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Seção: Artigos
Título:
Alemães sob chamas: imagens apagadas durante a Guerra Fria
Autor:
Dra. Sylvia Ewel Lenz, professora associada da Universidade Estadual de Londrina
Endereço:
Rua Benjamim Eduardo Hosken, 82020440 – Londrina, PR
Cel: (43) 99136643
Email: ewel43@yahoo.com.br
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III Encontro Nacional de Estudos da Imagem
03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR
Resumo
Aos vencedores cabe ter voz na história, aos vencidos resta acatar a versão oficial. Este é o
caso da nação alemã, desde as derrotas nas Guerras Mundiais e durante a divisão em dois
Estados até a “Queda do Muro” (1949-1990). Durante a Guerra Fria a República
Democrática da Alemanha fez parte dos países satélites do leste europeu, sujeitos ao
governo soviético de Moscou. A República Federal Alemã fora fundada pelos aliados
ocidentais como Estado tampão contra a expansão do bolchevismo. Mas finalmente há
pesquisas, na Alemanha e na América do Norte, sobre os bombardeios incendiários, a
ocupação brutal dos aliados no país com saques, estupro, roubos além da desapropriação e
expulsão de 14 milhões de alemães do leste. Atualmente, a digitalização das imagens
dos arquivos estatais qualquer pessoa pode acessá-las pela internet.
Abstract
The winners have voice in History, the defeated have to agree to the official histories. This
was the case of the German nation since it lost was both World Wars (1919-1945) mainly
during the division in two states until the Fall of the Wall (1949-1990). During the Cold
War, the Democratic Republic of Germany belonged to East Europe, under the Soviet
government of Moscow whilst the German Federal Republic founded by the Western allies
got to the capitalistic block in a way to block the communist expansion. But finally there
are new researches in Germany and North America about the firing bombs, the brutal
allied occupation of the country with rapes, plunder, expropriation and expulsion of 14
million Germans from the east. Nowadays with digitalization of the state archive images,
anyone may access them on-line
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Apresentação
Até o final da 2ª. Guerra Mundial, principalmente de 1943 a 1945, todas cidades
alemães de grande e médio e grande foram destruídas sob bombardeios realizados de
forma sistemática e coordenada pela Royal Air Force, apoiada pela USA Army. Apesar de
Hitler ordenar que as famílias citadinas enviassem as crianças para o campo, sob cuidados
de parentes ou da Juventude Hitlerista, cerca de 80 mil morreram dentre uma estimativa de
600 mil mortos durante os bombardeios, fora milhões de feridos e mutilados; Além de seis
milhões de desabrigados a rumar sem eira nem beira pelo país, à procura de comida nas
aldeias ou de ervas daninhas, raízes, cogumelos, frutos silvestres no campo. Não obstante,
estas imagens de morte e destruição da Alemanha só recentemente tem sido estudadas e l
recebido espaço na mídia, inclusive via YouTube. A impressa alemã, jornais e revistas
como Die Zeit ou Der Spiegel, tratam de outras histórias, até então silenciadas.
No cinema, a exibição de filmes como Katyn de Andrezei Wajda (2009) mostram
quem de fato assassinou 12 mil oficiais poloneses (os russos e não os alemães acusados
desde o fim da guerra pelo crime. No entanto este filme perdeu o Oscar de Melhor Filme
Estrangeiro para Os Falsários (Die Fälscher) de Stefan Ruzowitzky (2007) sobre a
falsificação de libras esterlinas produzidas por prisioneiros judeus para o governo nazista...
Os filmes Operação Valquíria (Valkyrie ) de Bryan Singer (2008) e Uma Mulher contra
Hitler (Die letzten Tage) de Marc Rothemund (2005) tratam da resistência contra o regime
tanto por militares como por estudantes. Também documentários sobre os bombardeios
dos aliados, os exilados do leste, refugiados, prisioneiros civis e de guerra.
Além disto, os arquivos ou pessoas digitalizam fotos e a Wikimidia disponibiliza as
de domínio público (a abreviação WC:BA significa Wikimidia Commons: Bundesarchiv) .
Filmagens curtas filmadas na época também tem sido digitalizadas para acesso na
internet via Youtube. Só para indicar, outra história da Alemanha tem sido escrita por
alemães como Jörg Friedrich –O Incêndio sobre os bombardeios incendiários Andreas
Kossert – Kalte Heimat difícil migração dos alemães do leste para sua nova “pátria”. Mas
também por ingleses como Tony Judt em Pós-guerra e Richard Bessel, Alemanha pós-45 e
Giles Macdonog em After the Reich – The brutal history of the allied occupation. Portais
de Centros de Memória e de Pesquisa abrem espaço para depoimentos pessoais de
refugiados, de filhos da guerra e seus traumas vividos em família.
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Figura 2: Da estação ferroviária ao Rio Elba, o centro foi totalmente destruído em fevereiro de
1945 quando a cidade recebia milhares de deslocados expulsos pelas tropas soviéticas. Fonte:
Deutsche Fotothek, domínio público.
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terço dos alemães foram dizimados pelos exércitos dos potentados como França, Suécia,
Áustria, Espanha. Como domino línguas, leio e pesquiso em alemão e inglês,
fundamental para tratar do período. Além do mais, a internet liberta pois democratiza o
acesso ao conhecimento, quebra fronteiras reais e mentais mediante pesquisas em arquivos
estrangeiros. O critério de seleção baseia-se no impacto que certas imagens causaram na
autora, apesar de certo domínio sobre a história alemã. Algumas são cruamente realistas,
outras singelas, domésticas, provocando emoções contidas. Pelo método hermenêutico o
texto é apreendido e sentido à medida que o leitor é capaz de percebê-lo em sua dimensão
existencial. As imagens pesquisadas neste foram fotografadas por amadores e profissionais,
feitas às pressas em meio à tensão dos bombardeios.
Portanto provoco uma reflexão sobre a historiografia unilateral não só sobre a história
da Alemanha como do Tempo Presente pois viso apresentar parte da história alemã
desconhecida mesmo entre os estudiosos de história contemporânea no Brasil e quiçá, até
entre os alemães em seu país. Somente 18 anos após a reunificação alemã, por exemplo o
governo federal alemão reconheceu a tragédia quatorze milhões de refugiados fomentando
a Fundação para Pesquisa de expatriados e expulsos do leste alemão. Eles vieram debaixo
de sol e neve da Prússia Oriental ( Kalingrado onde fica a Universidade Russa de Kant),
Ocidental, Pomerânia, Silésia (Polônia) e Sudetos (República Tcheca).
Um Jovem Estado, fundado há 140 anos, foi protagonista de duas guerras mundiais e
refém da Guerra Fria. A nação, por sua vez, viveu sob seis regimes (monarquia, república
parlamentar, fascismo, democracia social na RFA, comunismo na RDA e agora, democracia
liberal). Afora o trabalho forçado prestado pelos prisioneiros de guerras alemães aos aliados,
o pagamento de reparações de guerra (os juros da 1ª. Guerra Mundial foram quitados em
3.10.2010), de indenizações aos sobreviventes do Holocausto e a Israel e da reconstrução da
Alemanha Oriental após a reunificação.
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Figura 3: O centro de Frankfurt no Meno, antiga cidade comercial devastada pelos constantes
bombardeios. Mas como em Colônia, a antiga catedral manteve-se entre os escombros, ainda que
bem danificada. (Domínio público - direitos autorais vencidos)
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O turbilhão produz outro ambiente, uma tripla ameaça à vida. A primeira decorre do
calor, que nas proximidades dos prédios em chamas atinge a temperatura de oitocentos
graus centígrados. A segunda é causada pela coluna de ar quente formada pelos ventos
de 15 metros por segundo, em um raio de quatro quilômetros; a violência dessa
corrente de ar não permite que se caminhe; o transeunte tenta equilibrar-se, é derrubado
e, na pior hipótese sugado na direção do fogo. A terceira vem da falta de oxigênio.i
A seguir, bombas de destruição eram lançadas nas principais vias para impedir o
trânsito dos bombeiros, além de quebrar tubulações de água para impedir o uso dos
hidrantes, e finalmente, bombas de efeito retardado eram programadas para explodirem
horas depois para exaurir de vez a população sofrida e desnorteada. O objetivo era
destruir não só a produção bélica alemã como também as fábricas e os bairros industriais de
operários, matando inclusive prisioneiros estrangeiros. A Batalha do Ruhr visou quebrar o
front ocidental e, de fato, destruiu um quarto da maior região industrial alemã. Fotos aéreas
dos bombardeios eram enviadas para Churchill e aos círculos decisórios e todos estavam
cientes da destruição em massa: “... o que também se podia depreender do sarcasmo de
Churchill, ao comentar que os alemães não precisavam mais viver em suas cidades,
devendo ir para o campo e assistir, do alto das colinas, à queima de suas casas.”ii
Figura 4: Antiga mina no Vale do Ruhr servia como um precário abrigo antiaéreo. Ao soar das
sirenes, as pessoas se abrigavam em porões, espaços antiaéreos ou bunkers, onde entravam
caladas e saiam mudas para avaliar os estragos dos bombardeios. WC:BA Bild 183-R71060, 1943.
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Figura 5: 234 corpos encontrados em um abrigo antiaéreo 14 meses depois do ataque. Foto de
Richard Peter, abril de 1936, Fonte: Fotothek Alemã,de domínio público.
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Afinal, restaram poucas linhas de bondes e ônibus, trens também eram raros e vinham
lotados com os alemães expulsos do leste. Além da fome, das perdas materiais e de
familiares os alemães tropeçavam diariamente com cadáveres:
Os alemães se defrontaram com mortos também no leste. Não só os
comandantes aliados fizeram civis desfilarem diante dos mortos nos campos de
concentração libertados; às vezes deixavam cadáveres expostos em público para servir
de alerta a qualquer um que se sentisse tentado a resistir à ocupação. No primeiro
semestre de 1945, realizar as tarefas diárias significava encontrar mortos nas ruas –
cadáveres de soldados e civis, de estranhos e conhecidos, de pessoas que não podiam
ser reconhecidas. A morte se tornou, com nunca, parte da vida diáriavi.
Da derrota quando o Estado alemão foi extinto e passou a ser ocupado de vez pelos
americanos, britânicos, soviéticos e franceses, até a Conferência de Postam, em julho de
1945, os alemães não sabiam o que iria ser feito deles. A cúpula vencedora (embora mais
de vinte nações lutassem contra o Eixo) reuniu-se em Potsdam, perto de Berlim, com o
presidente americano Truman, o 1º. Ministro britânico Churchil e o ditador soviético,
Stálin. Como metade da França se aliara aos nazistas não foi convidada nem os delegados
poloneses consultados apesar de terem lutado ao lado dos britânicos. O trio decidiu
alterar as fronteiras da Polônia, expulsar milhões de alemães do leste ao novamente
reduzir as fronteiras alemãs, além de cindir o país e entregar a parte oriental e os países do
leste à URSS. Mais um crime aos vencedores ! Afinal, Stálin mandou matar de fome sete
milhões de camponeses na Ucrânia, Churchill mandou jogar 1,5 milhão de toneladas de
bombas sobre os civis alemães e Truman lançaria bombas atômicas sobre os japoneses.
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Figura 10: Chaminé de um porão sob escombros em Dresden, após o bombardeio em 1945.
Fonte: Deutsche Fotothek, domínio público. Muitas famílias moraram durante anos em porões.
Figura 7: Mapa das zonas de ocupação dos aliados ocidentais e soviéticos lembrando que Berlim
também foi dividida pelos quatro. A leste, as regiões listadas formavam a fronteira alemã pós-
1919, já com perda territorial da Prússia Ocidental (o corredor polonês). Desde o inverno 1044/45
alemães fugiam do Exército Vermelho. Os vencedores delimitaram a nova fronteira alemã até os
rios Oder-Neisse. Poloneses (setas azuis) foram realocados (a URSS apropriou-se da parte norte da
Prússia Oriental e da região leste da Polônia) e alemães (setas vermelhas) foram desapropriados e
expulsos para a Alemanha ocupada. Minorais alemãs dos demais países da Europa Central também
emigraram ou foram presos em campos de trabalho forçado. Fonte: Spiegel, 1948.
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os entulhos das cidades em ruínas. Homens mortos durante a guerra ou feito prisioneiros,
restou às mulheres, convocadas pelos vencedores, retirar milhões de metros cúbicos de
entulhos que cobriam as regiões centrais e industriais. Os tijolos maciços eram limpos e
reaproveitados assim como demais materiais: vigas de ferro, telhas e madeiras para
construção ou mesmo como lenha, uma vez que não havia mais abastecimento de carvão ou
gás ao final da guerra para nos lares alemães.
No final das contas, homens do alto escalão, seja de regimes nazistas ou dito
liberais passam, como os seus tanques, por cima das pessoas comuns, jogam toneladas de
bombas para então, deixar às mulheres, a limpeza dos entulhos... A situação da população
era tão ruim que soldados que voltavam para as suas cidades nas férias, preferiam retornar
ao front que viver sob a estridência dos alarmes e dos ataques aéreos sistemáticos.
Figura 8: Pés desnudos e calçados remendados usados pelas “Mulheres dos escombros na retirada
dos entulhos das cidades bombardeadas, uma maneira de garantir o mínimo de comida. Fonte:
Arquivo Federal Alemão / Wikimidia Commons, Foto de Kolbe em 1947.
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Figura 9: Alemães dos Sudetos expulsos pelos tchecos desembarcam no lado ocidental.
Domíno Público, Wikimedia da Hungria.
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Por fim, mesmo o campo foi alvo de ataque americano – dos aviões rasantes, os soldados
atiravam sobre lavradores e transeuntes...Assim, os alemães ansiavam pelo término da
guerra, que os libertaria dos contínuos bombardeios britânicos e americanos, pondo fim ao
recrutamento militar que os enviava a campos de batalha suicidas. Muitos previam que os
alemães jamais conseguiriam refazer suas vidas, que a economia e a ordem social demoraria
décadas para se recompor. Mas o pior ainda estava por vir, a redução do território em um
terço e a expulsão de milhões de alemães do leste, autorizados a só trazer seus pertences
pessoais, após terem sido desapropriados, pilhados, saqueados.
No leste, aldeias devastadas, cidades incendiadas e populações massacradas pelos
soviéticos e seus aliados, revelavam um quadro desolador. Na Alemanha ocupada pelos
aliados ocidentais, os centros das cidades de médio e grande porte eram inabitáveis. No
final da guerra, adultos civis e militares assassinados por tropas as inimigas estendiam-se
pelas estradas, ao lado de cadáveres de crianças e de idosos. Centenas de famílias de
alemães do leste, diante da dizimação, da perda total, preferiam a morte, o suicídio coletivo
– seus corpos apodreciam no interior das moradias. Aos que não conseguiram ou não
quiseram fugir, restava a sobreviver, reconstruir, remover e enterrar os entes queridos.
Assim, diariamente, os alemães esbarravam em centenas de cadáveres expostos,
queimados, mutilados, que precisavam ser enterrados em valas coletivas. Eles se sentiam
vítimas de um regime que lhes infringira normas absurdas com intervenções na vida
pessoal, perseguições, violências e uma guerra brutal, a ponto de condenar com pena capital
qualquer saque a moradias bombardeadas. Tão logo podiam, os civis denunciavam
membros do partido aos aliados como forma de se vingarem dos sofrimentos que passavam.
Também desconfiavam dos refugiados, daqueles que escaparam dos soviéticos e que
chegavam empobrecidos, traumatizados e deprimidos, com ranços e desconfiança.
Na falta de moradia para os milhares de sem teto estes tinham de partilhar espaços
exíguos com outras famílias. Ou morar nos bunkers e barracas dos campos de
confinamentos, celeiros, galpões, enfim, moradias provisórias com uma cozinha e poucos
banheiros, lotados e claustrofóbicos. Ou construir abrigos como barracões ou Nissenhütten,
com a frente e o fundo construídos em alvenaria e cobertura arredondada. De início
moravam ao menos duas famílias, havia uma saída de chaminé para o fogão à lenha com a
“casinha” do lado de fora; serviram como moradia até a década de 70.
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Figura 11: Barracões provisórios (Nissenhütten) como moradia permanente, e:m geral
construídos em cidades industriais, como este bairro de trabalhadores da Região do Ruhr. WC: BA
183 19000 0733, 1947.
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Fotos e anúncios também pediam informações sobre familiares perdidos durante a guerra e
durante a fuga e expulsão de alemães da região ocupada pelos soviéticos.
Figura 12:
Família expulsa do leste vagueia pela cidade na Zona Ocidental com seus pertences
enquanto o pai toca sanfona por alguns trocados. WC:BA Bild 183-W0911-501, 1948.
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tragédia que se abatera sobre eles. A repentina perda da Heimat equivalia ao fim de vínculos
locais, relacionamentos, valores enfim, de referências sociais que dão respaldo na vida
diária:
Numa cultura em que a identidade geográfica, da Heimat, fora tão
importante, isso foi um profundo choque. Na Alemanha, pessoas passaram a buscar
desesperadamente um senso de permanência, raiz, lugar. “Sociedade” e “comunidade”
sempre estiveram intimamente ligadas a um senso de permanência e de lugar; agora as
descrições contemporâneas com freqüência se referiam ao “vazio”, à terra de ninguém,
que era a Alemanha logo depois da guerra. Sociedades e comunidades estabelecidas
pareciam ter sido obliteradas deixando pessoas desenraizadas cujos desejos, (...) soa um
só e o mesmo: “voltar para casa – apesar de, para milhões, a “casa” ter desaparecido.viii
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Tragédias herdadas
Figura 13: Avó, neto e órfã reunidos em uma manhã de domingo. CBA Bild 183-2005-0814-5-7,
Berlim, zona soviética, 1948
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traumas inexplicáveis em meio ao feliz povo brasileiro, cujo passado escravocrata e caça
aos índios não abalam a sua história. Afinal, é fácil tocar na ferida aberta do outro até para
mascarar a própria...
A história sobre a Alemanha aqui ainda se restringe às guerras, no máximo na
reunificação e a potência econômica que se tornou. Mas o estigma persiste junto com
estereótipos e desconsideração com a culpa incessante que a mídia continua a jogar sobre os
descendentes. Na Alemanha o portal www.forumkriegsenkel.com é um espaço para
discutir traumas das gerações pós-guerra com depoimentos de filhos cujos pais sofreram na
guerra e cujas famílias foram expulsas dos pelos soviéticos e poloneses. Mesmo nascida no
Brasil, mas como filha de exilado da guerra (meu avô era da Prússia Ocidental) enviei meu
depoimento que foi bem recebido, pois traumas não tem fronteiras nem local de nascimento.
Desta forma, também abri o portal www.geracoesposguerras.wordpress.com como fórum
para descendentes de alemães e de exilados pós-guerras mundiais relatarem sua sensação de
mal-estar, de não pertencimento. Afinal, neste país do povo cordial, do samba e carnaval,
parece não haver pecado ao sul do Equador. Após 400 anos de tráfico e escravização de
africanos sequer há museus da tortura escrava, memoriais para a escravidão, ou para os
indígenas e os posseiros expulsos de suas terras. Agora, tudo que se refere a alemão tem uma
conotação negativa pois associada a nazismo e portanto a criminosos como, por exemplo, o
“Complexo do Alemão”, importante área do tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
i
Jörg Friedrich, Incêndio, 1940‐1945, Rio de Janeiro, Record, 2006, p. 94.
ii
Idem, ibidem, p. 94.
iii
Idem, ibidem, p. 109‐110.
iv
Richard Bessel, Alemanha, 1945, São Paulo, Companhia das Letras, 2010, p. 366.
v
Idem, ibidem, p. 28 e 30.
vi
Idem, ibidem, p.367.
vii
Charles L. Mee Jr., O Encontro de Potsdam, São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p. 9‐10.
viii
Idem, Ibidem, p. 241.
ix
Tony Judt, Pós‐1945, São Paulo, Ed. Objetiva, 2010, p. 36.
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