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 IGUALDADE, EQUIDADE E DESIGUALDADE

Quando adentramos a discussão de gênero é importante ressaltar que estamos


abordando um assunto onde a principal problemática advém de desigualdades criadas nas
relações sociais de homens e mulheres. Dessa forma, compreender o par dialético de
desigualdade/igualdade é essencial para que se possa revelar as contradições que envolve as
relações humanas. Refletir sobre o princípio de justiça na relação de gênero, suscita uma
polemica sobre aa possibilidade real da existência de igualdade nos moldes da sociedade
atual, ou se é necessário mudanças e quais mudanças devem haver para que a verdadeira
igualdade possa existir?
No presente trabalho estaremos abordando uma discussão filosófica a respeito da
igualdade para que possamos compreender as problemáticas na relação de gênero, é
importante ressaltar que trata-se de uma discussão muito profunda que não poderá ser
esgotada em apenas um trabalho de conclusão de curso, contudo iniciar este debate é um
processo essencial para discutir as relações de gênero. Vários autores se debruçaram sobre e o
tema e ainda continua sendo extremamente complexo com muita disputa política, filosófica e
epistemológica, permitindo-nos obter diversos entendimentos sobre a ideia de igualdade,
desigualdade e justiça.
Para Bobbio (1997) a compreensão do conceito de igualdade se inicia a partir da
reflexão de duas questões: a) igualdade entre quem?; e b) igualdade em quê? (BOBBIO,
1997). Neste sentido, o conceito de igualdade está atrelado a um determinado tipo de relação
humana.
Neste aspecto, o autor afirma que existe duas situações especificas em que as pessoas
procuram por igualdade, uma das situações se refere a reciprocidade nas relações materiais,
ou seja, “o que se dá, deve ser equivalente ao que se tem” (BOBBIO, 1997, p. 17), dessa
forma essa situação se refere as relações de troca. A outra situação trata-se de equiparar a
relação de pessoas, ou seja, atribuir direitos e deveres, benefícios ou ônus de forma igualitária,
estabelecendo uma relação bilateral e também recíproca, neste sentido, essa situação será
chamada de relações de convivência.
O conceito de igualdade está atrelado ao conceito de justiça, que possui dois
significados mais recorrentes: um remete a legalidade, ou seja, justo é uma ação feita nos
parâmetros da lei; e o outro significado é o que identifica a justiça com igualdade, ou seja, só
pode se dizer justa uma ação ou lei que respeita a relação de igualdade (BOBBIO, 1997).
Segundo Bobbio (1997), para que seja conservado a harmonia e a ordem na
sociedade é necessário que haja uma certa igualdade e principalmente o respeito a legalidade.
Logo, o parâmetro de igualdade vai se modificando com o tempo, isto acontece devido as
mudanças nas relações humanas que se transformam através de novas formas de se produzir a
vida, neste aspecto essas transformações tornam-se um problema para a legalidade
considerando que estas leis foram feitas para atender a demanda de uma determinada classe,
sendo assim tais leis não são neutras, neste caso a igualdade como princípio torna-se um
artifício para ser utilizado apenas como conveniência a serviço desta classe.
Bobbio (1997) dá continuidade dizendo que na mesma medida que a não execução
das leis concretas significa uma ruptura no parâmetro de igualdade a qual a legalidade se
espelhou para a criação das leis. Neste sentido, a relação de igualdade somente é desejável na
medida que é considerada justa, que se entende por uma ordem instituída ou restituída para
alcançar um ideal harmônico nas relações humanas.
A igualdade como justiça Bobbio (1997) afirma que a igualdade somente tem a ver
com justiça quando obedece a algum de seus critérios, dentre eles podemos encontrar critérios
como o mérito, a necessidade e a capacidade, embora nenhum deles seja imposto a situação,
por vezes uns são mais utilizados do que outros.
O conceito de justiça está relacionado ao princípio da igualdade em outro sentido, em
que Bobbio (1997) irá chamar de regra de justiça. Ao estabelecer um tratamento, referente ao
critério de justiça, seja ela atributiva ou retributiva, a regra da justiça irá estabelecer o
tratamento “igual”, isto porque a regra da justiça se preocupa em fazer com que os iguais
sejam tratados de formas iguais, e os desiguais de forma desigual, contribuindo para a
manutenção das relações de poder. Dessa forma, os critérios de justiça tendem a estabelecer
ou reestabelecer as relações de igualdade, já a regra da justiça se refere a aplicação de como
essa relação foi estabelecida (BOBBIO, 1997).
Ao ligar a discussão de igualdade a justiça e imparcialidade faz-se uma redução deste
princípio a aspectos meramente burocráticos, ou seja, torna-se um princípio de formalidade
que não se efetiva de fato. Dessa forma, ao invés da igualdade ser um princípio de
equivalência, tanto a direito, quanto a deveres, a igualdade aplicada a justiça torna-se um meio
de limitação para que a verdadeira igualdade seja acessível a todas as classes.
Um teórico Iluminista, do século XVIII, que influenciou a Revolução Francesa, e
buscou analisar a origem da desigualdade entre os homens, foi Rousseau. Historicamente na
revolução burguesa ao se estabelecer a igualdade formal cria-se a necessidade de mão-de-obra
“livre”, isto porque é livre a escolha do tipo de mão-de-obra que o sujeito irá vender, mas não
deixa de ser um ato de sobrevivência. Neste aspecto o a liberdade de escolha torna-se uma
relação de igualdade entre os homens, igualdade esta que foi organizada pela hegemonia
burguesa. Contudo, a sociedade burguesa esquecera os princípios da igualdade, liberdade e
fraternidade, ficando somente no plano das leis, dessa forma, a sociedade proposta por essa
revolução tornou-se ainda mais responsável pela desigualdade, pois tudo que envolve se
resume ao ato de exploração e dominação do ser humano, neste aspecto, a igualdade proposta
pelo sistema capitalista é apenas um discurso formal para dar apoio a ideia de ascensão social
(SANTOS, 2013). Para Saviani (1998) no século XVIII a partir das revoluções burguesas o
princípio de igualdade foi incorporado ao ideário liberal, sendo a educação um espaço
importante para realização dessa igualdade entre seres humanos.
A igualdade defendida pela Revolução Francesa se reduz a capacidade de vender do
indivíduo, seja um produto ou sua mão-de-obra, contudo a posse que a grande maioria tinha
era sua força de trabalho, porém independentemente de qual seja a venda a relação de
exploração e dominação para a produção de mais-valia permanece, a igualdade capitalista
serve somente para manter as aparências e assim também gerar lucro, considerando que a
ideia é desejável por muitos, com isto a ilusão da igualdade contribui para a manutenção das
desigualdades (ROUSSEAU apud MÉSZÁROS, 2011). Diferentemente do conceito abordado
no capitalismo, a igualdade enquanto fundamento comunista é a “consciência do eu político”,
dessa forma, quando ao tomar consciência de si a consciência do outro torna-se possível
(MARX, 2004).
Para Rousseau, a busca pela igualdade não deve se tratar de eliminar todas as
desigualdades, pois existe uma diferença entre desigualdades naturais e desigualdades sociais,
a ideia é eliminar a desigualdade referente ao social, afirma Rousseau apud Bobbio (1997).

Concebo, na espécie humana, duas espécies de desigualdade: uma a que chamo


natural ou física, por ser estabelecida pela natureza, e que consiste na diferençadas
idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma; a
outra, a que se pode chamar desigualdade moral ou política, por depender de uma
espécie de convenção e ser estabelecida, ou pelo menos autorizada, pelo
consentimento dos homens. (ROUSSEAU, 1999, p. 159)

Para o filósofo iluminista há uma diferença real e necessária aos seres humanos que
existe de forma natural, porém, existe também a divergência criada, que é aquela responsável
pelo embate político e social. É por meio dessa desigualdade moral que surgem as
intolerâncias, sejam elas de qualquer tipo. Dessa forma, a manutenção dessa desigualdade
torna-se essencial para que determinado grupo continue usufruindo de privilégios adquiridos
através do prejuízo do outro. Neste aspecto, podemos dizer que há também uma igualdade
natural, onde os humanos independentemente de suas particularidades nascem e morrem
como todos os outro, mantendo assim uma mínima condição de “igualdade”.
Segundo Barros (2018), possivelmente Rousseau não faria essa divisão a respeito da
temática “desigualdade” na atualidade. A desigualdade em si seria abordada como as
divergências criadas pelo homem, isso inclui os embates das supremacias criadas sejam as de
gênero, classe, raça ou sexualidade, etc. A “desigualdade natural” nada mais seria do que as
diferenças que não foram criadas, mas sim que nasceram com o indivíduo, por exemplo, um
homem e uma mulher são diferentes, pois nascem diferentes, mas a supremacia de um gênero
sobre o outro é criada pelo ser humano, tornando esta relação desigual (BARROS, 2018).
Neste aspecto a origem da desigualdade entre os seres humanos aparece juntamente
com o surgimento da propriedade privada, gerando disputa entre os homens, esta teoria
baseada nos escritos de Rousseau (1999) interpretada por Resende e Miranda (2016) irá
afirmar que a propriedade privada será a responsável inclusive pela desigualdade criada por
questões naturais. Neste aspecto, Resende e Miranda (2016) irão afirmar que é essencial a
vinculação contraria, ou seja, a propriedade privada vinculada a ideia de igualdade, para que
assim a dominação do trabalhador seja possível, já que este estará alienado na ideia
impossível de alcançar a igualdade prometida pela sociedade burguesa.
De fato, a igualdade para existir em termos políticos não deve se basear em aspectos
naturais, afinal, a condição natural que todos compartilham é a condição der ser humano
como um todo, ou seja um ser que para além do biológico é constituído por relações históricas
e sociais, neste caso a condição natural de ser humano abordada por Rousseau (1999) não
abrange a totalidade para que o princípio da igualdade seja fundamentado nesta ideia,
tornando-o falho. Dessa forma, a igualdade torna-se um princípio seletivo reduzindo-se a
elite, somente utilizado para conveniência do momento sócio-político.
O ser humano é um ser que interfere e transforma o mundo pelo trabalho, e por este
ato ele mesmo é transformado. Neste aspecto, toda sociedade é baseada em um modo de
produção da vida, onde as relações sociais desta sociedade serão as responsáveis pela
denominação de cada modo de produção (MASCARENHAS, ano). O processo de formação
humana é determinado pelo ser social que é o responsável por delimitar a consciência
humana, esses processos são contraditórios pois é a partir destas contradições que se inicia a
transformação do meio (MASCARENHAS, ano).
Assim, a relação de igualdade não é dizer que os indivíduos são iguais de fato, não
significa dizer que são idênticos, o que levaria a outros debates. Em geral, é notório que as
diferenças são inevitáveis, e inclusive são desejáveis, por isso as lutas sociais não procuram
abolir essas diferenças, e sim que elas sejam tratadas com menos desigualdade no meio social,
no sentido de compreender que se essas desigualdades foram criadas pela humanidade ela
pode ser desfeita (BARROS 2018). Para muitos teóricos essa ideia de igualdade apesar de
muito desejável não deixa de ser uma utopia, afinal, ao abolir as desigualdades o ser humano
não teria mais motivos para ser submisso as forças do mercado.
No campo educacional o abandono do principio da igualdade acontece quando a
ideia de igualdade se reduz a igualdade de oportunidades, dando uma grande margem para a
meritocracia, assim a igualdade torna-se uma ilusão essencial na manutenção da ordem
capitalista, neste aspecto a ideia da igualdade presente no mundo capitalista é uma
contradição irrefutável que jamais poderá ser cumprida (RESENDE & MIRANDA, 2018)
Para Saviani (1998) houve a necessidade de fazer uma reflexão do porquê passou a
falar em equidade e não mais igualdade no campo da educação. Na organização da sociedade
capitalista a desigualdade é elemento estrutural que a constitui. No início da modernidade a
contradição do discurso da igualdade fere a organização estrutural da sociedade burguesa,
neste sentido, a ideia de igualdade tornou-se confusa, pois não se efetivava na realidade. As
políticas educacionais atualmente começaram a trocar a ideia de igualdade por equidade, isto
acontece somente para se distinguir a igualdade formal, da real, de direito ou de fato. Neste
aspecto, Saviani (1998, p. 2) afirma em sua tese:

[...] é exatamente o recurso ao conceito de equidade que vem justificar as


desigualdades ao permitir a introdução de regras utilitárias de conduta que
correspondem a desregulamentação do Direito, possibilitando tratamentos
diferenciados e ampliando em escala sem precedentes a margem de arbítrio dos que
detém o poder de decisão.

Nesta perspectiva, o conceito de igualdade está relacionado ao ideal moral e


metafísico do ser humano, porém, a equidade provém da doutrina neoliberal. Podemos então
perceber que o conceito de igualdade está atrelado a raiz ético antológica da dignidade
humana, enquanto a equidade é um conceito criado pelas raízes do neopragmatismo com
razões utilitárias próprias. Dessa forma a equidade torna-se um conceito maleável de modo
que seu conceito é mutável e acordo com as pessoas que estão no poder.
Saviani (1998) afirma que na literatura moderna a equidade trata-se de uma mescla
balanceada entre o mérito e a recompensa, neste aspecto é claro o motivo pela preferência
desse conceito na atualidade, considerando que desta forma a equidade é um instrumento que
fortalece a competitividade e as demandas do mercado. Neste aspecto, a discussão de
equidade permeia pela questão abordada inicialmente a respeito do tipo de igualdade viável,
ou seja, a igualdade conveniente ao momento político e/ou social, dessa forma a sociedade
continua sendo desigual com momentos onde podem haver pequenas relações de igualdade.
Essa reflexão sobre equidade também aparece nas discussões relacionadas a justiça.
Uma das teorias possíveis é a teoria de justiça de Rawls (1997) que defende justiça como
equidade. Para o autor, ninguém deve ter privilégios a menos que haja uma justificativa
plausível, neste sentido o privilégio não é algo decidido por mérito, mas sim por uma
necessidade comprovada (RAWLS, 1997).

A real garantia de igualdade repousa no conteúdo dos princípios da justiça, e não


nessas suposições procedimentais. A atribuição do ônus da prova não é suficiente. E,
além disso, mesmo que a interpretação procedimental imponha certas restrições
genuínas às instituições, ainda resta a questão de saber por que devemos seguir o
procedimento em alguns casos e não em outros. Certamente, ele se aplica a criaturas
que pertencem a algum tipo, mas que tipo será esse? (RAWLS, 1997, p. 263).

A partir do raciocínio de Rawls (1997) podemos perceber que a garantia da igualdade


está entregue ao senso de justiça humano, dessa forma, é necessário desenvolver critérios para
distinguir que grupo precisa de um procedimento diferente, um bom exemplo disto seria
pessoas portadoras de necessidades especiais, que teriam um procedimento diferente para ter
acesso aos mesmos recursos que a maior parte das pessoas tem acesso normalmente, neste
sentido, o critério de igualdade permanece, mas o procedimento de igualdade se altera.
Assim, a justiça irá estabelecer os direitos e deveres de forma que não haja distinções
arbitrárias, garantindo a liberdade da cidadania igual assegurada como princípio inviolável da
justiça (RAWLS, 1997). Neste sentido, em parte, é por meio da justiça que a igualdade social
se inicia, nessa lógica Rawls (1997, p. 8) afirma:

A estrutura básica é o objeto primário da justiça porque seus efeitos são profundos e
estão presentes desde o começo. Nossa noção intuitiva é que essa estrutura contém
várias posições sociais e que homens nascidos em condições diferentes têm
expectativas de vida diferentes, determinadas, em parte, pelo sistema político bem
como pelas circunstâncias econômicas e sociais. Assim as instituições da sociedade
favorecem certos pontos de partida mais que outros. Essas são desigualdades
especialmente profundas. Não apenas são difusas, mas afetam desde o início as
possibilidades de vida dos seres humanos; contudo, não podem ser justificadas
mediante um apelo às noções de mérito ou valor. É a essas desigualdades,
supostamente inevitáveis na estrutura básica de qualquer sociedade, que os
princípios da justiça social devem ser aplicados em primeiro lugar. Esses princípios,
então, regulam a escolha de uma constituição política e os elementos principais do
sistema econômico e social. Ajustiça de um esquema social depende essencialmente
de como se atribuem direitos e deveres fundamentais e das oportunidades
econômicas e condições sociais que existem nos vários setores da sociedade.
Ao relatar a estrutura básica, Rawls (1997) se refere as instituições sociais mais
importantes, que serão as responsáveis pela distribuição justa ou injusta de direitos e deveres,
dessa forma, a constituição política e os principais acordos econômicos e sociais são parte
dessas instituições. Neste aspecto, é a partir das instituições sociais que surgem as
desigualdades, pois por meio delas há um favorecimento de um determinado grupo em
detrimento de outro.
Rawls (1997) afirma que a igualdade equitativa de oportunidades possui o papel
fundamental de garantir que este princípio seja apenas um senso procedimental de justiça,
neste aspecto, não intencionalmente, o autor contraditoriamente já demonstra que a igualdade
de fato não pode ser efetivada.
A sociedade democrática, essencialmente reduzem o princípio da igualdade a ideia
de igualdade das oportunidades, sendo que esse conceito ao ser adquirido acontece por meio
da valorização meritocrática, isto acontece pela conciliação de dois princípios básicos: um que
determina a igualdade do indivíduo perante as necessidades do capitalismo; e outro a divisão
do trabalho. Dessa forma, a suposta igualdade de oportunidades proporciona a desigualdades
justas, considerando que os indivíduos estão competindo por um mesmo propósito e o
insucesso é, teoricamente, de responsabilidade do indivíduo (DUBET, 2008). Neste sentido, a
igualdade de oportunidades é um meio proposto pelo sistema capitalista que visa justificar a
desigualdade, contrariamente a construção de uma sociedade igualitária. Porém, é importante
ressaltar que a igualdade de oportunidades possui um contraditório, por exemplo, se a
igualdade de oportunidades supostamente presume uma competição, seria esta competição
justa se os indivíduos não possuem os mesmos recursos? Neste aspecto, a igualdade de
oportunidade para se efetivar precisa superar a desigualdade social, dessa forma, não há
igualdade nos resultados (DUBET, 2008).
Na sociedade atual, a defesa da “igualdade de oportunidades” não é sincera, pois, a
verdadeira igualdade não reforça as hierarquias estruturais do capital. Neste sentido, a
igualdade de oportunidades pregada pelo capital sempre culpabilizará as pessoas que, ao olhar
do sistema, não sabem aproveitar as oportunidades (MÉSZÁROS, 2011). A igualdade de
oportunidades irá prometer uma realidade impalpável de acordo com o esforço do indivíduo,
dessa forma, ela exclui a possibilidade de uma sociedade igualitária (MÉSZÁROS, 2011).
Neste sentido, é possível perceber uma grande contradição, afinal, o sistema
determina que se deve manter a subordinação do trabalho, sendo esta uma das instituições
sociais responsáveis pelas relações desiguais, dessa forma, construir uma relação de igualdade
no capitalismo seria, talvez, uma utopia (MÉSZÁROS, 2011). Até a “igualdade diante da lei”
como princípio proposto pelo capital mostra-se falso, a partir do momento que quem detém o
poder toma para si a compra de serviços, incluindo a lei (MÉSZÁROS, 2011). Logo, a
igualdade substantiva está ligada ao reconhecimento e desconstrução de privilégios existentes.
A demanda por igualdade sempre aparece em momentos de crises estruturais do
sistema sociometabólico, porém, uma vez que esse sistema era considerado inquestionável, as
reinvindicações por verdadeira igualdade eram vazias, já que dessa forma não seria possível
afetar a estrutura da classe exploradora, neste sentido, o discurso por igualdade disseminado
foi tão diluído a ponto de perder o sentido, tornando-se um discurso contraditório e
subserviente (MÉSZÁROS, 2011). As relações de poder estão implícitas no processo que
impede a implementação da verdadeira igualdade, dessa forma, Marx apud Mészáros (2011,
p. 289):

A divisão do trabalho em que todas essas contradições estão implícitas e que, por
sua vez, se baseia na divisão natural do trabalho na família e na separação da
sociedade em famílias individuais opostas entre si implica simultaneamente a
distribuição, uma distribuição qualitativa e quantitativamente desigual, do trabalho e
seus produtos e daí a propriedade, seu núcleo, cuja primeira forma está na família,
onde esposa e filhos são escravos do marido. Essa escravidão latente na família,
embora ainda bastante grosseira, é a primeira forma da propriedade, mas até mesmo
nesta etapa ela corresponde perfeitamente à definição dos economistas modernos,
que a chamam de poder de dispor da força de trabalho dos outros.

Considerando que as relações de poder dentro do sistema não podem ser ignoradas e
com isso não existe igualdade substantiva, neste aspecto, este tipo de relação adentra até as
microestruturas do sistema para que em todas as relações hajam uma hierarquia e assim a
ideia de igualdade seja dissipada a ponto de perder o sentido.
É, então, a partir dessas relações de poder que a igualdade de fato é diluída no termo
genérico de igualdade de oportunidades, levando isto em consideração, a reinvindicação da
igualdade e por conseguinte a emancipação, no sistema de reprodução do capital, torna-se
motivo deboche. Dessa forma, o alcance da igualdade substantiva depende de um
enfrentamento e desnaturalização da divisão social do trabalho, e por conseguinte as relações
de poder pré-estabelecidas também seriam contestadas. É importante ressaltar que as relações
de poder até o momento não foram significativamente alteradas, somente foram mascaradas
com uma falsa admissão de minorias (MÉSZÁROS,2011).
A igualdade verdadeira é um princípio que irá desafiar diretamente a autoridade do
capital, que logicamente, não deveria ser questionada dentro do macrocosmo (MÉSZÁROS,
2011). Neste sentido, quando a autoridade do capital começa a ser questionada, é quebrado o
sistema de valores impostos, de forma que a exploração do ser humano deixa de ser um
princípio aceitável, considerando que a autonomia do sujeito é totalmente anulada.
Para pensarmos na emancipação da sociedade, é necessário refletir a respeito do
regimento das relações em seus pequenos núcleos, iniciando pela família, dessa forma, esses
relacionamentos devem ser regulados pelos próprios indivíduos com base numa igualdade,
neste sentido, não deve haver imposições socioeconômicas dentro das relações. As relações
humanas são fenômenos históricos e mutáveis, em todas as relações existem processos
reguladores que são responsáveis pelo funcionamento de todos os relacionamentos dialéticos.
No processo sociometabólico, todas formas de expressão dos reguladores das relações
humanas são determinadas historicamente e reforçadas institucionalmente, neste aspecto,
esses reguladores são comportamentos afetados pelo meio estrutural que geram ações
responsáveis por afetar a articulação do sistema (MÉSZÁROS, 2011).
Neste aspecto, os processos reguladores serão as circunstâncias que irão determinar o
caminho das relações, por isso, em todos os sistemas as relações são regidas de acordo com o
que o favorece, neste sentido o que favorece o sistema capitalista são as relações de poder,
para que assim os indivíduos deixem de se identificar como um todo, que assim tornam-se
fragmentos do sistema e assim enfraquecendo as relações sociais, de forma a aparentar na
visão desses indivíduos que cada um luta por questões diferentes.
Retomando as perguntas realizadas anteriormente, no momento do questionamento
“em que?” e “entre quem?” a igualdade se aplica, estamos afirmando que a igualdade não é
uma relação que compreende a totalidade, que se difere totalmente do discurso habitual da
sociedade capitalista, Mészáros (2011) afirma o costume social de reprodução de discurso
onde todas as pessoas possuem oportunidades iguais, e caso haja alguma desigualdade, a
responsabilidade disto está nas diferenças naturais dos indivíduos, ou seja, algumas pessoas
possuem naturalmente mais habilidade e competências do que outras pessoas.
Ainda nesta perspectiva, Mészáros (2011) afirmará que cada forma de organização
social determina seus princípios, dessa forma todas elas enfrentarão a questão do tipo de
igualdade viável para este modo de organização, neste sentido, nos moldes de organização
capitalista, a igualdade somente é possível se trouxer algum benefício ao sistema. Para
contextualizar melhor, podemos usar a introdução da mulher ao mercado de trabalho, neste
aspecto, é possível dizer que a mulher se igualou ao homem no sentido de ter adquirido o
direito ao trabalho, porém, como benefício ao sistema, o capitalismo continua alimentando a
supremacia masculina, para que a mão-de-obra feminina permaneça barata.
No sistema capitalista, não é possível o macrocosmo se manter seguindo o princípio
da igualdade real, isto acontece devido as relações de poder que são responsáveis pelo
controle autoritário da força de trabalho, que irá interferir diretamente nas relações humanas.
A lógica estrutural do capital foi construída dentro de um princípio hierárquico, dessa forma,
as relações antagônicas de poder é uma consequência inevitável, portanto, o princípio da
igualdade real fere uma das estruturas responsáveis pela manutenção do capital
(MÉSZÁROS, 2011)
Hayek apud Mészáros (2011) afirma que a sustentação deste sistema depende da
arbitrariedade de outros homens, neste aspecto, Hayek sugere que o ser humano é capaz de ser
imparcial. Contudo os devaneios de Hayek em relação ao sistema apontam na direção de um
mundo totalmente diferente do mundo real, onde o teórico afirmava insistentemente que se as
pessoas adquirem as posses sob as mesmas regras vivemos em uma igualdade, e assim, o
privilégio é inexistente, neste caso o autor entrava em uma complexa contradição, onde
afirmava que não há privilégios mesmo que uns tenham que ser submissos a outros.
É necessário se questionar a partir da lógica de Hayek, afinal, se a igualdade e justiça
devem ser confinadas apenas as regras formais, então qual o sentido de elas existirem? Nessa
dimensão podemos perceber que a igualdade aplicada somente as leis estão ali para além da
figuração revolucionaria, mas estão presentes também como um empecilho, onde a igualdade
se resume ao nicho material, dessa forma, como alcançar essa igualdade se todas as outras
relações de igualdade não se concretizam? Neste aspecto, a igualdade formal se aplica a
aquisição de bens, mas não se aplica a igualdade de oportunidades. De acordo com Mészáros
(2011, p. 286):

Na história, a demanda pela verdadeira igualdade vinha à tona com especial


intensidade em períodos de crise estrutural, quando, por um lado, a ordem
estabelecida se rompia sob a pressão de suas contradições internas e deixava de
corresponder a suas funções sociometabólicas essenciais e, por outro, a nova ordem
do domínio da classe destinada a tomar o lugar da antiga ainda estava longe de
plenamente articulada.

Ao decorrer dos séculos, a exploração e dominação tem sufocado os movimentos


igualitários, como a desigualdade tem sido historicamente muito mais presente na construção
da sociedade do que a igualdade, ao surgir uma alternativa de sistema nenhuma destas
alternativas tem emanado poder suficiente para eliminar essas relações internalizadas
(MÉSZÁROS, 2011). A sociedade igualitária deve ter como princípio uma sociedade
emancipadora, que não reivindica um direito particular, mas o direito de todos, dessa forma as
classes sociais deixam de ser uma classe “da sociedade civil” para ser uma classe “na
sociedade civil”, neste aspecto a classe social deixa de ser uma propriedade.
Neste aspecto, a família torna-se o núcleo principal de disseminação de relações
desiguais, dessa forma o núcleo família permite dar uma continuidade a ordem existente a
partir da dominância que o homem exerce sobre a esposa e filhos, perpetuando no decorrer
das gerações relações discriminatórias que correspondem ao sistema de valores da ordem
social a qual o núcleo está inserido, neste sentido, mesmo que a família busque relações
igualitárias e sejam o mais esclarecida possível é inevitável que haja a reprodução destes atos
(MÉSZÁROS, 2011).
Quando discutimos a respeito da igualdade é natural que a relacionamos a algo, com
isto, as diversas reivindicações de igualdade aparecem, sejam elas econômicas ou sociais,
Margaret Randall apud Mészáros (2011, p. 291) afirma:

O poder continua sendo um grande problema. Quando, ano após ano, apenas uma
insignificante meia dúzia de mulheres consegue ser eleita para postos de poder
político, o socialismo parece anular seu objetivo de criar uma sociedade mais justa
para todos. O processo de chegada das mulheres ao poder político na União
Soviética e em boa parte do Leste europeu foi especialmente lento, e lento a ponto
do absurdo; foi mais bem-sucedido no Vietnã, na Nicarágua e em Cuba. Contudo,
nenhum lugar do mundo socialista tem mulheres nos postos representativos mais
elevados, além dos simples direitos adquiridos pela falsa admissão; mais
precisamente: as posições de poder são sistematicamente negadas a mulheres com
visão feminista.

Neste aspecto, podemos perceber que predominância de mulheres em qualquer


cargo que concedam poder é quase que inexistente, normalmente as mulheres quando ocupam
esses espaços estão ali de modo figurativo, representando uma falsa admissão de minorias. É
notório que o capitalismo utiliza do movimento feminista como representação da verdadeira
igualdade como slogan para fomentar a ilusão de liberdade e vender ideias que não são as
reais necessidades das mulheres, dessa forma, como a sociedade capitalista utiliza da política
para facilitar a exploração do trabalho não há o mínimo risco do feminismo adentrar nessa
conjuntura estrutural, por esse motivo a caminhada para emancipação das mulheres não
demonstram avanços significativos.
A relação de igualdade (ou desigualdade) encontra-se em discussão em diversos
âmbitos, seja em relação a gênero, sexualidade, classe social, etnia, etc. Buscando relacionar o
princípio de igualdade nas questões das relações sociais entre homens e mulheres, podemos
afirmar que a sociedade desconhece quase que completamente a ideia de uma sociedade
igualitária de fato. De acordo com Santos (2013) o único momento em que ocorreu relações
entre homens e mulheres igualitárias foi no período Neolítico. Apesar de muitas pessoas
acreditarem que este período foi constituído por uma sociedade matriarcal, a verdade é que
não existia dominação uns sobre os outros, porém este fator é desconhecido pela maioria dos
indivíduos (SANTOS, 2013). Lins apud Santos (2013) afirma que apesar de a mulher ter um
destaque maior neste período, as descobertas arqueológicas aliadas a tecnologia apontam que
a estrutura social era totalmente igualitária, de modo que não há indícios da subordinação
masculina, contudo, a mulher ainda assim era considerado um ser divino que detinha o poder
sobre a vida, o poder de gerar a vida. O modo de produção da vida das sociedades pré-
históricas.
A desigualdade nasce não de uma essência humana, e sim de uma circunstância que
podem ou não ser eternizadas em sistemas políticos. Neste caso, de acordo com o sistema
político, a desigualdade irá surgir como mecanismo de manutenção a ordem deste sistema.

REFERÊNCIAS
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