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INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E ECONOMIA

SOLIDÁRIA
Reflexões acerca do Método como Tecnologia Social

Carolina Saraiva Maranhão


Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
carola.maranhao@gmail.com

Amanda Maria Silva Gonçalves


Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
amandaa292@gmail.com

Lilian Cristina Gonzaga


Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
liliancgonzaga@yahoo.com.br

RESUMO

Baseando-se nas dificuldades enfrentadas em campo, oriundas de uma experiência em


projetos de extensão que aborda a economia solidária, onde a implantação efetiva dessa “nova
economia” passou por alguns impasses, a proposta deste artigo teórico é convidar a comunidade
acadêmica à reflexão acerca da possibilidade da criação de uma metodologia crítica com base nos
escritos de Paulo Freire, em especial em sua obra “Ação cultural para a liberdade e outros escritos”.
Vislumbrando a metodologia como uma alternativa para o aumento da efetividade da implantação
dos projetos de economia solidária e frente à ideia de utilizar os dizeres do Paulo Freire como um
guia, convida-se a comunidade acadêmica para esta reflexão: O desenvolvimento de uma
metodologia social crítica para projetos de economia solidária com base nos escritos de Paulo
Freire, em especial em sua obra “Ação cultural para a liberdade e outros escritos” ajudaria na
melhora da implantação de projetos de extensão e possibilitaria então, a criação de uma tecnologia
social?

Palavras-chave: Inovação Tecnológica; Economia Solidária; Tecnologia Social; Método;


Paulo Freire.

Volume 01 – Número 01 – Novembro 2016 47


Inovação tecnológica e economia solidária: Reflexões acerca do método como tecnologia social
Carolina Saraiva Maranhão, Amanda Maria Silva Gonçalves, Lilian Cristina Gonzaga

empoderamento político, social e


INTRODUÇÃO
empreendedor de seus habitantes.
Existem diversas iniciativas, fomentadas No entanto, inúmeras barreiras foram
por Instituições de Ensino Superior ou por encontradas na execução dos projetos, quando
órgãos públicos, que perpassam pela da instalação de projetos de economia
economia solidária e que podem possibilitar solidária. Dentre elas, podem citar-se a falta de
aos participantes o empoderamento e a recursos financeiros e humanos, falta de
geração de renda. Associações e cooperativas espaço físico para a alocação dos
são exemplos pelos quais isso pode se tornar empreendimentos, falta de matéria-prima. Além
orgânico. Tais iniciativas podem ser das barreiras "gerenciais", que podem ser
consideradas uma forma das pessoas em também encontradas em qualquer tipo de
situação de vulnerabilidade socioeconômica corporação, os projetos conduzidos pela lógica
transformarem suas condições de vida e a de da economia solidária têm como pontos críticos
todos que vivem em seu entorno, podendo ser a dificuldade de alinhamento estratégico entre
atuantes e capazes de proverem o seu próprio os participantes, no tocante ao
sustento e serem donos (as) e\ou agentes de comprometimento com a organização,
suas próprias ideias, trabalhando em conjunto, desenvolvimento de espírito de equipe,
sem hierarquia, sendo todos donos do negócio. solidariedade e cooperativismo. Estas são
A reflexão suscitada nesse artigo é fruto características caras aos projetos de economia
de uma experiência vivenciada no distrito de solidária, pois eles não buscam somente o
Antônio Pereira, pertencente ao município de desenvolvimento gerencial das organizações
Ouro Preto - MG. O distrito conta com uma atendidas, mas, principalmente, o
população de aproximadamente 4441 empoderamento social, econômico e político de
habitantes, segundo o Censo IBGE - 2010, e seus públicos, desenvolvendo a consciência
apesar de ser uma região em que em seu crítica e emancipatória da sociedade. Sem o
entorno exista grande exploração de minérios estabelecimento destas raízes, o arranjo
por empresas, a situação econômica do distrito gerencial da organização se esvazia de
é deficitária e alarmante, considerando-se o sentido, tornando-se uma empresa como outra
atendimento das necessidades de geração de qualquer. O grande desafio dos projetos de
renda para a sua população. Uma Instituição de economia solidária é desta forma,
Ensino Superior promove neste distrito desenvolverem o comprometimento de seus
diversos projetos de extensão, tendo a participantes, pois, sem isso, não há alicerce
economia solidária como fator estruturante, a para uma "nova economia", que é o que a
fim de proporcionar e/ou fomentar iniciativas de economia solidária busca desde o seu
geração de renda, buscando a minimização da surgimento.
precariedade das condições de vida da A prática de projetos de economia
população do distrito, bem como o solidária nos revela que o maior ponto de

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clivagem para o sucesso de implantação está economia solidária. A análise in loco, com
na esfera do empoderamento e não no abordagem de multi-casos, nos proporcionou
gerencial. Os estudos sobre a autogestão elementos para a reflexão sobre o
tratam, na sua maioria, sobre aspectos desenvolvimento de uma metodologia crítica
relacionados à organização econômica e como tecnologia social e a sua viabilidade. A
administrativa dessas empresas, muitas vezes inovação tecnológica passa pelo desenho e
desconsiderando o aspecto humano, ou esquematização de métodos eficazes e
considerando-o a partir de pressupostos eficientes, buscando o sucesso de seus
característicos da análise de organizações negócios. A proposta deste artigo teórico, de
heterogestionárias, como a análise dos refletir se uma possível estrutura científica de
recursos humanos a serem administrados por um método crítico de implantação de projetos
um especialista (CARVALHO; PIRES, 2001, de economia solidária baseado em Paulo Freire
p.179). Buscando uma alternativa para ajudar contribui para a melhoria da implantação de
na implantação integral de projetos de projetos de economia solidária abre caminho
economia solidária, propõe-se neste artigo para a discussão, também, sobre as
teórico uma reflexão sobre a possibilidade do tecnologias sociais, campo ainda muito pouco
desenvolvimento de uma metodologia crítica explorado pelas ciências sociais aplicadas.
para projetos que envolvem a economia Espera-se contribuir ao desenvolvimento
solidária e se tal metodologia ajudaria os científico do campo.
projetos de forma relevante. Para auxiliar nesta
ECONOMIA SOLIDÁRIA
reflexão, serão utilizados os escritos de Paulo
Freire (1981), em especial em sua obra "Ação A economia solidária é uma das

cultural para a liberdade e outros escritos". A alternativas à lógica capitalista, com premissas

escolha por este autor e a obra especificada distintas ao sistema vigente. Segundo Singer

justifica-se pela notória excelência de seus (2004, p. 9), o desenvolvimento capitalista é o

escritos em relação a metodologias eficazes de desenvolvimento realizado sob a égide do

educação de adultos, com cunho crítico e grande capital e moldado pelos valores do livre

emancipatório. Acredita-se ser possível funcionamento dos mercados, das virtudes de

adaptar as premissas presentes nos escritos de competição, do individualismo e do Estado

Freire para a economia solidária e pensar na mínimo. O desenvolvimento solidário é o

possibilidade de uma metodologia crítica para desenvolvimento realizado por comunidades

projetos de economia solidária de pequenas firmas associadas ou de

A experiência vivenciada que despertou cooperativas de trabalhadores, federadas em

as reflexões propostas neste artigo teórico complexos, guiado pelos valores da

aconteceu em um projeto de extensão no cooperação e ajuda mútua entre pessoas ou

distrito de Antônio Pereira, em 3 associações firmas, mesmo quando competem entre si nos

que têm buscado a implantação integral da mesmos mercados.

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Na verdade, a economia solidária não há um item específico para a descrição da


pretende opor-se ao desenvolvimento, que metodologia utilizada para se chegar ao
mesmo sendo capitalista, faz a humanidade resultado final da pesquisa. Por isso, acredita-
progredir. O seu propósito é tornar o se que se for utilizado o método adequado na
desenvolvimento mais justo, repartindo seus inserção da economia solidária dentro das
benefícios e prejuízos de forma mais igual e comunidades se conseguiria atingir com mais
menos casual (SINGER, 2004, p. 11). Ou seja, eficiência e funcionalidade os objetivos da
(...) está bastante claro que a economia economia solidária. Segundo França Filho
solidária não atua em um campo fora do (2007, p. 156), neste nível, a economia solidária
capitalismo e do mercado formal, mas, ao é abordada como uma tecnologia social, ou
contrário, busca dentro da realidade existente seja, um instrumento ou ferramenta para
formas de alternativas de desenvolvimento geração de trabalho, renda e para a promoção
econômico baseado em valores mais humanos, de desenvolvimento sustentável em territórios
na busca da autonomia dos grupos que a caracterizados por alto grau de vulnerabilidade
praticam, em práticas sociais e ambientais e exclusão social. A ideia é discutir a economia
sustentáveis (MENDONÇA; RUAS; COSTA, solidária no nível da própria operacionalidade
2012, p. 204). Podemos, então, caracterizar a das iniciativas, no sentido da formatação de
economia solidária como sendo um dos técnicas ou tecnologias sociais para o fomento
modelos alternativos a forma de produção de transformações sociais. O caráter do
vigente em que possibilita aos membros conhecimento aqui assume grau elevado de
trabalharem sob a ótica da autogestão, prescrição, no intuito de sugerir meios de
democracia, participação, cooperação no intervenção na realidade.
trabalho e distribuição igualitária dos resultados O método utilizado deveria ser flexível,
e benefícios. Mas para que a economia possibilitando a condução das premissas da
solidária se torne realizável, conduções economia solidária juntamente com as
adequadas a respeito de seus pressupostos atividades comuns em um empreendimento
precisam ser feitas. Bons projetos, por como: controle de estoque, vendas, contas a
exemplo, que envolvam a economia solidária pagar e receber etc. Para isso, o método
poderão facilitar a implantação dentro das poderia ter a flexibilidade que a economia
comunidades, e isso pode ser feito através da solidária proporciona e o direcionamento de
escolha do método mais adequado para o atividades necessárias a um negócio. Nesse
andamento do trabalho. momento é que trazemos o Paulo Freire, um
Sabe-se que em qualquer área da dos maiores nomes da Educação e pedagogia
ciência, sejam ciências exatas, biológicas ou crítica no Brasil e responsável por grandes
humanas, o método está presente para obras como: Educação como prática da
direcionar suas atividades, um desses liberdade (1967) e Pedagogia do oprimido
exemplos são os trabalhos científicos, em que (1968). Mas em especial o que nos interessa é

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a obra Ação Cultural para a Liberdade e outros de uma metodologia crítica social em projetos
escritos (1981). de economia solidária, que facilitaria a
Entende-se que "(...) a economia implantação e execução dos projetos em
solidária ressurge então como uma alternativa regiões carentes. A criação dessa metodologia
de buscar um novo caminho para emancipação crítica social para projetos em economia
humana" (BAPTISTA; FISCHER, 2011, p.1). solidária seria importante porque o produto final
Paulo Freire (1981) busca o mesmo por meio ajudaria os vários projetos de extensão em
de sua obra tornando o indivíduo um ser comunidades que utilizam da própria economia
pensante e crítico. Ele apresenta em sua obra solidária. Um exemplo é o próprio projeto de
“Ação cultural para a Liberdade: e outros extensão vivenciado, que teve o intuito de
escritos”, a importância em considerar as amenizar os impactos negativos causados pelo
necessidades e peculiaridades das pessoas sistema capitalista, como o desemprego.
envolvidas na alfabetização. Esta obra é a Através de três associações, mulheres se
junção de alguns textos que Freire escreveu no reuniram para terem uma fonte de renda e a
período de 1968 a 1974, essa coletânea tem o Instituição de Ensino Superior buscou subsidiar
objetivo de proporcionar discussões e reflexões tanto financeiramente, quanto com cursos
sobre questões como a educação crítica, em adequados ao perfil dessas mulheres.
que o indivíduo possa aprender dentro da sua O objetivo foi apoiá-las na gestão das
realidade e não fora de seu contexto associações, na subsistência de seus
habitacional. Tendo isso como objetivo, Freire participantes e na longevidade dos negócios.
não baseava seus métodos de ensino em uma Porém, constatou-se que a implantação desse
forma engessada, um modelo único e fechado, modelo de economia, que possui
mas avaliava as necessidades dos envolvidos características como a autogestão, a
e o processo educacional partia dessas democracia direta, a participação efetiva, a
necessidades, com várias formas e jeitos de se cooperação no trabalho e a distribuição
ensinar sendo então flexível. igualitária dos resultados e benefícios não
Portanto, o método para desenvolver estavam se tornando orgânicas. Há uma
projetos em economia solidária que possam grande quantidade de artigos nessa área que
impactar diretamente uma comunidade, relatam a dificuldade da implantação integral de
deveria contemplar os elementos constitutivos projetos de economia solidária sob a lógica de
da pedagogia crítica de Paulo Freire, um mercado capitalista. Os estudos sobre a
considerando as peculiaridades de cada autogestão tratam, na sua maioria, sobre
indivíduo e o contexto social em que está aspectos relacionados à organização
inserido, sendo assim versátil. Através dos econômica e administrativa dessas empresas,
ideais de Paulo Freire juntamente com a teoria muitas vezes desconsiderando o aspecto
da economia solidária, pensa-se em uma humano, ou considerando-o a partir de
tecnologia social através do desenvolvimento pressupostos característicos da análise de

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organizações heterogestionárias, como a apenas usuárias das tecnologias criadas por


análise dos recursos humanos a serem outras áreas. A partir dessa constatação,
administrados por um especialista procura-se desenvolver a compreensão das
(CARVALHO; PIRES, 2001, p.179). Não Tecnologias Sociais (TS) para além de
existem muitas referências científicas de instrumentos materiais ou tecnológicos. Em
proposição de alternativas para o alcance de sentido lato, os próprios conhecimentos,
maior taxa de sucesso na implantação de saberes populares aplicados de modo
projetos com este cunho. Por estes motivos, é consciente e crítico, com uma finalidade de
proposto neste artigo o objetivo principal de buscar soluções aos problemas sociais
refletir acerca da questão: O desenvolvimento enfrentados no cotidiano e de promover a
de uma metodologia social crítica para projetos emancipação social, podem ser
de economia solidária com base nos escritos de compreendidos como TS.
Paulo Freire, em especial em sua obra “Ação Isso é pertinente, pois favorece o
cultural para a liberdade e outros escritos” rompimento de um preconceito que possa
ajudaria na melhora da implantação de projetos existir em relação à aceitação das ciências
extensionistas e possibilitaria então, a criação humanas e sociais criarem tecnologias. A
de uma tecnologia social? perspectiva de Adams et al (2011) traz uma
ótica diferente em que a produção de
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA:
conhecimentos críticos e conscientes que
TECNOLOGIA SOCIAL possuem o intuito de solucionar algum
Quando se fala em tecnologia, problema social e promover a emancipação
normalmente associam-se a algum instrumento social pode ser sim considerada uma
da ciência exata ou da ciência biológica, como tecnologia social. Logo, pode-se considerar de
softwares, aplicativos para computadores, acordo com as características das tecnologias
celulares etc., porém, hoje também têm-se sociais que o desenvolvimento de uma
ferramentas tecnológicas para área das metodologia crítica para implantação de
ciências humanas e sociais, as quais são projetos em economia solidária é uma
chamadas de tecnologia social. Isso é algo tecnologia social.
recente e aos poucos vêm conquistando seu Como Oliveira (2013, p. 85) diz, ao serem
espaço tanto em projetos isolados, quanto em associadas todas as características, atributos e
pesquisas acadêmicas. os atores envolvidos na geração de tecnologias
Adams et al (2011, p.15-16) dizem que a sociais, há inúmeras implicações e resultados
tecnologia, em geral, é associada a quando da aplicação da TS. Ele afirma que a
instrumentos tecnológicos enquanto criações tecnologia social de acordo com ITS (2007)
das ciências como a engenharia, a física, a implica em compromisso com a transformação
química, a biologia, a matemática. A relação social, criação de um espaço de descoberta de
direta entre tecnologia e ciências humanas é demandas e necessidades sociais, relevância e
algo muito recente, as quais se entendiam

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eficácia social, sustentabilidade socioambiental PAULO FREIRE: A PEDAGOGIA


e econômica, inovação, organização e CRÍTICA COMO MÉTODO
sistematização, acessibilidade e apropriação Paulo Freire foi um dos grandes nomes
das tecnologias, um processo pedagógico para da educação e da pedagogia crítica. Em sua
todos os envolvidos, diálogo entre diferentes trajetória, Freire adotou a utilização da prática
saberes, difusão e ação educativa, processos no processo de aprendizagem, ao contrário do
participativos de planejamento, que pregava a educação bancária e técnica,
acompanhamento e avaliação e construção como dito por ele. A pedagogia freire Ana é
cidadã do processo democrático. síntese da teorização implícita na prática de
Adams et al (2011, p.15) explicam sobre Educação Popular. Ela traz a consideração do
o Tecnosocial Unilasalle criado no dia 22 de conhecimento como possibilidade de
março de 2010, com intuito de gerir as políticas superação de relações verticais contraditórias e
e processos de interação entre universidade, de modelos mecanicistas de análise da
empresa e governo, estimulando a produção realidade social e implantação de novas
científica através da organização de um centro propostas que indiquem esperança e a
tecnológico e social focado na tecnologia da necessidade de mudança (MACIEL, K. F. 2001,
economia Solidária. Foi em 2010 que a p. 337).
Tecnosocial Unilasalle executou o Projeto Freire é autor de incontáveis obras,
como Estratégia de Desenvolvimento Local em alguns exemplos são Educação como prática
Canoas e Região, que tem como um dos seus da liberdade (1967), Pedagogia do oprimido
objetivos o desenvolvimento de tecnologias (1968), Cartas à Guiné-Bissau (1975), Ação
sociais. Propõe-se a desenvolver processos de Cultural para a Liberdade e outros escritos
organização socioprodutiva junto aos setores (1981) e Pedagogia da esperança (1992).
populares das comunidades do município. O Dentre as inúmeras obras freireanas,
projeto visa, igualmente, a fortalecer formas de escolhemos “Ação Cultural para a Liberdade e
empreendedorismo coletivo para a geração de outros escritos” devido ao fato de levantar a
trabalho e renda e, ao mesmo tempo, a questão do método utilizado para a educação
estimular redes de sociabilidade e cidadania, popular. Esta obra é a junção de alguns textos
impulsionando o desenvolvimento local com que Freire escreveu entre 1968 e 1974, essa
sustentabilidade. coletânea tem o objetivo de proporcionar
Tendo exemplificado, é perceptível que discussões e reflexões sobre questões como a
as tecnologias sociais são fonte de inovação educação crítica, em que o indivíduo possa
tecnológica e, apesar de ser um campo pouco aprender dentro da sua realidade e não fora de
explorado, as possibilidades de crescimento seu contexto habitacional. Freire não baseava
são potenciais. seus métodos de ensino em uma forma
engessada, um modelo único e fechado, mas
avaliava as necessidades dos envolvidos e o

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processo educacional partia dessas uma ação cultural ligada diretamente e apenas
necessidades, com várias formas e jeitos de se ao trabalho, visto que poderia tonar-se algo de
ensinar. extrema modificação da relação entre o homem
Tal obra trata-se da conscientização do e a realidade.
homem, como ele enxerga a sua realidade e O conteúdo da obra de Freire “Ação
como ele a trata. Freire traz um novo significado Cultural para a Liberdade e outros escritos”
do que seja fazer cultura, relacionado à (1981) traz questões que se assemelham às
assimilação e mutação, a criação e recriação dificuldades percebidas durante a experiência
das variadas informações com que o homem no projeto de extensão em relação à educação
tem contato em seu contexto. A ação cultural, dos adultos, por isso reflete-se se o
afirma Freire (1981) torna-se problemática, desenvolvimento de uma metodologia crítica
ainda mais quando se fala em educação para projetos de economia solidária teriam
libertadora e emancipatória do sujeito, que tem condições de promover além do
o intuito de fazer mudanças na relação do estabelecimento das premissas gerenciais, a
homem com a sociedade. Assim, toda a emancipação do sujeito e seu senso crítico.
educação não deve ter um pressuposto de
REFLEXÕES SOBRE O MÉTODO
neutralidade, pois faz jus a certa inocência
frente à realidade. A proposta de educação A proposta deste artigo teórico é

popular e para adultos de Freire é visivelmente resultado da experiência adquirida em um

de ordem política e tem o objetivo de erradicar projeto de extensão. Esta experiência empírica

a opressão, instigar a consciência crítica e fazer vivida que antecede o trabalho escrito vem

da alfabetização um processo mais como sustentação para a reflexão sobre a

humanizante. Exemplo disso é a questão da possibilidade de ajudar na melhoria da

reforma agrária, uma relação com o trabalho, o implantação dos projetos de economia solidária

autor faz uma critica em relação ao processo e através do desenvolvimento de uma

a percepção da reforma agrária realizada para metodologia crítica baseada na obra de Paulo

os campestres. Apenas a modificação de quem Freire. Com o objetivo de se pensar sobre

é o proprietário da terra não é uma alteração alternativas viáveis para superar as barreiras

real, como a passagem oprimido-opressor. O encontradas nos projetos de economia

saber prático dos campestres não é levado em solidária, propõe-se a seguinte reflexão: “O

consideração e eles são obrigados a receber desenvolvimento de uma metodologia social

conhecimento técnico para tomar conta da terra crítica para projetos de economia solidária com

e melhorar a produção, não que os campestres base nos escritos de Paulo Freire, em especial

não precisem otimizar a produção, mas o em sua obra “Ação cultural para a liberdade e

conhecimento que eles já possuíam não pode outros escritos” ajudaria na melhora da

ser deixado de lado e apenas o conhecimento implantação de projetos de extensão e

técnico ser aplicado. Isso faz com que aconteça possibilitaria então, a criação de uma
tecnologia social?”; Para tal reflexão é

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necessário compreender a experiência que simplificado possível devido ao baixo nível de


suscitou esse questionamento, por isso, será escolaridade dos participantes. Após o curso,
descrito de forma breve como foi a experiência os bolsistas deslocavam-se semanalmente a
vivida no projeto de extensão que gerou a cada uma das associações para
proposta deste artigo teórico. desenvolverem atividades a respeito dos
A experiência em campo ocorreu no cursos que foram dados pelos docentes e para
distrito de Antônio Pereira pertencente ao sanarem as dúvidas dos participantes.
município de Ouro Preto - MG, onde um projeto Em todo o projeto procurou-se reforçar as
de extensão desenvolvido por uma Instituição características da economia solidária, para que
de Ensino Superior oferecia capacitações o grupo pudesse adquirir em sua essência
voltadas para pessoas de baixa renda. Eram traços como a participação efetiva, a
três as associações que participavam desse colaboração mútua e o sentimento de
projeto, a primeira associação era constituída solidariedade para com os membros e para
por dez participantes e tinha como atividade com a associação. Porém, alguns problemas
principal a atuação no setor da facção, mas foram percebidos durante seu processo, como
também atuava em atividades de confecção. A uma gestão individualista e menos
segunda associação contava com vinte e oito participativa, pouco envolvimento dos membros
participantes e confeccionavam colchas, com a associação. Todos esses fatores
almofadas, jogos americanos, pano de prato, levantaram questionamentos sobre o que
etc., desde o enxoval até a decoração. E a estaria sendo feito de modo errôneo, se
terceira associação era composta por onze realmente as ações do projeto de extensão se
participantes que produziam e comercializavam alinhavam às características da economia
produtos de limpeza como desinfetantes, solidária e se o método utilizado pelos bolsistas
sabão em barra, água sanitária, detergentes, e docentes integrantes do projeto de extensão
entre outros. estava de acordo com o contexto social
Durante este projeto utilizou-se como inserido.
metodologia aulas expositivas participativas, Diante deste relato, surge o seguinte
além de minicursos e assessorias. Nas aulas questionamento, “Será que o desenvolvimento
expositivas, os conteúdos abrangeram os de um método crítico para implantação da
cursos de “Capacitação em Vendas”, “Pós- economia solidária em comunidades e projetos
venda e Plano de Marketing”, “Noções de acadêmicos sob a luz da obra de Paulo Freire
Contabilidade”, “Noções de Associativismo” e “Ação Cultural para a Liberdade e outros
“Cooperativismo”, entre outros. Esses cursos escritos” é uma alternativa para superar
eram dados quinzenalmente aos sábados por problemas semelhantes aos relatados na
docentes integrantes do projeto. As três experiência vivida no projeto de extensão?
associações participavam desses encontros e O filósofo e educador Paulo Freire (1981)
o conteúdo ministrado buscava ser o mais criou um método de educação crítica e

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alfabetização para adultos ao encontrar compreensão e visualização do real sentido da


dificuldades durante esse processo. Freire palavra.
(1981) era um educador crítico que acreditava E foi essa sensibilidade de Paulo Freire
que a educação de qualidade deve estar que o fez desenvolver o livro “Ação Cultural
apoiada em valores democráticos, como a para a Liberdade e outros escritos”. Esta obra
solidariedade e o respeito à diversidade para a é a união de alguns textos que Freire escreveu
transformação do mundo. Pode-se dizer que as no período de 1968 a 1974, essa coletânea tem
teorias do Paulo Freire (1981) centram-se na o objetivo de proporcionar discussões e
aprendizagem, em pensar criticamente e que, reflexões sobre questões como a educação
consequentemente, tornam-se libertadoras. crítica, em que o indivíduo possa aprender
Seus textos vêm de uma realidade vivida por dentro da sua realidade e não fora de seu
ele e não de algo abstrato. No encontro com as contexto habitacional. Tendo isso como
minorias, tais como camponeses e “favelados”, objetivo, Freire não baseava seus métodos de
como ele se referia, Freire (1981) viu a ensino em uma forma engessada, um modelo
dificuldade de muitas pessoas em prover seu único e fechado, mas avaliava as necessidades
sustento e as más condições de trabalho, dos envolvidos e o processo educacional partia
percebeu, também, naquelas pessoas uma dessas necessidades, com várias formas e
negação do seu ser como indivíduo e uma jeitos de se ensinar sendo então flexível
tendência a certa adequação do contexto social buscando a emancipação e transformação.
inserido. Percebe-se durante a leitura deste artigo
Paulo Freire (1981) viu um estado quase teórico que a economia solidária também
inerte diante da negação da liberdade e nesse considera o indivíduo e suas peculiaridades
contexto de desigualdade social, ele usou do para que assim, como Paulo Freire (1981) diz,
mesmo contexto para transformar aquela o indivíduo possa tornar-se emancipado e dono
realidade. A educação e a alfabetização do de seu próprio ser. Essa consideração leva a
indivíduo fez-se por meio do contexto social pensar se é possível utilizar esses
daquelas pessoas, considerando o que está em pressupostos para a criação de um método
sua volta para que pudessem aprender a ler e crítico para uma implantação mais efetiva da
escrever e identificar através da escrita o que economia solidária tanto em projetos
está presente em sua casa, na sua rua, em seu acadêmicos quanto em projetos desenvolvidos
trabalho, enfim, no seu cotidiano. Freire (1981) por órgãos públicos.
quis trabalhar a realidade do povo e não Em suma, a educação crítica para adultos
simplesmente alfabetizar com palavras nos dizeres de Paulo Freire aproxima-se do que
aleatórias, com a educação bancária, como é proposto pelos projetos que abordam a
caracterizado por ele, palavras que talvez não economia solidária, desde a consideração do
façam parte do cotidiano daquele grupo e que indivíduo, até atingir as finalidades das
devido a isso haja uma dificuldade de diretrizes técnicas que uma associação ou uma

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alfabetização precisam para se consolidarem. integral para suas implantações, seus


Em ambos os contextos a educação faz-se percentuais de sucesso poderiam ser maiores.
necessária, e quando a educação torna-se um A proposta de uma reflexão sobre a
fator emancipatório, crítico e libertador o possibilidade de uma metodologia crítica social
processo tende a obter mais chances de para projetos de economia solidária busca o
sucesso e longevidade, porque vai contar com desenvolvimento tecnológico, econômico e
indivíduos pensantes e críticos, capazes de social. Além disso, poderá contribuir para a
transformarem a sua realidade e a realidade consolidação do campo das ciências sociais
das pessoas em volta. aplicadas como fértil para projetos de inovação
Tomando esses dizeres como ponto de tecnológica. Apesar de seus potenciais serem
partida para um possível desenvolvimento de imensos, poucas são as iniciativas do campo
uma metodologia social crítica, a seguinte nesta direção. Para a comunidade local, a
reflexão é deixada por este artigo teórico: “O implantação efetiva de projetos de economia
desenvolvimento de uma metodologia social solidária pode gerar melhorias nas condições
crítica para projetos de economia solidária com objetivas de vida, bem como desenvolvimento
base nos escritos de Paulo Freire, em especial de meios para o empoderamento político,
em sua obra “Ação cultural para a liberdade e social e econômico de seus públicos-alvo e
outros escritos” ajudaria na melhora da comunidade do entorno.
implantação de projetos de extensão e
REFERÊNCIAS
possibilitaria então, a criação de uma
ADAMS, T. et. al. Tecnologia social e economia
tecnologia social?”. solidária: desafios educativos. Revista Diálogo, n. 18,
p. 13 – 35. Jan./Jun. 2011.

CONSIDERAÇÕES FINAIS BAPTISTA, L. L.; FISCHER, R. M. Educação Popular e


Emancipação Humana no ambiente da Economia
Muitas são as iniciativas de extensão e de Solidária. XXXV Encontro da Anpad. Rio de janeiro, 4 a 7
de setembro de 2011.
pesquisa em comunidades com vulnerabilidade
socioeconômica realizadas por Instituições de CARVALHO, R. A. A. de; PIRES, S. D. Em busca de
novas solidariedades: os empreendimentos da
Ensino Superior. A economia solidária, economia social em questão. Soc. estado. v.16, n.1-2,
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presente nos projetos de extensão, torna-se um
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