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O tema deste artigo é como e até que para produzir notícias4 é muito mais forte do
ponto as regras que guiam os métodos uti- que na ciência. Como ambas as formas de
lizados pelos cientistas para organizar, clas- conhecimento apresentam semelhanças, a
sificar e traduzir a realidade poderiam con- ciência tem o potencial de oferecer novas
tribuir com o jornalismo. O objetivo é for- linhas de reflexão para o jornalismo.
necer um modelo teórico de objetividade Tanto a ciência como o jornalismo são
jornalística para futuros estudos empíricos. tipos de processos de conhecimento. Tal
Para isso, devem ser analisadas semelhan- processo pode ser identificado tanto na
ças e diferenças entre jornalismo e ciência. produção quanto na recepção de estudos
No momento seguinte, pretende-se analisar científicos e de notícias. Objetividade se
um determinado conceito de ciência que refere somente à produção como processo de
parece especialmente apropriado para uma conhecimento, ou seja, como jornalistas e
comparação com o jornalismo, o do cientistas trabalham e estruturam as informa-
racionalismo crítico de Karl Popper, e a sua ções que recolhem da realidade, através da
possível aplicação nesta área. Por último, comparação destas com aquilo que eles já
pretende-se apresentar um modelo de sabem5.
objetividade jornalística, que tem como ponto Tanto jornalistas quanto cientistas utili-
central a produção de uma correlação entre zam um método para conhecer a realidade.
realidades social e midiática. Ambos têm suas idéias, opiniões pré-forma-
das, suspeitas ou suposições sobre aquilo que
Ciência e Jornalismo observam. Algumas delas são tidas como
certas, outras precisam ser testadas.
A idéia de objetividade jornalística está As suposições dos cientistas vêm de uma
ligada à de ciência desde a origem daquela teoria científica, uma série de afirmações não
nos Estados Unidos, na década de 20. Se- contraditórias. Essa teoria é o resultado de
gundo Streckfuss2, objetividade significava um saber acumulado, do que outros estudos
originalmente encontrar a verdade através do sobre o mesmo tema já mostraram. No caso
método rigoroso do cientista. De acordo com do jornalista, as suas suposições vêm das
Streckfuss3, objetividade não foi fundada em informações que ele acabou de reunir sobre
uma idéia ingênua de que os seres humanos um determinado assunto. Daí advém uma
podem ser objetivos, mas sim no fato de que outra diferença: o cientista é um especialista,
eles não podem. Esta deveria ser portanto o jornalista, não.
alcançada através do uso de um método O cientista não tem só um tema, mas
científico, ou seja, um procedimento também um problema para resolver. Já o
intersubjetivamente aplicável, comparável jornalista não tem necessariamente um pro-
com os das ciências sociais. Influenciados blema, algo para explicar ou para descobrir,
pelo movimento cultural do naturalismo mas sim um tema. O jornalista só vai for-
científico, os mentores da idéia utilizaram a mular hipóteses quando tiver que noticiar
ciência como exemplo de como um jorna- sobre um problema ou quando problematizar
lismo objetivo deveria ser. a sua pauta. Se o jornalista escreve uma
Como jornalistas trabalham sob muita notícia sobre o reinício das aulas nas escolas,
pressão, suas chances de refletir sobre os seus ele tem um tema. Se a pauta incluir as
métodos é extremamente reduzida, a sua condições que os estudantes vão encontrar
tendência a adotar uma rotina como garantia no recomeço das aulas (por exemplo, a
parcial de sucesso e a repetir a mesma fórmula situação precária do prédio da escola, o
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O princípio da falsificação permite uma mativo se ocupa com este tipo de hipótese,
aproximação da realidade exatamente atra- o racionalismo crítico pode oferecer uma
vés da negação de verdades manifestas. alternativa para os jornalistas sobre como lidar
Nenhum conhecimento, inclusive o da ciên- com os seus pressupostos ou convicções. Para
cia, deve ser tratado como verdade absoluta, isso, é preciso entender no que e até que ponto
mas sim como hipotético, já que não é o racionalismo crítico pode contribuir para
possível conhecer a realidade de maneira o jornalismo.
absoluta e segura. Para Popper, o objetivo maior da ciência
O teste das hipóteses deve seguir deter- é aproximar-se da realidade através da re-
minadas regras na ciência. Os pesquisadores futação do que se sabe até o momento. No
devem testar suas hipóteses através de jornalismo, há diferentes objetivos. Um deles
métodos transparentes, que possam ser re- é mediar informações reais e, através disto,
petidos por outros (intersubjetividade). Se oferecer modelos de orientação prática para
outros pesquisadores repetirem o experimen- o seu público14. Mas o jornalismo também
to sob as mesmas condições, devem chegar pode contribuir para uma aproximação da
ao mesmo resultado que o primeiro. Os realidade através da refutação do que se sabe
instrumentos utilizados devem ser adequados até o momento. No entanto, o jornalista não
para medir o que se pretende medir. refuta necessariamente o conhecimento que
A ciência deve tentar ser objetiva, o que foi acumulado sobre um tema, mas sim as
significa para Popper que o seu método deve informações que se têm até agora sobre um
ser passível de ser testado intersubjetiva- acontecimento. Portanto, a observação da
mente. Ou seja, objetividade de acordo com realidade, ou seja, a pesquisa ou investiga-
o racionalismo crítico não se refere ao teor ção jornalística tem uma função central neste
de verdade das afirmações, mas sim ao conceito de objetividade.
método utilizado. Segundo o racionalismo crítico, a obser-
A ciência que Karl Popper propõe une vação da realidade deve obedecer regras para
percepção e teoria. Se uma teoria é empírica evitar uma percepção falsa15. Por isso, o
(e só teorias empíricas podem ser testadas), cientista deve seguir um determinado méto-
então ela precisa ser acoplada à experiência do, que por sua vez deve respeitar regras de
e à percepção10. Ao mesmo tempo, a teoria observação e de intersubjetividade. O uso de
pode controlar e corrigir a percepção11. um método em jornalismo também pode
contribuir para evitar a formação de imagens
O jornalismo e o racionalismo crítico falsas sobre o que se observa.
Como objetividade para Popper se refere
Quando jornalistas noticiam sobre proble- a uma questão de método, a sua utilização
mas, ou seja, sobre temas ou eventos nos no jornalismo se restringe à fase de repor-
quais há algo para descobrir ou para expli- tagem. No entanto, se objetividade for re-
car, desenvolvem hipóteses. Hipóteses duzida a uma questão de método, o objetivo
jornalísticas podem ser classificadas em três do jornalismo deixa de ser uma correlação
categorias: descritivas, evaluativas e com a realidade primária. Segundo
prescritivas12. Descritivas são afirmações do Neuberger16, o racionalismo crítico pode até
tipo “O presidente renunciou ao cargo hoje atrapalhar, já que ignora regras já
à tarde”. A suposição “A renúncia do pre- institucionalizadas. Ao mesmo tempo, pode
sidente foi melhor para o país” é do tipo contribuir para encontrar novas regras e para
evaluativa e a hipótese “O presidente deve melhorar o processo de conhecimento
renunciar nos próximos dias” se insere na jornalístico. O racionalismo crítico, portanto,
categoria prescritiva. não esgota o problema da objetividade.
A maior parte das hipóteses jornalísticas Além disso, é preciso distinguir entre
são do tipo descritiva, ou seja, passíveis de objetividade em jornalismo e objetividade
serem testadas empiricamente13.O que não se jornalística17. A contribuição popperiana se
enquadra nesta categoria não pertence ao restringe às normas ou regras que jornalistas
jornalismo informativo, mas sim ao jorna- devem utilizar para garantir uma conexão
lismo opinativo. Como o jornalismo infor- entre a realidade social e a realidade
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car. O mesmo princípio vale para a seleção prefeito” não podem ser testadas
das fontes. O fato de o entrevistado ser intersubjetivamente e, portanto, não perten-
advogado não o credencia para comentar o cem ao jornalismo informativo.
projeto de reforma tributária, mesmo que ele
seja o presidente da Ordem dos Advogados. Falsificação em jornalismo
Para analisar este assunto, seria mais ade-
quado ouvir um professor de direito tribu- A idéia de que jornalistas devem obser-
tário, que certamente já trabalhou com o tema. var a realidade de acordo com algumas regras
O modo como o jornalista levanta as para garantir objetividade no seu trabalho não
informações também deve ser apropriado para é nova. A contribuição do racionalismo crítico
investigar ou explicar o fato sobre o qual pode no entanto ultrapassar esta fronteira.
se noticia. Se ele investiga o estado precário A característica principal do racionalismo
das escolas públicas, é mais adequado falar crítico é o princípio da falsificação. É esta
com os professores ou alunos de uma escola norma que determina o tipo de hipótese que
nestas condições e depois ouvir o secretário deve ser formulada, o método e até mesmo
de Educação, e não o contrário. o resultado do trabalho do cientista. Através
O grau de abrangência deve contribuir disso, o pesquisador se “previne” de
para que o acontecimento a ser noticiado seja dogmatismo, seja o seu próprio ou não.
apresentado num contexto mínimo. Isto sig- No jornalismo, a busca por uma liber-
nifica que não basta responder a perguntas dade do juízo de valor tem sido marcada pelo
como o quê, quem, quando e onde. É preciso princípio da neutralidade. O conceito tradi-
levantar os comos e porquês. Também não cional de objetividade como neutralidade nega
basta ouvir uma explicação para o problema, aos jornalistas a possibilidade de desenvol-
já que o objetivo do método é exatamente ver idéias sobre aquilo que eles observam.
evitar uma percepção falsa da realidade. Quando jornalistas têm idéias, suspeitas,
Parte-se do pressuposto de que o levantamen- suposições ou opiniões, então não são mais
to de mais de uma explicação pode contri- objetivos.
buir para evitar isto. No caso de dados Como avaliar, desenvolver idéias sobre
estatísticos, devem ser levantados o universo aquilo que se observa é inerente ao processo
de pesquisa, o método utilizado, o período de conhecimento, neutralidade mostra-se
em que o estudo foi realizado e quem o então um mecanismo incapaz de garantir a
produziu. liberdade dos jornalistas perante juízos de
Para garantir a transparência do processo valor. O problema não é ter opiniões, supo-
do conhecimento, é preciso que outras pes- sições ou pré-conceitos, mas sim o que se
soas possam ter acesso às informações que faz com eles.
o jornalista levantou, bem como ao método Jornalistas tendem fortemente a confir-
utilizado para levantá-las. Os depoimentos mar suas hipóteses, o que Stocking (1989)
prestados bem como dados sobre as fontes chama de confirmation bias. Isto não signi-
(nome, cargo ou função) devem ser gravados fica que estes profissionais inventam fatos
ou anotados de tal forma que outra pessoas ou explicações, mas sim que eles só inves-
(por exemplo, o editor) possa reconstruir o tigam ou pesquisam em uma direção, indi-
processo da reportagem através destas ano- ferente se depois da pesquisa eles ouvem os
tações. dois lados do problema ou não. Jornalistas
Se o jornalista produz uma reportagem se tornam prisioneiros não necessariamente
sobre o projeto de preservação do meio- das próprias convicções, mas também da
ambiente de uma determinada multinacional obrigação de produzir histórias com valores-
através de uma viagem às instalações indus- notícias elevados.
triais paga por ela, esta informação precisa O que estes profissionais devem fazer com
ser colocada à disposição daqueles que le- as suas inevitáveis hipóteses, para que elas
rem a notícia. não atrapalhem uma aproximação da reali-
O princípio da verificação intersubjetiva dade? O princípio da falsificação poderia ser
só funciona para hipóteses descritivas. Afir- aplicado no jornalismo? Deveria? O que o
mações do tipo “João da Silva foi um bom jornalista deve tentar falsificar?
102 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
Assumptions in Newsmaking. In: Journalism Glaubwürdigkeit von Medien. Eine theoretische und
Quarterly, vol. 67, n. 2, 1990, p. 296. empirische Studie zum Verhältnis von Realität und
13
Op. Cit., p. 298. Medienrealität. Unveröffentlichte Habilitationsschrift,
14
Ver a respeito Eduardo Meditsch, O conheci- Berlin, 1988, p.13.
18
mento do Jornalismo. In: http://www.jornalismo.ufsc.br/ Christoph Neuberger, op.cit., p. 171.
19
bancodedados/publicacoes.html, 1992, p. 30; Robert Günther Bentele, op. cit., p. 404.
20
Park, News as a Form of Knowledge, 1967. In: Robert Liriam Sponholz, Objetividade em jorna-
Park, On social control and collective Behavior. Chi- lismo. Uma perspectiva da teoria do conhecimen-
cago, London: The University of Chicago Press, 1967, to. In: Revista Famecos - Mídia, cultura e
p. 41-42. tecnologia, n. 21, agosto 2003, p. 110-120.
15 21
Karl R. Popper, Logik der Forschung, Ver a respeito Michael Haller, Recherchieren.
Tübingen: Mohr, 10. Auf., 1994, p. 61. Ein Handbuch für Journalisten. München:
16
Christoph Neuberger, Journalismus als Ölschlager Verlag, 5. Auf., 2000, p. 53; Leonarda
Problembearbeitung. Objektivität und Relevanz in Reyes, Estratégias de investigación. In: Sala de
der öffentlichen Kommunikation. Konstanz: UVK Prensa, n. 26, Diciembre 2000, Ano II, vol. 2, http:/
Medien, 1996, p. 155. /www.saladeprensa.org, p. 2.
17 22
Günter Bentele, Objektivität und Reyes, op. cit., p. 2.