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PAIF: ADAPTAÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO?

PAIF: ADAPTATION OR TRANSFORMATION?

Diego Zukovski Pereira1


Beatriz Barcki Rizzatti2
Jakson Diego Rohling3
Tatiane Superti4

PEREIRA, D. Z.; RIZZATTI, B. B.; ROHLING, J. D.; SUPERTI, T.


Paif: adaptação ou transformação? Akrópolis Umuarama, v. 23,
n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015.

Resumo: No presente trabalho tem-se como objeto de estudo o Servi-


ço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), apresentando
os objetivos, a política e o público atendido junto ao programa. O obje-
tivo geral do artigo é verificar nas regulamentações legais o funciona-
mento do PAIF no que tange aos objetivos, procedimentos e impactos
esperados. Especificamente pretende-se compreender a partir da te-
oria histórico cultural o processo de formação humana e a sociedade,
e ainda analisar o quanto o PAIF pode ser um serviço transformador
da realidade. O presente artigo justifica-se por se considerar o campo
das políticas públicas um terreno em construção, e a reflexão crítica
acerca da prática precisa ser encorajada. A partir de autores histórico
culturais, discute-se a formação humana em relação com outros ho-
mens, e sua inserção na sociedade, lugar onde o sujeito se constrói
1
Acadêmico do curso de Psicologia da UNI-
PAR.
e se transforma. Faz-se também uma leitura da sociedade capitalista,
de modo a desmistificar o fenômeno da pobreza, e entender a inclusão
2
Acadêmica do curso de Psicologia da UNI- e a exclusão social como um fenômeno dialético. Aborda-se também
PAR. o modo como a família é atendida pelas políticas públicas, e a contri-
3
Acadêmico do curso de Psicologia da UNI-
buição da Psicologia comunitária. Por fim analisa-se os documentos
PAR. que regulamentam o PAIF de modo a entender qual a real proposta
do programa, de que forma pretende atender as famílias, e quais os
4
Professora orientadora do curso de Psico- impactos sociais promovidos. Por fim conclui-se que o PAIF pode ser,
logia da UNIPAR - Universidade Paranaen-
se, Campus Cascavel – PR
tanto um instrumento de transformação social, quanto de adaptação da
população à lógica dominante e opressora, a depender de como será
operacionalizado.
Palavras-chave: Políticas Públicas; Proteção Social Básica, PAIF.

Abstract: The present work has as the objective of studying the Full
Protection and Services for the Family (PAIF), presenting the objecti-
ves, policy and the public served by the program. The overall aim of the
paper is to check the functioning of PAIF according to the legal regu-
lations regarding the objectives, procedures and expected impacts. It
specifically seeks to understand the cultural and historical theory from
the process of human and society formation, as well as examining how
PAIF can be a service transforming realities. This article is justified by
considering the field of public policies as a building ground, and critical
reflection on the practice needs to be encouraged. From cultural-his-
torical authors, it discusses the human formation compared with other
men, and their integration into society, where the subject is built and
transforms himself. It also reads on the capitalist society, in order to de-
mystify the phenomenon of poverty, and understand the social inclusion
and exclusion as a dialectical phenomenon. It also discusses how the
family is served by public policies, and the contribution of Community
Recebido em Novembro de 2014
Aceite em Março de 2015 Psychology. Finally, the documents governing the PAIF are analyzed to
understand what the real purpose of the program is, how it intends to

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PEREIRA et al.

serve the families, and what social impacts are pro- único de assistência social enquanto política de
moted. Finally, it is concluded that PAIF can be both estado, bem como a contribuição teórico prática
an instrument of social transformation and the adap- da psicologia comunitária para a atuação nesses
tation of the population to the dominant and oppressi- espaços, ate chegar ao PAIF, compreendendo-o
ve logic, depending on how it is operationalized.
como um programa que, por atuar diretamente
Keywords: Public Policy; Basic Social Protection;
PAIF.
com as famílias e em seu território, pode contri-
buir para a superação da condição de vulnerabi-
INTRODUÇÃO lidade enfrentada.
O presente artigo justifica-se por se con-
No presente trabalho tem-se como objeto siderar o campo das políticas públicas um terre-
de estudo o Serviço de Proteção e Atendimento no em construção, e a reflexão crítica acerca da
Integral à Família (PAIF), apresentando os ob- prática precisa ser encorajada. O estudo e aper-
jetivos, a política e o público atendido junto ao feiçoamento do assunto foi despertado ao se
programa. O objetivo geral do artigo é verificar pensar na estrutura, assim como a prática dos
nas regulamentações legais o funcionamento do serviços de políticas públicas sócioassistenciais
PAIF no que tange aos objetivos, procedimentos e o quanto a atuação destes programas tem sido
e impactos esperados. Especificamente, preten- transformadora na vida dos usuários como po-
de-se compreender a partir da teoria histórico tencializadora de uma consciência autônoma e
cultural o processo de formação humana e a so- reflexiva em meio a realidade que se encontram,
ciedade, e ainda analisar o quanto o PAIF pode partindo então desta construção para uma refle-
ser um serviço transformador da realidade. xão da atuação do psicólogo no Serviço de Pro-
O PAIF configura-se como um serviço teção e Atendimento Integral às Famílias.
de atendimento à família dentro da proteção so-
cial básica. Para analisá-lo primeiramente é pre- A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E A
ciso discutir o sujeito que utiliza esse serviço, os FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO
conceitos teóricos que embasam a prática psico-
lógica, assim como a visão da própria psicologia A psicologia histórico cultural baseia-se
que se pretende utilizar para abordar os temas. no pensamento marxista, e outros pensadores
Pretende-se utilizar-se de autores da psi- materialistas dialéticos. De acordo com Marx a
cologia histórico cultural para explicar a inserção essência humana é o conjunto de suas relações
e a interação do ser humano na sociedade, lugar sociais, ou seja, o sujeito se constitui nas rela-
que, segundo autores como Vigotski, Leontiev e ções. Dessa forma, não basta analisar o indiví-
outros, o sujeito se constitui e cria sua história. duo isolado do contexto social e da sociedade
De acordo com a concepção histórica cultural, a como um todo, mas considerá-lo inserido em um
natureza do homem é a história. O ser se cons- complexo conjunto de relações sociais e em um
titui na história, é influenciado por ela e possui o determinado momento histórico (FACCI, 2011).
poder de criá-la, transformá-la. Vivencia e trans- Por volta de 1930 ao explanar sobre a
forma simultaneamente a história. crise da psicologia Vigotski (1996, apud FACCI
Pretende-se também desnaturalizar o 2011) afirma que existiam duas psicologias nes-
fenômeno da pobreza, compreendendo-a como sa época: uma tentava compreender o compor-
um reflexo das relações de produção na socie- tamento sem a psique, e outra que estudava a
dade capitalista, compreendendo que o público psique sem o comportamento. Para ele era ne-
atendido pelos programas sociais provém das cessário uma concepção marxista de homem,
classes menos abastadas da sociedade, e são mas que nesse momento ela ainda não existia
corriqueiramente estigmatizados e culpabiliza- em psicologia.
dos por sua situação, em suma atravessado De uma forma geral a psicologia não
pela lógica liberal da sociedade contemporânea. tem conseguido entender o sujeito e o desen-
Discute-se também a forma como a famí- volvimento da personalidade atrelado a suas
lia é incorporada às políticas públicas, também condições sociais, tendendo a compreendê-lo
atravessada ideologicamente, e culpabilizada como abstrato. A teoria histórico-cultural tem
pela condição de vulnerabilidade de seus mem- como objeto de estudo a consciência, e a expli-
bros. Discute-se a política que embasa a prática ca tomando como ponto de partida as funções
na assistência social, a constituição do sistema psicológicas do indivíduo. Vigotski classifica as

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funções psicológicas em elementares e supe- nas relações sociais.


riores. Ele parte do pressuposto de que todos Vigotski escreve que o ponto de partida
os seres são ativos e em constante interação da construção da subjetividade do sujeito são as
com as condições sociais, que se modificam por estruturas orgânicas, que uma vez desenvolvi-
meio do tempo, e a estrutura biológica do sujeito das pela maturação, formam estruturas casa vez
(LUCCI, 2006). mais complexas, dependendo da natureza das
Para Facci (2011) não existe nada na experiências que o indivíduo vive socialmente
personalidade do sujeito que não seja de domí- (LUCCI, 2006).
nio social e é necessário que suas particulari- O processo de desenvolvimento do su-
dades sejam compreendidas como essenciais, jeito segundo Vigotski segue duas linhas em sua
reconhecendo o caráter dialético da personali- gênese, sendo uma delas elementar, de origem
dade. biológica, e um processo superior de origem so-
Segundo Leontiev (1978) o homem nas- ciocultural. As funções psicológicas elementa-
ce com um corpo físico humanizado que o ca- res, de ordem biológica, podem ser encontradas
racteriza como sendo da espécie humana, mas em crianças e animais, e são caracterizadas por
só se tornará verdadeiramente humano por meio fenômenos reflexos ou respostas automáticas, e
do processo de humanização, que tem por es- que sofrem influência do ambiente externo. Por
sência a construção educativa, ou seja a apro- outro lado as funções psicológicas superiores
priação da história e do patrimônio humano his- são encontradas somente no homem. Tem como
toricamente acumulado. característica principal o caráter intencional das
O que caracteriza o homem como sendo ações, que são mediadas por instrumentos. As
da espécie humana é transmitido por herança funções psicológicas superiores são resultantes
genética, mas as características do gênero hu- da interação entre as funções elementares e os
mano são objetivadas social e historicamente, fatores e contingências culturais (LUCCI, 2006).
mediante um processo ativo que se realiza por Nesta perspectiva, Vigotski considera
meio das relações sociais concretas. Assim, as que as funções psíquicas são de origem socio-
relações sociais são a essência da personalida- cultural, resultante de interação do indivíduo e a
de (LEONTIEV, 1978). sociedade, mas que, apesar disso, só são pos-
Sendo as relações sociais a essência da síveis porque existe atividade cerebral. Mesmo
personalidade, não se pode estudá-la sem que que essas funções não tenham sua gênese no
se articule nas análises a sociedade que esse cérebro, precisam dele, pois estão ligadas as
indivíduo se insere, e os sujeitos que essa so- funções psicológicas elementares e aos proces-
ciedade produz. De acordo com Leontiev (1978) sos cerebrais, ou seja, o cérebro é parte consti-
é necessário analisar os comportamentos a par- tuinte de tais funções (LUCCI, 2006).
tir dos fatos históricos concretos. Ao passo que Cabe resaltar que o surgimento das fun-
o indivíduo cria história e produz subjetividade, ções psicológicas superiores não elimina as fun-
cria a sua própria personalidade, sua história e a ções elementares. Ocorre que as funções ele-
de sua sociedade. mentares são superadas pelo desenvolvimento
Dessa forma, Leontiev (1978) afirma que das funções superiores, mas não deixam de
tudo o que tem de humano no homem provém existir (LUCCI, 2006).
da sua interação, e de sua vida em relação com Segundo Vigotski o cérebro funciona de
outros homens, na cultura que é criada pela hu- acordo com influências filogênicas, ontogênicas
manidade. e sociogênicas. A base filogênica do funciona-
Baseado na teoria evolucionista de Da- mento cerebral compreende a história da espé-
rwin, Leontiev (1978) afirma que o ser humano, cie. A base ontogênica compreende o desenvol-
ao longo do tempo, evolui enquanto corpo fisioló- vimento individual do sujeito, em interação com
gico, até chegar no homo sapiens, que segundo o contexto físico e social, ou seja, a base socio-
ele possui todas as propriedades biológicas que gênica (LUCCI, 2006).
necessita para seu desenvolver sócio-histórico O desenvolvimento do sujeito acontece
ilimitado e dessa forma a vida do homem, em na medida em que interioriza as funções psi-
que a cultura tem importância cada vez maior, cológicas. Esse processo não segue um curso
não necessita de mudanças biológicas. Todo determinado e único, mas sim depende do de-
o desenvolver sócio-histórico posterior se dará senvolvimento cultural e se dá por meio de um

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processo de transformações qualitativas e dia- fisicamente. Permite abstrair, analisar e genera-


léticas. Cada estágio pressupõe um processo lizar características relativas aos objetos, e ain-
complexo de desintegração, integração e supe- da possui uma função comunicativa, de modo a
ração dialética (LUCCI, 2006). mediar a preservação, e transmissão de infor-
Quando fala-se em dialética materialista, mações, e conhecimentos historicamente acu-
toma-se como ponto de partida o pensamento de mulados. Em síntese, por meio da linguagem o
Karl Marx (1818-1883), no qual afirma que a rea- sujeito é capaz de regular seu pensamento, pla-
lidade está em constante transformação. Konder nejar suas ações, e se comunicar, reinterpretar
(2000), seguindo as ideias de pensadores dialé- as informações, conceitos e significados. Atra-
ticos, afirma que a mudança é inevitável. Sem- vés dela o sujeito materializa as significações
pre haverá uma contradição, que será superada, construídas no processo social e histórico, e a
tanto a nível de pensamento, quanto a nível de partir dessas significações, significa suas pró-
subjetividade. “A contradição é considerada pela prias experiências, construindo sua consciência
dialética como a unidade de contrários, ou seja, e mediando desse modo sua forma de sentir,
ela se constitui em tese e sua antítese, a ser su- pensar e agir.
perada pela uma síntese, qualitativamente dife- A linguagem possibilita ao sujeito apren-
rente de ambos” (LANE, 2002, pg. 11). der, apropriar a bagagem cultural acumulada
Tanto a realidade quanto a personalidade historicamente, e a partir disso construir sua
seguem um constante processo de transforma- subjetividade. De acordo com Vigotski, para que
ção, que pode ser lento em um dado momento, o sujeito possa desenvolver-se plenamente, ele
e acelerar-se em outro. Essas mudanças acu- depende da aprendizagem, sendo essa possível
mulam-se quantitativamente, até que a mudan- pela interação entre os membros de um determi-
ça qualitativa seja inevitável. Esse salto qualita- nado grupo social, mediado pela linguagem. Se-
tivo representa a superação dialética (KONDER, gundo ele a aprendizagem antecede o desenvol-
2000). vimento, sendo que quanto mais aprendizagem,
Vigotski discorre em sua teoria sobre o maior será o desenvolvimento, e quanto maior
conceito de mediação. A mediação, um dos prin- o desenvolvimento, maior será a capacidade do
cipais conceitos da psicologia histórico-cultural, sujeito de aprender (LUCCI, 2006).
é definida como o processo pelo qual um instru- Sabe-se que a herança biológica é trans-
mento intervém em uma relação. Esse princípio mitida pelos códigos contidos no genes. Mas, e
norteia todo o pensamento de Vigotski. O ser a herança cultural? De que forma se fixa ao lon-
se relaciona com o seu ambiente por meio dos go da história? Como é passada de geração em
instrumentos mediadores. O sujeito tem acesso geração ate chegar aos dias atuais?
aos sistemas simbólicos que representam a rea- De acordo com Leontiev (1978, pg. 265)
lidade, e é por meio dos instrumentos e da pala- a herança cultural humana se fixa por meio de
vra que ocorre o contato com a cultura (LUCCI, uma forma absolutamente peculiar, que só apa-
2006). rece na sociedade humana. Atividade esta que
Diante disso, a aquisição da linguagem ele conceitua como sendo a atividade fundamen-
constitui o momento mais significativo do desen- tal do ser humano, inovadora, criadora e produ-
volvimento cognitivo, representando um salto tiva: o trabalho. Através do trabalho o homem se
qualitativo nas funções superiores, sendo ela o adapta à natureza, e mais do que isso age sobre
principal mediador na formação e desenvolvi- ela de modo a adaptá-la às suas necessidades,
mento das funções psicológicas superiores. A transformá-la, e pode mediante o trabalho “fixar
partir da linguagem o ser humano pode inserir- os fenômenos externos da cultura material e
-se em um sistema simbólico capaz de organizar intelectual”para as gerações seguintes.
e contar a história do próprio homem. A partir da Facci (2011, pg. 8) afirma que ‘’o trabalho
linguagem nomeiam-se objetos, destacam-se é a essência psicologizada do homem abstrato’’.
suas qualidades, e se estabelece relações entre Segundo ela o trabalho constitui uma necessida-
os próprios objetos (LUCCI, 2006). de humana, considerado uma livre manifestação
Segundo Lucci (2006) a linguagem origi- de si.
na três grandes mudanças qualitativas no psi- Por meio do trabalho o ser humano cria
quismo do sujeito. Primeiramente permite lidar instrumentos para facilitar sua vida, como fer-
com objetos externos que não estão presentes ramentas, máquinas e computadores, e esse

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progresso na produção de bens materiais acom- 2012).


panha o desenvolvimento cultural. O conheci- De acordo com Codo (2012, p. 143) toda
mento acumulado pelos homens se materializa a mudança ocorrida nas relações de produção,
em seus produtos e desenvolve a ciência, a arte objetiva livrar o homem do feudalismo e “torná-lo
e a filosofia (LEONTIEV, 1978). livre para vender sua força de trabalho”. Mes-
A própria personalidade e subjetividade mo que a luta de classe e a exploração de uma
humana objetivam-se e cristalizam-se de cer- classe sobre a outra não tenha se iniciado nesse
ta forma nos seus produtos, sejam eles mate- período, o modo como a exploração acontece se
riais, intelectuais ou ideais, e todo o progresso altera radicalmente.
no aperfeiçoamento dos produtos do trabalho Pela primeira vez na história o homem
marca um novo estágio de desenvolvimento do se torna livre para vender sua força de trabalho.
próprio homem, a nível de habilidades corporais, Quando se fala em relação de trabalho na socie-
intelectuais etc. (LEONTIEV, 1978). dade capitalista, refere-se a forma como o traba-
Partindo dessa ideia Leontiev (1978) ex- lho se organiza, de modo a assumir a forma de
plica que cada geração inicia sua vida num mun- mercadoria, onde o objetivo maior é a extração
do onde os objetos e fenômenos já foram cria- da “mais valia”, termo usado por Marx que signi-
dos pela gerações anteriores, e que o indivíduo fica lucro (CODO, 2012).
se apropriará dos conhecimentos acumulados O trabalho é o único elo na cadeia pro-
participando do trabalho, e das diversas formas dutiva capaz de gerar mais valia, ou seja, o tra-
de atividade social, apropriando-se dos conhe- balho é comprado por um preço, e deve produzir
cimentos, e desenvolvendo as aptidões que se um valor maior do que custou. Dessa forma, o
cristalizam no mundo. Até mesmo o pensamento lucro do capitalista provém da exploração do tra-
e o saber de uma geração se constroem a partir balho alheio (CODO, 2012).
da apropriação do produto da atividade intelec- A estratificação social parte dessa lógica
tual das gerações anteriores. de relação de produção. O capitalista detentor
É importante salientar também que o dos meios de produção, do capital utilizado para
indivíduo não somente se apropria dos conhe- custear a produção, compra o trabalho daquele
cimentos acumulados, mas que também cria, que vende sua força de trabalho, e explora esse
transforma, multiplica e aperfeiçoa esse conhe- trabalho para gerar mais valia. Dentro dessa ló-
cimento por meio do trabalho. gica, quanto menor for o custo da força de tra-
De acordo com Leontiev (1978) o ser hu- balho, maior será o lucro do capitalista (CODO,
mano é colocado em contato com as riquezas 2012).
acumuladas ao longo dos séculos por sucessi- O trabalho na sociedade capitalista alie-
vas gerações, já que aquilo que essas gerações na o homem em si, perde sua especificidade e
criaram, passam à posteridade por meio do tra- se transforma em valor abstrato, confundindo-se
balho, a transmitem também o testemunho do com a moeda que o representa. A ação do ho-
desenvolvimento da humanidade. mem passa a ser regulada pelas leis do capi-
Em contrapartida, na sociedade capita- talismo, como a lei de mercado, da oferta e da
lista contemporânea o trabalho deixa de ser uma procura (CODO, 2012).
atividade de transcendência da personalidade A perda da identidade orgânica do ho-
humana para se tornar sua radical negação na mem com a natureza, ocorre a partir do capita-
forma de trabalho alienado. lismo, pois este se torna escravo do sistema. O
homem perde sua identificação com a natureza
A SOCIEDADE CAPITALISTA, AS RELAÇÕES e consequentemente da sua autonomia de ser,
DE PRODUÇÃO E O INDIVÍDUO submetendo sua força de trabalho aos meios de
produção e aos seus desígnios, impulsionando
A estratificação da sociedade contem- a utilização mecânica de seus recursos naturais
porânea não é natural, e faz parte de um pro- e colocando-o numa espécie de subordinação à
cesso histórico que nasce do rompimento com lógica capitalista, ou seja, a perda do domínio
o feudalismo, passando pelo capitalismo meta- sobre as técnicas agrícolas e a compreensão
lista, mercantil, revolução industrial e pós revo- dos processos naturais, distanciando-o assim
lução industrial, chegando aos dias atuais com da natureza a da sua autonomia (MARX, 1999).
a chamada terceira revolução industrial (CODO, O homem perde, então, em certo senti-

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do sua liberdade, já que os meios de produção da sociedade? Fica claro tal objetivo? O PAIF
não se encontram mais a seu alcance, e a única realmente estaria realizando função de suporte
coisa que lhe sobra é vender sua força de tra- para à superaração das condições de exclusão?
balho para esse sistema que lhe controla. Esse
homem perde sua identidade e essa lógica do A TRADIÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO
capitalismo pressupõe grandes contradições e SOCIAL COM FAMÍLIAS NA ASSISTÊNCIA
desigualdades. Uma dessas contradições é a SOCIAL
própria corrupção que existe dentro dele, esse
problema já se tornou macroeconômico, já que O modo como a família é incorporada à
afeta a saúde financeira do país e cria dificul- política pública reflete na organização dos ser-
dades adicionais ao financiamento de políticas viços e na proposição e organização do traba-
públicas voltadas para as áreas sociais, fazen- lho com as famílias no cotidiano dos serviços,
do com que esse sistema aniquile com o social programas e projetos. Em virtude da forma de
e permita uma forte individualização e centrali- organização da assistência social, historicamen-
zação do poder. Isso gera grandes desigualda- te marcada por atendimentos segmentados por
des não só físicas, mas também desigualdades categorias, fragmentados em problemáticas, os
morais, porque dependem de uma espécie de serviços foram dispostos a partir de “indivíduos-
convenção que é estabelecida, ou pelo menos -problemas” e “situações específicas”, como, por
autorizada, por esses homens, que consiste em exemplo, trabalho infantil, abandono, exploração
privilégios desses em prejuízo de outros (MARX, sexual, delinquência, dentre outras, não contem-
1999). plando a família como uma totalidade (MIOTO,
É preciso entender também que o traba- 2006).
lho formal na sociedade capitalista não é para Em relação às famílias pobres, subjacen-
todos. Entender a inclusão e a exclusão como tes à lógica da assistência social, estava a ideia
um processo dialético significa analisar que ne- de que a família é constitutiva do problema so-
nhuma delas é imutável, e que só existe inclusão cial, e de que seus responsáveis não tinham ca-
porque existe exclusão. Dentro da sociedade pacidade de educar as crianças, proteger seus
brasileira, capitalista e profundamente desigual, membros da marginalidade, da promiscuidade e
para que uma minoria disponha dos bens e dos dos vícios.
benefícios do desenvolvimento econômico, ou- São, assim, consideradas incapazes, de-
tra parte da população precisa viver na misé- vido a sua debilidade, desagregação conjugal,
ria. Para que a mão de obra seja barateada é à pobreza, dentre outros, cabendo ao Estado,
preciso que exista um certo número de pessoas nessas situações limites, livrá-las dos riscos, por
desempregadas e excluídas das relações de tra- via da institucionalização, com o afastamento do
balho e que, sedentas por incluírem-se nessas ambiente familiar, assim “legitimando as inter-
relações, submetam-se a condições de trabalho nações, as reclusões, os asilamentos, tomadas
sub humanas, mal remuneradas e sob longas também como medidas de segurança para a fa-
jornadas de trabalho (SAWAIA, 2001). mília e sociedade” (FONTENELE, 2007, p. 49).
Diante disso, tem-se a naturalização do As medidas e políticas sociais que afe-
fenômeno da exclusão. Nesse fenômeno ocorre tavam a família, geralmente, reproduziam con-
seu reforço e reprodução tanto no nível social cepções idealizadas de família-padrão, “normal”
como individual da dialética exclusão-inclusão e os papéis clássicos entre seus membros, dis-
implicando numa fragilização dos vínculos so- criminando as outras organizações familiares e
ciais. Por outro lado, a estigmatização da pobre- mantendo a associação família irregular/pobre-
za faz os direitos serem transformados em favor za.
das elites dominantes, ratificando a exclusão A família “normal” – a nuclear tradicional,
(SAWAIA, 2001). tomada como padrão - ou as famílias eram de-
São esses os indivíduos atendidos pelos finidas segundo a presença de um casal hete-
programas sociais. Sujeitos excluídos das rela- rossexual e sua prole, concepção difundida por
ções de trabalho, ou alienados por essas rela- várias disciplinas científicas, como, por exemplo,
ções. Refletindo sobre o que determina a política a Psicologia e os Terapeutas Familiares, Psica-
em sua regulamentação na tipificação levanta- nálise, dentre outras. Para essas disciplinas, a
-se o questionamento: o PAIF é transformador maior parte das outras formas de composição

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familiar ou era encarada como patológica, in- mica da extensão da agenda pública para os no-
completa, insuficiente, ou era simplesmente in- vos direitos sociais, inclusive, não contributivos”
visível. (FONTENELE, 2007, p. 50). (SPOSATI, 2004, p. 39).
Mioto (2006) sintetiza o trabalho social Permite ampliar o alcance da cidadania,
com família baseado em: a) Concepções este- ainda que em uma sociedade de desigualdades,
reotipadas de famílias e papéis familiares, cen- rompendo com a tendência de inclusão no sis-
trados na noção de família padrão e as demais tema de proteção social via cidadania regulada.
como “desestruturadas’, com expectativas das Santos (1987) destaca que a cidadania regulada
clássicas funções alicerçadas nos papéis atri- é a denominação do arranjo de proteção social
buídos por sexo e lugar nos espaços público e que outorga o estatuto da cidadania apenas aos
privado; b) Prevalência de propostas residuais, membros da comunidade nacional, localizados
dirigindo-se a determinados problemas, seg- em ocupações reguladas pelos preceitos legais,
mentados e fragmentados da totalidade social, como a legislação trabalhista sendo, portanto,
tomados como “desviantes”, “patológicos” e su- estratificada por ocupação. Os usuários da as-
jeitos ao trabalho psicossocial individualizante sistência social eram considerados subcidadãos
e terapêutico, para cujo diagnóstico e solução - por destinar-se aos sem trabalho - e todos
envolve-se a família, responsabilizada pelo fra- aqueles cujo trabalho a lei desconhecia.
casso na socialização, educação e cuidados Historicamente a Assistência Social foi
de seus membros; c) Focalização nas famílias desenvolvida no Brasil por mulheres que orga-
em situação-limite, em especial nas “mais der- nizavam ações de cunho caritativo e assisten-
rotadas”, “incapazes”, “fracassadas”, e não em cialista. Ao longo dos anos, como fruto de mui-
situações cotidianas da vida familiar, com ações ta luta de profissionais e movimentos sociais, a
preventivas e na oferta de serviços que deem Assistência Social é promulgada como política
sustentabilidade às famílias.Nessa perspectiva, pública. Estabelecida pela Lei nº 8.742 de 07 de
o trabalho social com famílias dirigiu-se às cha- dezembro de 2003, a Lei Orgânica da Assistên-
madas famílias “desestruturadas”, “incapazes”, cia Social constituiu um avanço nas políticas pú-
trabalhando com o paradigma da patologia so- blicas do país (SPOSATI, 2004).
cial e com os recursos terapêuticos do trabalho Impulsionada pelo caráter democrático
psicossocial individualizante. da Constituição Federal de 1988, a Assistência
Ainda segundo Mioto (2006) as práticas Social passou a fazer parte do tripé da Seguri-
socioeducativas dirigidas aos grupos de família dade Social, sendo uma política não contributiva
dos segmentos atendidos, quando não institucio- de direito do cidadão que dela precisar.
nalizados ou retirados do convívio familiar, eram Posteriormente, tem-se a elaboração da
desenvolvidas em uma dimensão normatizadora Política Nacional de Assistência Social conquis-
e disciplinadora (dimensão moral e doméstica, tada após a IV Conferência Nacional de Assis-
geralmente dirigidas às mulheres). tência Social realizada em dezembro de 2004,
Nesses casos, como destaca Mioto tendo como significativo avanço a efetivação do
(2006), a família é tomada como parte do proble- sistema descentralizado e participativo a Políti-
ma cuja solução e dificuldades estavam centra- ca de Assistência Social. A partir de então a As-
das nela própria; e assim fortalece-se, direita ou sistência Social está definitivamente inserida no
indiretamente, uma visão da família como pro- campo das políticas públicas brasileiras.
dutora de patologias,buscando sua pacificação De acordo com Sposati (2004):A prote-
artificial. ção social na Assistência Social inscreve-se,
portanto, no campo de riscos e vulnerabilidades
POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SO- sociais que, além de provisões materiais, deve
CIAL/2004 afiançar meios para o reforço da auto estima,
autonomia, inserção social, ampliação da resi-
Para Sposati (2004), a assistência social liência dos conflitos, estímulos à participação,
definida na legislação é uma das ferramentas equidade, protagonismo, emancipação, inclusão
para ativar um novo contrato social na direção social e conquista da cidadania.
da inclusão dos excluídos, parte fundamental do Dessa forma, para Sposati (2004) a
sistema de proteção social brasileiro. “Não há PNAS vem definir parâmetros para as ações
dúvida que a assistência social opera na dinâ- desenvolvidas pela assistência social e visando

Akrópolis, Umuarama, v. 23, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015 65


PEREIRA et al.

à efetivação dos direitos, já concretizados pela acordo com o SUAS (BRASIL, 2005b, p. 19-20)
Constituição Federal. Pode-se dizer então que a vigilância social:
após a IV Conferência Nacional de Assistência
Social em dezembro de 2003, houve um signifi- […] consiste no desenvolvimento da capaci-
cativo avanço na efetivação do sistema descen- dade e de meios de gestão assumidos pelo
tralizado e a partir de então a Assistência Social órgão público gestor da assistência social
está definitivamente inserida no campo das polí- para conhecer a presença das formas de vul-
nerabilidade social da população e do territó-
ticas públicas brasileiras.
rio pelo qual é responsável […] O sistema de
Assume ainda uma visão de proteção vigilância de assistência social é responsável
social, visando a identificar os riscos e vulnera- por detectar e informar as características e
bilidades produzidos pela desigualdade social e dimensões das situações de precarização
intervir nesta realidade. Da mesma forma reco- que vulnerabilizam e trazem riscos e danos
nhece que a população possui capacidades e aos cidadãos, a sua autonomia, socialização
competências, valores e experiências, os quais e ao convívio familiar.
devem ser valorizados e considerados importan-
tes para a promoção e emancipação (SPOSATI, A vigilância sócio-assistencial está ligada
2004). em criar indicadores das situações de vulnerabi-
Os princípios estabelecidos na PNAS lidade e risco social e pessoal, buscando apre-
(2004) denotam compromisso em garantir o ender/conhecer o dia-a-dia da vida das famílias.
acesso a todos os direitos dos cidadãos, respei- A defesa social e institucional está ligada com a
tando sua autonomia e socializando as informa- articulação da política de assistência social com
ções acerca dos direitos sociais. As funções da as demais políticas sociais que são “voltadas à
PNAS (2004) são a vigilância social, a defesa garantia de direitos e de condições dignas de
social e institucional e a Proteção Básica e Pro- vida” (BRASIL, 2005b, p.19).
teção Especial. A Vigilância Social consiste em Ademais, a rede sócio-assistencial ar-
um sistema de informações sobre a realidade ticulada em defesa dos direitos de cidadania:
dos usuários de um determinado território. Deve Considera o cidadão e a família não como obje-
estar organizada em âmbito municipal, estadual to de intervenção, mas como sujeito protagonis-
e federal, sendo parte extremamente importante ta da rede de ações e serviços; Abre espaços e
para elaboração de diagnósticos e avaliações. oportunidades para o exercício da cidadania ati-
A Política Nacional de Assistência Social va no campo social, atuando sob o princípio da
tem um caráter inovador, pois avança no sentido reciprocidade baseada na identidade e reconhe-
de se consumar como política pública que reco- cimento concreto; Sustenta a auto-organização
nhece a questão social como uma situação cole- do cidadão e da família no desenvolvimento da
tiva da sociedade capitalista e busca superar as função pública (BRASIL, 2005b).
práticas focalizadas e assistencialistas (PNAS, Assim, verifica-se o cuidado da Política
2004). Nacional de Assistência Social em respeitar os
cidadãos e as famílias, reconhecendo-os como
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – sujeitos se sua própria história, dotados de ex-
SUAS periências e valores e capazes de construir mu-
danças. A proteção social de assistência social
A deliberação do Sistema Único de Assis- segundo a NOB/SUAS (2005a, p.16)
tência Social advém da IV Conferência Nacional
de Assistência Social que foi realizada em de- […] consiste no conjunto de ações, cuidados,
zembro de 2003 a qual visa um “reordenamento atenções, benefícios e auxílios ofertados
pelo SUAS para redução e prevenção do im-
da gestão das ações descentralizadas e partici-
pacto das vicissitudes sociais e naturais ao
pativas de assistência social no Brasil” (BRASIL, ciclo da vida, à dignidade humana e à família
2005b, p. 09), ou seja, um único modelo de ges- como núcleo básico de sustentação afetiva,
tão integrando as três esferas de governo. biológica e relacional.Assim, a proteção tem
O SUAS consolida a PNAS, bem como por princípios a matricialidade sócio-familiar,
organiza e estrutura as funções assistenciais no a territorialização, a proteção pró-ativa, a in-
que tange a proteção social, a vigilância social tegração à seguridade social e a integração
e a defesa dos direitos sócio-assistenciais. De às políticas sociais e econômicas, tem ain-

66 Akrópolis, Umuarama, v. 23, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015


Paif: adaptação ou...

da por garantia a segurança de acolhida, a ações de fragilidade. Assim, realiza ações com
segurança social de renda, a segurança do famílias que possuem pessoas que precisam
convívio ou vivência familiar, comunitária e de cuidado, com foco na troca de informações
social, a segurança do desenvolvimento da sobre questões relativas à primeira infância, à
autonomia individual, familiar e social e a
adolescência, à juventude, ao envelhecimento e
segurança de sobrevivência a riscos circuns-
tanciais.
deficiências a fim de promover espaços para tro-
ca de experiências, expressão de dificuldade se
SERVIÇO DE PROTEÇÃO E ATENDIMENTO reconhecimento de possibilidades. Tem por prin-
INTEGRAL À FAMÍLIA (PAIF) cípios norteadores a universalidade e gratuidade
de atendimento, cabendo exclusivamente à es-
O Serviço de Proteção e Atendimento fera estatal sua implementação. Serviço oferta-
Integral à Família (PAIF) é um trabalho de cará- do necessariamente no Centro de Referência de
ter continuado que visa a fortalecer a função de Assistência Social (CRAS) (BRASIL, 2009).
proteção das famílias, prevenindo a ruptura de O PAIF visa em seu programa fortalecer
laços, promovendo o acesso e usufruto de direi- a assistência social como direito social de cida-
tos e contribuindo para a melhoria da qualidade dania; respeitar a heterogeneidade dos arran-
de vida. jos familiares e sua diversidade cultural; rejeitar
Além do fortalecimento da função pro- concepções preconceituosas, que reforçam de-
tetiva da família dentre os objetivos do PAIF, sigualdades no âmbito familiar; respeitar e pre-
destacam-se; a prevenção da ruptura dos vín- servar a confidencialidade das informações re-
culos familiares e comunitários; a promoção de passadas pelas famílias no decorrer do trabalho
ganhos sociais e materiais às famílias; a promo- social; utilizar e potencializar os recursos dispo-
ção do acesso a benefícios, programas de trans- níveis das famílias no desenvolvimento do tra-
ferência de renda e serviços socioassistenciais; balho social; utilizar ferramentas que contribuam
e o apoio a famílias que possuem, dentre seus para a inserção efetiva de todos os membros da
membros, indivíduos que necessitam de cuida- família no acompanhamento familiar (BRASIL,
dos, por meio da promoção de espaços coletivos 2014).
de escuta e troca de vivências familiares (BRA- É importante que as ações do PAIF se-
SIL, 2014). jam adequadas às experiências, situações,
Essas ações são desenvolvidas por meio contextos vividos pelas famílias. Portanto, ao
do trabalho social com famílias, apreendendo as implementá-las cabe refletir sobre o tipo de fa-
origens, os significados atribuídos e as possibi- mília a que a ação se destina e se ela terá algum
lidades de enfrentamento das situações de vul- significado.
nerabilidade vivenciadas, contribuindo para sua O PAIF teve como antecedentes o Pro-
proteção de forma integral (BRASIL, 2014). grama Núcleo de Apoio à Família (NAF - 2001),
Constituindo-se em um dos principais e o Plano Nacional de Atendimento Integrado à
serviços que compõem a rede de proteção so- Família (PNAIF- 2003). Em 2004, o MDS, apri-
cial de assistência social o PAIF concretiza a morou essa proposta com a criação do Progra-
presença e responsabilidade do poder público e ma de Atenção Integral à Família (PAIF). Em 19
reafirma a perspectiva dos direitos sociais, que de maio de 2004, com o decreto 5.085 da Pre-
vem se consolidando no país de modo descen- sidência da República, o PAIF tornou-se “ação
tralizado e universalizado, combatendo a po- continuada da Assistência Social”, passando a
breza, a fome e a desigualdade, assim como, a integrar a rede de serviços de ação continuada
redução da incidência de riscos e vulnerabilida- da Assistência Social financiada pelo Governo
des sociais que afetam famílias e seus membros Federal. Em 2009, com a aprovação da Tipifica-
(BRASIL, 2014). ção Nacional dos Serviços Socioassistenciais, o
Portanto, o PAIF tem como público famí- Programa de Atenção Integral à Família passou
lias em situação de vulnerabilidade social. Entre a ser denominado Serviço de Proteção e Atendi-
os prioritários no atendimento estão os benefi- mento Integral à Família, mas preservou a sigla
ciários que atendem aos critérios de participa- PAIF. Esta mudança de nomenclatura enfatiza o
ção de programas de transferência de renda e conceito de ação continuada, estabelecida em
benefícios assistenciais e pessoas com defici- 2004, bem como corresponde ao previsto no
ência e/ou pessoas idosas que vivenciam situ- Art. 23 da Lei Orgânica de Assistência Social –

Akrópolis, Umuarama, v. 23, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015 67


PEREIRA et al.

LOAS (BRASIL, 2014). - Vivenciar experiências potencializadoras da


Na Tipificação Nacional de Serviços So- participação cidadã, tais como espaços de li-
cioassistenciais,( BRASIL, 2009) conceitua-se vre expressão de opiniões, de reivindicação
o PAIF como “trabalho social com famílias”. O e avaliação das ações ofertadas, bem como
de espaços de estímulo para a participação
trabalho social com famílias no âmbito do PAIF
em fóruns, conselhos, movimentos sociais,
consiste em um conjunto de procedimentos im- organizações comunitárias e outros espaços
plementados por profissionais, a partir de pres- de organização social;
supostos éticos, conhecimento teórico-metodo- - Vivenciar experiências que contribuam para
lógico e técnico-operativo. Ele tem por objetivo a construção de projetos individuais e cole-
contribuir na e para a convivência de um conjun- tivos, desenvolvimento da autoestima, auto-
to de pessoas unidas por laços consanguíneos, nomia e sustentabilidade;
afetivos e/ou de solidariedade, a fim de proteger - Vivenciar experiências que possibilitem o
seus direitos, apoiá-las no desempenho da sua desenvolvimento de potencialidades e am-
função de proteção e socialização de seus mem- pliação do universo informacional e cultural;
- Ter reduzido o descumprimento de condicio-
bros, bem como assegurar o convívio familiar e
nalidades do Programa Bolsa Família (PBF);
comunitário de maneira “preventiva, protetiva e - Ter acesso à documentação civil;
proativa”. É por meio do trabalho social que o - Ter acesso à experiências de fortalecimento
PAIF, no âmbito da Proteção Social Básica do e extensão da cidadania;
SUAS contribui para a materialização da respon- - Ter acesso à informações e encaminhamen-
sabilidade constitucional do Estado de proteger tos a políticas de emprego e renda e a pro-
as famílias (BRASIL, 2014). gramas de associativismo e cooperativismo.
A Tipificação Nacional de Serviços So-
cioassistenciais, (BRASIL, 2009) apresenta im- Quanto ao tempo de permanência não
pactos que são esperados com andamento das há um período máximo de permanência das
atividades do PAIF como: famílias no serviço. Mas, é necessário avaliar
os casos em que as equipes têm dificuldades
- Redução da ocorrência de situações de vul- para desligar as famílias, partindo do critério do
nerabilidade social no território de abrangên- cumprimento dos objetivos das ações propostas
cia do CRAS; no CRAS ou em sua rede socioassistencial. O
- Prevenção da ocorrência de riscos sociais, desligamento deve ser planejado e realizado de
seu agravamento ou reincidência no território
maneira progressiva, com acompanhamento fa-
de abrangência do CRAS;
miliar por período determinado para verificar a
- Aumento de acessos a serviços socioassis-
tenciais e setoriais; permanência dos efeitos positivos das ações,
- Melhoria da qualidade de vida das famílias tendo como referência os resultados esperados.
residentes no território de abrangência do
CRAS. PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA E
SUAS/CRAS: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO
Desenvolve ainda atividades como: pa-
lestras, campanhas socioeducativas, oficinas de É possível estabelecer uma relação da
convivência, ações de capacitação e inserção constituição histórica e o campo de atuação
produtiva. Os grupos do PAIF têm abordagem da Psicologia Social Comunitária, e do SUAS/
interdisciplinar que articulam: cidadania, víncu- CRAS, uma vez que essas áreas do conheci-
los familiares, processos grupais, comunidade mento são frutos de construções históricas da
(BRASIL, 2014). sociedade em determinadas épocas, caracteri-
Com a execução do PAIF segundo a Tipi- zadas por formas singulares de acumulação do
ficação Nacional de Serviços Socioassistenciais, capital, abrangendo as interações dos indivídu-
(2009) são esperados o desenvolvimento da au- os com a sociedade, no qual, os sujeitos são ex-
tonomia; cluídos da cidadania.
Góis (1988) afirma que a Psicologia So-
- Vivenciar experiências pautadas pelo res- cial Comunitária vem estudar os processos e as
peito a si próprio e aos outros, fundamenta- propriedades do psiquismo decorrentes da vida
das em princípios ético - políticos de defesa em comunidade. Sua aplicação visa ao desen-
da cidadania e justiça social;
volvimento da consciência dos moradores como

68 Akrópolis, Umuarama, v. 23, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015


Paif: adaptação ou...

sujeitos históricos, seu objeto de estudo é o re- sentação social, que busca saber como o grupo
flexo psíquico da vida comunitária, a imagem humano:
ativa das relações da comunidade no psiquis-
mo e o aprofundamento da consciência. Dessa “constrói um conjunto de saberes que
forma, esta Psicologia vem a ser uma ciência expressam a identidade de um grupo social, as
comprometida com a realidade estudada, es- representações que ele forma sobre uma diver-
pecialmente com os excluídos (SAWAIA, 1998), sidade de objetos, e principalmente o conjunto
comprometimento que possui relação direta com dos códigos culturais que definem, as regras de
os trabalhos visados e executados pelo CRAS, uma comunidade” (OLIVEIRA; WERBA, 2002, p.
que atua com grupos, famílias e indivíduos em 107);
seu contexto comunitário, e visa o direito à pro-
teção social, garantindo a segurança de sobre- Alteridade, entendida como “o relacio-
vivência, de acolhida, e do convívio ou vivência nar-se com o outro, diferente de mim, mas reco-
familiar (MDS, 2004). Portanto, a Psicologia So- nhecido por mim como uma pessoa com direitos
cial Comunitária acolhe, também, como público, iguais aos meus e valorizada enquanto sujeito”
o sujeito singular e a vulnerabilidade no contexto (CAMARGO-BORGES; CARDOSO, 2005, p.
social em que está inserido, seus recursos sim- 29), e o conceito de identidade, “conhecimento
bólicos e afetivos, bem como a disponibilidade de si dado pelo reconhecimento recíproco dos
para se transformar e dar conta de suas atribui- indivíduos identificados através de um determi-
ções, público este acolhido pelo SUAS/CRAS nado grupo social que existe objetivamente, com
(MDS, 2004). sua história, suas tradições, suas normas, seus
Essa Psicologia, segundo Freitas interesses, etc.” (LANE, 1994b, p. 64), pois, a
(1998a), privilegia o trabalho com grupos, ma- Psicologia sócio-histórica se dá na intersecção
neira igualmente proposta pelo CRAS, e enfati- da história pessoal com a história da sociedade.
za a elaboração de uma teoria e prática pautada Ao entrar na comunidade, o psicólogo
em valores, como ética da solidariedade, resga- deve estar ciente que lidará com um sujeito con-
te dos direitos humanos fundamentais e busca creto, inserido numa realidade sócio-histórica-
da melhoria da qualidade de vida, que também -cultural, tendo no cotidiano seu espaço vital,
são preceitos do CRAS (CAMPOS, 1998). portanto, opta-se por se pensar em uma meto-
A PNAS (MDS, 2004) afirma que um dos dologia cujos objetivos são definidos a posteriori
focos principais das ações do CRAS é a pre- e o trabalho pensado e formulado juntamente
venção das situações de risco, tendo em vista com a população (FREITAS, 1998b).
o fortalecimento do convívio e desenvolvimento Gobbi (2004) afirma que este processo
da qualidade de vida familiar-comunitário, que é inicia-se com a inserção efetiva do psicólogo na
ação central das atividades desenvolvidas pelo comunidade, cujo início baseia-se na construção
psicólogo social comunitário. Assim, observa-se de um vínculo, configurado por uma parceria, na
que qualquer forma de intervenção em um grupo qual comunidade e interventor têm igualdade de
familiar precisa levar em consideração sua sin- importância no processo.
gularidade no contexto social em que se encon- Esse momento poderá ocorrer como uma
tra, e o psicólogo vem intervir neste cenário de pesquisa participante, no qual o pesquisador e o
questões psicossociais que caracterizam esses grupo trabalham juntos, portanto é importante o
sujeitos (SCARPARO & GUARESCHI, 2007). reconhecimento do território físico e social da re-
Para entender melhor a atuação do pro- gião (igrejas, escolas, entidades, empresas, co-
fissional de Psicologia no âmbito do CRAS se faz mércios, dentre outros), da cultura e subcultura
necessário a compreensão de alguns conceitos local (fatos e história) e da clientela em si (perfil
centrais do trabalho deste profissional, como o dos usuários do CRAS). Esse processo mostra-
processo de conscientização, que consiste se- rá uma série de problemáticas, alvo do trabalho
gundo Campos (1998, p. 11) em “trabalhar com do psicólogo no CRAS (GOBBI, 2004).
os grupos populares para que se tornem cons- Cabe ao profissional de psicologia auxi-
cientes das determinantes sociopolíticas de sua liar e colaborar com a comunidade, buscando,
situação e ativos na busca de soluções para os juntamente com os usuários, estabelecer os
problemas” para que assumam progressivamen- objetivos prioritários, visando desde o início à
te seu papel de sujeitos de sua história; repre- participação destes, pois são eles os sujeitos

Akrópolis, Umuarama, v. 23, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015 69


PEREIRA et al.

capazes de colocar em prática ações que possi- seja viável e haja uma participação e interesses
bilitem a melhoria de seu bem estar psicossocial. concretos dos mesmos, que deve ser fomentado
Tal priorização de objetivos será necessária para através do diálogo, da reflexão e apropriação de
a elaboração de projetos, atendendo às deman- sua realidade, reforçando as potencialidades e
das já levantadas, levando em consideração as iniciativas dos sujeitos, para que deem continui-
atribuições próprias da burocracia da Assistên- dade ao trabalho, pois um dos objetivos, postu-
cia Social ou de políticas específicas, que são lado no PNAS (MDS, 2004) é justamente esta
executadas constantemente, e, portanto devem criação de possibilidades.
ser respeitadas e mantidas (GOBBI, 2004).
A partir disso, inicia-se a fase de imple- CONSIDERAÇÕES FINAIS
mentação e execução dos projetos, elaborados
a partir das demandas comunitárias, que neces- O PAIF configura-se como o principal
sitam ter metas claras. Como é apresentado pe- serviço dentro da proteção social básica, de-
los documentos que regem o CRAS, esses pro- senvolvido nos CRAS, Centro de Referência de
jetos devem se materializar, de preferência, por Assistência Social, sendo que todos os serviços
meio de trabalhos grupais, no qual o profissional subjacentes da proteção social básica devem
de psicologia poderá fazer uso de uma das te- estar articulados a este serviço.
orias existentes, que o qualifique, oriente e dê O serviço tem como público alvo famílias
suporte. Nesses trabalhos deverão ser focados em situação de vulnerabilidade social decorren-
os conceitos, já apresentados, da Psicologia So- te da situação de pobreza, e tem como objeti-
cial Comunitária, respeitando-se a identidade e vos principais a superação dessa condição, de
a alteridade do sujeito, na sua qualificação em modo a promover a melhoria de sua qualidade
busca de autonomia (GOBBI, 2004). de vida, respeitando a heterogeneidade das fa-
É importante enfatizar que as responsa- mílias atendidas, pautando-se no respeito e na
bilidades e ações deverão ser compartilhadas horizontalidade das relações.
entre o profissional e o grupo, pois se espera Na descrição do PAIF consta que o traba-
proporcionar uma atividade humana de respeito lho social com famílias, feito por meio da articu-
ao outro, no qual as pessoas possam criar vín- lação com a rede, permite aos usuários apreen-
culos saudáveis, reconhecendo suas potenciali- der as origens das situações de vulnerabilidade
dades de atuação. Esses preceitos necessitam vivenciadas pelas famílias assim como levantar
ser enfatizados durante o processo, para que o possibilidades de enfrentamento de tais condi-
grupo, com o tempo, comece a assumir integral- ções. Em outro trecho da Tipificação ( BRASIL,
mente as ações que vem sendo realizadas, bus- 2009) encontra-se o impacto social que o serviço
cando sua progressiva independência, que é po- pretende obter, sendo este, reduzir a ocorrência
sitiva tanto para a equipe, que poderá se dedicar de situações de vulnerabilidade, prevenção da
a outros projetos, quanto ao grupo, que estará ocorrência de riscos sociais, e ainda promover o
mudando sua realidade. Busca-se, portanto, de- acesso a serviços assistenciais e a melhoria da
senvolver sujeitos autônomos, comprometidos qualidade de vida das famílias atendidas.
com sua realidade, pois, ao criar possibilidades, Com relação ao trabalho social, entende-
estes poderão sair da situação de vulnerabilida- -se que apreender de fato as origens das situa-
de social em que se encontram. Após essa fina- ções de vulnerabilidade, especialmente no que
lização, a equipe retorna à fase inicial, revendo tange a pobreza, significa entender os meca-
projetos já pensados e formulando novos, reini- nismos que a fazem existir. Inicialmente, preci-
ciando o planejamento e implementando novo(s) samos entender de onde surge o fenômeno da
projeto(s) (GOBBI, 2004). pobreza, compreendendo-o como um fenômeno
O grupo comunitário poderá retomar con- inerente à própria organização da sociedade ca-
tato com o CRAS, mas as características devem pitalista, onde a minoria detentora dos meios de
ser diferentes. Para que não haja um retrocesso produção concentra a maioria da renda e das
no processo, a ajuda poderá ocorrer em forma riquezas, gerando desigualdades e exclusão
de auxílios ou consultoria, mas sem retornar a social. De acordo com Oliveira (2012), o Brasil
coordenação do trabalho. É importante salientar é um dos países mais desiguais do mundo. A
a necessidade de se buscar um grupo que vise economia nacional é a oitava maior do mundo
à continuidade do trabalho, no qual o objetivo em 2010, e nesse mesmo ano foi o terceiro com

70 Akrópolis, Umuarama, v. 23, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015


Paif: adaptação ou...

maior desigualdade social, medido pelo índice sociais às famílias, promovendo o protagonismo
de Gini. Esses dados expõem a desigualdade, e a autonomia. Em contrapartida não se fala em
na medida em que se constata que os 50% mais alguma outra parte por quais meios esse objeti-
pobres da população concentram apenas 17,8% vo será alcançado, tampouco de transformação
da riqueza nacional. social, o qual julga-se ser necessário para tal fim.
A pobreza e a exclusão social são fe- Entende-se que as transformações so-
nômenos sociais subjacentes à lógica do capi- ciais só se tornam possíveis quando a ideologia
tal, da estratificação social e da divisão social que sustenta as práticas opressoras são rompi-
do trabalho. Dessa forma, a partir dos autores das, e quando toma-se consciência da alienação
consultados, como Bader Sawaia(1998, 2001), e de toda a lógica opressora. Esse ponto consis-
Wanderley Codo (2012), Martin Baró (1996) e te, na visão do grupo, o principal compromisso
outros, e da consequente apropriação de suas ético político do trabalho do psicólogo no campo
ideias compreende-se que para que haja de fato das políticas públicas: O processo de conscien-
a superação das condições de vulnerabilidade e tização.
risco a que estão submetidas as famílias aten- Estas ideias encontram respaldo nas de
didas pelo PAIF, principalmente no que tange a Martin Baró (1996), quando propõe como hori-
pobreza, é preciso que se rompa com a lógica zonte da práxis psicológica a conscientização,
central do próprio sistema capitalista, ou seja, auxiliando a comunidade a superar sua iden-
a lógica da exclusão. É preciso que se rompa tidade alienada, tanto pessoal quanto social.
com a própria forma como a sociedade se orga- Aceitar a conscientização como horizonte não
niza, como bem pontua Sawaia (2001), de modo exige tanto mudar o campo de trabalho, mas a
que para que alguns desfrutem dos benefícios perspectiva teórica e prática a partir da qual se
de uma sociedade rica, outros precisam viver as trabalha. Pressupõe que o psicólogo recoloque
margens dessa mesma sociedade. seu conhecimento e sua práxis, assuma a pers-
Neste ponto, a Tipificação e o PAIF po- pectiva das maiorias populares e opte por acom-
dem parecer inovadores e revolucionários, se panhá-las no seu caminho histórico em direção
analisados dessa forma, mas a questão é que à libertação.
a própria política não expõe de forma clara os A partir da conscientização o ser humano
meios que possibilitem chegar aos referidos pode transformar-se ao transformar sua realida-
fins. Compreende-se que tais objetivos só se- de, dialeticamente, ativamente. Entende-se que
riam possíveis de se tornarem realidade se as por meio da conscientização e do processo de
condições macrossociais e macropolíticas que transformação ativa por parte do sujeito, estar-
determinam o fenômeno da pobreza fossem al- -se-ia de fato promovendo a autonomia deste,
terados. sobre sua vida e sua história. A transformação
Em momento algum na política fala-se da realidade parte de um novo saber de si e do
em transformação social, em mudança de fato- mundo, e de transformação da relação entre os
res concretos que atravessam o cotidiano das homens. Martin Baró (1996) fala que apesar de
famílias, e se de alguma maneira fala-se, é feito a simples consciência sobre a realidade não ga-
de uma maneira sutil e inespecífica. Isso pode rantir de fato mudanças sociais, tais mudanças
ser observado nos objetivos que dispõe a Tipifi- só tem possibilidades reais de ocorrerem quan-
cação. Fala-se em melhorar a qualidade de vida do se rompe com a alienação.
da família, mas responsabilizando-a por sua fun- É preciso levar em consideração que a
ção protetiva. O olhar ainda é voltado para o in- Política Nacional de Assistência Social, a cons-
divíduo, para a família descolada do meio social. tituição de 1988, e demais diretrizes e políticas
De uma forma geral, pode-se perceber em todos que regem a Assistência Social no Brasil consti-
os outros objetivos um caráter conservador, pois tuem avanços significativos no que diz respeito
o foco é apenas a família, e não as situações ao combate a fome e a pobreza extrema. Mas,
concretas pelas quais a família precisa conviver não se pode parar por aí, ainda há muito a ser
em seu cotidiano, e percebe-se ainda um caráter feito para que se tenha uma sociedade igualitá-
assistencialista. ria e justa.
Dentre os objetivos, o que mais se apro- Também considera-se que o campo de
xima de um caráter inovador, é aquele que diz atuação na Política de Assistência Social é um
que o programa pretende promover aquisições terreno em construção. Não existem modelos

Akrópolis, Umuarama, v. 23, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015 71


PEREIRA et al.

anteriores para basear a atuação nesses espa- Acesso em: 20 out. 2014.
ços. Daí a importância de se repensar dialetica-
mente a práxis, para que a própria atuação não ______. ______. Norma operacional básica
se cristalize, e para que não se caia na armadi- da Assistência Social (NOB\SUAS). Brasília:
lha de reproduzir a lógica estabelecida. MDS\SNAS, 2005a.
Os documentos que descrevem o PAIF,
apesar de serem conservadores, deixam lacu- ______. Sistema Único de Assistência
nas para que se execute um trabalho diferen- Social. Brasília: Secretaria Nacional de
ciado, que realmente promova a autonomia e a Assistência Social, 2005b.
superação da pobreza, porém, tudo dependerá
______. Ministério do Desenvolvimento Social.
de como o serviço será executado, a visão de
Guia de políticas e programas do Ministério
homem e de sociedade de quem o operaciona-
do Desenvolvimento Social e Combate a
liza e o próprio nível de consciência dos profis-
Fome. Brasília: MDS, 2008.
sionais.
Observa-se um grande potencial no ser-
______. Conselho Nacional de Assistência
viço, por estar próximo da comunidade, em con-
Social. Tipificação nacional de serviços
tato com a realidade, do dia a dia, vivenciando
socioassistenciais: Resolução no 109, de 11
junto as situações cotidianas da população, e
de novembro de 2009. Diário Oficial [da]
pode articulá-la, conscientizá-la, promover as
República Federativa do Brasil, Brasília, 25
mudanças e plantar uma semente que pode ge-
nov. 2009.
rar frutos, no sentido de promover mudanças re-
ais nas condições de vida da população. CAMPOS, R. H. de F. Possibilidades abertas
Em última análise,1,27 cm compreende- pelo Programa Fortalecendo a Família – PFF/
-se que o PAIF pode ser um serviço que simples- SP/SP. In: WANDERLEY, M. B.; OLIVEIRA, I. C.
mente adapte o indivíduo ao sistema, mantendo- (Org.). Trabalho com famílias: textos de apoio.
-o estático, calado, de forma que não reivindique São Paulo: IEE-PUC, v. 2, 1998.
seus direitos e não tenha condições de lutar por
mudanças nas situações concretas que atraves- CAMARGO-BORGES, C.; CARDOSO, C. L.
sam sua vida, contentando-se com os mínimos A psicologia e a estratégia saúde da família:
que o estado de bem-estar social oferece, ou compondo saberes e fazeres. Psicologia &
ainda pode ser um serviço que articule a popu- Sociedade, v. 17, n. 2, p. 26-32, 2005.
lação, mobilize a rede, promova a conscientiza-
ção da população e que de alguma forma, que CARVALHO, M. do C. B. A família
hoje pode parecer utópica, mude as condições contemporânea em debate. 2. ed. São Paulo:
macroestruturais e macropolíticas que oprimem EDUC, Cortez, 1995.
grande parte da população, e que a coloca as
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Sociedade, São Paulo: Cortez, 2006. p. 115- Este artículo se justifica por considerar el campo de
130. las políticas públicas un terreno en construcción, y

Akrópolis, Umuarama, v. 23, n. 1, p. 59-74, jan./jun. 2015 73


PEREIRA et al.

la reflexión crítica acerca de la práctica que necesita


ser alentada. A partir de autores históricos cultura-
les, se discute la formación humana en relación con
otros hombres, y su inserción social, lugar donde el
sujeto se construye y se transforma. Hace también
una lectura de la sociedad capitalista, de modo que
desmitifique el fenómeno de la pobreza, y entender la
inclusión y la exclusión social como un fenómeno dia-
léctico. También se aborda el modo como la familia
es atendida por las políticas públicas, y la contribu-
ción de la Psicología comunitaria. Por fin, se analiza
los documentos que rigen el PAIF de modo a enten-
der cuál es la real propuesta del programa, cómo él
pretende atender a las familias, y cuáles son los im-
pactos sociales promovidos. Por fin, se concluye que
el PAIF puede ser, tanto un instrumento de transfor-
mación social, como de adaptación de la población a
la lógica dominante y opresora, a depender de cómo
será operado.
Palabras clave: Políticas Públicas; Protección So-
cial Básica; PAIF.

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