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JORNALISMO 97

O que o jornalismo pode aprender com a ciência:


Objetividade na perspectiva do racionalismo crítico de Karl Popper
Liriam Sponholz1

O tema deste artigo é como e até que para produzir notícias4 é muito mais forte do
ponto as regras que guiam os métodos uti- que na ciência. Como ambas as formas de
lizados pelos cientistas para organizar, clas- conhecimento apresentam semelhanças, a
sificar e traduzir a realidade poderiam con- ciência tem o potencial de oferecer novas
tribuir com o jornalismo. O objetivo é for- linhas de reflexão para o jornalismo.
necer um modelo teórico de objetividade Tanto a ciência como o jornalismo são
jornalística para futuros estudos empíricos. tipos de processos de conhecimento. Tal
Para isso, devem ser analisadas semelhan- processo pode ser identificado tanto na
ças e diferenças entre jornalismo e ciência. produção quanto na recepção de estudos
No momento seguinte, pretende-se analisar científicos e de notícias. Objetividade se
um determinado conceito de ciência que refere somente à produção como processo de
parece especialmente apropriado para uma conhecimento, ou seja, como jornalistas e
comparação com o jornalismo, o do cientistas trabalham e estruturam as informa-
racionalismo crítico de Karl Popper, e a sua ções que recolhem da realidade, através da
possível aplicação nesta área. Por último, comparação destas com aquilo que eles já
pretende-se apresentar um modelo de sabem5.
objetividade jornalística, que tem como ponto Tanto jornalistas quanto cientistas utili-
central a produção de uma correlação entre zam um método para conhecer a realidade.
realidades social e midiática. Ambos têm suas idéias, opiniões pré-forma-
das, suspeitas ou suposições sobre aquilo que
Ciência e Jornalismo observam. Algumas delas são tidas como
certas, outras precisam ser testadas.
A idéia de objetividade jornalística está As suposições dos cientistas vêm de uma
ligada à de ciência desde a origem daquela teoria científica, uma série de afirmações não
nos Estados Unidos, na década de 20. Se- contraditórias. Essa teoria é o resultado de
gundo Streckfuss2, objetividade significava um saber acumulado, do que outros estudos
originalmente encontrar a verdade através do sobre o mesmo tema já mostraram. No caso
método rigoroso do cientista. De acordo com do jornalista, as suas suposições vêm das
Streckfuss3, objetividade não foi fundada em informações que ele acabou de reunir sobre
uma idéia ingênua de que os seres humanos um determinado assunto. Daí advém uma
podem ser objetivos, mas sim no fato de que outra diferença: o cientista é um especialista,
eles não podem. Esta deveria ser portanto o jornalista, não.
alcançada através do uso de um método O cientista não tem só um tema, mas
científico, ou seja, um procedimento também um problema para resolver. Já o
intersubjetivamente aplicável, comparável jornalista não tem necessariamente um pro-
com os das ciências sociais. Influenciados blema, algo para explicar ou para descobrir,
pelo movimento cultural do naturalismo mas sim um tema. O jornalista só vai for-
científico, os mentores da idéia utilizaram a mular hipóteses quando tiver que noticiar
ciência como exemplo de como um jorna- sobre um problema ou quando problematizar
lismo objetivo deveria ser. a sua pauta. Se o jornalista escreve uma
Como jornalistas trabalham sob muita notícia sobre o reinício das aulas nas escolas,
pressão, suas chances de refletir sobre os seus ele tem um tema. Se a pauta incluir as
métodos é extremamente reduzida, a sua condições que os estudantes vão encontrar
tendência a adotar uma rotina como garantia no recomeço das aulas (por exemplo, a
parcial de sucesso e a repetir a mesma fórmula situação precária do prédio da escola, o
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número excessivo de alunos por sala ou o A ciência do racionalismo crítico


número reduzido de professores), então ele
tem um problema a esclarecer ou a desco- Numa comparação entre as duas formas
brir. de conhecimento citadas, uma determinada
Os dois tipos de profissionais tentam concepção de ciência parece especialmente
testar suas hipóteses. O cientista tenta con- apropriada, a do racionalismo crítico, desen-
firmar ou derrubar suas hipóteses através de volvida pelo filósofo austríaco Karl Popper.
procedimentos aplicados a eventos que po- Isto porque o jornalismo, embora não seja
dem ser repetidos em um médio ou longo ciência, aproxima-se sobretudo daquilo que
prazo e dentro de um campo de ação rela- se define como ciências sociais empíricas.
tivamente autônomo. O jornalista precisa Segundo Popper, o que define a ciência
testar suas hipóteses num curtíssimo prazo como tal é a falseabilidade de suas hipóteses.
(até o fechamento da próxima edição) sobre Só uma suspeita ou suposição que é passível
acontecimentos que na maior parte das vezes de ser testada pode ser refutada. E só se ela
não podem ser repetidos nem estão sob seu for refutável pode ser considerada científica8.
controle e sob a pressão do público-leitor, A frase “A temperatura vai subir” nao é
da organização jornalística, do seu chefe, dos falsificável, porque não pode ser testada. Ela
seus colegas de trabalho. O cientista escreve só pode ser utilizada em um estudo científico
para os seus colegas, o jornalista, para um como provocação, como motivação para uma
público não-especializado. pesquisa. Já a afirmação “A temperatura em
De acordo com Genro Filho6, pode-se Covilhã vai subir dois graus por ano a cada
caracterizar os tipos de conhecimento de verão” poderia ser uma hipótese científica,
acordo com as categorias de universal, par- porque é falsificável.
ticular ou individual. O jornalismo produz Segundo Popper, hipóteses devem ser
conhecimento sobre a feição singular da falsificadas, e não confirmadas. Se o pesqui-
realidade, enquanto a ciência se ocupa com sador parte do pressuposto que todos os cisnes
categorias lógicas universais7. O cientista são brancos, ainda que ele encontre só cisnes
procura aquilo que se repete, ou seja, leis ou brancos, não significa que cisnes pretos não
regularidades com relação ao objeto que existem. Por isso, o cientista que acredita que
observa. O jornalista procura fatos singulares. todos os cisnes são brancos deve procurar
O jornalismo se interessa por exemplo por cisnes pretos. Além disso, pode-se aprender
João da Silva, motorista de caminhão, 35 muito mais com a falsificação desta hipótese
anos, quatro filhos, que trabalha 16 horas por do que com a sua confirmação, já que atra-
dia e se acidentou na Rodovia XYZ, que se vés daquela é possível descobrir a existência
encontra em péssimo estado e não sofre de cisnes pretos, onde e como vivem cisnes
reparos desde 1985. Para a ciência, este pretos e onde vivem cisnes brancos, se há
evento só é relevante dentro de uma série outros fatores que os diferenciam e assim por
de acidentes com caminhões ou num levan- diante.
tamento dos acidentes na rodovia XYZ. Só O princípio da falsificação, que a priori
os aspectos particulares ou universais deste se referia a uma questão lógica, adquiriu uma
caso despertam o interesse da ciência. Já o feição política depois da publicação do livro
jornalismo se preocupa exatamente com a sua “A sociedade aberta e seus inimigos” em
singularidade. 19459, tornando-se uma espécie de mecanis-
O fato de o jornalismo se concentrar nos mo antidogmático:
eventos singulares significa que este tipo de
processo de conhecimento pode revelar as- Once your eyes were thus opened you
pectos da realidade que a ciência não con- saw confirming instances everywhere:
segue. Quando um jornalista mostra o co- the world was full of verifications of
tidiano de um morador de rua ou de um the theory. Whatever happened always
prisioneiro, ele pode transmitir informações confirmed it. Thus its truth appeared
relevantes para entender o problema. Como manifest; and unbelievers were clearly
a ciência ignora estes aspectos individuais, people who did not want to see the
cabe ao jornalismo mostrá-los. manifest truth. (Magee: 1975, 45)
JORNALISMO 99

O princípio da falsificação permite uma mativo se ocupa com este tipo de hipótese,
aproximação da realidade exatamente atra- o racionalismo crítico pode oferecer uma
vés da negação de verdades manifestas. alternativa para os jornalistas sobre como lidar
Nenhum conhecimento, inclusive o da ciên- com os seus pressupostos ou convicções. Para
cia, deve ser tratado como verdade absoluta, isso, é preciso entender no que e até que ponto
mas sim como hipotético, já que não é o racionalismo crítico pode contribuir para
possível conhecer a realidade de maneira o jornalismo.
absoluta e segura. Para Popper, o objetivo maior da ciência
O teste das hipóteses deve seguir deter- é aproximar-se da realidade através da re-
minadas regras na ciência. Os pesquisadores futação do que se sabe até o momento. No
devem testar suas hipóteses através de jornalismo, há diferentes objetivos. Um deles
métodos transparentes, que possam ser re- é mediar informações reais e, através disto,
petidos por outros (intersubjetividade). Se oferecer modelos de orientação prática para
outros pesquisadores repetirem o experimen- o seu público14. Mas o jornalismo também
to sob as mesmas condições, devem chegar pode contribuir para uma aproximação da
ao mesmo resultado que o primeiro. Os realidade através da refutação do que se sabe
instrumentos utilizados devem ser adequados até o momento. No entanto, o jornalista não
para medir o que se pretende medir. refuta necessariamente o conhecimento que
A ciência deve tentar ser objetiva, o que foi acumulado sobre um tema, mas sim as
significa para Popper que o seu método deve informações que se têm até agora sobre um
ser passível de ser testado intersubjetiva- acontecimento. Portanto, a observação da
mente. Ou seja, objetividade de acordo com realidade, ou seja, a pesquisa ou investiga-
o racionalismo crítico não se refere ao teor ção jornalística tem uma função central neste
de verdade das afirmações, mas sim ao conceito de objetividade.
método utilizado. Segundo o racionalismo crítico, a obser-
A ciência que Karl Popper propõe une vação da realidade deve obedecer regras para
percepção e teoria. Se uma teoria é empírica evitar uma percepção falsa15. Por isso, o
(e só teorias empíricas podem ser testadas), cientista deve seguir um determinado méto-
então ela precisa ser acoplada à experiência do, que por sua vez deve respeitar regras de
e à percepção10. Ao mesmo tempo, a teoria observação e de intersubjetividade. O uso de
pode controlar e corrigir a percepção11. um método em jornalismo também pode
contribuir para evitar a formação de imagens
O jornalismo e o racionalismo crítico falsas sobre o que se observa.
Como objetividade para Popper se refere
Quando jornalistas noticiam sobre proble- a uma questão de método, a sua utilização
mas, ou seja, sobre temas ou eventos nos no jornalismo se restringe à fase de repor-
quais há algo para descobrir ou para expli- tagem. No entanto, se objetividade for re-
car, desenvolvem hipóteses. Hipóteses duzida a uma questão de método, o objetivo
jornalísticas podem ser classificadas em três do jornalismo deixa de ser uma correlação
categorias: descritivas, evaluativas e com a realidade primária. Segundo
prescritivas12. Descritivas são afirmações do Neuberger16, o racionalismo crítico pode até
tipo “O presidente renunciou ao cargo hoje atrapalhar, já que ignora regras já
à tarde”. A suposição “A renúncia do pre- institucionalizadas. Ao mesmo tempo, pode
sidente foi melhor para o país” é do tipo contribuir para encontrar novas regras e para
evaluativa e a hipótese “O presidente deve melhorar o processo de conhecimento
renunciar nos próximos dias” se insere na jornalístico. O racionalismo crítico, portanto,
categoria prescritiva. não esgota o problema da objetividade.
A maior parte das hipóteses jornalísticas Além disso, é preciso distinguir entre
são do tipo descritiva, ou seja, passíveis de objetividade em jornalismo e objetividade
serem testadas empiricamente13.O que não se jornalística17. A contribuição popperiana se
enquadra nesta categoria não pertence ao restringe às normas ou regras que jornalistas
jornalismo informativo, mas sim ao jorna- devem utilizar para garantir uma conexão
lismo opinativo. Como o jornalismo infor- entre a realidade social e a realidade
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midiática, ou seja, à objetividade jornalísti- Grau de Abrangência: levantamento pre-


ca. Esta concepção não oferece nenhuma ciso de informações, resposta a todas as
resposta ao problema da objetividade textu- perguntas do lide, levantamento de mais de
al, ou seja, à questão da veracidade das uma linha de interpretação, seleção de todos
informações contidas na notícia. os envolvidos ou afetados pelo acontecimen-
Evidentemente há a possibilidade de que to como tipos de fontes;
uma notícia seja verídica, ainda que o jorna- - Liberdade de juízo de valor: seleção de
lista não tenha agido de forma objetiva. Um informações e fontes que possam derrubar
texto jornalístico pode ter um grau elevado a hipótese do jornalista sobre o problema.
de correlação com a realidade, embora o No caso da verificação intersubjetiva, o
jornalista só tenha reescrito um press release. jornalista deve respeitar:
Neste caso, entretanto, a veracidade da notícia Transparência do processo de conheci-
não se deve ao jornalista. mento: levantamento de informações preci-
Uma aproximação da realidade só pode sas, citação completa das fontes, desenvol-
ser verificada se for possível averiguar as vimento de hipóteses passíveis de serem
informações e criticar as explicações testadas e preenchimento de “protocolo” sobre
fornecidas em uma notícia. Objetividade o método utilizado.
jornalística é portanto uma condição para Estes são critérios que devem ser con-
objetividade em journalismo. siderados na produção de notícia para evitar
Neuberger18 reinterpretou as regras de uma percepção falsa da realidade e garantir
Popper para o jornalismo e propôs que um grau de correlação entre realidade social
jornalistas pesquisem, utilizem métodos e realidade midiática.
adequados e registrem o que escrevem, para O que significa seguir este conceito de
que outros possam repetir o mesmo proce- objetividade no dia-a-dia das redações? Em
dimento e chegar aos mesmos resultados. termos práticos, pesquisa ou investigação
Uma possível aplicação do racionalismo própria significa que se o jornalista ambi-
crítico no jornalismo não pode no entanto ciona ser objetivo não pode se limitar a
se limitar à idéia de intersubjetividade do reescrever ou mesmo entrevistar só as fontes
método. Bentele19 sugere três características que são citadas no press release. O profis-
centrais como critérios essenciais para sional precisa ouvir fontes e levantar infor-
objetividade em jornalismo: utilização de mações que não foram consideradas no press
afirmações corretas, integridade das informa- release ou na entrevista coletiva.
ções com relação ao acontecido e, como Com relação à verificação, o que foi
metacritério, intersubjetividade. citado no press release deve ser confrontado
Baseando-se na reinterpretação das regras com depoimentos de fontes de tipos diferen-
científicas do racionalismo crítico realizada tes, que possam trazer outras informações ou
por Neuberger e no conceito de objetividade mesmo dados que contradigam o que foi dito.
em jornalismo desenvolvido por Bentele, uma A expressão “tipos diferentes” se refere não
concepção racionalista crítica de objetividade somente a fontes que tenham uma opinião
deveria seguir as seguintes regras de obser- diferente sobre o assunto, mas também que
vação: ofereçam outras perspectivas. Não basta ouvir
Pesquisa e investigação própria: jornalis- um representante do governo e outro da
tas devem levantar informações e ouvir fontes oposição sobre um projeto de lei, é preciso
que até então não foram consideradas; ouvir também o especialista, o cidadão que
Verificação das informações: comparação pode ser afetado pela nova legislação ou as
de afirmações de diversas fontes sobre o organizações que o representam. Ao mesmo
mesmo acontecimento, através de fontes de tempo, a verificação de informações precisa
diversos tipos e com opiniões diferentes; necessariamente abranger entrevistados que
Uso de técnicas de observação e de representem pontos de vistas contraditórios.
protocolo adequados: o método utilizado pelo O uso de métodos de observação adequa-
jornalista e as informações que ele levanta, dos significa que as informações levantadas
devem mostrar aquilo que o jornalista pre- pelo jornalista devem ter uma correlação com
tende comprovar; aquilo que ele pretende descobrir ou expli-
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car. O mesmo princípio vale para a seleção prefeito” não podem ser testadas
das fontes. O fato de o entrevistado ser intersubjetivamente e, portanto, não perten-
advogado não o credencia para comentar o cem ao jornalismo informativo.
projeto de reforma tributária, mesmo que ele
seja o presidente da Ordem dos Advogados. Falsificação em jornalismo
Para analisar este assunto, seria mais ade-
quado ouvir um professor de direito tribu- A idéia de que jornalistas devem obser-
tário, que certamente já trabalhou com o tema. var a realidade de acordo com algumas regras
O modo como o jornalista levanta as para garantir objetividade no seu trabalho não
informações também deve ser apropriado para é nova. A contribuição do racionalismo crítico
investigar ou explicar o fato sobre o qual pode no entanto ultrapassar esta fronteira.
se noticia. Se ele investiga o estado precário A característica principal do racionalismo
das escolas públicas, é mais adequado falar crítico é o princípio da falsificação. É esta
com os professores ou alunos de uma escola norma que determina o tipo de hipótese que
nestas condições e depois ouvir o secretário deve ser formulada, o método e até mesmo
de Educação, e não o contrário. o resultado do trabalho do cientista. Através
O grau de abrangência deve contribuir disso, o pesquisador se “previne” de
para que o acontecimento a ser noticiado seja dogmatismo, seja o seu próprio ou não.
apresentado num contexto mínimo. Isto sig- No jornalismo, a busca por uma liber-
nifica que não basta responder a perguntas dade do juízo de valor tem sido marcada pelo
como o quê, quem, quando e onde. É preciso princípio da neutralidade. O conceito tradi-
levantar os comos e porquês. Também não cional de objetividade como neutralidade nega
basta ouvir uma explicação para o problema, aos jornalistas a possibilidade de desenvol-
já que o objetivo do método é exatamente ver idéias sobre aquilo que eles observam.
evitar uma percepção falsa da realidade. Quando jornalistas têm idéias, suspeitas,
Parte-se do pressuposto de que o levantamen- suposições ou opiniões, então não são mais
to de mais de uma explicação pode contri- objetivos.
buir para evitar isto. No caso de dados Como avaliar, desenvolver idéias sobre
estatísticos, devem ser levantados o universo aquilo que se observa é inerente ao processo
de pesquisa, o método utilizado, o período de conhecimento, neutralidade mostra-se
em que o estudo foi realizado e quem o então um mecanismo incapaz de garantir a
produziu. liberdade dos jornalistas perante juízos de
Para garantir a transparência do processo valor. O problema não é ter opiniões, supo-
do conhecimento, é preciso que outras pes- sições ou pré-conceitos, mas sim o que se
soas possam ter acesso às informações que faz com eles.
o jornalista levantou, bem como ao método Jornalistas tendem fortemente a confir-
utilizado para levantá-las. Os depoimentos mar suas hipóteses, o que Stocking (1989)
prestados bem como dados sobre as fontes chama de confirmation bias. Isto não signi-
(nome, cargo ou função) devem ser gravados fica que estes profissionais inventam fatos
ou anotados de tal forma que outra pessoas ou explicações, mas sim que eles só inves-
(por exemplo, o editor) possa reconstruir o tigam ou pesquisam em uma direção, indi-
processo da reportagem através destas ano- ferente se depois da pesquisa eles ouvem os
tações. dois lados do problema ou não. Jornalistas
Se o jornalista produz uma reportagem se tornam prisioneiros não necessariamente
sobre o projeto de preservação do meio- das próprias convicções, mas também da
ambiente de uma determinada multinacional obrigação de produzir histórias com valores-
através de uma viagem às instalações indus- notícias elevados.
triais paga por ela, esta informação precisa O que estes profissionais devem fazer com
ser colocada à disposição daqueles que le- as suas inevitáveis hipóteses, para que elas
rem a notícia. não atrapalhem uma aproximação da reali-
O princípio da verificação intersubjetiva dade? O princípio da falsificação poderia ser
só funciona para hipóteses descritivas. Afir- aplicado no jornalismo? Deveria? O que o
mações do tipo “João da Silva foi um bom jornalista deve tentar falsificar?
102 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV

As condições necessárias para a falsifi- determinado patamar na discussão sobre


cação na ciência não existem no jornalismo. objetividade, através da concretização de uma
O jornalista desenvolve hipóteses a partir das concepção baseada na teoria do conhecimen-
informações reunidas e não a partir de um to em um modelo teórico. Também se pre-
saber acumulado, ele também nao é espe- tende fornecer através deste modelo novos
cialista. Ou seja, no caso do jornalista, é critérios para estudos comparativos entre
preciso primeiro que o que se sabe até agora coberturas jornalísticas e realidade social,
seja levantado. Depois, ele pode tentar fal- centrados na relação entre estes dois tipos
sificar este conhecimento. Este princípio de realidade, e não mais em noções tradi-
precisa, portanto, ser reinterpretado. cionais de objetividade que se concentram
O que o princípio da falsificação signi- em outras funções da mídia, como por
ficaria para o jornalismo? Este princípio exemplo as concepções de relevãncia,
poderia garantir liberdade de juízos de valor. pluralismo ou fairness, entre outras 20
Ao mesmo tempo, exigiria mais tempo para (Sponholz, 2003).
pesquisa. Jornalistas precisariam primeiro Uma das vantagens de uma “tradução”
levantar um nível de informações mínimo, dos métodos científicos para o jornalismo é
“provas” que comprovem sua hipótese, e a possibilidade de oferecer modelos de ação
depois pesquisar ou investigar contra sua que orientem futuros jornalistas. Através
própria hipótese. Isto significa a substituição disto, pode-se superar a noção de que jor-
de uma fairness passiva (ouvir os dois lados nalismo se produz com feeling, de que não
de uma questão) por uma outra ativa, em que há possibilidade de aprendizado ou conhe-
se pesquisa em ambas as direções, pró e cimento sistemático em jornalismo. Embora
contra a própria hipótese. Outra consequência existam jornalistas que não precisem de um
seria que jornalistas teriam que ser abertos método para alcançar os mesmos objetivos,
o suficiente não só para deixar suas hipó- a falta de sistematização leva novos repór-
teses, como também suas pautas caírem. teres a freqüentemente “reinventarem a
Critérios para avaliação de liberdade do roda”21.
jornalista frente às suas próprias convicções Ao mesmo tempo, exigir que jornalistas
de acordo com este princípio seriam a es- pesquisem e até mesmo procurem derrubar
colha de fontes bem como o levantamento suas pautas parece ir contra o processo que
intencional e planejado de informações que se observa nas redações. Redução de custos
possam derrubar suas hipóteses. através da diminuição do número de jorna-
É preciso sobressaltar que o princípio de listas nas redações, da produção de mais
falsificação não significa que jornalistas matérias com menos pessoal, menos inves-
deveriam tentar derrubar suas hipóteses a timento em investigação e tempo, têm leva-
qualquer custo, mas sim que suas suspeitas do a um alto grau de utilização de press
devem passar por um teste de falsificação. releases e a menos investigação/pesquisa no
Caso elas não sejam refutadas, isto fala a jornalismo.
favor da sua relação com a realidade primá- A utilização de um método em jornalis-
ria. mo que possa garantir um determinado grau
Diferente dos outros critérios citados, a de objetividade poderia hipoteticamente le-
adoção do princípio de falsificação precisa var a um conflito com as condições em que
ser examinada não só do ponto de vista da jornalistas trabalham ou a uma otimização
sua plausibilidade, mas também da sua dos poucos recursos dos quais jornalistas
aplicação prática. dispõem para pesquisar22. Ambas hipóteses
exigem investigação para que se possa de-
Conclusão terminar empiricamente a contribuição do
racionalismo crítico para o jornalismo. O
O modelo apresentado aqui tem o pro- potencial que esta perspectiva oferece, en-
pósito de contribuir para ultrapassar um tretanto, é concreto.
JORNALISMO 103

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