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Abstract
This paper analyses the possibilities brought by new digital technologies,
architectural design and production for a paradigm shift in the construction
sector. The methodology proposes to use evolutionary economy theory, which sees
innovation as a key agent for paradigm shifts, to visualise the connections between
existing firms in the current paradigm and the connections that could be
established for a new production paradigm through digital fabrication. In order to
Marina Ferreira Borges do this, the role of the university and its innovation potential will also be analysed,
Universidade Federal de Minas Gerais both to develop product technology and to contextualize the technology being
Belo Horizonte – MG - Brasil imported into a regional context, developing an emancipatory production process
for the construction industry.
Recebido em 21/03/16 Keywords: Building construction. Digital fabrication. Evolutionary economy theory.
Aceito em 06/06/16 Sectoral innovation system.
BORGES, M. F. Fabricação digital no Brasil e as possibilidades de mudança de paradigma no setor da construção civil. 79
Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 16, n. 4, p. 79-91, out./dez. 2016.
ISSN 1678-8621 Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído.
http://dx.doi.org/10.1590/s1678-86212016000400106
Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 16, n. 4, p. 79-91, out./dez. 2016.
Introdução
A fabricação digital é um tipo de produção de produção da construção civil no Brasil? Elas
objetos físicos a partir de modelos digitais, cujos representam uma verdadeira possibilidade de
dados são enviados diretamente para equipamentos inovação no campo? Como essas novas
controlados numericamente, eliminando etapas possibilidades de produção podem ser utilizadas
intermediárias de produção. A fabricação digital já para se ampliar o espectro de atendimento social?
existe deste a década de 1950, tendo sido Para Ferro (2002 1 apud NOBRE; STOLFI;
largamente utilizada na produção de componentes REZENDE, 2002), jamais se deve abandonar a
para a indústria aeronáutica e automobilística. conquista da razão, do saber, do pensamento
Devido ao avanço desse tipo de maquinário nas humano, que são fundamentais, mas em cada caso
últimas décadas e a redução de custo dos é preciso analisar, criticar e reutilizar com outro
equipamentos, esse processo de fabricação sentido, sendo, portanto, fundamental se fazer uma
começou a ser empregado na construção civil a revisão crítica na importação de processos
partir do aperfeiçoamento de tecnologias de tecnológicos para o contexto regional.
projeto dos sistemas CAD, do inglês computer-
aided design, e das tecnologias de fabricação dos Inovação na economia
sistemas CAM, do inglês computer-aided
manufacturing. A automatização do projeto em Como método de análise das relações de produção
arquitetura tem aberto novas possibilidades de na construção civil será utilizada a teoria
projeto e produção. Segundo Kolarevic (2003), a econômica evolucionista, pois nela a inovação é
era digital possibilita que os arquitetos retomem a considerada um fenômeno central, inerente à
autoridade que um dia tiveram na produção de economia capitalista com efeitos desequilibradores
edifícios, não apenas no seu design, mas também fundamentais. A teoria econômica evolucionista
na sua construção, com domínio pleno sobre as pode auxiliar na compreensão da inovação com o
decisões do processo construtivo. Mas, para alguns estabelecimento de novos paradigmas tecnológicos
teóricos como Pedro Arantes (2012), o pensamento dentro de um setor.
de Kolarevic representa uma ilusão de que estaria Economistas clássicos como Adam Smith e Marx
sendo reconstituída a “unidade perdida” entre o já falavam a respeito do papel da inovação no
desenho e o canteiro. Sendo assim, o objetivo desenvolvimento econômico. Em 1776, Adam
deste artigo é analisar se a fabricação digital pode Smith refletiu sobre uma nova forma de
representar uma mudança das relações econômicas organização devido à mudança de manufatura para
de produção por meio de ferramentas digitais de a industrialização. Ele afirma que o progresso
projeto e produção como pressupõe Kolarevic, ou econômico acontece pelas possibilidades de
se a crítica de Arantes se faz mais pertinente aumento da produtividade e ampliação de
analisando o contexto econômico brasileiro. mercados por meio da especialização e
Como metodologia serão analisadas as relações de simplificação das funções produtivas em que a
produção na construção civil por meio da teoria mecanização da função trazia inovação ao
econômica evolucionista, em que a inovação é processo (CASTRO; CARVALHO, 2008). Em O
considerada um fenômeno central para mudanças Capital, Marx (1996) diz que o capitalismo só
de paradigmas. Para tanto, serão avaliadas as consegue sobreviver à custa de renovar suas bases
relações dos profissionais de arquitetura e dos tecnológicas o tempo todo, em que a combinação
profissionais de engenharia (que detêm atualmente social do processo de produção é a introdução da
o controle da produção) no paradigma da inovação tecnológica com a mais-valia e o lucro.
manufatura, e posteriormente as possíveis relações Em 1911, Schumpeter (1985) recuperou as ideias
que seriam construídas em um paradigma de clássicas de desenvolvimento, mudanças
fabricação digital em uma reordenação do processo descontínuas e progresso técnico. Para ele, para
produtivo. que a economia saia de um estado de equilíbrio e
Nas universidades brasileiras, algumas tentativas inicie um novo ciclo de desenvolvimento, é
de se entrar nesse novo paradigma vêm sendo necessário que se introduza algum tipo de
feitas, principalmente no campo da pesquisa inovação. Schumpeter coloca que para se
científica. As faculdades de arquitetura têm introduzir uma inovação é necessário que se
importado máquinas, criado laboratórios de introduza um novo produto, um novo método, que
fabricação de digital, e, mesmo que de maneira se abra um novo mercado, que se conquiste novas
ainda incipiente, preparado arquitetos para projetar
nesse novo paradigma. Mas seriam essas
iniciativas suficientes para modificar as relações de 1
Entrevista concedida a Nobre, Stolfi e Rezende (2002).
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fontes de matéria-prima ou sejam implementadas entrar num paradigma industrial e ainda estar
inovações organizacionais. vinculado a uma produção manufaturada. Farah
(1994) justifica essa perspectiva de atraso do setor
A partir das ideias de Schumpeter, surgiu uma
como uma tendência de não se considerar as
literatura com um caráter específico e setorial do
articulações entre a indústria da construção e o
progresso técnico. Os neo-schumpeterianos
processo de acumulação.
incorporam a análise das instituições (empresas,
universidades e governo) como agentes de Para analisar as relações entre firmas 2 na
mudanças estruturais de um sistema econômico, construção civil posicionando o lugar dos
segundo o qual os sistemas nacionais de inovação arquitetos no contexto da produção, este artigo
e as políticas tecnológicas são indutores do propõe utilizar as conexões propostas pelo
desenvolvimento. Para Freeman e Soete (1997), os economista inglês Pavitt (1984) (pioneiro na
neo-schumpeterianos possuem metodologias de criação de novos métodos para mensurar inovação
análise que relacionam o contexto social, e mudança tecnológica), que mapeiam o fluxo
econômico, tecnológico e institucional para econômico entre firmas em um setor, de tal
explicar a trajetória de um sistema econômico, maneira que se compreenda as relações e as
tendo a inovação como principal agente de possibilidades de inovação que cada agente
mudanças. representa (Figura 1).
Nos países periféricos, o acesso à ciência e Pavitt (1984) chama de “firmas dominadas por
tecnologia é mais difícil, sendo as raízes do atraso fornecedores” aquelas que dependem de
científico as mesmas do subdesenvolvimento fornecedores para uma produção manufatureira
econômico, havendo uma diferença de percurso tradicional. Na construção civil, podemos dizer
entre países centrais e periféricos para uma nova que essa “firma” é representada pelo canteiro de
tecnologia em um mesmo setor. Os países obras, local da produção altamente dependente de
periféricos tendem a trabalhar com imitação da outros agentes fornecedores. No canteiro, a
inovação, o que diminui seus riscos com a inovação está mais vinculada aos processos, mas
incerteza, mas a transferência de uma tecnologia por ser altamente dependente de outros fatores seu
física somente não é suficiente para que a potencial de inovar é baixo, estando sempre a
revolução tecnológica se traduza em um novo inovação vinculada a uma redução de custos. As
paradigma. Para Nelson (2008), não basta impor “firmas intensivas em escala” são as indústrias que
uma tecnologia física sem a construção de uma fornecem materiais e equipamentos para a
tecnologia social. produção. Seu potencial de inovação em processos
Nelson (2008) afirma que a tecnologia social é alto devido à organização industrial da produção.
Os “fornecedores especializados” serão
envolve a criação de uma infraestrutura de difusão
considerados para análise do setor da construção,
da tecnologia na qual são criados métodos em
os fornecedores de projetos, que no caso é
contextos nos quais ações e interações das partes
representado por projetos de arquitetura e
determinam o que é encontrado. Essas partes são
compostas de leis, normas, expectativas, engenharia. Esses fornecedores inovam
mecanismos de governança e comportamentos predominantemente em produtos, e, por
geralmente se organizarem em pequenas firmas,
habituais. A inovação depende da interação da
seu potencial de inovação é baixo. E, finalmente,
tecnologia física com a social, mas a tecnologia
“as firmas baseadas em ciência”, como os
social não pode ser importada, sendo muito mais
institutos de pesquisa e as universidades, são as
difícil inovar pela imitação. Para Abramovitz
(1989), as instituições são capazes de conseguir a instituições que trabalham com pesquisa e
combinação necessária de mudanças técnicas e desenvolvimento. Para a construção civil,
considera-se somente o papel da universidade nos
sociais. As universidades são centrais na
processos. Seu potencial de inovação é alto tanto
construção do conhecimento e na difusão da
com relação a processos quanto com relação a
inovação social relacionada. Para Nelson (1993), a
produtos, tendo dessa maneira um papel
universidade enquanto lugar de pesquisa e ensino
reflete ou molda as indústrias. fundamental para promover a inovação em um
setor.
Nos setores industriais, o progresso tecnológico é
visto como um dos elementos principais do
processo de transformação, o que permite o
aumento da produtividade e a redução de custos na
2
maioria dos setores. Mas o setor da construção Para a economia, de acordo com a Teoria da Firma, firmas ou
empresas são organizações que produzem e vendem bens e
civil, principalmente no Brasil, é vinculado a um serviços, e contratam e utilizam fatores de produção. As firmas
“atraso tecnológico” por ainda não ter conseguido reúnem o capital e o trabalho para a produção, agregando valor
às matérias-primas mediante uso de tecnologias.
A análise das relações de produção no setor da uma sucessão acumulativa de equipes de produção
construção civil será feita para o paradigma da que executam as tarefas no canteiro. A manufatura
manufatura considerando o posicionamento atual heterogênea se refere à montagem de peças
dos arquitetos e o posicionamento dos industrializadas no canteiro e que não obedece a
engenheiros, detentores do controle da produção, uma sucessão acumulativa de trabalho. A
principalmente em canteiros maiores e com manufatura serial está presente predominantemente
características mais industriais. Para um possível em canteiros menores, onde não existe um
paradigma da fabricação digital, serão interesse em se aperfeiçoar processos produtivos
consideradas as novas relações de projetos e as para uma lógica industrial. Nos canteiros maiores,
conexões entre firmas que poderiam ser há um predomínio da manufatura heterogênea, em
construídas. Dessa maneira, pode-se discutir se a que o objetivo é obter processos quase industriais
fabricação digital no Brasil pode vir a representar de produção para a redução de custos.
novas construções de relações tendo o arquiteto Em 1930, Le Corbusier preconizou a experiência
como agente fundamental para o controle da
fordista como lição aos arquitetos modernos, em
produção ou se a introdução dessas tecnologias
que o domínio da técnica consistia em: domínio da
será insuficiente para a retomada preconizada por
técnica em si, domínio sociológico (uma nova casa
Kolarevic (2003).
e uma nova cidade para uma nova época), e o
domínio econômico, que seria a necessidade de
Paradigmas da construção civil trazer para a arquitetura a padronização, a
industrialização e a taylorização (SHIMBO, 2010).
Manufatura A arquitetura moderna pressupunha uma mudança
Para Ferro (2002 3 apud NOBRE; STOLFI; social aliada à produção industrial da habitação a
REZENDE, 2002), a arquitetura no Brasil é partir do projeto de uma nova sociedade. Nesse
produzida de uma maneira bastante elementar, pressuposto, a arquitetura ganhava uma
uma manufatura cuja lógica data do século XV, na centralidade como meio de uma nova ordem
Europa, mas que até hoje se mantém sem grandes social, econômica e cultural das edificações e das
transformações, apesar dos esforços dos que cidades. Para essa perspectiva era necessário um
procuram a industrialização da construção. Ferro novo repertório de formas, uma nova técnica e
diferencia a produção em manufatura, dividindo os uma nova proposta social. Do ponto de vista
processos em manufatura serial e manufatura econômico, relacionando com as ideias de
heterogênea. A manufatura serial corresponde a Schumpeter (1985), o que Le Corbusier propunha
era a instalação de um novo paradigma por meio
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da inovação de produtos, métodos e de inovações produção. Ele não corresponde a uma fábrica, com
organizacionais. local prévio e definido. Sua complexidade de
organização e produção vem da particularidade de
Após a Segunda Guerra, países da América do
suas características: embora não seja artesanato,
Norte e Europa passaram a ter uma ampla
conserva alguns pontos em comum com esse modo
utilização de componentes pré-fabricados, de tal
de produção; embora não seja totalmente uma
maneira que se diminuísse o tempo de construção e
o custo da mão de obra. No Brasil, os preceitos manufatura, apresenta uma racionalidade
modernistas foram estabelecidos apenas como a semelhante; e, embora não possa ser considerado
indústria, utiliza elementos industrializados e se
inovação no sentido da criação de um novo
vale de inovações tecnológicas de maquinário e
repertório de formas. Ferro (20024 apud NOBRE;
componentes.
STOLFI; REZENDE, 2002) acreditava que a
euforia desenvolvimentista havia sido prejudicial É devido à incompreensão das especificidades do
na medida em que tentava adequar nossa realidade seu modo de produção que Arantes (2012) afirma
a um futuro industrial que não se confirmava. que as tentativas de industrialização fordista na
construção civil foram inúmeras e quase sempre
Na década de 1970, o governo brasileiro estimulou
inovações tecnológicas no setor da construção, fracassadas. Houve transformações nos materiais,
com tentativas de introduzir elementos pré- nas modulações e na padronização de projetos,
mas mesmo a pré-fabricação parcial de
fabricados na dinâmica do canteiro. Máquinas
componentes não altera a condição produtiva do
foram importadas, mas não foi criada uma política
canteiro. O canteiro continuou caracterizado por
industrial capaz de coordenar os ciclos de
uma variação de produtos (obras) e locais da
produção (KOURY, 2005). Segundo Farah (1994),
no Brasil houve uma “nova” concepção de produção, o que torna improvável o
industrialização da construção, em que a pré- estabelecimento de séries estáveis de postos de
trabalho taylorizados, além de uma irregularidade
fabricação com sistemas fechados como ocorria
na continuação das tarefas, o que dificulta uma
nos países centrais foi traduzida em uma
programação precisa do trabalho.
montagem de componentes industrializados no
canteiro, caraterizados por sistemas abertos e O papel da arquitetura nesse modo de produção
flexíveis. Sendo assim, o sistema se aproximou que visa à produção em escala é a de padronizar os
mais de um processo de manufatura heterogênea produtos. A figura do arquiteto praticamente
do que efetivamente de um processo de desaparece do ambiente do canteiro. Os arquitetos
industrialização da construção. Dessa maneira, no não têm nenhuma influência sobre os métodos
Brasil nunca foi desenvolvido um processo empregados na construção. Para o emprego de uma
efetivamente industrial da construção, tendo produção em escala industrial, é necessário que
apenas a presença de componentes e processos exista uma produção em escala e, para tanto, cabe
industrializados em canteiros de manufatura aos arquitetos definirem um produto que tenha
heterogênea. A manufatura heterogênea procura características de adaptabilidade a vários
uma padronização do processo construtivo, com contextos. Sendo assim, segundo Shimbo (2010),
ciclos mais rápidos de construção. Embora não as edificações perdem os pressupostos básicos de
seja considerada uma produção industrial, procura- arquitetura, tais como orientação solar,
se uma escala industrial de produção com elevado implantação em conformidade com o perfil do
grau de especialização dos processos. terreno e uma relação equilibrada entre forma,
função e materialidade. Dessa maneira, tem-se
Mas, embora sejam utilizados insumos produzidos
com alta tecnologia na manufatura heterogênea, o uma simplificação do trabalho do arquiteto para
processo produtivo é descontínuo. Além disso, atender a uma escala industrial de produção.
existe um preconceito com relação à mão de obra, Analisando o papel dos arquitetos na produção em
que é considerada desqualificada, reforçando o manufatura heterogênea nas conexões entre firmas
caráter de exploração do trabalho como uma das propostas por Pavitt (1984), podemos perceber a
formas de se obter mais-valia. Esses fatores ausência de algumas importantes relações que
dificultam o desenvolvimento tecnológico do relegam a arquitetura a um papel pouco relevante
setor, inibindo qualquer inovação de processos no na produção como um todo (Figura 2).
canteiro. Shimbo (2010) afirma que o canteiro
Embora o projeto de arquitetura oriente a produção
impõe uma lógica de produção que perpassa as
da forma no canteiro, os arquitetos não conseguem
etapas clássicas da modernidade industrial. Na estabelecer uma relação mais atuante na relação
construção civil, o produto é consumido onde ele é
com os outros agentes. Sua relação com a indústria
fabricado, tendo um deslocamento constante da
de materiais e equipamentos é unilateral, não
havendo desenvolvimento de produtos nem de
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Entrevista concedida a Nobre, Stolfi e Rezende (2002).
equipamentos para o fornecimento e orientação da crítica, e uma nova geração de mão de obra de
produção. Dessa maneira, os arquitetos arquitetos é formada sobre essa perspectiva, mas as
especificam em seus projetos elementos industriais escolas de arquitetura no contexto atual brasileiro
existentes, o que faz com que não haja inovação de não desenvolvem de maneira relevante pesquisas
processos, havendo assim apenas propostas de para o desenvolvimento de novos materiais, nem
tipologias arquitetônicas diferentes. A de processos inovadores para orientar a produção
universidade, considerando nesse caso as escolas no canteiro. Sendo assim, essas conexões acabam
de arquitetura, tem uma relação estreita com a sendo dominadas pelas escolas de engenharia
produção arquitetônica feita pelo mercado. Obras (Figura 3).
construídas são analisadas sobre uma perspectiva
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digital e tecnologias digitais emergentes de projeto Arnold Walz (2014 7 apud SEDREZ; CELANI,
estiveram associados a obras de produção restrita e 2014, p. 3),
simbólicas no contexto das cidades em que
[...] nós devemos tentar usar essa
estavam sendo inseridas.
experiência e aproximá-la da arquitetura
Segundo Ferro (20026 apud ARANTES, 2012), na comum; isso significa que nós temos que
arquitetura contemporânea as ferramentas digitais desenhar novos processos construtivos e
de projeto permitiram uma autonomia formal, em novas maneiras de fabricar elementos
que o gesto artístico antes irrealizável tornou-se construtivos [...].
processo produtivo factível no canteiro, mas,
Na América Latina, com a redução dos custos de
embora muitas das obras de capital simbólico
aquisição dos equipamentos e a quebra de algumas
tenham utilizado processos de fabricação digital, patentes, começaram a emergir laboratórios de
este não significou uma transformação na
fabricação digital – os chamados Fab Labs – mas a
produção. Na maioria das obras o canteiro teve
princípio com o propósito de produzir pequenos
uma produção híbrida, com o trabalho artesanal de
objetos em impressoras 3D. O Massachusetts
montagem atuando em conjunto com a fabricação
Institute of Technology (MIT) foi o responsável
digital de componentes customizados para a pela difusão da tecnologia com a implantação dos
edificação. Em locais onde era possível obter a primeiros laboratórios no Brasil. Sua rede de Fab
mão de obra mais barata, em especial na China,
Labs tem atualmente 250 laboratórios espalhados
onde foram construídos nos últimos anos diversos
pelo mundo, dos quais 5% estão localizados na
projetos de arquitetos do “star-system”, os
América Latina. Segundo Sperling, Herrera e
processos se tornavam mais artesanais, mesmo
Scheeren (2015), os desafios de implementação no
com projetos de alta tecnologia. Sendo assim, a Brasil e na América Latina estão associados à
inovação tecnológica de projetos não foi criação de uma cultura de inovação, à substituição
acompanhada por uma inovação tecnológica no
do pensamento competitivo (muito presente em
espaço da produção. O canteiro manteve a mesma
ambientes com baixo grau de inovação) por um
lógica da manufatura e da mais-valia da mão de
pensamento colaborativo, e, por fim, à otimização
obra.
de fatores econômicos e administrativos, tais como
Para Arantes (2012), a arquitetura na era digital- a redução de burocracias e custos de aquisição de
financeira ampliou enormemente o repertório de equipamentos. A maioria dos laboratórios de
formas e técnicas à sua disposição, mas essa fabricação digital existentes no Brasil, 15 dos 22
arquitetura é reduzida a um mero significante, sem mapeados por Sperling, Herrera e Scheeren (2015),
regras e limitações de qualquer espécie em busca estão conectados a instituições de pesquisa e
de um grau máximo de renda. Dessa maneira, universidades, tendo menos de 3 anos de
percebe-se que mesmo com o avanço da tecnologia existência. Nos laboratórios ligados às escolas de
para a produção de formas complexas, os arquitetura, a maior parte trabalha explorando
arquitetos não mobilizaram a seu favor as possibilidades de design e de produção digital,
qualidades físicas, construtivas e plásticas dos fabricando modelos em escala como forma de se
materiais, como também desconsideraram o aprender a utilizar novas ferramentas de design e
trabalho e os trabalhadores do canteiro. rotinas de produção, reproduzindo a trajetória dos
laboratórios na Europa e Estados Unidos. Esse
Após a crise de 2008, houve uma redução da
processo de imitação reforça as relações de
construção de projetos espetaculares, primeiro
inovação entre centro e periferia, tendo em vista
devido à própria crise financeira nos países
centrais, e segundo por certo esgotamento do que nos países centrais a tecnologia aparece como
modelo de diferenciação de cidades pela uma resposta a determinadas circunstâncias, e na
periferia a tecnologia é implementada como um
arquitetura icônica. Os grandes escritórios que
símbolo de progresso e aparente modernidade,
trabalhavam nesses projetos começaram a
desconectada da realidade local.
vislumbrar as possibilidades de utilização e
transformação no uso das tecnologias de
modelagem para trabalhar no sentido de se evitar o
desperdício e o excesso. Dessa maneira, começou-
se a pensar em uma arquitetura menos focada na
forma inédita e mais na demonstração de seu
desempenho ambiental, construtivo e social. Para
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Entrevista concedida a Sedrez e Celani (2014). Entrevista concedida a Nobre, Stolfi e Rezende (2002)
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Para Arantes (2012), quando uma inovação ocorre Para Fabricio (2002), a questão crucial para a
sua difusão é sempre lenta, por causa da mudança de paradigmas no desenvolvimento de
especialização crescente, dos códigos que regem a produtos na construção civil é não somente as
prática, dos procedimentos padronizados e da relações entre os agentes de projeto, mas a forma
defesa das práticas tradicionais. Mas para David de integração desses agentes e o modelo de
Gann (19918 apud ARANTES, 2012), o papel de colaboração vigente. Na fabricação digital ocorre
catalizadores da mudança assumidos pelos uma mudança de paradigma com relação ao
arquitetos é central para romper o sistema travado modelo de desenvolvimento do processo de
e refratário das inovações técnicas. Para Gann, o projetos e de fabricação e montagem de produtos,
uso das ferramentas digitais deve transcender as pois esse é o resultado do trabalho conjunto de
experimentações formais, para trabalharem no engenharia e arquitetura (projeto baseado em
sentido de uma reordenação de todo o processo desempenho), visto que os componentes são
produtivo. Sendo assim, para que ocorra uma fabricados de maneira direta entre os arquivos
mudança de paradigma no setor da construção civil gerados no computador e a produção nas máquinas
por meio das tecnologias digitais, o campo de controle numérico (CNC), sem intermediários
arquitetônico a ser explorado deve transcender a entre projeto e produção. Sendo assim, a
produção restrita (simbólica), para abarcar uma fabricação digital possibilita que o arquiteto
produção de massa (dominada pelo capital retome o controle da produção de produtos
econômico). conforme afirma Kolarevic (2003). Mas para
avaliar se essas mudanças também ocorrerão nos
Caso os arquitetos assumam o controle da
processos do canteiro no sentido de se criar novas
produção por meio das novas relações
maneiras de integração entre os agentes e se
estabelecidas pela fabricação digital, as conexões
romper com as formas de relação do paradigma da
entre firmas deveriam ser revistas. As ferramentas
digitais emergentes possibilitam em projeto a manufatura, serão analisadas as possíveis relações
evolução da forma representada digitalmente para a serem construídas entre os agentes da construção
com o uso da fabricação digital (Figura 4).
a forma gerada digitalmente, em que o computador
é utilizado de maneira a se explorar possibilidades.
Essas novas possibilidades criadas por ferramentas
digitais de projeto combinadas com ferramentas de
análise de desempenho 9 propiciam que a
concepção do projeto demande a participação do
engenheiro desde as etapas de concepção, diluindo
as relações convencionais de autoria (OXMAN;
OXMAN, 2010).
8
GANN, D. New Management Strategies and the Fast-Track
Phenomenon. In: RAINBIRD, H.; SYBEN, G. (Orgs.). Restructuring
a Traditional Industry: construction employement and skills in
Europe. Nova York: Berg, 1991.
9
As ferramentas digitais a que o texto se refere são os softwares
que propiciam a criação de geometrias baseadas em relações
paramétricas e algorítmicas por meio de sistemas generativos.
Atualmente, os principais softwares que trabalham desse modo
são o Rhinoceros juntamente com o plugin Grasshopper; e o
Revit em associação com o Dynamo (Autodesk). Juntamente com
esses softwares podem ser utilizadas ferramentas de simulação
física (conforto ambiental e desempenho estrutural).
Figura 4 - Possibilidades da fabricação digital na construção civil baseada nas conexões de Pavitt
(1984)10
Na fabricação digital a principal mudança seria na digital um processo a parte dentro da manufatura.
relação do projeto com o canteiro. Com a Uma possível mudança de relação com a indústria
instalação de máquinas de controle numérico ocorreria caso a universidade (nesse caso as
(CNC) no próprio canteiro, não haveria escolas de arquitetura) investissem em pesquisa de
intermediários entre o projeto de arquitetura e a novos materiais e equipamentos, como já acontece
produção no local. Dessa maneira, seria em universidades dos países capitalistas centrais.
fundamental a presença do arquiteto auxiliando a
Outra mudança significativa seria na relação entre
mão de obra para orientar o corte e a produção de
os projetistas e a universidade. No paradigma atual
componentes customizados, bem como a do ensino de projeto, a universidade se concentra
montagem. Um exemplo disso é a aplicação da em estudar tipologias arquitetônicas (produtos).
fabricação digital no canteiro de obras da Sagrada
No paradigma da fabricação digital as atenções ao
Família, em Barcelona. A tecnologia é utilizada
se estudar uma obra se voltam para uma
para a produção das formas de concreto moldado
reengenharia dos processos para o
in loco, que apresenta a maior dificuldade de desenvolvimento do projeto e da construção no
execução pela complexidade das formas. Mas, canteiro. Os projetos baseados em desempenho e
embora toda a obra pudesse ser concebida com
sua construção apresentam características de uma
máquinas CNC, as demais etapas da obra ainda são
inovação econômica mais forte do que as
feitas por métodos mecanizados convencionais
inovações realizadas pela engenharia no paradigma
(CELANI; ORCIUOLI, 2008). Arantes (2012)
atual, pois segundo Pavitt (1984, p. 366),
enfatiza a predominância de canteiros híbridos em
obras construídas em países centrais que já [...] as trajetórias tecnológicas mais fortes
utilizaram essa tecnologia, em que processos ocorrem quando a inovação é orientada
artesanais são combinados com processos de para o aumento do desempenho do produto,
fabricação digital. Sendo assim, no contexto e menos forte quando é orientada somente
brasileiro é difícil pensar em canteiros unicamente para uma redução de custos [...].10
digitais devido às características já mencionadas Com a formação de mão de obra dentro de uma
do paradigma de produção atual. Com a presença nova perspectiva de produção de processos e
da manufatura nesse contexto, as relações produtos na arquitetura, seria possível que os
estabelecidas entre projetistas, indústrias e canteiro
seriam praticamente inalteradas, sendo a produção 10
Para este quadro considera-se o trabalho conjunto de
arquitetura e engenharia na universidade.
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