Você está na página 1de 180

EM BENEFÍCIO DA EDUCAÇÃO

Introdução
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Em benefício da educação. – Vila Velha, ES: Editora Hoper, 2006.

Elaboração: Projeto Linha Direta.


ISBN 85-98687-11-1

1. Avaliação educacional 2. Educação – Filosofia 3. Educação – Finalidades e objetivos


4. Educação – Leis e legislação 5. Valores sociais.

06 – 4880 CDD – 370.1

Índices para catálogo sistemático:


1. Projetos e valores: Educação: Filosofia 370.1
Projeto Linha Direta

EM BENEFÍCIO DA EDUCAÇÃO

Elaboração Patrocínio Apoio Coordenação editorial Editora


Direção
Marcelo Chucre da Costa

Coordenação Geral
Daniela Lobato

Coordenação Editorial
Sonia Simões Colombo

Acompanhamento da Produção Editorial e Gráfica


Camila Castro

Projeto Gráfico
Anel Comunicação Integrada

Preparação e Revisão de Texto


Cibele Imaculada da Silva

Capa
Andréa Goulart

Editora
Hoper

Impressão
Rona Editora

Direitos de publicação reservados ao Projeto Linha Direta Ltda.


Av. Afonso Pena, 3.355 – cj. 1.005 – Funcionários – CEP.: 30.130-008
Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil
31 3281-1537
www.linhadireta.com.br

É proibida a reprodução ou duplicação deste volume, em todo ou em parte, sob qualquer forma ou meio
(eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na web e outros), sem permissão expressa
do Projeto Linha Direta.

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
AGRADECIMENTOS

Introdução
Agradecemos a Deus e a todas as pessoas que sonharam conosco, ao longo desses dez anos, e que contribuíram
para tornar realidade o Projeto Linha Direta.

Equipe do Projeto Linha Direta


Sumário
Palavra do presidente
Linha Direta: um projeto de vida 11

Gestão a serviço da educação


Contribuições do Projeto Linha Direta 15

Parte I – Nossa história


Em benefício da educação 19

Depoimentos
Âncora Seguros – Marcelo Andrade
Escola 24 Horas – Severino Felix da Silva
Gol – Tarcísio Gargioni 27

Parte II – Reflexões sobre educação e legislação


O relatório de Mr. Saturnino 31
A política de proteção integral da criança e do adolescente e sua relação com a educação escolar no Brasil 35
Conto da sustentabilidade 43

Depoimentos
Microsoft – Brasil – René Birocchi
Pitágoras – Walter Braga 46
Rede PQS – Daniel Vorcaro
RM Sistemas – Leonardo Diniz Mascarenhas 47

Parte III – Gestão pedagógica


Educação: competição X cooperação 51
Enem: uma ferramenta de sucesso 55
O processo da escrita e a formação profissional 61
A leitura e o professor 67
Do giz-de-cera ao professor holográfico 73
Além da notícia 79

6
Depoimentos
Sangari do Brasil – Ben Sangari
Sebrae Minas – Luiz Carlos Dias Oliveira 85

Parte IV – Gestão organizacional e números da educação


O que está mudando no ensino superior particular? 89
Análise da comunicação publicitária das IE’s: caminhos, descaminhos e atalhos 93
Gerenciando conflitos 99
Melhores práticas de coaching em instituições educacionais: perspectiva da tecnologia educacional 108
Liderança que influencia mudança 115
Um olhar sobre o ensino privado 120
O cenário atual do ensino superior no Brasil 125
A escola privada como parâmetro para a administração pública 135
Gestão de pessoas por competências 140

Depoimentos
SESI/MG – Raul Costa von Sperling de Lima
Sistema de Ensino Dom Bosco – Clóvis Magnoni Filho 148
Sistema de Ensino Poliedro – André Oliveira de Guadalupe
Sistema de Ensino Positivo – Ruben Formighieri 149

Parte V – Direito à educação


Relações entre a escola privada e o Estado brasileiro: a atuação da educação confessional 153
Família, escola e comunidade: tripé básico para a inclusão da pessoa com deficiência mental e a quebra de paradigmas 161
O público e o privado na educação básica 167

Depoimentos
Sistema INED de Educação – Aleksandro Mroczek
Sistema Objetivo de Ensino – José Erivan Lima Júnior 173

Parte VI – Considerações finais


Objetivos do desenvolvimento do milênio – sonhos ou desafios? 177

7
PALAVRA DO PRESIDENTE

Introdução
Linha Direta: um projeto de vida

Confesso que este é, sem dúvida, um momento único em minha vida. Digo isso porque escrevo movido por
uma sensação quase indescritível que, talvez, seja difícil compartilhar com tão poucas palavras.
Na verdade, na medida em que uso minhas mãos para escrever este texto, me sinto de certa forma
“incompleto”, pois gostaria de poder abraçar a todas as pessoas que me ajudaram a concretizar este sonho,
chamado Projeto Linha Direta.
Sonho que vai muito além de uma realização profissional, já que um terço de minha existência foi dedicado
a realizar este projeto de vida.
Projeto de vida porque, ao longo desses dez anos, escrevemos uma história cujo enredo foi construído com a
participação de pessoas que fizeram e fazem parte da minha vida e que, com certeza, nunca serão esquecidas.
Ao afirmar que, de certa forma, me sinto “incompleto” enquanto escrevo estas palavras, é porque, na verdade,
gostaria de, se fosse possível em tão pouco espaço, enumerar e agradecer a todas as pessoas que acreditaram
em um jovem de apenas 21 anos...
Jovem que, no dia 31/5/1975, teve a sorte de vir ao mundo, gerado por uma Mãe maravilhosa e um
Pai excepcional, que me deram todo o suporte necessário para crescer, tendo como exemplo valores e princípios
que, sinceramente, prometo transmitir aos meus filhos.
Como filho único, talvez tenha aprendido desde cedo a valorizar os amigos, sem os quais a minha vida não
valeria a pena. Como, sinceramente, não teria valido a pena ter vivido e trabalhado tão intensamente ao longo
de todos esses anos, se não tivesse tido a oportunidade de conhecer e aprender com pessoas tão maravilhosas,
que, gradativamente, foram se tornando muito mais do que clientes, fornecedores, colaboradores e conselheiros,
mas amigos de verdade, que mudaram a minha vida.
Vida que começou a se transformar há dez anos, e que será resumida nas próximas páginas deste livro.

11
Livro que, muito além de contar a trajetória do Projeto Linha Direta, pretende contribuir com as lideranças
educacionais do nosso país e relembrar passagens importantes da nossa história.
História que, graças à ajuda de muitas pessoas, não se transformou em um filme de ficção, muito pelo
contrário. A trajetória do Projeto Linha Direta não se enquadra em nenhum gênero hollywoodiano, pois foi
construída de forma simples, quase singela, sem nenhum efeito especial ou orçamento milionário. Como as
grandes obras da natureza, foi sendo desenhada, gradativamente, e tomando forma na medida em que começou
a ser compartilhada.
A propósito, o verbo compartilhar talvez seja o mais adequado para traduzir o dia-a-dia de nossa empresa,
pois tudo o que fazemos apenas se materializa pela participação coletiva: a Revista, o Portal, os eventos... tudo
isso só se tornou viável porque é fruto de sementes plantadas por várias mãos.
E, por falar novamente em mãos, ao olhar para as minhas, neste momento, passo a me sentir menos
“incompleto”, pois, mesmo não podendo agora abraçar individualmente todas as pessoas que gostaria, percebo
que, juntas, elas simbolizam esta data tão especial: os dez anos do Projeto Linha Direta!

Muito obrigado a todos e boa leitura!

Marcelo Chucre da Costa


Fundador e presidente

12
GESTÃO A SERVIÇO DA EDUCAÇÃO

Introdução
Contribuições do Projeto Linha Direta

O Projeto Linha Direta está completando dez anos de existência. Durante todos esses anos, nos compro-
metemos a trabalhar em benefício da educação, com o objetivo de fortalecer as entidades representativas e as
empresas parceiras, maximizando suas atuações no mercado educacional.
Ao longo desses anos, nos dedicamos a várias frentes, conquistamos todos os Estados brasileiros, atingi-
mos mais de 13 mil instituições de ensino e lideranças educacionais. E, principalmente, nos empenhamos em
fazer a diferença, através de parcerias sérias e duradouras. Parcerias que são referência em qualidade e inovação.
Dessa forma, encurtamos distâncias, através de uma linha direta com as partes envolvidas – sindicatos patro-
nais, organismos nacionais e internacionais ligados à educação, empresas parceiras –, agregando valor para as
instituições de ensino, com a convicção de estarmos sendo cada vez mais úteis para o dia-a-dia do nosso públi-
co-alvo. A nossa prestação de serviços se pauta em gerar resultado para as entidades representativas e empresas
parceiras, que integram o PLD, para atender, assim, às mais diferentes demandas do mercado educacional. Por
isso, minimizamos custos, criamos momentos exclusivos para que os nossos parceiros possam se apresentar
de forma eficiente para as lideranças das instituições de ensino em todo o país, através da formatação persona-
lizada de projetos e eventos educacionais e, também, por meio da Revista Linha Direta e do Portal Linha Direta.
Ao comemorarmos os dez anos do PLD, sentimos a necessidade de criar algo que pudesse resgatar a nossa
história e de compartilhar, com todos os que participaram dessa trajetória, momentos marcantes e que traduzem
a nossa atuação no mercado educacional.
Assim sendo, aqui está, “por escrito”, a nossa história de vida: as nossas conquistas, a importância do
nosso trabalho, nossas contribuições e o relato dos resultados de ações e estratégias desenvolvidas ao longo
desses dez anos. Tudo isso foi transformado neste livro – Em benefício da educação. A idéia é agregar ainda
mais valor para as lideranças educacionais, priorizando reflexões que possam contribuir com o aprimoramento

15
da gestão pedagógica e organizacional de nossas instituições de ensino. Acreditamos que essa obra reafirma,
a cada página, o objetivo e o compromisso do PLD em atuar nesse segmento repleto de particularidades e
desafios, mas, sem dúvida, indispensável para a construção de uma nação forte no âmbito político, econômico
e, principalmente, social.
Após criteriosa pesquisa, este novo veículo do PLD foi elaborado, a partir de cuidados muito especiais – desde
sua concepção, escolha dos autores e personalidades, que são referência no mercado de educação.
Além de se apresentar de forma clara e objetiva, o livro está dividido em seis partes, compostas por temas
centrais que representam as áreas de atuação dos escritores. São coletâneas de artigos sobre o cenário educa-
cional e alternativas para o aprimoramento de nossas instituições de ensino, que, com certeza, serão úteis para
as lideranças educacionais que integram o Projeto Linha Direta.
Temos muito orgulho em apresentar todo esse trabalho, criado especialmente para você.
É nosso compromisso continuar trabalhando em prol de uma grande mobilização nacional que garanta uma
educação de qualidade para todos, sem distinção.

Continuem contando conosco.

Daniela Lobato
Superintendente

16
NOSSA HISTÓRIA

Parte I

A história contada nas próximas páginas é fruto de uma longa conversa entre o presidente do Projeto Linha
Direta, Marcelo Chucre da Costa, e o jornalista João Carlos Firpe Penna.
Em benefício da educação

Natal de 1996. Pelos quatro cantos do mundo, amigos e familiares se reúnem para o tra-
dicional almoço de 25 de dezembro. Em uma dessas confraternizações, em Belo Horizonte,
tio e sobrinho conversam animadamente, falando sobre a vida pessoal e, principalmente,
sobre os desafios profissionais. O tio, presidente de uma entidade de classe, fazia mil planos
para modernizá-la e difundi-la cada vez mais; o sobrinho, jovem de 21 anos, estava fazendo
pós-graduação em Marketing na Fundação Getulio Vargas e mantinha-se atento a tudo o
que o tio dizia, interessado em saber como funcionava uma entidade como aquela. O espírito
empreendedor do jovem estudante já o colocava antenado no papo, em busca de alguma
oportunidade de atuação profissional.
Não deu outra: a conversa rendeu frutos. Dias mais tarde, o sobrinho, Marcelo Chucre,
começa a freqüentar o local de trabalho do tio, Eliziário Pereira Rezende, então presidente do
Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep/MG). Marcelo havia se formado
em ciência da computação, mas, desde antes do final do curso, sabia que aquela não era
sua praia.

Aos 17 anos, para se ter uma idéia, eu estava entre computação e medicina... Optei pela primeira, pois meu
pai e alguns primos, de certa forma, atuavam na área. Mas logo no início do curso vi que meu futuro não estaria
ali. Eu era muito comunicativo e poderia ter outras opções profissionais. De qualquer forma, resolvi ir em frente.
Tive um ótimo desempenho acadêmico, mas, com certeza, não seria um bom profissional na área. Eu concluí o
curso de ciência da computação, na PUC Minas, mas só fui buscar o diploma tempos depois.
Logo, surgiu a chance de estudar marketing na FGV, mas eu não tinha dinheiro para bancar. Meus pais es-
tavam se aposentando e não seria fácil para eles continuarem a arcar com os custos dos meus estudos, apesar
de eu ser filho único. Mesmo assim, eles acabaram topando o sacrifício, sem me questionar, e dando todo o
apoio necessário.

No Sinep, Marcelo passa a acompanhar – e, posteriormente, a coordenar – uma pesquisa de telemarketing


que estava sendo feita com os dirigentes das escolas filiadas, visando identificar demandas não atendidas pela
entidade. Era um levantamento minucioso, que daria à direção do Sindicato uma espécie de radiografia das
necessidades das escolas particulares em Minas Gerais.

A conclusão da pesquisa coincidiu com a fase final da minha pós-graduação na FGV, que exigia, como
conclusão de curso, a construção de um Planejamento Estratégico para a criação de uma empresa. De posse dos
resultados da pesquisa, percebi que havia demandas para a prestação de alguns tipos de serviços, que fugiam
à missão do Sindicato.
Foi nesse momento que tive o feeling de que eu poderia criar uma empresa para suprir algumas daquelas
demandas, cujo atendimento não estava na vocação do Sinep. O meu Planejamento Estratégico de conclusão do
curso foi elaborado, então, em cima da empresa que eu sonhava criar, chamada Projeto Linha Direta (PLD).

19
Tenho muito orgulho de dizer que o Projeto Linha Direta só se tornou viável
em função do apoio integral que recebi do Sinep/MG, presidido pelo Eliziário. E
não foi só ele que ajudou, mas toda a diretoria da entidade. Na verdade, o PLD
surgiu de um tripé importante: do apoio de meus pais (Munira e Dárcio), do meu
espírito empreendedor e da oportunidade que o Eliziário me deu. Estava na hora
de sonhar alto.

O PLD nasceu, portanto, em 1997, fruto de uma idéia simples, mas muito bem
adequada às demandas do mercado de educação. Em um primeiro momento, o
Projeto surge como um elo entre o Sindicato e alguns parceiros estratégicos, que
poderiam gerar benefícios e diferenciais para as escolas sindicalizadas, por meio de melhores
condições de compra e descontos especiais na aquisição de produtos e serviços negociados
pelo Projeto Linha Direta.
Nesse sentido, com o respaldo do Sindicato, o PLD passa a atuar no mercado, visando
identificar, selecionar e negociar com empresas que poderiam disponibilizar, com qualida-
de e condições diferenciadas, seus projetos, produtos e serviços para as escolas filiadas ao
Sinep/MG. O Projeto priorizou, de início, uma das principais demandas das escolas, que era a
negociação diferenciada de material escolar.

Naquele momento, eu estava com 22 anos e não tinha um centavo no bolso – nem mesmo
para investir na produção de um cartão de visitas. Era preciso sensibilizar empresas que acre-
ditassem na viabilidade do nosso projeto.

O PLD começou a se consolidar a partir das primeiras parcerias e, na seqüência,


surgiu a idéia de se criar a Revista Linha Direta, que serviria como apoio às ativi-
dades do Projeto. A linha editorial da publicação era muito clara, e seu diferencial
iria, certamente, ser determinante para o seu sucesso. Já havia no país várias revis-
tas – de boa qualidade – voltadas para o dia-a-dia da educação em si. Mas nada
existia em termos de uma publicação focada na gestão do negócio. E ela contava,
também, com a representatividade de um sindicato patronal que era porta-voz dos
dirigentes. Não seria difícil ocupar um espaço para falar sobre gestão por meio
de uma publicação direcionada inteiramente aos mantenedores das escolas – o
gestor e a liderança.

Eu sabia que iríamos cair numa vala comum se criássemos uma revista de
educação com conteúdo apenas pedagógico, pois concorreríamos com muitas publicações boas e com mais
tradição no mercado. Então, tínhamos de buscar um outro enfoque que, aliás, era o de minha formação como
especialista em marketing.
Estávamos em 1997 e, nessa época, ainda era meio complicado falar em marketing, em profissionalização,
em auto-sustentabilidade e em lucro dentro de muitas escolas particulares. Este paradigma estava começando

20
a ser quebrado. Nós, então, entramos com uma linguagem mais avançada e
com uma mensagem extremamente agressiva, apostando na profissionaliza-
ção e no desenvolvimento de parcerias com empresas sérias, que poderiam
contribuir para a melhoria da gestão das instituições de ensino, afirmando
ainda que os gestores das escolas tinham que se portar como empresários da
educação – tudo isso de forma legítima, sem temores ou constrangimentos.
Era preciso usar todas essas expressões de mercado, para desmistificá-
las na área educacional. E não importava se as escolas eram
com ou sem fins lucrativos. Lembro-me de que o contexto da
época foi muito favorável, e o terreno, muito fértil para que
este tipo de mensagem começasse a ser trabalhado e explo-
rado. Isso coincidiu também com o momento do Sinep/MG,
que passava por uma modernização e uma profissionalização.
Na verdade, tudo convergiu de maneira positiva. Os ventos
estavam soprando a favor!

Chegou finalmente um dos momentos mais importantes da história do PLD:


o lançamento do número zero da Revista Linha Direta. Duas empresas apostaram
na idéia e bancaram, gratuitamente, a produção daquela edição: a agência de pro-
paganda Aliás, que desenvolveu o projeto gráfico, e a gráfica Rona, que a impri-
miu. O lançamento aconteceu após Assembléia Geral do Sinep/MG, no dia 22 de
dezembro de 1997, quando Marcelo falou para os presentes sobre os objetivos do Projeto Linha Direta. Para coroar
o evento, o Banco Boa Vista patrocinou o coquetel de lançamento naquela noite. O número zero da Revista foi,
então, enviado para todos os estabelecimentos de ensino filiados ao Sinep/MG, e também para os sindicatos das
escolas particulares dos outros Estados. Estava lançada a semente. Então, era torcer para que ela florescesse e
desse os frutos que seriam colhidos no futuro.

Eu tinha a convicção de que a Revista seria um instrumento indispensável para o sucesso do PLD e dos
negócios dos nossos parceiros. A publicação funcionaria como uma expansão de nossas atividades, divulgando
os diferenciais negociados com as empresas parceiras, além de conteúdos pertinentes ao dia-a-dia dos man-
tenedores, de modo que ela precisaria ter uma abrangência nacional. Como ainda não tínhamos recursos pró-
prios, as parcerias eram fundamentais.

O PLD, desde o início, trabalhou para viabilizar parcerias capazes de levar alternativas de qualidade a um
preço acessível para as instituições de ensino. O objetivo, portanto, não era oferecer a elas simplesmente o
menor preço em produtos e serviços. A idéia era negociar, com empresas de reconhecida competência e idonei-
dade, diferenciais para as escolas. À medida que isso ocorresse, o Projeto estaria garantindo sua expansão e fide-
lizando as escolas ao Sindicato, pois os benefícios seriam disponibilizados apenas para as instituições sindica-
lizadas, num trabalho sempre integrado e de mão dupla.
Nesse contexto, o PLD passa também a viabilizar, com a participação das empresas parceiras, seminários,

21
cursos, workshops, capacitações e treinamentos, formatados sob medida para
o Sindicato, de acordo com as demandas das instituições de ensino. Naquela
época, era difícil para o Sindicato oferecer tudo isso sem repassar os custos
para as escolas. Através da articulação do Projeto Linha Direta junto às empresas
parceiras, tornava-se possível conciliar os interesses e, conseqüentemente, via-
bilizar esses projetos sem onerar as escolas, pois quase sempre as empresas
parceiras arcavam com as despesas, devido à visibilidade proporcionada.

Percebemos que estava na hora de crescer. A maioria das empresas que se


tornavam parceiras do Projeto Linha Direta tinham atuação nacional no mer-
cado. O PLD começou a ser reconhecido como uma empresa não só de prestação de ser-
viços, mas também de consultoria. Sinepe’s de outros Estados passaram a nos procurar,
na perspectiva de entender melhor que tipo de trabalho estávamos fazendo. Tinha chegado a
hora de passar a palavra sindicato para o plural.

Em 1998, Marcelo sai de Belo Horizonte para a primeira de muitas viagens interestaduais.
Vai até o Espírito Santo apresentar o PLD no Sinepe capixaba. De lá para outros Estados foi
um pulo. São realizadas viagens para Brasília, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.
Os diferenciais e os treinamentos oferecidos fora de Minas passam a ser um sucesso. A Revista
já representava algo de novo, que estava surpreendendo o mercado. A logística de sua distri-
buição era sempre por meio dos Sinepe’s.

Eu percebi, naquele momento, que poderíamos, efetivamente, romper as bar-


reiras das montanhas de Minas Gerais, apesar das minhas limitações financeiras.
Vale lembrar que, naquela época, eu havia percorrido vários Estados brasileiros
de ônibus. Saía na noite anterior às reuniões, viajava toda a madrugada e chegava
à rodoviária local com o terno na mão. Ali mesmo escovava os dentes, trocava
de roupa e ia cumprir a agenda de reuniões.
Passava o dia todo trabalhando e apresentando o Projeto Linha Direta para as
lideranças dos sindicatos. No final da tarde, quase sempre assinávamos o con-
trato de parceria. Eu voltava, então, para a rodoviária e enfrentava mais uma noite
na estrada, para voltar a BH. Isso aconteceu por muitos e muitos meses.

A cada encontro com novos sindicatos, crescia a percepção de que o Projeto


Linha Direta tornava-se importante para as entidades e para o mercado de educação. Rapidamente, crescia
também o número de empresas interessadas em conhecer mais de perto o Projeto e, num segundo momento,
dispostas a investir nele. A relação com os sindicatos vai se tornando cada vez maior, com forte expansão
para outros Estados. Entrar em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, foi uma tendência natural.
Os treinamentos e os eventos passaram a ser realizados de forma mais intensa e o retorno era imediato, não
só para as empresas parceiras que investiam nessas ações, mas também para os sindicatos, que viveram uma

22
fase de ampliação do número de estabelecimentos filiados.
Um registro importante: o Projeto Linha Direta sempre se posicionou
como uma empresa disposta a ajudar os sindicatos a prestar um serviço cada
vez melhor para as escolas filiadas. Com o apoio das empresas parceiras,
que deram massa crítica e suporte financeiro, o Projeto começa, efetivamente,
a colaborar com o aprimoramento da gestão das instituições de ensino.
Em 1999, o PLD passa, portanto, a existir numa perspectiva empresarial,
com visibilidade nacional e já incorporando outras pessoas que
seriam importantes nessa caminhada. Ele já podia contar com
uma equipe competente de consultores e outros profissionais da
área de educação. Por sua vez, a Revista Linha Direta mantinha
a periodicidade mensal e se tornava, pela sua distribuição regu-
lar e capilarizada, cada vez mais fundamental para o Projeto.

Não tenho dúvidas de que aquele negócio estava deixando de ser um filho do
Marcelo Chucre e tomando proporções definitivamente profissionais. Em meados
de 1999, nós já tínhamos uma visão mais empresarial, apesar das dificuldades.
Assim como a empresa tinha trabalhado de forma deficitária por um bom tempo,
o orçamento da Revista esteve no vermelho pelo menos durante dois anos.
Mas eu tinha muita persistência, sempre tive certeza de que aquela era uma
idéia muito bacana, que estava se transformando em um projeto útil, em um ne-
gócio rentável. Durante dois anos, trabalhei sem recursos, sempre contando com todo o apoio dos meus pais.
A essa altura, eu ainda viajava de ônibus – não propriamente por necessidade, mas para economizar, visando
melhorar a cada edição a qualidade da Revista e incorporar mais pessoas ao Projeto. A partir de 2002, o PLD
deu um salto: não seria mais preciso viajar de ônibus...

Do ponto de vista da estrutura do negócio, o Projeto passa por uma fase de expansão entre 2001 e 2002, épo-
ca em que se consolida definitivamente, e tem condições, pela primeira vez, de trabalhar com um planejamento
e uma situação orçamentária que permitia a evolução qualitativa e quantitativa das atividades.
O Projeto acolhe, então, uma profissional importante – Daniela Lobato, que assume um papel estratégico na
organização. Alguns consultores também têm participação fundamental, como os educadores Fernando Cara-
muru, Paulo Volker e Angélica Sátiro, dentre outros.
Nesse momento, um fato viria a ser o divisor de águas na história do Projeto Linha Direta. Ocorreu, em
2002, sua maior conquista: o apoio e a chancela oficial da Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO), uma das entidades mais respeitadas do mundo em termos de educação,
ciência e cultura.

A negociação com a UNESCO durou mais de um ano e foi extremamente difícil. Na verdade, não foi bem
uma negociação, mas uma avaliação do Projeto e da Revista por parte deles. Acabei me encontrando com o
representante da UNESCO no Brasil, Jorge Werthein, em outubro de 2002. Seus assessores agendaram um

23
encontro comigo, aproveitando a ida dele para um evento em Ouro Preto (MG).
Nós nos encontramos no hotel Nossa Senhora do Rosário. Ele me chamou para
uma sala e tivemos um encontro de cinco minutos, em que ele me disse: “Já
conheço a seriedade e a qualidade do seu trabalho e de sua empresa, que venho
acompanhando por meio da Revista, que tem muitos valores, a começar pelos
nomes do Conselho Consultivo. Eu posso te dizer o seguinte: a UNESCO vai
te dar muito trabalho, pois vamos explorar ao máximo as potencialidades do
Projeto Linha Direta.’”
A primeira coisa que fiz ao sair do encontro foi ligar para a minha equipe e
comunicar a parceria. Meu pai, naquela ocasião, dirigia o carro. Virei para ele e falei: “Olha,
agora ninguém segura mais esse Projeto”. Saímos passeando de carro, e eu me lembrando do
encontro. Só conhecia o Jorge pela TV e pelos jornais. Quando ele falou, em cinco minutos,
que conhecia meu trabalho, a Revista, e que a UNESCO iria usar muito a publicação, uma
sensação muito boa me invadiu. Definitivamente, tudo aquilo deixava de ser um feeling e um
sonho para se tornar uma realidade sólida, com apoios e parcerias de peso. Senti uma imensa
segurança no PLD naquele momento, e tive a certeza de que seriam muitas realizações pela
frente. Todo o esforço tinha valido a pena. Naquele momento eu estava tão extasiado que não
chorei. Depois, tive várias reuniões com o Jorge e ficamos amigos.
Mas não foram poucos os momentos em que me emocionei antes. Várias vezes eu chorava
sozinho, dentro do ônibus, durante as viagens. Durante reuniões, eu me emocio-
nava ao falar do Projeto Linha Direta. Era uma sensação inexplicável, aquilo que
acontecia comigo.

Assim, a UNESCO passa a apoiar integralmente os projetos desenvolvidos


pelo PLD, a começar pela Revista. Além da contribuição mensal com artigos, a
UNESCO passa a distribuí-la para 2 mil entidades ligadas à educação no país
– entre lideranças e órgãos governamentais. A parceria com a UNESCO e com
os sindicatos consolida a presença do Projeto Linha Direta no mercado educa-
cional de todo o Brasil. Nada menos que 11 mil estabelecimentos de ensino já
recebiam regularmente a Revista, por meio dos seus respectivos sindicatos. O
Projeto, finalmente, estava presente em todos os segmentos – das escolas de
educação infantil às de ensino superior.
Uma outra perspectiva importante – e até então inédita – começa a surgir, a
partir da chancela da UNESCO, que já tinha ampliado a credibilidade e a legitimidade do Projeto: ele passa a ter
maior visibilidade junto aos secretários de educação, aos órgãos governamentais de ensino e a outras entidades
ligadas às escolas públicas.

Nós pudemos descortinar, naquele momento, uma grande possibilidade: começar a sonhar em atender e
beneficiar, também, as lideranças das escolas públicas do país. Nós chegamos, então, até o Gabriel Chalita,
que nos concedeu uma entrevista – destaque de capa da Revista Linha Direta de novembro de 2003. Além de

24
secretário de Estado da Educação de São Paulo, Chalita era o presidente do
Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed. Em pouco tempo,
a entidade também passaria a apoiar o Projeto Linha Direta. Era a interlocu-
ção de que precisávamos para nos aproximar do ensino público.

O PLD amplia sua abrangência, passando a defender a educação


de qualidade em geral, seja ela particular ou pública. Com o objeti-
vo de diversificar cada vez mais o leque dos múltiplos olhares
sobre a educação no país, a Revista abre suas páginas para
veicular também reflexões e contribuições oriundas do Poder
Legislativo Federal. A partir de 2005, ela passa a publicar um
artigo mensal redigido por parlamentares – independente da
coloração partidária ou ideológica – com atuação na área edu-
cacional, em ação coordenada pela Comissão de Educação da Câmara Federal,
através do deputado Átila Lira.
Em 2006, o Projeto dá um novo e significativo passo, que era a grande meta
para o ano em que completa uma década de existência: amplia a distribuição da
Revista Linha Direta para os secretários municipais de educação.

Essa nova expansão vem coroar os dez anos de existência do nosso trabalho
e representa a realização de mais um sonho. Agora, podemos dizer que, na prática, fechamos todo o ciclo da
educação, atingindo as principais lideranças da escola pública e privada em todos os níveis de ensino.
Ainda há quem nos pergunte: a Revista não será distribuída para todos os professores e educadores do
país? Isso seria maravilhoso, mas não podemos perder o foco inicial, responsável pelo nosso sucesso, que
é trabalhar em benefício das lideranças educacionais, tanto do setor público quanto do privado. Nós temos
muitos professores assinantes, mas temos que nos lembrar de que não somos uma editora.

Hoje, o Projeto Linha Direta tem funções bem claras e definidas: investir no aprimoramento e no atendi-
mento de seus contratos de consultoria e prestação de serviços com os Sinepe’s, empresas e demais entidades
representativas que o integram. Na prática, o Projeto monitora e desenvolve pesquisas contínuas para mapear e
detectar novas necessidades do mercado de educação, bem como identificar oportunidades que agreguem valor e
proporcionem retorno para seus parceiros.
Em outra frente de atuação, o Projeto continua incorporando consultores de reconhecida competência, capa-
zes de atender às diversas demandas das instituições de ensino, especialmente no que diz respeito à capacita-
ção, que sempre foi sua prioridade. Há, ainda, investimentos no aperfeiçoamento do atendimento aos parceiros,
já que o Projeto Linha Direta trabalha com consultoria e prestação de serviços customizados, ou seja, específi-
cos e personalizados para as empresas e entidades representativas que o contratam.

Bem, o que temos pela frente? Nosso desafio hoje, creio, não é inventar um novo negócio, mas reinventar
formas de o Projeto Linha Direta continuar agregando valor às instituições de ensino e se relacionando com as

25
empresas e entidades parceiras. Felizmente, são muitas as pessoas que passaram a acre-
ditar em nosso trabalho ao longo desses dez anos e que já fazem parte da nossa história. A
gente trabalha em sintonia – e com muita sinergia – com todas elas.

O Projeto Linha Direta mantém no ar um Portal – www.linhadireta.com.br – que vem


sendo aprimorado com o tempo. Ele tem atualização constante e é de grande utilidade para
os parceiros, que encontram ali muitas informações e serviços de interesse, incluindo links
específicos para o segmento educacional.
Ao completar dez anos, portanto, o PLD está totalmente focado na prestação de serviços
e no atendimento das demandas do mercado educacional, trabalhando sempre em parceria
com as principais entidades representativas da educação brasileira e com grandes empresas que atuam neste
segmento, oferecendo também produtos já consolidados, como a Revista e o Portal.

Como fundador e presidente da empresa, não tenho dúvidas de que nossa missão é continuar sendo uma
organização aberta à participação de todos os que trabalham na árdua, porém gratificante tarefa de educar.
Tenho consciência, hoje, dez anos depois do início de tudo, de que o Projeto Linha Direta não me pertence mais,
pois ele foi construído por inúmeras mãos e mentes que trabalham em benefício da educação. Trata-se de uma
empresa com vocação para reunir pessoas e compartilhar com elas o sonho de transformar a nossa sociedade
através da educação.

O Projeto Linha Direta defende a pluralidade das idéias como forma de se buscar um caminho adequado e
democrático para a promoção da melhoria constante da educação do país. Nesse sentido, o aperfeiçoamento
contínuo das instituições de ensino tem de passar, necessariamente, pela busca constante de maior eficiência
na gestão como um todo – dos processos às pessoas. Não se deve deixar de lado, nesse contexto, os projetos
de responsabilidade social, que podem caminhar em perfeita sintonia com os grandes propósitos da escola
contemporânea.

Agora que o leitor conhece um pouco mais desta história, entremeada de momentos de dificuldades e con-
quistas, sinto-me à vontade para deixar uma mensagem final sobre o futuro. Com toda certeza, ainda temos
um caminho inesgotável pela frente, a ser trilhado com a mesma energia, o mesmo compromisso, a mesma
seriedade e dedicação. Por isso, é preciso agradecer, veementemente, a todas as entidades e empresas parceiras
que fizeram parte dessa história, aqui resumida em tão poucas páginas. E, principalmente, é preciso agrade-
cer às pessoas que não foram citadas aqui, pois poderíamos cometer injustiças com omissões involuntárias.
Mas todas elas sabem como foram importantes em alguns – ou em muitos – momentos dessa trajetória.
Nos últimos dez anos, eu não fiz outra coisa da minha vida a não ser me dedicar ao Projeto Linha Direta.
Apesar de ainda não ter esposa nem filhos, sinto-me completamente realizado, pois doei todas as minhas ener-
gias para esse projeto de vida. Eu seria extremamente injusto comigo mesmo e com as oportunidades que a vida
me proporcionou se dissesse que não me sinto plenamente realizado.
Como presidente da empresa, não posso afirmar onde vamos parar. Só posso ter a certeza de que não vamos
parar. Afinal, a cada nova conquista, outras surgem no horizonte como novos desafios!!!

26
Conheci o Projeto Linha Direta através do Sinepe/DF. A princípio, gostei dos temas abor-
dados e do formato da Revista; porém, fiquei realmente surpreso quando, na primeira reunião,
ficou muito claro que não bastaria o investimento financeiro para participar do Projeto, mas
qualidade, transparência, responsabilidade e outros atributos não financeiros que realmente
diriam se nossa empresa teria ou não condições de se tornar parceira do Projeto.
Para mim, mais do que uma Revista focada na educação, o Projeto Linha Direta significa
um Selo de Qualidade indispensável a todos os seus parceiros e uma fonte de informação
fantástica para todos os que acreditam na educação como o principal vetor de crescimento
econômico e igualdade social.

Marcelo Andrade
Diretor da Âncora Seguros

A Escola 24 Horas é parceira “de primeira hora” do Projeto Linha Direta. Ao longo desse
tempo, pudemos constatar o acerto de nossa decisão ao nos tornarmos parceiros: o PLD, pela
coerência de suas ações e compromisso com a qualidade de seus produtos e serviços, tornou-
se referência para o mercado educacional.
Por tudo isso, nossos cumprimentos à equipe do Projeto Linha Direta, com a certeza de
que os resultados desse trabalho continuarão a se multiplicar.

Severino Felix da Silva


Presidente da Escola 24 Horas

A GOL Linhas Aéreas Inteligentes apóia o Projeto Linha Direta há um ano.


Pouco tempo, mas o suficiente para notar a importância da atividade do PLD, conciliando
os interesses das instituições de ensino e atendendo às necessidades do mercado educacio-
nal, em parceria com representantes do ensino público e privado de todo o país.
A interação eficiente da GOL com as instituições de ensino atendidas tem se mostrado
um nicho de mercado promissor. Temos orgulho de ser a única companhia aérea brasileira a
participar do PLD e, conseqüentemente, um agente fortalecedor da educação no Brasil.
Parabenizo, em nome da GOL, o PLD por seus 10 anos, e também a Revista Linha Direta,
pela sua 100ª edição, e desejo que possamos comemorar juntos outras centenas de edições.
Votos de muito sucesso.

Tarcísio Gargioni
Vice-presidente de Marketing e Serviços da GOL
27
REFLEXÕES SOBRE
EDUCAÇÃO E LEGISLAÇÃO

Parte II
O relatório de Mr. Saturnino

Cláudio de Moura Castro

· Graduado em Economia pela UFMG, com mestrado na Universidade de Yale; doutor em Economia pela
Universidade de Vanderbilt;
· professor do mestrado da PUC-Rio, da Fundação Getulio Vargas, da Universidade de Chicago, da Uni-
versidade de Brasília, da Universidade de Genebra e da Universidade da Borgonha, em Dijon;
· ex-funcionário do Ipea/Inpes; já exerceu as funções de coordenador técnico do Programa Eciel, diretor
geral da Capes, secretário executivo do CNRH/Ipea, chefe da Divisão de Políticas de Formação da OIT
(Genebra), economista sênior de Recursos Humanos do Banco Mundial e chefe da Divisão de Programas
Sociais do BID;
· presidente do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras;
· autor de mais de 35 livros e mais de 300 artigos científicos; articulista da revista Veja.

Saturno envia ao Brasil um disco voador. Para evitar as dificuldades de pronúncia, chamemos de Mr. Satur-
nino o chefe da missão exploratória do MEC de lá. Seus termos de referência: entender a nossa educação. Para
isso, compra todas as revistas e periódicos sobre o assunto. Metodicamente, põe-se a analisar o que dizem.
Mr. Saturnino fica impressionadíssimo. Lê centenas de artigos exibindo teorias complexas e abstratas. Há
duelos doutrinários, travados em linguagem rebuscada e adjetivação exaltada. Fala-se de Vygotsky, Piaget,
Paulo Freire, Foucault, Habermas, Deleuze e muitos outros. Denuncia-se a “sociedade disciplinar”1, em coro com
Foucault. Disparam-se estocadas nos “conteudistas” (Mr. Saturnino não entendeu o termo, mas concluiu que
seriam pessoas abomináveis) e nos incautos que defendem um tal método fônico. Exalta-se o “espírito crítico”,
a “transversalidade dos conhecimentos” e a “formação do homem integral”. Que país avançado é esse Brasil!
E como deve ser boa a sua educação, já que tão doutos scholars sequer julgam necessário deter-se nos
seus resultados. De fato, não há registros de problemas dignos de nota – pelo menos, as revistas não
os mencionam.
Embevecido, despacha para Saturno um relatório, sugerindo que lá se adotem as teorias discutidas tão
calorosamente no Brasil.
Mas fazia parte dos termos de referência de sua missão visitar outros países mais ricos. Imagina ele que
lá encontraria teorias ainda mais sofisticadas. Ordena ao seu piloto que faça um plano de vôo para visitar
a Coréia e Cingapura, famosas pela excelência de suas escolas. Mas, enquanto a tripulação checa mapas
e rotas, alguém lembra que são países com uma pedagogia muito peculiar. Os educadores acreditam
que basta sentar e estudar até aprender. O segredo do sucesso seria o caráter obsessivo dos estudantes. Uma
aberração da personalidade.
Mr. Saturnino pede então planos de vôo para a Finlândia, país que teria a melhor educação no mundo, e mais

31
a França e a Inglaterra, países com ensino de enorme fama. Cansado de tantas teorias, organiza visitas às escolas
desses países, para ver como conduzem suas salas de aula. A perplexidade toma conta de sua equipe.
As escolas adotam livros-texto e estes são usados metodicamente nas aulas, orientando o passo a passo da
aprendizagem. Não é curioso que os educadores não se rebelem contra a tirania e o autoritarismo dos manuais?
Pelo pouco que entendeu do que seriam “conteudistas”, concluiu que, na Europa, os professores o são, come-
tendo uma horrenda heresia.
Havia lido que “a linguagem serve para articular a experiência do grupo que a usa, formando um modo de
expressão que varia, dependendo da constituição desse grupo, de sua história e da própria evolução da lingua-
gem”. Na Europa, o texto escrito tem um único significado, que deve ser buscado pelo aluno e mostrado nas
provas. Que falta de sensibilidade cultural!
Havia também aprendido no Brasil que “o aluno é um ser concreto, produto de uma realidade social e
econômica, política e cultural. Essa realidade é o ponto de partida para o processo de apropriação do saber
sistematizado, na busca da superação de uma visão desarticulada de mundo, em direção a uma consciência
crítica. Nesse processo, o aluno desempenha o papel de construtor e reconstrutor do próprio conhecimento”.
Mas a Europa adota currículos oficiais e detalhados. O que acontece na sala de aula está indicado nos regula-
mentos ministeriais. Depois de ler tanto sobre o construtivismo, ficou chocado de constatar que, na Inglaterra, é
o governo central quem decide as formas de se “construir socialmente o conhecimento”. Pior: os regulamentos
indicam o que ensinar, como ensinar e como distribuir o tempo da aula entre diferentes atividades... Mais confu-
sa ainda ficou a sua cabeça ao verificar que, com a introdução de tão abjeto detalhamento para as aulas, o ensino
na Inglaterra havia dado um salto considerável.
Nota outra heresia. Nos países visitados, o método fônico é o único aceito pelas autoridades. Na França, o
método global fora até proibido pelo ministro. Mr. Saturnino fica abismado de ver que, na Cidade da Luz, pairam
as trevas sobre os melhores métodos de alfabetização.
Ainda ressoavam em sua cabeça as advertências de Foucault, mostrando que a escola (tal como prisões e
quartéis) é uma “instituição de seqüestro”, quando Mr. Saturnino, abismado, vê, na França, uma disciplina férrea
na sala de aula: ninguém conversa. E os recalcitrantes se arriscam a uma reguada, aplicada com competência
pela professora – e sob o beneplácito da lei. Tudo errado, pensou, não leram a imperecível obra de Foucault,
seu compatriota, em que denuncia uma escola onde há a necessidade de “criar mecanismos de vigilância e as
conseqüentes punições para aqueles que, por um motivo ou outro, não se adaptassem a um modelo preesta-
belecido de perfeição humana”. Como é possível tal ignorância, se os longínquos brasileiros citam Foucault a
cada momento?
E a interdisciplinaridade, conquista teórica irreversível de pensadores de vanguarda? Vejam só, adota-
se uma grade curricular e cada professor ensina a sua disciplina, com mínimas visitas à ciência do vizi-
nho. Pobres europeus, não descobriram que é preciso “romper com a segmentação e o fracionamento” e,
assim, compreender a interdisciplinaridade como “expressão e base do projeto político e pedagógico da escola,
culturalmente determinado”.
No Brasil, havia aprendido que a avaliação “será enriquecedora, desde que seja parte de um processo de
construção de saberes e conhecimentos, sobre intencionalidades e conteúdos, metodologias e fins propostos
com conseqüentes tomadas de decisão”. A bem da verdade, não estava seguro de haver entendido, mas fi-
cou impressionado com a erudição. Foi um choque ver, na Europa, ditados, para casa, provas e redação (esta

32
última, com estrutura fixa e definida no currículo nacional). Competem todos febrilmente pelas notas e até pelas
medalhas. Um brasileiro havia se queixado de que “parte de nossa sociedade ainda utiliza régua e compasso
para medir os indivíduos em função de suas conquistas”. Mas, na Europa, é régua e compasso para todos (e, às
vezes, a régua sozinha, para golpear a munheca do infrator). Uma lástima.
Ainda mais decepcionante foi ver como funciona a burocracia escolar da Europa. Os diretores são escolhidos
pelo Ministério da Educação, sem qualquer consulta às bases. Os diretores ousam mandar, tampouco consultan-
do alunos ou professores. No Brasil, Mr. Saturnino havia prestado atenção às denúncias contra o autoritarismo.
Mas parece que os europeus não descobriram tais abusos do poder.
Outra surpresa foi descobrir que há inspetores nacionais que, sem mais nem menos, visitam as escolas.
Arrogantemente, vão se sentar nas salas de aula, de prancheta em punho, anotando os erros e acertos dos
professores. E pobre do mestre que barbeirar seriamente. Suas promoções tornam-se mais problemáticas. Sobre
tal assunto, lembra-se de haver lido que, no Brasil, isso seria inaceitável, uma verdadeira agressão à escola e à
dignidade do professor.
Finalmente, registrou que os pobres alunos são obrigados a assistir às aulas por até seis horas todos os dias.
E são massacrados com intermináveis deveres de casa.
Interessado no comportamento bizarro dos professores, perguntou-lhes o que achavam de Vigotsky e de
Piaget. O primeiro, não conheciam. Mas conheciam Piaget: era um excelente relógio suíço, embora muito
caro. Mr. Saturnino estava completamente perdido. Como era possível que os professores não houvessem se
dedicado com afinco a ler as obras completas desses dois luminares? Como seria possível dar boas aulas sem
tal conhecimento?
Mr. Saturnino termina as visitas profundamente desapontado com as escolas européias. Fazem tudo errado.
Os grandes teóricos (europeus) mandam fazer, elas fazem o contrário. Está decidido, no seu relatório vai botar
os europeus nos seus medíocres lugares. Tanta riqueza material e tanto atraso pedagógico, diante de um Brasil
pobre, mas sábio em assuntos de educação.
Temendo a sabatina que poderia vir de algum superior ranzinza, Mr. Saturnino resolve olhar um pouco os
resultados das avaliações – que não são jamais mencionados nas revistas brasileiras que leu. Há um tal Saeb,
indicando que, na quarta série, metade dos alunos lê mal e entende menos ainda. O Inaf indica que três quartos
da população adulta sofrem de analfabetismo funcional. Em uma prova internacional de 1991, o Brasil heroi-
camente conquista o penúltimo lugar, escapando do último, porque Moçambique estava em plena guerra civil.
Mas, em 2001, no Pisa, o Brasil não escapa e fica em último lugar.
Em contraste, a Finlândia sai em primeiro lugar, no mesmo Pisa. Inglaterra e França obtêm posições invejá-
veis. Como é possível? Esses europeus fazem tudo errado e terminam com os sistemas de melhor desempenho!
Mr. Saturnino não entende mais nada. Sua primeira dúvida é muito simples. Por que as mentes tão porten-
tosas e ilustradas do Brasil nunca escrevem que a educação do país obtém resultados tão pífios? Em vez disso,
as discussões são sempre sobre teorias abstratas e planos grandiosos para transformar radicalmente o mundo.
A segunda dúvida é pouco lisonjeira para os geniais autores que leu. Se suas teorias são tão boas, por que não
permitiram ao país obter melhores resultados – que mais não fosse, melhores que seus vizinhos?
Coincidiu sua estada em Paris com o lançamento do Beaujolais Nouveau. Sentado em uma brasserie, be-
bericando uma amostra da nova safra, dá voltas à imaginação. Como seria possível que os melhores resultados
estivessem em uma Europa tradicional e autoritária, ainda praticando uma educação que as melhores cabeças

33
do globo afirmavam estar irremediavelmente errada? Em contraste, o Brasil, totalmente au courant de todas as
teorias recentes, tinha uma educação pra lá de lamentável.
Auxiliado pelo Beaujolais, vem a inspiração! O Pisa e outros tais resultados eram medidas rasteiras de
habilidades mecanicistas. Nada a ver com as conseqüências imensuráveis de uma educação libertadora e inte-
gral. Os testes eram uma medida apenas da qualidade da produção de “robozinhos” dóceis e intelectualmente
castrados. A verdadeira meta de uma educação deveria ser a criatividade e a construção do “homem integral”.
A Europa produz robôs, enquanto a boa educação produz cidadãos conscientes e criativos. Pronto. Estava
resolvido o dilema.
Satisfeito, paga a conta e sai vagando alegremente pelo Quartier Latin. Por puro acaso, passa pelo Liceu
Louis, le Grand, um dos melhores da França. Casualmente, pega um folheto, explicando que, no século XVIII, foi
necessário construir um calabouço com capacidade para 100 alunos, pois andavam muito rebeldes. Mais uma
confirmação do autoritarismo das escolas.
Contudo, ao caminhar pelos bulevares, vai vendo os nomes de ruas, estátuas e monumentos. Neles se fes-
tejava a memória de escritores, escultores, pintores, atores, compositores e cientistas franceses. Eram centenas,
famosos pelo mundo afora. Mr. Saturnino ficou pensando. Será que todos levaram reguadas da professora?
Nesse momento, Mr. Saturnino só tem uma preocupação: descobrir uma maneira de interceptar seu relatório
sobre o Brasil, antes que seja visto pela burocracia do seu MEC.
1
Todas as frases e expressões entre aspas foram retiradas, ipsis literis, de uma proposta de criação de uma escola de nível médio.
Por deferência ao autor, fica o seu nome anônimo.

34
A política de proteção integral da criança e do adolescente
e sua relação com a educação escolar no Brasil
Carlos Alberto Lima de Almeida

· Advogado, escritor e professor universitário;


· especialista em Direito Processual Civil, em Escola e em Prevenção às Drogas; mestre em Educação e
em Política Social;
· autor dos livros Somos crianças, temos direitos, mas também temos deveres!; E agora? Fecho a escola?;
e Onde foi que eu errei? O cotidiano da escola sob a visão educacional, jurídica e psicológica;
· coordenador das Comissões de Educação e Direito e de Política Social da Ordem dos Advogados do
Brasil – Seccional do Estado do Rio de Janeiro.

Introdução

A escolha do tema para o livro Em benefício da educação encontra relação com o objetivo do Projeto Linha
Direta, que é a representação dos interesses das instituições de ensino, ou seja, aquelas que desenvolvem a
educação escolar. Para cumprir sua missão – criar e desenvolver produtos, serviços e projetos educacionais em
parceria com empresas e entidades representativas do ensino público e privado, que contribuam para o forta-
lecimento da educação no país – a equipe do PLD tem na Revista Linha Direta um canal de comunicação com
as lideranças educacionais e instituições de ensino de todo o Brasil. Nessa Revista, são desenvolvidos artigos,
relatos e entrevistas de pessoas e instituições comprometidas com a educação no Brasil e no mundo.
Com o passar dos anos, diante de tantas mudanças em nossa sociedade e na legislação brasileira, as ins-
tituições de ensino têm tido a necessidade de atualização permanente, bem como de adequação à legislação à
qual estão submetidas.
Pretende-se, neste artigo, abordar a política de proteção integral prevista na Declaração Universal dos Direi-
tos da Criança e seu acolhimento por intermédio da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do
Adolescente, de 1990.
É exatamente no contexto que envolve a educação e o direito que se insere nossa colaboração com o Projeto
Linha Direta, revelando forte preocupação com a educação das crianças e dos adolescentes brasileiros, exata-
mente a partir do reconhecimento do acolhimento na legislação brasileira da política da proteção integral da
criança e da necessidade da adequação das instituições de ensino.

A política de proteção integral prevista na Declaração Universal dos Direitos da Criança

As políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e
do seu próprio interior, sendo expressão do compromisso público de atuação numa determinada área (CUNHA e

35
CUNHA, apud CARVALHO, 2002). Mas qual a significação do termo público na dimensão das políticas públicas?
Potyara A. Pereira (apud CARVALHO, 2002, p. 12) aponta que
o termo público, associado à política, não é uma referência exclusiva ao Estado, como muitos
pensam, mas sim à coisa pública, ou seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei e o apoio
de uma comunidade de interesses. Portanto, embora as políticas públicas sejam reguladas
e freqüentemente providas pelo Estado, elas também englobam preferências, escolhas e de-
cisões privadas, podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. A política expressa,
assim, a conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam a todos.

Ao esclarecerem a existência de diversos tipos de políticas públicas, as autoras destacam que a política
social é um tipo de política pública cuja expressão se dá através de um conjunto de princípios, diretrizes, ob-
jetivos e normas, de caráter permanente e abrangente, que orienta a atuação do poder público em uma determi-
nada área.
A idéia de propor uma reflexão relacionada à necessidade de adequação das instituições de ensino, a partir
do reconhecimento e acolhimento da política de proteção integral à criança e ao adolescente, no Brasil, nasce
da constatação das diversas mudanças sociais acontecidas no mundo e em nossa sociedade, com o passar
dos anos.
O marco histórico que norteará o início de nossas reflexões é o dia 20 de novembro de 1959, data em
que, por aprovação unânime, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos Direitos da
Criança, que enumera os direitos e as liberdades a que, segundo o consenso da comunidade internacional, faz
jus toda e qualquer criança.
É um marco histórico por inaugurar uma nova forma de pensar a criança e o adolescente, dando-lhes um
tratamento diferenciado e prioritário, por serem seres humanos em desenvolvimento. Vale esclarecer que muitos
dos direitos e liberdades contidos na Declaração dos Direitos da Criança já faziam parte da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral em 1948.
O que é relevante destacar é a percepção da comunidade internacional, segundo a qual as condições espe-
ciais da criança exigiam uma declaração específica. Em seu preâmbulo, diz a nova Declaração, expressamente,
que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, requer proteção e cuidados especiais, antes
e depois do nascimento. Adiante, a Declaração destaca que à criança a humanidade deve prestar o melhor de
seus esforços.
Ocorre que, apesar de a Declaração ser de 1959, apenas em 1988, com o advento da Constituição promul-
gada em 5 de outubro, consagrou-se, por força do disposto no artigo 227, o dever da família, da sociedade e do
Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
Observe-se que entre o momento da Declaração (20 de novembro de 1959) e o da promulgação da referi-
da Constituição Brasileira (5 de outubro de 1988), a legislação brasileira não agasalhava o princípio da pro-
teção integral.

36
Nem o Código de Menores de 1926, vigente na época da promulgação da Declaração dos Direitos da Crian-
ça, nem o Código de 1979 reconheciam a criança como ser humano em fase de desenvolvimento e merece-
dora de proteção.
A década de 1980 representou uma grande evolução na questão da infância, uma vez que a sociedade tomou
consciência de que o problema da criança não era exclusivo do governo, organizando-se em grupos e movimen-
tos que demonstravam ao país que as crianças pobres não tinham sequer direito à infância. A ação da sociedade
resultou no movimento A Criança e a Constituinte, que ensejou a previsão constitucional mencionada.
Em 1990, foi promulgada a Lei 8.069, de 13 de julho, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Estatuto acolheu a doutrina de Proteção Integral prevista na Declaração de 1959, que pode ser explicada com
a lição de Elisabeth Maria Velasco Pereira (2000, p. 560):
A doutrina de Proteção Integral estabelece que a família é o grupo fundamental da socie-
dade e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros e, em
particular, das crianças, e deve receber proteção e assistência necessárias a fim de poder
assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 1º, estabelece a proteção integral à criança e ao
adolescente, considerando-se criança, para efeito da mencionada lei, a pessoa até 12 anos de idade incompletos,
e adolescente, aquela entre 12 e 18 anos de idade.
De acordo com o ECA, a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata o referido Estatuto, assegurando-se-lhes, por lei
ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, men-
tal, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (artigo 3º). Também estabelece que é
dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade,
a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profis-
sionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, conforme o
artigo 4º da mesma Lei.
A garantia de prioridade, nos termos do parágrafo único do art. 4º do ECA, compreende a primazia de rece-
ber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; a precedência de atendimento nos serviços públicos ou
de relevância pública; a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; a destinação
privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Também é relevante destacar que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negli-
gência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, devendo ser punido, na forma da lei, qual-
quer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais, de acordo com o artigo 5º da Lei 8.069/90.
Na interpretação do ECA, levar-se-ão em conta os fins sociais a que a lei se dirige, as exigências do bem comum,
os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento, conforme artigo 3º da Lei 8.069/90.
Contextualizada a política de proteção à criança e ao adolescente no ordenamento jurídico pátrio, torna-
se imprescindível repensar a educação na dimensão da política social em referência, especialmente no que
concerne à educação escolar.

37
A educação e a política de proteção integral à criança e ao adolescente

A educação, nos termos da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da so-
ciedade civil e nas manifestações culturais. Mauricio Antonio Ribeiro Lopes (1999) afirma que não se pode
retirar da educação o seu sentido de manifestação global em termos espaciais e conteudísticos. Tal rol é mera-
mente exemplificativo.
Como se percebe, a educação, no sentido macro, envolve processos formativos que são desenvolvidos por
intermédio de muitos sujeitos e em diferentes locais sociais, razão pela qual constatamos muitas manifestações
relacionadas a ela.
Cada um de nós, individual e coletivamente, somos sujeitos ativos e passivos da educação, no sentido
amplo, o que equivale a dizer, em última análise, que somos responsáveis pela educação que se manifesta nas
relações mantidas no ambiente social em que vivemos, tanto por nossas ações quanto por nossas omissões.
Em tal contexto social, importa entender a afirmação de Paulo Afonso Caruso Ronca (2004), que, ao refletir
sobre o processo educacional, sustenta que a criança já nasce com um sócio: o mundo.
É nesse mundo, que engloba a vida familiar, a convivência humana, o trabalho, as instituições de ensino e
pesquisa, os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil, bem como as manifestações culturais,
dentre outros exemplos que poderiam ser citados, que a educação se desenvolverá, abrangendo os processos
formativos do ser humano.
Nesse mundo, aqui entendido no seu sentido mais amplo e envolvendo a todos nós, é que devemos assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comuni-
tária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
Em tal contexto, torna-se imprescindível que cada um de nós assuma seu papel e sua responsabilidade
social no que concerne à educação. Isso significa dizer, especificamente no que se refere à educação escolar, que
não há espaço para transferência de responsabilidades.
A educação, no sentido macro, é de responsabilidade de cada um de nós, individual e coletivamente. O artigo
205 da Constituição de 1988 fixa que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A educação, no sentido estrito, é a educação escolar. Aquela que se desenvolve, predominantemente, por
meio do ensino, em instituições próprias, conforme parágrafo 1º do art. 1º da Lei 9.394/96. A educação escolar
deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social1.
Considerando que o ensino é livre à iniciativa privada2, quando pensarmos em educação escolar devemos ter
em conta que o seu desenvolvimento tanto ocorrerá em instituições públicas quanto particulares.
Distinguir o sentido e o alcance do conceito legal de educação e de educação escolar, bem como ter a noção
dos objetivos da educação escolar e da possibilidade do seu desenvolvimento em instituições de ensino públi-

38
cas e particulares presta-se, inicialmente, a delinear o campo de responsabilidades que se pode imputar a cada
sujeito de nossa sociedade.
Pensar nas instituições de ensino e no contexto da educação escolar, portanto, implica a necessidade da
seguinte reflexão: as instituições de ensino e os profissionais da educação que atuam no setor após o ano de
1988, especialmente após 1990, desenvolvem a educação escolar reconhecendo a criança e o adolescente
como seres humanos em formação e sujeitos de direitos, ou ainda fazem uso de práticas do passado, que não
reconhecem tal condição?

Como será o amanhã?

É difícil pensar em como será o amanhã. Mas é possível contextualizar a educação escolar diante das trans-
formações sociais e legais ocorridas em determinado lapso temporal.
Demonstrar que a educação escolar é reservada às instituições de ensino pode trazer à tona, a partir do exa-
me da legislação educacional vigente, elementos para uma reflexão quanto aos limites de sua atuação, e apontar
uma perspectiva da responsabilidade de outros sujeitos para além dos muros da escola.
Ao determinar o marco de nossas reflexões na aprovação, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, da
Declaração dos Direitos da Criança (1959), tivemos a intenção de demonstrar, inicialmente, quanto tempo demo-
rou para que a legislação brasileira acolhesse a política de proteção integral à criança (1988-1990).
De 1990 até o presente ano de 2006, muitos passos têm sido dados para difundir a importância da adequa-
ção das instituições de ensino à política de proteção à criança e ao adolescente.
Na perspectiva do nosso trabalho ao longo dos anos, inclusive, modificamos também nossa percepção da
escola como ambiente neutro para percebê-la como um local de intensa luta, em que os profissionais da educa-
ção têm importante papel político na formação das atuais e futuras gerações.
As escolas não são neutras, mas sim, intencionais – diz Rosana Rebelo (2002). A própria relação da edu-
cação com a cidadania revela a sua importância para que os indivíduos possam conhecer e compreender os
seus direitos e, conseqüentemente, lutar pela sua aplicação e eficácia. Ricardo Oriá (1997, p. 151) nos deixa a
seguinte lição:
Consideramos que a escola tem um papel fundamental nesse processo. É ela, em última ins-
tância, o locus privilegiado para o exercício e formação da cidadania, que se traduz, também,
no conhecimento e na valorização dos elementos que contrapõem a nossa realidade cultural.
Ao socializar o conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras gerações
para a construção de novos conhecimentos, a escola está cumprindo o seu papel social.
Também é relevante destacar, na mesma linha de sustentação de José Carlos Garcia (1999), a noção de que é
impossível desconectar o educador da ambiência em que vive, das condições históricas que o fizeram ser o que
é, exatamente para proporcionar uma reflexão sobre a responsabilidade dos sujeitos envolvidos com a educação
escolar, sob a ótica de participação e de ingerência nos destinos históricos e sociais do contexto onde eles se
encontram inseridos.
Tais considerações revelam a importância de demonstrar aos educadores que a política social de prote-
ção à criança e ao adolescente é um tipo de política pública cuja expressão se desenvolve por intermédio de

39
um conjunto de princípios, diretrizes, objetivos e normas, de caráter permanente e abrangente, contidos na
Constituição Brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja efetivação no ambiente escolar depende
exclusivamente deles.
Para tanto, é preciso que os profissionais da educação, e todos os envolvidos com as instituições de ensino,
reconheçam as crianças e os adolescentes como sujeitos em situação peculiar de desenvolvimento e pessoas
portadoras de direitos.
Conforme discutimos em nossa pesquisa de mestrado,

crianças nascem, crescem, viram adolescentes e depois adultos. Mas até alcançarem tal mo-
mento de suas vidas – a fase adulta –, são apenas crianças, são apenas adolescentes. E muitas
vezes é mais fácil – e deve-se dizer: conveniente – para os adultos rotularem crianças e ado-
lescentes de forma depreciativa – como “difíceis”, “tiranos”, “ditadores”, “sem modos”, “sem
respeito”, dentre outros exemplos – do que perceberem suas próprias dificuldades em perce-
bê-las como seres humanos em fase de formação, enfim, sujeitos de direitos e que necessitam
de sua proteção e auxílio para o seu desenvolvimento (ALMEIDA, 2005, p. 106).

E como é possível proceder à adequação das instituições de ensino à política de proteção à criança e
ao adolescente no Brasil? Para responder a tal questão, é preciso, inicialmente, entender que não há uma res-
posta padrão, ou seja, não nos parece possível que a adequação se desenvolva de uma forma padrão para todas
as instituições de ensino.
Isto significa que a adequação dos regimentos escolares à política de proteção à criança e ao adolescente
é um importante passo para reconhecê-los como seres humanos em fase de desenvolvimento, de formação, en-
fim, sujeitos de direitos e que necessitam de sua proteção e auxílio. Mas, para que seja feita corretamente, deverá
respeitar a identidade de cada escola, que é revelada por intermédio do respectivo projeto político-pedagógico.
Trata-se de um processo trabalhoso, que difere das malsinadas práticas de cópias de regimentos es-
colares e de projetos político-pedagógicos adotadas por muitos daqueles que atuam no setor educacional. Tam-
bém não nos parece pertinente a prática de encomendar regimentos escolares e projetos político-pedagógicos
para assessorias especializadas.
É que tais instrumentos – projeto político-pedagógico e regimentos escolares – devem traduzir a educa-
ção escolar pretendida, ou seja, devem ser o reflexo do envolvimento e do compromisso dos profissionais da
educação e da instituição de ensino.
E como a escola não é de papel, vale dizer que o dito e o feito devem estar em harmonia com o escrito.
Significa dizer que não basta que os instrumentos de organização da escola estejam adequados à política de
proteção à criança e ao adolescente. É preciso, no dia-a-dia, que a escola viva a relação com as crianças e os
adolescentes, reconhecendo-os como seres humanos em formação e sujeitos de direitos.
Mas é preciso também dialogar com o sócio. Qual sócio? O mundo.

Conclusão

Se as escolas tiveram responsabilidade na construção da sociedade em que nossos antepassados viveram,

40
e na desta em que hoje vivemos, o fato é que, agora, nós também somos responsáveis, tanto em relação ao
momento atual quanto ao nosso legado para as futuras gerações.
Pensar no que cada um de nós pode fazer para a efetivação da política de proteção à criança e ao adolescente
é um importante passo para a formação de adultos que tenham a noção dos seus direitos, mas que também
sejam conhecedores dos seus deveres.
Dispensar às crianças e adolescentes de hoje o necessário respeito aos seus direitos pode ser a semente
necessária para que os adultos de amanhã (crianças e adolescentes de hoje) dispensem aos idosos de amanhã
(adultos de hoje) o mesmo respeito, o respeito às políticas de proteção social. Mais do que isso. É ter a dimen-
são do ciclo da vida e da responsabilidade que todos nós temos no sentido da construção da sociedade em que
hoje vivemos e na qual desejamos viver no futuro, nosso legado para as futuras gerações.
1
O art. 20 da Lei 9.394/96 dispõe que as instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias: I – particulares
em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito
privado que não apresentem as características dos incisos abaixo; II – comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por
grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de pais, professores e alunos, que inclu-
am em sua entidade mantenedora representantes da comunidade (Redação dada pela Lei nº 11.183, de 2005); III – confessionais,
assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a
orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior; IV – filantrópicas, na forma da lei.
2
O art. 209 da Constituição Federal de 1988 estabelece que o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Carlos Alberto Lima. No meio do caminho tinha uma pedra: a disciplina escolar e sua relação com a
política de proteção à criança e ao adolescente no Brasil. 2005. 114 p. Dissertação (Mestrado em Política Social).
Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2005.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal,
Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Poder
Legislativo, Brasília, DF, 16 de julho de 1990, Seção 2, p. 013563.
BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Diário Oficial da
União. Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 de setembro de 1990, Seção 1, p. 000001.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei Darcy Ribeiro – Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Diário Oficial da União. Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 de dezembro de 1996, Seção 1,
p. 027833 1.
CARVALHO, Alysson et al. Políticas públicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
GARCIA, José Carlos. De sem-rosto a cidadão – A luta pelo reconhecimento dos sem-terra como sujeitos no
ambiente constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.

41
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei 9.394, de
26.12.1996: Jurisprudência sobre educação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
PEREIRA, Elisabeth Maria Velasco. O conselho tutelar como expressão de cidadania: sua natureza jurídica e a
apreciação de suas decisões pelo Poder Judiciário. In: PEREIRA, Tânia da Silva (Org.). O melhor interesse da
criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 551– 573.
REBELO, Rosana Aparecida Argento. Indisciplina escolar: causas e sujeitos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
RONCA, Paulo Afonso Caruso. Quem são nossos filhos? Compreender o mundo para saber educá-los. São
Paulo: Edesplan; Vitória: Hoper, 2004.
ORIÁ, Ricardo. Educação. Cidadania. Diversidade cultural. Revista Humanidades, Brasília, n. 43, p. 151 – 159, 1997.

42
Conto da sustentabilidade

Marcus Vinícius Santos Ferreira

· Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais;


· diretor da Asas Produções, desde 1986;
· coordenador geral do Projeto Circuito Ambiental, desde 1998, e do Projeto Plantando o Futuro,
desde 2001;
· ex-diretor superintendente da Cosmotec Empreendimentos S/A;
· coordenador de Comunicação e Mobilização Social do Fórum Estadual Lixo e Cidadania do
Estado de Minas Gerais;
· coordenador geral do Programa Fazer Acontecer, desde 2003.

Aquela manifestação coletiva em uníssono do final de reunião ficara na sua memória nos últimos dois
meses. A caminho da sua escola, o diretor se perguntava: “Será que novamente teremos aquele ‘barulhinho
bom’?” Era dia da Plenária dos Projetos em todas as salas de aula. Hoje, durante parte da manhã, ele acompanhará
a reunião da sala 7.
– Quem é o senhor? – quis saber um dos alunos, ainda na porta da sala.
– Eu sou o Márcio Cipriano, diretor da escola.
– Ah, é? Muito prazer.
A professora de matemática, Marta, ao lado do Afonso, de português, no meio da roda formada com os
alunos, provoca o debate:
– Bom dia a todos. Podemos começar? Por que estamos aqui hoje?
Essa era a senha para que os grupos de pesquisa formados no bimestre respondessem quase que ao mesmo
tempo: “... para aprender a conhecer...” e iniciassem as apresentações das perguntas, ainda sem respostas, de
cada grupo. Esse pinga-fogo antecedia o trabalho de redação dos relatórios.
– Equipe da Transparência, a bola está com vocês, propôs Marta.
– Galera – disse Ana Paula para os seus colegas de roda – foi muito engraçada a cara que o meu pai fez ao
ver o balancete da escola. Antes de ajudar o meu grupo a entender os números, ele perguntou como tínhamos
conseguido aqueles papéis. “Uma escola que mostra balancete para seus alunos!” – exclamou ele.
– É... Mas uma dúvida ficou no ar, lembrou Thiago. Como é que a escola vai arrumar dinheiro para equipar
o auditório? Vocês se lembram do orçamento?
O professor Afonso, dirigindo-se ao time da Ética, responsável pela entrevista com um dirigente de uma
empresa de cosméticos, provocou:

43
– E aí, descobriram como foi formada a empresa?
Alexandre aceitou o desafio:
– Professor, segundo o Flávio Montes, diretor de operações, eles começaram há 37 anos, com um pequeno
laboratório, em São Paulo, e hoje possuem quase meio milhão de vendedoras de porta em porta, filiais em cinco
países, dezenas de prêmios de responsabilidade social...
– O cara ficou meio engasgado quando eu perguntei se as vendedoras deles possuem carteira assinada,
completou Patrícia. Perguntei também se a empresa seria viável se tivesse que arcar com os encargos trabalhis-
tas. Ele ficou de pesquisar e responder por e-mail.
Mateus, integrante do grupo Consumo Consciente, interrompendo Patrícia, contou:
– Sem graça ficou o gerente de marketing do shopping que visitamos ontem, diante do comentário da
Roberta a respeito da campanha de liquidação do início do ano.
– Bem-feito! – exclamou Roberta. Colocar na rua uma propaganda daquelas! Compre e fique zen! Só se for
“zen dinheiro” – eu disse a ele. Esse tipo de abordagem deveria ser proibido.
– É... Mas o shopping estava lotado – retrucou Mateus.
– Muito bem. Podemos começar o desenvolvimento dos relatórios? – perguntou Marta.
– Espera um pouco, professora – interrompeu Bernardo, do grupo de Inovação Tecnológica. Eu gostaria de
saber se alguém aqui ouviu falar de capitalismo natural. É que, ao pesquisarmos sobre inovação, descobrimos
esse novo conceito, e gostaríamos de ajuda.
Como ninguém se pronunciou, Marta, que também nunca tinha ouvido falar do tema, incentivou:
– Vamos lá, Bernardo, conta pra gente o que é isso...
– Professora, respondeu Bernardo, nosso grupo precisa pesquisar mais... Ao que parece, é uma mudança
interessante no jeito de fazer negócios: entre outras coisas, ao invés de a empresa buscar vender seus produtos,
ela trabalha para alugá-los aos seus clientes.
– Ué! – Roberta se espantou. Vão acabar com os shoppings?
Ainda faltava um bom tempo para o final daquela manhã de debates; contudo, o diretor parecia ter uma
certeza: novamente o “barulhinho bom” de protesto para que o encontro não terminasse seria ouvido. Por ele,
não sairia dali, embora já passasse das 10h e tivesse várias providências para tomar, inclusive assistir às pales-
tras do XII Encontro Estadual de Gestão, à tardinha. Pelo “agora, não” repetidas vezes, só às 13h ele conseguiu
sair da sala, o que ocorreu com um misto de felicidade e esperança.
Já no Encontro, a repetição da pergunta “Qual o sentido da vida? Qual o sentido de sua vida?”, feita pelo
palestrante, acordou Cipriano. Era um cochilo muito confortável, mas a pergunta merecia o despertamento.
O palestrante insistia:
– Que pessoas queremos formar? Aquelas que almejam obter no mercado a satisfação de suas angústias
ou as que vivem para aprender que somos seres incompletos e em busca do, ainda, não-feito?
Sem perder o sorriso e falando pausadamente, mais questionamentos do orador:
– Estamos gerando seres humanos que se orientam pelo umbigo ou que incluem o outro, o diverso, o
diferente nas suas emoções e gestos?
O auditório parecia incomodado. Como responder a essas perguntas com a rotina, a pressão diária, os
compromissos de ontem que não foram atendidos e que insistem em “arranhar os calcanhares”? Apesar de certo
desconforto na vizinhança, o diretor se sentia bem. A primeira pergunta era fácil para um educador, pensava ele.

44
Falou consigo mesmo, baixinho:
– Imagina... Eu formo pessoas, este é o sentido da minha vida. Além, é claro, da minha família, dos
meus amigos...
O palestrante não desistia de provocar a platéia:
– Quanto custa a sua vida? Por quanto você me vende o tempo que falta para você?
– Não vendo, nunca! – foi a resposta do diretor, como se a pergunta tivesse sido feita apenas para ele.
A negativa saiu em um tom acima do que seria normal. Algumas pessoas viraram-se e o encararam, numa
mistura de censura, surpresa e, quem sabe, alegria pela convicção da resposta.
A palestra chegava ao fim. Hora de ir para casa. Mas a pergunta daquele sujeito não lhe saía da cabeça, assim
como o “barulhinho bom” dos seus alunos...
– Tubo bem! Eu não a vendo... Nem a alugo... Eu, honrosa e prazerosamente, dôo a minha vida... Dôo-a para
participar de uma comunidade dialógica de crianças, jovens, adultos e idosos e discutir a melhor maneira de
viver neste planeta Terra, com plenitude humana, consciência crítica, paz, generosidade, inclusão social, fruição
das diferenças, amor... sustentabilidade!
– Márcio! Márcio! Saia dessa introversão onírica e feliz e vá para a escola, que você já está atrasado,
homem! – disse sua esposa, sacudindo-lhe os ombros, ao ver que um sorriso imenso lhe aflorara aos lábios.

45
A Microsoft, ao longo dos últimos anos, vem realizando diversas iniciativas voltadas para
o segmento educacional brasileiro.
Mais recentemente, decidimos reunir tais iniciativas em uma proposição de valor que
permitisse ao gestor educacional o entendimento claro a respeito das ações da empresa para
este mercado.
Isto resultou não só em uma comunicação diferenciada, como também na apresentação de
eventos pelo país, elaborados exclusivamente para os gestores educacionais e de tecnologia
das instituições.
Tal proposição de valor possibilita o entendimento claro, por parte das instituições de
ensino, de como a Microsoft poderá ajudá-las neste grande desafio que é a educação
no século XXI, em cujos processos de ensino e aprendizagem a tecnologia é uma poderosa
ferramenta.
Foi nesta direção que o Projeto Linha Direta permitiu à Microsoft levar ainda mais lon-
ge este seu desafio, por meio da elaboração de estratégias completas de comunicação que
propiciam estender nossos benefícios para tomadores de decisão, peças-chave dentro do cenário educacional,
assim como ampliar a nossa cobertura por canais até então inexplorados.

René Birocchi
Gerente de Negócios Educacionais da Microsoft – Brasil

Nada substitui o talento

Dos atributos necessários a uma instituição ou pessoa empreendedora, dentre os quais


iniciativa, energia e determinação, um é indispensável: o talento.
Talento não faltou a Marcelo Chucre, jovem quase imberbe na época em que fundou o
Projeto Linha Direta, em 1997. Talento para perceber e antever a necessidade latente do mer-
cado. Talento para escolher talentosos profissionais e agregá-los a seu projeto. Talento para
buscar e conseguir as melhores parcerias. Talento para não se acomodar no sucesso rápido.
Assim, o Projeto Linha Direta, que inicialmente levava às escolas particulares da base
territorial do Sinep/MG novas alternativas para o aperfeiçoamento, alçou vôo para contem-
plar os Sinepe’s do Brasil e demais entidades ligadas à educação, integrando-os nacional-
mente. Seu veículo de comunicação e formação educacional e administrativa é a Revista
Linha Direta.
O Linha Direta é um projeto vitorioso, que tem contribuído para o crescimento das empresas de educação do
Brasil, empresa da qual a Rede Pitágoras tem o prazer de ser parceira desde a primeira hora.

Walter Braga
Presidente do Pitágoras

46
O Projeto Linha Direta, ao longo desses dez anos, vem implementando um trabalho valioso
para a educação brasileira. Atuar em parceria com esse Projeto significa, para a Rede PQS,
uma aliança estratégica importantíssima no âmbito nacional. De fato, iniciativas nobres como
essa do presidente Marcelo Chucre e sua competente equipe enaltecem e fortalecem o nosso
trabalho, e o de todos os que lutam por uma educação de maior qualidade no Brasil. Suas pu-
blicações e artigos na Revista Linha Direta, bem como sua ação e participação em congressos
e seminários educacionais, consultoria e relacionamento são alguns dos fatores que concreti-
zam a parceria com a Rede PQS. Na verdade, é difícil mensurar a amplitude desse Projeto, mas
seus frutos são efetivos e facilmente percebidos: os benefícios para a educação.

Daniel Vorcaro
Diretor Executivo da Rede PQS

Acreditamos que a RM Sistemas possa ser considerada exemplo de empreendedorismo


porque atuamos no mercado, ao longo de 20 anos, de forma responsável e arrojada. A empre-
sa é o resultado do sonho e do trabalho árduo de dois jovens sócios que não hesitaram em
formar um grande time de profissionais obstinados, que se propuseram a fazer da marca uma
referência de mercado, oferecendo produtos de qualidade, reconhecidos nacionalmente e no
exterior.
Em 1998, quando decidimos investir em softwares de gestão para a área educacional,
iniciamos nossas pesquisas e estudos sobre as demandas do segmento conscientes da reali-
dade e dos anseios dos profissionais da educação.
Lutando por nosso propósito, por diversas vezes escutamos que, se quiséssemos ter
sucesso nesse segmento, o caminho mais eficiente e curto seria o Projeto Linha Direta. Não
tivemos dúvidas. Iniciamos a parceria, deixando claro que a ação seria promovida somente por
12 meses, em caráter experimental, apenas.
Hoje, passado esse período, temos orgulho em dizer que somos líderes de mercado e que
nosso produto foi considerado pela revista Exame “O Melhor Software de 2005”.
Marcelo Chucre e sua equipe são exemplos de empreendedorismo, sucesso e garra. Com competência
e afinco, o trabalho deste grupo conquistou a RM Sistemas e proporcionou resultados concretos para ambas
as partes.
Parabéns pelo sucesso. Estamos certos de que muito mais está por vir.

Leonardo Diniz Mascarenhas


Diretor de Marketing & Relacionamento da RM Sistemas

47
GESTÃO PEDAGÓGICA

Parte III
Educação: competição X cooperação

Gabriel Chalita

· Doutor em Filosofia do Direito e em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP; mestre em Direito e em


Ciências Sociais, também pela PUC-SP; bacharel em Direito e Filosofia; membro da Academia Paulista de
Letras e da União Brasileira de Escritores;
· autor de 39 livros, entre os quais Seis lições de solidariedade; A ética do rei menino; Educar em oração;
Os dez mandamentos da ética; Pedagogia do amor e Educação: a solução está no afeto;
· professor dos programas de graduação e pós-graduação da PUC São Paulo e da Universidade Presbi-
teriana Mackenzie;
· ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal de Cachoeira Paulista (Estado de São Paulo); ex-se-
cretário de Estado da Secretaria da Juventude, Esporte e Lazer do Governo do Estado de São Paulo; ex-con-
selheiro do Fundo Social de Solidariedade; ex-secretário de Estado da Educação de São Paulo; presidente
do Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed – por dois mandatos.

Jean-Jacques Rousseau, na carta a Christophe de Beaumont, escreve que a juventude jamais se ex-
travia por sua própria conta, e que todos os seus erros decorrem do fato de ter sido malconduzida. Em
Emílio, o filósofo fala da condução do jovem, ou do adulto, ou da criança – da educação, em suma. Mas
educação no sentido de um processo funcional de desenvolvimento de habilidades que proporcionem o
conhecimento do que há de melhor no ser humano. Aprender a ser. Rousseau, ao tratar do “bom selva-
gem”, chama a atenção para o fato de que, em estado primitivo, o homem tinha um estado de felicidade
natural, e até de piedade, como o que se nota nos próprios animais.
Seria como um cantor que, sozinho, canta sua canção, e com ela fica feliz. Ou um dançarino, um es-
cultor ou artesão. De repente, surge alguém que faz a mesma coisa. E as pessoas começam a dizer para o
primeiro artista: “Esse fulano, que acaba de chegar, canta, dança ou esculpe melhor do que você”. Assim
surgem as comparações, que geram competições. E essas competições vão ter como conseqüência uma
desenfreada busca pelo poder. Surge um conceito de posse. Surge a coisificação do ser humano.
A competição, sob esse prisma, não leva à evolução, mas ao desejo de destruição. Leva ao esvazia-
mento da espontaneidade. Porque tudo o que se quer é conseguir ser melhor do que o outro.
A educação contemporânea trabalha com essa dicotomia entre competir e cooperar. O processo de
avaliação leva, muitas vezes, a uma exacerbação da competição, e o vestibular caminha na mesma dire-
ção: “Quem é o melhor? Quem sabe mais? Quem consegue vencer?” E a escola, refém desse diapasão,
acaba por ensinar com acordes desafinados.
Na vida profissional, quem vale mais não é aquele que decorou mais coisas, mas o que é capaz de
partilhar, de trabalhar em equipe, de desenvolver autonomia e criatividade. Quando se tenta homoge-
neizar o processo educativo, destrói-se a criatividade. Cada aluno é diferente e isso o torna rico, único.

51
Suas possibilidades não podem ser reduzidas a uma visão que compara e iguala os diferentes. Porque a
simples comparação leva a uma competição desnecessária. Por essas razões é que consideramos que a
autonomia deve ser a palavra. Aprender a conviver. Aprender a respeitar as diferenças, e, mais do que
isso, aprender com elas. Raça superior não existe, nem gênero superior, nem etnia privilegiada. Não há
cidadão de primeira ou de segunda categoria. A cidadania é para todos. Para todos os diferentes, porque
iguais não há.
A educação tem de ser reinventada o tempo todo. Mas, em nenhuma hipótese, pode-se jogar fora o
que já se construiu. O ceticismo e a visão distante da realidade levam a um certo descrédito da popula-
ção com relação às políticas públicas de educação. E há muita coisa séria sendo realizada em diferentes
Estados e municípios brasileiros.
Como exemplo, uma das políticas de inclusão social e familiar é a abertura das escolas nos fins de
semana. Alunos, professores, funcionários, ex-alunos e pais de alunos se juntam para freqüentar as
escolas, que oferecem atividades esportivas, culturais, de saúde e geração de renda. É um espaço de
paz. Somente no Estado de São Paulo, mais de 5.800 escolas estão envolvidas no Programa Escola da
Família – que, aliás, foi apresentado como modelo em diversos congressos internacionais. Trata-se de
uma educação significativa, que gera conhecimento na ação. Aprender a conhecer. Aprender a fazer.
O Estado de São Paulo tem sido chamado a levar suas ricas experiências em educação até Paris, Buenos
Aires, Madrid, Washington, Londres, entre outros lugares do mundo mais desenvolvido. Muitos Estados
brasileiros estão abrindo as escolas nos fins de semana e obtendo, como resultado, a diminuição da
violência e a construção de uma escola acolhedora.
A educação é a política pública que sustenta as demais. Tem poder de melhorar a renda e diminuir
a violência, de prevenir doenças e construir qualidade, de escrever o presente e preparar para o futuro.
Portanto, educação é prioridade. Essa frase é uma constante no discurso de educadores, filósofos, polí-
ticos, e não encontramos quem discorde disso. Mas, do discurso à prática, há um percurso necessário a
ser feito. Alguns Estados do Brasil estão trilhando esse caminho e avançando da teoria para a realização.
São aqueles que investem em educação de excelência, tanto no conceito quanto na gestão.
A melhoria do ensino público está diretamente subordinada a três importantes passos, etapas que
precisam ser implementadas com determinação e compromisso político. A primeira delas é universalizar
o ensino, ou seja, fazer o necessário para abrir vagas para todas as crianças e jovens em idade escolar
(e mesmo elevar o número de alunos inscritos em programas de alfabetização de jovens e adultos). Um
grande salto foi dado na universalização da educação básica. Resta garantir a mesma oportunidade aos
jovens e crianças de outras etapas do processo educativo. A segunda etapa é reduzir a evasão escolar,
hoje na vergonhosa média histórica nacional de quase 20%. Em São Paulo, foi possível chegar a menos
de 1% na educação fundamental e a menos de 5% no ensino médio, graças principalmente à adoção
de uma postura mais afetiva de professores e funcionários para com os alunos. A terceira etapa, afinal,
é melhorar a qualidade do ensino, com a capacitação de professores e a implantação de ações como a
qualificação do currículo escolar, o aumento da jornada de aulas e, principalmente, o envolvimento da
comunidade nas atividades escolares.
Mas não bastam prédios e discursos. As políticas de educação pública precisam do talento das pes-
soas para funcionar. Por isso os governos estaduais e municipais devem se dedicar também à gestão dos

52
funcionários da educação pública – exigindo a participação do governo federal. Investir na capacitação
de docentes, aumentar sempre que possível o número de profissionais, por meio de concursos públicos,
para todos os quadros da carreira do magistério, e, antes de tudo, mostrar respeito e afeto pelos educa-
dores e funcionários. Os profissionais respondem e a qualidade do ensino melhora.
A educação, sem dúvida, passa pelo afeto. Um tratamento digno e respeitoso aos funcionários, pro-
fessores e alunos repercute de maneira positiva na relação ensino-aprendizagem. A família que se sente
acolhida pela escola dos filhos participa mais. E o aluno, quando percebe que a escola é dele, que
suas ações podem refletir na melhoria da escola, não abandona os estudos e ajuda a transformar o
ambiente escolar. Nessa evolução, é possível construir uma escola mais eficiente, mais democrática,
mais acolhedora.
Foi o que conseguimos fazer, por exemplo, em São Paulo. Resultados: nenhuma greve em toda a
gestão do governador Geraldo Alckmin; nenhuma das lamentáveis filas que antes se formavam em portas
de escola para que os pais conseguissem vagas para os filhos; nenhum livro faltando; nenhum aluno
voltando para casa sem aula por falta de professor.
O conceito que sonhamos ver aplicado em todo o país é o da escola inclusiva e democrática, com
o currículo ampliado, mantendo a criança mais tempo no ambiente escolar, e com a efetiva participação
dos pais e da comunidade. Iniciativas como essa levam à diminuição efetiva no registro de ocorrências
de violência em escolas. O mais importante, porém, é o resultado direto dessas iniciativas, que é o
crescente número de pessoas que se sentem motivadas a voltar para a escola. É o que se comprova pelo
aumento da demanda do Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos. São Paulo registrou um salto
impressionante de mais de 20 vezes no número de matrículas, nos últimos quatro anos. Temos hoje 800
mil jovens que voltaram para a escola. Em 1995, tínhamos 30 mil.
Para que se conseguisse a implantação do Programa Escola da Família, houve a participação mais
que cidadã de três organizações: a UNESCO, o Faça Parte e o Instituto Ayrton Senna. É, seguramente,
o grande modelo de sucesso na educação pública do Brasil, também porque dá oportunidade a mais
de 40 mil educadores universitários bolsistas. De um lado, esses estudantes recebem bolsa-auxílio e
têm os estudos custeados pelo maior programa de concessão de bolsas de estudo do país, realizado
em parceria com 342 instituições particulares de ensino superior; de outro, eles contribuem com a sua
comunidade e com a sua própria formação profissional e pessoal, trabalhando aos fins de semana nas
escolas públicas.
A educação é processo e, como tal, não se resolve em uma ou duas gestões. A permanência dessa
política fará com que esses aprendizes, com o tempo, escrevam uma história melhor. E a torcida é gran-
de. Há centenas de ONG’s, empresas privadas, voluntários que acreditam na força da parceria. E que se
dispõem a conhecer a escola pública e a trabalhar com ela.
Pequenas, porém grandiosas revoluções como essas respondem à inquietação de Rousseau. Pois não
há legado maior que os pais possam deixar aos filhos, e que os governos possam deixar aos cidadãos,
do que uma educação de qualidade.
E é esse fazer político, firme e concreto, que conduzirá a juventude para o caminho do bem. Os países
que acreditaram nesse sonho encontram-se hoje em um patamar superior. O Brasil tem um povo criativo
e trabalhador, uma marca de gentileza e de generosidade. Oxalá tenhamos, no comando, governantes com

53
princípios e com responsabilidade. E que a memória dos incrédulos leve em conta as realizações de cada
dia, de todo dia, que fazem a diferença.
Escolas públicas ou privadas. Educadores de crianças, jovens ou adultos. O caminho é o da coope-
ração. Despertar o aprendiz para a necessidade da convivência, do respeito, da ética. Despertar para o
equilíbrio emocional. Precisamos de educadores e educandos educados! Educados para com eles mes-
mos e para com os outros. Educados para com o meio ambiente, com a pólis, a cidade em que vivem. É
assim que se constrói o respeito e a competência, sem perder de vista que inteligência sem coração, na
metáfora da emoção, não leva a lugar nenhum.

54
Enem: uma ferramenta de sucesso1

Átila Lira

· Deputado federal no quarto mandato pelo Estado do Piauí;


· secretário nacional da Secretaria do Ensino Médio e Tecnológico do Ministério da Educação no governo
do presidente Fernando Henrique Cardoso;
· membro do grupo de trabalho responsável pela criação do Fundef e do grupo de trabalho da Lei de
Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96);
· coordenador da Reforma Nacional do Ensino Profissional e do Ensino Médio;
· deputado federal Constituinte (1988);
· membro das Comissões: Educação, Constituição e Justiça, Redação e da Comissão Especial para Pa-
recer ao PL nº 4.530/04, que instituiu o Plano Nacional da Juventude. Foi relator da Comissão Mista para
análise da MP nº 213/04, que instituiu o Programa Universidade para Todos – ProUni – e autor do Projeto
de Lei que resultou na Lei nº 11.161, de 5/8/2005, que tornou obrigatória a oferta do ensino da língua
espanhola nas escolas da rede pública brasileira.

Este artigo discute o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como parte de uma das principais políticas
estruturantes implantadas no Brasil nos últimos anos: a avaliação do sistema educacional brasileiro e o modo
como esta decisão política vem interferindo no planejamento e na qualidade do ensino médio no Brasil.
O processo de avaliação do sistema educacional brasileiro inscreve-se no contexto das novas tecnologias
aplicadas ao planejamento do processo de gestão institucional como uma ferramenta eficiente na busca da
construção de níveis de qualidade da educação básica no Brasil.
O Enem constitui-se num importante instrumento, não só de avaliação, mas também, e principalmente, de
orientação na concepção e execução de novas políticas públicas na área de educação, especialmente em relação
ao ensino médio. Por outro lado, o Exame representa o início de um processo de democratização e universaliza-
ção do acesso de jovens das classes de menor prestígio na escala social ao ensino superior, antes excludente. O
antigo modelo de seleção para ingresso na universidade, aparentemente democrático, favorecia os jovens cujas
famílias, via de regra, ocupavam melhores posições socioeconômicas e, portanto, podiam preparar melhor seus
filhos para a universidade, essencialmente na competição por vagas nos chamados cursos nobres, que tradicio-
nalmente representam status intelectual e social. O fator socioeconômico é um dos que favorecem a exclusão

55
da maioria dos jovens em relação ao ensino superior, pois remete ao processo de privação cultural a que estava
submetida a maioria desses jovens, obrigada a se inserir no mercado de trabalho informal, muitas vezes ainda
na infância, para ajudar financeiramente as suas famílias.
O Enem permite também um planejamento da expansão dos ensinos médio e superior, visando oportunizar
condições mais equânimes de acesso à universidade; promove ainda a preparação das futuras gerações para a
dinâmica da gestão e produção de bens e conhecimentos de que o país precisa para se desenvolver e participar
da competição nessa nova ordem mundial, caracterizada pela queda de barreiras as mais diversas, a saber: a)
barreiras territoriais, em que a concepção de Estado nacional tradicional se enfraquece em função de um super
Estado global; b) barreiras lingüísticas, que permitem a ampliação da expressão e significação de idéias, com a
incorporação de um novo vocabulário universal, imposto pelas sociedades que lideram e promovem as transfor-
mações, especialmente as oriundas da produção dos conhecimentos científicos e tecnológicos; c) barreiras cul-
turais, em que as relações neocolonialistas impõem novos valores que permeiam as relações sociais dos povos
que exercem posições instrumentais nesta nova ordem; e d) barreiras produtivas, em que o capital, o trabalho
e a natureza internalizam outra dinâmica em relação ao capitalismo tradicional, influenciado pela aceleração do
desenvolvimento industrial e do sindicalismo, passando a constituir um novo campo de relações entre capital
e trabalho.
Essas novas relações construíram o conceito de desenvolvimento sustentável e, em conseqüência, surgiram
inovações tecnológicas e a preocupação ambiental; em contrapartida, temos crises financeiras e desemprego,
produção em grande escala para as sociedades de consumo, shopping centers que mantêm o consumo como elo
central das relações capitalistas – ou seja, uma nova organização da produção (a globalização). Esta evolução
passou por várias fases. No final do século XIX, tivemos o chamado imperialismo; nos anos 50 e 60, as multina-
cionais; nos anos 90, a criação da Organização Mundial do Comércio – OMC –, culminando com a globalização
ou mundialização, produzindo fenômenos como a oligopolização e a regionalização, com influência direta nos
currículos escolares.
O processo de avaliação nacional do ensino médio como ferramenta de decisão e execução de políticas
públicas sinaliza a inserção do sistema de ensino numa perspectiva estratégica, considerando-se que a nova
razão social tem como fundamentos principais o relativismo, a complexidade e a virtualidade 2 nas formas de
criação e expressão nos diversos campos do conhecimento: na antropologia, nas artes plásticas, na astronomia,
no audiovisual, nas ciências cognitivas, na cultura pop, no direito, na educação, na economia, na filosofia e
filosofia da ciência, na geografia, na história, na informática (internet), na política, na religião, nos sistemas de
comunicação, na sociologia, no sexo e na teoria literária.
No campo educacional, sua interferência se percebe nas reformas da legislação e dos currículos escolares, na
ênfase na formação para o mundo do trabalho e na formação continuada, no controle e avaliação dos sistemas,
na gestão planejada, na preocupação com os clientes (alunos), na introdução da tecnologia como diferencial
da competição de mercado, na responsabilidade educacional da família e do Estado, bem como na privatização,
na introdução de novos cursos superiores, na diversificação do acesso à universidade e na preocupação com a
formação para a cidadania.
Neste aspecto, a LDB 9.394/96, em seu artigo 26, diz que o currículo deve conter “uma Base Nacional Co-
mum a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.”
No artigo 36, a mesma Lei insere no currículo “a educação tecnológica básica, a compreensão do significa-

56
do da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua
portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.”
Considerando-se essa Lei, já citada, articula-se a importância da racionalidade emancipatória do Enem,
aferindo e sistematizando competências e habilidades dos alunos do ensino médio através de um processo
inovador de avaliação da educação básica brasileira, tendo em vista uma visão de futuro para o aprimoramento
da formação de futuros profissionais e cidadãos.
A partir do Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (Paiub), criado pela Sesu/MEC
em 1993 e aprovado em 1994, que tinha por objetivo consolidar os instrumentos de avaliação existentes, a
necessidade de um sistema de avaliação da educação básica se fez sentir enquanto instrumento de tomada de
decisão, embora só tenha sido criado legalmente nos anos 90.
O Enem fundamenta-se em variada legislação, de acordo com o ano. Isso denota um processo de aperfeiço-
amento da avaliação da educação básica no país e a sua consolidação. Com isso, apesar de todas as formas de
resistência à implantação do processo de avaliação no sistema educacional brasileiro, a prática não só a legiti-
mou como um instrumento imprescindível para uma administração científica, mas também começa a criar uma
cultura da avaliação no interior das instituições e a consciência de sua necessidade para o alcance de resultados
reclamados pela sociedade brasileira.
O quadro a seguir indica a legislação básica referente ao Enem desde a sua criação e poderá servir como
informação aos interessados em aprofundar seus conhecimentos a respeito do assunto.

-
-
-
-
-
-
-
-
-
Fonte: MEC/Inep

A proposta de avaliação da educação básica inspira-se nos padrões de exigência para a construção de uma
identidade de universidade da sociedade do conhecimento, em busca de: a) um processo permanente de pla-
nejamento e gestão; b) um processo de sistematização de indicadores para a tomada de decisão institucional,
visando responder com qualidade às demandas da sociedade; e c) um processo permanente de aperfeiçoamento
acadêmico-técnico-administrativo, com vistas a um impacto socioeconômico positivo.
Nos últimos anos, as discussões em torno da avaliação do Sistema Educacional Brasileiro têm enfatizado
três questões fundamentais para torná-la consentânea com a produção e aplicação da ciência e com os avanços

57
da sociedade do conhecimento: o processo democrático legítimo; a autonomia em função da responsabilidade
social; e os processos de avaliação como fundamento da legitimação social da instituição.
O processo de avaliação constitui-se, hoje, num instrumento para a definição de políticas, visando orientar
ações e relações do ensino no cumprimento de suas finalidades.
A chamada sociedade do conhecimento impôs à escola novas funções e desafios, diversificando suas formas
de atuação, não mais centrada somente na formação para o mercado de trabalho, mas também no campo da
pesquisa, da oferta e da prestação de serviços. Isso exigiu da escola uma reflexão radical sobre:
· o ensino;

· as políticas governamentais e institucionais;

· a necessidade de racionalização dos recursos disponíveis e otimização de resultados;

· a qualidade dos serviços prestados à sociedade;

· a qualidade da produção científica, humanista e tecnológica;

· a formação de profissionais críticos, éticos e participativos.


A informática trouxe uma nova lógica de viver e agir sobre a natureza. Introduziu novas idéias e novas
possibilidades, antes inconcebíveis. Dentre algumas dessas idéias, destacam-se a da interatividade através
da internet, mas não se restringe a ela, como, por exemplo, nos programas de TV, em que o telespectador não
só escolhe o tipo de programa, mas também o seu desfecho. A idéia de conectividade permite o intercâmbio
de diversos tipos de informações entre computadores, em qualquer parte do mundo, e a solução cooperativa
de problemas. Outra idéia é a da emergência, segundo a qual o todo é maior que a soma das partes, isto é,
o sistema visto como um todo contém propriedades que não podem ser identificadas quando se consideram as
partes individualmente. A conseqüência deste conceito é que se possa tornar algo complexo a partir de com-
ponentes simples, e que, através da interação entre as partes, surja o complexo. Um exemplo disso são as re-
des neuronais artificiais, que, interligadas, apresentam capacidade de aprendizagem ou de operação complexa.
Ou os jogos de computador, em que o usuário é capaz de criar. No caso da internet, há uma tendência à con-
vergência de tecnologias já existentes, como o telefone, a TV etc. Um ponto positivo nesta interação é que
ela cria uma linguagem comum para diferentes redes e máquinas que, de alguma maneira, quebra a tentativa
de monopólio de mercado. A informação, embora possa deixar de ser um objeto de poder, se se considerar que
todos terão acesso a esses benefícios tecnológicos, continuará, ainda, por muito tempo, objeto de exclusão
nas sociedades de classe, uma vez que tais acessos são distribuídos proporcionalmente, conforme a posição de
cada classe no modo de produção.
Daí surge o questionamento: como articular os instrumentos de informação de modo a garantir subsídios para
o planejamento e tomada de decisão em função do alcance dos objetivos institucionais e sociais da escola?
A proposta de avaliação contínua do ensino possibilita o aperfeiçoamento do planejamento técnico-acadêmi-
co e administrativo da gestão, habilitando-a na concorrência de mercado, tornando visível a qualidade dos seus
serviços e a legitimação social como forma de consolidação de identidade institucional da escola.
Além dos aspectos contextuais, institucionais e gerenciais de definição de políticas públicas, o Enem, origi-
nalmente, tem o objetivo de avaliar competências e habilidades para auxiliar o estudante a identificar suas po-
tencialidades individuais, orientando suas futuras escolhas, não só para a continuidade de estudos, mas também
para o exercício profissional. Um grande número de universidades e faculdades no Brasil utilizou os resultados
do Enem para realizar o processo de seleção de ingresso no ensino superior.

58
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep –, em 2005,
mostram que o Enem teve mais de 3 milhões de inscritos, realizando-se os exames em 730 municípios brasilei-
ros; dos 900 mil inscritos, concorrentes à bolsa do ProUni, 100 mil foram beneficiados.
Para efeito de ilustração do Enem/2005, inserimos o quadro a seguir, com dados por região.

Fonte: MEC/Inep
Notas:
- Tabela elaborada pela DTDIE/Inep.
- Valores referentes aos alunos presentes na prova e que responderam a esta questão no questionário socioeconômico.
- Dos 2.200.618 participantes presentes, 983 não informaram a UF.
OBS.: O Inep alerta que, sendo o exame voluntário, deve-se ter cautela no estabelecimento de comparações entre resultados.

Por fim, a sociedade do conhecimento exige mais que um simples profissional. Requer que a sua formação
tenha como princípios de referência:
· os direitos humanos, com alicerce na urgência da igualdade e dignidade humana;

· a garantia do acesso e da permanência do indivíduo no processo de aquisição de conhecimentos básicos,


necessários à sua inclusão social, política e econômica;
· o desenvolvimento para a democracia e cidadania, com orientação voltada para a oferta de igualdade
de condições;
· a garantia da inclusão do indivíduo nos processos sociais, bem como sua participação ativa e convi-
vência democrática;
· o respeito à pluralidade de idéias, desenvolvimento de potencialidades de conhecimento, julgamento
e escolha;
· a contribuição para o desenvolvimento econômico e social, sustentada na garantia da qualidade do en-
sino, na gestão democrática, na valorização dos profissionais da área, na formação para o trabalho e para os
valores humanísticos, científicos e tecnológicos.
Neste sentido, o Enem tem o mérito de fornecer indicadores para subsidiar a ação de políticas públicas para
a promoção da inclusão socioeconômica e para a formação intelectual e profissional do cidadão.

59
1
Enem – Exame Nacional de Estudantes do Ensino Médio. Criado pela Portaria nº 438, de 28 de maio de 1998, do Ministério da
Educação.
2
O termo virtual foi usado pelo filósofo francês Gilles Deleuse (1925 – 1995), no livro Diferença e repetição, não em oposição a
real, mas para uma compreensão ampliada da realidade, para descrever multiplicidades, superando as noções de possível real da
filosofia tradicional.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério
da Educação, 2000.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC). Brasília: www.inep.gov.br.
Acesso em 20/4/2006.

60
O processo da escrita e a formação profissional

Carlos Eduardo Carrusca Vieira

· Mestrando em Psicologia Social pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Fe-
deral de Minas Gerais;
· psicólogo do Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte/MG;
· graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

“Escrever é conhecer: conhecer-se, desenvolver-se, transfor-


mar-se, deslocar-se. É exercer um distanciamento que beneficia
a consciência, o conhecimento.” (KAVAKAMA, 2001, p. 45)
Introdução

Há algum tempo, o Projeto Linha Direta vem se constituindo como um espaço profícuo para a discussão de
temas relacionados à educação na contemporaneidade. Com a missão de fazer avançar o conhecimento e produ-
zir novas propostas, tem contribuído para um redimensionamento das indagações dos atores sociais envolvidos
no processo educativo. É com esse intuito que buscamos apresentar reflexões sobre o processo da escrita e a
formação profissional.
Em artigo publicado na Revista Linha Direta (n. 96, mar. 2006), abordamos alguns aspectos relativos ao
ensino e à prática da escrita na academia, indicando as contradições presentes nas formas como é concebida e
ensinada. Aqui, iremos refazer esse percurso, buscando recuperar a positividade do processo de escrita como
prática relevante na formação profissional.

Os (des)caminhos da escrita na academia

No âmbito dos cursos de graduação, certos fatos devem ser analisados, se pretendemos compreender as
interfaces entre o ensino, a prática da escrita e a formação profissional.
Habitualmente, a prática da escrita entre os alunos decorre de uma solicitação docente. A redação de resu-
mos de obras, trabalhos em grupo, resenhas, provas e avaliações em geral são alguns dos momentos em que
se exige que os alunos escrevam.
Interessante notar que a qualidade dos textos produzidos pelos estudantes provoca reclamações por parte do
corpo docente, embora raramente elas sejam formuladas como um problema a ser criteriosamente examinado.

61
As queixas são relativas aos erros de concordância, coerência, coesão, pontuação, aos tropeços na gramática e à
estética do texto, que, geralmente, não é cuidada. Contudo, há também reclamações concernentes a uma escrita
que se particulariza por suas especificidades: a escrita acadêmica.
Um texto escrito para a academia difere de outros produzidos em época precedente no que diz respeito a seus
objetivos e exigências. Exige-se do estudante de graduação a habilidade de convocar as vozes de outros autores
para o diálogo em seu texto, de articular conceitos e argumentações, explicitar caminhos metodológicos, dentre
outros. Esta modalidade de escrita está vinculada aos objetivos propostos pela vida acadêmica, aos métodos
de pesquisa e, enfim, a todo o aparato científico que tem por justificativa produzir, organizar e divulgar este tipo
específico de conhecimento. Por essa razão, pode-se afirmar que o desconhecimento da proposta científica, de
suas práticas e métodos prejudica a produção desse gênero textual.
A despeito do fato de que a escrita é um problema de grande amplitude na graduação, ela não é diagnosticada
como uma questão pertinente à formação. Em momento algum ela se torna um alvo de reflexão. Por isso, na
academia, simplesmente se escreve, como se a escrita que o estudante dominava quando ingressou no ensino
superior se transformasse, naturalmente, numa escrita acadêmica. Enfim, escreve-se, mesmo sem o conheci-
mento das exigências desse gênero textual. Kavakama (2001, s/n) identifica como uma das causas disso o fato
de que “a concepção de língua como habilidade a ser adquirida nos anos que antecedem o estudo universitário
faz com que a academia não se sinta responsável (...)”.
Se há aí uma preocupação por parte do professor, ela diz respeito à necessidade de que o texto esteja legível.
Considerando-se que o lugar deste docente é o de um interlocutor da academia, dever-se-ia pensar em que
consiste essa legibilidade e na responsabilidade do curso em desenvolvê-la.
Do lado dos alunos, parece ocorrer uma escrita encarada como “terminal” (KAVAKAMA, 2001), que, apa-
rentemente, tem a simples função de apresentar aquilo que já se pensou e que, agora, o professor ainda quer
que se coloque no papel. Nessa concepção, como ela é apenas a formalização de algo que já foi pensado, o
aluno constrói com ela uma “relação burocrática”, para usar outra expressão de Kavakama (2001). A produção
de trabalhos orientada por essa idéia é vivida como algo desagradável por parte dos estudantes. O processo de
escrita parece ter se tornado uma atividade mecânica, um fazer solicitado pelo outro e que, na perspectiva do
estudante, nada lhe acrescenta. Não reconhecida como processual, ela é percebida como limitada a si mesma,
incapaz de oferecer algo mais.
Essa concepção de escrita, tão presente na academia, é constantemente alimentada pelas práticas que efeti-
vamente ocorrem e, principalmente, pela ausência de leituras e de diálogo sobre os textos produzidos. O comum
é que a produção textual do estudante, elaborada em determinado período da graduação, seja esquecida depois
de pontuada. Ao longo desse percurso, os alunos aprendem que só extraordinariamente seus textos serão lidos
ou apreciados e que é muito improvável que alguém lhes diga algo sobre a sonoridade de seu texto. Sabem que o
comum é receberem em seus textos alguns “vistos” e/ou “rabiscos” (de seus professores), pouco significativos
do ponto de vista da aprendizagem e do desenvolvimento da escrita. Porém, quando se deixa de lado o texto,
sem oferecer oportunidades para releituras e reelaborações, o estudante não toma consciência das dificuldades
inerentes ao processo de escrita. Esse fato contribui inclusive para que o aluno pense que produzir um texto é
algo simples, e veja a si mesmo como alguém que “escreve bem”. Não é raro, por isso, que o aluno se assuste
quando um leitor lhe devolve, por meio de uma escuta afiada do texto, as sensações e os pensamentos que teve
ao realizar a leitura.

62
Toda essa trajetória, no mínimo problemática, pode ter como desfecho uma produção de textos escritos para
cumprir uma formalidade, produções alijadas do investimento e do desejo do estudante. Progressivamente, ob-
servamos também a aquisição de um saber, por parte dos alunos, já descrito por Kavakama (2001, p. 15): “Sem
muita demora, aprendi a que e a quem gratificar com um empenho maior ou a quem fornecer apenas o suficiente
para não ser reprovada”.
Diante dessas explanações, não é difícil compreender que a conclusão de Kavakama (2001, s/n) tenha sido
a de que “(...) essa mesma concepção interdita a experimentação da escrita como criação, comprometendo o
conhecimento novo e a possibilidade de perceber o estudante como autor”.
Distantes da concepção que toma a escrita como um procedimento, pretendemos desvelá-la como uma ati-
vidade que convoca inteiramente o escritor, exigindo-lhe a construção de saberes e habilidades, no incessante
confronto entre seu pensamento, sua subjetividade e a materialidade do texto.
Entretanto, para atribuirmos novos sentidos à escrita na academia, é preciso reconhecer o desconforto que
a sua prática produz e buscar ir além. Fala-se muito a respeito do que “falta na escrita”; contudo, pouco se
escreve sobre as inúmeras exigências que esse processo faz ao escritor e sobre os conhecimentos que suscita.
Devido à sua dimensão tácita, as estratégias, as operações e os recursos colocados em jogo nessa atividade
raramente são percebidos e/ou verbalizados por aqueles que escrevem e, tampouco, podem ser reconhecidos
ou explicados pela observação. Por isso, para pensarmos a positividade desse processo, é preciso entendê-lo
“por dentro”.

Por dentro da atividade da escrita

O processo de produção de um texto parte de uma idéia ou de um tema, que captura o escritor, sem que ele
saiba as motivações subjetivas mais profundas que o movem ou o modo de tornar palpáveis seus pensamentos.
A escrita principia desse relativo desconhecimento, que vai da gestação da palavra ao seu parto. Estar frente a
uma folha de papel ou à tela do computador, buscando pela escrita, exige o esforço de escrever aquilo que às
vezes parece existir apenas em imagens mentais e diálogos internos fragmentados ou desconexos.
“Eu tenho tudo na cabeça, mas não consigo passar pro papel”. É comum escutarmos isso de alguém que
busca escrever. Entretanto, uma análise preliminar dessa atividade revela que, ao contrário do que se imagina,
o escritor não tem “tudo na cabeça”. Certamente ele tem vastas idéias sobre o assunto de que deseja tratar,
imagens, concepções e desejos que ganharão uma outra forma a partir da própria escrita. Contudo, ele não é
capaz de antecipar o que a atividade de escrita irá desencadear, no que tange às reformulações. Escrever é um
movimento pelo qual a reorganização das idéias se traduz em uma materialidade, passível de ser apropriada pelo
escritor. Assim, um texto é o produto de uma reorganização que só ocorreu devido à prática da escrita1. Por isso,
podemos dizer que se aprende com ela2.
Um ponto capital desse movimento é que ele não é a simples transcrição daquilo que já se pensava. É tam-
bém o surgimento de algo novo – de insights –, derivado do diálogo entre a objetividade de um texto e as pos-
sibilidades do pensamento. Por isso, é preciso ter em vista que esse processo decorre, também, do andamento
que a atividade dá ao pensamento.
Outro aspecto importante é o fato de que há sempre um destinatário da escrita. E quando escrevemos, nos
esforçamos por tornar essa escrita reconhecível a esse outro que, em princípio, somos nós mesmos (leitores).

63
Quanto a isso, cabe uma consideração: esse “eu” pelo qual nos definimos conhece algumas regras da gramática,
da norma culta, e se expressa por formas sociais. Por esse motivo, as vozes que o habitam nasceram também
de suas relações com os outros. Suas palavras nascem das relações sociais, dos diálogos internos, do encontro
singular desse sujeito com sua história, com uma situação que o mobiliza.
À medida que avança na produção de um texto, o escritor pode esforçar-se por elucidar assuntos iniciados
e navegar para territórios ainda desconhecidos, nesse duplo movimento de escritor e leitor. Se o caminho se faz
no caminhar, que fique claro que a escrita também só se faz no escrever.
Nesta breve análise, destacamos alguns elementos importantes deste processo. Entretanto, consideran-
do-se sua concepção como habilidade relevante para a aprendizagem, surge outra questão: como ensinar a
escrita acadêmica?

Sobre o ensino e a prática da escrita: em busca de sentido

A tarefa de auxiliar na aprendizagem da escrita não é exclusividade do professor de português ou de uma


matéria específica, como metodologia científica3, por exemplo. A prática de escrever pode ser trabalhada em
qualquer disciplina, com maior adesão dos alunos, desde que se considerem alguns aspectos importantes.
Obviamente, se os alunos não têm gostado de produzir textos, deve-se buscar primeiro a compreensão
desse fato, para depois sugerir formas de produção capazes de mobilizar os estudantes. Foram mencionados
aqui alguns dos fatores que levam a uma vivência desagradável e interrompida4 da escrita. Agora, já podemos
enunciar algumas questões fundamentais sobre o envolvimento dos alunos com seus textos. O que mobiliza um
estudante para a escrita? A resposta a essa indagação requer uma aproximação de sua subjetividade que, embora
não seja o nosso foco aqui, faz-se necessária.
Ao estudar a forma pela qual um sujeito estabelece uma relação com o saber, Charlot (2000, p. 52) reintro-
duziu uma dimensão fundamental em sua análise: a do desejo. “Por sua condição, o homem é um ausente de
si mesmo. Carrega essa ausência em si, sob forma de desejo. Um desejo que sempre é, no fundo, desejo de si,
desse ser que lhe falta, um desejo impossível de saciar, pois saciá-lo aniquilaria o homem enquanto homem.”
A escrita pode tornar-se um espaço de manifestação do desejo, oferecendo a possibilidade da busca e
construção de si. Por sua vez, pensar em um sentido implica admitirmos que “faz sentido para um indivíduo
algo que lhe acontece e que tem relações com outras coisas de sua vida, coisas que ele já pensou, questões
que ele já se propôs” (CHARLOT, 2000, p. 56). Cabe, por isso, esclarecer que é a relação de um sujeito
com a vida que fará advir um sentido para sua escrita que, por ser fruto de uma relação do escritor consigo,
com um outro e com a objetividade de seu mundo, poderá auxiliá-lo a desvendar os enigmas com os quais
se depara.
Para escrever, é preciso que o fio de sua história se encontre com a temática significante para ele, cons-
tituindo um enlace vital. As propostas de produção textual na academia podem servir não só à formalização,
mas à reapropriação e valorização das experiências do estudante, capazes de transformá-lo em um autor. Ao
contrário do que se poderia supor, por meio da escrita o escritor não transforma apenas a folha de papel: ele
age sobre si mesmo. Nesse processo, o sujeito faz “uso de si” (SCHWARTZ, apud CHARLOT, 2000, p. 54).
É importante, contudo, deixar claro o que entendemos aqui por autor. Na distinção de Kavakama (2001,
p. 119), o termo corresponde ao sujeito “que adquire autoridade de réplica ao conhecimento adquirido em

64
qualquer momento de sua vida de estudante. Portanto, é aquele que deixa de reproduzir, repetir e passa a se
pronunciar como alguém que se deixou atravessar pelo conhecimento e o transformou.”
A implicação do sujeito com aquilo que escreve auxilia e intensifica o seu contato com aquilo que vive, sente
e estuda. Escrever pode, assim, se tornar uma “questão de vida”.

Considerações finais

Ao sugerir a produção de um texto, o professor deve considerar as condições objetivas da proposta. Uma
sala de aula cheia, tumultuada, pode não ser o melhor local para que se produzam textos que exijam um grande
esforço cognitivo. Já ouvimos de alunos que, nessa situação, é difícil escrever “algo que não seja superficial”.
Por outro lado, o uso do computador na produção de textos é destacado pelos estudantes como uma ferramenta
extremamente interessante, que vai além da estética que o layout de um texto impresso pode tomar.
Na produção realizada com o computador, o escritor tem a possibilidade de rever, cortar, apagar, reescrever e
trocar frases e parágrafos de lugar. Tais movimentos quase não são reconhecidos como importantes na dinâmica
da produção da escrita. Contudo, denotam uma mobilidade fundamental desse processo, que exige opera-
ções cognitivas diversas. De fato, não se podem generalizar as possibilidades de desenvolvimento da escrita
sem examinar as situações concretas em que se dão a sua prática e aprendizado. Contudo, algumas questões
devem ser pensadas ao se sugerir uma produção escrita: com que finalidade se solicita essa escrita? Quais
serão os possíveis interlocutores e leitores? Por que se escolhe determinado formato para a produção? Qual a
participação dos alunos na definição da proposta?
Gostaríamos de enfatizar, particularmente em relação à leitura, o quanto é importante escutar o que os textos
produzidos pelos estudantes têm a dizer5. Mesmo que, a princípio, nos deparemos com a repetição, por parte
dos alunos, ou com a insistência deles em uma escrita burocrática. É preciso fazer emergir um saber sobre
a persistência desse sintoma, desvelando, pela escuta do interlocutor, a implicação do escritor com seus escritos
e as marcas de sua história, inclusive acadêmica. Que se faça o convite aos alunos, para que retornem aos seus
próprios textos e os ouçam. Ao lerem suas produções textuais, marcadas pela escuta de um outro, que lhes
aponta a repetição, poderão tomá-lo como objeto de sua crítica e reconduzi-los a outros mares. É dessa forma
que podemos ensinar a escrever: ensinando a repensar e revisar os textos produzidos.
Para finalizar, entendemos que a concepção de processo aqui é fundamental para se pensar o ensino
da escrita. A atividade de escrita ultrapassa a mera execução, pois se constitui como atividade em processo
e, por isso, há que se considerar que a escrita do estudante, na academia, segundo Kavakama (2001, p. 30),
“não deveria então refletir nem prontidão, nem conclusão: deveria refletir iniciação, transformação, desen-
volvimento.”
1
Curiosamente, muitas vezes o escritor fica tão “aprisionado” à forma concreta do texto que sente dificuldade em dar continui-
dade à sua escrita. Também aqui se mostra fundamental a interlocução de um leitor que auxilie o escritor a desatar os “nós” que
encontra em seu texto.
2
O estudante aprende também pela apropriação que faz das relações que construiu, concretamente, por meio de sua escrita, entre
conceitos, teorias, fatos. Ele pode visualizá-las e escutá-las em seu texto. O processo da escrita se constitui em uma possibilidade
de reorganizar o pensamento, tendo a materialidade do texto como apoio.

65
3
Uma questão intrigante é que, na academia, freqüentemente, as formas e normas têm precedido os porquês. Isto pode ser observado nas
aulas de metodologia científica, quando encontramos estudantes que citam autores sem sequer saberem a razão disso. Às vezes, há rigor
no ensino, mas não se percebe o sentido desse rigor, muito menos das normas.
4
Freqüentemente, solicita-se aos alunos que produzam uma diversidade de textos, em uma mesma disciplina, sem que lhes sejam
dadas condições para avançar na reelaboração desse material, como feedback sobre o texto escrito ou oportunidades para realizar
a apresentação e leitura dos textos, entre outros. Mas uma análise desse fato não pode ser superficial, pois há também constrangi-
mentos da própria organização e das condições de trabalho do professor que o prejudicam na realização do empreendimento que
é ler as centenas de textos elaborados. Não se pode atribuir essa responsabilidade aos professores, sem que se compreendam as
contradições existentes em seu trabalho. E isto, é claro, a partir da percepção do próprio professor acerca de sua atividade.
5
É preciso recuperar aqui o postulado de Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura
desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente.” (FREIRE,
1983, p. 11 – 12).

Referências bibliográficas

ALVES, Rubem. Escritores e cozinheiros. In:_____ . O retorno e terno – crônicas. 12ª ed. Campinas: Papirus,
1997. p. 155 – 158.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Tradução: Bruno Magne. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul, 2000.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1983.
GARCIA, Regina Leite. Para quem investigamos – para quem escrevemos: reflexões sobre a responsabilidade
social do pesquisador. In: MOREIRA, Antônio Flávio et al. Para quem pesquisamos, para quem escrevemos: o
impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez, 2001.
KAVAKAMA, Eveline Boutellier. Fragmentos de um discurso acadêmico. 2001. Tese (Doutorado em Educação)
– Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2001.
SOARES, Magda. Para quem pesquisamos? Para quem escrevemos? In: MOREIRA, Antônio Flávio et al. Para
quem pesquisamos, para quem escrevemos: o impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez, 2001.
TEBEROSKY, Ana. Para que aprender a escrever? In: TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana (Orgs.). Além da
alfabetização: a aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. São Paulo: Ática, 1996.
VIEIRA, Carlos Eduardo Carrusca. A produção da escrita acadêmica. Revista Linha Direta, Belo Horizonte, n. 96,
p. 10 – 11, mar. 2006.

66
A leitura e o professor

Gabriel Perissé

· Mestre em Literatura Brasileira (USP) e doutor em Educação (USP);


· pesquisador e professor do Mestrado em Educação do Centro Universitário Nove de Julho (SP);
· autor de vários livros, entre os quais O professor do futuro (Ed. Thex) e Elogio da leitura (Ed. Manole).

Ensinar a ler é tarefa docente das mais importantes. Ler os livros, ler as pessoas, ler o mundo. Leitura plena,
crítica, interpretativa. Leitura das entrelinhas.
Todos os países têm procurado soluções para fazer da criança e do jovem melhores leitores. O ministério
da Educação da França, por exemplo, divulgou, faz alguns anos, o que seria um novo programa escolar para
a escola primária. Conforme palavras do então ministro Jack Lang (ver http://www.education.gouv.fr/
discours/2000/primaire.htm), a intenção era garantir o desenvolvimento harmonioso da criança, levando em
consideração sua sensibilidade, inteligência racional e consciência cidadã, além de suas habilidades práticas.
Tal programa pretendia ainda garantir à criança um arsenal de saberes básicos e suficientemente sólidos, a
fim de torná-la capaz de encarar os desafios do futuro.
A “novidade” mais significativa desse programa para melhorar o ensino fundamental era muito simples: ver
no idioma francês a discipline-phare, o farol, a disciplina orientadora entre todas. Ficava estabelecido que, nas
classes, houvesse pelo menos duas horas diárias dedicadas à leitura em voz alta de textos, contos, poemas, e
que a garotada escrevesse e falasse mais.
Todas as disciplinas eram vistas, assim, como formas de estimular o aprendizado do idioma, tema trans-
versal por excelência. Tudo muito simples. Simples porque vai à essência do problema complexo, oferecendo
solução factível, embora exigente. Simples: a leitura é determinante. “Quem não lê, não pensa, e quem não pensa
será para sempre um servo”, dizia Paulo Francis, com a sua falta de papas na língua.
De nada vale um vestibulando querer dominar mil e um truques para passar, se não aprender a interpretar
corretamente o enunciado das questões a que deverá responder. Pouco adianta uma pessoa conseguir insta-
lar um software, se não souber discutir sobre a importância e as limitações da informática na vida cotidiana.
Um empresário pode ser muito criativo e ousado, mas sua criatividade e ousadia morrerão com ele se não
souber transmiti-la.

67
Em suma, uma pessoa sem leitura, alheia à literatura do seu país, sem o conhecimento iluminador do idioma,
é um eunuco do espírito, é estéril.
Não é raro encontrar, em redações para vestibulares ou outros tipos de exame, frases que revelam estarre-
cedora confusão mental. Numa, escrevia o seu autor: “por isso eu luto para atingir os meus obstáculos”. O que
comprova que ele há muito tempo perdera de vista seus verdadeiros objetivos! Trecho de outra redação: “O que
é de interesse de todos nem sempre interessa a ninguém”. E o pior é que ele tinha razão.
E o que é de interesse de todos? O que de fato interessa a todos nós, no mais profundo de nosso ser, e exige
dos professores coerência máxima em termos didáticos? O que é de interesse de todos, e qualquer um pode
descobrir ser do interesse de todos, uma vez que bastaria ler com cuidado o que os mestres da educação nos
legaram, ler os textos-chave da melhor filosofia da educação?

Leitura e linguagem docente

Como diziam os antigos, “nemo dat quod non habet” – ninguém dá aquilo que não tem. O professor, a
professora, para ensinar, necessitam estudar. Um estudo que evite os livros encharcados de pedagogês, esse
jargão grudento, com poder quase infinito de complicar as coisas, como se a situação da educação no Brasil e
no mundo já não estivesse bastante complicada. Um estudo que evite, igualmente, aqueles livros de “auto-ajuda
educacional”, cujo sentimentalismo e superficialidade simplificam demais os nossos problemas, e perdem a
oportunidade de ajudar efetivamente...
A linguagem docente não pode ser apenas uma linguagem decente. Isso já seria muito, mas ainda é pouco...
O professor-leitor se revela na linguagem. E nós a identificamos assim, criativa – mesmo que se trate de ensinar
matemática, química, física, ou de falar sobre quaisquer outras matérias que os racionalismos reducionistas
excluem do âmbito artístico –, por ser uma linguagem que comove, toca, provoca, às vezes choca, mas sempre
leva o ouvinte a se interiorizar, a experimentar emoções fortes, decisivas, talvez contraditórias, capazes de des-
pertar-nos integralmente para uma visão mais lúcida da realidade.
A magia inerente à linguagem eficaz, como dizia o poeta e ensaísta Herbert Read, nasce do esforço prazeroso
para que se instaure uma harmonia entre nós e o mundo. É a linguagem reveladora, a linguagem da descoberta.
Essa linguagem que nos sussurra, enigmática, como numa canção presa aos nossos neurônios: “não se pertur-
be nem fique à vontade”. Uma linguagem que supõe “luta pela expressão”, título forte de um livro de filosofia
da literatura que alcançou relativo sucesso nos anos 40 do século passado, da autoria do professor Fidelino
Figueiredo.
Luta pela expressão. O livro com este título foi escrito em plena Guerra Mundial, tempo de dores, de an-
gústias, e representou também a luta do autor para esquecer os horrores e dissabores da época, realizando no
papel uma harmonia ausente nos fatos históricos. Como observou outro professor, Antônio Soares Amora, no
prefácio à terceira edição, nos anos 70, o estilo de Fidelino “é cativante, pela clareza na exposição das idéias e
pela expressividade das comparações e das metáforas”.
Do professor, esperamos linguagem cativante, expressiva, repleta de metáforas, de vitalidade, de clareza.
Cada professor terá a sua expressividade, seu repertório de metáforas, sua maneira pessoal de atingir a clareza,
mas estas são precisamente as características que esperamos de uma linguagem educadora.
O pensamento humano é verbal, e cada ser pensante, em particular o professor, cujo papel, entre outros, é

68
pensar ao vivo, diante da platéia dos alunos, tem o dever de eleger palavras suas, de compor expressões que
iluminem suas idéias. As preferências (ou obsessões?) verbais de um professor são a sua marca registrada, o
tempero de seu conhecimento, por mais árida que seja a matéria a ensinar.
Adquirir estilo ao falar (e escrever) depende da leitura variada e contínua. Ler constantemente, de modo re-
flexivo, conduz o professor à maturidade lingüística, que por sua vez permite que ele seja um criador e recriador
das palavras.
Quando Martin Heidegger forjava um sentido próprio, existencialista, para a palavra “autenticidade”, impri-
mia em seu discurso de professor a marca de sua visão pessoal. A mesma coisa podemos dizer da expressão
“Eu sou eu e minha circunstância”, criada pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset. O élan vital, o impulso vital
de que falava Henri Bergson tornou bergsonianas essas duas palavras, assim unidas: impulso vital. E quando o
escritor mexicano Octavio Paz se referia a uma “imensa minoria” de leitores, conseguia, com este fino paradoxo,
vencer a limitação da linguagem prosaica e captar uma sutileza do mundo dos livros. E, quando lemos num
fragmento de Heráclito que “o caminho que sobe é o mesmo que desce”, nesta simplicidade aprendemos como
apreender e como fazer perdurar uma intuição ao mesmo tempo complexa e genial, pois o aparentemente óbvio
neste subir e neste descer demonstra o não tão óbvio: as realidades do mundo são passíveis de nos elevar ou
nos fazer despencar, dependendo de nosso livre caminhar no caminho.
Enfim, a linguagem, com sua maravilhosa ductilidade, constitui matéria-prima primordial do educador. Na
linguagem, podemos ganhar ou perder. Ganhar, se nos tornarmos poetas do prosaico. Perder, se abusarmos da
linguagem, se nela depositarmos o amargor ou o ressentimento, como naquela fala infeliz que um professor,
vítima da síndrome das “pérolas-aos-porcos”, soltou em momento de raivosa sinceridade com seus alunos,
numa escola de periferia: “Se eu, na minha época de estudante, tivesse tido um professor como vocês têm, hoje
não estaria dando aula para vocês.”

Leitura e respeito pela palavra

O professor respeita a palavra porque respeita seus alunos. E respeita também aquilo que precisa ensinar.
Tríplice respeito. O professor, empregando palavras apropriadas, olhando para o aluno real, atento ao aluno em
suas reais condições, dará a este aluno acesso a uma ciência, a um conjunto de idéias e de saberes, tudo isso
em clima bem-humorado, pois o riso em nada prejudica o siso...
O respeito pelas palavras baseia-se num pressuposto ontológico: as palavras podem ensinar por si mes-
mas. Nas palavras, o saber acumulado dos séculos se esconde, ou melhor, fica ali reservado, alojado, à espera
de quem o queira saborear. Neste sentido, qualquer pessoa pode ensinar, se repetir oportunamente as palavras
ensinantes. Vejamos o caso dos provérbios, frases que trazem em seu bojo antigas verdades. Se o analfa-
beto repete um desses provérbios, e eu o ouço com atenção, posso aprender algo decisivo para a minha vida.
Shakespeare chegou a dizer que curava suas aflições com provérbios!
O provérbio italiano “La sorte è come uno se la fa” ensina o que a humanidade, em muitos lugares e diferen-
tes momentos da história, aprendeu a duras penas: que cada pessoa carrega sobre seus ombros a responsabi-
lidade de decidir sobre sua própria vida, decisões que influenciam e determinam seu destino. Ou, como dizia o
grande enxadrista cubano Capablanca, “a good player is always lucky” – um bom jogador sempre tem sorte –,
pois a sua sorte, o bom destino de seu jogo depende de cada lance bem-feito no tabuleiro da vida.

69
Gorki, relatando sua trajetória de escritor, fez um elogio inesquecível aos provérbios que, com exemplar
precisão, resumem “toda a experiência vital social e histórica do povo trabalhador”. Para um escritor (e estendo
essa recomendação aos professores), “é imperativo estudar este material”, pois nele aprendemos o essencial
sobre a existência.
Não precisamos ir à escola para ouvir provérbios, para aprender com a imensa sabedoria acumulada em mi-
lhões de frases e aforismos. Bastaria que sobre eles meditássemos e absorvêssemos os ensinamentos que gente
simples e sábia depreendeu do seu contato com a vida vivida. Mas um outro pensamento também é possível. Se
as famílias perdem suas raízes, se o contato com a sabedoria antiga se enfraquece, definha e se extingue, cabe
justamente à escola e ao professor relembrarem essas verdades que a todos pertencem... e que se refugiaram
na letra escrita.
Sem sermos os únicos provedores do saber e do conhecimento nessa terra, nós, professores, vivendo profis-
sionalmente de sermos professores, temos, por outro lado, a responsabilidade intransferível de iniciar e orientar
as pessoas no mundo do saber, do saber acumulado por uma civilização... ou prestes a ser perdido por uma
civilização incapaz de valorizar o bastante este saber que nos aperfeiçoa como seres humanos, e que, trabalhan-
do contra si mesma, dá prioridade ao ensinamento de outras “coisas”, com a única intenção de tornar nossos
alunos matéria viva para o mercado de trabalho.
Porque lutamos para ser profissionais conscientes da docência, nós, professores, queremos adquirir um
grau mais exigente de conhecimentos, e queremos crescer como profissionais da palavra. E, para atingir essa
meta, não há melhor caminho além da leitura, que nos concede a intimidade com a linguagem.
O professor-leitor, para ser coerente com uma pedagogia atenta à realidade real, está atento à contínua cria-
ção de palavras, e com ela aprende a enriquecer suas aulas. Atento ao que lê nos jornais e ouve na televisão, viu
nascerem a “biodança”, o “chocólatra”, a sigla “TPM”, a “deprê” (depressão), a “lipo” (lipoaspiração), o “abor-
rescente” (adolescente + aborrecido), o “pãe”, o “portunhol”, o “ecoterrorismo”, o “frigobar”, o “mortorista”, o
“namorido”. E não se sentiu nem se sentirá surpreendido com essas novidades. Ou melhor, gosta de surpreen-
der-se com o aparecimento de novas palavras, reduções, casamentos espúrios entre palavras antes autônomas,
neologismos que pretendem dar conta de percepções novas de realidades antigas ou inéditas.
As influências estrangeiras, notadamente do inglês, todos esses anglicanismos – best-seller, check-up,
delivery, feedback, franchising, hacker, kit, lobby, on-line, piercing, rush, self-service, clean, cool, cult, diet, light
etc. – também lhe parecem ser, apesar da revoltante dominação econômica e tecnológica que tal invasão lingüís-
tica representa, uma oportunidade a mais de comunicação, e de certo modo uma expansão vocabular. Afinal, são
palavras que mais cedo ou mais tarde se incorporam (várias daquelas citadas já se incorporaram plenamente)
à linguagem dos brasileiros, como, de resto, ocorreu tantas vezes no passado. Para citar um único exemplo,
era delito grave empregar o galicismo “envelope”, no começo do século passado, em lugar de “sobrecarta” ou
“sobrescrito”... Hoje, alguém, em sã consciência, se confessaria desse pecado?
O professor-leitor ouve, entende e passa a utilizar palavras que receberam novos sentidos em contextos
determinados. Usa o “fritar” tal como se entende nos âmbitos político e empresarial, indicando-se que alguém
sofre pressão e cairá em desgraça; usa o “pepino” (problema), o “tricotar” (conversar, fofocar) etc. E, mais do que
apenas ouvir e reproduzir, deve este professor criativo montar frases curiosas (tal como o faz Millôr Fernandes),
como o palíndromo “a grama é amarga”, e criar palavras inusitadas, ou inusitadas razões para velhas palavras,
como este mesmo humorista tem feito ao longo de décadas. Ele inventou a “cartomente” (adivinha que nunca

70
adivinha de verdade), reinterpretou “presidiário” como aquele indivíduo preso todos os dias, e deduziu originais
origens etimológicas: “comichão”, aquele que devora terra; “compenetrar”, entrar a pé; “demover”, olhar o diabo;
“comover”, maneira de olhar... Foi também Millôr Fernandes quem, num texto sobre a coincidência de pessoas
famosas terem os dois nomes com uma mesma letra inicial – Marilyn Monroe, Brigitte Bardot, Charles Chaplin,
Sílvio Santos, Murilo Mendes, Gilberto Gil... –, pensou na possibilidade de mudar seu nome ou para Millôr
Mernandes, ou para Fillôr Fernandes.
Não se trata de inventar por inventar, mas de testar a elasticidade das palavras, o grau de resistência do idio-
ma, seu alcance, sua textura, sua consistência, suas propriedades físicas e químicas, ser alquimista do verbo,
como mandava e mandava ver Rimbaud. E como se vê nos poetas. No poeta e compositor Chico César, quando
canta, irônico, “deve ser legal ser negão no Senegal”, “respeitem meus cabelos, brancos”. Como se vê nos textos
do poeta Manoel de Barros (1997), quando escreve que “Eu precisava de ficar pregado nas coisas vegetalmente
e achar o que não procurava”. Porque assim acontece realmente. Achamos na linguagem o que não procura-
mos, mas, condição sine qua non, temos de ficar de plantão horas e horas, escarafunchando, e cabe explicar a
imagem: escarafunchar vem de um possível termo latino medieval, o verbo scariphunculare, que tem a ver com
scariphus, instrumento cirúrgico para escarificar o corpo, abrir. Trata-se de um antigo bisturi.
Escarafunchar é abrir buracos no corpo da gramática, do dicionário, brincar perigosamente com as entranhas
das palavras. Escarafunchar é ler em profundidade.

Palavras vivas

Embora o lingüista alemão Edward Sapir nos alertasse para o fato de que podemos pensar e exprimir nossos
pensamentos mediante símbolos não-verbais, como os símbolos matemáticos, os gestos, as notações musicais,
as cores, as linhas etc., afirmava também que as palavras continuam sendo os símbolos mais empregados, os
nossos “instrumentos preciosos na intercomunicação”. E, para lembrar um verso de Jorge Mautner que Gilberto
Gil canta, “toda a fauna-flora grita de amor”; mas até esse grito, para que possamos ouvi-lo bem, depende das
palavras de Mautner e Gil.
Com a linguagem enriquecida de forma e conteúdo, o professor envolve seus alunos no lúdico da vida.
Leva-os a experimentar o prazer da linguagem livre, mostrando-lhes que essa linguagem está à disposição na
poesia, no jogo teatral, nos livros...
A linguagem humana é comunicação. E a verdadeira comunicação não é a mera transmissão de conteúdos,
mesmo quando é preciso transmitir os conteúdos. Quando uma pessoa se comunica, dá-se um acontecimento
criador, que ao mesmo tempo recria e leva à auto-realização os seres que se comunicam. A linguagem instala o
ser humano na realidade, instalação necessária para seu equilíbrio, sua realização, seu amadurecimento como
pessoa.
O homem é, na medida em que atua, não apenas Homo sapiens e Homo ludens, mas também, e sobretudo,
Homo loquens. Somos humanos na medida em que somos “seres de caráter verbal” e, pela linguagem, temos
acesso à realidade pessoal e ao nosso entorno. Mais ainda, somos seres humanos na medida em que podemos
fazer relatos biográficos, desenhar na própria mente palavras que, por sua vez, desenham realidades futuras em
direção das quais nos lançamos em busca da nossa realização.
É indispensável ter bem claro que as idéias que uma palavra exprime não estão fora desta palavra. As

71
palavras realmente dizem coisas, e o dizem, por assim dizer... em sua própria pele, em carne viva. As palavras
vivas, sangrantes, fazem do nosso pensamento uma “coisa” animada, nutritiva. O professor tem como tarefa
intransferível tornar o conhecimento visível, palpável. Daí a sua responsabilidade como leitor.

Referências bibliográficas

BARROS, Manoel de. Livro das ignorãças. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.
BERGSON, Henri. A evolução criadora. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
FIGUEIREDO, Fidelino. A luta pela expressão. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1973.
GORKI, Máximo. Como aprendi a escrever. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
SAPIR, Edward. A linguagem: introdução ao estudo da fala. São Paulo: Perspectiva, 1980.
http://www.education.gouv.fr/discours/2000/primaire.htm. Acesso em 16/5/2006.

72
Do giz-de-cera ao professor holográfico

Marcelo Freitas

· Bacharel em Administração de Empresas e Ciências Contábeis pela PUC Minas, pós-graduado em Admi-
nistração de Recursos Humanos pela Fundação João Pinheiro e MBA em Gestão Empresarial pela Fundação
Getulio Vargas;
· diretor e consultor da Corporate Gestão Empresarial e coordenador do Movimento Escola Responsável;
ex-diretor executivo da Rede Marista de escolas e obras sociais – UBEE – e da Fundação L’Hermitage;
articulista e palestrante;
· consultor do Projeto Linha Direta em Responsabilidade Social e Voluntariado, Gestão Educacional e
Estratégica, Recursos Humanos e Marketing Educacional para instituições educacionais e do terceiro setor
de todo o Brasil.

Vivemos em um mundo de contradições. Na porta das empresas, centenas de pessoas formam filas em
resposta ao anúncio de emprego. Do lado de dentro, um número significativo de postos de trabalho permanece
desocupado, em virtude da falta de pessoal qualificado para preenchê-los.
No segmento educacional, é cada vez maior o número de escolas particulares que iniciam suas operações
a cada ano. Em contrapartida, a ociosidade das instalações é igualmente crescente, deixando vagas inúmeras
carteiras nas salas de aula. Nas escolas, prega-se uma formação para a cidadania, mas na maioria delas não
encontramos, sequer, uma rampa de acesso para portadores de deficiência física. Código de ética e práticas de
responsabilidade social inseridos na sua gestão, nem pensar.
O que será que está acontecendo?
A questão fundamental é que esse mundo de contradições está em constante mutação. E, no segmento
educacional, este fato, por si só, já é uma dessas contradições. Apesar de tantas mudanças e tantos avanços, a
escola prima por preservar métodos e práticas que se reproduzem ao longo de séculos. A inovação não é uma
premissa, justamente aqui, onde ela deveria brotar. Outros setores da economia e da sociedade, de um modo
geral, funcionam como a locomotiva da evolução. E, neste trem, as instituições educacionais cumprem o papel
de vagões.
Para entender tudo isso, é importante avaliarmos o contexto em que funciona o empreendimento “escola”.
Não se trata, aqui, de discutir novas correntes de formação, mas, sim, a forma como, mais precisamente, a escola
e o “negócio” educação vêm sendo geridos. Trata-se de avaliar o modelo de gestão vigente, suas premissas,
ameaças e oportunidades; analisar como as novas tecnologias e costumes impactam esse empreendimento e
o que demandam, em termos de logística, insumos e recursos. Isto implica averiguar a arena competitiva do
mercado educacional, a ofensiva de concorrentes e entrantes potenciais e o surgimento de novos serviços ou
produtos substitutos.

73
A arena competitiva

A estabilidade econômica, deflagrada a partir da introdução do Plano Real, levou ao crescimento do poder
de compra das classes C e D, principalmente. Para esse grupo de consumidores, isso representou o acesso a
produtos e serviços até então inviáveis. Para as empresas, foi a oportunidade de lançar novas linhas de produtos
direcionados para esses clientes. Em todas essas iniciativas, o componente custo sempre foi uma preocupação,
uma vez que os preços desses produtos deveriam ser compatíveis com esse novo nicho de mercado. E essa
mudança acabou contagiando também a classe média.
Esse movimento, cuja ênfase se deu na década de 90, somado ao processo de desregulamentação do
segmento educacional e ao lançamento de políticas públicas mais modernas por parte do governo federal,
fez com que se ampliasse o acesso às escolas, tanto públicas quanto particulares, elevando o número de alu-
nos matriculados.
Ao mesmo tempo, projetos educacionais elaborados por organizações da sociedade civil e financiados com
recursos da iniciativa privada começaram a ganhar espaço, em decorrência do surgimento da gestão socialmente
responsável na pauta das empresas. Aparece então mais um agente na arena educacional: as ONG’s.
Embora ainda sem o mesmo peso das escolas tradicionais, essas instituições, geridas com profissionalismo
e sustentadas por um novo modelo de negócios, logo começam a dividir uma fatia de mercado antes ocupada
por instituições públicas ou privadas. O acirramento da concorrência, então, acarreta duas necessidades por
parte das escolas tradicionais: a redução dos seus custos operacionais e a diferenciação em relação aos serviços
prestados. Vem daí a primeira grande oportunidade de se instituírem inovações no segmento. Para tanto, uma
avaliação do público-alvo merece ser aprofundada.

A família ou o mosaico familiar

Para entender a introdução de novas tecnologias e conceitos de gestão, é necessário perceber que o conceito
de família, hoje, é muito diferente daquele no qual se baseia o modelo de negócios da escola tradicional. Hoje,
existe uma nova configuração, em função do crescimento dos casos de divórcio e da inserção da mulher no
mercado de trabalho.
A mudança desta estrutura familiar traz como conseqüência a necessidade de introdução de novos processos
e tecnologias que facilitem o dia-a-dia das pessoas. O tempo é um recurso escasso. Os pais já não podem, por
exemplo, comparecer a reuniões em qualquer horário. Ao mesmo tempo, sentem a necessidade de receber um
volume maior de informações num menor espaço de tempo. Nesse aspecto, porém, a maioria das escolas insiste
em não utilizar recursos como a internet para disponibilizar serviços aos pais e alunos e em não lançar mão de
alternativas mais arrojadas, como as disponibilizadas pela telefonia celular. Os “torpedos” seriam um bom canal
para convocar reuniões ou fornecer informações relativas à vida escolar dos alunos.

O novo homem

O que antes era prerrogativa da mãe, hoje pode também estar nas mãos do pai. E como é esse novo homem?
Muito mais sensível, vaidoso e capaz de externar suas emoções com naturalidade. Esse novo homem é tam-

74
bém mais dedicado aos filhos (cresceu, nos últimos cinco anos, de 5% para 25% o número de pais que reivin-
dicam a guarda dos filhos, conforme estatísticas do Registro Civil em 2001 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística).
Tudo isso reforça a necessidade de as escolas cuidarem mais da sua “embalagem” e de outros atributos de
seus produtos. Melhorar a apresentação das peças de comunicação, tratando-as de maneira profissional; cuidar
com mais esmero do visual da escola; criar espaços de convivência e aumentar a segurança são alguns dos
pontos a serem levados em conta pelos gestores educacionais.

A mulher moderna

O poder de decisão no momento da compra dos serviços educacionais ainda pertence, em boa dose, à
mulher. Só que ela é, hoje, muito diferente daquele estereótipo no qual se baseia a política de relacionamento
da maioria das escolas. Ela já constitui 48% da força de trabalho, planeja ter menos filhos e tem seu nível de
escolaridade em ascensão, em relação aos homens. Mais esclarecida, independente e, em muitos casos, sepa-
rada, reforça a necessidade de a escola rever práticas de gestão e relacionamento até aqui vigentes.

O poder do jovem

Inovar pressupõe compreender a dinâmica dos processos de escolha e de decisão. Por isso mesmo, a maio-
ria das escolas deixa a desejar nesse quesito, uma vez que seus fundamentos de gestão se apóiam em premissas
seculares. O jovem de hoje não é o mesmo do século passado...
Altamente plugado, seja no celular, pager ou computador, o jovem de hoje é uma verdadeira central de pro-
cessamento de informações. Capazes de trabalhar em várias atividades simultaneamente, a criança e o adoles-
cente estão expostos, na maior parte do tempo, aos apelos visuais, olfativos e sonoros das mais variadas mídias.
Cultivam o que podemos chamar de individualidade comunitária.
Sozinhos diante do seu computador, interagem com uma infinidade de outros jovens mundo afora através da
internet. Torpedos telefônicos são trocados a cada instante. Milhões de downloads de jogos em rede são feitos
a cada hora por essa tribo.
Paradoxalmente, confrontados com a irreverência própria da juventude, pesquisas recentes do Instituto
Cidadania dão conta de que apenas cerca de 1% dos jovens entre 15 e 24 anos são ateus, o que pressupõe o
culto aos valores fundamentais de convivência. Discutem temas relevantes, como aborto, violência, educação e
emprego. Na classe média, por sua vez, um grande contingente já possui celular, cartões de crédito e contas em
banco antes mesmo de completar a maioridade.
A conclusão é que estamos lidando com uma geração de cidadãos que cresceram num ambiente global,
inundado por tecnologias jamais imaginadas e conectados entre si pelas mais diversas formas. E, para confirmar
esse mundo de contradições, a estrondosa maioria das escolas continua mantendo seu pilar central na trans-
ferência de conteúdos via professor-aluno, apoiada nos recursos do giz-de-cera e do quadro-negro. Por que
não trabalhar a aprendizagem de forma mais dinâmica e interativa? No processo pedagógico, a utilização de jo-
gos de computador em rede, quiz pelo celular e discussão de temas educativos via grupos ou blogs seria muito
mais pertinente e apreciada pelos alunos.

75
No âmbito da gestão, os processos continuam morosos, fazendo com que um histórico escolar demore um
mês para chegar às mãos do interessado. Enquanto isso, em qualquer posto de gasolina, um cidadão comum
paga a fatura acessando sua conta através de um cartão de débito, que imediatamente transfere o dinheiro para
o fornecedor de combustível. Simples... banal.
Além de plugado, esse novo consumidor começa a ter o seu perfil caracterizado por um novo traço: a
“cidadania”. A constatação de que produtos ou serviços que carreguem uma preocupação social e ambiental
têm crescente valorização é uma realidade. Preocupar-se com a diversidade, a igualdade de raça e gênero e o
tratamento das minorias deveria ser uma regra no interior das escolas. Entretanto, casos em que essas questões
fazem parte das políticas das instituições educacionais são raríssimos.

De onde vem e por onde entra o concorrente?

Por tudo isso é que, cada vez mais, as escolas tradicionais oferecem um flanco vulnerável à entrada de novos
produtos e concorrentes. Partindo de segmentos diferentes e, portanto, suportado por outros paradigmas, o
número de novos agentes na arena educacional cresce a cada dia. Da inadequação das instalações às facilidades
proporcionadas pela evolução dos meios de comunicação, empresas de consultoria, entretenimento e tecnologia
da informação estão ganhando espaço no segmento da educação.
A expansão do Ensino a Distância – EaD –, por exemplo, possibilitou trazer para o mercado educacional um
contingente de consumidores até então marginalizados, como os portadores de deficiência física e os trabalha-
dores sem tempo para freqüentar uma escola tradicional. A utilização da videoconferência, por sua vez, permitiu
a troca de experiências e técnicas entre profissionais, alunos e professores, em tempo real e numa dimensão
geográfica das mais amplas. As universidades corporativas já são uma realidade.
A holografia, outro avanço tecnológico já adotado por indústrias como a Embraer para o desenvolvi-
mento dos projetos de seus aviões, poderia ser amplamente utilizada pelas instituições educacionais para o
aprendizado de conceitos que envolvam imagens tridimensionais, como a construção civil, a arquitetura, a
medicina e outras.
Tecnologias como internet sem fio, bluetooth, wap, pagers e as redes, formadas por comunidades das mais
diferentes partes do planeta, proporcionam uma oportunidade ímpar de inovação.
Na esteira dessa onda, novas profissões vão surgindo no próprio segmento educacional. Eis, por exemplo,
algumas delas:
Arquiteto escolar – profissional responsável por estabelecer, em síntese, o melhor mix entre o espaço físico
e o virtual, de maneira a otimizar os processos de ensino-aprendizagem. Além dos aspectos clássicos da arqui-
tetura (cor, layout, luminosidade, funcionalidade, circulação de ar etc.), este novo profissional deve dispor de
sólidos conhecimentos de tecnologia da informação e pedagogia. Precisa conhecer os equipamentos multimídia
que poderão ser utilizados pelos educadores, seu funcionamento, bem como a utilização que deles se fará em
termos pedagógicos.
Designer instrucional – sua principal função é a de desenhar os processos educacionais e os recursos
instrucionais mais eficazes para que o aluno tenha o maior aproveitamento possível. Nesse sentido, é funda-
mental que conheça a pedagogia com profundidade, seja um grande conhecedor das mídias existentes e de suas
potencialidades educacionais.

76
Instrumentador educacional – atua no sentido de aparelhar o professor com os recursos multimídia mais
eficazes, tanto em relação aos equipamentos quanto aos melhores softwares para alcançar os objetivos de
aprendizagem almejados. Somado ao conhecimento profundo em termos de softwares educativos disponíveis
no mercado, esse profissional precisa ter um grande conhecimento dos conteúdos programáticos que serão
repassados aos alunos. Difere do designer instrucional por ser mais operacional que aquele. Conhecimentos
de informática e pedagogia, além de uma grande capacidade de análise, são alguns dos pré-requisitos exigidos
deste profissional.
Especialista em logística educacional – as funções deste profissional são bastante abrangentes. A ele cabe
coordenar o movimento, transporte, abastecimento e arquivamento de todo o material necessário à execução
do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, cabe-lhe viabilizar, da melhor forma possível, a circulação
dos documentos e materiais necessários para a execução das atividades educacionais programadas, bem como
administrar os espaços físicos da escola utilizados para o aprendizado (secretaria, biblioteca, brinquedoteca,
audiovisual, teatro, quadras, laboratórios etc.). Conhecimentos de administração geral, legislação educacional,
gestão de materiais e logística são algumas das exigências que se fazem a este novo profissional.
Entender, portanto, essa nova dinâmica da arena competitiva e de seus protagonistas é um fator decisivo no
processo de gestão educacional1. Fato é que, para criar essa nova escola, baseada em premissas mais atuais, é
importante dedicar energia ao provimento da infra-estrutura necessária ao seu funcionamento. Além de preparar
profissionais com perfil mais compatível com o modelo, desenvolver novas relações com outros segmentos é
primordial. Alianças estratégicas com empresas de tecnologia, entretenimento e comunicação formarão o ponto
de convergência da educação deste século e os novos pilares para uma escola diferenciada.
Em outra instância, o provimento de recursos não pode mais recair sobre uma única via: a das mensalidades,
no caso das escolas particulares, ou das verbas públicas, no das instituições mantidas pelo Estado. É impor-
tante que, a exemplo dos projetos alavancados pelas ONG’s, a sustentabilidade dos centros educacionais seja
resultado de um mix criativo de receitas. E elas dependerão, cada vez mais, da oferta de novos serviços de valor
agregado e de um marketing de posicionamento bem delineado.
Instaurar uma nova visão do empreendimento escola, em que a segmentação dos clientes possibilite a
oferta de serviços variados, é uma porta de entrada para a introdução de inovações. O modelo de negócios
educacionais do futuro deve contemplar, por exemplo, a possibilidade da venda de imagens das aulas, no sis-
tema pay-per-view, tanto para os pais ou responsáveis como para alunos impossibilitados de comparecerem
pessoalmente. Ressaltem-se a chegada da TV digital e as mudanças que ela trará.
Deve também permitir a comercialização de aulas em DVD; acesso a informações e conteúdos on-line;
jogos didáticos pelo celular; assistência personalizada dos professores, via internet; emissão de documentação
e extratos via web e tudo o que a tecnologia permitir. Até mesmo a presença de um professor holográfico...
por que não?
Finalmente, não se pode esquecer o compromisso com a sociedade, embutido nas premissas de uma gestão
social e cidadã. A presença de um código de ética é um bom ponto de partida. Políticas afirmativas, consideran-
do o tratamento da diversidade, os critérios de crescimento profissional e a transparência nas relações interpes-
soais e institucionais compõem o leque de requisitos mínimos para a gestão dessa inovadora instituição.
A integração escola-comunidade é uma peça-chave para a estratégia desse novo modelo de negócios,
assim como o é a definição de parcerias. É nesse sentido que ela deve estabelecer uma relação próxima à

77
comunidade do entorno, fornecendo-lhe acesso aos seus espaços culturais e de lazer.
Muitos desses espaços, contudo, podem também se transformar em fontes geradoras de receita, como, por
exemplo, os auditórios, laboratórios de informática e bibliotecas. Nessa perspectiva, tais espaços podem assu-
mir novos papéis, como salas de cinema, cibercafés e locadoras de livros, respectivamente.
Têm-se, assim, as bases de um novo modelo de negócios para as escolas. Um modelo que permite que
brotem das suas entranhas cidadãos conscientes, aptos a exercerem na sociedade o papel que deles é esperado.
Com processos desenhados a partir de novas premissas, considerando na sua estratégia de atuação o atendi-
mento das expectativas de todos os seus stakeholders, a escola se permite o exercício da reconstrução. Um
desafio imposto pelos novos e contraditórios tempos aos gestores educacionais, educadores e a todos aqueles
que, de alguma forma, têm compromisso com o amanhã.
É como se, sentados na primeira fila de carteiras dessa grande sala de aula global, víssemos o holograma
de Bernard Shaw2 a nos dizer: “Você vê as coisas que existem e pergunta: por quê? Eu sonho com as coisas que
nunca existiram e pergunto: por que não?”
1
Aqui, é importante destacar a relevância do papel informativo desempenhado pelo Projeto Linha Direta. Através de suas inúmeras
ações, o Projeto tem levado aos gestores educacionais, de forma objetiva, conceitos inovadores e conteúdos significativos para
uma reflexão acerca da Gestão Educacional. É, sem dúvida, uma grande contribuição ao universo educacional brasileiro.
2
George Bernard Shaw (1856 – 1950), polemista e dramaturgo, nasceu em Dublin e iniciou sua carreira como crítico de artes.
Exercitou a ficção e o ensaio, mostrando o poder de fogo da ironia cortante e a visão do mundo peculiar em que vivia. Consagrou-
se no teatro, deixando clássicos como A profissão da Sra. Warren (1902) e Pigmalião (1913), esta última, sua peça mais popular,
e que, em 1964, deu origem ao filme My Fair Lady. O autor foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1925.

78
Além da notícia
Em análise, a imprensa como ferramenta de ensino dentro da sala de aula

Soraia Herrador Costa Lima

· Jornalista do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp);


· mestranda em Ciências da Comunicação pela ECA/USP;
· professora de Teoria da Comunicação na Faculdade Anglo Latino.

Introdução

O material jornalístico que não tem caráter publicitário e é publicado em jornais diários passa por um com-
plexo processo, que começa bem antes de o veículo chegar ao leitor ou de o repórter entregar sua matéria ao
editor responsável por determinada seção. Quando o jornalista seleciona assuntos que ocuparão as pautas diá-
rias, ele está, na verdade, realizando uma “filtragem”, para escolher temas que estejam dentro da linha editorial
do periódico e sejam de interesse público.
A seleção de assuntos que constarão na pauta também obedece a certos critérios que estabelecerão a dife-
rença entre informação e fato jornalístico. O profissional da imprensa, por sua vez, observará o fato para inter-
pretá-lo e transformá-lo em uma mensagem que irá às páginas do jornal. Ele deve ser objetivo e ético, para que
o conteúdo da matéria fique mais próximo do modo como o fato ocorreu.
Compreender todas essas passagens para se ter uma visão mais ampla do que é o jornalismo e as mídias que
o representam é um quesito decisivo na hora de se fazer uma análise apurada dos veículos impressos.
Porém, também é válido lembrar que a leitura não é um ato unilateral e que conhecer um pouco melhor a
prática jornalística não fornece embasamento suficiente para se trabalhar o jornal em sala de aula.
Segundo Orlandi (1983, p. 53), “a leitura é o momento crítico da constituição do texto, é o momento privi-
legiado da interação, aquele em que os interlocutores se identificam como interlocutores e, ao se constituírem
como tais, desencadeiam o processo de significação do texto.”
Assim, é preciso considerar que o leitor faz parte desse processo, mesmo porque o ato comunicativo acon-
tece a partir do trinômio Emissor – Mensagem – Receptor, proposto por Claude Elwood Shannon, o responsável
pela difusão de um sistema geral de comunicação. E é somente trabalhando essas três vertentes que se podem
estudar de forma mais detalhada os veículos impressos em sala de aula.
Dessa forma, serão abordados, neste artigo, os conceitos que norteiam, ou pelo menos deveriam orientar
os jornalistas durante o desempenho de suas funções, o modo como esses conceitos interferem no resultado
e como os textos noticiosos podem servir como ferramenta de ensino e reflexão dentro de uma abordagem
mais abrangente.

79
Jornalismo: uma mistura de vários conceitos e práticas

Jornalismo se aprende mesmo é fazendo. Kovach & Rosenstiel (2003, p. 66) afirmam que
o jornalismo é reativo e prático, não filosófico ou introspectivo. (...) As teorias de jornalismo
ficam nas cabeças dos acadêmicos, e grande parte dos jornalistas sempre desvalorizou o
ensino profissional, argumentando que a única forma de aprender o ofício é por osmose nas
tarefas do dia-a-dia.
Entretanto, mesmo tamanha práxis necessita de um quê de teoria que a sustente. Assim, há estudos que
fundamentam e procuram conceituar a prática jornalística. Isso não quer dizer que essa prática esteja exposta de
maneira explícita em livros e teses. O fazer jornalístico possui certos padrões e normas tão conhecidos que nem
sempre precisam ser codificados para existirem nos cotidianos das redações.
Para entender como funciona “o fazer jornalístico”, é necessário, primeiramente, compreender o que é o jor-
nalismo e as etapas que o compõem. Alberto Dines, renomado jornalista brasileiro, escreveu um bom conceito
do que vem a ser o jornalismo. Segundo ele,
é a busca das circunstâncias para chegar à verdade. Não podemos ter a pretensão, nem a
arrogância de sermos os donos da verdade. Somos, sim, humildes buscadores da verdade.
Essa busca incessante da verdade é uma tarefa permanente, o que Kant chamou de missão
interminável, Die Unendliche Aufgabe. (DINES, 2005).
Dessa forma, percebe-se que a verdade é uma das ferramentas para a construção do jornalismo como um
todo, ou seja, teoria e prática. Mas ela não é apenas uma ferramenta; é também um objetivo a ser alcançado na
produção da notícia, matéria-prima da prática jornalística.
Mas a verdade é apenas um dos objetivos que o jornalismo almeja. Há mais elementos que permeiam a pro-
dução dos textos noticiosos. E, para que isso ocorra de uma maneira proveitosa para todas as partes envolvidas,
tanto o profissional quanto a empresa jornalística devem sustentar as tarefas do jornalismo, conforme Kovach e
Rosenstiel (2003, p. 22 – 23):
A primeira obrigação do jornalismo é com a verdade.
Sua primeira lealdade é com os cidadãos.
Sua essência é a disciplina da verificação.
Seus praticantes devem manter independência daqueles a quem cobrem.
O jornalismo deve ser um monitor independente do poder.
O jornalismo deve abrir espaço para a crítica e o compromisso público.
O jornalismo deve empenhar-se para apresentar o que é significativo de forma interes-
sante e relevante.
O jornalismo deve apresentar as notícias de forma compreensível e proporcional.
Os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com a sua consciência.
Mais do que tarefas, esses são parâmetros a serem seguidos. São metas que norteiam as atividades jor-
nalísticas. Entretanto, de nada valem tais preceitos se o jornalista não se lembrar de outros pontos igualmente
importantes para o jornalismo, como a ética, o interesse público, a objetividade e o timing.

80
Prática jornalística: algo a ser considerado

Da mesma maneira que a prática jornalística influencia o material final, ter conhecimento sobre ela, mesmo
que superficialmente, é fator decisivo para que o leitor possa se posicionar de uma forma mais crítica perante
textos noticiosos. Principalmente se for considerado que o país atualmente conta com uma taxa de analfabetismo
de 10,5%1 e que os textos de jornais são mais fáceis de serem assimilados que outros tipos de leitura, uma vez
que contam com uma linguagem mais simples.
Adquirir o hábito de ler jornais e revistas, além de textos literários e didáticos, ajuda na formação intelectual
de crianças e adolescentes, mantendo-os informados e atentos para o que ocorre na sociedade na qual estão
inseridos e no mundo. Entretanto, a simples leitura de textos jornalísticos não pode ser feita de uma maneira
mais completa se não forem consideradas as formas e os princípios norteadores da composição das reporta-
gens, matérias, artigos e editoriais desses jornais e revistas.
Isso porque, segundo Benites (2001, p. 35),
o jornal exerce uma função política, através da utilização de dispositivos sutis como a apresentação,
em tom aparentemente imparcial, de fatos positivos ou negativos a respeito de idéias, de institui-
ções ou de indivíduos; através da ordenação hierárquica das notícias; através da supressão de uma
matéria ou de sua inserção truncada; através da escolha do trecho de um discurso a ser relatado e
da forma como se dá esse relato; enfim, através da valorização ou do menosprezo de fatos.
Os bastidores dessa seleção das notícias, as formas como esse processo acontece são necessários para que
se saiba, por exemplo, por que há tantos erros gramaticais nos textos noticiosos. Talvez, se professores e alunos
soubessem o tempo limitado que cada jornalista possui para apurar, escrever e editar essas matérias e repor-
tagens, eles não fossem tão críticos quanto às “tentativas de homicídio” cometidas contra a língua portuguesa
diária e semanalmente.
Esses detalhes são relevantes para que se compreenda um texto jornalístico em toda a sua complexidade.
Esses aspectos, muitas vezes esquecidos na hora de se trabalhar um jornal ou uma revista em uma sala de
aula, podem fazer a diferença no momento de se ler esse tipo de texto. Através dessa abordagem mais ampla,
alunos e professores poderão ter um posicionamento ainda mais crítico sobre o material que estão analisando
e/ou produzindo.
Esse embasamento, portanto, faz-se necessário para um novo olhar sobre as notícias. Para que esses leitores
tratados neste artigo percebam que
a voz do jornal não é onipotente, uma vez que o texto não é um produto acabado; sua cons-
trução se completa no momento da recepção, ou seja, a reflexão do leitor é uma forma de
argumentação que o leva a posicionar-se, a determinar se deve ou não dar crédito àquilo que
lê. (BENITES, 2001, p. 35).
Mais do que uma ferramenta de ensino

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) propõem que a educação brasileira seja praticada de maneira
a dar subsídios a uma formação ampla, estabelecendo certos conceitos, procedimentos e atitudes que susten-

81
tem tal formação. Mas esses mesmos PCN’s garantem aos textos noticiosos um valor maior do que vem sendo
empregado dentro das escolas. Isso porque, ao utilizarem jornais e revistas como objetos de análise ou como
exemplos na produção de seus próprios impressos, os professores estimulam seus alunos a trabalharem de uma
maneira mais lúdica, espontânea e libertária, o que contribui para o desenvolvimento do pensar desses jovens.
E, ao raciocinar sobre as coisas que acontecem ao seu redor, esses estudantes dos ensinos fundamental e médio
adquirem um novo tipo de pensamento, que os preparará não só para as próprias disciplinas da escola, mas,
também, para a vida.
Assim, o jornalismo e os veículos impressos devem e podem ser abordados de diferentes formas, fazendo
com que o professor trate esse tema com os seus alunos de três maneiras: o estudante leitor, o estudante fonte e
o estudante produtor de informação. Por meio dessas três vertentes, os textos jornalísticos ganham uma análise
mais ampla e transdisciplinar.
Embora muitos educadores ainda relutem em utilizar os jornais e revistas como uma ferramenta de ensino,
essa prática já se mostrou bastante eficaz e faz parte do ambiente escolar há mais de dois séculos, em diferentes
países do mundo. Há registros, por exemplo, na Noruega, de artigos de jornais que datam do início do século
XX mencionando técnicas revolucionárias de ensino através do jornal. A Espanha é outro país que mudou suas
tradições ao substituir, em algumas escolas, a leitura de Miguel de Cervantes pela de periódicos, em pleno final
do século XIX.
Mas um dos exemplos mais conhecidos da presença do jornal na sala de aula foi a realizada por Celestin
Freinet, através de seu Jornal Escola. Nesta iniciativa, datada do começo do século XX, Freinet elaborava téc-
nicas para a produção de um jornal com seus alunos. Essas técnicas consistiam na produção diária de textos
livres, que depois seriam agrupados em uma encadernação mensal para assinantes. O objetivo era ajudar o
estudante a situar-se no mundo, trabalhar os sentimentos e desenvolver a socialização.
Entretanto, na esteira do que foi realizado em 1932 pelo New York Times, que se tornou pioneiro na área ao
distribuir suas edições nas escolas, algumas empresas brasileiras criaram programas específicos para traba-
lhar seus próprios veículos dentro da sala de aula.
Esses programas contam com o apoio da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e têm por principal objetivo
incentivar o uso de jornais e revistas como materiais didáticos, uma fonte de consulta mais atual, que também
serve para aproximar os alunos do que acontece no Brasil e no mundo. Mas é preciso lembrar que este tipo
de programa busca, pelo menos em sua maioria, cativar novos leitores que, habituados àquele veículo desde
crianças, mantenham-se fiéis a ele quando adultos.
É por isso que não se deve defender apenas a presença de veículos impressos, sejam eles jornais ou re-
vistas, dentro da sala de aula. Deve-se, da mesma forma, incentivar esses estudantes a elaborarem seus pró-
prios textos e tipos de mídia, de modo que essa prática lhes traga conhecimento e conteúdo socioeducacional.
Dessa maneira, segundo Ijuim (2001), deve-se encarar a
produção do jornal escolar como uma das formas de contribuir para que educandos e educa-
dores incorporem, mais que as técnicas jornalísticas, uma postura de observação, reflexão e
expressão de mundo. Para isso, o jornal não pode ser encarado apenas como um instrumento
didático, mas como um instrumento complexo, que amplie suas potencialidades para além
dos recursos técnicos.

82
Além da língua portuguesa

Erros gramaticais e de sintaxe. Quando se trabalha com textos jornalísticos dentro da sala de aula, essa é a
primeira coisa que se passa na cabeça dos educadores. Mas os veículos impressos fornecem outros tipos de
conteúdo, que nem sempre são abordados pelos professores.
Nessas situações, torna-se pertinente lembrar a importância dos temas transversais como um degrau para a
transdisciplinaridade e para um novo olhar sobre esses jornais e revistas. Os temas transversais fazem parte dos
Parâmetros Curriculares Nacionais e têm peculiaridades que lhes permitem uma abordagem diferenciada. Não
são novas áreas de estudo, mas elementos que podem ser articulados e integrados a disciplinas já existentes.
Dentre os temas transversais, podem-se apontar a ética, a pluralidade cultural, o meio ambiente, a saúde e a
orientação sexual.
Por serem temas complexos, eles não costumam ser estudados em uma disciplina específica, o que permite
que sejam abordados de forma ainda mais ampla e completa. São assuntos que permeiam todos os meandros da
sociedade e, justamente por isso, estão presentes com bastante freqüência dentro das páginas dos impressos.
Esses temas, por fazerem parte do cotidiano da sociedade brasileira e mundial, também são fontes de repor-
tagens, matérias, artigos e editoriais e garantem aos professores de variadas disciplinas pontos interessantes
de discussão e trabalhos para serem elaborados pelos alunos. Principalmente se se considerar, nesse aspecto,
que jornais e revistas são materiais para serem estudados não apenas nas disciplinas que envolvem a língua
portuguesa, mas em outras disciplinas, garantindo a interdisciplinaridade, por serem esses veículos uma fonte
de informação de diversas áreas do conhecimento.
Essa visão múltipla sobre os textos noticiosos, bem como suas formas de trabalho, ajudaram educadores e
educandos a se tornarem leitores mais críticos e atentos ao que acontece nas páginas desses veículos e ao redor
deles. Isso porque a suposta objetividade do fazer jornalístico garante a cada impresso uma maneira diferente de
observar e relatar um mesmo fato, e é pertinente que esses leitores percebam essas nuances para que saibam o
quão manipuladora a mídia pode ser, quando quer.
E, além de serem um material rico para ser trabalhado, os jornais e revistas podem ser elaborados pelos
alunos. Ao pesquisarem diferentes assuntos, elaborarem e editarem seus próprios textos, eles desenvolvem
a capacidade de perceber a dupla identidade que também permeia o cotidiano das redações: tornam-se
leitores/escritores.
É essa dupla identidade que garantirá ainda mais um olhar crítico sobre o que é veiculado pela mídia. Parti-
cipando ativamente desse tipo de processo, eles não apenas aprendem a lidar com a interdisciplinaridade, como
percebem estar produzindo algo que transcende um mero trabalho técnico, tornando-se algo de cunho cultural
e educativo.

Considerações finais
Ocorre com o mundo jornalístico o mesmo que ocorria com a túnica tecida por Penélope. A
fiel esposa de Ulisses tecia durante o dia e destecia à noite. É uma boa imagem para expres-
sar a fugacidade que os requisitos de atualidade, novidade e interesse geral dão às notícias,
como produtos informativos que são. É que a vitalidade noticiosa, no seu duplo sentido de
ser e existir, por mais virtual, mediática e simbólica que possa ser, é fruto e obra do fluir
heraclitiano da realidade social e humana. Fabricada por homens, a informação é também, de

83
forma continuada, ritual e cíclica, recebida por homens imersos em relações e pertencentes a
múltiplos universos socioculturais. (BARROS FILHO, 2001, p. 120)
Esse apontamento destaca parte do que caracteriza a prática jornalística. Não apenas a que é feita por pro-
fissionais da área, mas também aquela elaborada pelos próprios estudantes. Assim, para compreender melhor
os textos jornalísticos e, dessa forma, trabalhá-los de maneira mais produtiva em sala de aula, é necessário
que se entenda a complexidade dos fatores que estão por trás desses meros amontoados de palavras.
Professores e alunos precisam estar integrados com a prática jornalística para se tornarem leitores mais
críticos, caso os jornais e revistas sejam apenas encarados como um material de estudo, e escritores mais
bem-preparados, caso participem da produção de um veículo impresso.
O Projeto Linha Direta, através da Revista Linha Direta, fornece inúmeros instrumentos para que os
educadores percebam essas e outras necessidades do mercado educacional, uma vez que sua missão é “criar e
desenvolver produtos, serviços e projetos educacionais em parceria com empresas e entidades representativas
do ensino público e privado que contribuam para o fortalecimento da educação no país”.2
É preciso que se rompa com certos conceitos preestabelecidos para que haja uma análise mais eficiente
do que hoje é veiculado pela mídia nas salas de aula. Não basta ficar na superfície do problema em questão.
Faz-se necessário ir além da notícia, para que jornais e revistas sejam mais do que ferramentas de ensino.
1
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
2004.
2
Texto institucional do Projeto Linha Direta. Disponível em http://www.linhadireta.com.br. Acesso em 11 de abril de 2006.

Referências bibliográficas

ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo – o jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
AIDAR, Flávia. O jornal como instrumento pedagógico. Programa Folha Educação: uma proposta de leitura de jornal
em sala de aula. Revista Comunicação e Educação, São Paulo, n. 2, p. 123 – 126, jan./abr. 2001.
BARROS FILHO, Clovis de. Ética na comunicação – da informação ao receptor. São Paulo: Moderna, 1995.
BENITES, Sonia Aparecida Lopes. Abordagem do texto jornalístico na escola: uma proposta de oficina. Revista Acta
Scientiarum, Maringá, n. 23, p. 33 – 42, 2001.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmática do jornalismo – buscas práticas para uma teoria da ação jornalística. São
Paulo: Summus, 1994.
DINES, Alberto. Crítica, participação e mediação. Observatório da Imprensa. Disponível em: http://observatorio.
ultimosegundo.ig.com.br. Acesso em 30 de junho de 2005.
FREINET, Celestin. O jornal escolar. Lisboa: Estampa, 1976.
IJUIM, Jorge Kanehide. Jornal escolar e suas contribuições para o desenvolvimento de atitudes. In: INTERCOM
– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, set. 2001, Campo Grande. [Anais eletrônicos]. Campo Grande – MS, 2001. CD-ROM.
KOVACH, Bill e ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo. Tradução de Wladir Dupont. São Paulo:
Geração Editorial, 2003.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas de discurso. São Paulo: Brasiliense, 1983.
PAILLET, Marc. Jornalismo – o quarto poder. São Paulo: Brasiliense, 1974.
84
Juntar esforços, fortalecer estratégias e executá-las visando a um objetivo comum.
Esses são os atributos que fazem com que o Projeto Linha Direta seja uma parceria de grande
importância.
Mais do que isso, a sua atuação na educação já trouxe muitos benefícios para o mercado
educacional em sua totalidade. Creio, sinceramente, que somente com investimentos sólidos
em educação e também com muito trabalho e dedicação será possível mudar nosso país. E é
nesse sentido que tenho certeza do sucesso da parceria com o Projeto Linha Direta.

Ben Sangari
Presidente da Sangari do Brasil

Disseminar práticas bem-sucedidas de educação é uma forma de estender seus benefícios


a um número crescente de pessoas. E a Revista Linha Direta tem demonstrado eficiência nesse
propósito. O Sebrae Minas acredita que o empreendedorismo é a força capaz de transformar o
Brasil em referência de desenvolvimento e inclusão social. Somente a força produtiva compe-
tente, inovadora e sustentável pode gerar as oportunidades de que o país precisa para crescer
economicamente e tornar-se justo socialmente. A inclusão só se faz por meio do trabalho dig-
no, e a educação é o único caminho possível para a cidadania. Parabéns à equipe do Projeto
Linha Direta, pela nobre missão de promover a educação em Minas Gerais e no Brasil!

Luiz Carlos Dias Oliveira


Presidente do Sebrae Minas

85
GESTÃO ORGANIZACIONAL
E NÚMEROS DA EDUCAÇÃO

Parte IV
O que está mudando no ensino superior particular?

Gabriel Mário Rodrigues

· Presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior – Abmes;


· reitor da Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo – SP.

A educação superior privada no Brasil iniciou o seu desenvolvimento a partir dos anos 70. Na ocasião do
“milagre econômico”, o país se orgulhava de apresentar uma das mais altas taxas de desenvolvimento desde
o início daquele século. Ou seja, a economia estava pronta para absorver idéias e iniciativas diferentes e empre-
endedoras. Com o aumento da população e o desenvolvimento industrial, a década de 70 passou a viver o perí-
odo conhecido como “fenômeno dos excedentes”, quando os estudantes que eram aprovados nos vestibulares
das instituições de ensino superior públicas não conseguiam as vagas das faculdades.
As instituições particulares nasceram no país durante um período em que o Estado não tinha condições
de atender à demanda universitária crescente. Foi com a missão de desempenhar esse papel que, a partir
do esforço e da iniciativa de profissionais, grupos de amigos e famílias empreendedoras e visionárias,
nasceram as primeiras faculdades, que, depois de ingentes esforços, se transformaram em expressivas institui-
ções universitárias.
Como qualquer atividade cujo crescimento foi baseado em demanda reprimida, o setor vive hoje uma
outra realidade, dentro de um cenário de mudanças e com o desafio de encontrar soluções que garantam a
sua perenidade.
A mudança do mercado e o surgimento da concorrência tornaram imprescindível a aplicação das melhores
técnicas de gestão para a perpetuação da atividade. Um dos grandes desafios atuais é passar de um modelo
apoiado no trabalho empreendedor dessas famílias e grupos de amigos – responsáveis pela iniciativa do setor
naquele período – para um modelo baseado na gestão profissional. Existem ainda outros fatores que nos con-
vêm enumerar: nos últimos anos, o número de instituições privadas de ensino superior cresceu muito no Brasil
e, na virada do século, alcançou o patamar de mil instituições. Os últimos dados do Inep/MEC revelam que esse

89
setor, que em 1980 apresentava 682 instituições particulares, tem hoje cerca de 2 mil. O ensino superior privado,
que alcança 70% da população universitária, cresceu, aprimorou suas instalações, a qualidade de seus cursos
e organizou-se para atender da melhor forma à grande demanda existente.
Desde o início dos anos 70, o cenário modificou-se, e muito: de 96 mil alunos matriculados em 1960
(42 mil em instituições particulares), verificou-se um crescimento de 425 mil alunos, na década de 70 (215 mil
nas particulares). Em 1980, o número de alunos já chegava a 1,37 milhão (885 mil nas particulares). Em 1990,
foi a 1,54 milhão de alunos (961 mil nas particulares). Há dois anos, os dados do Inep mostraram cerca de
4 milhões de matriculados (2,98 milhões nas particulares).
Todavia, esse grande crescimento, estimulado pela demanda reprimida que existia até então, acabou por
provocar a exaustão do setor, com a cada vez mais acirrada concorrência entre as instituições e a oferta de vagas
superior à demanda. Em cidades como São Paulo, a ociosidade está próxima dos 50%. A adoção de políticas
agressivas de baixos preços nas mensalidades acarreta a muitas instituições um momento de crise, com grande
dificuldade no preenchimento de suas vagas.
Os desafios para promover o crescimento sustentado não são simples. Os dados do Censo do Inep/MEC
mostram que, em 2004, existiam 2.985.405 alunos matriculados em instituições privadas, em 343 cursos.
Desse total, apenas 34 cursos concentravam 88% do alunado, ou seja, 10% do total de cursos. O impacto dessa
distribuição não uniforme das matrículas trouxe graves conseqüências para muitas instituições, que passaram
a conviver com vários cursos deficitários. Uma situação cada vez mais comum mostra instituições convivendo
com classes vazias e turmas pequenas.
Ao mesmo tempo, as instituições tornaram-se menos eficientes na alocação de seus docentes e, por essa
razão, seus custos são maiores. Esse fato, aliado ao aumento das despesas de marketing e à queda na procura,
bem como ao aumento da concorrência, é uma das razões que explicam a crise financeira vivida por muitas
instituições no momento.
A economia brasileira desenvolveu-se muito pouco nos últimos anos, bem abaixo do crescimento do setor
educacional. A tendência mostrou que, passada a fase de atendimento da demanda reprimida, o lento ritmo de
evolução da economia brasileira não foi capaz de dar sustentabilidade aos crescentes custos das instituições.
Além disso, o mercado de trabalho não se expandiu e, com isso, o poder de compra da população também
diminuiu. Para complicar, a faixa da população com idade de 18 a 24 anos começou a viver substancial declínio
no seu ritmo de crescimento.
Instituições de nicho devem refletir profundamente sobre os cursos que oferecem, de forma a manter aqueles
que de fato estão em sintonia com seu posicionamento mercadológico. Aquelas que possuem sólida tradição em
cursos na área de negócios, por exemplo, devem pensar muito bem sobre a conveniência de manter cursos em
outras áreas. Da mesma forma, instituições de escopo mais amplo precisam estudar melhor o segmento em que
atuam, para alinhar seu portfólio a essa demanda.
Para ilustrar a tendência, as instituições focadas em segmentos mais populares do mercado devem analisar
detidamente a conveniência de manter cursos mais caros, como os de medicina e odontologia. Já as instituições
que procuram segmentos de elite devem ponderar sobre a adequação das graduações de pedagogia e geografia,
por exemplo.
A grande ociosidade de vagas existente nas IES está provocando um embate acirrado em determinadas
cidades, onde a principal estratégia empregada tem sido a política de preços baixos. É difícil acreditar, todavia,

90
que essa política venha a se sustentar em longo prazo, especialmente nas instituições que não nasceram com
modelos de baixo custo em sua cultura e em sua estrutura organizacional.
A questão da qualidade também causa grande polêmica nessa área, uma vez que não é um elemento tan-
gível. Em termos de mercado, a qualidade é percebida pelo cliente. No setor educacional, essa percepção é de
difícil racionalização. Raramente o aluno analisa o projeto pedagógico do curso ou a composição de seu corpo
docente, antes de optar por essa ou aquela instituição. O peso da marca e sua reputação permanecem como um
elemento intangível muito forte. As avaliações feitas pelo Estado ou por órgãos da área levam tempo para ter cre-
dibilidade e não são contínuas. Outro ponto importante é o financiamento da qualidade: as instituições privadas
trabalham com orçamentos, em média, três vezes menores que as instituições públicas. Isso impõe enormes
dificuldades, especialmente à pesquisa, que não tem como ser financiada apenas com as receitas geradas pelas
mensalidades dos alunos.
Em função da concorrência, os investimentos em comunicação e marketing aumentaram muito. Hoje, o setor
educacional é reconhecidamente um dos principais anunciantes do país, acima de várias indústrias consolida-
das. Evidentemente, esse fato traz implicações consideráveis para a gestão das instituições e também salienta a
necessidade de serem encontradas alternativas à publicidade de massa. Um dos caminhos mais prováveis é a
estratégia de marketing de relacionamento.
Mais do que nunca, a entrega do serviço educacional depende de uma equipe de professores capaz e moti-
vada. As instituições que desejam sobreviver neste novo mercado precisam compreender que o corpo docente
é seu principal ativo e não limitar – de nenhuma forma – os investimentos realizados em capacitação e aprimo-
ramento profissional da universidade.
O impacto da tecnologia ainda não é um ponto sensível para o setor educacional. O que existe nesse sentido
ainda é muito modesto, e restrito a sistemas de gestão educacional e a poucas iniciativas em termos de Educação
a Distância. Entretanto, há toda uma geração sendo formada e acostumada com ferramentas como Orkut, blogs,
Messenger e tantos outros. A instituição educacional do futuro será aquela que conseguir combinar essas ferra-
mentas com conceitos pedagógicos construtivistas, pois, nesse cenário, as salas de aula tradicionais perderam
muito de sua importância.
A realidade nos mostra que não há mais como trabalhar com base exclusivamente na intuição. No entanto,
ela não deve ser abandonada definitivamente. Afinal, grandes mudanças surgiram a partir de procedimentos
nada ortodoxos. Mas há que se combinarem métodos e modelos profissionais de gestão, tais como as pesquisas
de mercado, o geoprocessamento e o business intelligence. Apenas com essas ferramentas é possível estruturar
um trabalho gerencial com políticas de incentivos (bônus) e baseado no cumprimento de metas.

Localização

A questão da localização precisará ser profundamente revista. A começar pelo marco regulatório. Em um
mundo globalizado e com o avanço dos sistemas de comunicação, não se pode mais pensar na sede física
de uma instituição. O aprendizado deverá ocorrer em qualquer lugar e em todos os lugares. Uma instituição
de ensino não poderá mais ficar restrita a essa ou aquela cidade, nem mesmo a esse ou aquele país. Com to-
das essas mudanças, a arquitetura dos prédios universitários também deverá passar por mudanças profundas.
As bibliotecas, da forma como as conhecemos, deixarão de existir e serão substituídas por potentes servidores

91
computacionais – verdadeiros repositórios de dados –, e com acervos muito maiores que os já existentes, espe-
cialmente em função da facilidade de compartilhamento que o sistema permitirá. As salas de aula darão espaço
a salas de reunião, e as exposições presenciais diárias darão espaço a momentos com grandes oradores, em
anfiteatros reservados para centenas de pessoas e conectados com sistemas de teleconferência pela internet.

Novo aluno

De todas as mudanças do setor, talvez esta seja uma das mais significativas: o aluno de hoje é completa-
mente diferente daquele de dez anos atrás. E o que está por vir será ainda muito mais. A começar pelas relações
de autoridade. Os pais e mães que trabalham muito se tornaram ausentes de seus lares e, em muitos casos,
procuraram compensar essa ausência com outros “benefícios”, que resultam no excesso de liberdade. As conse-
qüências disso são enormes, e com profundos reflexos na sala de aula. São cada vez mais constantes os
conflitos entre alunos e professores. O jovem de hoje é fruto de uma hiperestimulação, com o advento da inter-
net, iPod, TV a cabo, telefone celular, controle remoto etc. Esses recursos não existiam há dez anos e submetem
o jovem a um processo de excitação que, inevitavelmente, o leva a considerar entediantes – muitas vezes insu-
portáveis – as longas e tradicionais aulas expositivas.
Portanto, a época romântica da criação de faculdades ou a pretensão de lançar opções em graduações alea-
toriamente, na base do impulso e da emoção, ou de entrar no negócio da educação pensando apenas em ganhar
dinheiro está, definitivamente, com os dias contados. Os tempos atuais exigem planejamento e desenvolvimento
de técnicas e estratégias empresariais para que estejamos preparados para enfrentar as nuances de um mercado
mutante e, principalmente, com o propósito de oferecer cursos que atendam às expectativas de alunos. Estes
buscam apoio para se tornarem os profissionais respeitados do futuro e, acima de tudo, cidadãos felizes. Que
precisam ter muito clara a percepção de que o mundo mudou e de que aprender não acontece mais somente
entre as paredes de uma sala de aula, mas em qualquer lugar.

92
Análise da comunicação publicitária das IE’s:
caminhos, descaminhos e atalhos
Elga Goulart

· Graduada em Publicidade e Propaganda pela PUC-MG e em Ciências Sociais pela UFMG;


· mestre em Latin American Studies pela University of Texas at Austin;
· diretora de Planejamento da Anel Comunicação Integrada;
· professora da Faculdade Metropolitana de Belo Horizonte.

Este texto tem o objetivo de analisar algumas técnicas e estratégias de publicidade e propaganda
aplicadas às instituições de ensino, procurando refletir sobre as práticas que parecem ser as mais adotadas
por elas.

Caminhos e descaminhos

Publicidade e marketing – algumas definições

O que é publicidade? Segundo Arens (2005, p. 4), a publicidade é informação composta e estrutura-
da como comunicação não pessoal, de natureza persuasiva, sobre mercadorias – um produto, um serviço ou
uma idéia, normalmente paga e assinada por uma empresa anunciante e difundida através de vários meios
de comunicação.
Analisando esta definição mais a fundo, podemos afirmar que publicidade é, antes de tudo, um tipo de
comunicação. Ela se constitui em uma forma estruturada de comunicação aplicada, que emprega códigos
verbais e não verbais, e ocupa espaço e tempo predefinidos para transmitir uma mensagem informativa patro-
cinada. Toda e qualquer publicidade deve ser identificada e assinada por um anunciante de maneira clara.
Além disso, a maioria das mensagens publicitárias, além de informar, tem a intenção de persuadir e o
objetivo de ganhar adeptos para o produto, serviço ou idéia do patrocinador. Assim, a publicidade se direciona
para segmentos de público, e não para indivíduos; fala para grupos específicos de pessoas, que tanto podem

93
ser consumidores diretos quanto atacadistas ou revendedores. Tem, portanto, características de comunicação
massiva, e não pessoal. Finalmente, ela usa dos meios de comunicação de massa pagos, que possam alcançar
audiências formadas pelo público-alvo almejado pela empresa anunciante.
A publicidade se constitui, hoje, em uma das ferramentas disponíveis para que as empresas alcancem seus
objetivos de marketing, sejam eles de vendas, de fidelização de clientes, de abertura de mercados etc. Mas o que
é marketing? Tomado em relação à publicidade, e de acordo com Arens (2005, p. 10), marketing é o processo
de desenvolvimento, precificação, distribuição e promoção de produtos, serviços ou idéias que gera trocas
para satisfazer necessidades, desejos e objetivos de consumidores e organizações. Assim, o principal objetivo
do marketing é criar o processo pelo qual as organizações obtêm lucro, através da consumação de trocas de
mercadorias que seus consumidores desejam ou de que precisam. Publicidade, por sua vez, tem o papel de
informar, persuadir e lembrar consumidores ou mercados-alvo sobre os produtos, serviços ou idéias das
organizações anunciantes.
Podemos afirmar, então, que a publicidade eficiente é o resultado do entendimento da estratégia de marketing
da empresa. Cada objetivo de marketing determina quais e como serão desenvolvidas as ações de comunica-
ção e de publicidade: qual o público a ser alcançado, com quais argumentos e conceitos, em quais meios e
com qual propósito. Todos esses fatores irão determinar as estratégias de comunicação e de publicidade a
serem empregadas.

Publicidade e marketing educacional

O conceito de publicidade mencionado se aplica ao marketing educacional? Considerando-se as instituições


de ensino como organizações de prestação de serviço educacional, a resposta é sim. Isto é, se considerarmos as
instituições de ensino como empresas como outras tantas atuantes no mercado. O que as diferencia das outras
empresas prestadoras de serviços é a percepção social do serviço oferecido: espera-se que a missão da escola
seja a formação de cidadãos, de seres humanos capazes de ações responsáveis e transformadoras da realidade.
Educação parece ter, assim, seu foco dirigido para a preservação humana e para a construção do futuro. Por isso,
aos olhos da sociedade, parece inapropriado que qualquer IE se apresente como empresa de caráter mercantil,
com objetivo de lucro. Estamos acostumados a endossar o papel tradicional da educação como um serviço
que não deveria visar ao lucro. Na nova escola, essa imagem está desgastada. O marketing educacional precisa
centrar seus esforços na construção permanente e constante da “imagem” da escola como lugar de transfor-
mação, através de posturas pedagógicas específicas; lugar onde acontece a oferta de serviços pedagógicos e
educacionais a alunos (usuários) e pais (compradores). O marketing das IE’s deve sempre realçar seus produtos
pedagógicos, bem como a linha pedagógica adotada por elas.

O briefing de publicidade e o posicionamento

Como a publicidade pode contribuir para essa construção? De várias maneiras. E uma delas é fazendo com
que o cliente obtenha informações corretas que, por sua vez, irão compor o briefing – o norteador do trabalho
da agência de propaganda. O briefing é, desta forma, um resumo de informações sobre o produto ou serviço do
cliente, sobre as oportunidades e necessidades de comunicação do mercado específico do produto ou serviço

94
a ser trabalhado, o perfil do consumidor final – quem é ele, onde ele está, como abordá-lo, seus hábitos, suas
expectativas e motivações, tudo isso detectado através de pesquisas.
Se, de um lado, muitos dos erros de comunicação cometidos em campanhas de publicidade das IE’s vêm de
briefings prolixos, de outro podemos afirmar que há, também, por parte da agência, dificuldade de interpretação
das informações contidas nesses briefings, na “tradução” dos objetivos de marketing em estratégias publici-
tárias. Mainardes (2006) aponta que a maioria das IE’s tem dificuldade de se fazer entender pelas agências.
Ele alega que muitas agências de propaganda empenham-se em fazer anúncios bonitos e chamativos, mas sem
eficiência para o negócio educacional. Segundo ele, isso acontece porque as agências que trabalham no seg-
mento educação percebem com certa dificuldade os objetivos almejados por seus clientes.
É importante lembrar que o resultado apresentado pela agência de propaganda é sempre conseqüência das
informações passadas a ela pela IE. A dificuldade do profissional de atendimento da agência em compreender
a atual fase de industrialização da escola existe porque as IE’s ainda estão pensando sobre elas próprias de
maneira tradicional. Assim, o briefing interno da agência, encarregado de passar as diretrizes do trabalho para
os outros setores da agência, “repete” a visão da instituição de ensino. Podemos deduzir que, num primeiro
momento, o gargalo parece estar justamente na percepção, pela instituição, da informação mais relevante para
a agência, tornando o briefing irreal.
Neste sentido, o gestor passa a exercer o papel-chave para a eficácia da publicidade da IE. Ele deve se
empenhar para que a agência de propaganda entenda a importância da comunicação e a responsabilidade que a
campanha publicitária de uma instituição de ensino deve projetar. Ele deve, também, se assegurar de que os ob-
jetivos de marketing da IE estejam claros para todas as pessoas envolvidas no processo da comunicação – todos
precisam saber com certeza dos objetivos, das estratégias mercadológicas e do posicionamento almejado.
Para Nóbrega (2006),
conquistar e manter clientes é também o papel da escola. E para isso tem de fazer marketing.
A escola é uma entidade econômica, é um negócio como qualquer outro e compete por um
cliente, só que, historicamente, culturalmente e tradicionalmente, não se acostumou a colocar o
foco na necessidade daquele que compra. Coloca o foco sempre na sua decisão, no seu saber,
na sua história e naquilo que ela sempre fez. É essa disciplina que a escola precisa construir.
O posicionamento e a argumentação publicitária

Através da análise do briefing, parece fácil definir uma estratégia de comunicação, determinar o investimento
necessário e os argumentos a serem utilizados para se chegar ao consumidor final. Mas algumas variáveis ainda
devem ser levadas em consideração, como a definição equivocada pelo cliente dos objetivos de comunicação da
IE e, em conseqüência, a análise da concorrência que enfrentará no mercado, além dos argumentos publicitários
que a campanha implementará.
Como afirma Mainardes (2006), uma situação comum é a insistência das IE’s em adotar a comunicação
errada. Ele as caracteriza como aquelas instituições que pensam que campanha publicitária só pode acontecer
para vender matrícula. Escolas e gestores que anunciam apenas nesses períodos se esquecem de que a venda
de matrículas representa pouco na “venda” da imagem da instituição de ensino e em sua diferenciação da con-
corrência. Essas escolas concentram todo o investimento publicitário em épocas nas quais a concorrência é

95
maior e mais barulhenta. Elas adotam uma estratégia agressiva apenas quando todo o segmento está anun-
ciando, esquecendo-se de que a comunicação publicitária, para ser eficiente, se faz através de planejamento e
processo constantes.
Em comunicação, e principalmente na comunicação comercial, processo é palavra-chave. É através de ações
constantes que o anunciante diferencia seu produto ou serviço de outros tantos semelhantes que atuam no
mercado. Certamente, não podemos vender a imagem da IE e seus produtos educacionais com as mesmas
estratégias usadas por outras mercadorias, como carros, roupas, sabonete... Mas entre essas mercadorias e
o serviço educacional há em comum que todos precisam construir sua identidade de marca, algo que su-
planta a mera categoria de mercadoria. Como diferenciar uma escola da outra? Para Al Ries (2005), sua mar-
ca está com problemas, se você não conseguir identificá-la em poucas palavras, como no exemplo seguinte:
“O que é um Volvo? Um carro seguro. O que é um BMW? Prazer em dirigir. O que é Barilla? O macarrão número
um da Itália”. Ele aconselha que os executivos de marketing tenham uma palavra em mente para qualificar seu
produto ou serviço. No exemplo citado, Volvo é segurança, BMW, prazer, e Barilla, liderança. Segundo este autor,
é isso que garante a longevidade de uma marca, ou seja, uma idéia de posicionamento. Essa deve ser a principal
meta de qualquer campanha publicitária: reforçar a identidade da marca anunciada e o seu posicionamento,
ajudando o consumidor a se lembrar da marca anunciada e a reconhecê-la.
Como a IE define seu posicionamento? Como o consumidor pode identificar a proposta de uma instituição
de ensino através do posicionamento? Como definir aquilo que o consumidor quer ouvir? Como garantir que a
argumentação publicitária seja percebida pelo público-alvo ao qual se dirige?

Atalhos

Posicionamento e criação

Essas questões nos levam a outras variáveis importantes: a que argumentação publicitária o público-alvo
dará maior atenção e com que conceito criativo transmitir esse argumento. Na maioria das vezes, dependendo do
público-alvo com o qual se está falando, as campanhas das IE’s mostram certos atributos: os anúncios tendem
a reforçar pontos como instalações de salas de aula e laboratórios, segurança e programa pedagógico, quando
se dirigem aos pais; para alunos do ensino médio para cima, as IE’s parecem reforçar mais a questão da mensa-
lidade e da localização; e para alunos das séries fundamentais, as escolas parecem enfatizar mais os espaços de
recreação e esporte. Outros atributos importantes, comuns em peças de publicidade da maioria das instituições,
são as dependências de laboratórios técnicos e de informática, a possibilidade do uso de tecnologia de ponta
para novos procedimentos, como Educação a Distância, convênios com outras instituições, apostilas e outros
recursos pedagógicos próprios, a qualificação do corpo docente, notas nos sistemas oficiais de avaliação etc.
Enfim, tudo aquilo que há de comum para a maioria das IE’s.
Em quase todas as campanhas, o benefício apresentado para que o consumidor opte por aquela escola é o
mesmo – a promessa de um futuro de sucesso. Kelly e Silverstein (2005), estudando campanhas que vencem
a essa tentação de dizer sempre o mesmo e conseguem inovar a argumentação, mostraram que as campanhas
que se destacam atualmente são aquelas que apresentam atributos e benefícios em conexão com a experiência
do consumidor ao utilizar o produto ou serviço: um cartão Mastercard transforma o processo de compra em

96
uma experiência emocional; ao dirigir um carro Volkswagem, o motorista se sente mais conectado ao mundo e
mais feliz. Os apelos dessas campanhas transformam produtos e serviços em escolhas de estilo de vida, e não
apenas simples mercadorias.
Para esses autores, a estratégia das campanhas que mostram um estilo de vida já dura há uma década. De lá
até o momento, essas campanhas têm mantido seu frescor por serem memoráveis e atemporais, já que conse-
guem renovar seus apelos através do conceito já formado na mente do consumidor sobre o bem anunciado. São
campanhas que conseguem se sobressair, principalmente, porque integram o posicionamento mercadológico
da marca à argumentação publicitária e à percepção do consumidor e vão além das condições do mercado e da
concorrência. Elas também integram o conceito publicitário à criação de todas as peças da campanha – anúncios
para meios impressos, eletrônicos, virtuais e alternativos promovem a mesma idéia e a mesma mensagem.
Essas campanhas conseguem, enfim, capturar a personalidade do produto ou serviço anunciado, causar
reconhecimento da marca no público-alvo almejado e gerar demanda. Conseguem também incorporar um
slogan à cultura local (quem não se lembra do “Não é nenhuma Brastemp”?), porque seu alvo não é apenas
um segmento de público, mas um conceito geral, uma percepção do consumidor. Essas campanhas demandam
do anunciante certa agressividade frente ao mercado e a concorrência, inovações em seu produto ou serviço,
investimento constante em publicidade e em criatividade.

Gestão da comunicação

É possível que essa estratégia seja aplicada às campanhas das IE’s? Para Nóbrega (2006), “uma boa escola
é aquela que percorre a disciplina de construir uma estratégia. A estratégia é o apelo que ela vai usar para fazer
com que o segmento que ela decidiu atender a escolha”. Para ele, o desafio enfrentado pelos gestores das ins-
tituições de ensino é saber ouvir o consumidor e sentir-se como ele frente ao serviço oferecido pela instituição.
É preciso que a agência apresente uma proposta de criação publicitária pertinente à educação.
A prática da gestão da comunicação nas IE’s é congregar as visões empresarial, mercadológica e humanista
do setor em conceitos verdadeiros e plausíveis, destacados em peças vigorosas e capazes de despertar o inte-
resse do consumidor. Atributos e benefícios precisam ser pesquisados a fundo pelas instituições e mais bem
explorados nas campanhas pelas agências. Generalizações como “seu futuro está aqui” ou “preparamos seu
filho para o futuro” não funcionam mais. As instituições que conseguirem introduzir novos conceitos e argu-
mentações em seus apelos publicitários correm o risco de se destacarem no setor. Um excelente atalho seria
começar a ouvir com atenção as falas dos professores, dos funcionários, dos alunos e dos pais, porque a escola
é, antes de tudo, local de convivência de pessoas. Como afirma Mainardes (2006), as dependências modernas,
tecnologia e boa infra-estrutura são aspectos importantes em qualquer empreendimento, mas são as pessoas
que fazem o ambiente – a diferença.

Referências bibliográficas

ARENS, William F. Contemporary Advertising. New York: McGraw-Hill-ELT, 2005.


KELLY, Francis J., III; SILVERSTEIN, Barry. The Breakaway Brand – How Great Brands Stand Out. New York:

97
McGraw-Hill-ELT, 2005.
MAINARDES, Rogério. Um marketing mais forte que a didática afunda a escola. Disponível em: www.profissao-
mestre.com.br/smu/smu_vmat.php?vm_idmat=424&s=501. Acesso em 12/4/2006.
NOBREGA, Clemente. O negócio escola. Disponível em: www.profissaomestre.com.br/smu/smu_vmat.php?s=501&
vm_idmat=305. Acesso em 12/4/2006.
RIES, Al. Learning from Hilton’s Marketing Mistake – Why a Brand Must Be Described in Three Words, July 11,
2005. Disponível em: http://adage.com/news.cms?newsId=45505. Acesso em 19/12/2005.

98
Gerenciando conflitos

Laila Aninger

· Pedagoga empresarial com MBA em Gestão Empresarial pela FGV;


· pós-graduada em Metodologia do Ensino Superior pelo Cepemg e em Planejamento e Gestão
pela UnB;
· participante de cursos de extensão em Balanced Scorecard, Gestão de Pessoas e Competências
Gerenciais pela FGV;
· consultora do Projeto Linha Direta em Gestão de Desempenho e Educação Básica.

“Na minha civilização, aquele que é diferente de mim não me


empobrece; me enriquece.” (Saint-Exupéry)

Os conflitos existem desde o início dos tempos e são uma realidade sempre presente nas relações humanas
e de trabalho. Eles se originam da diversidade de pontos de vista entre pessoas, da pluralidade de interesses,
necessidades e expectativas, da diferença entre as formas de agir e de pensar de cada um dos envolvidos.
Além disso, nos últimos tempos, o sistema econômico, o mercado e a concorrência têm estimulado com-
portamentos baseados em princípios de competição, o que parece se refletir nos relacionamentos interpessoais,
gerando novos conflitos e acirrando disputas nas mais diversas relações.
Também as instituições de ensino estão sofrendo as conseqüências desse novo comportamento. Muitas
estão sofrendo com a existência de inúmeros conflitos interpessoais, nem sempre sabendo lidar com eles, e
sentindo, como conseqüência, sua harmonia ameaçada, ou mesmo afetada.
Paradoxalmente, esses mesmos conflitos são importantes para o crescimento e desenvolvimento de qual-
quer sistema, seja ele social, político, familiar ou organizacional.
Na prática, o que chama a atenção é que a gestão dessas relações, muitas vezes, é resultante mais da visão
do gestor e de sua motivação do que propriamente de conceitos teóricos sobre administração.
Dentro desse cenário, desde 1997, o Projeto Linha Direta se destaca pela fundamental contribuição prestada
aos gestores escolares. Em parceria com entidades representativas do ensino público e privado de todo o país,
vem atendendo aos interesses e demandas do mercado educacional com maestria. A Revista Linha Direta exerce
importante papel na formação dos profissionais. A cada mês, busca assuntos pertinentes e atuais, novas tendên-
cias, sugestões e opiniões, auxiliando gestores e educadores no exercício de suas funções.

99
Relações interpessoais em instituições de ensino

A escola, como uma das maiores instituições de formação do caráter humano, cujo ambiente é recheado das
mais diversas inter-relações, deve ter como modelo de gestão de conflitos aquele que se baseia no diálogo e em
princípios como respeito, confiança e comprometimento.
Sabemos que os espaços onde ocorre maior número de conflitos entre pessoas são os ambientes de convi-
vência diária. E a escola se torna um ambiente favorável devido, além disso, aos vários tipos de relações envol-
vidas. Gerenciar uma instituição de ensino implica gerenciar diversos níveis de relação – relação da escola com
os alunos, com a família, com os órgãos governamentais, com os funcionários administrativos, professores e
equipe pedagógica, com a comunidade em que está inserida – e também de inter-relação íntima entre as partes:
relação professor/aluno, professor/equipe pedagógica, escola/órgãos governamentais, funcionários administra-
tivos/família e tantas outras.
É em decorrência desse processo de interações que as relações vão se formando. Moscovici (1998) analisa
os relacionamentos nas organizações sob esse ângulo.
Nas relações interpessoais, existem atividades a serem executadas e princípios que não podem ser esque-
cidos: ética, cooperação, responsabilidade, respeito, companheirismo. Todos esses sentimentos influenciam
positiva ou negativamente as interações e, conseqüentemente, as atividades desenvolvidas.
Proporcionalmente ao crescimento da organização, cresce a diversidade de idéias, e esse crescimento de
percepções e opiniões pode ser um dos principais fatores desencadeadores de conflitos. Por outro lado, essa
diversidade contribui para o desenvolvimento de soluções criativas no ambiente organizacional, desde que o
líder e os membros da equipe mantenham um comportamento positivo em relação às diferenças.

A gestão de conflitos

Gerenciar uma instituição de ensino significa interagir com pessoas, conciliar vontades, gostos, emoções
e estilos peculiares e mediar interesses, percepções, necessidades e expectativas diversas. Como a gestão de
pessoas pode envolver aspectos subjetivos ou inconscientes, é importante considerar esses elementos sutis
envolvidos no processo. Assim sendo, gerir organizações implica também gerir pessoas e, conseqüentemente,
conflitos.
Podemos definir a gestão de conflitos como a capacidade de prever tensões, identificar as fontes, impedir o
crescimento dos desacordos e encontrar soluções satisfatórias para todas as partes envolvidas, visando a uma
gestão eficaz.
O tratamento inadequado de um conflito, de qualquer natureza, pode gerar violência, insatisfação, insubor-
dinação e outras anomalias organizacionais.
Mesmo as escolas, instituições com função de educar e formar, não estão livres dos paradigmas dos con-
flitos e da competição e, na busca de soluções, adotam determinados modelos de gestão que nem sempre
alcançam os resultados desejados.
Se olharmos um pouco para trás, iremos perceber que, até há bem pouco tempo, a ausência de conflitos era
considerada por muitos como sinônimo de bom ambiente de trabalho, boas relações e sinal de competência.
Muitos profissionais consideravam o conflito como prejudicial ao bom relacionamento entre as pesso-

100
as e ao bom funcionamento das organizações. Os conflitos eram vistos de forma negativa, como resultados
da ação e do comportamento nocivo de alguns, e estavam associados a agressividade, má índole e senti-
mentos negativos.
O valor construtivo ou nocivo dos conflitos será determinado pelo tratamento recebido e pela atitude diante
das situações. Desenvolver competências individuais e de equipe é a alternativa construtiva de gestão dos con-
flitos interpessoais.
As tensões que ocorrem podem adquirir valor educativo se forem consideradas como ponto de partida para
reflexões sobre a prática. Assim, a possibilidade de analisar a situação, depois de ela ter ocorrido, favorece a
compreensão do processo.
· Os conflitos geram repercussão positiva quando:
· servem de termômetro e indicam que algo não está bem e precisa ser “tratado”;

· atuam como molas propulsoras do crescimento individual e organizacional;

· funcionam como catalisadores para atingir metas;

· são bons elementos de socialização, oferecendo aos participantes de uma equipe a sensação de envolvi-
mento com alguma causa;
· proporcionam a união de equipes em busca de soluções e motivam pessoas a resolverem problemas em
conjunto;
· levam à descoberta de novidades que resultem em benefícios para a empresa.
· Os conflitos geram repercussão negativa quando:
· causam tensão excessiva nos envolvidos, provocando danos físicos e mentais;

· criam ambientes improdutivos, gerados por desmotivação e incertezas;

· desviam a atenção dos reais objetivos;

· prolongam-se por tempo demais sem solução, causando desgaste nas partes envolvidas, mobilização de
recursos e perda de produtividade;
· distorcem comportamentos individuais;

· criam situações que resultam em desperdício de tempo e esforços.

Para Wagner & Hollenbeck (2002), os conflitos podem ser


benéficos quando:
1. são resolvidos de forma a permitir discussão, ajudando a
estabilizar e integrar as relações interpessoais;
2. permitem a expressão de reivindicações, ajudando a reajustar
recursos valorizados;
3. ajudam a manter o nível de motivação necessário para a busca
de inovações e mudanças;
4. ajudam a identificar a estrutura de poder e as interdependências
da organização;
5. auxiliam na delimitação das fronteiras entre indivíduos e grupos,
fornecendo senso de identidade.

101
Estilos de gestão de conflitos

Administrar o conflito não significa apenas eliminá-lo, mas tratá-lo de maneira assertiva – lembrando sem-
pre que, quando ele é inadequadamente administrado, traz efeitos desfavoráveis.
O bom líder elimina uma série de conflitos através de um planejamento correto. Os conflitos que persistem
são vistos como oportunidades. Para estes casos, ele aplica o estilo mais adequado, procurando sempre tirar o
máximo proveito da situação conflitante em prol dos objetivos.
Quando se trata de resolver um conflito, existem diversas maneiras de abordá-lo. Analisando essas aborda-
gens, podemos dizer que, na sua essência, existem cinco estilos de gestão de conflitos.
Quanto ao estilo a ser adotado, é recomendável adotar um que leve à solução do conflito de forma pacífi-
ca, criando um ambiente positivo para se relacionar, expressar os sentimentos e conviver com as diferenças.
Duas características de comportamento estão diretamente ligadas à escolha do estilo adotado: cooperação
e assertividade.

Ser assertivo significa comunicar-se, agir ou reagir


com efetividade, no momento oportuno e de maneira ade-
quada, para que a intenção pretendida seja alcançada.

A seguir, alguns estilos de gestão de conflitos e suas características:

102
· “Evitar”:
· Trata-se de estilo considerado não-assertivo e não-cooperativo;
· consiste em tentar evitar a existência de conflitos;
· usa de alguns recursos para que esses conflitos não apareçam.
Apesar de parecer pouco interessante, esse estilo revela-se positivo quando:
· os assuntos não são significantes;
· as informações de que dispomos não são suficientes para resolvê-los;
· não temos poder para solucioná-los;
· existe outro indivíduo mais capacitado para resolver o problema em questão.
· “Calmo”:
· Trata-se de estilo considerado não-assertivo e cooperativo;
· resume-se em “colocar panos quentes”;
· permite a existência de conflitos, porém sem grandes discussões sobre o assunto;
· desiste de sua posição se o conflito se torna mais acirrado.
Esse estilo se revela positivo quando:
· existe grande carga emocional entre as partes envolvidas;
· for necessário manter a harmonia;
· o conflito existente for pautado na personalidade dos envolvidos e na discordância de idéias e opiniões.
· “Ditador”:
· É o “dono da verdade”; está sempre certo, e os outros, sempre errados;
· busca a satisfação de seus interesses particulares;
· tem que “vencer” sempre;
· ignora os argumentos da outra parte.
Apesar de parecer um estilo totalmente indesejável, pode se revelar positivo quando:
· a emergência da situação exige uma ação imediata;
· as conseqüências de uma “derrota” são desastrosas.
· “Compromisso”:
· Encontra-se no padrão médio de assertividade e cooperação.
Esse estilo se revela positivo quando:
· é essencial a existência de um acordo;
· os pontos de vista são muito diferentes.
· “Colaborativo”:
· Consiste, como o próprio nome indica, em colaborar;
· contempla os interesses das partes envolvidas;
· busca um resultado benéfico para todas as partes envolvidas;
· tenta chegar a um acordo comum entre as partes, minimizando as perdas.
Revela-se positivo quando:
· o objetivo é o mesmo – a divergência ocorre apenas no modo de atingi-lo;
· existe a necessidade de se obter um consenso;
· há disponibilidade de tempo para amplos debates;
· não existem interesses pessoais envolvidos.

103
Conflitos: que atitude tomar?

Algumas alternativas para indivíduos e equipes tratarem os conflitos são possíveis. Conflitos podem ser
negados ou ignorados, ou enfrentados e transformados num elemento auxiliar para o crescimento e amadureci-
mento dos indivíduos e da organização.

Mediação de conflitos

O trabalho cotidiano da mediação é, essencialmente, um trabalho preventivo, e necessita da intervenção


de terceiros.
As estratégias de mediação de conflitos podem indicar caminhos facilitadores, porém necessitam de adapta-
ções, de acordo com a situação específica. Mas, basicamente, mediar consiste em impedir que cada divergência
diária resulte em um conflito – esta é uma das grandes competências de um grupo.
A mediação tem como objetivo maior refinar as relações e a comunicação entre as pessoas envolvidas, per-
mitindo que os problemas possam ser resolvidos de forma cooperativa, com satisfação mútua.
A mediação contribui com a gestão de conflitos interpessoais, tornando as partes envolvidas conscientes das
causas reais que originaram a situação conflitante.
O autoconhecimento estimula as pessoas a se tornarem independentes, confiantes, responsáveis e mais
preparadas para a negociação dos conflitos interpessoais.

104
“A primeira e suprema responsabilidade de quem preten-
de administrar é administrar a si mesmo: integridade, cará-
ter, ética, conhecimento, sabedoria, temperamento, palavras
e atos.” (Dee Hock, 1999, p. 134)

A interdependência das relações é criada e desenvolvida a partir da cooperação e do respeito mútuo. Para se
atingir a um estágio elevado de cooperação, são necessárias mudanças, e também amadurecimento individual
e coletivo. Isto envolve, ainda, o compartilhamento de interesses: objetivos e metas comuns, visão e senso de
propósito, aprendizagem contínua, motivação e um relacionamento baseado em confiança e respeito.
Estratégias de cooperação1:
· Cooperação burocrática: lógica de minimização dos riscos;
· cooperação de concorrência: lógica da vantagem;
· cooperação contratual: lógica do contrato;
· cooperação negociada: lógica do “toma lá, dá cá”, nas seguintes condições:
· Inscrever-se no longo prazo: perenidade da relação;

· ter um poder de intervenção: poder de dissuasão;

· gerenciar a relação;

· agir com método: fazer emergirem as diferenças;

· favorecer o desenvolvimento de valores comuns.

Negociação e gestão de conflitos

Negociar é a arte de compreender a pluralidade de opi-


niões e saber acordar entre as partes, de maneira que todos
saiam ganhando.

Negociar é um processo necessário que indivíduos com objetivos comuns ou divergentes usam para apre-
sentar e discutir propostas que levem a um acordo em que ambas as partes saiam ganhando.
Consegue-se negociar a partir de um diálogo franco e aberto.
A comunicação é uma das habilidades mais importantes na vida. Ler e escrever, assim como falar e escutar,
são as quatro formas básicas de comunicação.
Para que a comunicação seja efetiva, é necessário que ela seja clara, recebida, entendida e confirmada; e,
para que ocorra adequadamente, é necessário que ambas as partes tenham as seguintes capacidades:
· Saber comunicar:
· Comunicação é a base das negociações;

· sem diálogo, não há comunicação nem solução possível para os conflitos;

· a maioria dos erros, desencontros e confusões é causada por comunicação inadequada.

105
· Saber ouvir:
· Adotar postura afirmativa, ouvindo ativamente e demonstrando respeito e interesse genuíno pelo interlo-
cutor e pelo assunto;
· buscar compreender as mensagens, a fim de evitar situações conflitantes;

· evitar críticas e interferências enquanto for o ouvinte.


· Saber perguntar:
· É uma habilidade importante na comunicação eficaz, pois quem pergunta está direcionando a conversa.

“Eu não disse que não disse isso. Eu disse que não disse
que disse isso. Quero deixar isso bem claro”. (G. Romney)

Alguns passos são importantes para uma adequada resolução dos conflitos, como também para definir o
estilo a ser adotado, conhecendo e aplicando alguns saberes:
· Criar uma atmosfera afetiva;

· construir relações de cooperação, confiança e consideração;

· esclarecer as percepções;

· indicar claramente metas e objetivos;

· ser franco quanto ao sentimento de como as coisas caminham;

· criar um ambiente de confiança e respeito mútuo;

· focalizar em necessidades individuais e compartilhadas;

· construir uma liderança positiva e compartilhada;

· aprender com o passado olhando para o futuro;

· planejar com competência;

· estabelecer acordos de ganhos mútuos.

Muitos conflitos podem ser tratados como con-


seqüência de algumas ingerências. Com a situação
de conflito já instalada, um erro na decisão da es-
colha do estilo de gestão a ser adotado pode trazer
conseqüências nocivas. Cabe aos gestores ampliar
sua percepção para que os conflitos tenham sempre
valores positivos dentro das instituições.
Fatores importantes contribuem para o forta-
lecimento da cultura de um grupo e servem como
anteparo, impedindo que o conflito progrida: plane-
jamento cuidadoso das ações, comunicação aberta
e direta, feedback, liderança participativa e um pro-
cesso compartilhado de tomada de decisão. Valores
e atitudes como responsabilidade, cooperação, con-
fiança e respeito são imprescindíveis à integração e Figura 1 - Adaptação do Modelo do Queijo Suíço, de James Reason

106
à geração de resultados positivos na produção da equipe.
A Figura 1 mostra uma adaptação partindo do Modelo do Queijo Suíço, proposto por James Reason (1999),
para acidentes organizacionais. Segundo este autor, o erro é o preço que as pessoas pagam pela habilidade de
pensar e agir intuitivamente. É a possibilidade de acertar ou errar que nos dá a capacidade de escolher entre
idéias e caminhos diferentes. É esse mesmo mecanismo que possibilita às pessoas crescerem com o aprendi-
zado e com o acúmulo de experiências.
Os conflitos se instalam devido a uma sucessão de falhas, passando pela série de barreiras defensivas exis-
tentes no sistema. Uma vez instalados, necessitam de atenção.

Considerações finais

Um dos maiores desafios dos gestores é administrar os conflitos interpessoais que insistem em ocorrer nos
ambientes de trabalho. Mas, ao contrário do que muitos pensam, esses conflitos podem ser uma demonstração
da competência dos membros de uma equipe. Pessoas medíocres se acomodam e criam uma falsa atmosfera
de harmonia.
Sabemos que não é uma tarefa simples o manejo adequado das relações; porém, um tratamento correto
dispensado durante as situações de conflito é essencial para as pessoas e as organizações, pois elas podem
se tornar intensas fontes geradoras de mudanças. Das negociações entre as partes envolvidas podem nascer
grandes oportunidades de crescimento para todos.
1
Fonte: www.enap.gov.br

Referências bibliográficas

AMADO, G.; GUITTET, A. A dinâmica da comunicação nos grupos. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
CHANLAT, Jean-François (Org.). O indivíduo na organização. São Paulo: Atlas, 1996.
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração: abordagens descritivas e explicativas. São
Paulo: Makron Books,1993.
GALVÃO, Izabel. Emoções e conflitos: análise da dinâmica das interações numa classe de educação infantil.
1998. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
HOCK, Dee. Nascimento da era caórdica. São Paulo: Cultrix, 1999.
JESUINO, Jorge Correia. Estilos de gestão do conflito e padrões motivacionais. Um estudo exploratório. Revista
Comportamento Organizacional e Gestão, Lisboa, v. 8, n. 1, p. 83 – 97, 2002.
LINKERT, Rensis; LINKERT, Jane. Administração de conflitos – novas abordagens. São Paulo: Ed. McGraw-Hill,
1979.
MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento interpessoal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
REASON, James. Human Error. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
______. Managing the Risks of Organizacional Accidents. Aldershot: Ashgate, 1997.
ROBBINS, Stephen Paul. O processo administrativo. São Paulo: Atlas, 1978.
ROSA, Maria Inês. Trabalho, subjetividade e poder. São Paulo: Edusp, 1994.
WAGNER, John A.; HOLLENBECK, John R. Comportamento organizacional – criando vantagem competitiva.
São Paulo: Saraiva, 2002.

107
Melhores práticas de coaching em instituições educacionais:
perspectiva da tecnologia educacional
Márcio Zenker

· Graduado em Psicologia pela USP, com pós-graduação em Recursos Humanos pela FGV. Foi professor
de Psicologia Aplicada à Administração na FGV;
· mentor e coordenador do grupo Meios Eletrônicos Interativos em Educação;
· professor do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo – Sieeesp –,
nos cursos Gestão de Projetos, Gestão de Eventos, Gestão de Pessoas e outros;
· professor do Senac, Unasp, Hoyler, FEI e Unisa, em cursos de graduação, MBA’s e pós-gradua-
ção. Professor de Gestão de Pessoas em cursos de graduação e extensão universitária em Educação a
Distância – via internet e satélite;
· palestrante e articulista da Revista Linha Direta em Coaching – Tecnologia Educacional;
· facilitador de sessões de Mentoring e Coaching no Instituto Avançado de Desenvolvimento
Intelectual – Insadi.

Contexto

A época atual caracteriza-se por incertezas, mais do que pela ordem, e desdobra-se em sentimentos cada
vez mais comuns de insegurança nas escolhas de rumos. É como se a pessoa estivesse num barco sem clareza
de destino.
Outro elemento característico da vida cotidiana é a aceleração do conhecimento, o que gera a dificuldade de
estar atualizado.
As ações individuais e grupais parecem insuficientes para alcançar os resultados esperados, trazendo
sentimentos de frustração e a percepção de um distanciamento crescente entre o planejamento e a avaliação do
próprio trabalho.
Ampliando a análise para contextos sociais mais abrangentes, percebemos as seguintes tendências:
· A cooperação envolvendo o interior e o exterior da organização. Há um crescente desejo e necessidade de
inclusão, de conciliar diferenças.
· O crescimento individual como condição da evolução organizacional. Ambos devem crescer paralelamente
à satisfação conjunta.
· O uso cada vez mais freqüente e competente de projetos organizacionais, projetos de vida, aprendizagem
por projetos e outros. Se há projetos, há sonhos; se há sonhos, evocam-se potenciais.
· A educação continuada e inovadora preparando estudantes para verem o mundo, cada vez mais complexo,
diferente da educação tradicional.
· A educação mediada por tecnologia – via internet e via satélite – participa, de modo a cada dia mais
intenso, da vida acadêmica.

108
Na emergência dos cenários descritos, percebe-se que programas de coaching vêm ao encontro dessa rea-
lidade em transição, estimulando a reciprocidade entre as pessoas, em situações presenciais, semipresenciais
e a distância.

Coaching

A palavra coaching tem origem francesa. Coach significa carruagem, um veículo para transportar pessoas
de um lugar para outro. Por extensão, tem o sentido de guiar pessoas nas suas trajetórias de vida e trabalho.
Coaching, como prática e serviço, exercido de maneira formal ou informal, tem tido demanda crescente por
pessoas, grupos e instituições. Será uma forma de apoiar processos, transições, melhorias de performance,
decisões mais acertadas na vida e no trabalho?
Observamos a tendência a uma melhor compreensão dessa prática por pessoas, escolas e organizações,
com o objetivo de viabilizar e acelerar projetos com menos riscos e maior retorno.
Coacher é a pessoa que possui background e competências para apoiar o processo de crescimento e de
conquistas de outra pessoa. Implica uma comunicação, relacionamento e troca em que a clareza de questões
facilita o planejamento de ações pertinentes ao contexto e apropriadas ao orientado. Pode ser alguém de dentro
da instituição ou um contratado.
Esta prática ocorre formalmente através de sessões individuais ou grupais, com duração de 60 a 90 minutos,
periodicidade semanal ou quinzenal e prazo a ser definido no decorrer da travessia. Pode ocorrer, também, de
maneira mais espontânea, quando alguém precisa da escuta e da troca de idéias sobre caminhos e conquistas.
Coaching individual, grupal ou coletivo, é um caminho que, na prática, revela talentos, integra pessoas,
apóia decisões, gera um ambiente saudável de convivência e aumenta a segurança na conquista de resultados.

A prática de coaching nas instituições

O coaching, na prática, pode ser desenvolvido por vários atores sociais – atores com atitude de orientador
ou profissionais especializados.
A seguir, listamos alguns atores em situações de orientação, de guia, de condução desse processo de rela-
cionamento, comunicação e cooperação entre pessoas:
· Um coordenador, professor ou técnico da instituição pode ter a postura de transmissor de informações
e conhecimentos. Nesse caso, não está sendo um verdadeiro coacher; passa a sê-lo quando está centrado no
outro, em seu potencial, nas suas necessidades e conduz um processo de aprendizagem, levando-o a descobrir,
a ter insights e a relacionar a temática com aspectos práticos da vida, promovendo a maturidade.
· Um gestor, nas suas relações com outros gestores, sua equipe ou outros públicos, pode e deve fazer

coaching. Quando um gestor está diante de uma ou mais pessoas e uma questão se apresenta como problemáti-
ca, seu comportamento manifesto e/ou oculto revelará se está ou não praticando coaching. Se tiver uma postura
de líder, atento ao(s) outro(s) na condução ativa da busca de respostas, estimulando a participação, dialogan-
do, fazendo várias leituras da situação e estimulando a imaginação na procura de soluções mais produtivas e
inovadoras, então essa prática torna-se relevante.
· Um coacher profissional possui experiências, conhecimentos, formação apropriada e sensibilidade para

109
apoiar processos pessoais ou profissionais através de sessões individuais ou grupais. Um de seus principais
quesitos é a escuta atenta. Ao fazer isso, percebe na fala do outro a manifestação de suas competências, valores,
propósitos e impasses. Faz devolutivas do que percebe tanto nas situações mais espontâneas como nas mais
estruturadas, quando aplica ferramentas associadas a autoconhecimento, processos, projetos e planejamento.
Uma situação muito comum ao se buscar coaching é o atendimento individual ou grupal para apoiar
escolhas importantes na vida das pessoas. Escolhas relacionadas à carreira, a projetos de vida, de realização de
metas e outros podem ser compartilhadas e apoiadas por profissionais competentes em coaching.
Ampliando um pouco mais o campo de aplicação dessa prática e seus benefícios, considere-se que:
· um programa de coaching bem praticado pode melhorar a comunicação interna, ainda que se faça uso
das formas tradicionais de comunicação, pelo fato de as pessoas poderem ter consciência do que se passa na
instituição. Isso impacta o marketing interno, ou seja, o endomarketing;
· um projeto de coaching concebido como estratégia institucional pode apoiar a formação e o desenvolvi-
mento de redes de aprendizagem – virtual e/ou presencial. Isso significa estimular a cooperação para o apren-
dizado individual, grupal e coletivo e o apoio mútuo, através de network (intranet, extranet, redes virtuais de
aprendizagem, ambiente de colaboração etc.). Isso significa pensar além da sala de aula. Alunos, funcionários e
parceiros de trabalho podem se tornar co-participantes de uma proposta com objetivos comuns.

Equipe interdisciplinar apoiando o uso de tecnologias

Uma situação-problema enfrentada por um número grande de organizações é o pouco uso das tecnologias
educacionais pelos profissionais da instituição. É freqüente a manifestação de descontentamento dos gestores
diante desse fato. O que pouco se questiona é o modo como os profissionais estão sendo orientados para fa-
zer uso da tecnologia no contexto do ensino-aprendizagem para as situações presenciais, semipresenciais e a
distância. Em geral, o foco está no uso de recursos e procedimentos de um aplicativo. É menos comum o uso
de estratégias, em geral, oficinas, em que os líderes multiplicadores descobrem formas individuais e grupais de
uso dos aplicativos na criação de formas de incentivar o aprendizado de suas equipes. A informação apresen-
tada em palestras e cursos não basta; uma orientação adequada, passo a passo, centrada na criatividade e nas
competências dos envolvidos para uso inteligente do recurso tem maior probabilidade de funcionar.

Como lidar com esse problema fazendo uso da prática de coaching?

Líderes, gestores, profissionais das ciências da informação (biblioteconomia) e da informática podem criar
em suas instituições programas de coaching orientados para o desenvolvimento de talentos, de equipes etc.
As linhas de atuação desse programa podem contemplar, por exemplo, projetos de Formação e Desenvolvimento
de Líderes, Humanização no Trabalho, Tecnologias e outros.

Qual o perfil de competências do grupo gestor?

Dentre os conhecimentos necessários ao exercício desse grupo interdisciplinar nesses programas de


coaching, podem ser citados:

110
· competências interpessoais e de comunicação;
· noções básicas sobre Gestão de Projetos;
· competências para trabalhar em equipe interdisciplinar e apoiar líderes em trabalhos que utilizem, por
exemplo, a metodologia por projetos e a possibilidade de trabalhar a transdisciplinaridade;
· necessidade de saber o que está acontecendo na sociedade, no mercado, nas organizações quanto às
ferramentas da tecnologia da informação e comunicação aplicadas à educação: webfólio, webquest, webgincana,
blogs e muitos outros recursos que propiciam trabalhos colaborativos, presencialmente ou a distância.

Coaching em ambientes tecnológicos

Aqui estão algumas linhas de pesquisa e desenvolvimento que podem e devem ser apoiadas por programas
de coaching.

Pesquisa na internet
O papel que vem sendo atribuído ao educador, de mediador da aprendizagem, coloca a escola como
responsável pelo ensinamento, fomento e instalação da atitude investigativa do aluno, que deixa de ser um mero
receptor de conteúdos. Na complexa inter-relação professor-aprendizagem-aluno, a escola tem orientado as
chamadas buscas eletrônicas? Solicita trabalhos que requeiram o tratamento das informações? Como ela avalia
o resultado pedagógico do uso da internet?
Alguns professores sabem fazer uso educacional dos meios eletrônicos, outros não. Muitos programas de
desenvolvimento de professores focam a utilização dos recursos e procedimentos de um determinado software,
por exemplo, mas pouco mobilizam o professor no uso pedagógico da tecnologia. A conseqüência é o prejuízo
no processo de ensino-aprendizagem dos alunos.

Webquest
Webquest é um modelo extremamente simples e rico para dimensionar usos educacionais da web, com
fundamento em aprendizagem cooperativa e processos investigativos na construção do saber. Meio mais
estruturado de pesquisa e de tratamento da informação, foi proposto por Bernie Dodge em 1995 e, hoje, já conta
com mais de 10 mil páginas na web, com propostas de educadores de diversas partes do mundo (EUA, Canadá,
Islândia, Austrália, Portugal, Brasil, Holanda, entre outros).
A metodologia webquest pode ajudar o educador a alcançar objetivos educacionais tais como: moderni-
zar modos de fazer educação, garantir acesso a informações autênticas e atualizadas, promover aprendizagem
cooperativa, desenvolver habilidades cognitivas, transformar informações ativamente, incentivar a criatividade,
favorecer o trabalho de autoria dos professores e o compartilhar de saberes pedagógicos, entre outros.

Redes virtuais de aprendizagem


Redes de aprendizagem dizem respeito a grupos de pessoas que utilizam as redes de comunicação media-
das por computador: correio eletrônico, bulletin boards, sistemas de conferência por computador e a própria
internet. É uma forma de aprendizagem que dispensa a presença das pessoas em lugar e tempo determinados.
Segundo Harasim, em Redes de aprendizagem (2005, p. 21),

111
o uso das redes nos níveis fundamental, médio e superior cria novas opções, que trans-
formam as relações e os resultados do ensino e aprendizagem. Essas redes vêm geran-
do respostas entusiásticas de educadores e estudantes, que acham que as tecnologias de
rede podem melhorar os meios tradicionais de ensino e aprendizagem e abrir oportunidades
totalmente novas para a comunicação, a cooperação e a construção do conhecimento.
Dentre as comunidades virtuais que permitem entrar em contato com pessoas que também compartilham
dos mesmos objetivos, destacam-se as listas de discussão, blogs e fóruns para educadores.

Webfólio como estratégia de aprendizagem e avaliação


Fernando Hernandez, no livro Cultura visual, mudanças educativas e projetos de trabalho, define portfólio
como “um continente de diferentes tipos de documentos”, que podem ser anotações pessoais, experiências de
aula, trabalhos pontuais, conexões com outros temas (fora da escola), representações visuais, dentre outros.
Para este autor (2000, p. 166), tais documentos devem proporcionar as “evidências de conhecimentos que
foram sendo construídos, as estratégias utilizadas para aprender e a disposição de quem o elabora para
continuar aprendendo”.
A concepção do webfólio envolve planejamento, organização e atualização das produções em um período de
tempo. Deve conter não apenas as produções finais dos alunos, mas todo o caminho percorrido.
O webfólio é um portfólio eletrônico, disponibilizado por meio da internet. Pode ser utilizado tanto em
educação presencial quanto virtual.

Educação a Distância – EaD


Coaching em EaD implica a criação e implementação de um programa institucional orientado para os diver-
sos públicos envolvidos no processo de aprendizagem: gestores, profissionais de tecnologia da informação e
comunicação, do laboratório multimídia, do estúdio de TV, técnicos, coordenadores, pedagogos, professores,
alunos e outros. Recomenda-se que esse programa tenha três dimensões: tecnológica, pedagógica e de gestão.
Um ponto de partida para a criação do programa é entender a época atual e suas implicações na educação.
A geração internet é uma realidade. As ferramentas eletrônicas incentivam cada vez mais a comunicação vir-
tual entre pessoas e, como conseqüência, o relacionamento e a socialização. As aulas expositivas presenciais,
semipresenciais e a distância estão sendo substituídas, cada vez mais, pelas atividades em grupo. Os alunos
são incentivados a saberem pesquisar na internet e in loco, partindo de situações-problema e buscando enca-
minhamentos e soluções através da metodologia por projetos. Tudo isso requer estratégias de mudanças para a
implementação gradual de novos valores, conhecimentos, competências, atitudes e comportamentos apropria-
dos aos novos tempos. Além disso, programas institucionais de coaching devem estar alinhados com o projeto
de desenvolvimento institucional, em especial com os projetos pedagógicos.
Para melhor entendimento do processo de mudança na instituição – da educação tradicional para novas
formas de atuar em educação –, faremos uso de referências figurativas.
As figuras que se seguem fazem parte de um trabalho apresentado no IV Seminário Internacional do
Project Management Institute (PMI), ocorrido em São Paulo e intitulado Como utilizar instrumentos facilita-
dores na condução de mudanças – uma contribuição para a maturidade em gerenciamento de projetos. Essas
figuras fazem parte do livro Managing Transitions: Making the Most of Change, de William Bridges.

112
A Figura A mostra a necessidade de saída do ambiente fami-
liar para o ingresso em novas situações. Sair do terreno conheci-
do, muitas vezes, é percebido e sentido como perda, e ingressar no
desconhecido pode gerar insegurança. No início de um processo de
transição, há predominância de sentimentos de perda em relação aos
de ganho frente ao novo. Uma terceira zona, chamada neutra, cresce
no decorrer da transição. Projetos, programas e/ou campanhas po-
dem ser posicionados nessa zona, permitindo que haja um progresso
gradual de evolução do antigo para o novo. Um programa de coaching
concebido, desenvolvido, aplicado, acompanhado e avaliado no
espaço e no tempo da zona neutra busca a resolução de dois grandes
desafios: desprendimento das antigas formas de fazer as coisas para
a apropriação de novas formas de atuar. Figura A
A Figura B mostra que uma transição implica a visão da situa-
ção atual, da situação projetada e de trajetórias para sustentar sua
evolução. Em outras palavras: onde estamos? Para onde vamos?
Como chegaremos lá? Requer a quebra de padrões já consolidados
para a construção de formas mais flexíveis de organização e gestão,
como, por exemplo, projetos tecnológicos, pedagógicos e de gestão
articulados de forma integrada e realizados simultaneamente. A for-
ma final resultante dessa transição será diferente, exigindo contínuo
preparo dos profissionais em novas soluções para novos problemas
e desafios.

Ambientes: Teleduc e Moodle


A experiência de comunicação com os alunos através de ambien-
tes tecnológicos implica saber usar as ferramentas disponibilizadas
Figura B
nessas plataformas.
O Teleduc é um ambiente de colaboração que apresenta ferramen-
tas como estrutura do ambiente, dinâmica do curso, agenda, atividades, material de apoio, leituras, perguntas
freqüentes, parada obrigatória, mural, fóruns de discussão, bate-papo, correio, grupos, perfil, diário de bordo,
portfólio, acessos, intermap e os recursos de administração e suporte.
Quanto ao Moodle, é uma plataforma que promove uma pedagogia social construcionista. Possui alguns
módulos como tarefa, chat, pesquisa de opinião, fórum, questionário, materiais, pesquisa de avaliação, trabalho
com revisão e outros.
O professor precisa de orientações técnicas, pedagógicas e de gestão para superar os desafios de um bom
uso dos recursos na perspectiva de princípios e práticas pedagógicas.

Aulas breeze
A experiência de gravação em estúdio usando o breeze requer orientações técnicas sobre a sincronização de

113
imagens com voz. A presença de um orientador técnico nos primeiros testes facilita a introdução do professor
no mundo da aula a distância via internet.

Aulas-satélite
A experiência de ministrar aulas ao vivo requer a orquestragem da aula falada, expressões faciais e corpo-
rais, movimentação diante das câmeras, uso de lousa eletrônica nesse mundo em que o tempo é medido em
segundos. O uso de satélite para a realização de aulas ao vivo para públicos distribuídos pelo Brasil está
em franco crescimento. Isso tem implicações nos papéis do professor e na educação.
Um desafio que estará cada vez mais em pauta nas discussões das entidades educacionais: quais as
implicações da televisão digital nas aulas ao vivo e na educação? Estamos ingressando em mundos até agora
pouco sonhados.

Novas perspectivas

O desafio da prática do coaching está lançado. As tecnologias da informação e da comunicação estão aí.
O talento dos profissionais das instituições pode e deve ser estimulado para a realização de trabalhos de
qualidade superior.

Referências bibliográficas

BORSOI, A. e ZENKER M. Como utilizar instrumentos facilitadores na condução de mudanças – uma contribui-
ção para a maturidade em gerenciamento de projetos. In: IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO PMI, dez. 2004,
São Paulo. Disponível em: pmisp.org.br/seminario/palestras09.htm. Acesso em 25/5/2006.
BRIDGES, W. Managing Transitions: Making the Most of Change. 2nd edition. Cambridge, MA: Da Capo Press,
2003.
HARASIM, L. e outros. Redes de aprendizagem: um guia para ensino e aprendizagem on-line. São Paulo: Editora
Senac, 2005.
HERNANDEZ, F. Cultura visual, mudanças educativas e projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.
MARTINS, M. G. e ZENKER, M. Webfólio como estratégia de avaliação e aprendizagem. Revista Direcional
Escolas, São Paulo, n. 13, p. 32 – 35, fev. 2006.
MARTINS, M. G.; ZENKER, M. Redes de colaboração e aprendizagem. Revista Direcional Escolas, São Paulo,
n. 12, p. 30 – 33, jan. 2006.
PORCHÉ, G. e NIEDERER, J. Coaching: o apoio que faz as pessoas brilharem. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
ZENKER, M. Pesquisa escolar na internet – metodologia webquest e guia de sites. Revista Direcional Escolas,
São Paulo, n. 16, p. 15 – 18, mai. 2006.

114
Liderança que influencia mudança

Maria Carmem Tavares Christóvam

· One Year Graduate Studies in Administration and Management – Harvard University (Boston, MA,
Estados Unidos);
· pós-graduada em Administração de Recursos Humanos – Uniban/SP;
· pedagoga, com habilitação em Administração Escolar e Supervisão Escolar – Universidade Estadual de
Minas Gerais;
· consultora do Projeto Linha Direta para o Ensino Superior.

Que o compartilhar deste capítulo possa expressar aos leitores a satisfação frente às experiências, angústias
e desafios vivenciados em nossa trajetória profissional, no processo de capacitação de líderes e gestores no
ambiente educacional.
Ao longo desses anos como consultora para o Ensino Superior do Projeto Linha Direta, observei que a
formação profissional de um gestor de instituição de ensino deve ser sustentada por um tripé: conhecimento do
negócio educacional, conhecimento de práticas de recursos humanos e habilidade em administrar mudanças.
Optamos por refletir, neste texto, sobre algumas considerações importantes no processo de motivação de
pessoal e mudança ou inovação pessoal e, conseqüentemente, organizacional.
O profissional direcionado, motivado, é aquele que possui consciência de sua missão e propósito de vida,
conhece suas paixões e valores, é dotado de foco e clareza existencial. Isto porque motivação precisa se transfor-
mar em inspiração, algo que flui de dentro, uma meta do próprio indivíduo. Já o talento é dom característico de
cada ser humano. É o que imprime a sua marca na construção do seu legado. Talentos precisam ser descobertos,
abraçados e desenvolvidos. Mas isso requer paciência e perseverança.
O processo de gestão de escolas e universidades é um desafio constante, tanto pela complexidade da na-
tureza organizacional quanto dos fins institucionais. Portanto, é de extrema importância que o líder tenha pers-
pectivas para a efetiva melhoria de resultados – pessoais e organizacionais –, mas saiba equilibrar as demandas
em sua equipe.
A ausência de resultados pode causar a desmotivação, que surge diante do estresse, das crises externas, de
fatores que não se pode controlar no ambiente organizacional. Por isso, os propósitos e a visão de futuro preci-
sam estar sempre à frente. Nem sempre podemos ser motivados, mas sempre podemos ser inspirados!
A empresa, gestores e docentes, juntos, devem estar perfeitamente encaixados e coordenados em atividades
e metas que atendam igualmente aos interesses de todos.

115
Tais transformações, que podem ser encaradas como fruto dos movimentos de revolução da dinâmica
humana, chegam ao ambiente das organizações através de discursos voltados para transparência, parceria,
negociação, consenso, participação etc., afetando diretamente as relações pessoais e profissionais, colocando
em discussão o contexto funcional da empresa e seus resultados de negócio, levando-a a ter que reconhecer,
desenvolver e manter um quadro de profissionais à frente de um efetivo processo de evolução técnica, cultural
e social.
Diante desses elementos, o papel do líder adquire novas dimensões, pois são as pessoas em posição de
liderança que deverão desenvolver o esforço empreendedor de uma permanente auto-renovação organizacional,
uma vez que a busca constante da excelência tem exigido um ambiente gerenciado com competência, a fim de
se obterem maiores certezas e melhores informações e resultados, o que é possível através do autoconhecimento
e do conhecimento da organização.
Passemos agora a refletir sobre o segundo fator, a inovação, elemento facilitador no processo de renovação
organizacional.
Qualquer instituição de ensino superior é uma instituição social, admitida e credibilizada pela sociedade
para cumprir determinados papéis. Se não os cumpre, não há razão de existir. Para isso, é preciso que líderes e
gestores se comprometam a mudar, influenciando assim a mudança de seus colaboradores.
Existe uma vasta literatura a respeito da afamada resistência à mudança, e o diagnóstico é variado.
Seja como for, alguns fatores pesaram contra as mudanças pretendidas para o ensino superior brasileiro nos
últimos anos:
· Nosso sistema de ensino formal e informal nunca demonstrou uma queda especial em relação a como fazer
mudanças pessoais, organizacionais, governamentais e sociais.
· Sempre é mais fácil fazer as coisas como sempre as fizemos durante a vida toda. Aprender e reaprender
exigem investimentos de tempo, esforço, além de apresentar custos econômicos e a possibilidade de ser estres-
sante. As instituições de ensino preferem não pensar nisso.
· Qualquer mudança rompe com as rotinas, subverte relações conhecidas e nos atira, em maior ou menor
grau, rumo ao desconhecido.
Uma boa pergunta é: por que mudar? Creio que a resposta mais óbvia é que, afora mudar, inexiste alterna-
tiva. Isto desde que não esteja no nosso projeto de vida organizacional e profissional sermos sobrepujados por
outras partes do mundo e relegados à famosa lata de lixo da história. Então, é preciso mudar! Qualquer que seja
o segmento para o qual olharmos, o conceito é quase monolítico: para alcançarmos resultados, faz-se necessária
uma mudança cultural nas organizações, muito mais profunda do que geralmente estamos dispostos a operar.
Ao contrário, corremos o risco de apontar para o céu e, num positivismo míope, enxergarmos a ponta do dedo
e não as estrelas.
A humanidade sempre esteve às voltas com dois tipos de mudanças: as mudanças lineares, que são lógicas,
ordenadas, cumulativas, previsíveis, seqüenciais, sujeitas às leis de causa e efeito e evolucionárias. E as mudan-
ças não lineares, que, por seu turno, são desordenadas, descontínuas, imprevisíveis, caóticas e revolucionárias.
Para sorte de alguns e azar de outros, o novo século é inclinado a padrões de mudança nada lineares. Obviamen-
te, elas coexistem com padrões transformativos mais bem comportados, pois nem tudo o que se faz hoje em dia
é fatalmente subversivo. O pensamento da época é uma questão de ênfase, não de monopólio absoluto.
Estratégias e métodos, quando bem fundamentados e focados, nos orientam nos processos de mudanças.

116
Os homens e os organismos sociais possuem o dom da aprendizagem que os habilita a notáveis proezas das
quais outros seres estão, no geral, privados. Assim, algumas organizações, sistemas e até mesmo civilizações
têm demonstrado que é perfeitamente possível superar as adversidades de um contexto e edificar um novo pro-
jeto. O Japão moderno ilustra com perfeição esta possibilidade. Vejam sua ficha técnica:
· É uma ilha rodeada de ilhas satélites.

· Viveu, até o século passado, enclausurado num regime feudal.

· Adentrou o século XX com índices de pobreza e exclusão social de fazer inveja aos atuais países do
terceiro mundo.
· Aproximadamente 70% do solo é imprestável para a agricultura, por ser montanhoso ou rochoso. Os
demais 30% destinam-se a abrigar mais de 100 milhões de habitantes e a desenvolver a agricultura e pecuária.
· É carente de matéria-prima.

· Periodicamente, é fustigado por furacões, maremotos e terremotos.

· Foi derrotado na II Guerra Mundial, sendo, ainda hoje, o único país que sofreu um bombardeio nuclear.
Ainda assim, o Japão chegou aonde chegou. Outros povos, neste exato momento, trilham o mesmo
caminho.
Crises e adversidades, quando mal gerenciadas, têm o dom de criar uma visão negra a respeito do presen-
te. Se elas persistirem por muito tempo, a escuridão poluirá o futuro também. A isto chamamos Síndrome do
Túnel. Lá dentro, por mais que procuremos a luz, a paisagem é monótona, é indistinta; fora dele podem estar
acontecendo coisas fantásticas. Porém, quem está dentro, com certeza, não pode ver o incrível espetáculo da
exuberante perspectiva de futuro que existe do outro lado.
Uma pesquisa realizada por Sóstenes Sales demonstrou que:
· Fernandes (2004) pesquisou a produtividade e motivação docente em cursos de administração de insti-
tuições de ensino superior privadas, concluindo que os docentes possuem grande dificuldade em compreender
e medir sua produtividade, principalmente no que tange à sala de aula; há uma necessidade de investimento
em qualificação docente, bem como em pesquisa e extensão, para a melhoria da produtividade, qualidade e
motivação docente. Dentre os fatores motivacionais que têm impacto sobre a motivação docente, o pesquisador
destacou a falta de interesse do discente e de segurança (estabilidade) do docente na instituição de ensino.
· Entre os trabalhos que tratam de gestão, encontra-se o de Pessoa (2000), que desenvolve um modelo de
gestão para as universidades brasileiras, fundamentado no Balanced Scorecard (BSC).
· Machado (2002) busca compreender o relacionamento entre estrutura, poder e estratégia.

· Kelm (2003) investiga a dinâmica da autogestão em universidades comunitárias e a configuração de um


instrumento de apoio à gestão que possa contribuir para o alinhamento dos recursos organizacionais. A auto-
gestão e seus instrumentos são analisados segundo os fatores de coalizão interna, a incorporação desses fatores
no planejamento, os mecanismos de expressão e participação e a vitalidade do modelo.
· Cruz (2004) apresenta um modelo de gestão da produção e da disseminação do conhecimento para as
universidades brasileiras, o modelo estratégico-participativo, construído pela associação de princípios da Ges-
tão Estratégica, com o uso do Balanced Scorecard – BSC, da Gestão Democrática e Participativa e da Estrutura
Matricial. A partir da definição institucional das áreas preferenciais de atuação em pesquisa e de extensão,
o modelo propõe a identificação dos problemas presentes e futuros mais apropriados à ação da univer-
sidade em cada uma dessas áreas e a elaboração de um plano de longo prazo.

117
· França (2004) identifica as fontes da assimetria de informação e a mensuração do seu impacto sobre a
gestão de organizações produtivas, que são úteis na regulação dos setores responsáveis pela produção de bens
e serviços sociais.

Por que o líder precisa mudar para que a universidade mude?

A forma como o gestor concebe o ato de mudar e inovar condiciona e determina suas ações e, conseqüente-
mente, sua prática de gestão. Hoje, do Ocidente ao Oriente, do primeiro ao terceiro mundo, não há escapatória:
o lema (ou dilema) é mudar ou mudar!
Olhe à sua volta e veja se você é capaz de encontrar os edifícios do bom e velho sistema. Com certeza,
sobrevivem apenas seus vestígios arqueológicos. A velha ordem implodiu de vez e estamos diante da tare-
fa – entusiasmante para alguns, apavorante para outros – de reinventar nossas instituições sociais, políticas e
econômicas e, junto a elas, nosso estilo de vida, nossas crenças, princípios e valores.
Para uma organização mudar e acompanhar essas mudanças, é preciso que suas lideranças mudem primei-
ro. No entanto, é preciso entender a exata dinâmica por trás de tais mudanças – desde a preparação e implemen-
tação até o desenvolvimento das pessoas e sua forma de lidar com as resistências.
Os grandes mentores da administração contemporânea já perceberam que a mudança pessoal precede a
mudança organizacional. Quem sabe aonde quer chegar pode contribuir mais e melhor com os resultados da
empresa.
Vitórias sociais e organizacionais raras vezes precedem as pessoais. As pessoas acabam seguindo o que
vêem, mais do que o que ouvem.
Um verdadeiro líder inspira e motiva as pessoas pelo seu próprio exemplo. O exemplo não é algo que você
pode delegar. Algumas pessoas nos inspiram de imediato, mas as únicas que continuam nos inspirando, em
longo prazo, são aquelas que demonstram autenticidade e um caráter que atrai. 70% dos líderes não terminam
bem. Essa estatística assustadora se baseia no fato de que eles:
· perdem sua postura de serem aprendizes e ensináveis. Eles param de ouvir e de crescer;

· deixam de ser atraentes, seu caráter perde o brilho;

· não continuam vivendo segundo suas próprias convicções;

· falham em não deixar como herança contribuições duradouras e de impacto;

· perdem a consciência de que têm um destino especial e influência nas vidas dos outros;

· perdem o otimismo e o equilíbrio interior que tinham em outros tempos. As provas da vida os deixaram
magoados e fechados, vivendo nas “glórias do passado”, em vez de lidarem com os desafios atuais. As vitórias
passadas e a glória da última conquista acabam se tornando o maior inimigo do crescimento futuro.
O que quero dizer é que, sem uma consciência dos perigos mencionados, nós também poderemos acabar
entre os 70% que não terminam bem.
Os líderes das organizações enfrentam constantemente a dificuldade de escolher entre mudanças profundas
ou morte vagarosa.
Quando o líder demonstra os valores e convicções que ele quer em seu grupo, o grupo se sente atraído e
motivado. No entanto, quando esses valores se tornam velhos e não se renovam através de novas dimensões,
a visão no grupo começa a secar. Se o líder insiste que seu grupo deve render mais, produzir melhor ou mudar

118
algo, em suas vidas ou rotina, que de forma alguma é visto em sua própria vida, o grupo sente-se fraudado e
desmotivado, tornando-se resistente às mudanças.
A esperança se infiltra quando nos damos conta de que, na nova ordem econômica e social, o futuro pertence
àqueles que o estão construindo hoje. Portanto, ao iniciarmos a caminhada da organização que temos hoje para
a organização que queremos, é fundamental uma reordenação de princípios e valores pessoais e institucionais.

Referências bibliográficas

COHEN, M. D.; MARCH, J. G. Leadership and Ambiguity: The American College President. New York:
McGraw-Hill Book Co., 1974.
COVEY, S. R. Liderança baseada em princípios. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2002b. 370 p.
CRUZ, Wilson Kniphoff da. Modelo de gestão da produção e da disseminação do conhecimento nas universida-
des brasileiras. 2004. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
FERNANDES, Simone C. B. Produtividade e motivação docente em cursos de administração de IES privadas da
grande Vitória – ES. 2004. 134 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação
em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
FRANÇA, José Mairton Figueiredo de. Um modelo para avaliar o impacto da assimetria de informação na gestão
de organizações sociais com aplicação às universidades federais brasileiras. 2004. Tese (Doutorado) – Univer-
sidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
KELM, Martinho Luís. Indicadores de performance em instituições universitárias autogeridas: uma contribuição
à gestão por resultados. 2003. 398 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2003.
PESSOA, Maria Naiula Monteiro. Gestão das universidades federais brasileiras: um modelo fundamentado no
balanced scorecard. 2000. 343 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2000.
MACHADO, Nelson Santos. O relacionamento entre estrutura, poder e estratégia em organizações universitárias:
a criação da Universidade do Oeste de Santa Catarina. 2002. 297 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2002.
PFISTER, Eugen. Notas de seminário. São Paulo, 1993.
SALES, Sóstenes Diniz. Motivação como ferramenta para a gestão das universidades federais brasileiras. 2005.
206 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção). Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.

119
Um olhar sobre o ensino privado

Pesquisas revelam a importância da escola particular para o país.


No entanto, setor convive com inadimplência e alta taxa de impostos.

Nilson Ramos

· Assessor de imprensa da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e do Sindicato dos
Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro (Sinepe/Rio);
· graduado em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense; pós-graduando em Comunicação
Empresarial pela Universidade Estácio de Sá.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas, em 2004, e atualizada em 2005, revelou a importância
econômica e social do ensino privado para o sistema educacional brasileiro. O estudo foi encomendado pela
Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), entidade que representa 70% dos estabelecimentos de
ensino do país.
De acordo com os dados, cerca de 37 mil estabelecimentos de ensino que formam todo o segmento pri-
vado – desde a educação infantil até o ensino superior – movimentaram R$ 35,1 bilhões em 2004, e contribuí-
ram com cerca de R$ 20,6 bilhões para a formação do Produto Interno Bruto (PIB), valor correspondente a cerca
de 1,3% do total.
Para se ter uma idéia da pujança do setor, basta compará-lo a outros segmentos da economia. A educação
particular, por exemplo, supera o setor de saúde privado, cuja participação no PIB é de 0,9%, e aproxima-se do
setor de alojamento e alimentação, que representa 1,5%.
A importância social da escola particular também fica evidente no resultado da pesquisa. Em 2004, o total
de pessoal ocupado no segmento de educação privada era de mais de 660 mil, o equivalente a 1% da força de
trabalho brasileira. O salário médio anual do setor é de R$ 8.148,00, valor 116% superior ao pago, em média,
no segmento privado da economia (R$ 3.772,00).
A presença maciça de professores, três quartos dos quais com escolaridade até o terceiro grau, ajuda a
explicar a superioridade do salário médio pago pelo setor. “Contribuímos quantitativamente para o mercado de
trabalho, e qualitativamente também”, afirma o diretor de Assuntos Econômicos da Fenep, Henrique Zaremba
da Câmara.
A participação do ensino privado nas contribuições fiscais também não pode ser ignorada. Em 2004, os
empregadores deste segmento pagaram à Previdência cerca de R$ 1,2 bilhão. Este montante corresponde a 1,9%
de todos os pagamentos de contribuições à Previdência feitos pelo setor privado.
Além disso, o setor privado de educação recolheu, nesse mesmo ano, entre Cofins, PIS/Pasep e outros im-

120
postos, o equivalente a cerca de R$ 1,5 bilhão – isto significa 1,7% do total de impostos referentes à produção
arrecadados no país em 2004.

Educação básica

De acordo com a pesquisa, o número de escolas particulares de educação básica aumentou entre 1999 e
2004, passando de 29,551 mil para 35,2 mil – isto é, 19,12%. Deste total, 16.527 estavam localizadas na região
Sudeste, o equivalente a 46,95%, vindo em seguida o Nordeste, com 10.337.
Em relação à matrícula, a participação privada atingiu, em 2005, a marca de 12,59% do total. Dos quase 56
milhões de alunos no ensino básico, mais de 7 milhões estudam em escolas privadas. O crescimento no período
foi de 5,57%. O Sudeste é que registra a maior participação, com 15,27% dos seus alunos de ensino básico
freqüentando escolas particulares. Também acima da média aparece o Centro-Oeste, com 14,65%.
No segmento de creches e pré-escolas, o setor respondeu, em 2005, por 37,84% e 26,13% das matrículas,
respectivamente. No segmento de creches, a região Sudeste tem a maior participação, com 48,14% das matrícu-
las. Já na pré-escola, a maior participação é registrada no Nordeste, com 29,16% de 1.905 mil matrículas.
No ensino fundamental – segmento que possui o maior número de matrículas –, a proporção de alunos
na rede privada atingiu 10,07% em 2005. Foram mais de 3,3 milhões de matrículas, sendo que a maior parte
concentrou-se no Sudeste, região que possui a maior participação privada (12,07%).
Segundo a pesquisa, no ensino médio particular houve uma queda significativa, entre 1999 e 2005. Esta
participação, que era de 15,76% do total de matrículas, no primeiro ano, caiu mais de três pontos percentu-
ais, para cerca de 12%, em 2005. Este fenômeno foi observado mais fortemente no Sudeste, onde houve uma
redução de 17,30%. As categorias de jovens e adultos e ensino especial na educação privada apresentaram
uma participação de 8,28% do total das matrículas em 2005.

Ensino superior

No ensino superior, entre 1999 e 2003, o número de estabelecimentos privados no país aumentou 82,54%,
alcançando 1.652 unidades. O setor público, no mesmo período, cresceu apenas 7,8%. Entre as regiões do
Brasil, a maior participação privada foi registrada no Sudeste, com mais de 90%.
Quanto à matrícula, entre 1999 e 2003, houve um crescimento de 78,85%. O maior crescimento acumulado
foi observado no Nordeste (201,7%), região que triplicou o número de matrículas privadas em apenas quatro
anos. Mas, em 2004, houve uma desaceleração no ritmo das matrículas no ensino privado. Em relação a 2003,
o crescimento foi de 8,5%, inferior à taxa de expansão verificada entre 1999 e 2003. De acordo com o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão vinculado ao MEC, em 2004 havia 2.985.405 alu-
nos matriculados nas instituições privadas.

Infra-estrutura e tecnologia

A qualidade do ensino privado também é enfatizada pela pesquisa. Em geral, as escolas particulares ofere-
cem melhor infra-estrutura para seus alunos do que as escolas do setor público. Um bom exemplo disso está

121
no número de bibliotecas. Enquanto cerca de 76,1% dos estabelecimentos privados de ensino fundamental
possuem bibliotecas, a cobertura é de apenas 22,9% na rede pública.
Essa diferença também se dá em relação ao acesso a recursos tecnológicos. No setor privado, cerca de 82%
das escolas do ensino fundamental possuem microcomputadores em suas instalações. No ensino médio, o
índice sobe para 96,5%. Na esfera pública, as proporções são de 27,3%, no ensino fundamental, e de 86,8%,
no médio.
Na opinião do presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp)
e diretor financeiro da Fenep, José Augusto Lourenço, mais do que essa força econômica evidenciada pelos
números da pesquisa da FGV, a escola privada representa um avanço na educação brasileira, trazendo o que há
de mais moderno no mundo em termos de tecnologia e de vanguarda. “Infelizmente, as autoridades responsáveis
pela formulação da política educacional brasileira, salvo raríssimas exceções, não abrem espaço para ouvir o
que temos a oferecer para a melhoria da qualidade do ensino no país. Acabam nos vendo como comerciantes e
não como uma força cultural que, se bem aproveitada, daria enormes contribuições para a inteligência do país”,
ressalta José Augusto.
O presidente da Fenep, José Antonio Teixeira, afirma que esses dados comprovam a importância estratégica
do ensino privado para o país. “O governo não pode prescindir de um segmento que emprega, educa e contribui
com seus impostos para o crescimento nacional. Se não houvesse a escola particular, o poder público teria de
desembolsar mais de R$ 24 bilhões do seu orçamento para oferecer educação a todos os jovens que hoje estão
no ensino privado. O governo deve ver o nosso segmento como um parceiro, e não como adversário”, argumenta
o educador.

Liberdade de escolha

Mas não é apenas a contribuição econômica que faz da escola particular um segmento fundamental no sis-
tema educacional brasileiro. O ensino privado oferece a opção entre as múltiplas propostas pedagógicas. “De-
vemos evocar, sempre, os princípios do Estado de Direito, que garantem a liberdade de os cidadãos escolherem
a orientação educacional para seus filhos. Nada mais legítimo do que a opção que as famílias fazem segundo
credo, filosofia, linha pedagógica ou outro valor de qualquer ordem”, opina José Antonio Teixeira.
Segundo Teixeira, essa liberdade de escolha deveria ser estendida a um maior número de cidadãos.
“A educação é um bem público, e já está na hora de se oferecer à sociedade a liberdade de escolha da escola,
por meio de um amplo programa de crédito, bolsas ou voucher educacional, semelhante ao modelo chileno.
Lá, as escolas privadas contam com uma parceria com o poder público, o que permite que os pais escolham a
escola e garantam a qualidade da educação de seus filhos, uma vez que o governo custeia 50% das mensalida-
des”, explica.
Hoje, mais do que nunca, as famílias acreditam que uma boa educação seja fundamental para o sucesso
profissional. Isso ficou patente no resultado de uma pesquisa encomendada pela Fenep ao Ibope em janeiro de
2006. Para 92% dos entrevistados, a matrícula na rede particular garante um futuro mais bem-sucedido para
seus filhos.
Em relação ao perfil da escola preferida, 82% das famílias levam em consideração a qualidade do ensino,
vindo logo em seguida o projeto pedagógico, com 44%. Outros fatores citados foram: preparo para o vestibular,

122
24%; tradição da escola, 21%; inexistência de greves, 16%; e compatibilidade religiosa, 7%. A pesquisa revelou
ainda que, na rede particular, 90% das famílias estão satisfeitas com a escola do seu filho.

Excesso de impostos e inadimplência

Apesar de educar, contribuir com seus impostos e empregar maciçamente, o ensino privado tem sido ator-
mentado por dois grandes problemas nos últimos anos: a elevada carga tributária e a inadimplência. Na avalia-
ção de Ives Gandra, um dos mais renomados tributaristas do país, a carga tributária no Brasil é uma das maiores
do mundo, especialmente na área educacional. “As instituições privadas de ensino são as que mais sofrem com
a tributação. O maior peso dessa tributação está na folha de pagamento. O essencial na educação é a contratação
de professores, o que obriga as instituições a arcarem com pesados ônus sobre a folha de pagamento. Sem
contar as constantes reivindicações sindicais e a impossibilidade de repassarem esses custos para as mensali-
dades”, afirma Ives Gandra.
Segundo o tributarista, o peso dos impostos educacionais tem sido um dos principais obstáculos para o
desenvolvimento das instituições de ensino. “O peso dos tributos no setor educacional precisa ser revisto e
diminuído pelo governo. Somente assim a educação poderá ser um direito de todos e um dever do Estado,
conforme prevê o artigo 205 da Constituição Brasileira”, ressalta.
O vice-presidente da Fenep e diretor-tesoureiro do Sieeesp, Benjamim Ribeiro, afirma que mais de 40% da
composição das mensalidades escolares correspondem a tributos. Essa elevada carga tributária contribui para o
aumento da inadimplência e a estagnação do setor. “Reivindicamos e precisamos de uma política tributária mais
justa e adequada à prestação de serviços. Com a diminuição dessa carga, poderíamos dar mais condições para
que as escolas aplicassem em tecnologia, no desenvolvimento e no planejamento, para melhorar ainda mais a
qualidade do ensino e, assim, abrir espaço para abrigar mais alunos na escola particular”, explica.
O outro problema enfrentado pelo setor privado é a inadimplência. No final de 2005, a taxa de inadim-
plência nas escolas de educação básica em São Paulo chegou a 15%, contra 11,3% em 2004. Nos cursos
superiores, esse índice atingiu 23%. “A falta de pagamento de mensalidades afeta o investimento e a compra
de equipamentos, prejudicando a qualidade dos serviços prestados”, afirma o presidente do Sieeesp, José
Augusto Lourenço.
No Rio de Janeiro, a inadimplência também chegou a 15%. “Isto significa que, em cada turma de 40 alunos,
seis estão com as mensalidades em atraso. Se essa situação continuar, em três anos a educação corre o risco de
ficar padronizada por falta de dinheiro”, alerta o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio
de Janeiro (Sinepe/Rio), Edgar Flexa Ribeiro.
Segundo o presidente da Fenep, José Antonio Teixeira, além da perda do poder aquisitivo das famílias,
uma das principais causas da inadimplência é a Medida Provisória 2.173/99, que impede que a escola rompa o
contrato com os alunos inadimplentes antes do término do ano letivo. “É fundamental para a sobrevivência das
instituições de ensino que se mude essa medida que legaliza o calote.”
Teixeira acredita que a inadimplência pode pôr em risco até o ProUni, um discutível, mas relevante programa
social. “Ou cai a indigente lei do calote, ou, por inanição financeira, será destruído o ProUni, ainda no nascedou-
ro, uma vez que as universidades não terão como pagar aos profissionais contratados para atender aos alunos
beneficiados com o programa”.

123
O presidente da Fenep acredita que o governo deveria dar um tratamento diferenciado às escolas da iniciativa
privada, assim como dá a setores estratégicos da economia, como, por exemplo, o da indústria. “O setor priva-
do de ensino vive uma crise econômica conjuntural há mais de quatro anos. Quando isso acontece em outros
setores da economia, o governo se incumbe de alterar as alíquotas tributárias para estimular as vendas. Por que
também não fazer isso com as escolas particulares? Tanto no ensino básico quanto no ensino superior privado
existem muitas vagas ociosas. Por que não trocar essas vagas por isenção tributária?”, questiona.
Na avaliação de Teixeira, a criação de uma câmara setorial seria um foro propício e legítimo para a solução
desses e de outros problemas que afligem a educação privada brasileira. “Já apresentamos essa proposta ao
governo, porque acredito que temos muito a oferecer para a melhoria da qualidade do ensino neste país. Além
disso, uma escola administrativamente viável contribui para a manutenção do emprego de centenas de profis-
sionais”, acredita o educador.

Referências bibliográficas

NÚMEROS do Ensino Privado 2005/2006 – FGV/Fenep – Rio de Janeiro – Ibre/FGV – 2006.


PESQUISA Ibope/Fenep – Rio de Janeiro – 2006.
JORNAL Fenep, Brasília, n. 5, ago. 2005.
JORNAL Fenep, Brasília, n. 6, nov. 2005.

124
O cenário atual do ensino superior no Brasil

Ryon Braga

· Especialista em pesquisas e estudos de mercado no setor educacional e pioneiro no Brasil


no marketing aplicado ao setor educacional;
· pesquisador, consultor e assessor de marketing e planejamento estratégico em mais de 120 instituições
de ensino em todo o Brasil;
· graduado em Marketing e pós-graduado em Marketing de Serviços, Metodologia Científica e Neurope-
dagogia (Bases Neurológicas do Aprendizado e Comportamento);
· presidente da Hoper Educacional e conferencista com participação em mais de 1.500 eventos nos últimos
14 anos; co-autor dos livros Marketing educacional e Planejamento estratégico sistêmico para instituições
de ensino; editor da Revista Linha Direta e presidente do Conselho Editorial da Revista @prender.

O crescimento da iniciativa privada na área do ensino superior não é um fenômeno apenas nacional, mas
mundial, devido a diversos fatores, mas, principalmente, à limitação da capacidade dos Estados em manterem o
financiamento adequado às necessidades educacionais de sua população.
No Brasil, a expansão do ensino superior tem sido liderada pelo setor privado. À medida que ele se expan-
de e se dinamiza, traz elementos positivos tanto para o setor produtivo (que passa a contar com pessoal mais
qualificado) quanto para o campo social, uma vez que aumentam as chances de inclusão social das pessoas,
considerando sua inserção em um mercado de trabalho cada vez mais exigente e o acesso aos bens de consumo,
cada vez mais sofisticados e complexos.
Mesmo que ainda existam algumas controvérsias, já está disseminada em nossa sociedade a idéia de que
a educação é a base para a mobilidade social e para o aumento de renda das pessoas, trazendo ainda impactos
globais na qualificação da mão-de-obra e no conseqüente incremento nos investimentos empresariais.
À medida que o setor de ensino privado se consolida como um dos mais importantes setores da economia
em nosso país, seus aspectos administrativos e suas políticas de negócios passam a ocupar lugar de destaque
na estrutura do setor.
O setor de ensino superior privado no Brasil foi responsável por um movimento ímpar de expansão ocorrido
entre os anos de 1996 até a presente data. Os principais fatores que contribuíram para essa expansão foram:
a) Flexibilização das regras para a abertura de cursos e instituições, ocorrida no governo Fernando Henrique
Cardoso, com o Ministro Paulo Renato Souza, a partir de 1995.
b) Regulamentação da lei que permitiu a existência de IES constituídas de empresas com finalidades lucra-
tivas, em 1999.
c) Existência de uma enorme demanda reprimida entre os anos de 1996 e 2002.

125
d) Universalização do ensino fundamental, com conseqüente crescimento do ensino médio, ocorrida tam-
bém no governo Fernando Henrique Cardoso.
e) Retorno aos estudos de boa parte das pessoas oriundas da População Economicamente Ativa (PEA), que
já havia concluído o ensino médio há cinco anos ou mais.
Sob todos os aspectos analisados, a expansão do ensino superior privado só trouxe vantagens para o aluno
e para o país, melhorando o nível educacional da força de trabalho, aumentando a empregabilidade individual
das pessoas (alunos) e gerando centenas de milhares de empregos no setor.
No entanto, essa expansão chegou ao fim. Agora, o momento é de consolidação. A demanda de alunos, que
chegou a crescer mais de 150% nos últimos anos, está estável. Não passaremos de 1,4 a 1,5 milhão de alunos
ingressantes no ensino superior por ano. Com isso, não há mais espaço para o crescimento do número de IES
ou de cursos (vagas) na proporção em que vinha ocorrendo.
Acontece que os “empresários” do setor não acordaram para essa realidade. Ficam fazendo contas, consi-
derando a demanda de alunos formados no ensino médio que ainda não acessaram o ensino superior, como se
essa demanda fosse real. Acontece que os quase 900 mil alunos que se formam no ensino médio e não entram
no superior não podem ser considerados como demanda real, pois, na atual conjuntura socioeconômica do país,
eles não têm a menor condição de cursar uma universidade.
A despeito disso, o setor insiste em crescer a qualquer custo, causando um movimento especulativo e per-
nicioso de brutal “diluição da demanda”, uma vez que a taxa de ingressante/vaga já chegou a preocupantes 0,5.
Ou seja, para cada 100 vagas, entram apenas 50 alunos.
Essa “crise” levará a uma quebradeira das pequenas IES (pelo menos 400 delas desaparecerão até 2008)
e a uma consolidação das médias e grandes IES (fusões e aquisições). Quanto às IES estrangeiras, o movimento
não é tão grande quanto parece. Pelo que se sabe, existem apenas quatro grupos internacionais com interesse
no Brasil. Um já entrou (a Laureate), comprando a Anhembi; outro entrou e saiu (Apollo com o Pitágoras) e está
tentando entrar de novo; e há outros dois grupos sondando possibilidades. Isso é pouco para o tamanho do
barulho feito pela mídia.
Por outro lado, apesar do fim do crescimento da demanda, da crise especulativa e da guerra de preços que
acometem o setor, o negócio de ensino continua sendo muito atrativo, pelos seguintes motivos:
· Apesar de não crescer mais, a demanda é grande e constante.

· A grande maioria das IES é muito frágil do ponto de vista competitivo (pela incompetência na gestão), de
forma que quem for bom mesmo deve ficar com “uma fatia maior do bolo”.
· Há uma miríade de oportunidades educacionais ainda não exploradas completamente pelas IES brasileiras,
principalmente no que diz respeito à educação permanente (tudo aquilo que vem após a graduação). Em um
futuro próximo, a IES poderá ter um aluno não mais por quatro anos, mas por 40.

Evolução da demanda no setor privado

Entre os anos de 1997 e 2003, o setor privado viveu um período de crescimento exponencial, aumentando a sua
demanda (alunos ingressantes) em 154%, com uma média anual de 16% de crescimento (Gráfico 1). No entanto, em
2003, já começou a dar indícios de desaceleração no crescimento da demanda, apresentando um crescimento de apenas
8% em relação ao ano anterior e, em 2004, a demanda ficou praticamente estável, com um crescimento de apenas 2%.

126
Gráfico 1 – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

Em números absolutos, o setor privado passou de 392.041 ingressos em 1997 para 1.015.868, em 2004. O
ensino superior, como um todo (público + privado), passou de 573 mil para 1,3 milhão de ingressos no mesmo
período (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

127
A demanda no ensino médio e sua repercussão no ensino superior

O ensino médio brasileiro conta hoje com 9 milhões de matriculados no ensino regular e 10,2 milhões de
matriculados, se somarmos o ensino regular com a Educação de Jovens e Adultos – EJA (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

Após um período de forte crescimento do número de matrículas no ensino médio, proporcionado pela uni-
versalização do ensino fundamental, ocorrida no governo Fernando Henrique Cardoso, levando o ensino médio
brasileiro a obter taxas de crescimento de 5% ao ano (de 1998 a 2004), entramos em um período de significativa
redução deste crescimento (Gráfico 4). A taxa de crescimento ocorrida em 2004, no ensino médio regular, foi de
0,4%, e na soma entre o regular e a EJA, o crescimento foi de 2,1%. Já em 2005, a taxa de crescimento do ensino
médio foi negativa, com queda de 1,5% no número de alunos matriculados no ensino médio regular.

Gráfico 4 – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

128
Projeção da demanda no ensino médio até 2010

Para o período de 2004 a 2010, estimamos um crescimento muito pequeno na demanda do ensino médio,
que deve ficar em 0,4% ao ano, em média. Em 2005, existiam 10,2 milhões de alunos matriculados no ensino
médio e EJA. Em 2010, estaremos com 10,6 milhões de alunos (Gráfico 5).

Gráfico 5 – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

Esta estimativa é resultado de uma análise baseada nos estudos do IBGE em que se considerou a projeção da
taxa de escolarização líquida (número de alunos matriculados no ensino médio, com idade entre 15 e 17 anos,
dividido pela população na faixa etária entre 15 e 17 anos) e da taxa de escolarização bruta (total de matrículas
no ensino médio dividido pela população com idade entre 15 e 17 anos), bem como a população estimada pelo
IBGE (Tabela 1).

Tabela 1 – Fonte: IBGE/Pnad 2003

129
Perspectivas para o ensino superior

Considerando a projeção de crescimento do número de ingressantes associada à evolução da taxa de con-


clusão do ensino superior, podemos estimar o número total de matrículas que o setor terá de 2006 a 2010 (Grá-
fico 6). Se a atual taxa de conclusão (percentual de concluintes em relação às matrículas iniciais) permanecer em
torno de 60%, chegaremos a 2010 com 5,6 milhões de alunos no ensino superior. Se a taxa de conclusão subir
para 70%, em 2010 teremos 5,7 milhões de alunos no ensino superior brasileiro.

Gráfico 6 – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

Para entender melhor o comportamento da demanda, é preciso lembrar que a previsão do crescimento popu-
lacional no Brasil para os próximos anos, na faixa de 18 a 24 anos, não é muito animadora para as IES privadas.
De 2005 até 2010, a população brasileira na faixa de 18 a 24 anos terá encolhido em 4,2% (Gráfico 7).

Gráfico 7 – Fonte: IBGE/Pnad 2003

130
O perfil da competitividade no setor educacional

Em todos os setores, inclusive no educacional, o conceito de competitividade vem se transformando a cada


ano e adquirindo nuances inéditas. Já está longe o tempo em que os concorrentes de uma escola eram apenas
as outras escolas situadas na mesma região. Hoje, as instituições de ensino começam a enfrentar a concorrência
de diversos novos entrantes, entre os quais o Ensino a Distância, os cursos livres (universidades abertas), as
instituições corporativas (universidades corporativas), as de ensino setorial (universidades setoriais) e as insti-
tuições de intermediação.
Atualmente, o setor de ensino no Brasil está sendo confrontado por uma ampla gama de desafios competitivos:

a) O crescimento da capacidade instalada e do número de vagas é muito maior do que o da demanda. Nos
últimos anos, a taxa média de crescimento do número de vagas foi de 34% ao ano, contra 15% do crescimento
da demanda (Gráficos 8a e b).

Gráfico 8a – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

Gráfico 8b – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

131
b) A expansão do setor não foi planejada; há excesso de IES em determinadas regiões. Pelos dados do censo,
temos 2.013 IES, porém o Inep já registra mais de 2.300 IES autorizadas.
c) O crescimento da concorrência levou a relação ingresso/vaga a despencar para a proporção de 0,50 in-
gresso por vaga nas IES privadas, gerando um excesso de vagas ociosas (Gráfico 9).

Gráfico 9 – Fonte: MEC/Inep e Hoper Educacional

d) Queda no poder aquisitivo real do brasileiro. Nos últimos cinco anos, o poder de compra do salário dos
trabalhadores brasileiros amargou uma queda de 25%.
e) Grandes instituições de ensino esgotaram sua capacidade de crescimento em seu local de origem, e agora
buscam sua expansão por todo o território nacional.

Relação ingresso/vaga e candidato/vaga

A cada ano, vem caindo a relação ingresso/vaga no ensino superior privado no Brasil. No último censo
(2004), a proporção estava em 0,50 ingressante para cada vaga. O percentual de 50% de vagas ociosas já é
bastante significativo, uma vez que a parte do excesso de vagas utilizado para “reserva técnica”, feita por muitas
IES como forma de se preservarem da instabilidade e dos “humores” do MEC, não ultrapassa o índice de 40%
das vagas ociosas. O restante é ociosa mesmo.
Essa baixa relação ingresso/vaga é preocupante para o mercado e denota claramente o nível de agressividade
competitiva que o setor vem apresentando.

“Diluição da demanda”

O crescimento do número de vagas, de 1999 a 2004, foi de 172%, frente a um crescimento de 78% no núme-
ro de ingressantes no mesmo período. Este descompasso entre a oferta de vagas e a real demanda de mercado

132
vem provocando um fenômeno denominado “diluição da demanda”, ou seja, mesmo crescendo, a cada ano, o
número de demandantes (clientes em busca de um curso superior), o crescimento em percentual maior do nú-
mero de vagas causou uma diluição maior destes clientes entre as vagas e as IES. Em termos populares, podemos
dizer que o bolo cresce, mas há mais gente para dividi-lo, cabendo um pedaço menor para cada um no final.
Já percebendo o desaquecimento da demanda, o censo de 2003 registrou também uma desaceleração na
oferta de vagas. A média do crescimento de vagas de 1997 a 2003 foi de 23% ao ano, reduzindo-se para 17%
no ano de 2003. No entanto, em 2004, o censo mostrou estabilização na oferta de vagas, ficando com a mesma
taxa de crescimento do ano de 2003, em torno de 17%, aumentando ainda mais a “diluição da demanda”, uma
vez que o crescimento de ingressantes no setor privado foi de apenas 2% em 2004.
O ritmo de abertura de novas IES e a oferta de vagas nas IES existentes não indica que o setor irá parar de ten-
tar se expandir. Das mais de 2 mil IES privadas existentes hoje, 1.000 surgiram nos últimos seis anos. A maior
parte dessas novas IES tem menos de 500 alunos e de dois a cinco cursos superiores, e pretendem (e precisam)
aumentar consideravelmente o número de cursos (e, conseqüentemente, o de vagas) nos próximos anos.
Se, hipoteticamente, estas 1.000 pequenas IES buscarem apenas dobrar o número de vagas e cursos nos
próximos três anos (e provavelmente tentarão fazer mais do que isso), elas irão colocar no mercado mais 600
mil vagas, aumentando em 30% o número de vagas oferecidas.
Considerando que não há mais aumento significativo da demanda, esse expressivo aumento de vagas irá
intensificar profundamente a chamada “diluição da demanda”.

Novos entrantes

A abertura do setor de ensino superior promovida pelo MEC a partir de 1994/1995 possibilitou a entrada de
inúmeros novos players no mercado. O setor estava acomodado em confortável situação: excesso de demanda,
ciranda inflacionária, que permitia grandes ganhos com o giro do dinheiro das mensalidades, e margens de
lucro altíssimas.
Os novos entrantes não só estavam dispostos a aceitar uma margem de lucro menor (porém ainda bem razoável),
mas também perceberam que poderiam ter custos muito menores do que os das IES já estabelecidas, através de pro-
cessos de gestão mais eficazes e da retirada da “perfumaria” que acompanhava o processo educacional tradicional.
Desse modo, nasceram instituições mais enxutas, oferecendo um serviço educacional sem muitos “aces-
sórios” e atrativos, mas bom o suficiente para uma grande parcela da demanda, que nunca tinha tido a oportuni-
dade de sequer sonhar com a possibilidade de freqüentar um curso superior. Essas empresas (IES) foram chamadas
de empresas insurgentes, ou empresas disruptivas.
As IES ditas disruptivas entraram no mercado “por baixo”, cobrando bem menos e se localizando em pon-
tos estratégicos, de fácil acesso. Inicialmente, atraíram alunos menos exigentes e com menor poder aquisitivo.
Com o tempo, muitos clientes (alunos) foram percebendo que o produto que essas IES ofereciam não era muito
diferente dos produtos oferecidos pelas IES tradicionais (já estabelecidas há mais tempo). Com isso, as IES disrup-
tivas foram conquistando não só o novo mercado (das classes C e D), mas também “roubando” alunos das classes
A e B das IES estabelecidas. Isto se deu porque a diferença de qualidade percebida era muito pequena entre os
dois grupos, mas a questão da conveniência (localização, preço e acesso) era muito mais vantajosa para o cliente no
grupo das IES disruptivas.

133
Atualmente, o número de IES insurgentes, que nasceram visando atuar com as classes C e D, já é bem sig-
nificativo, a ponto de exigir do mercado novos elementos de inovação disruptiva. Espera-se a entrada de novos
disruptores no setor educacional, provavelmente embasados em elementos da tecnologia da informação.
Atualmente, o setor privado encontra-se no início de uma polarização, definindo dois perfis de IES que terão
vida longa. De um lado, as IES que conseguem inovar disruptivamente e se tornam competitivas para um enorme
contingente de pessoas que ainda são pouco críticas e priorizam a conveniência (preço, localização, acesso e
demais facilidades). Do outro lado, as IES que são bem-sucedidas na complexa tarefa de mostrar ao público que
possuem diferenciais qualitativos que justifiquem seu preço mais alto.
Como já foi dito, nos últimos dez anos, o setor de ensino superior privado teve sua expansão favorecida
por uma demanda significativa de clientes que, até então, eram excluídos do processo educacional nesse nível.
Para essas pessoas, nessas circunstâncias, fazer um curso superior, qualquer que fosse e onde fosse, era uma
excelente opção, pois elas representavam uma geração em que eram as primeiras de suas famílias a cursarem o
ensino superior. O objetivo, a meta e o desafio eram conseguir concluir um curso superior. O restante (qualidade
da IES, tipo de curso etc.) era apenas um plus, não era significativo.
Este fenômeno ocorreu com boa parte da classe C em todo o Brasil, e agora começa a ocorrer com a classe D.
São empregados da construção civil, porteiros, domésticas, babás, camelôs, vigias, entre outros, que passam a
ter a possibilidade de fazer um curso superior, pois há instituições disruptivas se preparando para atendê-los.
Por outro lado, teremos em breve uma segunda geração de pessoas da classe C demandando o ensino
superior. Com toda a certeza, essa nova geração será mais criteriosa, exigirá mais elementos qualitativos, já terá
amigos e parentes que fizeram um curso superior lhes fornecendo abundantes elementos comparativos sobre
as IES.
Portanto, o padrão da IES disruptiva que obteve grande sucesso em atrair alunos da classe C nos últimos oito
anos não será mais suficiente para continuar atraindo alunos dessa classe socioeconômica, dentro de alguns
anos. É preciso entender, no entanto, que o mais importante não é se o cliente é da classe A, B ou C, mas sim as
circunstâncias em que se encontra, e que estão em constantes mudanças.
Em síntese: até agora, o principal concorrente das IES era a incapacidade de se fazer um curso (pagar por
ele). Elas concorriam contra o não-consumo. Quando chegar ao limite esta nova demanda de mercado (e já
chegou), a concorrência será essencialmente pela conveniência (circunstâncias assim determinam). Após uma
ou duas gerações que escolheram pela conveniência, as demais gerações estarão aptas a perceberem que o mer-
cado de trabalho não considera que os diplomas sejam todos iguais, e que seu valor relativo (do diploma) já não
é tão significativo. Nesse momento, a competição vai se dar mais por atributos qualitativos e diferenciadores.

Referências bibliográficas

BOLETIM EDUCAÇÃO & CONJUNTURA. São Paulo: Paulo Renato Souza Consultores, v. 3 a 17, 2006.
BRAGA, Ryon. Análise setorial do ensino superior privado no Brasil. Vitória: Editora Hoper, 2006.
CENSO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO 1999 – 2004. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 2005.
PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS (Pnad). IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística, 2004.

134
A escola privada como parâmetro para a administração pública

Sérgio Medina Roman

· Contador de grupo empresarial da atividade educacional, com MBA em Administração Estratégica pela
UFPR;
· articulista da Revista Linha Direta e da revista Momento IOB;
· pesquisador de Responsabilidade Social, tendo proferido palestras em congressos no Rio Grande do Sul
e Paraná, promovidos por entidades educacionais;
· consultor empresarial.

Escolas são empresas, independentemente da forma como são constituídas – com ou sem fins lucrativos.
Quando se fala em educação, ainda é comum imaginar que o objetivo de uma instituição de ensino seja somente
social, o que é um equívoco. O Estado não dá conta de atender às demandas da sociedade em diversas áreas: por
não suprir as necessidades de segurança da população, criam-se empresas especializadas na prestação desse
tipo de serviço; na falta de atendimento à saúde, criam-se empresas administradoras de planos de saúde. O
mesmo ocorre com a educação, cujos orçamentos não são suficientes, e isso abre espaço para a escola privada.
Como as demais empresas, as escolas constituídas com finalidade de lucro estão sujeitas a toda sorte de im-
postos e contribuições emanados da legislação vigente. A obtenção de lucro já não depõe contra os milhares de
estabelecimentos de ensino privado existentes no Brasil. Admitir que uma instituição de ensino possa (e deva)
ter lucro já não soa como uma heresia.
Em algumas situações, a sociedade age com muita eficácia, o que nos leva a crer que, nessa situação espe-
cífica, houve uma distorção do foco. No início da década de 90, a atividade de educação era muito visada. Os
sucessivos planos econômicos – já nem temos idéia de quantos foram – produziram uma mudança compor-
tamental muito estranha nas famílias cujos filhos estavam matriculados em escolas privadas: em situações de
crise, a primeira providência era transferir os filhos para escolas públicas, por conta da perda do emprego dos
mantenedores dessas famílias ou, até mesmo, da perda do poder aquisitivo. No entanto, mantinha-se o que,
suspeita-se, era mais importante: o carro do ano, as viagens nas férias, a casa na praia... Estranho tempo aquele,
e não há escola privada que não se lembre daquele período e das conseqüências que sofreram. Não bastasse
tudo isso, como entidade privada, as escolas estão à mercê dos sucessivos aumentos da carga tributária nacio-
nal que, diga-se de passagem, beira o insustentável. Aqui, um parêntese: o consumidor é a maior vítima desses
aumentos, pois as empresas, de um modo geral, são intermediárias de todos os impostos e contribuições que
incidem sobre suas receitas.
135
No entanto, o custo financeiro decorrente dessa insanidade tributária é da escola, obviamente, pois, em
alguns casos, quando se utiliza o regime de competência, o recolhimento dos impostos e das contribuições
normalmente antecede o recebimento das mensalidades escolares, mas isso não é prerrogativa somente das
escolas, pois atinge todas as empresas privadas. Por ter deixado de ser uma heresia, agora é possível fa-
lar abertamente sobre superávit sem que isso cause qualquer constrangimento ao empresário da atividade
educacional. No entanto, o que se discute atualmente é o “custo do lucro”, mas em outra seara: a da responsa-
bilidade social.
Escolas são organismos empresariais complexos. A atividade de educação é considerada “prestação de
serviços”, e está sujeita a uma igualmente complexa carga tributária, que influencia diretamente no cálculo para
a obtenção do valor da mensalidade escolar, embora muitas escolas se orientem pelo valor de mercado – e não
há problema nenhum nisso – ao menos, por enquanto. Como empresas, estão passando por transformações
significativas no que tange ao gerenciamento de suas atividades. Nota-se que, cada vez mais, as empresas estão
se voltando para um aspecto fundamental da administração moderna: os custos. Se já não é possível arbitrar o
valor das mensalidades escolares a um patamar desejável para que se mantenha a alta qualidade do ensino e
se garanta o retorno financeiro sobre o capital investido na atividade, em forma de lucro, é fundamental que as
escolas, de um modo geral, se estruturem em todos os aspectos, para a consecução de seus objetivos: educar,
transformar a sociedade, interagir com as comunidades em que estão inseridas, capacitar seus funcionários,
agir em conformidade com o que determinam as legislações pertinentes, encantar o público consumidor e obter
lucro. Como tudo isso é possível? Com muito trabalho, que extrapola as questões pedagógica e burocrática.
Com senso de organização, competência e, sobretudo, orçamento. É justamente este o objetivo deste artigo: dis-
cutir a parte orçamentária de uma instituição de ensino com fins lucrativos e, ao mesmo tempo, analisar alguns
aspectos muito relevantes sob o ponto de vista contábil.
Poucas escolas possuem contabilidade própria, o que é perfeitamente compreensível, pois, dependendo
da estrutura de cada uma, isso não se justificaria. O fato de uma escola terceirizar os serviços prestados por
um escritório de contabilidade não exime seu administrador (seja contratado ou com participação societária)
de entender ou dar importância aos aspectos societários, contábeis e financeiros do negócio, e o Projeto Linha
Direta, por meio de suas publicações periódicas, muito tem contribuído para a disseminação de conhecimentos
de profissionais das mais diferentes áreas. Usualmente, a concentração dos esforços está na área pedagógica
(por exigência da própria atividade) e mercadológica (por conta do público atendido). Por prestarem pouca aten-
ção (ou negligenciarem totalmente) aos aspectos que extrapolam a parte educacional, sem que se dêem conta
disso, as escolas acabam incorrendo em pequenos pecados que colocam a própria atividade em risco e, para
aquelas que almejam uma boa administração, eis algumas dicas muito importantes:
Se a atividade visa ao lucro, é óbvio supor que o total das receitas deve ser superior ao das despesas, e a
escola deverá dispor de um instrumento indispensável para o acompanhamento do resultado: balancetes fiscais
ou relatórios gerenciais.
Isto nos parece óbvio, pois lidamos com essa equação diariamente. A falta de gerenciamento dos recursos
financeiros conduz a decisões precipitadas ou equivocadas, e relatórios que permitam análises diárias ou pe-
riódicas são indispensáveis ao administrador. Se a contabilidade da escola é terceirizada, é fundamental que a
relação entre a administração e o profissional de contabilidade seja de parceria. A falta de relatórios contábeis
deixa o administrador da escola à deriva, sem saber se os esforços envidados na capacitação de funcioná-

136
rios, investimentos em bens necessários à consecução de seus objetivos, campanhas de marketing e tantos
outros gastos indispensáveis à atividade estão sendo rigorosamente cumpridos dentro dos limites orça-
mentários. Se muito da atividade educacional pode ser administrado por meio de feeling, isso não se aplica às
questões orçamentárias.
O administrador deve ter em mente que negócios são regidos por leis e princípios, e que pessoa física não
se confunde com pessoa jurídica.
É fundamental que o administrador da atividade educacional tenha em mente que o seu negócio está subor-
dinado a leis e princípios. Um dos deslizes mais comuns na atividade empresarial é o desconhecimento de um
dos mais importantes princípios contábeis: o da entidade. A Resolução CFC no 750, de 29 de dezembro de 1993,
dispõe sobre os Princípios Fundamentais de Contabilidade, e um dos mais importantes é o Artigo 4o – Princípio
da Entidade, que reconhece o patrimônio como objeto da contabilidade e afirma a autonomia patrimonial, a
necessidade de diferenciação de um patrimônio particular no universo dos patrimônios existentes, independen-
temente de pertencer a uma pessoa, um conjunto de pessoas, uma sociedade ou instituição de qualquer natureza
ou finalidade, com ou sem fins lucrativos. Por conseqüência, nesta acepção, o patrimônio não se confunde com
aqueles dos seus sócios ou proprietários, no caso de sociedade ou instituição.
Por não terem contabilidade própria, muitas escolas pagam seus impostos com base no lucro presumido, e
acham que fazem um grande negócio.
Pior do que isso: muitos administradores nem mesmo sabem se pagam os impostos sobre o lucro com base
no lucro presumido ou no lucro real. A maior concentração de gastos de uma escola (prestação de serviços)
ocorre na área de Pessoal, e esse custo, quando computado no orçamento anual, atinge, aproximadamente,
73% da receita líquida. Se considerarmos que os impostos diretos – para a atividade de ensino, a apuração de
impostos é cumulativa – já representam 6,65% sobre a receita bruta, é lícito afirmar que o orçamento total, na
realidade, é de 93,35% de toda a arrecadação prevista. Pois bem, isso equivale a dizer que, de toda a arrecada-
ção, a empresa poderá contar com somente 93,35% de todos os recursos. Portanto, se subtrairmos os 73% do
custo com pessoal, sobram somente 20,35% para os demais custos e despesas. Outro detalhe que influencia
muito na questão orçamentária é a incerteza do ingresso total de recursos previstos. É possível prever quanto se
vai gastar, mas a inadimplência ainda assombra a maioria das escolas, prejudicando o orçamento das entradas
de recursos.
Na seqüência, apresentamos um quadro comparativo contendo simulações, como se fosse uma atividade
de ensino, como exemplo das formas mais comuns de tributação, partindo dos mesmos dados contábeis para
efeito de decisão sobre a melhor forma de tributação (veja Quadro I).
Ao se defrontar com as formas de tributação demonstradas no Quadro, o administrador escolar não
titubearia em decidir que o melhor regime para a apuração dos impostos de sua escola seria o lucro real.
Note-se que os impostos finais (CSSL e IRPJ) resultaram menores e, por conseguinte, o lucro líquido
do exercício, maior. Portanto, se o lucro presumido é a forma mais prática de se apurar e pagar os im-
postos, nem sempre é a mais inteligente. Tenha em mente o seguinte: se a sua atividade é de altíssima
rentabilidade, use o lucro presumido; se não, lucro real. Outro argumento utilizado pelos administradores
escolares, para justificar a opção pelo lucro presumido, é que a empresa fica menos vulnerável às ações
do fisco federal. Isto, definitivamente, não procede. O que torna uma empresa vulnerável às ações do
fisco é a atitude do administrador, e não a opção pelo regime de tributação.

137
Quadro I

Observações:
ISS: consideramos a alíquota tributável de 2%.
(1) (250.000 x 12% x 9%) + (3.100 x 9%) = 2.979 (2) 17.762 x 9% = 1.598
(3) (250.000 x 32% x 15%) + (3.100 x 15%) = 12.465 (4) 17.762 x 15% = 2.664

O que leva as empresas à falência, sem a menor sombra de dúvida, não é a famigerada carga tributária a que
estão sujeitas.
Certamente, nossa carga tributária é uma das maiores do planeta, mas esse discurso já está cansando. O
empresariado brasileiro, aqui incluindo o administrador escolar, deve ter em mente que empresas são intermedi-
árias de impostos e contribuições, pois todos os custos incorridos na consecução dos serviços, inclusive CSSL,
IRPJ e margem de lucro, estão embutidos no valor da mensalidade escolar. Neste aspecto, José Carlos Marion
(1998, p. 27 – 28) é taxativo:
Observamos com certa freqüência que várias empresas, principalmente as pequenas, têm
falido ou enfrentam sérios problemas de sobrevivência. Ouvimos empresários que criticam a
carga tributária, os encargos sociais, a falta de recursos, os juros altos etc., fatores estes que,
sem dúvida, contribuem para debilitar a empresa. Entretanto, descendo a fundo nas nossas
investigações, constatamos que, muitas vezes, a “célula cancerosa” não repousa naquelas
críticas, mas na má gerência, nas decisões tomadas sem respaldo, sem dados confiáveis.

138
É fato que a elevada carga tributária do país torna nossos bens e serviços pouco competitivos, e a má
administração da empresa privada, sem dúvida, põe em risco o capital de investidores. No entanto, o que se
percebe no Brasil é que empresas vão à falência, mas empresários, não. Outro fator que atravanca o desenvol-
vimento é nossa falta de responsabilidade tributária, que assola todos os segmentos, por meio da sonegação
de impostos, uma prática abominável. A justificativa é que pagamos impostos demais e o governo dá exemplos
de menos na administração desses recursos. Com a crise do mensalão, a sociedade brasileira, mais uma vez,
deu-se conta de que os piores exemplos vêm de cima, e o fim dessa história é imprevisível.
Se, por um lado, constatamos a falta de preparo de alguns administradores na gerência dos recursos de
suas empresas, a insaciabilidade do governo por recursos é maior ainda, e este se vale de todos os dispositi-
vos legais (e políticos) para elevar ainda mais a carga tributária. Nos últimos 20 anos, assistimos impassíveis
à criação de diversos impostos e contribuições, majorações de alíquotas e extensão das bases de cálculo; tudo
isso levou as empresas à loucura, pois, se repassassem mais esses custos tributários ao preço dos bens e
serviços, certamente teriam de enfrentar a resistência ou a rejeição do consumidor, cujo perfil mudou muito
nos últimos anos.
Como se tudo isso não bastasse, as escolas privadas constituídas com fins lucrativos ainda se defron-
tam com outro problema: todos os contribuintes são iguais perante a lei, exceto as instituições constituídas
sem fins lucrativos, no caso, os institutos, fundações e escolas mantidas por ordens religiosas. Esses casos
ilustram perfeitamente o que disse José Carlos Marion. Como são imunes a tributos e contribuições, a única
obrigação dessas escolas é conceder bolsas de estudos e aplicar todo o superávit na própria atividade. Ainda
assim, muitas instituições de ensino que já foram referência no Brasil estão com problemas sérios, e é possível
concluir que, nesses casos, a carga tributária está fora de questão. O problema reside na gestão.
Educação é coisa séria, e é conveniente que essa seriedade seja estendida à empresa de educação. Sem
orçamento, acompanhamento orçamentário, conhecimento elementar de contabilidade e finanças, o adminis-
trador está à deriva. Se todas as escolas privadas, independentemente do porte, se orientarem pela ética e pela
responsabilidade, é possível que se inicie uma grande revolução nesse país, e escolas são redutos ideais para
deflagrar essa revolução, pois estão formando os cidadãos do futuro. Que um dia as escolas privadas se tornem
referência para a administração pública, por meio de uma equação que elas ensinam desde o início do ensino
fundamental: o ideal é gastar menos do que se arrecada.

Referências bibliográficas

ATKINSON, Anthony A.; BANKER, Rajiv D.; KAPLAN, Robert S.; YOUNG, S. Mark. Contabilidade gerencial. São
Paulo: Atlas, 2000.
FERREIRA, Antonio Airton; VALERO, Luiz Martins; LIMA, Marcos Vinícius Neder de; COSTA, Ricardo Fernandes
de Souza; CASTANHO, Victor Hugo I. de Mello. Regulamento do imposto de renda. São Paulo: Fiscosoft Editora,
2004.
HENDRIKSEN, Edson S.; VAN BREDA, Michael F. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999.
IUDÍCIBUS, Sérgio; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto Rubens. Manual de contabilidade das sociedades por
ações. São Paulo: Atlas, 2003.
MARION, José Carlos. Contabilidade empresarial. São Paulo: Atlas,1998.

139
Gestão de pessoas por competências

Sonia Simões Colombo

· Diretora da Humus Consultoria Educacional;


· autora do livro Escolas de sucesso;
· organizadora dos livros Gestão educacional: uma nova visão e Marketing educacional em ação;
· co-autora do livro A família 5S vai visitar a sua casa: uma aula de qualidade...;
· revisora técnica para a edição brasileira do livro Gestão em educação – estratégias, qualidade e
recursos;
· Lead Assessor pela Quality Management International;
· psicóloga com especialização em Administração de Empresas pela USP.

O que diferencia uma instituição são as pessoas. Os profissionais compõem a principal vantagem competi-
tiva das escolas que sabem como lidar com eles.
Gerir pessoas não é mais sinônimo de controle e padronização. Gerir pessoas, com eficácia, significa esti-
mular e desenvolver as competências, obtendo resultados efetivos para a organização e para os profissionais.
Gestão de pessoas com foco em competências representa um modelo de empreendimento, nas instituições
de ensino, apoiado na participação ativa e comprometida de toda a força de trabalho, com incentivo e criativi-
dade para a concretização de estratégias e alta produtividade. Sintoniza e vincula os profissionais à estratégia
da escola.
Ao optarmos por gestão por competências, precisamos desenvolver políticas e diretrizes que possam permi-
tir a adoção de processos e práticas que propiciem a conciliação de interesses e expectativas entre a instituição
de ensino e os profissionais que dela fazem parte. Dentro deste contexto, podemos enfatizar três eixos:
· efetividade nos resultados – alcance das metas estabelecidas, com redução nos custos e/ou maximização
nos lucros;
· efetividade técnica – alta qualidade no desenvolvimento dos produtos e serviços;
· efetividade comportamental – atendimento às necessidades e expectativas do corpo de colaboradores,
criando condições favoráveis para que a motivação aflore.
A palavra competência vem sendo conceituada e utilizada de várias maneiras pelos estudiosos, especialistas
em gestão de pessoas e estrategistas em negócios. Leboyer (2000, p. 21) considera competências como “reper-
tórios de comportamentos e capacitações que algumas pessoas ou organizações dominam melhor que outras,
fazendo-as eficazes em uma determinada situação”. Sobre o mesmo termo, Fleury (2000, p. 16) informa que
“saber agir de maneira responsável (...) implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilida-

140
des, que agregam valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”. Por fim, Perrenoud (2003, p. 27)
se refere a um “conjunto diversificado de conhecimentos da profissão, de esquemas de ação e de posturas que
são mobilizados no exercício do ofício. (...) As competências são, ao mesmo tempo, de ordem cognitiva, afetiva,
conativa e prática.”

O quadro a seguir sintetiza os sentidos de competência a partir da sigla CHAM:

Em todas as atividades que desenvolvemos, precisamos de conhecimentos, habilidades, atitudes específicas


e motivação, que são os nossos diferenciais de qualidade, excelência e resultados. Esses atributos têm impacto
no desempenho e, conseqüentemente, nos resultados atingidos.
O enfoque central é a capacidade da pessoa em agregar valor para a organização, e não simplesmente a en-
trega de tarefas. Um veículo de comunicação na área educacional que tem contribuído, significativamente, para
firmar esta prática junto aos educadores brasileiros é a Revista Linha Direta. A revista mensal do PLD oferece
artigos que propiciam a ampliação dos conhecimentos, o desenvolvimento das habilidades e reflexões sobre a
importância das atitudes diante dos alunos e da sociedade, bem como enfatiza a relevância de o educador e o
gestor estarem motivados para o processo educacional.
Como implantar a gestão por competências? Que caminhos podemos seguir para obter a diferenciação
desejada?

I – Implantando a gestão por competências

Desenvolver políticas

Criar e divulgar políticas de gestão de pessoas sintonizadas com as tendências da sociedade atual, tais como:
· abertura a mudanças, permitindo adaptação rápida perante o ambiente em que a instituição de ensino
se encontra;
· tomadas de decisões ágeis e focadas nas exigências dos clientes e no mercado;

· desenvolvimento e autonomia para os profissionais;

· comprometimento das pessoas com o trabalho desenvolvido e com a excelência nos resultados;

· competitividade, com profissionais articulados entre si, buscando o aprimoramento permanente e fortale-
cendo o vínculo entre o desempenho humano e os resultados da escola.
141
Mapear as competências organizacionais

Listar todos os atributos que a instituição de ensino precisa ter para desenvolver seus serviços educacionais,
alinhados à missão, aos valores, à visão e às futuras estratégias.

Consolidar

Separar os atributos estipulados no item anterior e agrupar as competências em:


a) Competências exclusivas: são as estratégias que propiciam a vantagem competitiva. É por meio dessas
competências que a instituição de ensino se diferencia perante outras escolas do mercado.
b) Competências essenciais: são as que garantem o sucesso da organização, sendo percebidas claramente
por seus colaboradores e clientes.
c) Competências básicas: são as rotineiras, que mantêm o funcionamento da instituição de ensino. Podem
ser similares às competências de outras organizações congêneres.

Definir as competências de cada cargo

Levantar as competências necessárias para o desenvolvimento das funções em sintonia com as competên-
cias organizacionais.
Ao divulgarmos as competências do cargo, de acordo com as responsabilidades de cada profissional, en-
fatizando do que a escola necessita e o que ela valoriza, os colaboradores terão, com certeza, referenciais mais
seguros para canalizar esforços de aprimoramento profissional e pessoal.

Desenvolver diretrizes para seleção, capacitação, desenvolvimento, avaliação de performance e remuneração

Feitos o mapeamento, as identificações e a síntese dos atributos necessários para a organização e seus res-
pectivos profissionais, recomenda-se criar instrumentos que possam permitir a eficácia na gestão de pessoas.
Vamos analisar em seguida cada um desses critérios.

II – Seleção com foco em competências

Para que uma instituição de ensino tenha, em seu quadro funcional, profissionais sintonizados com os ideais
e objetivos desejados, é imprescindível que as pessoas tenham o perfil estipulado para o desempenho de suas
atividades.
Precisamos atrair profissionais que tenham competências adequadas para desenvolver as funções que a
escola exige. O que devemos priorizar é o que o candidato produziu com seu conhecimento adquirido, e não so-
mente o seu nível de especialização. Ao invés de avaliar apenas a quantidade e a qualidade de cursos realizados,
é preciso observar como esta ferramenta foi utilizada e se ela foi bem empregada.
Para conseguirmos êxito nessa trajetória, é recomendável que se faça o Mapeamento do Perfil de Compe-
tências. Nesse Mapeamento, podemos deixar de registrar apenas a Motivação. Entretanto, esta é uma carac-
142
terística que deve ser observada ao longo de todo o processo seletivo, pois a energia motivacional pre-
sente no profissional é a força propulsora e desencadeadora das competências conceituais, técnicas e compor-
tamentais.
O selecionador, ao fazer a entrevista de seleção, deve avaliar três itens relevantes:
· Contexto – solicitar ao candidato que descreva as diferentes situações perante as atividades que
desempenhava.
· Ação – analisar o caminho utilizado pelo candidato e o modo como foi resolvido um determi-
nado problema.
· Eficácia – analisar o resultado obtido.
Desta maneira, será mais oportuno verificar se o candidato soube empregar o conhecimento adquirido,
trazendo uma boa solução e agregando valor para a organização em que atuava, ou se simplesmente limitou-se
a fazer o que estava acostumado a desenvolver em sua rotina de trabalho.

III – Desenvolvimento com foco em competências

Nem sempre as pessoas estão com as suas competências em perfeita sintonia com as necessidades da
escola. Geralmente, encontramos gaps ou lacunas entre os objetivos e metas traçados pela instituição de en-
sino e as competências disponibilizadas pelos profissionais.
O planejamento e as ações de capacitação e desenvolvimento podem suprir ou minimizar essas lacunas,
oferecendo condições para elevação de uma competência atual rumo à competência futura.
Com a oferta de uma determinada oportunidade de desenvolvimento, os profissionais precisam ter cons-
ciência a respeito da aplicabilidade dos novos atributos na rotina diária do trabalho. Cabe também ao gestor
incentivar e zelar pela aplicabilidade das competências adquiridas pelos membros de sua equipe.
Por exemplo: a Escola X envia cinco auxiliares de secretaria para um curso de Excelência no Aten-
dimento a Clientes. Esses participantes adquiriram conhecimentos sobre como atender bem o aluno e superar
as suas expectativas.
Retornando do curso, apenas três auxiliares colocaram em prática o conhecimento que adquiriram. De-
senvolveram novas habilidades, aperfeiçoaram os seus processos de trabalho e obtiveram melhores re-
sultados. Por que esses três profissionais se destacaram e os outros dois continuaram a adotar a mesma
prática anterior? É muito provável que as atitudes desses três auxiliares administrativos tenham feito a diferença:
eles tiveram iniciativa para pôr em prática a nova técnica; foram flexíveis para adotar mudanças na maneira
de trabalhar; foram empreendedores, empregando estratégias mais efetivas para um bom resultado de seu
trabalho, bem como tiveram o comprometimento com o aperfeiçoamento da qualidade e com o investimento
que a escola fez no desenvolvimento de cada um deles.
Desta maneira, atitudes como iniciativa, flexibilidade, empreendedorismo e comprometimento fizeram gran-
de diferença e propiciaram melhores resultados.
Por que não se obteve a mesma eficácia com os cinco auxiliares? O que fazer diante desta constatação?
O gestor pode adotar ações preventivas para evitar tal fato e ações corretivas para obter um resultado melhor.

143
Ações preventivas:
a) Esclarecer aos auxiliares que participarão do curso que se trata de uma oportunidade para desenvolver
novas competências e que a escola está fazendo um investimento para o aperfeiçoamento profissional e também
para a obtenção de melhores resultados;
b) no retorno do curso, solicitar aos envolvidos um plano de ação para que as novas competências sejam
colocadas em prática; incentivá-los;
c) reunir os participantes (com a colaboração do gestor da área e do gestor de Recursos Humanos) com os
demais integrantes da equipe, para que possam repassar os conhecimentos adquiridos;
d) verificar se há necessidade de algum recurso adicional para a efetivação do plano;
e) acompanhar a implementação das novas competências;
f) fornecer feedback positivo para as ações eficazes e orientar as ações não adequadas.
Ações corretivas:
a) Conversar com os dois auxiliares, informando não terem sido constatadas melhorias incrementais em seu
desempenho com os conhecimentos adquiridos durante o curso;
b) verificar as causas da não melhoria do desempenho;
c) elaborar, em conjunto, um plano de ação para suprir o gap entre o desempenho esperado e o idealizado,
incentivando a mudança;
d) acompanhar a implementação do plano;
e) verificar a eficácia do plano adotado.

IV – Avaliação de performance com foco em competências

A avaliação de performance, ou avaliação de desempenho, está relacionada ao acompanhamento das tarefas


e atividades desenvolvidas, bem como aos resultados alcançados pelos profissionais da instituição de ensino,
sendo uma ferramenta que beneficia tanto à organização como a seus colaboradores.
Alicerçada em princípios éticos, tem como foco o desenvolvimento humano e a concretização de resultados
voltados para as estratégias organizacionais.
Dentro deste contexto, significa comparar resultados alcançados com resultados esperados (previamente
comunicados e acordados). Ao explicitarmos as competências esperadas e os critérios de avaliação, estaremos
fortalecendo a cultura da contribuição de cada colaborador para os resultados da escola.
O processo de avaliação necessita ser bem planejado e estruturado, centrado em um contexto de confiança e
credibilidade, tornando possíveis diálogos transparentes e sinceros entre o avaliado e o avaliador.
Todos os envolvidos devem estar sintonizados na mesma direção, rumo aos mesmos objetivos, interligados
por uma causa comum e preparados para desenvolver um trabalho com qualidade, contribuindo para o aperfei-
çoamento da gestão de pessoas.

Objetivo central da avaliação

Melhorar o desempenho de cada profissional, reforçando seus pontos positivos, identificando os gaps que
144
precisam ser desenvolvidos e superados, ajustando-os aos objetivos da organização.

Objetivos gerais da avaliação

· Analisar o desenvolvimento do profissional.


· Identificar necessidades de treinamento.
· Desafiar e estimular o aperfeiçoamento.
· Manter a motivação e o comprometimento.
· Extrair o máximo de produtividade de cada colaborador.

Tipos de avaliação

Existem várias maneiras de se avaliar o desempenho; as mais utilizadas são:

a) Avaliação por objetivos: tem como diretrizes a análise e verificação do cumprimento das metas estipula-
das. Avalia as ações da pessoa e a maneira como realiza seus objetivos.
b) Avaliação hierárquica: técnica que leva em consideração apenas a opinião do gestor imediato na hierar-
quia funcional.
c) Avaliação por consenso: modelo em que se busca o consenso nos resultados dos itens especificados; é
realizado em conjunto, pelo avaliador e pelo avaliado.
d) Avaliação 360o: método no qual os avaliados recebem, no mesmo período, feedbacks sistematizados de
seus superiores, pares, subordinados e outros profissionais envolvidos em suas atividades.
e) Avaliação por competências: é uma técnica que busca aperfeiçoar o potencial humano, identificando e de-
senvolvendo competências profissionais. Concentra esforços para fortalecer a gestão organizacional e a correta
aplicação dos recursos humanos.
Este modelo auxilia o colaborador a conhecer quais são as suas competências atuais e quais deverá desen-
volver ou aperfeiçoar, levando em consideração o alinhamento com as competências da escola. Integra também
o estabelecimento, acompanhamento e verificação de metas.
Cabe ao avaliador perceber que um determinado profissional só chegará ao perfil desejado se tiver carac-
terísticas adequadas às suas atribuições, ou se estiver aberto a mudanças. Insistir em desenvolver quem não
tem o mínimo de perfil para a função ou não está disponível para o aperfeiçoamento acaba sendo um trabalho
muito desgastante e sem garantia de sucesso.

A ética na avaliação

A avaliação é um ato profissional e, desta maneira, deve estar desprovida de protecionismo e discri-
minação. A neutralidade e a imparcialidade precisam estar presentes em todo o processo.
No desempenho de nossa função de avaliadores, é indispensável nos despirmos de rótulos e pressupostos,
pois tais características impedem a eficácia da sistemática da avaliação e, conseqüentemente, seu resultado.
145
Papel do gestor/avaliador

O gestor educacional tem um papel relevante na avaliação de performances. Ao participar desse processo,
ele precisa ter como foco o desenvolvimento do profissional avaliado, para que este possa ser incentivado a
alcançar os objetivos e estratégias globais da escola.
O avaliador deve ter muito zelo e atuar com profissionalismo. Se supervalorizar uma pessoa que não tem
as qualidades mencionadas, esta provavelmente não será incluída em alguns dos programas de capacitação e
desenvolvimento, prejudicando assim a instituição de ensino e também o profissional avaliado. Por outro lado,
se menosprezar o desempenho e a pessoa possuir competências não reconhecidas, a escola pode perder este
potencial para o mercado. Algumas recomendações:
· Priorizar o comportamento profissional, sendo imparcial nas colocações;

· buscar como objetivo principal da avaliação o desenvolvimento das competências do avaliado;

· elevar a auto-estima do avaliado, citando seus pontos fortes;

· orientar o avaliado, auxiliando na elaboração de um plano de correção e desenvolvimento;

· exemplificar a sua opinião, citando fatos observados durante o período avaliado;

· ouvir com atenção as colocações do avaliado, demonstrando respeito.

V – Remuneração por competências

Temos constatado, em várias instituições de ensino, que os aumentos salariais estão vinculados ao tempo de
serviço ou à conquista de titulações adicionais. Geralmente, nesses casos, a elevação da remuneração ocorre de
maneira automática, após o cumprimento de um determinado período estabelecido (anos) ou entrega do diploma
(comprovação da titulação). Em muitas situações, não há verificação prévia quanto ao nível de desempenho do
profissional que receberá o devido aumento.
Tal prática não é a ideal, pois não incentiva a aplicação de novas competências e nem alinha o desempenho
com a necessidade de se agregar valor para a escola.
Ao aplicarmos a remuneração por competências, temos como objetivo valorizar quem merece e quem traz
resultados positivos para a instituição de ensino. Ao relacionarmos o sistema de remuneração e recompensa
às competências, abrem-se caminhos para que indivíduos e equipes se integrem, num comprometimento mais
transparente.
A escola deve ser assertiva na comunicação de que há uma perfeita sintonia entre Resultado Alcançado =
Oportunidade Oferecida. Isto significa a transmissão de informações sobre suas expectativas com relação aos
resultados e, se obtidos, estes é que permitirão o oferecimento de recompensas financeiras e sociais ao grupo
de colaboradores.
A remuneração por competências parte do princípio da existência de intervalos salariais (contendo valores
mínimos e máximos). Dentro desses intervalos, as remunerações podem ser flexíveis, de acordo com as com-
petências praticadas pelo profissional.

146
VI – Considerações finais

No cenário atual em que as instituições de ensino estão inseridas, buscando uma maior competitividade,
torna-se relevante gerir as pessoas com foco nas competências.
A desejada excelência resulta de um comportamento positivo dos colaboradores. É por meio das habilidades,
conhecimentos, atitudes e motivação que os profissionais se destacam e, conseqüentemente, fazem com que as
organizações das quais fazem parte se diferenciem das demais.
Dependemos fortemente da contribuição das pessoas para o sucesso de um empreendimento. Assim, não
podemos negligenciar a forma como elas estão organizadas, a maneira como são estimuladas e capacitadas, os
critérios pelos quais são incentivadas e valorizadas, as condições em que são mantidas no ambiente de trabalho.
A correta leitura de quais competências são necessárias para a instituição, bem como para os componentes da
força de trabalho, propiciarão o melhor caminho rumo à excelência.

Referências bibliográficas

COLOMBO, Sonia Simões. Escolas de sucesso. São Paulo: Editora STS, 2001.
COLOMBO, Sonia Simões & colaboradores. Gestão educacional: uma nova visão. Porto Alegre: Artmed, 2004.
DUTRA, Joel Souza. Gestão por competências: um modelo avançado para o gerenciamento de pessoas. São
Paulo: Editora Gente, 2001.
FLEURY, Maria Tereza Leme e colaboradores. A gestão de competência e a estratégia organizacional. São Paulo:
Editora Gente, 2002.
LEBOYER, Claude Levy. Gestión de las competências. Barcelona: Adiciones Gestión, 2000.
PERRENOUD, Philippe. Formando professores profissionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
PORTER, Michael E. Vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

147
A Rede Sesiminas de Educação – uma das maiores redes privadas de ensino do
Estado – tem investido em tecnologias e metodologias de ponta, visando sempre à qualidade
dos serviços educacionais oferecidos.
Um dos grandes diferenciais da Rede é a integração das áreas de saúde, esporte, cultura e
lazer. O objetivo é oferecer educação integral para os nossos alunos.
Além dessas ações internas, buscamos parcerias para incrementar nossos processos e
fomentar ações que visam à excelência da Rede.
Neste contexto, podemos destacar a parceria com o Projeto Linha Direta, que disponibiliza
informações atualizadas e consistentes em relação à educação.
Assim, de acordo com nossas diversas formas de atuação, a utilização da Revista Linha
Direta por todos os educadores, como fonte de consulta e atualização, tem tido reflexos positi-
vos, fornecendo novos subsídios para a prática pedagógica.

Raul Costa von Sperling de Lima


Superintendente Regional do SESI/MG

Educação começa com uma boa comunicação! E, neste assunto, o Projeto Linha Direta tem
mostrado que sempre é possível fazer algo melhor e de real utilidade para o meio. A parceria
com o PLD tem garantido experiências muito gratificantes para nós; por isto, parabenizamos
sua equipe pelos dez anos de profissionalismo e sucesso com que tem atuado no mercado
educacional brasileiro.

Clóvis Magnoni Filho


Diretor Comercial do Sistema de Ensino Dom Bosco

148
Idéias pioneiras como o Projeto Linha Direta oferecem novos rumos à educação brasilei-
ra. Ao associarmos a marca do Sistema de Ensino Poliedro ao PLD, contribuímos para que
muitos jovens percorram esse caminho. O Linha Direta consolidou-se pelo trabalho sério,
desenvolvido em dez anos, cujos resultados podem ser vistos através da Revista Linha Direta,
do novo site e do Linha Direta Cidadã. São ações que demonstram o compromisso firmado
com a integração e o desenvolvimento da educação no país. O Poliedro acredita nessas ações
e compartilha esses objetivos, investindo no potencial de seus alunos para que eles sejam
sujeitos ativos no progresso da nação. Parabéns a toda a equipe do Linha Direta pela contri-
buição exemplar à educação!

André Oliveira de Guadalupe


Diretor do Sistema de Ensino Poliedro

A Editora Positivo tem a satisfação de participar deste momento histórico do Projeto


Linha Direta, que hoje é referência no mercado de educação, graças às suas publicações a
respeito de temas que proporcionam reflexão sobre os melhores caminhos para o ensino em
nosso país.
Há 27 anos no mercado e líder no segmento de sistemas de ensino, a Editora Positivo
reconhece a importância desse veículo como suporte para que as instituições educacionais
vençam seus desafios diários. Entende, também, como é gratificante o reconhecimento, do
mercado e da sociedade, do compromisso do Projeto Linha Direta com a qualidade.
Sempre inovando e buscando soluções para o setor educacional, o PLD tem sido um
parceiro constante da Editora Positivo. Nossa parceria se fundamenta no respeito e na credi-
bilidade, compartilhados com os leitores da Revista Linha Direta, entre os quais se encontra
grande parte dos diretores de nossas 2.800 escolas conveniadas em todo o Brasil.
O lançamento do livro Em benefício da educação vem preencher o espaço para um público
ávido pela disseminação de novas idéias. Em nome da Editora Positivo, deixo aqui minhas
congratulações.

Ruben Formighieri
Diretor de Sistemas de Ensino da Editora Positivo

149
DIREITO À EDUCAÇÃO

Parte Parte
V V
Relações entre a escola privada e o Estado brasileiro:
a atuação da educação confessional
Manoel Alves

· Doutor em Educação pela Universidade de Paris;


· presidente da União Brasileira de Educação e Ensino – UBEE, da União Norte Brasileira de Educação e
Cultura e da Fundação Universa;
· diretor do Sinepe-DF;
· professor do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília; especialista em Gestão Edu-
cacional e Educação Confessional.

Ninguém pode negar a singular e pioneira contribuição da escola confessional para o ensino privado no
Brasil. A escola confessional foi berço de incontáveis iniciativas pedagógicas nas quais gerações de educadores
se formaram e diversos empresários da educação foram haurir a motivação e o paradigma, e por vezes até as
estruturas, para se lançarem também eles na desafiadora missão de atuar no campo da educação privada, com
o intuito de contribuir para o desenvolvimento do nosso país e do nosso povo. Um sem número de estabeleci-
mentos privados de ensino tem sua origem histórica, de alguma forma, ancorada em um outro estabelecimento
de ensino confessional.
A própria liberdade constitucional da livre iniciativa em educação escolar deve-se à penetração da escola
confessional nos interstícios do tecido social e político do Brasil e na conquista de prerrogativas e de direitos
que resultaram de árduas lutas contra a sempre devastadora e nefasta ação de um Estado intervencionista, em
flagrante desrespeito aos direitos civis, e do sectarismo de plantão que flui da ação dos “estatistas”, mormente
daqueles enraizados nas organizações sindicais e de classe, e que ainda insistem em sustentar a bandeira de
uma escola do “tudo Estado”.
Assim, em uma obra intitulada Em benefício da educação, comemorativa dos dez anos do Projeto Linha
Direta, uma das mais concretas iniciativas em prol da educação brasileira e, de modo especial, da escola parti-
cular, não poderia faltar o destaque que é devido à escola confessional.

A gênese confessional da escola privada no Brasil

Por uma diligência das elites brasileiras, em consórcio com o clero e os intelectuais, sob decidida ação da
Igreja Católica como braço do Estado no seio do Padroado, o Imperador aprova, em 1854, a Lei de Liberdade

153
de Ensino, complementando o Ato Adicional de 1834, que por sua vez regulamentava a Constituição de 1824,
a primeira da nova nação independente. A partir deste contexto em que nasce a escola privada, autônoma ao
Estado, começa a expandir-se a rede de escolas confessionais católicas, seguida, ainda que mais timidamente,
por escolas de outras confissões religiosas. As escolas confessionais vão logo concentrar-se, preferencialmente,
no nível secundário, devido às limitações do Estado em atender tal segmento.
Mas foi com o advento da República que o seu crescimento mostrou-se extraordinário. Nesse momento, a
escola católica passa a ser elemento de destaque na estratégia do episcopado para acelerar o processo de roma-
nização da Igreja no Brasil, e para fazer face à rede de escolas protestantes que começam a surgir, numerosas, em
todo o território nacional. É justamente neste período, final do século XIX, e nas primeiras décadas do século XX,
que são fundadas, no Brasil, ou aqui vêm se instalar, muitas congregações religiosas, especialmente as dedica-
das à educação escolar da juventude, tanto masculina quanto feminina. Muitas dessas instituições prosseguem
a sua ação educacional à frente de escolas, hoje, já centenárias.
Pela Constituição de 1937, passa a ser possível a destinação de recursos financeiros do Erário para a manu-
tenção da escola particular, quase que exclusivamente confessional. Embora tenha ocorrido com certa profusão,
durante algum tempo, a destinação de verbas começa a ficar comprometida, por razões de ordem econômica,
mas, sobretudo, por pressão política, a partir dos anos 60. Esse dispositivo legal do repasse de verbas públicas
para a escola privada, que hoje praticamente inexiste, nunca chegou a ser devidamente regulamentado.
Tal lacuna de recursos contribuiu para a evolução de idéias e ideais na relação entre a escola católica, a
educação nacional e o Estado brasileiro. No pós-guerra e no pós-Getúlio, prolonga-se a polêmica das décadas
anteriores, manifesta desde os anos 20 entre católicos e liberais, expressa na luta da escola pública versus es-
cola privada. Na Constituinte de 1946, a escola confessional, sustentada por parcela significativa do episcopado
católico, defende a liberdade de ensino e o inalienável direito da família em optar pela educação dos filhos,
custeada pelo poder público, se necessário fosse. Fortifica-se a consciência de se assumir com ardor a tarefa de
melhoria das escolas confessionais para preparar elites cristãs capazes de influenciar a sociedade. No âmbito
das escolas católicas, persevera o modelo tradicional, academicista e de matriz humanista, enquanto algumas,
sob influência da Escola Nova, propugnam o método montessoriano, adaptado por Hélene de Lenval através do
Padre Faure, jesuíta, do Institut Catholique de Paris.
Em uma democracia nunca antes vivida no país, é promulgada, em 21 de dezembro de 1961, a Lei 4.024 – Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que vem dar às escolas maior autonomia na sua organização
administrativa, disciplinar e didática, desafiando a escola confessional a se reorganizar. Os ares desta democracia
também irão soprar na Igreja Católica com o advento do Concílio Vaticano II, que aprova, em 1965, o documento
Gravissimum Educationis Momentum, lançando novos desafios sobre a escola católica. Multiplicam-se, por
força desses fatores conjunturais, as experiências pedagógicas em diversas instituições educacionais católicas.
Nesse período, são muitos os que pedem o aggiornamento da escola católica, questionando a educação vigente
e propugnando uma educação alternativa aos modelos tradicional e técnico-desenvolvimentista.
A renovação dos educandários confessionais estende-se à preocupação com a formação extramuros de reli-
giosos e leigos educadores, por meio de cursos e congressos; fortalecem-se as associações de pais e o apoio ao
movimento estudantil; as primeiras greves de professores ocorrem nesse período. Durante a ditadura militar, não
há possibilidade de se prosseguir tal renovação. Só é possível continuar com a renovação pedagógica. Pouca
importância tinham, então, as questões de natureza política e jurídica. A dimensão política sucumbe.

154
A partir de então, e de forma mais acentuada na década de 70, assiste-se ao processo de retração da Igreja
Católica no campo da educação. Muitas escolas católicas fecham as suas portas. Na segunda metade dos anos
60, inicia-se o boom da escola privada não-confessional e surgem debates em torno da nova LDB, que será
finalmente aprovada em 1971 – a Lei 5.692. No vácuo quantitativo criado pela escola católica, e no vácuo qua-
litativo deixado pela escola pública, ocorre o rápido crescimento da iniciativa privada no campo da educação no
Brasil, inclusive de escolas de outras confissões religiosas.

Relações da escola confessional com o Estado brasileiro

As relações entre educação e Estado brasileiro vêm sofrendo mudanças significativas nas últimas duas
décadas. A escola confessional sofre particularmente as conseqüências em virtude de sua natureza filantrópica.
A cada dia, as entidades mantenedoras de estabelecimentos de ensino confessional se vêem empurradas para
um cipoal legal em que se tem a impressão de estar vivendo uma completa subversão da ordem jurídica es-
tabelecida, por vezes tendo que conviver com verdadeiras arbitrariedades. Corro o risco de lançar aqui algum
ponto do debate de forma superficial. Faço-o por considerar que as relações entre Estado e escola confessional
não se reduzem a aspectos jurídicos, mas, ombreando-os, encontram-se aspectos organizacionais, políticos e
identitários não menos importantes nesta análise.
As relações da escola confessional com o Estado brasileiro circunscrevem-se em aspectos da nossa história
que se cristalizaram em: 1. posições ideológicas de setores diversos da sociedade (mormente da intelectu-
alidade e da academia); 2. posturas corporativistas (especialmente das entidades de classe dos docentes e
dos sindicatos patronais); e 3. percepções plurais e seguidamente inamistosas por parte da opinião pública
(incluindo aí seus ex-alunos, suas comunidades educativas e, até mesmo, mirabile dictu, setores das igrejas de
diferentes denominações).
As relações da escola confessional com o Estado brasileiro não poderão se dar fora do âmbito desses aspec-
tos, aqui apontados. Haverá, naturalmente, uma concomitância no debate sobre a liberdade de ensino e o direito
ao financiamento público para a escola confessional, se constituindo, de certa forma, em um só e mesmo debate,
como que duas faces da mesma moeda e, por isso, os argumentos e as opções institucionais devem estar bem
articulados. O financiamento era previsto pela Constituição Federal (art. 213). Este debate deve considerar sem-
pre duas dimensões de elevada complexidade: 1. onde termina a responsabilidade do Estado e começa o seu
intervencionismo na livre iniciativa na educação; e 2. em que consiste a liberdade de ensino e a quem cabe arcar
com tal liberdade (autonomia), e até que nível. Estas são duas dimensões recorrentes em qualquer debate sobre
a relação entre escola confessional e Estado no Brasil.
Assiste-se, no momento presente do país, a um acentuado processo de intervenção do Estado na livre
iniciativa em educação, extrapolando em muito as suas atribuições constitucionais, considerando o que reza o
artigo 209 da Constituição Federal de 1988: “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes con-
dições: cumprimento das normas gerais da educação nacional; autorização e avaliação de qualidade pelo poder
público”. Tal intervenção se aproxima de certa dose de autoritarismo e desrespeita a legislação já consolidada e
aplicável ao setor da educação privada.
Seguidamente, o setor tem sido surpreendido por tal processo, e nem sempre reagido adequadamente.
Causam espécie certos postulados do ProUni, da Reforma Universitária, dos Exames Nacionais (Saeb e Enem),

155
da ampliação de conteúdos curriculares e dos anos de escolaridade do ensino fundamental etc., sem mencionar
as ações relativas à identidade filantrópica das entidades de beneficência e assistência social que atuam no
ensino formal e seriado, como é o caso da maioria das mantenedoras de escolas confessionais no Brasil.
Enquanto isso, a escola confessional segue defendendo o princípio de que suas instituições são, por essên-
cia, instituições de natureza pública, embora de direito privado. Tal princípio, que entendo legítimo, evocaria para
a escola confessional o direito de ser considerada e tratada de forma diferenciada das demais escolas privadas,
no que concerne ao seu financiamento, já o sendo quanto à sua carga tributária. Tal distinção, relativa a este
mesmo princípio, está expressa na atual Carta Magna (art. 213). Não posso deixar, no entanto, de apontar para
uma possível incongruência (ou paradoxo) que emerge seguidamente do discurso da escola confessional com
base em tal princípio, quando se recusa a fugir do ônus da prestação de contas e da dependência na decisão
sobre a aplicação dos recursos próprios ao servir-se de recursos públicos para seu funcionamento.
Desejar diferenciação pressupõe oferecer contrapartidas que irão certamente na direção de uma maior
intervenção do Estado, principalmente na sua gestão acadêmica e financeira, a exemplo do que ocorre em
outros países. É necessário ter consciência de que conquistar certos direitos (ou distinções) tem um preço. Este
preço costuma ser pago com a autonomia. Neste debate, não se pode esquecer igualmente a confusão a que
se prestaria uma possível dissonância entre o princípio da defesa do legítimo direito à livre iniciativa na edu-
cação (o direito da escola particular de operar livremente) e o discurso de reserva de mercado, que busca fugir
da livre concorrência, do qual a escola confessional poderia ser acusada por outros segmentos do ensino
privado do país.
A opção da escola confessional neste tocante tem de ser clara, responsável e coerente. Ainda que não sejam
posições antagônicas, inconciliáveis e excludentes, é preciso optar por uma delas: ou o repúdio a qualquer
intervenção estatal na livre iniciativa em educação ou a luta pela participação estatal direta no financiamento das
suas escolas. É necessário percorrer etapas que consolidem as possíveis posições da escola confessional para
avançar nas suas relações com o Estado brasileiro, na perspectiva da sua salvaguarda institucional futura, o que
pressupõe uma nova aprendizagem institucional de outros países em que as conquistas no tocante à liberdade
de ensino e ao financiamento estatal para as escolas confessionais foram longas, penosas e exigiram muita
organização prévia, o que ainda está longe de ser a realidade da escola confessional em nosso país.
Seria, pois, oportuno pensar em constituir uma melhor organização da escola confessional neste momento
histórico da sua trajetória no país, a fim de: 1. defender a liberdade de ensino plena e sem reservas, em um
mercado livre e sem controles estatais, com completa autonomia financeira e gerencial (o combate à intervenção
estatal será sempre ponto importante a ser defendido pelas escolas confessionais em que pesem outras opções
de sua parte); e 2. organizar a luta por financiamento público a partir de uma organização forte e central, articu-
lada com os demais setores do ensino privado, atuando prioritariamente em nível municipal, encetando profícua
parceria público-privada para a universalização do acesso à educação de qualidade.
Antes de a escola confessional decidir se lançar em tal empreitada, é importante ter ciência de que em
nenhuma parte do mundo tais conquistas foram fáceis e irreversíveis. Vale assinalar a existência de restrições
e dificuldades que ainda perduram nos países que já conquistaram subvenções públicas do Estado, apesar de
terem conquistado tais direitos em contexto social e econômico muito mais favorável do que o do presente
momento da história brasileira. Ainda assim, ocorrem, nesses países, seguidamente, retrocessos em alguns
dos direitos já conquistados, implicando graves transtornos para as instituições confessionais de ensino que,

156
tendo se estruturado para subsistir com recursos públicos, se vêem de uma hora para a outra sem condições de
financiamento e com seriíssimas dificuldades em se manterem.
É sempre possível refletir sobre a questão: a escola confessional, ao lançar tal debate, não estaria querendo
caminhar na contramão da história? Vale igualmente recordar que, nos países onde esta posição foi vitoriosa,
exigiu-se que a opinião pública fosse às ruas em defesa da escola confessional. Nesta perspectiva, e enquanto
essas questões e seus inúmeros desdobramentos não forem corajosamente debatidos internamente, é igual-
mente oportuno questionar se um debate nacional pela efetivação do direito à subvenção pública para a escola
confessional constitui uma prioridade neste momento histórico do país e da escola confessional.

A liberdade de ensino e a autonomia na gestão: o compromisso que une

A contribuição da escola confessional para o debate acerca das relações entre Estado, sociedade e ensino
privado é fundamental. Muitas das escolas confessionais podem, no entanto, repensar seu locus no cenário da
educação nacional e do mercado educacional sem comprometer e/ou enfraquecer as lutas que são de todos
nós. A sua natureza pública e social e a sua condição jurídica sem fins econômicos permitem-lhe configurações
variadas e alternativas ao ensino privado e pago que não podem ser descartadas, sob pena de flagrante infração
à sua identidade, à sua origem histórica e aos pressupostos filosóficos.
Ao contrário, é urgente e importante que a escola confessional avance na transparência devida à sociedade
e ao Estado, para que estes entendam que uma maior participação na sua condução e no seu financiamento são
oportunidades de se construir uma sociedade democrática à imagem de outras nações. Maior participação não
se traduz por interferência na sua gestão financeira e pedagógica, mas em maior compromisso com a especifi-
cidade e a qualidade dos serviços que presta à população, mormente à de baixa renda. Já passou da hora de as
lideranças, o empresariado e a classe política entenderem que a escola confessional possui um lugar que lhe é
todo particular na educação, neste país. Lugar que não configura ameaça nem para a escola pública nem para a
escola privada não confessional e filantrópica.
A escola confessional é vocacionada para contribuir na aproximação entre a ação estatal no ensino e a dos
empresários da educação, os quais, mais do que ninguém, comprometeram sua operosidade e seus recursos
para suprir o Brasil de uma educação de qualidade. Ainda, a escola confessional possui condições intrínsecas,
que são únicas, para acelerar, pela via da educação formal e privada, a mobilidade social e a superação da pro-
funda clivagem social que macula nosso país. Somente assim, perseverando suas prerrogativas legais, teremos
uma escola confessional parceira e alinhada ao mesmo tempo com os interesses públicos e estatais, bem como
com os direitos constitucionais do ensino privado da livre iniciativa.
Enquanto a escola confessional não superar a visão de que é alvo por parte da opinião pública (mercan-
tilista), do Estado (estritamente privada), dos setores da educação pública (elitista) e dos próprios pares do
ensino privado (concorrente desleal), estar-se-á subtraindo da possibilidade de efetiva e singular contribuição
para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país. Superar tais ranços ideológicos e preconceitos
históricos é, antes de tudo, dever dos dirigentes e responsáveis pela escola confessional, que não lograrão êxito
a não ser por novas posturas gerenciais e empreendedoras, de maior compromisso com os resultados, maior
transparência na gestão e maior responsabilidade social. A escola confessional alimenta tais posturas equivo-
cadas quando se furta a aprimorar suas estruturas organizacionais, permanecendo na condição de medievalesca

157
caixa preta com ares de obscurantismo frente às imensas necessidades sociais para as quais teria uma resposta
única e essencial.
A maior dessas necessidades a ser considerada pelo sistema educacional brasileiro segue sendo a supe-
ração da desigualdade social, econômica e cultural e o fim da perversidade histórica e crônica na distribuição
da riqueza e da renda nacionais, persistente de um governo federal a outro. Vale sempre recordar o que todos
sabem e muitas nações já efetivaram: os principais fatores que atuam decisivamente para o desenvolvimento
social e econômico de um país passam, necessariamente, pela educação de sua população, sobretudo das novas
gerações. A história já nos deu sobejos exemplos disso. Educação universal e de qualidade são imperativos
nacionais e deveriam ser prioridade no âmbito das políticas públicas, inclusive no que concerne aos incentivos
à ação da iniciativa privada. Pois, neste movimento, todas as instituições de ensino privado (confessionais ou
não, sem fins econômicos ou não) têm grande contribuição a dar, especialmente no que tange aos resultados
que modelos eficazes de gestão são capazes de oferecer. Os países que venceram tais desafios o fizeram com a
atuação e a estreita parceria com a iniciativa privada no ensino.
Este é, essencialmente, o papel do ensino privado no novo pacto social a ser construído pela sociedade bra-
sileira, com o qual a escola confessional contribuirá a partir de suas especificidades. Para além das competên-
cias gerenciais a que já me referi, as instituições de ensino privado desenvolvem e detêm tecnologia educacional
e competência pedagógica cujos resultados o poder público já mediu e pode atestar. Além disso, investimentos
significativos já realizados pelo ensino privado, inclusive em estrutura física, geraram vagas a custo compatível
com os padrões internacionais, vagas que poderiam ser mais aproveitadas pelo conjunto da população brasilei-
ra; e, ainda, o ensino privado, particularmente a escola confessional, detém condições de partilhar uma ampla
e longeva experiência iniciada com as escolas implantadas pelas diversas denominações religiosas neste país,
ainda quando o poder público tinha limitada ação no sistema de educação nacional. O sistema educacional
como um todo responderá melhor às necessidades sociais do país quando se superarem as distâncias entre o
público, o confessional e o privado em educação, lançando-se todos os setores em projetos comuns, em que
o papel do Estado é, antes de tudo, eliminar barreiras e criar incentivos, e não suprimir direitos, ingerindo-se e
reforçando a idéia de que a presença da iniciativa privada na educação é apenas tolerada, e não desejada, pelos
insubstituíveis benefícios que pode gerar.

A escola confessional, a liberdade de ensino e um pacto social pela educação

Urge um novo e amplo pacto pela educação nacional. Todas as forças vivas da sociedade brasileira devem
ser convocadas a construir e consolidar tal pacto. O empresariado, os intelectuais, as lideranças políticas, os
governos, a academia, os órgãos da escola pública, os sindicatos, as associações de classe, igrejas e setores
diversos da sociedade devem estar implicados no pacto. A escola confessional não será exceção. O conjunto
das estratégias para a construção de tal pacto passa necessariamente pelos princípios da democracia e da livre
iniciativa. Tais princípios, fundamentais em nossa sociedade, devem estar na base de qualquer pacto social pela
educação, condição sine qua non para legitimá-lo.
Assim, tal pacto deve ser fruto de um amplo debate de que devem participar os mais diversos setores da
sociedade, com destaque para educadores e instituições de educação e ensino, públicas e privadas, inclusive as
confessionais. Em tal dinâmica, o ensino privado não pode ser percebido como uma concessão nem do Estado

158
nem das elites, resultante de fatores qualitativos mal resolvidos na esfera do ensino público. Da mesma forma,
deve ser superada a idéia de que o ensino privado no Brasil surgiu, ao longo da história deste país, unicamente
como suplência ao dever do Estado de provedor de ensino para todos, obrigatório, de qualidade e gratuito.
A trajetória da escola confessional é o atestado eloqüente de que tal idéia não procede. A relação entre o público
e o privado na educação é questão a ser ainda libertada de amarras ideológicas de toda sorte, em que forças
corporativas e partidárias exercem influência desmedida; somente então o ensino privado será considerado pelo
Estado e pela sociedade como parte integrante e indissociável de qualquer pacto social (e não exclusivamente
no âmbito educacional) que tenha por escopo o desenvolvimento do país.
Sem adentrar em filigranas legais, reporto-me ao princípio exarado no primeiro artigo em que a Constituição
trata da educação (art. 205), quando diz ser ela “dever do Estado e da família, a ser promovida com a colaboração
da sociedade”. Mais adiante, afirma ser livre o ensino à iniciativa privada, preservando, ao contrário de outros
países, o direito do Estado no Brasil de legislar sobre o ensino privado, para além de simplesmente autorizar
o funcionamento dos estabelecimentos de ensino e de avaliá-los, prerrogativa cuja prática permanece difusa e
controvertida, sendo não raramente matéria de diversas ações diretas de inconstitucionalidade. Vive-se, aqui,
uma espécie de paradoxo liberal, em que os princípios constitucionais são liberais, mas as práticas de governo
avançam em nome do Estado com voracidade para legislar sobre todos os setores da vida social e econômica do
país. O setor de ensino privado, e particularmente a escola confessional, pelo seu status jurídico, não constituem
exceções. Ao contrário, por vezes se constatam verdadeiras arbitrariedades para com este setor, tornando-o um
dos mais controlados pelo aparato estatal.
Desejaríamos, e estamos convencidos de que seria um benefício para a educação nacional e o melhor para
o país, que o princípio democrático da liberdade, da livre iniciativa, da liberdade de ensino, da confessionalida-
de em educação escolar fosse verdadeiramente respeitado na ação do Estado em relação à iniciativa privada e
pudesse contar com o apoio e incentivo dos poderes públicos e da sociedade. Em que pese o inconteste caráter
social do serviço educacional que o ensino privado, em geral, e, particularmente, a escola confessional prestam
a milhões de brasileiros, tal caráter não justificaria de per si o nível exacerbado de ingerência de que o ensi-
no privado no Brasil é alvo por parte do poder público. A escola confessional tem por direito histórico lugar
central em tal debate.
Seria, pois, oportuníssimo, e decisivo para qualquer novo pacto em educação que deseje ser amplo, que o
Estado brasileiro, por meio do governo federal, recuperasse a expressão de autonomia que o legislador desejou
conferir à livre iniciativa em educação e à singularidade da escola confessional ao aprovar o texto constitucional:
autonomia pedagógica, curricular, administrativa e financeira, de livre organização e de relações com o mercado
e o capital, respeitando a pluralidade das instituições e os princípios democráticos que as regem e, no caso
específico da escola confessional, assegurando à família a liberdade de escolha da educação escolar de seus
filhos, independentemente de sua condição socioeconômica, e o financiamento público das suas atividades.
A escola confessional, para além dos aspectos já mencionados, sempre contribuiu com a educação nacional,
e particularmente com o ensino privado, ao propor, desde os tempos da colonização, uma educação humanista,
centrada no cidadão e no cristão, enraizada nas convicções religiosas de nosso povo, prenhe de valores que
projetam a dignidade da pessoa humana. A escola confessional, desta forma, testemunha e recorda, a todos
os educadores deste Brasil, a transcendência da missão de educar uma criança e um jovem; missão que nos
impulsiona a ultrapassar toda e qualquer condicionante econômica, social e política, no compromisso perene

159
com os maiores gestos de altruísmo. A escola confessional, incansavelmente, desde os primórdios do país,
abriu caminhos e deixou sendas que mostram a direção para uma educação que contribua decisivamente para
um país de iguais, eminente no seu lugar de destaque no cenário mundial de nação desenvolvida e socialmente
justa, mas, sobretudo, nação de harmonia, de tolerância, de pluralidade, de fraternidade e de paz.

Referências bibliográficas

ALVES, Manoel. Sistema católico de educação e ensino no Brasil: uma nova perspectiva organizacional e de
gestão educacional. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 5, n. 16, p. 209 – 228, set./dez. 2005.
_____. Estado, sociedade e ensino privado. Revista Linha Direta, Belo Horizonte, n. 78, p. 35 – 36, set. 2004.
BOLETIM INFORMATIVO DA ANAMEC. Anais do seminário sobre o futuro do ensino confessional no Brasil.
Ano XII, n. 64, p. 9 – 14, nov. 2005. Edição especial.

160
Família, escola e comunidade: tripé básico para a inclusão da pessoa
com deficiência mental e a quebra de paradigmas
Guga Dorea

· Jornalista, cientista social e doutor em Ciência Política pela PUC/SP;


· professor convidado do curso de pós-graduação em Educação Inclusiva da Universidade Gama
Filho, onde ministra os módulos Políticas Governamentais e Não-Governamentais na Educação Especial
e Aspectos Sociais e Inclusão: Multiculturalismo;
· professor convidado dos cursos MBA, Gestão Educacional, Práticas Docentes no Ensino Superior, Edu-
cação da Pessoa com Deficiência Mental e Educação da Pessoa com Deficiência Audiocomunicativa
do Departamento de Pesquisa e Pós-Graduação, na área da Educação do Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas (UNI-FMU), no qual oferece, respectivamente, os módulos Inclusão e
Projetos Sociais no Ensino Superior, Gestão e Políticas Inclusivas e Concepções Filosóficas e Legais na
Educação Especial.

Em uma sociedade onde a inclusão social da pessoa com deficiência mental está paulatinamente deixando
o campo da utopia e se transformando em realidade, tanto no sistema regular de ensino como no mercado
de trabalho, torna-se cada vez mais premente a intensificação de um debate transdisciplinar sobre a possibi-
lidade concreta de que todo ser humano, cada um a sua maneira, é apto o suficiente para conquistar espaços
próprios e autônomos diante de um meio ambiente historicamente excludente, no qual o intitulado “normal”
sempre se autoproclamou como onipotente, a ponto de ser o legítimo porta-voz dos estigmatizados negativa-
mente como “diferentes”.
É a partir dessa constatação que convidamos o leitor a pensar conosco, sempre levando em consideração
a seguinte indagação: “Qual é a inclusão desejada por nós no mundo de hoje?” Muitos ainda sugerem, mesmo
sob a roupagem da inclusão, que a pessoa com deficiência deva ser apenas tutelada e, no máximo, tolerada e
aceita como virtual postulante de uma suposta “normalidade”.
Daí a necessidade de estabelecermos, antes de iniciarmos qualquer referência sobre esse tema, uma distin-
ção fundamental entre integração e inclusão social. Além de uma simples integração, concebida aqui como a
busca pela adequação do “diferente” ao estipulado como “normal”, seguimos este texto com base na idéia do
que Espinosa chamou de uma nova ética da diferença, passando a predominar, de agora em diante, a troca e coe-
xistência entre modos de vida distintos, sem que um modelo ideal de sociedade, determinado aprioristicamente,
venha a se sobrepor a outras formas de olhar e de compreender a existência e o mundo.
Além de ser pai de uma criança com Síndrome de Down, o que me levou a trilhar por esse caminho foi o
fato de eu acreditar no princípio de que, ao não apostarmos mais na integração, abrem-se brechas fundamentais
para lutarmos pela configuração do que Deleuze e Guattari chamaram de uma espécie de aliança entre territórios

161
existenciais singulares. Significa, na prática, romper definitivamente com os binômios estigmatizantes supe-
rior/inferior, normal/anormal, perfeito/imperfeito, entre outros estereótipos criados historicamente pelo mundo
ocidental e “civilizado” para justificar a sua pretensa superioridade em relação a uma multiplicidade de percep-
ções e sensações existentes em nossa vida subjetiva e cotidiana.
Como diria Morin, há momentos em que o resgate do passado é necessário para podermos compreender
o presente e nos lançarmos rumo ao futuro. Nunca é demais lembrar que o papel científico de profissionais da
saúde e da educação, tais como o médico, o psiquiatra, o psicólogo e o pedagogo, praticamente foi, pelo menos
entre os séculos XVII e meados do XX, o de aplicar testes padronizados de aptidão, de inteligência e de perso-
nalidade, tendo como objetivo catalogar e diagnosticar aqueles que eventualmente tinham dentro de si algum
estado patológico.
No âmbito do saber, conforme Larrosa e Pérez de Lara (1998), foi o indivíduo “normal” que, avalizado
pelo poder, definiu como é o seu diferente (a alteridade do outro), criando necessidades a serem preenchidas
obrigatoriamente pelo todo. Seguindo essa definição, cuja palavra de ordem é desconsiderar outras maneiras
de vislumbrar a diferença, não é difícil detectar que o sistema de ensino, sobretudo o ocidental, quase sempre
se pautou por um modelo impositivo do que é o educar, levando a escola a se revelar como uma arena não
raramente excludente.
É a partir desse modo de conceber o ensinar que pretendemos diferenciar o discurso, ou mesmo a prática
contemporânea de inclusão adequativa, objetivando o desenvolvimento do que é, na verdade, uma integração
supostamente consensual, cujo princípio básico é o de negar a própria diferença em nome de uma pretensiosa
subjetividade universal e homogeneizante.
A mídia, diga-se de passagem, não poucas vezes tende a fomentar essa subjetividade concebida como uma
verdade única para se viver. Em reportagem colocada no ar por uma emissora de TV, em 1998, postulou-se
a abertura para que adolescentes com Síndrome de Down possam estar preparados e ser aproveitados pelo
mercado de trabalho. O motivo? Sua proximidade com a “normalidade”. Ora, se a reportagem partiu da afir-
mação de que existe um modelo a ser seguido, é porque o outro lado da moeda também é verdadeiro, ou seja,
o da “anormalidade”.
É diante dessa dinâmica que, para se operacionalizar o que muitos consideram como inclusão, é necessário
que pessoas estigmatizadas como “anormais” se igualem ao descrito como o protótipo de uma “normalidade”
fictícia. Aí, convém lembrar que, desde Platão, pelo menos, o Ocidente anseia por um modelo ideal de sociedade,
restando aos distanciados dele a sina de navegar à deriva entre o que o filósofo grego conclamou como sendo a
cópia real do modelo e seu oposto indesejado: o simulacro.
Nesse sentido, segundo Deleuze (1997, p. 154), o “platonismo aparece como doutrina seletiva”; ou melhor,
trata-se de uma seleção valorativa, que procura metamorfosear o simulacro em uma síntese da perfeição hu-
mana. Portanto, a idéia platônica parte da fundamentação de que o simulacro deve deixar de ser diferente para
se tornar idêntico a um modo unificado de existir e de conviver com o outro. Essa idealização do mundo, que
condena o diferente a ser simulacro, influenciou e influencia o Ocidente até os dias de hoje.
A luta individual, a partir daí, passa a ser o de uma busca constante e infinita pela adequação, o que tende
a gerar angústias e desilusões como conseqüência de uma incessante comparação entre aqueles considerados
normais e as pessoas com deficiência, ou ainda entre os que podem ter avançado com maior velocidade e os que
estão mais atrasados no interior de uma concepção determinista de normalidade e inteligência.

162
O pressuposto democrático de uma educação voltada para todos, ao contrário, impõe à sociedade e à
escola um novo posicionamento referente às suas práticas socioeducativas. Esse pressuposto engloba uma
efetiva inovação e um olhar distinto, tanto do educador como das próprias famílias, em relação à pessoa com
deficiência mental.
Incluir, a partir dessa outra perspectiva, não deve se limitar apenas à aceitação por parte da família, ou a
simplesmente colocar e manter crianças e adolescentes com deficiência em classes regulares. É não mais
visualizar a tão discutível normalidade como um ideal a ser vivido e a alteridade como um estranho que deve ser
como o “eu normal”.
Diante desse contexto, pais e educadores não falariam mais em nome de alguém não detentor de voz própria,
e sim a partir de múltiplas potencialidades de vida existentes em todos nós, não mais marcando territórios exis-
tenciais rígidos e produzindo rótulos hierárquicos e totalizantes. A escola, por conseguinte, deveria se preocupar
mais em minimizar ao máximo a distância entre os considerados mais sábios e os que têm maiores dificuldades
de apreender o ministrado em classe, seja por deficiência localizada ou não, deixando de subdividir o ensino em
grandes oposições binárias impedidas de se misturar, tais como alunos bem comportados e não comportados;
aprovados e reprovados; detentores do saber e ignorantes; mais velozes e retardatários.
É importante ainda redimensionar a histórica fragmentação linear e extremamente imobilista que subdividiu
o ensino em séries estanques e intransponíveis, como se fossem condomínios fechados e isolados entre si. Em
função dessa noção do que é educar e a partir de um organograma inflexível, a escola costuma definir aprio-
risticamente a sua metodologia de ensino e os conteúdos apresentados, idealizando-se algo semelhante a uma
forma generalizada e estável de aprendizagem e de comportamento em sala de aula.
Se estivermos realmente interessados em pensar a inclusão social, entretanto, é preciso resistir ao que é
exigido habitualmente como expectativa de aprendizado pelas escolas como sendo um único possível a ser
alcançado. Para aqueles que não chegaram a esse possível almejado, consideram os que defendem apenas a
integração, basta utilizar o conhecido reforço, tendo como objetivo a aproximação cada vez maior entre esse
aluno e o que é esperado não só para ele, mas para todos, de uma forma homogênea e regiamente evolucionista,
produzindo-se rótulos em relação aos ditos mais lentos sob o ponto de vista cronológico.

O papel da família e da escola no processo da inclusão

A partir da hipótese de que muitos ainda crêem na integração como o único e melhor caminho, o que pode
ocorrer a um pai ou mãe ao receberem a notícia de que seu filho corre sérios riscos de não ser uma criança
“normal”, sendo possivelmente portadora de um “problema”, ou mesmo “doença”, totalmente desconhecido
para eles e recheado de pré-conceitos?
É bastante comum que essa família beire a armadilha – ou caia nela – de uma finita e determinista desilusão
em vida. Diante disso, há os que se separam e/ou entregam seu filho a uma instituição especial, acreditando no
fantasma de que ele é “incapaz e não vai ser hábil o bastante para se proteger de um mundo externo que será
sempre insensível a ele”.
Outro efeito possível é a superproteção, situação em que os pais se autoproclamam a voz e a consciência
do filho, pensando e agindo por ele, em função da crença de que a criança jamais estará pronta para agir por si
mesma. Ambos os comportamentos são igualmente destrutivos, para não dizer mortíferos, tanto para os pais

163
quanto para os filhos, pois é o mesmo que brecar de antemão qualquer oportunidade de estar vivo e de criar,
socialmente falando.
Outra saída, no entanto, é não se deixar embarcar nesse pessimismo determinista, partindo para uma trilha
mais instigante e desafiadora: a de investir positivamente na criança, acreditando em sua autonomia diante de
uma sociedade que, inúmeras vezes, ainda se ancora na destruição e no aniquilamento. Trata-se de ir ao encon-
tro de incontáveis, inimagináveis bifurcações, para que a criança possa expressar seus desejos e necessidades,
tanto no universo social e familiar como no escolar.
Para Deleuze e Guattari, convém frisar, o desejo não comporta falta e não pode ser confundido com a carência
de alguma coisa, algo semelhante a um vazio existencial a ser preenchido pelo desejo de outro, supostamente
mais forte e mesmo fraterno. Não por acaso, uma família que, mesmo não conscientemente, rejeite ou superpro-
teja seu filho simplesmente por ser diferente de uma fórmula pré-determinada do que é ser normal, talvez esteja
traçando para ambas as partes uma linha de derrotas e desilusões prévias.
Para realizarmos os propósitos socioeducativos da inclusão, portanto, não se trata de atribuir identidades
fechadas ou, como disse Mantoan, supostas identidades do visto como igual (normal) e do negativamente
concebido como diferente, referências essas que costumam facilitar a relação pai/filho, professor/aluno, além de
outros especialistas envolvidos nessa questão, que ainda falam pelos retardatários nesse galopante e desenfrea-
do correr contra um tempo linearmente dirigido a um ilusório sonho pela perfectibilidade humana.
É nessa dinâmica competitiva, inclusive, que surgem os incrédulos em relação a uma real inclusão social.
Esses consideram que haverá uma frustração inevitável na busca a todo custo por um espaço concreto no mundo
social, seja no convívio interpessoal ou na esfera do aprendizado e da entrada no mercado de trabalho.
É como se o desejo do homem ocidental fosse inexoravelmente o de se sobrepor aos considerados “diferen-
tes” de sua forma de pensar e ser. Como se cada sujeito encontrasse, isoladamente ou em grupo, um território
existencial (identidade) particular e seguro, um “estar em casa”, para se impor diante de outros territórios estig-
matizados como inferiores e limitados, gerando-se um ambiente muitas vezes feroz, de corrida para saber quem
é o melhor e o mais veloz.
Sendo assim, os que escaparem dos valores essenciais a essa “normalidade” são sérios candidatos a serem
rotulados como problemáticos; muitos – pesquisas estão revelando isso – têm como resposta clínica a não
necessária receita de remédios “milagrosos” para poderem retornar ao status quo vigente, retroalimentando-se
o que a modernidade engendrou como “patologização do fracasso escolar”.
É por essa razão que a inclusão não seletiva pode estabelecer uma conexão com o que Deleuze e Guattari
intitularam como devir1, contrapondo-se a uma lógica imaginária de que cada um de nós possui e deve procurar
uma identidade fechada e imutável, não permitindo mais a mudança para novas possibilidades de vida. Tal iden-
tidade, que eles preferem chamar de território existencial, não deve ser fixa, pois a todo instante algo de novo,
inusitado ou até inominável pode estar surgindo em nossa individualidade, a partir do encontro com o outro.
O estar junto a esse outro pode gerar o inesperado em nossa identidade supostamente inflexível e acabada.
É pensar que não existem sujeitos inteiramente estáticos e em constante equilíbrio auto-suficiente. Nesses
momentos, segundo já nos mostrou Morin, as nossas incertezas são projetadas no outro (o “diferente”), que
termina por ser o espelho indesejado das mentiras e ilusões que o ser “normal”, fantasiado com a capa do ego-
centrismo, não inclui em si mesmo. Isto, muitas vezes, é o reflexo do medo de reconhecer em nós mesmos as
limitações e deficiências que todos possuímos, queiramos ou não.

164
A inclusão social, sob essa ótica, significa um profundo reordenamento do que é viver em sociedade.
Trata-se de não mais confinar a diferença como se ela estivesse situada fora daqueles que se auto-intitulam
como normais, e sim incorporá-la como algo pertencente ao mundo da diversidade, no qual o ser diferente não
seria mais tratado como o espaço da negação e do desvio, possível ou não de retornar a uma doutrina conven-
cionada como normal.
O que está em jogo é nossa capacidade de rompermos com a dualidade platonista (modelo ideal de socie-
dade versus simulacro), como requisito paradigmático para que a pessoa com deficiência, ou outras diferenças
pejorativamente consideradas menores, seja “normalizada” e tenha a sensação de estar integrada.
Para concretizar de fato uma relação afetiva com outrem, no entanto, é fundamental embarcarmos em uma
vital coexistência entre mundos distintos, tendo como referência básica o fortalecimento e ampliação das sin-
gularidades próprias de cada ser humano, independente de ele ter nascido com alguma deficiência ou adquirido
uma em seu habitat.
Trata-se de desmitificar, de uma vez por todas, pensamentos estigmatizantes de que “anomalias” genéticas,
como a Síndrome de Down, denunciam, na prática, um sistema de forças que inibem ações e nutrem insuficiên-
cias associadas a processos subjetivos, cognitivos, psicossociais e pedagógicos. A criança, seja ela quem for, é
na verdade o mais puro devir. Ela é passível, a todo instante, de transformação, e possui o que os adultos jamais
deveriam ter perdido: a curiosidade.
É essa curiosidade, inclusive, que a leva ao desejo de estar conectada com o outro. Cabe à escola, em
conjunto com a chamada rede de apoio (profissionais das áreas da psicopedagogia, psicologia, fonoaudiologia,
terapia ocupacional, entre outros), buscar oferecer a todos os seus alunos as condições básicas para que eles
possam estar criando, ininterruptamente, o que Guattari chamou de “corporeidade existencial” em sua vida
familiar, escolar e social.
Mesmo naquele aluno, com deficiência ou não, em que aparentemente só há repetição de comportamento e
que, sob o ponto de vista de um ensino que venha a privilegiar unicamente os conteúdos apresentados em sala
de aula, o aprendizado é taxado como aquém do esperado, algo de novo está sempre acontecendo, por mais
imperceptível que possa parecer.
Segundo Deleuze (1988, p. 16), “nossa vida moderna é tal que, encontrando-nos diante das repetições mais
mecânicas, mais estereotipadas, fora de nós e em nós, não cessamos de extrair delas pequenas diferenças,
variantes e modificações”.
O importante, nessas circunstâncias, e a proposta de inclusão vai nessa direção, é que a família e a escola
não se cansem de procurar detectar e investir nesse potencial criativo, inerente a todos, o mais construtiva-
mente possível, levando-se sempre em consideração as necessidades, os desejos e os limites (que todos têm).
É destronar o mito de que educar é apenas transmitir conteúdos programados, de fora para dentro, e esperar
dos alunos a mesma e simultânea resposta, levando o professor a valorizar somente aquele que se adaptou à
proposta curricular.
Quanto ao educador, propriamente dito, ele também deve estar aberto a viver a diferença, o que talvez
possa se tornar uma reinvenção constante de si mesmo, levando-o a não mais imaginar que ensinar seja apenas
depositar informações conteudistas em um outro concebido como uma página em branco. É nesse sentido
que projetos como o Linha Direta podem ser visualizados como uma forma de revelar a importância de buscar-
mos uma nova forma de educar, em que todos possam de alguma maneira se beneficiar, e não mais deixarmos

165
o ensino ser um forte apelo ao fortalecimento de um egocentrismo que fez com que poucos subissem ao topo
da pirâmide social, independente da existência de seu vizinho.
Pensando no que Gabriel Tarde chamou de microsociologia, é como se o “encontro entre dois” gerasse, a
todo instante, mudanças inusitadas no enxergar a vida, sendo o indivíduo apenas uma minúscula partícula desse
complexo mundo de relacionamentos fundamentalmente sociais.
Esse pensar é relevante para se detectar o que se passa em um contexto social, que pode ser a escola, a famí-
lia ou a comunidade. Não basta acompanhar as organizações e instituições, tendo como referência tão somente
fatores “macrosociológicos”, e sim levar em conta fluxos microperceptivos que estão em circulação no plano
dos afetos. Como iniciamos esse texto com uma indagação sobre a inclusão desejada por nós no mundo de
hoje, nada como finalizá-lo com uma positivação. Está mais do que na hora de confiar nas pessoas com defi-
ciência, deixando-as respirar e nos conectando a elas de uma forma recíproca e interativa, e não mais como se
percorrêssemos uma via de mão única.
1
“Um devir não é uma correspondência de relações. Mas tampouco é ele uma semelhança, uma imitação e, em última instância,
uma identificação (...). Devir não é progredir nem regredir segundo uma série (...). O devir é sempre de uma ordem outra que a da
filiação. Ele é da ordem da aliança.” (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 18 – 19).

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.


______. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1997. v. 4.
DOREA, Guga. Síndrome de Down: entre a exclusão social e a inclusão na lógica capitalista. Revista Reichiana,
São Paulo, n. 12, p. 80 – 87, 2003.
LAROSSA, Jorge; PÉREZ DE LARA, Nuria (Orgs.). Imagens do outro. Petrópolis: Vozes, 1998.
MANTOAN, Maria Tereza Égler. Igualdade e diferença: como andar no fio da navalha. In: ARANTES, Valéria Amo-
rin (Org.). Inclusão escolar: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus Editorial, 2006.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Editora Cortez, 2005.
PRIETO, Rosângela Gavioli. Atendimento escolar de alunos com necessidades educativas especiais: um olhar
sobre as políticas públicas de educação no Brasil. In: ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Inclusão social: pontos
e contrapontos. São Paulo: Summus Editorial, 2006.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA Editora, 2003.
STAINBACK, Susan; STAINBACK, William. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999.
TARDE, Gabriel. As leis da imitação. Porto, Portugal: Rés Editora, s/d.
WERNECK, Cláudia. Você é gente? O direito de nunca ser questionado sobre o seu valor humano. Rio de
Janeiro: WVA Editora, 2003.

166
O público e o privado na educação básica

Vicente Martins

· Professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA/CE);


· mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em benefício da educação, a Constituição Federal, promulgada em 1988, no inciso III do artigo 206, estabe-
lece como princípio da educação escolar o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e a coexistência
de instituições públicas e privadas de ensino. Este mesmo princípio de ensino foi reproduzido e desdobrado em
incisos próprios, o III e o V do artigo 2º, na Lei 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
a chamada LDB.
No presente trabalho, vamos nos deter ao princípio da coexistência de escolas públicas e privadas, anali-
sando, a partir de dados oficiais, como se comportam quantitativa e qualitativamente as duas redes na oferta da
educação básica. É importante entendermos, desde logo, que o princípio de coexistência do público e do privado
assegura ao poder público, como prescreve o artigo 19 da LDB, a competência de criar ou incorporar instituições
de ensino para atender as demandas sociais por um ensino público, obrigatório e gratuito. É o referido princípio
que autoriza, de outra sorte, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado a abrirem escolas em qualquer Esta-
do ou município da Federação, ou em um distrito, localidade ou rua de qualquer cidade brasileira.
É por este princípio de coexistência do público e do privado que podemos, neste século, fomentar escolas
públicas mais orientadas ao mercado e estimular as escolas privadas com fins públicos. O diretor-presidente da
UBEE, Manoel Alves, em entrevista à Revista Linha Direta (n. 90, p. 38, set. 2005), afirma, à luz deste princípio,
que as instituições de ensino, públicas ou privadas, têm uma natureza essencialmente social e socializadora, de
modo a não ficarem ausentes das iniciativas concretas que contribuam com o desenvolvimento sustentável.
Se pensarmos na natureza e função das instituições privadas de ensino, o diretor de Assuntos Econômicos
da Fenep, Henrique Zaremba da Câmara, em entrevista a Nilson Ramos, ilustra bem, em números, o papel social
da rede privada de ensino na oferta de serviço educacional. A partir dos dados levantados na pesquisa Números

167
do ensino privado, Zaremba afirma que a escola particular brasileira contribui com 1,3% para a formação do PIB,
índice superior à contribuição da saúde privada, que aproxima-se de 1%. Na educação básica, com 7 milhões
de crianças e jovens matriculados na rede privada, o setor acaba por gerar, por baixo, 650 mil empregos diretos.
Se cogitarmos investimentos sociais, sem a participação das escolas privadas, o governo deveria acrescer ao
seu orçamento público, pelo menos, R$ 20 bilhões de aplicação dos recursos públicos no setor educacional
(conf. Revista Linha Direta, ano 8, n. 85, p. 38, abr. 2005).
Numa palavra, podemos afirmar que, sem a coexistência de escolas públicas e privadas, sem o ensino livre
à iniciativa privada, o Brasil seria mais centralizado, menos federativo, menos democrático; por sua vez, a edu-
cação seria menos social, posto que é através deste princípio de ensino que as IE’s, no Estado democrático de
Direito, superam a contradição capitalista entre o público e o privado.

Escolas lucrativas e não-lucrativas

No século XXI, a privatização do ensino é uma questão obsoleta. A coexistência institucional, enfim, permite
que os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e municípios) busquem a alta qualidade de ensino da
educação pública e incentivem a expansão da educação privada.
As escolas públicas e as privadas têm, na vida social, uma busca em comum: o bem público. Sem os valores
sociais do trabalho e da iniciativa privada, não poderíamos afirmar, a rigor, que o Brasil se constitui em Estado
democrático de Direito (inciso IV, Art. 1º, CF).
A Constituição Federal de 1988 prescreve, conforme podemos observar à luz dos artigos 205, 209 e 213,
dois gêneros de escolas: as públicas e as privadas. É estabelecido pela Constituição que as escolas privadas se
subdividem em duas espécies: as lucrativas e as não-lucrativas.
O artigo 209 da Constituição Federal prescreve, por seu turno, que o ensino é livre à iniciativa privada, aten-
didas as condições de cumprimento das normas gerais da educação nacional (inciso I) e autorização e avaliação
de qualidade pelo poder público (inciso II).
No tocante ao financiamento da educação nacional, os recursos públicos podem ser dirigidos, conforme
preceitua o artigo 213 da Constituição Federal, a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que com-
provem finalidade não-lucrativa, apliquem seus excedentes financeiros em educação (inciso I) e assegurem a
destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional – ou ao poder público, no
caso de encerramento de suas atividades (inciso II).
No plano da legislação ordinária, o artigo 20 da LDB, que categoriza as chamadas instituições privadas de
ensino, entende que as particulares são definidas, em sentido estrito, como as escolas instituídas e mantidas por
uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características das demais
escolas privadas, isto é, comunitárias, confessionais e filantrópicas. São entendidas como confessionais, se-
gundo a LDB, no inciso III do referido artigo, as escolas instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou
mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas. As escolas filantrópicas
são regidas por lei própria.
As escolas comunitárias, a partir da Lei 11.183, que dá uma nova redação ao inciso II do caput do art. 20
da Lei nº 9.396, são consideradas as instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pesso-
as jurídicas, inclusive cooperativas de pais, professores e alunos, que incluam em sua entidade mantenedora

168
representantes da comunidade. Como, então, esta estruturação legal das redes pública e privada repercutirá na
oferta da educação básica?
O artigo 21 da LDB determina que a educação escolar compõe-se de dois estágios educacionais: o primeiro,
o da educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio (inciso I); e o se-
gundo, o da educação superior (inciso II). Faz-se necessário, por isso, observarmos como se comportam, na
educação básica, as duas redes de ensino, a partir dos ditames legais da educação básica. De acordo com os
dados preliminares do Censo Escolar 2005, realizado pelo MEC/Inep, temos, em nível de Brasil, em todas as
modalidades de educação básica, 55.764.359 alunos matriculados. Deste universo, 48.745.170 alunos encon-
tram-se na rede pública de ensino, o equivalente a 87,41%. Vale destacar que só a rede municipal de ensino
público concentra 45,30% das matrículas da educação básica.
A rede privada de ensino, com 7.019.189 alunos na educação básica, abarca 12,59% das matrículas, o que,
aparentemente, é uma participação pequena, mas qualitativamente expressiva, se considerarmos que as catego-
rias administrativas (federal, estadual e municipal) são concorrentes, ou seja, no Brasil, não há ainda uma rede
única de ensino público. A porcentagem de alunos matriculados em todas as modalidades da educação básica,
na rede privada, varia entre 4,70% e 58,23%, dependendo do nível de ensino.

Quantidade e qualidade no serviço educacional

O princípio da coexistência de instituições públicas e privadas de ensino é, a rigor, bem diferente da idéia
de independência extrema ou absoluta dessas mesmas instituições, o que não quer dizer que não possam
concorrer na oferta de educação escolar. Uma nova “equação” para a educação, vista como direito social de
todos e dever do Estado, da Família e da Sociedade como um todo, é – ou deveria ser – a seguinte: Educação
Escolar = escolas públicas X escolas privadas. Se as escolas públicas zeram, no produto final, o fracasso
repercute também negativamente no setor privado, porque o público e o privado pertencem à mesma sociedade.
Da mesma forma, se as escolas privadas zeram ou fecham suas portas, há comprometimento social: menos
vagas para os profissionais de ensino e menos opção para as famílias, em se tratando de serviço educacional.
Isso só será óbvio quando a sociedade política, e não apenas a civil, vir, no setor privado, um segmento com
fins sociais ou públicos.
A esse respeito, diríamos, tomando a palavra de Marcelo Batista de Sousa (2005, p. 24), que o “pluralismo
preconizado pela Constituição não é observado se a oferta oficial de educação é apenas aquela oferecida pelo pró-
prio Estado. (...) A escola particular transformou-se em desejo e sobrevive, repito, pela eficiência e excelência.”
Vamos analisar agora o público e o privado a partir do Censo Escolar 2002, com dados já consolidados pelo MEC.
· Educação infantil – A LDB concebe a educação infantil como um nível que acolhe as creches, ou enti-
dades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; e a pré-escola, para as crianças de quatro a cinco anos
de idade.
Tomando como referência o Censo Escolar 2002, observamos que, naquele ano, estavam matriculadas em
creches, na rede privada de ensino, 435.204 crianças, ou seja, 37,76% das matrículas, em todo o país. Com
relação às matrículas na pré-escola, a rede privada contava, em 2002, com 1.270.953 crianças matriculadas, o
equivalente a 25,53% das matrículas nessa área.
Se considerarmos, como parâmetros de qualidade, para as duas redes de ensino, as funções docentes, assi-

169
nalaremos os seguintes dados: (a) das 68.890 funções docentes, a rede pública (federal, estadual e municipal)
contava com 38.750, o equivalente a 56,25%, ficando o setor privado com 30.140 professores, ou seja, 43,75%
das funções docentes neste nível de ensino. O que chama a atenção, para ambas as redes de ensino, é o baixo
nível de formação dos docentes em creches: apenas 14,74% deles têm formação superior completa.
Na pré-escola, que contava, em 2002, com 259.203 professores, as redes pública e privada detinham, res-
pectivamente, 66,63% e 33,37% das funções docentes, mas apenas 27,40% dos professores possuíam curso
superior completo. O que se pode notar é que o nível de formação dos docentes que atuam em creches ou
pré-escolas é majoritariamente médio completo, o que não significa, claro, má qualidade de ensino; mas não é,
também, um nível de formação desejado para a educação de crianças de zero a cinco anos de idade.
· Ensino fundamental – A participação da rede privada de ensino, segundo o Censo Escolar 2002, chegou
a 9,20% do número de matrículas no ensino fundamental regular. Em números absolutos, a rede privada
contava com 3.234.777, de um total que chegava a 35.150.362 estudantes matriculados na segunda etapa da
educação básica. A partir daí, podemos observar o peso que o sistema público de ensino tem na cobertura
de matrículas no ensino fundamental: são 31.915.585 alunos matriculados nas escolas públicas, o equivalente
a 90,80% das matrículas nesse nível de ensino. Os municípios e os Estados, com predominância dos pri-
meiros, são, na verdade, os grandes concentradores de matrículas. Juntos, chegam a 31.889.167 estudantes
inscritos no ensino fundamental, perfazendo, assim, 90,72% das matrículas.
Se tomarmos como parâmetro de qualidade os resultados do Saeb em 2001, observaremos as seguintes
condições de oferta deste nível de ensino nas escolas públicas e privadas: (a) A rede pública apresentava,
naquele ano, 98% de estudantes com desempenho muito crítico em língua portuguesa (leitura) e matemática
na 4ª série do ensino fundamental. Para se ter uma idéia da gravidade de um estágio crítico de desempenho em
leitura, isto equivale a dizer que os estudantes não foram alfabetizados adequadamente. Considerando a mate-
mática, isto significa que eles não identificam uma operação de soma ou subtração envolvida no problema ou
não sabem o significado geométrico de figuras simples; e (b) as escolas privadas possuíam o nível de desempe-
nho adequado de 43,5% contra 30,0% da rede municipal e 25,9% da rede estadual de ensino.
Se analisarmos o desempenho dos estudantes de 1ª a 4ª série e o dos de 5ª a 8ª série do ensino fundamental,
os dados revelam que os melhores resultados estão nas escolas privadas; é nessa rede que se verifica, ao longo
do tempo, uma maior estabilidade nas médias de desempenho em relação às escolas públicas.
· Ensino médio – Com 8.710.584 matrículas neste nível de ensino, o Censo Escolar 2002 apontava a rede
privada de ensino como a detentora de 1.122.900 matrículas, o equivalente a 12,89%, com cobertura maior do
que a das escolas públicas federais e municipais que, respectivamente, têm 0,9% e 2,41% das matrículas neste
nível de ensino, mas quantitativamente aquém das 7.297.179 matrículas na rede estadual de ensino, que, naque-
le ano, era responsável por 83,77% das matrículas no ensino médio, especialmente na área urbana.
O quadro de desempenho em língua portuguesa (leitura) e matemática, a partir dos dados do Saeb de 2001,
para as redes pública e privada, é muito contrastante e preocupante. Os dados indicam que os alunos que sem-
pre estudaram em escolas privadas têm um desempenho superior aos das escolas públicas. A diferença, em
favor da rede privada, chega a 54 pontos, em língua portuguesa, e a 71 pontos, em matemática. O que poderia
justificar essas diferenças tão acentuadas entre as redes de ensino? Pelos dados do Relatório do Saeb, podemos
identificar diferença tanto na estrutura escolar como na clientela. Nas escolas privadas, existem mais recursos
pedagógicos, professores mais qualificados e mais bem remunerados. Os alunos apresentam nível cultural,

170
social e econômico mais elevado. Claramente, observamos que as desigualdades sociais se refletem nas dife-
renças educacionais, o que compromete o princípio de eqüidade de uma sociedade dita plural e democrática.
· Educação especial – A LDB consagrou, nos seus artigos 58 a 60, para a educação especial, importante
modalidade para atender ao inciso III do artigo 208 da Constituição Federal e ao artigo 4º da LDB, que retirou
a expressão “portadores de deficiência”, que aparece na versão federal de 1988, e a atualizou, registrando
“educando com necessidades especiais”. No Censo Escolar 2002, de um total de 337.897 matrículas de alu-
nos portadores de necessidades educacionais especiais, a rede privada de ensino detém 203.293 alunos, ou
seja, sua cobertura chega a 60,16% das matrículas. A participação das redes federal e municipal de ensino,
juntas, chega a apenas 22,95%. Em se tratando de escola inclusiva, as escolas privadas garantiram a oferta
da educação especial para pais com filhos com necessidades educacionais de ordem visual, auditiva, física,
mental, múltipla, bem como àqueles com altas habilidades e superdotados e aos portadores de condutas tí-
picas. Através da oferta da educação especial, os sistemas de ensino, orientados pelo artigo 59 da LDB, estão
atentos a currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, e buscam profes-
sores especializados nessa modalidade, para atender, com eqüidade, às necessidades dos alunos especiais.

Considerações finais

Comprovamos, em números, que o princípio da coexistência de escolas públicas e privadas é fundamental


para a superação da dicotomia entre o público e o privado, uma vez que, sendo a educação um direito de todos,
portanto, um bem comum, que abrange os processos formativos desenvolvidos em diferentes ambiências so-
ciais, a começar pela vida familiar, passando pela convivência humana, pelo mundo do trabalho, pelas escolas,
pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e chegando às manifestações culturais, não existe,
a rigor, uma contradição entre a busca de uma escola pública de boa ou alta qualidade e o incentivo à expansão
da escola privada.
À guisa de palavra final, apropriar-me-ei, mais uma vez, do pensamento de Marcelo Batista de Sousa, que,
no já referido artigo publicado na Revista Linha Direta, revela que há burocratas do governo, na verdade, radical-
mente estatizantes, que tentam desqualificar o sistema escolar privado. A visão crítica de Marcelo Batista parece
sintetizar bem o olhar da RLD, ao longo de seus dez anos de existência, sobre a educação brasileira. Segundo
ele, o papel do Estado, ao garantir a educação como direito social, deve ser o de proporcionar a democratização
e a gratuidade do ensino fundamental e a progressiva universalização do ensino médio gratuito, conforme pre-
ceitua a Constituição Federal (artigo 208, incisos I e II), além de avaliar as instituições públicas e privadas e zelar
pela qualidade de ensino. Mas a ação da livre iniciativa é uma questão de princípio fundamental da ordem social
e cultural do país e se reveste de importância capital numa sociedade democrática, porque apresenta às famílias
brasileiras alternativas de formação escolar em prol da educação básica e superior.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Carlos Lima de. Contrato de prestação de serviço de educação escolar. Revista Linha Direta, Belo
Horizonte, ano 8, n. 90, p. 10, set. 2005.
BRAGA, Ryon. Perspectivas para a expansão do ensino superior privado no Brasil de 2005 a 2010. Revista Linha

171
Direta, Belo Horizonte, ano 8, n. 86, p. 24 – 27, mai. 2005.
CASTRO, Camila. As instituições de ensino e a responsabilidade social. Revista Linha Direta, Belo Horizonte,
ano 8, n. 90, p. 38 – 39, set. 2005.
CURY, Carlos Roberto Jamil. O público e o privado na educação brasileira. In: VELLOSO, Jacques et al. Estado
e educação. Campinas, SP: Papirus/Cedes; São Paulo: Ande/Amped, 1992. p. 73 – 93.
GANDINI, Raquel Pereira Chainho. O público e o privado: trajetória e contradições da relação estado e edu-
cação. In: VELLOSO, Jacques et al. Estado e educação. Campinas, SP: Papirus/Cedes; São Paulo: Ande/Amped, 1992.
p. 55 – 71.
INEP. Qualidade da educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 3ª série do ensino médio.
Brasília: MEC, 2004.
INEP. Qualidade da educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 4ª série do ensino fundamen-
tal. Brasília: MEC, 2003.
INEP. Qualidade da educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 8ª série do ensino fundamen-
tal. Brasília: MEC, 2003.
INEP. Sinopse estatística da educação básica: censo escolar 2002. Brasília: MEC, 2002.
RAMOS, Nilson. Pesquisa exclusiva da Fenep repercute em todo o país. Revista Linha Direta, Belo Horizonte,
ano 8, n. 85, p. 36 – 38, abr. 2005.
SOUSA, Marcelo Batista de. Mais vagas. Revista Linha Direta, Belo Horizonte, ano 8, n. 84, p. 24, mar. 2005.

172
Projeto Linha Direta e Sistema INED de Educação: uma parceria que deu certo

Nesses quatro anos de parceria, o Projeto Linha Direta sempre foi nosso aliado, dando-
nos a oportunidade de informar ao mercado educacional brasileiro o trabalho e a missão de
nosso grupo.
As edições da Revista Linha Direta têm contribuído para a construção coletiva e, o mais
importante, aproximado as pessoas através de uma comunicação prática e eficaz. Acreditamos
no uso dos meios de comunicação na prática educativa, já que o PLD envolve escolas e suas
comunidades, bem como instituições ligadas à educação.
Atualmente, percebemos que os meios de comunicação estão cada vez mais presentes na
vida de crianças, jovens e adultos. Isso nos obriga a retrabalhar os modelos pedagógicos, res-
pondendo a essas necessidades. O uso da comunicação na educação é uma das alternativas
que oferece compreensão e domínio do mundo contemporâneo. Sentimos que a parceria entre
o Projeto Linha Direta e o INED possibilitou pleno desenvolvimento de nossas empresas – o
Sistema de Ensino, as Faculdades e suas franquias e o Colégio –, já que conquistamos relações de confiança
com os leitores e parceiros.
Nosso principal objetivo é contribuir para o avanço do conhecimento e também nos aproximarmos dos inter-
locutores por meio de diferentes linguagens, buscando a construção de uma sociedade mais bem informada.
Nossas congratulações para toda a equipe do Projeto Linha Direta, pelo sucesso do empreendimento e pelos
dez anos de vida.

Aleksandro Mroczek
Superintendente do Sistema INED de Educação

Parabéns, Projeto Linha Direta!


Dez anos de sucesso crescente, embasado em um trabalho sério e criterioso, é a marca do
Projeto Linha Direta. Nós, do Sistema Objetivo de Ensino, como parceiros de ações vitoriosas,
nos orgulhamos de participar dessa trajetória de sucessos, que teve início, em um primeiro
momento, pela inserção de anúncios publicitários na Revista Linha Direta.
Sempre de maneira eficaz, gradualmente, nossa parceria foi sendo ampliada, ora com
planejamento e organização de eventos, ora com reportagens e inserção de encartes publicitá-
rios. Além desses itens, atualmente somos colunistas de artigos mensais na Revista, levando
contribuições ao leitor ao retratar o trabalho desenvolvido em nossas unidades escolares.
Além da eficiência e do grande leque de oferta de serviços e soluções, o que nos chama
muito a atenção – e acreditamos que seja esse o diferencial do Projeto Linha Direta – é o
vínculo desenvolvido e estimulado com seus parceiros. Parabéns!

José Erivan Lima Júnior


Departamento de Convênios do Sistema Objetivo de Ensino

173
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parte VI
Objetivos do desenvolvimento do milênio – sonhos ou desafios?

Jorge Werthein

· Assessor especial do secretário-geral da Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a


Ciência e a Cultura – OEI;
· doutor em Educação pela Universidade de Stanford e sociólogo pela Universidade de Berkeley;
· representante da UNESCO no Brasil de 1996 a 2005;
· ex-funcionário especialista em educação rural do Instituto Inter-Americano de Cooperação para a Agri-
cultura (IICA), responsável por programas sociais do Instituto no Brasil, e ex-diretor de Relações Externas
do IICA (San José, Costa Rica);
· diretor do escritório da UNESCO em Nova Iorque e Washington.

No dia 6 de setembro de 2000, líderes de 189 países reuniram-se na sede da ONU, em Nova Iorque, durante
a Cúpula do Milênio. O encontro teve como ponto de partida o relatório Nós, os povos, o papel das Nações
Unidas no século XXI, de autoria do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan.
O resultado mais imediato dessa cúpula foi o comprometimento da comunidade internacional com o
enfrentamento dos problemas existentes no mundo e a prevenção de outros que possam surgir. No encontro,
definiram-se 8 objetivos e 18 metas para o desenvolvimento do planeta, os quais devem ser alcançados até
2015. Para acompanhar o cumprimento desses objetivos, estabeleceram-se 48 indicadores. A esse pacote de
compromissos para o desenvolvimento denominou-se Declaração do milênio.
Para que as propostas da Declaração firmada durante a Cúpula do Milênio se concretizem até 2015,
os países devem:
1. Erradicar a extrema pobreza e a fome.
2. Atingir o ensino básico universal.
3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres.
4. Reduzir a mortalidade infantil.
5. Melhorar a saúde materna.
6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças.
7. Garantir a sustentabilidade ambiental.
8. Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento.
Esses oito objetivos sintetizam, de certa forma, as incontáveis cartas, declarações, acordos, protocolos
firmados em conferências anteriores da própria ONU. Nesse sentido, os ODM’s, como ficaram conhecidos,
facilitaram a compreensão do que deveriam ser as questões prioritárias do planeta. De forma simples e didática,

177
com direito a desenhos e cores, a ONU apresentaria ao mundo uma agenda para os 15 anos seguintes. A inicia-
tiva, como seria de se esperar, despertou a simpatia de outros atores sociais, como membros da sociedade civil
organizada e do meio empresarial. Aderir aos ODM’s passou a ser, em certa medida, uma ação de respon-
sabilidade social, de defesa da cidadania e dos direitos civis elementares. Além disso, outro efeito positivo be-
neficiou a própria ONU. A Declaração do milênio e seus oito objetivos converteram-se em instrumento de publi-
cidade positiva para a Organização, uma espécie de ferramenta de marketing institucional em escala planetária.
Diante desse quadro, tende-se a enxergar os ODM’s como unanimidade. De fato, dificilmente alguém ousaria
criticar negativamente esses objetivos. Eles têm-se destacado junto à sociedade como uma espécie de agenda
comum, de compromisso de todos, algo bem mais palpável e compreensível que longas declarações oficiais.
Propõem o que todos parecem enxergar como indispensável para uma vida mais digna e feliz sobre a face da
Terra. No entanto, essa unanimidade é apenas aparente. Há vozes discordantes, que expõem preocupações
cabíveis, em maior ou menor grau. Aos poucos, à medida que se distancia no horizonte a Cúpula do Milênio,
as críticas avolumam-se, ganham peso, adquirem sentido. Vale a pena conhecê-las, mesmo que de passagem.
· A primeira delas diz respeito à improbabilidade de que se cumpram os objetivos até 2015. Dadas as
condições atuais, no ritmo com que se busca o cumprimento das metas, cumpri-las parece inexeqüível. A
África subsaariana, por exemplo, pode não alcançar os objetivos e até retroceder. Pesquisadores do Centro para
o Desenvolvimento Global (CGD, na sigla em inglês) alertam para o fato de que, se não houver mudanças radi-
cais, “o número de africanos vivendo na pobreza pode, na verdade, aumentar, enquanto mais de duas dúzias de
países africanos podem nem sequer atingir 50% de conclusão do ensino fundamental em tempo.”
· Ainda sobre a inviabilidade do cumprimento dos ODM’s, pesquisadores do CGD oferecem três exem-
plos – um exemplo para três objetivos diferentes. Sobre o ODM número 1, de reduzir a pobreza à metade, eles
salientam que as economias africanas teriam de crescer aproximadamente 7% ao ano entre 2000-2015 para que
se reduzisse à metade o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. E afirmam: “Nenhum montante
de auxílio fará a África crescer a 7%”. Sobre o ODM número 2, relativo à universalização do ensino fundamental,
lembram que “muitos países estão partindo de um nível tão baixo que eles precisam atingir, em uma década,
o que países ricos precisaram de quase um século para alcançar”. Finalmente, sobre o ODM 4, referente à
redução da mortalidade infantil em dois terços, os pesquisadores do CGD provocam: “Se o mesmo ob-
jetivo tivesse sido estabelecido em 1975, apenas um país pobre (a Indonésia) tê-lo-ia atingido.”
· Em outro extremo – o que demonstra divisão entre os próprios críticos dos ODM’s – estão aqueles
que julgam esses objetivos tímidos demais. Cobram ousadia e coragem para implementar mudanças
mais acentuadas.
· Também se chama a atenção para a falta de vontade política de governantes que dão pouca importância
aos ODM’s, já que, muitas vezes, se trata de compromissos assumidos em governos anteriores. O apoio desses
governantes aos ODM’s seria apenas protocolar. Comprova-se, assim, o fato de que os ODM’s nem sempre
se convertem em políticas de Estado, mas apenas em transitórias políticas de governo e, em muitos casos,
somente em política de um ministro; portanto, sem sustentabilidade.
· Igualmente comum é a crítica à formulação dos ODM’s, feita “de cima para baixo”. Intelectuais de peso
e integrantes da sociedade civil organizada chamam a atenção para o fato de que os ODM’s são produto
de representantes dos países mais desenvolvidos, os quais teriam interesses próprios, de natureza política e
econômica. Por conseguinte, esses objetivos não representariam uma visão equânime e equilibrada sobre os

178
principais problemas do planeta, muito menos sobre a forma de enfrentá-los. Trariam em seu bojo a visão neoli-
beral de seus formuladores, a maioria de países do Norte, economicamente mais desenvolvido. O sociólo-
go Samir Amin chega a afirmar que, “em vez de constituir um comitê genuíno com o propósito de discutir o
documento, um rascunho foi preparado na sala dos fundos de alguma agência obscura.”
· Apesar da “comunicabilidade” dos ODM’s, eles ainda não adquiriram a visibilidade que seria neces-
sária para promover uma real mobilização social em prol do desenvolvimento humano. Não atinge a todos e
a cada um. São mais populares junto àqueles que talvez já tenham suficiente consciência da importância deles.
Críticos também apontam a falta de transparência de organismos internacionais que deveriam zelar por
interesses contemplados nos ODM’s. Um deles seria a Organização Mundial do Comércio, cujo fortalecimento
resultaria em maior equilíbrio de forças no cenário internacional.
· Samir Amin chama a atenção para o fato de que reduzir a pobreza extrema e a fome pela metade não
passará de ilusão “enquanto as políticas que geram a pobreza não forem analisadas e denunciadas e alterna-
tivas propostas.”
· Sem efetivo interesse na erradicação de conflitos armados, os ODM’s perdem sentido, uma vez que nações
economicamente mais ricas despendem muito mais recursos em guerras que no combate à fome, à miséria e
às doenças.
· Há dúvidas também quanto à capacidade de se monitorar o cumprimento das metas. Como medi-las em
escala global? Como garantir que 48 indicadores funcionem de maneira minimamente semelhante em mais de
190 países diferentes?
· Restam questionamentos sobre o montante de recursos a serem destinados ao combate à pobreza.
Parece não haver consenso sobre quanto e como se deve gastar. Afinal, para diferentes realidades, há diferen-
tes custos de vida. E como garantir que os recursos sejam empregados da melhor maneira?
· Independentemente do bom uso dos recursos, outra questão se coloca. No setor social, destacam os
pesquisadores do CGD, “já se sabe muito bem que mais dinheiro nem sempre se traduz em resultados; mais
gasto com a saúde não significa necessariamente melhor saúde.” É por causa de problemas estruturais profun-
dos nos sistemas locais de saúde e educação que projetos de assistência muitas vezes não avançam.
· Uma crítica conclusiva alerta para o risco de os ODM’s, do modo como foram concebidos e estão sen-
do promovidos, converterem êxitos reais em fracassos imaginários. Estabelecer metas como essas pode con-
tribuir para estimular o debate e mobilizar a comunidade voltada para as questões de desenvolvimento, mas
também representa o perigo de criar expectativas utópicas e, depois, gerar sensação de fracasso. Pesquisadores
do CGD dão um bom exemplo e indagam: Burkina Faso tem taxa de matrícula no ensino fundamental entre
40% e 45%. Se uma boa gestão, considerável ajuda internacional e outros tipos de comprometimento com
a causa permitissem a Burkina Faso atingir, até 2015, 60% na taxa de matrícula do ensino fundamental,
isso deveria ser considerado sucesso ou fracasso? Para eles, considerando-se os padrões históricos
do país, deveria ser considerado um grande sucesso; mas, para os ODM’s, essa conquista seria vista como um
fracasso, pois está ainda abaixo da meta estabelecida.
Críticas e indagações avolumam-se, e certamente a ONU tem resposta, se não para todas, pelo menos
para a maioria delas. Mas nem por isso merecem descaso. Afinal, a experiência tem demonstrado que não
bastam conferências, cúpulas, acordos. É preciso vontade política e mobilização social, além de consenso mínimo
sobre as prioridades de cada nação, de cada país do globo. Uma agenda comum é bem-vinda. Uma visão

179
humanitária consensual parece imprescindível. O problema está em como avançar e em como superar e trans-
cender interesses político-econômicos imediatos em prol do desenvolvimento humano.
Esta fala, obviamente, está longe de esgotar o debate. Ao contrário, propõe-se a iniciá-lo, a provocá-lo.
Fica o desafio: seriam os ODM’s da ONU apenas sonhos destinados a morrerem no papel ou podem, a
despeito de todas as suas limitações, servir de pontapé inicial para a formulação de políticas de Estado que
levem em conta as reais necessidades de cada povo e a participação de todos tanto na formulação quanto na
implementação dessas políticas?
Aceitar a inviabilidade de vários dos ODM’s – se não de todos, em alguns casos; considerar novos meios
de reconhecer o êxito real do ponto de vista de cada país, em vez de levar em conta metas globais; investir
em novas tecnologias fundamentais (como vacinas); abrir mercados; desenvolver parcerias do tipo ganha-ganha
(e não do tipo perde-ganha) no mundo do trabalho e em outros setores podem ser um bom começo. Em suma:
é preciso ter em mente que o desenvolvimento é um esforço conjunto, gradual e relativo, não uma corrida
desenfreada contra um relógio imaginário.
Tudo isso passa pela educação...

Referências bibliográficas

AMIN, Samir. The Millennium Development Goals: A Critique from the South. In: Red Orbit (www.redorbit.com),
mar. 2006.
HARCOURT, Wendy. The Millennium Development Goals – A Missed Opportunity? In: Euforic – Europe’s Forum
on International Cooperation (www.euforic.org), editorial, mai. 2005.
MODANU, Mejlina e FOSTER W., John. Checking the Pulse of Global Civil Society on the MDGs.
In: Euforic – Europe’s Forum on International Cooperation (www.euforic.org). Editorial, set. 2005.
PRESIDÊNCIA da República Federativa do Brasil. Objetivos de desenvolvimento do milênio – relatório nacional
de acompanhamento. Brasil, set. 2004.
PRESIDÊNCIA da República Federativa do Brasil. Objetivos de desenvolvimento do milênio – relatório nacional
de acompanhamento. Brasil, set. 2005.
PROGRAMA das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP). Investindo no desenvolvimento – um plano
prático para atingir os objetivos de desenvolvimento do milênio – visão geral. Nova York, 2005.
UNITED Nations Development Group. Indicators for Monitoring the Millennium Development Goals –
Definitions, Rationale, Concepts and Sources. New York, 2003.

180

Você também pode gostar