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AULA 19/20 PORTUGUÊS

ALUÍSIO AZEVEDO E RAUL POMPÉIA


NATURALISMO NO jornalista e escreveu romances, em folhetins pela imprensa e que
BRASIL contos, operetas e revistas teatrais. foram, durante algum tempo, o
Era também bom desenhista, hábil na ganha-pão do autor.
Caracterizando-se como um Realismo arte da caricatura. Esse seu talento,
mais extremado, o Naturalismo tem aliás, tem relação com a força plástica Romance social
como elemento fundamental o de suas descrições. Tentou sobreviver
determinismo cientificista, que de sua profissão de escritor e, para Nos livros mais bem realizados,
diverge do determinismo isso, teve de aceitar encomendas de Aluísio Azevedo revela extraordinário
sociopolítico, típico do Realismo. No editores, que lhe pediam romances poder de dar vida aos agrupamentos
final do século XIX, junto ao avanço românticos ao gosto do público, em humanos, às habitações coletivas,
da ciência surge uma nova visão de completo contraste com seus ideais onde os protagonistas vão, social e
mundo, diversa da idealização literários. Aos 38 anos abandonou a moralmente, se degradando, por
romântica: Verdade, Razão e Ciência carreira literária, ingressando na força da opressão social e econômica
são agora os ideais. Observação e diplomacia. e dos impulsos irreprimíveis da
análise são seus métodos. Produzir sexualidade, das taras e dos vícios.
uma arte documental é seu objetivo. Os folhetins romanescos
O autor naturalista constrói enredo, Visão rigorosamente determinista
trama e personagens com a intenção Decorrem da atividade de Aluísio
de comprovar certas teorias, nas Azevedo como escritor profissional; Para o autor, o Homem e a sociedade
quais acredita, sobretudo aquelas das têm escasso valor literário e estavam submetidos às leis
ciências biológicas: Evolucionismo, representam meras concessões ao inexoráveis da raça (instinto,
Genética, Patologia. A nova visão gosto do leitor da época. Escritos sem hereditariedade), do meio
teórica repercute na prática política muito cuidado, para publicação na (geográfico, social) e do momento
de vários autores, por meio da qual imprensa diária, o próprio autor (circunstâncias históricas).
se manifestam as preocupações reconhecia a fragilidade desses
socialistas, atividades abolicionistas e trabalhos. Essas obras são: Uma Influências de Eça de Queirós e Émile
a tendência anticlerical. Lágrima de Mulher, Condessa Vésper, Zola
Girândola de Amores, Filomena
Os principais autores naturalistas Borges e A Mortalha de Alzira. Utilizou a técnica do tipo,
brasileiros foram Aluísio Azevedo, deformando, pelo exagero, os traços,
Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha, Os romances realistas-naturalistas criando verdadeiras caricaturas. Não
Domingos Olímpio e Inglês de Sousa. constituem o segmento apreciável da conseguiu criar personagens que
Todos seguiram o mestre francês obra de Aluísio Azevedo, ainda que pudessem transcender as condições
Émile Zola, o mais importante escritor seja um conjunto bastante sociais que as geraram. As
desse movimento. O Naturalismo, no heterogêneo, sem resíduos personagens são psicologicamente
Brasil, tem início em 1881 (assim românticos, com documentação superficiais e subsistem apenas em
como o Realismo), com a publicação realista, experimentação naturalista função de contextos
de O Mulato, de Aluísio Azevedo. etc. O Mulato, Casa de Pensão, O predeterminados. Não há drama
Coruja, O Homem, O Cortiço e O Livro moral; os protagonistas são vistos “de
ALUÍSIO AZEVEDO de uma Sogra são as obras dessa fora”, e a tragédia em que as tramas
(1857-1913) vertente. desembocam decorre apenas do
fatalismo das doutrinas
Vida deterministas.
Não há o refinamento estilístico de
Filho de vice-cônsul português em CARACTERÍSTICAS DAS OBRAS Machado de Assis, nem a potência
São Luís, transfere-se para o Rio de verbal de Raul Pompeia, mas os
Janeiro após ter atacado a Obra heterogênea diálogos se salvam pela vivacidade,
conservadora sociedade maranhense pela frase sempre incisiva. Há visível
com a publicação de O Mulato. No Alterna romances naturalistas, de tendência lusitanizante, o que se
Rio, juntou-se ao irmão, o famoso vigor crítico e estofo cientificista, com explica pela origem luso-maranhense
comediógrafo Artur Azevedo. Foi melodramas românticos, publicados do autor.
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pretende enriquecer. Ao lado, há um O tema é a ambição e a exploração
O Mulato (1881) sobrado, que simboliza um nível do homem pelo próprio homem. De
social mais elevado e cujo um lado, João Romão, que aspira à
Obra de crítica ao preconceito racial e proprietário é também um riqueza, e Miranda, já rico, que aspira
à Igreja. O mulato Raimundo, português, o comendador Miranda. à nobreza. Do outro, a “gentalha”,
educado na Europa, retorna a São Os portugueses conseguem ascensão caracterizada como um conjunto de
Luís para conhecer suas origens. econômica e social rápidas, que animais, movidos pelo instinto e pela
Apaixona-se por sua prima Ana Rosa, obtêm por meio da exploração do fome:
mas a família lhes impede o brasileiro, representado
casamento. Pretendem fugir, mas coletivamente pelo povo do cortiço. É E naquela terra encharcada e
Raimundo é perseguido e morto a nesse espaço social que as leis fumegante, naquela umidade quente
mando do padre Diogo, que ambientais interferem no indivíduo e e lodosa, começou a minhocar, a
representa a degradação do clero. determinam seu comportamento. O fervilhar, a crescer um mundo, uma
Ana Rosa acaba se casando com o cortiço e a negra Bertoleza, amásia de coisa viva, uma geração que parecia
assassino, com quem viverá de modo João Romão, só lhe interessam brotar espontânea, ali mesmo,
feliz. enquanto lhe são úteis. Quando João daquele lameiro e multiplicar-se
Romão se casa com Zulmira, a filha como larvas no esterco. (...) As
Casa de Pensão (1884) do comendador, e atinge a posição corridas até a venda reproduziam-se
social desejada, nem Bertoleza, que o num verminar de formigueiro
Narrativa intermediária entre o ajudara a subir na vida, nem o assanhado.
romance de personagem (O Mulato) cortiço, com o qual enriquecera, são
e o romance de espaço ou de mais necessários: o cortiço sofre um A redução das criaturas ao nível
coletividade (O Cortiço). Inspirado em incêndio e passa por remodelação, e animal (zoomorfismo) é característica
um caso verídico, a Questão Bertoleza, rejeitada e denunciada à do Naturalismo e revela a influência
Capistrano, crime que sensibilizou o polícia (era uma escrava foragida), das teorias da Biologia do século XIX
Rio de Janeiro entre 1876 e 1877, suicida-se. (darwinismo, lamarquismo) e do
expressa uma visão determinista. determinismo (raça, meio,
Amâncio Vasconcelos, personagem CARACTERÍSTICAS DE O CORTIÇO momento):
central, tem suas ações e
comportamento determinados pela Romance social ...depois de correr meia légua,
formação (a educação severa, a puxando uma carga superior às suas
superproteção materna, a sífilis Desistindo de montar um enredo em forças, caiu morto na rua, ao lado da
contraída da ama-de-leite). Ele, um função de pessoas, [Aluísio] ateve-se carroça, estrompado como uma
jovem e rico maranhense, chega ao à sequência de descrições muito besta.
Rio de Janeiro para estudar Medicina. precisas onde cenas coletivas e tipos (...)
Boêmio e extravagante, hospeda-se psicologicamente primários fazem, no Leandra... a ‘Machona’, portuguesa
na pensão de João Coqueiro, que conjunto, do cortiço a personagem feroz, berradoura, pulsos cabeludos e
trama casá-lo com sua irmã, Amélia, mais convincente do nosso romance grossos, anca de animal do campo.
para apossar-se da fortuna de naturalista. (Alfredo Bosi, História (...)
Amâncio. Com a recusa do rapaz, Concisa da Literatura Brasileira) Rita Baiana... uma cadela no cio.
Coqueiro o denuncia falsamente por
violência sexual contra a irmã, é Todas as existências se entrelaçam e A força do sexo
derrotado na justiça e, inconformado, repercutem umas nas outras. O
mata Amâncio. cortiço é o núcleo gerador de tudo e, O sexo é, em O Cortiço, força mais
feito à imagem de seu proprietário, degradante que a ambição e a cobiça.
O Cortiço (1890) cresce, desenvolve-se e se transforma A supervalorização do sexo, típica do
com João Romão. determinismo biológico e do
Ambientado no Rio de Janeiro, este Naturalismo, conduz Aluísio a buscar
romance narra o nascimento, vida e A crítica ao capitalismo selvagem quase todas as formas de patologia
morte de um cortiço, meio pelo qual sexual: desde o “acanalhamento” das
seu dono, o português João Romão,
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relações matrimoniais até o adultério, Aristarco, o diretor (que personifica o Os companheiros de classe eram
prostituição, lesbianismo etc poder), professores, funcionários e cerca de vinte; uma variedade de
. alunos, e a escola como microcosmo tipos que divertia. O Gualtério,
A situação da mulher da sociedade. “Vais encontrar o miúdo, redondo de costas, cabelos
mundo” é a primeira sentença do revoltos, motilidade brusca e caretas
As mulheres são reduzidas a três livro. de símio palhaço dos outros, como
condições: a primeira, de objeto, Narrado em primeira pessoa por dizia o professor. O Nascimento, o
usadas e aviltadas pelo homem: Sérgio, um homem que revê seu bicanca, alongado por um modelo
Bertoleza e Piedade; a segunda, de passado e conta passagens de sua geral de pelicano, nariz esbelto, curvo
objeto e sujeito, simultaneamente: vida de menino, o romance estrutura- e largo como uma foice; (...) o Negrão
Rita Baiana; a terceira, de sujeito — se por meio de “manchas de de ventas acesas, lábios inquietos,
são as que independem do homem, recordação”, ou seja, de uma fisionomia agreste de cabra, canhoto
prostituindo-se: Leonie e Pombinha. sucessão de episódios, cujo fio e anguloso...
condutor é a memória do
RAUL POMPEIA personagem-narrador. A evocação do – elementos impressionistas:
(1863-1895) passado faz que a sequência evidenciam-se no trabalho da
cronológica de fatos (o tempo memória como fio condutor. O
Vida objetivo) seja entrecortada por passado é recriado por meio de
associações e semelhanças “manchas” de recordação — daí a
Nascido em Angra dos Reis (RJ), em subconscientes (o tempo subjetivo, a existência de um certo
1863, Raul Pompeia estudou Direito e duração interior). Esse procedimento esfumaçamento da realidade, pois o
ocupou cargos públicos. Militou no evidencia certa ruptura do romance internato é reconstituído por meio
movimento abolicionista e no com os modos realista e naturalista das impressões, mais subjetivas que
republicano e colaborou na Gazeta de de mera observação objetiva da vida. objetivas. A técnica impressionista
Notícias, de José do Patrocínio. que Pompeia utiliza consiste em
Envolveu-se em diversas polêmicas e destacar antecipadamente do objeto
num duelo com Olavo Bilac. Suicidou- que descreve um ou mais traços e seu
se na noite de Natal de 1895, aos 32 B) Há uma superposição de diversos efeito no observador. Há quem, por
anos. estilos, o que torna problemática a isso, rotule O Ateneu de romance
vinculação de O Ateneu a uma impressionista:
Obra determinada corrente estética.
Assim, podemos identificar Transformara-se em anfiteatro uma
A) Prosa das grandes salas da frente do
– Uma Tragédia no Amazonas – elementos expressionistas: a edifício, exatamente a que servia de
(romance) linguagem do livro aproxima-se da capela; paredes estucadas de
– Microscópicos (contos) técnica expressionista, que consiste suntuosos relevos, e o teto
– As Joias da Coroa (romance) na deformação grotesca e mórbida aprofundado em largo medalhão, de
– O Ateneu (romance) do que se descreve. Apresenta magistral pintura, onde uma aberta
– Agonia (romance inacabado e enorme poder para a caricatura de céu azul despenhava aos cachos
inédito) (distorção ou ênfase dos elementos deliciosos anjinhos, ostentando
B) Poesia dominantes de um objeto ou de uma atrevimentos róseos de carne,
– Canções sem Metro (poemas em pessoa) e grandes recursos de agitando os minúsculos pés e, as
prosa) imagens visuais e sonoras. A frase mãozinhas, desatando fitas de gaza
transmite uma forte carga emocional. no ar.
O Ateneu: Crônica de Saudades O estilo é nervoso, ágil. A redução das
personagens a caricaturas parece – elementos naturalistas: decorrem
A) O romance O Ateneu, Crônica de proveniente da intenção de da concepção instintiva e animalesca
Saudades (1888) focaliza a vida em deformar, de exagerar, como se Raul das personagens, cujo
um internato, apresentando Pompeia estivesse se “vingando” de comportamento é determinado pela
penetrante análise social e tudo e de todos: sexualidade, condição social etc. Há
psicológica das personagens: um certo gosto “naturalista” pelas
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“perversões”. É o que ocorre nas sociedade como um todo. O móvel claro de renascença, que ilumina o
descrições de Ângela e na tensão do das ações de Aristarco era o dinheiro, mundo como o momento fantástico
homossexualismo que existe nas e os alunos eram tratados pelo do relâmpago, que a escuridão
relações de Sérgio com Sanches, diretor conforme o segmento social a novamente abate...
Bento Alves e Egbert: que pertenciam seus pais. Raul Há reminiscências sonoras que ficam
Ângela tinha cerca de vinte anos; Pompeia não deixa ao arbítrio dos perpétuas, como um eco do passado.
parecia mais velha pelo futuros intérpretes o trabalho de Recorda-me, às vezes, o piano,
desenvolvimento das proporções. decifrar o sistema de ideias que se ressurge-me aquela data. Do fundo
Grande, carnuda, sanguínea e poderia depreender. repouso caído de convalescente,
fogosa, era um desses exemplares serenidade extenuada em que nos
excessivos do sexo que parecem 1.a) Fala sobre a cultura brasileira, deixa a febre, infantilizados no
conformados expressamente para em que os desejos republicanos de enfraquecimento como a recomeçar
esposas da multidão — protestos Pompeia se mostram, investigando o a vida, inermes contra a sensação por
revolucionários contra o monopólio “pântano das almas” da vida um requinte mórbido da sensibilidade
do tálamo. emocional, sob a “tirania mole de um — eu aspirava a música como a
Mas é um naturalismo dissidente, tirano de sebo”. embriaguez dulcíssima de um
que nada tem a ver com o apriorismo perfume funesto; a música envolvia-
ou com o esquematismo 2.a) Fala sobre a arte, entendida pré- me num contágio de vibração, como
característicos dessa corrente. O freudianamente como “educação do se houvesse nervos no ar. As notas
doutor Cláudio, conferencista que instinto sexual”, e antecipando distantes cresciam-me n’alma em
algumas vezes pontifica no internato também Nietzsche como “expressão ressonância enorme de cisterna; eu
e que exterioriza algumas ideias dionisíaca”: sofria, como das palpitações fortes do
artísticas do próprio Raul Pompeia, coração quando o sentimento
define a arte como o processo Cruel, obscena, egoísta, imoral, exacerba-se — a sensualidade
subjetivo da “evolução secular do indômita, eternamente selvagem, a dissolvente dos sons.
instinto da espécie”. Seria possível arte é a superioridade humana acima Lasso, sobre os lençóis, em conforto
rastrear, em O Ateneu, aproximações dos preceitos que se combatem, ideal de túmulo, que a vontade
também com o Parnasianismo, com o acima da ciência que se corrige: morrera, eu deixava martirizar-me o
Simbolismo e, até, antecipações “embriaguez como a orgia e como o encanto. A imaginação de asas
modernistas. êxtase”. crescidas fugia solta. (...)

C) O comportamento sexual é o traço 3.a) Fala sobre as relações entre a (Raul Pompeia, O Ateneu, cap. XII)
mais valorizado na personalidade dos escola e a sociedade:
adolescentes do internato, divididos
em “machos” e “fêmeas”, em (...) Não é o internato que faz a
dominadores e dominados. Observe o sociedade; o internato a reflete. A
que diz o narrador em relação ao seu corrupção que ali viceja vai de fora.
colega Bento Alves: (...)
A educação não faz as almas;
Estimei-o femininamente, porque era exercita-as.
grande, forte, bravo; porque me (Raul Pompeia, O Ateneu, cap. XI)
podia valer, porque me respeitava,
quase tímido, como se não tivesse Música estranha, na hora cálida.
ânimo de ser amigo. Para me fitar Devia ser Gottschalk1. Aquele esforço
esperava que eu tirasse dele os meus agonizante dos sons, lentos,
olhos. pungidos, angústia deliciosa de
extremo gozo em que pode ficar a
D) Raul Pompeia projeta no internato vida porque fora uma conclusão
toda a problemática do mundo triunfal. Notas graves, uma, uma;
adulto. O Ateneu é uma redução, em pausas de silêncio e treva em que o
escala, da visão que o autor tinha da instrumento sucumbe e logo um dia

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