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Para o filósofo iluminista há uma diferença real e necessária aos seres humanos que
existe de forma natural, porém, existe também a divergência criada, que é aquela responsável
pelo embate político e social. É por meio dessa desigualdade moral que surgem as
intolerâncias, sejam elas de qualquer tipo. Dessa forma, a manutenção dessa desigualdade
torna-se essencial para que determinado grupo continue usufruindo de privilégios adquiridos
através do prejuízo do outro. Neste aspecto, podemos dizer que há também uma igualdade
natural, onde os humanos independentemente de suas particularidades nascem e morrem
como todos os outro, mantendo assim uma mínima condição de “igualdade”.
Segundo Barros (2018), possivelmente Rousseau não faria essa divisão a respeito da
temática “desigualdade” na atualidade. A desigualdade em si seria abordada como as
divergências criadas pelo homem, isso inclui os embates das supremacias criadas sejam as de
gênero, classe, raça ou sexualidade, etc. A “desigualdade natural” nada mais seria do que as
diferenças que não foram criadas, mas sim que nasceram com o indivíduo, por exemplo, um
homem e uma mulher são diferentes, pois nascem diferentes, mas a supremacia de um gênero
sobre o outro é criada pelo ser humano, tornando esta relação desigual (BARROS, 2018).
Neste aspecto a origem da desigualdade entre os seres humanos aparece juntamente
com o surgimento da propriedade privada, gerando disputa entre os homens, esta teoria
baseada nos escritos de Rousseau (1999) interpretada por Resende e Miranda (2016) irá
afirmar que a propriedade privada será a responsável inclusive pela desigualdade criada por
questões naturais. Neste aspecto, Resende e Miranda (2016) irão afirmar que é essencial a
vinculação contraria, ou seja, a propriedade privada vinculada a ideia de igualdade, para que
assim a dominação do trabalhador seja possível, já que este estará alienado na ideia
impossível de alcançar a igualdade prometida pela sociedade burguesa.
De fato, a igualdade para existir em termos políticos não deve se basear em aspectos
naturais, afinal, a condição natural que todos compartilham é a condição der ser humano
como um todo, ou seja um ser que para além do biológico é constituído por relações históricas
e sociais, neste caso a condição natural de ser humano abordada por Rousseau (1999) não
abrange a totalidade para que o princípio da igualdade seja fundamentado nesta ideia,
tornando-o falho. Dessa forma, a igualdade torna-se um princípio seletivo reduzindo-se a
elite, somente utilizado para conveniência do momento sócio-político.
O ser humano é um ser que interfere e transforma o mundo pelo trabalho, e por este
ato ele mesmo é transformado. Neste aspecto, toda sociedade é baseada em um modo de
produção da vida, onde as relações sociais desta sociedade serão as responsáveis pela
denominação de cada modo de produção (MASCARENHAS, ano). O processo de formação
humana é determinado pelo ser social que é o responsável por delimitar a consciência
humana, esses processos são contraditórios pois é a partir destas contradições que se inicia a
transformação do meio (MASCARENHAS, ano).
Assim, a relação de igualdade não é dizer que os indivíduos são iguais de fato, não
significa dizer que são idênticos, o que levaria a outros debates. Em geral, é notório que as
diferenças são inevitáveis, e inclusive são desejáveis, por isso as lutas sociais não procuram
abolir essas diferenças, e sim que elas sejam tratadas com menos desigualdade no meio social,
no sentido de compreender que se essas desigualdades foram criadas pela humanidade ela
pode ser desfeita (BARROS 2018). Para muitos teóricos essa ideia de igualdade apesar de
muito desejável não deixa de ser uma utopia, afinal, ao abolir as desigualdades o ser humano
não teria mais motivos para ser submisso as forças do mercado.
No campo educacional o abandono do principio da igualdade acontece quando a
ideia de igualdade se reduz a igualdade de oportunidades, dando uma grande margem para a
meritocracia, assim a igualdade torna-se uma ilusão essencial na manutenção da ordem
capitalista, neste aspecto a ideia da igualdade presente no mundo capitalista é uma
contradição irrefutável que jamais poderá ser cumprida (RESENDE & MIRANDA, 2018)
Para Saviani (1998) houve a necessidade de fazer uma reflexão do porquê passou a
falar em equidade e não mais igualdade no campo da educação. Na organização da sociedade
capitalista a desigualdade é elemento estrutural que a constitui. No início da modernidade a
contradição do discurso da igualdade fere a organização estrutural da sociedade burguesa,
neste sentido, a ideia de igualdade tornou-se confusa, pois não se efetivava na realidade. As
políticas educacionais atualmente começaram a trocar a ideia de igualdade por equidade, isto
acontece somente para se distinguir a igualdade formal, da real, de direito ou de fato. Neste
aspecto, Saviani (1998, p. 2) afirma em sua tese:
A estrutura básica é o objeto primário da justiça porque seus efeitos são profundos e
estão presentes desde o começo. Nossa noção intuitiva é que essa estrutura contém
várias posições sociais e que homens nascidos em condições diferentes têm
expectativas de vida diferentes, determinadas, em parte, pelo sistema político bem
como pelas circunstâncias econômicas e sociais. Assim as instituições da sociedade
favorecem certos pontos de partida mais que outros. Essas são desigualdades
especialmente profundas. Não apenas são difusas, mas afetam desde o início as
possibilidades de vida dos seres humanos; contudo, não podem ser justificadas
mediante um apelo às noções de mérito ou valor. É a essas desigualdades,
supostamente inevitáveis na estrutura básica de qualquer sociedade, que os
princípios da justiça social devem ser aplicados em primeiro lugar. Esses princípios,
então, regulam a escolha de uma constituição política e os elementos principais do
sistema econômico e social. Ajustiça de um esquema social depende essencialmente
de como se atribuem direitos e deveres fundamentais e das oportunidades
econômicas e condições sociais que existem nos vários setores da sociedade.
Ao relatar a estrutura básica, Rawls (1997) se refere as instituições sociais mais
importantes, que serão as responsáveis pela distribuição justa ou injusta de direitos e deveres,
dessa forma, a constituição política e os principais acordos econômicos e sociais são parte
dessas instituições. Neste aspecto, é a partir das instituições sociais que surgem as
desigualdades, pois por meio delas há um favorecimento de um determinado grupo em
detrimento de outro.
Rawls (1997) afirma que a igualdade equitativa de oportunidades possui o papel
fundamental de garantir que este princípio seja apenas um senso procedimental de justiça,
neste aspecto, não intencionalmente, o autor contraditoriamente já demonstra que a igualdade
de fato não pode ser efetivada.
A sociedade democrática, essencialmente reduzem o princípio da igualdade a ideia
de igualdade das oportunidades, sendo que esse conceito ao ser adquirido acontece por meio
da valorização meritocrática, isto acontece pela conciliação de dois princípios básicos: um que
determina a igualdade do indivíduo perante as necessidades do capitalismo; e outro a divisão
do trabalho. Dessa forma, a suposta igualdade de oportunidades proporciona a desigualdades
justas, considerando que os indivíduos estão competindo por um mesmo propósito e o
insucesso é, teoricamente, de responsabilidade do indivíduo (DUBET, 2008). Neste sentido, a
igualdade de oportunidades é um meio proposto pelo sistema capitalista que visa justificar a
desigualdade, contrariamente a construção de uma sociedade igualitária. Porém, é importante
ressaltar que a igualdade de oportunidades possui um contraditório, por exemplo, se a
igualdade de oportunidades supostamente presume uma competição, seria esta competição
justa se os indivíduos não possuem os mesmos recursos? Neste aspecto, a igualdade de
oportunidade para se efetivar precisa superar a desigualdade social, dessa forma, não há
igualdade nos resultados (DUBET, 2008).
Na sociedade atual, a defesa da “igualdade de oportunidades” não é sincera, pois, a
verdadeira igualdade não reforça as hierarquias estruturais do capital. Neste sentido, a
igualdade de oportunidades pregada pelo capital sempre culpabilizará as pessoas que, ao olhar
do sistema, não sabem aproveitar as oportunidades (MÉSZÁROS, 2011). A igualdade de
oportunidades irá prometer uma realidade impalpável de acordo com o esforço do indivíduo,
dessa forma, ela exclui a possibilidade de uma sociedade igualitária (MÉSZÁROS, 2011).
Neste sentido, é possível perceber uma grande contradição, afinal, o sistema
determina que se deve manter a subordinação do trabalho, sendo esta uma das instituições
sociais responsáveis pelas relações desiguais, dessa forma, construir uma relação de igualdade
no capitalismo seria, talvez, uma utopia (MÉSZÁROS, 2011). Até a “igualdade diante da lei”
como princípio proposto pelo capital mostra-se falso, a partir do momento que quem detém o
poder toma para si a compra de serviços, incluindo a lei (MÉSZÁROS, 2011). Logo, a
igualdade substantiva está ligada ao reconhecimento e desconstrução de privilégios existentes.
A demanda por igualdade sempre aparece em momentos de crises estruturais do
sistema sociometabólico, porém, uma vez que esse sistema era considerado inquestionável, as
reinvindicações por verdadeira igualdade eram vazias, já que dessa forma não seria possível
afetar a estrutura da classe exploradora, neste sentido, o discurso por igualdade disseminado
foi tão diluído a ponto de perder o sentido, tornando-se um discurso contraditório e
subserviente (MÉSZÁROS, 2011). As relações de poder estão implícitas no processo que
impede a implementação da verdadeira igualdade, dessa forma, Marx apud Mészáros (2011,
p. 289):
A divisão do trabalho em que todas essas contradições estão implícitas e que, por
sua vez, se baseia na divisão natural do trabalho na família e na separação da
sociedade em famílias individuais opostas entre si implica simultaneamente a
distribuição, uma distribuição qualitativa e quantitativamente desigual, do trabalho e
seus produtos e daí a propriedade, seu núcleo, cuja primeira forma está na família,
onde esposa e filhos são escravos do marido. Essa escravidão latente na família,
embora ainda bastante grosseira, é a primeira forma da propriedade, mas até mesmo
nesta etapa ela corresponde perfeitamente à definição dos economistas modernos,
que a chamam de poder de dispor da força de trabalho dos outros.
Considerando que as relações de poder dentro do sistema não podem ser ignoradas e
com isso não existe igualdade substantiva, neste aspecto, este tipo de relação adentra até as
microestruturas do sistema para que em todas as relações hajam uma hierarquia e assim a
ideia de igualdade seja dissipada a ponto de perder o sentido.
É, então, a partir dessas relações de poder que a igualdade de fato é diluída no termo
genérico de igualdade de oportunidades, levando isto em consideração, a reinvindicação da
igualdade e por conseguinte a emancipação, no sistema de reprodução do capital, torna-se
motivo deboche. Dessa forma, o alcance da igualdade substantiva depende de um
enfrentamento e desnaturalização da divisão social do trabalho, e por conseguinte as relações
de poder pré-estabelecidas também seriam contestadas. É importante ressaltar que as relações
de poder até o momento não foram significativamente alteradas, somente foram mascaradas
com uma falsa admissão de minorias (MÉSZÁROS,2011).
A igualdade verdadeira é um princípio que irá desafiar diretamente a autoridade do
capital, que logicamente, não deveria ser questionada dentro do macrocosmo (MÉSZÁROS,
2011). Neste sentido, quando a autoridade do capital começa a ser questionada, é quebrado o
sistema de valores impostos, de forma que a exploração do ser humano deixa de ser um
princípio aceitável, considerando que a autonomia do sujeito é totalmente anulada.
Para pensarmos na emancipação da sociedade, é necessário refletir a respeito do
regimento das relações em seus pequenos núcleos, iniciando pela família, dessa forma, esses
relacionamentos devem ser regulados pelos próprios indivíduos com base numa igualdade,
neste sentido, não deve haver imposições socioeconômicas dentro das relações. As relações
humanas são fenômenos históricos e mutáveis, em todas as relações existem processos
reguladores que são responsáveis pelo funcionamento de todos os relacionamentos dialéticos.
No processo sociometabólico, todas formas de expressão dos reguladores das relações
humanas são determinadas historicamente e reforçadas institucionalmente, neste aspecto,
esses reguladores são comportamentos afetados pelo meio estrutural que geram ações
responsáveis por afetar a articulação do sistema (MÉSZÁROS, 2011).
Neste aspecto, os processos reguladores serão as circunstâncias que irão determinar o
caminho das relações, por isso, em todos os sistemas as relações são regidas de acordo com o
que o favorece, neste sentido o que favorece o sistema capitalista são as relações de poder,
para que assim os indivíduos deixem de se identificar como um todo, que assim tornam-se
fragmentos do sistema e assim enfraquecendo as relações sociais, de forma a aparentar na
visão desses indivíduos que cada um luta por questões diferentes.
Retomando as perguntas realizadas anteriormente, no momento do questionamento
“em que?” e “entre quem?” a igualdade se aplica, estamos afirmando que a igualdade não é
uma relação que compreende a totalidade, que se difere totalmente do discurso habitual da
sociedade capitalista, Mészáros (2011) afirma o costume social de reprodução de discurso
onde todas as pessoas possuem oportunidades iguais, e caso haja alguma desigualdade, a
responsabilidade disto está nas diferenças naturais dos indivíduos, ou seja, algumas pessoas
possuem naturalmente mais habilidade e competências do que outras pessoas.
Ainda nesta perspectiva, Mészáros (2011) afirmará que cada forma de organização
social determina seus princípios, dessa forma todas elas enfrentarão a questão do tipo de
igualdade viável para este modo de organização, neste sentido, nos moldes de organização
capitalista, a igualdade somente é possível se trouxer algum benefício ao sistema. Para
contextualizar melhor, podemos usar a introdução da mulher ao mercado de trabalho, neste
aspecto, é possível dizer que a mulher se igualou ao homem no sentido de ter adquirido o
direito ao trabalho, porém, como benefício ao sistema, o capitalismo continua alimentando a
supremacia masculina, para que a mão-de-obra feminina permaneça barata.
No sistema capitalista, não é possível o macrocosmo se manter seguindo o princípio
da igualdade real, isto acontece devido as relações de poder que são responsáveis pelo
controle autoritário da força de trabalho, que irá interferir diretamente nas relações humanas.
A lógica estrutural do capital foi construída dentro de um princípio hierárquico, dessa forma,
as relações antagônicas de poder é uma consequência inevitável, portanto, o princípio da
igualdade real fere uma das estruturas responsáveis pela manutenção do capital
(MÉSZÁROS, 2011)
Hayek apud Mészáros (2011) afirma que a sustentação deste sistema depende da
arbitrariedade de outros homens, neste aspecto, Hayek sugere que o ser humano é capaz de ser
imparcial. Contudo os devaneios de Hayek em relação ao sistema apontam na direção de um
mundo totalmente diferente do mundo real, onde o teórico afirmava insistentemente que se as
pessoas adquirem as posses sob as mesmas regras vivemos em uma igualdade, e assim, o
privilégio é inexistente, neste caso o autor entrava em uma complexa contradição, onde
afirmava que não há privilégios mesmo que uns tenham que ser submissos a outros.
É necessário se questionar a partir da lógica de Hayek, afinal, se a igualdade e justiça
devem ser confinadas apenas as regras formais, então qual o sentido de elas existirem? Nessa
dimensão podemos perceber que a igualdade aplicada somente as leis estão ali para além da
figuração revolucionaria, mas estão presentes também como um empecilho, onde a igualdade
se resume ao nicho material, dessa forma, como alcançar essa igualdade se todas as outras
relações de igualdade não se concretizam? Neste aspecto, a igualdade formal se aplica a
aquisição de bens, mas não se aplica a igualdade de oportunidades. De acordo com Mészáros
(2011, p. 286):
O poder continua sendo um grande problema. Quando, ano após ano, apenas uma
insignificante meia dúzia de mulheres consegue ser eleita para postos de poder
político, o socialismo parece anular seu objetivo de criar uma sociedade mais justa
para todos. O processo de chegada das mulheres ao poder político na União
Soviética e em boa parte do Leste europeu foi especialmente lento, e lento a ponto
do absurdo; foi mais bem-sucedido no Vietnã, na Nicarágua e em Cuba. Contudo,
nenhum lugar do mundo socialista tem mulheres nos postos representativos mais
elevados, além dos simples direitos adquiridos pela falsa admissão; mais
precisamente: as posições de poder são sistematicamente negadas a mulheres com
visão feminista.
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