá-las,


revisá-las criticamente, construir conhecimento a partir delas e torná-las
conhecidas. Da mesma forma, apoiar as experiências de fronteira para que
prossigam respondendo à atualização de nosso carisma e ao espírito de as-
sociação para o serviço educativo aos pobres. (PERLA, 2011, p. 14).

Para compreendermos a missão educativa lassalista e o voluntaria-


do em sua identidade profissional como educador social como parte
de uma política institucional, analisaremos a linha de ação que dispõe
sobre o “Desenvolvimento de espaços e programas educativos for-
mais e não formais para que as comunidades excluídas melhorem suas
condições de vida e sejam sujeitos de seu próprio destino”3.

2.  O termo “Província”, neste caso específico, é referente a uma estrutura organizacional.
3. Ibidem.

244 • Pedagogia Social

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Em sua práxis educativa, as Instituições Lassalistas de Ensino (ILE)
prezam pelo pilar estruturante que perpassa todo o seu “fazer edu-
cacional”, a tríade: fé, fraternidade e serviço. Aqui, podemos observar
o caráter confessional da instituição, mas cabe, especificamente, des-
tacar o “serviço”, de forma mais objetiva: o “serviço aos pobres por
meio da educação”, como princípio sociopedagógico.
A fim de contextualizar a prática educativa e parte da identidade de
La Salle, precisamos estar atentos ao contexto histórico em que esta
congregação religiosa se formou. João Batista de La Salle foi um pa-
dre católico que nasceu na cidade de Reims, na França, em 1651, e
dedicou a sua vida à formação de professores que se devotariam à edu-
cação de “meninos pobres”. Partindo dessa “herança metodológica”,
o irmão de La Salle4 entende que o seu carisma5 é o serviço educa-
tivo aos “pobres”, sendo sua principal “missão” educar as populações
empobrecidas através das suas obras caritativas, orientação intrínseca
às ações dos voluntariados. Frente a isso, o compromisso educativo
lassalista passa a ser uma Responsabilidade Social (RS), pois, segundo
Menegat e Sarmento (2018, p. 47):

Diante dos princípios e do ideário educativo que regem a ação dos Ir-
mãos das Escolas Cristãs, as Instituições de Ensino Superior Lassalistas
são chamadas a assumirem como eixo balizador ações que articulem e
consolidem a Responsabilidade Social (RS) à tríplice missão universitária
do Ensino, da Pesquisa e da Extensão.

Fazendo o “movimento de trazer para a realidade” do Ensino Su-


perior no Brasil, observando que dentro deste “eixo balizador” que
dispõe sobre as ações que consolidam a RS, podemos compreen-
der que o carisma lassalista de “serviço educativo aos pobres” foi se

4.  Leigo que, se devotado à congregação católica irmãos de La Salle, assume como missão a
educação das populações empobrecidas.
5.  Um dom de Deus, no caso lassalista, define a identidade institucional.

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“modernizando” ao longo do tempo e se configurando em uma ideia
de Responsabilidade Social, que se “mescla” com a estrutura da Edu-
cação Superior no Brasil.
Com isso, realizaremos um recorte específico da Extensão Univer-
sitária, com o intuito de analisar como o voluntariado se organiza den-
tro da realidade de uma IESC e como esta prática surgiu como ativi-
dade extensionista educativa. Segundo o Plano Nacional de Extensão
Universitária (2001, p. 4):

A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comu-


nidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de ela-
boração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Uni-
versidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido
à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que
estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá
como consequências a produção do conhecimento resultante do con-
fronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhe-
cimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação
da Universidade.

A Extensão Universitária tem como princípio o elo entre Academia


e Comunidade, objetivando aplicar os conhecimentos teóricos adqui-
ridos em “sala de aula” na sociedade, a fim de gerar transformações
significativas em um movimento de “mão dupla” entre universitários
e sociedade, segundo a Política Nacional de Extensão Universitária
(2012). Sob essa égide, caminhamos para o nosso objetivo central, fi-
nalizando o nosso “caminho identitário” sobre o voluntariado em Ins-
tituições Ensino Superior Confessionais (IESC).
No espaço universitário lassalista, temos o Setor da Pastoralidade
responsável por articular entre os alunos as ações de cunho solidário,
implementando o “carisma” da instituição nos projetos e afazeres, cui-
dando da identidade institucional (individual e social dos indivíduos) e

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remontando o “carisma original” de serviço educativo aos pobres, que
no Ensino Superior ganha caráter extensionista, traduzindo-se em uma
parte importante do “fazer institucional”, compondo a RS da IESC.
Remontando este processo e situando o voluntariado dentro da
identidade lassalista, vinculado a uma atividade de extensão que está
intimamente ligada à RS da IES e a um processo de formação huma-
no-social dos alunos, podemos observar que, para o Centro Universi-
tário La Salle Rio de Janeiro (UniLaSalle Rio), como uma Instituição
Confessional de Ensino (ICE), trabalhar com a dimensão caritativa faz
parte fundante da sua identidade e do seu “fazer educativo”.
As IES lassalistas entendem as atividades de voluntariado estudantil
como parte integrante da extensão universitária, pois conecta os alu-
nos com a sociedade, fazendo com que os mesmos vivenciem “fora
da sala de aula” atividades de cunho solidário que serão fundamentais
para o seu desenvolvimento humano e profissional, através da “troca”
de saberes entre alunos e sociedade.
No UniLaSalle Rio, local onde são analisadas as práticas formati-
vas que orientam o voluntariado universitário, as ações solidárias são
realizadas na Comunidade do Pé Pequeno, localizada no município
de Niterói-RJ. O município tem uma área territorial de 133,757 km²
(2021), seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é
de 0,837 (2010), possuindo uma população estimada em 516.981 pes-
soas (em 2021). A taxa de escolarização de 6 a 14 anos (2010) era de
97%, contendo 228 escolas atendendo o Ensino Fundamental (2020) e
os estabelecimentos de Ensino Médio (2020) num total de 95 escolas6.
Nesse cenário, dentro da lógica extensionista, é imprescindível
conceituarmos o voluntariado e descrevermos qual é a sua prática
enquanto ator social. Conforme Bonfim (2010, p. 9), o “voluntaria-
do passa a representar, entre outras coisas, o exercício da cidadania,

6.  Dados disponíveis em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/niteroi/panorama. Acesso


em: 16 abr. 2022.

Pedagogia Social • 247

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a responsabilidade da ‘sociedade civil’ brasileira pelo bem comum, a
opção por ações imediatas e pragmáticas no que se refere ao enfrenta-
mento dos chamados ‘problemas sociais’”.
Ora, se o voluntariado parte do pressuposto da responsabilidade
da sociedade civil como expressão de uma cidadania ativa, logo, po-
demos compreender o seu papel formativo enquanto prática voltada
à justiça social e aos Direitos Humanos. Esse movimento educativo
que parte do voluntariado promove mudanças na percepção do mun-
do que permeia o indivíduo que se voluntaria, trazendo consigo um
caráter afetivo no campo da atuação voluntária. Estabelecendo laços
que vão além das atividades práticas, o voluntário pode se emancipar,
passando a ter uma consciência crítica acerca dos problemas sociais
que atingem a população em vulnerabilidade social.
O voluntariado começa a tornar algo que era distante – visto ape-
nas por documentários e reportagens, por números e gráficos – em algo
próximo, que emociona, que comove e cria vida através das relações so-
ciais. Conhecer as pessoas, conviver em seus espaços, faz com que as
ações solidárias gerem afeto, transformando o que, anteriormente, era
só verbalizado, em ações e vivências concretas; dando identidade, rosto
e individualidade para uma população marginalizada dentro de uma so-
ciedade excludente, baseada em consumo7 e status social8.
Visto que o diálogo com a comunidade e os projetos solidários são
ferramentas para a construção de uma sociedade mais democrática,
compreendemos os voluntários como atores sociais que realizam
ações socioeducativas em espaços não escolares, orientados a partir
de projetos que desejam diminuir as desigualdades sociais e impactar,
significativamente, na transformação da realidade socioeconômica e
político-social em nosso país.

7.  Teoria do geógrafo Milton Santos (2007), que trabalha a relação do capital com a aquisição
de direitos.
8.  Teoria do autor Thomas Humphrey Marshall (1967), que trabalha o conceito de status
social vinculado à aquisição de direitos.

248 • Pedagogia Social

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Nessa esfera socioeducacional, destacamos que a identidade do
profissional do voluntariado está intimamente articulada com as suas
ações humanitárias e que se insere de modo magistral no campo teó-
rico-prático da Pedagogia Social, bem como está em consonância com
uma das suas vertentes: a Pedagogia da Convivência.

Pedagogia Social (PS), “indignação”, “emancipação” e Peda-


gogia da Convivência (PC)
Podemos, a partir dos estudos do educador alemão Hans-Uwe Otto
(2011), situar o surgimento da Pedagogia Social (PS) na Europa, onde,
nas últimas décadas do século XIX e início do século XX, passou a ser
implantada, de forma mais organizada, na Alemanha, sendo lá “o pri-
meiro país a elaborar este conceito e discuti-lo” (MACHADO; PAIVA;
MÜLLER, 2019, p. 58). Com o intuito de atender as necessidades mais
imediatas provindas dos sujeitos em situação de vulnerabilidade so-
cial e os problemas socioeconômicos que afetam negativamente esta
população, esse campo teórico-prático fundamenta-se em um prisma
pedagógico para promover ações deveras concretas diante das maze-
las que atravessam as camadas empobrecidas.
Nessa compreensão, a Pedagogia Social tem por finalidade impul-
sionar a transformação da realidade social e a melhoria das condições
de vida das pessoas em estado de degradação humana, uma vez que,
em virtude do seu olhar crítico acerca do mundo, ela age “através da
ação socioeducativa orientada a sujeitos e grupos em risco, provocar
mudanças nas pessoas e na sociedade” (CALIMAN, 2010. p. 349). Isso
posto, consideramos que a:

Pedagogia Social baseia-se na crença de que é possível decisivamente in-


fluenciar circunstâncias sociais por meio da Educação. Assim, a Pedago-
gia Social começa com esforços em confrontar pedagogicamente aflições
sociais na teoria e na prática (OTTO, 2011, p. 31).

Pedagogia Social • 249

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Tendo o educador e filósofo alemão Paul Natorp (1854-1924) como
um dos primeiros teóricos a utilizar a terminologia “Pedagogia Social”
no final do século XIX (cf. FERREIRA, 2018, p. 32), durante o século XX,
esse campo de estudos passou a se expandir nos continentes africano e
americano. No Brasil, Paulo Freire e sua “Educação Popular” são im-
portantes para o desenvolvimento das práticas e da fundamentação des-
sa concepção socioeducativa, apesar do patrono da educação brasileira
não se respaldar diretamente na expressão “Pedagogia Social”.
Atualmente, em nosso país, há ainda diversos debates acadêmicos
acerca da construção da epistemologia da Pedagogia Social. Todavia, Pau-
lo Freire (2019) e sua práxis (ação-reflexão) político-educativa – já trazendo
as ideias basilares da Pedagogia Social em seus trabalhos com as popula-
ções marginalizadas econômica e socialmente – contribuíram para nossas
elucubrações, porquanto, mesmo “sem pensar nessa terminologia, con-
cretiza suas principais reflexões a partir de suas práticas e conceitos sobre a
educação das classes em vulnerabilidade social em todo o país” (FERREI-
RA, 2018, p. 34). De acordo com Moacir Gadotti (2012):

[...] Paulo Freire (1967) pode ser considerado um grande inspirador da


Pedagogia Social mesmo sem ter usado esse termo em seus escritos. Para
ele, a pedagogia social caracteriza-se como um projeto de transformação
política e social visando ao fim da exclusão e da desigualdade, voltada,
portanto, para as classes populares (p. 26).

A partir das contribuições de Paulo Freire (1982; 2000; 2016a; 2016b;


2019) e da sua educação emancipatória, em associação aos pressupos-
tos da Pedagogia Social, a formação do voluntariado para a prática edu-
cativa não escolar aproxima diferentes realidades, exercendo um papel
fundamental para a construção da consciência político-social e para a
democratização do conhecimento, trabalhando de forma crítica, radical
e libertadora, com o objetivo de problematizar as relações de desigual-
dade postas em nossa sociedade para sua real transformação.

250 • Pedagogia Social

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Essa educação que defendemos direciona-se à indignação dos indi-
víduos, para estimular suas posturas políticas diante das agruras, das
opressões e dos problemas sociais. Fazemos apologia às lutas esperan-
çosas permeadas na justa ira perante “as injustiças, os abusos, as extor-
sões, os ganhos ilícitos, os tráficos de influência, o uso do cargo para a
satisfação de interesses pessoais” (FREIRE, 2016b, p. 16).
É necessário que a educação seja um caminho que emancipe os
indivíduos esfarrapados do mundo, dentro de um processo de indig-
nação e resistência, dando subsídios para analisar de forma crítica a so-
ciedade e as transgressões éticas impostas pelos opressores. O volunta-
riado aparece como uma atividade extensionista e força motriz capaz
de promover, em comunhão com os sujeitos flagelados, a superação
de situações desumanizadoras.

A consciência do mundo engendra a consciência de mim e dos outros no


mundo e com o mundo. É atuando no mundo que nós fazemos. Por isso
mesmo é na inserção no mundo e não na adaptação a ele que nos torna-
mos seres históricos e éticos, capazes de optar, de decidir, de romper. A
postura crítica da consciência é tão importante na luta política em defesa
da seriedade no trato da coisa pública quanto na apreensão da substanti-
vidade do objeto no processo de conhecer. (grifo do autor)9.

O voluntariado – em busca da transformação social pelo movi-


mento da práxis da indignação à emancipação – considera o educando
como agente do processo educativo, entendendo o mesmo como um
sujeito inserido em uma realidade social própria, fazendo com que os
alunos dos projetos sociais tenham contato com outras culturas, ou-
tros saberes e outras realidades, desenvolvendo o senso analítico in-
fluenciando na construção de uma postura crítica, ligada a uma cons-
ciência de classe.

9.  Idem, 2000. p. 41.

Pedagogia Social • 251

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As ideias de Freire, em consonância com a Pedagogia Social, cons-
tituem um caminho para uma sociedade mais justa e fraterna, pois
enaltecem a emancipação tanto dos educandos (a população em vul-
nerabilidade social que participa das ações sociais educativas), quanto
dos voluntários que atuam como educadores sociais, impactando dire-
tamente na sua formação humano-profissional.
Após verificarmos a relevância do exercício do voluntariado, alicer-
çado nos princípios de Paulo Freire e da Pedagogia Social, salienta-
mos que esta última sempre existiu, haja vista que as sociedades aca-
bam excluindo determinadas parcelas da população e, por essa razão,
a atividade dos educadores sociais ocorrem em prol de diminuir as
desigualdades sociais. Não obstante, no Brasil, são recentes a área de
pesquisa e a sistematização do campo da Pedagogia Social, que não é
sinônimo de Educação Social.
O conceito de Educação Social está vinculado à prática da Pedago-
gia Social. Entretanto, mesmo relacionados, “estamos falando de con-
ceitos diferenciados e que se constituíram e se constituem de acordo
com o contexto sócio-histórico onde surgiram” (MACHADO; PAIVA;
MÜLLER, 2019, p. 58).
A Educação Social é a efetivação das ações sociopedagógicas rea-
lizadas pelos educadores sociais que buscam intervir na realidade dos
indivíduos que, historicamente, tiveram seus direitos negados, para
que eles possam alcançar suas emancipações e autonomias sociais, po-
líticas e econômicas.

[...] a finalidade da educação social é ajudar a compreender a realidade so-


cial e humana, melhorar a qualidade de vida, por meio do compromisso
com os processos de libertação e de transformação social nas quais vivem
ou sofrem as pessoas. (SOUZA NETO, 2010, p. 32).

A Pedagogia Social, por sua vez, é o embasamento científico para a


concretização das intervenções sociopedagógicas em comunhão com

252 • Pedagogia Social

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as populações empobrecidas em proveito de combater os problemas
sociais que as atingem. Portanto, a Pedagogia Social é organizada e
tem seus mecanismos educativos de mediação definidos para projetar
percursos viáveis que objetivam atender as demandas e favorecer mu-
danças significativas nas realidades dos sujeitos pertencentes às cama-
das empobrecidas.
A partir dela, surgiram algumas vertentes com a intenção de ins-
trumentalizar as práticas (didáticas) socioeducativas implementadas
pelos educadores sociais (no nosso estudo, o voluntariado), como no
caso da Pedagogia da Convivência (2008) – e da Educação para a Paz
(2002) – de Xesús R. Jares (2002; 2008).
A Pedagogia da Convivência (PC) é uma proposta sociopeda-
gógica teórico-prática, estruturada nos Direitos Humanos, que se
apresenta como uma ferramenta da Pedagogia Social valorizando
a convivência democrática diante da alteridade, forjando ações
concretas com o intuito de organizar os ambientes educativos.
Esse campo de ação-reflexão-ação busca realizar intervenções nas
realidades socioeducativas com o objetivo de impulsionar os pro-
cessos formativos (de ensino-aprendizagem) em proveito da mate-
rialização de condições favoráveis à promoção de transformações
dignas nas vidas dos indivíduos em estado de vulnerabilidade, para
que eles possam se emancipar econômica, política, educacional e
socialmente.
Nesse entendimento, ao pensarmos a construção dos processos
sociais e educativos, “a Pedagogia da Convivência é uma das possibi-
lidades de organização das práticas socioeducativas construídas nos es-
paços não escolares” (FERREIRA, 2018, p. 47). Considerando a impor-
tância da PC para o serviço do voluntariado universitário, podemos
pôr em evidência três conceitos basilares ou ideias (cf. SILVA, 2019)
que contribuem para a formação e ação dos educadores sociais que
exercem a função de voluntários para e com os sujeitos empobrecidos:
a convivência, o conflito e a Educação para a Paz.

Pedagogia Social • 253

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Transpondo o ato de apenas manter relações sociais, de estar pre-
sente com os demais cidadãos em nossos cotidianos, o significado de
convivência está vinculado à construção coletiva – por intermédio de
acordos e diálogos – em prol de convivermos de forma mais huma-
na, estabelecendo relações democráticas entre os indivíduos dentro de
seus grupos sociais.

Conviver significa viver uns com os outros com base em certas rela-
ções sociais e códigos valorativos, forçosamente sujeitos, no marco de
um determinado contexto social. Estes polos que marcam o tipo de
convivência estão potencialmente cruzados por relações de conflito, o
que de modo algum ameaça a convivência. Conflito e convivência são
duas realidades sociais inerentes a toda forma de vida em sociedade
( JARES, 2008, p. 25).

Conviver, nesse caso, parte da ideia de mantermos relações demo-


cráticas, mas o autor entende que as interações sociais estão condi-
cionadas ao conflito, estando este inerente às relações humanas e afe-
tando os processos educativos. Precisamos de outra percepção social,
um novo olhar acerca do caráter negativo, normalmente associado ao
conflito, não podendo ser vinculado a um imaginário de agressão. De-
vemos ressignificar o conflito e entendermos este de forma positiva,
respeitando as divergências e tendo como base a promoção da Justiça
Social e dos Direitos Humanos, como base reguladora e fundamental
para a promoção da paz.
Desvencilhando-se da visão tradicional de conflito – assimilado
como “combate”, “briga”, ou alguma circunstância indesejável de
caráter hostil –, não interpretamos, a partir da Jares (2002), o confli-
to como violência, que, portanto, necessitaria ser evitado ou elimi-
nado. Nessa ótica, enxergamos o conflito como um processo inevi-
tável e natural, de origens e intensidades múltiplas, que, apesar de
desafiador, deve ser encarado como algo potencialmente positivo.

254 • Pedagogia Social

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[...] entendemos por conflito um tipo de situação, na qual as pessoas ou
os grupos sociais buscam ou percebem metas opostas, afirmam valores
antagônicos ou têm interesses divergentes. Ou seja, o conflito é essencial-
mente um fenômeno de incompatibilidade, de choque de interesses entre
pessoas ou grupos, e faz referência tanto às questões estruturais como as
mais pessoais.10

Dessa forma, temos como alicerce da PC o respeito, que está in-


trinsecamente conectado aos pressupostos: da solidariedade social, da
não violência, do valor à vida e da dignidade humana. Dentro disso,
Jares (2008) demonstra um caminho de não violência, desconstruindo
a ideia negativa de conflito que permeia o senso comum, propondo
diálogos que valorizem as diferentes opiniões e que, principalmente,
respeitem os direitos individuais e coletivos.
Entender a importância da convivência e desse novo ponto de vista
sobre o conflito para a construção de uma cultura da paz, que tem
como bases sólidas a democracia e a garantia de direitos, se torna mui-
to valioso para compreendermos o seu papel no desenvolvimento das
atividades de voluntariado, concebendo como as mesmas contribuem
para o processo formativo do estudante.
Diante disso, a Educação para Paz (EP) não significa abstração de
conflitos, e sim, uma fundação da paz para a garantia dos Direitos Hu-
manos, da convivência democrática e da efetivação dos nossos deveres
enquanto cidadãos. Trata-se de uma propositura amparada no valor
à vida, em elementos como: a solidariedade, a autonomia, o compro-
misso (pessoal e social). A Paz contrapõe-se à violência e busca afastar-
-se de posturas etnocêntricas, discriminatórias e de intolerância. Essas
premissas tendem a diminuir os atos de agressividade e viabilizam a
compreensão e aceitação da alteridade.

10.  Idem, 2002. p. 135.

Pedagogia Social • 255

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Concebemos a EP [Educação para Paz] como processo educativo, contí-
nuo e permanente (...) que, pela aplicação de métodos problematizantes,
pretende desenvolver um novo tipo de cultura, a cultura da paz, que ajude
as pessoas a entender criticamente a realidade, desigual, violenta, complexa
e conflituosa, para poder ter uma atitude e uma ação diante dela”11.

A EP nos convida a refletir (e operar) sobre uma educação para a


não violência, para a solidariedade e dignidade que possam “sensibili-
zar os estudantes na defesa dos princípios democráticos e dos direitos
humanos de 1948, ainda tão desrespeitados” (FERREIRA; MACHA-
DO, 2019, p. 150).
Uma EP se faz fundamental ao pensarmos em um processo for-
mativo para o voluntariado, permitindo o contato com a alteridade,
partindo de um processo que trabalha com o “choque cultural”, trans-
formando aquilo que é diferente – que circunda o imaginário do senso
comum, e cria barreiras invisíveis e inalcançáveis – em algo próximo e
conhecido, que pode ser problematizado e mudado.
Com base na PC, especificamente na Educação para a Paz, o volunta-
riado utiliza seus conceitos na produção de uma educação dialógica, não
ocultando o conflito, mas preparando os alunos da educação superior
para o contato com diversas realidades socioeconômicas e culturais que
são diferentes do grupo social em que estão habituados a conviver.
Enfim, essa nova ótica acerca do conflito, que parte do princípio da
não vinculação do mesmo a um problema (no sentido danoso), ser-
ve para os educadores sociais como um forte aliado na construção de
uma Educação para a Paz, uma vez que, se entendermos o conflito
pelo seu lado crítico, poderemos conhecer a sua natureza pedagógica
e a sua importância para o voluntariado. Assimilando a convivência e
o conflito para Jares (2002; 2008), percorremos um caminho plausível
para compreendermos uma Educação para a Paz.

11.  Idem, 2007. p. 44-45.

256 • Pedagogia Social

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Sendo assim, podemos enxergar o voluntariado como uma prática
não escolar que tem em seu núcleo o objetivo de humanizar e aproxi-
mar realidades diversas, criando “pontes” para uma pedagogia crítica
e emancipatória. O exercício de se colocar no lugar do “outro” é uma
importante condição que sustenta a educação através da solidariedade
e da empatia, porque tende a romper barreiras físicas, geográficas ou
sociais, levando o voluntário a pensar em problemáticas que afetam a
realidade que o circunda, sensibilizando-o para a defesa dos direitos da
população em vulnerabilidade social.
Aliás, esse papel social desempenhado e as relações vivenciadas
com a alteridade são fatores que impactam na construção das identi-
dades sociais e profissionais do voluntariado, como veremos a seguir.

A construção identitária na perspectiva sociológica de Claude


Dubar
Podemos conceber a noção de identidade mediante variados paradig-
mas epistemológicos, conforme a intencionalidade do pesquisador e
diante do objeto de estudo que se pretende investigar. Nesse sentido,
ao trabalharmos as identidades socioprofissionais de voluntariados
que atuam enquanto educadores sociais, preconizamos a concepção
de Claude Dubar (2005; 2009), na qual a constituição das identidades
está atrelada: às dinâmicas de cada espaço-tempo vivenciado, às rela-
ções sociais cultivadas pelos sujeitos (dentro e fora dos ambientes pro-
fissionais); e ao permanente processo de mudanças dessas identidades.
A compreensão da construção identitária (dos sujeitos e grupos),
no enfoque desse autor, exige um estudo dos fenômenos sociais vistos
em suas especificidades, uma vez que as identidades são decorrentes
das relações sociais e não devem ser postas de modo estático (inalte-
radas), muito menos definidas prévia ou unilateralmente (pelo sujeito
ou pelo grupo onde está inserido), mas sim, caracterizadas por suas
constantes ressignificações resultantes das interações interpessoais
dentro dos grupos de pertença social.

Pedagogia Social • 257

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Assim, essa teoria se recusa compreender as identidades de manei-
ra estipulada e acabada (pronta), defendendo que as formas de iden-
tificação estão permeadas nas historicidades dos grupos sociais e nas
particularidades das vidas dos seus membros. Basicamente, esse sis-
tema é composto por dois modos de identificação: a identificação re-
querida pelo próprio sujeito (“identidade para si”) e as identificações
projetadas pelos outros (“identidades para outrem”) (cf. DUBAR, 2009).
Esse processo é organizado por uma dialética que promove desdo-
bramentos – (re)ajustes e aproximações, ou aumento das divergências
– entre o “eu” identificado pelo “outro”, e o “eu” que busca se enqua-
drar dentro dos valores do grupo para realizar a manutenção da sua
permanência e assegurar um sentimento de pertencimento grupal.
Nessa perspectiva, as constituições das identidades socioprofissio-
nais se desenvolvem imbricadas nas relações sociais forjadas nas singu-
laridades dos grupos, cujos indivíduos, em constante interação, esta-
belecem construções identitárias conjuntas, recíprocas e incessantes.
Com base nisso, o cerne da teoria de Dubar (2005) está na associação
destes mecanismos de identificação social:

Denominamos atos de atribuição os que visam definir “que tipo de ho-


mem (ou de mulher) você é”, ou seja, a identidade para o outro; atos de
pertencimento os que exprimem “que tipo de homem (ou mulher) você
quer ser, ou seja, a identidade para si”. (p. 137, grifo do autor).

Não existe, necessariamente, uma semelhança (ou harmonia) entre


a “identidade para si” e as identidades “atribuídas pelos outros” (grupos
ou pessoas). Por ser um ser social, o sujeito está atravessado pelo jogo
da “dualidade identitária”, tendo as identidades “para si” e “para o ou-
tro” como inseparáveis e, consequentemente, sendo conflituosas.

As atribuições percebidas pelo sujeito nos levam a saber como ele está
negociando com elas, como ele vai reagir a elas, como ele as lê e as

258 • Pedagogia Social

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interpreta. O indivíduo pode recusar as atribuições sem ter consciência
de que está recusando; por exemplo, ele pode recusar uma atribuição
fazendo de conta que está aceitando-a. O sujeito não muda se ele não
quiser; ele é o protagonista, a identidade é dele. (ALFONSI; PLACCO,
2013, p. 66).

O indivíduo, no decorrer do processo de atribuições e pertenci-


mentos, poderá aceitar ou abdicar as identidades que lhe são confe-
ridas, sendo possível haver convergências (ou não) da identificação do
sujeito (de “si mesmo”) diante das identificações externas. Isso, pois,
são nas interações cotidianas e nas atividades socioprofissionais que os
sujeitos serão identificados pelos “outros”, precisando reiterar (incor-
porar) ou contradizer (negar) as diversas identificações provenientes
daqueles com quem convivem e das instituições onde são membros.
Em vista disso, as identidades profissionais representam as identi-
ficações que pessoas possuem dentro do campo de emprego (área de
atuação), perante aos trabalhos que executam (suas funções). Partin-
do da abordagem sociológica acerca dos estudos das identidades de-
senvolvidos por Dubar (2005, p. 136):

[...] a identidade nada mais é que o resultado a um só tempo estável e provisó-


rio, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos
processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem
as instituições. (grifo do autor).

A identidade socioprofissional, logo, pode ser definida como o re-


conhecimento do sujeito em seu contexto social por intermédio: (a)
das funções que exerce no seu espaço profissional; (b) das relações so-
ciais que mantém; (c) das suas formações (de vida pessoal e para o tra-
balho). Trata-se da noção e do sentimento de pertença pelos quais os
grupos sociais enquadram os sujeitos em determinadas posições, tare-
fas e categorias, estando o âmago do processo identitário em estreita

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ligação com a dualidade social, cujo indivíduo constitui a sua própria
imagem (“identidade para si”), ao passo que o grupo social manifesta-
rá a forma como o reconhece (“identidade para o outro”), definindo-se,
dessa forma, o seu perfil identitário.
Além disso, a construção da identidade abrange um processo que
implica antes mesmo do indivíduo ingressar no espaço profissional,
perpassando suas atitudes presentes e considerando as condições so-
ciais futuras que almeja alcançar. Diante disso, insere-se a “identidade
herdada” (referente àquilo que o indivíduo apresenta de carga históri-
ca – que traz em sua trajetória de formação pessoal e acadêmica); e a
“identidade futura” (seus desejos e planos para conquistar os objetivos
que imagina realizar futuramente).
Assim sendo, o campo social que constitui a negociação das iden-
tidades socioprofissionais é composto por quatro formas de identifi-
cação (as identidades “para si”, “para o outro”, “herdada” e “futura”)
que afetam as ações individuais e coletivas dos sujeitos nas institui-
ções sociais. A negociação identitária socioprofissional do volunta-
riado estará inserida no processo básico de atribuição e pertença,
que se concretiza por meio de “estratégias identitárias”, colocando-
-se essas últimas como mecanismos para reduzir a distância entre a
“identidade para si” e as “identidades para outrem”, procurando ma-
terializar a aderência e a permanência dos sujeitos nos seus grupos
sociais e ambientes de trabalho.
As identidades dos voluntariados são marcadas pelas relações so-
ciais mantidas no decurso das trajetórias de experiências nos campos
de formação desses profissionais e a alteridade se apresenta como
componente essencial que integra a relação “eu-outro”, dado que ela
leva o indivíduo a se constituir para o grupo social e para si próprio.
As experiências em contato sociocultural com “outrem” impulsionam
– além da formação identitária do “eu” para comigo mesmo – a cons-
trução da identidade voltada aos anseios de participação social e solidi-
ficação de um sentimento de pertencimento grupal.

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As identificações e as diferenciações, provindas da relação de alteridade,
são realizadas a partir das distintas categorias (significados, valores, cren-
ças, representações) que os sujeitos carregam em si da experiência dos
“outros” no grupo social e, que o mesmo utiliza como parâmetro de seu
processo identitário pessoal e social. (FERREIRA, 2019, p. 51).

As relações sociais e os afetos produzidos na interação do “eu” com


o “outro” no processo de negociação identitária são indissociáveis,
porque todo contato social se dá na comunicação com a alteridade
(com o outro “diferente”, com o outro “distinto”), instituindo-se uma
permanente correspondência entre os sujeitos. Por conseguinte, “for-
mas identitárias são inseparáveis das relações sociais que são também
formas de alteridade’’. Não há Identidade sem Alteridade, portanto,
sem relações entre o mesmo e o outro” (DUBAR, 2009, p. 73-74). Sob
essa interpretação:

[...] Dubar postula que não existe identidade sem alteridade, ou seja, o
indivíduo se constitui a partir do olhar do outro, em um determinado
tempo e contexto. A identidade se constitui pela negociação que o indi-
víduo vai fazer com as atribuições sociais, em um movimento dialético.
Por meio das suas experiências com o outro e com o seu contexto social,
profissional e familiar, ele se modifica e, consequentemente, a sua identi-
dade é também modificada. (ALFONSI; PLACCO, 2013, p. 64).

Dessarte, a relação forjada entre o “eu” e o “outro” não terá im-


portância nem sentido à medida que o seu intuito for dar fim às dife-
renças, isto é, tentar causar a exclusão de “outrem”. Essa relação está
fundamentada na maneira como os sujeitos procuram se organizar e
se adaptar (alterar ou não suas atitudes e particularidades identitárias)
para gerar coerências (diante de consensos e dissensos) nas relações
sociais com a finalidade de conciliar interesses comuns para e com os
participantes do grupo.

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Por isso, a relação com a alteridade opera como elemento substan-
cial na construção das identidades socioprofissionais dos voluntaria-
dos, à proporção que nas interações interpessoais os sujeitos se reco-
nhecem e se fazem seres sociais.

Considerações finais
Neste percurso, vimos que o voluntariado se configura em uma ativi-
dade extensionista com o potencial de contribuir para emancipação de
diferentes grupos sociais, construindo, com os indivíduos empobreci-
dos, análises críticas diante das relações desiguais vivenciadas diaria-
mente em nossa sociedade. Em seu processo formativo, o estudante
universitário faz o exercício empático de colocar-se à serviço do “ou-
tro”, experienciando outras realidades que, muitas vezes, estão distan-
tes do seu imaginário e do seu círculo social.
Como educador social atuante nas comunidades marginalizadas,
o discente de graduação aprende e apreende habilidades e competên-
cias que podem servir de ferramenta para, com participação ativa das
pessoas oprimidas, se emanciparem, problematizando a realizada me-
diante suas consciências críticas sobre as mais variadas formas de ex-
clusão: social, política, econômica, cultural e educacional. Nessa con-
juntura, o papel do educador social é oportunizar transformações no
mundo, não aceitando violações de Direitos Humanos, assim, prezar
pela justiça social é parte da cultura e da identidade do voluntariado.
Em virtude disso, compreendemos a Pedagogia da Convivência
como um campo sociopedagógico que tem fundamental importân-
cia na constituição formativa do voluntário, pois auxilia nas práticas
das suas ações pedagógicas. O voluntariado pode ser um agente social
para a construção de uma Educação para a Paz, uma vez que trabalha
em suas práticas educativas baseando-se no convívio mediante outra
concepção sobre o conflito, não o atrelando à violência, constituin-
do um importante “pilar” das suas ações. A luta por uma sociedade
mais plural, democrática e fraterna, combatendo violações de direitos

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humanos, é tarefa do voluntário que trabalha enquanto educador so-
cial, pois educação é um ato político.
A construção identitária do voluntariado, por fim, está vinculada:
às trajetórias de vida (de experiências) dos educadores sociais (“iden-
tidade herdada”); aos projetos pessoais e profissionais que almejam
alcançar (“identidade futura”); e, principalmente, às relações que, co-
tidianamente, forjam com os indivíduos vilipendiados pela sociedade
e pelo Poder Público (que ignoram esses sujeitos e suas humanidades,
enquanto cidadãos de direitos). Essas relações sociais explicitam as
demandas oriundas das camadas empobrecidas e às diferentes formas
cujo grupo voluntariado irá exercer seu papel profissional para dar
conta das urgências trazidas pelos pobres, que passam a serem suas
incumbências.
Portanto, a negociação identitária do grupo insere-se no processo
de atribuições e pertenças (aquilo manifestado como demanda social
e aquilo que o grupo se propõe – ou não – a fazer para atender esta
população segregada nos mais diversos sentidos). Então, o grupo irá
se identificar a partir das suas ações sociais (“identidade para si”) e, tam-
bém, será identificado pelas demais pessoas e grupos sociais (“iden-
tidade para o outro”), formando, com isso, seu caráter identitário (cf.
DUBAR, 2005; 2009).

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Sobre os autores

Adam Alfred Oliveira


Mestrando em Educação – Processos Formativos e Desigualdades
Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da
Faculdade de Formação de Professores da UERJ (FFP/UERJ). Possui
especialização em Educação com Aplicação da Informática pela Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pedagogo pela Univer-
sidade Estácio de Sá. É educador social em informática educativa no
Armazém de Ideias e Ações Comunitárias – SIC-AIACOM há mais de
10 anos. E-mail: adamalfred1@gmail.com.

Alan Navarro Fernandes


Pós-graduando em Educação e Novas Tecnologias pelo Instituto Fe-
deral de Ciência, Educação e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).
Graduado em História pela Faculdade de Formação de Professores
da UERJ (FFP/UERJ). Atua profissionalmente como professor e pro-
dutor de materiais didáticos na rede privada de ensino. E-mail: alan.
navarro08@gmail.com.

Antonio José de Lucena Romão Júnior


Mestrando em Educação – Processos Formativos e Desigualdades So-
ciais pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Fa-
culdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Segurança Pública e Social pela

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Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduado em História pelo
Centro Universitário ETEP. Possui especializações em Gestão de Po-
líticas Públicas e Sociais pela Universidade Cândido Mendes (UCAM)
e Pedagogia Social e elaboração de projetos sociais pela Faculdade
Única. Tem experiência na área de elaboração e gestão de projetos so-
ciais. É integrante do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão Fora da
Sala de Aula (FFP/UERJ). Atualmente, é assessor de Pastoral no Cen-
tro Universitário La Salle Rio de Janeiro. (UNILASALLE RJ). E-mail:
antoniolucena1807@gmail.com.

Ariel Pimenta Baptista Teixeira


Graduanda em História pela Faculdade de Formação de Professores
da UERJ (FFP/UERJ) onde atua como monitora e pesquisadora na
disciplina de Psicologia da Educação. Membro do Grupo de Estudos,
Pesquisa e Extensão Fora da Sala de Aula. E-mail: arielpimentabaptis-
tateixeira@gmail.com.

Arthur Vianna Ferreira (organizador)


Doutor em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo (PUCSP). Professor Efetivo do PPGEdu
(Programa de Pós-Graduação em Educação: Processos Formativos e
Desigualdades Sociais) da Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP). Professor Ad-
junto do Departamento de Educação da Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP).
Coordenador do Grupo de Extensão, Pesquisa e Ensino Fora da Sala
de Aula – FFP/UERJ. E-mail: arthuruerjffp@gmail.com.

Carlos Soares Barbosa


Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ); Profes-
sor Adjunto da Faculdade de Educação e dos Programas de Pós-Gra-
duação em Educação: processos formativos e desigualdades sociais

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(FFP-UERJ) e em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH-
-UERJ). Coordena o Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Juven-
tudes, Trabalho e Educação (PPJUTE). E-mail: profcarlossoares@
gmail.com.

Clara Regina Moscoso de Avelar


Graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Formação de Profes-
sores da UERJ (FFP/UERJ). Bolsista PIBIC no projeto: Formações,
Representações e Práticas educativas não escolares e/ou extracurri-
culares no município de São Gonçalo. Integrante do Grupo de Estu-
dos, Pesquisa e Extensão Fora da Sala de Aula (FFP/UERJ). E-mail:
claramoscoso86@gmail.com.

Débora Simeão Ortman Pereira


Graduanda em História pela Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro (FFP/UERJ). Bacharelanda em Teologia pelo Centro Univer-
sitário Internacional (UNINTER). Ex-bolsista Capes (UERJ/FFP)
pelo Programa de iniciação à docência (PIBID), no Colégio Estadual
Doutor Adino Xavier. Bolsista extensionista e membro do Grupo
de Estudos, Pesquisa e Extensão Fora da Sala de Aula (UERJ/FFP).
E-mail: ortmanffp18@gmail.com.

Emanuelle Cristine Santos da Silva


Graduanda em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ/FFP), onde é monitora da Disciplina de Didática, do curso de
Pedagogia. Integrante e bolsista do Grupo de Estudos, Pesquisas e Ex-
tensão Fora da Sala de Aula (FFP/UERJ). E-mail: emanuellecristines1@
gmail.com.

Fátima Correia
Licenciada em Educação Social, mestre em Educação e Intervenção
Social – Educação de Adultos e Desenvolvimento Comunitário e

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doutoranda em Educação na Universidade de Santiago de Composte-
la. Pós-graduada em Inovação Educacional Inclusiva. Técnica superior
de educação social. Vice-presidente da Associação dos Profissionais
Técnicos Superiores de Educação Social. Assistente convidada da Es-
cola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto. Investi-
gadora colaboradora do inED – Centro de Investigação e Inovação em
Educação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do
Porto. E-mail: fatimacorreia@ese.ipp.pt.

Geraldo Caliman
Doutorado (1995) e Pós-Doutorados (2001 e 2020) em Educação.
Università Pontificia Salesiana (Itália). Professor da “Pontifícia Uni-
versidade Salesiana” (Itália) (1995-2003) onde atuou como Coorde-
nador do Programa de Mestrado e Doutorado em Pedagogia Social
(1998-2000). Tem experiência na gestão de instituições socioeduca-
tivas (Brasília 1982-1984; Belo Horizonte 1985-1987; 1991). De 2005
em diante é professor da Universidade Católica de Brasília onde já
atuou também como Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa. En-
sina no Programa de Mestrado e Doutorado em Educação e coor-
dena a Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade.
Tem experiência na área de Educação, Sociologia da Educação, com
ênfase em Pedagogia Social, e temas correlatos como Educação So-
cial, Exclusão Social, Prevenção, Sociologia do Desvio e da Delin-
quência, Delinquência Juvenil. Tem cerca de 15 livros publicados,
a maioria nos últimos sete anos (pedagogiasocial.net). E-mail: ger.
caliman@gmail.com.

Larissa Lopes Mattos


Graduanda em História pela Universidade Estadual do Rio de Janei-
ro - Faculdade de Formação de Professores (UERJ/FFP). Atualmente,
é bolsista e pesquisadora do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão
Fora da Sala de Aula. E-mail: larissalopes1504@gmail.com.

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Lucas Salgueiro Lopes
Mestrando em Educação - Processos Formativos e Desigualdades So-
ciais pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Fa-
culdade de Formação de Professores da UERJ (FFP/UERJ), onde se
encontra atualmente como bolsista CAPES. Pós-graduado em Edu-
cação Básica – Gestão Escolar pela FFP/UERJ. Possui Licenciatura
Plena em História pela FFP/UERJ, onde foi monitor das disciplinas
de Psicologia da Educação e Psicologia Social durante a graduação,
e em Sociologia pelo Centro Universitário Internacional. É membro
do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão Fora da Sala de Aula desde
2017. Possui experiências como educador social e professor na Educa-
ção Básica. E-mail: salgueirollucas@gmail.com.

Mariana Nogueira Rodrigues


Doutoranda em Sociologia pelo programa de Pós-graduação em
Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e mestre em Políticas Públicas em Direitos Huma-
nos pelo programa de pós-graduação em Políticas Públicas e Direi-
tos Humanos (PPDH/UFRJ). Atualmente, é pesquisadora do Gru-
po de Estudos, Pesquisa e Extensão Fora da Sala de Aula. E-mail:
mariananogueirar@gmail.com.

Maurício Perondi
Professor na Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Licenciado em Filosofia pela Universidade La
Salle. Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - UFRGS, com realização de Programa de Doutorado
Sanduíche na Universidade de Lleida, Espanha. Integrante do Centro
Interdisciplinar de Educação Social e Socioeducação-CIESS/UFRGS.
Coordenador do Observatório da Socioeducação e do Ateliê de Jogos
Pedagógicos da UFRGS. Coordenador substituto do Programa de
Prestação de Serviços à Comunidade-PPSC/UFRGS. Coordenador do

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GT3-Movimentos Sociais, Sujeitos e Processos Educativos, da ANPE-
D-Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(Gestão 2022-2023). Membro da Frente de Enfrentamento à Mortali-
dade Juvenil de Porto Alegre. E-mail: mauricioperondirs@gmail.com.

Silvia Azevedo
Doutora em Educação. Presidente da Associação dos Profissionais
Técnicos Superiores de Educação Social. (APTSES). Atualmente, é In-
vestigadora do INED da ESE-IPP e do CEPESE – Portugal. E-mail:
silvia.azevedo@iscedouro.pt.

Thiago Simão Dias


Mestrando em Educação – Processos Formativos e Desigualdades So-
ciais pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGedu) da Fa-
culdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Graduado em Pedagogia pela FFP/UERJ.
Atualmente, é bolsista CAPES e Representante da Turma de Mestra-
do 2022-2024. É integrante do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão
Fora da Sala de Aula (FFP/UERJ). Atua como Educador Social (vo-
luntário), exercendo as funções de Professor-Alfabetizador de Adultos
e Idosos e Professor de Kung Fu (Tai Chi Chuan), na ONG Instituto
Abraço do Tigre (São Gonçalo/RJ).

Membros do GEPE Fora da Sala de Aula que auxiliaram na revisão


do texto e do conteúdo deste livro:
Alan Navarro Fernandes
Clara Regina Moscoso de Avelar
Lucas Salgueiro Lopes
Thiago Simão Dias

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Este livro foi composto em Dante MT
pela Editora Autografia e impresso
em papel pólen soft 80 g/m².

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