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ANÁLISE DO DISCURSO
Prof Dra Fernanda Borges Ferreira de Araújo
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responsáveis pelas mais diversas desgraças nacionais. Pensar na figura materializada de
um vilão é fazer de sua ideologia uma arma que transforma homens comuns em deuses e
mitos, como nas histórias da Marvel ou da DC.
A propaganda do MEC é denominada "Enem 2020: o Brasil não pode parar!”. O
Governo Federal lançou diversas campanhas com essa frase, incentivando o retorno às
atividades. O pronunciamento do presidente minimizando o perigo do vírus é o mesmo
defendido pela ala ideológica. Olavo de Carvalho afirma que a letalidade do vírus é uma
invenção comunista. A afirmativa de que “o Brasil não pode parar”, mesmo que isso
implique na morte de milhões de pessoas, é o discurso de que a economia não pode parar.
A classe dominante precisa lucrar, independente do vírus.
Ao analisarmos a linguagem verbal do vídeo percebemos que ela é mecânica. Por
se tratar de um governo conservador, não existe o uso de expressões e gírias comuns na
linguagem de adolescentes e jovens. Apesar da linguagem ser de fácil acesso, ela não
dialoga com o público alvo. Assim, temos uma reprodução da fala do Eu Comunicante
(EUc) que é o MEC, sendo interpretado pelo Eu Enunciador (EUe) que são os atores.
No decorrer da propaganda, algumas frases são ditas com a intenção de persuadir
o Tu destinatário (TUd), que são os indivíduos que prestarão o exame. No início do vídeo,
o jovem lança o seguinte questionamento: “Se uma geração de novos profissionais fosse
perdida, médicos, enfermeiros, engenheiros, professores. Seria o melhor para o nosso
país?”. Assim, podemos perceber que o mercado capitalista e as ideologias neoliberais
querem construir um modelo de educação que funcione apenas como uma ponte para o
mercado de trabalho. Tal objetivo, ignora a verdadeira função da educação, que é a
libertação e autonomia do educando.
No vídeo, uma jovem ao lado de um notebook, diz “ por isso eu quero fazer o
ENEM esse ano, para entrar em uma universidade”. A jovem que pronuncia esse texto é
branca. Ela aparece em um ambiente confortável, bem iluminado, com caderno, canetas
coloridas e internet. O ENEM é a porta de acesso ao ensino público federal, a única
oportunidade que alunos de baixa renda possuem. Ao utilizar o pronome “eu”, ela está se
referindo aos jovens de classe média, que possuem condições para estudar em casa. Então,
ela ordena: “estude, de qualquer lugar, de diferentes formas, pelos livros, pela internet,
com a ajuda a distância dos professores”. Ao utilizar o verbo no imperativo, ela está
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ordenando algo e transferindo para o estudante a responsabilidade de ser aprovado no
exame. O atual governo tem características autoritárias, por isso o roteiro da propaganda
é dotado de imposições, além de possuir uma mensagem que preza pela meritocracia.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada
quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet, representando cerca de 46 milhões de
brasileiros sem acesso à rede. Além dos problemas de ordem social, temos os problemas
psicológicos gerados pelo medo da pandemia, como ansiedade e depressão. O luto
também é um dos males vivenciados por várias famílias que lidam com a dor da perda.
Muitos estudantes que prestariam o ENEM esse ano perderam os pais, os amigos, os avós.
Ao analisarmos o vídeo percebemos a presença de bandeiras do Brasil em todas
as cenas. Os grupos bolsonaristas tomaram para eles algo que é símbolo da pátria e não
de uma esfera política. Assim, temos a seguinte narrativa: ou você concorda com a
ideologia do presidente, ou você é inimigo do Brasil. Em outras palavras, nos tempos
atuais, não basta você se enquadrar no espectro político à direita, você precisar idolatrar
o Bolsonaro. Caso contrário, você será chamado de “comunista”, como ocorreu com os
ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta e o ex-ministro da justiça Sergio Moro.
Será que o mito teria se tornado um símbolo? Bolsonaro acima de tudo e todos?
No canal do MEC, o vídeo recebeu 4 mil likes e 28 mil dislikes, além de vários
comentários negativos. Muitos internautas manifestaram sua opinião através dos memes.
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O meme da figura 1 e 2 demonstra como a decisão de não adiar a prova é elitista,
pois não dialoga com a realidade social do Brasil. Uma usuária do Twitter resolveu fazer
uma paródia demonstrando de forma sarcástica seu ponto de vista sobre a situação. Com
doses de realidade e humor a jovem, Victória Pannunzio, critica Bolsonaro. Utilizando
uma linguagem coloquial e com gírias, ela alerta que muitos estudantes não possuem
condições econômicas e psicológicas para manter os estudos durante a pandemia.
Ela começa o vídeo dizendo “ e se várias gerações morressem por conta do vírus,
e daí? ” O termo “e daí” é utilizado para expressar indiferença. A expressão usada pela
jovem, nos remete a uma entrevista em que a jornalista questionou o presidente sobre o
Brasil ter ultrapassado o número de mortos da China por covid-19. O presidente
respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço
milagre".
Na propaganda oficial do MEC o jovem diz: "A vida não pode parar, é preciso ir
à luta e se reinventar. (...) Dias melhores virão". Na paródia, Victória ironiza: "As mortes
não vão parar, é preciso ir à luta, se reinventar. Dias piores virão”. Ela também aparece
no vídeo vestida com a camisa da seleção brasileira, zombando da militância bolsonarista.
Por fim, podemos perceber que Bolsonaro não fala para todos os brasileiros. Ele se
direciona para seu eleitorado, que defende tudo que ele diz. Anulando, inclusive, o bem
comum.
REFERÊNCIAS
LIMA, Eudes. “E daí? Eu sou Messias,mas não faço milagres”. Istoé, 2020. Disponível em:
https://istoe.com.br/e-dai-eu-sou-messiasmas-nao-faco-milagres/. Acesso em: 02 de julho de 2020.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 15 ed. São Paulo: Contexto, 2014.
MACIEL, Rui. 25% dos brasileiros não têm acesso à internet, aponta pesquisa. Canaltech,2020.
Disponível em: https://canaltech.com.br/internet/25-dos-brasileiros-nao-tem-acesso-a-internet-aponta-
pesquisa-164107/. Acesso em: 02 de julho de 2020.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 3ª ed. Tradução Eni
Orlandi et alli. Campinas: EDUNICAMP, 1997.