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Expediente

Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria Executiva
Secretaria de Educação Especial

Comissão Organizadora
Claudia Pereira Dutra
Martinha Clarete Dutra dos Santos
Misiara Cristina Oliveira
Cleonice Machado de Pellegrini
Sinara Pollom Zardo

Conselho Editorial
Nacional:
Antônio Carlos do Nascimento Osório - UFMS
Claudio Roberto Baptista - UFRGS
Denise de Souza Fleith - UNB
Dulce Barros de Almeida - UFG
Eduardo José Manzini - UNESP
Marcos José da Silveira Mazzotta - Universidade Mackenzie
Maria Amélia Almeida - UFSCar
Maria Teresa Eglér Mantoan - UNICAMP
Rita Vieira de Figueiredo - UFC
Ronice Müller de Quadros - UFSC
Soraia Napoleão Freitas - UFSM

Internacional:
David Rodrigues - Universidade Técnica de Lisboa, Portugal

Jornalista Responsável
Nunzio Briguglio Filho (007010/SC-MT)

Sistematização
Bárbara Martins de Lima Delpretto

Fotografias
Arquivo Autores
Acervo SEESP/MEC
Itamar Sandoval / Índice Gestão Editorial

Agradecimentos às Escolas visitadas e fotografadas para esta


edição
Escola Estadual José Luciano
Escola Estadual Dom Abel
Escola Estadual Gracinda de Lurdes
Colégio Estadual José Honorato
SEE-GO Coordenação de Ensino Especial

Tradução Artigo Internacional


Grupo Solución
CIBEC/MEC
Inclusão: Revista da Educação Especial / Secretaria de Educação
Revista Inclusão é uma publicação semestral da Secretaria de
Especial. v. 5, n. 2 (jul/dez) - Brasília: Secretaria de Educação
Educação Especial do Ministério da Educação.
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, 6º andar, Sala 600 Especial, 2010.
CEP: 70047-900 Brasília / DF.
Telefone: 0XX (61) 2022-7635
Cadastro via e-mail: revistainclusao@mec.gov.br ISSN 1808-8899
Distribuição gratuita
Tiragem desta edição: 100 mil exemplares
1. Inclusão educacional. 2. Educação especial. I. Brasil.
As matérias publicadas podem ser reproduzidas, desde que citada Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial.
a fonte. Quando assinadas, indicar o autor. Artigos assinados
expressam as opiniões de seus respectivos autores e, não
necessariamente, as da SEESP, que os edita por julgá-los
elementos de reflexão e debate.

Indexada em:
Bibliografia Brasileira de Educação (BBE)/Inep
Latindex - Sistema Regional de Información en Linea para Revistas
Cientificas de America Latina, el Caribe, España y Portugal.
EDITORIAL 1

O
s mais recentes tratados internacionais têm refletido um desejo mundial de construção de uma so-
ciedade que não só reconhece a diferença como um valor humano irrefutável, como também pro-
move condições plenas para o desenvolvimento das potencialidades de todos os seres humanos,
na sua singularidade.
O Brasil, nos últimos anos, avançou na elaboração e na implementação de ações intersetoriais, baseadas na con-
cepção de que a inclusão social das pessoas com deficiência se dá na medida em que as políticas de educação,
saúde, assistência social, transporte, trabalho, cultura, desporto, dentre outras, articulam-se para atender efetivamen-
te às especificidades deste público.
A educação inclusiva vem se tornando uma realidade cada dia mais desafiadora para os sistemas de ensino bra-
sileiros, pois o direito à educação não se configura apenas pelo acesso, materializado na matrícula do aluno junto
ao estabelecimento escolar, mas também pela sua participação e aprendizagem ao longo da vida.
Neste sentido, há um conjunto de ações voltadas para os alunos, pais, professores, gestores escolares e
formadores docentes, com a finalidade de solidificar e ampliar as condições necessárias para garantia do direi-
to à educação.
O impacto de tais ações é perceptível nas informações trazidas pelo censo escolar MEC/INEP 2009, que denota
o acréscimo no percentual de alunos público-alvo da educação especial, matriculados nas classes comuns do ensi-
no regular. Em 2002, este número era de 28%, enquanto em 2009 este percentual passou para 60%.
A Revista Inclusão, nesta edição, traz um panorama sobre a concepção de educação especial ao longo das últi-
mas décadas e destaca os principais marcos legais, políticos e pedagógicos da educação especial na perspectiva
da educação inclusiva.
Neste contexto, a formação dos atores sociais envolvidos no processo educacional passa por transformações
profundas, necessárias para a construção da escola como espaço plural de valorização dos diferentes saberes, te-
ma tratado aqui como pressuposto para o desenvolvimento inclusivo da escola.
Com o sentido de contribuir para o fortalecimento da ação intersetorial na promoção da inclusão social das pes-
soas com deficiência, é destacada a recente política pública na área da reabilitação visual.
A acessibilidade na escola é concebida como uma premissa para o pleno acesso dos alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, compreendendo desde a acessibilidade
arquitetônica e na comunicação, passando pela produção de materiais didáticos acessíveis e o uso de recursos de
tecnologia assistiva na escola.
É com grande satisfação que esta revista compartilha a experiência espanhola sobre as condições de aquisição da
língua falada e da língua de sinais pelas pessoas com surdez, enriquecendo os debates sobre o tema em nosso país.
Esta oitava edição trata, ainda, sobre os desafios da educação inclusiva, especificamente a respeito dos aspec-
tos que envolvem a escolarização dos alunos com transtornos globais do desenvolvimento. Outro tema pautado é a
inclusão das pessoas com deficiência na educação superior e as mudanças decorrentes no âmbito das Instituições
de Educação Superior do Brasil.
No espaço destinado às resenhas, é divulgada uma rica experiência de acessibilidade desenvolvida na educa-
ção superior, envolvendo diferentes áreas do conhecimento.
Desejando uma excelente leitura, importa informar que a versão digital acessível (Mecdaisy) acompanha este for-
mato impresso da Revista Inclusão.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 1-76, jul/dez. 2010 1


SUMÁRIO

1 4 8 25
Editorial Entrevista Destaque Enfoque
Clélia Brandão Craveiro, NACIONAL Convenção da ONU sobre
Secretaria de os direitos das pessoas com
Educação Especial Claudia Pereira Dutra e Os Rumos da Educação
deficiência: avanços no
Rebecca Monte Nunes Especial no Brasil frente ao
ordenamento jurídico
Bezerra Paradigma da Educação Eugênia Augusta Gonzaga
Inclusiva Fávero
Claudia Pereira Dutra e
Martinha Clarete Dutra dos Incluir não é inserir, mas
interagir e contribuir
Santos
Rita Vieira de Figueiredo
INTERNACIONAL Transtornos globais do
Novas perspectivas da desenvolvimento e os
desafios para o processo de
inclusão social da pessoa
inclusão educacional
surda desde os primeiros
Rosane Lowenthal e José
anos de vida Ferreira Belisário Filho
Núria Silvestre
O movimento das diferenças
na educação superior:
inclusão de pessoas com
deficiência
Elizabete Cristina Costa-
Renders
Rede de Serviços de
Reabilitação Visual no SUS
Érika Pisaneschi e Maria Alice
Correia Pedotti
Acessibilidade escolar: o
direito ao acesso, à
participação e à
aprendizagem dos alunos
com deficiência
Cleonice Machado de
Pellegrini e Sinara Pollom Zardo
70 71 72 73
Resenhas Informe Opinião Veja Também
Atores da inclusão na Prêmio Experiências Uma visão sobre a nova Transformação da educação
universidade: formação e Educacionais Inclusivas: a Tecnologia assistiva: no estado do Acre
compromisso escola aprendendo com MecDaisy Claudia de Paoli
Organizadora: Maria Teresa as diferenças Neno Henrique da Cunha
Égler Mantoan, Maria Cecilia Albernaz
Baranauskas
4 ENTREVISTA

Claudia Pereira Dutra Clélia Brandão Craveiro Rebecca Monte Nunes Bezerra

A Revista Inclusão convida a Presi- mento educacional especializado - das nossas práticas pedagógi-
dente do CNE, professora Clélia AEE; e a Resolução CNE/CEB cas, assegurando o apoio às ati-
Brandão Craveiro, a Secretária de N.4/2009 que estabelece Diretrizes vidades que são desenvolvidas
Educação Especial do MEC, profes- Operacionais para o Atendimento nos ambientes escolares. Os es-
sora Claudia Pereira Dutra e a Pro- Educacional Especializado na Edu- tudantes com necessidades edu-
curadora do Ministério Público Esta- cação Básica. cacionais específicas não podem
dual, presidente da Associação Na- ser excluídos do sistema geral de
cional dos Membros do Ministério 1. Revista Inclusão - Como se si- ensino em razão da deficiência. A
Público de Defesa dos Direitos dos tua a LDB no contexto do para- Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
Idosos e das Pessoas com Deficiên- digma da inclusão, adotado pela cação Nacional, Lei Nº. 9.394,
cia - AMPID, Rebecca Monte Nunes CDPD/ONU, ratificada pelo Bra- aprovada em 1996, estando no
Bezerra para debater acerca dos sil com status de emenda consti- seu 13º ano de vigência, deve
atuais marcos políticos, legais e pe- tucional? adequar alguns pontos, em espe-
dagógicos relativos à educação es- cial a terminologia apresentada
pecial: a Convenção sobre o Direi- Clélia Brandão - A Convenção nessa LDB, nos artigos 58 a 60.
tos das Pessoas com Deficiência - sobre os Diretos das Pessoas Dentre as terminologias destaca-
CDPD/ONU, promulgada no Brasil com Deficiência - CDPD, publica- mos: "portadores de necessida-
por meio do Decreto N.6949/2009; a da pela ONU em 2006 e promul- des especiais", que não corres-
Política Nacional de Educação Es- gada pelo Brasil em 2009, asse- ponde à atual definição do públi-
pecial na Perspectiva da Educação gura às pessoas com deficiência co alvo da educação especial;
Inclusiva MEC/2008; o Decreto o direito à educação com qualida- "terminalidade específica para
N.6571/2008 que dispõe sobre a de social. Esse compromisso, alunos com deficiência", que é
oferta e o financiamento do atendi- certamente, provoca uma revisão uma expressão cujo ponto de vis-

4 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 4-7, jul/dez. 2010


ta confronta com as possibilida- das na perspectiva da inclusão es- de regular de ensino e no atendi-
des de educação ao longo da vi- colar, a fim de programar ações mento educacional especializado,
da; "quando não for possível sua específicas que garantam às pes- realizado no contra turno, em sala
integração nas classes comuns soas com deficiência o pleno de recursos multifuncionais ou em
do ensino regular", que condicio- acesso ao ensino regular em centros de atendimento educacio-
na o acesso à condição de defici- igualdade de condições com as nal especializado.
ência; e a expressão "preferenci- demais pessoas. Com a criação, em outubro de
almente na rede regular de ensi- 2009, do Fórum dos Conselhos de
no", que reforça os serviços e re- 2. Revista Inclusão - Quais as Educação-Nacional, Estaduais,
cursos ofertados pela educação principais alterações nos siste- Distrital, Municipais, essa coope-
especial fora do sistema regular mas de ensino, a partir da defi- ração, do ponto de vista da nor-
de ensino. Dessa forma, a Lei de- nição da educação especial co- matização, discussão e implanta-
ve traduzir a educação especial mo modalidade não substitutiva ção nacional, tem-se constituído
na perspectiva da inclusão, como à escolarização, expressa no em um dos grandes desafios que
modalidade integrada ao proces- Parecer CNE/CEB Nº. 13/2009 esse Fórum tem enfrentado com
so de escolarização dos alunos. que fundamenta a Resolução muita responsabilidade.
CNE/CEB Nº. 4?
Claudia Dutra - A LDB - Lei Rebecca Monte - Podemos citar
9394/96 expressa a concepção in- Clélia Brandão - Considerando o como exemplos das principais
tegracionista de educação especi- direito de acesso do estudante mudanças a necessidade de uma
al como modalidade substitutiva público-alvo da educação especi- reorganização dos sistemas de
ao ensino regular, confrontando al aos espaços comuns de apren- ensino, de modo a estabelecer
com os atuais marcos políticos, le- dizagem e a participação nas ati- quais instituições oferecerão ensi-
gais e pedagógicos elaborados à vidades educacionais regulares, no comum e/ou atendimento edu-
luz do paradigma da inclusão. as Diretrizes do CNE orientam pa- cacional especializado. Outro
A Convenção sobre os Direitos das ra a institucionalização do atendi- exemplo refere-se ao projeto polí-
Pessoas com Deficiência - ONU/2006, mento educacional especializado tico pedagógico da escola de en-
no seu art. 24, afirma o compromisso no projeto político-pedagógico sino regular, que deve institucio-
dos Estados Partes com a efetivação das escolas de educação regular. nalizar o AEE, organizando-o e
de um sistema educacional inclusivo A organização desse atendimento disciplinando-o, na forma do arti-
em todos os níveis, rompendo com requer que as políticas de forma- go 10 da Resolução sob comento,
os modelos de segregação que ante- ção de professores e de acessibi- e os Centros de Atendimento Edu-
riormente definiram a organização e lidade nas escolas promovam a cacional Especializado, públicos
as práticas da educação especial em articulação entre o ensino regular ou privados sem fins lucrativos,
diversos países. e a educação especial, conside- que deverão ter seu projeto políti-
Neste contexto, a LDB, no que rando as necessidades educacio- co pedagógico aprovados pelas
trata da educação especial, pre- nais específicas dos alunos. Des- respectivas Secretarias de Educa-
cisa ser revista de modo a supe- taca-se o papel dos Conselhos de ção ou órgão equivalente, cum-
rar a concepção tradicional de Educação, que devem elaborar prindo as exigências legais esta-
ensino e aprendizagem que con- seus pareceres e resoluções de belecidas pelo Conselho de Edu-
diciona a efetivação do direito à modo a assegurar o pleno acesso cação do sistema de ensino,
escolarização ao padrão de ensi- e as condições de aprendizagem quanto ao seu credenciamento,
no escolar estabelecido, descon- aos alunos com deficiência, tran- autorização de funcionamento e
siderando as especificidades dos stornos globais do desenvolvi- organização.
alunos como integrantes ao pro- mento e altas habilidades/super- Os sistemas de ensino, objetivan-
cesso educacional. dotação, de forma igualitária, na do a implantação do Decreto Nº.
A adequação do conjunto dos comunidade em que vivem. Estas 6.571/2008, terão que matricular
marcos legais à Convenção é uma normativas, desde o CNE, reori- os alunos com deficiência, tran-
decorrência deste tempo histórico entam os sistemas de ensino, de stornos globais de desenvolvimen-
no qual as políticas públicas de modo a prever a matrícula dos to e altas habilidades/superdota-
educação especial são reorienta- alunos em classes comuns da re- ção nas classes comuns do ensino

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 4-7, jul/dez. 2010 5


regular e no atendimento educa- lar da rede pública que recebem da rede pública, conforme registro
cional especializado, neste último atendimento educacional especia- no Censo Escolar/MEC/INEP do
quando for o caso. Assim, os refe- lizado, sem prejuízo do cômputo ano anterior, sendo contemplada:
ridos alunos terão que freqüentar a dessas matrículas na educação a) matrícula em classe comum e
sala de aula comum, onde efetiva- básica regular". em sala de recursos multifuncio-
mente se dará a educação estabe- nais da mesma escola pública;
lecida pelo artigo 205 da Constitu- A política de financiamento da b) matrícula em classe comum e
ição Federal, para que tenham educação especial, assim defini- em sala de recursos multifuncio-
acesso aos recursos do FUNDEB da, trará impacto nos indicadores nais de outra escola pública;
(art. 8º da Resolução Nº. 04/2009). de acesso e na qualidade do pro- c) matrícula em classe comum
cesso educacional, representando e em centro de Atendimento
3. Revista Inclusão - Qual é o im- um grande avanço para a efetiva- Educacional Especializado de
pacto da política de financiamen- ção do direito a educação às pes- instituição de Educação Espe-
to do AEE, instituída em 2008 no soas com deficiência, com tran- cial pública;
âmbito do Fundo de Manutenção stornos globais do desenvolvi- d) matrícula em classe comum e
e Desenvolvimento da Educação mento e com altas habilidades/su- em centro de Atendimento Edu-
Básica e Valorização do Magisté- perdotação. Ressalta-se a impor- cacional Especializado de institui-
rio - FUNDEB? tância deste investimento para a ções de Educação Especial co-
implementação de apoios especí- munitárias, confessionais ou filan-
Claudia Dutra - Para constituir ficos nas escolas regulares da re- trópicas sem fins lucrativos.
uma política de desenvolvimento de pública, considerando as ne-
inclusivo das escolas e prover re- cessidades pedagógicas dos alu- Assim, ao estabelecer que os es-
cursos para o atendimento às ne- nos e as condições de acessibili- tudantes especificados no texto
cessidades educacionais específi- dade. O incremento dos recursos da Resolução sejam contabiliza-
cas dos alunos no ensino regular, estabelecido pelo FUNDEB, refe- dos em dobro, institui um critério
é essencial a alteração do modelo rente ao público alvo da educação que reforça o orçamento, no sen-
de financiamento da educação especial, contempla a dupla matrí- tido de que a proposta pedagógi-
especial tradicionalmente voltado cula, uma no ensino comum e ou- ca da instituição educacional seja
às instituições especializadas, tra no atendimento educacional aperfeiçoada, o que causará im-
com base no quantitativo de alu- especializado, integrando a esco- pacto não apenas nas atividades
nos atendidos. larização ao conjunto de ativida- escolares, mas também na forma-
Com foco na promoção da inclu- des, recursos e serviços disponibi- ção continuada dos profissionais
são escolar, acesso, participação lizados pela educação especial. do magistério.
e aprendizagem, a política de fi-
nanciamento, instituída por meio Clélia Brandão - A Resolução 4. Revista Inclusão - Como a esco-
do Decreto Nº. 6.571/2008, define CNE/CEB Nº. 4/2009, que estabe- la comum deve se organizar para
o atendimento educacional espe- lece Diretrizes Operacionais para o a oferta do AEE complementar à
cializado, dispõe sobre os objeti- Atendimento Educacional Especia- escolarização? E a escola especi-
vos deste atendimento, estabele- lizado na Educação Básica, em al, que papel assume na perspec-
ce ações de apoio técnico e finan- seu artigo 8º, orienta: tiva da educação inclusiva?
ceiro do MEC destinados à sua
oferta e, em seu artigo 6º, acres- Serão contabilizados duplamen- Rebecca Monte - A escola co-
centa o art. 9º - A no Decreto Nº. te, no âmbito do FUNDEB, de mum deve, inicialmente, fazer
6.253/2007, que passa a vigorar acordo com o Decreto Nº. constar a oferta do atendimento
com seguinte redação: 6.571/2008, os alunos matricula- educacional especializado - AEE
dos em classe comum de ensino no seu Projeto Pedagógico, que
"Art.9º-A". Admitir-se-á, a partir de regular, público que tiverem ma- deverá ser construído com a cola-
1º de janeiro de 2010 para efeitos trícula concomitante no AEE. boração das famílias, dos alunos e
da distribuição dos recursos do Parágrafo único. O financiamento da comunidade escolar em geral,
FUNDEB, o cômputo das matricu- da matrícula no AEE é condiciona- prevendo a organização da sala
las dos alunos da educação regu- do à matrícula no ensino regular de recursos multifuncionais; como

6 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 4-7, jul/dez. 2010


será feita a matrícula do aluno no as potencialidades. 5. Revista Inclusão - Diante dos
AEE e por quais critérios; como Assim, os espaços especiais, a dispositivos legais que assegu-
serão identificadas e supridas as partir da elaboração do seu proje- ram às pessoas com deficiência
necessidades dos alunos público to político pedagógico podem ser a efetivação do direito à educa-
alvo do serviço; qual o papel e reorganizados como centros de ção em um sistema educacional
quem serão os componentes do atendimento educacional especia- inclusivo, a segregação pode ser
AEE; como ocorrerá o intercâmbio lizado, atuando em articulação compreendida como ato discri-
entre a equipe do AEE e o profes- com a escola comum para realizar minatório?
sor responsável pela sala de aula este atendimento quando a escola
onde o aluno estuda e quais os comum não dispõe de sala de re- Rebecca Monte - Sim. A própria
demais apoios ou qual a rede de cursos multifuncionais. Convenção sobre os Direitos da
apoio que será necessária. É válida a proposta de formar re- Pessoa com Deficiência, incor-
A escola especial, por sua vez, fi- des de apoio à inclusão, reforçan- porada ao ordenamento jurídico
nalmente terá estabelecido o seu do as políticas de formação conti- como Emenda Constitucional
papel na educação de alunos com nuada dos professores e a oferta pelo Decreto Nº. 186/2008, em
deficiência, constituindo-se um de recursos e serviços nas escolas seu artigo 2º, estabelece que
apoio para o trabalho desenvolvi- comuns. Com relação aos demais discriminação por motivo de de-
do em sala de aula comum, em serviços de saúde e de assistên- ficiência "significa qualquer dife-
horário diverso desta, favorecen- cia, dentre outros, estes devem in- renciação, exclusão ou restrição
do o aprendizado e o desenvolvi- tegrar a proposta de interface da baseada na deficiência, com o
mento do aluno com deficiência, escola, juntamente com as famí- propósito ou efeito de impedir
dando-lhe acesso a um atendi- lias, no acesso as políticas sociais. ou impossibilitar o reconheci-
mento educacional especializado, mento, o gozo ou o exercício,
que trabalhará de forma articula- Clélia Brandão - Na perspectiva em igualdade de oportunidades
da com o professor responsável de inclusão de todos os alunos, com as demais pessoas, de to-
pela sala de aula onde o aluno es- independente de características dos os direitos humanos e liber-
tá inserido. físicas, intelectuais ou sensoria- dades fundamentais nos âmbi-
is, a escola deve promover res- tos político, econômico, social,
Claudia Dutra - As escolas co- postas pedagógicas de acordo cultural, civil ou qualquer outro.
muns devem se organizar com com as necessidades de cada Abrange todas as formas de dis-
base nas Diretrizes Operacionais um. A escola elabora o seu pro- criminação, inclusive a recusa
para o Atendimento Educacionais jeto político-pedagógico, que de- de adaptação razoável".
Especializado, instituídas pelo ve impulsionar o desenvolvimen- E, mais adiante, no artigo 24, re-
CNE, que orientam quanto a sua to de todos os professores e da conhece o direito das pessoas
institucionalização no Projeto Po- comunidade escolar, articulan- com deficiência à educação e
lítico-Pedagógico. Para tanto, de- do-se com as demais escolas da que os Estados Partes assegura-
verão contemplar: a implantação rede pública e com instituições rão um sistema educacional in-
de salas de recursos multifuncio- especializadas de educação es- clusivo em todos os níveis e o
nais; a disponibilização de profes- pecial. Além da organização do aprendizado ao longo de "toda a
sor para atuar no AEE; a elabora- atendimento educacional espe- vida", com o objetivo, entre ou-
ção do Plano de atendimento do cializado, em salas de recursos tros, de "participação efetiva das
aluno; e demais recursos e servi- multifuncionais ou em centros de pessoas com deficiência em uma
ços específicos. AEE para a oferta de serviços e sociedade livre", do pleno desen-
O papel da escola especial, sem recursos, pedagógicos e de volvimento do potencial humano
dúvida, altera-se no contexto da acessibilidade, a escola deve e do senso de dignidade e auto-
educação inclusiva, consideran- efetivar mudanças nas práticas estima, o que não será alcança-
do o objetivo de assegurar o di- pedagógicas em classes co- do se aquelas estiverem em am-
reito dos alunos público alvo da muns, adotar uma pedagogia di- bientes segregados, uma vez
educação especial à participa- alógica, interativa e interdiscipli- que não existem sociedades ou
ção na escola comum da sua co- nar que estimule as potencialida- "mundos" específicos para deter-
munidade e a promoção das su- des dos alunos. minadas pessoas.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 4-7, jul/dez. 2010 7


8 DESTAQUE INTERNACIONAL

NOVAS PERSPECTIVAS DA INCLUSÃO


SOCIAL DA PESSOA SURDA DESDE OS
PRIMEIROS ANOS DE VIDA
Núria Silvestre1

Resumo
Este artigo apresenta as novas perspectivas que possuem o individuo surdo. O artigo aprofunda as condições educacio-
atualmente os indivíduos surdos quanto à sua inclusão social nais que devem acompanhar os progressos mencionados
e à aquisição da linguagem falada e escrita, devido aos avan- desmembrando o incentivo do desenvolvimento fonológico,
ços tecnológicos nas próteses auditivas, à detecção e diag- pragmático, morfossintático e semântico, apontando os pos-
nóstico em tempo e ao progresso do sistema educacional na síveis obstáculos que o indivíduo surdo ou os interlocutores
escola inclusiva. São expostos os dados de um estudo recen- ouvintes podem apresentar e propondo as estratégias ade-
te realizado pela autora na Espanha, numa população de 54 quadas. A seguir, são apresentadas algumas das adaptações
participantes surdos, de idades entre 1 e 7 anos, educados na que devem ser feitas pelos meios educacionais, família e es-
modalidade oral, que se beneficiaram das condições otimiza- cola, para a inclusão do indivíduo surdo e os suportes neces-
doras citadas e que demonstram os progressos no aumento sários para isso. Por último, são expostas as perspectivas de
da audição e nas aquisições na linguagem falada. O estudo linhas de pesquisa e de aperfeiçoamento das práticas atuais
citado demonstra também um progresso a respeito do repor- de atenção ao indivíduo surdo.
tado em estudos anteriores na qualidade da comunicação
com relação à sensibilidade conversacional e incentivo à lin- Palavras-chave: Educação Infantil; Crianças surdas;
guagem falada das mães ouvintes em situações lúdicas com Interações familiares; Inclusão escolar.

Abstract
This article presents new perspectives that are currently deaf in- article investigates the educational conditions that must accom-
dividuals and their social inclusion and the acquisition of spoken pany the progress mentioned breaking up the encouragement of
and written language, due to technological advances in hearing phonological development, pragmatic, morphosyntactic and se-
aids, the detection and diagnosis in time and progress of educa- mantic pointing out the possible obstacles that the deaf individual
tion in the inclusive school. They show the data from a recent listeners or interlocutors may have and propose appropriate stra-
study by the author in Spain in a population of 54 deaf partici- tegies. A Following are some of the adjustments to be made by
pants between the ages of 1 and 7 years, educated in the oral, means of education, family and school, to include the deaf indi-
which benefited from the conditions mentioned Optimizing de- vidual and the necessary support for it. Finally, presents the pers-
monstrating progress in increasing hearing and acquisitions spo- pectives of lines of research and improvement of current practi-
ken language. That study also shows a progress regarding the ces of attention to the deaf individual.
reported in previous studies on the quality of communication with
the sensitivity and encouraging conversational spoken language Key Words: Early education; Deaf chidren; Mother interac-
of hearing mothers in a play situation with the deaf individual. The tions; School inclusion.

1
Professora de Psicologia Evolutiva e da Educação. Diretora do Centro Específico de Investigación GISTAL (Centro Específico de Pesquisas GISTAL) Grupo de Investigação sobre Surdez
e Transtornos da Aquisição da Linguagem. Campus Universitário, Prédio B, Universidade Autônoma de Barcelona 08193 Bellaterra (Barcelona) Espanha. E-mail: nuria.silvestre@uab.cat.

8 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010


Introdução
Este artigo tem como ponto inicial a ção, tipo de emissão oral, e compreen- surda cresce, especialmente no contex-
constatação das dificuldades que en- são, distância, posição e superposição to da família e dos centros educacionais.
frenta grande parte da população sur- entre falantes, costumam ser desco- A implementação de novas tecno-
da na vida social no mundo dos ouvin- nhecidas ou inclusive interpretadas de logias e dos enfoques educacionais
tes e defende a necessidade de come- forma negativa pelo entorno ouvinte. inclusivos oferece a possibilidade, pa-
çar as ações preventivas contra essas Se bem é verdade que devem ra grande parte dos indivíduos sur-
dificuldades já na infância. ser implementadas ações para elimi- dos, de poderem ter acesso à lingua-
Primeiramente, devemos ressaltar nar as barreiras comunicativas que gem falada e escrita, se for garantida
que a população surda não é homogê- dominam a sociedade, orientadas a aquisição da linguagem falada des-
nea, mas apresenta uma grande diver- ao conhecimento objetivo das con- de os primeiros anos de vida, sem im-
sidade dependendo de diferentes vari- seqüências da surdez, à legenda- portar a opção cultural à que as famí-
áveis, entre as quais podemos citar a gem e à interpretação em língua de lias deles pertençam (língua falada ou
origem familiar, família de surdos ou sinais nos espaços públicos, etc., língua de sinais). Isso representa a eli-
ouvintes, e o sentimento de per- também é fato que não devemos es- minação, no futuro, de uma parte
tencimento a uma comunidade surda quecer que essas ações se reprodu- considerável das dificuldades comu-
unida pelo uso da língua de sinais ou zem de algum jeito nos meios fami- nicativas dos surdos no decorrer da
pela opção do uso da linguagem fala- liares e educacionais. Por essa ra- vida deles (SILVESTRE, 2007).
da. zão, as duas línguas são pilares fun- Ao longo do texto são definidas as
A proporção entre os dois grupos damentais nos quais devemos bus- necessidades educacionais da criança
difere entre os vários países, pois ainda car apoio para a verdadeira inclusão surda nos primeiros anos de vida, na
que a proporção de pessoas surdas social da criança surda. etapa da creche e do jardim de infância
nascidas de pais ou mães surdos seja Por último, lembremos que uma (0-6 anos), especialmente a respeito da
minoria, sem chegar a 10% da popula- boa inserção laboral é fundamental pa- aquisição da linguagem oral; também
ção surda, a escolha da língua de si- ra a integração social. Não há dúvidas são sintetizadas algumas das boas prá-
nais ou da linguagem falada depende, de que a formação é uma condição ne- ticas educativas que respondem a es-
da mesma forma, das ofertas educa- cessária, ainda que nem sempre seja sas necessidades.
cionais em cada país. suficiente, para obter uma boa inserção
Na Espanha, por exemplo, país em laboral. Nesse sentido, o domínio da Desenvolvimento
que a inclusão escolar começou no iní- língua falada, que constitui a principal
cio dos anos 80 e que tem maioria da via de acesso à formação acadêmica, é A surdez de nascença afeta especi-
inclusão na modalidade oral, muitos uma necessidade vital. ficamente os processos de aquisição
dos jovens surdos com 25 anos ou me- Na época da internet e das variadas da linguagem nas diferentes dimen-
nos adquiriram a linguagem falada. interfaces de comunicação, o domínio sões dela, ainda que, de forma secun-
Nos dois casos, as pessoas que da língua escrita não só é imprescindí- dária, o atraso na aquisição da lingua-
adquiriram a linguagem falada, bem vel para o acesso à cultura, mas tam- gem oral possa refletir-se em outras di-
como as que utilizam principalmente a bém para o relacionamento interpesso- mensões do desenvolvimento, especi-
língua de sinais, têm dificuldades de al e social. almente na aprendizagem.
comunicação em nível social por cau- O ponto inicial desse artigo é O grau de afeição dos processos
sa da falta de conhecimento e a estig- constituído pelas grandes mudanças de aquisição da linguagem depende
matização social da peculiaridade co- no desenvolvimento psicológico e lin- de numerosas variáveis, principalmen-
municativa que eles têm. Em parte, a güístico da pessoa surda propiciada te da gravidade da perda da audição,
língua de sinais, desconhecida por pelos avanços tecnológicos e pela ajudas tecnológicas e o estímulo da lin-
muitos ouvintes, pode ser equivoca- educação precoce, especialmente guagem oral que o indivíduo recebe na
mente tratada como língua de segun- nas aquisições da língua falada, con- atenção especializada e nos diferentes
da ordem que não possibilita a veicu- dição necessária para a apropriação meios educacionais.
lação de todos os conceitos e matizes da língua escrita.
das línguas orais. Trata-se de um processo, no qual as 1.Perda de audição e
Por outro lado, no caso das pesso- mudanças tecnológicas estão interliga- ajudas tecnológicas
as surdas que utilizam a linguagem fala- das com as mudanças dos diferentes
da, as condições específicas de produ- ambientes sociais nos quais a criança Os avanços tecnológicos, em es-

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pecial o implante coclear, revoluciona- Gráfico 1 - Perda da Audição sem Prótese e com Prótese
ram os índices significativos a respeito (SILVESTRE &FIAPAS 2008).
da audição dos indivíduos que têm
surdez. De fato, antes da aplicação
dos implantes nos indivíduos surdos,
as possibilidades de aproveitamento
do restante da audição com um apare-
lho auditivo, acompanhado de uma
educação auditiva apropriada, substi-
tuíam a perda da audição. São diferen-
ciados quatro tipos de perda da audi-
ção: Ligeira (20-40db), Média (41-
70db), Severa (71-90 dB) e Profunda
(mais de 90 dB).
Os aparelhos auditivos digitais fo- Gráfico 2 - Nível da linguagem falada espontânea
ram extremamente aperfeiçoados e (SILVESTRE & FIAPAS 2008).
possibilitam, colocados de forma ade-
quada e em tempo, um bom ganho
de audição para os indivíduos afeta-
dos nos três primeiros graus de perda
de audição citados. Em grande parte
dos casos afetados por surdez profun-
da, ao invés disso, são indicados os
implantes cocleares nos primeiros
anos de vida. A correta adequação
dos implantes, bem como a escolha
pela prótese em tempo, possibilita a
percepção de todas as freqüências se
acompanhada por uma terapia de fala 2. O incentivo ao desenvolvi- primeiros meses de vida e os que re-
apropriada (GEERS 2004). ceberam atendimento tardio. Alguns
mento da linguagem falada
Dessa forma, por exemplo, num dos resultados demonstram, por
estudo recente (SILVESTRE & FIA-
nos primeiros anos de vida exemplo, que o primeiro grupo tem
PAS 2008) em que selecionamos 80% de probabilidade de desenvol-
uma amostra de 54 participantes, Como sabemos, o atendimento ver quociente lingüístico de 80 ou su-
com idade entre 1 a 7 anos, benefici- precoce é uma das condições otimiza- perior durante os primeiros 5 anos de
ada pelas condições vigentes no doras do desenvolvimento da língua fa- vida (YOHINAGA-ITANO 2003).
nosso país (1), de atendimento pre- lada do indivíduo, pois incide, principal- Também na Espanha, no nosso pa-
coce e aplicação das próteses auditi- mente, no período de maior maleabili- ís, no estudo citado, (SILVESTRE & FIA-
vas tecnologicamente avançadas, dade do sistema nervoso central. PAS Op.Cit.) são observados os resulta-
aparelhos auditivos digitais e implan- As conseqüências de um bom dos positivos do atendimento precoce.
tes cocleares segundo os graus de atendimento precoce foram demons- Foi selecionada a faixa etária cujos par-
perda, descobrimos que o grau de tradas em várias pesquisas. São ex- ticipantes foram beneficiados pela ins-
surdez profunda "tinha a existência pressivos nesse sentido os vários es- tauração da triagem neonatal universal
eliminada" (Ver gráfico nº 1). tudos realizados na universidade do desde os primeiros dias de vida (2), do
Evidentemente, isso não quer dizer Colorado, em que são ressaltadas as atendimento precoce e da aplicação
que os participantes deixaram de so- diferenças nas aquisições lingüísti- protética apropriada em cada caso (im-
frer surdez profunda, mas o fato impor- cas entre os bebês surdos de nas- plantes cocleares ou aparelhos auditi-
tante é que a aplicação da prótese, li- cença que foram atendidos, recebe- vos digitais).
gada a uma atenção educacional ram um programa de orientação e As condições de atendimento pre-
apropriada, permite a eles o acesso à aconselhamento familiar e tiveram coce não foram tão benéficas como as
língua falada por meio da audição. aplicação de prótese durante os seis dos estudos citados da Universidade

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do Colorado, dado que dos 54 partici- dez tem também impacto no entorno escutar a si mesmo e tentar imitar o que
pantes (37 deles com surdez profunda ouvinte. De fato, o impacto emocional ouve do entorno predileto (vozes huma-
- ver gráfico nº 1), somente 5 foram nos familiares mais próximos, assim nas, em especial a voz da mãe).
atendidos na idade ideal, antes dos 6 como as idéias sociais preconcebidas No caso da falta de aplicação da
meses de vida. A maior parte deles foi sobre os efeitos da surdez, no meio fa- prótese, os sons que a criança capta
atendida entre os 7 meses e os 3 anos miliar de ouvintes e nos meios educa- das emissões próprias e das do entorno
(12 foram atendidos entre 7 e 12 mes- cionais, pode provocar, inconsciente- são anômalos, e, portanto, as emissões
es de vida, 16 entre 13 e 23 meses, 15 mente, adaptações inapropriadas. Sa- dela também são. Para o entorno, essas
entre os 2 e 3 anos) e 5 foram atendi- bemos, por exemplo, que corrigir uma emissões são menos reconhecíveis por
dos depois dos 3 anos. (temos dados emissão defeituosa do indivíduo quan- não ser tão familiares quanto a língua
precisos a respeito de 53 indivíduos). do está falando não é uma adaptação materna, e por isso podem não ser tra-
Apesar disso, os níveis de utilização adequada para melhorar a linguagem tadas como tal. Desse jeito, enquanto as
espontânea da língua falada atingidos dele. É preferível, como veremos mais vocalizações do bebê ouvinte, como o
pelos participantes do estudo citado fo- à frente, utilizar outras estratégias que "ajo", no espanhol, ou os balbucios "ma,
ram muito esperançosos. No gráfico nº não interrompam o discurso do sujeito. ma" como a palavra "mamãe", são feste-
2, que demonstra o nível de linguagem Por isso, são apresentadas as difi- jadas e imitadas pela mãe, as emissões
espontânea dos participantes, obser- culdades que enfrenta um indivíduo que não têm similaridade com os fone-
vamos que, de 54, 50 integraram a lin- surdo no processo de aquisição da lin- mas da língua podem acarretar em dife-
guagem oral utilizando pequenas pala- guagem falada nas diferentes dimen- rentes reações da mãe.
vras isoladas ou enunciados de duas sões, bem como a exposição das con- Em vez disso, sabemos que uma
palavras, 41 integraram as estruturas dutas mais freqüentes dos interlocuto- base fundamental das aquisições
sintáticas elementares e 20 deles man- res e as que seriam ideais. pré-lingüísticas é a imitação que a cri-
têm espontaneamente uma conversa- ança faz dos sons que escuta e troca
ção fluida (Vide gráfico 2). a) Desenvolvimento Fonológico com o entorno. Por isso, temos dois
Os participantes foram divididos em A adaptação precoce da prótese de critérios fundamentais de "boas práti-
quatro faixas etárias entre 1 e 7 anos, audição e a qualidade das interações cas" nesta primeira etapa: a aplicação
com a distribuição como segue: 9 entre sociais constituem os pilares funda- precoce da prótese e o estímulo de
13 e 36 meses, 15 entre 37 e 59 meses, mentais para o desenvolvimento fono- troca de sons por meio da imitação.
18 entre 60 e 83 meses e 12 entre 84 e lógico durante os primeiros anos de vi- Para a adaptação médica, tenta-se
96 meses, tendo progressos lingüísti- da. Vinter (1994) estudou impecavel- seguir o protocolo consensual da cole-
cos condizentes com a idade deles. mente o primeiro desenvolvimento fo- tividade de profissionais, que demanda
A aplicação apropriada e em tem- nológico da criança surda comparado a adequação do aparelho auditivo o
po das próteses de audição é a condi- ao da criança ouvinte, e descreveu as mais rápido possível e o começo ime-
ção necessária para um bom desen- diferenças entre os dois, no caso da fal- diato da terapia da fala. Depois de um
volvimento da linguagem falada, mas ta de aplicação da prótese em tempo e período de tempo, mais ou menos em
não é suficiente. Não é somente im- das condições ideais de interação soci- seis meses, é realizada uma avaliação
prescindível, além disso, a utilização al (Quadro nº 1). A análise do desen- para medir o aproveitamento do apare-
de uma boa terapia da fala, mas tam- volvimento fonológico possibilitou que lho auditivo pela criança. Se o ganho
bém a adequação dos meios educa- definisse os índices prognosticadores for pouco ou inexistente, é programado
cionais às necessidades de comuni- de um bom desenvolvimento fonológi- o implante coclear.
cação da criança surda. Nesse estu- co e do grau de compreensão da fala. A criança deve imitar para progre-
do, as famílias dos participantes fazi- Dessa forma, o acesso à etapa apro- dir nas exercitações lingüísticas, mas
am parte do movimento associativo priada para o balbucio canônico cons- para que isso aconteça ela deve ser,
da confederação das famílias com in- titui um bom prognóstico da inteligibili- da mesma forma, imitada. A imitação
divíduos surdos, FIAPAS, que constitui dade posterior da fala. possibilitará o começo dos balbucios
um suporte importante, como será de- Como demonstrado no quadro nº canônicos, e, resultando nas trocas
monstrado depois. 1, as emissões da criança surda podem com outros, e confere significado aos
Ainda assim, nem sempre essa ser diferentes das feitas pelo ouvinte balbucios, até atingir a palavra signifi-
adaptação por parte das famílias e dos quando para a criança a emissão oral cativa.
centros escolares acontece de forma não significa uma exercitação do reflexo O incentivo da audição, em especi-
espontânea e apropriada, pois a sur- de fonação, mas intervém no prazer de al a respeito das emissões orais, facili-

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010 11


tado pela aplicação apropriada da pró- Quadro nº 1 O desenvolvimento fonológico da criança surda
tese e pelas trocas orais com o entor- no primeiro ano de vida
no, permite que o bebê surdo reduza
(ou elimine completamente, segundo o Características da etapa Possíveis comportamentos
caso) as diferenças com o processo Comportamentos do bebê do bebê surdo comparados
seguido pelo indivíduo ouvinte no de- ouvinte aos do bebê ouvinte
senvolvimento fonológico descritas no
quadro 1. Etapa 1 Fonação. (0-2 m)

Vocalizações refletidas ou quase Não são observadas diferenças na


b) A aprendizagem do uso refletidas quantidade de vocalizações
da linguagem
Concomitantemente com o primei-
ro desenvolvimento fonológico descrito Etapa 2 Articulação primitiva (1-4 m)
e antes de aprender propriamente a lin- Exercício de sons similares à fala e Pode restringir a emissão de
guagem falada, a criança aprende as diminuição dos sons que não tem qualquer tipo de sons.
primeiras normas do uso da lingua- similaridade com a fala. Grande quantidade de esquemas
gem. Dessa forma, as limitações mú- Produção de todos os esquemas melódicos planos.
melódicos. Ausência de curvas melódicas
tuas de sons não só servem para ir es-
colhendo os fonemas da língua mater- Produções de longa duração ascendentes
na e garantir uma emissão vocal com- Ausência de curvas circunflexas
preensível e de qualidade, mas tam- Produções de curta duração
bém para aprender as primeiras regras
do diálogo. Etapa 3 Exploração e expansão (3-8 m)
De fato, com a ajuda do adulto, Atividades lúdicas com a voz Limitação do campo tonal, mais
desde o nascimento, a criança vai exer- Ampliação do campo de freqüentemente nas freqüências
citando a competência comunicativa freqüência: Produção de sons graves.
na qual aparecem progressivamente muito graves e muito agudos
as aquisições pré-lingüísticas e lingüís- Proto-sílabas
ticas dele.
Nos primeiros meses de vida, o Etapa 4 Balbucios canônicos (5-10 m)
adulto vai se adequando aos compor- Produção de sílabas canônicas Importante atraso de acesso aos
tamentos do bebê, possibilitando as formadas por pelo menos um som balbucios canônicos: Entre os 11 e
primeiras interações, de "toma lá e da vocálico e um consonântico da 25 meses.
língua nativa. Diferenças quantitativas e
cá" em alternância de ações, em que o
qualitativas a respeito do repertório
adulto segue o turno dele antes da de aquisição de fonemas.
ação do bebê e espera que ele atue,
interprete e de intencionalidade às
ações da criança: diferencia, por Etapa 5 Estruturação lingüística do balbucio canônico (14m aprox.)
exemplo, vários tipos de choro, conce- A estruturação temporária do Nem sempre acontece no bebê
dendo-lhes a cada um deles um signi- balbucio, como, por exemplo, o surdo, ainda que tenha atingido o
ficado, entre outros. prolongamento da sílaba final no nível de balbucio canônico. O
francês, como precursora da estabelecimento ou não dele
No geral, esses inícios de comuni- organização sintática. parece estar ligado às trocas com
cação acontecem entre um adulto ou- os adultos.
vinte e uma criança surda, de modo se-
melhante a como acontece com crian-
ças ouvintes, dada que a conduta ver- ros aprendizados sobre as trocas soci- diálogo entre dois sujeitos, no qual um
bal do bebê surdo tem poucas diferen- ais incentivam à criança, entre o tercei- interlocutor balbucia ou sorri e o outro
ças com relação à do ouvinte e, em vá- ro e quarto mês de vida, a começar a di- reage, imitando ou mudando a ativida-
rios casos, nem a família tem conheci- ferenciar os seres humanos dos objetos de, mas uma comunicação que vai sen-
mento, ainda, da surdez da criança. e a ampliar as atividades sociais para o do estabelecida sobre os objetos ou
De qualquer maneira, esses primei- mundo dos objetos. Não é somente um pessoas do entorno. É estabelecido um

12 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010


triângulo na comunicação entre o adul- aplicação adequada de prótese e o trei- a sensibilidade materna a respeito do
to, a criança e os objetos de referência namento necessário minimizam grada- seguimento das motivações da crian-
acerca dos quais se "fala", comenta ou tivamente o fenômeno anterior. ça. São elas:
atua conjuntamente. Por outro lado, também para o adul- l Seguimento:
Bruner (1984) estudou as regras to ouvinte, o conhecimento da surdez da A intervenção da mãe segue a iniciativa
dessas atividades do adulto e da cri- criança pode afetar o seu relacionamen- da criança, respondendo ao que ela faz
ança sobre os objetos com a defini- to com ela, apresentando dificuldades ou adicionando elementos com base
ção de "formatos". Formatos de ação na interpretação de sinais comunicati- nas propostas da criança.
em conjunto, como demolir e cons- vos, ou numa tendência maior de contro- Exemplo:
truir, colocar e tirar; formatos de aten- le das interações ou falta de potenciação Criança: "Eu que fiz!"
ção conjunta, como a "leitura de li- da livre expressão do indivíduo. Mãe: "Você que fez? Por isso eu gosto
vros"; e formatos "mistos", como o jo- A revisão de estudos sobre a intera- mais, porque estão quentinhas".
go do esconde-esconde. Ainda que a ção mãe ouvinte/criança surda de- l Propostas de Ação Livre:
presença dos formatos mais simples monstra que as mães ouvintes, quan- A mãe propõe diferentes atividades à
possa ser observada a partir do ter- do se comunicam com seu filho/a sur- criança, dando sempre liberdade de
ceiro ou quarto mês de vida, a conso- do/a nos primeiros anos de vida dele/a, ação, sem impor as atividades.
lidação dessa presença tem lugar de- podem apresentar condutas que nem Exemplo:
pois do segundo ano de vida. sempre favorecem o pleno desenvolvi- Mãe: "De que brincamos agora?"
Bruner (idem) define os formatos mento comunicativo e lingüístico de- l Proposta de Ação Monitorada Lúdi-
desta forma: "Para que a criança rece- le/a. Alguns estudos demonstram que ca:
ba as chaves da linguagem falada de- as mães controlam em excesso a con- A mãe propõe atividades à criança,
ve participar primeiro num tipo de rela- duta do bebê, ou não utilizam suficien- mas pauta a ação dela dentro da brin-
ções sociais - os formatos - que ajam tes feedbacks lingüísticos, como imita- cadeira, mantendo o foco do jogo.
de modo consoante com os usos da ções, restringindo, dessa forma, os Exemplo:
linguagem no discurso com relação a conteúdos das comunicações a refe- Mãe: "Brinquemos aqui com essa ca-
uma intenção compartilhada, a uma renciais presentes (LEDERBERG & deira, coloca os garfos em cima da me-
especificação idêntica e ao estabeleci- PREZBINDOWSKI, 2000). sa, cortamos o bolo do aniversário?".
mento de um pressuposto" (BRUNER, Falou-se um pouco negativamente, l Proposta de Ação Monitorada "Di-
1984, p. 179). inclusive, da tendência de grande parte dática":
Nessas atividades de comunicação das mães ouvintes na utilização de um A mãe propõe atividades à criança
sobre terceiros as características da cri- estilo "didático", no sentido de tentar pautando a ação dentro do jogo e tem
ança surda e as dos adultos ouvintes ensinar a linguagem a partir dos inte- uma atitude de ensinar ou introduzir
apresentam uma especificidade, tanto resses ou das atividades espontâneas conceitos de "aprendizado".
por parte da criança surda a respeito que a criança está desenvolvendo, re- Exemplo:
da capacidade de atenção comparti- sultando em algo contrário ao que se Mãe: "Esta cadeira é de que cor? De
lhada, como para o adulto ouvinte a pretende obter. que tamanho é esse boneco? Grande,
respeito das ações que realiza para se Ainda assim, no estudo citado ante- médio ou pequeno?"
adaptar a essa capacidade. riormente (SILVESTRE & FIAPAS Op. l Interferências:
As dificuldades da criança podem Cit.), foram analisadas as condutas co- Quando a mãe interfere injustificada-
ser resultado da atenção dividida no municativas das mães numa situação mente na atividade da criança. Cada
tempo, no caso de haver um atraso na de brincadeira livre com as crianças vez que a mãe não se adéqua aos si-
aplicação da prótese e no conseqüente surdas delas, e foi constatado que es- nais ou atividades que a criança em-
aumento da audição da criança. O fe- sa panorâmica estava mudando no preende, e muda ou corta o foco de
nômeno da atenção dividida no tempo nosso país e que o perfil das mães es- atenção da criança ou atividade, muda
acontece quando a criança surda não tudadas estava mais próximo das mã- o tema e ignora o que a criança fala ou
consegue dar significado aos estímulos es atuando com crianças ouvintes. faz, sem justificar a realização de uma
sonoros e, portanto, não pode integrar São expostas a seguir as categori- atividade interruptora pela criança.
os estímulos visuais e auditivos simultâ- as que foram utilizadas, organizadas Exemplo: o menino está brincando
neos quando eles não acontecem no em qual seu efeito, do mais ao menos com os bonecos e diz "Atacar, mari-
mesmo campo visual. Indubitavelmen- facilitador, da atividade espontânea da nheiros!" Mãe: "Vamos arrumar um
te, o aumento de audição por meio da criança, que pode ser útil para valorizar pouco tudo isso."

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010 13


Gráfico 3- A sensibilidade conversacional materna (SILVESTRE & FIAPAS 2008). FAMILIAS DE PERSONAS SORDAS,
2008), foi valorizado o incentivo ao de-
69 senvolvimento lingüístico em dois pon-
tos de vista: o dos estímulos à produ-
ção verbal e o das correções e os feed-
50
backs que o adulto realiza diante das
produções das crianças.
Junto com o incentivo para que a
criança tenha interesse em perceber e
compreender a formação que recebe
auditivamente, também é importante
4
1 1 potenciar a expressão e fala da criança.
Existem condutas do adulto que não
Prosseguimento Propostas de Propostas de Propostas de interferências
exigem produção verbal por parte da
ação livre ação ação
monitorada monitorada criança, como, por exemplo, perguntas
lúdica didática fechadas que podem ser respondidas
com sim, não ou inclusive gesticula-
Ao contrário do demonstrado por compartilhando as atividades sem im- ções, ou palavra incluída na pergunta
grande parte dos estudos anteriores, posições e ajudando a escutar e com- ou as demandas de ação, que não exi-
no nosso trabalho os resultados refleti- preender as atividades dos interlocuto- gem nenhuma conduta verbal; da mes-
ram que as mães estudadas tiveram res. Para isso, as próteses auditivas ma forma, existem condutas que per-
comportamentos que favoreciam a são uma grande ajuda, ainda que de- mitem que a criança se expresse am-
participação e iniciativa da criança. Co- vam ser acompanhadas da aplicação plamente, como as perguntas abertas
mo mostra o gráfico nº 3, a maioria dos de um programa de educação auditiva. ou outras que, sem ter nenhum conte-
comportamentos é de prosseguimento Em resumo, deve propiciar-se a údo lingüístico, animam a criança a
ou proposta de ação monitorada sen- aprendizagem da audição para a continuar falando, fazer exclamações,
do menor a quantidade de comporta- aquisição da língua falada, aplicando repetir o que disse, etc. No estudo, es-
mentos controladores de conversação, os critérios básicos dos métodos que sas condutas foram denominadas co-
de interferências ou de propostas de primam a educação auditiva (FUR- mo reforço conversacional.
ação autorizada didática. MANSKI, 2003) e "a normatização" Quando a criança realiza uma pro-
A explicação dessa mudança ob- dos processos de aquisição da língua dução incorreta, as condutas de corre-
servada na sensibilidade conversacio- em contextos naturais. ção imediata interrompem o discurso
nal materna pode ser encontrada em dela e não permitem um bom ajuste
duas variáveis. A primeira, os avanços c) Aquisições morfossintáticas das estruturas lingüísticas. Em vez dis-
na aquisição da linguagem falada das É verdade que, na medida em que so, são boas estratégias para a corre-
crianças surdas devido a pertencer a a criança aprende a escutar a língua fa- ção o que chamamos de expansões,
gerações que foram beneficiadas pe- lada, os procedimentos para a aquisi- que consistem em esperar o final do
los avanços tecnológicos e pelo atendi- ção desta aproximam-se mais dos de- discurso da criança e a retomada dele,
mento precoce. A segunda, o fato de sempenhados pelos ouvintes, priori- adicionando os elementos lingüísticos
se tratar de famílias associadas à Con- zando os processos imitativos em con- que faltarem e dando a ele a forma lin-
federação Espanhola de Famílias de textos naturais sobre a aprendizagem güística correta ou as expansões que,
Pessoas Surdas (FIAPAS) que rece- formal das estruturas lingüísticas, ainda além disso, adicionam elementos no-
bem, por isso, orientação e apoio. que em etapas posteriores as duas vi- vos quanto ao conteúdo.
Infelizmente, nem todas as famílias as possam ser complementadas. As boas práticas para o desenvol-
com crianças surdas estão nessas Por isso, é dada especial importân- vimento morfossintático consistem
condições privilegiadas. Por isso, de- cia às adaptações realizadas pelos am- na combinação dos dois grupos de
vem ser incorporadas estratégias no bientes na comunicação com a criança estratégias citados, tanto para esti-
programa que estimulem a fluidez co- surda para facilitar a aquisição das es- mular a produção oral, quanto para
municativa com a criança durante os truturas morfossintáticas. No estudo oferecer um feedback natural das
primeiros anos de vida, interpretando anteriormente citado (SILVESTRE & produções incorretas que permitam a
as intenções comunicativas delas, CONFEDERACIÓN ESPAÑOLA DE aquisição das estruturas lingüísticas

14 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010


por ajuste e imitação. tenção do referente como os prono- Cabe perguntar-se, em primeiro lu-
d) Semântica mes, as mudanças dos tempos ver- gar, quais as razões que fazem persis-
No geral, os estudos sobre o de- bais segundo a parte da narrativa, etc. tir os comportamentos descritos há al-
senvolvimento semântico da criança Os dois blocos de aquisições de- guns anos, e em segundo lugar, quais
surda centram-se nas aquisições lexi- vem ser considerados no momento as condições consideradas otimizado-
cais. Essas aquisições têm origem nos de narrar um conto. Alguns estudos ras para o progresso.
balbucios canônicos aos que se con- demonstram que as mães ouvintes São múltiplos os fatores intervento-
fere significado nas diferentes intera- utilizam poucos termos mentalistas res na qualidade da comunicação fami-
ções comunicativas, nas designações, na narração de contos. Isso não só liar com a criança surda e as interações
e gradativamente na interiorização do empobrece o conteúdo do conto, produzidas entre eles. Remetemos o
significado em ausência do referente. como não ajuda a desenvolver a leitor à revisão de Jackson & Turnbull
Nessas primeiras aquisições, os bal- compreensão dos estados mentais (2004) dos estudos, relacionando al-
bucios canônicos não só dão forma à na criança surda. guns dos fatores mais importantes.
palavra significativa, mas a acompa- Por outro lado, o uso dos elemen- As diferentes variáveis podem ser
nham junto com a entonação para or- tos para manter o referente (como os agrupadas nos domínios a seguir:
ganizar "a frase" ou os primeiros enun- pronomes) na narração nem sempre é
ciados de duas palavras. Daí a impor- aprendido espontaneamente pela cri- a) A interação familiar: A comunica-
tância do primeiro desenvolvimento fo- ança surda, devendo ser enfatizado ção entre os membros, capacidade de
nológico comentado anteriormente. nas aprendizagens intencionais. resolver conjuntamente os problemas,
Atualmente, o desenvolvimento Por último, se, como foi demonstra- qualidade da comunicação com a cri-
da competência auditiva nas crianças do, o domínio da língua falada possibi- ança surda, etc.
surdas permite situar as aquisições lita um acesso mais competente à lín- b) Os recursos e apoio às famílias:
semânticas também no contexto do gua escrita que a língua de sinais, mais Participação em programas específi-
discurso. Isso é de vital importância especialmente no domínio do discurso cos de orientação e conselho para fa-
não somente por ampliar e aprofun- oral narrativo, pelo seu caráter descon- mílias de crianças surdas, apoio para
dar o conteúdo da língua, mas por textualizado, constitui um bom precur- famílias grandes e amizades, participa-
permitir a introdução de aquisições sor para a apropriação do texto escrito ção em outras redes de apoio, etc.
lingüísticas de certo grau de comple- (SILVESTRE & RAMSPOTT, 2004; SIL- c) A educação familiar das crianças:
xidade como os conectores, o uso de VESTRE, 2007) Ideologias sobre o desenvolvimento
pronomes, etc. no contexto do discur- humano e a função da educação nele,
so. Tenhamos como exemplo muito 3. A educação familiar informação e crenças sobre os efeitos
claro disso os contos nos primeiros da surdez no desenvolvimento da cri-
anos de vida da criança. O atendimento precoce e a neces- ança, etc.
A compreensão e a explicação de sidade de que a criança surda adqui- d) O apoio direto às crianças: Atendi-
narrativas exigem relacionar aconteci- ra a língua falada por procedimentos mento em tempo, programa específico
mentos diferentes desde a perspectiva cada vez mais próximos dos realiza- de linguagem, adaptação de prótese,
de relacionamentos físicos de causa e dos pelo ouvinte e nos meios naturais inclusão escolar, inclusão social, etc.
efeito, mas, principalmente, relações coloca ainda mais, se cabe, a função
mentais como as intenções das perso- da família como agente privilegiado As famílias participantes do estudo
nagens, os objetivos e vivências delas. em primeiro plano, com o objetivo de citado na Espanha apresentavam, no
Isso não requer somente de aces- proporcionar à criança surda os estí- geral, comportamentos positivos na
so ao léxico, às vezes pouco comum mulos para um ótimo desenvolvimen- comunicação com a criança, ainda que
para a criança surda, que representa to psíquico e lingüístico. não fossem explorados muitos dos fa-
estados mentais, dado que não é visu- Alguns dados apresentados de- tores relevantes, como os referentes às
almente representável como "ter a in- monstram que as famílias tendem ter ideologias sobre o desenvolvimento da
tenção de", "querer", "pensar", "sentir", comportamentos mais adequados criança surda. Mesmo assim, todas es-
etc., mas também estabelecer as rela- do que os demonstrados pelos estu- sas famílias beneficiam-se de duas
ções entre as seqüencias e interpretar dos anos atrás. Mesmo assim, os re- condições otimizadoras, uma referente
a representação lingüística delas, co- sultados não são completamente ao apoio familiar, pertencer ao movi-
mo os elementos conectores, "subita- ideais nem generalizáveis para todas mento associativo da FIAPAS, e outras
mente", ou os que garantem a manu- as famílias. referentes à atenção direta da criança,

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010 15


atendimento precoce, adaptação de assumiam de forma independente as O fato de possibilitar o relaciona-
prótese adequada escolarização inclu- próprias decisões até as que adotavam mento com os companheiros de ida-
siva na modalidade oral. uma atitude de delegar as responsabi- de, situar as crianças em pequenos
Os fatores negativos em qualquer lidades delas aos especialistas. grupos e em posição favorável para
um dos domínios podem estar na base O estudo não oferece conclusões se comunicar, atuar de intermediador
de uma comunicação pouco estimu- a respeito do benefício de um ou ou- entre a criança surda e a ouvinte
lante para a criança surda. Atualmente tro posicionamento das famílias, mas quando não houver interações, deixar
existe um consenso sobre a centraliza- tem o principal aporte de apresentar que as crianças resolvam entre elas
ção na família dos programas de aten- a necessidade de partir das carên- os próprios conflitos sem intervir até
dimento precoce (BROWN & NOTT0, cias das próprias famílias para acom- que não seja totalmente necessário.
2006), mas qualquer um deles deve panhá-las no processo de melhorar a Todos esses comportamentos sur-
sempre partir do conhecimento dessas educação familiar. gem por parte do educador ou educa-
variáveis de cada meio familiar. dora, de forma espontânea, quando
Se bem é verdade que há muitos 4. As primeiras etapas existe o convencimento da necessida-
programas de atenção às famílias de de escolarização de das interações entre pares.
crianças surdas, também é verdade A equipe de Antia, estudiosa da in-
que nenhum deles é exportável e apli- A importância da realização das clusão escolar de alunos surdos, reali-
cável a outros contextos socioculturais primeiras aquisições lingüísticas nos zou algumas pesquisas nos anos 90,
que não para os que ele foi criado. meios naturais conduz também a se no Arizona, com base em propor situa-
A adaptação ou elaboração de propor a inclusão das crianças sur- ções preparadas para estimular o co-
apoio deve partir, então, do conheci- das nos meios educacionais de ou- nhecimento e a comunicação entre cri-
mento das necessidades que as fa- vintes muito cedo. anças surdas e ouvintes na etapa da
mílias apresentam e das expectativas A socialização na escola infantil po- creche (ANTIA & KREIMEYER 1996).
existentes a respeito dos programas. de aportar grandes benefícios à criança Os progressos na audição e o de-
Sugestivo, nesse sentido, é o estudo surda para seu desenvolvimento psíqui- senvolvimento da linguagem na crian-
realizado por Dromi & Ingber (1999) co e lingüístico. Na convivência com os ça surda indicam que, hoje em dia, o
sobre as expectativas das famílias a companheiros de idade a criança sur- que interessa é que o educador ou
respeito do programa deles em Isra- da, pode realizar aprendizagens menos educadora conheça o valor desses in-
el. Surgiram elementos importantes, favorecidos no lar, como compartilhar a tercâmbios e aproveite as situações es-
como o peso que tem para as famí- atenção do adulto e se relacionar com pontâneas da vida escolar para que
lias a compreensão dos especialistas indivíduos da idade dela. aconteçam. Somente em alguns ca-
a respeito das vivências delas. Essas aprendizagens sociais inclu- sos, como centros pouco adaptáveis
Uma importante conclusão deste em também novas aquisições lingüísti- ou algumas crianças integradas de for-
estudo se referiu também à vivência do cas não só referentes ao novo léxico, ma tardia, com grave atraso na lingua-
papel de pais e mães que assumiam mas especialmente a funções comuni- gem ou outras dificuldades, podem de-
as famílias. Sabemos que uma das si- cativas e lingüísticas. Dessa forma, por mandar atividades elaboradas especifi-
tuações freqüentes nas famílias ouvin- exemplo, a realização de perguntas, camente para esses objetivos.
tes a respeito da criação da criança sur- explicações, comentários e discus- Finalmente, devemos lembrar que,
da é de se sentir desprovidas das ca- sões, costumam ser mais exercitados especialmente nas etapas do jardim de
pacidades de exercer o papel parental entre companheiros do que na relação infância e creche, todas as adaptações
da forma em que pensavam fazê-lo com os adultos (LLOYD, 1999). realizadas para a criança surda, enfati-
com uma criança ouvinte. Conseqüen- O fato de que essas aquisições zando, por exemplo, os elementos co-
temente, uma linha de atuação com as aconteçam depende das característi- esivos nas narrativas, costumam ser de
famílias é a de possibilitar a retomada cas do centro educacional e, mais es- grande utilidade também para grande
da confiança no papel que ela exerce. pecialmente, da equipe educadora. parte dos companheiros ouvintes.
No estudo de Dromi & Ingber Suas expectativas, mais ou menos De fato, a convivência na escola in-
(idem), os resultados demonstraram conscientes, sobre as possibilidades clusiva não só beneficia a totalidade da
que todas as famílias não tinham os lingüísticas da criança surda, assim co- sala pela educação no conhecimento
mesmos sentimentos a respeito do seu mo a importância concedida às rela- da diversidade apresentada pelos
papel. De fato, foram diferenciados ções entre pares de idade, constituem companheiros surdos, mas também
quatro grupos, do grupo de mães que dois elementos fundamentais. pelas próprias aprendizagens.

16 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010


Para concluir, a respeito dos pro- sável pela terapia deve intervir. É ideal a) Perspectivas de pesquisa
gressos da escola a caminho da inclu- que as sessões da terapia da fala acon- O primeiro tipo de questões corres-
são, podemos aplicar a conhecida fra- teçam no domicílio familiar. É nas situa- ponde à necessidade de um conheci-
se de Antonio Machado: "caminhante, ções da vida cotidiana familiar que o ou mento mais completo sobre o desen-
não há caminho, faz-se o caminho ao a responsável pela terapia pode ajudar volvimento psíquico e lingüístico da cri-
andar" (tradução de Ronaud Pereira). É a família na melhora dos comportamen- ança surda, sobre as variáveis que in-
verdade que os centros educativos de- tos com a criança, na compreensão fluem na qualidade de vida familiar das
vem preparar-se para a inclusão dos das intenções comunicativas dela e no crianças surdas e os desafios ou as
alunos que apresentam necessidades estímulo para escutar e dar significado questões pendentes para a completa
educacionais especiais, dado que a aos sons e vozes familiares, assim co- construção da escola inclusiva.
simples integração sem condições não mo "palavrear" e posteriormente falar. Quanto ao desenvolvimento lin-
garantiria o sucesso. Mesmo assim, o Sem dúvida, a maioria das famílias güístico da criança surda, são apre-
processo da integração já constitui um precisa de apoio e suporte externos, sentadas questões a respeito da ho-
avanço em direção à escola inclusiva. mas o principal é o do especialista. mogeneidade dele, como "Progri-
Por último, a inclusão precoce nos dem no mesmo ritmo em todas as
5. A educação especializada jardins de infância e nos centros pré-es- dimensões, por exemplo, nas aqui-
e os apoios aos meios colares também requer um atendimen- sições pragmáticas em vez de outro
educacionais to especial por parte do ou da respon- tipo de discurso? Existem aquisi-
sável pela terapia. Para que a criança ções morfossintáticas que apresen-
Como insistimos no texto, as gran- possa verdadeiramente se beneficiar tam mais dificuldades na aquisição
des mudanças nos avanços lingüísti- das oportunidades citadas que oferece que outras?"
cos da criança surda não são resultado a convivência com os companheiros de Quanto ao desenvolvimento psíqui-
somente dos progressos tecnológicos, idade ouvintes, deve haver um esforço co, questiona-se se os progressos na
mas, em parte, devem vir acompanha- conjunto especialista-escola que possa língua irão repercutir numa "normaliza-
dos por uma educação específica audi- transmitir as adaptações necessárias. ção" no desenvolvimento de dimen-
tiva dos meios educacionais nos quais sões psíquicas em que foi ressaltado
cresce, como a família e a escola. Conclusões atraso como, por exemplo, no desen-
Nesse sentido, a função do espe- volvimento da Teoria da Mente.
cialista demanda também uma trans- Neste texto, foram apresentadas as Nas duas questões, dadas as dife-
formação não somente na metodolo- novas perspectivas para o futuro dos renças individuais que podem ser en-
gia, adaptando-se às possibilidades surdos adultos que já constituem uma contradas, é aconselhável a realização
auditivas das crianças surdas, mas realidade para a maioria dos alunos sur- de estudos longitudinais.
também no âmbito de atuação dele. dos os quais têm menos de 9 anos nos O estudo das variáveis que influem
Efetivamente, além da atividade dire- países em que foi implantada a triagem na qualidade de vida familiar é um
ta com a criança surda, o (a) especia- neonatal universal e a aplicação preco- campo aberto em que cada uma das
lista tem papel fundamental nas mu- ce dos implantes cocleares ou apare- variáveis assinaladas nos quatro âmbi-
danças que devem ser possibilitadas lhos auditivos digitais, segundo o grau tos apontados no ponto 3 e as relações
nos meios educacionais. de perda da audição. Essa realidade entre eles podem ser objeto de múlti-
A respeito do meio familiar, a mu- consiste em poder aceder plenamente plas pesquisas que possibilitem desta-
dança significa passar de pensar em à língua oral se apoiando na audição e, car as variáveis determinantes e que
termos de fazer a família "colaborar" também, no domínio da língua escrita. podem ser de muito interesse para a
na terapia da fala da criança a propor São apresentados, no entanto, dois orientação e o apoio familiar.
que o (a) responsável pela terapia é tipos de questões, umas referentes às Finalmente, também o meio esco-
quem colabora com a família, para linhas de pesquisa que devem ser de- lar foi recentemente pouco estudado
que ela melhore a comunicação e o senvolvidas para complementar os co- quanto a variáveis (os textos comunica-
estímulo ao desenvolvimento da lín- nhecimentos que devem alicerçar as tivos, conteúdos, etc.). O estudo dos
gua falada da criança surda. boas práticas educacionais, e outras meios educacionais também pode ser
A criação de programas "centrados que comportam o aperfeiçoamento realizado por meio de desenhos tipo
na família" significa realmente que é no das práticas em função dos critérios pesquisa-ação em que os mesmos da-
seio da família no qual devem aconte- elaborados que não são adequada- dos obtidos possam ser utilizados co-
cer as mudanças e onde o (a) respon- mente aplicados. mo instrumentos de transformação.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010 17


b) Aperfeiçoamento das práticas comunidades autônomas de orienta- DROMI, E.; INGBER, S. Israeli mothers' expec-
tation from early intervention with their pre-
atuais ção e aconselhamento para as famílias. school deaf children. Journal of Deaf Studies
Nos países como Espanha, onde No entanto, constata-se que justamen- and Deaf Education, 1999, p. 50-68.
existe o marco e as condições para a edu- te as famílias que mais precisam de
FURMANSKI, H. M. Implantes cocleares en
cação precoce, a aplicação de próteses apoio são as que não tem vínculo com niños. (Re) Habilitación auditiva y terapia audi-
desenvolvidas tecnologicamente e a in- o programa. Trata-se de implementar tivo-verbal. Barcelona: Nexus, 2003.
clusão escolar, nem sempre se obtém os estratégias para que seja feito.
GEERS, A. Speech, language and redding
resultados esperados. Aperfeiçoar os pro- Finalmente, devemos ressaltar que skills alter early cochear implantation. Archives
cedimentos atuais significa conhecer os grande parte das idéias centrais deste Of Otolaryngology- Head and Neck Surgery,
2004, p. 634-638.
valores que intervém e atuar conseqüen- texto a respeito da inclusão social das cri-
temente. Vejamos alguns exemplos. anças surdas são de alguma forma úteis LEDERBERG, A.; PREZBINDOWSKI, A. K.
Na maioria das comunidades au- para a inclusão de crianças que apresen- Impact of child deafness on mother-tolder
interaction: Strengths and weakness. In:
tônomas da Espanha é aplicada a tri- tam outro tipo de diversidade no desen- SPENCER, P.E. et tal. The deaf child in the fam-
agem neonatal universal e, no entan- volvimento, e, portanto, apresentam de- ily and at school. Lawerence Erlbaum
to, na população que estudamos em terminadas adaptações dos meios edu- Associates Publishers. London.New Jersey:
Mahwah, 2000, p. 73-92.
2008, somente 5 entre 54 participan- cacionais, especialmente família e escola.
tes foram atendidos nos primeiros seis LLOYD, J. Interaction between hearing
impaired children and their normally hearing
meses de vida. Um dos fatores que in- Notas peers Deafness and Educational International,
fluem nesse fato é que existem famí- 1999, p. 25-33.
lias que, após receber o resultado da 1. As próteses auditivas são subvencionadas
com financiamento público na totalidade no SILVESTRE, N.; RAMSPOTT A. Valoración del
triagem, não voltam para o segundo caso dos implantes cocleares - ainda que is- discurso narrativo y de sus precursores en el
controle. Outro fator é a diversidade so não inclua suporte econômico da manu- alumnado con déficit auditivo: Influencia de las
de instituições para detecção, diag- tenção total posterior. Os aparelhos auditivos modalidades comunicativas. Separata: FIA-
só são parcialmente subvencionados. PAS, 2004.
nóstico, aplicação da prótese e trata- 2. No nosso país, é aplicado, na maioria das
mento. Trata-se de estabelecer um se- comunidades, o protocolo europeu de tria- SILVESTRE, N. Educação e Aquisição da lin-
guimento das famílias e de aperfeiço- gem universal neonatal, que pode detectar a guagem oral por parte de alunos surdos. In:
surdez nos primeiros dias de vida, consisten- SOUZA, R. M. de; SILVESTRE, Núria;
ar o sistema existente. te em: Fase 1: Durante os primeiros dias do ARANTES, V. A. (Org.) Educação de Surdos.
Em todos os casos indicados, o nascimento, no mesmo hospital onde a crian- São Paulo: Summus, 2007, p. 49-104.
ça nasceu, é aplicada uma prova de triagem
implante será realizado de forma gra-
denominada de Oto-emissões Acústicas. Tra- SILVESTRE, N. Estudio Investigación.
tuita. A manutenção do implante é res- ta-se de uma prova de aplicação simples, Interacciones comunicativas entre padres-
ponsabilidade da família que nem aplicação externa de uma pequena sonda no madres e hijos/as con sordera. La comunicación
ouvido. As respostas são colhidas diretamen- entre madres oyentes y niños/as con sordera de
sempre a realiza em tempo, sendo tal-
te num programa de computador. Fase 2: 1 a 7 de edad. Madrid: FIAPAS, 2008.
vez pela causa de que inclusive crian- Caso os resultados não tenham resposta au-
ças implantadas em tempo não con- ditiva depois de um mês, são dadas indica- SILVESTRE, N. La atención a la diversidad en
ções de observação para a família e o teste é los medios educativos regulares: La edu-
seguem o rendimento auditivo espe- repetido depois de 3 meses. Fase 3: Se for cación del alumnado sordo en Leonor Alonso
rado. Trata-se de fazer um prossegui- confirmada a perda, deve ser feita a prova de Comp. Pensar la Educación, Consejo de
mento e reclamar aos serviços públi- diagnóstico, Potenciais Evocados Auditivos e Estudios de Postgrado. Venezuela: Mérida,
começo do atendimento precoce e aplicação 2008, p. 45-70.
cos ajuda para as famílias que não po- da prótese se a perda for confirmada.
dem pagar a manutenção. VINTER, S. L'emergence du langage de l'en-
Todos os alunos surdos desde os 3 Referências fant deficient auditif . Des premiers sons aux
premiers mots. Paris: Masson, 1994.
anos têm direito a uma vaga estudantil
no centro público da região, e a res- ANTIA, S. D.; KREIMEYER,K. H. Social inter-
WOOD JACKSON, C; TURNBULL, A. Impact
action and acceptance of deaf or hard of hear-
ponsável pela terapia comparece ao of deafness on family life: A review of the litera-
ing children and their peers: A comparison of
ture. Topics in Early Childood Special
centro para a realização da terapia. No social-skills and familiarity based interventions
Education, 2004, p. 15-29.
entanto, nem todos os centros têm o Volta Review ,98, 157-180 1996

mesmo clima integrador, nem experi- YOHINAGA-ITANO, C. From screening to early


BROWN, P. M; NOTT, P. Family- Centred Practice
identification and intervention discovering pre-
ência inclusiva. Trata-se de formar o in Early Intervention for Oral Language
dictors to successful outcomes for children
professorado em serviço sobre as ne- Development: Philosophy, Methods, and Results
with significant hearing loss. Journal of Deaf
in Elisabeth Spencer and Mark Marshark
cessidades dos alunos surdos e as es- Studies and Deaf Education, 2003, p. 11-30.
Advances in Spoken Language Development of
tratégias para dar resposta a elas. Deaf and Hard-of-Hearing Children. US: Oxford
University Press, 2006, p. 136-165.
Há diferentes fórmulas segundo as

18 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 8-18, jul/dez. 2010


DESTAQUE NACIONAL 19

OS RUMOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO


BRASIL FRENTE AO PARADIGMA DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Claudia Pereira Dutra
Martinha Clarete Dutra dos Santos

Resumo
Este artigo apresenta um panorama histórico sobre a forma de financiamento que denota o compromisso do
concepção de educação especial refletida nos diversos Estado brasileiro com a edificação de um novo paradig-
documentos internacionais e nacionais de grande reper- ma educacional.
cussão. Nesta oportunidade são explicitadas as mais
recentes políticas públicas que orientam a organização Palavras Chave: Educação Especial; Educação Inclusiva;
dos sistemas educacionais inclusivos, estabelecendo Atendimento Educacional Especializado.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 19-24, jul/dez. 2010 19


Abstract
This paper presents a historical overview about special This policies means the State commitment with a new
education concept established in relevant international educational paradigm construction.
and national documents. Highlight the most recent pub-
lic policies regards the orientation of inclusive education- Key Words: Special Education; Inclusive Education;
al systems organization, as well the inversion strategies. Educational Supports.

Introdução atendimento às demandas de alfabe- No paradigma da inclusão, ao


A partir de meados do século XX, tização e da modalidade de educa- afirmar que todos se beneficiam
com a intensificação dos movimen- ção de jovens e adultos, além da quando as escolas promovem res-
tos sociais de luta contra todas as construção da gestão democrática postas às diferenças individuais
formas de discriminação que impe- da escola. dos alunos, são impulsionados os
dem o exercício da cidadania das No contexto do movimento políti- projetos de mudanças nas políticas
pessoas com deficiência, emerge, co para o alcance das metas de edu- públicas. A partir dos diversos mo-
em nível mundial, a defesa de uma cação para todos, a Conferência vimentos que buscam repensar o
sociedade inclusiva. No decorrer Mundial de Necessidades Educativas espaço escolar, e da identificação
desse período histórico, fortalece-se Especiais: Acesso e Qualidade, reali- das diferentes formas de exclusão,
a crítica às práticas de categoriza- zada pela UNESCO em 1994, propõe geracional, territorial, étnico racial,
ção e segregação de alunos enca- aprofundar a discussão, problemati- de gênero, dentre outras, a propos-
minhados para ambientes especiais, zando os aspectos acerca da escola ta de inclusão escolar começa a
que conduzem, também, ao questi- não acessível a todos os alunos. ser gestada.
onamento dos modelos homogenei- A partir desta reflexão acerca das Esta perspectiva conduz ao de-
zadores de ensino e de aprendiza- práticas educacionais que resultam bate sobre os rumos da educação
gem, geradores de exclusão nos es- na desigualdade social de diversos especial, tornando-se fundamental
paços escolares. grupos, o documento Declaração de para a construção de políticas de for-
Na busca de enfrentar esse desa- Salamanca e Linha de Ação sobre mação, financiamento e gestão, ne-
fio e construir projetos capazes de Necessidades Educativas Especiais cessárias para a transformação da
superar os processos históricos de proclama que as escolas comuns re- estrutura educacional a fim de asse-
exclusão, a Conferência Mundial de presentam o meio mais eficaz para gurar as condições de acesso, parti-
Educação para Todos, em Jomtien combater as atitudes discriminatóri- cipação e aprendizagem de todos os
(1990), chama a atenção dos países as, ressaltando que: alunos, concebendo a escola como
para os altos índices de crianças, um espaço que reconhece e valoriza
adolescentes e jovens sem escolari- O princípio fundamental desta Li- as diferenças.
zação, tendo como objetivo promo- nha de Ação é de que as escolas
ver as transformações nos sistemas devem acolher todas as crianças,
de ensino para assegurar o acesso e independentemente de suas condi- I - A educação especial
a permanência de todos na escola. ções físicas, intelectuais, sociais,
no Brasil diante da
Os principais referenciais que en- emocionais, lingüísticas ou outras.
fatizam a educação de qualidade pa- Devem acolher crianças com defici- mudança de paradigma
ra todos, ao constituir a agenda de ência e crianças bem dotadas; cri-
discussão das políticas educacio- anças que vivem nas ruas e que tra- Paradoxalmente ao crescente
nais, reforçam a necessidade de ela- balham; crianças de populações movimento mundial pela inclusão,
boração e a implementação de distantes ou nômades; crianças de em 1994 o Brasil publica o documen-
ações voltadas para a universaliza- minorias lingüísticas, étnicos ou cul- to Política Nacional de Educação Es-
ção do acesso na escola no âmbito turais e crianças de outros grupos e pecial, alicerçado no paradigma inte-
da educação fundamental, a oferta zonas desfavorecidos ou marginali- gracionista, fundamentado no princí-
da educação infantil nas redes públi- zados (BRASIL, 1997, p. 17-18). pio da normalização, com foco no
cas de ensino, a estruturação do modelo clínico de deficiência, atri-

20 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 19-24, jul/dez. 2010


buindo às características físicas, inte- Sem medidas e investimento na tém um alto índice de pessoas com
lectuais ou sensoriais dos alunos um construção e avanço do processo deficiência em idade escolar fora da
caráter incapacitante que se constitui de inclusão escolar, surge o discur- escola e a matrícula de alunos pú-
em impedimento para sua inclusão so de resistência à inclusão, com blico alvo da educação especial,
educacional e social. ênfase na falta de condições peda- majoritariamente, em escolas e
Esse documento define como gógicas e de infra-estrutura da esco- classes especiais.
modalidades de atendimento em la. Esse posicionamento não se tra- A proposta de um sistema educa-
educação especial no Brasil: as es- duz em práticas transformadoras ca- cional inclusivo passa, então, a ser
colas e classes especiais; o atendi- pazes de propor alternativa e estra- percebida na sua dimensão históri-
mento domiciliar, em classe hospita- tégias de formação e implantação ca, enquanto processo de reflexão e
lar e em sala de recursos; o ensino de recursos nas escolas que res- prática, que possibilita efetivar mu-
itinerante, as oficinas pedagógicas e pondam afirmativamente às deman- danças conceituais, político e peda-
a estimulação essencial; e as classes das dos sistemas de ensino, resul- gógicas, coerentes com o propósito
comuns. Mantendo a estrutura para- tando na continuidade das práticas de tornar efetivo o direito de todos à
lela e substitutiva da educação espe- tradicionais que justificam a segre- educação, preconizado pela Consti-
cial, o acesso dos alunos com defici- gação em razão da deficiência. tuição Federal de 1988.
ência ao ensino regular é condicio- Neste período, as diretrizes edu-
nado, conforme expressa o conceito cacionais brasileiras respaldam o II - A construção da
que orienta quanto à matrícula em caráter substitutivo da educação es-
nova política de
classe comum: pecial, embora expressem a neces-
sidade de atendimento às especifi- educação especial
Ambiente dito regular de ensi- cidades apresentadas pelo aluno na
no/aprendizagem, no qual também, escola comum. Ao mesmo tempo A Convenção sobre os direitos
são matriculados, em processo de em que orientam a matrícula dos das pessoas com deficiência outor-
integração instrucional, os portado- alunos público alvo da educação gada pela ONU em 2006, foi ratifica-
res de necessidades especiais que especial nas escolas comuns da re- do pelo Brasil como emenda consti-
possuem condições de acompa- de regular de ensino, mantém a tucional, por meio do Decreto Legis-
nhar e desenvolver as atividades possibilidade do atendimento edu- lativo nº 186/08 e pelo Decreto Exe-
curriculares programadas do ensi- cacional especializado substitutivo cutivo nº 6949/2009, sistematiza es-
no comum, no mesmo ritmo que os à escolarização. tudos e debates mundiais realiza-
alunos ditos normais (BRASIL, Tanto a Lei de Diretrizes e Bases dos ao longo da última década do
1994, p.19). da Educação Nacional (Lei nº séc. XX e nos primeiros anos deste
9394,1996) quanto a Resolução 02 século, criando um conjuntura favo-
Ao invés de promover a mudança do Conselho Nacional de Educação rável à definição de políticas públi-
de concepção favorecendo os avan- e da Câmara de Educação Básica cas fundamentadas no paradigma
ços no processo de inclusão escolar, (CNE/CEB, 2001) denotam ambigüi- da inclusão social.
essa política demonstra fragilidade dade quanto à organização da Edu- Este tratado internacional altera o
perante os desafios inerentes à cação Especial e da escola comum conceito de deficiência que, até en-
construção do novo paradigma edu- no contexto inclusivo. Ao mesmo tão, representava o paradigma inte-
cacional. Ao conservar o modelo de tempo em que orientam a matrícula gracionista, calcado no modelo clíni-
organização e classificação dos alu- dos alunos público alvo da educa- co de deficiência, em que a condi-
nos, estabelece-se o antagonismo ção especial nas escolas comuns da ção física, sensorial ou intelectual da
entre o discurso inovador de inclu- rede regular de ensino, mantém a pessoa se caracterizava no obstácu-
são e o conservadorismo das ações possibilidade do atendimento educa- lo a sua integração social, cabendo a
que não atingem a escola comum no cional especializado substitutivo à estas se adaptarem às condições
sentido da sua ressiginificação e escolarização. existentes na sociedade. De acordo
mantém a escola especial como es- No inicio do século XXI, esta re- com a Convenção dos Direitos da
paço de acolhimento daqueles alu- alidade suscita mobilização mais Pessoa com Deficiência.
nos considerados incapacitados pa- ampla em torno do questionamento
ra alcançar os objetivos educacio- à estrutura segregativa reproduzida Pessoas com deficiência são aque-
nais estabelecidos. nos sistemas de ensino, que man- las que têm impedimentos de longo

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 19-24, jul/dez. 2010 21


prazo de natureza física, mental in- ção, os estados, os municípios e o Na perspectiva da educação inclu-
telectual ou sensorial,os quais, em Distrito Federal. siva, cabe destacar que a educa-
interação com diversas barreiras, A partir desta ação, tem início a ção especial tem como objetivo as-
podem obstruir sua participação construção de uma nova política de segurar a inclusão escolar de alu-
plena e efetiva na sociedade em educação especial que enfrenta o nos com deficiência, transtornos
igualdades de condições com as desafio de se constituir, de fato, co- globais do desenvolvimento e altas
demais pessoas (ONU Art. 1). mo uma modalidade transversal des- habilidades/superdotação nas tur-
de a educação infantil à educação mas comuns do ensino regular, ori-
Assim, neste novo paradigma, à superior. Neste processo são repen- entando os sistemas de ensino pa-
sociedade caberá promover as con- sadas as práticas educacionais con- ra garantir o acesso ao ensino co-
dições de acessibilidade necessárias cebidas a partir de um padrão de mum, a participação, aprendiza-
a fim de possibilitar às pessoas com aluno, de professor, de currículo e de gem e continuidade nos níveis
deficiência viver de forma indepen- gestão, redefinindo a compreensão mais elevados de ensino; a trans-
dente e participar plenamente de to- acerca das condições de infra-estru- versalidade da educação especial
dos os aspectos da vida. tura escolar e dos recursos pedagó- desde a educação infantil até a
Neste contexto, a educação inclu- gicos a partir da concepção de dese- educação superior; a oferta do
siva torna-se um direito inquestioná- nho universal. atendimento educacional especiali-
vel e incondicional. O artigo 24 versa A Política Nacional de Educação zado; a formação de professores
sobre o direito da pessoa com defici- Especial na Perspectiva da Educa- para o atendimento educacional
ência à educação ao afirmar que: ção Inclusiva, publicada pelo MEC especializado e aos demais profis-
em 2008, instaura um novo marco te- sionais da educação, para a inclu-
[...] para efetivar esse direito sem órico e organizacional na educação são; a participação da família e da
discriminação e com base na igual- brasileira, definindo a educação es- comunidade; a acessibilidade ar-
dade de oportunidades, os estados pecial como modalidade não substi- quitetônica, nos transportes, nos
partes assegurarão sistema educa- tutiva à escolarização; o conceito de mobiliários, nas comunicações e
cional inclusivo em todos os níveis, atendimento educacional especiali- informações; e a articulação inter-
bem como o aprendizado ao longo zado complementar ou suplementar setorial na implementação das polí-
de toda a vida (ONU, 2006). à formação dos alunos; e o público ticas públicas (MEC/SEESP, 2008).
alvo da educação especial constituí-
Este princípio fundamenta a do pelos alunos com deficiência, Neste cenário, a educação inclu-
construção de novos marcos legais, transtornos globais do desenvolvi- siva torna-se pauta constante nos
políticos e pedagógicos da educa- mento e altas habilidades/superdota- debates educacionais brasileiros,
ção especial impulsionando os pro- ção. De acordo com as diretrizes da impulsionado novas formulações
cessos de elaboração e desenvolvi- nova política: que reorientam o apoio técnico e fi-
mento de propostas pedagógicas nanceiro, no sentido de prover as
que visam a assegurar as condições A educação especial é definida co- condições para a inclusão escolar
de acesso e participação de todos mo uma modalidade de ensino que dos alunos público alvo da educa-
os alunos no ensino regular. perpassa todos os níveis, etapas e ção especial nas redes públicas de
Com objetivo de apoiar a trans- modalidades, que disponibiliza re- ensino. Assim, o conceito de acessi-
formação dos sistemas educacio- cursos e serviços, realiza o atendi- bilidade é incorporado como forma
nais em sistemas educacionais in- mento educacional especializado e de promoção da igualdade de con-
clusivos, a partir de 2003, são imple- orienta quanto a sua utilização no dições entre os alunos. Para tanto,
mentadas estratégias para a disse- processo de ensino e aprendiza- destacam-se as ações que permi-
minação dos referenciais da educa- gem nas turmas comuns do ensino tem a organização do atendimento
ção inclusiva no país. Para alcançar regular (MEC/SEESP, 2008, p 15). educacional especializado em esco-
este propósito, é instituído o Progra- las comuns:
ma Educação Inclusiva: direito à di- Os princípios definidos na atual l A implantação das salas de re-
versidade, que desenvolve um am- política são ratificados pela Confe- cursos multifuncionais, constituí-
plo processo de formação de gesto- rência Nacional da Educação Bási- das por equipamentos, mobiliários,
res e de educadores, envolvendo a ca/2008 que em seu documento fi- materiais didáticos e pedagógicos
parceria entre o Ministério da Educa- nal salienta: e de recursos de tecnologia assisti-

22 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 19-24, jul/dez. 2010


va, destinados à realização das ati- Gráfico 1 - Dados do Censo Escolar/MEC/INEP, de 2009
vidades do atendimento educacio-
nal especializado;
l A promoção da acessibilidade ar-
quitetônica, por meio do programa
de adequação de prédios escolares,
instituída no âmbito do Plano de De-
senvolvimento da Educação - PDE
Escola Acessível;
l A constituição da rede de forma-
ção continuada de professores em
educação especial, na modalidade
a distância, em parceria com as ins-
tituições públicas de educação su-
perior, para a oferta de cursos volta-
dos ao atendimento educacional es-
pecializado e às práticas educacio-
nais inclusivas;
l A ação interministerial desenvolvi-
da pelos Ministérios da Educação, acessíveis Braille, Libras, além de di- Conforme o Decreto nº 6.571/2008:
da Saúde e do Desenvolvimento So- cionários trilingüe Português/In- O atendimento educacional espe-
cial e da Secretaria Especial dos Di- glês/Libras para alunos com surdez cializado - AEE é o conjunto de ati-
reitos Humanos, para o monitora- e de laptops para alunos cegos. vidades, recursos de acessibilidade
mento do acesso e permanência na O impacto deste conjunto de e pedagógicos organizados institu-
escola das pessoas com deficiência ações no âmbito da educação espe- cionalmente, prestado de forma
que recebem o Benefício da Presta- cial na perspectiva inclusiva se refle- complementar ou suplementar à
ção Continuada - BPC, na faixa etária te no declínio progressivo das matrí- formação dos alunos no ensino re-
de 0 a 18 anos; culas dos alunos público alvo da gular (MEC/SEESP, 2008).
l A implantação dos núcleos de educação especial em escolas e
acessibilidades no contexto do classes especiais e a ascensão das No seu artigo 3º, é definido o
Programa Incluir, para a promo- matrículas destes em classes co- apoio técnico e financeiro a ser pres-
ção da acessibilidade na educa- muns do ensino regular, conforme tado pelo Ministério da Educação,
ção superior; demonstram os dados do Censo Es- com a finalidade de promover o
l A realização do PROLIBRAS, em colar/MEC/INEP, de 2009 (Gráfico 1). atendimento educacional especiali-
parceria com o INEP, para a certifica- zado tanto na educação básica
ção de profissionais para o ensino e quanto na superior por meio das se-
III - A operacionalização
para a tradução e interpretação da guintes ações:
Língua Brasileira de Sinais - Libras; da política de educação
l A organização de núcleos para as especial articulada a I - implantação de sala de recursos
altas habilidades/superdotação e de educação comum multifuncionais;
centros de apoio pedagógico aos II - formação continuada de profes-
alunos com surdez, em todos os es- O paradigma da educação inclusi- sores para o atendimento educacio-
tados, visando ao atendimento às va é consolidado nos documentos le- nal especializado;
necessidades educacionais específi- gais, como o Decreto nº. 6.571/2008 III - formação de gestores, educa-
cas destes alunos, no contexto da que institui a política de financiamen- dores e demais profissionais da es-
escola comum; to para o atendimento educacional cola para educação inclusiva;
l A promoção de acessibilidade aos especializado - AEE, e a Resolução IV - Adequação arquitetônica de pré-
programas de distribuição de livros CNE/CEB nº 4/2009, que institui as dios escolares para acessibilidade;
didáticos e paradidáticos do Fundo Diretrizes Operacionais para o Atendi- V - elaboração, produção e distri-
Nacional de Desenvolvimento da mento Educacional Especializado na buição de recursos educacionais
Educação - FNDE, em formatos Educação Básica. para acessibilidade; e

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 19-24, jul/dez. 2010 23


VI - estruturação de núcleos de acessibi- organização a implantação da sala BRASIL, Ministério da Educação. Secreta-
ria de Educação Especial. Política Nacio-
lidade nas instituições federais de edu- de recursos multifuncionais, a ela- nal de Educação Especial. Brasília:
cação superior (MEC/SEESP, 2008). boração do plano de AEE, profes- MEC/SEESP, 1994.
sores para o exercício da docência BRASIL, Ministério da Justiça. Secretaria
Especial dos Direitos Humanos. Coorde-
O financiamento da dupla matrí- no AEE, demais profissionais como nadoria Nacional para a Integração da
cula dos alunos público alvo da edu- tradutor e intérprete de Língua Bra- Pessoa Portadora de Deficiência (COR-
cação especial na educação básica sileira de Sinais, guia-intérprete e DE). Declaração de Salamanca e Linha de
Ação sobre necessidades educativas es-
é instituído, no âmbito do FUNDEB, aqueles que atuam em atividades peciais. 2º Ed. Brasília: CORDE, 1997.
de modo a fomentar a organização e de apoio.
oferta do Atendimento Educacional De acordo com o artigo 5º desta BRASIL, Ministério da Educação. Confe-
rência Nacional de Educação Básica: Do-
Especializado na Perspectiva da resolução: cumento Base. Brasília: MEC/SEB, 2008.
Educação Inclusiva conforme dis-
posto no artigo 6º: O Atendimento Educacional Espe- ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.
Convenção sobre os Direitos das Pessoas
cializado é realizado, prioritariamen- com Deficiência. ONU, 2006.
Admitir-se-à, a partir de 1º de janei- te, na sala de recursos multifuncio-
UNESCO. Declaração de Salamanca e Li-
ro de 2010, para efeito da distribui- nais da própria escola ou em outra
nha de Ação sobre necessidades educati-
ção de recursos do FUNDEB, o escola de ensino regular, no turno vas especiais. Brasília: CORDE, 1994.
cômputo das matrículas dos alunos inverso da escolarização, não sen-
BRASIL, Ministério da Educação. Secreta-
da educação regular da rede públi- do substitutivo às classes comuns,
ria de Educação Especial. Direito à educa-
ca que recebem atendimento edu- podendo ser realizado, também, em ção: subsídios para a gestão dos sistemas
cacional especializado, sem prejuí- Centro de Atendimento Educacional educacionais - orientações gerais e mar-
cos legais. Brasília: MEC/SEESP, 2006.
zo do cômputo dessas matrículas Especializado da rede pública ou de
na educação básica regular instituições comunitárias, confessio- BRASIL, Ministério da Educação. De-
(MEC/SEESP, 2008). nais ou filantrópicas sem fins lucrati- creto Legislativo nº 186, de 24 de de-
zembro de 2008. Diário Oficial da União,
vos, conveniadas com a Secretaria Brasília, 2008.
Com o objetivo de orientar a im- de Educação ou órgão equivalente
plementação do Decreto n° 6571, dos Estados, Distrito Federal e Mu- BRASIL, Ministério da Educação. Decre-
to nº 6.949, de 25 de agosto de 2009,
são instituídas as Diretrizes Operaci- nicípios (MEC/SEESP, 2009). promulga a Convenção Internacional so-
onais para o Atendimento Educacio- bre os Direitos das Pessoas com Defici-
ência - ONU. Diário Oficial da União, Bra-
nal Especializado na Educação Bási- Desta forma, o desenvolvimento
sília, 2009.
ca, por meio da Resolução Nº. 4 inclusivo das escolas é compreendi-
CNE/CEB. Este documento define, do como uma perspectiva ampla de BRASIL. Ministério da Educação. Conse-
lho Nacional de Educação. Resolução
no artigo 1º, que cabe: reestruturação da educação, que
4/2009. Brasília: CNE/CEB, 2009. Diário
pressupõe a articulação entre a edu- Oficial da União, Brasília.
[...] aos sistemas de ensino matri- cação especial e o ensino comum,
cular os alunos com deficiência, sendo esta a função primordial do
transtornos globais do desenvolvi- AEE, considerando a elaboração, a
mento e altas habilidades/superdo- disponibilização e a avaliação de es-
tação nas classes comuns do ensi- tratégias pedagógicas, de serviços e
no regular e no Atendimento Edu- recursos de acessibilidade para a
cacional Especializado - AEE [...] promoção efetiva do direito de todos
(MEC/SEESP, 2009). à educação.

Conforme estas Diretrizes, o Referências


AEE deve integrar o projeto político
pedagógico - PPP da escola, en- BRASIL, Ministério da Educação. Inclusão
- Revista da Educação Especial. Vol. 4, nº.
volver a participação da família e 1. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
ser realizado em articulação com
as demais políticas públicas. A BRASIL, Ministério da Educação Especial.
Secretaria de Educação Especial. Decreto
oferta deste atendimento deve ser Nº 6.571/2008. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
institucionalizada, prevendo na sua

24 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 19-24, jul/dez. 2010


ENFOQUE 25

CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS


DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA:
AVANÇOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Eugênia Augusta Gonzaga Fávero1

Resumo
Este texto2 contém uma análise dos principais pontos da cação Especial do Ministério da Educação, nos dias 06,
Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com 07 e 08 de maio de 2009.
deficiência expostos pela autora durante conferência que
proferiu por ocasião do V Seminário "Educação inclusiva: Palavras-chave: Pessoas com deficiência; Conceito em evo-
direito à diversidade", realizado pela Secretaria de Edu- lução; autonomia; Direito à inclusão; Educação inclusiva.

1
Procuradora da República em São Paulo. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. efavero@prsp.mpf.gov.br.
2
Baseado no texto da mesma autora publicado em Deficiência no Brasil: uma abordagem integral dos direitos das pessoas com deficiência. Organização de Maria
Aparecida Gugel, Waldir Macieira da Costa Filho, Lauro Luiz Gomes Ribeito. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 25-31, jul/dez. 2010 25


Abstract
This text contains an analysis of the main points of the on of the Ministry of Education on days 06, 07 and 08
ONU Convention on the rights of disabled people ex- May 2009.
posed by the author during a conference he gave at
the Fifth Seminar on "Inclusive Education: the right to Keywords: Disability; Evolving concept; Autonomy;
diversity", held by the Department of Special Educati- Right to inclusion; Inclusive education.

Introdução venção, é muito importante para o 2. A mais


ambiente escolar. incompreendida das
A Convenção da Organização Ser um conceito em evolução sig-
das Nações Unidas (ONU) sobre Di- nifica o reconhecimento de que ainda bandeiras de direitos
reitos das Pessoas com Deficiência estamos descobrindo as capacida- humanos da infância
adota o paradigma da total inclusão des dos indivíduos com algum tipo
educacional, pois, para tal documen- de limitação. Essa descoberta paula- [...] Que as crianças com deficiência
to, o acesso à educação se dá ape- tina e contínua deve-se ao fato de devem desfrutar plenamente todos
nas em um sistema educacional in- que tais pessoas estão tendo oportu- os direitos humanos e liberdades fun-
clusivo em todos os níveis. Não é o nidades nunca antes vividas, o que damentais em igualdade de oportuni-
fim do ensino especializado, mas é o faz com que tenham condições de dades com as outras crianças e re-
fim do ensino totalmente segregado. demonstrar e de desenvolver cada lembrando as obrigações assumidas
Não se pode mais impedir o acesso e vez mais seu potencial. com esse fim pelos Estados Partes
permanência de alunos com deficiên- A menção às barreiras externas, na Convenção sobre os Direitos da
cia no ensino comum. por sua vez, significa que quanto Criança (ONU, 2006).
Para corroborar essas afirmações, mais adaptado for o ambiente e as
analisaremos aqui cada um dos dispo- pessoas que o integram, menor a li- Esta é outra afirmação fundamen-
sitivos da Convenção que têm alguma mitação decorrente da deficiência. tal constante do preâmbulo da Con-
relação com o direito à educação, prin- Ou seja: o ambiente preparado ape- venção da ONU sobre direitos das
cipalmente o seu artigo 24, que é es- nas para pessoas sem deficiência é pessoas com deficiência. É funda-
pecífico sobre o tema. um ambiente restritivo, causador de mental porque mais uma vez fala em
exclusões e que agrava as limitações "igualdade de oportunidades" e relaci-
1. Deficiência: conceito de quem tem deficiência. ona a deficiência com os direitos da
Nossa expectativa é de que a infância também proclamados em
em evolução e
afirmação que acabamos de desta- âmbito internacional.
resultante de barreiras car, constante do preâmbulo da Ora, se todos os direitos da infân-
externas Convenção sirva, em relação ao cia são indisponíveis (aqueles dos
acesso à educação, para lembrar a quais não se pode dispor, abrir mão,
[...] Que a deficiência é um conceito todos que: a) pouco se sabe sobre pois são inalienáveis), os direitos das
em evolução e que a deficiência re- as capacidades de pessoas com de- crianças com deficiência, inclusive o
sulta da interação entre pessoas com ficiência, inclusive a intelectual; b) seu direito à inclusão nas escolas co-
deficiência e as barreiras atitudinais e quanto mais lhes for garantida a muns, também o são.
ambientais que impedem sua plena e igualdade de oportunidades, maior Por outro lado, não vemos melhor
efetiva participação na sociedade em a chance de desenvolverem o seu maneira de se garantir "igualdade de
igualdade de oportunidades com as potencial; c) quanto mais adaptado oportunidades" entre as crianças, se-
demais pessoas (ONU, 2006). for o ambiente e as pessoas que o não assegurando às crianças com de-
compõem para a interação com as ficiência o direito de acesso ao mesmo
A afirmação de que "a deficiência deficiências, menos significativas ambiente escolar freqüentado por to-
é um conceito em evolução" e de serão as limitações que delas decor- das as demais crianças, com as adap-
que ela resulta também das barreiras rem e melhor a qualidade do ensino tações que forem necessárias, mas
externas, já no preâmbulo da Con- para todos os alunos. sem ensino segregado substitutivo da

26 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 25-31, jul/dez. 2010


freqüência ao ambiente comum. ciência de ser incluída. diversas medidas voltadas para o
Ao relembrar as obrigações assu- É claro que há casos de deficiên- cumprimento dos direitos das pessoas
midas na Convenção sobre os Direitos cias muito graves, associadas a doen- com deficiência, bem como para pro-
da Criança, garante que as crianças ças ou a idade mais avançada sem mover a conscientização da popula-
com deficiência têm o direito inaliená- qualquer estimulação prévia, que fa- ção "sobre as condições das pessoas
vel de: a) serem ouvidas e de que su- zem com que essa criança necessite com deficiência" (artigo 8) e, assim, fo-
as opiniões sejam consideradas; b) de atendimentos relacionados à saúde mentar o respeito pelos seus direitos e
que suas relações familiares não so- e não propriamente à educação bási- pela sua dignidade.
fram ingerências ilegais, o que as colo- ca. Se ela receber esse tratamento, de Como objetivo dessas medidas de
ca a salvo do descumprimento de maneira consciente de que seu lugar conscientização, a Convenção fala ex-
seus direitos por seus próprios familia- educacional é a escola comum e de pressamente em:
res; c) que as decisões de seus pais que se trata de situação excepcional, a) combater estereótipos, precon-
sempre levem em conta o interesse não se pode falar em exclusão. O que ceitos e práticas nocivas em relação a
superior da criança; d) que o ensino ocorre, entretanto, é que afirmações pessoas com deficiência, inclusive os
primário ou básico seja obrigatório, ou como essa que acabamos de fazer baseados em sexo e idade, em todas
seja, ninguém, nem seus pais, podem (sobre situações excepcionais) são uti- as áreas da vida; e
abrir mão de sua freqüência ao ambi- lizadas para continuar mantendo crian- b) promover a consciência sobre
ente escolar; e) que os estabelecimen- ças e adolescentes apenas com defici- as capacidades e contribuições das
tos de ensino tenham liberdade de es- ências típicas (cegueira, surdez, defici- pessoas com deficiência.
colher seus métodos, desde que res- ência mental e até física) fora das es- Para isso, ela elege como medida
peitem os princípios gerais relaciona- colas comuns. Essa situação precisa de conscientização o seguinte: "Fo-
dos ao ensino e as regras mínimas es- ser modificada. mentar em todos os níveis do sistema
tabelecidas pelo poder público (a não- A Convenção, portanto, ao relem- educacional, incluindo neles todas as
discriminação está entre esses princí- brar que os direitos das crianças com crianças desde tenra idade, uma atitu-
pios gerais e regras mínimas). deficiência estão inseridos nesse âm- de de respeito para com os direitos
O direito à educação escolar, como bito maior, o dos direitos humanos da das pessoas com deficiência".
um direito inalienável da infância, é infância, está afirmando: todos os di- Logo, para a Convenção, o respei-
amplamente reconhecido em relação reitos das crianças com deficiência to e a consciência sobre os direitos
às crianças em geral. Mas em relação são indisponíveis, inalienáveis e é obri- das pessoas com deficiência são ad-
às crianças com deficiência, essa con- gação da família e do Estado garantir o quiridos no ambiente escolar, desde a
sciência ainda não é muito clara. O seu seu acesso. mais tenra idade. De fato, uma das me-
direito a uma educação inclusiva ainda lhores maneiras de se "combater este-
é visto como uma mera opção. Muitos 3. Artigos 3, 7, 8 e 12: reótipos, preconceitos e práticas noci-
pais acham que diante de um ambien- vas", bem como de "promover a con-
uma solução e outros
te educacional comum hostil, despre- sciência sobre as capacidades e con-
parado, podem optar por manter seus esclarecimentos para tribuições das pessoas com deficiên-
filhos com deficiência apenas em am- os mais resistentes cia", é garantindo a presença das pró-
bientes especializados, dedicados a à inclusão prias pessoas com deficiência, desde
alunos com necessidade educacio- a mais "tenra idade", em todos os ní-
nais especiais. Trata-se de um equívo- Tais artigos tratam basicamente do veis do sistema educacional.
co. Quando se está diante de uma es- respeito pelas capacidades das crian- Tudo isso reforça que se trata de
cola assim, hostil e despreparada, o ças com deficiência, do seu direito de um dever do Estado e da sociedade
caminho é denunciar, procurar outra se expressarem, de terem sua opinião promover a inclusão, pois ela é tam-
ou notificar a escola para que promova considerada e, é claro, de seu reco- bém a solução para que as resistên-
as adequações necessárias para que nhecimento igual perante a lei. Eles es- cias a ter as pessoas com deficiência
o direito da criança seja preservado. O tão imbricados com o direito à educa- como cidadãos de fato, estudando
que não se pode admitir é que a crian- ção, já que tratam de capacidade, li- nas escolas comuns de seus bairros,
ça fique em situação de exclusão, pois berdade de expressão e de direito à trabalhando, divertindo-se, sejam
a freqüência exclusiva a um ambiente igualdade. combatidas. A escola para todos con-
educacional separado não atende o Esses artigos se referem ainda à tinua sendo o melhor caminho.
direito inalienável da criança com defi- obrigação dos Estados de promover Mas ainda há perguntas do tipo: e

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 25-31, jul/dez. 2010 27


se nem mesmo a própria pessoa com clusão escolar e que a própria inclusão bastante ampla. Logo, pensamos que
deficiência quiser ser incluída; se ela escolar vá quebrando essas resistên- ela se aplica também aos vários cur-
quiser ficar estudando a parte do (ou cias, como sugere a Convenção nos sos livres existentes. Cursos livres são
no) sistema educacional comum? artigos mencionados. os que podem ser ministrados fora do
Cremos que não há dúvidas de que, ambiente formal de ensino, como culi-
neste caso, uma pessoa com deficiên- 4. Artigo 24: um sistema nária, expressão oral, fotografia, lín-
cia adulta e já capaz civilmente, pode to- guas, artes, direção, entre muitos ou-
educacional inclusivo
mar a decisão que quiser em relação tros, os quais raramente são organiza-
aos seus estudos, como qualquer outra como forma de dos de maneira a atender também in-
pessoa. Também como para qualquer assegurar o direito à teressados com algum tipo de defici-
outra pessoa, o mesmo não ocorre em educação ência, o que deve ser repensado.
se tratando de criança ou adolescente
com idade de freqüentar a etapa obriga- 4.1 Vedação às práticas
tória do ensino básico, que é o ensino Eis as palavras aprovadas na discriminatórias
fundamental, ou primário, dependendo Convenção:
do nome dado em cada país. Um sistema educacional inclusivo
Tal etapa, além de ser um direito, é Os Estados Partes reconhecem o di- é aquele que proíbe a utilização de
também obrigatória, nos termos das reito das pessoas com deficiência à práticas discriminatórias e garante
mais diversas convenções de direitos educação. Para realizar este direito igualdade de oportunidades.
humanos e também da que estamos sem discriminação e com base na As práticas discriminatórias, por
analisando. Logo, assim como em re- igualdade de oportunidades, os Esta- sua vez, são aquelas que frustram, ne-
lação a qualquer criança, não há que dos Partes deverão assegurar um sis- gando ou restringindo, o direito de
se falar em direito de abrir mão da fre- tema educacional inclusivo em todos acesso a um direito. Entre essas práti-
qüência ao ensino obrigatório. Os pais os níveis, bem como o aprendizado cas estão as condutas veladas e, mui-
e as próprias crianças podem escolher ao longo de toda a vida, com os se- tas vezes, toleradas pela sociedade
entre os vários perfis de escolas ofici- guintes objetivos: ainda insensível aos direitos dos alu-
ais, mas não podem frustrar o acesso 1. O pleno desenvolvimento do po- nos com deficiência à inclusão.
ao ensino obrigatório. tencial humano e do senso de digni- Na verdade, quando uma criança
E se for um ensino fundamental es- dade e auto-estima, além do fortaleci- com deficiência é deixada de lado, de-
pecial ministrado em escolas especiais mento do respeito pelos direitos hu- liberadamente, até mesmo de ativida-
devidamente reconhecidas pelo Poder manos, pelas liberdades fundamen- des simples das quais ela poderia per-
Público? O acesso ao ensino obrigató- tais e pela diversidade humana; feitamente participar sem necessidade
rio estaria sendo cumprido? 2. O desenvolvimento máximo possí- de qualquer adaptação, estamos dian-
Bem, por tudo o que se pode ler na vel da personalidade e dos talentos e te de um caso de discriminação. Ou
mesma Convenção em relação à im- criatividade das pessoas com defici- ainda, se essa mesma criança é taxada
possibilidade de tratamentos diferenci- ência, assim de suas habilidades físi- insistentemente por apelidos injurio-
ados que gerem o exercício separado cas e intelectuais; sos, que fazem referência à deficiência.
de direitos; em relação ao direito da 3. A participação efetiva das pessoas Os exemplos de práticas veladas
criança de ser "incluída", ou seja, de com deficiência em uma sociedade li- de discriminação são abundantes e
estudar com os demais alunos de sua vre. (ONU, 2006) seu reconhecimento sempre vai de-
geração; pensamos que não há lugar pender da firmeza da própria pessoa
para essa prática, pois ela substitui to- Verifica-se que, para a Conven- com deficiência ou de seu responsável
talmente o acesso às classes comuns. ção em estudo, não há cumprimento em ser intransigente no reconheci-
Mas há lugar, e muito, para a prática do direito à educação fora de um sis- mento de seus direitos.
do ensino especializado, ministrado tema educacional inclusivo em todos Vale citar também o exemplo da
também em escolas especiais reco- os níveis. mais recorrente entre essas práticas
nhecidas, como apoio e complemento Além de um sistema educacional de discriminação. É o caso da conhe-
do ensino comum. inclusivo como forma de acesso à cida alegação de escolas comuns no
Esperamos que essa nova maneira educação, essa Convenção ainda sentido de não estarem preparadas
de se fazer o ensino especializado se- menciona o direito ao aprendizado ao para aceitar ou manter a matrícula de
ja acolhida pelos mais resistentes à in- longo de toda a vida. A afirmação é uma criança com deficiência.

28 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 25-31, jul/dez. 2010


Já houve um tempo em que enten- 4.3 Objetivos do sistema mental gratuito e compulsório, sob a
demos como plausível a recusa res- educacional inclusivo alegação de deficiência;
ponsável de uma escola que nunca li- Esses objetivos estão previstos nas 2. As pessoas com deficiência pos-
dou com qualquer tipo de deficiência. alíneas ("a", "b" e "c") do item "1", do ar- sam ter acesso ao ensino fundamen-
Mas isso até verificarmos que as esco- tigo 24. Eles são exatamente os mes- tal inclusivo, de qualidade e gratuito,
las as quais agem assim não estão mos objetivos visados para qualquer em igualdade de condições com as
preparadas e também não querem es- aluno, especialmente no que se refere demais pessoas na comunidade em
tar, pois não adotam nenhuma medida ao pleno desenvolvimento do potenci- que vivem;
nesse sentido. Às vezes passam-se al humano, bem como ao respeito pe- 3. Adaptações razoáveis de acordo
dois ou três anos e, quando a escola é los direitos humanos e pelas liberda- com as necessidades individuais se-
consultada novamente, a resposta des fundamentais. São termos fre- jam providenciadas;
continua sendo a mesma. Ainda está quentemente invocados como objeti- a. As pessoas com deficiência rece-
despreparada. Trata-se de discurso vos da educação em relação a qual- bam o apoio necessário, no âmbito do
inaceitável, pois, na verdade, estamos quer indivíduo. sistema educacional geral, com vistas
diante de um caso de discriminação, já O que a Convenção fez aqui foi dei- a facilitar sua efetiva educação; e
que a conseqüência dessa alegação é xar explicitada a questão relativa ao b. Efetivas medidas individualizadas
fazer com que a criança tenha sua ma- potencial das pessoas com deficiên- de apoio sejam adotadas em ambi-
trícula recusada ou cancelada. cia, da garantia de se desenvolver o entes que maximizem o desenvolvi-
Um sistema inclusivo não é aquele "máximo possível", com senso de dig- mento acadêmico e social, compatí-
que tem todas as escolas preparadas nidade e autoestima. Fez menção tam- vel com a meta de inclusão plena
da noite para o dia, mas é aquele que bém à sua participação efetiva "em (ONU, 2006).
adota uma postura pela não-exclusão uma sociedade livre".
e, a partir daí, busca as medidas ne- É bastante óbvio que todos esses As alíneas "a" e "b" referem-se à
cessárias para atender com qualidade objetivos são perseguidos em relação a compulsoriedade da matrícula, ou se-
e respeito a todos os alunos. qualquer aluno, mas era necessário re- ja, ao acesso às escolas comuns. As
afirmá-los, numa constante invocação demais alíneas se referem à perma-
4.2 Garantia de igualdade das capacidades e possibilidades das nência do aluno com deficiência em
de oportunidades pessoas com deficiência, com aceita- tais escolas.
ção e acolhimento de suas diferenças, Quanto ao acesso, está ratificado o
Como dissemos, ao lado da veda- linha que norteia o todo documento. direito do aluno com deficiência de
ção das práticas discriminatórias, não ser recusado e também que o en-
consta do artigo 24 a garantia de igual- 4.4 Maneiras de se garantir sino obrigatório é um dos direitos de
dade de oportunidades. o cumprimento do direito à tais alunos.
A igualdade de oportunidades educação Em relação à maneira de se garan-
abrange tanto o acesso como a per- tir a permanência do aluno com defici-
manência no ambiente escolar. Os demais itens do artigo 24 dizem ência na escola, a Convenção utiliza-se
Garantir o acesso das pessoas respeito ao modo de garantir o cumpri- dos termos: adaptações razoáveis ("c"),
com deficiência é simples, basta que mento do direito à educação. Eles são apoio necessário ("d") e efetivas medi-
sua matrícula não seja recusada. Ga- bastante didáticos e claros, corrobo- das individualizadas de apoio ("e").
rantir a permanência, visando à igual- rando o que já dissemos até aqui. Todos esses tratamentos diferenci-
dade de oportunidades, é a grande Como noções gerais para a or- ados são assegurados sempre com o
chave para a inclusão escolar e tam- ganização de um sistema educacio- objetivo de se garantir a inclusão plena.
bém o grande desafio. nal inclusivo a Convenção exige o As adaptações razoáveis são defi-
A permanência de alunos com de- quanto segue: nidas na própria Convenção, em seu
ficiência no ambiente escolar exige artigo 2, como sendo, em resumo, as
que tal ambiente e as pessoas que o [...] medidas necessárias a garantir a parti-
compõem realizem transformações 1. As pessoas com deficiência não cipação da pessoa com deficiência,
destinadas à sua adaptação às neces- sejam excluídas do sistema educa- sem um ônus excessivo para as de-
sidades específicas dos mais diversos cional geral sob alegação de deficiên- mais pessoas. Este é mais um motivo
alunos. Só assim eles terão igualdade cia e que as crianças com deficiência para a escola se preparar e se organi-
real de oportunidades. não sejam excluídas do ensino funda- zar para atender as diferenças com

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 25-31, jul/dez. 2010 29


qualidade de ensino para todos. Assi- Há momentos em que as necessi- os profissionais que se dedicam ao
nale-se que a exclusão dos alunos dades específicas dos alunos com de- atendimento educacional especializa-
com deficiência não pode ser a solu- ficiência, principalmente a mental, audi- do ou à educação especial. Note-se
ção para se preservar a "qualidade" do tiva ou visual, fazem com que certos que esses termos não foram utilizados
ensino para os demais alunos, sob pe- aprendizados tenham que ocorrer de pela Convenção, nem mesmo nessa
na de se negar todos os demais pos- maneira individual e separada dos de- explicitação. Isto pode ter ocorrido por
tulados da Convenção. mais alunos. É importante assegurar dois motivos.
Também não queremos confundir essa possibilidade, desde que, como O primeiro motivo é aquele segun-
esse termo com as conhecidas "adap- assinalou a Convenção, essa garantia do o qual a Convenção preferiu utilizar
tações curriculares". As escolas que seja feita em prol de sua inclusão e não termos mais genéricos, pois as no-
adotam essa estratégia, frequentemen- o contrário. Para que isso ocorra, é pre- menclaturas de etapas e modalidades
te prejulgam e delimitam previamente ciso que essas medidas individualiza- de ensino podem variar de país para
até onde o aluno com deficiência irá das não sejam substitutivas do acesso país. Contudo, esse motivo não nos
chegar em seu aprendizado, deixando ao ambiente comum, ou seja, não se- convence muito já que o termo "edu-
de lhe proporcionar acesso ao mesmo jam ministradas no mesmo horário em cação especial", principalmente, é ex-
conteúdo ministrado aos demais alu- que aquele aluno deveria estar fre- tremamente difundido e tem traduções
nos, o que não se coaduna com a idéia qüentando a sala de aula comum. possíveis e de mesmo significado nas
de inclusão e de igualdade de oportu- A medida específica também é um mais diversas línguas. Logo, o segun-
nidades. As "adaptações razoáveis" se tipo de apoio, mas os dois termos fo- do motivo, no qual acreditamos, é que,
referem a meios de acesso, de consi- ram colocados de maneira separada de fato, a Convenção não quis valer-se
deração de diferentes abordagens pa- na Convenção, nas alíneas "d" e "e". da terminologia conhecida porque ela
ra um mesmo tópico, e não de subtra- Para nós, isto ocorreu, pois há uma a dá a idéia de um sistema à parte de en-
ção desse tópico, o que comumente diferença entre apoio e medida especí- sino. É justamente isso que a Conven-
ocorre nas "adaptações curriculares". fica de apoio. O apoio ocorre na mes- ção quer eliminar, sem prejuízo da
O apoio necessário (alínea "d"), por ma sala de aula, de maneira concomi- qualidade e do atendimento às neces-
sua vez, diz respeito a algo mais do tante com o ensino, ou à parte, mas no sidades específicas dos alunos com
que uma mera adaptação dos mes- mesmo contexto do ambiente escolar deficiência. Verifiquemos como ela re-
mos materiais e instrumentos utiliza- e tendo em vista o mesmo conteúdo solveu essa equação:
dos pelos demais alunos. escolar dos demais alunos. Já as me-
Ele trata daquilo que vai comple- didas específicas são intervenções Os Estados Partes deverão assegurar
mentar o aprendizado de um aluno mais localizadas e podem até ocorrer às pessoas com deficiência a possibi-
com deficiência e que não seria neces- em outra escola, numa escola espe- lidade de aprender as habilidades ne-
sário para um aluno comum. Exemplo: cializada. E, para que não seja total- cessárias à vida e ao desenvolvimen-
um professor de Língua Portuguesa mente substitutivo, esse ensino deve to social, a fim de facilitar-lhes a plena
como segunda língua para um aluno ocorrer no contraturno. e igual participação na educação e
surdo. Tal profissional terá contribui- Mas a Convenção não pára por aí. como membros da comunidade. Para
ções fundamentais que apoiarão o alu- Ela explicita esses apoios e medidas tanto, os Estados Partes deverão to-
no surdo em sua trajetória de alfabeti- específicas. Não fez o mesmo sobre mar medidas apropriadas, incluindo:
zação, sem substituir o professor co- as formas de "adaptações razoáveis" 1. Facilitação do aprendizado do
mum. Daí o nome de "apoio". porque elas são as mais diversas e se braile, escrita alternativa, modos,
Finalmente, a Convenção assegu- modificam de aluno para aluno, até meios e formatos de comunicação
ra as "efetivas medidas individualiza- mesmo para aqueles que têm iguais aumentativa e alternativa, e habilida-
das de apoio" (alínea "e"). Essas medi- deficiências. Elas vão sempre depen- des de orientação e mobilidade,
das serão adotadas "em ambientes der do ambiente em que está inserida além de facilitação do apoio e acon-
que maximizem o desenvolvimento a escola, a criança e serão definidas selhamento de pares;
acadêmico e social, compatível com a em conjunto pelos próprios professo- 2. Facilitação do aprendizado da
meta de inclusão plena". Agora a Con- res, familiares, alunos e, principalmen- língua de sinais e promoção da
venção resgata os atendimentos espe- te, pelos próprios alunos com deficiên- identidade lingüística da comunida-
cíficos, à parte do ambiente comum, cia interessados. de surda; e
mas que tenham sempre em vista a in- Os apoios e medidas específicas 3. Garantia de que a educação de
clusão plena. de apoio devem ser de interesse para pessoas, inclusive crianças cegas,

30 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 25-31, jul/dez. 2010


surdocegas e surdas, seja ministrada e deve estar assegurada no sistema Para garantir a permanência do
nas línguas e nos modos e meios de educacional inclusivo. Isto vai fazer aluno com deficiência no ambiente
comunicação mais adequados às com que não só os surdos a adqui- escolar comum a Convenção deter-
pessoas e em ambientes que favore- ram, mas também com que as demais mina que se providencie: as adapta-
çam ao máximo seu desenvolvimen- pessoas tenham noção dela. Dessa ções razoáveis, o apoio necessário e
to acadêmico e social. maneira, a "identidade surda" será co- as efetivas medidas individualizadas
4. A fim de contribuir para a realiza- nhecida, acolhida e respeitada, pois de apoio.
ção deste direito, os Estados Partes essa diversidade faz parte do mundo Mesmo quando garante tais aten-
deverão tomar medidas apropriadas em que todos vivem. dimentos, a Convenção não quis valer-
para empregar professores, inclusive se da terminologia mais conhecida,
professores com deficiência, habilita- educação especial, porque ela dá a
Conclusão
dos para o ensino da língua de sinais idéia de um sistema à parte de ensino
e/ou do braile, e para capacitar profis- A Convenção da Organização das e é justamente isso o que a Conven-
sionais e equipes atuantes em todos Nações Unidas sobre direitos de pes- ção quis eliminar.
os níveis de ensino. Esta capacitação soas com deficiência adota o paradig-
deverá incorporar a conscientização ma da total inclusão educacional, bem Referências
da deficiência e a utilização de apro- como garante o direito aos apoios e
ARAUJO, L. A. D. O Desenvolvimento da De-
priados modos, meios e formatos de instrumentos específicos para aqueles mocracia como resultado da efetiva participa-
comunicação aumentativa e alternati- que necessitam dessas adaptações. ção do cidadão. In: GARCIA, M. Democracia,
va, e técnicas e materiais pedagógi- Ela garante esses apoios de forma hoje. Um modelo político para o Brasil. São
Paulo: Celso Bastos Editor e Instituto Brasilei-
cos, como apoios para pessoas com a não impedir o acesso dos alunos ro de Direito Constitucional, 1997.
deficiência (ONU, 2006). com deficiência ao mesmo ambiente
BELISÁRIO FILHO, J. F. Inclusão: uma revolu-
que os demais alunos freqüentam.
ção na saúde. Rio de Janeiro: WVA Editora,
Esses dispositivos, constantes do Para essa Convenção, não há 1999.
sempre citado artigo 24, são a pedra acesso à educação fora de "um siste-
BONAVIDES, P. A salvaguarda da democracia
de fecho do sistema educacional inclu- ma educacional inclusivo em todos os
constitucional. In: MAUÉS, A. G. M. (Org.).
sivo. Eles o arrematam de maneira a níveis". Constituição e Democracia. São Paulo: Max
contemplar os pleitos e preocupações A Convenção permite expressa- Limonad, 2001.
por parte dos segmentos mais resis- mente que a inclusão escolar de alu- FÁVERO, E. A. G. Direitos das pessoas com
tentes à inclusão educacional. O Esta- nos com deficiência seja tomada co- deficiência: garantia de igualdade na diversi-
do-parte que seguir tanto as orienta- mo mais uma bandeira dos direitos hu- dade. Rio de Janeiro: WVA Editora: 2004.
ções de caráter geral, quanto essas re- manos da infância, portanto, um direi- ______; PANTOJA, L. de M.; MANTOAN, M. T.
lativas aos apoios e medidas específi- to inalienável. E. O acesso de alunos com deficiência às
cas, estará dando um grande salto de Quando a Convenção menciona o classes e escolas comuns da rede regular.
Brasília: Procuradoria Federal dos Direitos do
qualidade em relação ao ensino das direito ao aprendizado ao longo de to- Cidadão, 2004.
pessoas com deficiência. da a vida, está se referindo também
Queremos ressaltar: eles estão em aos vários cursos livres existentes, co- GRAU, E. R. Ensaio e discurso sobre a inter-
pretação/aplicação do Direito, 2ª edição. São
sintonia com o sistema educacional in- mo culinária, expressão oral, fotogra- Paulo: Malheiros Editores, 2003.
clusivo, pois a Convenção não pode fia, línguas, artes, direção, etc.
MANTOAN, M. T. E. Ser ou estar, eis a ques-
ser interpretada de maneira a negar a Um sistema educacional inclusivo
tão: explicando o déficit intelectual. Rio de Ja-
si própria. é aquele que proíbe a utilização de neiro: WVA Editora, 1997.
Logo, por exemplo, mesmo quan- práticas discriminatórias e garante
______. Inclusão escolar: o que é? Por quê?
do ela garante o ensino nas línguas e igualdade de oportunidades.
Como fazer? São Paulo: Editora Moderna,
nos modos e meios de comunicação As práticas discriminatórias abran- 2003.
mais adequados, fazendo referência gem as formas veladas de discrimina-
MONTEIRO, A. dos R. M. O direito à educa-
às crianças surdo-cegas, surdas, entre ção, entre elas, a alegação de despre- ção. Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1999.
outras, ela está falando sempre de paro associada à falta de iniciativa nes-
apoios e de medidas específicas e não se sentido. MORAES, M. C. Educar na biologia do amor e
da solidariedade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
de um sistema educacional apartado. A igualdade de oportunidades
Inclusive a promoção da identidade abrange tanto o acesso como a per-
lingüística da comunidade surda pode manência no ambiente escolar.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 25-31, jul/dez. 2010 31


32 ENFOQUE

INCLUIR NÃO É INSERIR,


MAS INTERAGIR E CONTRIBUIR

Rita Vieira de Figueiredo1

Resumo
A inclusão se traduz pela capacidade da escola em dar danças significativas na gestão da escola, tornando-a
respostas eficazes à diferença de aprendizagem dos mais democrática e participativa, compreendendo o
alunos. Ela demanda que a escola se transforme em espaço da escola como um verdadeiro campo de
espaço de trocas o qual favoreça o ato de ensinar e de ações pedagógicas e sociais, no qual as pessoas com-
aprender. Transformar a escola significa criar as condi- partilham projetos comuns. Ela se caracteriza por seu
ções para que todos participem do processo de cons- carácter colaborativo, desenvolvendo valores e organi-
trução do conhecimento independente de suas carac- zando o espaço da escola de modo que todos se sin-
terísticas particulares. A inclusão requer também mu- tam dele integrantes. Esta escola tem como princípio

1
(Ph.D) Professora da Universidade Federal do Ceará.

32 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010


fundamental compartilhar liderança e estimular a troca quando o professor o percebe como sujeito de apren-
de experiências, minimizando as dificuldades do con- dizagem e organiza propostas didáticas que favore-
texto e dos alunos e favorecendo as mudanças neces- çam essa participação. Os professores que enfrentam
sárias na gestão da sala de aula e das práticas peda- o desafio da inclusão percebem que este processo
gógicas. A escola que inclui valoriza o papel social do modifica a vida escolar e a relação com os demais
aluno, pois repousa sobre o princípio da contribuição. membros da sua escola, modificando inclusive sua for-
A classe se constitui em um reagrupamento no qual mação pessoal e profissional.
cada aluno deve colaborar com o processo de constru-
ção do conhecimento dentro de suas possibilidades. A Palavras-chave: Inclusão escolar; Práticas pedagógicas;
participação ativa do aluno com deficiência é possível Educação nas diferenças.

Abstract
The inclusion is reflected by the ability of the school to and fostering the necessary changes in the manage-
respond effectively to the difference in student learning. ment of the classroom and teaching practices. The
It demands that the school would become an area of school values that includes the social role of student
trade that favors the act of teaching and learning. because it rests on the principle of contribution. The
Transforming school means creating the conditions for class constitutes a family in which each student must
everyone to participate in the process of constructing cooperate with the process of constructing knowledge
knowledge regardless of their particular characteristics. within their possibilities. The active participation of stu-
Inclusion also requires significant changes in school dents with disabilities is possible when the teacher per-
management and make it more democratic and partici- ceives as the subject of learning and organizes didactic
patory, including school space as a true field of educa- proposals that encourage such participation. Teachers
tional and social activities in which people share com- who face the challenge of inclusion realize that this
mon projects. It is characterized by its collaborative process changes the school life and relationship with
nature of developing values and organizing the space of the other members of their school, including changing
the school so that everyone feels his members. This their personal and professional development.
school has the fundamental principle of sharing leader-
ship and encourage the exchange of experiences, thus Key-words: School inclusion; Pedagogical practices,
reducing the difficulties of the context and the students Differences in education.

Introdução 2008) assegura o direito de toda cri- essa política, este atendimento as-
A premissa da inclusão escolar é ança freqüentar a escola comum, segura que os alunos aprendam o
relativamente bem compreendida esclarecendo ações que são de que é diferente do currículo do ensi-
em nosso país. A polêmica em torno competência da educação especial no comum e que é necessário para
do tema parece se situar na maneira daquelas que são de competência que possam ultrapassar as barreiras
como realizar as condições para do ensino comum. Este último é res- impostas pela deficiência. O Atendi-
concretizar a convivência e a apren- ponsável pela escolarização de to- mento Educacional Especializado
dizagem de alunos com e sem defi- dos os alunos, indistintamente, nas foi regulamentado pelo Decreto Nº.
ciência no espaço da sala de aula, classes comuns de ensino, o primei- 6.571, de 2008. O referido decreto
bem como explicitar as ações e inte- ro, pelos serviços de que podem ne- reestrutura a educação especial,
rações entre a educação especial e cessitar os alunos público alvo da consolida diretrizes e ações já exis-
os sistemas comuns de ensino. A educação especial. Dentre esses tentes, voltadas à educação inclusi-
Política da Educação Especial na serviços, a política orienta para a va, e destina recursos do Fundo da
Perspectiva de Educação Inclusiva, oferta do Atendimento Educacional Educação Básica (Fundeb) ao aten-
de janeiro de 2008 (MEC/SEESP, Especializado - AEE. De acordo com dimento de necessidades específi-

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010 33


cas do segmento. que contribui com as ações daquela Segundo Hemmingson e Borell
O professor de AEE oferece comunidade educativa. Este mesmo (2002), promover a educação inclu-
acompanhamento em sala de aula preceito deve ser observado no inte- siva tem como pré-requisito a parti-
para ensinar o uso de recursos des- rior da sala de aula, espaço pedagó- cipação efetiva dos alunos, a qual
tinados aos alunos com deficiência gico em que cada aluno se constitui está relacionada ao ambiente esco-
aos professores e demais alunos. O em sujeito de aprendizagem que lar. Os autores desenvolveram na
professor do AEE deve identificar e contribui efetivamente para elabora- Suécia um estudo que teve como
desenvolver estratégias educativas ção de um saber o qual só tem sen- objetivo identificar as barreiras para
visando à superação das dificulda- tido quando compartilhado por to- a participação em escolas inclusi-
des de aprendizagem dos alunos. dos os membros da classe. vas a partir da perspectiva dos pró-
Ele inclui em suas ações: avaliação A concretização da política de in- prios estudantes com deficiência fí-
do aluno, a gestão do seu processo clusão se expressa pela criação de sica. Os resultados mostram que
de aprendizagem e acompanha- salas de recursos multifuncionais dois terços dos estudantes experi-
mento desse aluno na sala de recur- nas escolas públicas brasileira, por mentaram barreiras na participação
sos multifuncionais (espaço destina- uma política de formação de profes- tanto no ambiente físico quanto no
do para realização do AEE) e na in- sores em Atendimento Educacional social. A maioria das barreiras teve
terlocução com o professor do ensi- Especializado voltado para o atendi- origem na maneira como as ativida-
no comum. mento das crianças nessas escolas, des da escola estão organizadas e
Apesar de assegurado pelo de- bem como pela transformação das são executadas. Por exemplo, mes-
creto acima mencionado, o AEE não práticas pedagógicas e da gestão mo com todas as salas adaptadas
está implementado em todas as es- escolar nas redes de ensino. Deste fisicamente, o fato das atividades
colas brasileiras e, ainda como se modo, o desafio de escolarizar to- desenvolverem-se em lugares dife-
trata de um serviço recente, não dis- das as crianças no ensino comum rentes dependendo da disciplina,
pomos de pesquisas que indiquem não é tarefa da educação especial, dificultava a participação dos alu-
o impacto desse atendimento na mas das redes públicas de ensino. nos com deficiência física simples-
aprendizagem dos alunos que dele Uma política de vanguarda não mente pelo fato desses alunos apre-
se beneficiam. O atendimento edu- garante a acessibilidade aos sabe- sentarem maior lentidão na locomo-
cacional por si só não garante a res escolares se não houver uma ção de um espaço a outro da esco-
aprendizagem dos alunos, ou seja, verdadeira transformação no interior la. As falhas em conseguir os ajus-
mudanças substanciais no interior da escola. Faz-se necessário con- tes ambientais adequados resulta-
da escola e nos sistemas de ensino cretizar, no cotidiano dessa institui- ram na restrição da participação ou
se fazem necessárias para garantir a ção, o que já está assegurado por exclusão destes alunos de algumas
aprendizagem de todos os alunos. A lei. Não basta garantir a acessibilida- das atividades em classe. Os resul-
colaboração entre os diversos agen- de, ou seja, é preciso criar as condi- tados do estudo sugerem que a ma-
tes da escola tais como os gestores ções para que a escola se transfor- neira como as atividades estão or-
e a equipe técnica, os professores me em espaço verdadeiro de trocas ganizadas na escola devem ser o
da sala comum e os professores do que favoreçam o ato de ensinar e de principal alvo de transformação pa-
AEE é imprescindível para o desen- aprender. Neste sentido, nosso país ra garantir uma total participação
volvimento de uma prática sintoniza- ainda tem um importante caminho a dos alunos que apresentam defici-
da com as necessidades dos alu- percorrer para assegurar educação ência. Este aspecto não prevê ape-
nos. Esses profissionais devem a todos os jovens, crianças, adultos nas a previsão de atividades didáti-
aprender a trabalhar juntos e or- e adolescentes que integram o siste- cas, mas também o ambiente sócio-
questrar seus esforços em favor do ma público de ensino. interacional da escola.
desenvolvimento de uma educação Transformar a escola significa Em relação ao ambiente escolar
de qualidade. Faz-se necessário às criar as condições para que TODOS favorável à inclusão, Soodak (2003)
redes de ensino conceberem um os alunos possam atuar efetivamen- faz referência ao desenvolvimento
modelo de formação e acompanha- te nesse espaço educativo, focando de estratégias para melhorar a qua-
mento que permita a cada um des- as dificuldades do processo de lidade global do ambiente da sala
ses grupos desenvolver um saber e construção para o ambiente escolar de aula para acolher os alunos com
um saber fazer que valorize a partici- e não para as características particu- deficiência. Essas estratégias con-
pação de cada um como membro lares dos alunos. templam a organização de um am-

34 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010


biente, onde os alunos se sentem quado o professor procurava discu- apoiar, estabelecendo rotinas de tra-
acolhidos, seguros e apoiados. Su- tir com todas as crianças as medi- balho cotidiano da sala de aula e as-
as principais sugestões são: criar das que deveriam ser tomadas para segurando a participação de todos
uma comunidade inclusiva, promo- contornar ou resolver aquele pro- os alunos nas atividades da classe.
ver o sentimento de pertença, facili- blema. Ainda no contexto da convivência da
tar a aproximação das crianças, fa- O autor exemplifica com o caso classe é importante reconhecer que
vorecendo a amizade entre os alu- de uma criança com síndrome de a criança é fonte de um saber e de
nos, desenvolver a colaboração en- Down que freqüentemente fugia da uma cultura. Logo, ela participa da
tre pais e professores e entre pro- sala. O professor discutiu o proble- construção de um saber coletivo de
fessores e outros membros da es- ma com a turma e pediu que escre- modo que a participação de cada
cola, apoiar e incentivar comporta- vessem possíveis soluções para fa- aluno nas atividades da classe é re-
mentos positivos em todos os alu- zer a criança ficar em sala. As solu- conhecida pelos demais colegas. O
nos e não apenas naqueles que de- ções apresentadas pelos colegas acolhimento é garantido quando o
monstram comportamentos inade- estavam vinculadas aos aspectos professor faz o acompanhamento
quados ao ambiente escolar, evitan- afetivos e atitudinais tais como: de- das estratégias utilizadas pelas cri-
do punições e expulsões. monstrar que gosta do colega com anças em suas aprendizagens, sen-
Ainda em relação à interação síndrome de Down e dar mais aten- do capaz de ouvi-la manifestando in-
entre os alunos em contexto de in- ção para ele. teresse e afetividade por ela (pelos
clusão, Bloom e Perlmutter (1999) O autor ressalta também a im- seus sucessos, suas dificuldades,
alertam que problemas relaciona- portância da crença no sucesso do suas preocupações). Estes aspec-
dos a comportamentos devem ser trabalho para que o processo de in- tos dizem respeito diretamente à
abordados como um problema clusão aconteça. Ele enfatiza que é gestão da sala de aula, mas estão
pertencente a toda a classe, e não fundamental não apenas o profes- relacionados também a gestão da
apenas ao professor. O autor res- sor acreditar que participação da- escola. Eles se constituem em ele-
salta a importância de construir quela criança na sala de aula regu- mentos centrais na mudança de
um ambiente acolhedor e interati- lar é possível, como também fazer uma escola que exclui para aquela
vo entre as crianças, contrapon- as outras crianças acreditarem nis- que inclui.
do-se à punição e repreensão. Ele so. E isso está diretamente ligado à
aponta alguns aspectos importan- capacidade de acreditar em si mes- A gestão da escola e
tes para o processo de inclusão mo e de manter a auto-estima de to-
a gestão da classe
de crianças com deficiência no dos os alunos.
que se refere ao comportamento e Em estudo por nós realizado (FI- como elementos
à interação da turma toda: a pre- GUEIREDO, 2008) em uma escola constitutivos de
paração dos demais alunos que pública em contexto de inclusão es- atenção às diferenças
devem desde sempre ser ensina- colar, constatamos que o tipo de
dos a respeitar, a cuidar uns dos convivência estabelecida na classe Mudanças na gestão da escola
outros e a expressar afetividade; a independe da presença de alunos se configuram no sentido de torná-la
auto-regulação das crianças com com deficiência, bem como as difi- mais democrática e participativa pa-
deficiência no que concerne aos culdades de inserção não estão re- ra alunos, professores e demais ato-
comportamentos apropriados pa- lacionadas à deficiência, mas a for- res desse espaço pedagógico. Sig-
ra viver em comunidade. ma como a criança é educada. No nifica compartilhar projetos e deci-
O autor observa que algumas espaço da sala da aula, a convivên- sões e desenvolver uma política que
crianças com deficiência não pos- cia se torna mais harmoniosa quan- compreenda o espaço da escola co-
suem habilidades de selecionar e do a professora consegue estabele- mo um verdadeiro campo de ações
controlar seu próprio comportamen- cer com seu grupo um ambiente on- pedagógicas e sociais, no qual as
to de modo a interagir socialmente de as crianças se sentem seguras, pessoas compartilham projetos co-
de forma positiva; trabalhar tendo respeitadas, acolhidas e percebem muns, cada um deles representando
em vista uma abordagem do tipo re- o reconhecimento do outro sobre as uma oportunidade real de desenvol-
solução de problemas: a cada suas ações. Para isso, o professor vimento pessoal e profissional. A
acontecimento perturbador provo- deve ser uma referência de seguran- gestão na escola inclusiva tem um
cado por um comportamento inade- ça sobre a qual a criança pode se caráter colaborativo que implica no

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010 35


desenvolvimento de valores que mo- trabalho conjunto entre professores Uma das grandes marcas da es-
bilizam as pessoas a pensarem, vive- regulares e professores especiais, cola que inclui é a valorização do
rem e organizarem o espaço da es- sugerindo atividades que podem ser papel social do aluno, qualquer que
cola, incluindo nele todos os alunos. divididas ao mesmo tempo em sala sejam suas características, visto
Segundo Hines (2008), a atua- de aula por ambos. Por fim, o autor que esta escola repousa sobre o
ção da direção é fundamental para o reforça a importância de trabalhar princípio da contribuição. Deste mo-
sucesso na transformação de uma mediante uma sistemática de resolu- do, a classe do ensino regular se
escola para uma perspectiva inclusi- ção de conflitos. O diretor deve es- constitui em um reagrupamento no
va. A ação da direção é importante forçar-se para explorar de forma qual cada aluno deve colaborar
no sentido de guiar, estimular e faci- aprofundada as estratégias de reso- com o processo de construção do
litar a colaboração entre os profes- lução dos conflitos que surgirão. conhecimento dentro de suas pos-
sores do ensino comum e entre es- Ouvir cada professor, estimular a co- sibilidades. A valorização do papel
tes e os professores especializados, municação entre eles, esclarecer social do aluno só é possível na me-
sendo, portanto, o trabalho coletivo pontos de divergência deixando cla- dida em que ele é reconhecido por
como tarefa incontornável por parte ro para cada um a fonte do proble- seus pares como uma pessoa que
do contexto escolar. De acordo com ma e sugerindo que cheguem a um traz uma contribuição, mesmo que
o autor, quatro princípios devem fun- ponto em comum deve ser parte in- seja modesta, ao desenvolvimento
damentar o trabalho do diretor na dispensável do trabalho de uma de saberes, de saber-fazer e do sa-
perspectiva da construção de uma gestão escolar inclusiva. O aspecto ber ser coletivo. A criança percebe-
escola que inclui. O primeiro diz res- da comunicação e da colaboração se como um indivíduo que contribui
peito à manutenção de uma comuni- também foi identificado por Penafor- para o desenvolvimento de saberes
cação aberta com o corpo docente te (2009) como fundamental no pro- e do saber-fazer coletivo e retira dis-
da escola, bem como estimular e in- cesso de construção de uma escola so múltiplas vantagens. Entretanto,
termediar a comunicação livre e ho- inclusiva. Na nossa compreensão, a essa participação ativa do aluno
nesta. Dentro deste princípio, ele gestão compartilhada aumenta as com deficiência no contexto da sala
enxerga seis atividades que devem possibilidades dos atores escolares regular só é possível se o professor
ser sugeridas aos professores: assumirem os projetos da escola co- perceber esse aluno como sujeito
compartilhar experiências bem su- mo de todos e minimizando as difi- de aprendizagem e se conseguir or-
cedidas, agendar tempo para plane- culdades do contexto e dos alunos, ganizar propostas didáticas que fa-
jamento conjunto, registrar suas ati- favorecendo as mudanças necessá- voreçam essa participação.
vidades, suas preocupações e o rias na gestão da sala de aula e con- A percepção de professores de
modo como conseguiram resolvê- seqüentemente nas práticas peda- classes regulares a respeito de co-
las, visitar outras instituições que te- gógicas. Isso significa transformar mo eles organizam seu trabalho ten-
nham experiência no processo de as práticas que temos hoje (na sua do em vista a presença de um aluno
inclusão, coletar material de fontes maioria, pautadas no conceito de com deficiência foi investigada na
diversas sobre a temática da inclu- homogeneidade) em práticas que Austrália por O'Donoghue e Chal-
são e, finalmente, comemorar cada atendam às diferenças dos alunos mers (2000). A pesquisa durou em
acerto, como forma de valorizar as da sala de aula. torno de um ano letivo e teve como
pequenas conquistas. Essa transformação da escola sujeitos 22 professores de escolas
O segundo princípio consiste em não decorre apenas da demanda de ensino fundamental. Os resulta-
compartilhar a liderança e estimular de crianças com deficiência que dos permitiram classificar os profes-
a troca de conhecimento, bem como apresentam dificuldades para se sores em três categorias: 1) os que
empoderar os professores, fazendo- apropriarem dos conteúdos esco- realizavam adaptações seletivas
os capazes de compartilhar suas ex- lares, mas também de uma grande com ênfase na organização da sala
periências como professores espe- parte daquelas consideradas nor- de aula, 2) os que realizam o traba-
cializados de modo a estimular a mais que também apresentam difi- lho enfatizando metodologias (estra-
união de forças, e não a concorrên- culdades semelhantes, e ainda, tégias) de ensino e 3) aqueles que
cia entre eles. O terceiro princípio re- por uma consciência coletiva de baseavam suas modificações tendo
fere-se ao estabelecimento de me- que a escola que temos já não como foco os conteúdos curricula-
tas viáveis e objetivos comuns. Nes- atende mais as exigências da soci- res. Tais categorias foram definidas
te ponto, o autor reforça a idéia de edade atual. a partir da forma como os professo-

36 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010


res elaboravam suas estratégias de mudança. Alguns professores ade- realização de projetos comuns. A
manejo de sala de aula tendo nela rem rapidamente e demonstram colaboração estabelecida entre os
um aluno com deficiência. De acor- confiança na possibilidade de de- professores, conforme já descrita
do com os autores, os professores senvolverem uma pedagogia que anteriormente, é outro aspecto que
evoluíam no processo de adaptação contemple as diferenças de todos deve ser ressaltado também na es-
de suas estratégias de sala de aula os alunos. Outros, ao contrário, re- cola das diferenças.
que consistem nas seguintes eta- sistem a essa idéia, e, há aqueles Thousand e Villa (2006) realiza-
pas: 1) Diante da informação de que que se apropriam pouco a pouco ram um estudo no qual exploraram
iriam receber alunos com deficiência dessa concepção e vão implemen- os benefícios do planejamento cola-
em suas salas, os professores co- tando pequenas mudanças no ensi- borativo e concluíram que quando
meçavam a discutir as bases legais no e na gestão da classe. Os aspec- os professores trabalham em coo-
dessa inclusão e as possibilidades tos de investimento das mudanças peração no seu planejando e em su-
de recusar esses alunos, no qual também se diferenciam. Alguns as atividades práticas de ensino,
uma certa resistência era observa- atentam rapidamente para a organi- eles tornam-se mais capazes de su-
da. 2) O professor começava a con- zação da classe e as formas de prirem as necessidades específicas
siderar efetivamente o impacto des- agrupamento de seus alunos; ou- de seus alunos e podem cumprir
se processo na sua prática de sala tros priorizam o desenvolvimento de melhor os objetivos propostos. O
de aula e no seu trabalho como um atividades com diferentes propostas estudo explicita os diferentes modos
todo e começava a considerar alte- didáticas que favorecem as diferen- de colaborar e co-ensinar, inclusive
rações em sua atividade em sala pa- tes possibilidades de manifestação tendo os estudantes como parceiros
ra realização do trabalho. 3) Os pro- de aprendizagem por parte dos alu- colaborativos. Os autores ilustram
fessores definitivamente engajavam- nos e há os que começam a trans- esses modos de colaboração com
se (ou não) no processo de inclusão formação pelo desenvolvimento da os seguintes exemplos:
de seus alunos. Nesta etapa, eles pedagogia de projetos. A autono- l Suporte natural do colega:
definem um ponto de vista e come- mia dos alunos se constitui no as- quando um colega da mesma ida-
çam a racionalizar sua execução. 4) pecto mais difícil a ser implementa- de ou mais velho pode assumir a
Os professores começam identificar do pelos professores (FIGUEIRE- responsabilidade de apoiar a parti-
as práticas que deverão ser modifi- DO, 2008b). Investigando o proces- cipação de um estudante com de-
cadas para acomodar o aluno incluí- so de mudança de práticas pedagó- ficiência em atividades curriculares
do, desenvolvem estas práticas e re- gicas no contexto da inclusão esco- e atividades sociais. Por exemplo,
organizam o trabalho de acordo lar, Lustosa (2009) observou resulta- os colegas podem tomar notas pe-
com os resultados obtidos. E, por úl- dos semelhantes no processo de lo amigo, facilitar a comunicação
timo, os professores fazem uma es- mudanças das professoras que fize- com os outros colegas conheci-
timativa das mudanças realizadas ram parte de sua pesquisa. dos, ajudar na locomoção, dentre
em suas salas e dos resultados po- Em uma escola que organiza as outras possibilidades.
sitivos do trabalho. situações de aprendizagem consi- l Suporte consultivo: ocorre quan-
A pesquisa revela ainda que os derando as diferenças, o ensino e do um ou vários adultos, muitas ve-
professores consideram que o pro- os apoios ao ensino se integram zes um professor especializado,
cesso de inclusão modifica a vida para orquestrar a aprendizagem, encontram-se regularmente com o
escolar e a relação com os demais garantindo a participação efetiva professor de sala de aula para tro-
membros da sua escola. Figueiredo dos alunos em todas as práticas car informações sobre o progresso
(2008) constatou que as professo- educativas. Elas se embasam na do estudante, avaliar a necessida-
ras em contexto de inclusão atribu- implementação de um ensino que de de adaptar ou complementar
em transformações não somente na leve em conta as especificidades materiais e solucionarem proble-
gestão da sala de aula, mas tam- de cada sujeito e que faz apelo à mas em conjunto.
bém em sua vida pessoal. Essas cooperação em situação de apren- Segundo os autores, é possível
mudanças não se fazem de modo dizagem. O professor deve respei- ainda que dois ou mais professores
similar nem nas crenças dos profes- tar os diferentes ritmos de aprendi- trabalhem colaborativamente com
sores quanto às próprias capacida- zagem dos alunos, favorecendo a grupos diferentes de estudantes
des de efetuarem a mudança nem atividade conjunta entre eles, com em diferentes situações. Essas
nos aspectos de investimento dessa e sem deficiência no momento da ações, certamente, constituem-se

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010 37


em estratégias eficientes para a colares. A concretização da política
gestão da sala de aula que contem- de inclusão se torna perceptível
pla todos os alunos da turma, per- quando as redes de ensino come-
mitindo ao professor seguir a evolu- çam a se organizar para receber e
ção do desenvolvimento das com- oferecer as condições de aprendiza-
petências dos alunos. gem a todo seu alunado.
Muitas outras formas de colabo-
ração são possíveis de serem imple- Referências
mentadas no contexto de uma clas-
se que vive o princípio da colabora- BLOOM, L. A., J. C. PERLMUTTER, et al.
The general educator: applying construc-
ção em detrimento à competição e tivism to inclusive classrooms. Interventi-
compreendem o processo de cons- on in School and Clinic 34(3),1999, p.
trução do conhecimento como emi- 132-136.

nentemente cooperativo com o qual BRASIL, Ministério da Educação. Política


todos podem contribuir indepen- de Nacional de Educação Especial na
Perspectiva de Educação Inclusiva. Brasí-
dendo de limites ou dificuldades.
lia: MEC/SEESP, 2008.

Considerações finais FIGUEIREDO, R. V. Gestão da Aprendiza-


gem na Diversidade. Relatório de pesqui-
sa. Fortaleza: Universidade Federal do Ce-
A inclusão se traduz pela capaci- ará, 2008a.
dade da escola em dar respostas
FIGUEIREDO, E. V. Práticas de Leitura e de
eficazes às diferenças de aprendiza- Escrita na Diversidade da Sala de Aula. Dis-
gem dos alunos, considerando o sertação (Mestrado em Educação). Fortale-
desenvolvimento deles como priori- za: Universidade Federal do Ceará, 2008b.

tário. A prática da inclusão implica HEMMINGSON, H.; BORELL, L. Environ-


no reconhecimento das diferenças mental barriers in mainstream schools. Hi-
nes: Child, Care, Health and Development:
dos alunos e na concepção de que 2002, p. 57-63.
a aprendizagem é construída em co-
operação a partir da atividade do su- HINES, J. T. Making Collaboration Work in
Inclusive High School Classrooms: Recom-
jeito diante das solicitações do mendations for Principals. Intervention in
meio, tendo o sujeito de conheci- School and Clinic, 2008, p. 277-282.
mento como um sujeito autônomo.
LUSTOSA, G. Inclusão, o olhar que ensina:
O professor pode ampliar as possi- o movimento da mudança e a transforma-
bilidades aprendizagem do aluno a ção das práticas pedagógicas no contexto
de uma pesquisa-ação. Tese (Doutorado
partir de diferentes propostas didáti-
em Educação). Fortaleza: Universidade Fe-
cas as quais ele pode organizar no deral do Ceará, 2009.
desenvolvimento das práticas peda-
O'DONOGHUE, T. A.; CHALMERS, R. How
gógicas. Para isso, é importante re- teachers manage their work in inclusive
fletir sobre os desafios do cotidiano classrooms. Teaching and Teacher Educati-
escolar. Este novo olhar e esta nova on, 2000, p. 889-904.
forma de atuar ampliam as possibili- PENAFORTE, S. A gestão para a inclu-
dades de desenvolvimento profissi- são: uma pesquisa-ação colaborativa no
onal e pessoal do professor. meio escolar. Tese (Doutorado em Educa-
ção). Fortaleza: Universidade Federal do
A educação brasileira enfrenta o Ceará, 2009.
desafio de, no desenvolvimento das
SOODAK, L. C. Classroom Management in
práticas cotidianas, transformar-se,
Inclusive Settings. Theory into Practice v.
para ser capaz de garantir a acessi- 42 nº 4, 2003, p. 327-333.
bilidade e a permanência de todas
THOUSAND, J. S.; R. A. VILLA, Et al. The
as crianças, de modo que elas pos- Many Faces of Collaborative Planning and
sam se apropriar dos bens culturais Teaching. Theory into Practice, 2006, p.
traduzidos como conhecimentos es- 239-248.

38 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010


ENFOQUE 39

TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO


E OS DESAFIOS PARA O PROCESSO DE
INCLUSÃO EDUCACIONAL
Rosane Lowenthal1

José Ferreira Belisario Filho2

Resumo
Os transtornos globais do desenvolvimento (TGD) apre- algumas características, mas principalmente os concei-
sentam prejuízo na qualidade da sociabilidade, da comu- tos de cognição social e funções executivas para que
nicação e de comportamentos repetitivos e estereotipa- possam subsidiar um novo olhar das práticas pedagógi-
dos. A legislação brasileira garante que a educação de cas no ambiente escolar.
qualquer pessoa, independente de sua condição huma-
na, deve ser na rede regular de ensino nas salas de aula Palavras-chave: Transtornos globais do desenvolvimen-
comuns. Neste artigo, abordaremos os principais TGD, to; Inclusão escolar; Cognição social.

1
Mestre e doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
2
Psiquiatra, Doutor em Ciências da Saúde. Membro do Conselho Técnico Cientifico CAPES do Ministério da Educação.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010 39


Abstract
Pervasive developmental disorders (pdds) are characte- we will cover the main TGD, some characteristics, but
rized by marked impairments in reciprocal social interac- mainly the concepts of social cognition and executive
tion, language, and communication and by the presence functions that may support a new view of pedagogical
of repetitive/stereotypic patterns of behavior and inte- practices in schools.
rests. Brazilian law guarantees that the education of any
person, regardless of their human condition, must be in Key-Words: Pervasive developmental disorders; Regular
the regular education classroom common. In this article education; Social cognition.

Introdução neidade das manifestações compor- pecíficos, o que os torna muitas ve-
tamentais e os diferentes graus de zes inadequados e desadaptados
Os transtornos globais do desen- acometimento estão relacionados a socialmente (KLIN, 2006).
volvimento (TGD) são condições uma possível natureza dimensional Os primeiros trabalhos só come-
que, segundo a quarta edição revisa- do transtorno e que, por natureza, çaram a ser descritos em 1956, por
da do Manual Diagnóstico e Estatísti- são transtornos do neurodesenvolvi- Kanner, o que pode considerá-lo um
co de Transtornos Mentais (DSM-IV- mento que acometem mecanismos transtorno muito novo, porém, neste
TR), incluem: transtorno autista (TA), cerebrais de sociabilidade básicos e período, não têm faltado esforços e
síndrome de Asperger (AS), transtor- precoces (KLIN, 2006). pesquisas nas mais diversas áreas
no invasivo do desenvolvimento sem Apesar da etiologia do TGD não de investigação para o entendimento
especificação (TID-SOE), síndrome estar totalmente estabelecida, diver- destes transtornos.
de Rett e transtorno desintegrativo sos estudos apontam associações Dezenas de pesquisas já foram re-
da infância. deste com alterações genéticas e de alizadas para estabelecer a prevalên-
O conceito de transtorno de es- bases neurológicas, além de aciden- cia de TID. O primeiro estudo epide-
pectro autista (TEA) surge diferencian- tes pré-natais, distúrbios metabóli- miológico sobre autismo foi realizado
do estas cinco condições e agrupan- cos e infecções pós-natais (SLO- por Lotter, em 1966, na Inglaterra, que
do o autismo, a síndrome de Asperger NIMS, BAIRD, CASS, 2003). Portan- verificou uma taxa 4,1/10.000 para au-
e os TGD-SOE (MERCADANTE et. al., to, qualquer tentativa de compreen- tismo infantil. Durante o período de
2006). Referem-se a um grupo de dis- dê-los requer uma análise em dife- 1966 a 1991, a taxa média de preva-
túrbios da socialização com início pre- rentes níveis, como do comporta- lência para autismo infantil encontra-
coce, geralmente antes dos 3 anos, e mento à cognição, da neurobiologia da nos estudos era de 4,4/10.000.
curso crônico (KLIN, 2006) e são ca- à genética, e as estreitas interações Posteriormente, a prevalência atinge
racterizados por um quadro clínico no entre cérebro, ambiente e comporta- 12,7/10.000 nos estudos realizados
qual os indivíduos demonstram dimi- mento ao longo do tempo (KLIN & até 2001. Os estudos atuais apontam
nuição qualitativa da comunicação e MERCADANTE, 2006). estimativas de taxas de prevalência
da interação social, restrição de inte- O autismo clássico e a Síndrome de TGD, variando entre 20 e 66 para
resses, além de apresentarem com- de Asperger são os mais conhecidos 10.000 indivíduos (FOMBONNE et al,
portamentos estereotipados e manei- entre os TGD. Esses indivíduos ge- 2006; WILLIANS; BRAYNE; HIGGINS,
rismos (WHO, 1993; APA, 1995). ralmente exibem alterações cogniti- 2006), sendo que o Center for Disea-
As apresentações clínicas podem vas que acarretam dificuldades para se Control and Prevention estimou,
variar tanto em relação ao perfil da compreender situações sociais e as em 2007, a taxa de 6,7 para cada
sintomatologia quanto ao grau de regras implícitas no relacionamento 1000 crianças em idade escolar ou
comprometimento. Estes transtornos interpessoal, comunicar-se de ma- seja, não sendo, portanto, mais consi-
configuram-se como distúrbios do neira interativa, lidar com situações derado um transtorno raro (MOLLOY
neurodesenvolvimento decorrentes inusitadas e ser capaz de regular os et al , 2009) .
de alterações nos circuitos do cére- seus comportamentos de acordo Nota-se que houve um aumento
bro social, interferindo nos proces- com o contexto. Desta maneira, são na taxa de prevalência estimada por
sos de desenvolvimento social, cog- indivíduos normalmente inflexíveis, estudos atuais. Este aumento se de-
nitivo e da comunicação. A heteroge- apegados à rotina e a interesses es- ve provavelmente à ampliação do

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conceito ao longo do tempo e do ma de ensinar seus alunos e com is- do funcionalmente como um disposi-
maior conhecimento das condições so entenderá melhor a forma de tivo biológico para o processamento
médicas dos TGD. Além disso, fato- aprendizado de cada um. de informação. A cognição, enfim, é
res diversos, como diferenças meto- O cérebro social é definido pelas um processo de construção interna
dológicas empregadas nas pesqui- neurociências como conjunto de re- do conhecimento, incluindo atenção,
sas e maior aceitação da comorbida- giões cerebrais que são ativadas du- percepção, memória, raciocínio, juí-
de do autismo como síndrome do X- rante o desempenho de atividades zo, imaginação, pensamento e dis-
frágil, esclerose tuberosa, SD, entre sociais. Essas estruturas estão liga- curso (VARELA et. al., 2003).
outras patologias, contribuem para das umas as outras formando redes Várias estruturas anatômicas são
essa variação (FOMBONNE, 2003; neurais (KLIN, ROSARIO, MERCA- implicadas nestes processos: a amíg-
WILLIAMS, BRAYNE, HIGGINS, DANTE, 2009). dala, o córtex pré-frontal ventrome-
2006). Finalmente, existem evidên- A cognição social é o processo dial, a ínsula e o córtex somatosenso-
cias na literatura de que há uma mai- neurobiológico ou cognitivo que rial direito (BEER, OCHSNER, 2006).
or incidência de autismo em meni- elabora a conduta adequada em O córtex pré-frontal ventromedial
nos do que em meninas, sendo a resposta a outros indivíduos da está comprometido com o raciocínio
proporção de quatro meninos para mesma espécie, especificamente, social e com a tomada de decisões;
cada menina (CHARMAN, 2002). aqueles processos cognitivos su- a amígdala, com o julgamento social
Outro fator de extrema importân- periores que sustentam as condu- de faces; o córtex somatossensorial
cia são as condições médicas asso- tas sociais extremamente diversas direito, com a empatia e com a simu-
ciadas aos TEA. Essas condições e flexíveis (ADOLPHS, 1999), ou se- lação; enquanto a ínsula, com a res-
são bastante comuns, sendo consi- ja, é o processo que permite huma- posta autonômica. Essas estruturas
deradas mais freqüentes a epilepsia, nos interpretar adequadamente sig- cerebrais atuam como mediadores
o X frágil, a esclerose tuberosa e a nos sociais. entre as representações perceptivas
síndrome de Down (FOMBONNE, A cognição social lida com o dos estímulos sensoriais e a recupe-
2003; VOLKMAR, 2002; WILLIAMS, mundo estritamente social, não com ração do conhecimento que o estí-
BRAYNE, HIGGINS, 2006). Com rela- os mundos físico e lógico-matemáti- mulo pode ativar.
ção à síndrome de Down, os últimos co, embora todos os três obviamen- A capacidade de empatia ou a
estudos têm apontado para uma pre- te tenham as marcas do engenho habilidade de detectar o que outra
valência dessa associação muito cultural humano (FLAVEL, MILLER, pessoa sente é medida pela capaci-
maior do que antes descrita e que, MILLER, 1999). Segundo Escartí dade de poder reproduzir em nosso
quando feito o diagnóstico e as inter- (2002), são estas estruturas cogniti- próprio organismo um estado emo-
venções adequadas, os prognósti- vas que constituem a base do com- cional similar. Para isso, devem estar
cos e resultados são melhores portamento humano e que influen- preservados os mecanismos de in-
(LOWENTHAL et. al., 2007, MOLLOY ciam a conduta social do sujeito e as terpretação de signos emocionais re-
et. al., 2009; HEPBURN et. al., 2008). suas respostas emocionais e afetivas levantes, bem como o córtex soma-
perante um grupo. Desta forma, o tosensorial direito e a ínsula (CASEL-
Cognição Social e objeto de estudo da cognição social LI, 1997). Uma das maneiras possí-
é a análise dos comportamentos hu- veis de se investigar a capacidade
Funções Executivas
manos, levando em conta as condi- de um indivíduo de interpretar a ex-
Nas últimas décadas, as pesqui- ções pessoais e da situação. Se, por pressão emocional de uma face é re-
sas em neurociências têm se desen- um lado, a parte social reconhece a produzir a expressão da face no pró-
volvido com rapidez e eficiência. Vá- importância do envolvimento no prio organismo (através do córtex
rias são as áreas beneficiadas com comportamento humano, por outro a somatossensorial direito e da ínsula)
este novo conhecimento científico. A parte cognitiva realça a influência e detectar o sentimento que desen-
educação pode se beneficiar desses que têm os processos de pensamen- cadeia (ADOLPHS, 1999). Nessa si-
conteúdos e o processo de ensino e to e as estruturas mentais os quais tuação, os pacientes com lesão em
aprendizado pode ser melhor com- possibilitam o processamento de in- tais áreas apresentam transtornos no
preendido quando se utiliza a neuro- formação e interferem na construção juízo emocional de faces (ROLLS et.
ciências como mais uma ferramenta. da nossa realidade do mundo. Na te- al., 1994).
O professor com esses conhecimen- oria do processamento de informa- À medida que a criança cresce
tos enriquecerá seu repertório na for- ção, o cérebro pode ser caracteriza- de maneira normal, aprende a mani-

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010 41


pular essas emoções conforme as ção (que abrange informações sobre partir desta troca que por reciproci-
normas e expectativas sociais si próprio) e o meio ambiente (forma dade tornam-se altamente reforça-
(ROLLS, 2000), desenvolvendo uma como as informações sobre o que se doras tanto para a criança quanto
correta cognição social. Assim, o passa a sua volta são percebidas) para seu parceiro social (MONTE-
córtex pré-frontal ventromedial per- (GRECO, 2002). NEGRO, 2009).
mite uma integração entre a percep- A atenção é o processo que nos Flavell et. al. (1999) descrevem
ção de uma emoção e a resposta "leva a dirigir e manter a consciência cinco pré-requisitos cognitivos para
que desencadeia, seja uma conduta nos estímulos percebidos" (VIANA & a formação do apego: (1) a capaci-
complexa elaborada pelo neocórtex CRUZ, 1996), vindos do meio com o dade crescente dos bebês de fazer
orbitário, seja uma resposta autonô- qual interagimos e/ou do nosso or- discriminações visuais finas; (2) o
mica ou motora (incluída a atenção) ganismo. Este mecanismo é crucial potencial para processar os sons da
através das eferências amigdalinas na determinação da informação que fala humana; (3) a capacidade do
(BELISÁRIO FILHO, 2009). deve ou não ser retida na memória, o bebê de construir expectativas
Os fatores cognitivos que mais in- que afeta a quantidade e extensão a quanto às interações recíprocas
fluenciam o processamento da infor- ser armazenada para posterior utili- com um adulto; (4) o desenvolvi-
mação são: percepção, atenção e zação. O processo de guardar a in- mento da permanência dos objetos,
memória. A percepção pode ser de- formação na memória é um dos as- sendo particularmente em primeiro
finida como "entrada na consciência pectos mais importantes do proces- lugar o da permanência da mãe; e
de uma impressão sensorial" (GRE- samento de informação humana, (5) competência precoce dos bebês
CO, 2002), através da qual o sujeito uma vez que este sistema depende para a imitação, que leva a uma
forma uma imagem de si próprio e da interação da informação nova, atenção seletiva para determinadas
do ambiente que o rodeia. De acor- que é apresentada ao sujeito, com a figuras do ambiente.
do com Eysenck e Keane (1994), es- informação retida anteriormente Cognição e afeto são duas di-
te processo de transformação da re- (GODINHO et. al., 1999). mensões indissociáveis, e a separa-
alidade factual (objetiva) em realida- A memória é conceituada como ção entre elas acontece no plano te-
de pessoal (subjetiva) envolve uma a capacidade que os seres huma- órico muito mais por conveniência
mobilização e operacionalização dos nos possuem de separar e organi- do que por se tratar de dimensões
mecanismos cerebrais centrais. zar as informações dos estímulos distintas e independentes da mente
Os processos perceptivos, que recebidos. Na aprendizagem, este (FORGAS, 2001). É importante levar
se estabelecem na interação do su- processo é de extrema relevância em conta que o relacionamento en-
jeito com o meio, diferenciam-se (ibidem). A memória permite evo- tre cognição e emoção é crucial pa-
conforme a tarefa a ser realizada. O car informações passadas, con- ra a compreensão do desenvolvi-
sujeito acredita e aceita os que as frontando-as com outras mais re- mento em geral. O desenvolvimento
suas impressões sensoriais rece- centes. E é desta associação de in- cognitivo, portanto, permite que a
bem, porém a sua percepção pode- formações que resulta a dinâmica criança assuma um papel diferente
rá ser influenciada pela sua realidade das nossas relações sociais e a for- em suas interações sociais e seus re-
pessoal (experiências e vivências an- mação das impressões acerca das lacionamentos: uma troca para um
teriores). Para que se tenha percep- outras pessoas. papel de participante mais ativo e in-
ção, é necessário recorrer aos meca- A teoria da cognição social eluci- tencionalmente dirigido. Os próprios
nismos de atenção de modo que o da o modo como o desenvolvimento relacionamentos se tornam mais ma-
sujeito tome consciência dos estímu- cognitivo auxilia e possibilita a for- duros em virtude da nova habilidade
los que o envolvem (VIANA & CRUZ, mação do apego. O interesse pelo do bebê em desconstituir laços dis-
1996) e que os reconheça e/ou com- meio social nas crianças é evidente criminados e duradouros (BELISA-
pare com as informações contidas desde o nascimento. A criança bus- RIO FILHO, 2009).
na memória. A partir deste processo, ca seus parceiros sociais através de A cognição social envolve a
é que a informação será processada mecanismos básicos de socializa- compreensão sobre as pessoas,
e será feita a tomada de decisão e ção, como a atenção seletiva para suas ações e a relação entre os
ação. A escolha e interpretação da faces sorridentes ou vozes agudas e próprios sentimentos, pensamen-
informação dependem da estrutura brincadeiras. O desenvolvimento tos e ações, tanto quanto a relação
cognitiva e das relações pessoais e das habilidades sociais, cognitivas e entre esses aspectos pessoais e os
ambientais, ou seja, resulta da intera- de comunicação se estabelece a aspectos correspondentes nas ou-

42 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010


tras pessoas vinculadas ao apego de de atribuir um estado mental ou bilidade e amizade com o grupo, não
pode possibilitar e facilitar maior inferir uma emoção em outra pessoa houve nenhuma diferença em rela-
atenção e conscientização das pes- através do olhar. Isso foi demonstra- ção às crianças sem autismo, pois
soas nas suas relações, reconhe- do através de estudos funcionais e as crianças com autismo eram cha-
cendo e discriminando os seus pa- deu lugar à teoria do transtorno madas para brincar no recreio, parti-
drões dessas interações. amigdalino no autismo (BARON-CO- cipar de festas de aniversário, traba-
As funções executivas possibili- HEN et. al., 2000). lhar em projetos escolares, entre ou-
tam ao indivíduo desenvolver com- Estudos mostram uma relação tras coisas. Concluiu-se também que
portamentos adaptativos por inter- entre alterações na comunicação, características autísticas, como co-
médio de habilidades que envolvem interação social e comportamento municação, comportamentos estere-
planejamento estratégico, flexibilida- repetitivo e restritivo, com disfun- otipados e falta de socialização não
de e regulação da ação baseada em ções cognitivas, principalmente fun- atrapalharam na construção das re-
pistas fornecidas pelo meio (MER- ções executivas e percepção social. lações sociais.
CADANTE, 2009). É a capacidade de Os indivíduos com TGD apresentam A partir do direito e de experiên-
manter um posicionamento para re- déficits em funções executivas que cias que estão acontecendo no Bra-
solver adequadamente um problema envolvem principalmente o planeja- sil, percebe-se em crianças, adoles-
futuro. A criança desenvolve gradati- mento e a flexibilidade mental. O centes e jovens com TGD uma me-
vamente estas funções, o que possi- planejamento é uma operação men- lhora em seus quadros clínicos
bilita aquisições para a cognição so- tal complexa e dinâmica que envol- quando elas freqüentam classes co-
cial e para a formação dos laços de ve a organização seqüencial de muns do ensino regular. Diversos tra-
apego (SECRETARIA MUNICIPAL ações, constantemente monitoradas balhos têm sido publicados, nos
DE BELO HORIZONTE, 2007). e reguladas pelo próprio indivíduo. quais são contadas experiências in-
A flexibilidade mental caracteriza-se dividuais e pontuais de alunos com
Alterações nos pela capacidade de modificar/adap- TDG em escolas regulares, seja no
tar pensamentos ou ações conforme ensino infantil, seja no ensino funda-
Transtornos Globais
mudanças de contextos, sendo que mental (CARVALHO, 2009; SECRE-
do Desenvolvimento um prejuízo nessa função pode TARIA MUNICIPAL DE BELO HORI-
e Inclusão Escolar acarretar comportamentos repetiti- ZONTE, 2007). A educação é a base
vos e estereotipados (ARAÚJO & de toda construção social, intelectu-
Os indivíduos com TGD apresen- VALLE, 2009). al, de interação e crescimento indivi-
tam alterações na estrutura e no funcio- Riviere (2001) aponta que os indi- dual. Se a criança for estimulada a
namento do cérebro, bem como défi- víduos com TGD apresentam uma descobrir seu potencial desde cedo,
cits significativos em habilidades sócio- importante alteração na função exe- as dificuldades deixam de persistir
cognitivas, prejuízos no reconhecimen- cutiva, a flexibilidade. Essa função em tudo o que ela faz, precisando,
to, entendimento e compartilhamento está muito alterada nesses pacientes portanto, de novos desafios para
de suas emoções com os outros. A e, quanto mais grave o quadro, mais aprender a viver cada vez mais com
partir dos conceitos de cognição soci- grave a inflexibilidade. Com o desen- autonomia, e não há lugar melhor do
al, pode-se pensar que os TGD são um volvimento e na presença de ambi- que a escola para que isso se con-
transtorno de cognição social. entes favoráveis, alguns pacientes cretize. O acesso de crianças com
A inabilidade social é resultante se tornaram mais flexíveis. Deste mo- TGD na rede regular pode promover
da dificuldade em entender o pró- do, a inclusão escolar é a melhor e a grandes avanços em seu desenvolvi-
prio estado mental, assim como o mais adequada estratégia de modifi- mento nos processos de ensino-
dos outros. Esse prejuízo parece ad- carmos os ambientes sociais para aprendizagem, socialização e inser-
vir do escasso contato olho a olho e acolher essas crianças. ção ao meio social, principalmente
da incapacidade de imitação de ou- Dez crianças autistas foram estu- quando contamos com profissionais
tras funções primárias na constru- dadas por Boutot e Bryant (2005) em capacitados nas escolas e o auxílio
ção de um cérebro social (MERCA- classes regulares da educação fun- de uma equipe multidisciplinar (CAR-
DANTE & ROSARIO, 2009). Pacien- damental, onde observaram o efeito VALHO, 2009).
tes com autismo, que possuem cognitivo das relações sociais. Esse A inclusão escolar possibilita às
anormalidades estruturais ou funcio- trabalho mostrou que, na avaliação crianças com TGD oportunidades de
nais na amígdala, não têm capacida- de aceitabilidade, popularidade, visi- convivência com outras crianças da

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010 43


mesma idade, constituindo-se num do, ansiedade frente à sintomatolo- senvolvimento típico e uma com au-
espaço de aprendizagem e de de- gia mais do que a criança em si. Os tismo, da mesma idade e sexo, de-
senvolvimento social. Possibilita-se o professores, também, apresentam monstrou diferenças e semelhanças
estímulo de suas capacidades intera- idéias distorcidas a respeito do autis- no perfil de interação das duas crian-
tivas, impedindo o isolamento contí- mo, principalmente quanto à capaci- ças. Enquanto o perfil de competên-
nuo. Acredita-se que as habilidades dade de comunicação. cia social da criança com desenvolvi-
sociais são passíveis de serem ad- Em 2004, Serra verificou os efei- mento típico praticamente não variou
quiridas pelas trocas que acontecem tos da inclusão nos comportamentos entre os contextos, a criança com
no processo de aprendizagem soci- de uma criança com autismo na es- autismo demonstrou uma freqüência
al. A oportunidade de interação com cola regular. Os resultados mostra- maior de comportamentos de socia-
pares é a base para o desenvolvi- ram que a inclusão trouxe benefícios bilidade/cooperação e asserção so-
mento de qualquer criança. para a criança, como a melhora signi- cial e menor freqüência de agressão
A partir destas considerações, fi- ficativa da concentração nas ativida- e desorganização do self, no pátio
ca evidente que crianças sem pro- des propostas, bom estabelecimento (CAMARGO, 2007)
blemas no seu desenvolvimento for- de relacionamentos com os colegas
necem modelos de interação para e no comportamento de atender as Educação Inclusiva
crianças com TGD, ainda que a ordens. Além disso, efeitos positivos
compreensão social seja difícil. na família proporcionaram um maior De acordo com os princípios e
Acredita-se que a convivência com- investimento na aprendizagem da cri- fins da educação nacional, a edu-
partilhada das crianças com TGD na ança e um maior aumento nas suas cação é inspirada nos princípios de
escola possa oportunizar os conta- potencialidades. Outro fator impor- liberdade e nos ideais de solidarie-
tos sociais e favorecer não só o seu tante observado foi os benefícios que dade humana, tendo por finalidade
desenvolvimento, mas o das outras a escola teve a partir da inclusão des- o pleno desenvolvimento do edu-
crianças, na medida em que estas te aluno, pois outras crianças com cando, seu preparo para o exercí-
últimas convivam e aprendam com deficiência ingressaram na escola e a cio da cidadania e qualificação pa-
as diferenças. Entretanto, este pro- equipe passou a estudar teorias que ra o trabalho. A prática pedagógica
cesso requer respeito às diferenças embasam a Educação Especial nos é um elemento-chave na transfor-
de cada criança. grupos de formação continuada de mação da escola, estendendo essa
O relacionamento do professor professores. possibilidade de transformação à
foi observado em alguns trabalhos. Quando estudada a perspectiva sociedade. Em função do tema da
Quando os professores percebiam dos pais de crianças com TGD quan- diversidade, as práticas pedagógi-
mais positivamente seu relaciona- to ao seu sucesso da inclusão esco- cas têm caminhado no sentido da
mento com os alunos com TGD, o ín- lar, observou-se um aumento de be- pedagogia das diferenças (MEN-
dice de problemas de comportamen- nefícios da inclusão na escola co- DES, 2002).
to destas crianças foi menor e elas mum comparado aos da educação Promover a inclusão significa, so-
foram mais socialmente incluídas na especial e o aumento das habilida- bretudo, uma mudança de postura e
sala de aula (BRANDT & CONNIE, des cognitivas, sociais e de comuni- de olhar acerca da deficiência. Impli-
2003). Fica claro que, quando o pro- cação das crianças, embora com di- ca em quebra de paradigmas, em re-
fessor consegue trabalhar seus me- ficuldades (LI, 2002). Charman, formulação do nosso sistema de en-
dos, seu desconhecimento e a esco- Howlin, Berry e Prince (2004) de- sino para a conquista de uma educa-
la abraça o aluno com TGD como monstraram, através de entrevista ção de qualidade, na qual o acesso,
um aluno que faz parte da escola, o com 125 pais de crianças com autis- o atendimento adequado e a perma-
êxito nos processos são significati- mo (57 das quais foram refeitas após nência sejam garantidos a todos os
vos. Bosa (2002), em um estudo ex- um ano de inclusão de seus filhos), alunos, independentemente de suas
ploratório sobre as expectativas dos os progressos no desenvolvimento diferenças e necessidades . Segun-
professores frente à possibilidade de de crianças, tais como mudanças do Mantoan (2003), a "inclusão impli-
inclusão de alunos com autismo em positivas nas habilidades de sociali- ca uma mudança de perspectiva
suas classes, demonstrou que os zação e de comunicação. educacional, pois não atinge apenas
professores manifestaram uma ten- Um estudo de observação siste- alunos com deficiência e os que
dência a centralizar suas preocupa- mática de interações das crianças na apresentam dificuldades de apren-
ções em fatores pessoais, como me- escola entre uma criança com de- der, mas todos os demais, para que

44 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010


obtenham sucesso na corrente edu- Considerações Finais Referências
cativa geral". A inclusão escolar pro-
põe uma nova educação, pois reco- A inclusão escolar pede que no- ADOLPHS, R. How do we know the minds
of others? Domain-specificity, simulation,
nhece aquele que, até então, estava vos contextos escolares sejam cria- and enactive social cognition. Brain Rese-
excluído da relação professor-aluno. dos para que todas as crianças, ado- arch,v. 1079, 2006, p. 25-35.
Desse modo, o aluno com deficiên- lescentes e jovens, independente de
AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION:
cia é visto como parte de uma rela- suas condições humanas, possam DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico
ção complementar, na qual um se participar da escola. de transtornos mentais. 4. Ed. Porto Ale-
constitui através do outro. Pensar inclusão escolar a partir gre: Artes Médicas, 1995.

A inclusão total e irrestrita e o di- das pessoas com TGD é enriquecer ARAUJO, C. I. L.; VALLE, S. L. R. Avaliação
reito à diferença nas escolas é uma e diversificar o processo ensi- Neuropsicológica. In: MERCADANTE, M.
oportunidade que se tem para rever- no/aprendizagem. Devemos lembrar T., ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro So-
cial. São Paulo: Segmento Farma, 2009.
ter a situação da maioria das esco- que o espectro de sintomatologia e
las, as quais atribuem aos alunos as características das pessoas com BARON-COHEN, S., et al. The amygdala
theory of autism. Neurosci Biobehav Rev,
deficiências que são do próprio ensi- TGD é tão amplo e tão diverso que
V. 24, n.3, 2000, p. 355- 364.
no e raramente analisa o que e como se torna impossível traçar normas de
a escola ensina, de modo que os como deve ser feita a inclusão des- BEER, J. S.; OCHSNER, K. N. Social cog-
nition: A multi level analysis. Brain Rese-
alunos não sejam penalizados pela tes alunos.
arch, v.1079,,2006, p. 98-105.
repetência, a evasão, a discrimina- A escola deve, a partir da sua re-
ção, a exclusão (MANTOAN, 2003). alidade e das características indivi- BELISÁRIO FILHO, J. F. Inclusão escolar
na perspectiva da saúde mental: um estu-
Segundo Mittler (2003), por mais duais de cada aluno, buscar estraté- do com adolescentes de áreas de risco da
comprometido que o governo seja gias para que o processo de ensi- cidade do Rio de Janeiro. Tese (Tese de
com a questão da inclusão e da ex- no/aprendizagem aconteça com Doutorado). Belo Horizonte: Fundação
Osvaldo Cruz, 2009.
clusão em sala de aula, "são as ex- qualidade. A possibilidade que cada
periências cotidianas das crianças aluno traz e os objetivos traçados no BOSA, C. A. Autismo: Atuais interpreta-
na sala de aula que definem a quali- projeto político pedagógico de cada ções para antigas observações. In: BAP-
TISTA, C. R., BOSA, C. A. Autismo e Edu-
dade de sua participação e a gama escola é que fará com que a educa- cação: Reflexões e propostas de interven-
total de experiências de aprendiza- ção seja de qualidade para todos. ção. Porto Alegre: Artmed, 2002.
gem oferecidas em uma escola". A escola pode ser de fato um lu-
BOUTOT, E. A.; BRYANT, D. P. Social inte-
Outro valor de extrema importância é gar de competência social para qual- gration of studies with autism in inclusive
o perfil desse currículo: crianças quer criança, mas pode ser especial- settings. Education and training in devel-
pomental disabilities, V. 40, n. 1, 2005, p.
apoiando crianças; um processo de mente importante para as crianças
14-23.
inclusão escolar para ser bem-suce- com TGD. É neste espaço que elas
dido vai depender da participação podem aprender com outras crian- CARVALHO, R. Inclusão e escolarização
de alunos autistas. Pedagogia em Ação, V.
das outras crianças. A proposição é ças, exercitar a sociabilidade por 1, n. 1, 2009, p 111-114.
que cada vez mais os professores mais comprometida que seja e final-
assegurem que as crianças com ha- mente exercer um direito indisponí- CASELLI, R. Tactile agnosia and disorders
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bilidades variadas aprendam umas vel, o da educação. RAH, M. J. (Org). Behavioral neurology
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Educando todos os alunos jun- formação do contexto escolar. É Hill, 1997.
tos, as pessoas com deficiência têm preciso que se conheçam melhor CENTER FOR DISEASE OF CONTROL
oportunidade de preparar-se para a conceitos como de cognição, de AND PREVENTION. Evaluation of a metho-
vida na comunidade, os professores neurociências, do processo de dology for a collaborative multiple source
surveillance network for autism spectrum
melhoram suas habilidades profissi- aprendizado, os quais possam auxi- disorders. Autism and Developmental Di-
onais e a sociedade toma a decisão liar os professores com cada aluno sabilities Monitoring Network. United Sta-
consciente de funcionar de acordo no seu dia a dia. Além disso, as prá- tes: MMWR Surveill Summ, V. 56, n. 1,
2007, p. 29-40.
com o valor social de igualdade para ticas devem ser cada vez mais do-
todas as pessoas, com os conse- cumentadas, pois poucas são as CAMARGO, S. P. H. Competência social,
inclusão escolar e autismo: um estudo de
qüentes resultados de melhoria da pesquisas que temos ainda quando
caso comparativo. Dissertação (Disserta-
paz social (KARAGIANNIS, STAIN- falamos de inclusão escolar de alu- ção de Mestrado). Porto Alegre: Universi-
BACK & STAINBACK,1999). nos com TGD. dade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010 45


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46 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 39-46, jul/dez. 2010


ENFOQUE 47

O MOVIMENTO DAS DIFERENÇAS


NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: INCLUSÃO
DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Elizabete Cristina Costa-Renders1

Resumo
Este artigo trata da inclusão de pessoas com deficiência uma educação superior inclusiva? Que movimentos a di-
na educação superior e dá visibilidade ao movimento de- ferença advinda da inclusão de pessoas com deficiência
corrente desta inserção. Pergunta pela educação superi- tem provocado nas instituições de educação superior?
or inclusiva nos termos das políticas públicas promoto- Existem ciladas neste processo? Por fim, apresenta os
ras de acesso e do significativo ingresso de pessoas caminhos percorridos pela Universidade Metodista de
com deficiência nos estudos superiores neste início do São Paulo na gestão inclusiva, tendo em vista os proces-
século XXI. Destaca a contribuição das pessoas com de- sos descentralizados e cooperativos, bem como a tessi-
ficiência para a construção da educação superior inclusi- tura de uma rede de apoio pedagógico para a inclusão.
va, no movimento próprio a este espaço de trânsito que
é o campo educacional. Neste espaço aberto, algumas Palavras-chave: Educação superior, Pessoas com defici-
perguntas tornam-se pertinentes: é possível falarmos de ência, Inclusão, Acessibilidade.

1
Doutoranda em Educação pela UNICAMP. Atua em pesquisas sobre a inclusão de pessoas com deficiência na educação superior, e como Assessora Pedagógica para
Inclusão na Universidade Metodista de São Paulo. Endereço: Rua da Represa, 195, apto 11, Vila Jaú - São Bernardo do Campo, SP, CEP 09641030. E-mail: eliza-
bete.costa@metodista.br

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 47-54, jul/dez. 2010 47


Abstract
This article deals with the inclusion of people with dis- What moves have been caused within institutions of high-
abilities in higher education and gives visibility to the er education by the differences arising from the inclusion
movement resulting from this integration. It discusses of people with disabilities? Have there been pitfalls in this
inclusive education in relation to the terms of public poli- process? Finally, it presents the paths followed by the
cies and its promotion of access and the significant num- Methodist University of São Paulo by its management of
ber of people with disabilities arriving in higher education inclusion, considering its decentralized and cooperative
in the XXI century. Also highlights the contribution of dis- processes and its creation of a network of educational
abled people for the construction of inclusive education, support for inclusion.
in this educational field understood as space of transition.
In this open space, some questions become relevant: Is Keywords: Higher educations, People with disabilities,
it today possible to speak of an inclusive education? inclusion, Accessibility.

Introdução a semente da inclusão. Tal semente foi ras boas e férteis! Entretanto, também é
espalhada em diversas terras, das quais possível reler esta metáfora perguntan-
A porta de entrada para este texto se destaca, neste texto, a educação su- do sempre: O que aconteceu com as
será uma metáfora. Certa vez, um tra- perior com seu movimento todo próprio. sementes que ficaram à beira do cami-
balhador rural saiu a semear pelo A semente da inclusão, espalhada nho? Será mesmo que todas foram co-
campo. Ao espalhar as sementes, al- pelo campo educacional, germinou, midas ou o pássaro não esqueceu algu-
gumas caíram à beira do caminho e cresceu, floresceu e já tem produzido ma? E a semente que germinou com
foram comidas pelos pássaros. Outras muitos frutos na educação superior. To- raízes superficiais? Sua rápida passa-
caíram no meio de muitas pedras e davia, tal qual a semente do trabalhador gem pela terra não provocou movimen-
pouca terra, elas brotaram, mas foram rural, a proposta inclusiva também cai tos? Quanto à planta que nasceu em-
rapidamente queimadas pelo sol por- em campos áridos e seletivos: pode ca- baixo do espinheiro (a que ganhará
que não tinham raízes. Uma outra par- ir à beira do caminho e nunca chegar destaque neste texto), como é possível
te das sementes caiu em espinheiros, como semeadura (para alívio dos que germinar e crescer mesmo sendo sufo-
estes cresceram e sufocaram as plan- não querem arriscar porque têm medo cada? Não seria possível quebrar uns
tas germinadas, sendo que estas não do diferente e do novo); pode apenas ganhos e abrir espaço para o ar e sol
chegaram a produzir frutos. Apenas germinar em terra superficial (rapida- entrar? Será mesmo que nenhum fruto
uma parte das sementes caiu em boa mente sendo queimada por referenciais nasceu embaixo do espinheiro? Enfim,
terra - a terra fértil. Esta parte brotou, teóricos e posturas já cristalizadas e podemos seguir duvidando4.
cresceu e produziu muitos frutos. postas como o caminho pertinente); po- Seguimos, então, duvidando e per-
Tal qual um campo aberto, o espaço de germinar e crescer entre os espinhei- guntamos: é possível falarmos de uma
educacional é um espaço de trânsito - ros, sem, contudo, ganhar visibilidade educação superior inclusiva? Que movi-
seja na vertente dos transeuntes que por (tornando-se experiências educacionais mentos a diferença advinda da inclusão
ele passam ou do movimento próprio da desperdiçadas no vazio da subalterni- de pessoas com deficiência tem provoca-
formação (novos conhecimentos nas- dade dos saberes2). do nas instituições de educação superi-
cem enquanto outros adormecem, anti- O desafio que se coloca, neste tex- or? Existem ciladas5 neste processo?
gos conhecimentos perduram-se en- to, está relacionado à forma que lemos
quanto os insipientes são sufocados). esta pequena parábola. Cartesiana- 1. É possível falarmos de
No final do século XX, alguns semeado- mente, é possível ler esta história e
uma educação superior
res chegaram ao campo educacional guardar apenas uma verdade3 - semen-
dispostos a semear uma nova semente - tes apenas germinam e crescem em ter- inclusiva?

2
Tal qual nos alerta Flávio PIERUCCI em Ciladas da Diferença. Pierucci insere o debate sobre diferença e igualdade a partir de pesquisa realizada com grupo políti-
co de direita em São Paulo - os malufistas. A partir disto, insere a discussão também dentro do feminismo e do movimento anti-racismo. Especialmente na referi-
da pesquisa, destaca-se a heterofobia antinordestina. O livro trabalha o uso do conceito diferença pela direita e pela esquerda.
3
Nos termos de Boaventura de Souza Santos.
4
Tal qual o dito de Agamenon (ou de seu filósofo oculto): o de acordo para "a verdade é a verdade". Jorge LARROSA. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mas-
caradas, p.149-152.
5
Como diz o porqueiro do Agamenon sobre o dito "a verdade é verdade": Não me convence. Idem, p.149-152.

48 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 47-54, jul/dez. 2010


O campo da educação superior sem- sobre os "diferentes níveis de ensino" e mum, possibilita a inserção do atendi-
pre foi um espaço extremamente seleti- advoga o acompanhamento dos "avan- mento educacional especializado tam-
vo, a começar pelos privilégios da elite ços do conhecimento e das lutas sociais", bém na educação superior (faculdades,
que pretendia formar seus jovens ho- pela constituição de "políticas públicas centros universitários, universidades).
mens para a liderança do país, chegan- promotoras do amplo acesso à escolari- A efetiva inserção do indicador aces-
do aos exames de seleção que ainda ho- zação" em todos os seus níveis6. sibilidade na educação superior chegou
je tem na classificação uma marca fun- Quais seriam, então, as políticas somente com a Política Nacional da Edu-
damental. Mulheres, negros, pobres, públicas promotoras da inclusão na cação Especial na Perspectiva da Edu-
pessoas com deficiência não escapa- educação superior? Começamos men- cação Inclusiva (2008), na qual se indica
vam dos ditames da seleção. Seleção cionando a Constituição da República pelo Decreto nº. 6.571/2008, o atendi-
esta, muitas vezes, perpetuada pelos Federativa do Brasil de 1988, quando mento educacional especializado como
usos da universidade em prol do desen- ela indica, no artigo 206, a igualdade uma forma de eliminar barreiras nos es-
volvimento ou fortalecimento da nação. de condições de acesso e permanên- paços educacionais, e, nos termos do art
A proposta inclusiva veio justa- cia nos espaços educacionais como 3, inciso VI, aponta-se para a necessária
mente para mudar este cenário, para princípio para o sistema educacional "estruturação de núcleos de acessibilida-
quebrar o ciclo de naturalização da brasileiro. Trata-se da educação como de nas instituições federais de educação
inabilidade de alguns atores sociais um direito humano universal. superior". Esta é uma conquista extrema-
para os estudos superiores. Sabemos, no entanto, que transfor- mente importante porque marca efetiva-
Esta terra (da educação superior), mações históricas e mudança de para- mente a transversalidade da educação
portanto, não é tão fértil. Está cheia de digma exigem tempo e esforço conjun- especial nos estudos superiores.
espinheiros que quase sufocam os to. Um exemplo disto foi Política Nacio- A Política Nacional da Educação Es-
atores marcados por uma diferença nal de Educação Especial (1994) que pecial na Perspectiva da Educação In-
significativa. No entanto, é possível, permaneceu com o viés integracionista clusiva indica ainda duas perspectivas
sim, falarmos de uma educação supe- (mesmo em tempos de proposta inclu- importantes no que se refere às institui-
rior inclusiva na perspectiva do entre- siva), impondo condições para o aces- ções de educação superior. Primeiro,
mundos - o já e o ainda não. Certa- so ao ambiente escolar. Aproximando declara a importância dos núcleos de
mente é necessário falarmos e apon- tal política aos espaços de educação acessibilidade como instrumentos de
tarmos os novos atores, tempos e es- superior, sabemos que o viés da inte- efetivação da educação especial como
paços que chegam a esta terra. gração instrucional nivelada nos reme- tema transversal que chega também à
teu a processos nada inclusivos. No educação superior, contribuindo para o
1.1. Políticas públicas movimento da cascata da integração, rompimento das barreiras que dificulta-
promotoras de acesso poucos sujeitos conseguiram romper vam o progresso no sistema educacio-
as barreiras e chegar aos estudos supe- nal brasileiro. Segundo indica a relevân-
Historicamente, o paradoxo inclu- riores. Inclusão, portanto, exige também cia da inserção dos temas Acessibilida-
são/exclusão marca os sistemas educa- o reconhecimento de algumas incapaci- de e Libras nas diversas áreas de forma-
cionais brasileiros, especialmente, quan- dades da educação superior brasileira. ção, contribuindo para o "acolhimento e
do se foca a universalização do acesso, Somente em 1999 (11 anos após a trato da diversidade" e o "fomento às ati-
mas desconsideram-se as diferenças nos Constituição), aconteceu um salto impor- vidades de ensino, pesquisa e exten-
processos educativos cotidianos. Isto tante nas políticas referentes à educação são" (BRASIL/MEC, 2008). Ou seja, tal
não é diferente na educação superior. A superior. O Decreto nº. 3.298/1999, que política dá especial valor à atuação das
marca seletiva está expressa no próprio regulamenta a Lei Nº. 7.853/1989, apon- instituições de educação superior tam-
processo de inserção neste nível de estu- ta a educação especial como uma mo- bém como promotoras da construção
dos - os vestibulares, Brasil afora, são um dalidade transversal aos níveis de ensi- de uma sociedade inclusiva.
exemplo disto. No entanto, a Política Na- no. Este foi um passo importante porque, Por fim, vale ainda lembrar que, nós,
cional da Educação Especial na Perspec- ao desvincular a educação especial da brasileiros, não estamos sozinhos neste
tiva da Educação Inclusiva (2008) incide perspectiva substitutiva à educação co- movimento pela educação inclusiva.

6
BRASIL, Ministério da Educação. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/
pdf/politica.pdf. Acesso em 12 de novembro de 2009.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 47-54, jul/dez. 2010 49


Existem políticas internacionais que fo- de comunicação e informação, servi- 1.3. Manifesto por um pensa-
ram significativas para a efetivação do ços de tradutor e intérprete da língua mento da inclusão na educa-
processo de construção de uma educa- brasileira de sinais - Libras (Decreto nº. ção superior
ção inclusiva em todo o mundo. Pode- 5.773/2006, art.16, inciso VII, alínea c). Encerrando a primeira parte deste
mos citar: a Convenção da ONU sobre texto, insere-se a paráfrase inspirada
os Direitos das Pessoas com Deficiên- Ao considerarmos os indicadores em Tomaz Tadeu Silva (CORAZZA,
cia (2006), a Convenção Internacional do MEC para avaliação das gradua- 2003, p.9-17). Trata-se de um manifesto
para Proteção e Promoção dos Direitos ções, destacam-se, entre os requisitos que considera o nosso desafio maior:
e Dignidade das Pessoas com Deficiên- legais, os temas Libras e Acessibilida- as barreiras atitudinais, entendendo-se
cia - ONU (2003), a Declaração Interna- de nos termos dos itens 3 e 4 com as que inclusão não se faz somente por
cional de Montreal sobre Inclusão respectivas perguntas: força de lei, mas, sim, por movimentos
(2001), a Convenção de Guatemala de sensibilização rumo à construção de
(1999), a Carta para o Terceiro Milênio 3. Disciplina optativa / obrigatória de Li- um novo paradigma educacional que
(Londres, 1999), a Declaração de Sala- bras (Decreto Nº. 5.626/2005): transversalmente toque todo o sistema
manca (1994), o documento Inclusão a) O PPC prevê a inserção de Libras na educacional. Daí nosso manifesto pelo
Plena e Positiva de Pessoas com Defici- estrutura curricular do curso, como disci- movimento das diferenças nas terras
ência em Todos os Aspectos da Socie- plina obrigatória, quando se tratar de cur- da educação superior brasileira.
dade - ONU (1993). so de licenciatura ou curso de fonoaudi- Despertar. Provocar. Sensibilizar.
ologia?; b) Ou O PPC prevê a inserção Acessar. Relacionar. Redimensionar. Elimi-
1.2. Instrumentos de Libras na estrutura curricular do cur- nar. O caminho. O sentido. O saber. O me-
de exigibilidade so, como disciplina optativa, quando se canicismo. O ensino. O padrão. O currícu-
tratar dos demais cursos superiores? lo. A verdade. A forma. A classificação. A
Se pretendemos romper os espinhei- 4. Condições de acesso para pesso- hierarquia. A barreira. A pedagogia.
ros nas terras da educação superior brasi- as com deficiência e/ou mobilidade Possibilitar. A incerteza. A transição.
leira, quais instrumentos podemos utili- reduzida. (Decreto Nº. 5.296/2004, A ressignificação. A complexidade. A
zar? A Portaria nº. 3.284/2003 é o instru- com prazo para implantação das con- ambigüidade. A acessibilidade. A emer-
mento legal de exigibilidade na educação dições até dezembro de 2008). gência. A visibilidade. A sensibilidade. A
superior, pois "dispõe sobre os requisitos A instituição apresenta condições vulnerabilidade. A interdependência. A
de acessibilidade de pessoas portadoras adequadas de acesso para pessoas solidariedade. A rede. A dignidade. A
de deficiências, para instruir os processos com deficiência e/ou mobilidade redu- humanidade. A aprendizagem.
de autorização e de reconhecimento de zida? (BRASIL/MEC, 2008, p.18). Desconfiar de toda ausência cuja
cursos, e de credenciamento de institui- origem seja a barreira socialmente im-
ções" e prevê o compromisso formal da Tais indicadores têm respaldo em posta. Resistir a qualquer desejo por
instituição em garantir a acessibilidade pa- dois decretos que trouxeram luzes pa- um estado de ordem, por uma zona de
ra pessoas com deficiência. ra a regulamentação das condições conforto de uns em detrimento do con-
Atualmente, as condições de acessi- de acesso e permanência de pessoas forto de outros. Denunciar a ilusão da
bilidade das instituições de educação su- com deficiência nos diversos espaços perfectibilidade humana. Renunciar às
perior são consideradas para efeito de sociais, são eles: o Decreto de Aces- perguntas com respostas prontas.
credenciamento e autorização delas, sibilidade (nº. 5.296/2004) e o Decre- Preferir a inclusão à exclusão. O re-
conforme as seguintes disposições: to de Libras (nº. 5.626/2005). Especi- conhecimento recíproco à dicotomia. A
almente, o Decreto de Libras promove graça à lei - não, um estado de graça ni-
Plano de promoção da acessibilidade movimentos importantes nos espaços velador (já negado por Tomaz Tadeu Sil-
e de atendimento prioritário, imediato e de educação superior, quando exige a va em defesa da diferença), mas a graça
diferenciado às pessoas portadoras de inserção de profissionais proficientes como abertura gratuita ao outro. Se "a
necessidades educacionais especiais em Libras nos seus quadros (o do- diferença propõe o isto e aquilo e mais
ou com mobilidade reduzida, para utili- cente com surdez e o intérprete de Li- aquilo", a inclusão propõe o este e aque-
zação, com segurança e autonomia, bras), bem como a inserção do tema le e mais aquele. Se a diferença, levada
total ou assistida, dos espaços, mobi- Libras na formação discente (como às suas últimas conseqüências, propõe
liários e equipamentos urbanos, das disciplina curricular nas licenciaturas dissolver mitos como o sujeito e a inte-
edificações, dos serviços de transpor- e fonoaudiologia e optativa nos de- rioridade, a defesa da inclusão, levada
te; dos dispositivos, sistemas e meios mais cursos). também às suas últimas conseqüên-

50 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 47-54, jul/dez. 2010


cias, propõe dissolver os mitos da exclu- tra como estamos presos à matriz curri- o isolamento deste estudante - testemu-
sividade e da perfectibilidade humana. cular e a nossa inabilidade em lidar com nhado, especialmente, pelos intérpretes
Se a diferença suspeita do "diálogo o movimento advindo da diferença. A se- de Libras. Na classificação de alunos ou-
obrigatório" e da "ação comunitária que gunda pergunta - Libras nas licenciatu- vintes e aluno surdo - (x e y), cria-se um
traduz a fantasia de um mundo regido pe- ras: quem poderá ser professor? - mais território (próprio do aluno surdo e do in-
lo bom senso, pelo consenso e pela con- uma vez, aponta para um reducionismo. térprete de Libras) pelo medo do encon-
vergência", a inclusão suspeita do acesso Embutidas nesta pergunta, estão: 1. A tro com o estranho (BAUMAN, 2002), o
obrigatório e da inserção social ancorada afirmação de que somente o professor que impossibilita o reconhecimento recí-
em privilégios de uns em detrimento de com surdez poderá ensinar Libras (se- proco, o afetamento pela diferença, o par-
outros. Que tal suspeitar das diferenças não seria simples responder, pois o que tilhar de um saber diferentemente sábio
na educação superior? capacita uma pessoa a ensinar uma lín- (SANTOS, 2006) - (o entre x e y).
gua é sua proficiência na mesma.); 2. A Romper com as relações subalternas
2. Que movimentos a dife- insistência em não reconhecer o saber dentro da sala de aula, defendendo o di-
do outro (o fato é que os docentes dou- reito de ser de todos os estudantes é,
rença tem provocado nas
tores, com raríssimas exceções, não tem portanto, um dos desafios postos tam-
instituições de educação proficiência em Libras, o que nos causa bém à educação superior. Mas como é
superior? um certo incômodo porque precisamos possível romper territórios e conscienti-
recorrer a profissionais que não têm o zar-se do estar ou sentir-se entre? A ex-
A metáfora introdutória deste texto perfil tão apreciado pela academia). En- periência com a inclusão de pessoas
nos remete às terras de semeadura da fim, estes são apenas alguns exemplos surdas na educação superior pode nos
inclusão, especialmente, às terras nas da nossa inabilidade diante da proposta indicar pistas neste sentido, seja através
quais as pessoas com deficiência ou- de educação inclusiva. do reconhecimento das diferentes for-
saram inserir-se do final do século vinte mas de aprender e ser pertinentes às
em diante. Nesta metáfora, há uma ex- 2.1. Identidades e territórios: pessoas com surdez ou na necessária
pectativa posta: a da fertilidade das ter- móveis ou parceria entre estudante surdo, intérpre-
ras para o desenvolvimento da semen- mais fixos que nunca?! te de Libras e docente na sala de aula.
te que ora chega. Esta expectativa é
compartilhada pelos semeadores da in- 2.2. Diferença: alvo de sus-
clusão. Todavia, rompendo por um se- A diferença não tem a ver com a peitas ou possibilidade do
gundo com o olhar utópico, percebe- diferença entre x e y, devir-outro?!
mos que as terras para esta semeadu- mas com o que se passa entre x e y.
ra não são tão férteis assim. Os relatos (Tomas Tadeu Silva) A diferença não é uma relação entre o
postos em alguns encontros e seminá- um e o outro.
rios, que tratam o tema inclusão na Ela é simplesmente um devir-outro.
educação superior, sempre nos reme- (Tomas Tadeu Silva)
tem a estranhamentos, tensões, confli-
tos, medos, inseguranças, ignorâncias, Tomás Tadeu Silva nos indica que
descobertas, mudanças - todos movi- identidade e diferença são mutuamente
mentos que vem à tona quando da in- determinadas, culturalmente construí-
serção de estudantes com deficiência das no constante processo de produ-
nas instituições de educação superior. Fig. 1- Aula de LIBRAS (Acervo ção simbólica e discursiva - processo
Por ocasião do III Encontro das Insti- Universidade Metodista de São Paulo). este envolto em relações de poder. Síl-
tuições de Educação Superior Inclusivas, vio Gallo, por sua vez, reconhece essas
na PUC Minas, algumas perguntas ad- A imagem acima exemplifica uma mesmas relações de poder no estabele-
vindas do auditório (composto por repre- possível cilada da diferença na educação cimento da disciplinaridade da educa-
sentação de universidades públicas e superior. A classificação das diferenças ção, na qual a fragmentação possibili-
particulares) destacaram-se, apontando pode levar à separação de dois grupos tou o controle sobre o aprendizado - o
para os estranhamentos acima citados. na mesma sala de aula - os alunos ouvin- controle do "quê, quando, quanto e co-
Eis aqui duas delas. A primeira pergunta tes e os alunos surdos. Quando uma pes- mo o aluno aprende" (GALLO, 1999, p.
- Um aluno com deficiência pode deixar soa com surdez chega à sala de aula, o 20), bem como a garantia dos limites de
de fazer disciplinas? - é sintomática. Mos- que se percebe, na maioria das vezes, é um território. Ambos os autores, tal qual

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 47-54, jul/dez. 2010 51


Flávio Pierucci, concordam que é ne- mento de fazer a diferença precisa vir trânsito, um espaço aberto às contin-
cessário suspeitar da diferença. acompanhado da possibilidade de gências da vida e do saber, tal qual a
No cotidiano universitário, é comum acesso (ir e vir) e partilha (interdepen- metáfora da semeadura nos indicou.
que a diferença se construa na dicoto- dência e cooperação) do espaço edu- Estamos descobrindo que constru-
mia do um e outro, o que facilmente cacional. Senão, a hierarquização será ir acesso também ensina. Todos
possibilita a classificação, a hierarquiza- uma das ciladas da diferença na edu- aprendem, espaços administrativos e
ção e a seleção. Na maioria das vezes, cação superior. E não há política edu- acadêmicos aproximam-se ou, até, se
a reação imediata quando chega um cacional que dê conta, por si só, disto. misturam. Vejamos alguns exemplos:
estudante com uma diferença significa- Nos processos cotidianos de inclu- l Ao disponibilizar, além do acervo bibli-
tiva é de espanto - deficiente visual quer são, percebemos que o conceito aces- ográfico em tinta, um acervo digitalizado
trabalhar em rádio? Como é possível sibilidade pode ser uma porta de entra- acessível, todos podem ler na educação
ser professora sem escutar e falar? - são da para o espaço do devir na educação superior - espaço aberto para o movi-
algumas das expressões ouvidas. superior. Por um lado, porque possibili- mento dos diferentes códigos de leitura;
Se as ciladas, sejam elas da dife- ta desfazer algumas falácias, tais como: l Ao inserir, além da língua oralizada,
rença ou da igualdade, são inerentes somente os videntes podem ler, so- uma língua sinalizada em sala de aula
ao jogo dicotômico e se assim fomos mente os ouvintes podem expressar-se (no caso do Brasil, a Libras), a subal-
ensinados a pensar na predominância com palavras, somente os cognitiva- ternidade das línguas e dos sujeitos
do cartesianismo7, como podemos de- mente superiores podem conhecer, usuários pode ser rompida9 - espaço
sarticular este jogo? Talvez diluindo fa- etc. E por outro lado, porque nos leva à aberto para o movimento dos saberes
lácias, suspeitando dos antigos discur- clara percepção da incapacidade co- diferentemente sábios;
sos, desapropriando territórios, fazen- mo algo compartilhado socialmente. l Ao oferecer caminhos acessíveis, to-
do diferente no caminho que percorre- Nos termos do Programa Mundial dos podem ir, vir, chegar aos estudos
mos. Isso exige de todos nós, educa- de Ação Relativo às Pessoas com Defi- superiores - espaço aberto para o trân-
dores, a lucidez necessária para ousar, ciência8, a incapacidade é "resultante da sito de diferentes sujeitos.
criar e romper mentalidades historica- relação entre as pessoas (com e sem As ações citadas acima exemplificam
mente construídas e, ainda, naturaliza- deficiência) e o meio ambiente" (WER- como a chegada do grupo social das
das na contemporaneidade. NECK, 2000, p.43). Esta ressignificação pessoas com deficiência à universidade
Com a inclusão de pessoas com da incapacidade nos remete à necessá- contribui para o devir- outra educação
deficiência na educação superior, vis- ria equiparação de oportunidades para superior. É o movimento das diferenças
lumbramos um novo paradigma edu- todos os aprendizes na educação supe- no sentido da superação de relações
cacional, no qual é possível romper rior. O movimento no sentido de elimi- classificatórias, seletivas e excludentes,
com o cartesianismo (classificatório, nar barreiras, criar acesso, enfim, de fa- bem como a ampliação da possibilidade
seletivo e segregador) e perguntar por zer a diferença por caminhos diferentes, pedagógica dos estudos superiores.
uma educação que permita o livre línguas diferentes, saberes diferentes
trânsito dos saberes, a cooperação e a possibilita o devir-outra universidade. 2.3. Universidade Metodista
construção do conhecimento em rede Ao equiparar oportunidades, o ir e de São Paulo:
- sem estabelecer o centro do conhe- vir (físico ou representativo) de todos o movimento de gestão
cimento e nem os detentores dele. En- torna-se possível. A acessibilidade nos da inclusão
tendemos que aproximar saberes dife- remete, portanto, à oportunidade de
rentemente sábios, impedindo o des- mobilidade, mas sem perder de vista a Os estudantes com deficiência, ape-
perdício de experiências sociais de ambigüidade própria do movimento. O sar dos espinheiros, chegaram aos estu-
grupos historicamente subalterniza- devir da diferença acontece no espaço dos superiores antes das políticas edu-
dos é um dos primeiros movimentos aberto, no entre que, necessariamente, cacionais inclusivas - esporadicamente,
no sentido do devir da diferença na é ambíguo e alvo de suspeitas. Afinal, o ouvíamos os relatos de pessoas com
educação superior. Todavia, o movi- espaço educacional é um espaço de deficiência que galgaram os degraus do

7
A mentalidade cartesiana, predominante na sociedade moderna, com a sua ênfase na distinção e no particular, impede-nos de ver a realidade como um todo, de
ver as redes de relações, enfim, a complexidade da vida. Diante de problemas sociais sistêmicos, como a exclusão educacional, esta visão analítica, que vê a re-
alidade por partes, não é suficientemente esclarecedora e não sensibiliza as pessoas para ações solidárias rumo à construção do bem comum, no qual a educação
é para todos.
8
Documento adotado pela Assembléia Geral da ONU em 3 de dezembro de 1982 e publicado em 1983.
9
Sem esquecer que esta possibilidade pode ser ignorada na cilada do gueto - território ouvinte e território surdo.

52 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 47-54, jul/dez. 2010


Gráfico 1 -Estudantes com deficiência na Universidade Metodista desde 2005. serção das pessoas com deficiência
na Universidade Metodista de São
Paulo foi o nascimento de um projeto
institucional de inclusão em setembro
de 2005 - o Melhor é Nossa Causa.
Tendo como lema "Não somos melho-
res nem piores. Somos iguais. Melhor
é a nossa causa", estabelece-se como
objetivo principal a garantia das condi-
ções de acesso e permanência das
pessoas com deficiência na comunida-
de acadêmica. Acredita-se na viabilida-
de de um sistema educacional inclusi-
Gráfico 2 - Estudantes com deficiência ingressantes na Universidade Metodista
vo que permita a ampliação de práticas
desde 2006.
pedagógicas no sentido do respeito
aos diferentes aprendizes, mais espe-
cificamente os estudantes com defici-
ência temporária ou permanente.
Há que perguntarmos, portanto, pe-
lo devir-outra universidade. Neste senti-
do, o Projeto Pedagógico Institucional
(2008-2012) ganha importância porque
prima por ações desenvolvidas de forma
descentralizada, na qual cada setor (se-
ja administrativo ou acadêmico) deve
ensino superior brasileiro. Todavia, a Lei Especialmente, quando considera- assumir sua responsabilidade na cons-
de Diretrizes e Bases da Educação Naci- mos o número de ingressantes, desta- trução das condições de acesso e per-
onal (Lei nº 9.394/1996) foi determinante ca-se o gradativo crescimento desta manência para todas as pessoas na co-
para a intensificação da chegada de inserção. Vejam Gráfico 2. munidade acadêmica. Nas palavras do
pessoas com deficiência nos estudos A respeito destes números, é im- referido documento: "o indicador acessi-
superiores. Duas décadas após sua pro- portante colocar que, ao ingressar no bilidade deve ser referência em todas as
mulgação, a chegada de estudantes processo seletivo ou em algum curso áreas de atuação dessa Universidade"
com deficiência passou a ser significati- da Universidade Metodista, a pessoa (UMESP, PPI, 2008-2012, p. 45).
va para a promoção de mudanças no com deficiência não é obrigada a Ainda, na compreensão das tarefas
campo educacional dos estudos superi- identificar-se10. Portanto, os números da universidade, insere-se a meta de for-
ores. Ou seja, o grito dos estudantes e apresentados acima se referem aos talecer a cultura inclusiva. Para tal, as po-
seus familiares pela acessibilidade (físi- estudantes que se identificaram co- líticas institucionais de inclusão "procu-
ca, comunicacional e atitudinal) foi o que mo tendo alguma deficiência ou tran- ram abordagens e medidas coletivas e
determinou os primeiros passos rumo storno de desenvolvimento (baixa vi- cooperativas, com assessoria específica"
às novas terras da educação superior no são, cegueira, deficiência auditiva, (idem). Trata-se da Assessoria Pedagógi-
Brasil neste início de século XXI. surdez, paralisia cerebral, deficiência ca para Inclusão das Pessoas com Defi-
No caso da Universidade Metodista física, síndrome de down, dislexia, ciência, criada em 2005, que tem como
de São Paulo, a história não foi diferen- nanismo, etc). Ou seja, é possível que linhas de ação:
te. Os primeiros estudantes há anos existam outros estudantes, mas estes l Os mapeamentos que possibilitam vi-
têm chegado. Todavia, especialmente não se manifestaram como pessoas sualizar as reais condições de acessibili-
a partir de 2005, um grito se intensifi- com deficiência na universidade. dade na universidade - estudantes com
cou. Vejam o gráfico 1. O resultado do movimento de in- deficiência, projetos e práticas inclusivas,

10
Existe campo de identificação tanto no formulário de inscrição no processo seletivo quanto no formulário de matrícula, inclusive com espaço para solicitação de
apoio pedagógico.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 47-54, jul/dez. 2010 53


recursos de acessibilidades, etc.; rença das pessoas com deficiência. superior e aprendendo uma nova forma
l A Sensibilização da comunidade que Aprendemos com inclusão de pes- de ser espaço educacional.
acontece através da inserção do tema in- soas com deficiência na universidade e É preciso afirmar, portanto, a contri-
clusão na comunidade - disciplina optati- fomos desafiados a construir caminhos buição das pessoas com deficiência pa-
va Por uma sociedade inclusiva - Libras; acessíveis (sejam físicos ou representa- ra a construção da educação superior
Programa de Difusão da Libras; Fórum tivos), rompendo as barreiras (físicas, inclusiva, no movimento próprio a este
de Inclusão; Mostra de Arte Inclusiva, etc; comunicacionais e atitudinais) já exis- espaço de trânsito, aberto ao devir-ou-
l O Apoio Pedagógico que busca, na tentes e, conseqüentemente, "apren- tro, que é o campo educacional.
parceria família/discente/docente, a dendo a ser" uma universidade inclusi-
construção de abordagens pedagógi- va - construindo novos e diferentes ca-
Referências
cas diferenciadas que respeitem as ex- minhos que possam ser percorridos
periências sociais e acadêmicas de- pelos diferentes aprendizes na comuni- ASSMANN, H. Reencantando a educação. Pe-
senvolvidas pelo grupo social das pes- dade aprendente nos termos de Hugo trópolis: Vozes, 1999.
soas com deficiência - Grupo interdisci- Assmann (ASSMANN,1999).
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Ja-
plinar de apoio pedagógico para inclu- neiro: Jorge Zahar, 2002.
são, Fórum de Inclusão, etc; Considerações finais BRASIL, Ministério da Educação. Instrumento
l A Acessibilidade como o conceito
de Avaliação dos Cursos de Graduação. Bra-
norteador das práticas inclusivas na Após percorrermos todos os movi- sília: SESU/MEC, 2008. Disponível em:
universidade, pois busca a eliminação mentos acima citados - das políticas pú- www.ufrgs.br/sai/arqu ivos/Instrumento_Avali-
acao_Cursos_v_final_9setembro.pdf. Acesso
progressiva de barreiras físicas, comu- blicas promotoras de acesso, da cria- em: 12 nov 2009.
nicacionais e atitudinais neste espaço ção de instrumentos de exigibilidade da
de educação superior. inclusão, da inserção de pessoas com ______, Ministério da Educação. Política nacio-
nal de educação especial na perspectiva da
Entendemos a inclusão como um deficiência e de seus saberes na educa- educação inclusiva. Brasília: SEESP/MEC,
tema transversal e, por conseguinte, ção superior, do desconforto advindo 2008. Disponível em: http://por-
tal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespe-
estas linhas de ação tomaram forma da desterritorização do saber e da sus-
cial.pdf. Acesso em: 01 nov 2009.
quando articuladas com os eixos de peita das diferenças, bem como da pos-
acessibilidade (física, comunicacional sibilidade do devir-outra universidade, ______, Ministério da Educação. Política Naci-
onal de Educação Especial. Brasília: SE-
e atitudinal) nos diversos espaços da podemos falar da educação superior in- ESP/MEC, 1994.
Universidade. A gestão descentraliza- clusiva. Todavia, falamos de um proces-
da e colaborativa contribui tanto para a so gradativo de construção de acesso CORAZZA, S., TADEU, T. Composições. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003.
otimização de recursos (financeiros e e, conseqüente, eliminação de barrei-
humanos) como para a superação de ras. Enfim, retomando a metáfora intro- GALLO, S. O sentido da escola. Transversali-
barreiras atitudinais (como o precon- dutória deste texto, trata-se do rompi- dade e educação: pensando uma educação
não-disciplinar. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
ceito). Ou seja, uma vez desafiados a mento dos espinheiros postos nas ter-
construir espaços acessíveis, estamos ras da educação superior. Se a incapa- LARROSA, J. Pedagogia Profana: danças, pi-
ruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autênti-
juntos aprendendo e construindo uma cidade diz respeito a todos nós, a inclu-
ca, 2000.
rede de apoio para a inclusão. são também é um processo contínuo
Através dos diversos diálogos, da de construção comunitária - no sentido PIERUCCI, A. F. Ciladas da diferença. São
Paulo: USP, 1999.
distribuição de responsabilidades entre de criar as condições de acesso nos
os diferentes setores acadêmicos e ad- ambientes educacionais e de reconhe- SANTOS, B. de S. Sociologia das ausências e
ministrativos, do estabelecimento de cer saberes diferentemente sábios em sociologia das emergências. Revista Crítica de
Ciências Sociais, 2002, p. 237-280.
compromissos recíprocos (família, uni- todas as áreas de atuação e formação.
versidade, docentes, discentes, etc.) A inclusão de pessoas com deficiên- SILVA T. T. Identidade e diferença: impertinên-
cias. Revista Educação e Sociedade, Vol 23,
estamos tecendo uma rede de apoio cia nos estudos superiores nos remete,
2002, p. 65-66.
para a inclusão, na qual não há come- portanto, a uma via de mão dupla. Ao
ço, nem meio e nem fim - nós simples- mesmo tempo em que precisamos ga- UNIVERSIDADE METODISTA. Projeto Peda-
gógico Institucional 2008-2012. São Bernardo
mente tecemos juntos uma nova comu- rantir as condições de acesso e perma- do Campo: Editora Metodista, 2008.
nidade pelo movimento das diferenças nência na educação superior para estes
na educação superior. No mínimo, sa- sujeitos, também estamos reconhecen- WERNECK, C. Ninguém mais vai ser bonzi-
nho, na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro:
bemos que fomos afetados pela dife- do as barreiras já postas na educação WVA Editora, 2000.

54 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 47-54, jul/dez. 2010


ENFOQUE 55

A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE PARA


PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Érika Pisaneschi1

Maria Alice Correia Pedotti2

Resumo
A Constituição Federal do Brasil (1988) afirma que "A Sa- segurar o acesso universal e igualitário às ações e servi-
úde é direito de todos e dever do Estado" e ainda que "é ços de saúde. Os entes federados, no âmbito de suas
competência comum da União, Estados, Distrito Federal competências, devem planejar e assegurar atendimento
e Municípios cuidar da saúde e assistência públicas, da às pessoas com deficiência. Diretrizes e competências
proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiên- institucionais para a atenção à saúde das pessoas com
cias". O Sistema Único de Saúde (SUS), baseando-se deficiência, desde a atenção primária à especializada,
nos princípios constitucionais de universalidade, eqüida- estão definidas na Política Nacional de Saúde da Pessoa
de e integralidade, compartilha responsabilidades entre com Deficiência (Portaria. MS/GM Nº. 1.060/02) e nor-
a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para as- mas complementares. As Redes Estaduais de Serviços

1
Fonoaudióloga, Especialista em Lingüística. Coordenadora da Área Técnica Saúde da Pessoa com Deficiência, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas,
Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Endereço - Ministério da Saúde, Esplanada dos Ministérios, Bloco G, 6º andar, sala 619. Brasília/DF. Email -
erka.pisaneschi@saude.gov.br
2
Socióloga, Área Técnica Saúde da Pessoa com Deficiência, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saú-
de. Endereço - Ministério da Saúde, Esplanada dos Ministérios, Bloco G, 6º andar, sala 619. Brasília/DF. Email - maria.pedotti@saude.gov.br

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 54-63, jul/dez. 2010 55


de Reabilitação são temáticas, compostas por unidades Portaria MS/SAS Nº. 3.128, de 24 de dezembro de 2008,
especializadas no atendimento às necessidades especí- define, de forma coerente com as diretrizes do SUS, que
ficas de reabilitação das pessoas com deficiência física, as Redes Estaduais de Atenção à Pessoa com Deficiên-
auditiva, visual, intelectual e/ou múltiplas deficiências. A cia Visual sejam compostas por ações na Atenção Bási-
sua organização envolve parceria entre as três esferas ca e em Serviços de Reabilitação Visual para pessoas
de gestão, é regida por legislação específica e deve con- com baixa visão e cegueira.
siderar as ações de promoção à saúde, prevenção e de-
tecção precoce de situações que podem levar à deficiên- Palavras-chave: Pessoa com deficiência; Deficiência vi-
cia. Inclui também ações da comunidade, possibilitando sual; Rede Estadual de Atenção à Pessoa com Deficiên-
efetiva inclusão das pessoas com deficiência. Assim, a cia Visual.

Abstract
The Brazil States Constitution (1988) declare “Health is eds of people with physical disabilities, hearing, visual,
everyone's right and duty of the state” and “It's Nation, intellectual and/or multiple disabilities. The Networks
States, Federal District and Cities's common competen- Services's organization involves a partnership between
ce health care and public assistence, protection and se- the three spheres of management, and it's governed by
curity of people with disabilities”. The Brazilian National specific legislation and should to consider the actions of
Health Care System (SUS), based on the constitutional health promotion, prevention and early detection of si-
principles of universality, fairness and integrity, sharing tuations that can lead to disability. It also includes com-
responsibilities between the Nation, State, Federal Dis- munity actions, enabling effective inclusion of the per-
trict and Cities, to ensure universal and equal access to sons with disabilities. Thus, the Ministerial Order
the health actions and services. The federal entities, wi- MS/SAS nº 3.128, dated 2008 December 24, defines a
thin their competence, should plan and provide care to consistent way with the SUS guidelines, the State
people with disabilities. Institutional health care guideli- Networks of Care for People with Visual Impairments
nes for people with disabilities, since the primary to es- consist of shares in Primary Care and Visual Rehabilita-
pecialized attention, are defined in the People with Disa- tion Services for people with low vision and blindness.
bilities Health National Policy (Ministerial Order MS/GM
nº 1.060/02) and supplementary rules. The State Key words: People with disabilities; Visual impair-
Networks Rehabilitation Services are thematic, compo- ment; Network State of Attention to People with Visu-
sed of specialized units in meeting the rehabilitation ne- al Impairment.

Introdução universal igualitário às ações e ser- o modelo de atenção à saúde no pa-


viços para sua promoção, proteção ís após 1988, busca a mudança de
A promulgação da Constituição e recuperação (BRASIL, 1988). práticas em saúde, baseando-se nos
da República Federativa do Brasil, princípios constitucionais de univer-
em 1988, fruto do processo de demo- A Carta Constitucional afirma ain- salidade, eqüidade e integralidade. A
cratização do país, veio garantir direi- da, em seu Artigo 23, capítulo II, que responsabilidade de financiar e pro-
tos fundamentais para os cidadãos "é competência comum da União, mover a articulação e a interação es-
brasileiros. Diz o seu Artigo 126: Estados, Distrito Federal e Municí- trutural do SUS, com a finalidade de
pios, cuidar da saúde e assistência assegurar o acesso universal e igua-
A Saúde é direito de todos e dever públicas, da proteção e garantia das litário às ações e serviços de saúde,
do Estado, garantido mediante polí- pessoas portadoras de deficiências" é compartilhada pela União, Estados,
ticas sociais e econômicas que vi- (BRASIL, 1988). Distrito Federal e Municípios. Os en-
sem à redução do risco de doença O Sistema Único de Saúde (SUS), tes federados, no âmbito de suas
e de outros agravos e ao acesso da forma como vem se organizando gestões e competências, devem pla-

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nejar, programar e assegurar o aten- do com amplo consenso4 resultado peração de problemas.
dimento às pessoas com deficiência de muitos fóruns de discussões, pro- Assim, desde 2006, foram incluí-
na rede de serviços, públicos e/ou duziu, em 2006, uma proposta para das e mantidas metas específicas
conveniados, do sistema. a reordenação e a consolidação do sobre a saúde das pessoas com de-
Há que se destacar, nesse pro- SUS, convocando as instâncias go- ficiência nas edições do Pacto que
cesso de constituição do sistema de vernamentais a assumirem um com- está, neste ano de 2009, sendo ree-
saúde3 brasileiro, o esforço da socie- promisso com a defesa da vida e do ditado em sua terceira versão. Como
dade civil, durante as décadas de 80 próprio SUS e sua gestão - o Pacto meta para o período 2010/2012, pre-
e 90, que impulsionou o Movimento pela Saúde. tende-se concentrar esforços na im-
pela Reforma Sanitária Brasileira. As- As Diretrizes do Pacto pela Saúde plantação de Serviços de Reabilita-
sim, pode-se afirmar que dois movi- (Portaria MS/GM Nº. 399, de 22 de ção Visual em todo o país.
mentos convergentes, um originário fevereiro de 2006) desdobram-se em O Brasil vem sendo reconhecido
da mobilização popular dos anos 80 três vertentes: Pacto pela Vida, Pacto internacionalmente por seus esfor-
em prol da democracia e do direito à em Defesa do SUS e Pacto de Ges- ços no sentido de desenvolver uma
saúde e outro emanado das disposi- tão. Dimensões interdependentes, legislação que, nas últimas décadas,
ções legais, cunharam o Sistema elas devem ser entendidas e assumi- promoveu mudanças de paradigmas
Único de Saúde. A participação dos das simultaneamente, articuladas nas questões relativas às pessoas
movimentos sociais ainda continua nacionalmente por intermédio de com deficiência. Uma visão assisten-
sendo responsável por inúmeras uma pactuação responsável entre as cialista e paternalista deu lugar a
mudanças na política de saúde do três esferas de governo - municípios, uma outra perspectiva que vem pro-
país. A participação da comunidade estados e federação. Maior compro- curando garantir os direitos indivi-
na gestão do sistema foi assegurada misso, mais solidariedade e mais co- duais e coletivos para efetivação da
por meio da constituição dos Conse- operação, a serem assumidos pelos inclusão social do segmento no âm-
lhos e Conferências de Saúde3, es- órgãos responsáveis das três esferas bito dos direitos humanos.
paços de representação institucio- de governo, resultarão diretamente Apesar do grande avanço no
nal, na busca de garantir que o con- em mais saúde para a população marco legal, o Estado brasileiro ain-
trole social assuma lugar estratégico usuária do SUS. A descentralização, da necessita desenvolver ações, de
na definição das diretrizes e da exe- processo que vem sendo implanta- forma descentralizada e intersetorial,
cução das políticas de saúde. do desde a Constituição de 88, deve- que contribuam para transformar o
Assim, notadamente, o movimen- rá ser radicalizada tendo como su- modelo assistencialista, permitindo
to social em defesa das pessoas porte um movimento de regionaliza- que as pessoas com deficiência
com deficiência tem assumido um ção5. Quando se tem uma base terri- exerçam o papel de protagonistas no
papel cada vez mais importante e torial e populacional, é possível ma- processo de seu próprio desenvolvi-
significativo, visando a garantir e as- pear, com mais segurança, as neces- mento pessoal como também o de-
segurar os direitos a essas pessoas. sidades das comunidades, conside- senvolvimento do país, garantindo,
Expressão disto foi a manifestação rando suas peculiaridades locais e assim, sua plena cidadania.
do Conselho Nacional de Saúde, em regionais, para buscar respondê-las
2006, solicitando ao Ministério da de forma cooperativa e solidária. É A Política Nacional de
Saúde a inclusão do tema "Fortaleci- importante, para esse processo de
Saúde para Pessoas
mento da capacidade de resposta pactuação proposto, ter como refe-
do SUS à atenção à saúde das pes- rência as realidades locais e regio- com Deficiência
soas com deficiência" nas priorida- nais, respeitando cada unidade ges-
des no Pacto pela Saúde. tora, criando oportunidades para No Brasil, o Censo de 2000 (IB-
O Ministério da Saúde, trabalhan- análise, reflexão, planejamento e su- GE) identificou 24,5 milhões de pes-

3
A Lei Federal Nº. 8.142/90 dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS, que conta com 5.590 Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde (2008).
4
Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, Diretrizes Operacionais (2006). Ampla participação de áreas técnicas do MS, do Conselho Nacional de Secretários
Municipais de Saúde/CONASEMS e Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde/CONASS e também aprovado na Comissão Intergestores Tripartite/CIT e
no Conselho Nacional de Saúde/CNS.
5
Regionalização - Organização de sistema de saúde com base territorial e populacional buscando corrigir desigualdades no acesso e a fragmentação dos serviços,
com definição das responsabilidades de cada município e dos fluxos de referência entre eles. Fortalece o processo de descentralização, promovendo relações mais
cooperativas e solidárias entre os gestores do SUS e qualificando a capacidade de gestão dos sistemas municipais de saúde. (BRASIL, 2005)

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 54-63, jul/dez. 2010 57


soas com algum tipo de deficiência, dos os direitos humanos por todas desnecessários, racionaliza os en-
desde alguma dificuldade para an- as pessoas com deficiência. Nosso caminhamentos para os serviços de
dar, ouvir e enxergar, até as graves país assinou-o, em 30 de março de maior complexidade, oferece atendi-
lesões incapacitantes (14,5% da po- 2007, sem reservas, comprometen- mento à demanda espontânea e re-
pulação brasileira). Foram detecta- do-se com os cinqüenta artigos que duz a procura direta aos atendimen-
dos, no total de 24,5 milhões, 48% tratam dos direitos civis, políticos, tos de urgência e hospitais.
de pessoas com deficiência visual, econômicos, sociais e culturais, apli- Além da assistência às necessi-
23% com deficiência motora, 17% cáveis aos brasileiros com deficiên- dades gerais de saúde, as pessoas
com deficiência auditiva, 8% com de- cia. Votado por maioria qualificada com deficiência necessitam receber
ficiência mental e 4% com deficiên- (mínimo de três quintos dos votos) os cuidados que se referirem à sua
cia física. A metodologia adotada in- no Congresso e no Senado brasilei- condição específica de saúde, de
cluiu, na contagem, os idosos com ros, esse documento passou, em ju- acordo com a deficiência que apre-
dificuldades para se locomover, ver lho de 2008, a fazer parte da Consti- sentam, como, por exemplo, receber
e/ou ouvir. Ao se considerar as pes- tuição Federal. E, de acordo com a órteses e próteses e meios auxiliares
soas com limitações mais severas Convenção, as pessoas com defici- de locomoção (aparelhos auditivos,
(auto-percepção de incapacidade), o ência têm direito ao mais alto nível óculos, lupas, muletas, cadeira de
percentual encontrado foi de 2,5% possível de saúde, sem discrimina- rodas, bengala, etc.) complementar-
do total da população (4,3 milhões ção por motivo de incapacidade. mente ao trabalho de reabilitação re-
de pessoas). Pode-se falar, então, de As pessoas com deficiência têm alizado por equipe multiprofissional
um grande contingente que inclui to- o direto, assim como qualquer outro nos serviços de reabilitação próprios
das as pessoas que se declaram cidadão brasileiro, de usufruírem dos ou conveniado ao SUS.
com algum grau/tipo de deficiência e serviços de saúde do Sistema Único O Ministério da Saúde, em regi-
um agrupamento menor, formado de Saúde (SUS), desde as Unidades me de responsabilidade comparti-
por pessoas que se percebiam com Básicas de Saúde municipais (Saú- lhada com Estados, Distrito Federal
incapacidades. de da Família), aos serviços de aten- e Municípios, e incluindo a socieda-
As diretrizes e competências ins- ção especializada: ambulatoriais e de civil, planeja e executa suas
titucionais para a atenção à saúde hospitalares. Têm direito a consulta ações em acordo com as diretrizes
das pessoas com deficiência, desde médica, tratamento odontológico, estabelecidas pela Política Nacional,
a atenção primária à especializada, procedimentos de enfermagem, visi- quais sejam: promover a qualidade
estão definidas na Política Nacional ta dos Agentes Comunitários de Sa- de vida das pessoas com deficiência
de Saúde da Pessoa com Deficiência úde, aos exames complementares e prevenir deficiências; oferecer as-
- Portaria MS/GM Nº. 1.060/02 e nor- para diagnóstico e aos medicamen- sistência integral à saúde a partir da
mas complementares. As diretrizes tos distribuídos pelo SUS. organização e funcionamento de
estabelecidas pela Política seguem o A Atenção Básica caracteriza-se serviços; ampliar e fortalecer os me-
princípio geral de que a reabilitação por um conjunto de ações voltadas canismos de informação e capacitar
da pessoa com deficiência deve pro- para o indivíduo e à coletividade/co- recursos humanos.
piciar o desenvolvimento das capaci- munidade. É o primeiro nível de Promover a qualidade de vida
dades e habilidades, dos recursos atenção à saúde e, por isso, é a das pessoas com deficiência e pre-
pessoais e comunitários, para pro- "porta de entrada" dos usuários no venir deficiências são responsabili-
mover o máximo de independência e sistema. É desenvolvida sob a forma dades sociais coletivas, envolvendo
autonomia para a participação social de trabalho em equipe, que é res- ações intersetoriais e a cidade como
das pessoas com deficiência no ponsável pelo acompanhamento da um todo: as escolas, os ambientes
mercado de trabalho, na educação, saúde da população de um determi- públicos, coletivos e de esporte/la-
no esporte, no lazer e turismo, etc. nado território. A organização da zer, os serviços de saúde, os meios
Em 13 de dezembro de 2006, a Atenção Básica pela estratégia de de transporte, as formas de comuni-
Assembléia Geral das Nações Uni- Saúde da Família soluciona os pro- cação e informação devem ser pen-
das aprovou a Convenção sobre os blemas mais comuns e mais fre- sadas de modo a facilitar a convivên-
Direitos das Pessoas com Deficiên- qüentes da população, controla as cia, o livre trânsito e a participação
cia e seu Protocolo Facultativo, cujo doenças crônicas e suas complica- de todos os cidadãos em iguais con-
propósito é assegurar o pleno gozo, ções, previne doenças e incapacida- dições de segurança e de direitos.
e em condições de igualdade, de to- des, diminui a solicitação de exames Ressalta-se a importância da repre-

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sentação das pessoas com deficiên- moção, bem como o acompanha- atores envolvidos com a implemen-
cia nos Conselhos de Saúde, viabili- mento dos processos de adaptação tação desta política pública encon-
zando sua participação na proposi- aos equipamentos. Para as unida- tra-se no caráter transversal intrínse-
ção, acompanhamento e avaliação des de alta densidade tecnológica, co à temática. Para fazer valer os
de ações nas esferas municipal, es- ambulatorial ou hospitalar, reser- princípios de universalidade, inte-
tadual e federal. vam-se os casos que justificam in- gralidade e equidade constitutivos
Oferecer assistência integral à tervenção intensa e mais freqüente, do Sistema Único de Saúde, na
saúde a partir da organização e fun- recomendando-se que estejam vin- atenção às pessoas com deficiên-
cionamento de serviços é responsa- culados, se possível, a centros uni- cia, é imprescindível a articulação
bilidade direta do Sistema Único de versitários ou formadores de recur- transversal com as demais políticas,
Saúde e de sua rede de unidades, sos humanos. Nestas unidades, pro- como saúde da mulher, de jovens e
voltada aos cuidados que devem ser vavelmente estarão as pessoas que adolescentes, da criança, saúde
dispensados às pessoas com defici- sofreram traumas recentes, caracte- mental, entre outras. São, também,
ência, assegurando acesso às rizando uma via de entrada para a fundamentais, as articulações esta-
ações básicas e de maior complexi- atenção no SUS. Para o seguimento belecidas com outras áreas, sob
dade, à reabilitação e demais proce- desses casos, há que se criar um responsabilidade de outras pastas,
dimentos que se fizerem necessá- fluxo entre os serviços e os pontos como da educação, do desenvolvi-
rios e ao recebimento de tecnologi- de atenção, para que as pessoas te- mento social, do trabalho e empre-
as assistivas (órteses, próteses e nham acesso, após a alta hospitalar, go, dos transportes, do esporte, da
meios auxiliares de locomoção). às unidades básicas de saúde mais cultura e dos direitos humanos, em
Pretende-se que os serviços de próximas de seus locais de moradia. busca de potencializar recursos e
atenção às pessoas com deficiência Ampliar e fortalecer os mecanis- efetividade das ações que tragam in-
se organizem como uma rede de mos de informação, implementando clusão, cidadania, respeito e digni-
cuidados, de forma descentralizada, os registros de dados sobre as pes- dade para a vida diária das pessoas
intersetorial e participativa, tendo as soas com deficiência no país, aper- com deficiência no Brasil.
Unidades Básicas de Saúde (ou Sa- feiçoando os sistemas nacionais de Há dois exemplos claros dessa
úde da Família) como porta de en- informação do SUS e construindo parceria possível. Um deles é a
trada para as ações de prevenção e indicadores e parâmetros específi- Agenda Social da Presidência da Re-
para as intercorrências gerais de sa- cos para esta área, com o desenvol- pública _ Eixo Direitos Humanos e
úde da população com deficiência6. vimento de estudos epidemiológi- Cidadania _ Grupo Pessoa com Defi-
Nas unidades especializadas (em cos, clínicos e de serviços, com estí- ciência (Decreto N°. 6.215, de 26 de
saúde auditiva, reabilitação física, mulo às pesquisas em saúde e defi- setembro de 2007), com a definição
reabilitação visual e em deficiência ciência, capacitando recursos hu- de um conjunto de ações envolven-
intelectual) de abrangência regional, manos, mostra-se de suma impor- do diversos Ministérios para garantir
qualificadas para atender às neces- tância, tendo em vista que as rela- as condições básicas de pleno de-
sidades específicas das pessoas ções em saúde são baseadas es- senvolvimento para as pessoas com
com deficiência, a atenção será mul- sencialmente na relação entre pes- deficiência, com vistas ao ingresso
tiprofissional e interdisciplinar, com a soas. Profissionais atualizados, ca- no mercado de trabalho e processo
presença de médico, de assistente pacitados e qualificados, tanto na de desenvolvimento do país. É pri-
social, de fisioterapeuta, de terapeu- rede básica (incluindo as equipes de mordial, nesse contexto, o acesso às
ta ocupacional, de fonoaudiólogo e Saúde da Família e os Agentes Co- órteses, às próteses e à reabilitação
de psicólogo em composições di- munitários de Saúde), quanto nos no Sistema Único de Saúde/SUS.
versas, de acordo com o perfil do serviços de reabilitação (física, audi- Outra importante ação intermi-
serviço de reabilitação. Neste nível, tiva, visual, intelectual), potencializa- nisterial que conta com a participa-
será possível a avaliação de cada rão os cuidados às pessoas com de- ção do Ministério da Saúde é o Pro-
caso para a dispensação de órteses, ficiência usuárias do SUS. grama de Benefício de Prestação
próteses e meios auxiliares de loco- O desafio que se coloca para os Continuada na Escola (Portaria In-

6
As unidades de saúde devem tornar-se acessíveis, por meio do cumprimento da normatização arquitetônica, de acordo com a Norma Brasileira 9050/ABNT, como
descrito no Manual de Estrutura Física das Unidades Básicas de Saúde, 2008.

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terministerial Nº. 18/2007; Ministéri- de das pessoas com deficiência da 156 unidades no país, com a expan-
os da Saúde, Educação, Desenvolvi- atenção básica aos serviços espe- são da Rede para as regiões norte e
mento Social e Combate à Fome, cializados de reabilitação, bem como nordeste. A partir de 2004, com a pu-
Secretaria Especial de Direitos Hu- disponibilizados recursos financeiros blicação da política e normas com-
manos), que tem por objetivo identi- para a estruturação dessas unidades plementares em atenção à saúde au-
ficar as barreiras (arquitetônicas, ati- e capacitação de profissionais. ditiva, foram criadas 137 unidades
tudinais e de acesso a serviços pú- As Redes Estaduais de Serviços de referência em saúde auditiva, pro-
blicos) que impedem crianças e de Reabilitação no SUS são redes te- movendo, assim, mudança significa-
adolescentes de 0 a 18 anos, com máticas, compostas por unidades tiva no acesso à reabilitação das
deficiência e que recebem o benefí- especializadas no atendimento às pessoas com deficiência auditiva no
cio, de freqüentarem a escola. Este necessidades específicas de reabili- SUS. Passou-se da distribuição de
trabalho exige agregação de esfor- tação das pessoas com deficiência aparelhos auditivos para uma pro-
ços das três esferas de governo física, auditiva, visual, intelectual posta de atenção integral, na qual o
(União, Estados e Municípios), prin- e/ou múltiplas deficiências. A sua or- paciente deve passar por diversas
cipalmente para a efetivação das ganização e implementação envolve etapas quando atendido, que vão
ações necessárias à eliminação de a parceria entre Ministério da Saúde, desde o diagnóstico, seleção e
barreiras e à inclusão das crian- Estados, Municípios e Distrito Fede- adaptação da prótese mais adequa-
ças/adolescentes na escola. Em ral, regida por legislação específica8. da ao paciente, à sua concessão e
2008, os 27 Estados e 2.623 Municí- As Redes Estaduais de Serviços ao acompanhamento e terapia para
pios aderiram ao Programa, o que de Reabilitação Física (Portarias o uso efetivo do equipamento. Con-
corresponde a um total de 226.775 MS/GM Nº. 818/01 e MS/SAS Nº. ta-se ainda, no SUS, com 900 unida-
beneficiários com deficiência, na fai- 185/01) e as Redes Estaduais de des voltadas ao atendimento das
xa etária de 0 a 18 anos, matricula- Serviços de Saúde Auditiva (Portari- pessoas com deficiência intelectual
dos ou não na escola e que partici- as MS/GM Nº. 587/04 e MS/GM Nº. e autismo9.
parão do Programa em 2009. 589/04) atendem de 280 a 300 mil Em consonância com o princípio
pessoas por ano para o fornecimen- organizacional de descentralização
Redes Estaduais de to de órteses e próteses ortopédicas do SUS, é de responsabilidade dos
ou auditivas. Para que as necessida- gestores locais (estados e municí-
Serviços de Reabilitação
des em reabilitação sejam respondi- pios) a organização e financiamento
no SUS das nas unidades de referência, o de serviços de menor complexidade,
paciente deve ser atendido por equi- integrantes das redes e complemen-
Nos últimos anos, tem sido priori- pe multiprofissional (médico, assis- tares aos serviços de referência, pa-
zado pelo Ministério da Saúde, por tente social, fisioterapeuta, fonoaudi- ra continuidade do processo de rea-
meio da Área Técnica Saúde da Pes- ólogo, terapeuta ocupacional, psicó- bilitação o mais próximo possível da
soa com Deficiência7, o apoio técni- logo - conforme o perfil da unidade) residência das pessoas, quando
co e financeiro às Secretarias Esta- para diagnóstico, avaliação funcional atingirem as condições para este
duais de Saúde, Secretarias Munici- e procedimentos de reabilitação. Ou acompanhamento10. Inclusive, as es-
pais de Saúde e do Distrito Federal, seja, a concessão dos equipamen- truturas e estratégias da atenção bá-
para o aprimoramento e a expansão tos é realizada quando necessário e sica devem ser otimizadas para es-
da assistência às pessoas com defi- deve estar inserida num plano tera- ses atendimentos, em conformidade
ciência no SUS. Entre as ações de- pêutico mais amplo. com propostas de reabilitação base-
senvolvidas sob responsabilidade do De 2003 a 2009, foram implanta- adas na comunidade. Note-se que o
gestor federal, foram elaboradas nor- das 53 novas unidades de referência Ministério da Saúde propôs a cria-
mas para organizar o cuidado à saú- em reabilitação física, totalizando ção dos Núcleos de Apoio à Saúde

7
Área Técnica pertencente ao Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, da Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde.
8
Existem, ainda, normas específicas para o atendimento aos pacientes com Osteogenesis Imperfecta - Portaria MS/GM Nº. 2.035/01 e para Serviços de Assistência
Ventilatória para pacientes com Doenças Neuromusculares (Portarias MS/GM Nº. 1.370/08 e MS/SAS Nº. 370/08) e, em processo de pactuação, as Diretrizes Nacio-
nais para a Atenção à Saúde das Pessoas com Ostomia no SUS.
9
As normas estão em revisão (Portaria MS/GM Nº. 1.635/02), uma vez que o MS reconhece a responsabilidade da Política em Saúde Mental pela atenção às pesso-
as com autismo, bem como a necessidade de organizar os serviços para atenção às pessoas com deficiência intelectual em uma rede temática específica, seme-
lhante às demais já normatizadas.
10
A quantidade de serviços e a sua localização são da competência dos gestores estaduais e municipais, a partir das necessidades locais.

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da Família, em 200811, com o objeti- Brasil, os dados de prevalência da do Serviço de Reabilitação Visual de
vo de ampliar a resolutividade das deficiência visual são: cegueira na Pernambuco (Fundação Altino Ven-
ações da Atenção Básica e que po- população menor de 15 anos de tura); do Serviço de Reabilitação Vi-
dem ter um perfil de reabilitação. idade - 0,062%; cegueira na popula- sual da Secretaria de Estado da Sa-
Cabe também aos gestores esta- ção entre 15 e 49 anos - 0,15%; po- úde de Santa Catarina; da Fundação
duais e municipais, ao organizarem pulação com mais de 50 anos de Dorina Nowill para Cegos/SP e da
as Redes de Serviços de Reabilita- idade - 1,3%; prevalência de ceguei- Instituição Laramara/SP; da Secreta-
ção, considerar as ações de promo- ra na população geral de 0,3% e ria de Educação Especial do Ministé-
ção à saúde, prevenção e detecção prevalência de baixa visão na popu- rio da Educação/SEESP/MEC; da
precoce de situações que podem le- lação geral de 1,7%. Teríamos, en- Comissão de Saúde da Pessoa com
var à deficiência. tão, para o país, uma estimativa13 de Deficiência do Conselho Nacional de
É importante registrar a mudança 551.969 pessoas com cegueira e Saúde/CISPCD/CNS.
no entendimento de que a reabilita- 3.127.825 pessoas com baixa visão A Portaria MS/SAS Nº. 3.128, de
ção/habilitação da pessoa com defi- (SAMPAIO, 2010). 24 de dezembro de 2008, resultado
ciência com vistas à inclusão se dá, Em consonância com a Política desse esforço coletivo, define, de
também, por ações da comunidade, Nacional de Saúde da Pessoa com forma coerente com as diretrizes
transformando os ambientes ao eli- Deficiência, tendo como propósito do SUS, que as Redes Estaduais
minar barreiras atitudinais e arquite- básico incluir e reabilitar a pessoa de Atenção à Pessoa com Deficiên-
tônicas que possam impedir a efeti- com deficiência, as redes temáticas cia Visual sejam compostas por
va participação social das pessoas de Serviços de Reabilitação vêm ações na Atenção Básica e em Ser-
com deficiência. sendo implantadas, gradativamente, viços de Reabilitação Visual para
em todo território nacional. pessoas com baixa visão e ceguei-
Redes Estaduais de Após a normatização das redes ra. Estabelece, ainda, que as Re-
de atenção em reabilitação física des Estaduais de Atenção à Pes-
Serviços de Reabilitação
(2001) e redes de saúde auditiva soa com Deficiência Visual devem
Visual no SUS (2004), o Ministério da Saúde articu- estar em articulação com as Redes
lou e promoveu uma ampla discus- Estaduais de Atenção em Oftalmo-
São consideradas pessoas com são da qual participaram instituições logia14 e as Redes Estaduais de As-
deficiência visual aquelas com ce- representativas da área de reabilita- sistência às Pessoas com Deficiên-
gueira ou com baixa visão12. A pes- ção visual, profissionais, usuários e cia Física e Redes Estaduais de Sa-
soa com baixa visão é aquela que serviços de oftalmologia, visando a úde Auditiva.
apresenta, após tratamentos ou cor- elaborar diretrizes nacionais para a Essa articulação, que deve ser
reção óptica, uma diminuição consi- atenção à saúde das pessoas com promovida pelos gestores locais (Es-
derável de sua função visual, porém deficiência visual no SUS. tados e Municípios), é imprescindí-
usa ou é potencialmente capaz de Assim, foram parceiros nessa ati- vel, uma vez que a deficiência múlti-
usar a visão para a execução de ta- vidade representantes da Sociedade pla, presença de duas ou mais defi-
refas. Para tanto, é necessária a ha- Brasileira de Baixa Visão; do Ambu- ciências no mesmo indivíduo, tem
bilitação e reabilitação visual. latório de Baixa Visão do Hospital importância crescente na população
De acordo a Organização Mun- das Clínicas/SP; do Ambulatório de infantil cega ou com baixa visão. Cer-
dial de Saúde (OMS, 2004), para ca- Baixa Visão da Escola Paulista de ca de 30 a 70% da população infantil
da pessoa cega, há uma média de Medicina/UNIFESP; do Ambulatório com deficiência visual grave apre-
3,7 pessoas com baixa visão, com de Oftalmologia da Secretaria Muni- senta outras deficiências associadas
variações regionais de 2,4 a 5,8. No cipal de Saúde do Rio de Janeiro/RJ; (SAMPAIO, 2010).

11
Núcleo de Apoio à Saúde da Família/NASF - Portaria MS/GM Nº. 154, de 24 de janeiro de 2008, com equipe multiprofissional, que pode incluir médico (pediatra,
ginecologista, homeopata, acupunturista, psiquiatra), assistente social, profissional da educação física, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionis-
ta, psicólogo e terapeuta ocupacional.
12
De acordo com a 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional das Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID-10), considera-se visão subnormal,
ou baixa visão, quando o valor da acuidade visual corrigida no melhor olho é menor do que 0,3 e maior ou igual a 0,05, ou seu campo visual é menor do que 20
graus no melhor olho com a melhor correção óptica (categorias 1 e 2 de graus de comprometimento visual). Considera-se cegueira quando esses valores encon-
tram-se abaixo de 0,05 ou o campo visual menor do que 10 graus (categorias 3, 4 e 5 ) (OMS, 1993).
13
Com base na estimativa populacional do IBGE para o Tribunal de Contas da União/TCU, 2007.
14
A Portaria MS/SAS Nº. 288, de 19 de maio de 2008, institui a Política Nacional em Oftalmologia e define as Redes Estaduais e Regionais de Atenção em Oftal-
mologia.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 54-63, jul/dez. 2010 61


Complementarmente, mas não do puerpério; identificação da ges- avaliação multiprofissional do desen-
menos importante, foi a definição de tante e da criança de alto risco; imu- volvimento global do paciente e de-
que os serviços de Reabilitação Visu- nização; teste de acuidade visual; senvolvimento funcional da visão; a
al estejam articulados com a área da orientações básicas na área de ha- adaptação de recursos ópticos e
Educação, considerando a necessi- bilitação/reabilitação; identificação não-ópticos; atendimento multipro-
dade de garantir o acesso à atenção dos recursos comunitários que fa- fissional para o desenvolvimento de
à saúde ocular e à reabilitação/habi- voreçam o processo de inclusão so- habilidades para a execução de ativi-
litação dos alunos matriculadas nas cial plena da pessoa com deficiên- dades de vida diária e estimulação
redes de ensino, por meio de ações cia visual; e acompanhamento dos precoce; orientação e mobilidade
articuladas intersetorialmente entre usuários contra-referenciados pelos para independência na locomoção e
as secretarias estaduais e municipa- serviços especializados. exploração do meio ambiente; indi-
is de educação e saúde. Os Serviços de Reabilitação Vi- cação e adaptação de prótese ocular
Destaca-se a orientação para que sual que, junto com as ações da (opcional); orientações à família; ori-
essas Secretarias Estaduais de Saú- atenção básica, constituem as Re- entações para atividades de vida di-
de/SES e as Secretarias Municipais des Estaduais de Atenção à Pessoa ária e profissional; orientação para
de Saúde/SMS estabeleçam, junto com Deficiência Visual, preferencial- promover a inclusão escolar; capaci-
às Secretarias Municipais e Estadu- mente unidades públicas, ou institu- tação de profissionais da atenção
ais de Educação, os mecanismos de ições da rede complementar (de básica e serviços de atenção em of-
referência e contra/referência de pa- preferência instituição filantrópica e talmologia; e estimulação dos estu-
cientes com baixa visão e cegueira, sem fins lucrativos), devem oferecer dos e pesquisas na área da deficiên-
em idade escolar, para que seja ga- condições técnicas, instalações físi- cia visual.
rantido o apoio necessário à inclu- cas, equipamentos e recursos hu- Com base em critérios populacio-
são escolar. manos, conforme descritos na por- nais, foi determinado o número de
De acordo com as diretrizes ge- taria citada. unidades de reabilitação visual por
rais do SUS, a Atenção Básica cum- A reabilitação/habilitação de pes- unidade federada: um serviço para
pre importante papel na prevenção soas com baixa visão e cegueira pre- cada 2.500.000 habitantes15. A distri-
da deficiência visual, na promoção vê a atuação de equipe multiprofissi- buição nacional totaliza 75 serviços,
da saúde ocular e na promoção da onal. O oftalmologista na área da com 9 na Região Norte, 20 na Nor-
habilitação/reabilitação visual. Por- baixa visão deve desenvolver traba- deste, 31 na Sudeste, 5 na Centro-
tanto, está integrada à normativa da lho conjunto com equipe de profissi- oeste e 10 na Região Sul.
Portaria n° 3.128/08 e à organização onais da área de reabilitação e/ou Pretende-se, com a publicação
e implantação das Redes Estaduais educação, como, fisioterapeuta, te- das Portarias n° 3.128/08 e 3.129/0816,
de Atenção à Pessoa com Deficiên- rapeuta ocupacional, assistente soci- promover e ampliar o acesso às pes-
cia Visual. al, psicólogo, pedagogo, técnico de soas com deficiência visual aos servi-
Tais ações poderão ser desen- orientação e mobilidade, com o ob- ços especializados dos quais neces-
volvidas pelas Unidades Básicas de jetivo de reabilitar/habilitar a pessoa sita, para a adequada e integral aten-
Saúde e por Equipes de Saúde da com deficiência visual com vistas à ção à sua saúde. Como foi afirmado
Família e constam de: ações educa- sua inclusão social. ao longo do artigo, a concretização
tivas e de promoção da saúde ocu- As estratégias de ações para ha- desse objetivo depende da atuação
lar; prevenção de doenças crônicas bilitação e reabilitação visual devem dos três entes federados. É, desta for-
e outras condições relacionadas à ser estabelecidas nos Serviços, a ma, que se constitui o Sistema Único
deficiência visual; identificação e partir das necessidades particulares de Saúde e é, a partir da norma insti-
encaminhamento para serviços es- de cada indivíduo, de acordo com o tuída, que Secretarias Estaduais e
pecializados de crianças, adultos e impacto da deficiência visual sobre Municipais de Saúde estarão organi-
idosos que necessitam de avaliação sua funcionalidade. Nos serviços, zando suas Redes de Serviços de
oftalmológica e tratamento; acom- devem ser desenvolvidas as seguin- Atenção à Reabilitação Visual, em to-
panhamento da gravidez, do parto e tes ações: avaliação oftalmológica; do o país.

15
Para os estados cuja população seja inferior a 2.500.000 habitantes deverá haver, no mínimo, um serviço.
16
A Portaria MS/GM Nº. 3.129, de 24 de dezembro de 2008, estabelece recursos financeiros a serem disponibilizados pelo gestor federal aos estados e municípios
para a implantação das Redes de Serviços de Reabilitação Visual.

62 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 54-63, jul/dez. 2010


BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria
Conclusão para apoio às ESF e ACS, o Ministé-
Executiva. Departamento de Apoio à Des-
rio da Saúde deu início à implanta- centralização. Coordenação-Geral de
A viabilização da Política Nacio- ção de Núcleos de Apoio à Saúde da Apoio à Gestão Descentralizada. Diretrizes
nal de Saúde da Pessoa com Defici- Família (NASF), que, conforme as operacionais dos Pactos pala Vida, em De-
fesa do SUS e de Gestão. Brasília, ed. Mi-
ência deve-se a uma conjugação de necessidades locais e opção do ges- nistério da Saúde, Brasília/DF, 2006, p. 76.
esforços que tiveram seu início na tor municipal, podem ter um perfil de
força de mobilização do controle so- reabilitação para desenvolvimento BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria
de Atenção à Saúde, Departamento de
cial. Sua implementação é fruto de de ações voltadas às pessoas com Ações Programáticas Estratégicas. Políti-
decisão política dos governantes de deficiência18. ca Nacional de Saúde da Pessoa Porta-
dora de Deficiência. Brasília, ed. Ministé-
responder positivamente às reivindi- Considera-se expressivo o avan-
rio da Saúde, 2ª edição, Brasília/DF,
cações dos movimentos sociais. ço, nos últimos anos, da implemen- 2008, p. 72.
A concretização dos direito à saú- tação dos Serviços para assistência
BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria
de, no território nacional, tem avança- às necessidades específicas de rea- de Atenção à Saúde, Departamento de
do de forma diversa em cada região bilitação, cumprindo diretriz da Políti- Ações Programáticas Estratégicas. Políti-
do país, tendo em vista as grandes ca Nacional de Saúde para Pessoas ca Nacional de Saúde da Pessoa com De-
ficiência. (folder). Brasília/DF, ed. Ministé-
diferenças sócio-econômicas e cultu- com Deficiência, principalmente, no rio da Saúde, 2009.
rais existentes e a independência dos enfrentamento de dificuldades nas
entes federados na execução das po- regiões norte e nordeste do país. A BRASIL. Ministério da Saúde. O SUS de A
a Z: garantindo saúde nos Municípios, Mi-
líticas estaduais e locais de saúde. organização das diversas áreas em nistério da Saúde, Conselho Nacional de
Assim, no que se refere à atenção redes temáticas é importante pela Secretários Municiais de Saúde, Brasí-
básica, é realidade que nem todos especificidade na reabilitação decor- lia/DF, 2005, p. 196-197.

os serviços da rede básica de saúde rente de cada tipo de deficiência (au- BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria
no país estão preparados em termos ditiva, física, visual e múltipla), e, de Atenção à Saúde. Manual de Estrutura
de acessibilidade e de capacitação mais do que isso, para que de fato, Física das Unidades Básicas de Saúde,
MS, 2ª ed., Brasília/DF, 2008.
dos profissionais para acolher e tra- por meio do atendimento multiprofis-
tar as pessoas com deficiência em sional, a reabilitação seja efetiva com BRASIL. Presidência da República, Secre-
taria Especial dos Direitos Humanos, Co-
suas intercorrências e necessidades. vistas a potencializar as habilidades
ordenadoria Nacional para Integração da
Mas as mudanças estão em curso, do indivíduo para o enfrentamento Pessoa Portadora de Deficiência. Conven-
uma vez que amplamente apoiadas, aos obstáculos no seu dia a dia. ção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência. Brasília/DF, 2007.
técnica e financeiramente, pelo Mi- Pretende-se com a recente publi-
nistério da Saúde. cação das normas e incentivos finan- SAMPAIO, M. W. (et al). Baixa visão e ceguei-
As unidades básicas e saúde da ceiros do Ministério da Saúde na ra: os caminhos para a reabilitação, a edu-
cação e a inclusão. Cultura Médica/Guana-
família podem resolver cerca de 85% área de reabilitação visual, estruturar bara Koogan. Rio de Janeiro, 2010.
dos problemas de saúde da comuni- essa rede temática de serviços para
dade, sendo consideradas porta de que a reabilitação das pessoas com
entrada preferencial do SUS. Daí a baixa visão e cegueira se torne reali-
importância de que sejam acessí- dade no SUS.
veis, tanto arquitetonicamente quan-
to atitudinalmente para as pessoas Referências
com deficiência17. Estamos falando
de um universo que corresponde a BRASIL. Presidência da República, Casa
Civil. Constituição da República Federati-
29 mil equipes de saúde da famí- va do Brasil. Brasília/DF, 1988.
lia/ESF, com cobertura a 93 milhões
de cidadãos; 230 mil agentes comu- BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria
de Vigilância em Saúde. Política Nacional
nitários de saúde/ACS com cobertu- de Promoção da Saúde. Ministério da Sa-
ra de 113,5 milhões de brasileiros. E, úde, Brasília/DF, 2006, p. 60.

17
Nesse sentido, foi reeditado o Manual de Estrutura Física das Unidades Básicas de Saúde (2008), orientando gestores para a elaboração de projetos arquitetôni-
cos que levem em consideração as normas brasileiras de acessibilidade (Decreto Nº. 5.296, de 2 de dezembro de 2004) e a ABNT/NBR 9050/2004, garantindo a
utilização, por todas as pessoas, de maneira autônoma e segura, dos ambientes, edificações e mobiliários.
18
Dados do MS, 2008.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 54-63, jul/dez. 2010 63


64 ENFOQUE

ACESSIBILIDADE ESCOLAR:
O DIREITO AO ACESSO E À PARTICIPAÇÃO
DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
Cleonice Machado de Pellegrini1

Sinara Pollom Zardo2

Resumo
O presente artigo objetiva discutir a promoção de condições a acessibilidade como elemento de autogestão da escola,
de acessibilidade no contexto escolar, considerando os fun- pois sua promoção deve ser projetada a partir do reconhe-
damentos políticos e pedagógicos que objetivam garantir o cimento das necessidades educacionais específicas dos
direito ao acesso e à participação dos alunos com deficiên- alunos que integram o contexto escolar, favorecendo a esco-
cia. A discussão tem como eixo norteador o conceito de de- la a construir processos organizacionais próprios, que pos-
senho universal, considerando como pontos de análise a sibilitem a todos a participação nos processos educacionais.
acessibilidade arquitetônica, a elaboração e produção de
materiais didáticos acessíveis, a acessibilidade na comuni- Palavras-chave: Acessibilidade; Pessoas com deficiên-
cação e os recursos de tecnologia assistiva. Compreende-se cia; Educação Inclusiva.

1
Coordenadora Geral de Políticas Públicas de Inclusão/Secretaria de Educação Especial/Ministério da Educação.
2
Coordenadora Geral de Articulação da Política de Inclusão nos Sistema de Ensino/ Secretaria de Educação Especial/Ministério da Educação.

64 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 64-69, jul/dez. 2010


Abstract
This article discusses the promotion of accessibility understand accessibility as an element of self-manage-
conditions in the school context, considering the politi- ment of school because their promotion should be de-
cal and pedagogical practices that aim to guarantee the signed from the recognition of specific educational ne-
right to access and participation of students with disabi- eds of students participating in the school context, en-
lities. The discussion is largely centered guiding the couraging the school to build their own organizational
concept of universal design, taking as points of analysis processes, to enable everyone to participate in educati-
to access to buildings, development and production of onal processes.
instructional materials accessible, the accessibility of
communication and assistive technology resources. We Key-words: Accessibility, Disability, Inclusive Education.

Introdução sujeito, para o modelo social, que A promoção de


coloca a acessibilidade como con-
condições de
Com o avanço nas políticas dição necessária para a participa-
públicas que orientam a organiza- ção plena das pessoas com defici- acessibilidade na
ção da educação especial na ência no contexto social. Nessa escola sob a
perspectiva da educação inclusi- perspectiva, "a superação de bar- perspectiva do
va no sistema de ensino brasilei- reiras promove a independência, a
ro, emerge discutir acerca da im- autonomia e a dignidade de forma
desenho universal
plementação de ações que garan- coletiva e individual" (BOARETTO,
tam a efetividade do princípio da 2006, p. 13). Na perspectiva da educação in-
acessibilidade aos alunos com A justificativa deste estudo cen- clusiva, a acessibilidade é elemen-
deficiência na escola. tra-se na necessidade de compre- to integrante da promoção de uma
No contexto deste artigo, enten- ender a organização da acessibili- educação de qualidade, sendo im-
de-se acessibilidade como a "[...] dade na escola a partir do concei- prescindível para garantir o direito
possibilidade e condição de alcan- to de desenho universal, a fim de ao acesso e à participação dos alu-
ce, percepção e entendimento para garantir o direito ao acesso e à nos com deficiência no contexto da
a utilização com segurança e auto- participação dos alunos com defi- escolarização. Portanto, a organi-
nomia de edificações, espaços, ciência. Nesse sentido, busca-se zação de condições que promo-
mobiliários, equipamentos urbanos discorrer sobre a promoção da vam a acessibilidade na escola aos
e elementos" (NBR 9050, 2004). acessibilidade arquitetônica, na alunos com deficiência deve estar
A partir da Convenção sobre os elaboração e produção de materi- articulada aos processos pedagó-
Direitos das Pessoas com Defici- ais didáticos acessíveis, na comu- gicos, a fim de subsidiar a aprendi-
ência (ONU, 2006), ratificada no nicação e nos recursos de tecnolo- zagem dos alunos com necessida-
Brasil como emenda constitucio- gia assistiva. des educacionais específicas.
nal, conceitua-se pessoa com de- Nessa perspectiva, a acessibili- A promoção de condições de
ficiência como "aquelas que têm dade deve ser um princípio que acessibilidade na escola, sob a pers-
impedimentos de natureza física, perpassa a organização da escola pectiva do desenho universal, impli-
intelectual ou sensorial, os quais, e das práticas educacionais em ca na articulação de ações que pro-
em interação com diversas barrei- sala de aula, devendo sua promo- movam a participação de todos os
ras, podem obstruir sua participa- ção estar assegurada no projeto alunos nos processos de aprendiza-
ção plena e efetiva na sociedade político pedagógico da instituição, gem. A concepção de desenho uni-
com as demais pessoas". Este de forma transversal em todas as versal consiste em uma abordagem
conceito demarca um importante etapas e modalidade de ensino. A que tem como fundamento o forma-
processo de transformação na presente discussão trata, portan- to acessível, interferente na gênese
concepção de pessoa com defici- to, a acessibilidade como elemen- dos projetos e produtos, tornando-
ência, passando do modelo clíni- to integrante dos processos de os utilizáveis por todas as pessoas,
co, que enfatizava a limitação do autogestão da escola. sem necessidade de adaptação.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 64-69, jul/dez. 2010 65


O desenho universal é compre- No contexto das políticas públi- Na Política Nacional de Educa-
endido como área de conhecimento cas brasileiras, o Decreto Nº. ção Especial na Perspectiva da
e pode ser descrito a partir de cinco 5.296/2004, em seu art. 8º, parágra- Educação Inclusiva, que tem co-
princípios: 1) Direito à eqüidade, fo I, conceitua acessibilidade como mo objetivo o acesso, a participa-
participação: todos os ambientes condição para utilização, com segu- ção e a aprendizagem dos alunos
devem ser desenhados de forma a rança e autonomia, total ou assisti- com deficiência, transtornos glo-
não segregar ou excluir pessoas, da, dos espaços, mobiliários e equi- bais do desenvolvimento e altas
promovendo a socialização e a inte- pamentos urbanos, das edificações, habilidades/superdotação nas es-
ração entre indivíduos. Desta forma, dos serviços de transporte e dos dis- colas comuns do ensino regular,
ambientes e equipamentos acessí- positivos, sistemas e meios de co- orientando os sistemas de ensino
veis não devem ser isolados dos de- municação e informação, por pes- para promover respostas às ne-
mais espaços, possibilitando o uso soa com deficiência ou com mobili- cessidades educacionais específi-
independente, na medida do possí- dade reduzida. Este mesmo Decre- cas, garante-se "a acessibilidade
vel, por indivíduos com habilidades to, no art. 8º, parágrafo IX, define de- urbanística, arquitetônica, nos
e restrições diferentes; 2) Direito à senho universal da seguinte forma: mobiliários e equipamentos, nos
independência: todos os espaços fí- transportes, na comunicação e in-
sicos, a exemplo de pátios, cami- [...] Concepção de espaços, arte- formação" (2008, p. 14).
nhos, salas, dentre outros e seus fatos e produtos que visam a aten- A acessibilidade também é asse-
componentes como brinquedos, pi- der simultaneamente todas as pes- gurada no Decreto Nº. 6.571/2008,
sos, rampas e carteiras, devem per- soas, com diferentes característi- que dispõe sobre o atendimento
mitir o desempenho de atividades cas antropométricas e sensoriais, educacional especializado aos alu-
de forma independente por todos os de forma autônoma, segura e con- nos com deficiência, transtornos glo-
usuários; 3) Direito à tecnologia as- fortável, constituindo-se nos ele- bais do desenvolvimento e altas ha-
sistiva: todos os alunos com defici- mentos ou soluções que compõ- bilidades/superdotação, quando no
ência têm direito à utilização de em a acessibilidade. art. 1º, parágrafo I, considera atendi-
equipamentos, instrumentos, recur- mento educacional especializado
sos e material pedagógico acessível A acessibilidade, organizada como "o conjunto de atividades, re-
de uso individual ou coletivo neces- na perspectiva do desenho univer- cursos de acessibilidade e pedagó-
sários para o desempenho das ativi- sal, integra o conjunto de direitos gicos organizados institucionalmen-
dades escolares; 4) Direito ao con- afirmados na Convenção sobre os te, prestados de forma complemen-
forto e segurança: todos os ambien- Direitos das Pessoas com Defici- tar ou suplementar à formação dos
tes e equipamentos devem possibili- ência (ONU, 2006). No art. 9º des- alunos no ensino regular". Por vez,
tar seu uso e a realização de ativida- sa Convenção, assume-se o se- no art. 2º, aponta-se como objetivo
des com conforto e segurança, de guinte compromisso: do atendimento educacional espe-
acordo com as necessidades espe- cializado fomentar o desenvolvimen-
cíficas de cada indivíduo. O dese- A fim de possibilitar às pessoas to de recursos didáticos e pedagógi-
nho deve minimizar o cansaço, re- com deficiência viver de forma inde- cos que eliminem as barreiras no
duzir o esforço físico, evitar riscos à pendente e participar plenamente processo de ensino e aprendizagem,
saúde e acidentes dos usuários; 5) de todos os aspectos da vida, os e, no art. 3º, é afirmado o compro-
Direito à Informação Espacial: deve Estados Partes tomarão as medidas misso do Ministério da Educação na
estar prevista a possibilidade de apropriadas para assegurar às pes- prestação de apoio técnico e finan-
acesso à informação espacial ne- soas com deficiência o acesso, em ceiro para:
cessária para a compreensão, orien- igualdade de oportunidades com
tação e uso dos espaços a todos os as demais pessoas, ao meio físico, [...] IV - adequação arquitetônica
alunos. A informação espacial é for- ao transporte, à informação e à co- de prédios escolares para acessibi-
necida através das qualidades dos municação, inclusive aos sistemas lidade; V - elaboração, produção e
elementos arquitetônicos ou adicio- e às tecnologias da informação e distribuição de recursos educacio-
nais (mapas, sinalização sonora e comunicação, bem como a outros nais para a acessibilidade; e VI - es-
outros) que permitem a compreen- serviços e instalações abertos ao truturação de núcleos de acessibili-
são da identificação dos objetos no público ou de uso público, tanto na dade nas instituições federais de
espaço (CEPAM, 2008). zona urbana como na rural. educação superior.

66 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 64-69, jul/dez. 2010


Para fins de implementação do A organização de ções "as existentes no entorno e in-
Decreto Nº. 6.571/2008, que regu- escolas inclusivas: terior das edificações de uso público
lamenta o duplo financiamento e coletivo e no entorno e nas áreas
para os alunos da educação es-
acessibilidade internas de uso comum nas edifica-
pecial matriculados em escolas arquitetônica, elaboração ções de uso privado multifamiliar".
comuns do ensino regular e no e produção de materiais Dentre as ações de acessibilidade
atendimento educacional espe- didáticos acessíveis, arquitetônica, pode-se citar a cons-
cializado concomitantemente, pu- trução ou adaptação de rampas, o
blica-se, em 2009, a Resolução acessibilidade na alargamento de portas e passagens,
CEB/CNE Nº. 4/2009, que institui comunicação e recursos a adaptação de sanitários, a sinali-
as Diretrizes Operacionais para o de tecnologia assistiva zação visual, tátil e sonora, entre ou-
Atendimento Educacional Espe- tras necessárias para o pleno aces-
cializado, na Educação Básica. so de pessoas com deficiência ou
Esta Resolução reitera o princípio A organização de escolas inclusi- mobilidade reduzida.
da acessibilidade, quando, em vas prevê a garantia da acessibilida- No âmbito das instituições esco-
seu art. 2º, afirma: de em suas diferentes formas, con- lares, os projetos de acessibilidade
templando desde a estrutura da ins- arquitetônica devem ser elaborados
O AEE tem como função comple- tituição, até a organização das práti- por meio de parceria estabelecida
mentar ou suplementar a forma- cas educacionais em sala de aula. entre profissionais da educação e
ção do aluno por meio da disponi- Na perspectiva da educação in- profissionais da arquitetura e enge-
bilização de serviços, recursos de clusiva, a acessibilidade deve per- nharia. Deve-se destacar que, para a
acessibilidade e estratégias que passar o processo de escolarização aprovação, licenciamento ou emis-
eliminem as barreiras para sua dos alunos com deficiência, a fim de são de certificado de conclusão de
plena participação na sociedade e garantir a qualidade dos processos projeto arquitetônico, deverão ser
desenvolvimento de sua aprendi- educacionais. Uma educação de observados os princípios do dese-
zagem. Parágrafo único. Para fins qualidade, a partir dessa concep- nho universal e atestado o atendi-
destas Diretrizes, consideram-se ção, parte do pressuposto que as mento às regras de acessibilidade
recursos de acessibilidade na oportunidades de aprendizagem de- previstas pela Associação Brasileira
educação aqueles que asseguram vem ser proporcionadas a todos os de Normas Técnicas (ABNT).
condições de acesso ao currículo alunos, considerando as especifici- Em relação à prática pedagó-
dos alunos com deficiência ou dades de cada um nos processos gica, a acessibilidade deve ser
mobilidade reduzida, promovendo de construção do conhecimento. promovida nos recursos e materi-
a utilização dos materiais didáti- Nesse sentido, a acessibilidade ais didáticos que subsidiam o en-
cos e pedagógicos, dos espaços, deve estar articulada à intencionali- sino dos conceitos a serem apre-
dos mobiliários e equipamentos, dade pedagógica que orienta a práti- endidos pelos alunos com defici-
dos sistemas de comunicação e ca docente nos processos de ensino. ência, integrantes do currículo
informação, dos transportes e dos A promoção da acessibilidade é uma escolar. Estes materiais acessí-
demais serviços. ação interdependente da identifica- veis são produzidos na sala de
ção nas necessidades específicas recursos multifuncional e utiliza-
Os marcos legais apresenta- dos alunos, e, portanto, requer co- dos em processos educativos nas
dos afirmam o direito à acessibili- nhecimento da demanda atendida salas de aula comum do ensino
dade no contexto escolar aos alu- pela escola. regular e no atendimento educa-
nos com deficiência e reiteram o No que se refere à acessibilidade cional especializado.
compromisso da gestão da esco- arquitetônica, esta consiste na elimi- A elaboração e a produção de
la em articular ações que elimi- nação de barreiras urbanísticas e materiais didáticos acessíveis, na
nem as barreiras que impedem ou nas edificações. Conforme art. 8º, II, perspectiva do desenho universal,
obstruem a participação e a "a", do Decreto Nº. 5.296/2004, en- devem ser organizadas com base na
aprendizagem de todos os alu- tende-se por "barreiras urbanísticas consideração das necessidades edu-
nos. Cabe, portanto, promover as as existentes nas vias públicas e nos cacionais específicas dos alunos, de
condições necessárias para que espaços de uso público" e "b", com- modo a promover a usabilidade dos
esse direito se efetive. preende-se barreiras nas edifica- materiais didáticos nos processos de

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 64-69, jul/dez. 2010 67


aprendizagem por todos os sujeitos Tecnologia assistiva é uma área do nejamento baseado nas característi-
que participam da dinâmica escolar. conhecimento de característica in- cas da comunidade local, que pro-
Os materiais didáticos acessí- terdisciplinar que engloba produ- mova a superação das reais barreiras
veis devem ter as seguintes carac- tos, recursos, metodologias, estra- de acesso e aprendizagem, a fim de
terísticas: contraste de cores; am- tégias, práticas e serviços que obje- promover a participação social.
pliação de fonte; materiais com di- tivam promover a funcionalidade, A gestão de escolas inclusivas
ferentes formas, pesos, relevo e relacionada à atividade e à partici- deve ter como princípio organiza-
texturas; utilização de recursos vi- pação de pessoas com deficiência, cional de seu projeto político peda-
suais e imagens em Língua Brasilei- incapacidades ou mobilidade redu- gógico as diferenças que caracteri-
ra de Sinais - LIBRAS, bem como zida, visando a sua autonomia, in- zam e identificam a sua comunida-
demais características que favore- dependência, qualidade de vida e de escolar. Nesse sentido, deve-se
çam a apropriação de conceitos inclusão social. entender que a gestão da escola
aos alunos com deficiência senso- envolve as dimensões pedagógi-
rial. São exemplos de materiais di- Dentre os recursos de tecnologia cas, econômicas, políticas e cultura-
dáticos acessíveis: audiolivro; livro assistiva, pode-se citar: artefatos is, e que estas são definidoras das
digital acessível em formato Daisy; adaptados, sistemas computadoriza- ações de acessibilidade. Conforme
textos em formato digital, em carac- dos, softwares de acessibilidade, te- Sander conceitua:
ter ampliado e em Braille; materiais clas de aderência, simuladores de te-
táteis e livros em Braille; livros em clado e de mouse, pranchas de co- [...] A gestão da educação abarca
LIBRAS, dentre outros. municação aumentativa e alternativa, desde a formulação de políticas e
A acessibilidade na comunicação recursos de acesso ao computador a planos institucionais e a concepção
refere-se à superação de barreiras, exemplo de ponteira de cabeça e de projetos pedagógicos para os
compreendidas como: acionadores, plano inclinado, mouse sistemas educacionais e as institui-
adaptado, DOSVOX, Virtual Vision, ções escolares até a execução, a
[...] qualquer entrave ou obstáculo Bridge, Jaws, vocalizador Daisy, am- supervisão e a avaliação institucio-
que dificulte ou impossibilite a ex- pliadores de tela, dentre outros. nal das atividades de ensino, pes-
pressão ou o recebimento de men- quisa e extensão e a administração
sagens por intermédio dos dispositi- A acessibilidade como dos recursos financeiros, materiais
vos meios ou sistemas de comuni- e tecnológicos (2005, p. 127).
elemento de autogestão
cação, sejam ou não de massa,
bem como aqueles que dificultem da escola A organização de uma escola in-
ou impossibilitem o acesso à infor- clusiva deve ser orientada pelos prin-
mação (DECRETO Nº. 5.296/2004). Entende-se a acessibilidade co- cípios da acessibilidade, a fim de ga-
mo direito a ser efetivado para a ga- rantir a igualdade de acesso e condi-
A acessibilidade na comunicação rantia do acesso e da participação ções de permanência aos alunos,
pode ser promovida por diferentes das pessoas com deficiência. Nessa com ou sem deficiência, asseguran-
meios: em portais e sítios eletrônicos, abordagem, tendo como foco de es- do o direito de todos os estudantes
Serviço Telefônico Físico Comutado - tudo o contexto escolar, a acessibili- compartilharem os espaços comuns
STFC, Serviço Móvel Celular ou Ser- dade é compreendida enquanto de aprendizagem, tendo respeitadas
viço Móvel Pessoal, circuito de deco- ação integrante dos processos orga- suas diferenças individuais. Nesse
dificação de legenda oculta, recursos nizacionais da instituição escolar, e, sentido, cabe destacar o papel do
para programas secundários de áu- portanto, elemento de autogestão. gestor educacional no planejamento,
dio (SAP), legendas, janela com intér- Compreender a acessibilidade execução e avaliação dos projetos e
prete de LIBRAS, descrição e narra- enquanto elemento integrante das ações de acessibilidade da escola,
ção em voz de cenas e imagens, ações de autogestão refere-se ao atendendo aos fundamentos da con-
transcrição eletrônica simultânea, processo de auto-análise da institui- cepção do desenho universal.
dentre outros. ção escolar em sua totalidade e em
Por fim, a tecnologia assistiva é suas diferentes dimensões, bem co- Considerações Finais
conceituada pelo Comitê de Aju- mo o reconhecimento das necessi-
das Técnicas - CAT (2007), da se- dades educacionais específicas da O objetivo que direcionou a
guinte forma: demanda atendida. Requer um pla- produção desse artigo foi discutir

68 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 64-69, jul/dez. 2010


a acessibilidade na perspectiva cos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou
da organização de escolas inclu- com mobilidade reduzida, e dá outras pro-
sivas, à luz dos referenciais políti- vidências. Brasília: MEC, 2000. Disponível
cos e educacionais que assegu- em: <www.planalto.gov. br/legislação>.
Acesso em: 04 dez 2009.
ram às pessoas com deficiência o
direito à escolarização, com con- BRASIL, Ministério da Educação. Decreto
dições de igualdade, de participa- Nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Re-
gulamenta as Leis nºs 10.048, de 08 de no-
ção e de aprendizagem. vembro de 2000, que dá prioridade de
Tratou-se da promoção da acessi- atendimento às pessoas que especifica, e
10.098, de 19 de dezembro de 2000, que
bilidade sob a perspectiva do concei-
estabelece normas gerais e critérios bási-
to de desenho universal, no que se cos para a promoção da acessibilidade
refere ao aspecto arquitetônico, na das pessoas portadoras de deficiência ou
com mobilidade reduzida, e dá outras pro-
elaboração e produção de materiais vidências. Brasília: MEC, 2004. Disponível
didáticos acessíveis, na comunica- em: <www.planalto.gov.br/legislação>.
ção e nos recursos de tecnologia as- Acesso em: 04 dez 2009.
sistiva. Tendo em vista a efetividade BRASIL, Ministério da Educação. Política
do direito à acessibilidade, conside- Nacional de Educação Especial na Pers-
ra-se esta ação como elemento de pectiva da Educação Inclusiva. Brasília:
MEC/SEESP, 2008. Disponível em:
autogestão da escola por compreen- <www.mec.gov.br/seesp>. Acesso em: 04
der que sua promoção demanda da dez 2009.
análise das necessidades da comuni-
BRASIL, Ministério da Educação. Decreto
dade escolar. 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe
Este material poderá contribuir sobre o atendimento educacional especia-
com a prática educacional de gesto- lizado, regulamenta o parágrafo único do
Art. 60 da Lei Nº. 9.394, de 20 de dezem-
res, professores de sala de aula co- bro de 1996, e acrescenta dispositivo ao
mum e professores de salas de re- Decreto Nº. 6.253, de 13 de novembro de
2007. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponí-
cursos multifuncionais preocupa-
vel em: <www.mec.gov.br/seesp>. Aces-
dos com a qualidade dos processos so em: 04 dez 2009.
pedagógicos e envolvidos na cons-
BRASIL, Ministério da Educação. Resolu-
trução de um sistema educacional ção Nº. 4, de 2 de outubro de 2009. Institui
inclusivo. as Diretrizes Operacionais para o Atendi-
mento Educacional Especializado na Edu-
cação Básica, na modalidade Educação
Referências Especial. Brasília: Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica,
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS 2009. Disponível em: <por-
TÉCNICAS. Acessibilidade a edificações, t a l . m e c . g o v. b r / d m d o c u -
mobiliários, espaços e equipamentos ur- ments/rceb004_09.pdf>. Acesso em: 04
banos. Rio de Janeiro: NBR 9050, 2004. dez 2009.

BOARETO, R. Implementação de políticas COMITÊ DE AJUDAS TÉCNICAS, CAT. Ata


municipais de acessibilidade. In: Brasil da Reunião. Brasília: Secretaria Especial
acessível: programa brasileiro de acessibi- dos Direitos Humanos da Presidência da
lidade urbana. Brasília: Secretaria Nacional República (CORDE/SEDH/PR), 2007. Dis-
de Transporte e da Mobilidade Urbana/Mi- ponível em: <http://www.mj.gov.br/cor-
nistério das Cidades, 2006. de/arqu ivos/doc/Ata_VII_Reunião_do_Co-
mite_de_Ajudas_Técnicas.doc> Acesso
BRASIL, Ministério da Educação. Decreto em 04 dez 2009.
Nº 10.048, de 08 de novembro de 2000. Dá
prioridade de atendimento às pessoas que FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA - CE-
especifica, e dá outras providências. Brasí- PAM. Acessibilidade nos municípios: como
lia: MEC, 2000. Disponível em: <www.pla- aplicar o Decreto 5.296/04. São Paulo: Co-
nalto.gov.br /legislação>. Acesso em: 04 ordenadoria de Gestão de Políticas Públi-
dez 2009. cas - COGEPP, 2008.

BRASIL, Ministério da Educação. Decreto SANDER, B. Políticas públicas e gestão


Nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. democrática da educação. Brasília: Líber,
Estabelece normas gerais e critérios bási- 2005.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 64-69, jul/dez. 2010 69


70 RESENHAS

Atores da inclusão na universidade:


formação e compromisso

Organização: Maria Teresa Égler Mantoan, Maria


Cecilia Calani Baranauskas - Campinas, SP : UNI-
CAMP/Biblioteca Central Cesar Lattes, 2009.

Adriana Romeiro de Almeida Prado

Pontifica Universidade Católica de São Paulo

As organizadoras Mantoan e Ba- cussões e reflexões do grupo sobre pretes oralistas, textos em Braille) e
ranauskas nesta publicação conse- o problema em questão, via ferra- tecnológicos (legendas e audio-
guiram preencher uma lacuna na mentas computacionais para intera- descrição em filmes, leitores de tela,
discussão de acesso à comunicação ção social, compartilhamento de ampliadores de tela, sistema Dos-
às pessoas com deficiência, especi- significado e construção de conhe- vox, livros falados, entre outros).
almente aquelas com deficiência cimento. Traz, também, uma refle- Quanto à acessibilidade ao meio fí-
sensorial - visual e auditiva. xão sobre os conceitos de diferen- sico, são citados como elementos
Considerando a velocidade de ças, identidades e inclusão. Aborda de orientação muito eficazes os ma-
como se dá o acesso à comunica- a importância de formas variadas de pas táteis e sonoros e as maquetes
ção e à informação, construindo acesso à informação nas bibliote- que significam representação do
uma rede cada vez mais complexa cas, provocando uma modificação ambiente em três dimensões.
de relações, os vários autores dessa na rotina de trabalho, apresentando Apesar de focar o ambiente
obra apresentam em seis capítulos acervos digitalizados e a transmis- educacional, o conteúdo abordado
formas para garantir o acesso à es- são eletrônica de documentos. Co- deve ser incorporado a qualquer
sas pessoas. mo forma de comunicação às pes- outro ambiente. Por isso, trata-se
Para construção do conheci- soas com deficiência sensorial, de uma leitura recomendada ao
mento, é proposto um modelo me- apresenta a garantia de recursos fí- profissional que luta pela acessibi-
todológico que é centrado em dis- sicos (intérpretes de Libras, intér- lidade para todos.

70 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 70, jul/dez. 2010


INFORME 71
PRÊMIO EXPERIÊNCIAS EDUCACIONAIS
INCLUSIVAS: A ESCOLA APRENDENDO
COM AS DIFERENÇAS.

A inclusão dos alunos público balho realizado por toda a comuni- buindo para o processo de transfor-
alvo da educação especial é um dade educacional (diretores, equi- mação das escolas de todo o país.
dos grandes desafios que enfren- pe docente, alunos, pais, etc.), pa- Conhecendo as experiências de
tam atualmente a maioria das esco- ra o desenvolvimento inclusivo das outras escolas, é possível refletir
las na Ibero-América. escolas nas cinco regiões do país. sobre a própria prática, buscando
Considerando esse desafio, o Assim, serão premiadas 5 (cinco) sempre a eliminação das barreiras
Ministério da Educação - MEC, atra- experiências desenvolvidas em es- que impedem ou dificultam o aces-
vés da Secretaria de Educação Es- colas públicas brasileiras, 1 (uma) so, a participação e a aprendiza-
pecial - SEESP, em conjunto com a por região. gem dos alunos com deficiência,
Organização dos Estados Ibero- Além da premiação em dinheiro transtornos globais do desenvolvi-
americanos para a Educação, a Ci- e diploma, as escolas premiadas mento e altas habilidades/superdo-
ência e a Cultura - OEI, com o apoio participarão de intercâmbio para tação, público alvo da Educação
da Rede Intergovernamental Ibero- conhecer uma das outras experi- Especial, nas classes comuns do
América de Cooperação para a ências premiadas, apresentarão ensino regular.
Educação de Pessoas com Neces- sua experiência no VI Seminário As inscrições para o Prêmio fo-
sidades Educativas Especiais - RI- Nacional do Programa Educação ram encerradas em 19 de março de
NEE e OREALC-UNESCO e com o Inclusiva: direito à diversidade e 2010, sendo inscritas 714 experiên-
patrocínio da Fundação MAPFRE, terão divulgadas suas experiências cias de todas as regiões brasileiras.
instituiu o Prêmio Experiências em publicação conjunta da SEESP A premiação será entregue durante
Educacionais Inclusivas: a escola e da OEI. a realização do VI Seminário do
aprendendo com as diferenças. O Brasil têm demonstrado avan- Programa Educação Inclusiva: Di-
O Prêmio tem por objetivo dar ços significativos na implementa- reito à Diversidade, em Brasília ao
maior visibilidade e valorizar o tra- ção da educação inclusiva, contri- final do mês de maio.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 71, jul/dez. 2010 71


72 OPINIÃO

UMA VISÃO SOBRE A NOVA


TECNOLOGIA ASSISTIVA: MECDAISY

Neno Henrique da Cunha Albernaz.


Programa de Pós Graduação em Informática (PPGI)-IM-NCE/UFRJ
e-mail: neno_ha@yahoo.com.br

A tecnologia assistiva surge para etc.), mas também a reprodução au- visual e auditivo entre a vocalização
promover o acesso à informação, à dível do conteúdo, utilizando grava- do texto e um indicador visual do
educação, à cultura, à socialização e ções ou utilizando tecnologias de trecho em reprodução.
ao trabalho. Para muitas pessoas, a conversão de texto em fala (síntese Livros no formato DAISY podem
utilização da tecnologia pode ser op- de fala). A reprodução audível do con- ser ouvidos em dispositivos similares
cional, mas para as pessoas com de- teúdo da publicação pode ser parcial a CD Players, mas que possuem bo-
ficiência muitas vezes fica impossível (capítulos, seções, parágrafos, sen- tões específicos para acessar as fun-
realizar algumas tarefas sem este re- tenças, palavras, títulos, etc.) ou do ções definidas no formato DAISY. Po-
curso. Logo, é muito importante o sur- texto completo (do começo ao fim). dem, também, ser ouvidos em micro-
gimento de novos recursos de tecno- Este tipo de formato é especial- computadores PC através de progra-
logia assistiva, mais meios que viabili- mente interessante para pessoas com mas de software que emulem um
zem ou facilitem o acesso aos artefa- deficiência visual, já que lhes permite a player Daisy.
tos antes inalcançáveis. "leitura" virtual do livro através da audi- O MecDaisy é um software utiliza-
Os recursos mais novos não sur- ção dele. Para essa parcela da popula- do para tocar livros no formato DAISY.
gem para extinguir os antigos que já ção, a opção de ter acesso a livros em Ele contém controles de navegação
foram muito difundidos e consolida- Braille ou a livros gravados por locuto- no texto e outros que possibilitam
dos, mas para aumentar o número de res ou outras pessoas nem sempre é uma leitura com acesso total ao con-
opções. Por exemplo, o método de viável, já que a quantidade de títulos teúdo do livro.
escrita e leitura Braille sempre terá produzidos nesses dois formatos é Através do MecDaisy, tive a sen-
seu espaço e importância indepen- muito limitada. sação de voltar a ler livro da mesma
dente das novas tecnologias que sur- O formato DTB não é apenas útil forma que lia quando enxergava, ou
jam a cada dia. para pessoas com deficiência visu- seja, quando tinha acesso visual ao
DTB ou Digital Talking Book (Livro al. Pessoas com dificuldade de lei- livro em papel. Porém, com algumas
Digital Falado) é uma representação tura ou não alfabetizadas também vantagens: ir para determinada parte
multimídia de uma publicação im- terão acesso a conteúdos que, de do livro através do índice de forma
pressa. Uma publicação em formato outra forma, seriam inacessíveis pa- direta, a busca por expressões, ir pa-
DTB permite não apenas a navega- ra eles. No caso de crianças ou, em ra a página desejada de forma mais
ção pelo conteúdo da publicação geral, de pessoas sendo alfabetiza- rápida, possibilidade de colocar mar-
(avanço e retrocesso ao início de ca- das, a opção de utilizar livros no for- cadores e depois ir para as marca-
pítulos, seções, páginas, parágrafos, mato DTB facilita grandemente o ções de forma direta, através do índi-
busca de termos chave, bibliografia, aprendizado, já que há sincronismo ce de marcadores.

72 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 72, jul/dez. 2010


VEJA TAMBÉM 73
TRANSFORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO
NO ESTADO DO ACRE
A verdadeira dificuldade
não está em aceitar idéias novas,
mas escapar das antigas.
John Maynard
Claudia de Paoli1

O Acre é um estado com exten- pessoas com deficiência ocorria diferentes tipos de instituições prees-
são de 164.221,36 km2, com uma quase que exclusivamente em esco- tabelecidas;
população de 690.000,00, sendo las e classes especiais. A partir des- l Eliminar o espírito de competitivi-
320.000,00 na capital Rio Branco. O te período, a equipe técnica da SEE dade, em que a visão de mundo se
estado é composto de 22 municí- iniciou um trabalho direcionado ao restringe a uma corrida, na qual
pios, que em sua maioria são de difí- fortalecimento do processo de inclu- apenas alguns conseguirão chegar
cil acesso. A acessibilidade destes são, inicialmente nas escolas esta- ao final;
municípios se dá através de via aé- duais e posteriormente em parceria l Oferecer oportunidades a todos
rea e fluvial. Isso implica em maiores com as Secretarias Municipais. Em para compensar as desigualdades
gastos, sendo que, em alguns ca- 1998, tínhamos somente 34 alunos iniciais, sem, no entanto, educá-los
sos, é necessário alugar avião para com deficiência estudando em esco- para formar pessoas iguais.
chegar até o município. É um desa- las regulares.
fio, mas não impede a realização de No início da década de 90, a SEE Diante dessa perspectiva, a edu-
implantação e implementação das tomou conhecimento de um novo cação inclusiva significa oportunida-
ações da Secretaria de Estado de caminho a ser percorrido para uma de para que todas as crianças pos-
Educação - SEE. escola verdadeiramente inclusiva, sam aprender juntas, independente-
Desde 1999, a Secretaria de Es- que garanta acesso e condições de mente de suas condições pessoais,
tado de Educação precisou realizar aprendizagem e participação de to- sociais ou culturais, inclusive aque-
ações básicas como: reforma das dos os alunos. Nesse cenário, elabo- las com alguns tipos de deficiência.
escolas, melhoria de salário, des- ramos uma nova proposta de traba- Na base desses princípios, inicia-
centralização de recursos para as lho que se baseia em três princípios mos a implantar e implementar
escolas, Lei de Gestão, reorganiza- destacados por Alverez y Soler: ações educacionais em consonân-
ção da estrutura pedagógica da l Levar em consideração, desde o cia com a legislação vigente que as-
SEE e das escolas. início, o fato de que as pessoas são segura o acesso e permanência das
Nesse contexto, a Coordenação diferentes e que, portanto, a escola pessoas com Deficiência, Transtor-
de Educação Especial/SEE partici- deve ajudar cada uma a desenvolver nos Globais do Desenvolvimento e
pou ativamente das significativas suas aptidões em um contexto nor- Altas Habilidades/ Superdotação
mudanças da Educação no Estado malizado, livre de seleção e da con- preferencialmente na rede regular
do Acre. Até 1999, a educação das seqüente classificação de alunos em de ensino.

1
Coordenadora de Educação Especial.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 73-74, jul/dez. 2010 73


Diante do exposto, a Coordena- formática Acessível e cursos à dis- todas as crianças, jovens e adultos
ção, pauta seu trabalho em cinco (5) tância realizados em parceria com a aprendam mais e melhor", a Secreta-
grandes ações: SEESP/MEC. ria de Estado de Educação tem co-
l Implementação de escolas in- Também implantou e implemen- mo compromisso atingir uma de su-
clusivas; tou os serviços de Atendimento as principais metas estabelecidas
l Formação inicial e continuada; Educacional Especializado nas es- em seu planejamento estratégico: a
l Fortalecimento do Atendimento colas regulares e Centros de Apoio inclusão, na rede regular de ensino,
Educacional Especializado; em todo o estado, oferecendo equi- de todas as crianças e jovens com
l Fortalecimento dos Centros de pamentos e material didático peda- deficiência até 2010. Já em 2008, o
Apoio à Inclusão; gógico financiado pelo MEC e re- Censo Escolar MEC/INEP mostrou
l Parcerias e Interfaces. cursos próprios. que o Acre apresentou o maior per-
Desde 2003, a SEE implantou o centual (82%) de alunos incluídos
A realização das ações de sensi- programa de "Padrões Mínimos", em relação a 2007.
bilização nas escolas regulares ge- com o objetivo de garantir, na refor- O desafio é grande, mas, com
rou a demanda para participar da ma ou na construção de escolas, certeza, temos a convicção de que
formação continuada que cresceu acessibilidade arquitetônica, permi- só podemos evoluir com a mobiliza-
de forma significativa. Em 2005, a tindo, assim, o acesso e a perma- ção das pessoas envolvidas no pro-
Secretaria avaliou a necessidade de nência dos alunos com deficiência cesso de inclusão e articulando par-
implantar, em cada Centro de Apoio, nas escolas da rede estadual. ceria com as instituições.
um núcleo de capacitação respon- Hoje, além do atendimento edu- Embora tenhamos avançado
sável pela realização de cursos na cacional especializado nas salas bastante, ainda são desafios:
capital, bem como nos municípios, de recursos multifuncionais ofere- l Identificar as pessoas com defici-
atendendo os profissionais da edu- cido pelas escolas regulares, con- ência que estão fora da escola, atra-
cação da rede estadual e municipal. tamos com o funcionamento do vés de parceria com órgãos gover-
No período de 1999 a 2008, várias CAS (Centro de Apoio ao Surdo), namentais e não governamentais,
capacitações foram realizadas nas CAP (Centro de Apoio ao Deficien- para garantir-lhes acesso à educa-
áreas específicas, contemplando te Visual) e NAAH/S (Núcleo de Ati- ção, obedecendo aos critérios de
aproximadamente 10.000 profissio- vidades de Altas Habilidades/Su- idade/série;
nais da educação. Entre as capaci- perdotação) na capital. Nos de- l Expandir e fortalecer o Atendi-
tações realizadas, destacam-se os mais municípios, o atendimento é mento Educacional Especializado,
programas: "Escola Viva", que atin- oferecido só nas salas de recursos que deve ser realizado em contra
giu 180 coordenadores pedagógi- multifuncionais, sendo que em Cru- turno, disponibilizando meios para
cos das escolas regulares, e "Sabe- zeiro do sul contamos também o acesso ao currículo e proporcio-
res e Práticas da Inclusão de 5ª à 8ª com um Centro de atendimento nando independência para a reali-
série", com carga horária de 120 ho- educacional especializado. zação de tarefas e construção de
ras, em parceria com o MEC e que Muitos avanços ocorreram, prin- autonomia. Esse serviço diferen-
capacitou 60 multiplicadores de 12 cipalmente no que diz respeito ao cia-se das atividades de sala de
municípios. O referido programa te- redimensionamento das escolas es- aula comum, não sendo substituti-
ve início em 2006, com término em peciais. Por exemplo, no ano 2004, vo à escolarização;
2007, atingindo diretamente 1.333 a Escola Especial de Deficiente Visu- l Garantir Formação Continuada
professores e indiretamente 30.650 al incluiu todos os alunos. Desde aos Profissionais que atuam no Aten-
alunos das escolas do estado. Além 2007, a Secretaria realiza encontros dimento Educacional Especializado,
desses programas, os Centros de com as escolas especiais do estado aos professores regentes de sala co-
Apoio oferecem vários cursos, entre e, neste ano, as escolas especiais mum e às famílias dos alunos com
eles: Libras em contexto, Ensino da que atendiam alunos com deficiên- deficiência;
Língua Portuguesa para Surdos, cia Intelectual, inclusive duas l Fortalecer parcerias com órgãos
Braille, Orientação e Mobilidade, So- APAE's, incluíram os alunos na rede governamentais e não-governa-
robã, Educação Inclusiva: Direito à regular de ensino, permanecendo mentais para promover acessibili-
Diversidade, Saberes e Práticas da como o atendimento educacional dade arquitetônica, Serviços de
inclusão para professores da Educa- especializado. Saúde, Assistência Social, Justiça
ção Infantil, Tecnologia Assistiva, In- Tendo como missão "garantir que e trabalho.

74 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 73-74, jul/dez. 2010


NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS
Política editorial glês deve ser apresentado logo após o re- ção específica de tabelas, deve-se privi-
sumo em português e seguindo as mes- legiar uma apresentação dos dados
1 A Revista Inclusão publica artigos cujo mas normas apontadas anteriormente. contidos nelas de modo a garantir signi-
foco é a Educação Especial na perspecti- 5 Texto: os artigos devem estar organiza- ficação no formato áudio. As regras bá-
va da educação inclusiva. dos em: Introdução, Desenvolvimento e sicas a seguir podem ser utilizadas co-
2 As colaborações podem ser apresenta- Conclusão, podendo receber subdivi- mo parâmetros gerais: a) as tabelas de-
das como: sões. No caso de relatos de pesquisa, de- vem ser constituídas com linhas e colu-
2.1 Artigos inéditos de caráter opinativo vem ter as seguintes seções: Introdução, nas, sem subdivisões internas; b) deve-
ou científico, fundamentados em pesqui- Método, Resultados, Discussões e Con- se minimizar o número de colunas utili-
sas e/ou relatos de experiências; clusões (com numeração). zadas; c) quando necessário, usar ca-
2.2 Resenhas. No caso de resenha de livros e teses, beçalho e rodapé, que devem ser apre-
3 Os artigos devem ser inéditos (de prefe- o texto deve conter todas as informa- sentados sucintamente; d) deve-se mini-
rência em português), cabendo à revista ções para a identificação do trabalho mizar a introdução de elementos de for-
a exclusividade da sua publicação. Preci- comentado. matação e cor, pois estas são caracterís-
sam atender aos seguintes critérios: Os textos, conforme orientações, deve- ticas eminentemente visuais, limitando a
3.1 Adequação ao escopo da revista; rão ser entregues impressos em arquivo acessibilidade ao conteúdo expresso; e)
3.2 Qualidade científica, atestada pela de texto em papel A4, e em CD em for- quando a tabela tiver uma estrutura
Comissão Editorial e ouvido o Conselho mato .docx. O arquivo em formato .docx complexa, deve-se converter em texto
Consultivo; será convertido em Livro Digital Falado, as informações demonstradas nos dife-
3.3 Cumprimento das presentes Normas; que é uma representação acessível e rentes níveis da tabela.
3.4 Após aceitos, os artigos podem sofrer multimídia de uma publicação impressa. 7 Citações, notas e referências (livros, pe-
alterações não substanciais (reparagrafa- riódicos, artigos de jornal, dissertações e
ções, correções gramaticais e adequa- Obs: O arquivo .docx será utilizado para teses, meio eletrônico, artigo em jornal ci-
ções estilísticas) na etapa de editoração geração do formato digital acessível Mec- entífico, trabalho em congresso, etc.): de-
de texto. Daisy - um tipo de texto digital que consis- vem obedecer às normas da ABNT.
4 Aceitação e revisão dos textos: os arti- te num sistema de marcação que permite 8. Apresentação de artigos
gos recebidos são enviados (com exclu- a navegação por meio de teclas de atalho 8.1 Os artigos, para serem submetidos à
são do nome dos autores) a dois parece- às diferentes partes do texto (capítulos, apreciação, devem ser encaminhados à
ristas pertencentes ao Conselho Consulti- itens, subitens, páginas, parágrafos, li- Comissão Editorial, acompanhados de:
vo da Revista que indicam a aceitação, a nhas, entre outros); disponibiliza a leitura a) ofício;
recusa ou as reformulações necessárias. em áudio, a formatação para impressão b) duas cópias do texto impresso;
Em caso de pareceres contrários à aceita- Braille e a ampliação dos caracteres. c) CD com artigo em formato .docx;
ção, o artigo é analisado pelos editores d) carta de cessão dos direitos autorais,
que definem ou não a sua publicação 6 Para conversão do artigo em formato assinada por todos os autores, segundo a
com base nas indicações dos pareceres. MEC Daisy, os autores deverão descrever ordem de autoria (primeiro autor, segun-
A revisão da normalização técnica é reali- de maneira específica e detalhada os ob- do autor, etc.).
zada pelos editores. jetos imagéticos utilizados no artigo: ilus- e) carta de cessão de direitos de imagem
5 Não há remuneração pelos trabalhos. O trações (foto, figura, gravura, pintura, en- para publicação de fotos.
autor de cada artigo recebe 05 (cinco) tre outros), tabelas (disposição espacial 8.2 Quando se tratar de relato de pesqui-
exemplares da revista; no caso do artigo de textos e números); diagramas (fluxo- sa, deve ser enviada uma cópia da autori-
assinado por mais de um autor, serão en- gramas, grafos, organograma, entre ou- zação do comitê de ética;
tregues 5 (cinco) exemplares para cada. tros); gráficos de base matemática (barra, 8.3 Formatação: papel A4 e com páginas
Os artigos aprovados são publicados na diagrama, circulares, função, entre ou- numeradas com, no mínimo, 12 laudas e,
forma impressa e digital acessível. tros); mapas; fórmulas (matemática, quí- no máximo, 16 laudas incluindo as refe-
mica, física); símbolos (logotipo, logomar- rências (espaço um e meio, letra Times
Constituição dos artigos ca) e tabelas, gráficos, (desenhos, mapas New Roman, tamanho 12, justificado, pa-
1 Identificação: folha de rosto contendo o e fotografias). Essa descrição deverá ser rágrafos com 2 cm);
título (em português e inglês); autor (titu- fidedigna aos objetos apresentados, ex- 8.4 Após ser aprovado para publicação,
lação, instituição, departamento, quando plicitando todas as informações no texto enviar uma cópia em papel A4 e outra em
for o caso), endereço completo e e-mail do artigo, de modo a permitir que o leitor CD (em formato .docx), nas quais tenham
(de todos os autores). tenha compreensão do assunto tratado. sido providenciadas as eventuais adapta-
2 Resumo: deve ser informativo, expondo A descrição de objetos em geral deve ções exigidas pela Comissão Editorial.
o objetivo, metodologia, resultados e con- responder as seguintes questões: a) o 9 Os artigos devem ser enviados para:
clusões, quando se tratar de relato de quê?, quem? e onde?, associado ao ob- Ministério da Educação
pesquisa. Deve conter em torno de 250 jetivo do texto (quando necessário enfa- Secretaria de Educação Especial
palavras, não contendo parágrafos e nem tizar como a relação entre os elementos Revista Inclusão - Revista da Educação
citações de autores e datas. da imagem se estabelece); b) a relevân- Especial
3 Palavras-chave: fazer a indicação após cia da imagem em relação ao texto; c) Esplanada dos Ministérios
o resumo (mínimo de três e máximo de destaque dos elementos significativos Bloco "L" - 6º andar - sala 600
cinco palavras). (que contribuem para contextualizar o CEP: 70047 - 900 - Brasília - DF
4 Abstract e Key words: o resumo em in- tema central abordado). Para a descri- revistainclusao@mec.gov.br

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 75, jul/dez. 2010 75


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da Educação.

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76 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 76, jul/dez. 2010


Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. x-x, jul/dez. 2010 77

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