Você está na página 1de 3

A Lei dos 3 Estados de Auguste Comte

Prof. João Borba – out/2011

O ponto que costuma ser considerado o mais importante em toda a sociologia de Comte é a sua
famosa Lei dos 3 Estados, da qual ele fala em diversos textos. Segundo Comte, as pessoas
individualmente ou em grupo, as sociedades e até mesmo a humanidade como um todo, se
desenvolvem sempre seguindo um mesmo caminho, que está ligado ao modo como as pessoas
procuram conhecer a realidade ao seu redor para poderem agir sobre ela.
Segundo Comte existe progresso, isto é, avanço para uma situação melhor, quando as pessoas
avançam para um estado superior no seu modo de tentar conhecer e entender as coisas. O progresso
acontece na medida em que as pessoas aprendem a utilizar meios de conhecimento melhores, pelos
quais conseguem informações mais corretas, mais sólidas e mais seguras. Compreendendo melhor a
realidade (por fazerem isso usando meios mais eficazes), as pessoas começam a agir de maneira mais
eficaz também, porque cometem menos erros, já que suas ações são apoiadas em informações menos
fantasiosas.
A teoria de Comte é a de que esse avanço ou desenvolvimento, esse progresso, acontece passando
sempre por três fases ou “estados”, que são os mesmos para pessoas individualmente, para grupos,
sociedades ou para a humanidade como um todo. Em outras palavras, em qualquer área do
conhecimento humano, uma pessoa, grupo ou sociedade, ou a humanidade como um todo, pode estar
em um estado mais primitivo e menos evoluído de conhecimento a respeito do mundo ao seu redor. Ou
pode estar num estágio intermediário, um pouco mais avançado, mas no qual os conhecimentos ainda
não são seguros. Ou então poder ter conseguido finalmente se desenvolver para um estado superior, no
qual já pode confiar em seus conhecimentos, porque estão realmente bem fundamentados e não são
mais fantasiosos ou incertos.
A ideia geral de Comte, quando fala desses estados de desenvolvimento, pode resumida como se
segue.
Primeiro, no estado mais primitivo do nosso conhecimento, partimos de falsas certezas, de fantasias
nas quais acreditamos sem usarmos o raciocínio e sem termos nenhuma base realmente sólida para
fundamentarmos essas crenças, ou então usamos o raciocínio apenas para justificarmos alguma coisa
em que já acreditamos de saída, o que significa que confiamos mais na nossa simples crença sem
nenhum fundamento do que nos raciocínios, poruq enão estamos realmente nos apoiando nele para
descobrirmos se as coisas em que acreditamos são verdadeiras ou falsas.
Depois, num estado intermediário, vamos aprendendo a raciocinar e questionar nossas fantasias, e
a construir teorias mais racionais sobre como deve ser a verdade em cada assunto. Já não estamos mais
nos apoiando nas nossas simples crenças, pelo contrário, estamos acreditando apenas naquilo que o
nosso raciocínio nos mostra que é verdadeiro. Mas neste estado intermediário ainda caímos em muitas
incertezas e erros, porque nossas teorias ainda não percebemos que para termos um conhecimento bem
fundamentado não basta apenas raciocinar. O raciocínio é uma ferramenta de conhecimento melhor que
a simples crença, mas raciocinando com o mesmo cuidado e dedicação ainda podemos chegar a teorias
completamente contraditórias. Se apoiamos as nossas crenças apenas no raciocínio, logo começamos a
perceber que o raciocínio pode nos levar a acreditar em coisas muito diferentes, às vezes opostas, e até
mesmo contraditórias e incompatíveis umas com as outras. Deste modo, o raciocínio acaba derrubando

1
nossas crenças e nos deixando numa situação de incerteza, ao invés de nos ajudar a chegarmos a
certezas mais sólidas e bem fundamentadas.
Finalmente, no estado mais avançado do conhecimento, aprendemos a pensar cientificamente a
respeito das coisas. Em outras palavras, aprendemos o que é preciso fazer para fundamentar melhor
nossas teorias: a observação e descrição cuidadosa dos fatos. É preciso observar os fatos antes de
começarmos a raciocinar, para não construirmos raciocínios fantasiosos e sem nenhuma base. Então,
nesse último estado do conhecimento, que é o mais avançado, aprendemos a observar cuidadosamente
os fatos, para só depois raciocinarmos sobre eles desenvolvendo nossas teorias, e com isso chegamos,
agora sim, a teorias mais sólidas e menos contraditórias, nas quais podemos finalmente acreditar sem
cairmos em tantas fantasias e erros.
Comte fala sobre essa sua Lei dos 3 Estados de desenvolvimento em diferentes textos seus, e a cada
vez os estados aparecem com nomes um pouco diferentes. Mas basicamente existem três áreas de
atividade humanas que, para ele, estão ligadas a esses 3 estados de desenvolvimento: a religião, a
filosofia e a ciência. No livro Discurso sobre o espírito positivo, publicado em 1844, por exemplo, Comte
explica sua Lei dos 3 estados no 1º capítulo, dando ao estado mais primitivo e menos desenvolvido o
nome de Estado teológico ou fictício, ao estado intermediário o nome de Estado metafísico ou abstrato,
e ao estado superior o nome de Estado positivo ou real. Teologia quer dizer estudo da ideia de deus.
Note-se que Comte, pelo nome que dá a esse estado de desenvolvimento do conhecimento,
compara isso simplesmente com “ficção”. Em outros textos, ele chama claramente esse estado primitivo
do conhecimento de “Estado religioso ou fantasioso”. Em outras palavras, as crenças religiosas não têm
valor como conhecimento verdadeiro: são apenas ilusões, precisamente porque são crenças, e o
conhecimento baseado na simples crença não oferece absolutamente nenhuma garantia de estar certo.
Uma coisa não é verdadeira apenas porque acreditamos nela, por mais forte que seja a nossa crença.
Por mais que eu acredite que o sol não vai mais nascer a partir de amanhã, por exemplo, não há nada
que assegure que essa minha previsão está certa.
Se acredito em um livro sagrado que diz que no ano em que quando tantos trilhões de luzes
estiverem acesas o sol irá desaparecer, posso fazer uma porção de cálculos para saber quantas luzes
estão se acendendo no mundo ao mesmo tempo, e chegar à conclusão de que com as novas luzes que
vão instalar na minha cidade hoje, se todos ascenderem normalmente suas luzes, como fazem toda
noite, vamos ter atingido o tal número de luzes acesas, portanto o sol não vai mais nascer a partir de
amanhã.
Neste caso, posso ter a impressão de que eu realmente raciocinei (afinal calculei o número de luzes
acesas ao mesmo tempo no mundo), e realmente observei algo do mundo (o fato de que as pessoas
ascendem as luzes à noite, por exemplo). Até os dados estatísticos sobre o número de luzes em
diferentes países deste lado do mundo em que será noite ao mesmo tempo, dados que utilizei nos meus
cálculos, está apoiado em observações dos fatos feitas por alguém (por exemplo os técnicos das
empresas de energia elétrica desses vários países). Mas qual é a base de tudo isso? No fundo de todo
esse meu esforço de raciocínio e de consideração das observações dos fatos, o que é que encontramos
como base, o que é que está fundamentando tudo isso, isso tudo está apoiado em quê? Numa simples
crença, porque acreditei — sem nenhum questionamento, inclusive — naquilo que está escrito no tal
livro que me disseram que é “sagrado”.
Portanto, segundo Comte, tudo isso não passa de um conhecimento falso, ilusório, fictício,
fantasioso, sem nenhuma base segura: não há como garantir minha previsão de que o sol realmente não
vai mais nascer a partir de amanhã. É uma falsa previsão. Nas religiões acontece precisamente isso:
falsos conhecimentos, apoiados no fundo, em última instância, em puras e simples crenças sem
fundamento. Qualquer previsão que se apoie nesse tipo de conhecimento será necessariamente

2
fantasiosa.
No segundo estado de desenvolvimento, que é um pouco superior ao religioso e serve como uma
passagem intermediária para o estado superior ou científico, o que temos é aquele estado que Comte
chamou de Metafísico ou abstrato — mas que em outros textos aparece como estado Metafísico ou
filosófico. Nesse estado de desenvolvimento do conhecimento, apesar de Comte considerá-lo ainda
muito próximo do estado religioso primitivo, pelo menos começamos a definir melhor as ideias com as
quais estamos trabalhando, e a raciocinar a respeito delas, de modo que já não estamos mais
dependendo da pura e simples crença.
Neste segundo estado de desenvolvimento, podemos examinar nossas teorias, perceber se existem
contradições ou ideias irracionais nelas, para fazermos correções, e podemos examinar também se não
está ocorrendo nenhuma confusão por estarmos usando alguma palavra em duplo sentido ou mal
definida. E o mais importante: já não estamos mais apenas usando o raciocínio apenas para explicar ou
justificar melhor alguma coisa em que acreditamos, alguma ideia que está fixada no nosso pensamento
e que não temos a menor intenção de questionar. Pelo contrário, estamos realmente usando nossos
raciocínios para tentar entender se nossas crenças são verdadeiras ou falsas, estamos tentando definir
nossas ideias com coerência e precisão, e tirar delas conclusões realmente racionais, que não estejam
apoiadas em alguma simples crença sem fundamento.
E qual o problema desse segundo estado? Porque é que Comte o acha ainda próximo demais do
estado primitivo religioso? O problema é que os raciocínios, nesse segundo estado de desenvolvimento,
são abstratos demais, são apenas puros raciocínios, não se apoiam na observação cuidadosa dos fatos
reais.
Segundo Comte, só atingimos o último estado de desenvolvimento, que é o estado positivo, quando
aprendemos que não basta raciocinar livremente sobre as nossas ideias: é preciso apoiar os nossos
raciocínios na observação dos fatos, no exame cuidadoso da realidade, porque sem isso, os próprios
raciocínios podem acabar levando a conclusões fantasiosas, e mesmo que sejam raciocínios feitos com
muito cuidado e senso crítico, nada garante que cheguem a conclusões seguras e realistas, ou até
mesmo que cheguem a alguma conclusão — porque o excesso de senso crítico racional sem nenhum
apoio nos fatos da realidade pode arruinar qualquer certeza ou conclusão possível para qualquer
raciocínio, e deixar as pessoas com enormes incertezas e inseguranças.
O estado positivo ou real do desenvolvimento do conhecimento, do qual Comte fala no livro
Discurso sobre o espírito positivo, aparece em outros textos dele como “estado positivo ou científico”.
Como se vê, Comte coloca a ciência e o conhecimento científico como muito superiores às teorias
filosóficas e crenças religiosas, e coloca as teorias filosóficas como pouca coisa superiores às crenças
religiosas, com base na sua definição da filosofia como conhecimento racional sem apoio nos fatos (que
é uma definição bastante questionável).
Comte sabia que esse posicionamento com relação à filosofia talvez fosse difícil de sustentar, porque
há filosofias dos mais variados tipos, e foi na própria filosofia que começaram a nascer o espírito
científico e as teorias apoiadas em cuidadosa observação dos fatos (primeiro com Aristóteles, na
antiguidade, depois com um filósofo chamado Francis Bacon, que criou um posicionamento chamado
“empirismo”, apoiado no pensamento político de Maquiavel). Mas como realmente havia muitas
filosofias na França, na época de Comte, que não se apoiavam de modo nenhum na observação dos
fatos, sua crítica não deixava de fazer sentido. De qualquer modo, na maioria das vezes em que escreveu
sobre esse segundo estado de desenvolvimento, preferiu chamá-lo de “estado metafísico”, porque
“metafísica” quer dizer justamente aquilo que está para além do mundo físico e da observação dos fatos,
e havia muitas filosofias na época que consideravam os estudos de tipo metafísico os mais importantes e
profundos. Daí a crítica de Comte.

Você também pode gostar