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Livro Valdir Medeiros

Prefácio

Nosso povo não conhece, ou conhece muito pouco, suas lutas e a trajetória de seus lutadores.
Evidentemente, não se pode culpar nossa gente por essa infeliz realidade. A compreensão desse
fenômeno deve nos servir como oportunidade de denúncia, pois a condenação ao esquecimento das
lutas populares é uma ferramenta de conservação da ordem injusta e opressora.

As lutas dos vencidos na História são sempre as lutas das mãos calejadas, dos corpos oprimidos, dos
sonhos de liberdade. As verdadeiras lutas populares, aquelas nas quais se engajam as multidões
cansadas e esfarrapadas, são sempre lutas cuja memória e análise inspira o medo às minorias
possuidoras e exploradoras. Daí que sejam combatidas para além da repressão direta, policial e
judicial, sejam também vilipendiadas, ocultadas e, finalmente, silenciadas.

Nessa tarefa, criteriosamente executada, as classes dominantes não contam apenas com suas armas
de repressão física. Contam também com outro tipo de silenciamento, resultado de séculos de
opressão cotidiana, que toma dos pobres e humildes quase toda a possibilidade de acesso às
conquistas da cultura letrada e da educação formal. O acesso à escolarização e, agora, as novas
formas de comunicação de massas, generalizadas pelas redes sociais digitais propiciadas pela
Internet, ainda não foram capazes de reverter essa realidade.

Daí que, por oposição direta, a transmissão da memória e das experiências de luta de todos os
subalternizados da História são armas de sua própria libertação. Sim, a emancipação dos oprimidos
é tarefa dos próprios oprimidos, inclusive no terreno da interpretação de suas próprias lutas. O
silenciamento e esquecimento das lutas populares só podem ser evitados pela própria capacidade
das lutadoras e lutadores populares de registrar seus passos, enumerar seus feitos, nomear seus
iguais, elucidar suas lições, eternizar suas esperanças. São os próprios sujeitos populares quem
devem exprimir e registrar suas próprias trajetórias e combates, indo além das formas de
transmissão oral de suas experiências históricas, que é no mais das vezes a única forma possível de
fazê-lo.

É nesse sentido que a publicação das memórias de um lutador do povo, um sindicalista provado nas
lutas de classes, merece ser saldada com todo aplauso. Trata-se de um esforço que precisa ser
estimulado e generalizado, para que tantas Marias e Josés, que tecem a História com suas greves e
ocupações, suas festas e tantas outras manifestações de partilha solidária, também saiam do
anonimato e recebam o devido reconhecimento pelo urdir diário das nossas lutas.

Recomendamos a leitura das memórias de luta do nosso companheiro Valdir Medeiros. Temos
certeza que muitos se verão em seu texto, simples e direto, como é a linguagem da nossa gente.
Alguns porque dividiram com ele o fazer dos combates registrados, seja porque se verão no espelho
das lutas sociais que se repetem onde a exploração e a opressão despertam a indignação e a coragem
para ousar mudar o mundo.

Oxalá a publicação desse livro seja uma senha para que mais Marias e Josés também achem os
meios para nos mostrar, com seus recordos e exemplos, os passos passados, presentes e futuros da
jornada da autolibertação.

Renato Roseno
Deputado Estadual (PSOL-Ceará)

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