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História dos Movimentos Sociais no Brasil

Volume Único
Lucia Grinberg
Vanderlei Vazelesk Ribeiro

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Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
www.cederj.edu.br

Presidente
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Lucia Grinberg
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G866h
Grinberg, Lucia.
História dos movimentos sociais no Brasil. Volume único / Lucia
Grinberg, Vanderlei Vazelesk Ribeiro. – Rio de Janeiro : Fundação Cecierj, 2018.
276 p.; 19 x 26,5 cm.
ISBN: 978-85-458-0131-3
1. História. 2. Movimentos sociais. 3. Primeira República. 4.
Movimentos messiânicos rurais. 5. 1930-1945. I. Ribeiro, Vanderlei Vazelesk.
1. Título.
CDD: 300
Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.
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Governador
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Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Social


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RIO DE JANEIRO
Reitor: Ruy Garcia Marques
História dos Movimentos Sociais no Brasil
SUMÁRIO Volume Único

Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e


definições ____________________________________________ 7
Lucia Grinberg

Aula 2 – Primeira República:


socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas ______ 37
Lucia Grinberg

Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais ________________ 71


Vanderlei Vazelesk Ribeiro

Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto


trabalhista no movimento operário _____________________119
Vanderlei Vazelesk Ribeiro

Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas _________147


Vanderlei Vazelesk Ribeiro

Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos:


história e historiografia
(1945 – 1964) _____________________________________185
Lucia Grinberg

Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de


trabalhadores (1945-1964) ___________________________215
Lucia Grinberg

Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática


de 1945 a 1964 (primeira parte) _____________________ 241
Vanderlei Vazelesk Ribeiron

Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática


de 1945 a 1964 (segunda parte) ____________________ 283
Vanderlei Vazelesk Ribeiro

Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a


criação da Arena e do MDB __________________________ 325
Lucia Grinberg
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus
desdobramentos no movimento operário (1964-1979) _______________ 367
Lucia Grinberg

Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas


contemporâneas(Primeira parte) __________________________________ 397
Vanderlei Vazelesk Ribeiro

Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas


contemporâneas (Segunda parte) _________________________________ 445
Vanderlei Vazelesk Ribeiro

Referências ___________________________________________________ 491


Aula  1
História dos
movimentos
sociais: conceitos e
definições
Lucia Grinberg
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta da aula

Apresentar o conceito de cidadania a partir de uma perspectiva histórica.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. identificar a construção histórica dos direitos do homem e as diferentes dimensões do


conceito de cidadania;
2. descrever a história dos movimentos sociais como um processo de constituição de identida-
de de atores coletivos, através de suas práticas e de seus discursos.

Pré-requisito

Para que você compreenda melhor esta aula, é importante que relembre a Aula 5, de
Historiografia Contemporânea, sobre os historiadores britânicos de orientação marxista
como E.P. Thompson.

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Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

Introdução

Diante de um campo tão vasto de estudos como a história dos


movimentos sociais, nesta disciplina vamos delimitar nossas aulas ao
período do Brasil Republicano e, portanto, aos estudos sobre lutas
por direitos, após o fim da escravidão no país.

O programa da disciplina trata da história dos movimentos


sociais mais influentes, ocorridos desde 1889, apresentando-os a
partir de periodização orientada pela história política nacional, pois
consideramos justamente que a história dos movimentos sociais em
cada país se relaciona diretamente com a constituição da esfera
pública nacional, como será observado adiante, ao longo do curso.
Em cada período, há aulas sobre movimentos sociais nas cidades e
no campo, devido à especificidade dos conflitos sociais e políticos,
e,consequentemente, das lutas por direitos, nas áreas urbana e rural.

As aulas estão relacionadas, portanto, aos períodos:

• Primeira República (1930 - 1945);

• Os anos 1930 – 1945;

• A experiência democrática (1945 – 1964);

• A ditadura civil-militar (1964-1985);

• O contexto atual.

Antes de nos dedicarmos ao estudo das experiências históricas


dos movimentos sociais no Brasil Republicano, vamos estudar nesta
Aula 1 a definição de movimento social e o conceito de cidadania
como construção histórica.

A definição de movimento social

Em primeiro lugar, é interessante traçar em linhas gerais a


história da categoria movimento social, criada em meados do século
XIX e reelaborada desde então a partir da reflexão de intelectuais

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História dos Movimentos Sociais no Brasil

e de militantes sobre as diferentes iniciativas políticas. A categoria


movimento social foi criada a partir do surgimento do movimento
operário europeu, nos anos 1840. Com a expansão do movimento
de trabalhadores, através de sindicatos e de partidos políticos,
tornou-se uma categoria especialmente importante no campo do
marxismo. Desde fins dos anos 1960, passou a designar de maneira
geral variadas formas de participação política.

Figura 1.1: Com a expansão do movimento de trabalhadores, os movimentos


sociais se tornaram importante no campo do marxismo.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Marx_color2.jpg

Nos estudos realizados nos campos da história e da


sociologia, até os anos 1960, a categoria movimento social referia-
se especificamente ao movimento operário e aos partidos políticos
socialistas ou comunistas. De acordo com Ana Maria Doimo,

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Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

“Até o início dos anos 60, falar em movimento social


significava referir-se à suposta virtualidade revolucionária
do proletariado – entendido como classe determinada pelas
relações capitalistas de exploração do trabalho pelo capital –
e acreditar em sua organização racional, isto é, diagnósticos
claramente baseados em premissas científicas, metas
previamente definidas, além de regras e normas dotadas de
eficácia para o alcance dos objetivos táticos e estratégicos.
Os sindicatos e os partidos políticos de orientação socialista
e comunista representariam, nessa perspectiva, a forma mais
acabada desse tipo de organização, e tudo o que fugisse
desse raio de ação sequer podia ser incluído sob a rubrica
do verdadeiro movimento social; quando muito, seriam
movimentos arcaicos e pré-políticos ou, então, meros ‘assuntos
da classe trabalhadora’” (DOIMO, 1995, p. 39).

Como podemos observar em obras de Eric Hobsbawm,


como Os trabalhadores (1981) e Rebeldes primitivos (1978),
por exemplo, os movimentos de trabalhadores anteriores ao
aparecimento do socialismo e do comunismo como ideologias
políticas eram investigados a partir deste parâmetro. Hobsbawm,
portanto, buscava compreender as diferenças entre o velho e o novo
movimento social, sendo a característica central de distinção entre
ambos a racionalidade orientadora de cada movimento. Eram
considerados movimentos sociais aqueles orientados pelo objetivo
de combater a exploração de classe, tendo como objetivo final a
transformação revolucionária das relações sociais de produção
capitalistas, enquanto os movimentos “arcaicos” ou “pré-políticos”
não teriam a percepção da centralidade desse combate e, muito
menos, teriam estratégias para tanto.

11
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 1.2: Eram considerados movimentos sociais aqueles orientados pelo


objetivo de combater a exploração de classe.
Fonte: http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/ensaioo-contexto-historico-das-
relacoes-publicas

No campo dos estudos históricos, o crítico mais importante à


compreensão de movimento social como expressão da consciência
de classe revolucionária dos trabalhadores foi E. P. Thompson. Em
primeiro lugar, entre as considerações elaboradas por Thompson,
podemos lembrar a crítica ao modelo base/superestrutura. Para ele,
na tradição marxista dominante, a “base” é “identificada com o
econômico, afirmando uma prioridade heurística das necessidades
e comportamentos econômicos diante das normas e sistemas
de valores”. (THOMPSON, 2001, p. 252). Quer dizer, para o
autor, não era possível descrever um modo de produção apenas
em termos “econômicos”, como se as normas e a cultura sobre
as quais se organiza um modo de produção fossem secundárias.
Ele considerava essa divisão teórica entre base econômica e
superestrutura cultural arbitrária e apresentava vários exemplos,
mostrando a impossibilidade de compreender economias sem
considerar conceitos culturais: “Onde colocar os ritmos habituais
de trabalho e lazer (ou festas) das sociedades tradicionais, ritmos

12
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

intrínsecos ao próprio ato de produzir e, não obstante, usualmente


ritualizados pelas instituições religiosas e de acordo com crenças
religiosas seja na sociedade católica ou na hindu?” (THOMPSON,
2001, p. 255).

Para Thompson, a religião e os imperativos morais permanecem


inextrincavelmente imbricados com as necessidades econômicas,
assim como as expectativas e motivações das pessoas que viveram
diferentes épocas não podem ser entendidas em termos econômicos
anacrônicos. Então, como explicar a transformação histórica?

“A pressão do ser social sobre a consciência social revela-


se, agora, não tanto por meio da clivagem horizontal base
e superestrutura, mas por meio de: a) congruências, b)
contradição, c) mudança involuntária. Por congruências,
entendo as regras "necessárias", as expectativas e os valores
segundo os quais as pessoas vivem relações produtivas
particulares. (...) Por contradição quero dizer, primeiro, o
conflito entre o modo de viver e as normas da continuidade
local e ocupacional daqueles da sociedade ‘envolvente’.
Em segundo lugar, conflito são as maneiras pelas quais o
caráter essencialmente explorador das relações produtivas se
torna uma experiência vivida, dando origem à manifestação
de valores antagonistas e a uma ampla crítica do "senso
comum" do poder. Por mudança involuntária me refiro às
mudanças ulteriores na tecnologia, demografia e por aí vai
(a vida material, segundo Braudel: novas lavouras, novas
rotas comerciais, mudanças na incidência de epidemias...),
cujas involuntárias repercussões afetam o modo de produção
em si, alterando, perceptivelmente, o equilíbrio das relações
produtivas (THOMPSON, 2001, p. 262).

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História dos Movimentos Sociais no Brasil

Enfim, a transformação histórica acontece pelo fato de as


pessoas vivenciarem alterações na sua vida social e cultural. A
perspectiva de Thompson, portanto, é extremamente crítica às
concepções evolucionista, determinista e economicista da história
marxista. Para Thompson, a dimensão da experiência humana é
central na história, como podemos ver em As peculiaridades dos
ingleses:

“... a história não pode ser comparada a um túnel por onde


um trem expresso corre até levar sua carga de passageiros
em direção a planícies ensolaradas. Ou então, caso o seja,
gerações após gerações de passageiros nascem, vivem na
escuridão e, enquanto o trem ainda está no interior do túnel,
aí também morrem. Um historiador deve estar decididamente
interessado, muito além do permitido pelos teleologistas, na
qualidade de vida, nos sofrimentos e satisfações daqueles
que vivem e morrem em tempo não redimido (THOMPSON,
2001, p. 21).

De modo que, na investigação da história, o mais importante


é conhecer as experiências vividas pelos indivíduos nos diferentes
processos de transformações históricas e não o resultado final dos
mesmos. Quer dizer, o objeto de estudo do historiador são as
percepções, as expectativas e as ações humanas. Nesse sentido,
Thompson critica os historiadores marxistas interessados em
observar especialmente as transformações econômicas, o avanço
da industrialização e a extensão de relações assalariadas em todos
os setores da economia. Na sua perspectiva, estas transformações
não podem ser vistas como um fim em si mesmas.

Como decorrência deste raciocínio, Thompson traz uma


contribuição extremamente importante para os estudos dos
movimentos sociais ao indicar que as formas de consciência e as
experiências vividas pelos indivíduos não são necessariamente
revolucionárias. No prefácio de A formação da classe operária
inglesa, o autor apresenta uma definição de classe social como
fenômeno histórico e sugere um amplo horizonte de pesquisa:

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Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

“Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica


uma série de acontecimentos díspares e aparentemente
desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como
na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não
vejo a classe como uma ‘estrutura’, nem mesmo como uma
‘categoria’, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja
ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas.

Ademais, a noção de classe traz consigo a noção de


relação histórica. Como qualquer outra relação, é algo
fluido que escapa à análise ao tentarmos imobilizá-la num
dado momento e dissecar sua estrutura. A mais fina rede
sociológica não consegue nos oferecer um exemplar puro
de classe, como tampouco um do amor ou da submissão.
A relação precisa estar sempre encarnada em pessoas e
contextos reais. Além disso, não podemos ter duas classes
distintas, cada qual com um ser independente, colocando-as
a seguir em relação recíproca. Não podemos ter amor sem
amantes, nem submissão sem senhores rurais e camponeses”.
(THOMPSON, 1987, p. 11-12)

Na sua definição de classe, a noção de experiência é central,


pois são as experiências comuns que constituem as identidades
coletivas, como a consciência de classe:

“A classe acontece quando alguns homens, como resultado


de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem
e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra
outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se
opõem) dos seus. A experiência de classe é determinada,
em grande medida, pelas relações de produção em que
os homens nasceram – ou entraram involuntariamente. A
consciência de classe é a forma como essas experiências
são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições,
sistemas de valores, ideias e formas institucionais. Se a
experiência aparece como determinada, o mesmo não
ocorre com a consciência de classe. Podemos ver uma lógica

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História dos Movimentos Sociais no Brasil

nas reações de grupos profissionais semelhantes que vivem


experiências parecidas, mas não podemos predicar nenhuma
lei. A consciência de classe surge da mesma forma em tempos
e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma”.
(THOMPSON, 1987, p. 11-12)

Atualmente, os estudos sobre os movimentos sociais passaram


a investigar especialmente como ocorre a constituição de identidades
políticas coletivas através dos discursos e das práticas de seus
protagonistas, uma vez que são expressão de suas experiências nos
diferentes processos históricos.

O conceito de cidadania em perspectiva


histórica

Todos os dias, nós ouvimos que precisamos lutar


pelos nossos direitos de cidadania. Hoje, associamos
o conceito de cidadania à democracia. Mas a ideia
de cidadania possui uma longa história. O conceito de
cidadania é uma chave-central para a compreensão das
transformações sociais a partir da ação dos indivíduos
na história. Por quê? Ora, nós só reivindicamos o que
acreditamos que seja justo. Ao longo da história, gregos,
romanos, burgueses, escravos, mulheres e trabalhadores
organizaram-se e conquistaram direitos. Em cada
conjuntura histórica, houve grupos sociais diferentes,
buscando transformações, orientados por seus valores
Figura 1.3: Hoje, associamos
o conceito de cidadania à morais e políticos.
democracia.
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_
LHpBHKSzgo0/TCnfgJ5wf9I/
AAAAAAAAD4c/-l57oiWCnzg/
s320/democracia2.jpg

16
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

Quando um conceito torna-se muito usado, muitas vezes


perdemos de vista o seu sentido original. A cidadania é a condição
do cidadão. Agora responda: Quem é o cidadão? De acordo com
o Dicionário Aurélio:

“Cidadão: 1. Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos


de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com
este. 2. Habitante da cidade” (FERREIRA, 1982, p. 324).

A primeira definição ressalta, portanto, a cidadania como


uma relação entre duas partes: o indivíduo e o Estado. O cidadão
é o indivíduo que possui direitos garantidos pelo Estado e que deve
obrigações ao mesmo. A segunda definição remete à origem da
palavra cidadão, do latim, civitas. Originalmente, o cidadão era o
habitante da cidade. Hoje, o cidadão é um indivíduo que pertence
a uma comunidade, como uma cidade ou um país.

Um dos objetivos desta aula é você perceber que a condição


do cidadão não foi sempre a mesma, as relações entre indivíduos e
Estado passaram por muitas transformações desde a Grécia antiga.
Se nós somos sempre incentivados a lutar pelos nossos direitos,
isso se deve em parte às transformações sociais que geram novas
expectativas nas pessoas e, em consequência, novas reivindicações.

Muitos historiadores identificam na Grécia antiga, as origens


históricas da ideia de cidadania como participação na vida
política. A democracia antiga era uma democracia direta, isto é,
não havia representantes políticos, como presidentes da República,
senadores ou deputados. Nas Cidades-Estado, como Atenas, os
cidadãos participavam diretamente das decisões políticas através
de assembleias e de conselhos. Eles decidiam coletivamente em
assembleias se iriam declarar uma guerra ou não, por exemplo. Isso
era tão importante que muitas vezes os escritores gregos usavam a
noção de isegoria, o direito universal de falar na assembleia, como
sinônimo de democracia. Quer dizer, o exercício da cidadania
consistia em participar ativamente das decisões políticas.

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História dos Movimentos Sociais no Brasil

LennieZ
Figura 1.4: Grécia antiga: as origens históricas da ideia de cidadania como
participação na vida política.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Acropilos_wide_view.jpg

Na Grécia antiga, a condição de cidadão pressupunha


igualdade e liberdade. Todos os cidadãos eram considerados iguais,
daí a valorização da opinião de cada um nas assembleias. Mas nem
todas as pessoas que habitavam as Cidades-Estado gregas eram
cidadãos: os escravos não possuíam liberdade, e as mulheres e os
estrangeiros apesar de serem livres, não eram considerados iguais.

Como você pode ver, as democracias antiga e moderna


são muito diferentes. Mas as concepções de cidadania, apesar de
algumas diferenças, possuem características comuns. A concepção
moderna de cidadania compartilhada na atualidade pelo Ocidente
tornou-se muito influente a partir dos grandes eventos históricos que
foram as revoluções americana, inglesa e francesa.

O que há em comum nessas três revoluções? Esses


acontecimentos históricos foram reações ao absolutismo e à
sociedade de Antigo Regime. Eles são considerados revolucionários
por defenderem novos princípios para a organização do Estado. Em

18
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

monarquias absolutistas, o rei é soberano: reina e governa de acordo


com a sua vontade, sem observar leis. Em sociedades de Antigo
Regime, as pessoas possuíam direitos e deveres de acordo com as
suas origens: camponeses, burgueses, nobres. No entanto, essas
sociedades foram se diversificando, os burgueses - moradores das
cidades ou burgos - enriqueceram com a expansão das atividades
comerciais. No século XVII, os burgueses constituíam um grupo
social economicamente importante, mas sem direitos de participar
na vida política.

As revoluções inglesa, americana e francesa são resultados de


reivindicações de burgueses. A partir delas se firmaram importantes
princípios liberais. Em primeiro lugar, o princípio da igualdade entre
os homens. Quer dizer, todas as pessoas tornaram-se iguais perante
o Estado. Na prática, você sabe o que isso significa? Significa que
as leis são iguais para todos os cidadãos e que estes possuem os
mesmos direitos e obrigações com o Estado.

Em segundo lugar, outro princípio, então revolucionário, era o


da soberania nacional. Se todos os homens são iguais, quem deve
exercer o poder? O Estado deixou de ser comandado de acordo
com a vontade de um monarca absoluto e passou a ser organizado
conforme a vontade do conjunto de cidadãos - a vontade nacional.

Figura 1.5: As revoluções inglesa, americana e francesa firmaram importantes princípios liberais.
Fontes: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Battle_of_Naseby.jpg; http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Washington_
Crossing_the_Delaware_by_Emanuel_Leutze,_MMA-NYC,_1851.jpg; http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Prise_de_la_
Bastille.jpg

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História dos Movimentos Sociais no Brasil

Em 1789, os revolucionários franceses criaram a “Declaração


dos Direitos do Homem e do Cidadão”, um documento em que se
encontram os novos princípios pelos quais tanto lutaram. Leia com
atenção:

Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão


França, 26 de agosto de 1789

Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções

sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a


prosperidade, a segurança e a resistência à opressão.

Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na

nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que

dela não emane expressamente.

Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique

o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem

por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o

gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que

não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido

a fazer o que ela não ordene.

Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm

o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua

formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para

punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a

todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade

e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos

determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que

solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem

ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei

deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.

20
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente

necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida

e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado

e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da

sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo

opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública

estabelecida pela lei.

Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais

preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos

termos previstos na lei.

Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de

uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não

para utilidade particular daqueles a quem é confiada.

Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de

administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida

entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.

Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos

seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la

livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a

cobrança e a duração.

Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público

pela sua administração.

Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos

direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém

dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente

comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.


Fonte: www.direitoshumanos.usp.br

21
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Agora que você leu a Declaração dos Direitos do Homem e


do Cidadão pode refletir sobre a atualidade dos seus princípios.
Tais direitos podem ser classificados em duas categorias:

1. Os direitos civis:

• direitos de liberdade individual: liberdade da pessoa,


liberdade de expressão, pensamento e religião;

• direito de propriedade e de firmar contratos válidos;

• direito à justiça.

2. Os direitos políticos:

• direito de votar;

• direito de ser votado.

Os direitos à igualdade, liberdade e propriedade foram


conquistas da burguesia. No entanto, no decorrer dos séculos XIX
e XX, tornaram-se reivindicações dos trabalhadores. Nessa época,
o movimento operário também passou a reclamar melhores salários
e condições de trabalho. Diante das greves, os Estados passaram
a regulamentar os direitos dos trabalhadores, como as horas de
trabalho, as férias e a previdência social. No século XX, os direitos
sociais tornaram-se fundamentais.

Figura 1.6: No decorrer


dos séculos XIX e XX, o
movimento operário viu a
necessidade de reclamar por
melhores salários e condições
de trabalho.
Fonte: http://en.wikipedia.org/
wiki/File:Dore_London.jpg

22
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

De acordo com a definição da cientista política Elisa Reis, são


considerados direitos sociais "todo o espectro que vai do direito a um
mínimo de segurança e bem-estar econômico até o direito de gozar
integralmente do legado social e viver a vida de um ser civilizado,
segundo os parâmetros vigentes na sociedade" (REIS, 1998, p. 32).
Quer dizer, a noção de direitos de cidadania foi bastante ampliada,
compreendendo direitos à saúde, à educação, à habitação.

Direitos Humanos

No portal de Direitos Humanos da Universida-


de de São Paulo (USP), há várias sugestões de
outros sites relacionados à regulamentação dos
direitos humanos: www.direitoshumanos.usp.br. Lá
você poderá encontrar documentos históricos (como
a Lei de "Habeas Corpus"/1679) e a Convenção de
Genebra/1863), documentos sobre a justiça interna-
cional, documentos sobre os direitos humanos no Brasil
(como a Lei Maria da Penha/2006 e Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos/2003).

23
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Danton

Através da trajetória do líder revolucionário


ffrancês Danton, o filme apresenta a complexida-
de dos desdobramentos da Revolução de 1789,
apontando para a diversidade de projetos políticos
existentes entre os revolucionários franceses. Lançado
em 1982, pelo diretor polonês Andrzej Wajda, o filme
Danton teve grande repercussão na época, pois uma
das grandes discussões presentes nos anos 1980 era
justamente os rumos tomados pelas revoluções socia-
listas ocorridas no Leste Europeu e na União Soviética.
Na Polônia, especificamente, na mesma conjuntura,
o sindicato Solidariedade contestava a dimensão
autoritária do Estado, instaurado a partir do processo
revolucionário.
Danton, o processo da revolução. França/Polônia.
1982. Direção: Andrzej Wajda. 131 min.

Fonte: http://www.imdb.com/title/tt0083789/

24
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

Atende ao Objetivo 1

1. Compare os direitos previstos na Constituição de 1988 e a "Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão". Quais são os direitos em comum? Quais são as diferenças entre
os dois documentos? Você pode conhecer os nossos direitos na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 no portal: www.planalto.gov.br. Veja especialmente o Título
II Dos direitos e garantias fundamentais.

Resposta Comentada
A “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” sistematizou alguns princípios liberais
vigentes até hoje: a igualdade entre os cidadãos; a liberdade de expressão; a separação de
poderes; o fim da arbitrariedade nas relações entre o Estado e o cidadão, já que não há crime
senão os previstos em lei, e ninguém poderá ser punido, senão conforme a lei. Por outro lado,
no período de 1789 até 1988 os movimentos feminista e dos trabalhadores obtiveram algumas

25
História dos Movimentos Sociais no Brasil

conquistas que diferenciam os dois documentos. De acordo com a Constituição de 1988, não
só todos os cidadãos são iguais, mas “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”;
outra diferença são os direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança.

Cidadania e identidade no Estado-nação

"Somos milhões em ação


Pra frente Brasil, no meu coração
Todos juntos, vamos pra frente Brasil
Salve a seleção!!!
De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o
Brasil deu a mão!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!!!" (Miguel Gustavo, 1970)

Em ano de Copa do Mundo, você não sente um friozinho


na barriga, quando ouve essa música? Nenhum brasileiro fica
indiferente. Ser cidadão também significa fazer parte de uma
comunidade. O conceito de cidadania compreende as noções de
pertencimento e de identidade.

Figura 1.7: Salve a seleção!


Fonte: http://www.sxc.hu/photo/553856

26
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

Quando conhecemos um estrangeiro, logo perguntamos a


sua origem. Rapidamente, a pessoa informa a sua nacionalidade,
provavelmente essa é a identidade primeira dos indivíduos na
atualidade. Mas nem sempre foi assim. Na Grécia antiga, as
Cidades-Estado caracterizavam a identidade dos cidadãos, eles
eram de Atenas ou de Esparta, por exemplo. Na sociedade medieval,
as pessoas identificavam-se como camponeses, burgueses ou nobres.
As revoluções liberais foram acontecimentos centrais no processo de
consolidação dos Estados-nação, quando os países, os territórios
nacionais, tornaram-se o lugar natural da cidadania.

A nacionalidade tornou-se uma identidade central para os


indivíduos através de um longo processo histórico incentivado
pelos dirigentes dos Estados-nação. Em cada país, em diferentes
circunstâncias, as autoridades escolheram um hino e uma bandeira
para representar a nação. Nas escolas, um dos lugares mais
importantes para a socialização das crianças, elas aprendem
primordialmente a língua, a cultura e o passado comum - a história
nacional. Na Copa do Mundo, cada um torce e sofre... pela seleção
do seu país.

Figura 1.8: É assim que um torcedor argentino torce pelo seu país.
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-zRxsPADJb8Y/UBAEugx6JbI/AAAAAAAABss/
l0P8LYpJztQ/s1600/Argentino+Chorando.jpg

27
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Em 1970, algumas pessoas, em sinal de protesto contra a


ditadura torceram contra o Brasil na Copa. Elas tinham certeza de
que as autoridades iriam festejar a vitória da seleção de futebol como
uma vitória de todos, inclusive deles. Quer dizer, nós identificamos
o Estado – as autoridades políticas e a administração pública –
com a nação, esse vínculo de solidariedade que faz com que os
brasileiros sintam-se unidos como “um só coração”. De maneira
que a nacionalidade é tanto uma expressão da identidade entre os
indivíduos que nasceram no mesmo país, como uma garantia de
reconhecimento de direitos por um Estado-nação.

A ditadura no cinema

Em 1970, em plena ditadura, os brasileiros


torceram e comemoraram a vitória da seleção da
Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, muitos presos
políticos eram torturados nas prisões brasileiras.
Pra frente, Brasil. Direção: Roberto Farias. 104 min.
1982

Fonte: http://odiscretocharmedascapas.blogspot.com/2009/05/pra-frente-
brasil-roberto-farias-1982.html

28
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

Mas a cidadania é uma condição em constante


transformação. No século XIX, nem todas as
pessoas nascidas no Brasil eram reconhecidas
como cidadãos. Havia uma divisão entre cidadãos
e não cidadãos. Os escravos não eram cidadãos. Não
possuíam um direito fundamental: a liberdade. No Im-
pério, apenas os cidadãos com renda líquida anual de
100 mil reis podiam votar. A partir da proclamação
da República, todos os cidadãos tornaram-se eleitores.
Todos? Nem todos. Apesar de estar previsto na Consti-
tuição de 1891, o sufrágio universal, as mulheres não
votavam, nem os analfabetos. Depois de muitas reivin-
dicações, o Estado brasileiro reconheceu o direito das
mulheres. Nas eleições de 1934, as mulheres votaram
pela primeira vez. Os analfabetos, por sua vez, só
passaram a votar a partir da Constituição de 1988.
No Brasil, os principais direitos trabalhistas foram
criados na década de 1930. No entanto, os trabalha-
dores rurais só conquistaram os mesmos direitos nos
anos de 1960.

Figura 1.9: No século XIX, os escravos não eram considerados


cidadãos por não possuírem o direito fundamental da liberdade.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Pelourinho.jpg

29
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Como você pode perceber, nem sempre o Estado reconhece


os mesmos direitos para todos os cidadãos. Quer dizer, muitos
direitos não são universais. É justamente através de movimentos
sociais que se conquistam novos direitos, muitas vezes direitos que
outros grupos já possuem.

A partir dos anos de 1970, os movimentos sociais relativos


aos direitos das mulheres e dos negros tornaram-se significativos. Tais
grupos procuravam mostrar que a igualdade jurídica, a igualdade
diante da lei, não oferecia a igualdade de condições na sociedade.
Nesse mesmo sentido, percebeu-se que outros grupos sociais também
precisavam de uma atenção específica do Estado, como as crianças,
os adolescentes e os idosos. Daí, a elaboração de declarações e
estatutos variados.

Qual o sentido atual da cidadania? Muitos filósofos e


cientistas políticos questionam o sentido da cidadania no mundo
contemporâneo. Qual o significado mais valorizado pelas pessoas
atualmente, o ideal republicano de participação na vida pública ou o
direito de gozar prerrogativas - o cidadão é apenas um consumidor
de direitos? Se você abdica de participar da vida pública, será que
os seus direitos estão mesmo assegurados?

Atende ao Objetivo 2

2. Você sabe que a conquista do reconhecimento de direitos pelo Estado pressupõe um longo
processo histórico de lutas. Nenhum grupo social recebe direitos de presente. Em 1917,
o Jornal das Moças publicou um texto sobre o voto feminino. Quais as etapas necessárias
para a conquista desse direito, citadas no texto?

30
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

Jornal das Moças, Rio de Janeiro, 8/3/1917.

O Feminismo.

“Teve início entre nós um auspicioso movimento feminista. Um partido feminino,


organizado pelas mais representativas figuras do belo sexo, prepara-se para obter o
direito do voto.

A primeira representação foi enviada à Câmara, servindo de intérprete nesta


casa do nosso Parlamento um dos seus conspícuos membros, que defendeu o sufragismo
feminino.

A autonomia da mulher é um direito, imprescindível na evolução humana. (...)


Essa evolução social é o produto das Democracias, originárias também do programa de
libertação elaborado com a revolução de 1870 que, apesar de se ter cingido unicamente
à conquista dos direitos do homem, produziu, como se vê, metamorfoses nos sentimentos
e nas concepções da mulher. (...) A experiência e os fatos têm demonstrado o quanto é
dedicada a mulher na atividade, e na atual guerra elas prestam relevantíssimos serviços
substituindo o homem, que segue para as linhas de batalha. (...) Precisam as minhas
patrícias de ter o direito de voto, o que não é fácil de conseguir, dependendo de muita
propaganda e trabalho; mas nem por isso se torna difícil desde que todas se façam
arrojadas e dedicadas.

A Câmara deve discutir o assunto na próxima sessão legislativa, e por essa ocasião
quem será a nossa Pankhursts das ruas, para assumir a chefia do movimento?” A.C.C.

Obs: Pankhurst era o sobrenome das feministas inglesas Emmeline, Christabel e Sylvia.

31
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
Não sabemos de quem é a autoria do texto, se de um homem ou de uma mulher. Mas podemos
perceber que era um entusiasta dos direitos das mulheres. Nesse sentido, considera a luta
pelo voto feminino um desdobramento do movimento republicano (1870) que defendia o voto
universal. O autor entende que as mulheres devem se organizar, fazer propaganda, encaminhar
suas reivindicações à Câmara dos Deputados.

Direitos da criança, nas leis e nas can-


ções.

O poeta e músico Arnaldo Antunes escreveu uma


composição intitulada "Criança não trabalha" que
pode ser usada em sala de aula para explorar o tema
Cidadania, pois ele apresenta vários direitos das
crianças. Se você quiser, pode comparar a canção
com o "Estatuto da Criança e do Adolescente" (ECA).

"Criança não trabalha"


Lápis, caderno, chiclete, pião
(...)
Giz, merthiolate, band-aid, sabão
Tênis, cadarço, almofada, colchão
Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-
pega, papel, papelão
Criança não trabalha, criança dá trabalho
Criança não trabalha...

32
Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

1, 2 feijão com arroz

3, 4 feijão no prato

5, 6 tudo outra vez...

A canção "Criança não trabalha" é um manifesto con-


tra o trabalho infantil e a favor dos direitos da criança.
Os versos são formados por palavras que representam
um mundo ideal para as crianças: o direito à edu-
cação está caracterizado pelo lápis e pelo caderno;
direito à saúde está presente na referência ao merthio-
late, ao band-aid e ao sabão; o direito à alimentação
você encontra no refrão "1, 2 feijão com arroz / 3, 4
feijão no prato". Mas o que caracteriza a composição
de fato são as referências às inúmeras brincadeiras: o
direito da criança à infância, longe do mundo do tra-
balho. Como prevê o "Estatuto da Criança e do Ado-
lescente", no Art. 16., o direito à liberdade da criança
compreende inclusive os direitos de brincar, praticar
esportes e divertir-se. Veja: www.pgr.mpf.gov.br
No portal da Procuradoria Geral da República, você
encontra informações sobre a competência e a orga-
nização desse órgão extremamente importante para o
cumprimento dos direitos de cidadania. Além disso, há
reproduções na íntegra de declarações e convenções
internacionais, leis e estatutos brasileiros relativos aos
direitos de cidadania.

33
História dos Movimentos Sociais no Brasil

CONCLUSÃO

O conceito de cidadania possui um importante elemento


utópico. Em todas as experiências históricas, as declarações de
direitos são verdadeiros manifestos políticos, expressam ideais a
serem conquistados. Todos os direitos foram resultados da busca por
justiça ou igualdade, foram objeto de reivindicações de classes ou
grupos sociais que se organizaram e acreditaram na possibilidade
de transformações sociais.

Atividade Final 

Atende aos Objetivos 1 e 2.

As transformações históricas provocam reivindicações de novos direitos e também criam


novas maneiras do cidadão verificar se os seus direitos estão sendo cumpridos. Cada
vez mais, as autoridades e os funcionários públicos têm sido pressionados a informar ao
cidadão contribuinte como gastam o dinheiro arrecadado com os impostos. Escreva uma
redação sobre o uso da Internet como um meio de controle de informações relativas ao
serviço público. Pesquise na rede mundial de computadores:

a) como a sociedade brasileira têm se organizado para observar se os direitos do cidadão


são cumpridos;

b) como o Estado brasileiro procura cumprir seus deveres em relação aos cidadãos.
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Aula 1 – História dos movimentos sociais: conceitos e definições

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Resposta Comentada
É possível observar nos portais de órgãos da administração pública, tanto o andamento de
projetos de lei no Congresso Nacional, como as compras do Ministério da Saúde, ou envio de
material didático e recursos para as escolas públicas pelo Ministério da Educação.

Resumo

A história dos movimentos sociais na contemporaneidade


é uma história de lutas pela construção de novos consensos por
classes ou grupos sociais interessados em participar do Estado.
Uma história da luta de coletividades frente a outras, conquistas
históricas, produtos de disputas políticas. De acordo com o momento
histórico e com as expectativas de cada grupo social a igualdade
será qualificada de maneiras diferentes.

35
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Informações sobre a próxima aula

Na próxima aula, você conhecerá as associações operárias


constituídas por anarquistas, socialistas, comunistas e cooperativistas
na Primeira República.

36
Aula  2
Primeira República:
socialistas,
anarquistas,
comunistas e
cooperativistas
Lucia Grinberg
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta da aula

Apresentar as principais iniciativas do movimento operário na


Primeira República (1889-1930).

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. descrever as relações entre movimento operário e o processo de expansão da cidadania


na Primeira República;
2. identificar a diversidade política e ideológica no movimento operário e as respectivas
propostas de articulação entre classe trabalhadora, patronato e Estado.

Pré-requisito

Para que você compreenda melhor esta aula, é importante que relembre as Aulas 1 e 2
da disciplina História do Brasil III sobre a Primeira República.

38
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

Introdução

Em 1978, o movimento operário conseguiu mobilizar milhares


de trabalhadores em plena ditadura, surgindo novamente no cenário
político nacional como um dos poucos atores coletivos capazes de
pressionar o governo pelo fim do autoritarismo. Nos programas de
pós-graduação de Ciências Sociais e de História, os estudos sobre
o tema tomavam a atenção de uma geração de pesquisadores. No
mesmo ano, o sociólogo Luiz Werneck Vianna publicou Estudos
sobre sindicalismo e movimento operário, resenha bibliográfica em
que apresentava um panorama da produção da época (VIANNA,
1978). De acordo com Vianna, muitas obras caracterizavam-se
“no modo quase acrítico com que incorporam como suposto para
suas análises as interpretações contidas em relatos memorialísticos,
escritos ou não, de alguns importantes personagens que viveram a
experiência sindical e operária na Primeira República” (VIANNA,
1978, p. 9). De lá para cá, nos últimos trinta anos, cientistas sociais
e historiadores têm se empenhado na crítica às fontes primárias
como biografias, memórias e depoimentos de militantes, fontes
indispensáveis nos estudos sobre movimentos sociais, como podemos
ver, por exemplo, nas pesquisas realizadas a partir de fontes orais.

Ainda em 1978, Werneck Vianna apontava um aspecto


fundamental, a percepção de que a maioria dos estudos considerava
“a perda nos anos 20, por parte da classe operária da sua autonomia,
espontaneidade e ímpeto revolucionário, apesar de ter iniciado
nessa fase a ocupação de um espaço próprio na arena política e
organização sindical em moldes modernos” (VIANNA, 1978, p. 9).
Após trinta anos, ao longo do curso, vamos observar que a análise
das margens de autonomia da classe trabalhadora em relação ao
Estado ou a dirigentes partidários, a busca da espontaneidade
ou do ímpeto revolucionário, assim como a compreensão da sua
capacidade organizacional são questões centrais nos estudos sobre
movimento operário e sindicalismo.

39
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Nos anos 1980, Ângela de Castro Gomes defendeu a tese


A invenção do trabalhismo, apresentando uma nova interpretação
sobre a constituição da classe trabalhadora brasileira como ator
coletivo. Em primeiro lugar, a autora destaca seu pressuposto que
a constituição de uma classe não é apenas um fato de história
econômica, mas igualmente um fato de história política e cultural,
essencialmente ligado à história política de cada país. Tratava-se
de investigar a experiência dos trabalhadores no país, a partir da
definição de classe de E. P. Thompson de que “uma classe existe
quando um grupo de homens que compartilham experiências comuns
[...] são capazes de materializá-las em tradições, sistemas de valores,
ideias e formas institucionais. É no decorrer deste processo que
se constrói uma identidade coletiva de interesses próprios a uma
classe, distintos dos interesses de outras classes” (GOMES, 1988,
p. 17). Neste sentido, portanto, o estudo das experiências da classe
trabalhadora compreendia tanto seus discursos quanto suas práticas
o que pode ser sintetizado na noção de “palavra operária”, conforme
indicado pela autora:

“A ‘palavra operária’, no dizer de Sewell, trabalha criando


uma nova identidade pela releitura de valores e tradições, por
vezes multisseculares, que são transformados e fundidos com
categorias de outras origens políticas, em momentos densos
de mudança social. Tal discurso lida com certos elementos
básicos que demarcam o lugar do trabalhador no mundo da
produção, na sociedade em geral e frente à política nacional
em especial. Estes elementos envolvem toda uma ética do
trabalho e de valorização da figura do trabalhador, além de
situar a questão de suas formas de organização profissional
e política. O problema da organização é, portanto, outra
face do processo de criação de uma identidade coletiva.
As práticas associativas são a forma de implementar um
comportamento operário que abarca o trabalhador dentro
e fora de seu local de trabalho e que opera o sentimento de
pertencimento que deve marcar este ator coletivo” (GOMES,
1988, p. 17).

40
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

Na Primeira República (1889-1930), havia grande diversidade


entre os trabalhadores, havia imigrantes e brasileiros, brancos,
negros e mulatos, entre os quais muitos libertos recentemente da
escravidão. Entre as lideranças dos trabalhadores, havia propostas
políticas distintas cujo maior desafio, em primeiro lugar, era a
mobilização de operários e de operárias para a participação no
próprio movimento. Nesta aula, vamos conhecer as experiências de
socialistas, anarquistas e cooperativistas em disputa pela “palavra
operária”.

A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NA PRIMEIRA


REPÚBLICA

A historiografia sobre a Primeira República durante muito


tempo apresentou um quadro bastante desolador da política no
país. Por muito tempo, entre historiadores e cientistas políticos,
a Primeira República pecava por não fazer jus aos princípios
liberal-democráticos da Constituição de 1891. Entre muitos
contemporâneos, a percepção era a mesma: a república era pouco
republicana. Em 1989, na ocasião do centenário da proclamação
da República no Brasil, foram produzidos ensaios historiográficos
que indicavam o diagnóstico recorrente relativo às insuficiências do
regime. Há críticas em muitos sentidos, principalmente em relação
à autenticidade da representação política. Em primeiro lugar, no
campo e nas cidades, a representação política era distorcida através
do “voto de cabresto” e das fraudes nas eleições, os conceitos
de “coronelismo” e de “clientelismo” traduziam a limitação dos
vínculos entre representantes e representados. Em segundo lugar,
mesmo se fossem eleitos candidatos independentes (quer dizer, de
outros partidos que não os partidos republicanos de cada estado)
a Comissão Verificadora de Poderes encarregar-se-ia de impedir a
posse dos mesmos. Afinal, os partidos políticos seriam apenas uma
associação de clãs familiares sem distinção ideológica.

41
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 2.1: Charge de Storni, publicada na revista Careta em 1927. Na


legenda original lê-se: “Ella – É o Zé Besta? Elle – Não, é o Zé Burro!”. A charge
critica a autenticidade da representação política na Primeira República, que era
distorcida através do “voto de cabresto”.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Elei%C3%A7%C3%B5es_de_cabresto.jpg

Desde então, nos últimos vinte anos, alguns historiadores


e cientistas políticos mostraram como a compreensão da política
na Primeira República havia sido negligenciada durante muito
tempo como objeto de estudos na sua especificidade. Quer dizer,
considerando a existência de uma autonomia relativa entre a
política e a economia, principalmente. Nas últimas décadas
foram elaboradas várias pesquisas sobre a política no período,
sendo importante destacar as obras de Renato Lessa, A invenção
republicana (1ª ed. 1989), Marieta de Moraes Ferreira, A república
na velha província (1ª ed. 1989), José Murilo de Carvalho, A
formação das almas (1ª ed. 1990) e de Mônica Viscardi, O teatro
das oligarquias, (1ª ed. 2001). Todos os pesquisadores destacavam
a necessidade de investir no aprofundamento das investigações
sobre a política institucional para compreender a dinâmica do
regime republicano. Então se dedicaram especialmente em estudar

42
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

o modelo Campos Salles ou a “política dos estados” (LESSA, 1989),


o imaginário relativo aos modelos de república (CARVALHO, 1990),
as campanhas eleitorais e as sucessões presidenciais ou a “política
do café com leite” (VISCARDI, 2001)

Por outro lado, a Primeira República também aparece com


frequência em estudos históricos e em livros didáticos como um
período no qual florescia o movimento operário nas cidades do Rio de
Janeiro e de São Paulo. Um tempo em que trabalhadores brasileiros
e imigrantes italianos, espanhóis e portugueses dedicavam-se a
associações anarquistas, socialistas e comunistas, principalmente.
Nesta aula, um dos objetivos é justamente compreender a
conformação de um modelo de República e as relações com as
experiências do movimento operário no mesmo período.

Organização Política na Primeira Re-


pública

Em 15 de novembro de 1889, o marechal De-


odoro da Fonseca proclamou a República. Era o
fim da monarquia, o fim do Império do Brasil funda-
do com a Independência (1822). D. Pedro II deixou
de ser imperador. Cetro e coroa já não eram mais
símbolos de poder no novo regime. Tornaram-se peças
de museu. A antiga família imperial foi para o exílio,
em Paris.

43
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Mas como seria esse novo regime? Os políti-


cos e os militares envolvidos na conspiração
para acabar com a monarquia tinham concep-
ções diferentes de como organizar a República.
Os políticos de Minas Gerais, São Paulo e Rio
Grande do Sul defendiam uma República federativa
que garantisse maior autonomia aos estados. Os
militares defendiam um Poder Executivo forte, eram
contrários à autonomia dos estados e à realização de
eleições.
A partir da Constituição de 1891, os estados passa-
ram a ter maior autonomia: podiam contrair emprésti-
mos no exterior e organizar forças militares próprias,
por exemplo. De acordo com as novas regras do
jogo, o sistema político era presidencialista. O presi-
dente, os governadores, os senadores, os deputados,
os prefeitos e vereadores eram eleitos pelo voto direto.
Mas as mulheres e os analfabetos não tinham o direito
de votar, muito menos o direito de se candidatar.
Quem participava desse jogo? Na Primeira Repúbli-
ca, as oligarquias monopolizavam o espaço político
parlamentar. Quer dizer, os presidentes da República,
ministros, governadores, senadores e deputados ti-
nham origem, principalmente, em famílias de grandes
proprietários de terras, os quais formavam as oligar-
quias estaduais.

44
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

A partir do governo do presidente Campos


Sales (1898-1902), as relações entre a União e
os estados passaram a ser ditadas pela chama-
da “política dos governadores”. Havia eleições
para os cargos de senadores e deputados. Mas a
Comissão de Verificação de Poderes só dava posse
aos parlamentares mais votados de cada estado que
pertencessem ao partido da situação, o partido do go-
vernador. Isso na prática significava o fortalecimento
do governador e a impossibilidade de fazer oposição
em cada estado. Assim, o Presidente da República
garantia o apoio de todos os governadores e dos par-
lamentares, ou seja, o Executivo governava sempre
com o apoio do Legislativo.
Nos anos 1920, a forte restrição à participação na
vida pública imposta pela “política dos governadores”
teve uma série de desdobramentos, diferentes grupos
sociais organizaram movimentos políticos, contestan-
do a ordem vigente. Entre os militares também havia
insatisfação com o regime político. Durante a Primei-
ra República, houve uma série de revoltas militares:
Revolta do Forte de Copacabana (1922), Revolução
de 1924 (São Paulo), Coluna Prestes – Miguel Costa
(abril/1925). Como os participantes dessas revoltas
eram tenentes, esse movimento tornou-se conhecido
como “tenentismo”. Eles criticavam a organização
política conquistada pelas oligarquias e defendiam a
centralização do Estado através de um poder Executi-
vo forte.

45
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Revolta do Forte de Copacabana (1922)


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Os_18_do_
Forte.jpg

Na Aula 3, você estudará três movimentos de traba-


lhadores rurais. No sertão da Bahia, às margens do
rio Vaza-Barris, entre 1893 e 1897, os sertanejos
formaram uma povoação: o Arraial de Canudos. No
sul, ocorreu a guerra do Contestado (1912-1913), em
região entre Santa Catarina e Paraná. No Ceará, em
um sítio localizado na Serra do Araripe, organizou-
-se a Irmandade do Caldeirão, a experiência menos
conhecida. Em comum, a luta pela posse da terra, a
experiência do trabalho comunitário e o messianismo.

OS SOCIALISTAS

Durante a Primeira República, Evaristo de Moraes (1871-


1939) prestou assistência jurídica ao movimento operário, advogou
para organizações como a Associação dos Carroceiros e a
Associação dos Trabalhadores em Trapiche e Café. A sua produção
intelectual, assim como as suas atividades profisssionais sempre
possuiram um engajamento político desde sua participação nos
movimentos abolicionista e republicano. Na “Coluna Operária”, do

46
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

jornal Correio da Manhã, Evaristo denunciava a repressão policial


às manifestações de trabalhadores e o descumprimento de regras
processuais no Judiciário.

“‘É incrível a maneira porque fazem os processos de


flagrantes na delegacia da 3a. urbana’ [...]. ‘Encontrar
uma patrulha uma comissão de grevistas confabulando com
qualquer companheiro, convencendo-o de que deve aderir ao
movimento grevista e das vantagens que pode auferir desta
atitude, estes são logo presos e autuados naquela delegacia.
As testemunhas são quase sempre agentes de polícia’”.
Evaristo de Moraes. A greve – arbitrariedades policiais.
Correio da Manhã, 25/12/1906. (apud MENDONÇA,
2007, p. 106 - 107).

É lugar comum sobre o tema, a frase do presidente Washington


Luiz (1926-1930) de que a questão social era caso de polícia.
No entanto, os estudos sobre o movimento operário na Primeira
República mostram que se a reação das autoridades era enviar a
polícia para reprimir as manifestações de trabalhadores, essa atitude
não era considerada a mais adequada por todos. Após a abolição
da escravidão, em 1888, e a Proclamação da República, em
1889, havia trabalhadores, advogados, militares, entre outros, que
almejavam construir um regime baseado nos princípios de igualdade,
liberdade e fraternidade, o qual contemplaria as reivindicações dos
operários.

Entre os militantes socialistas brasileiros havia a compreensão


de que era preciso organizar um partido operário para concorrer às
eleições com as demais agremiações. Com certeza, os socialistas
brasileiros tinham como inspiração a experiência bem sucedida do
Partido Social-Democrata alemão, fundado em 1875 (SCHMIDT, p.
142, 2007). Logo após a Proclamação da República, duas lideranças
socialistas, o tipógrafo negro Luiz França e Silva e o tenente José
Augusto Vinhaes trabalhavam pela criação de partidos políticos.
Em 1890, Vinhaes fundou o Centro do Partido Operário (CPO),

47
História dos Movimentos Sociais no Brasil

que atuava como mediadora em conflitos trabalhistas, assim como


oferecia serviços assistenciais e atividades culturais, e recreativas
aos trabalhadores, e participava das disputas eleitorais. O próprio
tenente Vinhaes foi eleito para a Câmara Federal, em 1890.

A principal divergência entre as propostas de Luiz França e


Silva e do tenente José Augusto Vinhaes era a defesa da colaboração
com governos e grupos dominantes, por José Augusto Vinhaes, e
a defesa da autonomia política do operariado por Luiz França e
Silva. Naquela conjuntura, os jornais fundados pelas organizações
socialistas eram dos instrumentos mais importantes para a divulgação
de suas ideias e, hoje, constituem fontes primárias das mais
importantes para a pesquisa histórica porque nos permitem conhecer
seus objetivos e suas práticas.

Figura 2.2: José Augusto Vinhaes (1858-1941) fundador do Centro do Partido


Operário (CPO), em 1890, defendia a possibilidade de colaboração entre
organizações operárias e os governos e grupos dominantes.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tenente_Jos%C3%A9_Augusto_Vinhaes.jpg

48
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

De acordo com Luiz França e Silva,

“os operários não devem fortalecer com o seu apoio os


partidos políticos que disputam a posse do poder, mas, sim,
formarem um partido puramente seu que enfrente o que
estiver governando, sem o que ficarão sendo os operários a
mesma coisa que nos tempos do Império”. A Voz do Povo.
(SCHMIDT, 2007, p. 147).

Quer dizer, tratava-se de afirmar a cidadania operária através


da participação no parlamento, como podemos acompanhar em
outro artigo do mesmo grupo político:

“... o operário não irá ao Parlamento para discutir direito


civil, jurisprudência, tratados comerciais e internacionais,
pois essas funções cabem aos bacharéis, que frequentaram
os bancos acadêmicos, assim como cabe aos médicos discutir
higiene e aos militares a segurança interna e externa do país.
Ao operário cumpre apontar a inconveniência dos impostos
sobre certos gêneros de consumo, que tornam caríssima a
vida sobre outros gêneros de importação e exportação que,
colocando o industrial em difíceis contingências, o impede de
desenvolver suas fábricas, dar emprego e remunerar bem os
operários. Eis a missão das diferentes classes representadas
em um Parlamento oriundo da democracia”. Echo Popular,
2/8/1890, p. 1 (apud GOMES, 1988, p. 51).

De maneira geral, os socialistas caracterizavam-se pela


defesa da participação dos trabalhadores na vida pública através
do parlamento e da luta nos sindicatos, como podemos observar
no programa do Partido Socialista Brasileiro de 1902, no qual se
defendia:

49
História dos Movimentos Sociais no Brasil

a) a estratégia de participar das eleições;

b) a perspectiva, em relação ao Estado, de elaboração de uma


legislação trabalhista (limitação das horas de trabalho, visão
das greves como reguladores dos aumentos de salários e da
conquista de direitos sociais);

c) apoiar ligas de resistências e greves;

d) a evolução natural para o socialismo através de vitórias


graduais;

e) agremiações operárias: verba para “fundar e manter


instituições como bolsas proletárias, casas fornecedoras
proletárias para gêneros de primeira necessidade,
cooperativas de produção, escolas, postos médicos, [...]
advogados, companhias de compra e edificação de imóveis,
e até casas de diversão” (GOMES, 1988, p. 72).

Em A invenção do trabalhismo (2005), a historiadora Ângela


de Castro Gomes mostrou que as práticas associativas dos operários
logo após a proclamação da República consideravam a esfera dos
direitos políticos de cidadania como o terreno a ser conquistado.
No entanto, no início do século XX, o governo passou a dificultar
as manifestações cujo objetivo era justamente a maior participação
política da população. A partir deste momento, fortaleceram-se no
movimento operário iniciativas que procuravam conquistar direitos
de outras maneiras. Nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo,
principalmente, os operários e as operárias organizaram-se em
diferentes tipos de organizações: associações de ajuda mútua, ligas
e sindicatos.

50
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

Documentos sobre o Brasil Republicano

Atualmente, o professor de história contempo-


rânea pode contar com verdadeiros tesouros
para preparar as suas aulas. Várias instituições de
conservação, pesquisa e ensino de história disponibi-
lizam documentos e propõem atividades pedagógicas
em seus portais na rede mundial de computadores
relativos ao Brasil republicano. Os arquivos públicos
dos estados são importantes instituições de guarda,
conservação e garantia de acesso de documentos à
sociedade. Cada vez mais, têm se dedicado à tarefa
de divulgar através de exposições o material preserva-
do, o que pode ocorrer tanto nas sedes das instituições
como em seus portais.
No Rio de Janeiro, visite: http://www.aperj.rj.gov.br/
Em São Paulo, visite: www.arquivoestado.sp.gov.br/
Em Minas Gerais, visite: http://www.siaapm.cultura.
mg.gov.br/
Para estudar a Revolução de 1924, você pode visitar
uma exposição virtual e conhecer as atividades peda-
gógicas elaboradas a partir da documentação no por-
tal do Arquivo Público do Estado de São Paulo: http://
www.arquivoestado.sp.gov.br/exposicao_revolucao

51
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Atende ao Objetivo 1

1. O movimento operário na Primeira República era bastante diversificado, havia associações


anarquistas, socialistas e comunistas. Em 1927, os comunistas organizaram-se no Bloco
Operário para concorrer às eleições. Leia com atenção o trecho citado abaixo do Programa
do Bloco Operário e analise as medidas defendidas. Caracterize as suas ideias sobre as
relações entre Estado e classe trabalhadora:

“a) máximo de 8 horas de trabalho diário e 44 semanais, e redução a 6 horas diárias nos
trabalhos malsãos; b) proteção efetiva às mulheres operárias, aos menores operários com
a proibição do trabalho a menores de 14 anos; c) salário mínimo; d) contratos coletivos
de trabalho; e) o seguro social a cargo do Estado e do patronato, contra o desemprego,
a invalidez, a enfermidade, a velhice; f) enérgica repressão ao jogo e ao alcoolismo;
g) licença às operárias grávidas de 60 dias antes e 60 dias depois do parto, com
pagamento integral dos respectivos salários; h) extinção dos serões e extraordinários;
i) descanso hebdomadário em todos os ramos do trabalho, na indústria, no comércio,
nos transportes, na lavoura; j) proibição da dormida nos locais de trabalho; k) água
filtrada nas fábricas e oficinas; l) saneamento rural sistemático, visando à regeneração
física e moral do trabalhador agrícola, a higienização das condições de trabalho e
habitação na lavoura, assistência médica gratuita ao doentes pobres; m) fomento e
facilidades às cooperativas operárias de consumo e às cooperativas de produção na
pequena lavoura” (apud KAREPOVS, 2006, p. 58).

52
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

Resposta Comentada
Na Primeira República, os militantes comunistas, assim como os socialistas, organizaram-se
para concorrer às eleições, pois consideravam que a participação política no parlamento era
uma via legítima para consecução de seus objetivos. No Brasil, naquela época, os militantes
comunistas entendiam que o Estado deveria regular as relações entre patrões e trabalhadores,
principalmente através da garantia de direitos do trabalho, como podemos ler no programa
do Bloco Operário.

OS ANARQUISTAS

“A anarquia é a abolição do roubo e da opressão do homem


pelo homem, quer dizer, a abolição da propriedade individual e do
governo; a anarquia é a destruição da miséria, da superstição e do
ódio. Portanto, cada golpe desferido nas instituições da propriedade
individual e do governo, é um passo rumo à anarquia, assim
como cada mentira desvelada, cada parcela de atividade humana
subtraída ao controle da autoridade, cada esforço tendendo a elevar
a consciência popular e a aumentar o espírito de solidariedade e de
iniciativa, assim como a igualar as condições”. (Errico Malatesta.
Rumo à anarquia, [1910].)

53
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Os estudos históricos sobre o movimento operário identificam


os anarquistas como a principal força política da Primeira República,
influentes em diversas associações de trabalhadores e através de
muitos periódicos da imprensa anarquista como A Lanterna e A Plebe.
Eles disputaram abertamente com os socialistas a liderança entre os
operários, apesar da luta comum por direitos do trabalhador e pela
valorização da autoimagem do trabalhador como homem honesto
(GOMES, 1988, p. 91-92).

Errico Malatesta (1853 – 1932)

O italiano Errico Malatesta era uma das lideran-


ças anarquistas influentes entre os militantes no
país. Você encontra obras de Malatesta traduzidas
para o Português na seguinte página: http://www.
marxists.org/portugues/malatesta/index.htm

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:ErricoMalatesta.gif

54
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

Os militantes anarquistas e os socialistas defendiam estratégias


distintas, os primeiros defendiam historicamente os seguintes
princípios:

a) a abolição do Estado;

b) a recusa da tática eleitoral e parlamentar;

c) a oposição à ideia de partido centralizado;

d) a defesa da ação direta e a valorização da individualidade;

e) o anticlericalismo.

A principal divergência nas práticas de militantes operários


anarquistas e socialistas era o combate dos anarquistas ao desafio
da participação eleitoral tendo em vista atuar no parlamento. Os
militantes anarquistas consideravam o sindicato a melhor estratégia
política para a classe trabalhadora, era a organização necessária
e suficiente para as conquistas imediatas, assim como para a
transformação da sociedade (TOLEDO, 2007, p. 64). No caso dos
militantes anarquistas atuantes na Primeira República, eles eram
inclusive mais sindicalistas do que revolucionários, flexíveis em
relação a algumas questões doutrinárias e especialmente dedicados
ao fortalecimento dos sindicatos. Como podemos acompanhar no
artigo do militante anarquista Gigi Damiani (1876 - 1953):

“No sindicato tem lugar para todo mundo: quem paga as


quotas e faz greve quando há ordem é sempre um bom
companheiro, mesmo se é nacionalista e católico. No
sindicato, a propaganda idealista é uma ofensa, uma violação
aos direitos da barriga e à liberdade daqueles que não
estão nem aí com a abolição do Estado e da propriedade
capitalizada. Tudo o que não se refere às oito horas e aos
dez centavos a mais deve ser recusado”. (apud TOLEDO,
2007, p. 76).

55
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 2.3: Gigi Damiani: militante anarquista que defendia o fortalecimento dos
sindicatos e uma menor rigidez de algumas questões doutrinárias.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gigi_Damiani.jpg

Diferente dos socialistas, os anarquistas não almejavam apenas


transformações políticas, consideravam fundamental a realização
de uma “revolução social” para a qual se empenhavam através de
ações de propaganda, mas precisavam conquistar os operários e
operárias. É o que podemos perceber através do depoimento da
militante anarquista Elvira Boni:

56
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

“- O ateísmo dos anarquistas dificultava a propaganda do


movimento?
Dificultava. Muitas vezes, nos sindicatos, os operários diziam
que nem em casa podiam fazer uma propaganda intensa,
porque as mulheres não se conformavam com a falta de
religião. Eles diziam: ‘Temos um grande inimigo, que são as
mulheres. Porque elas ouvem aquilo que a gente fala, depois
vão se confessar e contam ao padre o que a gente diz, o que
a gente faz’. E eu tive muita oportunidade de dizer: ‘Não
são as mulheres que são inimigas de vocês. Vocês é que não
sabem captar a simpatia das mulheres. Porque a religião é
a última coisa que se tira de uma mulher. Vocês querem tirar
em primeiro lugar, vocês estão errados’. O próprio Otávio
Brandão, quando via uma procissão, gritava do bonde: ‘Olha
a carneirada!’ Isso era uma ofensa, não se devia dizer isso.
Embora o padre diga: ‘Venham a mim as minhas ovelhas’,
ninguém quer ser chamado de carneiro”.
“ - Havia possibilidade de uma pessoa religiosa entrar para
um sindicato anarquista, ou essa pessoa não seria aceita?”
“ - Sempre seria aceita, religiosa ou não. Se ela vinha para
o sindicato, era para lutar a favor do sindicato. Não havia
dificuldade nenhuma. Depois, naturalmente, se procurava
catequizá-la, para que ela chegasse ao nosso ponto” (Elvira
Boni apud GOMES, Angela de Castro. Velhos militantes. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 38).

57
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Acervos documentais de militantes so-


cialistas, anarquistas e comunistas

Entre os periódicos anarquistas, A Lanterna: anti-


clerical e de combate, dirigido por Edgard Leuen-
roth, foi dos mais influentes. Você pode ler exemplares
de periódicos anarquistas e selecionar material para
usar em atividades pedagógicas no portal do Arquivo
Público do Estado de São Paulo: http://www.arquivo-
estado.sp.gov.br/upload/pdfs/jornais/LN19141003.
pdf
“Cartum anarquista publicado, em 1916, no jornal A
Lanterna. Na legenda, original lê-se: “O que urge fazer.
Enforcar o útimo rei com as tripas do último frade”:

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:O_que_urge_fazer_(A_
Lanterna,1916).jpg

No portal do Arquivo Edgard Leuenroth, você encontra


referências de acervos documentais de militantes
socialistas, anarquistas e comunistas. Entre as coleções
depositadas no AEL estão os arquivos de Antonio
Piccarolo, Astrojildo Pereira, Edgard Leuenroth, Evaristo
de Moraes, Maurício de Lacerda e Octavio Brandão, por
exemplo. Visite a página: http://segall.ifch.unicamp.
br/site_ael/

58
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

Atende ao Objetivo 2

2. A Primeira República tornou-se conhecida como uma república oligárquica, uma vez que,
de fato, quem participava majoritariamente da vida pública eram as famílias de proprietários.
No entanto, no mesmo período, lideranças de trabalhadores também investiram na criação
de partidos políticos e de sindicatos tendo em vista lutar por direitos. Em 1918, o anarquista
José Oiticica divulgou suas críticas ao sistema representativo no artigo “O sufrágio universal”.
Analise o trecho abaixo e caracterize a disputa pela “palavra operária” entre anarquistas
e socialistas no período:

“Jean Grave definiu o sufrágio universal: esse recrutador de mediocridades. Essa


definição exata condena a democracia. Os inventores dessa burla conheciam bem a
massa rude que tinha de engodar, e ergueram-na a ídolo, para substituir, na consciência
ludibriada dos escravos, o ídolo do poder real, de emanação divina.
[...] E o sufrágio universal se alçou como princípio da revolução triunfante. A massa
contentou-se, submeteu-se à aparência de sua autonomia. O republicanismo, o
parlamentarismo, o sistema representativo, em suma, teve seus apóstolos, seus teoristas,
seus executores fiéis, desafogou um pouco a ânsia de rebeldia e logrou, como resultado
principal, iludir o proletariado, dar-lhe a crença de libertação com a velha moeda do
sufrágio: ‘Tens o direito de escolher o teu representante; tens o voto; logo, és dono de
ti mesmo e do universo. Já teus reis, os nobres ou os ricos, não poderão decidir nada
sem te ouvir; precisam do teu consentimento para prescreverem leis, taxar impostos,
fazer guerras. És cidadão de uma pátria livre!’

59
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A tais homens embaidos era azado conduzir e explorar. Logo os argentários, os doutores,
os ex-nobres, os dignitários do clero e da burguesia se apresentaram candidatos à
escolha dos novos homens livres. Eram os exploradores de ontem que alegavam sua
superioridade intelectual, sua influência protetora, sua força econômica e financeira
para se tornarem representantes do Povo.

Dantes eram, arrogantemente, por direito divino, sem placet popular, os repartidores
da riqueza, os distribuidores do queijo clássico. Agora, não: cederiam a arrogância,
cumpria cortejar a turba dos famintos, solicitar-lhes a anuência, embora sem lhes dar
queijo nem facão. O povo delegaria os seus poderes, e eles, munidos desse diploma,
continuariam a distribuição, o talho das fatias, como dantes” (José Oiticica. O sufrágio
universal. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 28-8-1918. In: OITICICA, José. Ação
direta, p. 61-62 (grifos no original http://www.ifch.unicamp.br/mundosdotrabalho/
arquivos/dainis.pdf)

60
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

Resposta Comentada
O pensamento anarquista caracteriza-se pelo combate ao que consideram diferentes tipos de
dominação, entre as quais se destacam a crítica ao Estado, à Igreja Católica e à propriedade. No
artigo acima, o anarquista José Oiticica critica especialmente o sufrágio universal, pois entende
que se trata apenas de uma maneira de ludibriar os trabalhadores, dando-lhes a “aparência de
sua autonomia”. Na Primeira República, militantes socialistas e anarquistas disputavam a “palavra
operária”, defendiam uma imagem positiva dos trabalhadores e a regulamentação os direitos
do trabalho, as principais distinções entre socialistas e anarquistas eram relativas às estratégias
de luta política. Os socialistas consideravam fundamental a organização de partidos políticos
tendo em vista a participação de representantes de trabalhadores na elaboração da legislação
nacional. Os anarquistas eram extremamente críticos ao sistema representativo, defendiam a
luta pelos direitos dos trabalhadores através dos sindicatos.

O COOPERATIVISMO

Entre as iniciativas organizacionais no meio operário,


além de socialistas, comunistas e anarquistas, também havia os
cooperativistas. O cooperativismo baseava-se no princípio de
colaboração entre trabalhadores, patronato e Estado; considerava
a cooperativa ou sindicato a organização adequada para a
conquista de melhores condições para a classe trabalhadora, através
da negociação dentro da ordem política e econômica, distinto;
portanto, da ação direta e do sindicato revolucionário defendido
pelos anarquistas.

Desde o século XIX, havia uma tradição mutualista entre os


trabalhadores. As associações de ajuda mútua eram organizações
cooperativas, cujo objetivo principal consistia em garantir aos
associados proteção social na ausência dos mecanismos formais
de previdência publica:

61
História dos Movimentos Sociais no Brasil

“Ofereciam pensões, indenizações, financiavam enterros,


forneciam remédios, atendimento hospitalar, entre outros
cuidados. O grau de cobertura dependia, naturalmente,
dos recursos disponíveis pela associação, que estavam
diretamente relacionados ao número e ao poder aquisitivo
dos sócios” (VISCARDI; JESUS, 2007, p. 26).

As associações de ajuda mútua caracterizavam-se como


espaço de construção de identidades e de interesses compartilhados,
constituindo laços horizontais de solidariedade, através de iniciativas
como a contribuição de cada um ao fundo comum da organização
e a promoção de atividades culturais:

“Constituíam espaços para lazer e congraçamento dos


associados e dos demais moradores das cidades. Promoviam
festas, quermesses e missas. Recebiam companhias circenses
e teatrais. Organizavam cerimônias com as mais variadas
motivações. Muitas dessas atividades serviam para arrecadar
fundos, pois algumas sociedades almejavam construir sede
própria; outras pretendiam construir hospitais, ou comprar
a própria farmácia. Os recursos para tais empreendimentos
eram captados junto à sociedade civil, ao poder público e
aos seus associados” (VISCARDI; JESUS, 2007, p. 29).

Em estudos sobre o movimento operário na Primeira República,


havia uma interpretação de que “as associações mutualistas [...]
constituíam uma espécie de protossindicalismo que mais tarde
evoluiriam para a formação de associações de resistência no âmbito
político das esquerdas” (VISCARDI; JESUS, 2007, p. 23). De acordo
com a historiografia recente, dedicada às associações de ajuda
mútua, havia muito em comum entre iniciativas dos mutualistas e
dos sindicatos. Todos se empenhavam na formação de uma cultura
cívica entre os trabalhadores e na criação de estratégias para
enfrentar a pobreza e a exploração nas relações de trabalho,
lutavam “... pela redução da jornada de trabalho, pelo descanso

62
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

semanal, participaram de congressos operários e apoiaram os


movimentos grevistas, embora tais ações fossem minoritárias e não
se enquadrassem totalmente nos objetivos precípuos do mutualismo”
(op. cit.).

Como vimos anteriormente, a disputa pela “palavra operária”


compreendia a crítica mais ou menos incisiva a iniciativas
organizacionais concorrentes, no caso, os sindicatos tendiam
a combater a dupla militância, provavelmente por identificar a
popularidade das associações de ajuda mútua. De acordo com
Cláudia Viscardi e Ronaldo Pereira de Jesus,

“... o número de mutualizados chega a ser quase duas


vezes maior que o de sindicalizados e o fenômeno ocorre
em quase todos os estados brasileiros, mesmo num período
de refluxo do mutualismo e de ascensão do movimento
sindical [...]. Esse dado induz a pensar que, para a maioria
dos trabalhadores brasileiros, integrar uma mutual trazia
benefícios complementares mais imediatos do que se envolver
em contendas político-ideológicas ou na luta por melhores
salários, que implicava mais risco e mais investimento pessoal.
Ademais, as informações atestam que o associativismo
mutualista [...] tinha para os trabalhadores prioridade nas
escolhas estratégicas, quando se tratava de sobreviver às
condições de pauperização e exclusão social inerentes ao
modelo capitalista de desenvolvimento” (VISCARDI; JESUS,
2007, p. 38).

63
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Ainda há poucos estudos sobre as associações


de ajuda mútua comparativamente às outras
experiências do movimento operário na Primeira
República. No entanto, as associações eram um
movimento significativo e reconhecido pelo Esta-
do, como podemos ver através da organização do II
Congresso Internacional de Mutualidade e Previdência
Social realizado em 1923 no Brasil.
Para conhecer mais as experiências das associações
de ajuda mútua, a sugestão de leitura é: VISCARDI,
Cláudia. Estratégias populares de sobrevivência: o
mutualismo no Rio de Janeiro republicano. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-
315 – 2009. http://www.scielo.br/pdf/rbh/v29n58/
a03v2958.pdf

Nos anos 1920, no Rio de Janeiro, então Capital Federal,


Custódio Alfredo Sarandy Raposo, funcionário do ministério da
Agricultura, tornou-se uma liderança importante na defesa do
sindicalismo cooperativista a partir do momento em que o governo
aprovou no Congresso a concessão de auxílio pecuniário às
associações cooperativistas, em 1920. No ano seguinte, Sarandy
Raposo fundou a Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira
(CSCB). Em 1923, no comando da “Seção Operária” do periódico
O Paiz, conquistou um lugar estratégico para a divulgação
do cooperativismo. Na disputa pela “palavra operária”, os
cooperativistas apresentavam-se como a confluência do movimento
operário, procurando reunir diferentes tendências na confederação.
Então, ao mesmo tempo em que reafirmavam o descrédito em relação
à organização de partidos políticos e a participação no parlamento

64
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

como maneira de lutar por melhores condições de vida para os


trabalhadores como os anarquistas, se aproximavam dos comunistas
e buscavam não condenar completamente suas iniciativas:

“Embora convencido da inutilidade de todos os parlamentos


não profissionais, isto é, constituídos de indivíduos que não
exprimem o pensar e a necessidade de quantos trabalham e
produzem riquezas […], embora convencido que as grandes
massas humanas só conseguirão esgotar o formidável poço
das decomposições morais, políticas e sociais com aplicações
causticantes do sal da verdade sindicalista-cooperativista,
sou dos que pensam […] que não devemos condenar a ação
daqueles que ainda acreditam na eficácia dos baldes da
política-eleitoral para o esgotamento e esterilização desse
poço infecto”. (Custódio Alfredo Sarandy Raposo apud:
GOMES, 1988, p. 163-164)

Figura 2.4: Troca de avisos entre os ministros da Agricultura (Simões Lopes) e


da Guerra (João Pandiá Calógeras), publicada no Diário Oficial da União de 28
de Julho de 1920, na qual o ministro da Guerra permite que o “2° official da
Directoria Geral da Contabilidade da Guerra capitão Custodio Alfredo Sarandy
Raposo continue a prestar os serviços de encarregado da propaganda syndicalista-
cooperativista”.
Fonte: Diário Oficial da União de 28 de Julho de 1920 (p. 16. Seção 1) ww.jusbrasil.com.
br/diarios/1966324/dou-secao-1-28-07-1920-pg-16/pdfView

65
Naquela conjuntura, o cooperativismo cresceu justamente,
quando se articulava entre a polícia, o patronato e movimentos
nacionalistas, com o apoio da Igreja Católica, um combate importante
contra o anarquismo. Muitas lideranças foram presas e deportadas.
De maneira geral, a historiografia encontra a continuidade do
modelo de associações de ajuda mútua e desconfiança em relação
ao sindicato de resistência, o que indica que o maior desafio era
mesmo a mobilização política da classe trabalhadora. Longe de
ideais revolucionários, a proposta cooperativista compreendia a
incorporação da classe trabalhadora ao Estado a partir de sua
identidade profissional e da representação através de sindicatos
e cooperativas tendo em vista principalmente reivindicações no
campo da legislação social, destacando, portanto, a dimensão dos
direitos do trabalho.

Atende ao Objetivo 2

3. Escreva sobre as principais características das associações mutualistas a partir da leitura


do ofício do presidente da Sociedade Beneficente de Juiz de Fora, de 1896:

“A assistência pública é uma das funções indeclináveis dos poderes constituídos nas
sociedades modernas. Sociedades que se firmaram sobre as amplas bases dos salutares
preceitos do Cristianismo, envolvidas nessa atmosfera de benevolência e de amor, não
podiam conservar-se estranhas às condições precárias de inúmeros de seus membros,
que a idade, a invalidez, a moléstia, ou dura provação atiraram de súbito aos rigores
cruéis do infortúnio. [...] Depois, Exc. Snr. é função pública incontestável a assistência
aos deserdados da sorte, os poderes estabelecidos, quando não possam por si só
imprimir-lhe o almejado incremento, todas as vezes que a iniciativa privada, posta em
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

atividade em associações particulares, visar tão grandioso e alevantado escopo, não


devem desampara-las em meio à indiferença que tudo enerva e aniquila. Pelo contrário,
associações tais, merecem deveras o bafejo protetor e vivificante dos representantes
do poder, os quais serão nelas por sem dúvida cooperadoras eficazes do complexo
problema governamental”. (Ofício do presidente da Sociedade Beneficente de Juiz de
Fora de 4 de maio de 1896. Arquivo da Cidade de Juiz de Fora, Fundo República
Velha, Entidades Filantrópicas. apud VISCARDI; JESUS, 2007, p. 39).

Resposta Comentada
Em primeiro lugar, é interessante observar que o ofício do presidente da Sociedade Beneficente
de Juiz de Fora data de 1896, poucos anos após a proclamação da República e da abolição
da escravidão, consistindo, portanto, em expressão de um projeto político naquela nova
conjuntura. Em segundo lugar, o ofício destaca a compreensão da responsabilidade do Estado,
“dos poderes constituídos nas sociedades modernas”, com a “assistência pública” (auxílios a
idosos, inválidos, doentes crônicos ou acidentados). A Sociedade Beneficente de Juiz de Fora
defendia que o Estado contribuísse com a assistência oferecida por tais organizações, não
poderia permanecer indiferente, no que posteriormente seria considerada uma obrigação do
próprio Estado no campo da previdência social, o pagamento de aposentadorias e pensões
aos trabalhadores.

67
História dos Movimentos Sociais no Brasil

CONCLUSÃO

Apesar da diversidade de estratégias e de ideais políticos


orientadores de socialistas, anarquistas e cooperativistas na Primeira
República, o movimento operário caracterizava-se por compartilhar
em seu discurso alguns elementos como o valor positivo do trabalho,
a dignidade do trabalhador e a sua distinção em relação ao
patronato.

Na Primeira República também era comum no movimento


operário, através de diferentes associações, a reivindicação de
que o Estado deveria oferecer proteção social aos trabalhadores,
assegurando principalmente direitos do trabalho.

Atividade Final 

Atende aos Objetivos 1 e 2

Toda cronologia pode ser interpretada como uma hipótese de trabalho sobre uma dada
conjuntura, uma expressão do significado de um conjunto de acontecimentos. Leia com
atenção a cronologia abaixo e caracterize as relações entre movimento operário e Estado
na Primeira República.

Cronologia

1888 – Lei Áurea, fim da escravidão no Brasil

1889 – Proclamação da República

1903 – Primeira grande greve de trabalhadores de fábricas de tecidos no Rio de Janeiro

1906 – I Congresso Operário Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro

1907 – Lei assegura liberdade às associações civis registradas em cartório

1909 – Círculo dos Operários da União organizado sob a liderança de Sarandy Raposo

68
Aula 2 – Primeira República: socialistas, anarquistas, comunistas e cooperativistas

1912 – Congresso Operário realizado sob o patrocínio de Mário Hermes, deputado federal e
filho do então presidente da República: “Seu objetivo era sistematizar as reivindicações
dos trabalhadores para que elas pudessem ser encaminhadas ao Parlamento por aquele
autorizado porta-voz”. (GOMES, 1988, p. 122)

1913 – Congresso Operário patrocinado por anarquistas.

1917 – Grandes greves nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo

1918 – Na Câmara dos Deputados, entra em pauta a discussão de legislação trabalhista e de um


Código de Trabalho para o Brasil. Revolta anarquista no Rio de Janeiro

1919 – Greves em vários estados pela jornada de trabalho de oito horas e melhores salários.
Aprovada Lei de acidentes de trabalho, considerada a primeira lei de previdência do país.

1920 – Congresso Operário realizado sob liderança anarquista.

1923 – Greves no Rio e São Paulo. É criada a Caixa de Aposentadorias e Pensões para os
Ferroviários, a primeira do gênero. É instituída a estabilidade no emprego. É criado o
Conselho Nacional do Trabalho.

1925 – Aprovada pelo Congresso a Lei de férias.

1926 – Aprovado pelo Congresso o Código de Menores.

1930 – Revolução de 1930. É criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

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69
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
Na Primeira República, os trabalhadores urbanos organizavam-se em associações de ajuda
mútua e sindicatos, tendo em vista melhores condições de vida e de trabalho. Apesar da memória
sobre a legislação trabalhista estar profundamente associada ao governo de Getúlio Vargas
após a Revolução de 1930, a análise das reivindicações do movimento operário, especialmente
na ocasião das greves e dos congressos operários indica que a ação dos trabalhadores na
Primeira República, mesmo duramente reprimida, foi bem sucedida, pois as primeiras medidas
no campo da legislação social foram criadas no período.

RESUMO

Nesta aula, você estudou algumas iniciativas do movimento


operário, durante a Primeira República (1889-1930). Em primeiro
lugar, você leu sobre a perspectiva de historiadores que hoje
consideram a constituição da classe trabalhadora como um processo
que não se limita a um fato de história econômica, mas de um fato
relativo igualmente à história política e cultural. Em segundo lugar,
você pode conhecer características de organizações criadas por
militantes socialistas, anarquistas e cooperativistas que através de
partidos políticos ou de sindicatos procuraram garantir direitos para
os trabalhadores. Na Primeira República, portanto, a participação
política não se limitava aos grandes proprietários, às oligarquias
rurais e aos industriais, os trabalhadores também participaram
dos debates na República recém-instaurada. Ainda na Primeira
República, o Estado brasileiro regulamentou direitos do trabalho
devido às pressões políticas geradas por movimentos grevistas e às
atividades de parlamentares na Câmara de Deputados.

70
Aula  3
Movimentos
messiânicos rurais
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta da aula

Apresentar movimentos messiânicos rurais no Brasil das primeiras décadas do século


XX, com especial atenção para os conhecidos como guerra de Canudos, guerra do
Contestado e Irmandade do Caldeirão, com ênfase nos seguintes aspectos: luta pela
posse da terra por parte dos pobres do campo; o trabalho comunitário; o significado
de fanatismo para os que se opunham aos movimentos e as apropriações posteriores
realizadas acerca das memórias em torno dos mesmos.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. descrever diferentes significações que tiveram ao longo do século XX os movimentos aqui


estudados;
2. analisar lutas pela posse da terra que estes movimentos impulsionavam;
3. distinguir como a ideia de “fanatismo” foi ativada para esmagar a resistência dos pobres
do campo nestas ocasiões;
4. identificar apropriações posteriores feitas em relação aos conflitos analisados.

72
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Introdução

Movimentos messiânicos

Antes de discutirmos o que foram os movimentos de Canudos,


Contestado e Caldeirão, caracterizados pela maioria dos estudiosos
como messiânicos, é preciso entender o que vem a ser um movimento
messiânico. O Cristianismo, religião que embasa em larga medida a
cultura ocidental, está assentado na ideia de que Cristo é o Messias,
o salvador, que veio para redimir os pecados da humanidade. Desta
maneira um movimento que se estruture a partir de uma liderança
que afirme um caráter místico, que sustente a ideia de redenção
após um dado período de sofrimento, será um movimento de caráter
messiânico. Lembre-se que para o movimento ter esse caráter é
preciso que mantenha a noção de sacralidade, de providência
divina, que vai amparar, durante e depois do período de provações,
aqueles que nele estiverem engajados.

Figura 3.1: Um movimento que se estruture a partir de uma liderança que afirme
um caráter místico, que sustente a ideia de redenção após um dado período de
sofrimento, será um movimento de caráter messiânico.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Noel-coypel-the-resurrection-of-christ-1700.jpg

73
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Estes movimentos podem ter um caráter milenarista. Ivone


Cecília Gallo, estudiosa da Guerra do Contestado, lembra-nos que
o Apocalipse, último livro da Bíblia, prevê após a segunda, vinda de
Cristo, uma espécie de paraíso na Terra, o milênio, onde após muita
luta o mal será expulso do planeta e os que permanecerem aqui,
terão uma vida, que já prefigura aquela a ser desfrutada no reino
celestial. Assim, movimentos que sustentem essa possibilidade de
uma vida radicalmente distinta da que temos, e que seja vivida aqui
na terra, com a bênção divina, podem ser chamados milenaristas.

Muitos estudiosos como o grande historiador inglês Eric


Hobsbawm este tipo de movimento de pré-político, porque não
ambiciona um projeto que ultrapasse as condições de vida locais
e porque não incorporam ideologias “modernas” (liberalismo,
socialismo, comunismo etc.). No entanto, considero o argumento
do sociólogo brasileiro José de Souza Martins mais adequado, na
medida em que questiona a noção de uma evolução linear do pré-
político para o propriamente político. Afinal lutar pela posse da terra,
organizar o trabalho de forma totalmente diferente do que os setores
proprietários rurais consideravam mais correto e ainda desenvolver
uma religiosidade distinta daquela que a Igreja Católica pregava,
demonstra um alto grau de politização destes movimentos, ainda
que não se enquadrem nas categorias de pensamento mais usuais
na Universidade.

Finalmente lembro que movimentos deste estilo não se limitam


ao nosso país ou mesmo ao continente: na Toscana, região da Itália,
houve por volta de 1870 o chamado movimento lazzaretista, liderado
por Davide Lazzaretti, que não apenas propunha a República, mas
também reivindicava o igualitarismo Cristão, acreditando numa ação
sobrenatural, que levasse a transformação desejada.

74
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Figura 3.2: Movimentos messiânicos não se limitam apenas ao Brasil. Na Itália,


temos o exemplo do lazzarettismo, liderado por Davide Lazzaretti.
Fonte: http://it.wikipedia.org/wiki/File:Davide_lazzaretti.jpg

Nesta aula, veremos como os movimentos de Canudos,


Contestado e Caldeirão organizaram a luta pela posse da terra e
o trabalho comunitário. Paralelamente, analisaremos como a ideia
de fanatismo foi utilizada para destruir essas experiências. Por fim,
observaremos avaliações posteriores a respeito destes movimentos.
Em primeiro plano como foram demonizados por seus adversários,
sendo o fantasma das insurreições de fanáticos invocado para
reprimir outros movimentos em momentos posteriores. Lançaremos
também nosso olhar sobre a valorização positivada destes
movimentos, seja na historiografia a partir da obra Cangaceiros
e fanáticos, de Ruy Facó, seja na apropriação de suas memórias
pelo Movimento dos Sem Terra.

75
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Canudos

Figura 3.3: Mapa da localização de Canudos.


Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/81/
Canudos-map.jpg

Poucos movimentos sociais no Brasil têm uma série tão


ampla de estudos feitos sobre sua natureza, como o movimento
de Canudos. Analisemos alguns olhares que marcaram a saga de
Antonio Conselheiro.

76
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Antonio Conselheiro

Figura 3.4: Antônio Conselheiro morto, em sua única foto


conhecida, tirada por Flávio de Barros, no dia 6 de outubro de 1897.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/43/Antonio_
Conselheiro.jpg

Antonio Vicente Mendes Maciel (Antonio Conselhei-


ro) nasceu em Quixeramobim, no Ceará, no ano de
1830, filho de médios proprietários que se envolve-
ram em vários conflitos entre famílias na região.
Aos 25 anos, após a morte de seu pai, assume a casa
comercial da família e casa-se com a prima Brasilina
Laurentina de Lima. A casa comercial vai à falência e
ele se torna professor primário e advogado dos mais
pobres, pois na época o juiz poderia dar autorização
para que exercesse a advocacia, mesmo sem o curso
de Direito.
Poucos anos depois se vê traído pela esposa e após
um breve relacionamento com uma mística, Joana Ima-
ginária, parte para suas peregrinações pelo sertão.
Prometera erguer vinte e cinco igrejas e, de acordo
com Martins (Martins, 1995), conseguiu edificar vinte
delas entre 1874 e 1893, quando afinal se instalou
em Canudos.

77
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Diferentes visões sobre um mesmo movimento

Para Euclides da Cunha, Antonio Conselheiro era um homem


marcado profundamente tanto pelo meio físico em que vivia, o sertão
nordestino, que condicionava a solução de conflitos pela força
bruta, como pela degeneração própria aos mestiços, posto que era
pardo. Se hoje podem nos soar absurdas as análises de Euclides,
elas estavam de acordo com o que afirmava a ciência de seu tempo,
fortemente marcada pelas noções de determinismo geográfico e
pela ideia de raça, como condicionantes da personalidade. Essa
visão do autor de Os sertões marcaria as diversas obras, que se
escreveram sobre Canudos, até o início dos anos 1960. Canudos
era apresentado como um reduto de fanáticos religiosos bárbaros,
que deveria ser esquecido.

Figura 3.5: O sertão era o cenário dos acontecimentos de Canudos.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:2003SertaoNordestino.jpg

No início dos anos 1960, em plena efervecência do movimento


por reforma agrária, vinha à luz o livro de Ruy Facó, Cangaceiros
e fanáticos (1965). O autor valoriza ao extremo a forma de

78
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

organização coletiva do trabalho e observa que os camponeses


a partir de seu fervor religioso, tomavam aos latifundiários tanto a
terra, como sua mão de obra. Essa organização já prefiguraria o
que poderia ser o nordeste e mesmo o Brasil depois de uma reforma
agrária.

Na década de 1980, momento da emergência dos movimentos


negros, que denunciavam o racismo presente, mas muitas vezes
oculto na sociedade brasileira, Clóvis Moura (2000) chama a
atenção para um aspecto pouco lembrado do discurso religioso
de Conselheiro: o abolicionismo. O autor lembra que Conselheiro
associava o ódio à princesa Isabel ao fato de ela ter realizado a
abolição da escravatura mantendo as posições de Facó, quanto à
propriedade coletiva da terra e ao trabalho comunitário.

Já para Paulo Emílio Matos Martins, (1995) Canudos é um


“fenômeno administrativo”. Defendendo uma tese de doutorado junto
à Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas, mais tarde
publicada sob o título de "A reinvenção do sertão", o autor destaca
dois aspectos: em primeiro lugar o arraial expandiu sua população
de umas duzentas casas em 1893 para cerca de cinco mil em 1897,
momento da destruição. Isso significa que a comunidade conseguia
atrair uma imensa quantidade de pessoas, apesar do que se
propalava sobre o fanatismo dos líderes e mesmo nas condições de
guerra deflagradas a partir de 1896. Martins também recorda que
os canudenses lutaram até o último momento para conservar a defesa
do povoado. Ora, se as pessoas ali residentes não fugiram ante o
cerco militar, isso significa que as condições de vida ali existentes
eram pelo menos iguais as que vigorariam fora de Canudos. Assim
a comunidade estaria muito distante de ser a “urbi tumultuária” de
que nos fala Euclides da Cunha, posto que, mesmo em condições
de guerra, o povoado multiplicou sua população e os ali residentes
buscaram defendê-la até o instante final.

79
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 3.6: Pintura, retratando Canudos antes da guerra.


Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ae/Canudos.jpg

Podemos perceber assim como muda o olhar de quem se


debruça sobre um dado fenômeno social, conforme o momento em
que o intelectual busca avaliá-lo. Como lembra Marc Bloch (1993)
partimos para o passado com as perguntas que já trazemos do
presente.

Entretanto podemos construir um pequeno relato sobre a


experiência do Belo Monte, como os conselheiristas chamavam o
arraial de Canudos. Antonio Conselheiro foi bastante influenciado
pelos sermões do padre Ibiapina e seus seguidores que criavam no
sertão nordestino as “casas de caridade”, misto de orfanato e escola.

O líder espiritual

Ao começar suas peregrinações em 1874, Conselheiro deixa


o Ceará rumo à Bahia, através de Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Ao chegar ao chão baiano começa a ganhar a simpatia de muitos
entre as camadas populares, mas sofre a hostilidade de hierarcas
da Igreja.

80
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

A Igreja católica e o monopólio da fé


A Igreja Católica era a religião oficial do
Império e não tolerava pregações consideradas
distintas da oficialmente admitida pelo Vaticano,
que buscava reforçar seu controle sobre o clero na
segunda metade do século XIX. Também as autorida-
des civis temiam a irrupção de movimentos tidos como
fanáticos.

Em 1876, Antonio Conselheiro é pela primeira vez preso,


acusado de ter matado a esposa e a mãe, e deportado para o
Ceará. Nada seria provado contra ele. No ano seguinte, livre, volta
para a Bahia e começa sua pregação e seu trabalho comunitário
de construção de Igrejas e restauração de cemitérios. O trabalho
mobilizava o grupo de peregrinos, que aumentava na razão direta
das dificuldades que tinha em sua vida, como a seca de 1877.

Em 1882, o bispo de Salvador ordena aos padres que não


aceitem que Conselheiro faça pregações nas suas paróquias, sob a
acusação de difundir doutrinas supersticiosas e moral excessivamente
rígida.

A popularidade do Conselheiro continuou crescendo e o


delegado de Itapicuru (BA) chamava a atenção para a presença de
gente armada no grupo. Em 1887, o bispo apela ao presidente da
província para que se tomem providências, já que Conselheiro era
obedecido e os vigários não. Chega-se a buscar um lugar para ele
no hospício do Rio de Janeiro, mas não havia vagas.

Proclamada a República (1889), Conselheiro não a aceitava.


A República era considerada por ele como “a lei do cão” contra a
lei de Deus, a monarquia. É importante ter em mente que a ideia de

81
História dos Movimentos Sociais no Brasil

sacralidade da monarquia fazia parte da mentalidade coletiva de


muitas regiões brasileiras na época. Diferente da América Hispânica,
o país fizera sua independência via monarquia, D. Pedro II e a
princesa Isabel eram extremamente populares especialmente, após
a abolição da escravatura. O movimento republicano articulava
grandes proprietários rurais, setores médios urbanos (especialmente
militares) e aqueles que não aceitavam a abolição da escravatura.

Portanto, Conselheiro ao defender a monarquia estava muito


provavelmente de acordo com expressivas parcelas da opinião
popular, ainda que fossem inarticuladas depois da queda do regime.

A experiência comunitária

Um incidente relativamente pequeno mudaria de forma radical


a vida dos Conselheiristas. O regime republicano dera autonomia
aos municípios para criarem impostos e no sertão as prefeituras não
perderam tempo e começaram a publicar em tábuas, nas feiras, as
novas taxas. Conselheiro organizou, então, a queima das tábuas
e fez duras críticas ao novo regime na vila de Bom Conselho,
resultando daí a expulsão do juiz local. Um episódio desta monta
mobilizou a polícia do estado da Bahia contra os conselheiristas.

Para analisarmos a história, é preciso buscar entender o


momento que estamos observando. A queima das tábuas ocorreu
em 1893, ano em que no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná os rebeldes federalistas questionavam o governo do marechal
Floriano, unidos a militantes da revolta da Marinha de Guerra. Um
governo enfrentado militarmente ao sul sentir-se-ia acuado ante um
mínimo movimento de protesto na Bahia.

As forças policiais foram derrotadas na localidade de Masseté


e logo Conselheiro estabeleceu-se na antiga fazenda de Canudos,
às margens do rio Vasabarriz.

Começava a experiência comunitária, que rejeitada em sua


época encanta estudiosos de nosso tempo. Em pleno sertão da Bahia,

82
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

numa região de difícil cultivo os conselheiristas organizavam-se.


Posse coletiva da terra, produção de gêneros para subsistência e
mesmo algum comércio com municípios vizinhos.

Entretanto a comunidade de Canudos começava a atrair mão


de obra de outras fazendas. Havia também o fato de ter existido um
confronto com forças estaduais. Em 1895, o frei João Evangelista
de Montemarciano tentou convencer os conselheiristas a deixarem
o arraial, considerado no discurso governista como um santuário
para criminosos de toda ordem.

Fracassada a missão do frei, as possibilidades de confronto


ganhavam corpo. Para Ruy Facóos fazendeiros locais não aceitavam
que o campesinato pobre tivesse uma alternativa independente do
sistema latifundista.

Lembremos que Canudos apresentava uma estruturação interna


bem delineada. Conselheiro era chefe político e religioso, enquanto
homens como João Abade cuidavam da defesa da comunidade, e
Antonio Vila Nova tinha a seu cargo a administração do território.

Os trabalhadores que chegavam iam-se engajando em suas


tarefas e não aceitariam deixar o local de trabalho conquistado.
Por outro lado, a derrota policial, agora que o sul estava pacificado
não ficaria sem uma revanche.

O pretexto surgiu quando Conselheiro mandara comprar


madeiras em Juazeiro, que não foram entregues no prazo
estabelecido. Rapidamente, o juiz local, o mesmo que havia sido
expulso de Bom Conselho, enviou pedido de ajuda a Salvador,
alegando que haveria um ataque à cidade. O ataque jamais ocorreu.

As expedições contra Canudos

A comunidade em expansão sofreu o impacto da primeira


expedição em novembro de 1896, mas a força combinada da
polícia baiana e do Exército foi derrotada em Uauá (BA).

83
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A fama de Conselheiro ganhou projeção. Além de construir


uma comunidade autossuficiente, seus combatentes mostravam
capacidade de derrotar forças policiais auxiliadas pelo exército,
comandado pelo tenente Pires Ferreira.

Em janeiro de 1897, as forças do exército voltaram a atacar


sob o comando do major Febrônio de Brito, sofrendo nova derrota,
em Tabuleirinhos, antes de chegar ao Belo Monte.

As estratégias de resistência bem descritas por Euclides da


Cunha consistiam em procurar bater o adversário antes que ele
chegasse ao arraial. À medida que as vitórias de Conselheiro atraíam
a atenção dos camponeses locais, despertavam o pânico entre as
forças governistas. Afinal um bando de “jagunços”, analfabetos na
sua maioria, com armas deficientes (aproveitavam muito as armas
dos adversários para continuar sua luta), conseguia vencer o exército
de Caxias.

Planejou-se então uma terceira expedição, melhor aparelhada,


com canhões modernos e comandada pelo coronel Moreira César,
antigo repressor da revolta federalista no sul.

Entretanto as forças conselheiristas conseguiram numa luta


épica impor outra derrota ao coronel. Além dele e de seu substituto,
o coronel Tamarindo, vários oficiais morreram no enfrentamento. O
que fez uma espécie de expedição punitiva ganhar feição de guerra.

As repercussões nas grandes cidades foram de pânico: era


a barbárie contra a civilização, não nos esquecendo de que a
civilização ao final do século XIX tinha o foro de algo inquestionável.
Os conselheiristas só poderiam vencer com apoio estrangeiro,
algo absolutamente impossível nas condições de transporte e
comunicações da época. Jornais monarquistas eram destruídos e o
presidente da República Prudente de Morais era chamado “Prudente
demais”.

84
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Figura 3.7: O presidente Prudente de Morais foi chamado de “Prudente demais”


nas grandes cidades por causa das derrotas sofridas pelas forças nacionais diante
dos conselheiristas.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Almeida_J%C3%BAnior_-_Prudente_de_
Morais,_1890.jpg

Para os fazendeiros locais, além da falta de mão de obra,


juntava-se o temor de que os rebeldes pudessem passar da defesa
ao ataque, atingindo suas fazendas.

Em junho de 1897, duas colunas comandadas por generais


(Artur Oscar Andrade Guimarães e Claudio Savajet) marcharam
rumo a Canudos.

85
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 3.8: O 40º Batalhão de Infantaria, da província do Pará, em Canudos,


1897.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7d/40th_infantry_batallion_
canudos_1897.jpg

A luta duraria três meses e meio. A emocionante narração de


Euclides da Cunha faz-nos perceber que em determinados momentos
a quarta expedição esteve para ser vencida. Vale destacar que neste
instante Conselheiro não tinha mais funções administrativas a cargo
de homens como Antonio Vila Nova ou militares, como Pajeú, ficando
o profeta muito mais limitado às funções religiosas, que não tinham
perdido sua importância na coesão da comunidade.

Mesmo após a morte do líder em 22 de setembro, os


canudenses continuaram lutando até cinco de outubro, quando os
seus últimos quatro defensores foram exterminados por cinco mil
soldados. O arraial que como nos lembra Matos Martins teve entre
doze mil e trinta mil pessoas estava destruído.

Contudo o nome do Conselheiro e a palavra Canudos


voltariam a ser lembrados em outros momentos da vida brasileira.

86
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Figura 3.9: Mulheres e crianças, seguidoras de Antônio Conselheiro, presas


durante os últimos dias da guerra.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fa/Canudos_rebels.jpg

Atende ao Objetivo 1

1. Convido você a ler atentamente os dois textos a seguir e comparar as impressões dos dois
autores sobre a organização social existente em Canudos. Procure observar que aspectos
podem ser cotejados nas citações dos dois autores.

Texto 1:

A urbs monstruosa, de barro, definia bem a cidade sinistra do erro. O povoado novo surgia,
dentro de algumas semanas, já feito ruínas. Nascia velho. Visto de longe, desdobrado pelos
cômoros, atulhando as canhadas, cobrindo área enorme, truncado nas quebradas, revolto
nos pendores – tinha o aspecto perfeito de uma cidade cujo solo houvesse sido sacudido

87
História dos Movimentos Sociais no Brasil

e brutalmente dobrado por um terremoto. Não se distinguiam as ruas. Substituía-as dédalo


desesperador de becos estreitíssimos, mal separando o baralhamento caótico dos casebres
feitos ao acaso, testadas volvidas para todos os pontos, cumeeiras orientando-se para todos
os rumos, como se tudo aquilo fosse construído, febrilmente, numa noite, por uma multidão
de loucos...

Feitas de pau-a-pique e divididas em três compartimentos minúsculos, as casas eram


paródia grosseira da antiga morada romana: um vestíbulo exíguo, um atrium, servindo
ao mesmo tempo de cozinha, sala de jantar e de recepção; e uma alcova lateral, furna
escuríssima mal revelada por uma porta estreita e baixa. Cobertas de camadas espessas
de vinte centímetros, de barro, sobre ramos de icó, mostravam a fase transitória entre a
caverna primitiva e a casa. Se as edificações em suas modalidades evolutivas objetivam a
personalidade humana, o casebre de teto de argila dos jagunços equiparado ao wigwan
dos peles-vermelhas sugeria paralelo deplorável. O mesmo desconforto e, sobretudo, a
mesma pobreza repugnante, traduzindo de certo modo, mais do que a miséria do homem,
a decrepitude da raça.

Quando o olhar se acomodava à penumbra daqueles cômodos exíguos, encontrava,


invariavelmente, trastes raros e grosseiros: um banco tosco; dois ou três banquinhos com a
forma de escabelos; igual número de caixas de cedro, ou baús; um jirau pendido do teto;
e as redes. Eram toda a mobília. Nem camas, nem mesas. Pendurados aos cantos, viam-se
insignificantes acessórios. Ao fundo do único quarto, um oratório tosco. Neste, santos mal
acabados, imagens de linhas duras, a objetivarem a religião mestiça (...) Santos Antônios
proteiformes e africanizados, de aspecto bronco, de fetiches; Marias Santíssimas, feias
como megeras...

Adaptado de Euclides da Cunha – Os sertões.

Texto 2:

A segunda fase da história do grupo sertanejo, a qual denominamos religiosa-administrativa-


militar, compreende o período do apogeu daquela experiência comunitária e é marcada
pela fundação e o fantástico crescimento do Belo Monte.

Esse período se estende de junho de 1893 (fixação do povo no pequeno povoado de


Canudos) a junho/julho de 1897 (primeiros combates oferecidos aos jagunços pela
poderosa quarta expedição;...). Esse é o momento de maturidade do projeto comunitário

88
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

e de início da morte da inovadora experiência social sertaneja. É quando sua estrutura


organizacional assume sua configuração mais complexa, apresentando os primeiros sinais de
uma embrionária institucionalização, logo abortada. A liderança do grupo, nesse período,
continua com Antônio Conselheiro, e é muito provável que tenha surgido então um esboço
do que poderia ser um colégio decisório comunal (as Reuniões do Santuário). Em nossa
investigação encontramos fortes indícios de que a organização de governo do Belo Monte
tenha conhecido esse sistema de governo, sob a liderança de Antônio Conselheiro e com
a participação dos denominados doze apóstolos, também referidos como Companhia do
bom Jesus.

Abaixo desse órgão colegiado de direção viria o estrato intermediário de gestão da


comunidade, seu nível tático ou gerencial, aparecendo como seus principais executivos
João Abade – o comandante da rua nos assuntos de polícia e defesa militar do arraial;
Antônio Vila Nova, verdadeiro prefeito, na administração da urbe; e o próprio Antônio
Conselheiro, nas questões de doutrina, justiça e obras sociais.

Adaptado de Paulo Emílio Matos Martins – A reinvenção do sertão.

Agora que você comparou os textos, descreva qual a principal diferença de perspectiva
entre os dois autores. Apresente também pelo menos dois argumentos que corroborem para
realçar essa diferença.

89
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
Separados por quase um século de distância os textos respondem a indagações de sua época.
Para Euclides, jornalista de O Estado de São Paulo, Canudos é a encarnação da desordem. A
falta de um mínimo traçado das ruas, a forma como as casas enroscam-se umas nas outras e o
tamanho das casas demonstram que aquele tipo de organização não poderia desenvolver-se
numa república, que se pretendia progressista. Uma pergunta que certamente o autor se faria
era: “como policiar este espaço?” Tudo isso coroado com a religião mestiça, exemplo da mistura
de raças vista à época, como algo a ser evitado.
Já em Martins, que defende sua tese quase um século mais tarde, e tem influências de autores como
José Calazans, o que Euclides vê como exemplo da barbárie, significa vitória da organização.
O “crescimento fantástico” do Belo Monte é o sinal de que ali existe uma organização e que ela
funciona. Canudos mostra a Martins algo que Euclides não conseguiria perceber: uma estrutura
social bem delimitada, com cada um sabendo sua função dentro da comunidade. Divisão
entre funções religiosas, políticas (Antonio Vilanova seria o prefeito) e propriamente militares. A
organização só não pôde ganhar uma estruturação mais bem definida, pela devastadora ação
dos expedicionários de junho de 1897.
Desta maneira podemos perceber significados radicalmente distintos na análise de Canudos:
Para o autor de Os sertões a barbárie em ação, sinal de atraso a ser superado. Para o autor
de A reinvenção do sertão, o sinal de uma tentativa de organização popular, que resgatava
da miséria os sertanejos.

90
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

O Contestado

A região chamada de Contestado, onde entre 1912 e 1916


ocorreu outro movimento rural de cunho messiânico, tem este nome
por ser uma área disputada por Paraná e Santa Catarina. A contenda
dava-se tanto pelo fato de ser uma zona rica em erva-mate, como
por ter importantes recursos florestais.

Figura 3.10: A contenda na região de Contestado dava-se tanto pelo fato de


ser uma zona rica em erva-mate, como por ter importantes recursos florestais.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Yerba_Mate.jpg

Além disso, havia os confrontos de terras nos quais posseiros


eram expulsos por pretensos proprietários e o coronelismo naquela
região, como diria Paulo Pinheiro Machado, fazia-se sem enxada
nem voto, posto que os grandes proprietários locais buscavam manter
expressivas quantidades de agregados às suas fazendas.

91
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Essa situação social já tensa, contaria com ingredientes de


maior fermentação. Em 1904, o Supremo Tribunal Federal deu
ganho de causa na questão dos limites a Santa Catarina, mas os
paranaenses não se conformaram e houve possibilidade de confronto
armado entre as polícias militares dos dois estados.

Ao mesmo tempo, o governo federal realizava uma concessão


às empresas do norte-americano Percival Farquhar. Sua companhia
ferroviária, a Brasil High Way, recebia a concessão de quinze
quilômetros de cada lado da ferrovia São Paulo-Rio Grande que
atravessaria a região contestada.

Figura 3.11: Traçado


dos ramais da Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande
Fonte: Mapa cedido por
Paulo Pinheiro Machado ao
conteudista.

92
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Com a concessão, a ferrovia poderia vender as terras para


colonizá-las. Além disso, a Lümber, madeireira ligada ao grupo,
recebia concessões para aproveitar a madeira numa área coberta
de pinheirais.

A zona onde essas empresas atuariam não era inculta.


Milhares de posseiros viviam naquela região e muitas vezes pela
força física eram expulsos dos lugares onde tinham habitado às
vezes por décadas.

Além do mais havia as tensões entre chefes políticos locais


como os coronéis Francisco Ferreira de Albuquerque e Henriquinho
de Almeida, que mantinham grupos armados em sua defesa nos
arredores do município de Curitibanos.

O monge

Neste clima de tanta insegurança social, uma figura ganhava


imensa projeção local: o monge. A figura do monge estava associada
não só à reza, mas também à cura, com ervas, benzimentos e
fórmulas, que para os que nelas acreditavam poderiam ter resultados.
Ainda mais se levarmos em conta o fato de que nessa região os
médicos eram extremamente escassos e mesmo o que se fazia em
termos da medicina no início do século XX significava um tratamento
invasivo e nem sempre eficaz.

Entre os diversos monges da região um nome se destacaria:


monge João Maria.

O primeiro seria monge João Maria de Agostinis, nascido em


Turim, na Itália. Recomendando águas santas, remédios caseiros e
a penitência, foi expulso do Rio Grande do sul pelo presidente da
província em 1849. Contudo sua fama de caridoso e curandeiro
continuaria por todo o sul do país.

O segundo, que seria um armênio Anastas Marcaf apareceu


por volta de 1895, vindo de Missiones, província argentina, que
se limita com o Rio Grande do Sul. Sofreu pressões da hierarquia

93
História dos Movimentos Sociais no Brasil

católica por batizar e pregar a ocorrência de desgraças como a


destruição das lavouras por gafanhotos e pestes desconhecidas.
As autoridades civis não aceitavam o fato de ele auxiliar rebeldes
federalistas feridos.

O segundo monge João Maria permaneceria na região,


até 1908, quando não mais foi visto. Contudo, sua pregação foi
suficiente para que os camponeses locais dessem-lhe um imenso
crédito. Não seriam verdadeiras maldições as expulsões de
posseiros, a possibilidade de guerra entre as polícias estaduais e
os desentendimentos entre as elites da região? O que dizer então
da ferrovia, que trazia tanta violência contra os posseiros? E a
madeireira como um gafanhoto devastando a floresta? Não estaria
próximo o fim dos tempos? Não seria mesmo necessária a oração,
a penitência e uma vida mais simples em comunidade como forma
de proteger-se do mundo?

Assim quando Miguel Lucena de Boaventura (monge José


Maria) chegou à região as condições para irrupção de um
movimento de contestação à estrutura vigente estavam bastante
avançadas. Sobre este monge os dados ainda são mais confusos.
Consta que teria servido na polícia do Paraná, de onde desertara
e que combatera na Revolução federalista, ao lado das forças
rebeldes.

O fato é que o homem afirmava chamar-se José Maria e muitos


asseguravam que era irmão do segundo monge João Maria, coisa
com a qual concordava. José Maria também receitava e sua fama
se projetou quando correu a história que havia curado a mulher de
um fazendeiro local.

Os conflitos se iniciam...

As tensões entre elites locais envolveram o monge num


confronto, que teria consequências imprevistas. Em agosto de
1912, realizou-se uma festa no arraial de Taquaruçu, comandada
por Praxedes Gomes Damasceno, um pequeno comerciante e

94
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

proprietário de terras. No desafio dos cantadores venceu o que


afirmava ser a monarquia Lei de Deus e o ajuntamento para a festa
não se dispersou.

O chefe político do município de Curitibanos, cidade onde


se localizava o arraial, Francisco Ferreira de Albuquerque, temeu
que a reunião fosse um movimento liderado por seu opositor o
“coronel” Henriquinho de Almeida. Exigiu a presença do monge em
Curitibanos, mas este argumentou que a distância era rigorosamente
a mesma e, portanto, ele aguardava o prefeito, em Taquaruçu.

O coronel Albuquerque considerou um ato de insubordinação.


Comunicou-se com o governador do estado Vidal Ramos, informando
sobre a criação de uma “monarquia” no Taquaruçu, onde o rei José
Maria teria formado seu ministério com festeiros locais. Ao mesmo
tempo, procurou advertir seu colega Henrique Rupp, de Campos
Novos. Como o prefeito do município vizinho não levasse muito a
sério o “Ipiranga”, denunciado por Albuquerque, entendia que era
mais conveniente deixar as coisas como estavam.

Rapidamente, a polícia aproxima-se do ajuntamento, mas


José Maria e seus seguidores marcham para os campos do Irani,
na época sob jurisdição do Paraná.

A polícia paranaense foi informada por José Maria, mas na


imprensa do estado difundiu-se que a marcha de “fanáticos” era
uma ação do governo catarinense para forçar o cumprimento da
sentença do supremo Tribunal Federal que lhe garantia a maior parte
da área contestada. A reação foi uma ação policial comandada pelo
coronel João Gualberto, que prometia trazer “fanáticos” amarrados
até Curitiba.

O chefe político de Palmas município onde se localizavam


os campos do Irani, Domingos Soares, tentou uma mediação, para
que houvesse a dispersão do grupo, e José Maria pediu três dias
de prazo para que todos pudessem voltar às suas casas. Contudo,
a polícia atacou antes do prazo, morrendo os dois líderes: João
Gualberto e José Maria.

95
História dos Movimentos Sociais no Brasil

O movimento parecia que estava encerrado, os “fanáticos”


que tinham ido para se benzer e rezar voltavam para suas casas.

“Comunismo caboclo”

As condições sociais que permitiram o primeiro conflito


entre os “fanáticos” e as autoridades do Paraná e Santa Catarina
mantinham-se as mesmas.

Em Curitibanos, famílias de relativo prestígio viam-se


pressionadas pelo chefe político local e continuavam as
expulsões de posseiros. O Monge morreu em novembro de
1912 e, em fins de 1913 Teodora, neta de Eusébio Ferreira
dos Santos, um dos “ministros” de José Maria, afirmou ter
sonhado com o Monge e que deveriam voltar ao Taquaruçu.
Ali foi erguido o novo ajuntamento. Embora houvesse
gente dos dois grupos políticos de Curitibanos, o coronel
Albuquerque entendeu que novamente havia uma rebelião,
inspirada por Henriquinho Almeida, e em fins de dezembro o
reduto foi atacado. As forças rebeldes venceram, ou melhor
o reduto não foi conquistado. Neste momento, em Taquaruçu,
desenvolve-se em toda sua plenitude a visão milenarista.
Uma criança deveria exercer o comando do grupo e ela
receberia as ordens do monge José Maria. Inicialmente o
menino Manuel, filho de Eusébio e Querubina, teria o “aço”,
ou seja, o poder de receber as mensagens. Depois passa-se
ao comando do menino Joaquim e mais tarde a virgem Maria
Rosa, neta de Elias de Morais, outro líder do movimento.

Organizava-se no reduto o chamado Quadro Santo. Tudo era


dividido em comum, sendo o dinheiro proibido internamente como
em Canudos. Diferentemente da experiência conselheirista, houve
muito pouco tempo para que a produção se organizasse, ocorrendo
a distribuição daquilo que os próprios “redutários”, como se dizia,
traziam para o local.

96
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Essa experiência foi chamada, anos mais tarde, de “comunismo


caboclo”, não porque os participantes tivessem qualquer ideia sobre
objetivos comunistas, mas pela noção que traziam de partilha dos
bens onde todos deveriam ser iguais.

A notícia chega ao exército. O presidente da República era o


marechal Hermes da Fonseca. Canudos estava fresca na memória
militar. O deputado paranaense Correia de Freitas tenta conseguir
a dispersão dos rebeldes, mas não foi possível. A partir daqui, a
luta é aberta. Em fevereiro de 1914, ocorre um devastador ataque
ao reduto de Taquaruçu, com as forças do exército utilizando
metralhadoras e outras armas de longo alcance. Evitava-se assim o
combate direto, corpo a corpo, onde os rebeldes eram especialistas.
Contudo, embora houvesse dezenas de mortos, grande parte dos
quais mulheres e crianças, a imensa maioria dos camponeses
conseguiu fugir e estabelecer-se em Caraguatá.

Figura 3.12: Marechal Hermes da Fonseca, presidente do Brasil na época.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:HermesFonseca.jpg

97
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Ali florescia o comando de Maria Rosa, e organizava-se


novamente a vida comunitária. Tinham acesso à terra, aos bens
em comum e uma rígida moral social estruturar-se-ia. O reduto,
entretanto, durou pouco, pois uma epidemia de tifo afetava a região.

Os rebeldes passaram primeiro para Bom Sossego e mais tarde


para o reduto de Caçador Grande. Contudo, o comando depois
de Caraguatá era ramificado. Não havia mais um reduto único,
existindo vários redutos com diferentes chefias, que se congregavam
no culto a São João Maria e São José Maria e buscavam manter
a vida em comunidade. Além do reduto mor de Caçador Grande,
havia Bom Sossego (não desativado), e outros menores no centro
do planalto catarinense, outros estabelecidos no planalto norte,
tais como Colônia Vieira, Salseiro, Rio Paciência (todos próximos
a Canoinhas), um outro próximo ao rio Itajaí, além de um terceiro
reduto de Taquaruçu, de onde partiria o ataque contra curitibanos.

Figura 3.13: Mapa da


localização dos principais
redutos rebeldes.
Fonte: Mapa cedido por
Paulo Pinheiro Machado ao
conteudista.

98
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Embora Chiquinho Alonso fosse o principal “comandante de


briga”, o que ocorria era a ação de vários grupos relativamente
independentes. Estes grupos lutavam por causas específicas, como o
de Antonio Tavares, que baseado nas margens do rio Itajaí batalhava
pela aplicação da sentença de limites favorável à Santa Catarina.
Ou mesmo o exemplo do sertanejo Agnaldo, que passou a integrar
as forças de Bonifácio dos Santos, o Papudo, após matar guardas
da serraria da Lümber, que pagava ínfimos preços pela madeira
extraída de suas terras.

Agora com a intensificação da guerra, o aspecto religioso


cedia lugar ao militar. Antonio Tavares, por exemplo, organizava
desfiles muito mais como um elemento de coesão de um exército do
que de um fetio religioso. Bonifácio Papudo recorria a uma polonesa,
que não morava em seu reduto para receber as mensagens de José
Maria. Ora, este fato, mostra que o religioso perdia relevância, posto
que a virgem originalmente deveria fazer parte da comunidade para
ser uma médium credível. Isso não quer dizer que sido tivessem
abandonados os princípios religiosos, mas agora eles tinham menor
importância.

Os rebeldes passam à ofensiva. Atacam estações ferroviárias,


áreas da Lümber, pressionam a cidade de Canoinhas, chegando a
atacá-la. Cercam a cidade de Lages, não se concretizando o ataque,
invadem a cidade de Curitibanos, incendiando a casa do Coronel
Albuquerque, então símbolo do poder local, e depois destruindo o
cartório. Para eles o cartório era o símbolo de sua desgraça, pois
muitos perderam suas terras que eram ali registradas em nome
de pessoas que as compravam à empresa São Paulo-Rio Grande.
Lembremos que sem condições de plantar, os ataques garantiam a
subsistência, pois conseguiam o gado e outros alimentos necessários.

Ao mesmo tempo o general Setembrino de Carvalho chegava


como comandante e havia um maior envolvimento federal na região,
embora houvesse esforços de mediação, frustrados como o do
capitão Matos Costa, que acabaria morto em combate.

99
Piquete chucro Os “piquetes chucros” usavam a técnica de combate com
Era como os rebeldes arma branca e atacavam com o grito de “Viva a São Sebastião,
chamavam às suas
Viva a monarquia, Viva a São João Maria”. No segundo semestre
tropas que atacavam
normalmente montadas de 1914, a cidade de Lajes esperava um ataque e em regiões
a cavalo. Tropa tão distantes como Marcelino Ramos no Rio Grande do Sul, ponto
pequena a cavalo
terminal de um dos ramais da Brasil High Way, a segurança era
(piquete); chucro numa
referência a serem reforçada.
camponeses.
Vale salientar que a ideia de monarquia divina não
necessariamente se corresponderia à restauração da família
Bragança, mas sim a um regime visto como justo, igualitário a Lei
de Deus, em oposição à República, que lhes arrancava as terras e
impunha-lhes impostos pesados.

Os vários grupos rebeldes atuavam sob diferentes comandos e


Chiquinho Alonso tentou centralizá-los em Caçador Grande, mas
ele acabou morto em Rio das Antas, ao tentar tomar uma colônia
de imigrantes alemães e ucranianos estabelecidos ali pela Lümber.

Com sua morte, o controle militar passa para Adeodato


Manuel Ramos, um negro nascido em Lajes.

Figura 3.14: Adeodato, último líder do Contestado.


Fonte: Foto cedida por Paulo Pinheiro Machado ao conteudista.
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Embora neste momento o fator militar prevalecesse, Adeodato


precisou legitimar-se pela via religiosa. O monge apareceu-lhe em
sonhos e ele se tornou o comandante.

Os rebeldes seriam todos unificados em Santa Maria Santa


Catarina num superreduto, que se afirma chegou a reunir cinco mil
pessoas.

Se do ponto de vista político Adeodato era bem sucedido, pois


tinha agora o movimento centralizado em sua mão, Santa Maria
significou o começo do fim para os rebeldes. Muita gente junta, sem
condições de ter a mobilidade para conseguir a carne, o sal para
a carne de caça encontrada, o milho para a farinha e sem tempo
para plantar. Finalmente a estratégia de Setembrino de Carvalho,
que era desde o começo vencer os rebeldes pela fome, mostrou-se
bem sucedida. Em 2 de abril de 1915, após três meses de cerco
o reduto foi destruído. Ainda houve três redutos durante o ano de
1915: Pedras Brancas, São Miguel e São Pedro. E intensificou-se
a ação combinada de repressão do exército, da polícia e dos
vaqueanos (milícias civis). Multiplicaram-se os casos de assassinatos
de combatentes desarmados ou mesmo de suspeitos de auxiliar o
movimento.

No fim, demônios

No início de 1916, pressionados pela fome e sem condições


de manter a resistência muitos rebeldes renderam-se. Adeodato,
último chefe foi preso alguns meses mais tarde e condenado a
trinta anos de prisão. Morreria, segundo a versão oficial, em uma
tentativa de fuga.

Nos anos 1930, a experiência do Contestado seria


demonizada como comunista no discurso dos padres da região.

Já nos anos 1990, o bisneto de um dos rebeldes afirmava


que para ele a lei da monarquia era como a lei do comunismo.
Uma lei dura, mas justa, pois cada um apanhava o que precisava

101
História dos Movimentos Sociais no Brasil

e ficava com o necessário para sobreviver. Ele achava uma boa lei.
O comunismo tão demonizado ao longo do século XX era visto no
discurso do herdeiro do rebelde, como um sistema de solidariedade
e partilha entre os membros de uma comunidade.

Atende ao Objetivo 2

2. Analise o texto abaixo e estabeleça as conexões entre a posse coletiva da terra e o


milenarismo.

Durante os anos de guerra, a organização administrativa dos quadros santos passou por uma
série de modificações, porém permaneceu uma distinção básica entre os tipos de cargos.
Para a organização da vida material, por exemplo, instituiu-se o posto de ”comandante de
acampamento”, também encarregado da chefia das rezas. Quando as necessidades da
guerra passaram a exigir uma organização mais elaborada, houve uma divisão dos postos
em ”comandante de armas” e um comando civil, encarregado da população não combatente.
Um outro tipo de liderança ainda foi formado para controlar a moral dos adeptos, tanto
quanto a organização militar e material, em sentido amplo, vigente nos acampamentos.
Esses postos eram ocupados pelas virgens e inspirados. Eles recebiam as mensagens do
alto, comunicavam-nas aos chefes, e estes passavam-nas ao povo. (...) As virgens passavam
a tropa em revista, ordenavam os combates e saída de piquetes, designavam as punições
aos faltosos, distribuíam as tarefas do dia e, como fazia José Maria, iam adiante da tropa,
no momento dos combates.

102
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Em meio a tantas distinções entre os poderes, poderíamos falar na existência de uma


hierarquia rígida agindo internamente sobre uma população submissa? Que, de algum
modo, a divisão social anterior reproduzia-se, agora, dentro dos quadros santos? Do ponto
de vista milenarista, a matéria deve ser sobrepujada pelo espírito, isto é, se havia algum
tipo de distinção entre os crentes, estava condicionada à pureza ou impureza da alma.
Entre os irmãos, devia reinar ”a fraternidade absoluta”, o que implicava um abandono das
”preocupações terrestres”, identificadas com a posse de bens materiais. (...) Isto é, no âmbito
das preocupações terrestres, podemos incluir a recusa da adoção de um comportamento
individualista no seio da comunidade dos crentes. A posse de bens materiais por uns, em
prejuízo de outros, contraria a característica predominantemente coletivista das formas de
manifestação milenarista-messiânicas, pois o milênio só se concretiza por meio da reunião
dos eleitos (os puros), como um grupo identificado com um objetivo definido.

Adaptado de Ivone Gallo – Contestado: o sonho do milênio igualitário.

103
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
O movimento do Contestado reunia gente de diversas origens: pequenos e médios fazendeiros
opositores às elites locais, e muita gente expulsa das terras que cultivava pela ferrovia São
Paulo-Rio Grande ou pela Madeireira Lümber. Como antes em Canudos e depois no Caldeirão,
a ideia de Apocalipse, de uma transformação radical, amparada por Deus, estimulava estes
dissidentes a organizarem-se de outra forma. Nos redutos, a disciplina igualitária deveria
organizar a toda comunidade em torno de uma liderança religiosa, a qual mesmo os aspectos
militar e político estariam subordinados.
Desta maneira, não haveria a possibilidade, de no reduto, acumular-se a propriedade da Terra,
porque o milênio, já demonstrava a igualdade, que deveria existir posteriormente. A concentração
da terra em poucas mãos fora o motivo que levara muitos deserdados a buscarem o reduto e
agora eles tentariam uma vida comunitária.
Daí a organização coletiva do trabalho, da reza, e a propriedade não só da terra, mas de
tudo o que se possuía. O objetivo de vida comunitária excluiria a preocupação com bens
materiais e nesse contexto também a terra, onde se estabelecessem os redutos pertenceria a
todos. Entretanto, como a guerra marcou profundamente a experiência do contestado não houve
tempo para o plantio em comum e o que foi possível dividir foi o que se trouxe para o reduto
e o que se conseguiu, depois nos ataques.

O Caldeirão

Dos movimentos que estamos analisando, o menos conhecido


é o do Caldeirão. Se para Canudos e mesmo o Contestado existe
vasta bibliografia, contar a saga do beato José Lourenço e de seus
seguidores é mais difícil na medida em que foram deixados poucos
registros. E não era para menos. Pela primeira vez no Brasil, aviões
do exército eram utilizados para bombardear um movimento social.

O Caldeirão é o nome de um sítio localizado na Serra do


Araripe no Ceará, próximo à divisa com Pernambuco e Rio Grande
do Norte.

104
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Figura 3.15: Localização do sítio do Caldeirão.

O beato José Lourenço nasceu em Pilões de


dentro na Paraíba, por volta de 1870. Aos quatorze
anos, saiu de casa e foi tentar a vida em Serraria como
amansador de cavalos. Ao voltar para casa, teve a
surpresa: a família migrara para a Meca do Sertão,
Juazeiro do Padre Cícero. A hoje grande cidade
de Juazeiro do Norte, no Ceará, surgira como um
povoado de romaria após o dito fenômeno de que a
hóstia na boca de uma beata, Maria de Araujo teria
se transformado em sangue.

O padre Cícero ganharia projeção nacional


e houve quem acreditasse que ele queria aliar-se a
Antonio Conselheiro. Contudo Cícero Romão Batista,
ainda que tivesse sofrido punições pela alta hierarquia
Figura 3.16: Beato José Lourenço. (Foto de
católica, já que não era aceita sua simpatia por 1920-1921, autor desconhecido.)
milagres não oficialmente reconhecidos, nunca se Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/4/4f/Jos%C3%A9_Louren%C3%A7o.jpg
indispôs com os coronéis do sertão.

105
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Era o tempo de guerras de famílias, onde, trabalhar como


capanga de coronel, aparecia ao roceiro como uma alternativa.

O beato José Lourenço agregou-se ao grupo do padre Cícero


e foi administrar um sítio, chamado Baixa Dantas, no município do
Crato, em 1894.

Em 1914, Floro Bartolomeu, líder de projeção estadual e


espécie de guia político do padre Cícero, lidera uma rebelião de
coronéis contra o governador Franco Rabelo, que contava com o
apoio do presidente Hermes da Fonseca. Era a sedição de Juazeiro,
abençoada pelo Padre Cícero. O sítio onde Lourenço trabalhava
foi destruído por forças governamentais.

A comunidade seria reconstituída, mas Lourenço chega a ser


preso por alguns dias em 1919, correndo a lenda que ficou vários
dias sem comer e sem beber na prisão.

De qualquer modo, o negro José Lourenço pôde voltar a Baixa


Dantas no Crato, mas em 1926 teve de se mudar para o sítio do
Caldeirão. O dono da Baixa Dantas, que o arrendara ao padre
Cícero vendera a terra e José Lourenço com seus seguidores dirigiu-
se ao sítio na Serra do Araripe.

Segundo Domingos Sávio de Almeida Cordeiro, as memórias


produzidas pelos que viveram no Caldeirão evocam esse tempo como
o melhor de suas vidas. Numa terra marcada pela seca, como no ano
de 1932, o Caldeirão conseguia não apenas o autoabastecimento,
mas também acolher refugiados, que chegavam especialmente dos
estados vizinhos do Rio Grande do Norte e Pernambuco, onde
Severino Tavares costumava recrutar novos crentes.

O Caldeirão crescia, mas, como Canudos, arrebatava mão


de obra dos proprietários locais. Além disso, aquela extensa área
marcada por uma produção extremamente importante e inclusive com
irrigação, passou a ser o objeto de desejo dos padres salesianos.
Em 1934 morre o padre Cícero, dono das terras e a maior parte de
seus bens fica para a ordem dos salesianos. Logo estes requereram
a expulsão da comunidade que contava com milhares de pessoas.

106
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Os boatos sobre o Caldeirão começavam a circular na


Imprensa Cearense. Num momento, foi divulgado que José Lourenço
tinha uma atividade sexual promíscua, noutro que havia ali práticas
fanáticas, já que o beato era considerado o sucessor do padre
Cícero. Depois do frustrado levante comunista de 1935 ficou fácil
acusar de comunista uma comunidade onde a propriedade da terra
era coletiva, onde o algodão era vendido para reverter em obras que
beneficiavam a todos e onde também não se cristalizava a noção
de propriedade privada.

Os boatos intensificavam-se ainda mais que Severino Tavares


era do Rio Grande do Norte, um dos locais onde ocorreu o levante
comunista e era o principal líder que recrutava novos crentes. Era
o comunismo, que tinha de ser exorcizado. O capitão José Bezerra
foi espionar os romeiros, disfarçado de comerciante, interessado
na exploração da oiticica. Seu relatório era o que o governador
Meneses Pimentel esperava: o Caldeirão era considerado um reduto
de fanáticos, desordeiros e comunistas e tinha que ser desmontado
com urgência.

Como nos lembram Cordeiro (2004) e Chico Sá (2000) o que


mais marca este momento nas memórias dos antigos moradores era
o fato de Bezerra ter tido um “tratamento de rei”, comendo do bom
e do melhor para depois cometer a “traição” entregando o reduto
ao governo do estado.

Não houve confronto neste momento: o beato José Lourenço


fugiu, ocorrendo a destruição de casas, roças e moinhos, numa ação
que só encontrou, segundo alguns relatos, o protesto de uma mulher,
que ateou fogo ao corpo. Mas a experiência do Caldeirão não
terminara. Enquanto José Lorenço abrigava-se num lugar conhecido
como Mata de Cavalos, Severino sonhava retomar o Caldeirão.

Em maio de 1937 ocorreu um combate entre forças lideradas


por ele e os policiais, sob comando de José Bezerra, o mesmo espião
já citado. Como no Contestado os dois comandantes morreram. Mas
a morte de Bezerra significava para os proprietários locais, para

107
História dos Movimentos Sociais no Brasil

os políticos de Fortaleza a vitória do fanatismo e do comunismo.


O governo estadual pediu auxílio às forças armadas e o exército
chegou com aviões no mesmo mês de maio.

Pela primeira vez, no Brasil, aviões bombardeavam


camponeses, falando-se em pelo menos setecentos mortos. Para a
memória das forças armadas brasileiras era mais um Canudos a
ser abatido.

O beato José Lourenço não foi morto e ainda voltou ao


Caldeirão no ano de 1938, sendo novamente expulso dois anos
mais tarde, sem nenhuma indenização dos prejuízos sofridos.
Estabeleceu-se finalmente no Sítio União em Exu, Pernambuco, onde
conseguiu comprar a terra e organizar uma comunidade nos moldes
da cearense. Com sua morte em 1946 a comunidade se desagregou.

O Brasil mudava a partir da Revolução de 1930, com o


incentivo a indústria e uma política social mais favorável aos
trabalhadores da cidade. Mas no campo, ainda que setores da
burocracia central buscassem efetivar algumas reformas, o poder
dos coronéis continuava inabalável quando se tratava de confronto
com os roceiros.

O Caldeirão ficou esquecido durante muitos anos, só sendo


recordado inicialmente no texto de Ruy Facó nos anos sessenta.
Aliás, segundo este autor, parte dos sobreviventes do Caldeirão foi
massacrada em Pau de Colher, um sítio do Médio São Francisco,
na Bahia, junto à divisa com o Piauí, em 1938. Atualmente, existe
uma revalorização desta experiência, com o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra cearense, procurando legitimar
sua luta como uma continuação daquela empreendida pelo beato
José Lourenço.

108
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Os Direitos Humanos e o Caldeirão


A ONG SOS Direitos Humanos equipara o
massacre do Caldeirão à guerrilha do Araguaia
e ingressou com uma Ação Civil Pública, reivindi-
cando em 2008 a identificação da cova coletiva
onde estariam sepultados os restos mortais dos mas-
sacrados, sua identificação, via DNA, bem como a
indenização às suas famílias. O pedido foi negado
em primeira instância e foi apresentado em 2010 um
recurso ao Tribunal Regional Federal de Recife.
Para mais detalhes, acesse: HTTP://www.provosbra-
sil.blogspot.com/2010/08/denuncia-sitio-do-calde-
rao-o-araguaia-do.htm

Atende ao Objetivo 3

3. Leia os dois trechos a seguir e analise o momento prévio aos ataques, vislumbrando a
partir do que você leu durante a aula, como a ideia de fanatismo pode ser acionada contra
os camponeses.

Texto 1:

Qual o motivo da deflagração das hostilidades, do assalto armado contra Canudos?

Não houve um motivo; houve um pretexto. Alegava-se que o Conselheiro havia comprado
e pago uma certa quanti­dade de madeira, na cidade de Juazeiro, para construção em

109
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Canudos. Não recebendo a encomenda, propalou-se que se prontificava a cobrá-la


a mão armada. O boato espalhou-se, ganhou foros de verdade, motivou pânico. As
autoridades de Juazeiro apelaram para o Governo do Estado da Bahia. Este enviou a
primeira força regular contra os camponeses, em novembro de 1896. Eram pouco mais
de 100 homens, sob o comando do tenente Pires Ferreira. Os habitantes de Canudos
não esperaram os atacantes em sua casa: foram-lhe ao encontro. Dispunham então
de armas primitivas: espingardas de caçar passarinhos, facões de campo, cacetes,
ferrões de vaqueiro. O choque deu-se na localidade de Uauá, onde dor­miu a tropa
certa noite. Foi surpreendida pelos conselheiristas. Embora as informações oficiais
apresentassem esse pri­meiro choque como uma vitória da força governista, a ver­dade
é que os vitoriosos fugiram, alegando a grande superio­ridade numérica do adversário.

Adaptado de Ruy Facó – Cangaceiros e fanáticos.

Texto 2:

Homem de moral pacífica, Zé Lourenço recebe com banquetes o capitão José Bezerra,
escalado pela PM para o serviço de arapongagem da comunidade. Bezerra chegara
ao sítio, em meados de 1936, travestido de empresário desejoso de explorar a oiticica,
uma das árvores brasileiras mais ricas em óleo, da região. Comeu do bom e do melhor,
capote com macaxeira cozida, doce de leite e queijo de coalho na sobremesa, café
forte, à moda árabe, no final. Para todo esse tratamento de rei, o desgraçado arrotou
ao seu comando um relatório que desenhava o Caldeirão como um misto de inferno e
sucursal de Moscou.Estava decidido. O avanço das tropas oficiais sobre o Cariri era
questão de dias.

Adaptado de Xhico Sá – Beato José Lourenço.

110
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Resposta Comentada
Em ambos os textos aqui abordados, podemos vislumbrar a questão do fanatismo como o
pretexto do que viria a ser o enfrentamento contra as comunidades.
Em Canudos, Facó lembra-nos que o fato de não se ter cumprido a encomenda das madeiras
para a igreja seria o motivo suficiente para o ataque do Conselheiro. E por que o pretexto?
Como vimos, os fazendeiros não aceitavam a perda da mão de obra.
O mesmo pretexto do fanatismo só que agora imbricado ao comunismo viria no caso do
Caldeirão. “Inferno e sucursal de Moscou.” Ali existe ainda na memória local, que o autor
assume como sua o papel da espionagem mostrada pela visita do capitão Bezerra. Fanatismo
e comunismo encobrem o que seria o fator real: a luta pela terra, que os padres desejavam e
a luta pelo controle da mão de obra que os fazendeiros queriam ter em suas mãos. Em ambos
momentos, a ideia de fanatismo é utilizada para legitimar ações do Estado aliado às elites locais,
que, sem estes pretextos, dificilmente teriam apoio na opinião pública. Embora o termo fanatismo
não apareça nos textos citados podemos estabelecer as conexões com o que já trabalhamos.
Afinal, só fanáticos poderiam romper com uma estrutura, que deveria ser conservada, tal como
era. Ainda que fossem os dois redutos, vistos por muitos como lugar da barbárie, só a difusão
do temor contra eles justificaria ações militares naquele grau de violência.

A reapropriação dos movimentos


messiânicos

Neste ponto, são importantes algumas observações. Em


1999, formou-se em Porto Feliz (São Paulo) um acampamento,
chamado Nova Canudos, sendo ali criada a Escola Antonio
Conselheiro. Marcelo Buzeto (2000), autor de um texto sobre o

111
História dos Movimentos Sociais no Brasil

tema e que participou da ocupação organizada pelo Movimento


dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em colaboração com o
movimento dos trabalhadores sem teto explica: “a novidade é que
Canudos não tinha se rendido e todos tinham sido massacrados”,
agora Nova Canudos não seria massacrada.

Maria Rosa, a virgem mais famosa do Contestado, é nome de


um assentamento em Santa Catarina, enquanto no Ceará lideranças
locais reivindicam o Assentamento do Caldeirão.

A noção de que a terra deve ser para todos e não um bem


cuja posse fique restrita a poucas mãos, a idéia de trabalho coletivo,
que beneficie a todos são utilizadas nos discursos, faixas, cartazes
das ações do MST.

Essa apropriação, iniciada nos anos oitenta, ganhou maior


importância com a aproximação do centenário de Canudos. Não
por acaso Clovis Moura (2000) escreveu no ano 2000 o livro que
ligava Canudos ao MST.

Canudos e MST
O livro Sociologia política da Guerra de Ca-
nudos: da destruição de Belo Monte ao apareci-
mento do MST, do sociólogo Clovis Moura mostra
as conexões, que podem ser feitas entre a luta
dos canudenses e o surgimento do MST no início dos
anos 1980. Se você se interessa por questão agrária,
recomendo fortemente a leitura.

112
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Evidentemente, todo processo de apropriação significa uma


construção a posteriori, que não necessariamente corresponde ao
vivido pelos contemporâneos. Mas é uma forma utilizada pelos
dirigentes de movimentos reivindicativos no esforço de mobilizar
os militantes para a luta.

Desta forma, Canudos, Contestado e Caldeirão, que em seu


tempo foram vistos com esperança por seus moradores e como
uma assombração por seus adversários, são hoje reinventados por
movimentos sociais, que lhes atribuem o sentido de precursores das
mobilizações por eles travadas. Entendo que o papel do historiador
não é endeusá-los nem demonizá-los, mas compreendê-los.

Conclusão

De tudo até aqui exposto, podemos observar que Canudos,


Contestado e Caldeirão foram movimentos que em sua época
representaram para seus participantes a fuga ao sistema latifundista e
ao poder dos coronéis locais. O viés religioso servia como amálgama
para unificar elementos vindos das mais diversas procedências
para os quais a noção de que viria um novo mundo a ser vivido
aqui mesmo na terra, tornava-se o elemento indispensável para a
realização do objetivo da vida comunitária e da posse coletiva da
terra.

Mas se no momento em que se realizaram Canudos,


Contestado e Caldeirão significaram a esperança para os que
participavam daquelas comunidades, para os que a elas se opunham
significaram um verdadeiro fantasma a exorcizar. Os fazendeiros
temeram a perda da terra e principalmente do controle da mão de
obra, as autoridades locais temeram o questionamento de seu poder
político e as autoridades federais viram em Canudos a rejeição da
República e nos movimentos posteriores à reencarnação de Canudos.

113
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Posteriormente, primeiro pela historiografia e depois pelos


movimentos sociais, Canudos, Contestado e Caldeirão ganharam
nova atualidade, como esforços de luta pela terra e para muitos como
antecipação do que pode vir a ser a sociedade brasileira depois da
reforma agrária. Se hoje são raros os que questionam publicamente
estes movimentos, são muitos os que fazem deles referências para
as lutas que travam.

Atividade Final 

Atende ao Objetivo 4

Leia o texto a seguir e discuta como a experiência de Canudos foi reapropriada numa
ocupação de terras realizada em Porto Feliz (São Paulo), em 1999.

O Acampamento Nova Canudos: uma ocupação de novo tipo

Após a realização de um intenso trabalho de base com famílias excluídas no campo e nas
cidades durante todo o segundo semestre de 1998 e o mês de Janeiro de 1999, MST e
MTST organizaram a segunda maior ocupação feita no estado de São Paulo, com cerca de
1.200 famílias,(...). (...) A novidade nessa ocupação é que cerca de 80% dos acampados
vieram de centros urbanos ou cidades localizadas em várias regiões do Estado. Encontramos
no acampamento Nova Canudos pessoas que vieram de Campinas, Sorocaba, Guarulhos,
Itapevi, São Bernardo do Campo, Mauá, Santo André, Limeira, Araras, São Paulo e outras
cidades. São trabalhadores desempregados, sem teto, moradores de rua, ex-operários,
ex-marceneiros, ex-mecânicos, que agora colocam sua profissão e suas potencialidades a
serviço da luta pela reforma agrária e por transformações sociais. (...)Também a construção
da Escola Antônio Conselheiro foi uma grande atividade coletiva e comunitária, onde o
trabalho voluntário e a solidariedade mais uma vez se fizeram presentes.

114
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

(...) No dia 9 de fevereiro chega a ordem de reintegração de posse, dia em que a assembleia
dos acampados aprova o nome Nova Canudos para a ocupação. Entre os argumentos que
pesavam a favor do nome, criou-se a seguinte ideia: Canudos não se rendeu, e foram todos
massacrados; Nova Canudos não se renderá, mas a novidade é que não será massacrada,
será uma ocupação vitoriosa.

Adaptado de Marcelo Buzetto – "Nova Canudos e a luta do MST no estado de São Paulo".

Resposta Comentada
Nas citações extraídas do texto de Buzetto, podemos observar a tentativa de unir uma luta travada
no fim do século XX, a uma já centenária travada em Canudos. A memória de Conselheiro no
nome da Escola mostra um fenômeno de apropriação, onde se busca resgatar o nome do líder
de Canudos como uma espécie de patrono do Movimento.
A União campo-cidade, demonstrada na presença de militantes de vários pontos do estado,
de gente das mais variadas profissões ou mesmo sem profissão alguma, pode nos recordar os
milhares que chegavam a Canudos de diversos pontos do nordeste. Canudos aqui aparece então
como elemento inspirador da luta e é ativado como catalizador e aglutinador das esperanças,
que o autor pretende efetivar.
Outro aspecto que chama a atenção é o fato de o nome Nova Canudos ter sido escolhido
justamente no dia em que é determinada pela justiça a reintegração de posse, ou seja que
os acampados deveriam deixar a área. A ligação entre a experiência de Canudos heroica,

115
História dos Movimentos Sociais no Brasil

ainda que massacrada e a “Nova” Canudos, que quer ser heroica, mas sem ser massacrada
mostra o objetivo de fazer daquele acontecimento a inspiração para a luta que se vai travar.
Assim a Nova Canudos aparece aqui como se pudesse retomar à experiência centenária, como
se pudesse ser a um tempo revivida e atualizada a saga dos Conselheiristas. A noção de que
a Nova Canudos não se renderia é, ao mesmo tempo um resgate da experiência antiga e sua
atualização, pelo menos se tomamos como referência o ponto de vista do narrador.

RESUMO

Canudos, Contestado e Caldeirão têm, apesar de haverem


ocorrido em momentos e regiões diferentes, características bastante
similares. Nas três experiências, as lideranças mobilizavam a fé
religiosa, visando organizar comunidades que se estruturariam a
partir da propriedade coletiva da terra, da realização do trabalho
comunitário e de práticas religiosas coletivas.

Nas três experiências, encontramos a oposição dos


setores proprietários temerosos, que a experiência coletivista lhes
arrebatasse a mão de obra e, pior ainda, servisse de exemplo para
outros camponeses. Nas três experiências, as burocracias estaduais
e federais uniram-se aos setores proprietários na repressão aos
movimentos.

Em todos estes confrontos, a noção de que as comunidades


eram bandos de fanáticos foi acionada como forma de legitimar a
luta, que na realidade se caracterizou, especialmente no caso do
Caldeirão, como verdadeiro massacre.

Para líderes militares, Canudos teve um papel fundador: foi


a primeira vitória da civilização contra a barbárie e os demais
movimentos aqui estudados eram o perigo de um Canudos redivivo.

116
Aula 3 – Movimentos messiânicos rurais

Mas se para os setores militares Canudos sempre foi um


fantasma a exorcizar, para movimentos como o MST, tornou-
se uma fantasia a evocar, especialmente quando se pensar em
acampamentos, como Nova Canudos. Ali, assim como no Contestado
e no Caldeirão, estavam a organização do trabalho comunitário,
a propriedade coletiva da terra e por que não dizer, a mística,
que o movimento procurava criar. São movimentos que ainda hoje
mobilizam a atenção de estudiosos e líderes de movimentos sociais,
pelo que tiveram de inovador em sua época e pela violenta oposição
que despertaram junto aos setores proprietários e autoridades locais
e federais.

Informação sobre a próxima aula

Em nossa próxima aula sobre movimentos rurais, você vai


acompanhar a atuação dos camponeses durante a chamada era
Vargas (1930-1945). Até lá!

117
Aula  4
Os anos 1930 -
1945: o impacto
do projeto
trabalhista no
movimento
operário
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta da aula

Apresentar a dinâmica entre as políticas públicas relativas aos direitos do trabalho e as


práticas e tradições dos trabalhadores.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. caracterizar o projeto trabalhista, implementado pelo Estado brasileiro entre 1930 e


1945;
2. reconhecer o impacto da legislação sindical junto ao movimento operário independente,
existente na Primeira República: a repressão e o debate sobre estratégias de conquista de
direitos;
3. identificar as principais interpretações sobre as relações entre sindicatos, trabalhadores e
Estado no período.

Pré-requisito

Para que você compreenda melhor esta aula, é importante que leia novamente a Aula 3
da disciplina História do Brasil III, sobre a criação da legislação trabalhista no país.

120
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

Introdução

Em 1930, as lideranças oligárquicas do Rio Grande do Sul,


de Minas Gerais e da Paraíba que apoiaram a candidatura de
Getúlio Vargas à presidência da República, através da Aliança
Liberal, tomaram o poder com a intervenção de militares. Esse
acontecimento entrou para a história como Revolução de 1930,
designação usada pelos participantes do próprio movimento, apesar
de consistir em uma conspiração entre lideranças políticas e militares,
na realização de um golpe de Estado e na destituição do presidente
Washington Luiz. Os historiadores concordam que eles foram bem
sucedidos no seu intento revolucionário, porque esse fato inaugurou
transformações que tiveram desdobramentos importantes de curto,
médio e longo prazos na história do Brasil.

Figura 4.1: 1930: o início da Era Vargas


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Getuliovargas1930.jpg

O movimento de 1930 contou com o apoio das classes médias


e com a presença difusa das massas populares. O que unia essas
pessoas tão diferentes eram as práticas políticas comuns na Primeira
República, principalmente a restrição à participação política. As
oligarquias dissidentes e os tenentes eram extremamente críticos
aos procedimentos eleitorais vigentes na Primeira República. Mas
havia divergências importantes entre os conspiradores de 1930,
nem todos os políticos concordavam com os militares em instaurar
um regime autoritário no país. Nem todos queriam acabar com o

121
História dos Movimentos Sociais no Brasil

regime democrático, apesar de defenderem a necessidade de certas


mudanças, como a instauração do voto secreto, nem todos queriam
“jogar fora a criança junto com a água do banho”. No entanto, logo
após a posse de Vargas na presidência da República, o Congresso
Nacional, os legislativos estaduais e municipais foram dissolvidos.
Os presidentes de estado, como eram chamados os governadores,
foram destituídos. Para ocupar os seus lugares foram nomeados
interventores federais em cada estado. Tal medida extinguia a
“política dos governadores”, que garantia a autonomia dos estados
e os colocava agora sob o controle direto do poder central.

Ora, as lideranças políticas dos estados, acostumadas a


comandar o seu território, fizeram forte oposição ao governo de
Vargas, sendo a Revolução Constitucionalista de 1932, em São
Paulo, a maior expressão dessa reivindicação por autonomia e
participação política. O objetivo deles eram justamente elaborar
uma Constituição democrática. Os constitucionalistas foram vencidos
militarmente, mas, em 1933, Vargas convocou eleições para uma
Assembleia Nacional Constituinte, conforme os revoltosos queriam.
A Constituição de 1934 instituiu regras democráticas. No entanto,
a partir de 1935, o governo voltou a defender medidas autoritárias.
Em 1937, haveria eleições, mas Vargas não respeitou as regras do
jogo e criou uma ditadura: o Estado Novo (1937 – 1945).

Figura 4.2: A oposição ao governo Vargas terminou em guerra.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Soldados_paulista_em_trincheira_em_
Silveiras,_1932.jpg

122
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

A política trabalhista

O Estado brasileiro após 1930 caracterizou-se pelo


enfrentamento da questão social, ao vê-la como questão econômica e
política, o que implicou na elaboração de políticas públicas na área,
configurando o que chamaremos de projeto trabalhista. Uma das
características principais do governo, após a Revolução de 1930,
é justamente a afirmação do Estado intervencionista, o governo
provisório criou dois ministérios, considerados “revolucionários”: o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) e o Ministério da
Educação e Saúde Pública (MESP). De maneiras diferentes, ambos
tinham como objetivo desenvolver políticas públicas de incorporação
da classe trabalhadora na ordem política.

O Ministério da Educação e Saúde Pública incentivou a ideia


de cidadania nacional, de identificação do Estado com a Nação.
O sucesso da legitimidade do Estado-nação está na incorporação
da ideia de nação por toda a sociedade, especialmente a partir do
século XX. Os mais diferentes governos irão desenvolver políticas
públicas de legitimação do Estado junto à sociedade a partir da
identidade nacional através da educação escolar, por exemplo,
uma das principais maneiras de socializar os indivíduos na
contemporaneidade. É na escola que formamos muitos dos nossos
valores. A partir de 1930, o Estado investiu no “abrasileiramento” da
educação. Muitas escolas públicas foram abertas, ao mesmo tempo
em que escolas organizadas por comunidades de imigrantes italianos
e alemães, principalmente, eram fechadas. As crianças precisavam
aprender em primeiro lugar, a língua, os costumes e a História do
Brasil. Não podiam se considerar italianos ou alemães, morando
no Brasil, como seus pais ou avós, precisavam se identificar como
brasileiras: cantar o Hino Nacional e emocionar-se.

123
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 4.3: O sucesso da legitimidade do Estado-nação está na incorporação


da ideia de nação por toda a sociedade: era preciso cantar o Hino Nacional e
emocionar-se.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Ficheiro:Flag_of_Brazil.svg&page=1

O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, por sua vez,


deu continuidade à elaboração de leis, regulamentando as relações
de trabalho que, como vimos na aula anterior, teve início ainda
na Primeira República. Então, nas cidades, patrões e empregados
passaram a seguir várias determinações do Estado, entre as
principais novidades: a lei de sindicalização, a fiscalização da
legislação trabalhista por funcionários do ministério nos locais de
trabalho e a criação da Justiça do Trabalho.

Como vimos na aula anterior, o movimento operário na


Primeira República (1889 – 1930) era bastante diversificado, havia
associações de ajuda mútua, sindicatos anarquistas, organizações
comunistas, iniciativas de partidos socialistas, entre outras tantas.
Nesta aula, vamos estudar a dinâmica entre as políticas públicas
implementadas pelo Estado na área dos direitos do trabalho e as
práticas e tradições dos trabalhadores.

O projeto trabalhista caracterizava-se por tornar os direitos do


trabalho em objeto de políticas públicas, no entanto, considerava
que cabia ao Estado impor-se nesse terreno como protagonista face
ao movimento operário. Logo em 1931, o governo tomou duas

124
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

medidas que expressam bem o sentido do projeto trabalhista, proibiu


as reuniões de trabalhadores nas ruas e em praças públicas no 1º
de maio e criou a lei de sindicalização.

Quer dizer, por um lado, diante da convocação de associações


de trabalhadores para a mobilização: “O 1º de maio, dia de protesto
contra a reação!”, como estampou o periódico comunista A Luta de
Classes (A Luta de Classes 2, n. 7, 1º. de maio de 1931, In: DULLES,
1977, p. 411), o governo proibiu as manifestações de rua, tendo em
vista que aquelas associações não tinham como objetivo apenas lutar
por direitos do trabalho, mas promover uma revolução comunista.
Com medidas como essa, o governo reprimiu as iniciativas políticas
das associações de trabalhadores.

Anos mais tarde, durante a ditadura do Estado Novo (1937-


1945), o presidente Getúlio Vargas passou justamente a convocar
os trabalhadores a comparecer às festividades do Dia do Trabalho,
agora organizadas pelo governo. Inicialmente, no Palácio da
Guanabara. Nos anos seguintes, em grandes comemorações
públicas realizadas em estádios de futebol, como o de São Januário,
sede do clube Vasco da Gama, na então capital federal, a cidade
do Rio de Janeiro. Nestas ocasiões, eram anunciadas novas medidas
relativas à política social, como:

Figura 4.4: Comemorações do Dia do Trabalho no estádio de São Januário.


Fonte: http://tinyurl.com/8k8cmkr

125
História dos Movimentos Sociais no Brasil

• o regulamento da lei do salário mínimo;

• o decreto-lei relativo à isenção de impostos para habitações


proletárias, em 1938;

• a criação da Justiça do Trabalho, em 1939;

• a fixação do salário mínimo, em 1940;

• a instalação da Justiça do Trabalho, em 1941, juntamente com o


lançamento da campanha da Marcha para o Oeste;

• o anúncio da formação da Batalha da Produção, em 1942, já


no contexto do envolvimento brasileiro com a Segunda Guerra;

• a CLT, em 1943 e a nova Lei Orgânica da Previdência, em 1944”


(GOMES, 1988, p. 255).

O Estado, portanto, enfrentava a questão social tanto através


da política de repressão às manifestações de organizações de
trabalhadores, através de uma política de regulação dos direitos
do trabalho, assim como no investimento em propaganda política
sobre a mesma legislação, realizada principalmente a partir do
Estado Novo.

Ainda em 1931, o governo criou a lei de sindicalização


que reconhecia oficialmente os sindicatos e previa que apenas
trabalhadores sindicalizados poderiam gozar dos benefícios da
legislação social. A nova legislação caracterizava-se por impor uma
série de restrições à organização dos trabalhadores, tais como a
organização por categorias profissionais, a unicidade sindical (a
existência de apenas uma associação para cada categoria) e a
definição do sindicato com órgão consultivo e de colaboração do
poder público (instituição de direito público, regulamentada pelo
Estado):

“Art. 4o Os syndicatos, as federações e as confederações


deverão, annualmente, até o mez de março, enviar ao
Ministerio do Trabalho, Industria e Commercio relatorio
dos acontecimentos sociaes, do qual deverão constar,

126
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

obrigatoriamente, as alterações do quadro dos socios,


o estado financeiro da associação, modificações que,
porventura, tenham sido feitas nos respectivos estatutos,
além de factos que, pela sua natureza, se possam prender a
dispositivos do presente decreto”.

“Art. 6o Ainda como orgãos de collaboração com o Poder


Publico, deverão cooperar os syndicatos, as federações
e confederações, por conselhos mixtos e permanentes de
conciliação e de julgamento, na applicação das leis que
regulam os meios de dirimir conflictos suscitados entre patrões,
operarios ou empregados”. Decreto – Lei n. 19770 de 1931:
Regula a sindicalização das classes patronais e operárias.
(Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D19770.htm)

Além disso, a nova lei proibia as lideranças sindicais de


defender ideologias e filiar-se a sindicatos internacionais, deixando,
portanto, muito clara a preocupação com a articulação entre o
movimento operário e a Internacional Comunista:

“Art. 1. f) abstenção, no seio das organisações syndicaes,


de toda e qualquer propaganda de ideologias sectarias,
de caracter social, politico ou religioso, bem como de
candidaturas a cargos electivos, extranhos à natureza e
finalidade das associações.

Art. 12. O operario, o empregado ou patrão, que pertencer


a um syndicato reconhecido pelo Ministerio do Trabalho,
Industria e Commercio, não poderá, sob pena de ser excluido,
fazer parte de syndicatos internacionaes, como só poderão
as organizações de classe federar-se com associações
congeneres, fora do territorio nacional, depois de ouvido o
ministro do Trabalho, Industria e Commercio”.
(Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/

D19770.htm)

127
História dos Movimentos Sociais no Brasil

No final dos anos 1970, o cientista político Wanderley


Guilherme dos Santos propôs um conceito-chave para entender
a política social, elaborada após 1930 e que tem na lei de
sindicalização sua maior expressão. Era um conceito de cidadania
implícito na prática política do governo revolucionário, a “cidadania
regulada”:

“Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania


cujas raízes encontram-se, não em um código de valores
políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional,
e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é
definido por norma legal”. (SANTOS, 1987, p. 68).

Nesta obra, Cidadania e Justiça, Wanderley Guilherme dos


Santos analisando o modelo corporativo proposto pelo Estado
brasileiro afirma que a cidadania, no sentido de pertencimento
à nação, dava-se através da profissão. Quer dizer, a cidadania
não tinha como referência determinados valores políticos, mas a
estratificação profissional. Daí, a identificação que o autor faz entre
a carteira de trabalho com uma “certidão de nascimento cívico”,
uma vez que é a condição de trabalhador que garante a cidadania.
Este conceito de “cidadania regulada” é marcado pelo poder do
Estado de regulamentar as profissões, reconhecer os sindicatos, e
garantir benefícios apenas àqueles que são associados a sindicatos
reconhecidos pelo Estado. Além disso, tratava-se de uma cidadania
desigual, já que os benefícios garantidos pelo Estado, como
aposentadorias e pensões, eram proporcionais às contribuições de
cada trabalhador.

128
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

Atende ao Objetivo 1

1. Os historiadores pesquisam a partir de uma grande diversidade de documentos:


correspondências, diários, atas de reuniões, artigos publicados em periódicos (jornais
e revistas), autobiografias, discursos (proferidos em comícios, no rádio, na televisão, no
parlamento ou em determinadas ocasiões festivas). Em 1932, o governo criou a carteira
de trabalho que permitiu ao ministério maior controle sobre os trabalhadores. Compare os
documentos abaixo e identifique no texto as características do projeto trabalhista.

1. Publicado no jornal socialista Echo Popular, em 10 de abril de 1890.

“Quem é o operário? / É um homem honesto, laborioso e que precisa sofrer o


rigor da sorte para sustentáculo de todas as classes sociais.

O que é o operário? / É um cidadão que representa o papel mais importante


perante a sociologia humana.

O que deve ser operário? / Um homem respeitado, acatado, porque só ele


sofre para que os felizes gozem; deve ou não ser tão bom cidadão como outro
qualquer?

Tem ou não tem perante a lei natural ou escrita – o direito e dever – de pugnar
pelos direitos e defesa das classes a que pertence? / É intuitivo que sim!”

2. Texto impresso nas carteiras profissionais emitidas pelo Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio.

“Por menos que pareça e por mais trabalho que dê ao interessado, a carteira
profissional é um documento indispensável à proteção do trabalhador.

Elemento de qualificação civil e habilitação profissional, a carteira representa


também um título originário para a colocação para a inscrição sindical e, ainda,
um instrumento prático do contrato individual de trabalho.

129
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A carteira pelos lançamentos que recebe, configura a história de uma vida. Quem a
examinar, logo verá se o portador é um temperamento aquietado ou versátil; se ama a
profissão escolhida ou ainda não encontrou a própria vocação; se andou de fábrica em
fábrica como uma abelha ou permaneceu no mesmo estabelecimento, subindo a escala
profissional. Pode ser um padrão de honra. Pode ser uma advertência”.

Resposta Comentada
Em primeiro lugar, cabe observar que há aspectos em comum nos dois documentos, o que
indica que o projeto trabalhista colocado em prática pelo Estado brasileiro nos anos 1930-40
foi elaborado tendo em vista as reivindicações de associações de trabalhadores em atividade
na Primeira República. Cabe notar que o projeto trabalhista respondeu a preocupações do
movimento operário tanto de ordem material, quanto de ordem simbólica, pois o discurso dos
socialistas, editores do Echo Popular, assim como o texto oficial veiculado através da carteira
de trabalho se destacam por dotar o trabalho de um valor positivo, reconhecer o estatuto de
cidadão do trabalhador e considerar a legislação e, portanto, o Estado, garantia dos direitos do
trabalhador. Daí, a percepção de que a carteira de trabalho era considerada uma “certidão de
nascimento cívica”, conforme a concepção de “cidadania regulada” elaborada por Wanderley
Guilherme dos Santos.

130
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

O impacto da legislação sindical no


movimento operário: a repressão e o
debate sobre estratégias de lutas por
direitos.

É importante notar a relação de continuidade entre as


reivindicações elaboradas pelo movimento operário na Primeira
República e a política social implementada pelo Estado, o que nos
mostra, mais uma vez, como os “revolucionários de 1930” não
conceberam tais iniciativas isoladamente, ao contrário, tratava-se
de atender aos valores e às demandas dos trabalhadores. Mas
tão importante quanto às continuidades para a compreensão do
projeto trabalhista, são as divergências que surgem entre lideranças
operárias e o governo. Se, por um lado, o Estado concentrou esforços
para que as medidas instauradas se tornassem efetivas através da
fiscalização realizada por funcionários do Ministério do Trabalho,
por outro lado, extinguiu a liberdade sindical através da imposição
do sindicato único e da proibição de veiculação de ideologias
políticas. Como reagiram as associações de trabalhadores?

Entre as lideranças operárias houve reações divergentes diante


da lei de sindicalização:

“O maior entusiasmo foi demonstrado pela União dos


Trabalhadores do Livro e do Jornal (UTJL), fundada em primeiro
de janeiro de 1931, congregando tanto intelectuais como
trabalhadores manuais e suplantando rapidamente a União
dos Trabalhadores Gráficos do Rio, UTG. [...] Anunciou-se
que, por iniciativa da UTJL, representantes do Ministério do
Trabalho compareceriam a uma série de conferências para
esclarecer aos operários a nova Lei de Sindicalização”
(DULLES, 1977, p. 375).

Entre os anarquistas e os comunistas, muitos repudiaram as


novas regras: “Abaixo a lei mussolinesca de sindicalização das
classes!” (DULLES, 1977, p. 375), estamparam os anarquistas nos

131
História dos Movimentos Sociais no Brasil

seus jornais, criticando o modelo corporativista de representação


sindical semelhante ao existente na Itália sob o comando de Benito
Mussolini. Apesar das críticas de lideranças operárias, de acordo
com Leôncio Martins Rodrigues, “até 1937, apesar do crescente
intervencionismo governamental, os sindicatos conservaram um
pouco de sua autonomia reivindicatória e liberdade de negociação
com os empregadores” (RODRIGUES, 1991, p. 518).

Figura 4.5: Anarquistas e comunistas criticavam o modelo corporativista de


representação sindical semelhante ao existente na Itália sob o comando de Benito
Mussolini.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bundesarchiv_Bild_183-2007-1022-506,_
Italien,_deutsche_Frontk%C3%A4mpfer_in_Rom_crop.jpg

A intervenção nos sindicatos não ocorreu de maneira


repentina, pois encontrou resistências entre os militantes. Em A
invenção do trabalhismo, Ângela de Castro Gomes afirma que
houve um esforço por parte do movimento sindical para manter
sua autonomia: “denunciando, resistindo e entrando em choque
aberto com a orientação ministerial e, de outro, houve a tentativa

132
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

do ministério, em parte bem sucedida, de conquistar os sindicatos


existentes ou de criar novos sindicatos sob a égide da política
governamental” (GOMES, 1988, p. 177).

Entre 1931 e 1933, quer dizer, da criação da lei de


sindicalização até a convocação da Assembleia Nacional
Constituinte, houve uma disputa política acirrada entre as lideranças
do movimento operário devido à existência de sindicatos oficiais
e de sindicato independentes. Nem todas as organizações de
trabalhadores se submeteram à nova legislação e foram reconhecidas
pelo Estado, muitas permaneceram em atividade e se recusavam a
cumprir a lei de 1931. Essas divergências foram objeto de debates
na constituinte (1933-1934), na qual as lideranças de esquerda
aceitaram o reconhecimento dos sindicatos pelo Ministério do
Trabalho, mas reivindicavam a liberdade política dos sindicalizados
e o princípio de não-intervenção do Estado nas associações
(GOMES, 1988, p. 177-182).

Com a promulgação da Constituição de 1934 e o retorno à


democracia, houve um crescimento significativo da participação
política das camadas médias urbanas no país. Nesta conjuntura
de liberdades democráticas no país e de radicalização política
internacional – os movimentos fascistas cresciam em vários
países europeus – foram criadas no país a Aliança Nacional
Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira (AIB), as primeiras
organizações políticas a mobilizar a população em grandes
comícios em praças públicas. Em fevereiro de 1935, bem antes dos
levantes comunistas realizados por militares nas cidades de Recife,
Natal e Rio de Janeiro, portanto, o governo decidiu elaborar uma
nova lei de segurança nacional.

Entre as lideranças de trabalhadores, a nova lei de segurança


nacional era duramente atacada, sendo a mesma conhecida como
a “lei monstro”, conforme circulou em matéria de capa do jornal
O sindicalista, órgão do Sindicato dos Ferroviários da Estrada de
Ferro Sorocabana, em 1935:

133
História dos Movimentos Sociais no Brasil

“Trabalhador! Prepara-se nas ante-salas dos burgueses e na


sacristia da intolerância religiosa um golpe a ser vibrado
contra ti. É preciso precaver-te contra a traição mesquinha
daqueles que, temendo-te, armam a pútrida consciência dos
legisladores do Brasil, com essa monstruosidade abominável
que é a lei de segurança nacional”.

De viés claramente comunista, o redator assinala a dimensão


classista da disputa política ao indicar no seu discurso a oposição
entre trabalhadores e burgueses, assim como compara a luta de
classes no Brasil e na Rússia ao se referir à classe dominante como
“czares do Brasil” e aos trabalhadores como “camaradas”. Ao
mesmo tempo, veja como há igualmente uma preocupação com
a possibilidade de armarem a “consciência dos legisladores do
Brasil”, deixando de certa maneira um tanto incerto o lugar do
Estado nessa disputa.

Em seguida, o artigo mostra como a própria lei pode ser


usada como argumento para atacar as liberdades democráticas,
tecendo então um elogio às mesmas, especialmente às liberdades
de consciência e de reunião:

“Os czares do Brasil, temendo-te, preparam a arma com


que no dia de amanhã, farão em nome da lei, os maiores
atentados contra a tua liberdade de consciência, de reunião,
etc. Essa lei monstruosa, camarada, não é mais do que a
‘ordenança’ usada na idade média a ressurgir em pleno
século XX, um atentado flagrante contra os princípios da
civilização e do progresso de que nós, povo, somos os únicos
construtores”.

Ao final, convoca os trabalhadores à luta em nome dos


princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, “para que não
sejam ‘flores de retórica’, mas sim verdades palpáveis e reais”.

134
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

“E a estrada do momento é essa de protesto, de luta contra a


burguesia safada e imoral que em nome da pátria, Deus e família,
quer te amordaçar com essa lei infame e mesquinha, a que os
bárbaros da idade média teriam talvez vexame de assinar”. (A
lei monstro. O Sindicalista. São Paulo, 02/1935). (CARNEIRO,
2003, p. 203).

Quer ver a Lei nº 38, de 4 de Abril de 1935


– que define crimes contra a ordem política
e social – na íntegra? Acesse a seguinte pá-
gina: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/
lei/1930-1939/lei-38-4-abril-1935-397878-repu-
blicacao-77367-pl.html

Documentos para o estudo do movi-


mento operário no Brasil
Entre as muitas possibilidades existentes para
o estudo do movimento operário nas primeiras
décadas do século XX, estão as coleções de perió-
dicos editados por sindicatos e associações de traba-
lhadores que podem ser encontrados nos acervos de
órgãos como o DOPS em diferentes estados. Veja por
exemplo o texto de Boris Kossoy: O jornalismo revolu-
cionário ilustrado. In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci;
KOSSOY, Boris (Orgs.) A imprensa confiscada pelo
DOPS (1924 – 1954). São Paulo: Ateliê Editorial/
Imprensa Oficial/Arquivo Público do Estado de São
Paulo, 2003.

135
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Atende ao Objetivo 2

2. Para a compreensão do projeto trabalhista, é interessante observar as diferentes dimensões


de suas intervenções nas relações entre sociedade e Estado. Leia com atenção o depoimento
de Hilcar Leite, nascido em 1912 e militante da Juventude Comunista, e analise a dinâmica
entre a política trabalhista e o movimento operário independente.

“Como os trabalhadores reagiam à figura de Getúlio no estádio do Vasco [nas


comemorações do 1° de maio]?
Hilcar Leite - Com palmas. E eram palmas espontâneas, não eram puxadas
por claque, não. A desgraça era essa. Não havendo consciência ... E depois,
o governo, não importa os objetivos políticos dele, tinha sempre coisas para
legislar a favor da massa. O negócio do Getúlio era ter a massa trabalhadora
... do lado dele para poder manobrar e pressionar todos os segmentos sociais
que lhe eram contrários. E se viu depois, em 45, que foi uma dureza para
derrubá-lo”. (Depoimento de Hilcar Leite. In: GOMES, Angela de Castro. Velhos
militantes: depoimentos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. p. 187.)

136
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

Resposta Comentada
O depoimento de Hilcar Leite, militante comunista durante a Primeira República, mostra o
impacto da legislação sindical junto ao movimento operário independente. Os comunistas
como Hilcar Leite olhavam de maneira extremamente crítica a popularidade de Getúlio Vargas
entre os trabalhadores, como deixa claro na frase “Não havendo consciência ...”, quer dizer,
não havendo consciência de que tratava-se de uma política reformista que não modificaria
completamente a condição de exploração do trabalhador, como entendiam os comunistas.
Apesar disso, Hilcar Leite reconhecia o peso da legislação trabalhista como recurso político
legítimo que garantiu a Vargas enorme popularidade entre a classe trabalhadora dificultando
inclusive o fim da ditadura do Estado Novo.

As interpretações sobre as relações entre


movimento operário e Estado

Entre as correntes interpretativas mais influentes nas ciências


sociais nos anos 1970, encontrava-se a perspectiva de enfoque
sociológico, a qual procura explicações sobre o comportamento
político da classe trabalhadora em características estruturais, tais
como a composição social da classe e a origem de seus membros.
Vamos traçar em linhas gerais as questões levantadas pelo cientista
político Leôncio Martins Rodrigues em “Sindicalismo e classe
operária”, um texto exemplar desse enfoque.

Como pano de fundo desta produção, encontra-se a “teoria


da modernização”, na qual o processo de industrialização é visto
como base para a mesma, ou seja, a perspectiva de enfoque
sociológico se caracterizava por uma concepção de história como
processo inevitável, processo que tem como fim o “progresso”, ou

137
História dos Movimentos Sociais no Brasil

a sociedade “modernizada”. A partir destes pressupostos destaca-


se a comparação sistemática do sindicalismo, e das relações
industriais, de modo geral, no Brasil, com o caso dos então chamados
países “capitalistas liberais desenvolvidos”. Vale destacar que a
comparação é característica relevante da análise, pois garante aos
casos dos países “capitalistas desenvolvidos” estatuto de modelo
necessário de desenvolvimento. Posteriormente, esse recurso seria
bastante criticado por dificultar o entendimento da diversidade
histórica, ao conceder pouco valor às conjunturas políticas e às
tradições de cada formação social.

Leôncio Martins Rodrigues fundamenta sua análise sobre o


movimento sindical nos anos 1930 em alguns pontos: as mudanças
nas elites políticas (declínio das antigas oligarquias e ascensão de
novos grupos ao poder), mudanças no sistema político nacional (de
um Estado constitucional para um Estado de exceção), mudanças na
natureza do Estado (de um Estado liberal para o intervencionismo
estatal), mudanças nas ideologias e valores políticos dominantes (crise
do pensamento liberal e ascensão de doutrinas e valores autoritários),
mudanças na tecnologia industrial e no tipo de organização do
trabalho fabril, mudanças na composição profissional e técnica da
mão-de-obra industrial.

O autor identifica a intervenção governamental e a política


social de Vargas com uma tendência à

“... ampliação do controle estatal sobre as ‘classes econômicas’


e ao ‘aumento da burocracia governamental’. O interesse do
governo não era apenas reprimir os trabalhadores, mas
fortalecer o Estado frente à sociedade civil. A [Consolidação
das Leis do Trabalho] CLT seria expressão da intenção do
governo em ampliar suas bases de sustentação junto às
camadas assalariadas e às classes populares, através do
controle dos sindicatos e da extensão dos benefícios sociais.
Os dirigentes sindicais seriam instrumentos de vinculação
do governo getulista com as camadas populares urbanas”
(RODRIGUES, 1991).

138
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

E, a forte penetração do Estado no movimento operário teria


sido facilitada pela mudança da composição social e técnica da
classe trabalhadora. Os trabalhadores da Primeira República, em sua
maioria imigrantes italianos e espanhóis, assim como trabalhadores
artesanais, teriam um comportamento político autônomo. Enquanto
os trabalhadores urbanos após 1930 seriam majoritariamente de
origem rural e semiqualificados, tendo visto na política social de
Getúlio Vargas uma benesse.

O alicerce desta estrutura corporativa de sindicatos seria o


imposto sindical criado em 1940, pois a sua arrecadação garantia
a formação de uma burocracia sindical muito numerosa, a qual
está associada à criação de fortes interesses na permanência dessa
estrutura corporativa. Para Leôncio Martins Rodrigues, este era um
dos maiores problemas do sindicalismo brasileiro: o crescimento dos
sindicatos associado à sua institucionalização através do Estado, a
“incorporação burocrática”, e não através de um processo de luta
entre empresários e trabalhadores:

“Observa-se, já aqui, uma diferença com relação à evolução


do sindicalismo dos países capitalistas desenvolvidos. Nesses
países, a implantação do sindicato, seu reconhecimento e
sua institucionalização, bem como suas mudanças internas
resultaram fundamentalmente da ação autônoma e dos
esforços dos próprios trabalhadores num processo de conflito
com os empregadores e o Estado. No caso brasileiro, o
reconhecimento do sindicato, sua implantação e a formação
de um sindicalismo de massas resultaram antes da ação de
outros grupos políticos os quais, ao mesmo tempo em que
passavam a controlar a organização sindical, impuseram-
na ao patronato como únicos representantes legais dos
trabalhadores. Com isso, o Estado, ao contrário dos
países de velha industrialização, passou a ser o principal
interlocutor das camadas assalariadas. O sindicato, por
sua vez, transformou-se numa associação cuja existência e
desenvolvimento independe, em larga medida, do apoio a ela
prestado pelos trabalhadores” (RODRIGUES, 1991, p. 510).

139
História dos Movimentos Sociais no Brasil

No final dos anos 1980, novas interpretações sobre o


movimento operário e sindical no Brasil instituíram um debate sobre
as relações entre Estado e trabalhadores no país. Entre as obras
produzidas no período, se destaca A invenção do trabalhismo de
Ângela de Castro Gomes. Como vimos na Aula 2 e no início desta,
a autora investigou as experiências da classe trabalhadora brasileira
nas primeiras décadas após a proclamação da República tendo
em vista compreender a sua especificidade e, especialmente, a
sua relação com o projeto político implementado pelo Estado após
1930. A autora considera o trabalhismo como um projeto do Estado
na aproximação entre autoridades e classe trabalhadora através da
expansão dos direitos do trabalho e da fiscalização da legislação,
assim como da propaganda narrando a história da legislação
trabalhista como uma doação do Estado, simbolizado na figura do
presidente Getúlio Vargas, aos trabalhadores.

Figura 4.6 : A história da legislação trabalhista pode ser vista como uma doação
do Estado, simbolizado na figura do presidente Getúlio Vargas, aos trabalhadores.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:VARGAS-GETULIO-MONUMENTO-01.JPG

140
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

Nesta política, teve papel importante a valorização do


trabalho e do trabalhador nacional. O projeto político forjado
durante o Estado Novo fez uma verdadeira inversão de valores em
relação aos que eram vigentes na Primeira República. Esta inversão
significou a entrada dos trabalhadores na cena política, mas em uma
arena dominada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
A representação dos trabalhadores se daria através das corporações
de categorias profissionais. No projeto político do Estado Novo não
havia lugar para os partidos políticos, a verdadeira representação
dos trabalhadores estava nas corporações (nos sindicatos) e na
relação direta da massa dos trabalhadores com o presidente da
República.

Atende ao Objetivo 3

3. Analise o texto abaixo de Leôncio Martins Rodrigues e compare com a tese A invenção
do trabalhismo, de Ângela de Castro Gomes:

“As mudanças operadas no nosso sindicalismo – nas suas estruturas, nas


suas funções e orientações decorreram principalmente de fatores exógenos à
organização sindical. Não resultaram de uma evolução relativamente normal
do sindicalismo: aumento do número de aderentes, maior complexidade
administrativa, ampliação de suas funções, aumento de sua influência etc.
Estas mudanças, provocadas de fora do movimento sindical, resultaram da
ação governamental no campo das relações profissionais e do movimento
associativo”. (RODRIGUES, 1991, p. 509).

141
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
Em primeiro lugar, é interessante observar que na visão de Leôncio Martins Rodrigues, haveria
uma “evolução relativamente normal” da história do sindicalismo, diferente da maneira como
ocorreu a história do sindicalismo no Brasil. Na interpretação de Ângela de Castro Gomes, as
distinções entre a história do movimento operário no país e nos países considerados desenvolvidos
não significa um problema, não implica necessariamente na ausência de autonomia da classe
trabalhadora brasileira. A tese A invenção do trabalhismo considera a existência de uma relação
importante de continuidade entre as práticas e os discursos do movimento operário na Primeira
República e o “pacto trabalhista” constituído nos anos 1930. Para a autora, as autoridades
governamentais forjaram o trabalhismo a partir de uma apropriação das tradições comuns ao
movimento operário, de maneira que, na sua perspectiva a ação dos trabalhadores é parte
importante da constituição do projeto trabalhista. Quer dizer, o Estado não transformou as relações
com o movimento sindical devido a fatores exógenos ao próprio movimento, como entende
Leôncio Martins Rodrigues, o “pacto trabalhista” é uma resposta das autoridades governamentais
às pressões dos trabalhadores na Primeira República.

142
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

CONCLUSÃO

O Estado brasileiro após 1930 caracterizou-se pelo


enfrentamento da questão social, ao vê-la como questão econômica e
política, o que implicou na elaboração de políticas públicas na área
do direito do trabalho, configurando o que chamamos de projeto
trabalhista. O Estado impôs-se nesse terreno como protagonista
face ao movimento operário. Quer dizer, apresentando a legislação
trabalhista como obra e graça do governo e de seu líder, Getúlio
Vargas, quando era uma resposta às reivindicações de associações
de trabalhadores em atividade na Primeira República. O projeto
trabalhista respondeu a preocupações do movimento operário tanto
de ordem material, quanto de ordem simbólica, veiculando o trabalho
como um valor positivo, reconhecendo no trabalhador o estatuto
de cidadão e considerando a legislação e, portanto, o Estado, a
responsável por garantir os direitos do trabalhador.

Atividade Final 

Atende aos Objetivos 2 e 3

Toda cronologia pode ser interpretada como uma hipótese de trabalho sobre uma dada
conjuntura, uma expressão do significado de um conjunto de acontecimentos. A partir do
você estudou nesta aula, leia com atenção a cronologia abaixo e caracterize as relações
entre movimento operário e Estado, durante os anos 1930.

Cronologia: trabalhadores, sindicatos e Estado (1930 – 1945).

1930 - Criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Leis dos 2/3: os patrões
eram obrigados a empregar 2/3 de trabalhadores nacionais em cada empresa.

1931 - Lei de sindicalização: patrões e empregados deveriam criar um sindicato para cada
categoria profissional.

143
História dos Movimentos Sociais no Brasil

1932 – Criação da Carteira de Trabalho e das Comissões Mistas de Conciliação (com


funções conciliatórias em dissídios coletivos) e as Juntas de Conciliação e Julgamento (com
poderes sobre os dissídios individuais).

1933 – Assembleia Nacional Constituinte.

- Criados os primeiros institutos de aposentadorias e pensões.

1934 – Promulgada nova Constituição que prevê a criação da Justiça do Trabalho e


estabelece a pluralidade e a autonomia sindicais.

1935 – Criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e da Ação Integralista Brasileira


(AIB).

- levantes comunistas em Recife, Natal e no Rio de Janeiro.

1937 – Golpe do Estado Novo. A constituição de 1937 proíbe greves.

1939 – Decreto – Lei n. 1402: a nova lei de sindicalização restabelece a unidade e a


tutela sindicais.

1942 – Criado o imposto sindical.

1943 – Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

1945 – Fim do Estado Novo.


(Fonte: RODRIGUES, Leôncio Martins. Sindicalismo e classe operária. História Geral da Civilização Brasileira. Vol. 10, Tomo
III. São Paulo: DIFEL, 1981. GOMES, Ângela de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2002.)

Resposta Comentada
A partir de 1930, o Estado brasileiro caracterizou-se pelo enfrentamento da questão social, ao
vê-la como questão econômica e política, o que implicou na elaboração de políticas públicas
na área configurando o que chamaremos de projeto trabalhista. A presente cronologia destaca
a ação do Estado através da edição de sucessivas leis na área dos direitos do trabalho, tais
medidas visavam ao controle dos sindicatos e associações de trabalhadores em atividade
na Primeira República que se caracterizavam justamente pela independência em relação ao
Estado e pela liberdade de expressão política e ideológica. Como podemos notar, não havia
consenso entre as lideranças políticas da época sobre a unicidade sindical como estabelecida
pelo governo Vargas. O debate foi objeto de debates na Constituinte de 1933 e a Constituição

144
Aula 4 – Os anos 1930 - 1945: o impacto do projeto trabalhista no movimento operário.

de 1934 reestabelecia a pluralidade e a autonomia sindicais. Entre 1934 e 1935, ocorre uma
significativa mobilização política com a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e da
Ação Integralista Brasileira (AIB), organizações que podem ser consideradas os primeiros partidos
políticos de massa brasileiros. No entanto, após os levantes de 1935, a repressão estatal atinge
indiscriminadamente comunistas e democratas, ao proibir o funcionamento da ANL. A partir de
1937, com o golpe do Estado Novo e a nova Constituição, editada por juristas de maneira
autoritária, o governo muda a legislação vigente reafirma a unicidade sindical. A cronologia
elaborada acima procura mostrar como a história do movimento operário está estreitamente
ligada à história política do país.
Fim da resposta comentada

RESUMO

Nesta aula, você conheceu as principais características do


projeto trabalhista, elaborado pelo Estado brasileiro entre 1930 e
1945. Vimos que a legislação sindical foi objeto de controvérsia
entre as lideranças do movimento operário existente na Primeira
República, pois o reconhecimento dos sindicatos pelo Estado garantia
benefícios aos trabalhadores, no entanto, as organizações passaram
a ser subordinadas ao ministério do Trabalho e perderam a liberdade
de expressão política ideológica. Ao final da aula, apresentamos
uma introdução às principais interpretações sobre as relações
entre sindicatos, trabalhadores e Estado no período, comparando
principalmente a visão sociológica que explica o comportamento
político da classe trabalhadora através de características estruturais
e a visão histórica que considera as experiências da classe
trabalhadora brasileira naquele contexto histórico específico da
Primeira República fundamental para a compreensão das relações
entre a mesma e o projeto trabalhista.

145
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Informações sobre a próxima aula

Na próxima aula, você conhecerá as principais características


dos partidos políticos em atividade entre 1945 e 1964, assim como
as linhas gerais do debate travado entre cientistas sociais sobre
aquela experiência democrática encerrada pelo golpe de 1964.

146
Aula  5
Os trabalhadores
rurais na era
Vargas
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta da aula

Apresentar a apropriação pelos trabalhadores rurais das propostas da burocracia


varguista para o meio agrário, através das cartas que eram enviadas a Vargas durante
seus períodos de governo, fosse em conflitos rurais, fosse quando pediam o acesso à
terra ou a melhora de suas condições de vida.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. descrever as estratégias utilizadas pelos trabalhadores rurais quando em conflito pela


posse da terra ou questões trabalhistas, percebendo que oposições construíam e como
buscavam capturar para si o apoio governamental;
2. distinguir como os camponeses, ao reivindicarem terras ou meios para trabalhar, apro-
priaram-se de conceitos muito caros ao regime, como os de nação, pobreza, trabalho e
necessidade social.

148
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Introdução

Para a maioria dos estudiosos que se debruçaram sobre o


tema, não parece válido falar em atuação dos trabalhadores rurais
neste período. Afinal, eles não estavam organizados em sindicatos
como seus pares da cidade e, sequer teriam sido objeto das
preocupações da burocracia varguista.

Entretanto, o que pudemos verificar em nossas pesquisas foi


algo bastante distinto. É certo que os trabalhadores rurais foram
excluídos da maioria dos benefícios da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), embora o salário mínimo, as férias, a carteira
profissional e o aviso prévio ali estivessem presentes. Contudo, em
pesquisas que eu fiz tanto para a dissertação de mestrado como para
a tese de doutorado, observei o esforço de setores da burocracia
vinculados ao Ministério do Trabalho no sentido de incorporar os
trabalhadores ao modelo de desenvolvimento capitalista do país.

Figura 5.1: Há indícios de que havia esforços para que os trabalhadores rurais
tivessem os benefícios da CLT.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Carteiradetrabalho.jpg

149
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A atuação burocrática é demonstrada por tentativas de


estender a legislação trabalhista ao campo e facilitar o acesso à
propriedade da terra. Um dos primeiros decretos de Vargas (19.482,
de 12 de dezembro de 1930) buscava instalar desempregados da
cidade em núcleos coloniais e incluía os empregadores rurais na
obrigação de contratar dois terços de brasileiros, embora este último
dispositivo tenha sido revogado.

O anteprojeto de Constituição enviado à Assembleia


Constituinte de 1933 previa a limitação da jornada de trabalho,
a extensão do salário mínimo e das férias ao meio agrário, além
de garantias à pequena propriedade. Em face da resistência das
bancadas oligárquicas, os direitos trabalhistas foram estendidos
ao campo, mas a Constituição determinava que uma lei especial
regulamentaria, o que significava sua não aplicação.

Durante o Estado Novo, a ênfase recaía sobre propostas de


criação ou aperfeiçoamento de núcleos coloniais que recebessem
brasileiros pobres, fosse em áreas próximas ao Rio de Janeiro,
antiga capital, fosse em estados como Goiás, Mato Grosso e Pará.
Além disso, buscou-se garantir a colonização nas fronteiras de Mato
Grosso e Paraná, com pequenos proprietários.

Houve ainda tentativas do Estado de criar leis para reaver


terras públicas indevidamente ocupadas por particulares, e mesmo
um decreto de 1941 permitia que o que fora declarado para
pagamento de impostos pudesse ser usado como base de cálculo
para indenizações em caso de desapropriação da terra. O primeiro
decreto não foi publicado, e o segundo não foi aplicado.

Ao final do Estado Novo, o governo, precisando ampliar sua


base política para garantir a vitória de Vargas em eleição direta
para presidente, criou a lei de sindicalização rural. A deposição de
Vargas, segundo Linhares-Teixeira da Silva (1998), punha fim a uma
luta surda entre a burocracia e as oligarquias estaduais.

150
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Figura 5.2: Vargas procurou ampliar sua base política ao tentar estender os
direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Get%C3%BAlio_Vargas_08111930.jpg

Com a volta de Vargas em 1951, era criada a Comissão


Nacional de Política Agrária, que tinha entre seus membros dona
Alzira Vargas, filha do presidente. A comissão propôs, entre outras
coisas, a extensão de direitos como a proteção à maternidade ao
meio agrário e um projeto que permitisse a desapropriação com
pagamento de indenizações de acordo com o que se declarava
para pagamento de impostos mais o custo histórico. Além disso, o
ministro do Trabalho João Goulart propunha a sindicalização dos
trabalhadores rurais. Todas estas propostas encontraram vigorosa
resistência do setor proprietário e em tempos de guerra fria foram
etiquetadas como comunistas, ficando contidas na burocracia.

Além das proposições acima citadas, não nos esqueçamos de


que a propaganda varguista chegava pelo rádio aos mais distantes
rincões do país. Assim, o rurícola era objeto de preocupações da
burocracia e não ficou imune à propaganda.

Embora a sindicalização rural fosse muito rarefeita, um meio


aparentemente inofensivo se fez usar pelos trabalhadores rurais: a
carta. Abordarei aqui uma parte pequena do material que utilizei

151
História dos Movimentos Sociais no Brasil

em minha dissertação de mestrado e tese de doutorado. Trata-se de


cartas enviadas a Vargas por trabalhadores rurais em situação difícil,
que pediam apoio ao presidente. O interessante é que essas cartas
não ficaram dormindo nas gavetas do Palácio do Catete, sede do
governo à época; elas formavam processo e eram respondidas. A
burocracia não deixava sem resposta o eco de seu próprio discurso.

Sem partidos políticos e sem imprensa livre, e com uma


sindicalização quase inexistente, a carta foi o caminho que o roceiro
encontrou para se comunicar com o presidente, para apresentar
suas queixas e defender seus direitos. Ainda que na maioria imensa
das vezes não fosse atendido, a simples resposta já significava uma
pequena vitória: “O presidente leu minha carta e respondeu.” Era
o que poderíamos chamar de cidadania embrionária, ou seja, os
camponeses, ao escreverem, mostravam o início de uma cultura
de direitos. Em vez de movimentos sociais como sindicatos, ligas e
associações, é o conteúdo dos processos gerados na burocracia a
partir das cartas de trabalhadores rurais o nosso material de estudo
para esta aula.

Primeiro vamos analisar conflitos de terra ou trabalhistas, que


foram parar na mesa de Getúlio Vargas, em que perceberemos o
esforço dos trabalhadores rurais em chegar ao presidente, para tentar
corrigir o que entendiam como injustiça. Posteriormente, discutiremos
o esforço de outros trabalhadores, que procuravam obter do governo
um lote de terra ou mesmo outros bens necessários ao seu trabalho
(dinheiro, sementes, etc.). Vamos perceber assim que, embora a
sindicalização fosse muito rarefeita, isso não impediu que os rurais
buscassem seus objetivos.

152
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Os que têm fome de justiça: conflitos


rurais na mesa do presidente

Figura 5.3: Vargas entre trabalhadores rurais na Baixada


Fluminense.
Fonte: Foto adquirida pelo professor junto ao Arquivo Nacional, extraída
do fundo “Correio da Manhã”.

Dr. Getúlio Vargas.


Pai dos que não têm pai. Eu, que não tenho pai, peço que
tenhais dó de mim.
Eliza de Oliveira Lessa

No início de 1952, Eliza de Oliveira Lessa escreveu, com sua


letra quase ilegível, uma carta ao presidente da República Getúlio
Vargas. O federalismo já estava restaurado, ou seja, os estados
tinham autonomia, podiam eleger governadores. O congresso
Nacional voltara a funcionar desde 1946, mas Eliza não tentou
contatar algum deputado ou senador. Também a imprensa trabalhava
com relativa liberdade, porém, de acordo com as informações
que busquei no Arquivo Nacional, a mulher não levou o caso aos
jornais. Mas o que ocorreu com Eliza? Conta em suas linhas que com
imensas dificuldades conseguira, junto com sua mãe, comprar um
sítio, mas o fazendeiro Custódio Barros, um “milionar”, inundou suas
terras. Quando reclamou, a mulher foi espancada pelos jagunços

153
História dos Movimentos Sociais no Brasil

do fazendeiro, que gritava: “Pode matar, que eu tenho dinheiro pra


defender vocês.”

A senhora procurou o promotor da cidade, mas ele disse


que “eu sô pobre muito facinha e que só quando ele cometer um
crime pode fazer alguma coisa”. Dona Eliza terminava pedindo ao
presidente que mandasse “um oficiar” para ver o que se passava.

A carta foi a Viçosa, cidade mais próxima de Hervalha, cidade


onde residia Elisa, e finalmente veio a informação de que afinal fora
aberto o processo.

Fundo Gabinete Civil da Presidência da


República do Arquivo Nacional
Todas as cartas que você verá citadas nesta
aula foram analisadas por mim no Fundo Gabi-
nete Civil da Presidência da República do Arquivo
Nacional. Este fundo reúne a documentação enviada
à Presidência da República durante o período entre
1930 e 1960. A documentação encontra-se plena-
mente organizada para o período compreendido
entre 1930 e 1943. Está disposta em séries referentes
aos ministérios, tornando bastante fácil o trabalho do
pesquisador. De 1944 em diante, a documentação
não está organizada. O pesquisador tem de partir de
fichas, que o leva ou não ao processo que ele quer.
De 1951 em diante, já encontramos muitas referên-
cias à documentação remetida aos governos estaduais
Missivista e apenas temos a resposta enviada ao missivista,
Pessoa que leva ou indicando que sua correspondência teve esse destino.
escreve cartas.

154
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

De toda forma, para quem estuda um período em que


a sindicalização rural era extremamente rarefeita, é
uma documentação preciosa. E se você tiver interesse
nos temas agrários ou em outros relativos ao período
varguista, vale a pena uma visita ao Arquivo Nacio-
nal, que fica próximo à estação de trem da Central do
Brasil, no Rio de Janeiro.

Mas por que a sitiante mineira foi buscar auxílio junto ao


Palácio do Catete? Marc Bloch, em seu livro os Reis Taumaturgos,
mostra que nos fins da Idade Média muitos procuravam os reis da
França e da Inglaterra a fim de curar as escrófulas (tumores na testa).
Acreditava-se que o rei poderia, com o toque de seus dedos, curar
o tumor. O autor lembra que esta percepção foi mais tarde utilizada
como recurso para reforçar o poder real em tempos de centralização
em face dos senhores feudais (BLOCH, 1997).

No Brasil dos anos 1930 aos 1950, não foram poucos os que
buscaram o apoio do presidente da República para que os ajudasse
em situações nas quais se viam prejudicados.

Normalmente, o presidente da República não era a primeira


instância a ser buscada. Na realidade, a carta ao governante era o
instrumento a ser usado quando tudo o mais já falhara. O caso de
Joel Claudino Pereira mostra-nos essa situação. Comprara a Silvério
Machado, um grileiro, uma posse próxima a Londrina, no Paraná.

155
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Grileiro
O grileiro é uma figura extremamente conheci-
da Brasil afora. Trata-se daquele que registra um
título falso de propriedade da terra para depois
negociar com ela ou simplesmente apropriar-se da
mesma. A expressão "grileiro" remonta à segunda
metade do século XIX. Com a Lei de Terras de 1850,
o único meio aceito para adquirir terras era a compra
junto à Coroa Imperial, mas, para facilitar os grandes
proprietários, duas brechas foram abertas. Em primei-
ro lugar, a posse que já existisse era permitida. Além
disso, aqueles que tivessem recebido terras anterior-
mente em doações de sesmarias da Coroa portuguesa
teriam seu título reconhecido. O fazendeiro forjava um
título de doação de terras, escrevendo como se fosse
uma sesmaria antiga e punha numa caixinha com
grilos. Os grilos urinavam, defecavam e se reprodu-
ziam, e o documento ficava uma “perfeita” doação da
Coroa portuguesa do século XVII.
Até hoje, existem imensas áreas em todo o país cuja
origem da propriedade é um grilo.

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/612662

156
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Poucos dias depois, Joel recebeu a visita de um oficial de


justiça, que o advertiu que não poderia cultivar a terra, pois ela
pertencia aos herdeiros de Miguel Ângelo da Cruz e o advogado
Ruy Alves de Camargo entrara com ação na Justiça. Não tendo
para onde ir, com a mãe, com pneumonia, o pai já sem condições
de trabalhar, pois muitos anos antes perdera uma perna, Claudino
buscou defender-se na Justiça, mas a vitória veio para o advogado.
Pouco tempo depois, a posse era invadida: “Até faca de cozinha
levaram.” Joel explicava: “Estou reduzido a zero! Não posso cumprir
com meu dever de brasileiro.”

Afinal, Joel e a família tiveram mesmo de continuar sua


saga, pois a informação que chegava ao Catete era de que as
terras pertenciam aos herdeiros de Ângelo da Cruz e mais ainda:
houver resistência, embora não se fale na violência exercida contra
o posseiro. Mas o que chama a nossa atenção é justamente o fato
de que a carta não ficou, como poderíamos esperar, dormindo nos
gabinetes da Presidência. O processo circulou pelas repartições e,
cerca de um ano depois (considere não só a lentidão da burocracia,
mais as comunicações em 1940), retornava a resposta a Claudino.
Certamente não foi a que ele precisava, mas a burocracia não perdia
a oportunidade de manter o contato por ele iniciado.

A Revolução de 1930 coincide com a difusão de um aparelho


poderoso, que contribuiria na integração do país: o rádio. Não por
acaso, justamente no ano de 1940 o Estado, ao intervir em empresas
de um concessionário norte-americano, estatizou a Rádio Nacional,
que em breve se tornaria a principal emissora do país. Em 1935 já
se criara a Voz do Brasil, programa noticioso obrigatório transmitido
por todas as emissoras de rádio do país até nossos dias. O governo
tinha à mão um instrumento para difundir sua ideologia.

157
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 5.4: O rádio tornou-se um poderoso instrumento para difundir a


ideologia do governo.
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:The_PVR.jpg

Muito provavelmente, a maioria dos camponeses que


escreveram a Vargas não tinha rádio em casa, mas quando iam ao
povoado, como se dizia para referir-se à cidade, ouviam o rádio do
bar e por ele tinham conhecimento da mensagem governamental.
Esta exaltava profundamente o nacionalismo. Este sentimento
presente em Joel Claudino – “não posso cumprir com meu dever de
brasileiro”,– acutizava-se quando se falava de zonas de fronteira.

Em 1939, José Afonso da Silva enviou para Getúlio Vargas


cópia de um processo que movia junto ao Tribunal de Justiça Especial.
Repare que, mesmo conseguindo lutar na Justiça, o missivista
buscava melhorar sua condição enviando a correspondência ao
presidente. Ele e seis companheiros cultivavam terras que tinham
sido arrendadas pelo estado de Mato Grosso à Companhia Mate
Laranjeira. A companhia não os incomodava, mas o sírio Elias
Milan surgiu com um título de terras no mínimo questionável. Os
posseiros resistiram, e o subdelegado de Maracaju prendeu-os e
ainda cobrou “taxa de carceragem”. Afonso explicava que haviam

158
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

sido cometidos dois crimes, não contra ele, um pobre posseiro, mas
contra o Estado Novo: em primeiro lugar, ele e seus companheiros
eram brasileiros impedidos por um estrangeiro de produzir na
fronteira o que ameaçava a segurança nacional. Por outro lado, a
economia popular era afetada, pois produziriam gêneros para o
consumo local.

Afonso ainda lembrava que não tinha registrado sua posse


devido ao alto preço para fazê-lo, e pedia que posses como a dele
pudessem ter a legalização gratuita para que não se tornassem
letra morta, “leis tão sábias e justas de amparo ao trabalhador”.
O processo bem documentado foi ao Ministério do Trabalho e
conseguiu-se a substituição do subdelegado de Maracaju e opinou-se
pela necessidade de uma vistoria no local. Não temos informações
de como terminou o caso de José Afonso e seus companheiros,
mas podemos perceber como os camponeses apropriavam-se do
discurso oficial.

O “pai“ do Brasil

Além do nacionalismo, o regime estado-novista valorizava


sobremodo a ideia de família, com o ditador, sendo uma espécie de
"pai" do Brasil. Esta ideia também era apropriada pelos camponeses,
quando reclamavam em casos de confronto. Joel anexou a carta
de seu pai contando os tormentos que já passara, sendo expulso
de terras e lembrando a doença de sua mãe. José Afonso e seus
companheiros acrescentavam sempre o número de filhos que tinham,
provavelmente para mobilizar seu interlocutor. Assim, dona Maria
Marques Franco, já vivendo em São Paulo capital, escrevia para
Getúlio Vargas em 1942, contando seu infortúnio. Ela e o marido
Júlio trabalhavam na formação de cafezais. Fizeram um contrato com
Antonio Gonçalves, um espanhol, que disse não poder ajudar com
um centavo. Trabalhando com extrema dificuldade, conseguira com
o marido e os filhos pequenos formar o cafezal. “Ali onde se ouvia
o guizo das cascavéis, formava uma fazenda, com criações, pastos,
árvores, num recanto sagrado do nosso Brasil.” Mas o espanhol

159
História dos Movimentos Sociais no Brasil

propusera “pagar uma quantia irrisória” para que deixassem a


fazenda. O marido de dona Maria não concordou, e logo ocorria
um incêndio na fazenda. Quando ele e os filhos tentavam debelá-lo
foi preso como incendiário.

O advogado do Departamento Estadual do Trabalho pedira


uma procuração a Julio, mas depois não o atendia mais. Logo a
família foi expulsa pelo espanhol e seus jagunços.

Dona Maria agora estava viúva e, ao falar do marido, dizia:


“Foi um bom pai, marido exemplar.” Já tinham se passado oito anos,
mas ela não perdia a esperança: “Podem dizer, vossa causa está
perdida, mas como, se ganhei em 1934?” E terminava protestando
contra a burocracia: “É preciso acabar com os abusos destes que
não merecem ser vossos auxiliares.”

O processo foi encaminhado ao Ministério do Trabalho, dali


ao Departamento Estadual do Trabalho e de lá veio a informação
de que a causa fora mesmo perdida, e que não poderia haver
assistência do Estado, pois houvera participação de advogado
particular. Em sua carta notamos que a mãe Maria pede ao pai
Getúlio que a ajude a terminar de criar os filhos.

As ideias de família e nacionalismo também estão presentes


na carta de José Dario, que escrevia de São José do Rio Preto, em
São Paulo.

Sua carta, aliás, já foi abordada num trabalho pioneiro de


Jorge Ferreira (FERREIRA, 1995), em que se analisou pela primeira
vez em que as cartas enviadas a Vargas. José fora conferir suas
contas de colono de café com o gerente Homero da Costa Braga,
“desrespeitador de famílias de humildes trabalhadores, de caráter
truculento e espírito injusticeiro”.

160
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Discordando das contas, que lhe atribuíam uma dívida que ele
não possuía, ouviu do gerente: “Não me aborreça, senão entra na
maneira”, o que no linguajar caipira queria dizer "levar uma surra".

José mostra seu temor de apanhar na frente da esposa e dos


filhos e deixa a fazenda. Quando conseguiu um caminhão que
buscasse seus pertences, o gerente proibiu sua entrada. José não
tinha grandes ilusões: “Seria absurdo eu pensar numa solução para o
meu caso pessoal, porém levo ao conhecimento de Vossa Excelência,
para que possa avaliar o quanto estamos sujeitos a garras de patrões
tiranos. Que possa esta minha queixa receber o amparo merecido
das dignas autoridades, que têm conduzido os destinos do nosso
país e ajudar a todos nós brasileiros.”

Em sua carta, José não deixara de mencionar que os


proprietários da fazenda eram os sírios Moyses e Miguel Addad,
e que Homero afirmava que os mesmos tinham “no bolso as
autoridades”. José teve sorte melhor que a de outros conterrâneos.
Sua carta foi ao Departamento Estadual do Trabalho e de lá ao
promotor público, que foi à fazenda certificar-se do ocorrido.
Os sírios e Homero escreveram uma carta, na qual esclareciam
não terem a intenção de ficar com os “trastes” do colono, que Trastes
Coisas inúteis.
ele abandonara a fazenda com dívida e que só não deixaram o
caminhão levar os seus pertences por não haver autorização, mas
que, havendo ordem de autoridade competente, eles certamente
entregariam.

Afinal, dois terços dos bens de Seu José foram entregues,


pelo menos de acordo com a lista elaborada provavelmente por
sua esposa.

161
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 5.5: Lista organizada provavelmente pela esposa de José Dario na qual
figuram os objetos que ainda ficaram faltando depois que ele recebeu os bens
apreendidos, quando de sua fuga da fazenda.
Fonte: Arquivo Nacional, Fundo Gabinete Civil da Presidência da República, lata 205,
processo 12.437/1940.

Conseguiu aqui o que poderíamos chamar de uma vitória


parcial. Desenvolvia-se aquilo que Edward P. Thompson chama
de formação de uma consciência de classe, não no sentido
revolucionário clássico, mas no que tange à afirmação de direitos.
Sou trabalhador, tenho família, tenho meus direitos, cumpro com
meus deveres; logo, se os direitos são desrespeitados, alguém tem

162
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

de me socorrer. Se não for a justiça local, por que não o chefe do


Estado Novo? Aliás, os sírios se queixavam de que o colono tão
sem razão estava que se dirigiu ao mais alto poder da República,
sabendo que o Departamento Estadual do Trabalho tinha advogados
que protegiam os trabalhadores.

Chama a atenção o fato de tantas cartas virem do estado de


São Paulo. Mesmo tendo ali se desencadeado o movimento armado
de 1932, que tentou depor Vargas, e de ter-se construído uma
memória muito positiva dele, entre os trabalhadores rurais existia
muito claramente a ideia de que o poder local ou mesmo estadual
nada faria para resolver suas dificuldades.

Mas se no estado mais rico do país as queixas eram


encaminhadas a Vargas durante o Estado Novo e mesmo no segundo
governo, que dizer de outras regiões? De Ilhéus, na Bahia, José
Calisto escrevia a Vargas contra Shafic Suet. “Em casa de família ele
é um devorador!”, numa provável alusão ao comportamento sexual
do fazendeiro; “ele é um açambarcador”, ou seja, especulava com o
preço de gêneros, algo mal visto na época e finalmente “ele matou
Antonio Ribeiro, eu sei e posso aprovar!”.

Mas por que Calisto reclamava contra este especulador,


devasso e assassino? Porque fizera trabalhos de pedreiro em suas
terras. “Sabe como ele queria me pagar? Com pancada! Diz que
paga cinquenta contos, mas não me paga cinco mil réis”, ou seja,
pagaria cinquenta milhões, mas não cinco mil para seu trabalhador.
Perdera o processo na Justiça do Trabalho de Ilhéus, e para ele a
razão era muito clara: “Ele não se intimida dessas autoridades.”
Segundo o missivista, era a sexta carta que enviava a Vargas, mas
acreditava que tinham sumido com as cartas no correio.

Que resposta Obteve Calisto? O processo foi à Justiça


do Trabalho, e o funcionário Segisfredo Gomes explicava que
este trabalhador era “maldoso e caluniador, que não encontrara
testemunhas que lhe fossem favoráveis e agora ”açaca contra
modestos funcionários da Justiça do Trabalho”.

163
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Recordemos que Segisfredo, assim como os sírios de Rio


Preto, reclamava contra o fato de Calisto ter escrito ao presidente da
República. O simples fato de escrever ao presidente da República
já causava revolta em proprietários rurais. Ao escrever, o roceiro
rompia a lógica segundo a qual só poderia dirigir-se a seu patrão.
Mesmo que não conseguissem seus objetivos (na maioria das
vezes não conseguiam), a simples carta, que formava processo,
já significava um passo rumo à cidadania. Aquela incorporação
simbólica de que nos falam Teixeira da Silva e Linhares (1998), na
qual inicialmente o trabalhador era valorizado nas artes, como em
painéis de Portinari que emolduravam o MEC, agora tornava-se
mais palpável no simples responder a uma carta.

Figura 5.6: O lavrador de café, de Candido Portinari, um dos painéis


encomendados pelo governo Vargas para emoldurar o antigo prédio do Ministério
da Educação no Rio de Janeiro.
Fonte: http://namidiacom.files.wordpress.com/2012/02/lavrador-de-cafe13.jpg

164
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Conforme nos lembra (REIS, 2002), o discurso governista


apontava para o fato de que no Estado Novo não haveria mais
intermediários entre o governo e o povo. Nos processos por mim
analisados, encontramos um conflito no Estado Novo que teve um
mediador legitimado pelo regime: o Sindicato dos Trabalhadores
Agrícolas e Pecuários de Campos. Em minha pesquisa, encontrei
fragmentos da atuação deste sindicato, quando, por exemplo,
tentava, em 1941, conseguir a regulamentação de contratos coletivos
para os trabalhadores da cana-de-açúcar. O sindicato, liderado por
Antonio João de Faria, tentou mediar ao menos um conflito: dona
Rosa Maria José de Medeiros enviuvara de Pascoal Vicali, que
era arrendatário em uma fazenda. O fazendeiro “desrespeitava
canaviais e bananeiras em ponto de colheita”. O processo foi a
Niterói, antiga capital do antigo Estado do Rio, e lá a Delegacia
Regional do Trabalho informou que nada se poderia fazer, pelo fato
de os contratos de arrendamento não estarem ainda regulamentados.
De qualquer modo, a noção de direitos começava a ganhar o interior
do país, ainda que não fossem respeitados.

Como já pudemos observar no início desta seção, o retorno


ao sistema de partidos com instituições funcionando como o
parlamento e uma imprensa mais livre não diminuíram o interesse
dos trabalhadores em escrever a Vargas. Citaremos apenas dois
exemplos, vindos de Minas Gerais: Joaquim Borges de Lima teve
uma paciência mineira para esperar. Em 1948, Remo Morgante, um
“udenista forte, que trabalhou muito na campanha do brigadeiro”,
referindo-se a Eduardo Gomes, candidato derrotado por Vargas
em 1950, comprou a fazenda onde ele morava. Morgante enviou
soldados à casa de Joaquim quando este não estava. Sua mulher
teve uma “vertiz”, ou seja, uma vertigem, e desmaiou. “Ficô loca,
encasquetô no juízo e os médico não acha ponto de cura.” Joaquim
não conseguia mais trabalhar por ter de tomar conta da esposa,
e na sua Ouro Fino, Minas Gerais, via-se sem o apoio dos filhos e
sem recursos.

165
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Mas a volta de Vargas em 1951 o animava. Joaquim não


esquecera que Morgante trabalhara para o brigadeiro Eduardo
Gomes, candidato da UDN derrotado por Getúlio. “Os cabos
eleitorais do PTB me falaram: escreve pro Getúlio. Ele é o pai da
pobreza e vai ficá muito zangado com a injusticia que o Remo
Morgante fez procê.” Joaquim teve uma recomendação muito
comum num contexto de federalismo restaurado: o recurso à Justiça
Estadual. Certo que era bem menos do que ele precisava, até porque
normalmente a justiça estadual era favorável aos proprietários rurais.

De todo modo, observemos que, mesmo sendo para manter o


status quo, a burocracia central não perdia o contato feito a partir
do meio agrário.

Geraldo Cornélio da Silva mandava a sua história. Com o


analfabetismo reinante no interior e mesmo nas capitais, muitas vezes
o roceiro pedia a alguém que escrevesse em seu nome. Mas no caso
de Geraldo, mesmo que ele soubesse escrever, não poderia fazê-
lo. Geraldo encontrava-se naquele momento em casa de parentes,
completamente enlouquecido. Ele comprara uma posse e, nem bem
instalado, foi pressionado pelo delegado de Resplendor e mais tarde
espancado e internado como louco, o que de fato ocorreu. Quem
escreveu a carta para Geraldo não se esqueceu de dizer que as
autoridades de Resplendor, em Minas Gerais, eram todas udenistas.
Assim, se no Estado Novo valia a pena declarar que o inimigo era um
estrangeiro, agora lembrar sua condição de udenista era o caminho
muitas vezes adotado. Também no caso de Geraldo recomendava-
se a Justiça Estadual, mesmo que esta já fosse denunciada como
cúmplice dos proprietários locais.

No segundo governo Vargas era ainda mais difícil que o


trabalhador rural fosse atendido nos conflitos, mas a burocracia
continuava formando processos e enviando a resposta com a fórmula:
“O presidente da República incumbiu-me comunicar-vos que vossa
carta foi encaminhada” ou a recomendação da Justiça Estadual.

166
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Finalmente, lembremos, como diz Ciro F. Cardoso, os temas-


eixo que estão presentes nos discursos dos trabalhadores rurais no
Estado Novo: nacional x estrangeiro, poder local x poder central,
valentia dos fazendeiros x justiça do presidente, bondade do coração
do presidente.

Durante o segundo governo, o tema nacional x estrangeiro


perde importância em favor da oposição presidente x udenista. Um
estrangeiro no Estado Novo é um antipatriota, portanto injusto, à
valentona, mau brasileiro. No segundo governo, o udenista ocupa
este lugar.

Atende ao Objetivo 1

1. Leia as cartas: a primeira foi escrita em nome de Geraldo Cornélio e a segunda foi
enviada por José Dario. Depois compare. Identifique pelo menos dois temas semelhantes e
dois temas diferentes entre elas.

Carta 1

Excelentíssimo Doutor Getúlio Vargas,

Geraldo Cornélio da Silva, brasileiro, lavrador vem muito respeitosamente requerer


que se faça justiça contra os autores de sua prisão e maus tratos que foi vítima em
Resplendor sem que crime algum cometesse, ficando inutilizado pelo resto da vida.

Em junho de 51 foi convidado por Antonio Pereira para derrubar mata para ele.
Comprou uma posse do mesmo Antonio. Em 4 de setembro apareceu o senhor Dalto

167
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Morais, filho de um rico fazendeiro. Disse à esposa, que seu marido desocupasse o
terreno. Em trinta de setembro apareceram Dalto, o genro chamado Cazuza e dez
jagunços. Perguntaram quem deu ordem para cultivar. Cazuza ameaçou avançar em
Geraldo para o agredir.

O queixoso disse que precisava colher o seu mantimento. Ouviu que plantava, mas
não colhia.

Em seguida intimaram Geraldo e Antonio Pereira para comparecer em Resplendor.


Procuraram um fiscal de matas, que confirmou que o terreno pertencia a Antonio.

No mesmo dia foram abordados por Dalto e Dr. Amantino. (delegado de polícia) “Olha
Negro, você está comentando o caso de ontem? Você é um negro à toa. Nasceu à
noite vai morrer à noite.” Voltando à sua barraca Geralddo sentiu-se doente perdeu
no caminho uma espingarda que levava a tiracolo. Com receio saíram sua esposa e
Antonio Pereira, que foram encontrar Geraldo em Santa Rita.

O subdelegado pediu a frei Jaime internar Geraldo no Hospital. O subdelegado


entregou-o à Polícia, onde foi espancado por Antonio Pereira e Celestino. O subdelegado
de Santa Rita forneceu dinheiro para que fosse buscar os parentes de Geraldo, que
nada puderam fazer. O delegado de Resplendor queria mandar para Barbacena como
louco. O irmão de Geraldo queria levá-lo para Belo Horizonte. Na cela livre tentaram
aplicar-lhe outra surra e Geraldo conseguiu fugir. Tão desatinado estava que caiu no
Rio Doce.

Foi salvo por um canoeiro que o entregou à polícia. Fato presenciado por muitas pessoas.
Sua esposa dirigiu-se ao juiz de direito e ele disse que se ela fosse devota que orasse
pelo marido e cuidasse dos filhos porque ficaria pior que ele.

O delegado disse que só o carcereiro podia resolver. Ela recebeu um atestado de


pobreza para pedir donativos.

A esposa implorou a frei Jaime, que tirasse o marido da cadeia. Ficou em tratamento
por treze dias. Foram aplicadas quatro injeções. Neste ínterim apareceu um irmão de
Geraldo, que o levou para Galileia. Geraldo escapou dos facínoras de Resplendor.

O próprio Antonio Pereira vendeu a outro o terreno por doze mil cruzeiros dinheiro
que até hoje não foi entregue.

168
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Para cúmulo do absurdo, o terreno, que eles alegam lhes pertencer é de três mil alqueires
e só paga quatrocentos de imposto.

Dalto encontrou a esposa de Geraldo e quando ela disse que ele ficara obcecado: “eu
sabia que ele ia ficar assim”.

Veja senhor presidente as autoridades todas udenistas gananciosos, tomando um


pedacinho de terra, tendo três mil alqueires.

Pede ajuda contra tais abusos.

Geraldo Cornélio da Silva Rua Marechal Floriano 373, Governador Valadares.

Carta 2

Excelentíssimo Senhor Doutor Getúlio Vargas, Presidente da República.

Entre os milhões de miseráveis, párias, que percorrem as fazendas de café deste estado
sou um dos mais humildes que me atrevo a dirigir-me a vossa excelência porque fui
informado que muito tem feito em benefício dos trabalhadores, apesar de até esta data
ninguém aqui teve a felicidade de ser beneficiado.

Tomo a atenção de Vossa Excelência não só por meu caso particular, mas pelo interesse
coletivo do trabalhador da roça.

A cerca de treze anos cheguei do Estado da Bahia e desembarquei na estação de


São José do Rio Preto e fui transportado por condução para a fazenda São José de
propriedade dos sírios Moysés e Miguel Haddad e Companhia.

Cumpri tudo que me era determinado. Por motivo de moléstia fui obrigado a deixar o
meu trabalho, tudo passageiro, facilmente seria corrigido.

Vi um débito em minha caderneta novecentos mil réis, mas para garantia tinha três mil
pés de café todos plantados certo de produzir cinco a seis carros de milho e uma égua
nova mestra de arado. o que não me foram acreditado.

Acontece que o senhor Homero da Costa Braga gerente do senhor Moisés exigindo-me
a cardeneta, para os débito e depois de três a quatro mês que me devolveu a referida
cardeneta, veio com abuso de um débito de 1 conto e oitocentos mil, quando o mesmo
não ultrapassava a novecentos mil, tendo de se deduzir quatrocentos mil de dias que
trabalhei para a fazenda e prestação do trato de café

169
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Conhecendo perfeitamente a moral do senhor Homero, desrespeitador de famílias de


humildes trabalhadores e na frieza de seu espírito à valentona e caráter truculento e
injusticeiro, apesar disso, não pude deixar de fazer a minha reclamação do absurdo
lançamento em minha cardeneta. Não se fez muito esperar por sua atitude: “Não me
aborreça senão entra na maneira”.

Compriendi perfeitamente a extensão dessa ameaça feita pelo gerente Homero da


Costa Braga que entra em ação por intermédio de seus jagunsos e dispõe de influência
nos meios policiais dos municípios vizinhos, através de seu opulento patrão, que
abertamente nos fere os ouvidos com a phrase, que no bolso dele estão as autoridades
que mandam no Brasil.

Sentindo que a minha situação era precária e ameaçadora, conhecendo perfeitamente


bem o risco de espancamento, teria que me sujeitar como muitos de meus colegas,
tem se submetido à escravatura temendo a humilhação, resolvi abandonar o quanto
antes aquela fazenda, deixando o meu milho, que está para colher que vale mais de
um conto e duzentos e uma égua, que tenho enjeitado trezentos e cinquenta mil réis
perfazendo um conto e quatrocentos mil réis.

Mesmo assim estava feliz fora daquela fazenda. Retirei minha mudança para a estrada
boiadeira e providenciei um caminhão para levar a Mirassol. Nessa ocasião interferiu o
administrador, que proibiu a retirada da mudança, sem falar com o gerente Homero da
Costa Braga, que prometeu comparecer ao local e fui aconselhado pelo administrador
a deixar a fazenda antes que o senhor Homero da Costa Braga aparecesse com seus
jagunços para me espancar. Com tamanha humilhação na presença da minha esposa e
meus pequenos filhos seguimos para Mirassol à espera que minha mudança aparecesse.

Soubemos pelo Chofer contratado que o gerente determinou que o caminhão voltasse
para a fazenda, recolhendo toda a minha mudança, incluindo roupas de minha mulher
meus filhinhos. Roupas e sapatos velhos que nos faz falta. Sem cama para dormir,
sem panela para cozinhar, andrajoso, sujo e imundo, por culpa da perversidade do
bárbaro gerente Homero da costa Braga, que a serviço do sírio abastado e truculento,
que deixa uma família brasileira em completa nudeza.

Seria absurdo eu pensar numa solução para o meu caso pessoal, porém levo ao
conhecimento de Vossa Excelência, para que possa avaliar o quanto estamos sujeitos
à garras de patrões tiranos, que possa esta minha queixa receber o amparo merecido
das dignas autoridades, que tem conduzido os destinos do nosso país e ajudar a todos
nós brasileiros.

170
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Resposta Comentada
As cartas que abordamos têm pontos em comum, embora a situação de Geraldo, pela condição
física em que se encontrava, fosse muito mais grave que a de Dario. Nas duas cartas, a ideia
de família é acionada. José Dario não quer apanhar na frente da esposa e dos filhos e queixa-se
da nudez em que se encontram não apenas ele, mas sua família. Quem escreve para Geraldo
lembra a dor de sua esposa ao ver o marido naquelas condições.
A polícia, nos dois casos, está a soldo dos mandões da terra. No bolso do sírio para Dario
e atuando diretamente, prendendo e espancando Geraldo. A justiça não é uma esperança.
Aliás, Dario mostra suas dúvidas ao próprio Vargas, ao lembrar que ninguém naquela região
tinha sido beneficiado.
As oposições seguem o padrão. No Estado Novo os sírios são estrangeiros que jogam uma
família brasileira na miséria. No caso de Geraldo, são udenistas as autoridades que não o
protegem e, pelo contrário, sustentam os mandões que o expulsam.

171
História dos Movimentos Sociais no Brasil

No caso de Geraldo, temos a questão racial que aflora: “Você é um negro à toa. Nasceu de
noite e vai morrer de noite.”
Nos dois casos, Vargas aparece como alguém que não está comprometido com o poder local
e que pode tudo restaurar. A última esperança num contexto em que os dois já tinham perdido
tudo, no caso de Geraldo, inclusive a sanidade mental.
Desta maneira, podemos perceber que as oposições família brasileira x estrangeiros ou bom
trabalhador x udenistas completam a visão segundo a qual o presidente pode resgatá-los de
suas dificuldades.

Terras e outras demandas necessárias à


agricultura

“Abaixo de Deus só posso recorrer ao presidente do meu país.”

Nelson Limoeiro Castelo Branco

Em 16 de setembro de 1942, Nelson Limoeiro Castello Branco


escreveu de Belo Horizonte a Getúlio Vargas. Com cinco filhos e
desempregado, recebera a proposta de um amigo que lhe oferecia
um sítio. Mas ele não tinha dinheiro para começar a plantação, muito
menos para se deslocar. Pedia então ao presidente um empréstimo,
que poderia pagar. “No meu fraco e humilde entender, não será
inconveniente.” Que resposta teve Nelson? A carta foi ao Ministério
da Agricultura e de lá foi para a Divisão de Terras e Colonização.
Octávio Rodrigues da Cunha respondeu a Nelson que o Ministério
não tinha recursos, mas que poderia oferecer um lote de terras na
colônia agrícola de Goiás. Nelson agradece, mas responde que
não pode aceitar porque não tem recursos para deslocar-se. No
encaminhamento do processo ao ministro, Octávio reconhecia que
“o senhor Nelson merece ser ajudado, mas não há recursos.”

172
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

O diálogo entre Nelson e a burocracia estado-novista nos


remete a algumas reflexões: durante o Estado Novo, o governo
propagandeava o discurso de “rumo ao campo” no sentido de
valorizar a agricultura e tentar, na medida do possível, conter o
êxodo rural. Ao mesmo tempo, evocava a noção de marcha para o
oeste, pois ali estariam as fontes de matéria-prima, a terra inculta e no
futuro o mercado para a indústria (VELHO, 1979; LENHARO, 1986).
Assim, oferecer ao senhor Nelson um lote em Goiás atenderia a dois
objetivos: se ele aceitasse e tivesse algum meio de ser atendido, era
menos um pobre com prole já numerosa morando numa grande
cidade. Caso contrário, o governo não deixaria de responder o eco
de seu próprio discurso. Este padrão foi observado em várias cartas
que consultei. Pais de famílias numerosas escreviam para Vargas
contando seus tormentos. O padrão era similar: um pai com muitos
filhos, às vezes desempregado, morando em cidade grande ou
não, pedindo um lote de terra para cultivar. Na maioria dos casos,
a resposta vinha no sentido de que o candidato a camponês podia
inscrever-se para núcleos coloniais. A questão é que muitas vezes
os núcleos, ainda em projeto, estavam em Goiás, no Mato Grosso
ou mesmo na Amazônia. Seria inviável para alguém que já estava
em dificuldades deslocar-se Brasil adentro. De toda forma, o eco
da propaganda oficial estava respondido, o camponês não ficava
sem uma voz oficial.

A ideia de família era acionada a todo tempo pelos que


escreviam a Vargas pedindo um lote de terras. O fato de alguém
ter muitos filhos era visto como razão suficiente para ser atendido.
Assim pensavam Manuel de Brito, que escreveu de Penápolis, em
São Paulo, Américo Faria Lima, que enviou carta de Itaperuna (RJ),
e João Gotardo, de Cachoeiro do Itapemirim (ES). Todos lembraram
de citar seus dezessete, dez e dezoito filhos, respectivamente. Aos
primeiros foi oferecido lote de terras em núcleo colonial, fora de
sua região; Gotardo teve o pedido negado. Ele já era proprietário
e portanto não se sentiu a necessidade de manter sua esperança.

173
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Também encontramos mulheres que se dirigem a Getúlio na


tentativa de mudar de vida. Do Rio de Janeiro, dona Matilde Lopes
dos Santos escrevia. Nascera na roça e não se adaptava à cidade.
Com quatro filhos, pedia terras no interior, além de instrumentos
agrícolas, sementes e remédios. Na Divisão de Terras do Ministério
da Agricultura reconhecia-se que o pedido era merecedor de toda
simpatia, mas não podia ser atendido pois não havia lotes vagos
na Baixada Fluminense, e o regulamento não permitia a instalação
de chefes de família do sexo feminino. Ideal de família sim, mas
chefiada pelo pai, com mãe em casa, cuidando da prole.

Durante o segundo governo Vargas, os pedidos de lotes de


terras continuavam chegando ao Catete. Já não eram tantos os que
queriam marchar rumo ao Oeste. Os problemas eram mais imediatos.
Infelizmente, para nossas pesquisas muitas cartas, como dissemos,
foram remetidas aos governos estaduais, quando pediam terras. De
todo modo, sigamos outra mulher, que escreveu a Vargas.

Dona Francisca Maria do Nascimento, mãe de onze filhos


e morando em Macaé, começava sua carta dizendo que recebera
outra carta da Fundação da Casa Popular explicando que não
haveria casa para ela. O problema era que o senhorio ia expulsá-la
com a prole, pois queria aumento e ela não podia pagar. Pedia um
lote de terras. Em Macaé existia um núcleo colonial do Ministério da
Agricultura, mas a resposta era: “Já há muitos pretendentes e uma
senhora com tantos filhos não pode realizar trabalhos agrícolas.”

Mas se os pedidos de terras foram desta forma atendidos, com


a burocracia respondendo normalmente de forma negativa, houve
quem conseguisse outros objetivos. Ainda que sejam circunstâncias
raríssimas, não se pode desprezá-las.

O italiano Santos Favaroni escrevia desde Guararapes,


em São Paulo. Explicava que havia 43 anos chegara ao Brasil e
trabalhando em fazendas de café, não se estabilizara. “Ao operário
rural, tudo é descontado a risco”, depois de lembrar que o presidente
poderia trazer algum conforto à choupana, explica que desejava
apoio para sua lavoura. A carta foi a seção de Fomento Agrícola do

174
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Ministério da Agricultura. O funcionário foi a Guararapes e observou


a situação de Favaroni. Era de fato um colono trabalhador, suas
contas corriam relativamente bem, mas muitos de seus oito filhos
estavam com o amarelão, doença que causa anemia e dificulta o
trabalho. Favaroni tinha dívida por causa das doenças.

O funcionário aproveitava para recordar que a situação dele


era a da imensa maioria dos trabalhadores da cafeicultura de São
Paulo. Quebrava assim o mito que os dirigentes da Sociedade Rural
Brasileira sustentavam no sentido de que o colono de café, como
se dizia, era uma espécie de sócio do fazendeiro e que, sendo
econômico, tornava-se proprietário.

Recomendava-se então o apoio a Favaroni na forma do


empréstimo de enxadas e outros instrumentos agrícolas pelo prazo
de um ano. Foi com emoção que observei as guias de empréstimo
encontradas no processo de Favaroni.

Figura 5.7: Ficha dos instrumentos agrícolas enviados a Favaroni.


Fonte: Arquivo Nacional, Fundo GCPR, lata 331, processo 3.457-42.

175
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Do pequeno São Felipe, distrito de Cachoeira do Itapemirim,


chega-nos a carta de João Bernardo. Trabalhando como colono
de café, aproveita o tempo de engajamento do Brasil na Segunda
Guerra Mundial para explicar que queria trabalhar para o bem não
só dele, mas de sua pátria. Esclarecia que o custo de vida estava
muito alto, e que ele não podia trocar suas enxadas. “Não venho
importuná-lo com um pedido humilhante. Venho pedir para trabalhar
pelo país.” Bernardo, que não esqueceu de citar seus doze filhos,
recebeu o empréstimo de suas enxadas.

Figura 5.8: Ficha de envio de enxadas a João Bernardo.


Fonte: Arquivo Nacional, Fundo GCPR, lata 398, processo 14.215-42.

176
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

No segundo governo, os pedidos continuavam. De Vicente


Castro, no Ceará, dona Maria Barros explicava que o “inverno”
(época das chuvas no Nordeste) fora muito ruim e que ela e sua mãe
não conseguiam recursos. Trabalhavam em terra alheia e pediam
apoio financeiro. A carta foi à Seção de Fomento Agrícola do Ceará
e voltou com a informação de que não havia recursos.

Também fazendeiros faziam pedidos a Vargas. A seca, como


antes e depois, continuava flagelando o Nordeste. José Joaquim
dos Anjos escrevia de Salgueiro, em Pernambuco. Explicava que
tinha dez filhos e que possuía apenas uma lavoura que nada havia
produzido. Pela seca, pedia apoio ao governo. Aproveitava para
explicar que ensinara algumas pessoas e tinha conseguido vinte
votos para o presidente.

Maria Hsu

Figura 5.9: Fazendeiros assolados pela seca pediam apoio ao governo.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Caatinga_-_Sert%C3%A3o_nordestino.jpg

Dona Hermelina Pereira Ramos, que escrevia desde Itapevi, na


Bahia, também dizia que ela e seus dez filhos davam seus “votos de
todo o coração ao governador Getúlio Vargas”. A seca também a
flagelava, devorando os cacaueiros de sua propriedade. Se durante
o Estado Novo o segredo parecia ser declarar-se nacionalista,

177
História dos Movimentos Sociais no Brasil

esforçando-se pelo engrandecimento da pátria e depois pela vitória


do Brasil na guerra, agora o caminho parecia ser declarar-se eleitor
de Vargas.

Joaquim recebeu a resposta de que não havia dependência do


fomento agrícola em Salgueiro e que seu pedido fora anotado para
futura liberação. Já dona Hermelina teve seu pedido encaminhado
ao Banco do Brasil, de onde veio a explicação de que não se
financiava o período de entressafra (período entre uma colheita e
outra), ainda que em sua carta viesse a exclamação: “A fome e a
nudez estão em minha porta como um homem armado.”

Assim, podemos afirmar que, além dos lotes de terra, pedia-se


também a Vargas meios para cultivá-la ou o dinheiro para adquiri-
la. Durante o período estado-novista, interessava à burocracia
manter a esperança do trabalhador e, sempre que possível, apontar
uma saída na direção do núcleo colonial, ainda que este fosse
improvável. Manter a esperança era simplesmente replicar no
meio agrário a propaganda que já se fizera. No segundo governo
Vargas, o caminho indicado foi muitas vezes o Banco do Brasil, mas
não encontramos um único pedido enviado ao banco a partir da
Presidência que tenha sido atendido.

Quando os pedidos podiam dizer respeito a instrumentos de


trabalho, o caminho parece ter sido mais fácil. Aqui se cumpria
também uma função ideológica: imaginemos na pequena São Felipe
o impacto das enxadas chegando para o trabalho de João Bernardo.
Imaginemos nosso Bernardo contando num bar a amigos que ganhou
as enxadas do presidente. Como diria Marc Bloch: “Por que vamos
tirar da nossa ciência o seu quinhão de poesia?”

Vale salientar que mesmo o fazendeiro, quando escreve a


Vargas, usa a qualidade de trabalhador, ou fala em nome dos seus
trabalhadores, explicando que cumpre com o dever de organizar
o trabalho. Desta maneira, o discurso varguista também chegou ao
campo; seja no período ditatorial, seja na fase democrática, os que
escreviam buscaram apropriar-se dele para atingir seus objetivos.

178
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

CONCLUSÃO

De tudo o que até agora expusemos, é possível concluir que os


trabalhadores rurais foram objetos da preocupação da burocracia
varguista. Estas preocupações materializaram-se em decretos como o
19.482, dos primeiros dias de governo, em que se buscou estender
o limite de contratação de estrangeiros ao meio agrário e incentivar
a colonização.

A colonização foi, em todo o período varguista, objeto das


tentativas de ação burocrática, embora, é fundamental reconhecer, a
maioria destas ações não tenha sido bem-sucedida. É importante ter
em mente que mesmo a noção de expropriação de latifúndios esteve
presente, esporadicamente no primeiro governo e mais vigorosa
durante os anos 1950, em face da atuação da Comissão Nacional
de Política Agrária. Os trabalhadores rurais recebiam a propaganda
varguista via rádio e reagiam a ela. Percebiam, em momentos de
conflito, que havia um poder acima do coronelão da terra e mesmo
do governador e buscavam alcançar seus objetivos. Para tanto,
escrever uma carta era o caminho possível. Em minha defesa de
tese de doutorado fui muito questionado a respeito de quem escrevia
para os camponeses. Ora, a burocracia varguista não sentia este
problema. A carta formava processo, circulava nas repartições
e muitas vezes recebia uma resposta. É certo que a resposta
normalmente era negativa, mas havia interesse da burocracia em
atuar, caso contrário, seria mais fácil deixar o processo dormindo
em gabinetes; aliás, nem seria preciso formar processo.

No momento do conflito, os trabalhadores buscavam indispor


o proprietário com Getúlio. No Estado Novo, o proprietário era um
estrangeiro e nos anos 1950 um udenista.

Quando não era caso de conflito, buscava-se outro caminho:


apoiar o regime, valorizando a ideia de família, exaltando no
Estado Novo a ideia de nação e finalmente, no segundo governo,
declarando-se eleitor do PTB.

179
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Desta forma, não só os rurais foram objetos da atuação da


burocracia do regime, como de seus discursos. Os trabalhadores
souberam apropriar-se deles. Mas é preciso reconhecer: as
oligarquias agrárias continuariam incontrastáveis ao fim e ao cabo.
Não perdiam o jogo, mas agora ele precisava ser jogado, porque
os camponeses passavam a acreditar que existia um árbitro para
dirimir os conflitos.

Atividade Final 

Atende ao Objetivo 2

Leia as cartas a seguir e procure exemplificar como as ideias de família, nação e pobreza
estão desenvolvidas pelos autores.

Texto 1: Carta de Dona Matilde Lopes dos Santos

Rio, 14 de maio de 1942

Ilustríssimo Senhor Dr. Getúlio Vargas Muito digno chefe da nação. Respeitosas
saudações.

Uma brasileira, sua admiradora, vem por meio desta pedir-lhe uma caridade, certa de
que será atendida pelo seu grande e magnânimo coração, bálsamo da dor dos pobres,
e miseráveis, dos humildes e desamparados, protetor dos miseráveis.

Sou mãe de 4 filhos, sem amparo nenhum. Acostumada na roça, e atualmente aqui na
cidade, passando privações, apelo para Vossa Excelência para conseguir um sítio ou
uma fazenda no interior para eu plantar e viver lá até morrer, assim como no princípio.
Peço-lhe que me dê sementes e algumas ferramentas e alguns remédios e o resto eu
consigo. Seja para onde for eu vou, pois tenho necessidade. Como os estrangeiros
vem aqui, e vão para o interior eu também iria e consigo a fartura e o progresso para
mim e para a nação. Eu me chamo Matilde Lopes dos Santos. Moro na rua Lopes da
Cruz 192 Méier. Por isso peço urgência para sair desta aflição em que me encontro.
Se estou errada, peço perdão.

Matilde Lopes dos Santos.

180
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Texto 2: Carta de José Joaquim dos Anjos

Salgueiro, 27 de junho de 1951

Excelentíssimo Senhor Doutor Presidente da República Getúlio Vargas

Dirijo-me a Vossa Excelência a fim de vos expor a minha situação precária em face
da grande seca, que está assolando esta zona sertaneja. Sou um pobre pai de família
de idade avançada, e possuindo dez filhos e passando grandes privações. Tudo que
possuo é uma lavoura que nada tem produzido, achando-me na mais dura necessidade
para manter tão numerosa família no momento. Assim sendo venho encarecidamente
e humildemente rogar a valiosa ajuda proteção de vossa excelência como PAI DA
NAÇÃO BRASILEIRA, a fim de me valer ante a minha angustiosa situação. Esperando,
pois o melhoramento para poder manter a família. Preciso de uma bomba para
irrigação e assim manter minha lavoura. Embora com sacrifício, com meu pequeno
saber, consegui ensinar alguns alunos por minha conta própria, arranjando vinte votos
para vossa excelência. Assim sendo e certo de que os meus votos,servirão de proveito
a Vossa Excelência como pai compadecido dos que sofrem, finalizando esta aqui fico
aguardando ansioso a vossa resposta a meu favor, fico sumamente agradecido,

José Joaquim dos Anjos

181
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
Nas cartas que pudemos observar, a ideia de família está mobilizada. Dona Matilde quer
voltar para a roça com seus quatro filhos. Dona Matilde apela para o pai, que vai ajudar a
mãe a terminar de criar seus filhos. Joaquim também fala para Vargas de pai para pai: o pai
Joaquim na seca pernambucana precisa de uma bomba para irrigar e pede o apoio para o
pai Getúlio. É o pai de uma família que pede ao pai da família Brasil a ajuda de que precisa.
Dona Matilde, além de ter dificuldades de se deslocar, como vimos, era mulher, que desejava
ser proprietária de um lote de terras em núcleos coloniais, algo não permitido naquele momento.
De todo modo, para ela a ideia de pedir auxílio ao presidente significava uma alternativa, uma
saída para sua situação difícil.
Em Joaquim, que escreveu no contexto de democracia restaurada, agrega para o presidente
o presente que ele já dera, ou seja, os votos que arrumara. No Estado Novo, o nacionalismo:
Dona Matilde quer ser útil a si mesma e à nação brasileira. Já Joaquim oferece o que tem de
melhor: a capacidade de ensinar e os votos.
Assim como no caso dos que se viram envolvidos em conflitos agrários, os que pedem, seja
o acesso à terra, seja bens necessários para manter a agricultura, buscam apropriar-se do
discurso oficial para buscar seus objetivos. Ainda que não os atingissem, como de fato ocorreu
na maioria dos casos, fica-nos seu esforço para construir a partir de sua ação própria o que
chamaríamos cidadania.

182
Aula 5 – Os trabalhadores rurais na era Vargas

Resumo

Ao contrário do que sustenta a maior parte da historiografia,


o campo e os trabalhadores foram objeto da tentativa de atuação
da burocracia varguista. Isso se nota não só no discurso, mas nas
tentativas de legislação, que enfrentaram forte oposição do setor
proprietário rural.

O discurso que valorizava o trabalhador do campo foi por ele


apropriado, o que se demonstra em sua correspondência enviada
a Vargas. A carta transformava-se numa forma de atuação política
pela qual se tentava alcançar o que se desejava.

Podemos assim afirmar que, progressivamente, uma


“consciência” obreira rural foi se afirmando entre os trabalhadores,
que buscaram melhorar sua condição de vida ou reverter injustiças
sofridas através da mediação do presidente da República.

Informação sobre a próxima aula

Na Aula 7, vamos começar a conhecer a atuação dos


movimentos camponeses no período compreendido entre 1945 e
1964. Nesta aula, abordaremos as Ligas Camponesas do Nordeste
e o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Rio Grande do Sul.
Até Lá!

183
Aula  6
A experiência
democrática
e os partidos
políticos: história e
historiografia
(1945 – 1964)
Lucia Grinberg
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta da aula

Apresentar os estudos elaborados por cientistas sociais sobre os partidos políticos em


atividade entre 1945 e 1965.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. reconhecer a importância da existência de pensadores e de lideranças políticas contrárias


às práticas democráticas para o estudo da história dos partidos políticos no país;
2. identificar as principais caraterísticas dos partidos políticos em atividade nos anos 1945 a
1965;
3. analisar as questões centrais do debate nas ciências sociais sobre os partidos políticos em
atividade no período.

Pré-requisito

Para uma melhor compreensão desta aula, você poderá rever as aulas de História do
Brasil III sobre o tempo da experiência democrática (1945 – 1964).

186
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

Introdução

Nos estudos políticos, assim como em muitos livros didáticos, o


período de 1945 a 1964 é caracterizado com frequência como o
tempo da “democracia populista” ou da “democracia burguesa”,
expressões que desqualificam a representatividade daquele
regime político destacando supostas limitações. Democracia, mas
burguesa. Democracia, mas populista. Em primeiro lugar, portanto,
ao designá-la como “burguesa” lembravam as origens do sistema
liberal-democrático de representação política nas revoluções
inglesa, francesa e americana. Essas tiveram à frente a burguesia
da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos da América em
confronto com a autoridade do Estado absolutista e com a lógica
da desigualdade das sociedades de Antigo Regime, que garantia
prerrogativas para a nobreza em detrimento dos demais indivíduos
devido às suas origens sociais. Esta constatação não deve parecer
um obstáculo ao historiador, mas deve ser entendida como uma
indicação de um proveitoso campo de pesquisas para historiadores
e demais cientistas sociais: o estudo dos desdobramentos da criação
do sistema liberal-democrático de representação política. Trata-se
de questionar se e como as conquistas de direitos civis e políticos
pela burguesia estenderam-se aos trabalhadores.

Em segundo lugar, os estudos que caracterizam a democracia


como “populista” destacam a descrença em relação às lideranças
políticas e ao próprio eleitorado, uma vez que a constituição
da representação através do voto era compreendida como o
resultado de popularidade conquistada principalmente através
da força do carisma e da retórica das lideranças. Ou seja,
de ilusão ou manipulação. É interessante notar que o uso da
designação “populista”, não se limita aos estudos realizados nas
universidades. Lideranças políticas nos anos 1960 também usavam
a expressão “populista” para atacar seus adversários políticos.
Ainda hoje a categoria “populismo” continua presente na disputa
política. É só observar ao ler jornais, revistas e blogs.  O que nos
mostra que a análise da trajetória do conceito de “populismo” é

187
História dos Movimentos Sociais no Brasil

central para a compreensão da história da expansão dos direitos


políticos no país, pois revela as tensões e os conflitos gerados pela
vitória nas urnas de candidatos que se dirigem especialmente aos
trabalhadores. O professor de História, por sua vez, deve ser capaz
de compreender as diversas implicações da utilização do conceito.

Para saber mais sobre o que estamos discutin-


do, leia: GOMES, Ângela de Castro. O popu-
lismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre
a trajetória de um conceito. Tempo. http://www.
historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-2.pdf

O debate nas ciências sociais: a


historicidade dos partidos políticos

A história dos partidos políticos no Brasil republicano é uma


história de sucessivas intervenções por parte de governos autoritários
de vários tipos nas organizações em atividade. Entre elas estão a da
Revolução de 1930; a do Estado Novo, em 1937; a da ditadura,
através do Ato Institucional n° 2 (AI-2), em 1965; e, em 29 de
novembro de 1979, a última extinção de partidos, por iniciativa do
Executivo federal, aprovada pelo Congresso Nacional. Os cientistas
sociais Bolívar Lamounier e Raquel Meneguello postulam que não
pode haver dúvida de que as intervenções nos sucessivos sistemas
partidários em atividade no país, desde a primeira formação
no Império, “são uma das causas (embora possam também ser
consequência) da instabilidade partidária” vigente em nossas
experiências políticas (LAMOUNIER, MENEGUELLO, 1986, p. 21).

188
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

De acordo com o historiador Serge Berstein, as condições para


a elaboração da cultura política de um país são fruto de um longo
processo histórico, sendo então, o tempo e os acontecimentos nele
vivenciados elementos de modificação ou afirmação de determinada
cultura política (BERSTEIN, 1992). As sucessivas extinções dos
partidos, no Brasil, certamente dificultam a consolidação de uma
imagem positiva da instituição em nossa sociedade. Além disso,
as interpretações — acadêmicas ou não — sobre a história dos
partidos têm reforçado muito mais o fator de instabilidade destas
organizações do que o fato de sua extinção ocorrer através de
medidas autoritárias. Com isso, ressalta-se mais a fragilidade
dos partidos do que a arbitrariedade por parte dos regimes que
os eliminaram através de decretos. É notável, por exemplo, que
muitos pesquisadores se refiram aos partidos extintos em 1965
como partidos “tradicionais”, já que essa qualificação expressa
um julgamento negativo. Com isto deixa-se de enfatizar que o AI-2
extinguiu os partidos em atividade, minimizando-se a violência da
destruição daquelas organizações, como veremos na Aula 10.

Sobre a representatividade dos partidos


políticos

A questão da autenticidade da representação política e,


portanto, da representatividade dos partidos políticos, ocupa grande
parte da discussão sobre sistemas representativos no Brasil. Está
presente nas reflexões dos políticos do Império e da República, nos
pensadores autoritários dos anos 1930, no discurso dos intelectuais
dos anos 1950 e 1960. É uma questão que perpassa frequentemente
todo o espectro político brasileiro.

Em geral, esse discurso é acionado nos momentos de incerteza


ou nos momentos de ataque à representação política, sendo
uma forma de deslegitimar as soluções institucionais vigentes. O
argumento da autenticidade está relacionado com a maior ou menor
inteligibilidade e legitimidade que se queira dar aos partidos ou às

189
História dos Movimentos Sociais no Brasil

formas de representação política. Os autoritários de 1937 e 1965


acionam, em ambos os momentos, o argumento da autenticidade
da representação para defender reformas partidárias. Mas, em
tais reformas, o estatuto dos partidos políticos muda: de “facção
artificial e desagregadora do interesse nacional”, na instauração do
Estado Novo (1937), para garantidor da “autenticidade do sistema
representativo”, conforme a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei
n° 4740, de 15 de julho de 1965). Muitos estudos sobre partidos
políticos no Brasil passaram justamente a contextualizar os debates,
procurando compreender quem eram os autores de diagnósticos
sobre a inadequação ou impossibilidade de consolidação de
instituições democráticas no país e evitando generalizações e
comparações entre sistemas partidários de épocas distintas.

Os valores liberais incorporados nas práticas


políticas brasileiras

O desenvolvimento de instituições políticas liberais é um tema


clássico do pensamento político brasileiro. Tanto entre pensadores
liberais e autoritários, entre os anos 1920 e 1940, quanto entre
historiadores e cientistas sociais, entre os anos 1940 e 1970,
questionou-se a possibilidade de incorporação de valores liberais
às práticas políticas no Brasil. Na Primeira República, as oligarquias
monopolizaram o espaço político parlamentar, houve poucas
iniciativas de organização de partidos políticos por operários, como
vimos na Aula 2. De modo que os partidos políticos só se tornaram
instrumentos organizacionais mais amplos a partir de 1946,
sendo assim um fenômeno recente na história do país (GOMES,
1991). Assim, a geração de políticos que fundou a UDN, o PSD,
o PTB e os demais partidos desse período pode ser considerada a
primeira geração de políticos do Brasil a participar de um sistema
representativo mais significativo. Os partidos fundados em 1945,
portanto, são considerados os primeiros a contar com participação
mais ampla da população urbana, principalmente de trabalhadores.
Trata-se da primeira experiência política partidária de massas para

190
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

os mais diversos atores, para as lideranças políticas, como dirigentes


partidários, governadores, parlamentares e, por outro lado, para
a população em geral, como eleitores que se encontravam diante
desses novos partidos.

Atende ao Objetivo 1

1. Com a instauração da ditadura do Estado Novo, em 1937, o presidente Getúlio Vargas


outorgou uma nova Constituição e extinguiu os partidos políticos em atividade. Identifique
os argumentos do jurista Francisco Campos, um dos elaboradores da Constituição de 1937,
favoráveis à extinção dos partidos:

“Em cem anos de tentativas e de experiências democráticas, multiplicaram-se


os mecanismos destinados a tornar efetiva a democracia: o sufrágio universal,
o sistema parlamentar, o voto secreto, o sufrágio feminino, a iniciativa, o
“referendum”, a legislação direta, o “recal”, o princípio de rotatividade nos
cargos eletivos e muitos outros expedientes, artifícios e combinações. Nenhum
desses métodos, porém, deu como resultado a abolição de privilégios; nenhum
deles assegurou a igual oportunidade e a utilização das capacidades, ou
infundiu nos governos maior sentimento de honra, de dever ou de retidão,
elementos essenciais do ideal democrático. [...] A máquina democrática não
funciona espontaneamente. Para funcionar, torna-se necessária a existência de
outras máquinas, que são os partidos e, nestes, os “comitês” de direção que,
mediante agências eleitorais e uma imensa propaganda desencadeada no
país por todos os instrumentos de comunicação, criam a atmosfera artificial de
excitação e de emoção pública, graças à qual a máquina democrática traduz
exatamente a vontade ou o sentimento que os interesses criados, incumbidos
da sua direção, já lhe haviam comunicado. (CAMPOS, 1940).

191
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
O jurista Francisco Campos considera as soluções institucionais democráticas como “artifícios”
incapazes de tornar efetiva a democracia. Nesse sentido, desqualifica as diferentes modalidades
de consulta à sociedade para a constituição da representação política (como o sufrágio universal,
o voto secreto, o sufrágio feminino, o “referendum”), assim como é contrário às instituições criadas
para impedir a formação de um Estado autoritário (como o sistema parlamentar e o princípio
de rotatividade nos cargos eletivos). Francisco Campos também não reconhece os partidos
políticos como organizações capazes de representar os interesses da sociedade, para ele os
partidos manipulam a sociedade criam uma “atmosfera artificial de excitação e de emoção
pública” e traduzem “a vontade ou o sentimento que os interesses criados, incumbidos da sua
direção, já haviam comunicado”. Quer dizer, as instituições democráticas não seriam capazes
de expressar jamais a vontade ou os interesses da sociedade, o que leva à valorização de
soluções autoritárias.

A experiência democrática (1945 – 1964)

Em 1945, os países Aliados venceram a Segunda Guerra


Mundial. Os regimes fascista e nazista foram derrotados pelos
exércitos de países como os EUA, a Inglaterra, a URSS... e o Brasil.
No entanto, como lutar na Europa contra regimes autoritários e
manter Getúlio, um ditador, no poder? As pressões internas pela
democratização e o cenário internacional levaram ao fim do Estado
Novo. Novamente, houve um processo de reelaboração das regras
do jogo. Um dos primeiros passos rumo à redemocratização é a
criação de novos partidos políticos, instituições necessárias para
a realização de eleições. As novas organizações serão formadas,
principalmente, por indivíduos que já participavam da política antes
do retorno ao regime democrático, levando para os seus respectivos
partidos suas redes de sociabilidades, suas tradições políticas, muitas
de suas ideias.

192
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

Figura 6.1: Monumento aos pracinhas, que lutaram na guerra: como lutar na
Europa contra regimes autoritários e manter Getúlio, um ditador, no poder?
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Pracinhas-CCBY.jpg

O estudo dos partidos como organizações mostra como as


mediações institucionais são indissociáveis dos atores políticos
comumente destacados, tais como os sucessivos presidentes da
República: Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek,
Jânio Quadros e João Goulart. Cada uma dessas organizações
possuía diretórios em quase todos os municípios ao longo do
território nacional, então é importante pensá-las não só através
das suas lideranças nacionais (como presidentes, governadores e
parlamentares), mas também como nos seus representantes em cada
localidade (prefeitos e vereadores) e nos seus militantes.

193
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Se você se interessa em estudar mais partidos


políticos, deve ler alguns dos livros considera-
dos clássicos sobre o tema. Como as obras dos
sociólogos Robert Michels e Maurice Duverger.
Robert Michels. Sociologia dos partidos políticos.
Brasília: UnB, 1982.
Maurice Duverger. Os partidos políticos. Brasília: UnB,
1980.

Estudar os partidos estudando as relações


entre eles

Os partidos políticos em atividade constituem um sistema


partidário. Atualmente, os cientistas sociais percebem que analisar
como os partidos se relacionam é tão importante quanto estudá-los
isoladamente. Ou seja, para ser mais precisa, uma das melhores
maneiras de conhecer um partido é estudá-lo em relação aos demais.
Afinal, os partidos políticos se organizam para concorrer às eleições.
Nas campanhas eleitorais, momento de maior visibilidade das
organizações, procuram, através de processos variados, constituir
uma identidade através de embates com os outros, se diferenciando
e procurando mostrar aos eleitores as suas qualidades.

Após o fim de regimes autoritários, é comum a criação de


um partido (ou mais de um) identificado com a oposição e outro
com representantes da antiga situação. Assim, se constitui o eixo
de um determinado sistema partidário, quer dizer, a questão
fundamental que diferencia os partidos e mobiliza a população
em lados opostos: contra ou a favor. O sistema partidário criado
em 1945 tinha como eixo fundamental o getulismo. De um lado, o
Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), os partidos fundados por lideranças que apoiavam Getúlio
Vargas. De outro, a União Democrática Nacional (UDN), o partido

194
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

formado por personalidades que militaram contra o Estado Novo.


Os demais partidos eram organizações bem menores, mas cada
um deles se identificava politicamente com um dos três principais,
o que resultava em alianças nas campanhas eleitorais, nos debates
parlamentares e, consequentemente nas votações no Congresso, nas
assembleias legislativas e nas câmaras municipais.

O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) tinha como objetivo atrair


os trabalhadores mobilizados pelo getulismo e pelos sindicatos. O
Partido Social Democrático (PSD) foi composto por políticos ligados
a Vargas e à administração pública no Estado Novo. A União
Democrática Nacional (UDN) era o principal partido da oposição ao
getulismo. Na Câmara dos Deputados, a UDN manteve o segundo
lugar até 1962, quando perdeu para o PTB. Você pode perceber a
força dos partidos através dos resultados eleitorais: os presidentes
Dutra, Vargas e JK foram eleitos por alianças eleitorais entre o PSD
e o PTB. Apenas Jânio Quadros foi eleito com o apoio da UDN.

Figura 6.2: Dutra, Vargas, JK e Jânio Quadros: exemplos que mostram a força
dos partidos.
Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:GASPARDUTRA.jpg; http://pt.wikipedia.org/
wiki/Ficheiro:Getulio_Vargas_(1930).jpg; http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Juscelino.
jpg; http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Janio_Quadros.png

Vamos ver algumas características marcantes dos partidos que


estamos falando, a seguir.

195
História dos Movimentos Sociais no Brasil

O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)

O PTB foi fundado em 15 de maio de 1945, o partido deveria


atrair os trabalhadores mobilizados pelo getulismo e pelos sindicatos.
De fato, o veículo primordial para a organização do partido foi o
Ministério do Trabalho. O PTB teve como base organizacional os
sindicatos e o getulismo como bandeira. Em 1945, o “queremismo”,
movimento popular que defendia a permanência de Getúlio
Vargas na presidência da República, proporcionou uma grande
expansão para o PTB. Entre os estudos sobre o partido, a busca
da compreensão das relações entre Getúlio Vargas, a sua principal
liderança, e a consolidação do partido como organização é uma das
mais importantes. Em estudos pioneiros, Ângela de Castro Gomes
e Maria Celina D´Araújo defenderam a tese de que ao representar
a agremiação que deveria herdar o carisma de Vargas, o PTB teve
enorme dificuldade para se estruturar como partido, daí a dificuldade
em se transformar numa organização com força proporcional à do
prestígio do seu chefe (GOMES, D´ARAÚJO, 1989).

No momento de fundação do PTB, o carisma de Vargas


mobilizou muitos trabalhadores, como podemos analisar no
depoimento do sindicalista Clodsmith Riani à historiadora Lucília
de Almeida Neves Delgado:

“No PTB eu entrei, justamente porque foi um partido criado


por Getúlio Vargas, um Partido Trabalhista para cuidar dos
problemas dos trabalhadores. [...] [Em 1945] nós éramos
getulistas de coração, tínhamos o prazer de ouvir a palavra
dele em 31 de dezembro. Quase todos os trabalhadores
esperavam pelo rádio [...]. Quem não tinha ia para a casa
dos que tinham rádio para ouvir o discurso de Getúlio [...]. E o
primeiro de maio também, os operários esperavam com muito
carinho a palavra do Presidente que sempre falava para os
trabalhadores do Brasil, não é?” (DELGADO, 1989, p. 52).

196
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

No entanto, as relações entre os militantes e suas lideranças


se transformam ao longo do tempo. Entre 1945 e 1954, quer dizer,
entre a fundação do PTB e a morte de Vargas, os trabalhadores
sindicalizados, os militantes mais atuantes do PTB, atuaram
simultaneamente na política partidária e na política sindical sob
um regime democrático. Isso possibilitou a organização de grandes
movimentos grevistas e o consequente enfrentamento de negociações
com associações patronais e diferentes governos, nas esferas
estaduais e na nacional, além da constante repressão policial apesar
da legalidade das greves. Após a morte de Vargas, as lideranças do
PTB se encontraram diante de um desafio novo: o de levar adiante
a organização sem a sua principal referência.

Os membros de um partido político atribuem diferentes


significados aos seus objetivos e às suas lideranças ao longo do
tempo. Leia com atenção uma continuação do depoimento de
Clodsmith Riani sobre as transformações ocorridas no PTB entre 1945
e 1964, observe as transformações na atuação dos trabalhadores:

“Nós fomos do PTB, Getúlio Vargas era respeitado por


nós, os trabalhadores, os operários, porque um dia ele se
lembrou da nossa classe. Continuamos muito respeitosos e
agradecidos a ele. Mas os tempos mudaram e nós começamos
a querer mais um pouco: a CGT, o direito de falar junto ao
governo sobre os nossos interesses, o direito de greve. O PTB
podia falar por nós, defender as reformas de base, o nosso
salário. Mas você imagina bem, nós do movimento sindical
também fizemos parte do PTB. No governo João Goulart,
como dirigentes sindicais, com membros do PTB, e alguns
companheiros que eram PCB, frequentávamos a antessala do
Ministério do Trabalho e até a de Jango. Nós participamos
e influímos nas decisões do governo, até vetamos ministros.
[...] Nós fomos ao Congresso Nacional [...] nós sonhamos e
levamos nosso sonho lá dentro do governo. E aí tinha gente
que não queria os trabalhadores tão perto do poder. E aí veio
o golpe.” (DELGADO, 1989, pp. 288 – 289).

197
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Como leitura complementar para o tema


indicamos a palestra da prof. Ângela de Castro
Gomes: Uma breve história do PTB. http://
bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/hand-
le/10438/6769/1280.pdf?sequence=1

Partido Social Democrático (PSD)

O PSD foi formado por políticos aliados a Getúlio Vargas,


homens que participaram do governo a partir da Revolução de 1930
ou que entraram para a vida pública neste período. As principais
lideranças “pessedistas” eram, portanto, os ex-interventores
nomeados por Vargas em cada estado em substituição aos
governadores, os prefeitos nomeados pelos interventores em cada
município e os políticos que participaram da administração pública
em cargos de confiança, como ministros e assessores. A organização
de um partido em um país de dimensões continentais como o Brasil
constitui uma tarefa monumental, uma vez que se tratava de criar
diretórios não só nos estados, mas também em cada município. A
formação do PSD foi extremamente bem sucedida, pois a maior
parte dos prefeitos nomeados pelos interventores filiou-se ao partido.

Entre as principais características do PSD estão a sua cultura


política getulista e, ao mesmo tempo, conservadora, assim como o
fato de ter ocupado o lugar de partido majoritário no Congresso
Nacional no período entre 1945 e 1965. De raposas e reformistas,
tese defendida pela cientista política Lucia Hippólito e publicada
em livro posteriormente, em 1985, ainda constitui a principal obra
sobre o partido. Em primeiro lugar, a autora considera que a força
do PSD residia, principalmente, em sua capacidade eleitoral, durante
todo o período o partido formou maiorias parlamentares e ocupou
governos estaduais em todo o país. Em decorrência das vitórias
nas urnas, o PSD ocupava o centro político do sistema partidário
e interferia de maneira decisiva na dinâmica do processo político.

198
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

Em segundo lugar, a autora destaca a relação entre a


organização partidária e as vitórias eleitorais. Havia uma articulação
sólida entre os níveis nacional, regional e local que se reproduzia a
partir da continuidade de mandatos nos governos estaduais, uma vez
que o lugar de partido da situação constitui para o mesmo acesso
a recursos políticos que, por sua vez, auxiliam sua permanência no
poder. Ao mesmo tempo, o controle dos governos estaduais era um
capital político que se expressava na distribuição de poder interna ao
partido. Desde 1945 até 1965, o presidente do Diretório Nacional
do PSD foi Ernani do Amaral Peixoto, ex-interventor do estado do
Rio de Janeiro e genro de Getúlio Vargas, sucessivamente reeleito
em convenções nacionais para o cargo. Mesmo assim, o PSD pode
ser considerado um partido federativo, pois o diretório nacional era
composto pelos presidentes dos diretórios regionais, os quais eram
lideranças fortes em seus estados.

Os diretórios regionais eram comandos pelas chamadas


“raposas pessedistas”, as principais lideranças do PSD em cada
estado, as quais se destacavam pelas seguintes habilidades:

a) força eleitoral;

b)recursos políticos como poder de nomeação para nomeações para


cargos federais no estado, indicação em postos na administração
estadual e alocação de recursos para a realização de obras
municipais;

c) capacidade de atrair lideranças locais para o partido e, portanto,


acrescentando votos dessas lideranças ao PSD;

d) controle de deputados federais e senadores do partido, pois


o diretório estadual tinha o poder de indicar à convenção os
candidatos ao legislativo federal e estadual, além do governo
do estado;

e) “utilização do poder de veto contra o surgimento de novas


lideranças que pudessem ameaçar a sobrevivência das chefias
estaduais, e consequentemente sua influência no diretório
nacional” (HIPPOLITO, 1985, p. 125).

199
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Em terceiro lugar, ao analisar a trajetória do PSD, a autora


mostra o aparecimento de uma nova geração de políticos pessedistas,
os reformistas, mais conhecidos pela designação de Ala Moça.
Houve, portanto, uma diversidade ideológica que se tornou central
na história da organização, a cisão entre raposas e reformistas. As
“raposas” eram as lideranças tradicionais, atentas às reivindicações
das bases do interior, especialmente aos grandes proprietários de
terras, e os reformistas eram as lideranças mais jovens, voltadas
para as demandas do emergente eleitorado urbano (HIPPOLITO,
1985, p. 125). No depoimento de José Joffily encontramos um
perfil da Ala Moça:

“Nossa posição com relação à reforma agrária e depois com


relação à política externa foi o que caracterizou a Ala Moça
como uma espécie de enfermidade dentro do PSD, porque
eram temas vitais para a própria natureza do PSD enquanto
partido conservador. Aqui e acolá a gente ouvia umas críticas
dos mais velhos, como eu ouvi uma vez do Cirilo Júnior: ‘Vocês
querem serrar o galho onde estão sentados?!” (Depoimento
de José Joffily. In: HIPPOLITO, 1985, p. 165)

Durante os vinte anos de existência do PSD, o Diretório Nacional


esteve sob o comando de Ernani do Amaral Peixoto, genro de Ge-
túlio Vargas. Durante os anos 1930, o almirante Amaral Peixoto foi
interventor do estado do Rio de Janeiro, em 1945 trabalhou na orga-
nização do PSD e se tornou presidente do partido, permanecendo no
cargo até a sua extinção. Em 1965, filiou-se ao Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Na longa trajetória política de Amaral Peixoto, destacam-se
a ação no cargo de interventor do estado do Rio de Janeiro assim como as
atividades em sucessivos mandatos como senador na experiência democrá-
tica (1945-1964) e na ditadura civil-militar (1964-1979). Nos anos 1980,
Amaral Peixoto concedeu entrevistas a cientistas políticos e historiadores,
publicadas posteriormente no livro: Artes da política: diálogo com Amaral
Peixoto. Você pode conhecer mais a história do PSD através das memórias de
Amaral Peixoto, hoje disponíveis em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/
handle/10438/6756?show=full

200
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

A União Democrática Nacional (UDN)

Em 1945, o contraste da UDN com o PSD e o PTB era muito


nítido. A UDN formou-se como o partido de oposição constante
a Getúlio Vargas e ao getulismo. Entre os eleitores udenistas se
destacavam pessoas das classes médias, proprietários de terras e da
indústria aliada ao capital estrangeiro. A campanha do brigadeiro
Eduardo Gomes à presidência da República e seus simpatizantes
foram retratados pela imprensa e em memórias principalmente pela
distinção de classe:

“Repletas as sociais de um público seleto, elegante mesmo, em


que se destacava numeroso concurso de senhoras, de chapéu
e calçando luvas, mas as gerais vazias. Era um espetáculo
politicamente constrangedor, a enorme praça de esportes,
metade morta, metade bem composta, até nas palmas com
que saudou o candidato e lhe aplaudiu o discurso” (LIMA,
1974. p. 151)

Na Câmara dos Deputados, a UDN manteve o segundo lugar


até 1962, quando perdeu a posição para o PTB. Apesar de nenhum
de seus quadros conquistar a Presidência da República nas urnas,
o partido elegeu governadores udenistas em vários estados, assim
como integrou ministérios, inclusive no governo Vargas (1951-1954).
Após a derrota em três eleições consecutivas para a presidência
(1945, 1950, 1955), apoiou Jânio Quadros e, posteriormente, o
movimento de 1964. No parlamento, votou a favor do monopólio
estatal do petróleo (1953) e contra a cassação dos mandatos
dos parlamentares comunistas (1947), apesar de a oposição à
intervenção do Estado na economia e a convicção anticomunista
serem constantes. O udenismo caracterizava-se pela defesa do
liberalismo clássico, pelo apego ao bacharelismo e ao moralismo,
assim como pelo horror aos vários “populismos” (BENEVIDES, 1981).

201
História dos Movimentos Sociais no Brasil

O gosto pela retórica dos bacharéis udenistas entrou para


a história através de manifestos e discursos de grande impacto
político, amplamente divulgados entre os contemporâneos. Entre
os documentos mais conhecidos estão o Manifesto dos Mineiros,
considerado um texto fundador pelos correligionários da UDN, e o
discurso proferido por Afonso Arinos pressionando Getúlio Vargas
a renunciar, em 1954:

Manifesto dos Mineiros (1943)

http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.
php?titulo=manifesto-dos-mineiros-uma-virada-na-luta-contra-
getulio-1943

Discurso de Afonso Arinos exigindo a renúncia de Getúlio


Vargas (1954)

http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.
php?titulo=arinos-da-tribuna-pede-renuncia-de-getulio-1954

Apesar da retórica em defesa do modelo liberal-democrático


de representação política, as práticas udenistas paradoxalmente
atacavam a constituição da representação através das eleições
populares. A UDN se tornou conhecida justamente pelo golpismo, por
contestar os resultados eleitorais desfavoráveis e articular tentativas
de romper com as regras democráticas através de apelos aos
quartéis. No período, udenistas e militares contestaram as vitórias nas
urnas do PTB e do PSD em pleitos para a Presidência da República.
No entanto, apenas em 1964, foram bem sucedidos. Em 1954,
o desfecho da crise política foi o suicídio de Vargas. Em 1955, o
marechal Henrique Lott impediu um novo golpe e assegurou a posse
de Juscelino Kubitschek. Em 1961, o presidente Jânio Quadros
renunciou. De acordo com as regras constitucionais, o vice-presidente
deveria assumir a presidência. Mas os três ministros militares eram
contrários à posse de João Goulart. Isso criou um impasse, afinal
superado devido à negociação entre os políticos e os militares.
Chegou-se a uma solução de compromisso: o parlamentarismo.

202
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

João Goulart tomou posse, mas os parlamentares aprovaram uma


emenda mudando o sistema de presidencialista para parlamentarista.
Assim, conseguiram diminuir os poderes do presidente e aumentar
o peso do Legislativo.

Entre 1946 e 1964, havia uma relação estrei-


ta entre políticos e militares ao largo de todo o
espectro político. Dos partidos mais conservado-
res até o Partido Comunista do Brasil (PCB), todos
contavam com a presença de militares entre seus
quadros e simpatizantes. De acordo com entrevista
de Luís Carlos Prestes, nos anos 1930 “era mais fácil
construir o Partido Comunista nos quartéis do que nas
fábricas” (PANDOLFI, 1995, p. 110). Alguns oficiais
foram candidatos à Presidência da República, como o
brigadeiro Eduardo Gomes, duas vezes indicado pela
legenda da UDN, em 1945 e em 1950; o marechal
Eurico Dutra, que se elegeu em 1945 pela coligação
PSD/PTB, e o marechal Henrique Lott, que se candi-
datou, também pelo PSD, em 1959. Uma candidatura
fortalecida pelo seu desempenho em 1955, quando
assegurou a posse de Juscelino Kubitschek através de
um “golpe legalista”; e pela sua atuação no ministério
da Guerra no governo JK, garantindo a ordem demo-
crática contra as revoltas militares de Jacareacanga
e Aragarças, em 1958. Os apelos aos quartéis não
se limitavam à UDN, mas também partiam do PSD e
do PTB. (ARAÚJO, 1996, p. 162). Não era estranho
às práticas daquelas lideranças e de todo o espectro
político, recorrer aos quartéis com o intuito de realizar
intervenções pontuais. Daí advém, em boa parte, o
chamado poder de tutela das Forças Armadas, experi-
mentado em diversos momentos da história do Brasil.

203
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A história do sistema partidário vigente entre 1945 e 1964,


mostra que PTB e PSD, os principais partidos getulistas, eram muito
mais do que meras criações de Getúlio Vargas e constituíram-se de
fato como organizações representativas de interesses expressivos
presentes na sociedade brasileira. Entre 1945 e 1964, o PTB na
luta por direitos dos trabalhadores cresceu organizacionalmente e
eleitoralmente, se revelando uma agremiação capaz de mobilizar
o eleitorado em comícios e traduzir seu poder em votos. O PSD,
por sua vez, permaneceu como partido majoritário durante todo o
período, à medida que as disputas políticas se acirraram o viés do
getulismo se tornou cada vez mais esmaecido. Consequentemente, o
PTB deixou de ser o seu principal aliado e a UDN se tornou um apoio
importante nas maiores lutas políticas daquele tempo. Ao mesmo
tempo, percebe-se a aproximação de políticos progressistas de vários
partidos através da formação da Frente Parlamentar Nacionalista
que defendia a realização de uma reforma agrária, a extensão dos
direitos do trabalho aos camponeses, assim como o direito de voto
dos analfabetos, entre outros pontos.

Atende ao Objetivo 2

2. Caracterize os principais partidos políticos em atividade entre 1945 e 1964 a partir


dos documentos abaixo:

“Trabalhador! Defende os teus direitos ingressando no Partido Trabalhista


Brasileiro. [...] Toma desde já posição para defender e ampliar teus direitos. E a
única forma de preservares o que já tens e conseguires o que ainda necessitas é
ingressar nas fileiras do PTB. Leva para o governo aqueles que melhor conhecem
os teus problemas votando pelo PTB, o teu partido!” (Apud: DELGADO, Lucília.
PTB: do getulismo ao reformismo. São Paulo: Marco Zero, 1989.)

204
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

“Entre a Bíblia e O capital, o PSD fica com o Diário Oficial”.

(Tancredo Neves. Apud: HIPPOLITO, Lúcia. De raposas e reformistas. Rio de


Janeiro: Paz & Terra, 1985. p. 37.)

“Os udenistas eram sinceramente liberais, mas o liberalismo era contraditório,


pois desejavam uma democracia cada vez mais aperfeiçoada, mas nunca
se conformavam com o resultado das urnas. Tinham a plena consciência que
formavam a elite brasileira e viam que essa elite nunca conseguia chegar
ao poder pelo voto” (BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. A UDN e o
udenismo. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981. p. 254.)

Resposta comentada
O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática
Nacional (UDN) eram os três maiores partidos políticos em atividade entre 1945 e 1965.
O PTB foi formado principalmente por sindicalistas e funcionários do Ministério do Trabalho,
se destacava justamente por defender os direitos do trabalho conquistados durante os anos
1930 pelos trabalhadores urbanos, entre suas bandeiras estava a defesa da extensão dos
direitos do trabalho para os camponeses, assim como a reforma agrária. O PSD teve como
suas principais lideranças políticas os antigos interventores do Estado Novo e os prefeitos
nomeados pelos mesmos interventores, os quais se tornaram importantes lideranças regionais e
locais, respectivamente, durante o período em que não houve eleições. Entre 1945 e 1960,
todos os presidentes eleitos eram do PSD ou foram eleitos com seu apoio, assim como muitos
governadores, portanto, a maior parte dos cargos de confiança da administração pública foi
ocupada por quadros do partido. A UDN foi fundada principalmente por políticos, advogados e
intelectuais que se mobilizaram contra o Estado Novo e pelo retorno à democracia. No entanto,
no período democrático de fato se destacou pela crítica recorrente às vitórias eleitorais de seus
adversários políticos na presidência da República, sem jamais se conformar com a vontade da
maioria do eleitorado que rejeitava seus candidatos.

205
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Um sistema partidário em processo de


fragmentação ou de consolidação?

Muitos estudos sobre os partidos políticos em atividade entre


1945 e 1965 foram elaborados a partir de meados dos anos 1970
por pesquisadores que, de certa maneira, procuravam compreender
o processo que levou ao fim daquela experiência democrática e,
portanto, à ditadura. Naquelas pesquisas, enfatiza-se, geralmente,
uma série de fatores como a não-institucionalização do sistema
político-partidário, a ausência de identificação partidária dos
eleitores, a fragmentação eleitoral, apontando-se, finalmente, para
um sistema partidário em desestruturação no início dos anos 1960.

Nos anos 1980, em sua pesquisa sobre o PSD, a cientista


política Lúcia Hippólito defendeu a tese de que o sistema partidário
no início dos anos 1960 encontrava-se em um processo de
desagregação (HIPPÓLITO, 1985, p. 256). De acordo com a autora,
quando a oligarquia do PSD optou pela destruição de sua Ala Moça,
afastou-se do centro do sistema partidário, que não foi ocupado
por nenhum outro partido ou coligação. Uma vez abandonado o
centro, uma tendência centrífuga se instalou no sistema. Os extremos
transformaram-se em irresistíveis pólos de atração e

“assim, a partir do final da década de 1950 iniciou-se a


desagregação do sistema partidário. O PSD fragmentou-se
internamente, com dissidências à esquerda e à direita. O
partido perdeu as condições mínimas de coesão interna para
liderar o processo político” (HIPPÓLITO, 1985, p. 255).

Para a autora, portanto, a extinção dos partidos políticos pelo


AI-2 significou o fim da agonia de um sistema partidário, cuja morte
estava anunciada.

Entre os estudos mais recentes, alguns autores têm questionado


essa análise de que o regime democrático ruiu devido à crise do
sistema partidário de 1945-1964. O cientista político Antônio
Lavareda, por exemplo, defende uma tese contrária, através de

206
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

uma análise da estabilidade dos formatos das disputas eleitorais


e de uma alta taxa de identificação partidária entre os eleitores,
procurando demonstrar que o sistema político-partidário encontrava-
se em processo de consolidação (LAVAREDA, 1991).

Para Antônio Lavareda, há características das relações entre


partidos e eleitorados que indicam um processo de consolidação do
sistema partidário, entre os quais a identificação partidária. Entre o
fim do Estado Novo e o golpe de 1964, os vínculos entre os partidos
e o eleitorado eram criados, reforçados e sofriam transformações
a cada eleição, principalmente nas disputas majoritárias, como as
eleições para a presidência da República, os governos estaduais e as
prefeituras. Ao se apresentarem aos eleitores, as lideranças políticas
representavam seus respectivos partidos e levavam informações
sobre o mesmo a cada campanha. Na época, a imprensa atuava
de maneira semelhante, pois “pontificavam como veículos de
difusão das informações políticas os jornais, as revistas, as rádios,
os comícios e as reuniões públicas. Quase toda a imprensa tinha
uma clara orientação política, fato que contribuía para desenvolver
e reforçar os vínculos partidários” (LAVAREDA, 1991, p. 127).

Antônio Lavareda também considera a partir das pesquisas de


opinião realizadas pelo IBOPE em 1964 que, às vésperas do golpe,
a maioria do eleitorado (64%) das grandes cidades manifestava
adesão a partidos. Observa ainda que,

“As pesquisas de opinião realizadas entre 1963 e 1964


comprovam que a maioria do eleitorado se situava no ‘centro’
do espectro ideológico. [...] A radicalização era uma nítida
opção estratégica de setores das elites, à esquerda e à
direita, desinteressados da manutenção da institucionalidade
democrática” (LAVAREDA, 1991, p. 170).

Quer dizer, para Lavareda, o fim da experiência democrática


em 1964, não pode ser explicado por supostas deficiências do
sistema partidário, mas principalmente pelas práticas das lideranças
políticas.

207
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Em Democracia ou reformas, a cientista política Argelina


Figueiredo, de maneira semelhante, defende a tese que houve
uma ruptura institucional devido à radicalização por parte dos
atores políticos, bem como ao desprezo pela via de negociação no
Parlamento, sinais de uma concepção instrumental de democracia
então compartilhada pelos partidos (FIGUEIREDO, 1993).

Essas interpretações, portanto, sugerem uma nova dimensão


para a compreensão do sistema partidário do pós-1945 e do
processo que culminou com a eliminação dos partidos em 1965,
com a criação do bipartidarismo. No entanto, o debate permanece
atual, o cientistas político Bolívar Lamounier convidado a redigir a
apresentação de Democracia nas urnas reiterou compartilhar da
tese da não institucionalização do sistema partidário.

O debate continua!
Se você se interessou pelo debate sobre os
partidos políticos e o sistema partidário vigente
no Brasil, entre 1945 e 1965, leia artigos pro-
duzidos por especialistas no assunto que podem
ser facilmente encontrados na web como o de Jairo
Nicolau, professor titular de Ciência Política (UFRJ):
NICOLAU, Jairo. Partidos na República de 1946:
velhas teses, novos dados. Dados, Rio de Ja-
neiro, vol.47 no.1, 2004. http://www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-
-52582004000100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

208
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

Atende ao Objetivo 3

3. Na elaboração de sua tese Democracia nas urnas, o cientista político Antônio Lavareda
teve acesso ao Arquivo do IBOPE e elaborou uma série de tabelas a partir das pesquisas de
opinião realizadas nos anos 1960. Analise os dados da tabela abaixo sobre a preferência
partidária da população em março de 1964, às vésperas do golpe.

Fonte: LAVAREDA, Antonio. Democracia nas urnas. Rio de Janeiro: IUPERJ/Vértice, 1991, p. 137.

Resposta Comentada
Em março de 1964, o IBOPE elaborou uma pesquisa de opinião sobre identidade partidária, uma
das questões era: “qual o partido político de sua simpatia?”, na tabela acima podemos observar
que em quase todas as capitais a maioria do eleitorado possuía um partido de sua preferência.
Apenas no Recife (PE) e em Fortaleza (CE) a maioria declarou não ter preferência. É interessante

209
História dos Movimentos Sociais no Brasil

notar que o PTB era o partido com maior grau de identificação partidária, seguido da UDN,
justamente os partidos dos extremos do espectro político. De modo geral, para a compreensão
do sistema partidário, se destaca a existência de relativamente alta identificação partidária,
o que é considerado um índice de representatividade dos partidos junto à sociedade. Além
disso, é importante notar que o partido com maior grau de identificação partidária às vésperas
do golpe de 1964 era o PTB, o partido do então presidente João Goulart que seria deposto
logo em seguida por lideranças militares e civis filiados aos seus maiores adversários: a UDN.

Conclusão

Entre 1945 e 1964, teve lugar a primeira experiência


democrática com partidos políticos de massa no Brasil republicano,
com partidos nacionais em atividade, organização de grandes
comícios em praças públicas resultado do investimento em filiação
partidária e mobilização política. No entanto, esta experiência
teve fim com a instauração da ditadura em 1964 e a extinção dos
partidos políticos em 1965. Diante de uma história de sucessivas
intervenções e tendo em vista a existência de um senso comum
bastante crítico em relação à política e especialmente aos políticos
profissionais, é interessante notar que a democracia representativa
é indissociável da atividade partidária e do interesse dos políticos
em suas carreiras, os quais são comumente entendidos de modo
negativo e antitético aos interesses gerais, e não como parte atuante
e constitutiva do campo político.

210
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

Atividade Final 

Atende aos Objetivos 2 e 3

Caracterize o sistema partidário brasileiro vigente entre os anos de 1945 e 1964,


considerando a representação partidária na Câmara dos Deputados, conforme a tabela
abaixo:

Legenda: C = número de cadeiras ou deputados federais eleitos


Fonte: HIPPOLITO, Lúcia. De raposas e reformistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

211
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
A leitura da tabela relativa à representação partidária na Câmara dos Deputados entre 1945
e 1962, quando ocorreram as últimas eleições antes do golpe de 1964, indica, em primeiro
lugar, que o PSD era o partido majoritário durante todo o período, apesar de perder um grande
número de parlamentares em pouco tempo. A UDN aparece como a segunda maior bancada,
perdendo o lugar para o PTB apenas em 1962, nas eleições realizadas durante o governo João
Goulart, o que mostra a popularidade do partido do governo petebista. Apesar de existirem
mais de dez partidos em atividade, os três maiores partidos concentravam cerca de 80% do
número de deputados federais em 1962. Cabe notar afinal que apesar de se constituir como
um sistema político democrático, pluralista, em 1947 o Partido Comunista do Brasil (PCB) teve
seu registro cancelado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

RESUMO

Nesta aula, você pode reconhecer o peso da existência


de pensadores e de lideranças políticas contrárias às práticas
democráticas para o estudo da história dos partidos políticos no
país, uma vez que ao longo da história do Brasil republicano
houve sucessivas intervenções nos partidos políticos por parte de
governos autoritários sob o argumento da ausência de autenticidade
daquelas organizações. Em seguida, você conheceu as principais
caraterísticas dos partidos políticos em atividade nos anos 1945 a
1965, observando a importância do getulismo como eixo daquele
sistema partidário. Ao final, você identificou o principal debate nas
ciências sociais sobre os partidos políticos em atividade no período:
o sistema partidário encontrava-se em um processo de fragmentação
ou de consolidação.

212
Aula 6 – A experiência democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)

Informações sobre a próxima aula

Na próxima aula, você estudará o impacto da ditadura


instaurada, em 1964, no sistema partidário a partir da legislação
imposta através do Ato Institucional n. 2: a extinção de todos dos
partidos em atividade desde 1945 e a limitação de criação de
apenas duas novas organizações partidárias.

213
Aula  7
A experiência
democrática e
os sindicatos de
trabalhadores
(1945-1964)
Lucia Grinberg
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta

Apresentar um panorama das iniciativas dos sindicatos


de trabalhadores entre 1945 e 1964.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1.Caracterizar a participação dos trabalhadores no processo de transição da ditadura
do Estado Novo para a democracia;
2.Identificar os principais debates sobre as relações entre movimento operário, partidos
políticos e Estado entre 1945 e 1964;
3.Reconhecer as iniciativas dos trabalhadores no período e a tese da “reinvenção do
trabalhismo”.

Pré-requisitos

Para melhor compreensão desta aula, relembrea Aula 1 –“Movimentos sociais:


conceitos e definições”, a Aula 4 –“Os anos 1930 e o impacto do projeto
trabalhista no movimento operário”, e também a Aula 6 – “A experiência
democrática e os partidos políticos: história e historiografia (1945 – 1964)”.

216
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

Introdução

Não há movimento operário independente sem democracia


e não há democracia sem movimento operário independente
(WEFFORT, 1979, p. 7).

Na Aula 6,estudamos os partidos em atividade entre 1945 e


1964 e a literatura sobre a representação política e suas relações
com o Estado no mesmo período.Os partidos políticos e os sindicatos
de trabalhadores são organizações que representam os cidadãos a
partir de fundamentos distintos; na prática,ambos atuam no cenário
político e se relacionam de maneiras variadas, especialmente no
campo da esquerda, em que partidos e sindicatos têm como objetivo
representar os trabalhadores.

Os partidos possibilitam a mediação entre a sociedade


e o Estado.Em regimes democráticos, concorrem às eleições,
possibilitando que, através do sufrágio universal, os cidadãos possam
constituir as autoridades políticas para mandatos temporários.

Os sindicatos, por sua vez, possibilitam a mediação entre


os trabalhadores e seus empregadores, assim como entre os
trabalhadores e o Estado. No entanto, como vimos nas aulas
anteriores, com a lei de sindicalização de 1931, o governo brasileiro
instituiu um modelo corporativista de organização sindical, no qual
os sindicatos eram subordinados ao Estado.

Em 1945, a ditadura do Estado Novo teve fim; porém, como


o modelo corporativista de organização sindical foi mantido, não
podemos compreender o sindicalismo brasileiro do período de 1945
a 1964 sem investigar essas continuidades.

A estrutura manteve-se intacta, tendo os sindicatos, no


entanto, mais liberdade, sendo possível a realização de grandes
greves, o aparecimento de comissões de fábrica e de organizações
intersindicais, apesar de comissões locais e intersindicais não estarem
previstas na legislação.

217
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Ao final dos anos 1970, por volta de 1979, a partir


da perspectiva do fim da ditadura instaurada em 1964 e das
expectativas por um novo tempo democrático, cientistas políticos,
como Francisco Weffort, analisaram as heranças autoritárias
do Estado Novo presentes no regime democrático de 1945.
Para Weffort, a grande questão era a seguinte: “Como entender
uma democracia que obrigava os sindicatos e, por extensão, o
movimento operário a uma posição de dependência em face do
Estado?”(WEFFORT, 1979).

Os trabalhadores na cena política nacional na


conjuntura de transição

Como vimos em aulas anteriores,apartir de 1930, o


governo de Getúlio Vargas tomou várias iniciativas, incorporando
definitivamente a classe trabalhadora no cenário político nacional
através da “invenção do trabalhismo” (GOMES, 1988). Após a
entrada do país na Segunda Guerra, a possibilidade de vitória dos
Aliados e a rearticulação da oposição liberal-democrática, Vargas
procurou reafirmar seus laços com os trabalhadores, primeiro, através
de uma história da legislação social como doação, depois, através
da organização de um partido trabalhista.

Como era de se esperar, com a redemocratização, no contexto


do pós-guerra, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) conquistou a
legalidade e voltou a concorrer com Vargas na representação dos
trabalhadores brasileiros.

Desde 1943, apesar da repressão aos comunistas, que


ocasionou muitas prisões de militantes, principalmente após os
levantes de 1935, o PCB defendia uma política de “união nacional”
contra o nazi-fascismo. Com o fim do Estado Novo e a legalização
da legenda do PCB, em maio de 1945, o partido manteve o
apoio a Getúlio Vargas sem deixar de investir na sua própria
organização: nas eleições presidenciais de 1945, o candidato do

218
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

PCB conquistou 10% dos votos e,nas eleições para a Assembleia


Nacional Constituinte, elegeu 15 deputados, sendo nove operários.

Em 1945, entre as medidas tomadas pelo governo no


processo de transição do Estado Novo e instituição de um regime
democrático, estava justamente a convocação de eleições, através
da Lei Constitucional n. 9, de 28/02/1945, e, logo depois, dois
meses mais tarde, a anistia aos presos políticos, entre os quais se
encontravam muitos militantes comunistas.

Convocação de Eleições e Anistia


Para conhecer a íntegra das medidas tomadas
pelo governo, tendo em vista a transição, leia a
Lei Constitucional n. 9, de 28/02/1945 no site:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lct/
lct009.htm
A anistia aos comunistas foi instituída através do
Decreto-Lei n. 7474, de 18/04/1945, veja no site:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/de-
clei/1940-1949/decreto-lei-7474-18-abril-1945-
-452115-publicacaooriginal-1-pe.html

Após a vitória do marechal Eurico Dutra (PSD) nas eleições


para a presidência da República, Luiz Carlos Prestes se pronunciou,
apoiando o governo recém- eleito e a campanha de “união nacional”
do PCB:

Partido perseguido, com os seus dirigentes encarcerados, o


Partido Comunista, quando o nazismo ameaçou a integridade
de nossa Pátria, soube esmagar ressentimentos, soube
esmagar paixões, para estender a mão a todos e pregar a
União Nacional em torno do governo. [...] Os comunistas

219
História dos Movimentos Sociais no Brasil

[...] sabiam que se tivéssemos um governo mil vezes mais


reacionário do que aquele de então, a obrigação de todos
os patriotas era apoiar aquele governo para colocar a
nossa Pátria ao lado das Nações Unidas. [...] Os comunistas
sabem que no mundo atual, o necessário é a ordem, é a
tranquilidade. [...] E por isso, estamos prontos a apoiar o
governo do general Dutra, a mobilizar todas as massas que
já aceitam nossa direção, para apoiar os seus atos honesta e
sinceramente democráticos (Luiz Carlos Prestes, 1945. Apud:
WEFFORT, 1979.)

Após a deposição de Getúlio Vargas, ocorreu uma primeira


grande mobilização popular: o queremismo. A palavra de ordem
do movimento era “Queremos Constituinte com Getúlio” e contava
com o apoio tanto de trabalhadores e de sindicalistas trabalhistas,
que se organizaram no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), assim
como de militantes e de dirigentes do PCB.

Durante a experiência democrática inaugurada em 1945


e extinta com o golpe de 1964, o PTB e o PCB, mesmo após a
cassação da legenda comunista em 1947, eram as organizações
partidárias mais influentes entre os trabalhadores, e muitas pesquisas
mostram que desde o início procuraram atuar junto aos sindicatos,
às comissões de fábricas e associações de moradores de bairro
(FONTES, 2007; SANTANA).

220
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

Comício do Pacaembu
O prestígio do PCB e de Luiz Carlos Prestes
pode ser visto no grande comício realizado no
Estádio do Pacaembu, na cidade de São Paulo, em
1945, contando com a participação de cerca de 80
mil pessoas. Tendo em vista a divulgação do evento
histórico celebrando a liberdade de Luiz Carlos Pres-
tes, a legalidade do partido e a sua capacidade de
mobilização, o PCB filmou a manifestação. O diretor e
fotógrafo Ruy Santos filmou a manifestação e editou o
filmeComícioSão Paulo a Luiz Carlos Prestes.
Você encontra a íntegra do documentário no
site:http://www.youtube.com/watch?v=GBwxg_75-
-sg&feature=related
Créditos: Comício São Paulo a Luiz Carlos Prestes. Um
filme do Partido Comunista do Brasil (PCB), realizado
pelo Comitê Nacional do Partido Comunista. Direção
e fotografia: Ruy Santos. Distribuição: Cinedia.

Ao mesmo tempo em que os dirigentes do PCB apoiavam


Getúlio Vargas ea política de “união nacional”, a movimentação de
trabalhadores comunistas seguia no sentido de ampliar os espaços
para as atividades dos sindicatos, apresentando bandeiras que
se distanciavam das propostas de Getúlio. Em abril de 1945, foi
criado o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), sob a
hegemonia de comunistas; a intersindical defendia a luta contra o
nazi-fascismo, a unidade da classe operária, o aperfeiçoamento
das leis trabalhistas, a extensão da sindicalização e dos benefícios
sociais aos trabalhadores rurais. No entanto, não questionava o
imposto e a unicidade sindicais.

221
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Em pouco tempo, o governo Dutra retomou a política de


restrições às atividades sindicais e, em especial, às iniciativas dos
comunistas. Em março de 1946, o governoeditou uma nova lei
impondo várias restrições à realização de greves de trabalhadores,
antecipando decisões que deveriam ser tomadas a partir de debates
na Assembleia Nacional Constituinte.Em 1947, o PCB foi cassado.

Você pode conhecer o decreto na íntegra em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
-lei/Del9070.htm

Atende ao Objetivo 1

1. Atualmente podemos encontrar no Arquivo Público Mineiro, no Acervo do DOPS/MG, o


manifesto do MUT. Em 1946, Carlos Peppe prestou depoimento na delegacia de Uberaba
(MG) sobre suas atividades no PCB e no MUT, o material foi então encaminhado à capital,
para o DOPS-MG. Leia com atenção as propostas citadas no manifesto do Movimento
Unificador dos Trabalhadores (MUT) e caracterizeas rupturas e as continuidades em relação
às diretrizes do governo de Getúlio Vargas em relação a direitos políticos e direitos sociais:

Trabalhadores do Brasil!

A luta e a organização da classe operária tem que ser realizada à base da unidade,
pois só ela a tornará forte e invencível para o desempenho de suas importantes tarefas,
para a vitória na guerra patriótica dos povos e para que a Democracia se torne uma
realidade do Povo e dos trabalhadores do Brasil.

222
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

Com este espírito devemos lutar imediatamente pela mais


completa liberdade sindical, rompendo com as injustificáveis
restrições e interferências na vida de nossos órgãos de
classe. Devemos lutar pela melhoria das leis sindicais e de
previdência social conseguindo que elas sejam expurgadas
de todos os dispositivos anti-democráticos. Devemos lutar pelo
fiel cumprimento das leis trabalhistas e seu aperfeiçoamento.
Devemos lutar para que se torne efetiva a sindicalização
dos que trabalham no campo e para que a estes sejam
reconhecidos os direitos e assegurados todos os benefícios da
legislação social. Devemos lutar pela mais efetiva democracia
sindical assegurando a plena manifestação de opiniões em
nossas assembleias e o rigoroso cumprimento de nossas
resoluções coletivas. Devemos lutar pela eleição de direções
sindicais unitárias, verdadeiramente representativas dos
sentimentos e da capacidade de cada categoria profissional
(MUT, 1945, p. 9).

Com esse espírito, devemos lutar, em união com as demais


forças democráticas e progressistas, pela extinção dos
órgãos, dispositivos e decretos estranhos e hostis aos anseios
democráticos do Povo e comprometedores da segurança
e da tranquilidade internas, como o DIP e o Tribunal de
Segurança Nacional. Devemos lutar pela mais ampla
liberdade de opinião e de organização política, para que
se estruturem grandes partidos democráticos. Devemos lutar
por um Código Eleitoral democrático, que estabeleça normas
sadias e respeitáveis para a realização de livres e honestas
eleições (MUT, 1945, p. 10). (Movimento Unificador dos
Trabalhadores. Manifesto. Rio: Comissão de Divulgação e
Propaganda, 1945. Acervo DOPS/MG)

Você pode ler o manifesto na íntegra no portal do Arquivo Público


Mineiro (APM): http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/
dops_docs/photo.php?numero=5173&imagem=771

223
História dos Movimentos Sociais no Brasil

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Resposta Comentada
No trecho citado do manifesto do MUT, podemos observar, em primeiro lugar, propostas de
ruptura com o modelo de sindicalismo instaurado a partir de 1930 na defesa da liberdade
sindical. Há críticas igualmente a instituições da ditadura do Estado Novo, como o Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP) e o Tribunal de Segurança Nacional (TSN). Ao mesmo tempo,
o MUT reconhecia os sindicatos e a legislação social de maneira positiva ao propor apenas o
seu “aperfeiçoamento” e a extensão da sindicalização e dos direitos e benefícios assegurados
pelo Estado aos trabalhadores rurais.

A subordinação dos sindicatos ao Estado:


os estudos sobre o movimento operário
nos anos 1970

Entre 1945 e 1964, o PTB foi a legenda que mais cresceu,


aumentando o número de votos conquistados a cada eleição
(LAVAREDA, 1991). Os trabalhistas investiram muito em organização,
conseguiram fundar diretórios por todo o território, inclusive em
muitos municípios do interior em que até então predominavam os
partidos organizados pelas oligarquias estaduais.

No governo federal, os presidentes da República, exceto Jânio


Quadros, foram eleitos pela coligação formada entre PTB e PSD. No
ministério do Trabalho, quase todos os titulares eram quadros do PTB:
Otacílio Negrão de Lima, Danton Coelho, José de Segadas Viana,
João Goulart, Hugo de Faria, Napoleão de Alencastro Guimarães,

224
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

Nelson BackerOmegna, Parsifal Barroso, Fernando Nóbrega, João


Batista Ramos, Alírio de Sales Coelho, Francisco de Castro Neves,
Almino Afonso, Amauri de Oliveira e Silva (HIPPOLITO, 1985).

Agora, o que significava a participação dos trabalhistas


no governo? Quais eram os desdobramentos dessas relações
nos sindicatos? Paramuitos cientistas sociais, a proximidade entre
sindicatos e governo provocou o questionamento sobre a autonomia
do movimento operário no período.

Nos anos 1970, a questão central nos estudos sobre


movimento operário e sindicalismo no período de 1945 a 1964 era
a percepção de contradições entre a permanência de uma estrutura
corporativa em plena democracia. Como explicar a manutenção
da unicidade sindical simultaneamente ao surgimento dos partidos
políticos, do pluripartidarismo? No bojo deste questionamento ao
movimento operário, estava presente uma série de críticas à sua
organização e atuação. Uma vez extinta a ditadura do Estado Novo,
em 1945, porque não garantir à cidadania um estatuto de acordo
com a democracia pluripartidária que se instituía?

Os estudos sobre sindicatos e movimento operário durante a


experiência democrática inaugurada em 1945 levantam, de maneira
geral, uma reflexão sobre o período de 1945 a 1964 como um todo.
De fato, Francisco Weffort apresenta um debate sobre a questão
democrática, questionava a recorrência de regimes autoritários
e a existência de tradições autoritárias mesmo nas experiências
democráticas no país.

Para Weffort, os sindicatos tiveram uma atuação intensa


durante o governo João Goulart, eram importantes atores políticos
naquela conjuntura que terminou com o golpe civil-militar de 1964,
mas, de acordo com Weffort, estariam subordinados ao Estado e
mais interessados em fazer política partidária do que emrepresentar
os interesses dos trabalhadores.

Na perspectiva de Leôncio M. Rodrigues e de Francisco


Weffort, a permanência de um modelo corporativista de
organização sindical em uma democracia era um paradoxo. Como

225
História dos Movimentos Sociais no Brasil

explicar a unicidade sindical e a subordinação dos sindicatos


ao Estado em um regime democrático? Se era compreensível a
vigência desta organização no período pós-revolução de 1930 e,
principalmente, durante o Estado Novo, em tempos de crise dos
ideais liberais e democráticos, apogeu dos valores autoritários,
estes motivos não existiam nos anos do pós-guerra, tinha lugar a
redemocratização, a possibilidade de autonomia do movimento
operário e a pluralidade partidária.

No entanto, este modelo permanecerá vigente devido ao


poder dos sindicatos de influir na política nacional de maneira cada
vez maior entre 1945 a 1964. De acordo com Leôncio Martins
Rodrigues, os sindicatos fortaleceram-se enquanto instituição através
da participação no movimento “nacional-populista”, como base
de sustentação do governo João Goulart, principalmente. Nesse
período, para Rodrigues, a atuação dos sindicatos orienta-se para
os conflitos político-partidários, apoiando as lideranças do PTB, mais
do que para resoluções de conflitos entre patrões e empregados. A
tendência do sindicalismo brasileiro a reivindicar junto ao Estado, e
não junto aos empresários, será reforçada, pois, nessa conjuntura,
os sindicatos exigiriam benefícios do governo federal em troca de
apoio político. Datam do início dos anos 1960 as primeiras greves
políticas, em apoio ao governo João Goulart, o que para o autor
é mais um sinal da fragilidade do sindicalismo brasileiro, pois seu
poder de influência na política nacional dar-se-ia sempre mediante
relações de dependência dos poderes públicos.

Nesse sentido, para Leôncio Martins Rodrigues, o aspecto“mais


marcante é a heteronomia da classe trabalhadora, que aparece na
subordinação dos sindicatos ao Estado, na inexistência de partidos
operários de massa, [...] na predominância de ideologias do
populismo e do nacionalismo entre as classes baixas e o proletariado
fabril” (RODRIGUES, 1991, p. 553).

O maior problema do sindicalismo no Brasil seria a falta de


autonomia da classe trabalhadora, sempre se sujeitando a elementos
estranhos à sua formação. Leôncio Martins Rodrigues considera que

226
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

o movimento sindical do período preocupava-seapenas com questões


de política partidária, expressão dodistanciamentoexistenteentre os
dirigentes sindicais e as bases de trabalhadores de cada categoria.

No mesmo sentido, Francisco Weffort destaca-se pelas críticas


à adesão do movimento sindical ao nacionalismo nos anos 50;
considera que a ideologia nacional-populista teve papel fundamental
na formação de alianças entre o governo e a esquerda, entre
trabalhistas e comunistas, entre o PTB e o PCB. Para completar,
Weffort aponta para a ausência de valores democráticos nos partidos
criados em 1945, inclusive no PCB. A isto se deve a aceitação da
estrutura corporativa sindical, pois o importante para o partido
seria a proximidade dos sindicatos com o governo, que garantiria
negociações privilegiadas.

Os estudos marxistas sobre os movimentos


operários

Os estudos históricos sobre o movimento operário e


as esquerdas, produzidos na maioria por cientistas sociais e
historiadores militantes e simpatizantes, são profundamente
marcados pelos debates políticos sobre a própria esquerda. No
final dos anos 1970, havia um debate importante nas ciências
sociais que compreendia tanto a questão democrática como o papel
das estruturas e dos atores sociais na história. Entre os cientistas
sociais brasileiros, Carlos Nelson Coutinho e Francisco Weffort,
ambos marxistas leitores de Antonio Gramsci, serão muito influentes
entre os historiadores. Em 1979, no contexto da liberalização da
legislação partidária e de nova ascensão do movimento operário
na cena política, os dois publicaram ensaios fundamentais tanto
para a reflexão política como para a acadêmica: A democracia
como valor universal e Democracia e movimento operário: algumas
questões para a história do período 1945-1964. Em comum, os
dois intelectuais valorizavam a democracia e procuravam mostrar
aos seus pares que a esquerda brasileira possuía uma concepção

227
História dos Movimentos Sociais no Brasil

instrumental de democracia e da política. Sobre o papel das


estruturas e dos atores sociais, Weffort enfatizava o peso das práticas
políticas e da conjuntura nas transformações históricas:

Embora enfatizasse o papel das estruturas (especialmente


da estrutura de classes) na constituição dos agentes sociais,
Weffort buscava recuperar a dimensão da atuação política
e da conjuntura. Assim propunha que o eixo teórico que
deve pautar a análise da sociedade consiste na identificação
da maneira pela qual as determinações estruturais são
atualizadas nas diferentes conjunturas e como são integradas
pelos atores sociais. A prática política recuperava assim um
papel importante, expressa tanto nas intervenções individuais
quanto nas formas de mobilização e de organização
(FONTES, 1993).

Atende ao Objetivo 2

2. Leia o texto abaixo com atenção:

Em meados dos anos 50, a maioria da esquerda começaria a deixar de lado as restrições
apresentadas em 1948-1950 à organização criada pelo Estado para o controle do
movimento operário, até chegar, em inícios dos anos 60, a aceitá-la com algumas
ressalvas. Neste processo, lento e complicado, mesmo a aceitação era matizada. De
início, a estrutura corporativista era vista como uma circunstância inevitável para o acesso
às bases da classe operária. Depois, especialmente no governo João Goulart, - quando
a esquerda passa a controlar boa parte das ‘organizações paralelas’ e dos sindicatos
assim como vários órgãos da cúpula sindical oficial – a estrutura corporativista começa
a aparecer como um instrumento institucional adequado. Isto pode se inferir menos das

228
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

palavras da esquerda que do silêncio que ela deixa cair sobre as restrições anteriores.
Anote-se, porém, um ensaio de Jover Telles, em seu livro O movimento sindical, em
que a questão do movimento sindical é considerada, abandonando-se as restrições
anteriores, não como a pedra de toque da subordinação dos sindicatos ao Estado,
mas segundo a utilização –boa ou má, honesta ou desonesta – que se poderia dar
aos recursos dele provenientes. Um raciocínio similar pareceria inspirar, a partir de
meados dos anos 50, tanto a participação crescente da esquerda na estrutura quanto o
silêncio que a acompanha com respeito às restrições anteriores. A questão da estrutura
sindical foi, assim, deixando de ser considerada em si mesma, como estrutura, para se
converter na questão de quem a utiliza, de quem a dirige. A estrutura aparecia como
um instrumento que a esquerda usava. E mais: um instrumento passado pela assepsia
do esquecimento e do silêncio e que, portanto, não contaminaria aqueles que dele se
utilizavam” (WEFFORT, 1979, p. 3).

Após a leitura do texto,caracterize as principais críticas do cientista político Francisco Weffort


às práticas das esquerdas em relação à estrutura sindical nos anos 1950.
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Resposta Comentada
Com o fim da ditadura do Estado Novo (1947-1945), havia uma expectativa, por parte
das lideranças operárias de esquerda, de liberalização da legislação sindical. Quer dizer,
considerava-se a extinção do modelo corporativista de estrutura sindical: sindicato único
por categoria, imposto sindical, proibição a filiações políticas e ideológicas. No entanto,
durante os anos 1950, as lideranças sindicais deixaram de lado as críticas ao princípio do
modelo corporativista de subordinação dos sindicatos ao Estado. Naquela conjuntura, parecia
justamente que a proximidade dos sindicatos com o Estado era a única maneira de garantir
direitos aos trabalhadores.

229
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Na luta por direitos: os estudos


sobre movimento operário a partir
dos anos 1980

Em estudo selaborados por sociólogos e historiadores nos


anos 1980, é possível identificar uma nova visão sobre as práticas
de trabalhadores e sindicatos na história do Brasil contemporâneo.
O significado das greves e do movimento operário em geral para
os próprios trabalhadores será o objeto de estudos por excelência,
deixando de se observar apenas as repercussões políticas do
movimento junto ao governo e no cenário da política nacional.

A partir de leituras da obra do historiador marxista inglês E.P.


Thompson, principalmente, pesquisadores percebem a existência e
passam a valorizar as margens de autonomia das iniciativas políticas
dos trabalhadores, mesmo no contexto de uma estrutura sindical
corporativa garantida pela legislação trabalhista vigente desde
os anos 1930. Daí, ressaltarem a importância de se diferenciar o
projeto trabalhista expresso na estrutura corporativa e as diferentes
apropriações do projeto trabalhista expressos pelos operários em
seus discursos e práticas.

A valorização da perspectiva dos trabalhadores sobre as


suas próprias experiências também sugeriu um novo horizonte
de pesquisas nos estudos sobre partidos de trabalhadores. Havia
a clareza de que não era mais possível estudar as organizações
partidárias exclusivamente a partir de diretrizes partidárias
consolidadas em programas e documentos oficiais, de acordos
promovidos pelos dirigentes e das memórias das lideranças. Era
preciso investigar igualmente as relações entre as diretrizes lançadas
pelos dirigentes partidários e as práticas dos trabalhadores.Além
da busca pelo conhecimento da história a partir da visão dos
próprios trabalhadores, a proposta de uma abordagem em história
social elaborada através da diminuição da escala de observação
(REVEL, 1998) se consolidou como uma alternativa para testar as
teses consagradas da heteronomia da classe trabalhadora nacional.

230
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

Os estudos sobre as relações entre Estado, sindicatos e


trabalhadores tiveram suas escalas reduzidas, permitindo a análise
de um número muito maior de variáveis.Os estudos passaram a
analisar as experiências cotidianas dos trabalhadores, não com
um Estado abstrato ou corporificado apenas na presidência da
República. O acesso à documentação das polícias políticas e dos
processos da Justiça do Trabalho possibilitou a investigação das
relações entre os trabalhadores e os agentes do Estado que estão
diretamente em contato com o mundo dos operários: policiais,
detetives infiltrados, funcionários do Departamento Nacional do
Trabalho (DNT).

A partir dos anos 1990, historiadores dedicados aos estudos


sobre movimento operário e sindicatos no Brasil contemporâneo
encontraram nos arquivos das polícias políticas uma documentação
extremamente interessante, através da qual puderam investigar as
relações entre trabalhadores, patrões, sindicatos e a própria polícia.

Os dossiês de militantes e de organizações criados pela


polícia política em suas investigações com panfletos, manifestos,
fichas policiais, depoimentos dos próprios militantes, de testemunhas
e de agentes infiltrados que servira para efetuar prisões e instruir
processos contra os mesmos, atualmente são fontes para o estudo da
movimentação operária nas fábricas e nas ruas. Ainda na década
de 1920, foram criados o Departamento Estadual de Ordem Política
e Social (Deops) em São Paulo e o Departamento de Ordem Política
e Social (Dops) no Rio de Janeiro.

Os relatórios dos policiais doDeops mostram as iniciativas da


própria polícia, os apelos de industriais à polícia durante as greves
e as ações dos próprios trabalhadores. Em 1957, por exemplo, os
policiais redigiram o documento “Observações e Estudos Realizados
sobre a Greve de Outubro” [11/11/1957] [APESP, Deops, 50-Z-
318].Nos dossiês, encontra-se farta documentação que permite o
estudo de uma faceta das relações entre Estado e empresariado
nos anos 1950, a questão muitas vezes negligenciada do papel
da polícia na repressão às greves e a constante presença de

231
História dos Movimentos Sociais no Brasil

agentes policiais infiltrados em várias fábricas para acompanhar a


organização dos trabalhadores a pedido dos industriais.

Os historiadores Antônio Luigi Negro e Fernando Teixeira da


Silva, em estudo sobre as relações entre sindicatos, partidos políticos
e Estado durante a experiência democrática instaurada em 1945,
destacam que, apesar das alianças entre PSD e PTB nas eleições e a
consequente proximidade entre sindicalistas trabalhistas e o governo
federal, o movimento operário manteve-se relativamente autônomo
da orientação dos dirigentes partidários, tendo organizado grandes
greves no período (NEGRO, SILVA, 2003).

Logo em 1946, houve uma explosão operária na cena pública,


contandocerca de 77 paralisações.Em1947, ao mesmo tempo
em que o PCB apoiava o governo, também reivindicavam direito
de greve e tornava-se a terceira maior bancada na Assembleia
Legislativa de São Paulo, contando com 180 mil filiados no país. No
mesmo ano, o presidente Eurico Dutra cassou o PCB. A partir daí,
os pesquisadores identificam uma “virada à esquerda” e a defesa
de greves, o repúdio ao corporativismo, o incentivo aos sindicatos
paralelos e à organização de base, assim como não evitam o
confronto com a polícia.

Em 1950, a campanha de Vargas é muito bem-sucedida ao


defender políticasdesenvolvimentistas, nacionalistas e distributivistas
que respondiam aos interesses dos trabalhadores. A gestão de João
Goulart à frente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
(MTIC), ao mesmo tempo em que presidiam o PTB,ficou conhecida
pela suspensão das intervenções nos sindicatos, pela diminuição
da repressão e da perseguição aos comunistas. Na época, o
ministério do Trabalho era o principal responsável por políticas de
desenvolvimento social, pois compreendia igualmente programas de
habitação popular, controle de preços, distribuição de cestas básicas,
previdência social e planejamento do bem-estar social. O ministro
atendia grande número de dirigentes sindicais, defendia um projeto
nacionalista de reformas sociais e a duplicação do salário-mínimo,
um dos pontos da pauta de reivindicações.

232
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

Em 1953, mesmo nessas circunstâncias, os sindicatos


organizaram grandes paralisações em São Paulo que ficaram
conhecidas como a “Greve dos 300 mil”.Omovimento foi recebido
com simpatia pela população da cidade, sendo o principal ponto
da pauta de reivindicações o aumento salarial devido à carestia.
Na organização, as comissões de fábricas destacaram-se como as
principais responsáveis pelas iniciativas, ultrapassando as direções
sindicais, o que gerou conflitos permanentes entre comissões e
direções sindicais.

O ano de 1953 marcou o início de um período importante


no movimento operário, de 1953 a 1963, foram organizadas
grandes greves em São Paulo, o principal centro industrial do
país. Em 1957, os trabalhadores organizaram um movimento
ainda maior, a “Greve dos 400 mil”, que reuniu em São Paulo
os sindicatos de várias categorias: tecelões, gráficos, vidraceiros,
metalúrgicos e trabalhadores de indústrias de papel. Na pauta de
reivindicações: 45% de reajuste, política anticarestia, direito de
greve.Os historiadores estimam a participação de cerca de 200 a
350 comitês de fábricas entre os metalúrgicos.

De 1959 a 1962, o movimento sindical lutou pelo abono de


Natal, conquistado afinalcom a aprovação da lei do 13º salário
em 1962.Em 1963, as intersindicais organizaram a “Greve dos
700 mil”, compreendendo o centro industrial da capital de São
Paulo, a região dos municípios de Santo André, São Bernardo e
São Caetano, o ABC, assim como as cidades de Santos, Jundiaí,
Campinas, Piracicaba, Ribeirão Preto, Taubaté e São José dos
Campos.As intersindicais reivindicavam a representação de 700
mil trabalhadores, quer dizer, por negociação coletiva (universal) e
não por negociações por empresa (NEGRO, SILVA, 2003).

233
História dos Movimentos Sociais no Brasil

As intersindicais
Desde a lei de sindicalização de 1931, a
legislação proibia a criação de centrais sindi-
cais, organizações que tinham como objetivo
articular sindicatos em todo o território nacional
e consolidarem-se como interlocutores políticos do
governo federal. No entanto, um dos desdobramentos
da realização da Greve dos 300 mil foi a fundação
do PUI (1953-1959). Em 1961, foi criado o Comando
Geral dos Trabalhadores (CGT) [“a aliança nacional-
-reformista se cristalizou no CGT” (NEGRO, p. 71-73).
] Em 1961, “greve da legalidade”; em 1962, greve
por um “gabinete nacionalista e democrático” (p. 73).
Uma das intersindicais atuantes no governo João Gou-
lart foi a Confederação Nacional dos Trabalhadores
da Indústria (CNTI), presidida então pelo sindicalista
ClodsmithRiani, deputado estadual em Minas Gerais
pelo PTB.

Para os historiadores Antônio Luigi Negro e Fernando


Teixeira da Silva, houve renovação sindical significativa no período,
principalmente através da sindicalização fabril, a organização
no local de trabalho, não prevista em lei, com a formação de
comissões de fábricas e a lenta substituição de dirigentes sindicais
“ministerialistas”. Ambos defendem que o voto operário em Vargas
não significava subordinação, o voto no PTB não teria implicado
conciliação, os trabalhadores não deixaram de participar de
grandes movimentos grevistas que pressionaram os sucessivos
governos eleitos pela coligação PSD-PTB. Ao mesmo tempo, os
sindicalistas também usaram sua proximidade com o PTB para
pressionar o governo através de negociações de gabinete.

234
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

Perspectiva de Thompson
A perspectiva teórica de E.P.Thompson conside-
ra que a formação da classe operária compre-
ende não só o mundo da fábrica e do sindicato,
mas as experiências cotidianas de modo geral. As
práticas culturais e as redes de sociabilidade tecidas
na vizinhança, nas associações de moradores de bair-
ro, em clubes de futebol, escolas de samba, tornaram-
-se objeto de estudos (FONTES, 2013).

Os sindicalistas atuaram através das duas estratégias, da


mobilização popular e da negociação com o ministério do Trabalho.
Longe de ser um período de subordinação, portanto, Negro e Silva
consideram que as relações entre trabalhadores, patrões e Estado
devem ser compreendidas a partir da chave do “trabalhismo
reinventado”. Os trabalhadores apropriaram-se da legislação
existente, organizaram-se junto aos sindicatos, reivindicaram
o cumprimento da CLT e ainda criaram comissões locais e
intersindicais. Para os autores, as relações entre os sindicalistas
e o Estado naqueles anos, longe de reproduzirem subordinação,
expressam “uma república a serviço dos trabalhadores”:

Nem marginais nem demagógicos cabos eleitorais. O


fenômeno da aliança entre trabalhistas, nacionalistas
e pecebistas constituiu-se com base nessa sensação de
pertencimento da classe operária a um projeto nacional-
reformista. E contra isso armou-se um golpe de Estado em
abril de 1964. (NEGRO, SILVA, 2003, p. 88).

235
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Caso você queira saber mais sobre aConso-


lidação das Leis do Trabalho (CLT), acesse o
link abaixo:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/
Del5452.htm

A importância de Jean Manzon para a


memória documental do Brasil
O fotógrafo e cineasta francês Jean Manzon,
radicado no Brasil desde os anos 1940, dedicou-se
durante décadas ao fotojornalismo e à realização de
filmes institucionais. Durante o Estado Novo, trabalhou
no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e,
posteriormente, na Agência Nacional, dirigindo filmes
sobre as iniciativas dos governos de Getúlio Vargas e
Juscelino Kubitschek, como a criação da Petrobrás e a
construção de Brasília. O cineasta também produziu
filmes para indústrias de automóveis e tratores, como
Dana e Caterpillar. Em 1964, Jean Manzon lançou
“Uma indústria que lidera o progresso. Linha de monta-
gem”, sobre a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e
seus trabalhadores. Vale a pena conferir, a FNM inves-
tiu justamente na divulgação de uma imagem do “bom
trabalhador” e da “boa direção fabril”, procurando
mostrar o clima de harmonia e o “espírito de comuni-
dade” existente, ao mostrar que oferecia aos trabalha-
dores muitos benefícios, como moradia, lazer, escola,
serviços médicos, entre outros, uma representação muito
distante das experiências de tensões de classe,

236
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

reivindicações e greves organizadas pelos operários


entre 1945 e 1964. A narração do documentário é
um exemplo do mito da índole cordial e pacífica do
trabalhador nacional. Os discursos de muitos indus-
triais possuíam um sentido senhorial; consideravam-se
provedores de bem-estar social e sentiam-se traídos
quando os operários de suas empresas realizam para-
lisações ou reclamavam outros direitos.

Ficha técnica:
Uma indústria que lidera o progresso. A linha de mon-
tagem.
Ano: 1964. Direção: Jean Manzon. Duração: 9 minu-
tos. Filme: P&B.
Produção: Atlântida/Jean Manzon.
https://www.youtube.com/watch?v=NljDiTRhBqU

Os documentários e fotorreportagens de Jean Manzon


têm sido objeto de estudos de teses e dissertações;
uma sugestão é o artigo de Maria Leandra Bizello:
BIZELLO, Maria Leandra. Imagens de convencimento:
cinejornais efilmes institucionais nos anos JK. ArtCultu-
ra, Uberlândia, v. 11, n. 18, p. 43-58, jan.-jun. 2009.

CONCLUSÃO

Os estudos recentes sobre sindicatos de trabalhadores têm-


se mostrado um campo fértil para investigar as relações entre
trabalhadores, Estado e partidos políticos, principalmente,à medida
que incentiva abordagens na escala humana, procurando conhecer

237
História dos Movimentos Sociais no Brasil

a perspectiva dos trabalhadores como sujeitos históricos. Nesse


sentido, as fontes para a pesquisa na área também mudaram; desde
os anos 1990, se consolidou o uso de documentação apropriada
para tanto, como processos judiciais e entrevistas de história oral que
compreendem depoimentos e memórias dos próprios trabalhadores
sobre suas trajetórias de vida e militância política.

Atividade Final

Atende ao objetivo 3

Leia com atenção o trecho do depoimento do sindicalista ClodsmithRiani, presidente da


Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) durante o governo João
Goulart, à historiadora Lucília de Almeida Neves Delgado. Caracterize as relações entre
estado e trabalhadores a partir das memórias de Riani:

Nós fomos do PTB, Getúlio Vargas era respeitado por nós, os trabalhadores, os
operários, porque um dia ele se lembrou da nossa classe. Continuamos muito respeitosos
e agradecidos a ele. Mas os tempos mudaram e nós começamos a querer mais um pouco:
a CGT, o direito de falar junto ao governo sobre nossos interesses, o direito de greve.
O PTB podia falar por nós, defender as reformas de base, o nosso salário. Mas você
imagine bem: nós, do movimento sindical, também fizemos parte do PTB. No governo
João Goulart, como dirigentes sindicais, com membros do PTB e alguns companheiros
que eram do PCB, frequentávamos a antessala do Ministério do Trabalho e até a de
Jango. Nós participamos e influímos nas decisões do governo, até vetamos ministros.
Até decidimos sobre administração da previdência. [...] Nós fomos ao Congresso
Nacional [...], nós sonhamos e levamos nosso sonho lá dentro do governo. E aí tinha
gente que não queria os trabalhadores tão perto do poder. E aí veio o golpe. E aí
acabou o PTB, a CGT [...]. Nós nunca estivemos tão perto e tão longe das reformas de
base (DELGADO, 1989, PP.288-289)

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238
Aula 7 – A experiência democrática e os sindicatos de trabalhadores (1945-1964)

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Resposta Comentada
Em primeiro lugar, é interessante notar que ClodsmithRiani narra um processo de transformação
nas relações entre os trabalhadores e o presidente Getúlio Vargas. Em segundo lugar, tece
homenagens ao presidente que, naquele processo, tornou-se símbolo do reconhecimento dos
direitos sociais pelo Estado brasileiro, mas destaca que os trabalhadores procuraram ampliar seus
direitos através de estratégias variadas, como a greve, a participação em partidos políticos, a
organização de intersindicais e a negociação junto ao Ministério do Trabalho. Afinal, lembra a
conjuntura anterior ao golpe de 1964. De certa maneira, Riani mostra uma dinâmica nas relações
entre Estado e trabalhadores: o papel fundamental do Estado no processo de institucionalização
de direitos sociais e o reconhecimento desse fato pelos trabalhadores. No entanto, destaca que
a gratidão não significou tutela, pois os trabalhadores continuaram a reivindicar novos direitos
e participação nos processos decisórios.

RESUMO

Desde a primeira República (1989), o movimento operário


reivindicava que o Estado regulamentasse as relações entre partidos
e empregados, garantindo direitos aos trabalhadores. Após a
Revolução de 1930, o Estado aprovou sucessivas leis nesse sentido;
no entanto, a nova legislação, a lei de sindicalização (1931), impôs
o modelo corporativista de organização sindical. De 1945 a 1964,

239
História dos Movimentos Sociais no Brasil

o Brasil republicano possuía um sistema político democrático e uma


estrutura sindical corporativista. Na controvérsia relativa aos estudos
sobre sindicatos no Brasil, cientistas políticos e sociólogos, nos anos
1960 e 1970, principalmente, viam nessa experiência uma enorme
contradição e um obstáculo ao desenvolvimento do movimento
operário. A partir dos anos 1990, historiadores têm demonstrado
que, mesmo sob uma estrutura corporativista, houve um movimento
sindical bastante atuante, independentemente da proximidade com
lideranças partidárias e autoridades de Estado.

240
Aula  8
Movimentos
camponeses
na experiência
democrática de
1945 a 1964
(primeira parte)
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta da aula

Estudar movimentos camponeses que se desenvolveram durante o período compreendido


entre a queda de Getúlio Vargas (1945) e a deposição de João Goulart (1964).

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. analisar a atuação das Ligas Camponesas, em sua luta por reforma agrária;
2. reconhecer a atuação do Movimento dos Agricultores Sem Terra no Rio Grande do Sul,
tendo em mente sua interação com o governo estadual, bem como as oposições desenca-
deadas por frações da Igreja Católica, que com ele competiam pelo apoio dos trabalha-
dores rurais.

Pré-requisito

Para melhor compreender esta aula, é importante acompanhar atentamente a Aula 5.

242
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Introdução

Camponeses ou trabalhadores rurais?

O período que se abre no Brasil com a crise do Estado


Novo em 1945 e se encerra com o golpe civil-militar que depõe o
presidente João Goulart em 1964 é extremamente rico em termos
de mobilização dos trabalhadores do campo. Este período é
comumente chamado República Populista, posto que para a maioria
dos estudiosos, como Francisco Weffort, teria havido um pacto
entre a oligarquia agrária, a burocracia de Estado e a burguesia
industrial, no qual se aceitava oferecer alguns benefícios ao operário
em troca da exclusão do campesinato. Assim, os proprietários de
terras, embora perdessem com a tributação de suas exportações,
conservariam a dominação sobre as massas rurais, enquanto os
industriais ganhavam com a ampliação do mercado interno, já
que os operários, com maior poder aquisitivo, passavam a ser
consumidores.

Entretanto, autores como Jorge Ferreira recordam que essa


experiência foi a mais democrática que o país já tinha conhecido,
na medida em que a mobilização de setores anteriormente excluídos
acabaria trazendo benefícios para eles. Em minha avaliação,
os camponeses começam a ser visíveis como setor social nesse
momento, quando se organizam em sindicatos, associações,
ligas. Se no período da ditadura varguista houve um esforço da
burocracia estatal no sentido de incorporar os trabalhadores ao
desenvolvimento capitalista do país, à sua maneira eles responderam
à convocação do governo via cartas. O período que estudaremos
é o da emergência de movimentos que em diversos pontos do país
questionaram, como nunca antes, o monopólio da propriedade da
terra e as relações de poder no meio agrário, demonstradas nas
condições de trabalho extremamente precárias, nas quais, em geral,
predominava a vontade do patrão.

243
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Neste momento é que o termo "camponês" ganha toda a sua


significação como categoria política, que aponta para a noção de
quem se mobiliza pela terra ou por melhores condições de trabalho.
Para muitos autores, não existiria no Brasil o camponês clássico
Chayanov como o estudado por Chayanov, ou seja, o pequeno produtor
Alexander Chayanov
independente, que gera bens para o mercado sem a mediação do
foi um sociólogo e
economista russo patrão.
que, estudando
as condições dos
camponeses de seu
país, defendeu que a
terra fosse transferida
para os camponeses
e que eles decidissem
sobre a melhor
maneira de trabalhá-
la. Foi contrário ao
plano de Joseph Stalin,
ditador soviético,
de coletivizar as
terras, isto é, deixá-
Figura 7.1: No Brasil, não existiria o camponês clássico, como o estudado por
las sob controle do
Alexander Chayanov.
Estado. Chayanov foi Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Chaianov_Alex_Vas.jpg?uselang=ru
acusado pela polícia
política de criar um
partido camponês e
condenado a trabalhos Também não se pode pensar no camponês brasileiro como
forçados nos campos aquele que vem diretamente do feudalismo europeu em relações
de concentração
de servidão com o grande proprietário, embora a relação de
soviéticos.
dependência por dívida que existe até hoje Brasil afora possa ser
equiparada por muitos a uma condição servil.

244
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Dependência por dívida


Em muitos lugares do Brasil, o trabalhador rural
é contratado e levado para trabalhar em outros
estados. Chega devendo a passagem, e tudo o
que consome – alimentação, roupa, instrumentos,
morada – é contado como dívida. Seu salário é insu-
ficiente para pagar, e se ele tenta deixar a proprieda-
de, milicianos armados impedem-no ou o assassinam.

Poderíamos então utilizar a expressão "trabalhador rural",


que é mais ampla e engloba assalariados, parceiros, arrendatários,
posseiros e tantas outras categorias de cultivadores do solo
subordinados ao proprietário rural. Entretanto, o termo "camponês",
tanto no Brasil como na América Latina do momento estudado, nos
aponta para um dado grau de mobilização política, de luta pela
terra, de questionamento da ordem estabelecida. Camponês é,
neste momento, aquele que se mobiliza pela terra ou por melhores
condições de vida.

Desta maneira, entendemos que o termo "camponês", para


o período que estamos analisando, é o mais adequado, pois deu
visibilidade a tantas lutas anteriormente ignoradas na sociedade
brasileira, além de ser utilizado pelos contemporâneos.

Devido à importância social de vários movimentos ocorridos


neste período, optamos por dividir este tema em duas aulas. Nesta
aula, refletiremos sobre a ação das ligas camponesas, desde as
primeiras experiências realizadas pelo PCB em seu período de
legalidade até a desagregação destas organizações após o golpe
civil-militar de 1964.

245
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Posteriormente, discutiremos o desenvolvimento do Movimento


dos Agricultores Sem Terra, que atuou no Rio Grande do Sul entre
1960 e 1964, sendo a primeira entidade camponesa a contar com
o apoio de um governo estadual.

Na Aula 9, analisaremos duas outras categorias de


movimentos: aqueles que atuaram na luta de posseiros, que tentavam
permanecer na terra que cultivavam, e os que buscaram organizar
sindicatos rurais, visando principalmente à melhoria das condições
de trabalho no campo.

Ao final das duas aulas, teremos um panorama das lutas


camponesas do período, observando que o golpe civil-militar
embora interrompesse um processo em pleno desenvolvimento, não
conseguiu varrer da memória dos camponeses as mobilizações do
momento estudado.

As Ligas Camponesas

Figura 7.2: Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas.

246
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Fonte: http://www.onordeste.com/administrador/personalidades/
imagemPersonalidade/aa211694a72579c71d95d185e2517cb717.jpg

Ao contrário do que afirma a maior parte da historiografia,


as ligas camponesas não nasceram no Engenho Galileia, localizado
em Vitória de Santo Antão, no estado de Pernambuco, em 1955.
(MEDEIROS, 1989, p. 64). As primeiras ligas camponesas foram
estruturadas pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) depois
de retornar à legalidade, em 1945. Mas o que era uma liga
camponesa? A legislação da época dificultava muito a organização
de um sindicato rural, exigindo que fosse reconhecido pelo Ministério
do Trabalho, o que para os trabalhadores do campo era difícil, já
que os fazendeiros não aceitavam sindicatos em suas fazendas. A
liga era uma associação registrada em cartório e, diferente de um
sindicato, não atendia todos os trabalhadores de um município,
só os associados. Logo, organizar uma liga era mais fácil: era só
reunir um pequeno número de camponeses e conseguir sua adesão.
Mesmo os analfabetos podiam participar, bastando que alguém
assinasse por eles.

Figura 7.3: Vitória de Santo Antão.

247
História dos Movimentos Sociais no Brasil

PCB
O Partido Comunista do Brasil, primeiro partido
político a levantar a bandeira da reforma agrá-
ria ainda nos anos 1920, foi criado em 1922
como uma seção da Internacional Comunista.
Naquele tempo, os partidos comunistas tinham sempre
o nome Partido Comunista seguido do nome do país
onde atuavam. O PCB foi logo declarado ilegal em
julho de 1922 e só teve um outro período de legalida-
de entre janeiro e agosto de 1927. Em abril de 1945,
foi legalizado, mas seu rápido crescimento assustou os
setores dominantes e em 1947 voltou à ilegalidade.
Em 1961, a maioria do PCB, buscando o retorno do
partido à legalidade, decidiu mudar o nome para Par-
tido Comunista Brasileiro, para driblar a legislação,
que acusava a expressão “do Brasil” como denotativo
de um partido estrangeiro. Contudo uma dissidência
liderada por elementos, como o ex-deputado João
Amazonas, resolveu criar o PC do B, Partido Comunis-
ta do Brasil. Os dois partidos existem até nossos dias,
mas quando usarmos PCB estaremos nos referindo
ao Partido Comunista do Brasil, até 1961, e depois
estaremos falando em Partido Comunista Brasileiro
(PANDOLFI, 1995, 124-126).
Fonte: http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Ficheiro:Hammer_and_
sickle.svg&page=1

Estas organizações desenvolveram-se em vários pontos do


país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e em regiões de Goiás e
do Paraná. De acordo com Clodomir de Morais, as ligas não tinham
tanto enraizamento no meio agrário, sendo muito mais uma forma
de o partido construir uma base eleitoral sólida, num processo de
rápida expansão. Contudo, esta visão deve ser questionada, pois
Morais é um dissidente do partido que vai estar extremamente ativo

248
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

na organização das ligas a partir de 1955. Assim, possivelmente tem


o objetivo de desqualificar o que se fez anteriormente ao trabalho
que ajudou a dinamizar.

Uma das experiências mais bem-sucedidas foi a Liga de


Iputinga, no Recife. A liga conseguiu não só arrendar terrenos junto
à Prefeitura como organizar uma feira, fazendo concorrência aos
comerciantes locais. Logo estes comerciantes exigiram a repressão
sobre a liga e foram atendidos.

Com a cassação do registro do PCB, em 1947, o trabalho


das ligas sofre fortíssima repressão, com a prisão de líderes e o
fechamento das entidades pelo governo de Eurico Dutra e as polícias
estaduais.

O governo Eurico Dutra


O governo do presidente Eurico Dutra (1946-
1951) alinhou-se claramente aos Estados Unidos
no confronto deste país com a União Soviética,
conhecido como Guerra Fria. Logo pressionou o
Tribunal Superior Eleitoral para declarar ilegal o PCB,
acusando-o de ser um partido soviético.

Figura 7.4: “Bem-vindo, presidente Dutra”, diz a mensagem durante


sua visita aos Estados Unidos.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Boavin2.jpg

249
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Renascimento das ligas

Entretanto, o trabalho das ligas não foi inteiramente destruído.


A Liga de Iputinga servira de estímulo para a criação de outras
em algumas cidades de Pernambuco. José dos Prazeres e Paulo
Travassos, antigos dinamizadores das ligas do período 1945-1947
estariam na direção da Liga de Galileia, a primeira das muitas que
surgiriam a partir de 1955.

A história consolidada sobre a liga do Engenho Galileia, que


se localizava em Vitória de Santo Antão, dá conta de que era uma
sociedade, que se organizaria a partir de 1955 para prestar socorro
Foreiro aos foreiros do engenho, entre outras coisas, quando precisassem
É aquele que
enterrar seus mortos. Para uma sociedade assim de fins tão locais seu
pagava uma renda
em dinheiro para
nome era bastante pomposo: Sociedade Agrícola dos Plantadores
poder permanecer e Pecuaristas de Pernambuco. Isso provavelmente indica que seus
no engenho e ter objetivos iam muito além da ajuda que os foreiros deveriam receber.
acesso a um pedaço
de terra. Também A sociedade foi fundada sob a direção de José dos Prazeres, e
era conhecido como o dono do engenho foi convidado para ser seu presidente de honra.
morador. O foreiro,
Rejeitou a honraria e entendeu logo que a organização só podia
além do pagamento
em dinheiro, ser “coisa de comunista”. Isso significava que o poder do dono do
tinha de trabalhar engenho estava sendo contestado.
gratuitamente alguns
dias ao mês nas terras Logo após a fundação da sociedade agrícola em Galileia, o
do patrão, para poder dono do engenho ameaçou os camponeses de expulsão, aumentou
ficar no engenho. o foro e estabeleceu contatos com a polícia local.
Este trabalho gratuito
é conhecido como Diante da repressão, a sociedade agrícola foi transferida para
cambão. Recife, e os “galileus”, como ficaram conhecidos, ganharam uma
comissão em seu favor na Assembleia Legislativa de Pernambuco,
unindo deputados de vários partidos que se opunham ao governo
estadual do general Osvaldo Cordeiro de Farias, do Partido Social
Democrático (PSD).

250
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

PSD
Ao final do Estado Novo, os interventores
estaduais nomeados por Getúlio Vargas criaram
o Partido Social Democrático (PSD), que unia nos
diversos estados os grandes proprietários rurais.
Eram uma forte barreira contra a reforma agrária e a
extensão da legislação trabalhista ao campo.

Criou-se em 1956 o Conselho Regional das Ligas Camponesas.


As ligas foram organizadas nas principais cidades da Zona da
Mata pernambucana, área marcada pelo domínio dos grandes
engenhos de açúcar. A liga localizava-se no centro da cidade e
nos engenhos existiam as delegacias, ou seja, as representações
locais. Conforme o advogado de camponeses e deputado estadual
do Partido Socialista Brasileiro (PSB) Francisco Julião, se o dono Francisco Julião
Nascido em Recife em
de engenho tinha a sua delegacia, ou seja, a delegacia de polícia,
1915, foi advogado
agora o camponês tinha a dele, e assim perdia o medo. de camponeses
durante os anos
1940-50. Elegeu-se
Expansão das ligas deputado estadual
pelo PSB em 1954
Já no ano de 1955 realiza-se o congresso camponês de e 1958 e deputado
federal em 1962. Com
Pernambuco. No ano seguinte, uma greve geral que conta inclusive
o golpe militar, teve de
com o apoio dos industriais descontentes possibilita que o movimento exilar-se no México,
camponês ganhe visibilidade. A ação das ligas combina luta jurídica em 1965. Voltou

e mobilização política. Luta jurídica significava levar o fazendeiro ao país em 1979


e candidatou-se a
ao fórum, por exemplo, para pagar o que devia ao camponês ou
deputado constituinte,
impedir que este fosse expulso da terra. Ainda que o camponês em 1986, pelo
não fosse vitorioso, o fato de um proprietário sentar-se diante dele Partido Democrático
Trabalhista, mas não
foi eleito. Voltou para
o México, onde morreu
em 1999.

251
História dos Movimentos Sociais no Brasil

na frente do juiz, numa sociedade altamente hierarquizada como


a pernambucana, já era uma revolução. A mobilização política
fazia-se nas manifestações de rua, buscando ganhar o apoio de
outros setores sociais.

Em 1958, no Treze de Maio, realiza-se grande passeata no


Recife, comemorando os setenta anos do fim da escravidão, mas
exigindo também a abolição do cambão.

Neste mesmo ano, as oposições que agregavam a União


Democrática Nacional (UDN), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o
PSB e o PCB conseguem levar Cid Sampaio ao governo do estado. O
ano seguinte seria extremamente importante para as ligas. Realiza-se
o Congresso de Lavradores, Trabalhadores Agrícolas e Pescadores
de Pernambuco. Após anos de luta, o governador desapropriava o
Engenho Galileia e criava a Companhia de Revenda e Colonização,
para administrar o engenho e realizar novos projetos. A vitória das
ligas, que agora atingiam cerca de quarenta municípios no estado,
atraiu atenção nacional para o movimento. O jornal O Estado de S.
Paulo, órgão ainda hoje muito vinculado aos setores proprietários
de terras, escandalizava-se ante a desapropriação. Afinal, se
os camponeses tinham conquistado a terra pela mobilização, os
operários mais tarde poderiam querer as fábricas. A revolução era
assim, exclamava o editorialista. E o clima parecia favorável mesmo
para a revolução. Naquele ano de 1959, os guerrilheiros de Fidel
Castro chegaram a Havana.

252
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

A luta pelo poder na Revolução


Cubana
Após a tomada do poder, Fidel Castro, Raúl, seu
irmão, e o argentino Ernesto Che Guevara utiliza-
ram dois instrumentos importantes para garantirem
o poder: a reforma agrária e a melhoria nas condi-
ções de vida imediata dos trabalhadores, para garan-
tir seu apoio e o terror contra todos os que fossem do
regime anterior ou que discordassem dos novos rumos
do país. O fuzilamento foi prática bastante adotada
nos primeiros meses da revolução, já que Che tinha
assistido ao pacífico governo da Guatemala, que tam-
bém fizera uma reforma agrária, ser derrubado por
um sangrento golpe militar, apoiado pelos EUA, em
1954. O fuzilamento tinha um valor pedagógico.

Figura 7.5: Raúl Castro (irmão de Fidel) e Che Guevara.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Raulche2.jpg

253
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Não tinham sido camponeses, muitos dos quais cortadores


de cana, a base de massa de seu movimento? Quatro meses depois
de chegar ao poder, o governo realizava uma profunda Reforma
Clodomir de Agrária, expropriando bens de companhias estrangeiras e também
Morais cubanas.
Nascido em Santa
Maria da Vitória
(Bahia), foi jornalista
Expansão nacional das ligas e a influência
em São Paulo e depois
cubana
cursou Direito em
Pernambuco. Elegeu-
se deputado estadual A Revolução Cubana foi, em toda a América Latina, um
pelo PTB em 1954 e divisor de águas. Para os setores de esquerda, fossem moderados
foi importantíssima
ou radicais Cuba era a vitória possível contra o imperialismo
liderança das ligas
camponesas. Após
estadunidense e o latifúndio. Para os grupos conservadores das
o golpe de 1964, sociedades latino-americanas, ela era a derrota temível diante do
foi preso por dois comunismo, com o principal fantasma que este regime mostrava: o
anos e partiu para o
confisco de propriedades.
exílio. Seu trabalho de
organizador das ligas Já em 1960, um núcleo da Liga liderado por Francisco Julião
valeu-lhe empregos na
e o também deputado estadual Clodomir de Morais foi à Havana
qualidade de consultor
da Organização e voltou de lá impactado com a revolução. A reforma agrária era
Internacional do feita rapidamente e a Ilha, pressionada pelo poder norte-americano,
Trabalho e na
prometia resistir.
Organização das
Nações Unidas, e A partir da vitória de Galileia outro fenômeno desenvolvia-se:
depois participação
as ligas passavam a se expandir para outros estados. Inicialmente,
como assessor em
Paraíba e Rio Grande do Norte, mas logo quadros pernambucanos
projetos de reforma
agrária em países iriam para Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul
como Nicarágua e e Goiás.
Angola.
Do ano 2000 Essa expansão deveu-se além do sucesso da experiência de
em diante, voltou Galileia a um outro fator: embora as ligas originalmente fossem
definitivamente ao
fundadas por dissidentes do PCB, sua natureza aberta possibilitava
Brasil, tornando-se
professor universitário que militantes do partido participassem na organização. Estes
e dirigindo projetos de militantes passaram a entender que, ao contrário do que a
geração de emprego direção comunista sustentava, a reforma agrária não poderia estar
e renda em vários
subordinada à luta contra o imperialismo norte-americano. Tendo
países, além de ter
conexões com o MST. suas teses derrotadas no V Congresso do PCB, realizado em 1960,

254
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

este setor, onde o deputado estadual Clodomir de Morais destacava-


se, começa a pensar na necessidade de criar uma organização
independente do partido. Daí, no fim de 1960, gera-se o Conselho
Nacional das Ligas Camponesas do Brasil e busca-se a expansão.
A atuação das ligas seria bem-sucedida na Paraíba, com a
organização de entidades como as de Sapé e Mamanguape, sendo
a primeira considerada a maior do Brasil, liderada por João Pedro
Teixeira. Em 1962, Teixeira seria assassinado por fazendeiros locais,
atraindo a atenção internacional para as ligas nordestinas. Contudo,
em outros estados, a ação das ligas não seria tão efetiva, havendo
organizações muito pequenas, como as do Rio Grande do Sul.

Figura 7.6: Sapé.

Figura 7.7: Mamanguape.

255
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Um esquema guerrilheiro?

Em processo de expansão, o grupo de Clodomir de Morais


passa a pensar num esquema guerrilheiro. Enquanto Francisco
Julião defendia o que se chamava reforma agrária radical, mas
não rompia ainda com o modelo político vigente no país, Clodomir
passava a recrutar guerrilheiros e tentar obter o apoio de Cuba para
a organização de campos de treinamento.

O recrutamento seria facilitado a partir de novembro de


1961, quando se realizou o Primeiro Congresso de Lavradores
e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, que discutiremos mais
aprofundadamente na Aula 9. Por enquanto, o importante é notar
que a fala de Julião – “Reforma agrária na lei ou na marra! Com
flores ou com sangue!” – mobilizou o congresso.

Figura 7.8: “Reforma agrária na lei ou na marra! Com flores ou com sangue!”
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/730668

Desse momento em diante, as ligas separam-se definitivamente


do PCB, mas dentro da organização dá-se uma fratura. Francisco
Julião, ainda que fizesse discursos louvando a Revolução Cubana,
como fez ao lançar o Movimento Tiradentes, em Ouro Preto, em 21

256
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

de abril de 1962, buscava participar da disputa eleitoral, sendo


candidato a deputado federal e indicando candidaturas a deputados
na Bahia, Paraíba e Paraná.

Movimento Tiradentes
O Movimento Tiradentes foi uma organização
que Francisco Julião lançou em 1962, com o ob-
jetivo de unificar grupos que desejavam acelerar
o processo de reformas proposto pelo presidente
João Goulart. Seu impacto foi muito reduzido.

Já o grupo de Clodomir criava o dispositivo militar, em tese


para preparar os camponeses para resistir a um iminente golpe
militar. Os campos seriam organizados em vários pontos do país,
como oeste do Paraná, Petrópolis, Acre e Bahia. Os mais importantes
seriam em Goiás: Dianópolis, Natividade e Rialma.

O apoio cubano viria a partir de pequenos carregamentos


de armas.

Figura 7.9: Rialma.

257
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Tocantins
A região norte de Goiás separou-se do estado
em 1988, para constituir o estado do Tocantins,
onde hoje se localiza Dianópolis.

Figura 7.10: Dianópolis.

As ligas viveram no ano de 1962 uma profunda crise. Os


campos de treinamento não se estruturavam e nem se podia pensar
em autodefesa, como dizia Clodomir, muito menos em revolução.
Para os “militares” da organização, era um absurdo tanto dinheiro
gasto na campanha eleitoral de Julião, que foi malsucedida, já que
foi o último nome da lista do PSB com apenas quatrocentos votos.
Para uma campanha que mobilizara tantos recursos, era muito
pouco, lembrando que os candidatos de Julião em outros estados
não foram eleitos.

258
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Além disso, mesmo nas áreas de sua atuação primitiva, as


ligas sofriam agora a competição do PCB e da Igreja Católica, que
buscavam sindicalizar tanto os assalariados, que as ligas tinham
deixado um tanto de lado, como os foreiros e demais cultivadores.

Em novembro de 1962, o campo de Dianópolis foi descoberto


pela Marinha e a Associação Goiana de Trabalhadores do
Campo, criada pelas ligas, fechada. Sofrendo a cisão entre o que
chamaríamos uma ala militar e sua ala civil, perdendo tanto no
plano eleitoral como no armado, a direção de Julião recuou para
o Recife, tentando reorganizar o movimento, ainda que seu jornal,
A Liga, continuasse funcionando no Rio de Janeiro.

Jornal A Liga
Criado em 1962, o jornal expressava o pensa-
mento de dirigentes das ligas camponesas e era
editado no Rio de Janeiro. Com o golpe militar,
foi tirado de circulação.

As ligas tinham se reduzido bastante, embora um documento


do Exército do segundo semestre de 1963 ainda dê conta de sua
presença em lugares tão distantes quanto o Amazonas e o Pará.
Mas vale salientar que o movimento, embora conseguisse se manter
centralizado, quando limitado a Pernambuco, agora era ramificado
e nem sempre o nome "liga camponesa" significava subordinação
ao comando de Recife.

Recomposição e crise final

A tentativa de reestruturação das ligas leva à criação, no início


de 1963, do Movimento Unificado da Revolução Brasileira, que

259
História dos Movimentos Sociais no Brasil

não conseguiu coordenar suas ações. Enquanto isso, Miguel Arrais,


prefeito do Recife pelo PSB, chegava, com o apoio do movimento
operário e camponês, ao governo do estado. Julião aceitava a
postura de Arrais de levar ao campo a legislação trabalhista mas a
considerava reformista, algo muito mal visto por alguém que, como
ele, pensava-se como um revolucionário.

Reformistas e revolucionários
No campo da esquerda, durante o século XX,
havia duas posturas principais: a dos reformistas
e a dos revolucionários. Os primeiros pregavam
que, para alcançar o socialismo, era possível ir
reformando lentamente o capitalismo. Já os segundos
sustentavam que o capitalismo não era reformável e,
portanto, tinha de ser destruído para que o socialismo
pudesse ser implantado.
Julião considerava a proposta de Arrais reformista e a
entendia como negativa, porque conservaria o con-
trole da terra com o senhor de engenho, em vez de
realizar a reforma agrária.

As ligas mobilizavam agora também assalariados em greves


e começavam a realizar uma forma de luta que ficaria famosa a
partir dos anos 1980: a ocupação de terras como as do Engenho
Coqueiros e, às vésperas do golpe civil-militar, as do Engenho Serra.

Em outubro, eram relançadas as ligas camponesas do Brasil;


em janeiro de 1964, anunciava-se para junho a realização de um
congresso. Vale salientar que neste momento as ligas tinham uma
representatividade muito menor do que no período do Congresso

260
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

de Belo Horizonte. Participaram de forma subordinada na greve


geral dos canavieiros de 1963, que arrancou importantes benefícios
para os trabalhadores, e quando a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag) foi organizada em dezembro
de 1963, as ligas não participariam da primeira diretoria.

Dirigentes das ligas pretendiam criar um partido agrário onde


existissem uma organização de massas, da qual todos pudessem
participar (havia ligas urbanas, de estudantes, femininas etc.) e uma
organização política, que se prepararia militarmente. Contudo, em
10 de abril de 1964, sobreveio o golpe civil-militar, e o Recife seria
um dos focos mais importantes da repressão. Segundo Clodomir
de Morais, militantes das ligas ainda conseguiram ocupar a já
histórica Vitória de Santo Antão como ato de resistência ao golpe.
No entanto, a fuga de Jango e a prisão de Arrais impossibilitaram
qualquer forma de luta.

O golpe civil-militar de 1964


O pretexto para o golpe era a “comunização”
do país, que estaria em marcha com a conivên-
cia do governo João Goulart. Na prática, o que
estava ocorrendo era a mobilização de setores que
as elites não reconheciam ter direito a se mobilizar.
Operários articulados no comando-geral dos trabalha-
dores, marinheiros que se rebelaram no fim de março
e os camponeses, que se organizavam em vários
pontos do país. Assim o golpe priorizou a repressão
sobre os movimentos camponeses, tendo os fazendei-
ros mãos livres para torturas e mesmo assassinatos.

261
História dos Movimentos Sociais no Brasil

As ligas seriam rapidamente destruídas, sendo conhecida a


história de dona Elizabete Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira,
que teve de se exilar no interior do Rio Grande do Norte por mais
de dezessete anos, tornando-se mais tarde o principal depoimento
do filme Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho.

Filme: Cabra marcado para morrer


(1984)
O filme era um projeto do diretor Eduardo Cou-
tinho sobre as ligas de Galileia e Sapé e sobre
a vida do líder camponês João Pedro Teixeira,
que havia sido assassinado em 1962. Porém, o filme
teve de ser interrompido por ocasião do golpe militar
de 1964, sendo parte da equipe do filme presa sob
alegação de práticas comunistas.
Eduardo Coutinho só pôde retomar o filme quase 20
anos depois e conta com os depoimentos de Elizabeth
sobre o que aconteceu com ela nesses anos todos.
Caso você tenha dificuldade para achar esse filme,
poderá vê-lo através deste link: http://www.youtube.
com/watch?v=P2WmDsKuooA

Se o movimento das ligas foi rapidamente desmobilizado,


sua memória seria reapropriada por lideranças como João Pedro
Stedli nos anos 1980. Segundo ele, o contato que teve com Julião
em seu exílio mexicano teria sido fundamental para sedimentar a
necessidade de retomada da luta pela terra no país.

262
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

As manifestações dos militantes das ligas, as ações jurídicas


de Julião, que encorajava o camponês a levar aos tribunais o senhor
de engenho, que jamais fora contestado, colaboravam para que
o tema agrário ganhasse visibilidade na sociedade e não fosse
apenas objeto de esparsos estudos acadêmicos. Entretanto, outros
tipos de lutas seriam visualizados, e o Rio Grande do Sul seria um
importante centro de movimentos rurais no mesmo momento de
ascensão das ligas.

Atende ao Objetivo 1

1.

A tua liberdade, camponês, depende da tua união. A tua união depende da tua vontade.
E a tua vontade depende da tua necessidade. Porque a necessidade cria a vontade.
A vontade cria a união. E a união cria a liberdade.

Quem tem liberdade tem o trabalho. E quem ama o trabalho merece a terra. Porque a
terra deve ser de quem nela trabalha. Terra é sossego, é paz, é pão, é água, é casa,
é agasalho, é escola, é saúde e é vida.

É justo que cada 2 brasileiros de 60 que moram no campo tenham terra e os outros
58 não fiquem com um naco? Não é justo. O justo é que haja um pedaço de terra
para cada um deles. [...]

263
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Que é preciso fazer para ganhar um pedaço de terra? A reunião de todos os que não têm
terra. Essa união pode ser feita porque depende da vontade de cada um. Essa vontade
existe porque é filha da necessidade. E a necessidade é coisa que todo mundo sente.

[...] Que é a reforma agrária? A reforma agrária é o direito à terra para o camponês
trabalhar. É a luta contra o latifúndio. É a criação da média e da pequena propriedade.
É a escola para o camponês aprender. É o remédio para o camponês se curar. É a
água para o camponês beber. É a semente para o camponês plantar. É o adubo para
dar boa safra. É o arado contra a enxada. É o agrônomo indo ensinar o camponês a
cultivar a terra. E a defendê-la da erosão. É o fim da seca no Nordeste. [...] É a faixa
verde em torno das cidades, à beira das estradas de ferro e de rodagem. E o dinheiro
emprestado em longo prazo. E a juros de 6% ao ano. É o transporte barato para a
feira. É o salário justo contra a exploração. É a liberdade contra a escravidão.
Fonte: Adaptado de JULIÃO, Francisco. ABC do Camponês. In: STEDLI, João Pedro. História e natureza das
Ligas Camponesas. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 193-194.

A partir do que você leu, destaque três aspectos que podem ser encontrados no texto que
demonstrem a forma de atuação das ligas camponesas. Elabore uma breve justificativa
para cada um desses três elementos.

264
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Resposta Comentada
O texto de Julião destina-se a um público das camadas populares nordestinas, muitas vezes
analfabeto. Portanto, ele tem de ser extremamente didático. No trecho que separamos repare
que ele forma uma espécie de quadrilátero: união, vontade, liberdade e necessidade. Dá
necessidade surge a vontade, da vontade a união, e daí a Liberdade.
Depois passa para ligar liberdade a trabalho. Ora, o camponês trabalha, ama o seu trabalho,
mas seu trabalho tem de ser conquistado ao lado da terra. Que é o trabalho sem a terra?
Posteriormente, ativa a ideia de justiça. A religião católica, bem ou mal, apontava para a noção
de justiça. E era justo que apenas dois tivessem a terra, enquanto cinquenta e oito não a tinham?
Mas essa injustiça pode ser corrigida. Mas como? A união que nasce da necessidade. Ou
seja, só unido o campesinato poderá arrancar o pedaço de terra. Uma palavra, quase uma
miragem brota de Julião: reforma agrária. É o combate ao latifúndio, criando a média e a
pequena propriedade. Mas o mais importante é o que vem depois da reforma agrária. A
semente para plantar, o adubo para boa safra, o agrônomo para ensinar a plantar e combater
a erosão, o dinheiro a crédito fácil e barato (juros de seis por cento), impensáveis em nossos
dias. É também a estrada que agora tem em seu redor uma faixa verde, ou seja, a reforma
agrária traz a transformação tão necessária e para tanto a união será fundamental. Assim a
utopia se vê materializada pela transformação feita a partir do camponês unido em marcha.
Este discurso nos anos sessenta mobilizava milhares de camponeses não só em Pernambuco,
mas em vários estados do país. Assim os aspectos mais importantes que podemos verificar nas
atividades das ligas poderiam ser: A luta pela liberdade, que só pode ser conquistada pelo
trabalho, que se vincula à terra; a divulgação da ideia de justiça, que, como vimos, Julião
difundia para convencer os camponeses a cobrar dos proprietários junto aos juízes e finalmente
a mobilização por reforma agrária, autêntico meio para possibilitar as transformações de que
o país necessitava.

265
História dos Movimentos Sociais no Brasil

O Máster (1960-1964)

As reflexões que seguem estão fortemente calcadas na


dissertação de mestrado de Córdula Eckert (ECKERT, 1984) bem
como no recente trabalho de Marcelo Carvalho Rosa (ROSA, 2010).

O Rio Grande do Sul encontrava no fim dos anos 1950 os


limites de sua colonização. As chamadas colônias velhas dividiam-
se, e os filhos dos agricultores já não encontravam facilidade para
obter terras. No Rio Grande ocorreram, como em outros estados,
no começo dos anos 1950, conflitos entre posseiros e a Brigada
Militar (PM gaúcha), só que nestes casos quem queria a terra era
o estado, para desenvolver projetos como o de uma serralheria em
São Francisco de Paula. A resistência seria bem-sucedida. Também
no Rio Grande do Sul o PCB organizou alguns sindicatos de
trabalhadores rurais na segunda metade dos anos 1950, no esforço
de consolidação de sua entidade rural, a União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab).

Mas o salto do Movimento Camponês deu-se a partir de 1960.


Na cidade de Encruzilhada do Sul, centenas de posseiros cultivavam
uma área havia 36 anos, até que Euclides Lança, um líder do PTB
Arrendamento de Pelotas, decidiu cobrar arrendamento aos camponeses.
É o aluguel que se
paga para permanecer Num primeiro momento, eles aceitaram pagar. Entretanto, ao
na propriedade. serem ameaçados de expulsão pelo pretenso proprietário, que queria
apossar-se da terra, reagiram. A reação afinal foi bem-sucedida, pois
o levantamento feito pelo governo estadual provou que Euclides só
tinha uma parte do que alegava e o restante era do Estado, sendo
a parte dele desapropriada. Daí nasceu, em junho de 1960, o
Movimento dos Agricultores Sem Terra.

266
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Embora seu manifesto refira-se aos agricultores de Encruzilhada


do Sul, o movimento tinha pretensões estaduais e nacionais. O
objetivo de seus fundadores, o prefeito da cidade Milton Seres
Rodrigues, o técnico em planejamento Paulo Schilling e o deputado
federal Ruy Ramos, todos vinculados ao PTB do governador Leonel
Brizola, era criar uma federação estadual e mais tarde uma
confederação de agricultores sem terra. Ramos observava inclusive
que entraria em entendimento com Francisco Julião para construir
a confederação, mas o projeto não foi a diante.

Figura 7.11: O PTB de Leonel Brizola teve papel importante no Movimento dos
Agricultores Sem Terra.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Leonel_Brizola.jpg

O movimento, em seu primeiro manifesto, pregava a rea­


lização de uma reforma agrária, com a desapropriação de
terras, mas nada dizia em relação ao que fazer no que tangia ao
pagamento de indenizações aos proprietários.

267
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 7.12: Encruzilhada do sul.

Levantando reivindicações típicas do campesinato rio-


grandense, pedia-se regulamentação dos contratos de arrendamento,
limitação à importação do trigo, apoio técnico, direito de voto ao
agricultor analfabeto e criação do serviço militar rural. Nada dizia
sobre a regulamentação do trabalho assalariado, com medidas que
contemplassem, por exemplo, a extensão de direitos trabalhistas
ao campo. Isso se devia provavelmente ao fato de o movimento ser
composto essencialmente por arrendatários ou outros camponeses,
cuja experiência não era a do trabalhador assalariado, mas sim
do que em algum momento teve acesso direto ao cultivo da terra.

O movimento estendeu-se por diversos municípios gaúchos


durante o ano de 1961, especialmente do segundo semestre em
diante, coincidindo com a mudança de postura do governador
Leonel Brizola, que passa a defender mais abertamente a reforma
agrária, projetando seu nome em nível nacional após a Campanha
da Legalidade.

268
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

A Campanha da Legalidade
Em 25 de agosto de 1961, o presidente Janio
Quadros renunciou, e setores militares vetaram a
posse do vice-presidente João Goulart, que se en-
contrava retornando de visita à República Popular
da China, comandada pelo líder comunista Mao Tsé-
tung. Cunhado de João Goulart, Leonel Brizola iniciou
em Porto Alegre a resistência, que ficou conhecida
como Campanha da Legalidade. O resultado foi um
acordo, que permitiu a Goulart assumir, com poderes
limitados pelo parlamentarismo, que seria revogado
em 1963 por um plebiscito.

Figura 7.13: João Goulart, Leonel Brizola e Jânio Quadros.


Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jango.jpg; http://pt.wikipedia.
org/wiki/Ficheiro:Brizola.jpg (Fonte: Agência Brasil); http://pt.wikipedia.
org/wiki/Ficheiro:Janio1.jpg

269
A partir deste momento, o Máster engaja-se numa postura
mais agressiva em favor da reforma agrária radical, apoiando as
bandeiras do Congresso de Belo Horizonte, embora não aderisse
ao discurso de “na lei ou na marra”.

Em janeiro de 1962, o movimento, ainda dirigido por Seres


Rodrigues, inicia sua estratégia. Um acampamento no município
de Sarandi, na fazenda de mesmo nome e com o apoio de Jair
Calixto, prefeito de Nonoai. A brigada militar foi chamada, mas
provavelmente pela primeira vez na história do país não era para
prender os camponeses e sim para se colocar entre eles e os
fazendeiros. A estratégia dos camponeses não era a de ocupar a
fazenda, mas sim acampar em suas margens, na estrada, que afinal
era pública. A prática dos acampamentos que se generalizaria no
Brasil, do fim dos anos 1970 em diante, foi iniciada neste momento.
O governador enviou alimentos e remédios e foi de avião ao local;
no fim de janeiro, a fazenda foi declarada desapropriada.

As memórias de militantes do acampamento da Sarandi


não falam em Máster, mas sim em acampamento do Brizola ou
de Jair Calisto, primo do governador e prefeito de Nonoai. Mas
de fato este primeiro acampamento, ainda que não organizado
pelo Máster, projetou o nome da entidade. Lembremos que neste
momento o governo estadual já buscava criar mecanismos favoráveis
à reforma agrária, cadastrando terras pouco cultivadas e apoiando
as organizações de sem-terra.
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Figura 7.14: Sarandi.

Os acampamentos multiplicavam-se pelo estado, ocorrendo


em municípios como Camacuã, Alegrete e Santa Maria, e mesmo a
fazenda do ex-governador Ildo Meneguetti, localizada em Sapucaia
do Sul, estava para ser cercada.

Reações ao Máster

As reações não se fizeram esperar: dirigentes da Federação


das Associações Rurais do Rio Grande do Sul (Farsul), que
representavam os proprietários, pressionavam o governador por
uma saída que levasse em conta seus objetivos, ou seja, limitasse
ao máximo qualquer ação de reforma agrária. A brigada militar,
ainda que comandada pelo governador, nem sempre seguia a linha
por ele traçada.

271
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Dirigentes das ligas camponesas formadas no estado


viam o Máster como simples instituição oficial. As ligas, quando
organizadas no Rio Grande, já visavam formar quadros para um
campo guerrilheiro no oeste do Paraná. Enquanto isso, setores da
Igreja Católica, temerosos de perder o campesinato para o Máster,
visto por eles como uma organização comunista, lançavam em julho
de 1961 a Frente Agrária Gaúcha (FAG).

Os inspiradores da FAG, entre os quais o bispo Edimundo


Kuns, reconheciam a desigualdade social, mas também entendiam
que esta era inevitável. Assim, ao contrário da mobilização pela
terra, sustentavam a necessidade de educar o camponês em
valores cristãos, sublinhando a ideia de família, através de cursos
para formar bons trabalhadores que aí, sim, poderiam aspirar à
condição de proprietários. “Quando se educa um homem, se forma
um cidadão, mas quando se educa uma mulher, se forma um lar”,
pregavam os impulsionadores das escolas rurais. Em janeiro de
1962, a FAG é lançada oficialmente, sob a presidência de Egidio
Michaelsen, também do PTB, que seria o candidato derrotado por
Ildo Meneguetti nas eleições daquele ano.

Rapidamente, a FAG criava sindicatos de trabalhadores rurais,


apostando suas fichas mais nos assalariados, sem esquecer outros
tipos de trabalhador. Em outubro de 1962, criava a Federação de
Trabalhadores Rurais, mas já em julho os trabalhadores realizaram
o seu primeiro congresso. Defendia assistência médica, educação,
extensão dos direitos trabalhistas ao campo, direito de greve,
e, quanto à reforma agrária, pregava-se a desapropriação com
indenização corrigida pela inflação, o que tornaria muito cara a
reforma.

Enquanto a FAG se estruturava, o Máster organizava seu


primeiro encontro em 31 de março e 10 de abril de 1962, terminando
com uma caminhada ao Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho.

272
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

O governador criara o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária


(Igra), e um técnico do órgão, Eusébio França, ocupava posto
importante no movimento. Contudo, as desapropriações seguiam
bloqueadas ou pela justiça ou pela burocracia oficial. O Máster
continuou realizando acampamentos, embora em alguns momentos
recuasse, atendendo a pedidos do governador, como, por exemplo,
em uma semana de negociações entre o governo e a Farsul.

Em dezembro de 1962, houve o único congresso do Máster.


Foi fundada a Federação dos Agricultores Sem Terra, mas o
nome Movimento e a sigla Máster foram conservados. Pedia-se
a reforma agrária radical, estabelecendo-se um limite máximo de
quinhentos hectares a partir do qual a terra seria desapropriada.
Desapropriação em terras às margens das rodovias e ferrovias
(um dos últimos decretos do presidente João Goulart), pagamento
em títulos da dívida agrária resgatáveis em vinte anos e não em
dinheiro. Neste momento, com a direção passando para as mãos de
Ari Saldanha, um histórico militante do PCB, o Máster encampava a
reforma agrária com propostas bastante vigorosas. Pedia-se ainda
preços mínimos para os produtos agrícolas, crédito fácil e, agora
provavelmente pela concorrência da Igreja e pela presença mais
forte de militantes do PCB, incorporavam as bandeiras de apoio
aos assalariados rurais. Além do mais, o Máster deveria fundar
sindicatos que os congregassem.

Repressão e crise final

O ano de 1963 não trouxe boas perspectivas para o Máster.


Brizola não fizera o sucessor, o ex-governador Ildo Meneguetti
tomou medidas duras logo nos primeiros dias. O Igra perdeu trinta
dos trinta e dois funcionários que possuía. As desapropriações
reduziram seu ritmo, e a repressão, que já se intensificava, teve um
salto qualitativo. No primeiro acampamento, o coronel Gonçalino de
Carvalho cercou os acampados no município de Iraí e não permitiu
que ninguém lhes desse apoio. Sindicalistas, deputados estaduais,

273
História dos Movimentos Sociais no Brasil

advogados e mesmo o representante estadual da Superintendência


de Política Agrária (Supra) não tinham acesso aos acampados, e
mesmo o poço que os atendia era fechado. Essa estratégia de vencer
pela fome seria repetida em diversos acampamentos. O Movimento
tinha o apoio de Brizola e do governo federal, mas o governador
do estado recusava-se a dialogar com a Supra.

Enquanto o Máster sofria repressão, a FAG desenvolvia-se e


em 1963 realizava o Segundo Congresso de Trabalhadores Rurais
do Estado. Nele, aceitava-se a reforma agrária, com o pagamento
da desapropriação em títulos da dívida agrária. Esta era a principal
bandeira que unificava os setores que defendiam a transformação
fundiária. Contudo, no Congresso se sustentava que inicialmente
se aproveitassem as terras públicas e só depois as particulares.
Quanto aos assalariados, sustentava-se a regulamentação do
Estatuto do Trabalhador Rural e a extensão da Previdência ao
campo. Para Córdula Eckert, a mudança da FAG está relacionada
às reivindicações das bases, que tanto agregavam assalariados
como pequenos cultivadores. A organização católica não poderia
distanciar-se tanto das bases, sob risco de perdê-las para o Máster.

O Máster continuou realizando acampamentos durante o ano


de 1963 e o primeiro trimestre de 1964, sempre contando com o
apoio de sindicatos operários e de estudantes; aliás, sua sede agora
era um sindicato urbano, apesar da repressão. Chegou a realizar
um acampamento em Torres, cidade do litoral gaúcho, e em alguns
momentos ameaçou cercar a fazenda do governador do estado.
Contudo, o golpe militar cortou o desenvolvimento do movimento. Os
líderes da FAG buscaram rapidamente preencher o espaço deixado
pelo Máster, associando seus antigos militantes ao comunismo e,
portanto, a uma postura anticristã. Em 1965, a FAG pôde realizar
o Terceiro Congresso sem a sombra do Máster e anos mais tarde
até levantou bandeiras, pedindo a aplicação do Estatuto da Terra,
implantado menos de um ano depois do golpe.

274
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Mas a forma dos acampamentos não morrera. Quando antigos


acampados da Sarandi, que haviam se instalado na reserva indígena
de Nonoai, foram expulsos em 1978 pela Funai para que a terra
voltasse para os índios, encontraram um único remédio: acampar
na frente da Fazenda Macali, uma divisão da Sarandi, para chamar
atenção para seu drama, pois eram expulsos sem indenização.

Os acampamentos que vieram em seguida, como o da


Fazenda da Encruzilhada Natalino, no fim de 1980, seriam a
forma de reivindicar novamente o acesso à terra. Ao analisarmos a
situação no Rio Grande do Sul, percebemos uma luta entre a Igreja
Católica e o movimento de esquerda, que nos pampas, embora
tivesse a presença comunista, tinha forte influência da liderança de
Leonel Brizola. Essa luta entre católicos e comunistas, pelo controle
do nascente movimento sindical do campo, abarcaria todo o país
no início dos anos 1960. É um dos aspectos que estudaremos na
próxima aula.

Conclusão

Trabalhamos nesta aula com dois movimentos inteiramente


diferenciados. As ligas camponesas, especialmente em sua fase mais
conhecida, de 1955 em diante, tiveram um discurso de ruptura, e
houve setores que pregaram abertamente não só a reforma agrária,
mas a ruptura com o sistema capitalista. Já o Máster, embora tivesse
um discurso radical quanto à reforma agrária, não pregava a
substituição do modelo vigente e procurava fazer as alterações na
estrutura dentro do modelo. Além disso, as ligas, mesmo no tempo
de Miguel Arraes, não contaram com o apoio que o Máster tinha do
poder de Estado. Aliás, nem os dirigentes das ligas pareciam desejar
isso. O governo gaúcho, sob o comando de Brizola, encampou a
bandeira da reforma, e o Máster recebeu apoio, embora tivesse
que pagar o preço, por exemplo, evitando acampamentos a pedido
do governador. Claro que a situação muda no governo de Ildo

275
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meneguetti, mas isso não significou fim de apoio oficial, pois Jango
ainda era presidente.

Entretanto, os movimentos têm pontos coincidentes: em


primeiro lugar, a prioridade que davam era aos arrendatários
ou outros cultivadores que ou tinham ou já haviam tido acesso à
terra, não valorizando o assalariado. Não encontramos nenhuma
sistematização a este respeito no material sobre o Máster, mas Julião
mesmo observa que era muito difícil mobilizar o assalariado pela
extrema dependência que tinha do patrão. Lembremos de passagem
que, quando falamos em assalariados, não queremos dizer que
eles recebessem em dinheiro, já que mesmo a legislação da época
permitia o pagamento de parte do salário em produtos. Outro
ponto coincidente é o caráter regional de ambos os movimentos.
Embora as ligas tenham tentado atuar nacionalmente, sua ação
mais vigorosa, com manifestações de rua e ocupações de terra,
além de participação em greves, ficou restrita ao Nordeste, do
mesmo modo que os acampamentos do Máster ficaram restritos às
terras gaúchas. Nascidos em condições bastante específicas, estes
movimentos tiveram muita dificuldade para expandir-se além de suas
regiões originais, tendo as ligas conseguido isso parcialmente e o
Máster ficado limitado ao Rio Grande do Sul.

Finalmente, a competição com o PCB, que ambos desenvolveram,


sendo o Máster claramente vencedor e as ligas tendo vitória inicial
e depois derrota. Embora defendessem pontos de vista comuns aos
comunistas, ambos os movimentos disputavam com eles o controle
político do campesinato. Assim, se podia existir acordo pontual, ele
não se traduzia em aliança plena.

Contudo, é preciso lembrar que tanto a memória do Máster


(escondida) quanto a das ligas (valorizada) seriam importantes
quando os que organizariam o MST começaram suas lutas no fim
dos anos 1970.

276
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Atividade Final 

Atende ao Objetivo 2

Leia o texto ABC dos Sindicalismo Rural, produzido por dirigentes da FAG, e o Manifesto
do Máster de 1960 e compare-os.

Texto 1: ABC do Sindicalismo Rural, divulgado pela Frente Agrária Gaúcha

• O sindicato deve trabalhar pelo bem comum e nunca de uma só pessoa. O sindicato é
de todos.

• O sindicato deve trabalhar pela mudança, mas nunca pela luta de classes.

• Trabalhar no sindicato em colaboração e de forma organizada.

• A organização facilita o trabalho. A colaboração aproxima as pessoas. A colaboração


e a organização trazem paz e progresso.

• O sindicato deve orientar reivindicações programadas.

• O sindicato tem que ver o homem todo e ser idealista.

• O nosso sindicato deve ser livre, e não obrigatório. O sindicato é uma associação
profissional, e não religiosa nem política.
Fonte: BASSANI, Paulo. Frente Agrária Gaúcha e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Londrina, Eduel, 2009, p. 92.

277
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Texto 2: Manifesto do Máster

278
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

279
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta Comentada
Ao observarmos os dois textos, fica clara a diferença de tom de ambos e que tipo de sociedade
cada autor deseja ver construída. No texto da FAG, a ideia força é de harmonia. O sindicato
não pode valorizar a noção de luta de classes. No Manifesto, a luta é explicitada, ainda que
diluída na noção de homem rural “primeiro na guerra e último na paz”. Enquanto na visão
católica deve o sindicato harmonizar indivíduos e classes, na visão do Máster o sindicato tem
lado, e o lado é dos agricultores empobrecidos. Na visão da Igreja, a ideia-chave é a de
colaboração, evitando-se ao máximo o confronto, tendo o sindicato um papel mediador. Já
na visão do Máster, o movimento tem o objetivo de mobilizar o campesinato, até porque se
considera a morosidade de se fazer a reforma agrária. Note-se que no manifesto do Máster
busca-se o apoio da Igreja com afirmação do padre a respeito dessa dita morosidade.
Assim, harmonia social a qualquer preço e a mobilização social a todo custo estão presentes
respectivamente no texto da FAG e do Máster, mostrando a oposição que marcou a área
camponesa no início dos anos 1960. Entretanto, é preciso lembrar que, embora as posições
fossem bem definidas, não se pode imaginar que não existissem momentos de conciliação,
pelo menos com setores moderados da Igreja Católica, como veremos ao analisarmos o esforço
pela sindicalização dos trabalhadores rurais na Aula 9.

280
Aula 8 – Movimentos camponeses na experiência democrática de 1945 a 1964 (primeira parte)

Resumo

Nesta aula, discutimos dois movimentos de caráter regional.


Inicialmente, tratamos das Ligas Camponesas, organizações que
se desenvolveram principalmente no Nordeste e que tinham um
caráter de ruptura com a estrutura fundiária local e em alguns setores
tinham uma forte inspiração na Revolução Cubana. Posteriormente,
analisamos a atuação do Máster, movimento de reivindicação pela
terra no Rio Grande do Sul, que pela primeira vez na História pôde
contar com o apoio governamental. Embora ambos os movimentos
tenham sido derrotados pelo golpe civil-militar de 1964, sendo
Pernambuco e Rio Grande do Sul dois estados onde a repressão
foi vigorosa, as memórias dos acampamentos do Máster e das
mobilizações das Ligas Camponesas foram fundamentais para a
estruturação do MST a partir da década de 1980.

Informação sobre a próxima aula

Na próxima aula, vamos estudar duas categorias de mo­


vimentos: em primeiro lugar, vamos conhecer movimentos de
posseiros, que lutavam pela permanência nas terras que cultivavam
e como estes movimentos mobilizaram a atenção de outros setores
sociais para o problema da terra. Depois acompanharemos as
lutas pela sindicalização rural, dinamizadas inicialmente pelo PCB
e depois por outras organizações políticas que disputaram com os
comunistas a hegemonia do movimento camponês até o golpe civil-
militar de 1964. Até lá!

281
Aula  9
Movimentos
Camponeses
na Experiência
Democrática de
1945 a 1964
(segunda parte)
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta

Continuar o estudo de movimentos camponeses, iniciado na Aula 7, que


se desenvolveram durante o período compreendido entre a queda de
Getúlio Vargas (1945) e a deposição de João Goulart (1964).

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. reconhecer a conexão das lutas de camponeses por permanecer na terra que
cultivavam com outras organizações políticas.
2. avaliar a luta pela sindicalização Rural, refletindo a respeito do esforço do PCB
para atuar no meio agrário e sua competição com outros setores como alas da
Igreja Católica pelo controle da representação dos trabalhadores.

Pré-requisitos

A aula aqui é uma continuação da Aula 7. Portanto, relembre aquela aula através
do resumo, antes de continuar seu estudo. Também é importante ler sobre conflitos
de terra, que descrevemos na Aula 5, vendo que aqueles eram normalmente de
pequenos grupos, enquanto os desta aula envolvem centenas de famílias.

284
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Introdução

Dando continuidade ao estudo que iniciamos na Aula


7, voltamo-nos para estudar dois tipos de movimentos, que se
desenvolveram em várias partes do país, no período aqui chamado
de Experiência Democrática.

Inicialmente, analisaremos lutas de posseiros e arrendatários,


que tentavam permanecer nas terras que cultivavam. Estas
mobilizações atraíram a atenção de lideranças políticas de diversas
tendências para áreas tão distantes como o norte do Paraná e o
norte de Goiás, dando visibilidade ao problema agrário no país.
Ao final do período, antigos posseiros despejados começaram a
realizar ocupações de terras especialmente no estado do Rio de
Janeiro, constituindo uma nova forma de luta, que seria retomada
no fim dos anos de 1970.

O PCB, que teve participação importantíssima em vários


destes movimentos, também incentivou um tipo de organização, já
tradicional nas cidades, mas nova no meio agrário: os sindicatos.
Será o nosso segundo objeto de estudos, analisando as tentativas
de formação de sindicatos em meados da década de cinqüenta, seu
crescimento com o apoio do Estado e de setores da Igreja no início
dos anos sessenta, até sua redefinição no momento imediatamente
anterior ao golpe civil-militar de 1964. Desta maneira, você
somará aos movimentos regionais (ligas camponesas e Máster),
que estudou na Aula 7, movimentos de caráter local, mas que se
imbricavam à conjuntura nacional do período e movimento nacional
pela sindicalização. Ao final, teremos montado um panorama da
construção da categoria camponês no período estudado.

285
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A quem pertence a terra?

Nesta seção, discutiremos as lutas de posseiros e arrendatários,


que marcaram o período aqui analisado. São conflitos, que tem
por objeto o permanecer na terra, onde se trabalha. O posseiro,
como vimos na Aula 5, é aquele, que se apropria de um pedaço
de terra, que está abandonado e o cultiva. A legislação brasileira
dá garantias ao cultivador, através do instrumento do usucapião:
aquele que por certo número de anos está na terra sem oposição,
tendo nela cultura e morada habitual, pode requerer junto ao juiz,
sua propriedade. Contudo desde 1850 a partir da lei de terras, o
posseiro encontrou seu adversário: o grileiro. A lei reconhecia a
compra à Coroa como único meio para adquirir a terra, salvo se
o proprietário pudesse provar a concessão antiga de sesmaria do
período da Colônia ou a posse com cultura e morada habitual. O
grileiro é aquele que aliado a donos de cartórios e juízes locais
“fabrica” o título de propriedade para avançar sobre terras públicas,
estejam ou não cultivadas.

Trava-se a partir daí uma luta entre duas formas de apropriação


do solo: a primeira baseada na documentação, falsa ou verdadeira,
assegurando a propriedade para que a terra possa ser bem de
mercado, antes que qualquer outra coisa. A segunda, baseia-se na
propriedade conquistada a partir do trabalho feito sobre a terra.

286
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Grilos?

De onde vem o termo grilagem? Tem a ver com


inseto? Pois saiba que sim. Uma das formas que os
grileiros tinham de enganar as autoridades era mos-
trar documentos falsos de posse de terra com aparência
de antigos. Como se eles tivessem aquele documento há
muito tempo, legitimando sua posse.
A técnica consiste em colocar os papéis dentro de uma
caixa com grilos, de modo a deixar os documentos roí-
dos e amarelados – por causa de excrementos do grilo-,
ficando assim com a aparência de documento antigo.

Fonte imagem: http://www.sxc.hu/photo/1078471

O enfrentamento entre posseiros e


grileiros

A história dos enfrentamentos entre grileiros e posseiros ao


longo da segunda metade do século XX segue um padrão, que
com algumas variações, dá-se do mesmo modo Brasil à fora: Os
posseiros iam chegando em uma terra pouco valorizada, pelos
ditos proprietários. Começavam a cultivá-la, e quando essa gerava

287
História dos Movimentos Sociais no Brasil

frutos e principalmente quando a região era beneficiada com obras


públicas como estradas ou saneamento, sua posse era contestada no
cartório e os grileiros apareciam com a polícia, jagunços (matadores
de aluguel) e se iniciava a luta armada ou pelo menos a expectativa
dela. Foi assim no norte e no sudoeste do Paraná, no norte de Goiás
e mesmo no Sertão Carioca, hoje chamado Zona Oeste do Rio de
Janeiro, além da Baixada Fluminense e outras regiões do Estado.

Jagunço
São matadores profissionais, que atuam es-
pecialmente no interior do Brasil a mando de
proprietários rurais. Podem ser utilizados em lutas
pela terra, mas também em confrontos entre famí-
lias por questões políticas.
Uma obra importante sobre eles é Cangaceiros e
Fanáticos de Ruy Facó, Lançada Pela Civilização bra-
sileira em 1965, mas que se encontra disponível na
internet. Na literatura, temos Grande Sertão Veredas,
de João Guimarães Rosa. As novelas da Rede Globo
também mostraram a atuação deles como a inesque-
cível Roque Santeiro, de Dias Gomes, em 1985. Uma
busca rápida no youtube te leva às cenas do Roque.

O que diferencia estes conflitos que vamos rapidamente


discutir é que os posseiros vão resistir não apenas de forma
individual, ou através de cartas e abaixo assinados ao presidente da
República. Estas formas de luta também estarão presentes, mas serão
acompanhadas de luta armada, manifestação de rua, e pressão de
partidos políticos na Imprensa e no parlamento.

288
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Por falar em partidos políticos, o envolvimento apoiando os


camponeses em sua luta, esteve presente em três movimentos que
estudaremos a seguir: a “guerrilha de Porecatu” (PR) (1947-1951),
assim conhecida porque aquela pequena cidade do norte do Paraná
foi a principal base de operações; a Revolta dos colonos do Sudoeste
do Paraná (1957) e o confronto de Trombas e Formoso (1953-1964)
no norte de Goiás.

Figura 9.1: Porecatu

A “guerrilha de Porecatu”

A partir de 1941 influenciados pela propaganda do interventor


Manuel Ribas, que dizia ser fácil regularizar a terra no Paraná,
milhares de colonos do extremo-oeste paulista chegaram ao norte do
estado e instalaram-se como posseiros. Ao final da segunda guerra
mundial, cafeicultores paulistas, liderados por Geremia Lunardele,
grilaram essas terras contando com a conivência de funcionários da

289
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Gleba é um terreno Inspetoria de terras de Londrina, que não validavam as glebas dos
próprio para cultivo, posseiros. A partir da posse do governador Moisés Lupion, (1947)
em uma área não
membro do PSD, ligado à Companhia Industrial e Territorial LTDA
urbanizada.
(Citla), que se especializara na venda ilegal de terras públicas,
formou-se uma comissão de terras, que determinava a expulsão dos
posseiros de Porecatu e que os de Jaguapitã deveriam pagar ao
Estado pela terra cultivada. Os posseiros de Porecatu, liderados por
homens como o espanhol José Bilar, procuraram resistir e a ação da
polícia e jagunços, fez-se com espancamento de homens e estupro
de mulheres e meninas.

O PCB já havia incentivado a organização de ligas


camponesas na região, que haviam pressionado pelo registro
das posses. Posto na ilegalidade em maio de 1947, rapidamente
o comitê central percebe no problema dos posseiros o germe da
Revolução socialista, que pretendiam desencadear. Assim a partir
de novembro passaram a apoiar a resistência dos posseiros. Esta
se materializava no esforço para impedir que os peões contratados
pelos fazendeiros destruíssem suas roças e plantassem cafezais,
além da resistência aos despejos violentos realizados pela polícia e
jagunços. A luta era liderada por Hilário Gonçalves Pinha, Arlindo
Gajardoni (filhos de camponeses) e Celso Cabral de Melo (Capitão
Carlos) militante do PCB vindo do Rio de Janeiro. A partir de 1950
o movimento ganhou mais apoio popular depois do assassinato
do jagunço Celestino, assassino estuprador odiado na região.
Contudo a partir de março de 1951 o novo governador Bento
Munhoz da Rocha (PTB) utilizava uma dupla estratégia: de um lado
procurava convencer muitos camponeses a aceitar o deslocamento
para Paranavaí, recebendo glebas novas, de outro intensificava a
repressão, contando com o apoio do DEOPS de São Paulo.

290
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

DOPS e DEOPS
O DOPS era o Departamento de Ordem Po-
lítica e Social, criado ainda nos anos vinte no
âmbito da polícia do distrito federal. Nos esta-
dos, existiam os DEOPS, Delegacia Estadual de
Ordem Política e Social. Estes órgãos funcionaram até
os anos oitenta e ficaram célebres por sua violação
aos direitos humanos, principalmente pela prática da
tortura a e espionagem com o objetivo de controlar
ou reprimir qualquer movimento político e social que
contrariasse o governo.

Vale salientar que se para os comunistas Porecatu era o foco


da Revolução, para os camponeses o objetivo era conservar a posse
e em último caso conseguir outra. A prisão de vários militantes
comunistas em junho de 1951 levou a deserções em massa. O
movimento estava derrotado, mas muitos de seus participantes, não
comprometidos com o plano do PCB, conseguiriam novos lotes de
terra em Paranavaí e Campo Mourão.

Já não era mais possível realizar massacres como em


Canudos. Se em Canudos a imprensa dos grandes centros pedia o
massacre dos conselheiristas, agora era possível, que na imprensa
se ouvisse a voz dos camponeses, que reivindicavam seus direitos.
Possivelmente pela primeira vez no Brasil, um movimento camponês
resultava para alguns de seus lutadores na conquista da terra.
Certo que tinham perdido o que haviam trabalhado, mas eram
compensados de alguma forma.

291
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A Revolta dos colonos do Sudoeste do Paraná

Enquanto o conflito no norte do Paraná estava no auge em


1950, no Sudoeste um outro gestava-se. José Rupp, um antigo
proprietário de áreas de onde se extraía erva-mate, lutara décadas
contra a Ferrovia São Paulo - Rio Grande para não perder as terras
e depois contra a União, que incorporara os bens da mesma. Para
ser indenizado, vendeu seus créditos para a já citada Citla. O que
Rupp exigira por anos como indenização - as glebas Missões e
Chopim - foi passado em meses, pela Superintendência das Empresas
Incorporadas ao Patrimônio Nacional (SEIPN) para a Citla.

Superintendência dos Bens


Incorporados ao Patrimônio Nacional
Durante o Estado Novo (1937-1945), várias
empresas foram expropriadas e passaram a fazer
parte do Patrimônio Nacional. Para administrá-las,
existia a Superintendência dos Bens Incorporados ao
Patrimônio Nacional. As terras que José Rupp ocupava
foram ganhas na justiça pela Estrada de Ferro São
Paulo - Rio Grande. Em 1940, esta empresa foi expro-
priada e seus bens passaram a administração desta
Superintendência. Por isso, Rupp brigava com ela para
receber essa indenização. Vendeu seus Créditos para
a Citla ligada ao governador Lupión. Por essa razão,
a empresa recebeu as terras tão rapidamente, já que o
governador tinha influência junto ao governo federal.

Contudo o Tribunal de Contas da União vetou o negócio.


As glebas ficavam em área de Fronteira e comprendiam imensa
extensão de terras. Além do mais, o governo federal instalara ali a

292
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

partir de 1943 a Colônia Agrícola Nacional General Osório (Cango)


que atraíra milhares de colonos. A transação por tudo isso teria de
ser autorizada pelo senado e pelo Conselho de Segurança Nacional.

O parecer do Tribunal de Contas ficou parado na câmara


de Deputados por seis anos, já que o PSD, partido do governador
Lupion tinha maioria. Entretanto, a posse de Munhoz da Rocha
atrapalhou os planos da Citla, porque ele proibiu a cobrança de
impostos sobre as terras. Com a volta de Lupion, a partir de 1955,
as pressões contra os colonos intensificavam-se. Eram forçados a
pagar taxas extorsivas à Companhia ou ser expulsos da terra sob
violência da polícia local e de jagunços. O apoio que os colonos
tiveram não veio do PCB, mas do PTB e da UDN, que no congresso
nacional, na Assembleia legislativa paranaense e em nível local os
incentivavam a não pagar nada. Em 1956, finalmente, o parecer
do Tribunal de Contas, que era contrário à transação, foi aprovado
na Câmara Federal e as pressões contra os colonos avolumavam-se.
Em 1957, ações como o assassinato do vereador Pedrinho
Barbeiro do PTB, que denunciaria a situação no Rio de Janeiro, a
morte de um colono em manifestação pacífica e o espancamento
de crianças levaram a reação dos colonos. Liderados por homens
como Jácomo Trento, Valter Pecoites e o radialista Ivo Tomazoni,,
os colonos ocuparam as cidades de Francisco Beltrão, Pato Branco
e Dois Vizinhos, destruindo os escritórios da Companhia. O temor
de uma intervenção federal, que poria a nu suas ligações com a
Citla levou o governador a não desencadear uma ação violenta.
O secretário de Segurança enviou para a região um coronel do
Exército e este nomeou os líderes da revolta como delegados de
polícia. Os jagunços da Citla começaram a ser presos e os colonos
voltaram às suas roças.

293
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 9.2: Francisco Beltrão, Pato Branco e Dois Vizinhos.

Em 1961 o governo Jânio Quadros desapropria as terras e


no ano seguinte João Goulart, cria o Grupo Executivo das Terras do
Sudoeste Paranaense (GETSOP), que passa a demarcar as terras.
Na realidade, não havia muito que demarcar: os colonos da antiga
colônia agrícola Nacional e os antigos posseiros já haviam feito boa
parte do trabalho. Curiosamente, o golpe de 1964 não interrompeu
os trabalhos do GETSOP e apesar de se terem passado mais dez
anos para a completa regularização, os últimos títulos de terra foram
entregues em 1974, quando o grupo foi extinto. Mais de quarenta
mil pequenas propriedades foram demarcadas.

Em nossos dias, o movimento é extremamente valorizado na


memória local. No cinquentenário do levante, foram realizadas
seções solenes propostas por senadores e deputados federais do
Paraná, além da construção de monumentos nas cidades onde
ocorreu o levante, bem como concursos de literatura e peças de teatro
sobre o evento. O movimento hoje é reapropriado como símbolo de
unidade local e lembrado como única vitória de posseiros no país.

294
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Figura 9.3: Monumento em comemoração ao cinquentenário da


Revolta dos Posseiros
Fonte: http://mw2.google.com/mw-panoramio/photos/
medium/30544405.jpg

O confronto de Trombas e
Formoso (1953-1964)

Enquanto no Paraná os conflitos avolumavam-se, no norte


de Goiás outro confronto de grande monta desenvolvia-se: ficaria
conhecido como Trombas e Formoso, distritos de Uruaçu, ao norte
do Estado.

295
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 9.4: Formoso.

Figura 9.5: Uruaçu.

Os posseiros começaram a chegar ao norte de Goiás a partir


da década de 1940. Por volta de 1948, a construção da Rodovia

296
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Transbrasiliana atraiu a atenção dos fazendeiros para as terras


que os camponeses cultivavam. A construção de uma estrada era
normalmente o começo do fim para os posseiros.

Figura 9.6: Rodovia Transbrasiliana hoje em dia.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:BR153araguaina.jpg

Primeiro, os fazendeiros tentaram cobrar renda sobre o


arroz colhido pelos posseiros e não tendo sucesso soltavam o gado
contra suas roças para que as destruíssem. Depois, os fazendeiros
Boanerges da Veiga e Antonio Capanum conseguiram com o juiz de
direito de Uruaçu, José da Veiga Jardim, forjar uma cadeia sucessória
a partir de um pedido de sesmaria, datado de 1775. Esta cadeia
sucessória chegava a camponeses que viviam muito longe dali e que
“venderam” as terras para os fazendeiros. Agora o papel existia e
os fazendeiros juntavam jagunços e policiais contra os posseiros.
Liderados por José Porfírio, eles tentaram resistir pacificamente,
realizando audiências com o deputado Misach Ferreira, audiência
com o governador Pedro Ludovico e mesmo uma viagem de José
Porfírio ao Rio de Janeiro para tentar ver o presidente Vargas,
deixando-lhe uma carta, onde explicava suas dificuldades. Voltando
à Goiânia com uma recomendação do secretário do presidente,
Porfírio e os companheiros teriam ouvido de um burocrata ligado à

297
História dos Movimentos Sociais no Brasil

divisão de terras, que eles tinham direitos, mas teriam de defendê-


los pelas armas: “”Para um homem sozinho tem crime, mas para
duzentos não tem”.”

A partir de abril de 1954, os posseiros partem para a resistência


armada na defesa de suas terras e da colheita de arroz. Contam
também com o apoio de militantes comunistas que chegavam à
região. Embora o PCB estivesse deixando a linha insurrecional, isso
ainda não era claro para muitos no Partido. O apoio também era
conseguido junto às oposições estaduais da UDN e do Partido Social
Progressista (PSP), expresso em jornais como o Jornal de Notícias
de Alfredo Nasser, filiado a este partido. Enquanto os fazendeiros
clamavam pela intervenção do Exército, o novo governador José
Ludovico preferia uma saída negociada. Os posseiros organizados
em seus Conselhos de Córrego conseguiam repelir as investidas da
polícia e dos jagunços, ocorrendo mortes de ambos os grupos em luta.

Conselhos de Córrego
A região onde se deu o confronto era banha-
da por diversos córregos (pequenos rios), que
serviam de referência como ponto de localiza-
ção. Assim os posseiros dividiram a região em 21
córregos, havendo um conselho eleito pelos posseiros
para cada um deles. A partir de 1956, os Conselhos
reuniram-se em algumas associações de lavradores.

Em 1956, a polícia foi retirada em parte da região, mas as


terras não seriam tituladas. Os Conselhos de Córrego transformaram-
se em Associações de Lavradores e passaram a controlar a região,
que ficara literalmente abandonada depois da saída da polícia
Militar. Os posseiros conseguiam escolas e reivindicavam estradas
para escoar sua produção.

298
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Com a ascensão de Mauro Borges ao governo do estado


(PSD) em 1961, os posseiros conseguem a titulação das terras
e a emancipação do Distrito de Formoso. Além disso, apoiam a
sindicalização rural e elegem José Porfírio deputado estadual pelo
PSB, em 1962.

Figura 9.7: José Porfírio.


Fonte: http://massote.pro.br/2011/01/
dasaparecido-politico-jose-porfirio-de-sousa/

Neste momento, cristaliza-se o mito da “República de Trombas”,


onde a polícia não entrava e segundo o deputado “udenista” Emival
Caiado, havia milhares de metralhadoras. Efetivamente, havia
armas nos acampamentos, mas as “milhares” ficam por conta da
fértil imaginação do deputado udenista apavorado com a existência
de posseiros vitoriosos contra grileiros. Ocorrido o golpe de 1964,
José Porfírio ainda tentou organizar a resistência, mas fugiu para o
Maranhão, já que o presidente da República João Goulart foi dos
primeiros a abandonar o país. O exército invadiu a região e terras
que tinham sido tituladas pelo governador Mauro Borges, (ele mesmo
cassado pelos militares poucos meses depois do golpe) passaram
para grandes proprietários.

299
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Quanto a Porfírio, foi preso no Maranhão quando tentava


organizar a luta armada com antigos militantes da Ação Popular
(AP). Solto alguns meses depois, desapareceu entre Brasília e
Goiânia, em 1973. O mito da República de Trombas seria divulgado
por um jornal pró-ditadura, o Cinco de Março, que publicou uma
dita Constituição da República de Trombas.

Em 1981, o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa


aos posseiros, mas muitas propriedades estavam em mãos de
grandes fazendeiros. Sem a organização comunitária, os posseiros
não conseguiriam manter a estrutura desenvolvida antes do golpe.
De todo modo, a luta dos posseiros de Trombas e Formoso seria
inspiradora para outros movimentos camponeses.

Ninguém come casa de veraneio:


outras lutas pela terra

Entretanto é preciso lembrar que estes conflitos não se davam


só nas regiões de fronteira, entendidas aqui como áreas de recente
expansão agrícola. No Rio de Janeiro, em pleno “sertão carioca”,
também ocorriam confrontos de terras.

No início de 1951, o Jornal o Globo de 7 de julho chamava a


atenção para um “Outro Porecatu”. Aos leitores que sequer sabiam
o que era ou onde ficava Porecatu, o jornal esclarecia que em Pedra
de Guaratiba, posseiros armados preparavam-se para resistir a ação
de grileiros. Pedro Moacir era o pretenso proprietário que queria
expulsar os posseiros. Pouco sabemos dos desdobramentos deste e
de outros conflitos na capital federal (que na época era o Rio), como o
da Fazenda Coqueiros em Santíssimo, o de Santo Antonio de Curicica
em Jacarepaguá e da estrada do Mato Alto na mesma região. Mas
pela frequência como aparecem na imprensa comunista, em jornais
como o Imprensa Popular e mesmo em jornais de maior projeção, é
de se supor que tenha havido vários confrontos, onde os posseiros
tenham resistido com armas. A partir de 1964, o governador Carlos
Lacerda teria mãos livres para apoiar a especulação imobiliária,

300
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

que pressionava posseiros no antigo sertão, agora chamado Zona


Rural da Guanabara. Salientemos ainda que no Rio a tentativa de
tomar a terra aos posseiros não era com o objetivo de cultivá-la com
produtos de exportação, mas sim de transformá-la em loteamentos
imobiliários, especialmente em áreas onde o Departamento Nacional
de Obras e Saneamento havia atuado. Era justamente essa a base
para a resistência camponesa, pois os posseiros sempre alegavam
que estavam produzindo para a cidade. “Ninguém come casa de
veraneio”, como dizia um posseiro de Guaratiba.

Figura 9.8: A partir de 1964, o governador


Carlos Lacerda teria mãos livres para apoiar a
especulação imobiliária.
Fonte: http://passapalavra.info/wp-ontent/
uploads/2011/08/2778.jpg

Também na baixada Fluminense, os enfrentamentos ocorriam.


Os posseiros na década de cinquenta resistiram ao despejo na
fazenda Capivari, em Duque de Caxias, sendo deslocados para
Casimiro de Abreu e de lá também foram expulsos. Na mesma
época, houve uma longa resistência de posseiros na localidade de
Pedra Liza (Nova Iguaçu), que após vários enfrentamentos contra a
polícia e grileiros conseguiram a desapropriação da área, em 1958.

301
História dos Movimentos Sociais no Brasil

No início dos anos sessenta, posseiros da Fazenda São


Lourenço resistiram pelas armas ao despejo com o apoio do
deputado federal Tenório Cavalcanti e a mesma foi desapropriada
no final de 1961.

Na Fazenda São José da Boa Morte, em Cachoeira do


Macacu, ocorreu a resistência armada, liderada por Mariano
Beser - um espanhol, líder da liga camponesa local, que chegou
a “condenar a morte” três grileiros locais - mas ao final ocorreu a
derrota. O deputado Tenório Cavalcante da UDN também apoiou
a resistência dos posseiros da área reclamada pela América Fabril
em Magé, que acabaria desapropriada em 1974, numa das raras
desapropriações realizadas pela ditadura militar.

Já em Campos, a ocupação de terras ocorria na fazenda


do Imbé, em janeiro de 1963, sob o comando de José Pureza,
um experimentado líder camponês da Baixada, com histórico de
formação da Associação de Lavradores de Duque de Caxias e
em 1959 um dos fundadores da Federação das Associações de
Lavradores do Estado do Rio de Janeiro. A Ocupação do Imbé foi
planejada e teria expressivos contingentes, vindos de várias regiões
do estado. A ocupação organizava-se sob as “leis do Imbé”, que
deveriam regular a vida dos acampados. Era o início de uma
prática, que seria aperfeiçoada na década de 1980. A resistência
a desocupar trouxe a solidariedade de sindicatos urbanos e a
fazenda acabou desapropriada pela Superintendência de Política
Agrária (Supra). Outras ocupações ocorreriam como a da Cidade
dos Meninos próximo a Capivari, em Duque de Caxias, às vésperas
do golpe civil-militar. Notável que os dirigentes das lutas dos anos
cinquenta e sessenta como José Pureza e Bráulio Rodrigues tivessem
estreitas relações com o PCB, que à época buscava ampliar sua
influência no campo.

Houve vinte e duas desapropriações no estado, nos meses


que antecederam o golpe. Contudo após a deposição de Goulart
todas foram revertidas e a repressão se abateu pesada sobre o
movimento camponês. Salientemos, contudo, que no início dos

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Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

anos oitenta líderes como José Pureza e principalmente Bráulio


Rodrigues participariam da reativação do movimento pela terra e,
durante o primeiro governo de Leonel Brizola (1983-1987) a forma
de ocupação seria retomada.

Além dos posseiros, outra categoria social distingue-se nas


lutas os arrendatários. Ocupantes precários, que pagam aluguel
em troca da utilização da terra eles se manifestavam.

Em 1950, ocorreu em Orizona, Goiás um importante


movimento no qual os arrendatários reivindicavam que os
fazendeiros cobrassem apenas vinte por cento pelo aluguel da
terra, conforme a constituição do Estado. A repressão foi intensa até
porque havia a presença de comunistas organizando o movimento.
Em suas memórias Gregório Bezerra conta que ao sair da cadeia em
Pernambuco, foi para Goiás organizar ligas camponesas. (Bezerra,
2011, p. 125).

Outro movimento de arrendatários expressivo ocorreu em


Santa Fé do Sul, no extremo-oeste de São Paulo. Ali arrendatários,
vindos em sua maioria do nordeste tinham o contrato para plantar
capim e cultivar lavouras por três anos.

Figura 9.9: Santa Fé do Sul.

303
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Em 1959, buscaram permanecer na terra, já que não tinham


para onde ir e queriam ao menos colher suas lavouras. Aqui não
eram posseiros tentando manter posses, ou arrendatários buscando
reduzir o preço da renda. Tratava-se de gente que não tinha posse,
nem propriedade, sabia que teria de deixar a terra, mas não tinham
para onde ir, já que do outro lado do rio, no atual Mato Grosso
do Sul, as terras, já estavam ocupadas com o gado. Liderados por
Jofre Correia Neto, um militante do PCB, tentaram em 1959 realizar
uma operação arranca capim, já que se o problema era o capim, a
técnica era extirpá-lo para poderem continuar na roça. Isso porque
o capim era plantado para que o gado do fazendeiro pastasse.
Sem o capim não haveria espaço para o gado e mesmo a roça se
expandiria. Esta ação era combinada com a atuação na justiça,
onde tentavam valer-se da lei do inquilinato, para que pudessem
ao menos colher suas lavouras. A reação foi imediata, prisão de
Jofre Correia Neto e vitória do proprietário na justiça. Novas ações
foram feitas no ano seguinte ocorreu o mesmo resultado. No fim dos
anos sessenta ocorreriam novos movimentos de arrendatários, que
conseguiriam terras em áreas do Estado.

O Estado de São Paulo assistiu a outros movimentos de


arrendatários em meados dos anos cinqüenta em áreas tão distantes
como Guararapes e Santo Anastácio, onde arrendatários buscaram
resistir ao despejo. Mas estes movimentos eram extremamente
pequenos e não conseguiam mobilizar a imprensa ou oposições
aos governos estaduais, terminando com o despejo puro e simples
das famílias.

O Legado dos Movimentos

De toda forma, os diversos movimentos de posseiros e


arrendatários por nós estudados, ainda que tenham sido derrotados,
com a exceção do Sudoeste do Paraná, e parcialmente de Porecatu
e Trombas, contribuíram fortemente para a difusão de três noções
fundamentais, que extrapolavam o meio rural.

304
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

A primeira é a que opunha a terra de trabalho à terra como


bem de capital. Quando o posseiro exigia sua permanência na
terra, imediatamente recordava os muitos anos da sua posse, o
esforço que tinha feito para desbravá-la (em Jacarepaguá sempre
lembravam as condições insalubres dos primeiros tempos (Santos,
2007, p. 185). Além disso, colaboravam para o progresso não só
de sua região, mas do Brasil como um todo.

Em segundo lugar, a ideia de reforma agrária ganhava


legitimidade à medida que as lutas aprofundavam-se. A noção
de que era necessário dar a terra para quem nela trabalhava
se articulava a de que os grandes proprietários deveriam ser
desapropriados. A reforma agrária ampliaria o mercado interno e
possibilitaria o progresso nas regiões onde se aplicasse. Além do
mais, os conflitos eram vistos por muitas lideranças políticas como
a porta aberta para a comunização já que, como vimos em muitos
deles, o PCB estava presente. “Façamos a reforma agrária antes que
os comunistas a façam” exclamava um deputado estadual gaúcho
ante a ascensão do Movimento dos Agricultores sem Terra.

Além de legitimidade do cultivo da terra pelos posseiros e da


necessidade de uma reforma agrária outro ponto importante era a
produção de alimentos para as cidades. As grandes propriedades
se destinavam, e muitas ainda hoje se destinam, a produção de
gêneros para a exportação: café, cana-de-açúcar, cacau. Com
a exceção da produção pecuária, na época mais voltada para o
mercado interno. A “faixa verde a beira da rodovia” de que falava
Julião era o espaço de produção camponesa para a cidade. Os
que defendiam a posição dos camponeses de Formoso e Trombas
sustentavam sua importância, pois poderiam abastecer a nova capital
em crescimento, assim como no sertão carioca os rurais sustentavam
a necessidade de seus cultivos para abastecer a capital.

305
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 9.10: Café, cana-de-açúcar e cacau são produtos para exportação até hoje.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Roasted_coffee_beans.jpg
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Cut_sugarcane.jpg (Autor: Rufino Uribe)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cocoa_Pods.JPG

Desta maneira, ainda que derrotados na maioria das vezes, os


camponeses conseguiam em seus movimentos, não só, tornar visíveis
as violências porque passavam como colaboravam para levantar as
bandeiras da reforma agrária, da legitimidade da posse da terra
por quem a cultivava e a ideia de uma produção camponesa, que
atendesse ao crescente mercado interno urbano.

Na próxima seção, discutiremos a respeito do esforço pela


sindicalização rural.

Atende ao Objetivo 1 e 2.

As leis das repúblicas

As formas de organização que as resistências tiveram ganharam várias interpretações. A


seguir você analisará duas fontes primárias. A primeira nos permite compreender a visão,
que foi construída em torno dos posseiros de Trombas e Formoso, durante o período anterior
e posterior ao golpe de 1964. A segunda diz respeito à organização dos ocupantes do

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Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Imbé em Campos e mostra suas formas de articulação internas, que valeriam durante a
ocupação e depois de conquistada a terra.

Texto 1: 1 Extrato da “Constituição do Estado das Trombas”.

Art. 1º - O Estado das Trombas, está situado no Brasil Central,

paralelo 14 norte de Goiás, a 250 Quilômetros de Brasília, parte

integrante e autônoma sob o regime RUSSO, exerce em seu território todos os poderes
que explícida ou explicidamente, lhe não são vedado à Constituição de Moscou.

Art. 2º - São poderes do Estado, o executivo e Judiciário, combinado com o executivo


regido pelo sr. Ditador JOSÉ PORFÍRIO DE SOUZA.

Art. 3º - É vedado a publicação e a liberdade de pensamento. (...)

Art. 6º - São autoridades do Estado das Trombas: JOSÉ PORFÍRIO DE SOUZA (DITADOR)
(...)

Art. 7º - É vedado o intercâmbio comercial com qualquer estado do Brasil

Art. 8º - São imunes e impunes os que praticarem o assassínio a bem de nosso regime
e livre o direito de matar

Art.11º - Será impunes e invioláveis cidadãos de qualquer parte do mundo que praticarem
crime e auxiliar no Estado das Trombas.

Art.12º - As terras de propriedade privada serão divididas aos intrusos e invasores,


pelas Comissões executivas de córrego. (...)

Publicado originalmente no jornal O Cinco de março Goiânia, 7-13 de agosto de 1972.


Adaptado de (Esteves, 2005, p:137-138).

307
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Texto 2: As “leis do Imbé”.

1) As terras serão distribuídas pelo grupo de trabalho organizado pela ULTAB, sem
discriminação de cor, raça ou religião;

3) Fica terminantemente proibida a venda de terras a terceiros, sem o pleno conhecimento


da organização local;

4) Criação de uma cooperativa agrícola;

5) Respeito e disciplina entre as famílias dos posseiros;

6) Criação de uma escola para a alfabetização de adultos e crianças;

7) Legalização de todos os casais que vivem em regime de concubinato, para que a


mulher participe dos direitos à terra;

8) Liberdade absoluta de religião, organização e pensamento. (...)

Fonte: Adaptado de Ernandez, Marcelo – Sementes em Trincheiras: Rio de Janeiro


(1948-1996). In: Sigaud, Ligia - Ocupações e acampamento: estudo comparado sobre
a sociogênese das mobilizações por reforma agrária no Brasil (Rio Grande do Sul, Rio
de Janeiro e Pernambuco) 1960-2000. Rio de Janeiro, Garamong, 2010.

Faça uma breve análise de cada texto. Compare-os. A partir disso, com suas palavras,
descreva ao menos dois aspectos relevantes de cada texto, que se correlacionem com as
lutas camponesas.
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Resposta Comentada
Os dois textos aqui citados versam sobre a organização interna dos posseiros em situações de
ocupação de terras. O primeiro publicado durante o regime militar por um Jornal de Goiânia
mostra os preconceitos da época contra o modelo comunista e procura transpor de forma
mecanicista o que se entendia ser o regime soviético para a região de Trombas. Observemos
que logo no primeiro artigo já se diz que o regime vigente ali depende da constituição de
Moscou. Para dar um caráter mais “real” ao texto usa uns erros de português, “explicida em
vez de explícita” para indicar que o texto fora redigido por camponeses.
O texto refere-se várias vezes ao ditador José Porfírio. Após a segunda guerra mundial as palavras
ditadura e ditador ficaram estigmatizadas e seria muito improvável que alguma constituição
utilizasse este termo.
Já as “leis do Imbé”, procuram mostrar as formas de organização, mais de acordo com o que
deveria ocorrer durante a estruturação do acampamento. Notemos o papel da ULTAB, entidade
vinculada ao PCB na entrega das terras, demonstrado no fato de a comissão organizadora
controlar o processo de entrega e venda. Lembremos ainda a preocupação que o texto mostra
com a liberdade religiosa, provavelmente em referência ao predomínio católico na região.
Observe-se a preocupação com a participação feminina no controle da terra. Desta maneira,
se o texto da “constituição de Trombas” nos parece muito mais a expressão do que se pensava
ser o comunismo transposto para o norte de Goiás, o do Imbé, enfatizando a ordem entre os
posseiros, a liberdade religiosa e o papel da mulher parece-nos bastante representativo do que
muitas lideranças camponesas tentavam realizar naquele momento. Assim o historiador tem de
estar pronto a fazer a análise do documento e das condições em que foi produzido, para que
possa aproximar-se o mais possível dos acontecimentos que analisa. Desta forma o primeiro texto
ao enfatizar, por exemplo, a impunidade dos criminosos, que matassem a bem da “República
de Trombas” ou ao proibir intercâmbios comerciais, não nos mostra o que os posseiros faziam,
mas o que quem escreveu o texto pensava que os comunistas seriam capazes de fazer. Já no
segundo texto, por exemplo, ao proibir a venda das terras ocupadas defender a legalização
das uniões existentes demonstra claramente o caminho do que os organizadores da ocupação
pensaram deveria ser feito.

309
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Luta pela sindicalização, greves


e mobilização: os camponeses
na cena política.

A tentativa de sindicalização rural remonta aos anos trinta.


Na Constituição de 1934, estava prevista a representação dos
trabalhadores rurais no esquema de deputação classista, no qual
um terço dos deputados representariam os sindicatos; metade seria
eleita pelos patrões e a outra pelos empregados.

Os primeiros sindicatos rurais de que temos vestígios localizam-


se em Campos (Rio de Janeiro) e Ilhéus (Bahia). Os sindicatos
inclusive buscaram manter a correspondência com Vargas durante
o Estado Novo, (Ribeiro, 2008, p: 165, 167.)

No sétimo aniversário do Estado Novo, Vargas assinava o


decreto-lei 7038, permitindo a sindicalização rural, que deixara
de ser oficializada após a constituição de 1937. Entretanto as
dificuldades para formar sindicatos eram imensas, não só pela
dispersão dos trabalhadores em todo o país, como pela repressão
policial e porque um outro decreto de Vargas, o 8127, que regularia
Imposto Sindical
as associações de proprietários, era utilizado para justificar a
foi criado durante
o Estado Novo e impossibilidade da sindicalização dos trabalhadores, pois estes
era a contribuição estariam incorporados aos de proprietários.
equivalente a um
dia de trabalho Como vimos, o PCB buscou organizar em várias regiões as
arrecadado ligas camponesas. A diferença entre uma liga e um sindicato é que
ao trabalhador a primeira, sendo associação civil, só poderia lutar por direitos dos
e repassado
seus associados e, só precisava ser registrada em cartório. Já o
pelo Ministério
aos sindicatos. segundo poderia batalhar por conquistas para toda uma categoria
Evidentemente, este profissional residente em seu território, mas tinha que ser reconhecido
repasse era feito
pelo Ministério do Trabalho, tendo assim tanto os recursos do
de acordo com os
interesses do governo imposto sindical, como estando sujeito à fiscalização e mesmo
de turno. intervenção do Ministério.

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Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

PCB e a gradual mudança de tática

Depois de não ter conseguido desencadear a revolução,


através da luta armada, estratégia que adotou entre 1947 e 1952,
o PCB, lentamente procurou retomar o caminho de aproximação
com outros setores sociais. As palavras de ordem de Revolução não
tinham ecoado na sociedade. A partir de 52, embora o Partido não
abandonasse oficialmente os princípios do Manifesto de agosto
de 1950, seus militantes começaram a ingressar nos sindicatos
existentes e tentar uma atuação que visasse melhorar as condições
de vida dos trabalhadores. No plano rural, o PCB busca aproveitar o
Decreto-lei 7038, que não fora revogado e formar sindicatos rurais.
A ordem agora era construir entidades que atuassem “dentro da lei”,
como diziam os camponeses. Em vez de uma reforma agrária com
o confisco das fazendas, direito aos arrendatários e posseiros de
ficarem nas terras que cultivassem. Em vez de falar aos camponeses
de uma revolução social, melhor lutar com eles para que o patrão
pagasse o salário mínimo Até porque os camponeses estavam
lutando por essas condições de vida. O Jornal Imprensa Popular
do PCB não se cansava de mostrar greves, principalmente em São
Paulo, nas quais se lutava por salários, dias feriados pagos, férias
remuneradas, lutas contra o preço do arrendamento.

Conferência Nacional dos


Trabalhadores Agrícolas

Em 1953, realizou-se em São Paulo, Campina Grande e


Fortaleza, a Primeira Conferência Nacional dos Trabalhadores
Agrícolas. A Conferência tinha por objetivos escolher oito delegados
brasileiros para o Congresso da União Internacional Sindical dos
Trabalhadores na Agricultura, Florestas e Plantações (Uistaf), que se
realizaria em Viena e ao mesmo tempo discutir reivindicações dos
camponeses brasileiros. Desta conferência resultou a criação da
Comissão Permanente da Conferência Nacional dos Trabalhadores
Agrícolas. No ano seguinte realizou-se em São Paulo a Segunda

311
Conferência. Embora fosse organizada pelo PCB, que permanecia
ilegal, a conferência ocorreu num contexto mais favorável.
Acontecendo entre 19 e 21 de setembro, o encontro beneficiou-se
do suicídio de Vargas e das eleições estaduais, e parlamentares
marcadas para 3 de outubro. Diversas lideranças políticas
disputavam o espólio de Vargas e, para tanto apoiar a realização
de um encontro de trabalhadores agrícolas seria uma alternativa.
Apesar da crescente urbanização, o voto rural poderia ser decisivo
em determinadas disputas eleitorais. Daí o então prefeito de São
Paulo, Janio Quadros, candidato a governador, ceder o parque do
Ibirapuera, e o governador Lucas Garcês interessar-se em fornecer
transporte e alimentos aos congressistas.

Naquele momento, o tema da Reforma agrária já deixara de


ser bandeira exclusiva dos comunistas. A AFAO (Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) a recomendara num
seminário realizado em Campinas em 1953. O governo Vargas,
através da Comissão Nacional de Política Agrária elaborara um
projeto de reforma Agrária, determinando o pagamento de acordo
com o custo histórico da propriedade. Além do mais, o ministro
do trabalho de Getúlio Vargas, João Goulart, tinha preparado um
projeto de sindicalização rural, temendo o avanço comunista no
campo. (Ribeiro, 2008, p. 64) (Welch, 2010, p. 215). Tal situação
causava indignação aos setores proprietários, que acreditavam
inaceitável a organização dos camponeses fora de seu controle.
Poderiam até conceder benefícios ao trabalhador, mas nunca por
intervenção estatal e menos ainda dos comunistas, que na visão
fazendeira manipulavam os camponeses.

Realizado o encontro, foi elaborada uma Carta dos direitos


dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil. As principais
reivindicações eram:

• Confisco das terras dos latifundiários e distribuição aos


agricultores sem terra ou com pouca terra;

• Entrega de títulos de terras aos posseiros e aos beneficiários


da reforma agrária.
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

• Fim de todas as formas de exploração “semifeudal”, como


a meia, ou a terça, que para os comunistas marcavam os Meia e terça:
traços feudais na sociedade brasileira. Normalmente, o
camponês trabalhava
• Crédito fácil e barato, pois até nossos dias o pequeno em regime de parceria.
cultivador tem dificuldades para obter o crédito e quando o Ou seja, metade ou
um terço dos produtos
consegue os juros são muito altos.
que ele colhia eram
• Assistência técnica, distribuição de sementes, ferramentas, repassados ao
proprietário. Estas
maquinarias, adubos, inseticidas.
relações eram
• Garantia aos indígenas das terras que ocupavam. chamadas de meia e
terça, respectivamente.
• Extensão dos direitos trabalhistas ao campo.

• Proibição de qualquer forma de pagamento que não fosse em


dinheiro, como o sistema de vales, que até nossos dias escraviza
o trabalhador por dívida (conforme vimos na Aula 7).

• Extensão da previdência por conta dos patrões e do Estado.

• Estabilidade no emprego, pois até 1967 o trabalhador


urbano adquiria estabilidade após dez anos de serviço numa
mesma empresa, sendo muito cara sua demissão. Em tese
isso valia para os rurais, mas os direitos trabalhistas não
tinham chegado ao campo.

• Em caso de demissão, proibição de despejo antes que o


trabalhador encontrasse outro emprego.

Na pauta, percebemos dois blocos de reivindicações: o


primeiro dizia respeito aos que, mal ou bem, tinham ou poderiam
ter acesso a terra: posseiros, parceiros, arrendatários, ou futuros
beneficiários da reforma agrária. Reforma Agrária que vinha ainda
em tons radicais, pregando o confisco de terras. O outro grupo de Confisco
reivindicações dizia respeito a uma categoria, que se expandia: os Quando o Estado toma
os bens sem indenizar
assalariados do campo, que o PCB queria conquistar, unindo-os ao
o proprietário.
operariado das cidades. Normalmente, isso
ocorre em caso de
revoluções vitoriosas.

313
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A ULTAB e outros caminhos da Luta

Ao final do Encontro foi criada a União dos Lavradores e


Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), sob a presidência do
goiano Geraldo Tibúrcio e a secretaria do sergipano radicado em
São Paulo, José Alves Portela.

Enquanto a ULTAB dedicava-se ao esforço de formar


associações de lavradores e sindicatos de assalariados, as greves
continuavam eclodindo especialmente no estado de São Paulo.
As frequentes quedas no preço do café no mercado internacional
e os impostos cobrados sobre o produto eram repassados pelos
fazendeiros no nível de vida dos colonos, fosse no atraso do salário,
fosse na retirada de direitos costumeiros, como o de criar animais
ou cultivar sua própria roça.

Conforme (Welch, 2010, P: 235 e Priori, 1996, P: 56), os


trabalhadores do campo começaram em meados da década de
1950 a buscar um outro caminho: a justiça trabalhista. Analisando
processos a partir de 1956, tanto em Ribeirão Preto São Paulo,
como em Londrina, Paraná, os autores observam que muitas
vezes o cultivador conseguia receber férias vencidas ou salários
atrasados na Justiça. Embora essas ações sejam individuais o esforço
de sindicalização, e principalmente o movimento de militantes
comunistas no sentido de informar ao trabalhador de seus direitos
começava a gerar frutos.

A partir de 1956, a ULTAB sofreria um processo de paralisia,


que duraria pelo menos dois anos. O problema não era apenas a
repressão, mas vinha de longe e de dentro. O PCB, que organizara
a ULTAB viveu profunda crise, após a divulgação do relatório secreto
de Kruschev, denunciando os crimes de Stalin.

314
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Relatório de Kruchev
Em fevereiro de 1956, o novo secretário-geral
do Partido Comunista da União Soviética, Nikita
Kruchev, divulgou um dossiê denunciando incon-
táveis massacres promovidos a mando de Joseph
Stalin, o antigo secretário-geral, falecido em 1953. O
secretário-geral do Partido era o cargo mais alto na
estrutura de poder soviética, já que só existia legal-
mente o Partido Comunista.
A denúncia provocou rupturas nos partidos comunistas
de todo planeta. Houve aqueles que se afastaram do
PC, existiram os que se mantiveram no partido seguin-
do a linha de Kruchev, que pregava a renovação, e
os que ficaram fieis à antiga linha stalinista. No Brasil,
temos no primeiro grupo, intelectuais como Jorge Ama-
do, no segundo dirigentes como Luiz Carlos Prestes
e no terceiro elementos como João Amazonas, que
fundaria o PCDOB.

O stalinismo fora, até aquele momento, uma das principais


referências do partido. A crise espantou o tesoureiro do partido
Agildo Barata e as consequências foram imediatas. A ULTAB não
realizou a conferência prevista para 1956 e o Jornal Terra Livre,
principal divulgador das lutas rurais, que circulava desde 1954,
deixou de aparecer.

315
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Jornal Terra Livre


Era um jornal do PCB, que foi criado em 1949
e circulou clandestinamente até 1954, quando
passou a ter uma edição mais regular. Depois de
sua retomada em 1959, o Jornal seria vendido até
o golpe civil-militar de 1964. Nele estão presentes con-
flitos de terras, reivindicações camponesas e colabora-
ção de militantes. Se você quiser e tiver oportunidade,
vale a pena ir à Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro,
em frente à estação do Metrô da Cinelândia. Lá existe
uma coleção do Terra Livre, esperando por você.

A paralisia da ULTAB não significou paralisia dos movimentos


camponeses. Como já vimos, as ligas expandiam-se no nordeste,
confrontos de posseiros desenvolviam-se em Goiás e no Paraná e
durante o próprio ano de 1956 realizaram-se congressos camponeses
em estados, como: Goiás, Alagoas Minas Gerais e Pernambuco.

A partir de 1958, o PCB reestrutura-se. A linha revolucionária


do manifesto de agosto de 1950, na qual se pregava a luta armada,
foi abandonada e agora se pregava a frente antiimperialista, que
procurava isolar o latifúndio e o imperialismo estadunidense. Neste
ano, Luiz Carlos Prestes após dez anos de rigorosa clandestinidade
reapareceu e apoiou candidatos como Cid Sampaio, em
Pernambuco, Ademar de Barros, em São Paulo, e Leonel Brizola,
no Rio Grande do Sul.

No campo, o clima de cooperação levou até mesmo o Terra


Livre a publicar convocatórias de manifestações de fazendeiros de
café, que queriam levar seus camponeses a participar da “Marcha
da Produção”, onde se reivindicaria o fim dos impostos sobre a
exportação do produto e um câmbio mais favorável (o fazendeiro
receber mais cruzeiros por café exportado).

316
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

Novos Ventos

Entretanto o ano de 1959 traria dois fatos que devolveriam a


ULTAB a uma postura mais radical: No plano externo, a Revolução
cubana e sua profunda reforma agrária atraíram a atenção
internacional para a América Latina. No Brasil, a desapropriação do
Engenho Galileia mobilizou os olhares nacionais para Francisco Julião
e suas ligas camponesas. Além do mais, lideranças políticas percebiam
agora o potencial do voto agrário, independente dos fazendeiros.
O PCB não era agora o único competidor pelo apoio do camponês.

A ULTAB, agora sob direção do carioca Lindolfo Silva, realizou


sua primeira conferência e nela se levantou a bandeira de Reforma
Agrária radical. Reforma agrária radical, não era mais o confisco de
terras, onde o fazendeiro não é indenizado, mas a desapropriação
onde a indenização seria paga em títulos da dívida agrária com
base no que se declarara para fins de pagamento de impostos.

A Conferência convocou o Primeiro Congresso dos Lavradores


e Trabalhadores Agrícolas para 1961, que passou à posteridade,
como o Primeiro Congresso Camponês do Brasil.

A preparação para o congresso mobilizou trabalhadores


rurais do país inteiro em 1961. A Igreja católica buscou engajar
seus quadros para influir no evento. Além da Frente Agrária Gaúcha,
existiam entidades criadas anteriormente como o Serviço de Assistência
Rural (Rio Grande do Norte) e o Serviço de Orientação Rural de
Pernambuco, (sorp)dirigido pelos padres Melo e Crespo, bem como
entidades que originariam a Federação dos trabalhadores Rurais de
São Paulo, Fetaesp, liderada por José Rota, futuro interventor dos
militares na Confederação dos Trabalhadores na Agricultura.

Durante o congresso, embora a pauta de reivindicações de


ligas camponesas e ULTAB coincidisse em vários pontos, o grito de
reforma agrária radical na lei ou na marra levava a mobilizar a plateia.
Para Julião, não havia sentido em discutir medidas parciais como a
regulamentação dos arrendamentos ou da parceria se essas relações
estavam condenadas por uma reforma agrária radical, que as proibiria.

317
História dos Movimentos Sociais no Brasil

O congresso com 1600 delegados aproximadamente, contando com as


presenças do governador de Minas Gerais, o conservador Magalhães
Pinto, do Primeiro-ministro, o moderado Tancredo Neves e do Presidente
da República, o reformista João Goulart, ganhou manchetes nacionais.
Pela primeira vez na história do Brasil, altas autoridades tinham de se
defrontar com uma representação camponesa, que não estava ali para
aplaudi-las, mas para cobrar-lhes uma atitude. A declaração de Belo
Horizonte aprovada ao fim dos trabalhos seria um marco na história do
movimento camponês brasileiro. Suas principais reivindicações eram:

• Melhoria das condições de vida e trabalho das massas


camponesas;

• Respeito pelas organizações de classe independentes, livres


e democráticas;

• Extensão das leis trabalhistas existentes para os trabalhadores


rurais e elaboração de um estatuto trabalhista rural específico;

• Garantia das liberdades sindicais e reconhecimento imediato


das associações existentes;

• Fornecimento de assistência econômica aos camponeses.

No que tange à reforma agrária, sugeria:

• Modificação do artigo 141 Parágrafo 16 da Constituição,


que determinava a indenização prévia e em dinheiro em
caso de desapropriação;

• Censo de todas as propriedades de mais de 500 hectares,


limite a partir do qual seriam passíveis de desapropriação.

• Desapropriação da terra improdutiva das propriedades de


mais de 500 hectares, a começar pelas mais próximas de
áreas urbanas e de linhas de transporte;

• Compensação dos proprietários de terras desapropriadas


com títulos da dívida pública, de longo prazo e juros baixos;

• Censo de toda terra pública não reivindicada; apropriação


da terra devoluta (abandonada) ao domínio federal;

318
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

• Introdução de impostos territoriais progressivos, com anistia


aos pequenos proprietários;

• Regulamentação das vendas e arrendamentos de terras


agrárias;

• Distribuição gratuita de terra pública não ocupada;

• Outorga de escritura a posseiros e proteção contra


usurpadores;

• Estabelecimento de cooperativas de camponeses.

(Fonte: Welch, 2010, P: 329)

O congresso seria um divisor de águas. A partir dele o


presidente João Goulart se posicionaria mais claramente a favor
da reforma. Medidas ali propostas seriam incorporadas ao estatuto
do Trabalhador Rural, finalmente aprovado em março de 1963 e
a proposta de desapropriação de terras às margens de rodovias e
ferrovias seria um de seus últimos decretos assinados no Comício
da Central em 13 de março de 1964.

Mas se o presidente parecia sensibilizado, a reação


fazendeira não se fez esperar: em todo o país o setor proprietário
articulou-se para barrar as reformas. Uniam direito à propriedade
e a ideia de que eles geravam divisas para o país e, bem ou mal,
alimentavam a crescente população urbana.

Enquanto isso, o movimento camponês crescia. Em junho de


1962, o ministro do Trabalho André Franco Montoro, do Partido
Democrata Cristão de São Paulo baixou uma portaria facilitando o
reconhecimento de sindicatos de trabalhadores rurais. Em outubro
do mesmo ano, o presidente João Goulart criava Superintendência
de Política Agrária (Supra). Entre tantas atribuições, a Supra faria
o cadastramento de propriedades rurais (algo que jamais se fizera
no Brasil), desapropriaria terras e estimularia a organização de
sindicatos de trabalhadores agrícolas.

Finalmente, em fevereiro de 1963, seria aprovado pelo


congresso e em março sancionado pelo presidente, o Estatuto do

319
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Trabalhador Rural, que estendia ao rurícola os direitos trabalhistas,


como salário mínimo, aviso prévio, férias, mas também reduzia
os descontos nos aluguéis de casas para colonos, que tanto eram
utilizados para reduzir salários. Parecia que com décadas de espera
as propostas getulistas chegariam ao campo. O Estatuto acabou
acelerando um processo, que já se desenvolvia. Os fazendeiros não
se interessaram mais em ter colonos residentes e sim trabalhadores
temporários. Depois do golpe militar (como veremos na Aula 11),
buscaram, quando possível, mecanizar suas propriedades.

Na área camponesa, a regulamentação da sindicalização


rural levou ao que Leonilde Medeiros chamou de corrida pela carta
sindical, documento emitido pelo ministério do trabalho. Setores
ligados à Igreja fossem os mais moderados, fosse a nascente
Ação Popular vinculada à Esquerda Católica e o PCB passaram a
competir pela formação de sindicatos e federações. A disputa ocorria
porque a legislação previa a existência de apenas um sindicato por
município e uma federação por Estado. Naquele período poderia
haver sindicatos por ramos de trabalho rural: agricultura, pecuária,
indústria extrativa e trabalhadores autônomos (pequenos produtores).

No período em que Montoro ficou no ministério do Trabalho,


a tendência era os sindicatos vinculados à Igreja Católica serem
reconhecidos. Já nas gestões Almino Afonso e Amauri Silva, a
tendência foi de serem reconhecidos sindicatos ligados ao PCB.

A disputa deu-se até na formação de uma primeira Confederação


em julho de 1963, inspirada pela Igreja Católica, mas não reconhecida
pelo Ministério do Trabalho. Em dezembro, no Rio de Janeiro, 26
federações reunidas elegiam a chapa, que unia PCB e AP sob a
liderança de Lindolfo Silva. Era o nascimento da Contag. Havia cerca
de oitocentos sindicatos reconhecidos às vésperas do golpe civil-militar e
a Supra prometia organizar sindicatos em dois mil municípios do país.

Crescia a mobilização política: greves no campo, ocupações de


terras no Rio e no nordeste, protestos em Minas Gerais acampamentos
no Rio Grande do Sul, apesar da repressão do governador. Toda essa
mobilização social, que atingia também operários, estudantes e, para

320
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

a indignação da oficialidade, as baixas patentes das forças armadas,


foi interrompida a partir do golpe de Estado de 1 de abril de 1964.
Mas embora o movimento civil-militar tenha decepado a machadadas
a árvore do movimento camponês nascente, na feliz expressão
de Clifford Welch, os temas dos direitos trabalhistas e da reforma
agrária não podiam mais ser simplesmente arquivados. Não se pôde
revogar o Estatuto do Trabalhador Rural e algum encaminhamento
legal teria que ser dado à questão da Reforma Agrária. Ao contrário
do que desejavam os líderes das entidades de proprietários rurais,
o movimento camponês não fora só um pesadelo a assombrar a
tranqüilidade da Casa Grande: ele viera para ficar.

CONCLUSÃO

O período estudado, tanto na Aula 7, como nesta agora,


marcou a emergência do Movimento Camponês. Numa coisa, os
críticos do Movimento, especialmente os líderes de proprietários
de terra, estavam corretos: movimento camponês era coisa de
comunista. Especialmente se pensarmos, que o PCB foi o partido, a
pôr o tema camponês na agenda política. Fosse a Reforma Agrária,
a legislação trabalhista para o campo ou o problema da legitimação
de posses todos estes temas tinham nos comunistas, pioneiros.

A burocracia varguista já percebera o problema ainda nos


anos trinta, e o retomara nos anos cinqüenta, mas não conseguira
dobrar a resistência dos proprietários de terra. Se os comunistas
puseram o tema na agenda, não puderam monopolizá-lo: em versões
mais radicais como a das ligas de Julião ou mobilizados pelo PTB do
RS, ou ainda sob o controle da Igreja católica, o campesinato tinha
no início dos anos sessenta alternativas ao PCB para se organizar.
Isso significa que quando ocorreu o golpe militar não era mais
viável apenas neutralizar uns quantos comunistas e o problema
estaria resolvido. O tema agrário continuaria na agenda política
pelas décadas seguintes. Basta lembrar que oito meses depois do

321
História dos Movimentos Sociais no Brasil

golpe militar, o primeiro presidente general, Humberto de Alencar


Castello Branco assinava o Estatuto da Terra, criando pela primeira
vez no Brasil, uma lei de reforma agrária.

Atividade Final 

Atende ao Objetivo 2.

Leia o extrato do Texto de Welch sobre o Estatuto do Trabalhador Rural e depois faça uma
avaliação de como esse estatuto poderia impactar as relações sociais no campo de acordo
com a visão dos fazendeiros.

(...) O Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) criava uma estrutura, que dava mais poder
ao camponês através da sindicalização (...).

Em 1944, a SRB apoiou o decreto de sindicalização rural, desde que ele não previsse
instrumentos para a arrecadação de fundos, essencialmente impossibilitando as
organizações camponesas. Mas o ETR previa o imposto sindical, que custeava os
sindicatos através do pagamento de um dia-salário por ano por trabalhador dentro
da jurisdição do sindicato, mesmo para os que não pertenciam à organização (artigo
135). (...) Para os trabalhadores, a nova lei agrupava e expandia uma grande
variedade de direitos e deveres já existentes, fazendo com que se adequassem às
realidades agrárias mais especificamente do que nas definições da CLT. Essas questões
incluíam o direito a férias remuneradas (artigos 43-48), aviso prévio (artigos 90-94),
descanso semanal (artigo 42), contratos individuais (Título IV) e coletivos (Título V). Os
fazendeiros haviam conseguido até então evitar que os trabalhadores rurais tivessem
uma carteira profissional, mas o ETR ordenava que ela fosse distribuída gratuitamente
para todos os trabalhadores maiores de 14 anos (artigos 11-24). De posse da carteira
de trabalho, todos os trabalhadores teriam uma cópia de seu contrato de trabalho, e
das leis aplicáveis, assim como um histórico de sua vida profissional.

Digno de nota, o artigo 179 estendia para os trabalhadores rurais as provisões da CLT
não definidas no ETR (...).

Adaptado de Welch, Cliford Andrew. A Semente foi Plantada: AS RAÍZES PAULISTAS DO


MOVIMENTO SINDICAL CAMPONÊS NO BRASIL, 1924-1964. São Paulo, Expressão
Popular, 2010.

322
Aula 9 – Movimentos Camponeses na Experiência Democrática de 1945 a 1964 (segunda parte)

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Resposta Comentada
Mais do que uma mudança de caráter econômico e das relações de trabalho o que o ETR punha
em causa era a dominação política do setor proprietário: suas disposições mostravam muito
claramente dois aspectos: em Primeiro lugar a presença da burocracia estatal, como instituição
mediadora. Não era mais pensável, que o fazendeiro, decidisse soberanamente em seu território
o que podia ou não ser realizado. Mais do que isso, a legislação buscava por o camponês em
pé de igualdade com o patrão, forçando-o a negociar, como já se fazia na indústria.
Assim, embora alegassem fatores econômicos, salientando os custos da nova legislação, a
nosso ver, a resistência dos proprietários à aprovação do ETR e depois sua obstinação em tentar
burlá-lo estão fortemente imbricadas à noção de que chamar o roceiro para negociar, era dar
capacidade a quem não tinha, o que só poderia trazer indisciplina, desordem e desarranjo na
produção, e em última instância desemprego para o trabalhador.
Desta forma, os grandes proprietários aglutinados em suas entidades de classe, resistiram por
três décadas ao ETR e depois quando puderam tentaram evitar a qualquer preço sua efetivação,
beneficiando-se depois com a mecanização da lavoura. Se para o proprietário já era impensável
o trabalhador da roça sentar-se à mesa com ele para negociar condições de trabalho, a simples
ideia de que ele pudesse cultivar a terra por seus próprios meios, lhes pareceria, impossível.

323
Proteger a ordem vigente, na visão dos donos da terra era proteger a estrutura social e mesmo
a organização econômica do país. Para eles, não estavam defendendo interesses individuais,
mas de toda coletividade.

Resumo

Nesta aula, discutimos inicialmente a atuação de posseiros


e arrendatários em suas lutas em vários pontos do país para
permanecer nas terras que cultivavam. Notamos que em muitos
casos eles contaram com o apoio do PCB, mas em alguns momentos
puderam contar com a solidariedade de oposições aos governos
estaduais, que estavam aliados aos fazendeiros. Ao final do período,
especialmente no Rio de Janeiro, antigos posseiros passaram a
realizar ocupações de terras na luta por reforma agrária.

Posteriormente, debatemos a sindicalização dos trabalhadores


do campo, dinamizada inicialmente pelos comunistas, mas que
posteriormente encontrou outras forças que a apoiavam, como
setores da Igreja Católica.

Apesar da viva repressão desencadeada depois do golpe


de 1964, os movimentos camponeses que incluíam além das
lutas mostradas nesta aula, as ligas camponesas nordestinas e o
Máster gaúcho não poderiam simplesmente ser arquivados pelo
regime militar. As lutas por reforma agrária e direitos trabalhistas
continuariam mesmo sob a ditadura civil-militar.

Informações sobre a próxima aula

Na Aula 11, você discutirá a intervenção militar no meio


rural no pós-1964, destacando a atuação dos movimentos rurais em
relação ao Estatuto da Terra e sua participação nos diversos conflitos
ocorridos no campo durante o regime militar. Até lá!
Aula  10
Ditadura: a
intervenção nos
partidos políticos
e a criação da
Arena e do MDB
Lucia Grinberg
História dos Movimentos Sociais no Brasil

META

Apresentar o impacto da intervenção da ditadura nos partidos políticos e as bases


históricas das novas organizações.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. descrever a intervenção da ditadura nos partidos políticos em atividade;
2. identificar os principais debates relativos aos estudos sobre partidos políticos na
ditadura;
3. reconhecer o processo histórico de organização da Arena e do MDB;
4. identificar relações entre setores da sociedade e os partidos políticos criados na
ditadura.

Pré-requisitos

Para melhor compreensão desta aula, é importante que você lembre as Aulas 11 e 12
da disciplina História do Brasil III.

326
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

INTRODUÇÃO

Como vimos nas aulas anteriores, os partidos políticos podem ser


estudados a partir de diferentes abordagens. Entre as possibilidades
observadas até agora, estão análises de partidos políticos:

a) em relação com o Estado, a burocracia e as Forças Armadas;

b) o estudo da função governativa dos partidos;

c) o estudo do sistema partidário;

d) o estudo dos partidos como organizações.

Nesta aula, vamos analisar a intervenção do governo


instaurado com o golpe de Estado em 1964 nos partidos políticos
já existentes, procurando mostrar como os aspectos considerados
acima foram afetados.

Quando se fala em partidos políticos na ditadura, em primeiro


lugar, a referência é o bipartidarismo, quer dizer, à existência de
apenas dois partidos políticos: a Aliança Renovadora Nacional
(Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). No entanto,
estes partidos foram organizados apenas no final de 1965, porque
os partidos em atividade desde 1945 foram extintos por força de
uma medida autoritária, o Ato Institucional nº. 2 (AI-2), elaborado
por militares e civis que ocupavam o poder Executivo, sem consultas
às lideranças políticas e muito menos à sociedade.

O AI-2 acabou entrando para a história como mais uma prova


ou decorrência da desagregação do sistema partidário vigente entre
1945 e 1965. No entanto, circulou entre os contemporâneos do AI-2
uma percepção bastante distinta das consequências da extinção dos
partidos. Alguns articulistas da grande imprensa imaginavam que
o AI-2 apenas precipitava a reorganização dos partidos políticos,
tornando o sistema partidário mais nítido. Esperava-se, então, a
formação de um sistema partidário menos fragmentado, no qual
as forças políticas se reuniriam em torno dos maiores partidos: o
Partido Social Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro

327
História dos Movimentos Sociais no Brasil

(PTB) e a União Democrática Nacional (UDN). O AI-2, neste caso,


iria realçar os matizes partidários do sistema de 1945, ao invés de
dissolvê-los, como podemos ver nessa matéria publicada no Jornal
do Brasil de 1965:

Todos sabiam que apenas o PSD, o PTB e a UDN e talvez o


PSP poderiam sobreviver depois de março de 1966 — data
marcada para a reorganização legal — ficando os pequenos
partidos na dependência de fusões. O Ato veio precipitar
apenas a reorganização dos partidos. (Partidos podem voltar
sem mudança de nomes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
29/10/1965, p. 4).

Erro de avaliação ou desinformação sobre as intenções do


governo, o fato é que estes articulistas não estavam sozinhos. Dentre
os dirigentes partidários, muitos imaginaram e acreditaram ser
possível a reorganização de seus partidos. Analisando a diferença
existente entre os projetos de reforma partidária e as análises
contemporâneas ao AI-2 e, de outro lado, as consequências da
extinção dos partidos no longo prazo, o historiador pode perceber
a presença de uma série de possibilidades abertas à organização
dos partidos em 1965, o que certamente pode modificar avaliações
sobre o próprio sistema partidário criado em 1945.

Por essa razão, o estudo destas possibilidades mostra-se


particularmente interessante no caso dos partidos políticos criados
em 1945, pois problematiza uma conjuntura-chave e impede que
o historiador reproduza uma história quase clássica, cuja tônica
é a incapacidade de organização de partidos políticos no Brasil.

A intervenção nos partidos políticos

Em 1964, após a deposição do presidente João Goulart, muitos


políticos e sindicalistas foram cassados, mas os partidos políticos
continuaram em atividade. Após as eleições para governadores em

328
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

1965 e a vitória de candidatos do PSD na Guanabara e em Minas


Gerais, o governo Castelo Branco determinou a extinção de todos
os partidos políticos através do AI-2.

Você pode ler a íntegra do texto do Ato Institu-


cional nº. 2 (AI-2) no seguinte endereço: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-02-65.htm

O objetivo do governo não era instalar uma ditadura sem


partidos, mas alterar profundamente as forças políticas em jogo. A
Arena e o MDB organizaram-se a partir de exigências do AI-2 e do
Ato Complementar n° 4, que limitavam fortemente a organização
dos partidos. Estes só poderiam ser organizados por membros do
Congresso Nacional (em número não inferior a 120 deputados
e 20 senadores); as novas organizações não poderiam usar
quaisquer símbolos dos partidos extintos e tampouco a palavra
partido em seus nomes. O objetivo era criar um sistema partidário
novo, procurando descaracterizar as organizações partidárias em
atividade desde 1945.

Entre os anos de 1964 e 1968, antes mesmo do AI-5, as


instituições liberal-democráticas de representação política foram
atingidas por sucessivas medidas autoritárias: a deposição do
presidente da República, as cassações de direitos políticos e a
consequente perda de mandatos parlamentares, a extinção dos
partidos políticos em atividade, mudanças na legislação eleitoral
e criação de eleições “indiretas” para governadores de estado e
prefeitos de municípios considerados áreas de segurança nacional,
com a consequente perda da autonomia desses municípios, e até o
recesso do Congresso Nacional.

329
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Você pode ler a íntegra do texto do Ato Institu-


cional nº. 5 (AI-5) no seguinte endereço: http://
legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.
action?id=194620

O AI-5 tornou-se um marco tão importante na periodização


da ditadura que algumas medidas anteriores ficaram em segundo
plano nos estudos e na memória sobre a mesma. Mas, da deposição
de João Goulart ao decreto do AI-5, em 13 de dezembro de 1968,
as intervenções nas instituições não passaram despercebidas para
os próprios parlamentares e dirigentes partidários participantes do
movimento de 1964. Quando se tornou claro que a intervenção
militar não seria limitada à deposição de João Goulart e que estavam
sendo construídos alicerces para firmar um novo regime, vários
políticos que apoiaram o golpe passaram a debater as novas normas
jurídicas criadas pelo Executivo. Muitos seguiram na carreira política,
alguns se afastaram por conta própria, e outros tiveram seus direitos
políticos cassados, sendo impedidos de continuar na vida pública.

Posicionamento da UDN

Em 1963, os contatos entre udenistas e chefes militares se


intensificaram, a conspiração não envolvia apenas os “duros”
da UDN, mas também os “liberais” ou “bacharéis históricos”,
como Afonso Arinos, Adauto Cardoso, Aliomar Baleeiro e Daniel
Krieger. Em depoimentos prestados nos anos 1990, militares como
Octávio Costa, tenente-coronel em 1964, lembram o fascínio que
essas lideranças exerciam sobre eles (D’ARAÚJO, 1994, p. 82.).
Na presidência da República, Castello Branco nomeou vários
udenistas para trabalhar no governo; o marechal declarava-se um

330
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

“udenista roxo”, admirador de Carlos Lacerda e de Adauto Cardoso


(BENEVIDES, 1981, p. 130).

Um dos argumentos dos participantes do movimento de 1964


para a deposição de João Goulart era justamente a defesa da
legalidade. Em 1964, Adauto Cardoso, em discursos na Câmara
dos Deputados, alertava que o governo vinha contestando a
autenticidade de seus mandatos parlamentares. Desde 1963, Adauto
atacava a política de mobilização da população através de comícios
realizados pelo PTB com a participação do presidente da República.
Para ele, tratava-se de uma guerra cujo objetivo era “sustentar a
superior autenticidade da representação do senhor presidente da
República, da representação do povo em confronto com a nossa
representação [parlamentar]”. Nesta guerra, a alternativa escolhida
foi o abandono dos princípios democráticos em nome das próprias
instituições políticas. Uma aposta que teve desdobramentos não
tão proveitosos mesmo para alguns dos políticos que apoiaram a
deposição de João Goulart.

Logo nos primeiros dias de abril de 1964, um dos principais


temas em debate no Congresso Nacional era o das cassações de
parlamentares. Muitos políticos que apoiaram o movimento de 1964
participaram do processo de cassações, através da imprensa e dos
debates na Câmara dos Deputados e no Senado; pôde-se observar
as divergências existentes.

Houve quem defendesse abertamente as cassações e


organizasse listas de nomes que deveriam ser punidos, em nome da
“recuperação” da democracia, sendo apoiado por outros colegas.
Por outro lado, o próprio deputado Adauto Cardoso declarou
em reportagem do Jornal do Brasil a propósito da existência de
uma lista contendo 40 nomes de parlamentares a serem expulsos
do Congresso, que isso era “tão ridículo e fere de tal maneira a
dignidade do Legislativo, que só pode ser tomado como provocação”
(BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos
Deputados, 1964. vol. 2. p. 141).

331
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Posicionamento do PTB

Os representantes do PTB no Congresso Nacional procuravam


mostrar as contradições da atuação dos udenistas, ora arautos das
liberdades políticas, ora defensores de cassações de mandatos
parlamentares. Alguns petebistas defendiam a retirada dos
deputados do plenário, para não serem submissos aos militares
que reclamavam a suspensão das imunidades parlamentares
(Milton pede ao Congresso que resista. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro. 7/4/1964, p. 4). No entanto, no dia 10 de abril, foi
publicada a primeira lista de cassações, composta de 102 nomes.
Por determinação do Comando Revolucionário, a presidência
da Câmara dos Deputados cassou mandatos de parlamentares e
convocou os suplentes. De acordo com a crônica jornalística, houve
tumultos, protestos, lágrimas, berros e tiros na ocasião das primeiras
cassações no Congresso (GRINBERG, 2009).

Se, por um lado, o Executivo formado a partir do movimento


de 1964 cassava mandatos de parlamentares e suspendia direitos
políticos de muitos cidadãos, por outro lado, também pretendia
governar negociando com o Legislativo, e não apenas através de
atos institucionais. Esperava-se o apoio do Congresso, especialmente
para a aprovação de emendas constitucionais relativas às reformas
política e agrária. Trabalhava-se para conquistar uma ampla base
parlamentar formada por cerca de dez partidos; apenas o PTB
encontrava-se fora do bloco governista. No entanto, a cassação
do ex-presidente Juscelino Kubitschek transformou esse quadro: os
pessedistas oscilavam entre atônitos, irritados e decepcionados,
dissolvendo-se o bloco que reunira mais de 250 deputados (VIANNA
FILHO, p. 101-102).

Fim dos Partidos

A partir de agosto de 1964, começaram os rumores sobre


a extinção dos partidos em atividade. Muitos líderes da UDN, do

332
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

PSD e do PTB eram contrários à medida. Durante o ano de 1964,


o governo não editou nenhuma lei relativa ao funcionamento dos
partidos políticos que modificasse o sistema partidário vigente.
Apenas em 15 de julho de 1965, mais de um ano após a
ascensão dos militares ao poder, e tendo em vista as eleições que
se realizariam no dia 3 de outubro, o governo editou uma nova
Lei Orgânica dos Partidos Políticos.

A lei indicava que o projeto era manter o sistema partidário,


mas com uma modificação fundamental. A nova legislação distinguia-
se, basicamente, por aumentar a cláusula de funcionamento dos
partidos para 3% do eleitorado que tivesse votado na última eleição
geral para a Câmara dos Deputados. Portanto, é bom destacar que
o seu objetivo era diminuir o número de partidos, e não eliminar o
sistema existente como um todo.

No entanto, o resultado das eleições de outubro de 1965


precipitou uma reforma partidária muito mais profunda. Naquele
ano, nas eleições para governadores, a UDN perdeu em 9 dos
11 estados em disputa, já que nos demais estados, de acordo
com o calendário eleitoral, as eleições se realizariam em 1966.
O significado desse resultado entrou para a história como uma
vitória da oposição ao movimento de 1964 e, consequentemente,
uma derrota do governo. Mas resultados eleitorais são passíveis de
uma grande diversidade de interpretações que, muitas vezes, são
produzidas por grupos envolvidos na própria disputa política. Na
época, a derrota da UDN foi interpretada como uma derrota do
movimento de 1964, principalmente pelos militares interessados em
radicalizar o processo político (CASTELLO BRANCO, p. 602). Ao
longo do tempo, essa perspectiva foi se consolidando e passou a ser
encontrada em estudos produzidos a posteriori, muito provavelmente
influenciados pela organização subsequente dos partidos em torno
do eixo pró ou contra o movimento de 1964.

Entre os udenistas, aqueles resultados eleitorais também foram


interpretados como a continuação de experiências vividas nos últimos
vinte anos. Uma experiência de derrotas sucessivas para candidatos

333
História dos Movimentos Sociais no Brasil

da coligação formada pelo PSD e pelo PTB, algo completamente


distinto dos fatos ligados ao novo regime. Nessa perspectiva, através
do AI-2, mais uma vez, a UDN procurava artifícios autoritários para
combater vitórias eleitorais do PSD e do PTB, tentando impedir a
posse de presidentes eleitos, quer pelo questionamento quanto à
inexistência de maioria absoluta — não prevista constitucionalmente
(caso de Vargas, em 1950) —, quer pelo artifício do incentivo à
conspiração militar (caso de JK, em 1955).

Mas nem todos os udenistas integrantes do Executivo naquela


conjuntura concordavam com as medidas que seriam impostas pelo
AI-2. Tanto que as articulações para a edição desse ato envolveram
uma mudança fundamental no ministério da Justiça, com a posse de
Juracy Magalhães em substituição ao senador Milton Campos (UDN
– MG), que não aceitava os rumos que o regime vinha tomando.
De acordo com Milton Campos, ele assumira o ministério da Justiça
identificado com os princípios da “revolução”, mas o seu papel era
trabalhar em busca da normalidade constitucional (SALLES, 1975, p.
199). Por isso, era acusado por setores mais radicais ou “fervorosos”,
como os chamava, por prender-se a detalhes jurídicos. Em 1965, o
Executivo enviou ao Congresso Nacional emendas constitucionais
das quais discordava, por considerar que facilitavam em excesso
a intervenção federal e ampliavam em demasia a competência
da Justiça Militar. Diante dessas circunstâncias, preferiu solicitar
a exoneração do ministério da Justiça, argumentando que a sua
formação o constrangia em executar determinadas medidas (SALLES,
1975, p. 210-214).

Afinal, em 27 de outubro, após reunião com os ministros


militares e o novo ministro da Justiça, Castelo Branco editou o AI-
2, que radicalizou as medidas punitivas em vigor, aumentou os
poderes presidenciais, atribuiu à Justiça Militar a responsabilidade
pelo julgamento de civis envolvidos em crimes contra a segurança
nacional, aumentou o número de ministros do Supremo Tribunal
Federal de 11 para 16, extinguiu os partidos políticos existentes e
estabeleceu eleições indiretas para presidente da República.

334
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

Nos dias que se seguiram ao AI-2, os jornalistas procuraram


os dirigentes e parlamentares dos vários partidos em busca de
declarações. Os políticos, por sua vez, precisavam divulgar, para o
eleitorado e também para os seus pares, mensagens sobre o sentido
da extinção de suas organizações. Logo após a divulgação do AI-2,
o PSD, o PTB, o PSB e o PDC distribuíram notas oficiais de repúdio
à concentração de poderes no Executivo e à extinção dos partidos.
Na imprensa, a manchete do Jornal do Brasil destacava: “UDN foi
o único dos grandes que não falou da extinção”.

Entretanto, em todos os partidos houve divergências sobre


determinados aspectos da medida. Entre os udenistas, destacou-
se o apoio ao AI-2, através de declarações de “contentamento” e
de “compreensão” com o governo. Ao mesmo tempo, o deputado
Ernani Sátiro, último presidente do Diretório Nacional da UDN, teria
redigido uma nota de crítica ao governo que não foi divulgada, pois
outros deputados udenistas teriam argumentado que, mesmo após
a extinção do partido, Sátiro não poderia adotar atitudes que não
correspondiam à totalidade dos integrantes da ex-UDN (Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 28/10/1965, p. 16). O deputado, na nota,
afirmava estar “chocado com a dissolução das legendas partidárias,
imposta pelo AI-2, em medida excessiva e que merece severos
reparos” (O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25/11/1965, p. 3)

O deputado Hamilton Nogueira foi um dos poucos udenistas


que discursou abertamente contra o AI-2 na Câmara dos Deputados,
argumentando que “a democracia só se realiza com o exercício
democrático, fazendo muitas eleições. Democracia se faz com amor,
não com lavagem de cérebros com técnicas diferentes” (Hamilton
Nogueira concita deputados a protestarem contra o segundo Ato. -
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30/10/1965 p. 4).

Nesse debate, um dos pontos mais polêmicos era justamente


o do desaparecimento das legendas de cada partido. Entre as
lideranças pessedistas e petebistas havia uma certa “desolação
pela liquidação das siglas” (Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
29/10/1965, p. 4). Um articulista relatou, na ocasião, que o

335
História dos Movimentos Sociais no Brasil

pensamento dominante entre os dirigentes do PTB e do PSD era


a importância da continuidade das legendas e dos nomes dos
partidos (Reação dos líderes partidários.- Diário de Notícias, Rio
de Janeiro, 28/10/1965, p. 4). O deputado Amaral Peixoto
afirmou categoricamente que seu partido não queria mudar sua
denominação, considerada “um patrimônio formado ao longo de 20
anos de lutas pela democracia no Brasil” (O PSD não pretende deixar
de ser PSD. - Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28/10/1965, p. 16).

Os udenistas pareciam não ter tanto apreço à sua legenda.


No entanto, entre dirigentes e militantes houve várias declarações
de que o “patrimônio político” e o “espírito” udenista, para além da
legenda, deveriam ser conservados. O deputado Oscar Dias Corrêa
afirmou que o patrimônio político “está assegurado por si próprio
porque, apesar de extinto, formalmente, a existência da UDN se
conserva no próprio espírito dos homens que a integravam” (Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 29/10/1965, p. 4). Ou seja, o partido teria
continuidade através do capital político dos nomes que o integravam.

Em certo sentido, por conseguinte, as notas e declarações


dos dirigentes dos diferentes partidos eram muito semelhantes,
principalmente quanto à avaliação da perda gerada pela extinção
da legenda de cada um deles. Neste inventário, utilizaram um
vocabulário com categorias muito próximas para expressar esse
sentimento: acervo, patrimônio, herança, bandeira. Os dirigentes dos
partidos extintos, naquele momento, manifestaram uma preocupação
comum, ao se inquietarem com a perda do patrimônio de suas
organizações, tanto material quanto simbólico.

Há, portanto, uma grande convergência, embora por vias


inversas, entre o valor atribuído pela ditadura aos partidos e aquele
dado pelos próprios integrantes das organizações partidárias.
Esse fato torna-se nítido na leitura das notas e declarações que
se servem de categorias como as referidas acima, evidenciando
que o AI-2 estava atingindo seu objetivo. Os líderes dos partidos
extintos procuravam então reafirmar sua história, seus ideais, suas
lutas, delimitando seu território para além da sigla que os reunia.

336
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

Mostravam assim a necessidade de elaborar estratégias para


preservar a identidade de suas organizações, porque sabiam que
era através dela que se comunicavam com seus eleitores desde 1945.

É interessante confrontar a percepção desses atores históricos,


muito clara em toda a documentação, com a resistente interpretação
construída pelos estudos acadêmicos, que aponta para uma situação
de artificialidade e desagregação do sistema partidário em inícios de
1960. Ao investigarmos as circunstâncias da extinção dos partidos,
o que encontramos foi o esforço de várias lideranças para preservar
as características de seus partidos nas novas organizações que
seriam criadas, o que evidentemente aponta para a importância
dos mesmos.

Percebe-se, assim, que a dissolução do sistema partidário


existente entre os anos de 1945 e 1965 não foi o resultado de
uma espécie de evolução “natural” advinda do enfraquecimento
do sistema, mas uma intervenção autoritária e casuística que
contou com resistências consideráveis. Tal intervenção foi realizada
imediatamente após as eleições de 1965, quando os partidos e
o eleitorado demonstraram que o movimento de 1964 não havia
superado a autonomia e a força das legendas junto ao eleitorado e
que outro poderia ter sido o curso da política se os “antigos” partidos
não tivessem sido destruídos como foram.

Atende ao Objetivo 1

1. Logo após o AI-2, as direções do PSD e do PTB lançaram notas públicas sobre a extinção
de seus respectivos partidos. Faça um texto, comparando as notas e o artigo do Ato
Complementar nº. 4, relativo à reorganização dos partidos políticos.

337
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Nota do PSD após o AI-2

“Em face da expedição, pelo Sr. Presidente da República, do Ato Institucional nº. 2 e
representação feita sob a legenda do Partido Social Democrático para a Câmara dos
Deputados sente-se no dever de definir, perante a Nação, de modo inequívoco, a sua
posição.

Em primeiro lugar, deve ficar claro e insusceptível de dúvida que o Partido não teve
qualquer participação na elaboração do Ato, não lhe deu aquiescência nem tampouco
dele teve ciência prévia.

O Partido Social Democrático afirma perante a opinião pública do País, surpreendida


por essa manifestação discricionária, cujas razões lhe foram reveladas, que jamais se
recusou a um franco e leal diálogo com o Governo, no sentido de dar-lhe os necessários
instrumentos de atuação para a realização de uma política de paz indispensável
ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social. Essa colaboração só poderia
encontrar, e efetivamente só encontrou, limitações na preocupação constante de
preservar as instituições e defender os superiores interesses do povo.

Os deputados eleitos pelo PSD continuarão irredutivelmente fiéis a sua vocação de


servir ao Brasil e ao seu destino de baluartes do regime republicano e federativo, único
que se compatibiliza com a nossa história, as nossas tradições, a formação cívica e
a aspirações indestrutíveis de dignidade e liberdade do povo brasileiro; e renovam
diante deste, neste momento histórico, o compromisso de lutar pela plena recuperação
da normalidade e tranquilidade da vida democrática em nosso País” (Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 28/10/1965, p. 16).

Nota do PTB

“Os deputados federais eleitos sob a legenda do Partido Trabalhista Brasileiro, diante
da imposição do 2º Ato Institucional, sentem-se no dever de definir junto ao povo a
sua posição de protesto e inconformidade com o estado de exceção ora agravado.
Fazendo-o, mantém-se em fidelidade à luta que vêm sustentando no Parlamento no sentido
da restauração do sistema democrático e na defesa intransigente dos trabalhadores e
das causas nacionais.

A oposição democrática que fazemos, mesmo limitada pelas circunstâncias, já não é


mais possível.

338
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

Entretanto, não podemos cair num conformismo que seria a negação de nossa conduta,
nem coonestar com uma oposição consentida neste regime de exceção.

Nessas condições, o silêncio que adotarmos será a afirmação de total identificação


com o povo que, silencioso, também assiste estarrecido ao que ora ocorre no País.

Inconformados com a extinção, por força daquele Ato, do Partido Trabalhista Brasileiro,
reafirmamos a nossa inabalável fidelidade aos seus princípios, que não podem ser
extintos porque correspondem aos ideais de um Brasil livre e soberano que é a razão
de luta do povo brasileiro” (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28/10/1965, p. 16).

Ato Complementar nº. 4, de 20 de novembro de 1965, “Dispõe sobre a criação, por


membros do Congresso Nacional, de organizações que terão atribuições de partidos
políticos, enquanto estes não se constituem”.

Art. 13º. Os nomes, siglas, legendas e símbolos dos partidos extintos não
poderão ser usados para designação das organizações de que
trata este Ato, nem utilizados para fins de propaganda escrita ou falada.
Parágrafo único. É vedada a designação ou denominação partidária, bem como a
solicitação de adeptos, com base em credos religiosos ou em sentimentos regionalistas
de classe ou de raça”. (http://www2.camara.leg.br/legin/fed/atocom/1960-1969/
atocomplementar-4-20-novembro-1965-351199-publicacaooriginal-1-pe.html)

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339
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Resposta comentada
As notas públicas do PSD e do PTB podem ser consideradas verdadeiros manifestos em que
as direções partidárias denunciam o caráter autoritário do Ato Institucional nº. 2. Afirmam seu
protesto, a ausência de consulta prévia e concordância com a extinção de suas organizações,
então com cerca de vinte anos. De acordo mesmo com o perfil político-ideológico de cada
um, o PSD destaca que não faltou ao diálogo com o governo, enquanto o PTB enfatiza a
impossibilidade de continuar fazendo oposição em um estado de exceção. Ambas as direções
procuram, de certa maneira, prestar contas aos seus eleitores, enfatizando seus compromissos
e tradições. O PSD lembra a sua “vocação de servir ao Brasil e ao seu destino de baluartes
do regime republicano e federativo”. O PTB reafirma sua fidelidade à luta pela democracia e
a “defesa intransigente dos trabalhadores e das causas nacionais”. Em contrapartida, o Ato
Complementar nº. 4, ao proibir que as novas organizações partidárias tivessem as mesmas
legendas dos partidos extintos, indica o reconhecimento do valor simbólico das siglas. Ao proibir
sua continuidade, o AC-4 tinha o sentido de procurar desfazer não só a estrutura partidária,
mas, inclusive, os laços simbólicos entre trabalhistas, pessedistas e seus respectivos eleitorados.

Os estudos sobre partidos políticos na


ditadura

Durante muitos anos, os estudos sobre a ditadura instaurada


em 1964 se concentraram nas temáticas das oposições ao governo e
nas Forças Armadas, dedicando-se especialmente ao levantamento
dos processos decisórios e às políticas de repressão desenvolvidas
no período. Havia poucas pesquisas relativas às outras instituições
que apoiaram o regime que durou vinte longos anos, como os
partidos políticos que geravam escasso interesse como objeto de
pesquisa devido à ideia amplamente difundida no Brasil de sua
inautenticidade. Como o cientista político Otávio Dulci sintetizou,
“Havia uma espécie de consenso tácito de que tais associações
não preenchiam as funções que lhes corresponderiam; daí sua

340
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

irrelevância para a interpretação do processo político” (DULCI,


1986, p. 13.).

Os estudos elaborados por cientistas políticos sobre os


partidos criados na ditadura incorporaram no seu discurso, sem
problematizar, as críticas e as palavras de ordem usadas pelos
adversários políticos da Arena. Um exemplo é a pecha de “partido
do sim, senhor”, criada nos confrontos com os parlamentares do
MDB, no Congresso Nacional. De acordo com o historiador Rodrigo
Patto de Sá Motta, o MDB era referido como o “partido do sim” e
a Arena como o “partido do sim, senhor”, o que significava dizer
que ambos “se dobravam à vontade do poder, mas a Arena o fazia
com mais servilismo e menos pudor” (MOTTA, 1999, p. 118).

A partir da vitória do MDB nas eleições para o Senado,


em 1974, foram realizados muitos estudos sobre a competição
eleitoral no sistema bipartidário, cuja principal tônica era observar
o crescimento do MDB e as perspectivas de “abertura”. É certo
que, em 1974, o MDB venceu de maneira retumbante no Senado,
ganhando 16 cadeiras em um universo de 22. Mas as votações para
a Câmara dos Deputados sempre foram muito concorridas, como
se vê na tabela abaixo. No período, a sociedade parecia estar
dividida, e boa parte dela apoiava o regime. No entanto, os votos
na Arena eram entendidos apenas como o resultado de fraudes ou
como votos de cabresto.

Tabela 10.1: Resultados eleitorais das eleições proporcionais para a Câmara


dos Deputados (1966 – 1978).

Brancos/
Ano Arena MDB Total
Nulos

1966 50, 5 % 28, 4 % 21, 0 % 17.285.556

1970 48, 4 % 21, 3 % 30, 3 % 22.435.521

1974 40, 9 % 37, 8 % 21, 3 % 28.981.015

1978 40, 0 % 39, 3 % 20, 7 % 37.629.180

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral, Dados Estatísticos, v. 8, 9 e 11 e PRODASEN, Senado


Federal, março de 1982. Apud: Olavo Brasil de Lima Jr. Arena. In: DHBB.

341
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Os resultados eleitorais de 1970, quando a Arena venceu


com larga vantagem o MDB são os mais contestados. Para Bolívar
Lamounier, há mesmo um aspecto “anormal” naqueles números,
“devido basicamente às circunstâncias políticas então prevalecentes,
com o quase total esvaziamento da vida partidária e das eleições, no
auge do fechamento do regime pós-1964” (LAMOUNIER, 1980). No
entanto, pode-se argumentar que o voto na Arena era uma opção sim,
ressaltando-se ainda que, naquele ano, houve uma forte campanha
pelos votos brancos e nulos, cujos percentuais foram bastante altos.

Outras análises, desenvolvidas ainda durante a ditadura,


põem em relevo a injustiça da legislação que permitia as
Sublegenda candidaturas em sublegenda, prejudicando o MDB. Em 1972,
Durante o Francisco Weffort redigiu um artigo, intitulado A vitória inchada
bipartidarismo, houve
da Arena, em que discutia as eleições municipais (WEFFORT,
um mecanismo eleitoral
que permitia que cada 1972). Nesse texto, o autor enumera os casos nos quais o partido
um dos dois partidos foi bem-sucedido. Em um grande número de municípios, Weffort
apresentasse mais
considera que não houve propriamente eleição, mas um plebiscito,
de um candidato nas
eleições majoritárias. porque havia apenas um candidato da Arena, sem concorrentes do
Somavam-se os votos MDB; em outros municípios, não houve competição entre os dois
dados às sublegendas, partidos, mas “apenas” entre sublegendas da Arena. Tais situações
e a totalidade dos
foram entendidas como vitórias indevidas, porque seriam uma
votos era atribuída ao
candidato mais votado. consequência da dependência dos grupos políticos locais face aos
Tal mecanismo impedia governos estaduais, controlados pela Arena.
que eventuais divisões
internas na Arena De modo geral, tais análises dos resultados eleitorais
beneficiassem o MDB. não reconhecem os votos na Arena como indicadores de
representatividade, demonstrando o apoio de parte da sociedade
ao regime. Apenas os votos no MDB são considerados legítimos
como uma manifestação contra o regime. No entanto, vale
observar o apoio à ditadura na própria disposição de participar
da Arena e se candidatar pelo partido, reconhecendo que as
pessoas que se candidataram e receberam esses votos representam
setores da sociedade.

342
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

Os novos partidos

Entre a maioria dos cientistas sociais, havia, de certa


maneira, um questionamento sobre se a Arena e o MDB poderiam
ser compreendidos como partidos políticos ou não. No estudo
pioneiro de Maria do Carmo Campello de Souza, encontramos
algumas referências à Arena, usando a noção de “pseudopartido”.
Isso porque uma das características dos regimes autoritários seria
a incapacidade de os partidos participarem na formulação das
alternativas políticas nacionais, perdendo assim uma de suas
atribuições fundamentais (SOUZA, 1990). Mas outros pontos
se somam a essa visão de um “pseudopartido”. De acordo com
Maria Dalva Gil Kinzo, por exemplo, a principal característica da
Arena e do MDB era a diversidade de origens partidárias de seus
componentes, o que não seria apenas “uma consequência natural
do modo artificial pelo qual foi estabelecido o bipartidarismo,
mas também refletia a falta de clareza no caráter ideológico e
representativo dos antigos partidos políticos” (KINZO, 1988, p. 32).

Em outro estudo, Lúcia Klein identifica a Arena com uma


“gigantesca máquina, disforme e desestruturada, [pois] mais do que
um partido, a Arena era, na realidade, um agregado de correntes
políticas” (KLEIN, 1978, p. 82).

Na avaliação de Philippe Schmitter, o sistema partidário


anterior a 1964 foi destruído e substituído por “entidades artificiais
sem raízes na identificação popular” (SCHMITTER, 1973, p. 211-
212). Por seu turno, Bolívar Lamounier e Raquel Meneguello, já
nos anos 1980, afirmam que a “Arena era tão recente, artificial e,
sobretudo, impotente quanto o MDB” (LAMOUNIER, 1986, p. 67).

Essas análises, como se vê, são marcadas pela ideia de


artificialidade dos partidos, seja pela limitada influência da Arena
no governo ou pela diversidade de origens partidárias dos membros
da Arena e do MDB. Em relação à Arena, as proposições formuladas
são sempre marcadas pela ausência: pelo que ela não é, não
tem, não faz. A questão sobre o que era a Arena e como atuou

343
História dos Movimentos Sociais no Brasil

permanecia sem ser respondida. Ou seja, o pressuposto é que a


Arena não atuou, não existiu, pois não chegou a ser um partido.

“Se os partidos foram inventados por decreto,


seus membros não o foram”

Entretanto, é interessante notar que essa literatura costuma


observar os partidos do pós-1965 através de uma abordagem
macroscópica ou nominal, no sentido de que os nomes e as siglas
partidárias realmente sofreram modificações. Ao se alterar o foco
de análise e ao compreender os partidos como grupos constituídos
por indivíduos socializados em organizações políticas anteriores
(BERSTEIN, 1988), abre-se uma nova perspectiva de estudo. Se as
siglas Arena e MDB eram recentes e podiam não ter identificação
popular, as lideranças que formavam os partidos eram representantes
da nata dos políticos da época.

Portanto, se os partidos foram inventados por decreto, seus


membros não o foram, tendo, em sua maioria, longa prática na
política partidária, tanto antes quanto durante os anos de 1945 a
1964. Muitos deles exerceram mandatos sucessivos para diversos
cargos eletivos, razão pela qual não se pode deixar de reconhecer
sua visibilidade e representatividade junto à população.

Continuidade institucional: peculiaridades da


ditadura de 1964

O sistema partidário criado então, apesar de apresentar


tantas limitações em relação às atividades de partidos em
regimes democráticos, não pode ser entendido senão a partir da
perspectiva da preservação do sistema representativo e como uma
das características da ditadura que contribuíram para manter a
continuidade institucional no país. Como Bolívar Lamounier indica,
a preservação do sistema representativo “ocorreu no interior de
parâmetros institucionais que nem mesmo os militares puderam

344
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

permitir-se ignorar ou distorcer completamente” (LAMOUNIER, 1987,


p. 56). E, de acordo com Maria Dalva Gil Kinzo, a característica
da ditadura brasileira que a tornou um caso único foi justamente “o
fato de que os militares dissolveram o antigo sistema partidário e
criaram um novo em seu lugar” (KINZO, 1988, p. 225).

O cientista político Bolívar Lamounier observou que, durante


muito tempo, a historiografia e o pensamento político brasileiro
consideraram as questões institucionais como meros formalismos
(LAMOUNIER, 1981). Na produção historiográfica sobre o regime
autoritário, Lamounier mostrou como a maioria das análises
desenvolvidas em uma das coletâneas de estudos sobre as ditaduras
mais influentes, organizada pelo cientista político norte-americano
Alfred Stepan, Authoritarian Brazil, subestimou a importância dos
antecedentes liberais-representativos dos processos eleitorais e das
formações partidárias (LAMOUNIER, 1988, p. 88).

A partir do impacto das eleições de 1974, as análises sobre


o regime passaram a dedicar maior atenção às organizações
partidárias e às eleições, pois o resultado do pleito para
senadores indicava que aí poderia residir uma via para a abertura
política. Nos anos 1980, tendo em vista as expectativas sobre a
redemocratização, os cientistas políticos, principalmente, deram
continuidade aos estudos sobre as eleições e o sistema partidário
vigente a partir de 1965, destacando as possibilidades eleitorais
do MDB (LAMOUNIER, 1980).

De acordo com Lamounier, uma análise profunda dos fatores


que tornaram viável o processo de abertura

deveria começar pelo legado ideológico e institucional


brasileiro, cujo caráter autoritário tem sido frequentemente
ressaltado, mas que também abriga importantes componentes
liberais, não sendo concebível, entre nós, a legitimação em
termos duradouros de um sistema autoritário, muito menos de
uma autocracia repressiva como a que se configurou na era
Médici (LAMOUNIER, 1988, p. 113).

345
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Outros cientistas políticos, como Sebastião Velasco e Cruz


e Carlos Estevam Martins, demonstraram que, ao longo dos anos
1970 e 1971, alguns governistas, como Milton Campos, Herbert
Levy, Petrônio Portella e Magalhães Pinto,, reclamavam um tratamento
adequado à questão político-institucional, diante do alto grau de
imprevisibilidade do sistema político (CRUZ, 1983, p. 44).

Em sua tese sobre o MDB, Maria Dalva Gil Kinzo aponta


entre as especificidades do regime brasileiro, em contraste com
diversas experiências de regimes militares da América Latina, o
fato de que os militares brasileiros jamais proibiram as atividades
político-partidárias, criando mesmo um novo sistema partidário.
A autora postula que “os militares fracassaram em sua tentativa
de criar uma organização política capaz de servir como base de
sustentação do regime” (KINZO, 1988, p. 223-224). No entanto,
as pesquisas elaboradas sobre a Arena indicam outros sentidos para
o modelo institucional estabelecido na ditadura. Em primeiro lugar,
nem todos os militares e políticos que apoiaram o movimento de
1964 desejavam o mesmo modelo de partido. Em segundo lugar,
nem todos os governos militares procuraram fortalecer o seu partido.

Atende ao Objetivo 2

2. Muitos estudos sobre a Arena e o MDB destacam a ideia de artificialidade dos partidos
criados em 1965, devido à diversidade de origens partidárias dos membros da Arena e
do MDB. Apresente os principais argumentos presentes na literatura comentada na aula
e responda se, naquela conjuntura, a organização dos partidos poderia ter ocorrido de
outra maneira.

346
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

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Resposta Comentada
Nos estudos sobre partidos políticos na ditadura civil-militar de 1964, os cientistas políticos
destacavam que Arena e MDB não cumpriam as atribuições esperadas por partidos, não
participavam de processos decisórios centrais nem da elaboração de políticas públicas; eram
impotentes. Também consideravam que a diversidade de origem partidária na Arena e no MDB
era um indicativo de ausência de clareza ideológica e representatividade dos partidos extintos.
Os historiadores têm procurado contextualizar a extinção dos partidos pelo AI-2, a formação
e atuação do Arena e do MDB. Os partidos em atividade desde 1945 foram extintos por
uma medida autoritária durante a ditadura. Os políticos que não foram cassados e decidiram
permanecer na vida pública foram obrigados a se reorganizar em apenas duas legendas; diante
da diversidade de partidos no período anterior, não poderia ser diferente. O interessante no
estudo dos partidos políticos em estados de exceção é justamente conhecer as peculiaridades
de sua condição, as restrições impostas e as estratégias de sobrevivência de seus membros:
as dificuldades da Arena em participar do governo, mesmo sendo o partido governista, e os
desafios do MDB na organização de uma frente pelo fim da ditadura.

A organização da Arena e do MDB

Para o jornalista Villas-Boas Corrêa, numa definição que se


tornou antológica: “a Arena é a filha da UDN que caiu na zona”
(Apud: BENEVIDES, 1981, p. 134). Durante a ditadura, esse

347
História dos Movimentos Sociais no Brasil

conhecido jornalista político escreveu muitos artigos nas páginas


de grandes jornais, como O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil.
Entretanto, o que mais encontramos citado, é o comentário pitoresco
e jocoso, recolhido de sua entrevista dada ao periódico da imprensa
alternativa. Nessa definição de Villas-Boas, está implícita uma
visão da União Democrática Nacional como um partido golpista,
mas “decente”, para continuar no terreno do moralismo tão caro
à UDN, e uma identificação da Arena como uma agremiação que
sequer fez jus ao duvidoso legado udenista de “correção” e se
desencaminhou. Esse exemplo ilustra bem como as comparações
entre as identidades partidárias forjadas pelos próprios políticos,
por militantes ou atribuídas por jornalistas são temas recorrentes
na história da Arena. Como na história de todas as organizações
partidárias, há disputas pela sua memória, procurando-se dotá-la de
determinada identidade. Nesse sentido, a história da Arena envolve
uma disputa pela memória tanto da UDN quanto do PSD.

Durante a ditadura, a Arena sempre foi associada diretamente


à UDN, e o MDB, ao PSD. Tancredo Neves, cuja trajetória se iniciou
no PSD e depois seguiu no MDB, em uma entrevista, referiu-se ao
regime como um “Estado Novo da UDN” (Apud BENEVIDES, 1981).
Mas essa imagem reproduzida por pessedistas filiados ao MDB
silencia sobre o pessedismo que apoiou o movimento de 1964 e
que migrou para a Arena.

Ao longo da existência da Arena, havia realmente uma


disputa compartilhada quer pelos membros da antiga UDN, agora
na Arena, quer pelos membros do extinto PSD, então no MDB. No
entanto, a Arena era formada, de fato, tanto por udenistas quanto por
pessedistas. A presença de autoridades do Estado Novo, como Filinto
Müller, Chefe de Polícia do Distrito Federal; Gustavo Capanema,
ministro da Educação e Saúde; Benedito Valladares, interventor do
estado de Minas Gerais; e do marechal Eurico Gaspar Dutra, ministro
da Guerra, lideranças historicamente ligadas a Getúlio Vargas, é que
relativiza aquela imagem. E, além das lideranças nacionais egressas
do pessedismo, a Arena formou-se a partir de uma extensa rede

348
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

de políticos organizados em cada município provenientes tanto da


UDN quanto do PSD, cuja organização em todo o território nacional
era um dos seus valiosos capitais políticos. A perspectiva da Arena
como herdeira do PSD reafirma a sua condição de partido ligado
ao Estado, ao governo e mostra que a Arena foi um partido da
continuidade, daqueles que estavam ligados ao governo há décadas.

De fato, tanto a Arena como o MDB se organizaram a partir


da filiação dos deputados federais e senadores então em atividade,
egressos dos partidos extintos em 1965, conforme estabelecia o AC-
4. Nesse sentido, é especialmente interessante notar que a diferença
de filiação dos antigos membros da UDN e do PSD entre Arena e
MDB é bem pequena, apenas 8 parlamentares, como podemos ver
na tabela abaixo.

Tabela 10.2: A formação da Arena e do MDB a partir da filiação dos


representantes dos partidos extintos na Câmara dos Deputados (1966).

Partidos extintos Arena MDB Total

UDN 86 9 95

PSD 78 43 121

PTB 38 78 116

PSP 18 2 20

PDC 13 6 19

PTN 8 4 12

PRP 5 — 5

PR 4 — 4

PL 3 — 3

PST 2 — 2

PRT 2 2 4

MTR — 3 3

PSB — 2 2

Fonte: Maria Dalva Gil Kinzo. Oposição e autoritarismo . p. 32.

349
História dos Movimentos Sociais no Brasil

No caso da Arena, a composição do Diretório Nacional mostra as bases sobre as


quais o partido se organizou: nomes da UDN, do PSD, do PDC, do PSP, e até mesmo do PTB.
Como se pode observar através do quadro abaixo, a seleção dos políticos na composição
do Diretório Nacional representava todos os estados da federação e, em cada estado, os
diferentes partidos extintos que formaram a Arena.

Quadro 10.1: Trajetória política dos membros do Diretório Nacional da Arena, 1966.

Estado Nome Partido Trajetória


Leopoldo Peres tio (constituinte, 1946, deputado federal 1946-1948)
AM PSD
Sobrinho deputado federal (1962)
militar
governador nomeado (1946 – 1950)
AC José Guiomard PSD
deputado federal (1950, 1954, 1958)
senador (1962)
prefeito nomeado de Rio Branco
AC Jorge Lavocat PSD
governador nomeado

RR Francisco Elesbão UDN candidato a deputado federal (1962)

suplente deputado federal (1962)


diretor de Serviços de Administração Geral de
RO Hegel Morhy PSP
Rondônia, chefe de gabinete do governo do território
(1963)
militar
governador nomeado (1944 – 1956)
AP Janary Nunes PSP presidente da Petrobrás (1956 – 1958)
embaixador na Turquia (1960)
deputado federal (1962)
prefeito de Monte Alegre (1939 – 1943) (1948 – 1950)
suplente deputado federal (1950)
PA Catete Pinheiro PTN deputado estadual (1954, 1958)
ministro da Saúde (1961)
senador (1962)
governador (1950)
MA Eugênio Barros PSD
senador (1958)
prefeito de São Luís (1951)
secretário do Interior e Justiça (1951 – 1956)
MA Alexandre Costa PSP
vice-governador (1955)
suplente deputado federal (1962)

MA Clodomir Millet PSP deputado (1950)

Joaquim Santos
PI UDN senador (1958)
Parente

350
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

pai (magistrado, deputado federal 1900 – 1914)


militar
Gaioso de
PI PSD constituinte (1934)
Almendra
governador (1955)
deputado federal (1962)
deputado estadual constituinte (1946)
Wilson deputado estadual (1950, 1954)
CE PSD
Gonçalves vice-governador (1958)
senador (1962)
constituinte (1946)
deputado federal (1946)
CE Paulo Sarazate UDN
governador (1955)
deputado federal (1958)

RN Jessé Freire PSD vereador (1950)

revolucionário (1930, 1932)


senador (1954)
RN Dinarte Mariz UDN
governador (1955-1961)
senador (1962)
deputado estadual constituinte (1946)
Segismundo
AL UDN deputado estadual (1950)
Andrade
deputado federal (1954, 1958, 1962)
constituinte (1946)
suplente deputado federal (1950)
UDN prefeito de Campina Grande (1951 – 1954)
PB Plínio Lemos
deputado federal (1954)
suplente deputado federal (1958)
deputado federal (1962)
constituinte (1946)
PB Ernani Sátiro UDN
deputado federal (1950, 1954, 1958, 1962)
Nilo Coelho deputado estadual (1946)
PE PSD
deputado federal (1950, 1954, 1958, 1962)
deputado (1935)
constituinte (1946)
PE João Cleofas UDN
ministro da Agricultura (1951)
deputado federal (1954, 1958)
José Rollemberg governador (1947)
SE PSD
Leite suplente senador (1962)
deputado federal (1947)
SE Lourival Batista UDN prefeito de São Cristovão (1950)
deputado federal (1958, 1962)
constituinte (1946)
BA Rui Santos UDN
deputado federal (1950, 1954, 1958, 1962)

Theódulo Lins de constituinte (1946)


BA PTB
Albuquerque deputado federal (1947, 1950, 1958)

351
História dos Movimentos Sociais no Brasil

interventor (1933 – 1935)


governador (1935 – 1937)
Benedito interventor (1937 – 1945)
MG PSD
Valadares constituinte (1946)
deputado federal (1947, 1950)
senador (1954)
revolucionário (1930)
interventor (1933)
Gustavo
MG PSD ministro da Educação (1934 – 1945)
Capanema
constituinte (1946)
deputado federal (1947, 1950, 1954, 1958, 1966)
constituinte (1946)
MG Magalhães Pinto UDN deputado federal (1947, 1950)
governador (1961)
constituinte (1946)
governador (1947)
MG Milton Campos UDN deputado (1955)
senador (1959)
ministro da Justiça (1964)
deputado federal (1935)
Arthur Bernardes constituinte (1946)
MG PR
Filho senador (1950)
ministro da Indústria e Comércio (1961)
deputado federal (1950, 1954, 1958)
ES Eurico Resende UDN
senador (1962)
revolucionário 1938
ES Oswaldo Zanelo PRP deputado estadual (1950, 1954)
deputado federal (1958, 1962)
militar, revolucionário 1930,
PSD
subchefe do Gabinete Militar (1945 – 1946)
GB Gilberto Marinho
suplente senador (1947, 1950)
senador (1954, 1962)
Adauto Lúcio vereador (DF)
GB Cardoso UDN deputado federal (1954, 1958, 1962)

pai (deputado federal DF 1950)


GB Hélio Beltrão UDN secretário do Interior e Planejamento do gov. Carlos
Lacerda (1960 – 1965)
Mov. integralista, revolucionário 1938,
RJ Raimundo Padilha PRP suplente deputado federal (1950)
deputado federal (1954, 1958, 1962)
deputado estadual (1935 – 1937)
constituinte (1946)
Miguel Couto
RJ PSP deputado federal (1950)
Filho
governador (1954)
senador (1958)
Antonio Feliciano vereador (1926)
SP PSD
deputado federal (1946, 1950, 1958)

352
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

Deputado Assembleia Constituinte SP (1947)


Auro de Moura
SP PSD deputado federal (1950)
Andrade
senador (1954, 1962)
revolucionário 1932,
SP Herbert Levi UDN
deputado federal (1947, 1950, 1954, 1958, 1962)
revolucionário 1932
SP Hamilton Prado UDN suplente deputado federal (1954)
deputado federal (1958, 1962)
deputado federal (1954, 1958)
SP Batista Ramos PTB ministro do Trabalho (1960 – 1961)
deputado federal (1962)
movimento integralista
SP Plínio Salgado PRP
deputado federal (1958, 1962)
militar, revolucionário 1922, 1924, 1930
MT Filinto Müller PSD chefe de polícia DF (1933 – 1942)
senador (1947, 1954, 1962)
família gov. Fernando Corrêa da Costa
Ytrio Correa da
MT UDN constituinte (1934)
Costa
deputado federal (1954, 1958, 1962)
deputado estadual (1947)
GO Benedito Vaz PSD
deputado federal (1950, 1954, 1958, 1962)
família tradicional de políticos
GO Emival Caiado UDN deputado estadual (1950)
deputado federal (1954, 1958, 1962)
Adolpho de governador (1955)
PR UDN
Oliveira Franco senador (1962)
Emílio Hoffman
PR PDC deputado federal (1962)
Gomes
irmão de Nereu Ramos (interventor, governador, senador)
SC Celso Ramos PSD
governador (1960)
vereador (1950)
SC Osmar Cunha PSD prefeito de Florianópolis
deputado federal (1962)
vereador (1923, 1927)
Irineu
SC UDN governador (1950)
Bornhausen
senador (1958)
Brito Velho deputado estadual (1947)
SC PL
deputado federal (1962)
deputado estadual (1947)
RS Tarso Dutra PSD
deputado federal (1950, 1954, 1958, 1962)
constituinte (1947)
RS Daniel Krieger UDN
senador (1954, 1962)
prefeito de Caxias do Sul (1951)
RS Euclides Triches PDC
deputado federal (1962)
Fontes: Documento Constitutivo da Aliança Renovadora Nacional (Arena 65.11.30 op/
co), DHBB.

353
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Tabela 10.3: As origens partidárias dos membros do Diretório Nacional da Arena, 1966

UDN PSD PSP PRP PDC PTB PL PR PTN Total

22 19 5 3 2 2 1 1 1 56

Ao invés de observar apenas a sigla Arena, é interessante


procurar os nomes que formaram o partido, pois, então, encontramos
boa parte da nata dos políticos que construíram a UDN e o
PSD (GINZBURG, PONI, 1991). Quase todos eram políticos
profissionais que, durante o período de 1946 a 1964, foram
eleitos sucessivamente para diversos mandatos parlamentares ou
executivos, sendo que alguns deles ingressaram na carreira política
nos anos 1930, seja como parlamentares até 1937, seja ocupando
cargos através de nomeações no Estado Novo. Entre os membros do
Diretório Nacional da Arena de 1966, há 2 ex-interventores, 3 ex-
governadores de territórios nomeados pelo presidente da República,
9 ex-governadores eleitos pelo voto direto, 18 senadores e 38
deputados federais. O Diretório Nacional foi formado por políticos
com experiência e representação em seus estados - a maior parte
eleita para diversos mandatos consecutivos entre 1946 e 1964.
Tanto é que havia vários ex-governadores de estado, senadores,
deputados federais e deputados estaduais.

Em alguns estados, como Minas Gerais, a composição inclui


apenas lideranças extremamente conhecidas nacionalmente. Por um
lado, egressos do PSD: Benedito Valadares (interventor de Minas
Gerais no Estado Novo) e Gustavo Capanema (interventor de Minas
e ministro da Educação de 1934 a 1945). Por outro lado, da extinta
UDN, Milton Campos (governador eleito em 1947) e Magalhães
Pinto (governador eleito em 1960), além de Arthur Bernardes Filho
(filho de um dos presidentes do Brasil durante a Primeira República),
egresso do Partido Republicano (PR).

Nessa mudança de escala, pode-se observar tanto os nomes


dos quadros do Diretório Nacional da Arena quanto os candidatos

354
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

aos principais cargos em disputa. Os candidatos da Arena à Câmara


dos Deputados e ao Senado sempre foram, em sua maioria, políticos
com larga experiência. Nas primeiras eleições após a criação da
Arena e do MDB, o deputado Rondon Pacheco, secretário-geral da
Arena, expediu uma resolução do Gabinete Executivo, considerando
“como candidatos automáticos a cargos eletivos os atuais deputados
federais que estejam devidamente inscritos na Mesa da Câmara
dos Deputados como pertencentes à bancada da Arena” (Arena
66.06.17 op/d). No dia seguinte, Daniel Krieger, presidente do
Diretório Nacional, enviou telegramas aos diretórios regionais
comunicando a decisão (Arena 65.08.31 cor/cg pasta 1).

Entre os membros do Diretório Nacional e os candidatos da


Arena ao Senado, predominava o perfil de um partido formado
por políticos profissionais socializados entre os anos 1930 e 1960,
pertencentes aos principais partidos em atividade no período de
1945 a 1965, tendo em comum uma experiência de décadas na
vida política nacional. Cada uma das lideranças políticas escolhidas
para ocupar esses cargos de honra, como o Diretório Nacional,
ou cada nome com força política suficiente para conquistar a
indicação de candidato ao Senado, podem ser considerados um
índice de uma rede de relações políticas em cada estado. Longe
de ser uma caricatura, como é comum se afirmar, os dirigentes da
Arena procuraram compor a nova organização a partir de forças
políticas incontestáveis em cada estado e município.

Através da análise das candidaturas de 1970, é possível


compreender o tipo de representatividade social e política daquelas
eleições. Em Minas Gerais, os candidatos da Arena eram Gustavo
Capanema e Magalhães Pinto - duas lideranças com longa trajetória
política, com ampla atuação no cenário político nacional. Cada um
era egresso de um dos maiores partidos conservadores do regime
anterior: PSD e UDN.

A maior parte da bancada da Arena era formada por políticos


com trajetórias que compreendiam vários mandatos consecutivos

355
História dos Movimentos Sociais no Brasil

na Câmara dos Deputados, assim como muitos pertenciam a clãs


familiares tradicionais em cada estado. Muitas lideranças, como Juracy
Magalhães (Arena – BA) e Luiz Vianna Filho (Arena – BA), ministros
do governo Castello Branco, por exemplo, além de pertencerem a
clãs familiares com intensa participação no poder desde o Império,
possuíam uma longa trajetória política nos anos 1960.

Questões regionais

Cotejando apenas as famílias de membros do Diretório


Nacional da Arena e de candidatos ao Senado em 1966, com a
pesquisa realizada por Sérgio Miceli sobre a elite política brasileira
pós-1930 (MICELI, 1991), é possível encontrar muitos pontos de
contato. Em Minas Gerais, ingressaram na Arena vários herdeiros
de importantes clãs oligárquicos, como Israel Pinheiro, José Francisco
Bias Fortes e Levindo Ozanam Coelho. No Espírito Santo, Carlos
Fernando Monteiro Lindenberg. Em Santa Catarina, tanto no Diretório
Nacional quanto entre os candidatos da Arena ao Senado, há
nomes de várias famílias tradicionais na política do estado, como
os Konder, os Bornhausen, e os Ramos.

De acordo com Sérgio Miceli, em Sergipe e na Paraíba, a


maioria dos parlamentares udenistas pertencia a clãs familiares
que dominavam as principais atividades econômicas, como Walter
Prado Franco (SE), Leandro Maynard Maciel (SE), Ernani Sátiro
(PB) e Plínio Lemos (PB). Os dois últimos fizeram parte do Diretório
Nacional de 1966. Leandro Maciel foi candidato ao Senado, e
o irmão de Walter Prado Franco (Augusto do Prado Franco) foi
candidato a deputado federal em 1966, candidato a senador em
1970 e senador indicado em 1978.

As origens oligárquicas têm sido analisadas comumente


como um aspecto negativo de muitos partidos políticos brasileiros.
Essa é uma das razões para serem considerados apenas como

356
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

organizações baseadas em disputas familiares, e não como


partidos marcadamente ideológicos. No entanto, vários autores,
como Max Weber, Pierre Bourdieu e Michel Offerlé mostram que a
representação política, classicamente, é uma extensão da autoridade
social. Apenas, ao longo do tempo, principalmente durante o século
XX, outros setores sociais organizaram-se politicamente e passaram
a ter na política uma profissão.

Além disso, as disputas políticas da Arena sempre são tratadas


como disputas regionais. Quer dizer, e mais uma vez, que não
seriam disputas ideológicas, mas disputas pessoais pelo poder. De
acordo com Dulci, nos estudos sobre partidos políticos, a partir do
diagnóstico da inautenticidade dessas organizações,

sobressaíam tópicos como o clientelismo, a política de clãs, a


rede oligárquica de poder, o corporativismo, estes sim vistos
como capazes de conduzir a análise para a essência das
clivagens políticas. Nesse prisma, os partidos políticos eram
vistos como somatórios de máquinas políticas, mais que como
agentes de representação e promoção de interesses de tipo
classista e, precisamente por esta razão, despidos de maior
significado para a compreensão da política brasileira. O
contraste entre ‘política de clientela’ e ‘política ideológica’,
sublinhado por muitos autores, constitui a ilustração clássica
desse ponto de vista (DULCI, 1986. p.13.).

Voltando à história da formação da Arena, a partir da


extinção dos partidos em atividade desde 1945, é perfeitamente
compreensível que houvesse conflitos políticos regionais no interior
do novo partido. Isso mostrava as consequências das experiências
anteriores dos atores envolvidos na Arena.

357
História dos Movimentos Sociais no Brasil

É importante destacar, igualmente, que a ori-


gem partidária oligárquica não exclui a marca
ideológica ou a concepção de determinado
projeto político. Além disso, o fato de um partido
não ser marcadamente ideológico não significa
que não tenha ideologia. Em muitos casos, inclusive,
é mais adequado trabalhar com o conceito de cultura
política. Não é à toa que homens de famílias e de
partidos que durante tantos anos foram adversários
políticos concordaram em se unir em uma nova orga-
nização. Apenas por motivos extremamente fortes isso
poderia ter acontecido.

Nos anos 1940 e 1950, jamais udenistas e pessedistas


imaginariam formar um só partido. Em alguns estados, principalmente
no Nordeste, mas também no Rio Grande do Sul (onde o PTB era
muito forte), PSD e UDN chegaram a selar alianças eleitorais. Mas
deixar de lado as rivalidades marcadas pelo getulismo parecia
impossível.

É fundamental perceber que essa base oligárquica, em quase


todos os estados, revela o amplo respaldo social conquistado por
um partido governista em um regime autoritário. O que nos mostra
como diferentes fatores estão presentes na composição da Arena.
A negociação entre os membros dos partidos extintos (na qual
as sublegendas possuem um papel fundamental em nível local)
possibilitou a conquista de um amplo respaldo social. Quer dizer,
os arranjos institucionais estabelecidos durante o regime militar
compreenderam importantes negociações com as elites regionais.
Considerando o histórico da formação da UDN e do PSD e, tendo
em vista que na Arena a maior parte desses grupos reuniu-se, temos
praticamente um consenso entre as elites brasileiras.

358
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

De volta das cinzas


Arena pode ressurgir das cinzas, movimento
tenta criar um novo partido com perfil nacionalista
e conservador. Há representantes em Pernambuco.
Em 1979, com a lei do pluripartidarismo, o MDB e o
ARENA perderam seus nomes e tiveram que mudar de
sigla. Além disso, outros partidos começaram a ser for-
mados desde então. A arena teve sua continuidade ga-
rantida por meio do PP e do DEM; no entanto, existe
um grupo que quer reviver a ARENA. Tal grupo pede
uma “revisão histórica” e tenta dissociar o partido das
acusações pesadas contra a ditadura. Abaixo, um link
com a notícia completa, caso tenha curiosidade.
Fonte:http://www.diariodepernambuco.com.br/
app/noticia/politica/2012/08/12/interna_politi-
ca,390363/arena-pode-ressurgir-das-cinzas.shtm

Atende ao Objetivo 3

3. Caracterize as bases históricas da organização da Arena a partir das trajetórias políticas


dos candidatos da Arena ao Senado nas eleições de 1966.

359
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Quadro 10.2: Trajetória política dos candidatos da Arena ao Senado Federal nas eleições de 1966.

partido
Estado Senador suplente Trajetória política
de origem
Edgard Pedreira Cerqueira Filho militar
AC
Evilásio de Araújo Maia governador (1964)
interventor (1930)
constituinte (1934)
Álvaro Botelho Maia PSD governador (1935)
AM
Flávio Costa Brito interventor (1937)
constituinte (1946)
senador (1946)
Vivaldo Lima Filho*
AM PTB
Ney Rayol
Jarbas Passarinho
PA UDN* militar
Milton Trindade
Teotônio Vilela UDN deputado estadual (1954)
AL
Arnaldo Pinto Guedes de Paiva vice-governador (1960)
constituinte (1934)
Aloísio de Carvalho Filho* UDN deputado (1935)
BA
Antonio Silva Fernandes PSD constituinte (1946)
senador (1946)
constituinte (1946)
Paulo Sarazate UDN deputado (1946)
CE
Valdemar de Alcântara PSD governador (1955)
deputado (1958)
ClodomirMillet
MA PSP deputado (1950)
Achiles de Almeida Cruz
Eugênio Barros*
MA PST/PSD
José S. Machado
Aluísio Afonso Campos deputado estadual (1934)
PB
Américo Maia deputado estadual (1951)
deputado (1935)
constituinte (1946)
João Cleofas UDN
PE deputado (1946)
José do Rego Maciel PSD
ministro da Agricultura (1951)
deputado (1954, 1958)
deputado estadual (1954)
Petrônio Portela UDN
PI prefeito (1958)
Benoni Portela Leal
governador (1962)
Francisco Duarte Filho UDN/PDC
RN
Luiz Gonzaga de Barros UDN/PST
constituinte (1935)
senador (1935)
Leandro Maciel UDN
SE constituinte (1946)
Gonçalo Rollemberg da Cruz Prado
deputado (1946, 1950)
governador (1955)

360
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

José Fleury UDN


GO deputado (1950)
José Cruciano PSD
pai (governador, senador na Primeira
República)
Fernando Corrêa da Costa* UDN prefeito Campo Grande (1947)
MT
Paulino Lemos da Costa UDN governador (1950)
senador (1958)
governador (1961)
João Ponce de Arruda
MT PSD
Paulo Tostes de Souza
revolucionário 1930,
constituinte (1934)
Carlos Fernando Monteiro deputado (1935)
ES Lindemberg PSD constituinte (1946)
Henrique Del Caro deputado (1947)
senador (1951)
governador (1958)
Jefferson de Aguiar*
ES PSD
Justiniano de Melo e Silva
Venâncio Igrejas UDN
GB suplente senador (1961)
Aguinaldo Silva
constituinte (1946)
governador (1947)
Milton Campos* UDN
MG deputado (1955)
José Ferreira Filho PSD
senador (1958)
ministro da Justiça (1964)
militar
revolucionário (1922)
Paulo Torres
RJ governador do Acre (1955)
Cordolino Ambrósio
comandante militar da Amazônia (1963)
governador (1964)
Carvalho Pinto governador (1959)
SP UDN
Virgílio Lopes da Silva ministro da Fazenda (1963)
militar
Ney Braga deputado (1958)
PR PDC
Octávio Pereira Júnior governador (1961)
ministro da Agricultura (1965)
deputado estadual (1950)
Guido Mondim* deputado federal (1955)
RS PRP
Naziazeno de Almeida vice-prefeito (1957)
senador (1958)
Mário Mondino
RS PL/PDC
Lucy Monteiro
irmão de Nereu Ramos (interventor,
Celso Ramos PSD
SC governador, senador)
Álvaro Bocayuva Catão UDN
governador (1960)
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral e Dicionário Histórico Bio-Bibliográfico.

* Candidatos à reeleição

361
História dos Movimentos Sociais no Brasil

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Resposta Comentada
Na experiência republicana inaugurada em 1889, o cargo de senador da República sempre
foi estratégico e considerado lugar de prestígio na trajetória de políticos profissionais. Durante
a ditadura instaurada em 1964, os senadores perderam prerrogativas devido a sucessivos atos
institucionais que concentraram o poder no Executivo. No entanto, com o fim das eleições diretas
para presidente da República e para governadores de estado, o cargo de senador continuou
estratégico para quem pretendia continuar na vida política profissional, então bastante limitada,
de maneira que as bases históricas da Arena podem ser analisadas através das trajetórias
de candidatos ao senado pelo partido, uma vez que apenas lideranças de peso ou políticos
apoiados por correntes significativas do partido conseguiam ser candidatos. De acordo com
o quadro apresentado, a maioria dos candidatos da Arena ao Senado tinha longa trajetória
política partidária, eles exerceram vários mandatos eletivos antes da ditadura, foram deputados,
senadores ou governadores. Os dados também indicam que a Arena foi formada principalmente
por membros dos dois maiores partidos conservadores em atividade até 1965, o PSD e a UDN.
Poucos candidatos eram militares e não possuíam experiência política partidária.

362
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

CONCLUSÃO

Os estudos sobre partidos políticos na ditadura devem


considerar, portanto, o processo de intervenção no sistema partidário
vigente, as limitações impostas pela repressão à participação na
vida pública de muitas lideranças políticas, as restrições criadas
pela legislação partidária e eleitoral, assim como as apropriações
dessas condições pelos políticos que permaneceram em atividade
nas organizações partidárias reconhecidas oficialmente e por setores
sociais que apoiaram o autoritarismo.

Atividade Final

O cientista político francês Michel Offerlé considera necessário “reintroduzir na história


a análise do Estado desenvolvida pelos sociólogos e sublinhar que, mesmo nos regimes
rotulados como autoritários [...], o Estado é sempre uma relação social construída pelos
agentes que lhe dão existência” (OFFERLÉ, 2005, p. 348). Como mediadores entre o Estado
e a sociedade, os partidos políticos também devem ser compreendidos como uma relação
social construída pelas pessoas que lhes dão existência: eleitores, simpatizantes, militantes
e políticos. Analise o trecho abaixo da carta de um simpatizante da Arena enviada ao
Diretório Nacional a partir da visão de Michel Offerlé sobre o Estado e partidos políticos
em contextos autoritários:

O correligionário que esta lhe escreve é arenista desde as primeiras horas, revolucionário
de 64, ingressei na Arena, não apenas por ser o partido da revolução, mas sim, porque
sempre fui contra o comunismo, a anarquia e a corrupção, razão pela qual consenti
que minha esposa saísse em companhia de minhas cunhadas na passeata que deu
início à revolução de 64, ‘COM DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA’, tomei parte em todas as

363
História dos Movimentos Sociais no Brasil

campanhas da Arena, mesmo não sendo candidato, não só aqui nesta cidade, como
em diversos municípios pelo litoral, como Praia Grande, Itanhaem, Itariri, Toledo e
outros, sempre às minhas próprias expensas, em meu pequeno escritório nesta cidade
foi sempre comitê de candidatos da Arena sem que eles pedissem [...]. (Arquivo do
Diretório Nacional da Arena, CPDOC/FGV, 68.08.31 cor/cg).

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Resposta Comentada
Apesar da intervenção da ditadura nos partidos políticos em 1965 e a imposição da criação
de apenas dois partidos, as novas organizações eram representativas de setores da sociedade.
No texto acima, o trecho de uma carta enviada por um correligionário da Arena ao Diretório
Nacional, encontramos um bom exemplo. O simpatizante da Arena identifica-se como um
arenista das “primeiras horas” e um revolucionário de 1964; enumera os motivos que levaram
muitas pessoas a apoiar o golpe de estado, como o anticomunismo e a ideia de que uma
ditadura poderia acabar com a corrupção. As correspondências de pessoas narrando suas
iniciativas de apoio ao partido governista mostram que quem dava vida, fazia o partido existir
em municípios espalhados por todo o território nacional, não eram burocratas nem militares,
eram setores da sociedade civil. Daí, a importância da reflexão sobre as relações entre Estado,
ditadura e sociedade através de partidos políticos.

364
Aula 10 – Ditadura: a intervenção nos partidos políticos e a criação da Arena e do MDB

RESUMO

Nesta aula, descrevemos a intervenção da ditadura no sistema


político-partidário vigente desde 1945 e a reação de lideranças
partidárias naquela conjuntura. Em seguida, examinamos em linhas
gerais a literatura sobre Arena e MDB, os partidos criados 1965 a
partir das diretrizes impostas pelo AI-2 e pelo AC-4. Na última parte
da aula, vimos que, apesar de criados por decreto e sob grandes
restrições, os partidos eram expressão de setores organizados da
sociedade.

365
Aula  11
A ditadura: a
intervenção nos
sindicatos e os seus
desdobramentos
no movimento
operário (1964-
1979)
Lucia Grinberg
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta

Apresentar o impacto da ditadura nos sindicatos de trabalhadores: a repressão e as


estratégias de militância desenvolvidas.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. descrever a intervenção da ditadura nos sindicatos de trabalhadores;
2. identificar as características das experiências do movimento operário em 1968;
3. reconhecer a renovação no movimento sindical no final dos anos 1970.

Pré-requisitos

Para que você compreenda melhor esta aula, é importante que relembre a Aula10 de
História do Brasil III sobre o governo João Goulart e o golpe de 1964.

368
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

Introdução

Devo agradecer às organizações sindicais, promotoras desta


grande manifestação, devo agradecer ao povo brasileiro
por esta demonstração extraordinária a que assistimos
emocionados, aqui nesta cidade do Rio de Janeiro. Quero
agradecer também aos sindicatos que, de todos os estados,
mobilizaram os seus associados, dirigindo a minha saudação
a todos os patrícios neste instante mobilizados em todos os
recantos do país e ouvindo o povo através do rádio ou da
televisão. (Discurso do presidente João Goulart no Comício
das Reformas, no dia 13 de março de 1964. Apud: SILVA,
1975, p. 457).

Figura 12.1: Presidente João Goulart, ao lado


da esposa Maria Tereza, discursa no Comício da
Central do Brasil.
Fonte: Arquivo Nacional/phfot 5610 30.

Na noite de 13 de março de 1964, no Comício das Reformas,


realizado na Central do Brasil, o então presidente da República,

369
História dos Movimentos Sociais no Brasil

João Goulart, se dirigiu, em primeiro lugar, aos sindicatos de


trabalhadores pelo empenho na organização da manifestação.
Ao longo do discurso, Goulart reconheceu a importância dos
sindicatos na vida política nacional e na conquista de direitos pelos
trabalhadores. Nesse sentido, identificava as atividades sindicais
como expressão da democracia. Em contrapartida, combatia
os adversários políticos do PTB por defenderem “a democracia
doantipovo, a democracia da anti-reforma, a democracia do anti-
sindicato” (Apud: SILVA, 1975, p. 457).

Como vimos na disciplina História do Brasil III, durante


o governo João Goulart (1961-1964), houve um processo de
radicalização política nos movimentos sociais e nos partidos políticos.
O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), partido do presidente, era
então um partido em ascensão, era o que mais crescia a cada eleição
e o segundo com o maior número de parlamentares na Câmara dos
Deputados (LAVAREDA, 1991). A principal proposta do governo
João Goulart era a realização de reformas, sendo o debate sobre a
reforma agrária o mais emblemático para compreender as disputas
políticas em jogo.

Durante o mês de março de 1964, foram organizadas


manifestações políticas com milhares de pessoas, como o Comício
da Central do Brasil, em apoio às reformas, assim como ocorreram
as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, uma iniciativa
das associações ligadas à Igreja Católica, principalmente, que
consideravam as propostas do governo indícios de um projeto
revolucionário. Naquela conjuntura de radicalização política,
militares e políticos de partidos conservadores, como a União
Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD),
os principais partidos de oposição ao PTB, formaram uma frente
para depor o presidente.

Em abril de 1964, uma das primeiras medidas do “Comando


Supremo da Revolução”, como se autodenominaram os dirigentes
do movimento golpista, foi justamente a suspensão de direitos
políticos e a cassação de mandatos parlamentares de trabalhistas

370
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

e comunistas, entre os quais estavam várias lideranças sindicalistas.


Nesta aula, vamos estudaro impacto da ditadura nos movimentos
sociais, especialmente a intervenção nos sindicatos de trabalhadores,
e as práticas.

A intervenção nos sindicatos

Logo após o golpe, as suspensões de direitos políticos e as


cassações de mandatos eletivos atingiram justamente muitas pessoas
que, através da participação política institucional, através de partidos
políticos e de sindicatos, vinham obtendo vitórias importantes na
área dos direitos do trabalho.Se os trabalhadores urbanos estavam
contemplados pela legislação trabalhista, os camponeses só tiveram
direitos reconhecidos pelo Estado com a aprovação do Estatuto do
Trabalhador Rural, durante o governo João Goulart, em 1963.

Para conhecer o Estatuto do Trabalhador Rural,


aprovado em 1963, acesse:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-
1969/L4214.htmhttp://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/1950-1969/L4214.htm

Em abril de 1964, o governo suspendeu os direitos políticos


de cerca de 100 pessoas: lideranças políticas e sindicais. Entre as
lideranças políticas, encabeçavam a lista Luiz Carlos Prestes (PCB),
João Goulart (PTB), Jânio Quadros, Miguel Arraes (PSB), Leonel
Brizola (PTB), Francisco Julião. Entre os dirigentes sindicais, vários
militantes do PTB e do PCB: ClodesmidtRiani (PTB), Hércules Corrêa
dos Reis (PCB), Dante Pelacani (PCB), Osvaldo Pacheco da Silva
(PCB), Roberto Morena (PCB) e Benedito Cerqueira (PCB).

371
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 12.2: Algumas das principais lideranças políticas e sociais a terem seus direitos políticos suspensos em 1964.
Fontes: Bundesarchiv, Bild 183-13290-0017 / CC-BY-SA 3.0, By Governo do Brasil (Galeria de Presidentes) [Publicdomain] /
http://institutomiguelarraes.com.br/ Assembleia Legislativa do RS/Memorial do Legislativo / Memorial das Ligas Camponesas
/ Arquivo Aline Moura/ Acervo IFCS – UFRJ/ Folhapress / PCB.org.br / PCB.org.

Com o objetivo de afastar adversários políticos de posições-


chave no Estado, ocorreram muitas cassações na administração
pública; o maior número de expurgos ocorreu no ministério de Viação
e Obras Públicas; em segundo lugar, no ministério do Trabalho, no
qual era notória a presença de membros do PTB.

Como vimos na aula sobre o projeto trabalhista elaborado


nos anos 1930, os sindicatos eram subordinados ao Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC). Durante o Estado Novo, o
governo procurou reforçar o papel dos sindicatos como entidades
de representação dos interesses dos trabalhadores junto ao Estado.

Ao longo da experiência democrática inaugurada em 1945,


era notória a proximidade entre sindicalistas do PTB e o ministério
do Trabalho, sendo uma corrente petebista conhecida mesmo como
“ministerialista”. Entre 1945 e 1964, a maior parte dos ministros
do Trabalho era petebista; as políticas públicas da área eram
consideradasda alçada do PTB. Na tabela abaixo podemos ver

372
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

o número pessoas afastadas da administração pública em vários


ministérios, entre os quais o do Trabalho.

Figura 12.3: Expurgos na burocracia civil.


Fonte: Maria Helena Moreira Alves.Estado e oposição no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 1984.

Durante a ditadura, a estrutura sindical baseada no


modelo corporativo foi mantida. Como vimos na aula sobre o
projeto trabalhista implementado pelo Estado nos anos 1930, o
corporativismo pressupõe um controle importante dos sindicatos
pelo governo. Em 1964, poucos meses após o golpe de Estado, o
governo editou uma nova legislação regulando o direito de greve,
a lei n. 4.330, de 1º de junho 1964.Conhecida como lei antigreve,
modificou a legislação vigente ao estabelecer fortes restrições às
atividades grevistas. As greves passaram a ser consideradas ilegais:

1. Se não fossem atendidos os prazos e as condições estabelecidas


na lei;
2. Se tivessem por objetivo reivindicações julgadas improcedentes pela
Justiça do Trabalho em decisão definitiva, há menos de um ano;
3. Se deflagradas por motivos políticos, partidários, religiosos,
sociais, de apoio ou solidariedade sem nenhuma reivindicação
que interesse direta e legitimamente a categoria profissional;

373
História dos Movimentos Sociais no Brasil

4. Se tivessem por fim alterar condições constantes de acordos sindicais,


convenção coletiva de trabalho ou decisão normativa da Justiça do
Trabalho em vigor, salvo se tiverem sido modificados substancialmente
os fundamentos em que se apoiam. (MARTINS, 1989).

Para conhecer a íntegra da lei de greve editada


pelo governo Castello Branco veja: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/
L4330.htm#art32

Em estudo pioneiro sobre os sindicatos na ditadura, a


cientista política Argelina Figueiredo mostrou que a maior parte das
intervenções ocorreu logo nos primeiros anos após o golpe. Entre
1964 e 1965, 433 intervenções foram realizadas (80% do total);
o principal motivo alegado era o de “subversão” (82% do total)
(FIGUEREIDO, Apud: RODRIGUES, 1991, p. 551).De acordo com
a metodologia utilizada na pesquisa, por intervenção entendeu-se
“o afastamento de toda a administração de uma entidade sindical
acompanhada da designação, por parte do Ministério do Trabalho,
ou da Delegacia Regional do Trabalho, de um representante do
Ministério do Trabalho para administrar a entidade” (RODRIGUES,
1991, p. 551).

Além da intervenção, o governo desenvolveu outras estratégias


para restringir a participação nos sindicatos; no mesmo período,
voltou a ser exigido o certificado de ideologia, uma maneira de a
polícia política realizar uma triagem entre os candidatos à direção
dos sindicatos (RODRIGUES, 1991, p. 552).

Durante a ditadura, a estrutura sindical foi mantida, a


diferença principal se deu no sentido atribuído aos sindicatos pelo
governo. A política de negociação política estreita entre governo
federal e sindicatos, própria da experiência democrática anterior,

374
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

principalmente dos governos Getúlio Vargas (1951-1954), Juscelino


Kubitschek (1955-1960) e João Goulart (1961-1964) teve fim.

Durante a ditadura, os sucessivos governos procuraram


enfatizar as políticas de assistência social dos sindicatos em
contrapartida à destituição do sentido de entidades de mobilização
política. De acordo com Marco Aurélio Santana,

Com isso, não se visa propriamente ao enfraquecimento


dos sindicatos; antes, busca-se dar-lhes outro tipo de força.
A ideia era fortalecer os sindicatos e o sistema corporativo
para seu papel na construção da nação e da coesão social
(SANTANA, 2008, p. 282).

Além de impedir a atividade das lideranças sindicais


comunistas e trabalhistas através da suspensão de direitos políticos
e de prisões,ogoverno procurou garantir o controle sobre as novas
direções dos sindicatos de trabalhadores. Ao mesmo tempo em que o
ministro do Trabalho aprovou a realização de eleições em centenas
de sindicatos,eramabertos processos judiciais contra as direções
depostas, com o objetivo de impedi-las de retornar aos sindicatos
através de eleições.

Apesar das intervenções nos sindicatos, a direção do


PCB sustentou durante toda a ditadura a orientação de que os
sindicalistas do partidodeveriam participar da vida sindical,
concorrendo às eleições das entidades e mobilizando os operários
em seus locais de trabalho:

O PCB, que, de certa forma, vê no espaço sindical o elemento-


chave de reativação do movimento operário, trabalha no
sentidodesse retorno aos sindicatos, apesar dos limites a
que estavamsubmetidos. Nesta luta, os comunistas, como já
fizeram em outrasconjunturas, também vão travar batalhas
contra os setores maisconservadores do movimento sindical.
Além disso, eles trabalhamno sentido da recuperação das
entidades intersindicais, que possamarticular de formageral
a luta dos trabalhadores” (SANTANA, 2008, p. 284).

375
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Atende ao Objetivo 1

1. Leia com atenção a lista das pessoas atingidas com suspensão de direitos políticos e
cassação de mandatos eletivos em 10 de abril de 1964. Compare as trajetórias de quatro
lideranças políticas. Você pode pesquisar no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro on-
line: http://cpdoc.fgv.br/acervo/dhbb

Figura 12.4: Lista das pessoas atingidas com suspensão de direitos políticos e
cassação de mandatos eletivos em 10 de abril de 1964
Fonte: Atos do comando supremo da revolução. Diário Oficial, Brasília, 10 de abril de 1964.

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Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

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Resposta Comentada
A pesquisa das trajetórias políticas das pessoas que tiveram seus direitos políticos suspensos
e/ou mandatos eletivos cassados logo em abril de 1964mostra um perfil comum à maioria.
Eram principalmente parlamentares e sindicalistas filiados ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
ou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) que, mesmo tendo seu registro cancelado na Justiça
em 1947, continuava sendo uma organização atuante no cenário nacional. Eram homens que
procuravamampliar os direitos dos trabalhadores com a aprovação de novas leis, através dos
canais institucionais apropriados em regimes democráticos, partidos políticos e sindicatos de
trabalhadores. A maior parte das lideranças tinha longa trajetória política, pelo menos desde
a redemocratização de 1945.

377
História dos Movimentos Sociais no Brasil

O Massacre de Ipatinga
Em 7 de outubro de 1963, ocorreu em
Minas Gerais um incidente conhecido como
Massacre de Ipatinga. Em 2013, após 50 anos,
a Comissão Nacional da Verdade organizou uma
audiência pública para ouvir depoimentos de operários
que, na época, trabalhavam na Usiminas.

http://www.encontro2010.historiaoral.org.
br/resources/anais/2/1270359016_ARQUIVO_
NAOFOIPORACASO-MarcelodeFreitasAssisRocha.pdf

Você encontra os depoimentos disponíveis


n a i n t e r n e t : h t t p s : / / w w w. y o u t u b e . c o m /
playlist?list=PL9n0M0Ixl2jeUdl_NbO1-pZkHw9XEmm-d

Figura 12.5: Comissão da Verdade – Massacre


de Ipatinga
Fonte: www.cnv.gov.br

378
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

As greves de 1968, a repressão e o AI-5

Nas últimas décadas, o ano de 1968 se tornou um marco


do movimento estudantil. No cenário internacional, o destaque é o
maio de 1968 francês; na história do Brasil, nos lembramos da morte
do estudante Edson Luís no centro da cidade do Rio de Janeiro, da
sua repercussão e seus desdobramentos: a realização de grandes
passeatas organizadas porestudantes, que ganharam a adesão de
artistas, intelectuais e milhares de pessoas.

Nesta aula, vamos conhecer outra faceta desse ano, o 1968


operário.Nos estudos sobre o movimento sindical na ditadura, há
algumas divergências importantes. Como vimos em aulas anteriores,
cientistas políticos e sociólogos questionaram a autonomia e a
participação significativa de trabalhadores no movimento sindical na
experiência democrática de 1946 (WEFFORT, 1979; RODRIGUES,
1991). No caso da ditadura, questionam mesmo a existência de
movimento sindical no período. De acordo com Leôncio Martins
Rodrigues, “o movimento sindical desapareceu a partir de 1964,
para só reaparecer nos primeiros anos da década de 1970”
(RODRIGUES, 1991, p. 552).

De fato, com a ditadura, o movimento sindical perdeu


influência política junto ao governo federal, muitas lideranças
comunistas e trabalhistas foram presas e/ou cassadas, muitos
sindicatos sofreram intervenções, mas o movimento sindical não
desapareceu. Mesmo diante de muitas restrições impostas pela
ditadura, havia sindicalistas atuantes.

Como datas comemorativas são capazes de mobilizar a


população, comovendo aqueles que compartilham determinadas
tradições políticas, o governo e os sindicatos desenvolveram
estratégias para se apropriar do 1º de maio de 1968, em
comemoração ao Dia dos Trabalhadores.

379
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Rio e São Paulo

Foram organizadas manifestações no Campo de São


Cristóvão, no Rio de Janeiro, e na Praça da Sé, em São Paulo.
Na grande imprensa, as notícias sobre os preparativos indicam as
expectativas e estratégias do governo, do ministro do Trabalho e da
polícia, por um lado, e dos sindicatos de trabalhadores, por outro.

Em 1968, como tradicionalmente o governo fazia desde


Getúlio Vargas, o ministro do Trabalho anunciou um aumento salarial
procurando acenar com a recuperação das perdas sofridas nos
últimos anos:

O Ministro do Trabalho, Coronel Jarbas Passarinho, dirá hoje


à noite em mensagem aos trabalhadores, através de uma
cadeia de televisão, que a lei de distensão salarial, atualmente
no Congresso, permitirá uma devolução de salários da ordem
de 30% do valor perdido em 1966 (Passarinho garante
hoje que salário começa a valer mais. Jornal do Brasil,
01/05/1968, p. 1).

No entanto, a atenção estava mesmo voltada para as


manifestações, e o noticiário informava as medidas tomadas pela
polícia e pelo exército:

Todo o efetivo policial da Secretaria de Segurança – Polícia


Militar, Delegacias Distritais e DOPS – ficará de prontidão
a partir das 6 horas de hoje, a fim de reprimir qualquer
perturbação da ordem pública durante as comemorações
do Dia do Trabalhador. O I Exército entrou em regime
de sobreaviso às 16 horas de ontem, por causa das
comemorações do Dia do Trabalhador que serão realizadas
no Campo de São Cristóvão. As tropas permanecerão nos
quartéis (Polícia está de prontidão e o Exército de sobreaviso.
Jornal do Brasil, 01/05/1968, p. 4).

380
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

Tensão na Praça da Sé
No dia primeiro de maio de 1968, a comemo-
ração do Dia do Trabalhador se transformou num
violento embate entre manifestantes e as forças do
Governo. Veja a matéria abaixo publicada em O Globo:

Figura 12.6: Abreu Sodré ferido na testa após os protestos


contra a ditadura na Praça da Sé 
Fonte: Agência O Globo.

[...] o governador de São Paulo, Abreu Sodré,


foi o principal alvo, no 1º de maio de 1968, de
estudantes e trabalhadores críticos ao regime.
Em comício na Praça da Sé para cerca de 10
mil pessoas, Sodré[...] e outras autoridades foram
apedrejados por manifestantes.

Eles atiraram pedras e pedaços de ferro no


palanque, ferindo o governador na testa [...]
Sangrando, ele se refugiou na catedral, enquanto
a Sé virou um campo de batalha, deixando
dezenas de feridos.

Com tiros para o alto e utilizando cassetetes,


policiais entraram em confronto com os
manifestantes na Praça da Sé, prendendo
dezenas de pessoas. Depois de queimarem o

381
História dos Movimentos Sociais no Brasil

palanque, onde antes tinham se revezado em


discursos contra a ditadura, os manifestantes
saíram em passeata pelas ruas da cidade, e um
prédio do Citibank chegou a ser depredado.

Leia mais sobre esse assunto em http://acervo.


oglobo.globo.com/em-destaque/na-ditadura-militar-
-governador-de-sao-paulo-foi-apedrejado-no-1-de-maio-
-12363020#ixzz4NYEsKagj © 2016.

Em maio de 1968, no Rio de Janeiro, apesar da vigilância


dos órgãos de segurança estaduais, ainda era possível organizar
grandes atos políticos públicos. Ainda em 1968, antes da censura
prévia, a grande imprensa conseguia publicar notícias sobre as
manifestações e, tão importante quanto, podia informar sobre
as iniciativas da Secretaria de Segurança, como as prisões de
trabalhadores e dirigentes sindicais motivadas apenas pela
distribuição de panfletos convocando os trabalhadores para as
comemorações do Dia do Trabalhador:

NO DOPS

Novas prisões de trabalhadores e dirigentes sindicais foram


efetuadas ontem pelo DOPS, no Rio e no Estado do Rio.
O bancário Catubi Alves de Castro e o trabalhador em
construção civil Cândido Delfino foram presos e recolhidos
ao DOPS quando distribuíam panfletos convocando os
trabalhadores a participar do ato público, durante a tarde,
nas proximidades do Campo de São Cristóvão.

Em Volta Redonda, foram presos os dirigentes do Sindicato dos


Metalúrgicos, Beni Matos, Gerson Gonçalves Bastos, Geraldo
Matos e Antônio Bastos, quando faziam idêntica distribuição,
e levados para o Batalhão de Infantaria Blindada”.(Polícia
está de prontidão e o Exército de sobreaviso. Jornal do Brasil,
01/05/1968, p. 4).

382
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

Osasco (SP) e Contagem (MG)

Na mesma época, em São Paulo e em Minas Gerais, houve


manifestações e greves de dimensões consideráveis em municípios
industriais nas regiões metropolitanas das cidades de Belo Horizonte
(MG) e de São Paulo (SP).As greves de operários de Contagem (MG)
e de Osasco (SP) se caracterizaram principalmente pela organização
clandestina no local de trabalho e pela posturacrítica à legislação
trabalhista vigente(RAMALHO, 2009, p. 131). Destacavam-se,
portanto, pela organização de base e pela contestação ao ministério
do Trabalho.

Em Contagem (MG), a greve começou na Companhia Belgo


Mineira, com cerca de 1.200 metalúrgicos e sem a participação
do sindicato local. Em quatro dias, a greve se estende à Sociedade
Brasileira de Eletrificação (SBE), com cerca de 500 operários. Em
seguida, a greve para a Mannesman, envolvendo no movimento
cerca de 4.500 operários. O ministro do Trabalho segue para Belo
Horizonte, procurando negociar o fim do movimento. No entanto,
a greve ainda atingiria várias empresas: RCA Victor, DEMISA,
Industan, Simel, Metalúrgia Belo Horizonte, Metalgráfica Triangulo,
Pollig-Haeckel, Minas Ferro, Mafersa. O ministro do Trabalho aceitou
o abono de emergência, mas confirmou a ilegalidade da greve. Ao
mesmo tempo, a cidade industrial foi ocupada pela Polícia Militar,
foram proibidas assembleias, a distribuição deboletinse reuniões
nas ruas (RAMALHO, 2009, p. 137).

383
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 12.7: Assembleia de grevistas na região industrial de


Contagem, em Minas Gerais.
Fonte: Mazico/CPdoc JB

Em memórias sobre a greve de Contagem, em entrevista


publicada muitos anos depois, o sindicalista Vital Nolasco, dirigente
do PCdoB e militante da Ação Popular (AP), conta que

a Ação Popular era força hegemônica na comissão de fábrica


da Mannesman e esta era a maior empresa da cidade.
[...] A greve de abril de 1968 foi apenas em certo sentido
espontânea [...], pois houve durante este período um trabalho
prévio de conscientização e organização dos trabalhadores.
Já estava sendo preparada pela esquerda sindical” (Apud:
RAMALHO, 2009, p. 138).

Devido à censura aos meios de comunicação durante a


ditadura, somente através de entrevistas realizadas a posteriori os
pesquisadores tiveram conhecimento de outros movimentos grevistas.
O sindicalista Otaviano Alves contou sobre uma greve realizada em
outubro, também em Contagem, no mesmo ano de 1968:

384
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

preparamos um manifesto chamando a greve e colocando que


não seria pacífica como a outra, que os sindicatos sofreriam
intervenção dessa vez e que poderia haver repressão policial.
[...] E alguns dias depois, uma reunião clandestina do
comando de greve foi descoberta e seus membros presos e
mais de mil trabalhadores foram demitidos (Apud: RAMALHO,
2009, p. 139).

Em julho de 1968, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco


(SP) e a Comissão de Fábrica da Cobrasma organizaram uma greve
envolvendo cerca de seis mil operários. Entre as reivindicações, o fim
do arrocho salarial e o contrato coletivo de trabalho. O Exército foi
enviado à cidade, entrou nas fábricas, invadiu o sindicato, prendeu
a direção e cerca de 500 grevistas.

Os estudos pioneiros de Francisco Weffort sobre a greve


de Osasco reconheciam-na como resultado da organização das
comissões de fábrica. Para Weffort, a experiência do movimento
sindical orientado a partir de comissões de fábrica, como ocorreu
em Osasco, consistiu em uma expressão extrema do processo de
democratização sindical (WEFFORT, 1972, p. 25).

Em entrevista concedida muitos anos depois, José Ibrahim,


uma das principais lideranças do movimento grevista, afirmou que
a greve foi organizada pelos operários “da comissão, do comitê
clandestino e do setor mais avançado da fábrica, que somavam
ao todo uns duzentos homens”. De acordo com Ibrahim, eles
tinham uma “concepção insurrecional” da greve, esperavam que a
experiência de Osasco pudesse incentivar outras indústrias de São
Paulo a aderir ao movimento, enfrentando abertamente a ditadura
(RIDENTI, 1993, p. 183).

A partir de dezembro de 1968, com o ato institucional n. 5


(AI-5), muitos sindicalistas foram presos. No governo Médici,período
de maior repressão aos movimentos sociais, se seguiu um tempo
de silêncio, com raras manifestações públicas de reivindicações no
âmbito dos sindicatos de trabalhadores.

385
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Atende ao Objetivo 2

2. Faça um texto caracterizando a experiência do movimento sindical em Osasco, em 1968,


a partir do depoimento de José Ibrahim:

[O] grupo de esquerda foi se constituindo num processo. Primeiro, os companheiros


da Braseixos, depois nós, do comitê clandestino da Cobrasma, a seguir, esses
companheiros de esquerda das demais fábricas e, quando vimos já formávamos um
grupo maior... a base principal de apoio, a retaguarda da esquerda em Osasco, era
a Cobrasma... nós nos reuníamos de forma clandestina e acompanhávamos, também,
a luta político-ideológica da esquerda. Recebíamos materiais e mantínhamos contatos
com várias organizações: grupos de sargentos, IV, AP, POLOP, depois POC – a maioria
das quais não existia em Osasco. Mas continuávamos mantendo nossa independência
porque não víamos muita alternativa... o sindicato é um órgão limitado, o importante
é a organização pela base, os comitês dentro das fábricas – legais ou clandestinos,
de acordo com a situação específica – entretanto, desde que se tenha bem claro suas
limitações, o sindicato é um instrumento válido, que pode servir ao objetivo principal,
a organização independente da massa” (RIDENTI, 1993, p. 181).

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386
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

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Resposta Comentada
O movimento operário em Osasco se caracterizou pela organização de comissões de fábrica
(legais e clandestinas), pelo reconhecimento do sindicato como um instrumento de luta importante
na conquista de direitos do trabalho, mas almejavam igualmente participar da vida pública
nacional de maneira mais ampla, fazendo oposição à ditadura. O chamado “grupo de esquerda”
se caracterizou pela troca de experiências entre operários e estudantes, especialmente entre
organizações estudantis de combate à ditadura, como a Ação Popular (AP), a Organização
Revolucionária Marxista-Política Operária (ORM-POLOP) e o Partido Operário Comunista (POC).

As greves de 1978 e de 1979 e o “novo


sindicalismo”

Durante a vigência do AI-5, de 1968 a 1979, o movimento


operário sofreu dura repressão. No governo do general Ernesto
Geisel, mesmo com as primeiras medidas tendo em vista um processo
de liberalização, a movimentação de estudantes e de trabalhadores
era controlada.

Nas eleições de 1974, houve menos censura aos meios de


comunicação. Com a diminuição do cerceamento em torno da
campanha eleitoral, opartido de oposição, o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), elegeu 16 senadores em um total de 22. Era apenas
o início de um longo processo de busca pela redemocratização,
inclusive pelos direitos de reunião e de manifestação. Anos mais
tarde, em 1977,estudantes e trabalhadores foram presos em São
Paulo, quando se articulavam mais uma vez para a comemoração
do Dia do Trabalho, dia de luta dos trabalhadores por direitos desde
a Primeira República.

387
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Metodologias de Pesquisa
De acordo com o sociólogo José Ricardo
Ramalho, a censura à grande imprensa impedia
a divulgação dos inúmeros conflitos que ocorriam
dentro das fábricas.Era através de publicações dos
próprios movimentos de trabalhadores, de organizações
não-governamentaise de pastorais operárias que os
relatos sobre paralisações e operações de boicote
à produção realizados pelos trabalhadores foram
divulgados (RAMALHO, p. 141).

Nos estudos sobre o movimento operário durante a


ditadura, portanto, se mostra particularmente importante
para os pesquisadores cotejar fontes de procedências
distintas: entrevistas de militantes, documentos dos
órgãos de informação, da polícia, das empresas,
dos sindicatos, de organizações que apoiavam os
movimentos sociais, como a Igreja Católica. Atualmente,
com a nova Lei de Acesso à Informação e projetos de
digitalização de documentos produzidos por diferentes
órgãos da administração pública durante a ditadura, há
muitas possibilidades de pesquisa na área.

Os anos de 1978 e de 1979 foram tempos emblemáticos


para as oposições à ditadura, o movimento sindical reapareceu
como uma nova força política no cenário nacional. A partir do ABC
paulista, as mobilizações ganharam repercussão nacional. As novas
lideranças sindicais, como Luiz Inácio da Silva,se identificavam
como representantes do “novo sindicalismo”, pois procuravam se
distinguir dos sindicalistas “tradicionais”, em atividade nos anos
1940 e 1950. Em uma entrevista concedida por Luiz Inácio Lula da
Silva, publicada em 1981, podemos observar, em linhas gerais, a

388
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

sua visão sobre a história do movimento sindical:

[...] os homens que estão todos aí, toda a cúpula do


sindicalismo é composta por homens de antes de 64. Isso
também define o pelego: o cara consegue se moldar a
qualquer tipo de governo. [...] Não vivi bem a época do João
Goulart, mas acho que ele ouvia muito dirigente sindical de
gabinete, sem base popular. (NAP.PT.SP, 1981, p. 29 Apud:
SANTANA, 1999).

De acordo com o sociólogo Marco Aurélio Santana, a


pesquisa das práticas e dos discursos das novas lideranças permite-
nos observar o empenho na construção de uma identidade política
em oposição às gerações anteriores de sindicalistas (SANTANA,
1999). Eram extremamente críticos às alianças entre militantes
do PCB e do PTB, a aliança comunista-trabalhista no movimento
sindical; consideravam essa experiência anterior a 1964 como
uma “colaboração de classes”, concebida principalmente pela
cúpula dos partidos e dos sindicatos, sem representatividade junto
aos trabalhadores.
Pelego
De fato, estava em curso uma disputa entre correntes
Em seu sentido
no movimento sindical: de um lado, o autodenominado “novo original, a palavra
sindicalismo” e, do outro lado, sindicalistas ligados ao PCB, ao MR-8 designa a pele
de carneiro que é
e ao PCdoB, considerados então “pelegos”. Entre as principais
colocada entre a sela
características do chamado “novo sindicalismo”, estava o desafio e o corpo do cavalo,
à ditadura ao descumprir publicamente a legislação sindical de com a finalidade de
amaciar o contato
antigreve da época e o questionamento à dependência dos dirigentes
entre o cavaleiro e
sindicais com relação ao ministério do Trabalho (RAMALHO, 2009,
o animal. O termo
p. 141). Vale a pena acompanhar a escalada da movimentação passou a ser utilizado
grevista no ABC paulista, observando a dinâmica entre as iniciativas para se referir aos
dirigentes sindicais
dos operários e as reações do governo, tendo em vista interromper
que têm contato com
as mobilizações através de mudanças na legislação, prisões e o governo ou com os
intervenções em sindicatos. patrões, amaciando
os atritos, tornando os
Em 1978, Luiz Inácio da Silva, o Lula, foi eleito presidente do sindicatos meramente
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Em maio de 1978, figurativos.

389
História dos Movimentos Sociais no Brasil

ocorreu aprimeira greve de metalúrgicos de São Bernardo do Campo


(SP) após muitos anos. Houve greves em várias fábricas na região:
Scania Vabis, Ford, Mercedes-Benz, Volkswagen, entre outras. Em
São Paulo, exigia-se também a legalização das comissões de fábrica.
Houve greves em maio e junho.

Em 4 de agosto de 1978, o governoeditou o decreto-lei nº.


1632, transferindo a Lei de Segurança Nacional para a legislação
trabalhista no julgamento de movimentos grevistas.

Em novembro de 1978, houve nova greve no setor metalúrgico


do ABC paulista, sob a liderança de Lula.

Em 1979, foram realizadas cerca de 430 greves, com


número estimado de três milhões e 200 mil grevistas de várias
categorias. Entre as principais reivindicações estavam aumento
salarial, reajuste, estabilidade no emprego, semana de trabalho
de 40 horas, além de reivindicações relacionadas diretamente ao
contexto autoritário:restauração do direito de greve, liberdade de
organização nos locais de trabalho, liberdade e autonomia sindicais,
anistia aos presos políticos e fim da ditadura.

Figura 12.8: Lula discursa a operários


Fonte: Fernando Pereira/CPDoc JB

390
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

Em 23 de março de 1979, o governo decretou a intervenção


nos sindicatos de metalúrgicos do ABC, destituindo seus dirigentes.
Poucos dias depois, a greve foi encerrada.

Em 15 de maio de 1979, o governo suspendeu a intervenção


nos sindicatos de metalúrgicos do ABC e devolveu-os às suas antigas
diretorias.

Em agosto, o Congresso Nacional aprovou a reforma


partidária e a anistia. Começava então uma conjuntura com muitas
possibilidades. Com liberdade para a organização de novos
partidos e com o retorno à vida pública de militantes e lideranças
cassados, presos e exilados. Após a reforma partidária, os partidos
em atividade foram extintos e retornaram com novas identidades.
A Aliança Renovadora Nacional (Arena) escolheu uma sigla bem
diferente, ressurgiu como Partido Democrático Social (PDS), uma
tentativa de construir uma história longe da marca da subordinação
aos militares. O MDB, que vinha conquistando votos e legitimidade
como oposição, procurou uma sigla bem próxima da anterior,
incluindo apenas a palavra “partido” em sua denominação;
obedecendo à legislação, transformou-se no Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB). Em 1980, lideranças do chamado
“novo sindicalismo”, intelectuais e militantes de esquerda egressos de
diversas organizações fundaram o Partido dos Trabalhadores (PT).

391
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Memórias Reveladas
Durante a ditadura, os DOPs de cada estado e
as agências do Serviço Nacional de Informações
(SNI) investigavam não só políticos e estudantes,
mas igualmente trabalhadores que militavam nos sindi-
catos de suas categorias.
A partir dos anos 1990, com a redemocratização
e a extinção desses órgãos, teve lugar uma disputa
pela documentação produzida durante a ditadura. Há
acervos com paradeiro desconhecido até hoje, outros
foram queimados para que não se pudesse conhecer
todas as ações das polícias políticas em tempos de
exceção. Mas, ainda assim, alguns acervos foram
transferidos para arquivos públicos, para os arquivos
estaduais e para o Arquivo Nacional.
Você pode encontrar documentos relativos à repressão
aos trabalhadores na base de dados Memórias Revela-
das – Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil
(1964 – 1985), uma iniciativa do Arquivo Nacional.
Visite o portal:
http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.
br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home

392
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

DIEESE

O DIEESE (Departamento Intersindical de


Estatística e Estudos Socioeconômicos) é uma
criação do movimento sindical brasileiro. Foi
fundado em 1955 para desenvolver pesquisas
que fundamentassem as reivindicações dos
trabalhadores.Ao longo de 50 anos de história,
a instituição conquistou credibilidade nacional e
internacional. Reconhecido como instituição de
produção científica o DIEESE atua nas áreas de
assessoria, pesquisa e educação.

Para saber mais, acesse o sitehttp://www.dieese.org.br/

CONCLUSÃO

Os estudos sobre o movimento sindical na ditadura devem


considerar, portanto, as intervenções nos sindicatos, as limitações
impostas pela repressão à participação na vida pública de muitos
sindicalistas através da suspensão de direitos políticos e de prisões,
as restrições criadas pela legislação relativa às atividades sindicais,
assim como as apropriações dessas condições pelos trabalhadores
que permaneceram na militância na estrutura sindical oficial.
Nesse sentido, as pesquisas sobre a ditadura, de modo geral,
devem investigar as diferentes medidas autoritárias tomadas e,
consequentemente, as diferentes formas de violência perpetradas.
Tanto as arbitrariedades pelas quais indivíduos foram atingidos
diretamente, como prisões, torturas, mortes e desaparecimentos,

393
História dos Movimentos Sociais no Brasil

como as medidas que atingiram atores coletivos, como partidos e


sindicatos.

Atividade Final

Atende ao Objetivo 3

Em 1964, o então jovem cineasta Eduardo Coutinho partiu rumo ao Nordeste no âmbito do
Centro Popular de Cultura (CPC) para documentar a vida e a luta dos trabalhadores rurais
de Pernambuco. Surpreendido pelo golpe no início das filmagens, teve que interromper o
projeto durante toda a ditadura, afinal, retomado com a democratização. O resultado final é
Cabra Marcado para Morrer, um belo documentário premiado sobre as Ligas Camponesas
e a repressão que atingiu os trabalhadores engajados naquele movimento.

Décadas mais tarde, o consagrado Eduardo Coutinho filmou novamente trabalhadores


nordestinos, migrantes que se estabeleceram no estado de São Paulo em busca de
melhores condições de vida. O documentário Peões trata da história do movimento
sindical do ABC paulista e da formação do Partido dos Trabalhadores (PT) através de
depoimentos de sindicalistas.

Compare os dois documentários e as trajetórias e iniciativas de duas gerações de


trabalhadores em busca de organização, tendo em vista melhores condições de vida e de
trabalho. Você encontra os dois filmes no YouTube.

394
Aula 11 – A ditadura: a intervenção nos sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário (1964-1979)

Figura 12.9: Cabra marcado para morrer e Peões, de Eduardo Coutinho


Título: Cabra marcado para morrer. Direção: Eduardo Coutinho. Documentário. Ano: 1984
Título: Peões. Direção: Eduardo Coutinho. Documentário. Produtora: Videofilmes. Ano: 2004

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Resposta Comentada
A comparação entre os dois documentários permite, de certa maneira, conhecermos um pouco
da trajetória do diretor de cinema Eduardo Coutinho, assim como da história do movimento de
trabalhadores no país nas últimas décadas. Os dois documentários se caracterizam especialmente
por apresentarem depoimentos de trabalhadores sobre a sua militância por melhores condições
de vida e trabalho. Como os historiadores do movimento operário e sindical, orientados pela
perspectiva da história social inglesa de Edward Thompson, Eduardo Coutinho procura entrar

395
História dos Movimentos Sociais no Brasil

em contato com as experiências dos trabalhadores. O diretor entrevista as lideranças operárias


e seus familiares, procurando conhecer as suas visões de mundo, seus valores e motivações
para a dedicação às ligas camponesas em Cabra marcado para morrer,e aos sindicatos, em
Peões. É interessante notar que as entrevistas foram filmadas em três contextos históricos: nos anos
1960, na véspera do golpe de 1964; nos anos 1980, na conjuntura de redemocratização; no
início dos anos 2000, após a posse do primeiro presidente da República de origem operária.
Como podemos ver pelos desdobramentos das mudanças de regime político nas organizações
de camponeses e de operários, a história da classe trabalhadora deve ser estudada sempre em
relação com a história política e econômica de seu país.

RESUMO

Nesta aula, estudamos a intervenção da ditadura nos


sindicatos e os seus desdobramentos no movimento operário,
inicialmente falando sobre como os direitos políticos de líderes
sindicais foram suspensos com o golpe de 1964, com o objetivo de
despolitizar os sindicatos.

Falamos sobre as greves de 1968 e sobre o efeito que a


repressão da ditadura militar causou nos movimentos operários,
fazendo com que as greves só voltassem a ocorrer em 1978-79,
diante de um novo panorama político que foi terreno fértil para o
surgimento de novas lideranças e novos partidos, marcando o início
da trajetória do primeiro presidente operário do Brasil.

396
Aula  12
Os trabalhadores
rurais: da ditadura
militar às lutas
contemporâneas
(Primeira parte)
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta

Analisar os movimentos dos trabalhadores rurais durante o período compreendido entre


o golpe civil-militar de 1964 e a ascensão do governo Lula (2003-2010), destacando
a atuação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), bem
como das federações e sindicatos vinculados a ela.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. identificar a atuação da Contag durante o regime militar, enfatizando seu esforço por
organizar sindicatos e sua luta por reforma agrária e melhorias das condições de trabalho
dos obreiros rurais, nos marcos da legalidade existente na época;
2. reconhecer a atuação da Contag no período posterior à redemocratização, quando, ao
lado de outras entidades de trabalhadores rurais, passou à luta por reforma agrária e
apoio à agricultura dos pequenos cultivadores, chamada agricultura familiar, e incorporou
em suas mobilizações questões ligadas à condição específica das mulheres.

398
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

INTRODUÇÃO
Por um pedaço de terra
e por meios para cultivá-la

O golpe de 1964 interrompeu um processo em pleno


desenvolvimento: a mobilização camponesa em diversos pontos do
país com o objetivo de estabelecer direitos trabalhistas no meio rural,
bem como realizar uma reforma agrária. Contudo, diferentemente do
que desejavam os setores proprietários rurais, a ditadura não queria
eliminar todo o sindicalismo agrário, mas, sim, o mais combativo
e, pelo menos dentro do governo chefiado pelo Marechal Castello
Branco (1964-1967), havia setores interessados em dar algum
encaminhamento à questão agrária.

Por isso, o primeiro governo da ditadura militar, embora


reprimisse fortemente o sindicalismo anterior, impôs a seus
apoiadores uma lei, que acabaria sendo referência em todo o
período: o Estatuto da Terra. O estatuto tinha uma parte voltada
para o desenvolvimento agrícola, buscando atingir aspectos como
eletrificação rural, mecanização, melhoria de sementes, etc., parte,
aliás, cumprida, posto que a agricultura brasileira se modernizou
durante o regime. Tinha também o aspecto referente à reforma
agrária, em que os interesses dos setores proprietários, representados
na própria burocracia, barraram sua execução.

399
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 12.1: A modernização na agricultura foi impulsionada pelo regime militar.


Fonte: http://www.sxc.hu/photo/758546

De todo modo, o estatuto tornou-se um marco a partir do qual


se poderia reivindicar a reforma agrária, sem cair no estereótipo
de comunista, algo tremendamente perigoso naquele momento,
face ao forte anticomunismo do regime e de poderosos setores da
sociedade. A Contag – sobre a qual discutiremos amplamente nesta
aula - e mesmo a Comissão Pastoral da Terra, (CPT), cuja atuação
discutiremos na Aula 13, no início de suas atuações, tiveram o
Estatuto da Terra como referencial na luta por reforma agrária. As
diferenças se explicitariam abertamente, quando chega ao poder o
governo Sarney, que lança a proposta de aplicação do Estatuto da
Terra, que foi encampada pela direção da Contag e muito criticada
pelo MST.

400
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

A partir daqui, os caminhos se distinguiram claramente. A


Contag apostou todas as fichas no Plano Nacional de reforma
agrária (PNRA), de José Sarney, e, mais tarde, na Assembleia
Nacional Constituinte. Perdida a batalha, a organização tornou-se
uma espécie de “ator à procura de um texto”, na feliz expressão
do cientista político Rudá Ricci. Este texto seria encontrado a partir
de meados da década de 1990, quando a direção da Contag,
muito influenciada por estudos realizados por intelectuais brasileiros
que pesquisavam na Europa e por setores de pequenos produtores
do sul do país, passou a encampar não tanto a luta por reforma
agrária, mas o esforço para apoiar os pequenos agricultores, que
passaram a ser conhecidos como agricultores familiares. Atos como
o Grito da Terra Brasil e a Marcha das Margaridas, organizados
pelas mulheres, passaram a ser marcos da atuação contagueana
no meio rural.

Grito da Terra Brasil e Marcha das


Margaridas

O grito da Terra Brasil é uma atividade organi-


zada anualmente pela Contag, suas federações
e sindicatos, ao lado de muitas entidades parceiras,
na luta por melhores condições de trabalho para os
agricultores familiares: preços, transportes, apoio téc-
nico. Ocorre desde 1994. A Marcha das Margaridas
é uma atividade realizada pela secretaria de mulheres
da Contag numa amplíssima rede, visando à melhoria
das condições específicas das mulheres do campo,
embora também reivindique melhorias mais gerais
para os agricultores e trabalhadores assalariados.
Realiza-se a cada quatro anos, normalmente no início
de um período presidencial. Serão mais bem analisa-
dos nas seções seguintes.

401
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Já o Movimento dos Sem Terra (MST), que se originara em


boa medida da CPT, jogou pesado nas ocupações de terra durante
o governo Sarney; nos anos seguintes, manteve sua estratégia. A
partir do governo Fernando Henrique Cardoso, o MST intensificou
a luta por reforma agrária, vendo nela um caminho para questionar
todo o projeto neoliberal, diferenciando-se, assim, radicalmente da
ação contagueana.

Esta aula está dividida em duas partes: esta primeira está


voltada para a atuação da Contag.

Discutiremos, em primeiro lugar, as ações do movimento


sindical camponês desde a intervenção sofrida em 1964 até o final
do regime militar, quando começou a sofrer a competição dos grupos
que mais tarde organizaram o MST. Na segunda seção, avaliaremos
seu esforço para apoiar a proposta de plano do governo Sarney -
de realização de uma reforma agrária e de mudança de ênfase de
suas lutas do apoio a ela e ao auxílio aos pequenos agricultores,
reforçando a identidade de agricultores familiares, que, podemos
dizer, atualiza o antigo termo camponês.

Na Aula 13, refletiremos sobre o trabalho de um setor da Igreja


Católica comprometido com a defesa dos trabalhadores do campo,
que formaria a CPT. Observaremos como as lutas coordenadas, em
parte, pela CPT gerariam o MST. Analisaremos a expansão deste
movimento durante o governo Fernando Henrique Cardoso e como
também ele enfrentou concorrentes em sua estratégia de luta. Dessa
forma, vamos concluindo nosso panorama a respeito dos movimentos
sociais agrários durante a República.

A CONTAG

O golpe de 1964 significou, para o movimento camponês,


uma repressão extremamente vigorosa. A Contag, cuja diretoria tinha
tomado posse em janeiro de 1964 (ver Aula 9), sofreu intervenção,
e seu presidente, Lyndolpho Silva, militante do PCB, teve de exilar-

402
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

se. Além disso, federações e sindicatos sofreriam intervenções em


todo o país. Um setor mais conservador da Igreja Católica, que
apoiara o golpe, indicou José Rotta, presidente da Federação de
trabalhadores de São Paulo, como interventor na Contag, assim
como diversos dirigentes para federações e sindicatos.

Figura 12.2: Lyndolpho Silva.


Fonte: http://r1.ufrrj.br/cpda/als/fotos/lyn1_1961.jpg.

O controle se intensificou ainda mais com a redução do número


de federações a partir de uma portaria do Ministério do Trabalho,
de fevereiro de 1965, que permitia a existência de apenas uma
federação de trabalhadores rurais por estado, englobando nela os
quatro setores que existiam anteriormente: lavoura, pecuária, extrativo
e pequenos proprietários que trabalhavam em regime de economia
familiar. Isso causava conflitos de interesses dentro de um mesmo
sindicato, entre pequenos produtores e trabalhadores assalariados.

Além da repressão oficial, com prisões, torturas e exílios, ou


a intimidação de dirigentes, o camponês viu os proprietários com
mãos livres para fazer o que bem entendiam no campo: despejos
sem indenização, espancamentos, e mesmo assassinatos, podiam
ser realizados com a conivência das autoridades locais, regionais,
e até federais, já que qualquer crítica podia ser interpretada como

403
História dos Movimentos Sociais no Brasil

apoio aos comunistas. Se, nas cidades, o governo Castello Branco


ainda preservava alguns direitos políticos existentes no período pré-
golpe, nos campos, a bruxa da repressão estava solta.

Figura 12.3: A bruxa da repressão estava solta.

Comissão da Verdade e os Cam-


poneses
“A ditadura terceirizou a repressão” - é o que
afirma uma reportagem de Nágela Passos, para
o site Carta Maior. Na reportagem, temos que 1196
camponeses ou militantes ligados à luta pela terra
foram assassinados entre 1961 e 1988. Gilney Viana,
da Secretaria de Direitos Humanos da presidência da
República, esclarece que o regime militar foi conivente
com centenas de assassinatos e desaparecimentos. O
funcionário explica que, até agora, 602 casos foram
comprovados, sendo que apenas em um quarto

404
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

pode-se comprovar a participação direta de agentes


públicos. Todavia, a participação estatal vê-se na
omissão, pois só cinco por cento dos casos foram a
julgamento.
O trabalho da Secretaria será encaminhado à Co-
missão Nacional da Verdade; quanto aos cerca de
quinhentos casos não apurados, foi criada, durante o
Encontro Unitário de Trabalhadores do Campo, rea-
lizado em agosto de 2012, a Comissão Camponesa
pela Anistia, Memória, Verdade e Justiça. O objetivo
era que o Estado reconhecesse sua responsabilidade
nesses crimes e as famílias fossem indenizadas.
(Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/
materiaMostrar.cfm?materia_id=20975&editoria_id=5
acessado em 2 de outubro de 2012.)

Era nesse contexto repressivo que o sindicalismo rural teria


de ser reconstruído.

Arrumando a casa: a Contag nos primeiros


anos do regime

Já em 1965, a primeira diretoria da Contag foi eleita sob


a presidência do interventor José Rotta. A memória desta primeira
diretoria, derrotada três anos depois, ficou bastante ofuscada pela
longa direção do grupo liderado por José Francisco da Silva, que, por
vinte anos, presidiria a entidade. O trabalho inicial era reestruturar
os sindicatos atingidos pelo golpe e cuidar da organização da
confederação. Estavam à frente, neste momento, dirigentes ligados
aos círculos operários católicos de São Paulo e Rio de Janeiro.

Em 1966, realizou-se, com o apoio do Instituto Nacional de


Desenvolvimento Agrário (Inda), o primeiro congresso da Contag.
Nesse congresso, defendeu-se a regulamentação do Estatuto da
Terra e a extensão da previdência social ao campo, formalmente

405
História dos Movimentos Sociais no Brasil

implantada durante o governo João Goulart, mas ainda não


regulamentada. A memória que lideranças posteriores difundem
deste congresso é de que teria sido apenas um encontro para
mostrar que o movimento estava vivo, existia e continuava ativo.
No encontro, também se pedia a prioridade para a instalação dos
trabalhadores despejados pelos proprietários na região onde viviam
e a criação de mais áreas prioritárias de reforma agrária.

Estatuto da Terra
O Estatuto da Terra, Lei nº 4504, foi promulga-
do em 30 de novembro de 1964. Na parte que
dizia respeito à reforma agrária, previa a desa-
propriação como meio principal para a obtenção
de terras, o pagamento em títulos da dívida agrária
pela terra desapropriada, a tributação progressiva
para quem não utilizasse a terra, o cadastramento
dos imóveis rurais para discriminar o que era ou não
era público, a elaboração de plano nacional e planos
regionais de reforma, bem como a participação de
trabalhadores nas comissões agrárias, que se forma-
riam nas áreas declaradas prioritárias. Além disso, do
cadastro resultaria o zoneamento econômico com a
definição do módulo fiscal, ou seja, uma propriedade
média, considerada tamanho ideal para cada região.
Quem tivesse seiscentas vezes esta propriedade ou não
explorasse a área adequadamente poderia perdê-la.
Para realizar a reforma foi criado o Instituto Brasileiro
de Reforma Agrária (Ibra), enquanto a parte vinculada
ao desenvolvimento rural seria efetivada pelo Instituto
Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda). O Ibra,
criado em 1965, sofreu uma intervenção três anos
depois, devido à corrupção. Os dois órgãos foram
fundidos no Instituto Nacional de Colonização

406
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

e Reforma Agrária (INCRA) em 1970. Saliente-se que,


rapidamente, a desapropriação foi deixada em favor
da tributação, e o governo deu todos os incentivos
para que grandes unidades se modernizassem. Logo
deixou-se o objetivo de pequenas propriedades pelas
grandes empresas rurais, que acabaria sendo o mode-
lo dominante.

Durante a primeira diretoria, buscou-se garantir a criação


de áreas prioritárias, especialmente no Rio de Janeiro. Além disso,
o grupo em torno de José Rotta procurou, com o apoio do setor
conservador da Igreja, preservar sindicalistas combativos, desde
que não comprometidos com o PCB.

A oposição a Rotta estruturou-se durante a Plenária Intersindical


realizada em 1967 no Rio de Janeiro, construindo-se uma aliança
entre sindicalistas do nordeste, especialmente Pernambuco e Rio
Grande do Norte, vinculados ao Serviço de Orientação Rural de
Pernambuco, e do Rio Grande do Sul, ligados à Frente Agrária
Gaúcha. Nas eleições, o voto do Rio de Janeiro foi decisivo para
derrotar a chapa de José Rotta, considerada menos combativa que
o grupo de José Francisco.

José Francisco foi empossado em 1968. Começaria um tempo


em que a memória oficial da Contag identifica como de mudança
e maior mobilização pela reforma agrária.

Na luta por direitos: a Contag e os anos mais


duros da ditadura

A lógica de atuação da diretoria liderada por José Francisco


da Silva, que se instalou em 1968 e permaneceu por décadas à frente
da entidade, era a de que os direitos dos trabalhadores existiam,

407
História dos Movimentos Sociais no Brasil

mas não eram respeitados. Portanto, o primeiro trabalho a ser feito


era o de informar ao trabalhador a respeito de seus direitos.

Desta forma, o boletim O Trabalhador Rural era visto como


essencial para informar aos trabalhadores dos direitos que eles
tinham e como deveriam ser cumpridos. Além disso, na revista,
sempre com uma linguagem extremamente didática, procurava-se
esclarecer o trabalhador sobre como formar um sindicato, como
garantir o salário, como evitar um despejo ilegal.

Outro encaminhamento muito presente nas ações da Contag


era o administrativo. Em 1970, um extenso memorial foi enviado
ao presidente Médici, solicitando a aplicação do Estatuto da Terra
e a realização da reforma agrária como mecanismo para “matar
a fome do trabalhador e incluir metade da população brasileira no
mercado interno”. Além disso, buscava-se legitimar a reivindicação,
através de pronunciamentos do presidente da República, de ministros
de Estado, do Papa, mostrando que a reforma agrária nada podia
ter de “subversivo”, como se dizia na época.

Mecanismos legais o governo tinha: além do Estatuto da Terra,


em 1969, o presidente Costa e Silva, sob influência do Ministro
do Interior, general Afonso de Albuquerque Lima, editara o Ato
Institucional nº 9, que dava à justiça prazo de quarenta e oito horas
para se pronunciar sobre desapropriações e 24 horas para passar
as terras ao governo. Mas, no governo Médici, desenvolveu-se uma
tendência, que já se esboçava no período anterior: trocar a reforma
agrária pela colonização em pontos distantes. O governo anunciava
a construção da Rodovia Transamazônica, que partiria da Paraíba
ao Amazonas. Em suas margens, deveriam ser instalados milhares
de nordestinos acossados pela seca e gaúchos que não encontravam
mais terras em seu torrão.

408
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

Rodovia Transamazônica
Foi uma das muitas obras polêmicas do go-
verno chefiado pelo general Emílio Médici. Se
obras como a Ponte Rio-Niterói tiveram utilidade,
a Transamazônica gastou recursos enormes não só
em dinheiro, mas também em vidas humanas. Fossem
trabalhadores afetados por doenças, fossem indí-
genas que perdiam suas terras e eram enfrentados
por trabalhadores, ou ainda populações locais, que
tentaram embarcar no sonho da terra própria. Como
veremos na Aula 13, também muitos gaúchos e
nordestinos, que se deslocaram para a região, viram
seus sonhos desmontados ao perderem as terras que
desbravaram, para grileiros. Pior ainda: a estrada
não foi concluída, e as obras necessárias ao seu
aperfeiçoamento não se realizaram!

Figura 12.3: Extensão da Rodovia Transamazônica.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Br-230mapa.jpg.

Na prática, essa rodovia, além de outras, como a Cuiabá-


Santarém, foi o ponto de partida para instalação de megaprojetos
especulativos, principalmente de pecuária, como veremos na Aula 13.

409
História dos Movimentos Sociais no Brasil

De todo modo, a Contag mantinha a bandeira da reforma,


com toda a cautela que o período exigia. Além disso, principalmente
no Rio de Janeiro, vemos a Federação local apoiando posseiros em
sua luta para manter-se nas terras que cultivavam, face à pressão de
pretensos proprietários. Em locais como Fazenda Campos Novos
(Cabo Frio), Cachoeira Grande (Magé) e Fazenda Santo Inácio
(Trajano de Morais), advogados da Federação recorriam à justiça
para impedir despejos. Mesmo quando se tratasse de proprietários
rurais, muitas vezes, buscou-se caracterizar os arrendatários como
posseiros, para que permanecessem na terra. A ideia era garantir
a continuidade na área que se ocupava, tornando caro para o
proprietário o processo. Falhando a estratégia judiciária, sempre se
podia pedir ao INCRA a desapropriação da fazenda em conflito,
pois o Estatuto da Terra previa esta medida em áreas nessa situação.

Enquanto a Contag defendia a reforma agrária e buscava


garantir o cumprimento das leis trabalhistas no meio rural - tarefas
difíceis em nossos dias -, o governo militar pensava em outra função
para os sindicatos. No ano de 1971, o governo anunciou o que
chamou de “segunda Lei Áurea”: o Funrural, que significava a
extensão da aposentadoria aos trabalhadores rurais, bem como
assistência médica e dentária. Diferentemente dos empregadores
urbanos, os proprietários nada pagariam por isso, já que os recursos
viriam de um imposto sobre o consumo de bens industriais. Os
sindicatos foram, então, vistos pelo Estado como o órgão ideal para
prestar essa assistência. Isso causou polêmica na diretoria da Contag
e de algumas federações. Assumir o papel de agência previdenciária
significava aceitar mais ainda o controle sobre o movimento sindical,
já que as entidades se tornariam autênticas instituições tuteladas
pelo Estado. Se não quisessem essa responsabilidade, o governo a
repassaria para as prefeituras. A decisão final foi aceitar e avaliar.
Os resultados variaram: o número de sindicatos rurais aumentou
bastante, porém, ao mesmo tempo, em muitos municípios, eles
eram órgãos controlados pelos grupos de poder local. Por outro
lado, houve cidades onde sindicatos com esta origem passaram a
lutar mais agudamente, encaminhando queixas dos trabalhadores.

410
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

De qualquer forma, o governo militar atingia um objetivo indireto:


o meio agrário seria o fiel depósito de votos para a Arena, partido
da ditadura, nas eleições que ocorreram durante o período militar.

O ano de 1972 significou, para os trabalhadores rurais,


uma situação contraditória. O número de sindicatos aumentava por
causa das novas funções previdenciárias, mas a repressão também
crescia, com a prisão de dirigentes ou a intimidação por autoridades
policiais. Isso se dava porque era no campo que surgia o mais
importante desafio ao regime militar: a Guerrilha do Araguaia, na
região de Marabá, sul do Pará, liderada pelo PCdoB, que tentava
apoiar os posseiros contra grileiros e fazer do campo o ponto de
partida da Revolução Brasileira.

Guerrilha do Araguaia
Assim é conhecido o confronto armado entre
militantes do Partido Comunista do Brasil e as
forças armadas, ocorrido entre abril de 1972 e
outubro de 1974. O PCdoB tentou fazer do confli-
to o ponto de partida para a Revolução socialista no
Brasil. Camponeses não envolvidos com o movimento
foram torturados e mortos por agentes do Estado. Os
corpos dos guerrilheiros encontram-se nas listas de
desaparecidos da Comissão de Mortos e Desapareci-
dos da Ditadura Militar.

Embora houvesse apenas setenta guerrilheiros, o governo


militar superdimensionou propositalmente o conflito, pois servia
de excelente pretexto para restringir ainda mais qualquer forma
de oposição, especialmente no meio agrário, onde os conflitos
começavam a aumentar. Em áreas de projetos governamentais,
como a construção da rodovia Rio-Santos ou as rodovias amazônicas

411
História dos Movimentos Sociais no Brasil

citadas, além de zonas de projetos de reflorestamento em Minas


Gerais, pretensos proprietários armados, com seus jagunços
e policiais, intimidavam posseiros, tentando - e muitas vezes
conseguindo - expulsá-los. Não há um estado brasileiro, nos anos
de 1970, que não registre conflitos pela posse da terra, sendo rara
sua divulgação, posto que a imprensa era censurada e, muitas
vezes, não interessava aos donos de jornais divulgar o que ocorria,
pois as empresas jornalísticas tinham e têm fortes vínculos com o
setor proprietário rural. Para exemplificar, lembro que o jornal O
Estado de São Paulo, um dos principais do país, tem, desde sua
fundação, ainda em 1875, forte influência de representantes dos
proprietários de terras paulistas; dirigentes da Sociedade Rural
Brasileira, uma das entidades que os representam, tinha e tem
espaço garantido nas páginas do jornal paulista. Estes vínculos
entre proprietários de jornais e de terras, assim como de bancos e
fábricas, podem se estabelecer ou porque os proprietários da mídia
têm, eles mesmos, áreas rurais, ou, mais simplesmente, porque apoiar
o setor proprietário, que em nossos dias imbrica terra, indústria e
finanças no chamado agronegócio, significa receber importantes
verbas publicitárias.

Figura 12.4: Guerrilha do Araguaia: o mais importante desafio ao regime militar.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Guerrilha06.gif.

412
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

É neste clima que se realiza o II Congresso da Contag, em


1973. Funcionários do Ministério do Trabalho pressionaram para
que o tema da reforma agrária não fosse discutido no encontro.

De todo modo, o mesmo foi abordado e se reivindicou a


realização da reforma agrária, com base no Estatuto da Terra.
Distintamente do congresso de 1966, não se propôs alterações, como
no primeiro, onde se pedira a preferência para os arrendatários nos
projetos de reforma agrária. Criticava-se o projeto de colonização na
Amazônia, defendendo que a reforma agrária fixasse o trabalhador
onde morava.

Pedia-se a extensão da lei do sítio (dois hectares para cultivar


alimentos), a que os canavieiros tinham direito.

Lei do sítio
O Estatuto da Lavoura Canavieira, decretado
durante o Estado Novo, em 1941, determinava
que os trabalhadores da lavoura canavieira tives-
sem direito a dois hectares de terra para cultivar
plantas de subsistência e criar animais, como galinhas
e porcos, que completariam sua alimentação. Daí, o
Segundo Congresso da Contag reivindicar sua exten-
são a outras regiões do país. Vale lembrar que, no
início dos anos 1970, era cada vez mais raro haver
o morador de condição, ou seja, aquele que morava
na fazenda onde trabalhava. Cada vez mais, havia o
trabalhador temporário.

Defendia-se também a extensão dos direitos trabalhistas aos


trabalhadores temporários, conhecidos como boias-frias, em São
Paulo, ou clandestinos, em Pernambuco, para que tivessem o mesmo

413
História dos Movimentos Sociais no Brasil

direito dos permanentes. Apoiava-se a extensão da CLT ao campo,


em lugar do Estatuto do Trabalhador Rural.

Do ponto de vista de organização, propunha-se um forte


investimento na capacitação dos sindicalistas, através de cursos
que permitissem não apenas aos sindicalistas saber fazer, mas que
todos conhecessem as diversas realidades do país.

Nos anos que se seguiram ao encontro, a direção da Contag


conservou a estratégia anterior. Denúncias cada vez mais frequentes
contra os despejos de posseiros. Seus advogados lutando na
justiça para manter posseiros na terra e os pedidos pela aplicação
do Estatuto da Terra, que já completava dez anos, e nada de ser
implementado na parte que tocava aos trabalhadores, pois, como
vimos no início, a agricultura se modernizava com o crédito aos
grandes proprietários e as isenções de impostos para projetos
pecuários na Amazônia.

Toda essa cautela não impedia ações repressivas contra a


direção da Contag: em 1977, o Ministério do Trabalho, que, na
época, tinha que confirmar os dirigentes de entidades sindicais, levou
um mês para empossar a nova diretoria. E dirigentes da delegacia
sindical do Acre foram presos.

Enquanto isso, mudanças importantes ocorriam no cenário


político nacional. Com todas as limitações da época, o MDB, único
partido de oposição permitido, ganhou as eleições parlamentares
de 1974. No ano seguinte, o assassinato do diretor da TV Cultura,
Vladmir Herzog, levava a uma enorme manifestação de rua em
São Paulo. As elites econômicas discordavam do novo Plano de
Desenvolvimento, lançado pelo novo general-presidente, Ernesto
Geisel, acusando-o de excessivamente estatizante.

No campo, os conflitos se multiplicavam: nascia a CPT, em


1975, e, embora no início fizesse até um trabalho conjunto com
a Contag em áreas como o Rio de Janeiro, logo seus militantes
passaram a considerá-la legalista demais.

414
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

As greves no ABC paulista, o crescimento da mobilização


pela anistia aos presos políticos e exilados e o fim do Ato
Institucional nº 5 mostravam que a conjuntura começava a mudar.
A estratégia de denúncia não parecia mais suficiente. Não
adiantava apenas encaminhar conflitos na Justiça ou denunciá-los
à burocracia estatal, como se fazia ante as duras condições de
vida dos trabalhadores mostradas nos acidentes de trabalho. Era
necessário e possível mudar.

Novos Caminhos? A Contag da Abertura à


Transição

Figura 12.5: Votação no III Congresso Nacional da Contag, em 25


de maio de 1979.
Fonte: Boletim O Trabalhador Rural, Maio-junho de 1979.

No III Congresso da Contag, o clima de contestação ao


método de sua diretoria já era grande, tanto em sindicatos como
em oposições sindicais. A Comissão Pastoral da Terra se estruturara
em quinze estados e conseguiria influenciar muitas decisões do
Congresso. O método “administrativo” ficara desacreditado, e
movimentos de resistência de posseiros e de ocupação de terras
começavam a ser vistos como mais efetivos, ainda mais depois de
uma suposta declaração do novo ministro da Agricultura, Delfim
Netto: o antigo ministro da Fazenda, de Costa e Silva e Médici

415
História dos Movimentos Sociais no Brasil

e, logo depois, ministro do Planejamento, de Figueiredo, teria


declarado: “eu faria a reforma agrária amanhã, desde que me
dessem dois japoneses para ficar ao lado de cada brasileiro”.
Provavelmente, o ministro tinha em mente os colonos japoneses
que, desde o início do século XX, muito contribuíram para o
desenvolvimento da agricultura, especialmente em São Paulo, sua
terra natal. A declaração feita num governo que prometia abertura
política não podia ser mais desastrada; o clima no Congresso era
de radicalização.

Figura 12.6: Delfim Netto, Ministro da Agricultura: “eu faria a reforma


agrária amanhã, desde que me dessem dois japoneses para ficar ao lado de
cada brasileiro”.

No que diz respeito às reivindicações, a reforma agrária


continuava na ordem do dia, mas agora se estabelecia uma proposta
de ruptura com o Estatuto da Terra:

● defendia-se a existência de uma área máxima para o tamanho


das propriedades rurais, medida em hectares, (250 a 750),
conforme a região, e pregava-se a expropriação de imóveis que
não tivessem setenta por cento de cultivo;

416
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

● requeria-se a discriminação de terras públicas e sua entrega a


pequenos cultivadores, e não a grandes empresas, como se vinha
fazendo;

● exigia-se o cumprimento da legislação trabalhista e a autonomia


sindical.

No clima de mobilização do III Congresso, chega-se mesmo


a apoiar resoluções que estimulavam ocupações de terras. Além do
mais, propunha-se a criação de uma Central Única de Trabalhadores,
o que se tentaria fazer a partir da Primeira Conferência Nacional
da Classe Trabalhadora, realizada em 1981.

Neste momento, a direção da Contag aceitava a pluralidade


sindical, ou seja, que pudesse haver mais de um sindicato por
município ou mais de uma federação por Estado, o que mudaria
no IV Congresso, de 1985, ante o crescimento das oposições
sindicais e o aumento dos sindicatos, que discordavam de sua linha,
considerada ultralegalista.

Se, em 1979, a direção da Contag concordava com os


sindicalistas urbanos na questão da pluralidade sindical, na forma
de realizar greves seria muito distinta.

O chamado modelo Pernambuco, que se estruturou a partir


de outubro de 1979, era bastante diferente daquele executado
nas grandes fábricas paulistas. Se, na capital industrial do país,
buscava-se romper com a lei de greve, considerada um instrumento
autoritário, em Pernambuco, a lei era uma garantia. O ritual legalista,
com assembleia e votação em cédula, tornava mais difícil que os
proprietários pudessem reprimir os trabalhadores. Isso não impedia
a violência física ou simbólica, mas dava argumentos jurídicos
aos rurais em suas ações de resistência. Dezesseis anos depois da
histórica greve de 1963 (Aula 9), os canavieiros de São Lourenço
da Mata e Pau D’alho pararam.

A greve foi vitoriosa, e o seu modelo foi efetivado outras vezes


em Pernambuco, Rio Grande do Norte (1982), Minas Gerais, e
mesmo em Campos, Rio de Janeiro (1985). O difícil não era tanto

417
História dos Movimentos Sociais no Brasil

obter acordos nos tribunais do trabalho. Em anos anteriores, sem a


greve, conseguiram-se algumas vitórias em disputas judiciais. Duro
era fazer com que os usineiros cumprissem o acordo. Observemos
que, naquele momento (1979-1980), não se ganhava tão mal sendo
dono de usina, pois o governo acabava de implantar o programa
de incentivo ao álcool combustível como substituto da gasolina,
ressuscitando o mercado de cana.

De todo modo, a Contag conseguia ganhar projeção nacional


e, se os sindicatos a ela ligados não apoiavam as ocupações de
terras, em muitos casos, depois do fato consolidado, denunciavam
a violência. No Rio, os advogados da Federação continuavam
Andar “andando”, como se dizia na Justiça, tentando manter posses e
Na Justiça, significava garantir cumprimento de contratos de arrendamento por parte dos
a longa peregrinação
proprietários.
judicial para se tentar
manter o camponês Outra bandeira do III Congresso era o apoio ao pequeno
cultivando a terra.
produtor. Também representados na Contag, estes setores,
CUT principalmente nos estados do sul, ocuparam cidades e se
Criada em 1983, a manifestaram por melhores preços e contra a execução de suas
Central Única dos
dívidas pelos bancos. Estes grupos, nos anos 1990, seriam
Trabalhadores (CUT)
nasce numa crítica fundamentais para pensar-se a categoria agricultura familiar e,
muito dura à estrutura nos anos 2000, organizariam a Federação dos Trabalhadores na
sindical herdada do
Agricultura Familiar.
período varguista,
defendendo a O processo de abertura política caminhava aos sobressaltos:
pluralidade sindical e a grave crise econômica no início dos anos 1980, atentados da extrema-
contribuição voluntária
direita e, no campo, como veremos na Aula 13, multiplicavam-se
dos trabalhadores para
os sindicatos. Essas ocupações de terra e assassinatos de lideranças. A Contag decidiu
posições foram bastante não filiar-se à Central Única dos Trabalhadores (CUT), já que muitos
atenuadas depois de as
dirigentes desta central defendiam a estruturação da entidade com
centrais sindicais serem
incorporadas à estrutura base em oposições sindicais, e não na estrutura sindical existente - o
sindical oficial do país. que era contestado pela direção da Contag.

418
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

A direção da Contag apoiou vivamente a campanha pelo


restabelecimento de eleições presidenciais diretas em 1984 e, com a
rejeição, sob pressão militar, da emenda no Congresso, partiu para
o apoio a Tancredo Neves em sua candidatura pelo colégio eleitoral.
O candidato prometia o cumprimento do Estatuto da Terra e não
compareceu ao primeiro congresso do MST, realizado em Curitiba
em janeiro de 1985. O vice, José Sarney, que assumiu após a morte
do presidente eleito, manteve a equipe nomeada por Tancredo. A
diretoria da Contag apostou todas as fichas na proposta do PNRA.
Sarney foi, em maio de 1985, ao IV Congresso da entidade, e o
Ministro da Reforma Agrária, Nelson Ribeiro, apresentou a Proposta
de Plano. Finalmente, parecia que o Estatuto da Terra, no que dizia
respeito à reforma, ia sair do papel.

Num clima de esperança, o IV Congresso aprovou novamente


a reivindicação sobre o cumprimento da legislação trabalhista. Sob
pressão da CUT e do MST, aprovou-se que o Estatuto da Terra era
um ponto de partida, mas seria necessária uma nova lei depois da
Constituinte. Exigia-se a reforma agrária com a desapropriação
também das terras de empresas rurais, confisco de terras em áreas
griladas ou de titulação duvidosa e pagamento de benfeitorias
também em títulos da dívida agrária.

Como veremos a seguir, a proposta do Plano de Reforma


Agrária foi totalmente descaracterizada, ainda no interior da
burocracia do Estado. Na próxima seção, discutiremos como a
Contag passou da luta por reforma agrária à ênfase no apoio à
agricultura familiar, a partir da década de 1990, incorporando
também, ao final da década, um tema que não esteve presente em
períodos anteriores: a questão feminina.

419
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Atende ao Objetivo 1

1. Leia atentamente as reivindicações contidas nos quatro congressos realizados pela


Contag entre 1966 e 1985. Vamos cotejar como estas reivindicações dialogavam com
cada momento em que se realizava o Congresso.

I Congresso – 1966

● Estabilidade no Emprego;
● Regulamentação do Estatuto do Trabalhador Rural;
● Regulamentação do Estatuto da Terra;
● Participação em órgãos da Justiça do Trabalho;
● Participação no Conselho Técnico do Ibra;
● Que o Ibra caracterize mais áreas como prioritárias para a reforma agrária;
● Mais desapropriações;
● Alocação dos trabalhadores despejados nas regiões onde se localizam as terras
desapropriadas;
● Regulamentação da Previdência Social;
● Reconhecimento do direito de preferência do arrendatário na renovação de contratos;
● Indenização por benfeitorias que o arrendatário tenha feito.

II Congresso – 1973

● Reforma agrária baseada no Estatuto da Terra;


● Fixação do homem onde more, evitando sua transferência para outras regiões;
● Revisão das áreas prioritárias;
● Participação dos trabalhadores nas comissões agrárias, formadas nas áreas de projetos
de reforma agrária;
● Extensão da legislação trabalhista aos volantes (boias-frias);

420
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

● Extensão da lei do sítio, que garante dois hectares de terra para


o cultivo de alimentos pelo trabalhador permanente, a todas as
fazendas do país, e não só aos canavieiros.

III Congresso – 1979

● Reforma agrária ampla em todo o território;


● Imediata, com prazo para terminar de assentar os trabalhadores;
● Participação dos trabalhadores no processo de reforma;
● Em todos os níveis;
● Redistribuição imediata das áreas já desapropriadas;
● Discriminação das terras públicas, com entrega aos trabalhadores;
● Não-destinação de áreas a grandes empresas;
● Perda sumária da propriedade não utilizada em setenta por cento
de sua área correspondente a mais de três módulos fiscais;
● Criação da área máxima variando entre 250 e 750 hectares,
conforme a região do país;
● Cumprimento da legislação trabalhista;
● Garantia da Previdência Social;
● Incentivo aos pequenos agricultores, com garantia de preços
mínimos para sua produção;
● Alteração da legislação sindical, autonomia sindical face ao
Estado;
● Pluralidade sindical;
● Direito livre de filiação a entidades internacionais;
● Redação dos próprios estatutos sem um modelo-padrão imposto
pelo Ministério do Trabalho;
● Direito de formar seu programa de ação.

IV Congresso - 1985

● Direito à greve;
● Direitos previdenciários;
● Política agrícola para pequenos agricultores;
● Desapropriação de empresas rurais;

421
História dos Movimentos Sociais no Brasil

● Pagamento de benfeitorias das empresas desapropriadas em títulos da dívida agrária;


● Área máxima estabelecida em módulos rurais para os imóveis;
● Perda sumária de propriedade acima de três módulos, quando cinquenta por cento de
sua área não for utilizada;
● Confisco de terras griladas ou com titulação duvidosa;
● Isenção de impostos aos trabalhadores beneficiários da reforma agrária;
● Proibição de venda de lotes nas áreas de assentamentos;
● Manutenção da unicidade sindical.
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422
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

Resposta Comentada
Como podemos perceber, as reivindicações variam de época para época, mas existem temas
recorrentes. A realização de uma reforma agrária com base no Estatuto da Terra é permanente
desde o primeiro congresso. Há temas que somem, por mudanças na conjuntura. A estabilidade
no emprego, por exemplo, existiu para os trabalhadores da iniciativa privada entre a decretação
da CLT, em 1943, e a criação do Fundo de Garantia sobre o Tempo de Serviço, em 1966.
Assim, em 1966, ainda tinha sentido reivindicar a estabilidade.
Chama a atenção o fato de, em 1973, embora não se peçam mudanças no Estatuto da Terra,
se reivindique que os beneficiários da reforma agrária permaneçam em sua região, questionando
a proposta governamental de encher a Amazônia com gaúchos e nordestinos.
O Congresso de 1979 mostra uma radicalização, ao propor área máxima não medida
pelos complexos módulos fiscais pensados no Estatuto da Terra, mas em hectares, algo bem
mais prático.
Já o Congresso de 1985 mostrava a influência do MST, quando se tenta quebrar um dos
principais elos do Estatuto da Terra, ao propor-se desapropriação de empresas rurais, modelo
privilegiado durante a ditadura militar.
Outro tema importante, que ganha expressão a partir de 1979, é a questão do apoio ao
pequeno produtor. A Contag disputou com a Confederação Nacional de Agricultura e com a
União Democrática Ruralista, duas entidades patronais, sua representação, e não podia perdê-
la. Mais tarde, esta disputa se intensificou com movimentos de base, como o Movimento dos
Pequenos Agricultores e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar.
De tudo até aqui exposto, podemos perceber que a reforma agrária foi o principal eixo de
atuação, não de uma diretoria encastelada no Rio de Janeiro, e mais tarde em Brasília, mas
vinha das bases da entidade.

423
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Da luta por reforma agrária à


agricultura familiar: caminhos da Contag
num contexto neoliberal

Nesta seção, discutiremos os novos caminhos que o sindicalismo


contagueano foi tomando a partir da derrota da Proposta de Plano
Nacional de Reforma Agrária e seu apoio mais decisivo à incorporação
da agricultura familiar ao sistema de crédito público brasileiro.
Finalmente, faremos uma breve análise sobre a inclusão feita, do
tema feminino, através da Marcha das Margaridas, manifestação
que movimentou não apenas o sindicalismo, mas um amplo espectro
de organizações de mulheres camponesas em todo o país.

Luta por reforma agrária no governo Sarney

Como vimos ao final da seção anterior, a direção da Contag


apoiou a candidatura de Tancredo Neves para a eleição indireta,
realizada nos primeiros dias do ano de 1985. Sua principal
exigência era que pessoas comprometidas com a reforma agrária
fossem nomeadas para os postos-chave e que houvesse a realização
da reforma, conforme prevista no Estatuto da Terra. Tancredo
comprometeu-se, e a equipe indicada por ele foi mantida após sua
doença e morte, e assunção de seu vice, José Sarney.

424
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

José Gomes da
Silva (1924-1996)
Engenheiro agrônomo
nascido em Ribeirão
Preto. Ajudou a
introduzir a soja no
Brasil ao atuar como
fazendeiro; sua atuação
mais conhecida,
entretanto, foi como
técnico: lutou por uma
reforma agrária que
multiplicasse o número
de proprietários rurais.
Em 1961, participou
da elaboração do
Figura 12.7: A Contag apoiou a candidatura de Tancredo Neves, e a equipe
projeto de lei de revisão
indicada por ele foi mantida por José Sarney.
agrária, sob a liderança
Fonte: Agência Brasil - Official Brazilian President Gallery, CC BY 3.0 br, https://commons.
wikimedia.org/w/index.php?curid=53589814;- Agência Senado [1], CC BY 3.0 br, do governador de São
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1701228. Paulo, Carvalho Pinto.
Em 1964, foi liderança
na elaboração do
anteprojeto de Estatuto
Foi criado um Ministério da Reforma Agrária e, no Incra, da Terra. Ao ver que a
uma equipe, liderada por José Gomes da Silva, seria composta parte relativa à reforma
agrária não avançava,
de indivíduos muito identificados com a causa da reforma agrária.
fundou a Associação
No IV Congresso da Contag, no qual a direção sofria forte Brasileira de Reforma
Agrária, organização
oposição de setores ligados ao MST, o Ministro Nelson Ribeiro,
não governamental
levando uma panela furada de balas, apresentou a Proposta de que atuou firmemente
Plano Nacional de Reforma Agrária. Era a tentativa de implementar durante a ditadura
o Estatuto da Terra, que lideranças do MST já consideravam civil-militar. Em 1985,
foi, por seis meses,
ultrapassado, por exemplo, por preservar as empresas rurais.
presidente do Incra,
A proposta, entre outras coisas, defendia: deixando o órgão ao
ver descaracterizada
● a desapropriação, como principal meio para obtenção de terras; sua proposta de
reforma agrária.
● a ampla investigação sobre os incentivos fiscais na Amazônia e
Finalmente, fez parte da
a reversão das áreas não utilizadas ao poder público; elaboração de planos
de reforma agrária
● a suspensão dos projetos de colonização;
do candidato Lula em
● a desativação das milícias privadas; 1994.

425
História dos Movimentos Sociais no Brasil

● as desapropriações em áreas de conflito;

● a fixação de áreas prioritárias, conforme previa o Estatuto da


Terra, e a demarcação de terras indígenas.

A proposta, que foi abraçada pela direção da Contag, foi


rejeitada imediatamente pelo setor proprietário. Em junho de 1985,
era lançada a União Democrática Ruralista (UDR), sob a presidência
Ronaldo Caiado de Ronaldo Caiado.
Médico formado na
Unirio, nascido em
Formalmente, a entidade lutaria para eleger parlamentares
Goiás, tendo origem simpáticos à causa dos proprietários na Constituinte, mas num
em uma família período em que as ocupações promovidas pelo MST cresceram
oligárquica de seu
com apoio do setor progressista da Igreja Católica. Ficou famoso
estado, que ocupa
postos políticos desde o slogan informal da UDR: “Para cada área invadida, um padre
meados do século XIX. morto.”, numa referência ao apoio que padres progressistas da
Caiado candidatou-
época davam às ocupações. A imprensa da época publicava as
se à presidência da
República em 1989,
listas de advogados, padres e líderes de movimentos rurais que
exerceu mandatos estariam marcados para morrer pelas mãos dos proprietários. A
de deputado federal partir dos leilões de gado, a entidade se projetava, articulada com
entre 1991 e 1994 e
organizações mais tradicionais, como a Sociedade Rural Brasileira
entre 1999 e 2014.
Nesse ano, elegeu-se e a Sociedade Nacional de Agricultura. Empresários paulistas e
senador, mandato sulistas, que tinham recebido imensas glebas na Amazônia e no
que durará até 2022.
Centro-Oeste, com muitos incentivos fiscais, ou seja, sem pagar
Participou ativamente
no golpe que depôs
impostos, e que especulavam com a terra, reagiam duramente.
a presidente Dilma Dentro do governo, a resistência não era menor. O presidente
Rousseff.
Sarney, ao ver em vermelho as áreas passíveis de desapropriação,
teria exclamado: “O Brasil está todo menstruado!” A partir daí,
vários projetos “alternativos” à reforma foram pensados, como o
Projeto Nacional de Desenvolvimento Rural Integrado, (Ponderi),
ou o Projeto Nordeste, que buscariam apoiar pequenos produtores
ou liberar créditos para que camponeses adquirissem terras, que
foram gestados no interior da burocracia estatal, para evitar a
reforma agrária.

Entre setembro e outubro de 1985, foram elaboradas doze


versões do PNRA. Afinal, a versão publicada, decreto nº 91766,

426
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

determinava a negociação como principal instrumento para obtenção


de terras para a reforma agrária, a revisão dos incentivos fiscais já
realizados, mas visando a tornar as terras cultiváveis, novos planos
de colonização pública e particular e, finalmente, a revisão sobre
terras indígenas; e não se falava na criação de áreas prioritárias
para a reforma. O Plano deixava a ideia de desapropriação e partia
para a negociação, sendo os interesses dos empresários paulistas na
Amazônia e Centro-Oeste garantidos. Esta garantia seria, mais tarde,
aprofundada com o decreto-lei 2363-1987, que assegurava que
áreas até mil e quinhentos hectares, na Amazônia, e mil, no Centro-
Oeste, não seriam desapropriadas, e aquelas até dez mil hectares, o
proprietário poderia escolher vinte e cinco por cento dela para livrá-la
da expropriação. Além disso, não seriam consideradas expropriáveis
as áreas reconhecidas como produtivas. Este termo já fora utilizado nas
discussões do PNRA e tornava difícil a realização da reforma, pois,
em tese, toda terra rural, se não for, pode sempre vir a ser produtiva.

Embora sofresse a derrota na elaboração do PNRA, que


resultou na saída da equipe comprometida com a reforma do
governo Sarney, a diretoria da Contag ainda apoiou por algum
tempo o governo. Rudá Ricci lembra que, numa das manobras
governamentais para dificultar o PNRA, lançou-se o Programa de
Apoio ao Pequeno Produtor, que interessava a muitos sindicalistas
vinculados à Contag no Sul e em Pernambuco. A ruptura com o
governo só viria em 1986, depois que os planos regionais de
reforma agrária mostraram-se extremamente tímidos. A partir dali,
os contagueanos apoiam mesmo uma greve geral, desencadeada
em dezembro de 1986.

Derrotada a proposta de reforma agrária dentro do governo,


restava à direção voltar suas atenções para a Assembleia Constituinte
a ser eleita em 1986 e reunir-se a partir do ano seguinte.

José Francisco da Silva foi membro de uma Comissão


Provisória de Estudos Constitucionais, que elaborou um anteprojeto
de Constituição, descartado pelo plenário da Assembleia. As eleições
de 1986 foram marcadas pelo Plano Cruzado.

427
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Plano Cruzado
O período entre 1980 e 1994 foi marcado por
uma inflação extremamente elevada. Para se ter
uma ideia, o índice, em 1989, foi superior a dois
mil por cento ao ano. Vale lembrar que esse fenô-
meno atingia outros países latino-americanos, como
a Argentina, a Bolívia e o Peru. A partir de 1986, o
governo Sarney tentou, por diversas vezes, medidas
de combate à inflação. Normalmente, era adotado o
congelamento de preços e salários, mas esta medida
não funcionava, pois o governo não teria condição de
fiscalizar os preços num país de dimensões continen-
tais e, rapidamente, a inflação retornava. Esta primei-
ra tentativa ficou conhecida como Plano Cruzado, em
virtude do nome da moeda que substituiria o antigo
cruzeiro. Não é demais lembrar que em novos planos
de estabilização, a moeda mudava novamente de
nome: cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro-real e, final-
mente, real.

Este plano, que tentou estabilizar a inflação a partir do


congelamento de preços, possibilitou a eleição de uma assembleia
conservadora, que era muito resistente à ideia de reforma agrária.
A direção da Contag, que sofria a oposição do MST e de
sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores, defendeu
a ideia de uma área máxima de sessenta módulos fiscais para
a propriedade rural, indenizações em títulos da dívida agrária
para as áreas expropriadas, jornada de trabalho de quarenta
horas, aposentadoria também para as mulheres, uma política
agrícola diferenciada para os pequenos produtores rurais e a
impenhorabilidade da pequena propriedade, ou seja, que não

428
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

pudesse ser perdida em caso de dívida do cultivador. A reação


a estas propostas foi, em alguns momentos, violenta dentro do
plenário da Constituinte. Em reuniões da subcomissão de Política
Agrícola e da Comissão da Ordem Econômica, os contagueanos
e outros reformistas foram literalmente apedrejados, e o regimento
da assembleia foi violado várias vezes para facilitar os trabalhos
dos parlamentares contrários à reforma agrária. Enquanto os
trabalhadores lembravam que a reforma ampliaria o mercado
interno para a indústria, argumento que, aliás, já esgrimiam desde
a década de 1950, os grupos conservadores observavam que a
agricultura já se modernizara (isso era verdade, na tecnologia, mas
não tanto nas relações de trabalho) e a reforma desorganizaria a
produção num país que precisava exportar bens primários.

Finalmente, no texto constitucional, os conservadores


conseguiram estabelecer a noção de propriedade produtiva, que
seria insuscetível de desapropriação para a reforma agrária. A
lei ordinária é que definiria o que viria a ser produtividade. As
únicas conquistas da Contag: a impenhorabilidade da propriedade
produtiva e a extensão da aposentadoria, que passa a ser de um
salário-mínimo e também beneficia as mulheres. De todo modo,
o tema da reforma agrária, tão caro aos contagueanos, ficaria
principalmente em mãos do Movimento dos Sem Terra.

Um texto para o ator: a agricultura familiar


e o papel da Contag

Após as derrotas da Proposta de Plano Nacional de Reforma


Agrária e das emendas reformistas na Constituinte, a Confederação
vivia uma situação paradoxal: era o movimento sindical de
maior extensão do país, tendo organização em mais de três mil
municípios, mas não conseguia ver suas propostas aprovadas num
Congresso Nacional conservador. Sofria assim um esvaziamento:
de um lado, os sem-terra, que nunca se viram representados por
eles, indo cada vez mais para o MST e, de outro, os pequenos

429
História dos Movimentos Sociais no Brasil

produtores, que começavam a preferir a UDR, pelo seu discurso a


favor da pequena propriedade.

A situação se deteriorou a partir do governo Collor, que adotou


medidas tão drásticas quanto ineficazes no controle da inflação,
como congelamento de preços e confisco da poupança, começando
a implantar no país os princípios do neoliberalismo.

Neoliberalismo
O neoliberalismo é uma ideologia desenvol-
vida a partir de estudiosos, como o austríaco
Von Hayec e o estadunidense Milton Freedman.
Segundo seus formuladores, o Estado deve retirar-
-se, ao máximo possível, das relações econômicas,
deixando espaço para que o mercado regule quase
todas essas atividades. Para estes autores, empresas
públicas ou a intervenção estatal em relações traba-
lhistas são meios de distorcer o mercado, retirando
a liberdade do cidadão. Este, ou fica dependente
do Estado, se trabalhador, ou fica seu escravo, se
proprietário. Pensado nos Estados Unidos e Europa
Ocidental, para combater o que acreditavam ser um
excessivo poder dos sindicatos, na América Latina
voltou-se, principalmente, contra a existência de em-
presas estatais e contra o que aqui temos de legisla-
ção trabalhista. Quanto à reforma agrária, para os
neoliberais, é inaceitável que o Estado desaproprie
terras. Lembremos que o primeiro regime no planeta a
adotar medidas deste corte foi a ditadura terrorista do
general Augusto Pinochet, estabelecida no Chile entre
1973 e 1990.

430
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

Tais medidas consistiriam na privatização de empresas


públicas, nos esforços ainda hoje feitos para alterar a legislação
trabalhista, e na liberação das importações. Este aspecto nos
interessa: com esta liberação de importar gêneros do exterior,
muitos pequenos cultivadores faliram, e os grandes ficaram também
numa situação difícil. Isso se agravou mais ainda depois da adoção
do Plano Real, em 1994, quando a facilidade de importar se
ancorou nas altíssimas taxas de juros, que atraíam investimentos
especulativos estrangeiros. Como o real foi sobrevalorizado (eram
necessários poucos reais para comprar dólares), o setor primário
passou a ter dificuldade de exportar, levando a um alto índice de
desemprego no campo.

Figura 12.8: Com a adoção do Plano Real, o setor


primário passou por dificuldades.
Fonte: http://www.bcb.gov.br/dinheirobrasileiro/en/
primeira-familia-cedulas.html, Domínio público, https://
commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=34139608.

Progressivamente. a Contag vai reduzindo sua ênfase na


reforma agrária e vai passando a dedicar uma atenção maior à
agricultura familiar. Os velhos camponeses, que tantos sociólogos
diziam estar extintos ou em vias de extinção, foram encontrados
não só no Brasil, mas na Europa, nos estudos feitos por José Eli da
Veiga, Sérgio Leite e Leonilde Medeiros.

Sob influência do setor cutista organizado no Departamento


Nacional de Trabalhadores Rurais da CUT, os contagueanos vão
passando a apoiar a agricultura familiar.

431
História dos Movimentos Sociais no Brasil

A partir da articulação de cutistas do Sul e do Norte do país,


começaram a organizarem-se manifestações massivas em todo o
país, nas quais a reforma agrária juntava-se ao grito dos pequenos
cultivadores por crédito, insumos, proteção a seus mercados e
transporte para sua produção. Em 1991, após o assassinato do
sindicalista Expedito Ribeiro, em Rio Maria (Pará), Contag, MST, CUT
e CPT organizaram o Grito do Campo, que significou a ocupação
de prédios e manifestações de rua, exigindo o fim da violência
e também um crédito aos pequenos cultivadores via Banco da
Amazônia. Novas manifestações foram feitas e, a partir de maio
de 1994, Contag e MST, ao lado de entidades como Coordenação
dos Povos Indígenas do Brasil, Movimento Nacional dos Pescadores
e Conselho Nacional dos Seringueiros, passaram a organizar o
Grito da Terra Brasil.

Este ato consiste em manifestações realizadas durante uma


semana em todo o país, a fim de alcançar as reivindicações do
movimento. Neste primeiro ano, o Grito teve sete eixos temáticos:
reforma agrária, política agrícola, direitos sociais e trabalhistas,
previdência social, saúde e segurança no trabalho, política
energética e meio ambiente.

Neste mesmo ano, uma equipe da Contag, ao lado de


representantes do Ministério da Agricultura, elaborou um projeto de
política diferenciada para a agricultura familiar, entendida como
aquela que tem até quatro módulos fiscais, 80 por cento de renda
agrícola e até dois empregados permanentes. Desta movimentação
de 1994, surge o Programa de Valorização da Pequena Produção,
primeira iniciativa do governo federal, ainda, para um apoio mais
específico ao pequeno produtor, aproveitando-se de já existir desde
o governo Sarney, ainda que pouco efetivo, um programa de crédito
da reforma agrária.

Se, em 1994, a reforma agrária ainda aparece como foco


central do Grito da Terra Brasil, isso mudaria a partir do ano seguinte,
quando o MST, em plena fase de expansão das ocupações e disputas

432
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

por bases com o sindicalismo contagueano, vai se afastando da


manifestação, que passa a ser liderada pela Contag.

César Fontes, Agência de Notícias da CONTAG


Figura 12.9: MST se afasta, e Grito da Terra Brasil passa a ser liderada pela
CONTAG.
Fonte: http://www.contag.org.br/index.php?modulo=portal&acao=interna&codpag=135&
nw=1&id=62&arquivo=thumb___Mob1_Photo18.jpg&gfm=1&pasta=&nmpasta=.

A partir deste momento a direção da Contag, que agora era


liderada por Francisco Urbano, ligado ao PSDB do Rio Grande
do Norte, passa a defender mais as políticas diferenciadas para
estes pequenos cultivadores. Para o governo FHC, eram apenas
políticas compensatórias para gente que jamais alcançaria o status
de produtor para o mercado, mas para os contagueanos, que, neste
ano de 1995, se filiaram à CUT, era atender ao seu principal público-
alvo. Francisco Urbano recorda uma fala de Fernando Henrique,
emblemática do pensamento neoliberal a respeito, no sentido de que
atender a pequena produção era apenas uma medida compensatória
pelos efeitos da abertura comercial, mas que nada se poderia esperar
dele do ponto de vista econômico: “Seu Urbano, nós vamos analisar
suas reivindicações, mas vocês estão equivocados, porque, em dez
anos, só haverá cinco por cento de população brasileira no campo.”

433
História dos Movimentos Sociais no Brasil

De todo modo, com a crescente mobilização de grupos ligados


ao MST, com ocupações de terras e de prédios públicos (ver Aula
13), começou a interessar ao governo central um diálogo com a
Contag e sua imensa rede de federações e sindicatos. Daí, em
1995, foi aprovado o Programa Nacional da Agricultura Familiar,
que incorporava os pequenos cultivadores que tivessem renda
bruta de até vinte e sete mil reais - cerca de trinta mil dólares na
época. A partir deste momento, a direção da Contag, ainda que
sob influência da CUT, passa a focar toda sua atividade no apoio
aos agricultores familiares e em políticas agrícolas diferenciadas
para eles, deixando em segundo plano a reforma agrária, (embora
federações e sindicatos ligados a ela tenham realizado ocupações
de terras) e não valoriza mais as questões trabalhistas, deixando
de lado os assalariados rurais.

Em 1997, face à postura de alguns dirigentes mais próxima


ao PSDB, consegue-se o Pronafinho, um programa de apoio aos
agricultores familiares de baixa renda (entre mil e quinhentos e oito
mil reais.) A Contag chegava ao século XXI, defendendo políticas
diferenciadas para o agricultor familiar, sob forte influência dos
cutistas do Sul, mas sem perder sua base histórica do Nordeste.
Em 2001, em seu oitavo congresso, passava a defender o Projeto
Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável, onde estavam
presentes temas como rejeição aos transgênicos (embora muitos
sindicalistas do Sul do país os aprovassem), uma agricultura orgânica
e o foco na agricultura familiar.

434
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

Relações Contag-CUT
A Direção da Contag decidiu não se filiar à
CUT, quando de sua criação em 1983, pois os
cutistas sustentavam, à época, o fim da unicida-
de sindical, ou seja, o dispositivo legal que obriga
a existir apenas um sindicato por município e uma
federação por estado, para cada categoria de traba-
lhadores. Face ao crescimento dos cutistas no meio
agrário, especialmente no Sul, onde se incorporavam
os agricultores familiares, a Contag acaba filiando-se
à CUT em 1995. Entretanto, a polêmica em torno da
unicidade sindical continuaria, já que os cutistas mais
ligados à agricultura familiar fundaram, em 2001, a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
do Sul (Fetraf-Sul) e, em 2004, criaram a Fetraf-Brasil.
A Contag desfiliou-se da CUT em 2009.

Desta maneira, a direção contagueana passara, de uma


ênfase na reforma agrária dos anos 1960 até o início da década de
1990, para um esforço de apoiar os pequenos cultivadores, que já
se encontravam na terra. Do legalismo, muito criticado na ditadura,
mas que foi essencial para manter o tema da reforma em tela,
passou-se a uma mobilização, que não excluía ações mais duras,
como a ocupação de prédios públicos, privilegiando, entretanto,
uma relação com o Estado. A direção da Contag, que, ao lado
do MST, fazia parte da Campanha Nacional de Reforma Agrária,
chegou mesmo a coordenar, com o Banco Mundial, um programa de
Crédito Fundiário (Programa de Combate à Pobreza Rural), que fora

435
História dos Movimentos Sociais no Brasil

combatido antes, pois retiraria recursos da reforma agrária em favor


de uma ação em que o Estado comprava terras aos proprietários
para repassá-las a camponeses, chamada reforma agrária de
mercado, na qual não se pune o não-uso da propriedade. Para o
governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que sofria viva
oposição do MST, esta relação com a Contag possibilitava avançar
no meio agrário e amortecer as consequências de suas políticas
de abertura econômica, que reduziam os empregos no campo.
Ao final do governo Fernando Henrique, a maior confederação de
trabalhadores do país tinha uma rede de sindicatos invejável, mas se
debatia entre uma luta histórica pelo acesso dos mais pobres à terra
e a questão de apoiar aqueles que, bem ou mal, já a ocupavam. A
segunda linha acabaria prevalecendo até nossos dias.

Até aqui discutimos o tema da ação contagueana desde


a ascensão do regime militar até o final do governo Fernando
Henrique. Mas não poderemos encerrar esta aula sem abordar um
tema ainda hoje pouco tratado: a questão feminina no meio agrário.
É o que faremos na última seção, ainda que em breves traços.

Margaridas em luta: as mulheres no


sindicalismo contagueano

Todas as reflexões feitas nesta seção estão baseadas na


tese de doutorado de Vilenia Venancio Porto Aguiar – “Somos
Todas Margaridas: um estudo sobre o processo de constituição das
mulheres do campo”.

Ao longo de todas estas aulas que você acompanhou, foi


rara a citação de mulheres, a não ser naquelas cartas que vimos
na Aula 5, quando escreviam a Getúlio Vargas, lembra? Isso não
significa, é claro, que as mulheres não participaram de tantas lutas
que aconteceram no campo brasileiro. Recordemos Dona Elizabeth

436
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

Teixeira, esposa do líder da Liga de Sapé, João Pedro, assassinado


em 1962. Contudo, a participação feminina ficou invisibilizada e,
até mesmo, reprimida. Nos sindicatos, mesmo ela, até os anos 1970,
só aparecia como dependente do pai, do marido ou do irmão, ou
como pensionista. Houve mesmo dirigentes sindicais que defenderam
a proibição da entrada de mulheres nos sindicatos como associadas.

Esta situação começou a mudar a partir dos anos 1970, pois


passamos a ter uma mobilização feminina importante. Inicialmente,
começam a atuar nas comunidades eclesiais de base, ainda nos
anos setenta, já que, por ser um espaço da Igreja Católica, portanto,
restrito ao privado, sua participação era bem vista. Já nos anos
1980, passam a atuar mais firmemente nos sindicatos. É deste
período que data o assassinato de Margarida Alves, presidente
do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, Paraíba,
morta em 1983, e que se tornaria um símbolo das lutas femininas
no meio agrário.

Em 1986, organiza-se um setor de mulheres rurais da CUT;


em 1989, estrutura-se uma Comissão Nacional Provisória de
Trabalhadoras Rurais da Contag.

Em 1995, no contexto da Conferência dos Direitos das


Mulheres, em Pequim, promovida pelo ONU, e de manifestações
que redundariam na Marcha Mundial de Mulheres, no ano 2000,
a Contag cria sua Comissão Nacional de Trabalhadoras Rurais. Em
1998, o VII Congresso adota a política de cotas para mulheres na
direção da Contag.

A partir do ano 2000, em Brasília, organiza-se, sob


direção das mulheres contagueanas, mas com ampla participação
feminina, como o movimento de mulheres camponesas do Sul e as
quebradeiras de coco do Norte do país, a Marcha das Margaridas.

437
História dos Movimentos Sociais no Brasil

José Cruz
Figura 12.10: Marcha das Margaridas
Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/foto/2015-08/5a-marcha-das-margaridas,
CC BY 3.0 br, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=42317156

Assim, se anualmente a Contag organiza o Grito da Terra


Brasil, a Marcha das Margaridas é realizada a cada quatro
anos, normalmente, no primeiro ano de governo. Vale salientar
que a Constituição de 1988 garantiu às mulheres do campo a
aposentadoria de, pelo menos, um salário-mínimo, o que, em meios
rurais do país, projeta sua importância no sustento da família.

A marcha, realizada sempre em Brasília, tem uma longa


preparação, com delegadas que são eleitas nos mais distantes rincões
do Brasil e que elaboram pautas tão extensas quanto específicas.
Perpassam, em suas reivindicações, desde bandeiras tradicionais
do movimento feminista, como a reivindicação da descriminalização
do aborto, que é entendido como um direito reprodutivo, até temas
como o direito ao uso da terra para as quebradeiras de coco do
Maranhão, que sofrem a perseguição de pretensos proprietários. Este
movimento se projeta e cada quatro anos; milhares de margaridas
concentram-se na capital federal para reivindicar. Notemos que,
se até a década de 1970 era difícil uma mulher sindicalizar-se no
meio agrário, agora temos uma presença importante de mulheres na
direção contagueana e no movimento sindical. Claro que muita coisa

438
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

ainda precisa ser feita, principalmente em nossa cultura, já que ainda


não reconhecemos o trabalho doméstico como trabalho, e os que
defendiam a deposição da primeira mulher que chegou à presidência
da República nunca esqueceram de sublinhar sua condição feminina,
para mostrar que, antes de tudo, ela não deveria estar no cargo.
Desta maneira, o caminho para o respeito à mulher como parceira
igualitária da construção de nossa sociedade ainda é longo, porém
está ao menos começando, sem estar livre de retrocessos.

Conclusão

O movimento sindical camponês estava em plena ascensão


quando do golpe civil-militar de 1964, que cortou esse processo.
Entretanto, apesar da repressão vigorosa desencadeada contra
qualquer movimento identificado com o ascenso anterior, exercida
pelo estado ou por particulares, isso não significou o fim do
movimento. A existência do Estatuto da Terra seria a base legal
de onde o sindicalismo reestruturado poderia sobreviver e atuar.
Já no primeiro congresso, de 1966, as reivindicações pautaram-
se neste tema. A partir de 1968, com a ascensão da aliança
entre pernambucanos e gaúchos, passa-se a ter uma postura mais
combativa, dentro das condições da época, especialmente depois
do Ato Institucional Nº 5. Durante os anos mais difíceis do regime,
a bandeira da reforma agrária foi mantida, e as lutas em cima da
terra ou por melhores condições de trabalho foram organizadas.
Com a abertura do regime militar, passa-se a incorporar novas
reivindicações. A reforma agrária, que era dinamizada pelas
ocupações de terra, o que mais tarde seria o MST, ganha novo ímpeto
nos discursos contagueanos e reivindica-se uma área máxima para o
tamanho das propriedade não medidas em módulos fiscais, e sim em
hectares. Em 1985, com a Proposta de Plano de Reforma Agrária,
apesar das críticas do nascente MST, a direção da Contag passa
a defender a reforma, utilizando, para isso, os mesmos princípios

439
História dos Movimentos Sociais no Brasil

da década de 1950, ou seja, reforma para ampliar o mercado


interno. Derrotada a proposta e excluída a reforma da Constituinte,
progressivamente a direção contagueana passa a buscar amparar
a agricultura familiar. Era necessário, então, assistir os pequenos
produtores, os que já estavam na terra. No governo Lula (2003-
2011), embora a reforma agrária não avançasse, multiplicaram-se
os programas de apoio à agricultura familiar, inclusive às mulheres
pequenas proprietárias. Este passou a ser, embora com muita
resistência dos dirigentes, um outro tema: o tema da mulher no
campo, que passava de ser apenas vista como guardiã da família
para ser parceira na construção de uma sociedade distinta. Outros
temas seriam incorporados, como a agroecologia e a tecnificação
do pequeno produtor. Com mais de cinquenta anos, embora sofra
dissidências, a Contag continua a ser uma organização importante
para a representação dos trabalhadores rurais do país.

Atende ao Objetivo 2

2. Você terá listas de reivindicações elaboradas no Grito da Terra Brasil e na Marcha das
Margaridas.

Leia as reivindicações a seguir e identifique as específicas para as mulheres, discutindo em


que aspectos as gerais também podem atender a elas.

Grito da Terra Brasil

1- Resgate e ampliação do instrumento de desapropriação de terras para fins de reforma


agrária e atendimento, até o final de 2015, das famílias acampadas e aquelas que se
encontram em áreas de conflito agrário. Efetivação de medidas legislativas e normativas
que permitam ao Estado aprimorar os mecanismos de fiscalização do cumprimento

440
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

da função social das propriedades fundiárias e efetivar as desapropriações daquelas


áreas que não cumpram este princípio constitucional;

2- Que o Estado destine sua atenção à saúde e segurança das trabalhadoras


assalariadas rurais existentes no campo, seja porque, em regra, são submetidas às
piores condições de trabalho, como porque desenvolvem atividades que exigem ações
repetitivas, exposição aos agrotóxicos e, em muitos casos, esforço físico exagerado;

3- Garantia do papel estratégico da agricultura familiar no desenvolvimento rural, com


a produção de alimentos saudáveis, geração de ocupações produtivas e renda no
campo e conservação ambiental; criação de um programa que leve em consideração
todo processo de sustentabilidade da produção na agricultura familiar, considerando
as dimensões: ambiental, crédito, pesquisa, assistência técnica, formação produtiva,
processamento e comercialização;

4- Construção de creches nos locais de trabalho, em parceria do poder público com


as empresas empregadoras, tanto em localidades onde há concentração de mão de
obra feminina como naquelas onde prevalece a mão de obra masculina, assegurando
melhores condições para que as trabalhadoras com filhos possam trabalhar, bem como
para avaliar se esta experiência pode servir de estímulo para que haja uma elevação
do número de contratações;

5- Promoção da melhoria da infraestrutura do meio rural por meio do PAC III


[armazenagem, estradas vicinais, pontes, acessos aquaviários (portos e barcos),
energia elétrica (trifásica), comunicação e informação (internet, telefonia, rádios e TV
comunitária), com participação dos três entes federados;

6- Medidas de fiscalização e outras ações de estado, de forma a identificar e combater


a exploração das mulheres que acompanham seus companheiros assalariados rurais
e que, embora trabalhem para o empregador rural, não tenham sua condição de
assalariadas e seus direitos reconhecidos/respeitados.
Adaptado de: Contag Pauta de Reinvindicações do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais (MSTTR), In: Contag, 21º Grito da Terra Brasil, 2015, Brasília, Contag, 2015, In: http://www.
contag.org.br/imagens/f2337caderno-de-propostasgtb_web.pdf acessado em 12-10-
2016 Reivindicações, 1, 3 e 5..
5ª Marcha das Margaridas – Pauta de Reivindicações ao Governo Federal. In: 5ª Marcha
das Margaridas, Brasilha Contag, 2015, http://www.contag.org.br/imagens/
f2445cadernodepautaexecutivofinal.pdf acessado em 12-10-2016Reivindicações 2, 4 e 6.

441
História dos Movimentos Sociais no Brasil

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Resposta Comentada
Aqui, reunimos reivindicações do Grito da Terra Brasil e da Marcha das Margaridas, os dois
eventos realizados pela Contag. Repare que as reivindicações estão divididas em dois blocos:
um observando as de caráter mais geral que, de alguma maneira, beneficiariam também a
mulher, mas não são voltadas a ela. A realização de uma reforma agrária poderia beneficiar
muito a mulher, se recordarmos que, em nossos dias, ela é, muitas vezes, detentora do lote,
diferentemente dos anos 1930, quando era vedado que lotes de projetos de colonização lhe
fossem cedidos. Da possibilidade de ser proprietária, também deriva a questão do apoio que
a agricultura familiar tenha maior assistência do poder público, não apenas com o crédito com
juros mais baixos, mas também no apoio à comercialização e numa agricultura produzida com
menos venenos, que antigamente eram chamados de defensivos agrícolas. Aliás, na própria
pauta da Marcha das Margaridas, elas observam o tema do agrotóxico: a mulher pode ser
afetada duas vezes pelo mesmo produto: primeiro, se aplicá-lo no trabalho; depois, quando, por

442
Aula 12 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Primeira parte)

exemplo, lavar a roupa do familiar que fez uso do mesmo. Da mesma


forma, a promoção da melhoria de condições de vida com o Pac III
(referência aos Planos de Aceleração do Crescimento) traria melhores
condições de vida a todos.
Entretanto, existem temas mais específicos, que não aparecem nos
Gritos da Terra Brasil, mas estão na Marcha das Margaridas. Das que
selecionamos, temos, em primeiro lugar, as duras condições de trabalho
que, aliás, são mostradas na jornada dupla, normalmente exercida
pela mulher, e na sua exposição aos agrotóxicos, como vimos. Depois,
temos o tema das creches, fundamental porque, normalmente, a mulher
fica com a responsabilidade sobre a criação dos filhos, e sua ausência
significa uma dificuldade a mais para o trabalho. Além do mais, temos
a questão da mulher que acompanha o companheiro, trabalha, mas
não é remunerada, por seu trabalho não ser reconhecido como tal.
Desta maneira, as reivindicações mais específicas das mulheres foram
canalizadas pela Marcha, e não pelo Grito, numa espécie de divisão
das tarefas reivindicativas. As lutas no campo continuam em pleno
século XXI, e o movimento sindical tenta incorporar agora também as
questões femininas.

Resumo

Nesta aula, discutimos a atuação da Contag desde o regime


militar até a emergência do neoliberalismo. Durante o regime de
1964-1985, a direção da Contag buscou manter a reforma agrária
em tela, além de promover lutas em relação a questões trabalhistas,
especialmente a partir de 1980. Durante o governo Sarney, a luta
foi pelo cumprimento do Estatuto da Terra e, depois, passou-se ao
esforço para ver a reforma agrária aprovada na Constituição de
1988. Derrotados estes movimentos, o sindicalismo contagueano
encontrou na agricultura familiar o caminho a seguir, na direção de
conservar sua ampla base de representação social. Ao agricultor
familiar, com uma proposta de agricultura orgânica, sem agrotóxico

443
História dos Movimentos Sociais no Brasil

e livre de transgênicos, somou-se o apoio a questões femininas,


expresso na Marcha das Margaridas. Apesar das dissidências, a
Contag continua sendo a maior entidade de trabalhadores rurais
do país, com seus milhares de sindicatos esparramados por todo o
território nacional.

Informações sobre a Próxima aula


Na Aula 13, discutiremos a atuação da Comissão Pastoral
da Terra, o surgimento do MST e sua expansão.
Até lá!

444
Aula  13
Os trabalhadores
rurais: da ditadura
militar às lutas
contemporâneas
(Segunda parte)
Vanderlei Vazelesk Ribeiro
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Meta

Analisar os movimentos dos trabalhadores rurais durante o período compreendido entre


o golpe civil-militar de 1964 e a ascensão do governo Lula (2003-2010), discutindo
a atuação da Comissão Pastoral da Terra a partir da segunda metade da década
de 1970, sua contribuição para a formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais
sem Terra (MST), bem como a consolidação desse movimento no governo de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) e, finalmente, sua crise, que se desenvolveu no
governo de Lula (2003-2010).

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. compreender a contribuição da Comissão Pastoral da Terra para a formação do
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra durante o período final da ditadura
civil-militar (1964-1985);
2. avaliar a ascensão do MST como movimento social durante a segunda metade dos
anos 1980, sua consolidação como maior movimento de luta pela terra no país
durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1999), bem
como sua crise iniciada ainda no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso
(1999-2003) e aprofundada durante os períodos presidenciais de Lula (2003-
2010).

446
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Introdução

Como você vem acompanhando durante o curso, o tema da


luta pela terra desenvolveu-se durante toda a história republicana.
Inicialmente, discutimos o tema dos movimentos chamados
messiânicos (Canudos, Contestado, Caldeirão), quando as
oligarquias regionais, em parceria com o poder central, esmagaram
as tentativas dos camponeses de se apropriarem livremente da terra.

Refletimos sobre o período varguista (1930-1945), no qual,


mesmo excluídos formalmente da participação política através
dos sindicatos, ainda que houvesse tentativas da burocracia nesse
sentido, os trabalhadores do campo fizeram eco à propaganda
varguista e escreveram ao presidente, tentando melhorar suas
condições de vida e reivindicando a terra, quando a perdiam para
pretensos proprietários.

Observamos, no período democrático entre 1945 e 1964,


a emergência do camponês no cenário político e a construção
de organizações, como o Master, no Rio Grande do Sul; as Ligas
Camponesas, no nordeste, e a sindicalização dos trabalhadores
rurais, assim como a luta dos posseiros, que vimos, pela primeira
vez, vitoriosa, no sudoeste do Paraná.

Por fim, vimos o movimento sindical se reestruturando no


período militar e a CONTAG buscando novos caminhos, apoiando
a agricultura familiar, após a derrota do Plano Nacional de
Reforma Agrária, e não ver a mesma ser recepcionada na
Constituição de 1988.

Este panorama não ficaria completo sem discutirmos a atuação


daquele que chegou a ser o mais importante movimento de luta pela
terra na América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra (MST). Ainda que posteriormente tenha havido um relativo
descenso em suas lutas, não podemos encerrar este panorama sem
discutir sua construção.

447
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Inicialmente, veremos a atuação da CPT, ponto de partida


para formação do movimento. Acompanharemos a expansão do
movimento durante o governo Sarney (1985-1990), quando não
concordou com os contagueanos em apostar tudo na Proposta de
Plano Nacional de Reforma Agrária.

Avaliaremos também sua caminhada durante o governo de


Fernando Collor e o de Itamar Franco (1990-1995), quando o
movimento passa a enfrentar a ideologia neoliberal e uma repressão
mais dura, principalmente no período Collor.

Finalmente, veremos seu momento áureo no primeiro período


Fernando Henrique Cardoso, quando a estratégia de ocupação de
terras passou a ser seguida por diversos movimentos e, finalmente,
sua crise, que se inicia na repressão do governo FHC e se consolida
durante o governo Lula. Assim, concluímos nossas aulas sobre os
movimentos sociais camponeses no Brasil Republicano.

Vamos começar analisando a parteira do MST: A Comissão


Pastoral da Terra.

Igreja e Problemas da Terra

As instituições não são homogêneas. Podemos distinguir, pelo


menos, três posições na Igreja Católica relativas à questão agrária
diante do golpe de 1964:

● A ultraconservadora, liderada por D. Geraldo de Proença


Sigald, bispo de Diamantina, que pregava contra qualquer
forma de reforma agrária e defendia abertamente o
extermínio dos comunistas;

● A conservadora, que apoiara o golpe, mas que defendia uma


postura favorável a uma reforma agrária limitada;

● E, finalmente, a progressista, que, aos poucos, ganhou corpo


no interior da Igreja, sustentando a defesa dos posseiros e
uma reforma agrária profunda. Esta última tendência foi

448
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

progressivamente ganhando espaço dentro da instituição, à


medida que o regime militar se radicalizava e a repressão
contra posseiros, indígenas e todos os que lutavam por
melhores condições de vida no meio rural se intensificava.

Lembremos que a Igreja institucional também sofria importantes


mudanças. Entre 1962 e 1965, realizou-se o Concílio Vaticano II; dele
resultou a definição de uma Igreja que dialogasse mais com outras
religiões, que aceitasse mais a diversidade e que se preocupasse
mais com os problemas sociais. Na América Latina, diversos padres,
do continente ou estrangeiros, passaram a aprofundar suas reflexões
e encontrar em certos pontos do pensamento marxista a explicação
para o sofrimento do povo e o remédio para que melhorassem suas
condições de vida. Surgia aqui a Teologia da Libertação.

Teologia da Libertação
A Teologia da Libertação pode ser definida
como uma interpretação dos evangelhos foca-
da nos problemas sociais e que sustenta que se
pode conseguir uma vida melhor aqui mesmo, sem
precisar esperar um paraíso, depois da morte, como
nas visões tradicionais, desenvolvendo uma vigorosa
crítica ao sistema capitalista e enfatizando a ideia de
comunidade, onde todos poderiam realizar e desen-
volver suas potencialidades, rompendo com o indivi-
dualismo capitalista e beneficiando-se coletivamente.
Teólogos como o frei Leonardo Boff foram vigorosa-
mente censurados pela Congregação da Doutrina da
Fé, comandada pelo então cardeal Joseph Ratzinger,
que veio a se tornar, em 2005, papa Bento XVI. Essa
congregação é o órgão que substituiu o antigo Tribu-
nal da Inquisição. De qualquer modo, a Teologia da
Libertação influenciou diversas comunidades em toda
a América Latina.

449
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Figura 13.1: Leonardo Boff, um dos expoentes da Teologia da


Libertação.
Ação Popular Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Leonardo_Boff_
Organização que palestra.jpg.
atuou entre 1962 e
1964, tentando unir
pontos do cristianismo
e do marxismo,
conseguindo
grande influência, Neste clima de mudanças, realizou-se, em Medelín, Colômbia,
especialmente nos a segunda Conferência Episcopal Latino-americana (CELAM), que
meios universitários.
definiu a Opção Preferencial pelos Pobres, com uma Igreja mais
Com o golpe de
1964 e a consequente comprometida com os que mais padecem, os quais não têm quem
repressão, parte de os defenda.
seus militantes aderiu
ao Partido Comunista No Brasil do fim dos anos 1960, quem sofreria mais do que
do Brasil, que, na camponeses, os índios e outros marginalizados?
época, se inspirava
no maoísmo, doutrina
elaborada pelo líder A Igreja rumo ao povo: do golpe militar à
da Revolução Chinesa,
formação da CPT
Mao Tsé-Tung, que
pregava a tomada do
poder a partir de um
Como vimos na Aula 9, antes do golpe, a Igreja Católica
longo processo de luta encontrava-se dividida no que tange à sindicalização dos trabalhadores
armada, que cercasse rurais. Existia um grupo mais radical, que estava vinculado à Ação
as cidades a partir do
Popular, e um outro, que defendia uma sindicalização mais
campo. Parte destes
militantes tombaria na moderada. Isso para não falarmos da extrema-direita católica, que
guerrilha do Araguaia. confundia sindicalismo com guerra entre as classes.

450
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Como vimos na Aula 12, o grupo mais moderado da Igreja


Católica hegemonizou a CONTAG logo nos primeiros anos da
ditadura militar. Contudo, se a Ação Popular foi reprimida, logo
surgiram outros padres que começariam a levantar a bandeira da
luta pela terra. Na realidade, surgiam várias Comissões Pastorais
(do Negro, do Menor, da Mulher, dos Presos), buscando melhorar
suas condições de vida.

Um trabalho que havia começado no início dos anos 1960 foi


ganhando corpo: as Comunidades Eclesiais de Base. Organizadas
em pequenas paróquias, fossem em bairros pobres das cidades
ou em zonas rurais, os padres ou leigos (militantes católicos) que
as dinamizavam procuravam mostrar aos pobres que as injustiças
que sofriam absolutamente não eram a vontade de Deus. No caso
dos posseiros, que perdiam suas terras, um livro da Bíblia muito
utilizado era o Êxodo, que mostra a saga do povo judeu deixando
a escravidão do Egito rumo à Terra Prometida de Israel.

Assim como o povo de Deus do Velho Testamento, o camponês


também passava sua provação, realizando a longa e dura
caminhada em busca de sua terra, mas podia ter a confiança de que
Deus o acompanharia e garantiria sua vitória. Era uma visão que
guarda semelhanças com o messianismo, que estudamos na Aula
3, lembra? “Irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra,
um novo mar!”, cantava-se nas pequenas comunidades.

Se, até 1968, havia setores na Igreja que confiavam que o


regime militar faria a reforma agrária (o cardeal de São Paulo, D.
Agnelo Rossi, negociava situações de posseiros com o comando
militar), com a edição do Ato Institucional nº 5, a prisão e tortura
de padres, como frei Tito e frei Beto, ainda que fossem ligados ao
grupo armado de Carlos Marighela, e o assassinato de padres
sem punição para os culpados foi afastando mesmo a hierarquia
conservadora do regime militar, mudando esse quadro.

Outros episódios, como a fria recepção do presidente Médici


a D. Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, em 1972, e a

451
História dos Movimentos Sociais no Brasil

aprovação da lei do divórcio, por um congresso controlado pelo


regime, em 1977, marcaram o afastamento da hierarquia eclesial
em relação à ditadura militar.

D. Paulo Evaristo Arns


Foi arcebispo de São Paulo entre 1970 e 1998,
sendo importantíssimo personagem nas denún-
cias contra as torturas e assassinatos cometidos
pelos órgãos de repressão durante a ditadura militar.
Um momento marcante foi sua participação no culto
ecumênico que serviu de protesto contra o assassinato
do jornalista Vladimir Herzog nas dependências de um
órgão repressivo em São Paulo em outubro de 1975.
Faleceu em dezembro de 2016.

No campo, o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base era


sistematicamente dificultado por autoridades policiais ou militares.
Qualquer crítica já era identificada como subversão, como se
dizia na época. O governo militar anunciava o progresso para a
Amazônia, que finalmente seria incorporada ao território nacional.
“Integrar para não entregar”.

Exatamente da Amazônia veio o primeiro grito de alerta:


“Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a
Marginalização Social” era a carta pastoral do bispo de São Félix
do Araguaia (MT), D. Pedro Casaldáliga, que clamava contra a
situação vivida no imenso espaço geográfico. Enquanto isso, nas
cidades, o governo Médici anunciava o progresso com a construção
de rodovias - o que se via no campo era a expulsão de posseiros por
grandes empresas de São Paulo e do Rio Grande do Sul, a pressão
contra aldeias indígenas, a prostituição, a doença e uma situação
de degradação social.

452
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Outras pastorais também fariam cartas, como Y-Juca-Pirama, o


índio aquele que deve morrer, ou Eu Ouvi os Clamores do meu Povo,
sobre a situação no Nordeste, ou, ainda, Marginalização Social:
O grito das igrejas, sobre os problemas agrários do Centro-oeste.
Toda essa movimentação resultou na criação do Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), em 1972, onde se buscava não mais cristianizar
o índio, mas respeitar sua cultura, compreendendo que nela havia
muito do que o cristianismo pregava, como o trabalho comunitário,
a partilha da terra e a posse coletiva dos bens.

Questão indígena
Podemos dizer que a luta pela terra no Brasil co-
meça com o processo de conquista que se abate
sobre as populações indígenas. Durante o regime
militar, a ação sobre essas terras fez-se via construção
de estradas, projetos pecuários e outros empreendi-
mentos. A ação do CIMI era fundamental para que os
grupos indígenas se conhecessem entre si, construís-
sem uma identidade própria e revigorassem a luta por
suas terras.
A Constituição de 1988 determinou que se demarcas-
sem todas as terras indígenas - processo que continua
até nossos dias, como vimos a demarcação da reserva
Raposa Serra do Sol em Roraima.

453
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Roosevelt Pinheiro
Figura 13.2: Lago Caracaranã, na reserva Raposa Serra do Sol
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Raposa sol.JPG

Esta demarcação foi extremamente criticada por


setores vinculados ao agronegócio, e estes tudo fazem
para impedir novas demarcações e/ou reverter as que
já foram feitas. Em janeiro de 2017, o Ministério da
Justiça do governo Temer publicou uma portaria que
retira da Funai (que tem pessoal especializado na
atribuição de elaborar relatórios sobre demarcação
de terras indígenas), passando tal competência para
grupos técnicos especializados nomeados pelo Minis-
tro da Justiça.
Fonte: http://amazonia.org.br/2017/01/governo-dificulta-mais-a-
demarcacao-de-terras-indigenas-no-pais/

Como vimos na Aula 12, não havia um estado, no início


dos anos 1970, que não tivesse conflitos por posse de terras. Na
Amazônia, sendo a sindicalização rural frágil, a Igreja, cujos bispos
e padres davam apoio aos camponeses, tornava-se o desaguadouro
dos conflitos. Assim, os padres se convertiam em assessores,
arranjavam advogados, denunciavam, amparavam a resistência.

454
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

No Pará, a situação piorou depois da vitória do exército


sobre a guerrilha do Araguaia. O Conselho de Segurança Nacional
legalizou as grilagens de empresários de São Paulo e de outros Grilagem
estados ao sul, entendendo que a presença dos fazendeiros, mesmo de terras

que só estivessem lá seus gerentes e peões, era uma vacina contra


Prática de falsificação
uma nova arremetida guerrilheira. de documentos para
tomar posse de terras
devolutas ou de
terceiros.

Figura 13.1: A vitória do Exército no Araguaia piorou a situação no Pará


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Comunistas-64a.jpg

CNBB
Nesse contexto, uma articulação entre D. Pedro Casaldáliga,
(Conferência
D. Tomás Balduíno, bispo de Goiás Velho, e outros bispos Nacional dos
comprometidos com a questão da terra levou à criação, em junho Bispos do Brasil)
de 1975, da Comissão Pastoral da Terra. Criada em 1952.
Não faz parte da
A Comissão, originalmente, tinha os seguintes objetivos: hierarquia oficial da
Igreja Católica, mas
1. Assumir o compromisso de empenhar-se no processo global
funciona como uma
de reforma agrária, dando cumprimento ao espírito e à letra coordenação entre
do Estatuto da Terra, articulando-se com todas as instituições os bispos e faz a
mediação entre eles
sociais que trabalhassem por esse mesmo objetivo;
e o Vaticano. Cada
2. Criar uma Comissão de Terras que, na qualidade de bispo é responsável
por uma diocese, ou
organismo de caráter oficioso, ligado à CNBB, pudesse
seja, uma divisão
realizar com agilidade o objetivo de interligar, assessorar administrativa da
e dinamizar os que trabalham em favor dos homens sem Igreja Católica.

455
História dos Movimentos Sociais no Brasil

terra e dos trabalhadores rurais, e estabelecer ligações com


outros organismos oficiais. Cabe a esta comissão dar especial
atenção ao Estatuto da Terra e à Legislação Trabalhista;

3. Que cada diocese, em ligação com a Comissão de


Terras, se empenhasse em criar uma equipe que, a partir
do conhecimento profundo da realidade, ajudasse a
se abranger vitalmente a problemática da terra e suas
consequências no planejamento pastoral; organizar uma
assessoria jurídica para tudo que se referisse aos problemas
da terra e dos trabalhadores rurais; promover campanhas
de conscientização para os trabalhadores rurais e agentes
de pastoral.

Embora tivesse o apoio da CNBB, a CPT não nasceu sem


resistência. Dom Sigaud denunciava bispos, como Dom Pedro
Casaldáliga, como agentes comunistas infiltrados; todavia, a
resposta veio direta, com acusações de que o ultraconservador era
agente da Central de Inteligência dos Estados Unidos da América.

Assim, em outubro de 1975, a CPT era reconhecida como


entidade pela CNBB. Isso era muito importante porque, agora, um
grito dado em defesa de posseiros na Amazônia poderia ecoar em
outros pontos do país e do mundo. Finalmente, lembremos que a
CPT se propunha a ser ecumênica, ou seja, aceitava a presença de
membros de outras confissões religiosas.

Do nascimento da CPT ao parto do MST

A CPT se expandiu rapidamente e, em 1979, já eram quinze


as suas regionais. Seu trabalho estava mais voltado para a defesa
da posse da terra, para o trabalho comunitário, e muito pouco para
os assalariados.

Isso se devia à visão de mundo que muitos padres e leigos


da CPT desenvolveram: o ideal a perseguir não era introduzir o
capitalismo no campo, como muitos pensavam nos anos 1960. O

456
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

capitalismo chegara e trouxera com ele não só o progresso técnico,


mas a expulsão do posseiro, o assassinato dos índios e a destruição
do meio ambiente.

Sem pregar abertamente o modelo socialista vigente no leste


europeu ou em Cuba, muitos acreditavam na possibilidade do
socialismo numa outra construção a ser realizada. Mas antes de
pensar em futuro, o presente estava ali mesmo: na bala do jagunço,
na expulsão da terra que o posseiro cultivava.

No Rio de Janeiro, a CPT, nos primeiros tempos, chegou a


colaborar com a federação de trabalhadores ligada à Contag, mas
depois se afastou, acusando-a de excessivamente legalista.

Violência no Campo

As mortes dos padres João Bosco Penido Burnier e Rodolfo


Lunkenbein em Mato Grosso, em 1976, eram um sinal do que
vinha pela frente. Contudo, não bastava a luta contra fazendeiros
protegidos do Estado, os camponeses enfrentariam também o
próprio Estado.

A segunda metade dos anos 1970 seria marcada por


megaprojetos de construção de barragens: se a barragem de
Sobradinho, na Bahia, não encontrou resistência, no Sul, a
construção de Itaipu, na divisa do Paraná com o Paraguai, encontrou
forte questionamento.

A Igreja Católica, via CPT, estava na organização dos


atingidos que não queriam mais dinheiro, mas sim serem assentados
em outras áreas no Paraná. Bloqueios de estradas foram realizados, e
os agricultores rejeitavam a proposta de assentamento na Amazônia.

Nessa região, as lutas continuavam no fim dos anos 1970,


surgindo outro foco de resistência: os projetos pecuários eram
instalados em terras que tinham seringueiros, que há décadas
extraíam o látex para a borracha. O sindicato de trabalhadores
rurais de Xapuri, no Acre, liderado por Wilson Pinheiro e Chico

457
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Mendes, organizou a resistência, através dos “empates”, ou seja, os


trabalhadores colocavam-se diante das motosserras, para defender
os seringais. Wilson foi assassinado em 1980, e Chico Mendes,
depois de criar o Conselho Nacional dos Seringueiros, em 1985,
foi abatido em 22 de dezembro de 1988.

Chico Mendes

Fonte imagem: http://pt.wikipedia.org/


wiki/Ficheiro:Chico_Mendes.jpg

O assassinato do líder seringueiro teve repercussão


mundial. Jornalistas de todo o planeta voaram para o
estado do Acre. Ali aconteceu algo raríssimo: os assas-
sinos Darci Alves Pereira e seu pai, Darly Alves da Sil-
va, foram condenados a vinte anos de prisão. Fugiram,
foram recapturados e depois passaram a cumprir pena
em prisão domiciliar. Foi um caso raro: assassinos de
líderes de trabalhadores rurais terem sido condenados!
Chico Mendes era um sindicalista que ficou conhecido
internacionalmente, recebendo prêmios nos Estados
Unidos e na Europa por sua defesa do meio ambiente.
Desta forma, seu assassinato ganhou uma projeção
muito maior do que as centenas de mortes ocorridas ao
longo das últimas décadas na Amazônia.

458
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Enquanto isso, no Nordeste marcado por secas, os conflitos


retornavam. A partir de 1975, D. José Maria Pires, bispo de João
Pessoa, passou a atuar fortemente na luta em defesa de arrendatários.

Desapropriações

A fazenda Mucatu, localizada em Alhandra, na Paraíba,


foi vendida. O novo proprietário queria expulsar, sem indenizar,
os camponeses. O apoio dado por padres fez com que o novo
proprietário destruísse a capela. As tensões aumentaram, até que a
área fosse desapropriada em 1976.

O bispo de João Pessoa voltou a atuar em 1980, na fazenda


Alagamar, quando, ao lado de outros padres e de D. Elder Câmara,
arcebispo do Recife, expulsou o gado que era solto contra as roças
dos camponeses por empregados do proprietário. Também Alagamar
foi desapropriada.

Saliente-se que um dispositivo do Estatuto da Terra podia ser


usado em momentos de crise: a desapropriação em áreas de conflito.
Dessa forma, podia-se juntar a resistência na terra com a ação junto
ao governo militar, para requerer a desapropriação da área em
disputa. Certo era que isso não significava uma vitória garantida,
porém era uma possibilidade a ser tentada.

Ocupação de terras

No fim dos anos 1970, uma outra modalidade de luta se


estruturou: a ocupação de terras. Colonos que habitavam a reserva
indígena de Nonoai, no Rio Grande do Sul, foram expulsos por
estes índios em maio de 1978, já que havia uma determinação do
governo que legitimava essa ação. Sem ter para onde ir, muitos
acamparam na estrada. Foram, então, levados para o parque de
exposições de Esteio.

Parte das famílias aceitou ir para projetos em Mato Grosso.


Contudo, muitos gaúchos começavam a voltar da Amazônia

459
História dos Movimentos Sociais no Brasil

desencantados com a falta de condições vigente na região. Doenças,


distância imensa de mercados consumidores e, mesmo, a expulsão
por pretensos proprietários. Assim, parte das famílias recusou-se a
deixar o Estado.

Tentaram, em 1978, ocupar três áreas em Passo Feio,


Reserva Florestal de Rondinha e a Fazenda Brilhante, no município
de Sarandi. Aliás, a Fazenda Brilhante é um pedaço da Fazenda
Sarandi, desapropriada no governo Leonel Brizola em 1962. Muitos
dos que ocupavam a Brilhante eram filhos de assentados da Sarandi
ou gente que não tinha conseguido se assentar na fazenda.

Os camponeses passaram a contar com o apoio do Padre


Arnildo Fritzen e de outros membros da CPT que, no Rio Grande do
Sul, também engloba a Igreja Luterana, além de um funcionário da
Secretaria de Agricultura, que mais tarde tornou-se um notório líder
do MST, João Pedro Stédile.

O governo do estado não assentava os sem-terra, e a situação


se agravava. No sete de setembro de 1979, a fazenda Macali, terra
pública arrendada ao Moinho Carazinhense, foi ocupada. “Enquanto
os militares marchavam, no dia da Independência, nós marchava prá
Macali.”, lembra seu Adelino, um dos que ocuparam a terra.

A ocupação surpreendeu o governo e logo foi concedida


a licença de uso. No dia 25 de setembro, outro grupo acampou
na Fazenda Brilhante. Ninguém sabia, mas estava nascendo uma
nova categoria social: o sem-terra. O Estatuto da Terra não tinha
sido pensado para ela, mas sim para fazendas com altos índices
de posseiros e arrendatários. Agora, o sem-terra surgia de uma
outra condição. A modernização, que na Amazônia expulsava o
posseiro à força, no sul ou em São Paulo o expulsara pela pressão
econômica. Ninguém morava mais nas fazendas de café de São
Paulo, que se tinham mecanizado; no Sul, os pequenos cultivadores
eram espremidos pela agroindústria.

Os que ocuparam a Brilhante foram, em parte, assentados,


mas um terceiro grupo não encontrava lugar e não queria ouvir falar

460
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

de ser levado para a Amazônia. Em dezembro de 1980, quando


os primeiros que ocuparam a Macali tinham conseguido seus títulos
de terra, uma nova luta começava.

Major Curió
Sebastião Rodrigues
de Moura, Major
Curió, tornou-se
coronel da reserva do
Exército. Durante a
guerrilha do Araguaia,
foi um destacado
agente da repressão.
Em 1980, organizou
o garimpo de Serra
Pelada, pois o governo
Figura 13.2: Governador Amaral de Souza entregando títulos de federal procurava levar
terras na fazenda Macali para lá camponeses
Fonte: Rosa, Marcelo – Encruzilhadas: Acampamentos e Ocupações na sem-terra. No Rio
Fazenda Sarandi: Rio Grande do Sul (1962-1980) In: Sigaud, Lígia - Grande do Sul, ele
Ocupações e acampamento: estudo comparado sobre a sociogênese das
tentou desmontar
mobilizações por reforma agrária no Brasil (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro
o acampamento,
e Pernambuco) 1960-2000. Rio de Janeiro, Garamong, 2010.
atraindo os
camponeses para
projetos na Bahia,
Centenas de famílias acamparam na Encruzilhada Natalino, Mato Grosso e
Roraima. Em 1982,
município de Ronda Alta. Desta vez, a repressão se fez mais forte:
foi eleito deputado
à medida que o acampamento crescia, o governo intensificava a federal com os votos
repressão. O exército cercou a área sob o comando do Major Curió. dos garimpeiros.
Depois de uma
Apesar do cerco militar e da ameaça de enquadramento de hibernação política,
religiosos na Lei de Segurança Nacional, o fato era que o grupo não se elegeu-se prefeito de
desmobilizava. A causa dos sem-terra começava a ganhar projeção. Curionópolis, antigo
bordel, convertido
No norte do país, os conflitos se multiplicavam: os posseiros em cidade, perto de
reagiam, com o apoio de padres, e, em alguns casos, resistiam de Marabá, que leva seu
nome no ano 2000.
armas na mão. A luta era contra grandes empresas do sul do país;
Reeleito, foi cassado
a Volkswagen, o Bradesco e muitas outras empresas se instalavam em 2008, acusado de
com isenção de impostos, utilizando, inclusive, trabalho escravo. compra de votos.

461
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Trabalho escravo
Aqui, o link para Notícia de Trabalho Escravo
no Pará. G1 - CIDH condena Brasil por trabalho
escravo em fazenda no Pará:
http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/12/
cidh-condena-brasil-por-trabalho-escravo-em-fazenda-
-no-para.html

A reação do governo foi “militarizar” a questão agrária.


Criou-se o GETAT (Grupo Executivo das Terras do Araguaia e
Tocantins), que praticamente superava as atribuições do INCRA na
região, podendo desapropriar e titular terras. Na prática, continuou
beneficiando os grandes projetos pecuários.

Entretanto, o quadro não se alterava: a grilagem em pleno


desenvolvimento e o Partido Democrático Social (governo) tentando
controlar os sindicatos.

A luta dos sem-terra avançava. Enquanto no Sul, a Encruzilhada


Natalino se tornou um símbolo, culminando com a compra, pelo
estado, de uma área, em 1983, para abrigar os sem-terra, em Santa
Catarina, ainda em 1980, era ocupada a Fazenda Burro Branco,
em Campo Erê.

No Paraná, as lutas levavam à formação do MASTRO,


Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Oeste, e de movimentos
similares em outras zonas do estado. Em São Paulo, a Fazenda
Primavera, em Andradina, era ocupada pelos sem-terra locais.
O apoio de setores progressistas da Igreja Católica mostrava
para muitos o caminho. A cruz, a bandeira do Brasil e as foices
demonstravam a mística que se construía.

Em julho de 1982 ocorreu em Medianeira, Paraná, um


encontro dos sem-terra do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,

462
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Em setembro, o encontro


foi em Goiânia, promovido pela CPT, com representantes de, pelo
menos, doze estados.

Em 1983, ocorreu novo encontro, em Chapecó, Santa


Catarina.

Em janeiro de 1984, realizou-se em Cascavel, Paraná, o I


Encontro Nacional dos Sem-Terra. Deste encontro, resultariam alguns
objetivos que o movimento se propunha a conquistar:

1. Que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha;

2. Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados;

3. Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento


sindical, para conquistar a reforma agrária;

(...)

7. Articular-se com os trabalhadores da cidade e da América Latina.

Note que, diferentemente do discurso contagueano, o MST


já nascia com objetivos claramente rupturistas. Se, para o grupo
da CONTAG, o Estatuto da Terra era o ponto para alcançar
o desenvolvimento capitalista, para o MST, trata-se de atingir
o socialismo na expressão “sociedade sem exploradores nem
explorados”. A Teologia da Libertação dava seus frutos: nascia
um movimento que, em parte, fora articulado a partir do trabalho
das pastorais. O MST teria, nas décadas que se seguiram, enorme
importância política no país.

Já a CPT continuaria desenvolvendo o seu trabalho,


incorporando progressivamente bandeiras, como a questão
ecológica, especialmente o tratamento da água.

Desta maneira, a ditadura terminava com o tema agrário na


ordem do dia. Enquanto a agricultura modernizada mantinha as
exportações no meio da crise econômica dos anos 80, o país via de
volta a questão agrária, que as elites tentaram exorcizar em 1964.

463
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Gerado, o MST, com o apoio da ala progressista da Igreja


Católica e do recém-lançado Partido dos Trabalhadores, ganharia
projeção nas décadas que se seguiriam. Na segunda seção desta
aula, discutiremos a ascensão, consolidação e crise do MST.

Atende ao Objetivo 1

1. Leia o seguinte trecho da Pastoral de D. Pedro Casaldáliga. Você perceberá a


ação do Estado na Amazônia no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, e como esta
levou parte da Igreja Católica a engajar-se firmemente no apoio aos posseiros e na luta
pela Reforma Agrária.

Santa Terezinha

Santa Terezinha foi um dos lugares mais prejudicados da região, devido à presença da
COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO ARAGUAIA - “CODEARA”, de propriedade
dos Srs. Armando Conde, Carlos Alves Seixas e Luiz Gonzaga Murat, que lá se
estabeleceu em 1966, com o titulo de propriedade de toda aquela área, inclusive a
urbana, numa extensão de 196.497,19 ha. A presença da Companhia veio trazer,
para os pacíficos moradores em número superior a 80 famílias, a intranquilidade e a
insegurança, por causa das atitudes tomadas pela Companhia.

Os primeiros habitantes chegaram ao local em questão em 1910 e se estabeleceram


no chamado Furo das Pedras. Em 1931, já haviam sido construídas igreja, escola e
casa para os missionários.

Quando a Companhia veio a se instalar, estavam em pleno funcionamento também


a “Cooperativa Agrícola Mista do Araguaia”, que congregava os trabalhadores e
posseiros da área, e o ambulatório médico. Apesar de tudo isto, aquela foi vendida

464
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

como desocupada, como mata virgem. E a companhia se sentiu no direito de despojar


os pobres moradores do pouco, da insignificância que possuíam. E começou contra eles
uma guerra de ameaças, de invasões de terra, invasões de domicílio, prisões, etc. (...).
Mas, diante da espoliação prometida e pretendida, o povo se uniu e, juntamente com o
Padre Vigário da Paróquia e o Pe. Francisco Dentel, decidiram lutar para salvaguardar
o que era seu. Foi feito um relatório em 12/4/67 ao senhor Presidente da República,
Mal. Arthur da Costa e Silva, sobre a situação, dando sugestões concretas de solução.
Muitas viagens foram feitas. Muito dinheiro foi gasto. Muitas cartas foram escritas. Muito
teve que se esperar para poder-se vislumbrar alguma pista de solução, apesar de o Sr.
Presidente ter despachado, em 29/11/67, para o Sr. Ministro da Agricultura, para
que providenciasse a solução. Todos os empecilhos foram colocados para se evitar o
cumprimento do despacho presidencial. Autoridades policiais, do exército e do SNI
foram movimentadas diante das acusações forjadas pelos donos da Companhia contra
o padre e o líder dos posseiros, como sendo elementos subversivos. Três anos de espera
foram necessários até que a Companhia, forçada e a contragosto, “doou” a migalha
de 5.582 ha., em 5 de maio de 1970, que ainda serão repartidos entre mais de 100
famílias de posseiros.

(Adaptado de Uma Igreja Da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização


Social. In: www.prelaziadesãofelix.org.br, acessado em 14 de novembro de 2012).

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História dos Movimentos Sociais no Brasil

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Resposta comentada
O que se pode perceber aqui é a oposição que o autor estabelece: de um lado, temos pacíficos
posseiros, que procuram tocar sua vida mesmo com toda a dificuldade. Do outro, a companhia
capitalista, alinhada ao poder estadual e federal. Quem se coloca contra é subversivo e logo
corre o risco no contexto de ditadura militar. A situação que D. Pedro Casaldáliga descreve
aqui acontece um pouco por toda parte da Amazônia neste momento. O discurso de um
progresso contra o qual nada se podia fazer, discurso que já vimos na Aula 3, quando o
exército se abateu sobre Canudos, era retomado no meio dos anos 1960, com a proposta de
integrar para não entregar, como se dizia. Assim não se leva em conta as populações locais.
Poderiam ser posseiros, castanheiros, índios, todos tinham de abrir caminho. Mas, diferentemente
de Canudos, mal ou bem, estes que seriam atropelados pelo progresso do fim do século XX
encontraram quem gritasse por eles. No caso amazônico, muitas vezes, foram padres, às vezes
estrangeiros, como o espanhol Casaldáliga. Assim, a luta, mais uma vez, não estava ganha a
priori. Os donos de empresas e a burocracia estatal teriam que disputar, se quisessem vencer.
O tema agrário mesclava-se ao ambiental, ao respeito às culturas indígenas, e ganhava uma
projeção que jamais tivera. Algumas propagandas foram desmentidas pelos fracassos, como a
Transamazônica. Outras foram questionadas na pena de pessoas como D. Pedro Casaldáliga.
Na fase mais violenta do regime, ainda foi possível gritar que algo não ia bem numa parte
esquecida do Brasil. Este grito amazônico seria apenas o ponto de partida para que, nos anos
seguintes, uma parte expressiva da Igreja Católica levantasse a voz contra a injustiça, que
ocorria por toda parte. A articulação da CPT possibilitaria, nos anos 1980, o nascimento do
MST, repondo o tema agrário na ordem do dia.

466
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Ascensão, consolidação e crise do MST

A partir de 1985, a luta dos sem-terra, organizados


principalmente no MST, dá um salto qualitativo. O Movimento se
expandiria por todo o país, a luta pela terra ganharia a mídia,
embora nem sempre do jeito que os sem-terra gostariam, pois,
muitas vezes, era apresentada como baderna e, mais tarde, como
terrorismo ou guerrilha.

O ponto máximo da projeção destas lutas seria o primeiro


governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1999, quando a forma
ocupação de terras se espalhou em todo o país, não sendo o MST o
único movimento a realizá-la. A partir do segundo governo Fernando
Henrique, o aumento da repressão, a vigorosa propaganda negativa
na mídia e o aumento da competição de outros movimentos levaram
a um relativo recuo da organização.

Com a ascensão de Lula à presidência da República, em


2003, o MST passa a ter uma relação muito próxima com o governo
federal, e esta seria uma das razões de redução drástica no número
de ocupações de terras por ele realizada. De todo modo, seria a
mais importante organização de luta pela terra da história do Brasil,
e suas ações repercutiram fortemente aqui e no exterior.

Vamos acompanhar um pouco dessa história.

Ascensão: O MST no governo Sarney (1985-


1990)

Enquanto a Contag, influenciada por dirigentes ligados ao


Partido Comunista Brasileiro, o qual participava vivamente no
governo recém-instalado, jogou todas as fichas na Proposta de
Plano Nacional de Reforma Agrária, o MST, vinculado ao PT, iria
por outro caminho.

467
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Entre 29 e 31 de janeiro de 1985, o Movimento realizou


seu primeiro Congresso Nacional, em Curitiba. Com a presença
de 1.500 delegados representando 23 estados da federação (só
não havia gente de Brasília, Amapá e Roraima), o Congresso
aprovou duas Palavras de Ordem: “Sem Reforma Agrária, não há
Democracia” e “Ocupação é a Única Solução”.

O presidente eleito, Tancredo Neves, fora convidado ao


evento, mas não compareceu. Sua cadeira foi deixada vazia, numa
indicação de que o Movimento entendia que o governo civil não se
empenharia no processo de reforma.

Com a participação de militantes de vários estados, o


Movimento passou a articular-se de forma nacional. Dirigentes
deslocaram-se de um estado para outro, a fim de dinamizar a luta,
o que permitiu que a organização se esparramasse pelo país.
Militantes do Rio Grande do Sul foram para Pernambuco, de Santa
Catarina para a Bahia, do Paraná para o Rio de Janeiro e Goiás, do
Espírito Santo para o Ceará, do Ceará para o Piauí, de Pernambuco
e Goiás para o Pará. Este fluxo de dirigentes, que se aproximavam
das lutas por terra em outros estados, foi permitindo ao MST dar um
caráter nacional à sua luta.

Este caráter nacional, entretanto, não impediu que as


condições locais influenciassem. No Pará e em Rondônia, por
exemplo, sindicatos de trabalhadores rurais já atuavam firmemente
na luta para manter a terra que se cultivava ou para ocupar terras
não cultivadas pelos fazendeiros.

468
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Ocupação
A modalidade de ocupação de terras foi desen-
volvida inicialmente a partir das lutas dos cam-
poneses para cultivar terras abandonadas. Do
ponto de vista dos fazendeiros, seriam invasões,
porém não é demais lembrar que a grilagem de terras
(ver Aula 7) é extremamente comum Brasil, o que
significa dizer que, muitas vezes, o invasor é o que se
diz proprietário. Posteriormente, os sem-terra passa-
ram a ocupar prédios públicos, agências do Banco do
Brasil, na luta para obter recursos para cultivo ou, no
primeiro caso, reivindicar a posse da terra.
Hoje, a forma ocupação é adotada por diversos
movimentos sociais, na busca de seus objetivos, como
vimos ano passado em escolas e universidades nos
protestos contra a Reforma do Ensino Médio, desenca-
deada pelo governo do presidente Michel Temer.

As ocupações se espalharam pelo país: em 1985, foram 42


ocupações em onze estados; 44 em 1986; 67 em 1987; 72 em
1988; 80 em 1989. Vale lembrar que, além do MST, grupos ligados
à CPT no Maranhão e a sindicatos de trabalhadores rurais no Pará
e em Rondônia também realizavam estas mobilizações. Além das
ocupações de terras, realizavam-se romarias, como a Romaria da Romaria
Terra que, em julho de 1986, chegou a contar com cem mil pessoas Peregrinação de cunho
religioso
em Porto Alegre, em apoio aos acampados da Fazenda Anone, em
Sarandi, ou ainda ocupações de prédios públicos, como as sedes
regionais do Incra, e bloqueios de rodovias.

Como vimos na Aula 12, a reação do setor proprietário à


Proposta de Plano de Reforma Agrária e às ocupações de terra

469
História dos Movimentos Sociais no Brasil

não se fez esperar. A União Democrática Ruralista realizava leilões


de gado e legitimava com o seu discurso a reação violenta às
ocupações de terra.

Centenas de líderes camponeses, padres e advogados


foram assassinados durante o governo Sarney e nos anos que se
seguiram. No Maranhão e em Rondônia, pistoleiros foram abatidos
ao tentar expulsar posseiros. Lembremos que, em muitos casos, os
pistoleiros são, na realidade, policiais que exercem uma espécie
de dupla função.

Ocorreram casos no Espírito Santo e em Rondônia, onde


fazendeiros, em vez de apenas contratarem pistoleiros para as
execuções, decidiram participar eles mesmos do confronto direto, e
morreram face à resistência dos camponeses. Evidentemente, esta
resistência levava as elites regionais a cobrarem do Estado uma
repressão mais vigorosa.

Toda essa mobilização obrigava o governo a assumir o


discurso de reforma agrária, ainda que a mesma fosse muito limitada.
Durante o governo Sarney, foram assentadas (de acordo com os
dados oficiais) 90 mil famílias, embora este número provavelmente
fosse superestimado.

De todo modo, o MST, ao conseguir o assentamento resultado


de algumas ocupações, como no caso da Fazenda Anone, no
Rio Grande do Sul, percebia que era necessário construir uma
organização, que mantivesse os assentados ligados ao Movimento
no pós-conquista da Terra.

470
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Fazenda Anoni, o Sonho de Rose


Uma das mais importantes lutas pela terra du-
rante o governo Sarney foi a da Fazenda Anoni,
localizada em Sarandi, no Rio Grande do Sul. A
fazenda, declarada de utilidade para reforma agrária
em 1972, só foi desapropriada depois de uma luta
que durou de 1985 a 1989. Durante um bloqueio de
uma rodovia, no protesto contra a demora na desapro-
priação, um caminhão atropelou dez sem-terra, ma-
tando três deles, entre os quais, Roseli Celeste Nunes
da Silva. Rose era a mãe de Marco Tiaraju, primeira
criança nascida na ocupação.
A cineasta Tetê Morais filmou Terra para
Rose, em 1987. https://www.youtube.com/
watch?v=1ZlqjK4K1-0
Dez anos depois, a mesma cineasta filmou O
Sonho de Rose. https://www.youtube.com/
watch?v=xP2Jm23RJ9Y. São dois filmes muito interes-
santes, para percebermos o problema da terra em
nosso país e as possibilidades que poderíamos criar
depois de uma Reforma Agrária.

A partir de então, o MST foi construindo uma complexa


rede organizacional: Congresso Nacional, que se reúne a cada
cinco anos a fim de avaliar a política do Movimento e mobilizar a
militância. Encontro Nacional, que se reúne a cada dois anos para
decidir as políticas a serem adotadas. Coordenação Nacional,
escolhida pelo Encontro. Direção Nacional, parte dos membros
da Coordenação. Secretaria Nacional. Encontro Estadual, Direção
Estadual, Secretaria Estadual. Coordenação Estadual. Coordenação
Regional, Coordenação de Acampamento ou de Assentamento.

471
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Em nível operacional, existem os diversos setores: finanças,


projetos, comunicação, relações internacionais, direitos humanos,
mulheres, educação, saúde e o sistema cooperativista dos assentados.

Salientemos que, embora esta organização seja centralizada


quanto a seus objetivos, ela não é assim para executá-los. Por
exemplo, quando a fazenda dos filhos do presidente Fernando
Henrique Cardoso estava cercada pelos sem-terra de Buritis, Minas
Gerais, isso não ocorreu desta forma, por uma determinação vinda
de um centro, mas porque assentados da região, que precisavam
de verba para a lavoura, e acampados, que reivindicavam a
desapropriação de uma fazenda, perceberam ali uma oportunidade
imperdível de pressionar o Estado.

Desta maneira, a organização foi-se construindo ao longo


do tempo e, em 1989, o Movimento já estava consolidado ou em
vias de organização em dezoito estados: todos os do sul, todos os
do sudeste, todos os do nordeste, além de Goiás, Pará e Rondônia.

Os que acampavam na beira das fazendas ou as ocupavam


variavam de região para região. No Maranhão ou em Rondônia,
eram posseiros que tinham perdido suas terras ou estavam em vias de
perdê-las. No Rio de Janeiro e no Espírito Santo, eram desempregados
urbanos que viam, no acesso à terra, uma possibilidade de melhorar
suas condições de vida. Em 1989, como vimos, o número de
ocupações atingiu o ponto máximo. Provavelmente, isso se devia à
expectativa em torno da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva,
que levantava a bandeira da Reforma Agrária.

O maior comício de Lula fora das capitais foi justamente na


Encruzilhada Natalino, onde se recordaram os dez anos da primeira
ocupação de terras. Entretanto, a vitória de Fernando Collor de Melo
traria uma espécie de anticlímax para os movimentos reivindicatórios.
O MST enfrentaria uma fase difícil.

472
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

O MST nos governos Collor e Itamar

Como já observamos, o governo Collor implantou no Brasil


o modelo neoliberal. Era hora de cortar gastos públicos, privatizar
estatais, desregulamentar o trabalho e readequar o Brasil aos
marcos do que se entende ser sua destinação histórica: produção
de matérias-primas para o mercado internacional.

No plano agrário, as medidas do governo, que seriam


seguidas em algum momento pelos posteriores, desagradaram a
proprietários e trabalhadores. Os romeiros perderam os empréstimos
a juros abaixo da inflação e não tinham mais a garantia dos preços
mínimos para sua produção. O pior seria o fim da proteção contra
a concorrência de produtos importados. Além do mais, as dívidas
do setor proprietário, contraídas nos empréstimos que agora eram
cobrados a juros de mercado, subiam muito mais do que os preços
dos produtos agrícolas.

Se, para os grandes proprietários, a situação ficou difícil,


havendo a redução nos preços da terra, pois poucos se arriscariam
a investir num contexto tão desfavorável, para os pequenos, esta
situação significou a falência. Pequenos proprietários falidos e
desempregados das fazendas passariam poucos anos depois a
compor a massa dos que ocupariam terras.

Para os trabalhadores, além do desemprego, viria a repressão.


O governo Collor não apenas recusou–se a desapropriar terras
(foram apenas oito desapropriações em dois anos e meio), como
reforçou a repressão contra os movimentos de luta pela terra.

O resultado no primeiro ano (1990) foi que as ocupações


despencaram de oitenta para quarenta e nove. Contudo, a situação
de desemprego fazia com que os movimentos começassem a
recobrar força, ainda em 1991.

O número passou para setenta e sete e, no ano seguinte,


para oitenta e uma ocupações de terra. Sobre o período Collor,
João Pedro Stédile recorda que, se o governo durasse o tempo

473
História dos Movimentos Sociais no Brasil

previsto (cinco anos), talvez tivesse extinto o MST, pois a repressão


desencadeada pela polícia federal em combinação com as estaduais
era extremamente vigorosa. Neste período, o MST deixa um tanto as
ocupações, para dedicar-se a apoiar os assentamentos já existentes.
Do lema Ocupar, Resistir e Produzir, lançado no Encontro Nacional
de 1989 e reafirmado no Congresso de 1990, o MST adotou muito
mais a última palavra (produzir).

Desta época datam a criação da Confederação das


Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil, visando estimular o
cooperativismo nos assentamentos, bem como o Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, Iterra, assim como se
estreitaram os contatos com as universidades. Buscava-se também
aprofundar a educação nos assentamentos e acampamentos, com
a construção de escolas.

No governo Itamar Franco (1992-1995), resultado do


impeachment de Collor, as perspectivas para o MST e os movimentos
de luta pela terra seriam menos ruins. Pela primeira vez, um presidente
da República recebeu militantes do MST e vetou dispositivos da lei
8.629, que regulamentou os dispositivos da Constituição sobre a
reforma Agrária, pois estes artigos permitiam infindáveis contestações
judiciais. Além disso, aprovou o Rito Sumário, Lei Complementar nº
76, que permite uma desapropriação mais rápida, embora tenha
em seus artigos pontos que acabam possibilitando a demora, pois
um juiz pode retardar o processo.

No clima menos repressivo do governo Itamar, as ocupações


subiriam: 89 em 1993; 119 em 1994. Os ocupantes agora
começavam a ser de outra natureza: os desempregados urbanos.
O Plano Real, que estabilizou a inflação que marcara o país por
décadas, trouxe um efeito colateral importante: ao sobrevalorizar
a moeda (seriam necessários menos reais para comprar um dólar),
dificultou muito as exportações e facilitou demais as importações.
O resultado foi a falência de muitas indústrias e o desemprego no
campo e na cidade.

474
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Plano Real
Idealizado por Fernando Henrique Cardoso,
ministro da Fazenda de Itamar Franco, e uma
série de economistas que tinham atuado para
elaborar o Plano Cruzado, o Real foi construído de
maneira gradualista, ao contrário dos congelamentos
dos anos 1980. Primeiro, criou-se a URV (Unidade
Real de Valor), que reajustaria todos os preços e iria
desvalorizando o cruzeiro-real, última das moedas do
ciclo Inflacionário. Esse processo durou cento e vinte
dias até a adoção da moeda.
A lógica do Plano era liberar as importações e manter
as taxas de juros elevadíssimas, para atrair o investi-
mento estrangeiro. Com este investimento especulativo
é que o país importaria. Com a queda da Inflação,
Fernando Henrique fez-se presidente em 1994, derro-
tando a segunda candidatura de Lula.

Desta maneira, criou-se a massa que, em boa medida,


participou das ocupações de terra do período seguinte.

Da Consolidação à Crise: o MST face ao


governo Fernando Henrique Cardoso

O governo Fernando Henrique Cardoso iniciou com alta


popularidade, face à baixa da inflação; mas o desemprego logo
tiraria um pouco desse brilho.

As lutas no campo seriam importantes para questionar não


só a política agrária do governo, que buscava assentar apenas
em casos muito pontuais, mas todo o programa neoliberal, pois
as consequências sociais do mesmo começavam a ser sentidas.

475
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Entretanto, o tema agrário ganhou contornos mais dramáticos a


partir de 1996, mais precisamente no dia 17 de abril. Não foi
o primeiro massacre cometido contra os sem-terra, mas, em 8 de
agosto de 1995, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Corumbiara
(RO) sofrera pesada repressão na clássica aliança entre policiais e
pistoleiros pagos pelo pretenso proprietário da Fazenda Santa Elina,
por eles ocupada. Dez sem-terra foram executados, inclusive uma
menina de sete anos, mas a morte de dois policiais na resistência
tornou possível caracterizar como confronto.

O que ocorreu em 17 de abril foi diferente: o MST tinha-se


organizado há poucos anos no Pará, e tinham conseguido, após
muita luta, a desapropriação da Fazenda Rio Branco, no município
de Paraopebas. No dia em que o presidente do Incra, Francisco
Graziano foi entregar as terras, esperando um agradecimento dos
sem-terra, foi surpreendido com a reivindicação de outra área, a
Fazenda Macaxeira. Os sem-terra ocuparam a rodovia PA150,
localizada em Eldorado dos Carajás, cobrando a desapropriação
da fazenda. O governador do estado, Almir Gabriel, do PSDB,
partido do presidente da República, deu a ordem de desocupação
da rodovia. Metralhadoras contra foices geraram dezenove mortos!

Figura 13.3: Mortos em Eldorado dos Carajás.


Fonte: Adaptado de http://averdade.org.br/2012/04/o-massacre-de-eldorado-
dos-carajas-se-calarmos-as-pedras-gritarao/

476
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

A repercussão internacional do caso obrigou o governo


a reconhecer o problema. As ocupações pipocavam em várias
regiões do país. Não eram apenas posseiros do Pará ou de
Rondônia, regiões esquecidas. Eram desempregados dos engenhos
de Pernambuco, eram desempregados da região metropolitana de
São Paulo, ou os que viviam dos abatedouros de gado do Paraná,
Mato Grosso do Sul ou do Pontal do Paranapanema.

Pontal do Paranapanema
Esta região, localizada no extremo-oeste paulis-
ta, limitada com o Paraná e Mato Grosso do Sul,
era antigamente conhecida como Alta Sorocabana,
numa referência à ferrovia que cortava suas cidades.
Uma imensa área grilada, à qual a justiça já dera
ganho de causa ao estado em 1957, era o objeto
de disputa entre fazendeiros de gado e os sem-terra,
que se articulavam em vários movimentos, além do
MST. Estes movimentos - a maioria de base municipal
-, se unificaram em organizações mais amplas, como
o Movimento dos Agricultores Sem-terra, vinculados
direta ou indiretamente ao PSDB. O Pontal, que leva
este nome pelo aspecto geográfico no mapa, seria
uma das mais importantes zonas de conflito do país, e
onde mais gente seria assentada.

Vale lembrar que não eram só os tradicionais MST e CPT que


organizavam ocupações. Federações, como a de Pernambuco e a
de São Paulo, sindicatos a elas ligados, e mesmo a Contag, que
normalmente resistia à ideia de ocupação, passaram a realizar
este tipo de protesto. O MST sofreria muitas dissidências: à
esquerda, o Movimento de Libertação dos Sem-terra, liderado por
Bruno Maranhão, antigo militante do Partido Comunista Brasileiro

477
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Revolucionário, pequena organização atuante na luta armada do


início dos anos 1970. À direita, movimentos como o de Agricultores
Sem-terra do Pontal do Paranapanema ou o Força da Terra,
ligado à Força Sindical, que procuraram, muitas vezes, organizar
acampamentos, e não ocupações.

De todo modo, as ocupações se multiplicaram: 146 em 1995;


378 em 1996; 463 em 1997; 599 em 1998; 589 em 1999.

A resposta do governo foi recriar o Ministério da Reforma


Agrária, agora com o nome de Desenvolvimento Agrário, aumentar
o número de assentamentos, embora estes números fossem
provavelmente bastante inflados, e tentar uma outra forma de acesso
à terra: a chamada Reforma Agrária de Mercado.

Reforma Agrária de Mercado


É um sistema em que associações de sem-terra
propõem ao Estado a compra de uma determi-
nada área, para que os beneficiários paguem por
ela a prazo. Foi adotada pelo Banco Mundial em
países como África do Sul, Colômbia e Guatemala.
No Brasil, foi implantado a partir de 1996, com o
nome de Projeto Cédula da Terra; em 1998, tornou-se
o Banco da Terra. O Banco Mundial fornecia crédito
para assistência técnica, propaganda do Programa,
abertura de estradas, mas o dinheiro para a compra
da terra vinha de bancos públicos brasileiros. Embo-
ra a adesão tenha sido grande, havendo expressivo
número de candidatos, os resultados parecem ter sido
modestos, face à pobreza dos que adquiriam e aos
poucos recursos para apoiá-los.

478
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

Enquanto o governo procurava reagir às ocupações, o MST


projetava-se no cenário nacional e internacional. O Movimento,
que agora unia-se à organização internacional Via Campesina,
declarou o 17 de abril como o dia mundial da luta camponesa, no
primeiro aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, com
a chegada à Brasília de uma marcha que partira de São Paulo,
Governador Valadares (MG) e Rondonópolis (MT) e reunia cem mil
pessoas, aglutinando os setores de oposição. A luta se intensificava,
e o governo via-se contra as cordas, pois sua imagem ficara muito
abalada, especialmente no exterior.

Toda esta mobilização não impediu a reeleição de Fernando


Henrique Cardoso em 1998. Neste momento, o governo teve de
desvalorizar o real, face a crises no mercado de capitais; sendo
assim, os recursos para a reforma agrária seriam reduzidos.

A partir daqui, a tática seria dividir os movimentos e reprimir


o MST. Assim, atendia-se a organizações ligadas à Contag, mas
não aos assentamentos vinculados ao MST, que o ministro do
Desenvolvimento Agrário rotulava como Partido do MST.

A polícia federal voltava à carga contra o Movimento, e


manuais do exército o descreviam como força adversa, o que, na
linguagem militar, significa inimigo a ser abatido. Além do mais,
proibia-se que dirigentes de órgãos públicos ocupados negociassem
com os ocupantes. Mais ainda: a medida provisória 2109-47, de
dezembro de 2000, proibia, por dois anos, a vistoria em terras
ocupadas. Era uma ação decisiva contra a principal estratégia de
luta do MST. Finalmente, uma campanha publicitária, fortemente
divulgada na televisão, dizia que bastava solicitar um lote de terras
pelos correios, coisa que, como você lembra, os camponeses já
tinham feito desde o período varguista (ver Aula 5).

Toda esta movimentação trouxe a queda no número de


ocupações. Em 2001, primeiro ano de vigência da medida
provisória, que proibia vistoria, baixaram para 194 e, em 2002,
eram 184. Entretanto, o Movimento não perderia totalmente a
iniciativa. Continuavam as marchas, manifestações, e entre 2000

479
História dos Movimentos Sociais no Brasil

e 2002, um imóvel foi muito visado pelos sem-terra de Buritis, em


Minas Gerais.

Não era uma grande área e, provavelmente, não se pudesse


dizer que não era cultivada, mas trouxe imenso interesse simbólico:
a fazenda Córrego da Ponte, em Buritis, que pertencia aos filhos
do presidente da República. Por diversas vezes, a fazenda esteve
cercada pelos sem-terra, sendo protegida pela polícia federal e pelo
exército. Em 24 de março de 2002, chegou a ser, de fato, ocupada
por vinte e quatro horas. No ano seguinte, os filhos do presidente
vendiam a fazenda para um negociante do Paraná.

Ao final do governo de Fernando Henrique, os dados oficiais


sustentavam que tinham sido assentadas seiscentas e trinta e cinco mil
famílias, embora, de acordo com o DATALUTA, órgão vinculado à CPT,
que acompanha os conflitos agrários, seriam apenas 394 mil famílias.

De todo modo, grande proporção dos assentamentos deu-se


na Amazônia, onde ocorrera o menor número de ocupações. De
acordo com Claudiney Coletti e Marco Antônio Mitidiero Júnior,
provavelmente, muitos assentamentos não se referiam a famílias recém-
instaladas, mas sim a famílias que já estavam na área e tiveram a posse
da terra reconhecida pelo Estado, ou mesmo aqueles beneficiários
do processo de compra de terras pela chamada Reforma Agrária de
Mercado. Esta tática de inflar números seria repetida pelo governo
Lula, mas, em 2002, a quarta candidatura de Lula parecia representar
a esperança de a reforma ser enfim realizada.

A Crise: O MST no governo Lula

A campanha de Lula em 2002 gerou enorme expectativa nos


movimentos sociais, especialmente no MST, no sentido de que, afinal,
pudesse ocorrer uma importante transformação na estrutura agrária
do país. Afinal, pela primeira vez, um operário de um partido de
inspiração socialista poderia chegar ao poder.

Apesar da moderação do discurso de Lula em relação às três


campanhas anteriores (1989, 1994 e 1998), expressa numa ampla

480
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

aliança, que incluía setores do empresariado, os líderes do MST


acreditavam que a reforma agrária poderia sair do papel.

A expectativa parecia materializar-se nas duzentas e oitenta e


cinco ocupações ocorridas em 2003, sendo que cento e vinte foram
organizadas pelo MST.

No PT, ocorria a disputa em torno do Plano de Reforma


Agrária: o grupo liderado por Plínio de Arruda Sampaio defendia
uma reforma que instalasse um milhão de famílias em quatro anos;
todavia, prevaleceu o setor que defendia quatrocentas mil famílias
nesse período.

Como a Contag, em 1985, o MST tendeu a apostar todas


as fichas no segundo Plano de Reforma Agrária. Ao final de quatro
anos, o governo afirmava ter assentado 381 mil famílias e, ao final
dos dois mandatos de Lula (2003-2011), cerca de seiscentas mil.
De acordo com o DATALUTA, os assentamentos não ultrapassaram
duzentas e cinquenta mil famílias.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira, geógrafo especialista nos


temas agrários, avalia que no primeiro mandato não teriam sido
assentadas mais de cem mil famílias, e muito do que o governo
afirmava terem sido assentamentos, na realidade, eram apenas
regularização de posse de quem já estava na terra (não que isso não
tenha importância) ou simplesmente compra de terras pelo Crédito
Fundiário, novo nome da Reforma Agrária de Mercado.

Quanto ao MST, agora voltava suas atenções muito mais


para apoiar os que, bem ou mal, já estavam assentados. De fato,
o governo Lula, através de Programas como o de Aquisição de
Alimentos e, principalmente, a aquisição, pelas escolas, de produção
dos assentamentos vinculados à agricultura familiar, permitia a
melhoria das condições do pequeno produtor.

Desta maneira, o número de ocupações de terra despencou,


chegando, em 2010, último ano do governo Lula, a 35 ocupações,
sendo quinze promovidas pelo MST e, em 2011, 30 ocupações,
sendo doze realizadas pelo MST. Vale lembrar que o número de

481
História dos Movimentos Sociais no Brasil

movimentos de luta pela terra aumentou, chegando a 110 em 2010,


mas isso não se refletia no número de ocupações.

A diminuição das ocupações e do número de propriedades


desapropriadas não impedia a reação do setor proprietário.
Embora o Programa Terra Legal, voltado para regularizar áreas
na Amazônia, permitisse, na prática, a regularização de áreas
griladas, os proprietários não deram trégua ao MST e outros grupos
de luta pela terra. As Comissões Parlamentares de Inquérito contra
o MST e as acusações contra eles em órgãos de imprensa, como
a Revista Veja, se multiplicaram. Ora eram chamados terroristas,
pelas ocupações, quando aconteciam, ora eram caracterizados
como corruptos, pois as organizações vinculadas a eles, como a
Concrab e o Iterra, recebiam verba pública (como se os proprietários
também não recebessem...) ou mesmo as escolas do movimento
eram acusadas de fazerem o que os articulistas da Veja chamavam
de doutrinação revolucionária. Em áreas onde as ocupações
continuavam, como em Rondônia, os assassinatos de lideranças
continuariam até o momento em que escrevo estas linhas.

Liga dos Camponeses Pobres (LCP)


Após o Massacre de Corumbiara, formou-se
o Movimento Camponês Corumbiara, que se
afastou do MST, por considerá-lo excessivamente
moderado.
Deste movimento, surge uma dissidência em Rondônia,
denominada Liga dos Camponeses Pobres. Esta orga-
nização, que já tem ramificações em Rondônia, Minas
Gerais, Bahia, Ceará, Pernambuco e Pará, articula-se
à Liga Operária.
Esta entidade busca construir no Brasil um movimento
revolucionário inspirado na experiência de Mao Tsé-
-Tung, que governou a China entre 1949 e 1976, de-

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Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

pois de uma luta armada que durou vinte e dois anos:


1927-1949. Também se inspira no movimento armado
Sendero Luminoso, que atuou no Peru entre 1980 e
1999, desenvolvendo uma guerra contra o Estado pe-
ruano, afetando profundamente o campesinato local,
já que os camponeses acabaram sendo as principais
vítimas dos dois bandos em luta.
A Liga dos Camponeses Pobres não chama de assenta-
mento as áreas por ela controladas, mas sim de áreas
revolucionárias, conformando experiências de gover-
no local, já que brigas entre vizinhos são resolvidas
pela assembleia local, que também valida casamentos
celebrados nas ditas áreas revolucionárias. Aliás, uma
delas chama-se Presidente Gonçalo, nome de guerra
do fundador do Sendero, Abmael Gusmán.
Para eles, a reforma agrária, que preferem chamar de
revolução agrária, só pode acontecer após a Revo-
lução Socialista, que chamam de Nova Democracia.
A extrema violência da polícia em parceria com os
proprietários rurais, com assaltos a sedes e assassi-
natos de lideranças da LCP, tem conferido importante
legitimidade a esta organização.
Se você quiser saber mais sobre esta organização,
numa visão, aliás, muito favorável a ela, leia, por
exemplo, Um Movimento Camponês de Novo Tipo,
no jornal A Nova Democracia: http://anovade-
mocracia.com.br/no-20/788. A partir desse link,
você poderá encontrar outros textos sobre ela. Uma
visão contrária, que caracteriza a LCP simplesmente
como organização guerrilheira, pode ser encontrada
em O Brasil tem Guerrilha. Isto É, Nº 2158, 16-22
de junho de 2008. http://istoe.com.br/2158_
O+BRASIL+TEM+GUERRILHA/

483
História dos Movimentos Sociais no Brasil

Desta forma, o Movimento dos Sem-terra, depois de


conformar um dos mais importantes movimentos sociais da América
Latina, entrava em relativa decadência durante o governo Lula. A
criminalização pela mídia, polícias estaduais e justiça, o esforço em
não confrontar o governo, percebido como em disputa entre setores
progressistas e conservadores, a repressão que nunca deixou de ser
aplicada, deixam o MST em crise ao final do governo Lula.

Conclusão

Nascido, em boa medida, do ventre da Comissão Pastoral


da Terra, que provavelmente possibilitou a articulação nacional de
suas lideranças, muito vinculado ao Partido dos Trabalhadores, o
MST organizou o mais importante movimento social agrário da
história brasileira. Era a primeira vez que um movimento conseguia
articular-se nacionalmente.

Questionando a estratégia da Contag de apostar as


fichas na proposta de reforma agrária do governo Sarney, a
organização avançou com as ocupações, forçando o governo a
assentar camponeses mais do que gostaria. No governo Collor,
em um contexto repressivo, o MST organizou melhor sua estrutura,
a partir da criação de entidades como o Iterra e a Concrab. Era
necessário fortalecer o cooperativismo e aperfeiçoar a produção nos
assentamentos, num momento em que ocupar ficava difícil.

Melhorando sua posição durante o governo Itamar Franco, o


movimento pôde expandir sua atuação a todo o país, aproveitando
a enorme massa de desempregados que ficavam na rua, como
consequência das políticas neoliberais. Naquele momento, o setor
proprietário também se via encurralado pela perda dos mercados de
exportação e concorrência dos produtos importados. Daí, a política
de Reforma Agrária de Mercado significar, para os proprietários,
uma autêntica tábua de salvação, pois o governo, em vez de

484
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

desapropriar a terra, como previa a Constituição, a comprava do


proprietário em crise para revender aos assentados.

No segundo mandato de Fernando Henrique, começa a crise


do MST. A repressão, o estímulo governamental a outros movimentos,
que competiam com o MST nas ocupações, e mesmo o apoio à
Contag, além da forte propaganda adversa ao movimento nos
jornais e na televisão, tudo isso desgastava a imagem dos sem-terra.
Neste momento, um grupo atua de forma espetacular no cerco à
fazenda dos filhos do presidente.

Se a eleição de Lula significou uma esperança para dirigentes


e base do MST, o governo pouco a pouco abandonou o discurso de
reforma agrária. O Movimento reduziu dramaticamente o ritmo das
ocupações - o que não impediu sua criminalização na mídia e nos
meios policiais. O discurso do MST passaria a focar temas como a
alimentação orgânica e contra os alimentos transgênicos, embora
a reforma agrária nunca tenha saído de sua pauta. Poderíamos
dizer que, do final do governo Lula em diante, o MST era um ator
à procura de um texto, como a Contag após a derrota do projeto
de reforma agrária da Constituinte.

Atividade Final

Atende ao Objetivo 2

Leia abaixo o Editorial do Jornal O Estado de São Paulo.

Discuta a posição do jornal em relação às atividades do MST durante o governo Fernando


Henrique Cardoso.

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História dos Movimentos Sociais no Brasil

Adaptado de: Ultimato com Endereço Errado: Jornal o Estado de São Paulo, 14-09-2000.

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Resposta Comentada
O Estado de São Paulo, popularmente conhecido como Estadão, caracteriza-se pela defesa
do setor proprietário paulista desde sua fundação, em 1875, quando ainda era chamado A
Província de São Paulo. Nesse editorial, procura mostrar uma clara noção de fraqueza do governo
federal, que não reprimiria o MST. O Movimento aqui aparece como revolucionário, avesso à
ordem democrática, desrespeitador das leis. O governo federal é vacilante. O governador de
Minas Gerais, Itamar Franco, aparece como um fanfarrão que envia um ultimato ao exército,
que não pode fazer cumprir, Assim, o jornal, defensor dos proprietários, traveste-se de defensor

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História dos Movimentos Sociais no Brasil

da democracia, com o limite bem claro: o direito à propriedade e à autoridade do Presidente


da República. Ao cercar a fazenda dos filhos do presidente, a gente do Condotieri Rainha
(referência a José Rainha Júnior), líder do MST na época, estaria, de uma vez só, atacando
duas bases muito caras ao Estadão. Este editorial é uma amostra da vigorosa campanha da
imprensa contra o MST, que persistiria nos anos seguintes.

Resumo

Quando o golpe militar foi desfechado, apesar das resistências


de setores proprietários, o primeiro governo da ditadura esboçou
dois objetivos: modernizar a agricultura e atualizar a estrutura
fundiária, ainda que isso significasse imensas garantias para os
proprietários. Mesmo sofrendo o impacto de uma viva repressão,
tanto por parte do Estado como pelos setores privados, o movimento
sindical, corporificado na Contag, resistiu com o apoio de setores
conservadores da Igreja Católica. Conseguiu, assim, mesmo nos
períodos mais difíceis da ditadura, manter a bandeira da reforma
agrária e da legislação trabalhista, que agora existia, mas não era
cumprida. É certo que os benefícios dessa estratégia não chegavam,
em muitos casos, ao trabalhador rural, mas vale salientar a conjuntura
difícil do momento.

Essa mesma estratégia, que garantiu a sobrevivência, levou à


contestação de um outro setor, liderado pela Comissão Pastoral da
Terra. Atuando, em princípio, na Amazônia, onde a violência privada
dos proprietários era abençoada pelo Estado, os coordenadores da
CPT esboçavam posturas cada vez mais vigorosas e, diferentemente
da Contag, não viam mais na aplicação do Estatuto da Terra a
solução para o problema agrário. Para estes setores, que mais
tarde construíram o MST, não se tratava de dar a propriedade da

488
Aula 13 – Os trabalhadores rurais: da ditadura militar às lutas contemporâneas (Segunda parte)

terra para quem nela trabalhava, e sim de garantir que os expulsos


pudessem retornar a ela.

Essa disputa seguiu-se durante todo o processo de abertura


até a chegada de um governo civil, que, em teoria, punha a reforma
agrária na ordem do dia, ainda que, mais uma vez, ela não fosse
implantada. Enquanto os contagueanos jogaram suas esperanças
na Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária, os líderes do
nascente MST partiram para as ocupações. Ainda que enfrentassem
a dura luta contra os aparatos policiais estaduais e os proprietários,
que muitas vezes agiram em parceria na repressão a seu Movimento,
os sem-terra conseguiram expandi-lo a quase todos os estados.

Após a Constituinte, onde a Reforma Agrária ficou postergada,


enquanto os contagueanos procuravam redefinir seus objetivos, o
MST insistia nas ocupações. A direção da Contag encontrou seu
caminho no apoio à Agricultura Familiar e, no auge das ocupações,
chegaram mesmo a ocupar terras. O MST atingiu o ponto máximo
de sua expansão durante o governo Fernando Henrique, tornando
a reforma agrária, mais uma vez, um tema nacional. Contudo, a
partir do governo Lula, a situação mudaria.

Para os dirigentes da Contag, era tranquilo aliar-se ao governo


em sua política de apoio ao pequeno produtor. Já para o MST,
tratava-se de redefinir sua estratégia, pois não desejava confrontar
um governo que ajudara a eleger. Ao final do governo Lula, o MST
buscava novos caminhos, enquanto o setor proprietário rural voltava
à condição de peça-chave no desenvolvimento brasileiro, pois o país
retornava à condição de exportador de bens primários.

A luta pela democratização do acesso à terra continua a ser


uma questão pendente em nosso país.

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História dos Movimen-
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