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Conselho editorial
Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar (UFG)
Amado Batista Mainegra (Universidad de La Habana)
Artemisia Caldas (UFPI)
Cândido Oliveira Martins (UCP – Lisboa)
Carla Conti de Freitas (UEG)
Carlos Cardoso Silva (UFG)
Daniela Costa Lima (UFG)
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Denise Silva Araújo (UFG)
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Eleno Marques de Araujo (UNIFIMES)
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Marlene Barbosa de Freitas Reis (UEG)
Odette Gonzalez Aportela (Universidad de La Habana)
Rafael Castro Rabelo (IFG)
Rodrigo Bombonati de Souza Moraes (UFG)
Shirleide Silva Cruz (UnB)
Yara Fonseca de Oliveira e Silva (UEG)
Andréa Kochhann
[ Organização ]

GOIÂNIA | 2019
Todos nós possuímos a razão, ou seja, essa
capacidade de bem julgar e de discernir o
verdadeiro do falso. Nem todos os homens,
porém, utilizam corretamente sua razão.

René Descartes
Dedicamos esta obra
a todos que dialogam
abertamente sobre a
educação e apresentam
caminhos percorridos no
sentido de pensar uma
educação emancipadora
que valoriza o ser humano.


© do texto: Autores, 2019


© da edição: Editora Scotti, Goiânia, 2019

Coordenação editorial: Luiz Carlos Scotti


Revisão: Michely Gomes Avelar
Projeto gráfico: Adriana da Costa Almeida

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP)


(Responsável: Filipe Reis)

E24 Educação : diálogos abertos e caminhos percorridos [recur-


so eletrônico] / Andréa Kochhann (Org.). – Goiânia :
Scotti, 2019.
230 p. ; 15,5x23 cm
ISBN: 978-65-81104-03-0 (E-book)

1. ducação. 2. Educação - Ensino. 3. Educação supe-


rior. I. Kochhann, Andréa.
CDU378

Direitos reservados à
EDITORA SCOTTI
Av. República do Líbano, nº 2311
CEP 74125-125 Goiânia-GO
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É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por


qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito dos autores e da edi-
tora. A exatidão das referências, a revisão gramatical e as ideias expressas e/ou
defendidas nos textos são de inteira responsabilidade dos autores.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2019


Sumário

Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1 Formação docente e currículo: um diálogo necessário
sobre o escrito e o praticado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Ândrea Carla Machado de Moraes
Andréa Kochhann
2 Teorias tradicionais, críticas e pós-críticas do currículo:
projeto educativo da escola e do professor . . . . . . . . . . . . . . 35
Renato Barros de Almeida
3 Relação entre universidade e escola: um diálogo
­ ecessário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
n
Alisson Silva da Costa
Nathália Barros Ramos
4 Prácticas integrales de extensión universitaria: r­ eflexiones
teóricas de una experiencia de formación en contexto. . . . 55
Amado Batista Mainegra
Odette González Aportela
5 Aspectos formativos de docentes que atuam nas insti-
tuições conveniadas de Educação Infantil do Distrito
­Federal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Dayse Kelly Barreiros de Oliveira
Ellen Michelle Barbosa de Moura
6 As dificuldades de aprendizagem, as crianças e as infân-
cias nas produções acadêmicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
Maria Goretti Quintiliano Carvalho
Eva Maria da Glória Gouveia
Maria Antônia Gomes da Conceição
Maria Sílvia Soares Cardoso
7 A medicalização da infância pela disfunção cere-
bral mínima e pelo transtorno do déficit de atenção e
­hiperatividade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Rodrigo Bombonati de Souza Moraes
8 Indisciplina nos espaços escolares: um estudo bibliográ-
fico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
Camilla Sousa Oliveira
Eleno Marques de Araujo
Wellington Jhonner D. Barbosa da Silva
9 Estágio supervisionado e a regência de licenciandos de
Matemática em Escola de Campo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Roseli Araújo Barros
Carlos Jose Trindade da Rocha
10 Identidade docente: análise dos relatórios de Estágio no
curso de Letras / UFT Porto Nacional. . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Karla Vitoriano e Silva Almeida
11 Valorização docente: elementos contidos no plano de car-
reira do magistério público do Distrito Federal. . . . . . . . . . 151
Frederico Guilherme Campos de França
Solange Cardoso
12 Um olhar docente sobre a educação em Saúde. . . . . . . . . . . 167
Ana Marlusia Alves Bomfim
Ana Raquel de Carvalho Mourão
13 A perspectiva descartiana e a pesquisa em educação: diá-
logos iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Carlos Cardoso Silva
14 As tecnologias de gestão utilizadas no curso de Adminis-
tração da Fabec Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
Rafael Castro Rabelo
15 Violência psicológica doméstica: em público para vários
públicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
Simone Leão Lima Pieruccetti

Sobre a organizadora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223


Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225


Prefácio

O
livro Educação: diálogos abertos e caminhos percorridos chegou
a mim com um pedido muito especial para prefaciá-lo. O título
me remeteu a um apelo do Papa Francisco de que “apenas os
que dialogam podem construir pontes e vínculos” e a um engajamento
da organizadora da obra para que os seus conhecimentos e de seus cole-
gas pudessem ser materializados em um livro.
Escrever ou organizar um livro como este que agrega estudos
sobre os diferentes níveis da educação e como eles se articulam é de
fato um ato de resistência e de coragem. É colocar-se aberto ao diálogo
a partir do caminho já percorrido para que novas possibilidades sejam
vislumbradas nesta estação de fortes ventos e áridas paisagens.
No percurso realizado no decorrer da leitura de cada capítulo,
não pude deixar de ler a realidade a qual os autores estão hoje imbri-
cados: cenário de incerteza e de luta para a manutenção ou criação de
direitos à educação sejam eles no acesso ou na permanência do cidadão
desde a primeira infância até a vida adulta, perpassando por discussões
sobre a formação de professores, currículo, violência, entre outros.
Ao passar cada página, me deparei com a esperança, no sentido
freiriano, que cada autor, ao compartilhar o conhecimento advindo de
suas pesquisas e de seus estudos, expressa como condição para uma
nova realidade. Fica o convite à leitura!
Carla Conti de Freitas – Doutora em Políticas Públicas/UFRJ

13
Apresentação

O
livro “Educação: diálogos abertos e caminhos percorridos”
contempla quinze textos que se articulam direta ou indire-
tamente por abordarem temáticas da educação no sentido de
possibilitar diálogos abertos e, de certo modo, apresentar caminhos
percorridos, seja no tocante à formação docente, identidade docente,
valorização e carreira docente, currículo, didática, infância, tecnologias
ou violência, tanto na Educação Básica como Ensino Superior.
O texto de autoria de Ândrea Carla Machado de Moraes e
Andréa Kochhann, intitulado “Formação docente e currículo: um
diálogo necessário sobre o escrito e o praticado”, partiu de estudos no
GEFOPI – Grupo de Estudos em Formação de Professores e Interdisci-
plinaridade e dos mestrados em educação das autoras, que abrangeram
as temáticas currículo e formação docente. Dessa forma, o texto se con-
figura por um recorte de uma das dissertações e objetiva discutir sobre
a influência do currículo escrito e praticado na formação docente, se
alicerçando em Apple, Pacheco, Goodson, Sacristán, Saviani e outros.
É importante entender o currículo da instituição para analisar a identi-
dade docente, que almeja formar. Um currículo escrito ao ser efetivado
delineia a formação inicial docente.
O texto de autoria de Renato Barros de Almeida, intitulado
“Teorias tradicionais, críticas e pós-críticas do currículo: projeto
educativo da escola e do professor”, é resultado de um estudo tendo
como temática a discussão do projeto educativo de escola e do pro-

15
Educação: diálogos abertos e caminhos percorridos

fessor a partir das teorias de currículo. O objetivo foi compreender o


projeto educativo e suas relações na escola e com os professores a par-
tir da compreensão das discussões teóricas tradicionais, críticas e pós
críticas de currículo. O autor buscou esclarecer qual a relevância dos
estudos das teorias de currículo e a atuação dos professores e da escola
frente a um projeto educativo na realidade material concreta existente
no mundo atual. O autor apresenta o currículo como o(s) caminho(os)
para a materialidade da proposição de função educacional das institui-
ções de ensino. Para encerrar as reflexões teste trabalho, aborda-se o
currículo e suas teorias como projeto educativo da escola e do professor.
O texto de autoria de Alisson Silva da Costa e Nathália Barros
Ramos, intitulado “Relação entre universidade e escola: um diálogo
necessário”, parte da análise das propostas dos programas voltados
para a formação de professores e a extensão universitária, visualizando
a relação entre Universidade e escola, a partir dos programas e ações de
extensão universitária como possibilidades norteadoras dessa interlo-
cução. Os autores têm como metodologia a análise documental, sendo
os documentos fontes a LDBEN 9.394/96, a Resolução CNE/CP 2/2002,
documento final do XI Encontro Nacional da ANFOPE em 2002, aPor-
taria Normativa Nº 38, de 2007 que dispõe sobre o Programa de Bolsa
Institucional de Iniciação à Docência – PIBID, o documento final da
Conferência Nacional de Educação (Conae) e a Portaria n° 38 de 2018
que dispõe sobre o Programa de Residência Pedagógica.
O texto de Amado Batista Mainegra e Odette González Aportela,
intitulado “Prácticas integrales de extensión universitaria: reflexio-
nes teóricas de una experiencia de formación en contexto”, discute
que as Instituições de Educação Superior enfrentam continuamente o
processo de aperfeiçoamento dos processos e apresentam que a pro-
posição da reflexão teórica do texto é no tocante às funções integrais
de extensão universitária como uma experiência de formação em con-
texto. Os autores chamam a atenção para a formação de seus alunos, no
sentido das habilidades e conotações teóricas que representam a capaci-
dade de identificar novos problemas, assim como contribuir para uma
formação integral, educação para a cidadanía e formação ética.
O texto de autoria de Dayse Kelly Barreiros de Oliveira e Ellen
Michelle Barbosa de Moura, intitulado “Aspectos formativos de
docentes que atuam nas instituições conveniadas de educação infan-
til do Distrito Federal”, tem como objetivo compreender a concepção
dos professores, que atuam nas instituições conveniadas da Educa-

16
Apresentação

ção Infantil da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal


(SEEDF), sobre sua formação inicial e continuada. O referencial teó-
rico que os autores abordam as questões relativas à Educação Infantil,
formação inicial e continuada, bem como documentos da SEEDF, per-
meada por análise documental, questionário e entrevista. Para os auto-
res a formação, tanto inicial quanto continuada, é considerada essencial
por esses sujeitos, contudo, questionam a efetividade da formação em
relação à atuação profissional, demonstrando a necessidade de criar
espaços de interlocução entre a academia e as escolas para tornar os
cursos de formação mais efetivos.
O texto de autoria de Maria Goretti Quintiliano Carvalho, Eva
Maria da Glória Gouveia, Maria Antônia Gomes da Conceição e Maria
Sílvia Soares Cardoso, intitulado “As dificuldades de aprendizagem,
as crianças e as infâncias nas produções acadêmicas”, prima por
evidenciar de que forma as crianças foram consideradas nas pesqui-
sas publicadas nos periódicos científicos avaliados pela Capes sobre as
dificuldades de aprendizagem. Os artigos foram selecionados por meio
dos descritores: dificuldades aprendizagem e fracasso escolar. Os traba-
lhos de Charlot (2000, 2001), Patto (1995), Kramer (2011) nortearam o
desenvolvimento da pesquisa. A partir dos dados coletados as autoras
afirmam que as metodologias que sustentam as pesquisas impedem que
a criança seja capaz de ser compreendida como autônoma, na medida
em que na maioria das vezes reportam a testes, direcionam a resposta a
ser dada pela criança, ou indicam a pessoas consideradas aptas a fala-
rem por elas.
O texto de autoria de Rodrigo Bombonati de Souza Moraes, inti-
tulado “A medicalização da infância pela disfunção cerebral mínima
e pelo transtorno do déficit de atenção e hiperatividade”, discute que
o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) nomeia o
comportamento considerado desatento e hiperativo, diagnosticado em
crianças em idade escolar. A Disfunção Cerebral Mínima (DCM) loca-
liza, no cérebro, a origem de comportamentos indesejados de crianças
em mesma idade. O autor compara essas modalidades de psiquiatriza-
ção do comportamento infantil, a partir de uma pesquisa bibliográfica
crítica e questiona a forma de entender o comportamento que, conside-
rado desviante da criança, se não for diagnosticada e tratada, suposta-
mente terá uma vida repleta de riscos, frustrações, fracassos, desajustes
sociais, em suma, de infelicidade.

17
Educação: diálogos abertos e caminhos percorridos

O texto de autoria de Camilla Sousa Oliveira, Eleno Marques de


Araujoe Wellington Jhonner D. Barbosa da Silva, intitulado “Indisci-
plina nos espaços escolares: um estudo bibliográfico”, é uma revi-
são bibliográfica e propicia reflexões sobre como ocorre o fenômeno
da indisciplina escolar, analisando as variáveis que também influen-
ciam a ocorrência do fato. A partir disso, os autores pontuam como a
falta de disciplina é capaz de prejudicar o processo de aprendizagem
significativa, juntamente com diversos autores que contribuem acerca
do tema, apresentando, assim, os vários desafios encontrados dentro
da sala de aula.
O texto de autoria de Roseli Araújo Barros e Carlos Jose Trin-
dade da Rocha, intitulado “Estágio supervisionado e a regência de
licenciandos de Matemática em Escola de Campo”, apresentadiscus-
sões sobre o Estágio Supervisionado para com a formação docente no
ensino de matemática, disponibilizando e incentivando a formação
continuada e os desafios contemporâneos dessa temática. Para os auto-
res, pela análise crítica do conteúdo, os resultados identificam que há na
proposta desenvolvida no Estágio no Curso de Matemática da Universi-
dade Estadual de Goiás – UEG um engajamento dos estagiários (LM1,
..., LM5) sobre a realidade escolar e prática de regência, possibilitando
a percepção de desafios existentes na carreira do magistério com refle-
xões maduras sobre a função social da profissão docente.
O texto de autoria de Karla Vitoriano e Silva Almeida, inti-
tulado “Identidade docente: análise dos Relatórios de Estágio no
curso de Letras/ UFT Porto Nacional”, primou por identificar a
identidade docente de professores de língua inglesa formados na UFT
(Universidade Federal do Tocantins) a partir dos Relatórios de Estágio
Supervisionado I e IV, tendo como referencial teórico Bakhtin (2010),
Fairclough (2016), Foucault (2008), Moita Lopes (2002), Resende e
Ramalho (2011), entre outros. A metodologia consistiu em pesquisa
bibliográfica e análise documental. A autora considerou para Análise
do Discurso o ethos enquanto categoria que permite observar a sub-
jetividade do indivíduo, na construção do “eu” nos diferentes gêneros
discursivos através da intertextualidade.
O texto de autoria de Frederico Guilherme Campos de França e
Solange Cardoso, intitulado “Valorização docente: elementos conti-
dos no plano de carreira do magistério público do Distrito Federal”,
tem como objetivo apresentar alguns elementos constitutivos da car-
reira dos professores da rede pública do Distrito Federal contidos no

18
Apresentação

plano de carreira da categoria e analisar os significados deles para os


docentes. Os autores compararam o piso salarial profissional nacional
para os profissionais do magistério público da educação básica concre-
tizado em 16 de julho de 2008 quando foi sancionada a Lei n° 11.738,
com o salário mínimo e com os salários praticados pelo Governo do
Distrito Federal aos seus professores, podemos notar a desvalorização
da carreira sob esse ponto de vista. No texto são elencados uma série de
benefícios e vantagens contidas no salário e carreira dos professores da
capital federal, podemos perceber que a carreira docente pode alcançar
melhorias através de outros incentivos agregados.
O texto de autoria de Ana Marlusia Alves Bomfim e Ana Raquel
de Carvalho Mourão, intitulado “Um olhar docente sobre a educa-
ção em Saúde”, é uma revisão bibliográfica dirigida a estudos publi-
cados, sobre a educação em saúde na visão docente, acerca da saúde
coletiva. Para os autores as atividades de Educação em Saúde são
desenvolvidas utilizando o conhecimento científico gerado no âmbito
da saúde, visando à prevenção das doenças e promoção da saúde,
sendo importante agregar ao processo o diálogo, escuta qualificada
e o conhecimento da população. Defendem que a prática educativa
deve favorecer a construção do conhecimento, referente ao processo
saúde-doença, que permita modificar e sensibilizar a novos hábitos e
estilo de vida, contribuir para que o sujeito tome consciência de sua
necessidade e torne-se copartícipe, em busca de soluções para os seus
problemas de saúde.
O texto de autoria de Carlos Cardoso Silva, intitulado “A pers-
pectiva descartiana e a pesquisa em educação: diálogos iniciais”,
prima por discutir a influência do racionalismo na pesquisa em educa-
ção, assumindo como eixo principal a visão de René Descartes a par-
tir do texto Discurso sobre o Método. O autor aborda as articulações
entre o racionalismo e a educação, tentando compreender a concepção
racionalista e trabalhando a articulação com a pesquisa em educação.
Para o autor a compreensão do processo que constitui a racionalidade
moderna exige, obrigatoriamente, o exame das estruturas epistemoló-
gicas que fundamentam a articulação interna dos princípios relativos
ao conhecimento e à razão a partir do século XVII.
O texto de autoria de Rafael Castro Rabelo, intitulado “As tecno-
logias de gestão utilizadas no curso de Administração da Fabec Bra-
sil”, parte do pressuposto de que a tecnologia da informação e comu-
nicação – TIC – está inserida em todos os conhecimentos e práticas da

19
Educação: diálogos abertos e caminhos percorridos

atividade humana. A questão que norteou a pesquisa foi “Quais as tec-


nologias de gestão são utilizadas no curso de Administração da Facul-
dade Brasileira de Educação e Cultura– Fabec Brasil?”e para tal o autor
optou pelo estudo de caso, tendo como objetivo descrever a gênese da
tecnologia da informação como campo de conhecimento e de práticas
voltadas para o curso de Administração da Fabec Brasil.
O texto de autoria de Simone Leão Lima Pieruccetti, intitulado
“Violência psicológica doméstica: em público para vários públi-
cos”propõe uma reflexão acerca da violência psicológica doméstica e
seus reflexos que produzem marcas profundas nos indivíduos envol-
vidos. Para a autora a violência psicológica doméstica, vivenciada por
breves ou longos períodos repercutem de muitas maneiras e de forma
insuportável por quem as vive, ocasionando danos possivelmente irre-
paráveis e que podem ser sentidos, revividos e em alguns casos repeti-
dos por toda uma vida, num ciclo imprevisível de reações e comporta-
mentos incompreensíveis que por vezes encobrem outras violências e
que de alguma maneira se relacionam também com a educação.
O livro “Educação: diálogos abertos e caminhos percorridos”na
nossa concepção apresenta discussões variadas e situações investigadas
que podem contribuir para a compreensão do processo educacional.
Ao organizarmos esse livro intentamos que os leitores se deleitem com
os textos e que os mesmos possibilitem iniciar diálogos abertos com
seus pares e socializarem os caminhos percorridos e trilharem novos
caminhos e diálogos.

Andréa Kochhann
(Organizadora)

20
1
Formação docente e currículo:
um diálogo necessário sobre o escrito
e o praticado
Ândrea Carla Machado de Moraes
Andréa Kochhann

E
ste texto parte de reflexões de estudos no GEFOPI – Grupo de
Estudos em Formação de Professores e Interdisciplinaridade e
dos mestrados em educação das autoras, que investigaram os
currículos do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás,
focando principalmente nos currículos de 2004 e 2009. Contudo, se
depararam com a problemática de compreenderem as questões concei-
tuais para depois debruçarem nas análises dos documentos. Com esse
pano de fundo o presente texto se apresenta, enquanto um recorte de
uma das dissertações e objetiva discutir sobre a influência do currículo
escrito e praticado na formação docente. A base teórica da discussão
está em Apple, Pacheco, Goodson, Sacristán, Saviani e outros.
É importante entender o currículo da instituição para analisar
a identidade docente que almeja formar. Um currículo escrito ao ser
efetivado delineia a formação inicial docente. Considerando a base
teórica, o currículo é uma construção social, imerso em uma cultura,
que se apresenta vivo e em constante transformação, sem neutralidade
de expressão porque é elaborado pelos pares da instituição que muitas
vezes o escrevem para ser um mero documento que atende as exigên-
cias formais, mas não exercitam o que foi escrito.

21
Ândrea Carla Machado de Moraes / Andréa Kochhann

Formação docente e currículo: concepções escritas a serem


compreendidas

Foi somente após 1980 que a vertente marxista da Pedagogia


histórico-crítica ganhou espaço no Brasil, analisando o currículo no
campo sociológico. O currículo até esse período era analisado pelo viés
da psicologia. Seja pelo viés da psicologia ou da sociologia, o currículo
precisa ser compreendido.
Pela tendência histórico-crítica, enquanto linha de formação,
Saviani (2008d, p. 93) afirma que o trabalho pedagógico deve “[...] com-
preender a educação no seu desenvolvimento histórico-objetivo e, por
consequência, a possibilidade de se articular uma proposta pedagógica
cujo ponto de referência, cujo compromisso, seja a transformação da
sociedade e não sua manutenção, a sua perpetuação [...]”. Esse trabalho
pedagógico pode ser associado ao conceito de docência que a Resolução
CNE/CP n. 01/2006 apresenta e denota que o currículo deve ser escrito
com a finalidade maior de transformar a sociedade, por meio dos que
se formam por esse currículo.
A tendência histórico-crítica representa a construção de um
currículo pautado em um trabalho pedagógico que possibilita a
humanização e a emancipação, por meio da prática docente, que
surge com Saviani (2008a) e sendo uma tendência pedagógica contra
-hegemônica. Passos (2011, p. 68) apresenta que é a
prática docente que permite ao professor evidenciar o necessário
enfrentamento das contradições que vise à emancipação teórica,
prática e política do profissional docente e sentir-se pertencente à
educação como integrante de um projeto coletivo.

Nesse cenário, a prática docente tem estreitas relações com o


processo formativo. Quanto a isso, Passos (2011, p. 70) defende que
O professor, em seu processo formativo, ver-se-ia pertencente à
educação como sujeito integrante de um projeto coletivo visando ao
objetivo comum que é a educação como estratégia de formação para
promover a cultura, entendendo-se esta como uma visão de mundo, de
sociedade, de educação e de homem, pautada na ética, na emancipação
e na humanização.

Por isso, para Apple (2002, p. 59), “o currículo nunca é apenas


um conjunto neutro de conhecimentos [...]. Ele é sempre parte de uma
tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum
grupo acerca do que seja conhecimento legítimo”. Grupo esse que, caso

22
FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO

tenha bases teóricas e práticas de caráter emancipador, consequente-


mente o currículo será voltado para a emancipação humana, mas caso
esse grupo tenha caráter meramente reprodutivista, o currículo estará
voltado para a formação reprodutivista.
Goodson (2013, p. 7) corrobora Apple (2002) quando afirma que
o currículo está em constante transformação, visto que “o currículo tal
como o conhecemos atualmente não foi estabelecido, de uma vez por
todas, em algum ponto privilegiado do passado. Ele está em constante
fluxo e transformação”. Isso denota que um currículo poderia ter sido
de caráter reprodutivista e com as transformações se tornar emancipa-
dor e vice e versa, pois, quem elabora o currículo são pessoas inseridas
em dado contexto histórico.
Enquanto cidadãos, de uma sociedade capitalista, alega-se que
essa tradição seletiva, na maioria das vezes, acontece priorizando a
formação de mão-de-obra qualificada para atendimento ao mercado
de trabalho, deixando de lado a questão da humanização e emanci-
pação humana. Sobre isso Saviani (2008a, p. 113) apresenta que “A
educação passa a ser entendida como um investimento em capital
humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos
empregos disponíveis”.
Goodson (2013, p. 62) defende a ideia de que “[...] geralmente o
currículo é produzido pelos professores nas ‘diferentes circunstâncias
em que se encontram”. Isto é, a cada transformação advinda da socie-
dade o currículo poderá sofrer alterações em suas determinações, pois
o mesmo é flexível e precisa ser transformado quanto for preciso. Por
isso, Saviani (2008a,b,c,d) apresenta a necessidade de uma concepção
de prática pedagógica histórico-crítica, que subsidiaria os currículos.
Nesse sentido, Apple (1982) apresenta que as escolas, bem como
as universidades, preservem e distribuam não apenas a propriedade
econômica, isto é, a mão de obra, mas também a propriedade simbólica,
isto é, o capital cultural. Isso demonstra a importância da instituição
formadora. Essa é organizada e regida pelo currículo formativo. Apple
(1982, p. 9) nos alerta para o fato de que a educação
[...] não é um empreendimento neutro, [...]. Pela própria natureza da
instituição, o educador está implicado, de modo consciente ou não, num
ato político [...], os educadores não poderiam separar completamente
sua atividade educacional dos programas institucionais de tendências
diversas e das formas de consciência que dominam economias
industrialmente desenvolvidas como a nossa.

23
Ândrea Carla Machado de Moraes / Andréa Kochhann

Por este motivo, a formação inicial, muitas vezes, centra-se muito


mais no trabalho codificado, uma vez que este é passível de controle.
Isso é caracterizado por um currículo ao qual Apple (1982) denomina
de modelo de desempenho acadêmico, cuja meta social é a maximiza-
ção da produtividade acadêmica. A formação para a docência é conce-
bida a partir de uma racionalidade técnica, desviando-se de sua dimen-
são humanística em função da dificuldade em avaliar e controlar um
trabalho em que uma das dimensões é flexível.
A redefinição de educador proposto por Apple (1982, p. 42), na
década de 1980, ainda compete em nossos tempos, “[...] redefinição que
não se baseia nas compreensões originadas do papel do indivíduo abs-
trato, mas que está fundada na definição de um intelectual orgânico
cujo entendimento e ação estão unidos pelo compromisso ativo contra
a hegemonia”. Nesse cenário encontra-se o currículo formativo. As ins-
tituições escolares trabalham conforme o seu currículo. Este é elabo-
rado pelos pares da instituição. Esses pares são seres políticos, sociais
e econômicos.
No mesmo viés de análise, Pacheco (1996, p. 19) observa que “o
currículo é uma construção permanente de práticas, com um signifi-
cado marcadamente cultural e social, e um instrumento obrigatório
para a análise e melhoria das decisões educativas”. Na visão do autor o
currículo formativo se efetiva por meio de suas práticas e que, devem
ser interativas. Isso significa que existe o currículo formativo escrito
ou oficial e o currículo formativo praticado ou real. Para Pacheco
(1996, p. 20)
O currículo, embora apesar das diferentes perspectivas e dos diversos
dualismos, define se como um projeto, cujo processo de construção e
desenvolvimento é interactivo, que implica unidade, continuidade e
interdependência entre o que se decide ao nível do plano normativo,
ou oficial, e ao nível do plano real, ou do processo de ensino-
aprendizagem. Mais ainda, o currículo é uma prática pedagógica que
resulta da interacção e confluência de várias estruturas (políticas,
administrativas, econômicas culturais, sociais, escolares...) na
base das quais existem interesses concretos e responsabilidades
compartilhadas.

Seja escrito ou praticado, Pacheco (1996, p. 57) concorda com


Apple (1982) de que a construção do currículo requer profissionais
capacitados e preparados, pois “[...] enquanto projecto cultural, social e
político, o currículo só pode ser construído na base de ideologias ou de
sistemas de ideias, valores, atitudes, crenças, tudo isto partilhado por
um grupo de pessoas com um peso significativo na sua elaboração”.

24
FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO

Goodson (2013, p. 83) afirma que “o currículo é confessada e manifes-


tamente uma construção social”.
A concepção de um grupo capacitado para a elaboração do currí-
culo é importante porque as interferências ideológicas, políticas, sociais,
econômicas, culturais, religiosas e outras estarão presentes. Isso porque
os homens são seres políticos. Isso porque o currículo é político. O ser é
político porque é social. Portanto, para Pacheco (1990, p. 52) “o sistema
educativo é um subsistema do sistema social”.
Assim como o sistema social se transforma, o sistema edu-
cativo também se transforma. Como já afirmou Goodson (2013), o
currículo é vivo e pode ser transformado. Isso dependerá do sistema
social em vigor. Corroborando Pacheco (1996), Sacristán (2008, p.
21) apresenta que,
[...] entender o currículo num sistema educativo requer prestar atenção
às práticas políticas e administrativas que se expressam em seu
desenvolvimento, às condições estruturais, organizativas, materiais,
dotação de professorado, à bagagem de idéias e significado que lhe dão
forma e que o modelam em sucessivos passos de transformação.

Com esse pano de fundo, Pacheco (1996) diz que o currículo se


expressa por três vertentes: técnica, prática e crítica. Dependendo do
grupo elaborador do currículo, este apresentará características mais
técnicas ou mais práticas ou mais críticas. Essas características presen-
tes no currículo escrito, serão efetivadas e assim, marcarão a formação
da identidade do profissional.
A vertente técnica que pode compor o currículo é tradicional, de
visão bem burocrática, de caráter tecnicista. Por esta vertente, o currí-
culo se delineia com centralidade nos objetivos, valendo-se de práticas
tradicionais, das quais o professor assume o papel técnico objetivando,
segundo Pacheco (1996, p. 139) “transmitir conhecimentos a destinatá-
rios receptivos e reprodutores mecânicos com base na memorização”.
A vertente tecnicista, seja do currículo escrito ou do praticado,
surge como ideário nos anos 1970, na qual o professor é reprodutor de
conhecimentos, o que, segundo Krahe (2009, p. 104), “a perspectiva da
racionalidade técnica [...] enfatiza a qualificação através do domínio da
especialidade, o que supõe aplicar com rigor os pressupostos advindos
dos avanços do conhecimento científico de cada área específica de for-
mação acrescidos aos do conhecimento pedagógico”.

25
Ândrea Carla Machado de Moraes / Andréa Kochhann

Essa vertente técnica, limitadora do trabalho docente, é reflexo


do modo de organização social e produtiva tecnicista, em âmbito do
taylorismo-fordista, na qual interferiu o modo de gerir e gestar o tra-
balho nas instituições educativas, determinado por uma modalidade
peculiar de divisão social e técnica do trabalho baseado na fragmen-
tação. Contudo, para Tardif e Lessard (2009, p. 82), essa “divisão do
trabalho com especialização das tarefas e sua coordenação levaram o
aumento da eficiência, não apenas do setor industrial, mas também
das instituições de serviço público destinadas a atender as necessida-
des humanas”.
A terceira vertente é a crítica, de visão emancipadora do currí-
culo e do sujeito. Por esta vertente, o currículo se delineia com centra-
lidade na situação social, valendo-se de análises críticas da sociedade
para a tomada de decisão pois, segundo Pacheco (1996, p. 141), o cur-
rículo é uma “[...] construção emancipatória, assumida pelo coletivo.”.
Concordando com Pacheco (1996), Silva (2015, p. 16) escreve
que “as teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: ‘teorias’ neutras,
científicas, desinteressadas. As teorias críticas [...] argumentam que
nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que está,
inevitavelmente, implicada em relação de poder.”.
Nesse viés, para Silva (2015, p. 16), “[...] o currículo é também
uma questão de poder e que as teorias do currículo, na medida em
que buscam dizer que o currículo deve ser não podem deixar de estar
envolvidas em questões de poder”. Por isso, Silva (2015) defende que a
vertente tradicional é meramente teoria e técnica, enquanto que a ver-
tente crítica se desenvolve pela práxis, cientificidade, e flexibilidade,
vislumbrando a formação de homens emancipados e com autonomia.
Para Souza e Guimarães (2011, p. 37), os currículos das univer-
sidades devem se organizar de maneira que permitam a construção
do conhecimento, da emancipação, da crítica e da autonomia pois,
“para tentar desenvolver a ideia de autonomia em nossos cursos temos
nos preocupado em desenvolver operações cognitivas tais como con-
textualizar, selecionar, organizar, classificar, interpretar, trocar, dia-
logar e se engajar.”. Por isso, a elaboração de um currículo se torna
importante e quem elabora ou constrói o currículo deveria ter esses
princípios pedagógicos.
Pacheco (1996, p. 43) esclarece que “[...] partindo-se de uma acep-
ção de currículo como projecto em (des)construção, é, assim, possível

26
FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO

encontrar os critérios para a fundamentação do campo de estudos da


realidade curricular ou do seu terreno epistemológico”. Esse projeto em
(des)construção é escrito por um grupo de professores que representam
o todo ou aqueles que se disponibilizam a escrevê-lo. Os quais podem
ter uma concepção de currículo técnico, prático ou crítico.
Para Souza e Guimarães (2011, p. 38), “[...] não se pode haver
autonomia sem o desenvolvimento do pensamento crítico, sem que o
estudante aprenda a ir além das aparências”. Esse dado é importante,
pois a concepção desses professores autores, bem como a concepção
pedagógica da prática docente, estará presente na escrita do currículo,
o que influencia na formação do aluno.
Se todos, ou a maioria, forem adeptos da vertente técnica, a
escrita do currículo será tradicional e centrado nos objetivos. Mas, se
a todos ou a maioria forem adeptos da tendência crítica, a escrita do
currículo será crítico e emancipador. Quanto a isso, Silva (2015, p. 15)
assinala que “o currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um
universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela
parte que vai constituir, precisamente, o currículo”. A elaboração de
um currículo influencia na formação inicial da identidade do docente
pois, ao passo que o currículo é praticado durante os anos de gradua-
ção, a identidade vai se delineando.
Goodson (2013, p. 27) diz que “[...] a elaboração de currículo pode
ser considerada um processo pelo qual se inventa tradição. [...] A ques-
tão, no entanto, é que o currículo escrito é exemplo perfeito de invenção
de tradição.”. Ou seja, se o currículo for pensado e escrito por pessoas
que possuem caráter emancipador e crítico, certamente esse currículo
terá essas características, porém se pensado por pessoas tradicionalis-
tas, a característica do mesmo será tradicional. Por isso, o currículo é
um elemento relevante na formação inicial da identidade docente.
Também as concepções dos professores estão diretamente rela-
cionadas à cultura ou sociedade em que estão inseridos. Na visão de
Sacristán (2008, p. 22), “as forças políticas e econômicas desenvolvem
pressões que recaem na configuração dos currículos, em seus conteú-
dos e nos métodos de desenvolvê-los”.
Para Sacristán (2008, p. 34), “[...] o currículo como o projeto sele-
tivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicio-
nado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro
das condições da escola tal como se acha configurada” (grifos do autor).

27
Ândrea Carla Machado de Moraes / Andréa Kochhann

Ainda, segundo Sacristán (2008), o currículo é uma construção cultu-


ral e, para Goodson (2013), é uma construção social. De fato, o social e o
cultural estão imbricados nos sujeitos, que também são políticos. Con-
forme Goodson (2013, p. 10), “uma história do currículo tem que ser
uma história social do currículo, centrada numa epistemologia social
do conhecimento escolar, preocupada com os determinantes sociais e
políticos do conhecimento educacionalmente organizado.”.
O percebido é que os autores comungam que o currículo é ela-
borado por sujeitos com influência da cultura, composta de questões
sociais, políticas, econômicas, religiosas, entre outras. Com esse pano
de fundo, se os rumos da educação brasileira necessitam de mudan-
ças, é importante analisar os currículos das instituições, sejam na
Educação Básica ou no Ensino Superior pois, as mudanças educacio-
nais devem ser iniciadas com as mudanças curriculares. Para Sacris-
tán (2008, p. 32),
O currículo, com tudo o que implica quanto a seus conteúdos e
formas de desenvolvê-los, é o ponto central de referência na melhora
da qualidade do ensino, na mudança das condições de prática, no
aperfeiçoamento dos professores, na renovação da instituição escolar
em geral e nos projetos de inovação dos centros escolares.

Um olhar necessário para uma discussão nesse âmbito é sobre a


concepção do currículo escrito ou prescrito. O currículo escrito pode
inclusive ser elaborado por especialistas e não pelo grupo educacional.
Essa questão pode apresentar vários problemas. Um deles é que o espe-
cialista pode não conhecer a realidade da instituição, dos professores e
dos alunos. Pode também seguir uma linha epistemológica e a institui-
ção outra linha.
Por isso, os autores supracitados afirmam que a elaboração do
currículo, deve ser feita pela equipe que irá efetivá-lo. O currículo
escrito deve ser praticado. Goodson (2013, p. 21) salienta que,
O currículo escrito não passa de um testemunho visível, público
e sujeito a mudanças, uma lógica que se escolhe para, mediante sua
retórica, legitimar uma escolarização. Como tal, o currículo escrito
promulga e justifica determinadas intenções básicas de escolarização, à
medida que vão sendo operacionalizadas em estruturas e instituições.
[...] Em síntese, o currículo escrito nos proporciona um testemunho,
uma fonte documental, um mapa de terreno sujeito a modificações;
constitui também um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura
institucionalizada da escolarização.

28
FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO

É possível, por meio dos escritos de Goodson (2013), dizer que


o currículo é um testemunho diário da realidade das pessoas que nele
pensaram. O mesmo tem a intenção e objetivação de promulgar e
determinar as intenções que são básicas do meio escolar. É preciso que
o currículo seja planejado, concebido e visto enquanto uma produção
social que privilegie a comunidade escolar para qual está sendo escrito.
Para entender o currículo enquanto um terreno passível de
mudanças, pelo qual os sujeitos pensarão e atuarão com base no que foi
escrito, é necessário praticar o que foi pensado e escrito para ser prati-
cado. O currículo escrito enquanto um documento público apresenta
as aspirações daquela equipe educacional, no que tange a formação da
identidade docente. Assim, espera-se que as aspirações saiam do papel.
Goodson (2013, p. 17) escreve que
[...] o conflito em torno do currículo escrito tem, ao mesmo tempo, um
‘significado simbólico’ e um significado prático, quando publicamente
indica quais aspirações e intenções devidamente inseridas nos critérios
do currículo escrito servem para a avaliação e análise pública de uma
escolarização. Neste sentido, portanto, são publicamente estabelecidas
‘normas básicas’ que avaliam a prática ou com ela se relacionam.

É preciso dizer que há uma diferença no que diz respeito ao


currículo escrito e o currículo que é praticado. Goodson (2013, p. 22)
afirma que, “[...] o currículo escrito é, num sentido real, irrelevante para
a prática, ou seja, que a dicotomia entre o currículo adotado por escrito
e o currículo ativo, tal como é vivenciado e posto em prática, é completa
e inevitável.”. Muitas podem ser as explicações para o currículo escrito
não ser praticado. Na visão de Goodson (2013, p. 22) existem várias
versões para a referida dicotomia,
Algumas versões da ‘teoria da conspiração’ assim argumentariam: uma
vez que a escolarização, particularmente a estatal, está intimamente
relacionada com a reprodução econômica e social e é compulsória e
carente de recursos, certos aspectos da prática e da vida em sala de
aula, embora inabordáveis, são praticamente inevitáveis (verdadeiro);
por conseguinte, a ‘retórica’ do currículo escrito é basicamente
irrelevante (não provado).

É preciso que as instituições (re) pensem o papel do currículo


escrito e os motivos para que o mesmo não esteja sendo colocado em
prática. Se as aspirações estão postas no currículo escrito e o mesmo
não é praticado, entende-se que as aspirações não estão sendo busca-
das e que a formação inicial da identidade docente será fragilizada ou
ambígua. Ainda conforme escritos de Goodson (2013, p. 24), “a questão
é que o potencial para uma estreita relação [...] entre teoria e prática ou

29
Ândrea Carla Machado de Moraes / Andréa Kochhann

entre currículo escrito e currículo ativo, depende da natureza da cons-


trução pré-ativa dos currículos [...] bem como da sua execução intera-
tiva em sala de aula”.
Quanto à construção pré-ativa dos currículos dependerá da con-
cepção de seus elaboradores. Por isso, a importância de que os autores
do currículo sejam os atores pois, praticar o que você construiu ou aspi-
rou ou escreveu, se torna mais fácil do que seguir rigidamente o que
outros construíram ou aspiraram ou escreveram.
Para compreendermos como um currículo se apresenta na escrita
e na prática é importante que compreendamos o contexto em que foi
escrito ou está sendo praticado. Goodson (2013, p. 63) ressalta que “pre-
cisamos começar por entender a forma como o currículo é atualmente
produzido e por que os assuntos operam deste e não de outro modo. Em
síntese, precisamos de uma teoria de contexto que justifique a ação.”.
Com base nesse contexto podemos entender a história do currículo,
pois, para Goodson (2013, p. 118):
A história do currículo procura explicar como as matérias escolares,
métodos e cursos de estudo constituíram um mecanismo para
designar e diferenciar estudantes. Ela oferece também uma pista para
analisar as relações complexas entre escola e sociedade, porque mostra
como escolas tanto refletem como refratam definições da sociedade
sobre o conhecimento culturalmente válido em formas que desafiam
os modelos simplistas da teoria de reprodução.

Um currículo elaborado com modelos simplistas da teoria de


reprodução, pode não atender as necessidades de sociedade que clama
por emancipação. Goodson (2013, p. 132) diz que ,“[...] por ora, o currí-
culo permanece um segredo tanto para os historiadores como para os
que estabelecem a política educacional”.
A análise de um currículo escrito e o corpo elaborador do mesmo
é o primeiro passo para se conhecer a tendência que se apresenta. Nesse
contexto é preciso analisar todos os projetos da instituição. Na concep-
ção de Machado (2013, p. 72), “o projeto de uma Universidade busca
intencionalmente uma direção que se desdobra em ações e que devem
estar previstos em seus documentos legais como, o PDI, o PPI e oPPC”.
Destaca-se que o PPC é o projeto mais próximo do chão da sala de
aula e processo de saber pensar e saber fazer. Assim, o projeto pedagó-
gico do curso de Pedagogia deve ter seu delineamento levando em con-
sideração que a educação é complexa, como apresenta Saviani (2009).
Nessa complexidade se encontra o sujeito a ser formado – o pedagogo e

30
FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO

o texto formador – o currículo. Quanto a isso Souza e Guimarães (2011,


p. 40) abordam que
Concebemos professores como sujeitos históricos, sensíveis, éticos,
críticos, criativos, e a sua formação como práxis, como transformação.
Como nos referimos, adotamos a ideia da docência como ação
complexa que exige dos docentes conhecimentos específicos, que se
relacionam a múltiplos saberes científicos, éticos, culturais.

Outra questão importante que deve ser prevista no currículo


escrito é quanto aos objetivos do curso e de cada disciplina que com-
põe a matriz curricular. Essa definição dos objetivos, segundo Saviani
(2009), norteará a elaboração dos demais itens como objetivos especí-
ficos, os conteúdos e as formas de trabalho. Esses elementos que com-
põe o currículo são importantes para a formação inicial da identidade
docente. Ainda, Souza e Guimarães (2011, p. 40) discutem nessa pers-
pectiva, sobre o currículo, alegando que
O projeto desenvolvido propõe a dialogicidade e a dialética como
essenciais ao processo formativo, implicando a construção de um
projeto pedagógico e político que se edifica na busca de propostas
transformadoras, inovadoras, criticas, emancipadoras para enfrentar
desafios da universidade no mundo supercomplexo[...].

A elaboração de um currículo com esta vertente possibilita a


formação inicial de uma identidade docente que venha a atuar em sua
profissão de forma que viabilize a emancipação e humanização dos
sujeitos. Por isso, Souza e Guimarães (2011, p. 40) complementam ao
dizer que “nesse sentido, o papel dos formadores de professores implica
construir-se e construir com os professores maneiras de ser e de atuar
humanizadoras, afetivas, éticas e solidárias”.
Por isso, para Saviani (2009), é necessário que a formação da(o)
pedagoga(o) seja de fundamentação teórica consistente, que perceba a
educação como processo e não meramente produto e que, de fato consiga
realizar sua ação educativa com solidez teórica, visando a humanização.

Considerações

Com base no escopo teórico fica expresso que o currículo é uma


construção social, imerso em uma cultura, que se apresenta vivo e em
constante transformação, sem neutralidade de expressão porque é ela-
borado pelos pares da instituição que muitas vezes o escrevem para ser
um mero documento que atende as exigências formais, mas não exerci-

31
Ândrea Carla Machado de Moraes / Andréa Kochhann

tam o que foi escrito. Essa elaboração se expressará pela vertente teórica,
prática ou crítica, o que demonstra a influência cultural e, que pode ser
transformada à medida que a sociedade muda e principalmente, por
ser considerada a educação como um processo e que necessita de uma
solidez teórica, adquirida conforme formação inicial ou continuada.
Nessa linha de pensamento, o delineamento do currículo se
aproxima à tendência histórico-crítica, que visa transformação social,
o olhar crítico e não a reprodução social. É preciso entender o currículo
da instituição para analisar a identidade docente, no caso em questão,
da(o) pedagoga(o), que almeja formar. Um currículo escrito ao ser efeti-
vado delineia a formação inicial da identidade docente.

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33
2
Teorias tradicionais, críticas
e pós-críticas do currículo: projeto
educativo da escola e do professor
Renato Barros de Almeida

A
epígrafe poética de Guimarães Rosa “Uma coisa é pôr ideias
arranjadas, outra é lidar com um país de pessoas, de carne
e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente – dá susto
se saber – e nenhuma se sossegam: todas nascendo, crescendo, se
casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser
importante, querendo chuva e negócios bons...”, nos faz refletir sobre
a distância entre a ideia pronta e a realidade e discutir as teorias do
currículo: perspectivas tradicionais, críticas e pós-críticas nos fazem
pensar sobre “ideia e a realidade”, na busca de compreender de que
modo às teorias podem subsidiar a aproximar o campo teórico da
materialidade na educação brasileira oportunizando que a escola
cumpra sua função social.
Propõe-se assim, pensar inicialmente sobre a escola, a educação
e sua função social e posteriormente discute-se o conceito de currículo
entendendo este como o(s) caminho(os) para a materialidade da pro-
posição de função educacional das instituições de ensino. Finalmente,
aborda-se o currículo e suas teorias como projeto educativo da escola e
do professor.
Como se pode perceber, na sociedade atual há indícios de uma
escola como espaço de educação que segrega, exclui e demarca cam-
pos distintos de acordo com as classes sociais. Em um fragmento de
o Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa escreve “que isso foi sem-
pre que me invocou o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom

35
Renato Barros de Almeida

e o ruim, ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco,


que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza!
Quero todos os pastos bem demarcados.... Como é que posso com este
mundo? Este mundo é muito misturado...”. Atualmente, a sociedade e
por conseguinte a escola, remete como diz Guimarães Rosa, a pastos
bem demarcados.
Defende-se neste texto, educação como processo de humaniza-
ção do homem, cuja função social da escola é a formação para cidada-
nia plena e apropriação da cultura produzida historicamente em um
mundo muito misturado. Nesta perspectiva, a educação escolar visa a
construção da humanidade em cada sujeito (SAVIANI, 2007), desen-
volvendo sua capacidade de pensamento crítico e autônomo, a prepara-
ção para a vida em sociedade no sentido da formação política e ainda a
capacidade de prosseguir nos estudos.
Considerando as premissas supracitadas faz-se necessário alguns
questionamentos: o que é fundamental ensinar para alcançar essa
humanidade e por que ensinar? Que caminho seguir? Que conceito de
currículo respalda essa decisão? É importante pensar em um caminho
para a construção de uma escola que humanize cada sujeito. Esse é um
ponto sério na medida em que precisamos pensar que concepções de
homem, mundo e sociedade respalda o pensamento no ato da tomada
de decisão da caminhada.

Conceito de currículo

Do latim, curriculum; currus; currere; cursus, caminho, curso,


percurso ou ato de correr. Como escrito em outro momento desta sele-
ção, conceituar currículo é um exercício intelectual de muita dificul-
dade devido a sua complexidade. Assim neste texto optou-se por recor-
rer ao livro Teorias de Currículo, uma obra das professoras Alice Casi-
miro Lopes e Elizabeth Macedo, publicada no ano de 2011.
Segundo as autoras embora simples a pergunta “o que é currí-
culo”, não tem encontrado resposta fácil. “Indo dos guias curriculares
propostos pelas redes de ensino àquilo que acontece em sala de aula”
(LOPES; MACEDO, 2011, p. 19), currículo assume múltiplos significa-
dos. Currículo como seleção e organização do que vale a pena ensinar
foi o sentimento inicial marcado pelos movimentos do início da indus-
trialização americana e, nos anos de 1920, no Brasil, com o movimento

36
TEORIAS TRADICIONAIS, CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DO CURRÍCULO

da Escola Nova. Segundo Lopes e Macedo (2011), a concepção de que


era preciso decidir sobre o que ensinar ganha força e, assim, nas diferen-
tes teorias, em comum encontrava-se uma definição do currículo como
plano formal das atividades/experiências de ensino e de aprendizagem.
Nesse contexto, na Psicologia, o comportamentalismo, e na
Administração, o taylorismo, ganham destaque na sociedade ameri-
cana que se industrializa. Surge, então, uma preocupação com a eficiên-
cia da escola para a socialização do jovem de modo a atender ao modelo
da sociedade americana. Dessa forma, a escola e o currículo passam a
ser importantes instrumentos de controle social.
Outro movimento é o progressivismo sendo que o nome mais
conhecido nessa corrente é o de John Dewey que, rivalizando o eficien-
tismo no controle da elaboração de currículos oficiais, defende que o
foco do currículo “[...] é a experiência direta da criança como forma de
superar o hiato que parece haver entre a escola e o interesse dos alunos”
(LOPES; MACEDO, 2011, p. 23), constituindo-se como uma teoria cur-
ricular única que entende a aprendizagem como um processo contínuo
e não como preparação para vida adulta. Os princípios de Dewey estão
na base das reformas educacionais ocorridas nos anos 1920 que, no
Brasil, são assumidas por diferentes educadores escolanovistas.
Lopes e Macedo (2011) aponta que é no ano de 1949, que a teo-
ria curricular produz uma duradoura resposta às questões de seleção e
organização de experiências e conteúdos. Tyler articula as abordagens
técnicas, como as eficientistas, com o pensamento progressista. A racio-
nalidade proposta por Tyler se impõe por mais de 20 anos, no Brasil e
nos EUA.
As referidas autoras evidenciam as críticas que as abordagens
científicas do currículo sofrem por conceberem o currículo como apa-
rato de controle social. Uma das críticas parte do que se convencionou
chamar de teorias da correspondência ou reprodução, produzidas, nos
anos 1970, apoiadas nos pensamentos “[...] marxistas que defendem a
correspondência entre base econômica e a superestrutura”. Neste sen-
tido, de perspectivas mecanicistas a concepções em que a dialética entre
a economia e cultura se faz visível (LOPES; MACEDO, 2011, p. 27).
A partir de 1979, com a publicação do livro Ideologia e Currículo,
por Michael Apple, as análises reprodutivistas passam a tratar especi-
ficamente do currículo e, no Brasil, ganham notoriedade nos anos de
1980. Com o processo de redemocratização brasileira, existem as for-

37
Renato Barros de Almeida

mulações de Paulo Freire, ao mesmo tempo em que Dermeval Saviani


lançava as bases da Pedagogia Histórico-Crítica e José Carlos Libâneo,
da Pedagogia Crítico-Social dos conteúdos.
Com o objetivo de substituir a ideia de currículo como prescri-
ção, esses autores, propõem uma concepção que englobe atividades
capazes de permitir ao aluno compreender seu próprio “mundo-da-
vida” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 34).
Opta-se por seguir um caminho que leve a um conceito multifa-
cetado de currículo. Retomam a ideia defendida de pensar o currículo
para além das distinções entre os níveis formal, oculto e vivido.
Ao retomar a pergunta inicial, “o que é currículo?”, é possível
perceber que cada uma das tradições curriculares é um discurso que se
hegemonizou e, então, constituiu o objeto currículo, emprestando-lhe
um sentido próprio. Assim, currículo é, em si, uma prática discursiva.
“Trata-se de um discurso produzido na interseção entre diferentes dis-
cursos sociais e culturais que, ao mesmo tempo, reitera sentidos postos
por tais discursos e os recria” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 41).
Toma-se como referência o conceito de que o currículo é a seleção
de elementos da cultura considerados necessários (por uma dada socie-
dade num determinado contexto histórico-cultural) para a formação
de suas crianças e jovens (SACRISTÁN, 2000). E ainda que o currículo
escolar expressa e materializa o projeto de educação de uma sociedade,
país, estado, cidade, escola, professor (BURAS, APPLE; 2008).

Teorias do currículo

Neste momento faz-se necessário lançar mão dos estudos de teo-


rias do currículo que, no Brasil, se intensificam no início deste século,
sendo selecionado como referencial as ideias de Tomaz Tadeu da Silva.
Este autor aponta que é necessário na discussão de teorias de
currículo, começar a partir da própria noção de teoria, sendo que de
acordo com Silva (2009, p.11), “[...]a teoria é uma representação, uma
imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que – cronologica-
mente, ontologicamente – a precede.”Segundo o mesmo autor, uma
teoria do currículo para ser compreendida pressupõe que existem ques-
tões a serem descobertas, descritas e explicadas. Sendo assim, para ele o

38
TEORIAS TRADICIONAIS, CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DO CURRÍCULO

“[...] currículo seria um objeto que precederia a teoria, a qual só entraria


em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo” (SILVA, 2009, p. 11).

Das teorias tradicionais às críticas

As pesquisas apontam que foi, inicialmente, nos Estados Uni-


dos que se desenvolveu duas tendências sobre currículo. Uma tendên-
cia estava apoiada nas ideias conservadoras de Bobbitt que tinha como
pressuposto igualar o sistema educacional ao sistema industrial, utili-
zando o modelo organizacional e administrativo de Frederick Taylor,
apoiadas nas teorias de Ralph Tyler e na de John Dewey.
Ralph Tyler defendia a idéia de organização e desenvolvimento
curricular essencialmente técnica, enquanto que John Dewey se aten-
tava com a construção da democracia liberal e valorizava a experiência
das crianças e jovens, demosntrando uma postura mais progressivista.
Importantes transformações ocorreram na década de 1960,
resultando em críticas às concepções tradicionais e tecnicistas relacio-
nadas ao currículo. “As teorias críticas do currículo efetuam uma com-
pleta inversão nos fundamentos das teorias tradicionais” (SILVA 2009,
p. 29). Dentre os estudos pioneiros existe a obra A ideologia e os apare-
lhos ideológicos de Estado, de Louis Althusser. A teoria deste autor res-
salta que “a escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista
ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que nos fazem
vê-la como boa e desejável” (SILVA 2009, p. 32).E Bourdieu e Passeron
defendem a reprodução, concebendo o currículo como mecanismo de
reprodução da cultura dominante que colabora para que as crianças de
classes menos favorecidas não dominem os códigos determinados pela
instituição escolar.
A I Conferência sobre currículo, liderada por William Pinar,
aconteceu nos Estados Unidos por volta de 1970 que marcou o surgi-
mento de duas tendencias críticas, opostas às teorias de Bobbitt e Tyler.
A primeira tendência utilizou-se das ideias de Gramsci e da Escola de
Frankfurt, destacou “o papel das estruturas econômicas e políticas na
reprodução social” (SILVA 2009, p. 38). A segunda tendência, ressal-
tou “os significados subjetivos que as pessoas dão às suas experiências
pedagógicas e curriculares” (SILVA 2009, p. 38).
A politização do currículo se deu com as ideias de Michael Apple
que tem suas bases teóricas no marxismo. Nesta perspectiva o currí-

39
Renato Barros de Almeida

culo é concebido como centro das teorias educacionais críticas, esta-


belecendo sempre uma relação com estruturas mais amplas, colabo-
rando para a politização do currículo. “Apple procurou construir uma
perspectiva de análise crítica do currículo que incluísse as mediações,
as contradições e ambiguidades do processo de reprodução cultural e
social” (SILVA 2009, p. 48).
O currículo como política cultural, de Henry Giroux, fala numa
“pedagogia da possibilidade” (SILVA 2009, p. 53) que ultrapasse as teo-
rias de reprodução. O autor percebe o currículo baseado em conceitos
de emancipação e liberdade e compreende a pedagogia e o currículo
como um espaço cultural de lutas.
É possível perceber que suas análises estão mais voltadas para
os aspectos culturais do que com as questões relacionadas a educação.
Recentemente, Giroux incorporou contribuições do pós-modernismo e
do pós-estruturalismo1.
A teoria de Paulo Freire analisa a educação como ela é e não
como deveria ser. O conceito de educação bancária é uma crítica ao
currículo e por outro lado considera o ato pedagógico como um ato
dialógico em que os atores envolvidos (educadores e educandos) par-
ticipam da escolha dos conteúdos e na construção do currículo. Em
contrapartida, em 1980, Freire é contestado por Saviani pela pedagogia
dos conteúdos. De acordo com este autor, Freire enfatiza os métodos
do processo e não a aquisição do saber. Já para Saviani o conhecimento
corresponde a poder pois a apropriação do saber universal é condição
para a emancipação dos grupos excluídos.
Uma nova corrente, apontada com Moreira como sendo a nova
sociologia da educação, de acordo com Silva (2011) considera no cur-
rículo reflexões que envolvam as tradições culturais e epistemológicas
dos grupos subordinados. Surge então várias perspectivas analíticas e
teóricas como o feminismo, o estudo sobre gênero, a etnia, os estudos

1 O pós-estruturalismo é muitas vezes confundido com o pós-modernismo, o que se trata


de um grande equívoco porque o pós-estruturalismo não se trata de uma época histórica,
mas sim de um sistema teórico ou uma sistematização teórica. Desse modo limita-se a uma
sistematização teórica sobre as regras de linguagem e significação. Já o pós-modernismo
abrange um campo bem mais amplo. A realidade é considerada como uma construção social
e subjetiva. No pós-estruturalismo um significado é o que é, não porque corresponde a um
“objeto” que existe fora do campo da significação, mas porque foi socialmente produzido.
A ênfase no processo de significação é ampliada para focalizar as noções correntes de
“verdade”, pois a perspectiva pós-estruturalista desconfia das definições filosóficas desta
“verdade”. [Nota do autor a partir de SILVA, Tomaz Tadeu da Silva. Documento de
Identidade. Belo Horizonte. Autêntica: 2009, p.111-124]

40
TEORIAS TRADICIONAIS, CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DO CURRÍCULO

culturais, o pós-modernismo, o pós-estruturalismo entre outros que


dissolveram esta corrente.
Pesquisas de Bernstein apontam como o currículo é organizado
estruturalmente, distinguindo dois tipos fundamentais: o da coleção
“as áreas e campos de saber são mantidos fortemente isolados” (SILVA,
2009, p. 72) e o integrado “as distinções entre as áreas de saber são
muito menos nítidas e muito menos marcadas” (SILVA, 2009, p. 72).
Estudos deste autor buscam compreender como as diferentes classes
sociais aprendem suas posições de classe via escola. Neste sentido, é
proposto o conceito de códigos no elaborado “os significados realizados
pela pessoa – o ‘texto’ que ela produz – são relativamente independentes
do contexto local” (SILVA, 2009, p. 75); no restrito “o ‘texto’ produzido
na interação social é fortemente dependente do contexto” (SILVA, 2009,
p. 75). Segundo Bernstein o código elaborado, é instituído pela escola,
mas crianças de classe menos favorecida possuem códigos restritos, o
que favorecia o seu ‘fracasso’ escolar.
O currículo oculto apontado por Bernstein em Silva (2009, p.
78), “constitui-se daqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer
parte do currículo oficial explícito, contribui de forma implícita para
aprendizagens sociais relevantes”. Este conceito, de acordo com uma
análise funcionalista, oferece noções universais imprescindíveis ao
bom desenvolvimento das sociedades “avançadas”. As perspectivas crí-
ticas denunciam que o currículo oculto oportuniza o conformismo, o
individualismo, a obediência, a adequação às estruturas desiguais do
capitalismo, enquanto as pós-críticas valorizam, entre outras, a inclu-
são das dimensões de gênero, sexualidade e raça.

Teorias pós-críticas

O multiculturalismo tem sua origem nos países dominantes do


norte e é discutido atualmente em duas perspectivas: “[...] dos grupos
culturais dominados no interior daqueles países para terem suas formas
culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional”; e outra
que aponta “[...] solução para os problemas que a presença de grupos
raciais e étnicos coloca no interior daqueles países para a cultura nacio-
nal dominante” (SILVA, 2009, p. 85). Nas duas perspectivas o multicul-
turalismo simboliza um importante instrumento de luta política, pois
ele reporta à seguinte questão: o que conta como conhecimento oficial?
Assim, ele também lembra que “a igualdade não se obtém simplesmente

41
Renato Barros de Almeida

através da igualdade de acesso ao currículo hegemônico” (SILVA, 2009,


p. 90), sendo preciso mudanças substanciais do currículo existente.
O pós-estruturalismo enfatiza os jogos de linguagem e a reali-
dade como um “texto”. De acordo com essa teoria, a fixidez dos signi-
ficados se torna fluida, indeterminada. Daí, por exemplo, a radicaliza-
ção pós-estrutural do conceito de diferença, que viria substituir o de
desigualdade, típico da modernidade. Segundo o pós-estruturalismo,
o sujeito racional, autônomo e centrado da modernidade é uma ficção,
pois “não existe sujeito a não ser como simples e puro resultado de
um processo cultural e social” (SILVA, 2009, p. 120). Assim, para essa
teoria, um currículo, questionaria os significados transcendentais
ligados à religião, à política, à pátria, à ciência e outros, que povoam
o currículo existente.
Pedagogia como cultura, e a cultura como pedagogia, é outro
ponto destacado pelo autor para explicar uma das consequências da
virada culturalista na teorização curricular, na qual percebesse uma
redução das fronteiras entre conhecimento acadêmico/escolar e conhe-
cimento cotidiano/cultura de massa. O “currículo” e a “pedagogia”
dessas formas culturais extraescolares possuem imensos recursos eco-
nômicos e tecnológicos, como exigência de seus objetivos quase sem-
pre mercadológicos. Investe-se assim de formas sedutoras irresistíveis,
inacessíveis à escola. “É precisamente a força desse investimento das
pedagogias culturais no afeto e na emoção que tornam seu ‘currículo’
tão fascinante à teoria crítica do currículo” (SILVA, 2009, p. 140).
Para Silva (2009, p. 148) o currículo “é uma questão de saber,
poder e identidade”, ainda relacionando as teorias críticas e pós-crí-
ticas do currículo: as teorias pós-críticas podem nos ter ensinado que
o poder está em toda parte e que é multiforme. As teorias críticas não
deixam esquecer, entretanto, que algumas formas de poder são visivel-
mente mais perigosas e ameaçadoras do que outras.
Na visão do autor, depois de conhecer as teorias críticas e pós-
críticas, torna-se impossível conceber o currículo de forma ingênua e
desvinculado de relações sociais de poder. Para as teorias críticas isso
significa nunca esquecer, por exemplo, a determinação econômica e a
busca de liberdade e emancipação; e para as pós-críticas significa ques-
tionar e/ou ampliar muito daquilo que a modernidade nos ensinou.

42
TEORIAS TRADICIONAIS, CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS DO CURRÍCULO

Considerações

Diante de todas as abordagens feitas, aponta-se como encami-


nhamentos situar a escola que existe, compreendendo a situação atual
do contexto político e social, ter clareza do projeto educativo que se faz
necessário e ter uma visão crítica das dificuldades enfrentadas na orga-
nização e realização do trabalho pedagógico.
Defende-se neste texto o conhecimento profundo dos processos
do ensinar e aprender, superando a ideia de que teoria na prática é outra,
fomentando uma formação continuada e a relação profícua da universi-
dade e as escolas. Enfim, percebe-se a necessidade de estudar, planejar e
realizar o currículo, organizando o mesmo por áreas do conhecimento:
Linguagem, Artes, Matemática, Ciências Naturais, Ciências Humanas
– integração curricular2. É preciso também compreender o Espaço-
tempo para práticas interdisciplinares: projetos pedagógicos, projetos
de pesquisa, centros de interesse, estudo do meio, solução de proble-
mas, ateliers/oficinas, temas geradores e ainda a atividade do aluno
como eixo da organização das unidades didáticas.

Referências
BURAS, Kristen L.; APPLE, Michael W. Currículo, poder e lutas educacionais.
Porto Alegre: Artmed, 2008.
LIMONTA, Sandra Valéria; SANTOS, Lívia de Souza Lima. Educação integral
e escola de tempo integral: currículo, conhecimento e ensino. In: LIMONTA,
Sandra Valéria et al. Educação integral e escola Pública de Tempo Integral.
Goiânia: PUC Goiás, 2013.
LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São
Paulo: Cortez, 2011.
SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo. Uma reflexão sobre a prática. Porto
Alegre: ArtMed, 2000.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica.
São Paulo: Autores Associados, 2007.
SILVA, Tomaz Tadeu da.Documentos de identidade: uma introdução às
teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

2 Discutimos aqui a concepção de currículo integrado como uma teoria curricular que
busca ir além da transmissão de conteúdos isolados em disciplinas, e que ao mesmo tempo,
não internalize, sem reflexão, todo e qualquer conhecimento que circula pela sociedade
(LIMONTA; SANTOS, 2013)

43
3
Relação entre Universidade e Escola:
um diálogo necessário

Alisson Silva da Costa


Nathália Barros Ramos

A
presente reflexão possui a extensão universitária e a formação
de professores como lócus de análise, ressaltando a relação e a
interlocução entre Universidade e escola a partir da análise de
documentos oficiais.
Para essa discussão partimos da apreciação das propostas dos
programas voltados para a formação de professores e a extensão uni-
versitária. Tomamos como ponto de partida a extensão por esta ser um
dos elementos essenciais do tripé universitário. Tendo em vista o fato
da extensão estar ligada aos movimentos sociais e a educação popular
desde a sua origem, acreditamos que essa possibilita uma articulação e
transformação das relações e concepções entre Universidade e escola.
Permitindo que a Universidade não feche a cortina para a realidade
concreta, possibilitando um espaço de interlocução. Nessa perspectiva
a extensão universitária se configura como espaço articulador, segundo
o documento, Política Nacional de Extensão Universitária, essa
(...) tornou-se o instrumento por excelência de inter-relação da
Universidade com a sociedade, de oxigenação da própria Universidade,
de democratização do conhecimento acadêmico, assim como de
(re) produção desse conhecimento por meio da troca de saberes
com as comunidades. Uma via de mão-dupla ou, como se definiu
nos anos seguintes, uma forma de “interação dialógica” que traz
múltiplas possibilidades de transformação da sociedade e da própria
Universidade Pública (FORPROEX, 2012, p. 10).

45
Alisson Silva da Costa / Nathália Barros Ramos

A discussão entre Universidade, escola e sociedade tem figurado


em muitos documentos oficiais, com a intenção cada vez mais presente
de acabar com o distanciamento posto historicamente. Assim, para
pensar a relação entre Universidade e escola, adotamos como metodo-
logia a análise documental. Tendo como documentos fontes a LDBEN
9.394/96, a Resolução CNE/CP 2/2002, documento final do XI Encon-
tro Nacional da ANFOPE em 2002, a Portaria Normativa Nº 38, de
2007 que dispõe sobre o Programa de Bolsa Institucional de Iniciação
à Docência – PIBID, o documento final da Conferência Nacional de
Educação (Conae) e a Portaria n° 38 de 2018 que dispõe sobre o Pro-
grama de Residência Pedagógica. Tais documentos foram selecionados
por relacionarem a extensão e a formação de professores.
Assim, temos como objetivo discutir a relação entre Universi-
dade e escola, a partir dos programas e ações de extensão universitária
como possibilidades norteadoras dessa interlocução.

O que os documentos nos dizem?

A discussão entre Universidade, escola e sociedade tem figurado


em muitos documentos oficiais, com a intenção cada vez mais presente
de acabar com o distanciamento posto historicamente. No artigo 43
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9.394/96,
institui como finalidade da educação superior, nos incisos
VII – promover a extensão, aberta à participação da população,
visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação
cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
VIII – atuar em favor da universalização e do aprimoramento da
educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais,
a realização de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de
atividades de extensão que aproximem os dois níveis escolares
(BRASIL, 1996; 2015).

Nesse artigo a extensão universitária passa a ser uma finalidade


da educação superior com vistas a participação popular, reforçando
a relação entre Universidade e sociedade, e Universidade e escola, na
tentativa de aproximação e superação do distanciamento promovido
historicamente, em que a Universidade se constituiria como um espaço
elevado da sociedade. A articulação dessa tríade também pode ser evi-
denciada nas discussões da sociedade civil organizada, movimentos
populares e entidades educacionais. Pela defesa de uma formação uni-
versitária que além de integrar o ensino, a pesquisa e a extensão, pos-

46
RELAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA

sibilite uma constante reflexão sobre a realidade das escolas, como um


dos elementos diferenciadores de uma formação completa. No entanto,
é importante salientar que o inciso VIII foi incluído pela Lei nº 13.174,
de 2015, ou seja, a discussão e instituição da aproximação entre os dois
níveis de ensino, só foi estabelecida em lei no ano de 2015, quase duas
décadas após a sansão da LDB.
A Resolução CNE/CP 2, de 19 de Fevereiro de 2002, “institui
a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação
plena, de formação de professores da Educação Básica em nível supe-
rior” (BRASIL, 2002, p.1). Essa resolução delimita o total de horas dos
cursos de licenciatura e aponta as divisões da carga horária em com-
ponentes comuns. Essa divisão pressupõe carga horária para ativida-
des científicas, mas não aponta nada sobre a extensão universitária. O
documento aponta ainda que 400 horas do curso estariam destinadas
para o estágio supervisionado, mas não específica o espaço onde este
deve ocorrer, deixando de certa forma em aberto a possibilidade do
estágio ocorrer ou não em uma escola.
No documento final do XI Encontro Nacional da ANFOPE,
realizado em 2002 (ANFOPE, 2002), tem-se a defesa de uma única
base comum nacional para todos os cursos de formação de profes-
sores, ancorados numa concepção de docência entendida pelo traba-
lho pedagógico, que se orienta por uma: Sólida formação teórica e
interdisciplinar; Unidade entre teoria/prática; Gestão democrática;
Compromisso social; Trabalho coletivo e interdisciplinar; concep-
ção de formação continuada e avaliação permanente. O movimento
apresenta como principíos em defesa de uma política de formação de
professores, a compreensão de que essa deva ser por um continuum –
formação inicial e continuada. No qual, a aproximação entre escola
e Universidade poderia se dar pela formação continuada, contudo,
compreendemos que essa aproximação deva ocorrer em todo o per-
curso de formação, tanto inicial quanto continuada, promovendo
uma rede de retroaliamentação numa perspectiva coletiva.
Em 2007 teremos o Programa de Bolsa Institucional de Iniciação
à Docência – PIBID, disposto na Portaria Normativa Nº 38, de 2007.
Este programa possui como objetivos
I – incentivar a formação de professores para a educação básica,
especialmente para o ensino médio;
II – valorizar o magistério, incentivando os estudantes que optam pela
carreira docente;

47
Alisson Silva da Costa / Nathália Barros Ramos

III – promover a melhoria da qualidade da educação básica;


IV – promover a articulação integrada da educação superior do
sistema federal com a educação básica do sistema público, em proveito
de uma sólida formação docente inicial;
V – elevar a qualidade das ações acadêmicas voltadas à formação
inicial de professores nos cursos de licenciaturas das instituições
federais de educação superior (BRASIL, 2007)

Para essa discussão o inciso IV merece um destaque especial, pois


se refere justamente a promoção e articulação integrada dos dois níveis
de ensino, ou seja, a relação entre escola e Universidade no processo de
formação inicial. De acordo com Santos (2018), que realizou uma pes-
quisa de mestrado com professores iniciantes egressos do PIBID,
Essa vivência também possibilitou ao professor iniciante conhecer
o seu futuro ambiente de trabalho, reconhecer melhor a sua função
docente que se dá ao longo da sua formação inicial e continuada e
estabelecer mediações por meio dessa socialização antecipatória de
modo a minimizar as situações de choque escolar no início de carreira
(...) (SANTOS, 2018, p. 165).

O que os resultados dessa pesquisa nos mostram é que a par-


ticipação dos alunos no programa minimizou algumas problemáti-
cas existentes no início da docência e contribuiu para que os mesmos
se sentissem mais seguros ao assumir a profissão. No entanto, como
aponta Curado Silva (2011):
A formação inicial é um dos aspectos da formação de professores que
certamente, não define o profissional, nem sua competência, sucesso
ou insucesso. A formação de professores é um processo contínuo de
desenvolvimento pessoal, profissional e político-social, que não se
constrói em alguns anos de curso, nem mesmo pelo acúmulo de cursos,
técnicas e conhecimentos, mas pela reflexão coletiva do trabalho, de
sua direção, seus meios e fins, antes e durante a carreira profissional
(CURADO SILVA, 2011, p. 15).

Embora a participação em programas, projetos e ações de exten-


são que aproximem a Universidade da escola pela formação inicial,
possuam uma importância considerável nesse processo, é necessário
pensar também na formação contínua, como aponta a ANFOPE, pro-
movendo também uma interlocução com os professores que saem da
Universidade e adentram ao universo da sala de aula.
Seguindo com a análise temos a Emenda Constitucional nº
59/2009, que mudou a condição do PNE de uma disposição transitória
da LDBEN 9394/96 para uma exigência constitucional com periodici-
dade decenal. Com essa mudança os planos plurianuais, estaduais, dis-

48
RELAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA

trital e municipais devem ser construídos tendo o PNE como referên-


cia. O plano também passou a ser considerado o articulador do Sistema
Nacional de Educação, com previsão do percentual do Produto Interno
Bruto (PIB) para o seu financiamento.
O PNE 2001-2010 possui algumas metas direcionadas a forma-
ção de professores. Na meta 5 estabelece um Programa Nacional de
Formação dos Profissionais de educação infantil, apontando para que
em “cinco anos, todos os professores tenham habilitação específica de
nível médio e, em dez anos, 70% tenham formação específica de nível
superior” (BRASIL, 2001, p. 12). Prevê ainda a ampliação da oferta de
cursos de Formação de Professores da educação infantil, com foco
prioritário nas regiões com maior deficit de qualificação. Bem como, o
estabelecimento, em um ano, de forma emergencial, de um programa
para formação de professores, especialmente nas áreas de Ciências e
Matemática. Em relação a valorização dos profissionais da educação, o
PNE aponta que “faz parte dessa valorização a garantia das condições
adequadas de trabalho, entre elas o tempo para estudo e preparação das
aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de magistério” (PNE,
2001, p. 6). Segundo Gatti, Barretto e André (2011) ao se referirem a
proposição de valorização posta no PNE, apontam que “as políticas de
carreira docente nas instâncias de gestão pública não estão dando conta
de oferecer perspectivas profissionais justas a esse conjunto de traba-
lhadores” (p.141). Dessa forma, mesmo o PNE sendo uma lei aprovada
no Congresso Nacional, não possuiu força suficiente para assegurar
suas metas.
Ao que concerne a extensão universitária, teremos as metas 21,
22 e 23 do PNE (BRASIL, 2001). As duas primeiras visam:
21. Garantir, nas instituições de educação superior, a oferta de cursos
de extensão, para atender as necessidades da educação continuada de
adultos, com ou sem formação superior, na perspectiva de integrar o
necessário esforço nacional de resgate da dívida social e educacional.
22. Garantir a criação de conselhos com a participação da comunidade
e de entidades da sociedade civil organizada, para acompanhamento
e controle social das atividades universitárias, com o objetivo de
assegurar o retomo à sociedade dos resultados das pesquisas, do
ensino e da extensão (BRASIL, 2001, p. 36).

As duas metas dispostas acima apresentam a extensão univer-


sitária pela relação Universidade e sociedade, na qual, uma se aponta
para o esforço de resgate de uma dívida social e educacional e a outra
para a participação efetiva da sociedade civil no acompanhamento das

49
Alisson Silva da Costa / Nathália Barros Ramos

atividades universitárias. Percebe-se mais uma vez a tentativa de estrei-


tamento e aproximação da Universidade com a sociedade, que vem
figurando nos documentos pelas vias da extensão.
Em 2009, ocorreram as conferências municipais ou intermunici-
pais, estaduais e distritais, estabelecidas em parceria entre os sistemas
de ensino, os órgãos educacionais, o Congresso Nacional e a sociedade
civil, com o tema: Construindo o Sistema Nacional Articulado: O Plano
Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação. Essas conferên-
cias culminaram na realização da Conferência Nacional de Educação
(CONAE), em 2010. O documento final faz apontamentos sobre a cons-
trução do Sistema Nacional de Educação – SNE, pela articulação dos
sistemas de ensino, comprendendo que suas ações seriam tanto da rede
pública quanto da rede privada de ensino. Ao que concerne a exten-
são universitária o documento aponta que o SNE deveria promover:
um ambiente adequado à realização de atividades de ensino, pesquisa,
extensão; Disponibilidade de docentes para todas as atividades curri-
culares e de formação; Intercâmbio científico e tecnológico, nacional
e internacional, entre as instituições de ensino, pesquisa e extensão. E
ainda aponta que o
Projeto Pedagógico (educação básica) e Plano de Desenvolvimento
Institucional (educação superior) construídos coletivamente e que
contemplem os fins sociais e pedagógicos da instituição, a atuação e
autonomia escolar, as atividades pedagógicas e curriculares, os tempos
e espaços de formação, a pesquisa e a extensão (CONAE, 2010, p. 32).

Assim, como outros documentos, o relatório final da Conae apre-


senta dimensões intraescolares, de aproximação entre Universidade
e escola. Ainda aponta elementos para a construção de uma política
nacional de formação e valorização dos/das profissionais do magistério,
ancorados em uma concepção de educação construtiva e permanente.
Em 2012 é lançado o documento, Política Nacional de Extensão
Universitária, e ao versar sobre as atividades extensionistas, o docu-
mento aponta que estas “permitem o enriquecimento da experiência
discente em termos teóricos e metodológicos, ao mesmo tempo em que
abrem espaços para reafirmação e materialização dos compromissos
éticos e solidários da Universidade Pública Brasileira” (FORPROEX,
2012, p. 20). Nesse documento, a extensão universitária é entendida
como um mecanismo que estabelece relação direta entre a Universi-
dade e diversos setores da sociedade, incluindo a escola, possibilitando
aos seus participantes uma atuação transformadora.

50
RELAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA

Em 2018 tem-se a aprovação do Programa de Residência Pedagó-


gica, instituído pela Portaria n° 38 de 2018, e aprovado pelo decreto n°
8.977 de 2018 (BRASIL, 2018). Esse programa tem a finalidade de apoiar
projetos inovadores que articulem teoria e prática, nas instituições de
ensino superior, nos cursos de licenciatura. Tendo como objetivo aper-
feiçoar a formação, induzir a reformulação dos estágios, fortalecer a
relação Universidade e escola e promover a adequação dos currículos.
No final do ano de 2018, temos a aprovação da Resolução CNE/
CES Nº 7, de 18 de Dezembro de 2018, que Estabelece as Diretrizes
para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o dis-
posto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacio-
nal de Educação – PNE 2014-2024 e dá outras providências (BRASIL,
2018b). Essa política define os princípios e os fundamentos para todas
as instituições de educação superior e todos os sistemas de ensino.
Essa resolução reforça a integralização da curricularização da exten-
são, como pode se perceber em seu artigo 3°
Art. 3º A Extensão na Educação Superior Brasileira é a atividade que se
integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-
se em processo interdisciplinar, político educacional, cultural,
científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre
as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por
meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação
permanente com o ensino e a pesquisa (BRASIL, 2018b, p. 2).

A curricularização da extensão nos permite visualizar uma


dimensão privilegiada, em que, a relação Universidade e escola possa
ser consolidada em um processo mútuo de construção do conheci-
mento, em que a práxis venha a ser o subsídio para os processos de
aprendizagem ancorado na realidade social.
Assim, pensar a relação entre Universidade e escola é sobretudo
pensar uma formação integral desses sujeitos, visando a totalidade dos
processos históricos e sociais que os constitui, colocando os sujeitos da
formação inicial na perspectiva de uma formação pela práxis e pos-
sibilitando o mesmo caminho para os professores que estão atuando,
numa construção coletiva de retroalimentação da unidade teoria e prá-
tica. Contudo, faz-se necessário pensar sobre o modelo tradicional de
ensino, as pedagogias hegemônicas atuais e o modelo de formação de
professores que estão postos e que em muitos casos impedem a relação
entre Universidade e escola. Para Duarte (2010), as pedagogias contem-
porâneas apresentam uma ideia difundida, pela lógica capitalista, que
vai tratar

51
Alisson Silva da Costa / Nathália Barros Ramos

da negação da perspectiva de totalidade, ou seja, da afirmação do


princípio de que a realidade humana seria constituída de fragmentos
que se unem não por relações determinadas pela essência da totalidade
social, mas sim por acontecimentos casuais, fortuitos e inacessíveis ao
conhecimento racional (DUARTE, 2010, p. 35).

Para o autor é necessário superar essas pedagogias negativas, sem


negar a importância da transmissão dos conhecimentos. Em consonân-
cia a esse pensamento e opondo-se à perspectiva da formação de profes-
sores no viés utilitarista, que ainda se faz presente em alguns documen-
tos, tomamos como direcionamento para a formação de professores,
pressupostos apresentados por Curado Silva (2011), de uma educação
crítico-emancipadora, que entende a realidade como contraditória
e dialética. A concepção apontada pela autora “busca construir uma
indissociabilidade de teoria e prática na práxis. Tal concepção entende
a formação como atividade humana que transforma o mundo natural
e social para fazer dele um mundo humano (...)” (CURADO SILVA,
2011, p.22). Dessa forma, a relação teoria e prática é uma relação entre
conhecimento e transformação, e através dessa é possível se constituir
uma práxis transformadora.
Rompendo com uma perspectiva de formação utilitarista e tendo
clareza quanto a formação de professores e concepção de extensão, bem
como a aplicabilidade da indissociabilidade, pode-se romper com a
unilateralidade da relação Universidade e sociedade, e Universidade e
escola. Essa relação é evidenciada em muitos documentos, e compreen-
demos a extensão como possibilidade, na perspectiva de retroalimen-
tação do ensino e da pesquisa, de viabilizar a relação transformadora
entre Universidade/sociedade/escola, contribuindo para uma práxis
revolucionária.

Considerações finais

A análise realizada nos levou a compreensão de que os progra-


mas como PIBID e Residência Pedagógica, e a extensão universitária
podem ser, diante desse contexto, um dos espaços efetivos de articu-
lação da tríade – Universidade/sociedade/escola, possibilitando uma
formação universitária, ou seja, completa e integral, em que os sujeitos
possam logo na formação inicial, refletir e atuar na realidade concreta
e em contra partida os professores que estão atuando podem contri-
buir na formação dos estudantes e também receberem um suporte da
Universidade. Provavelmente isso reduziria muitas dificuldades encon-

52
RELAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA

tradas no início da docência, tendo em vista que o choque de realidade


seria menor, pois, esta experiência permite em sua essência uma vivên-
cia dos conflitos sociais e da realidade, com seus processos contraditó-
rios e ambivalentes, trazendo a reflexão e amadurecimento profissional.
Diante do cenário político atual em que a escola, os professores e
a Universidade tem sofrido ameaças constantes, em sua liberdade e nos
direitos alcançados, ressaltamos a urgência da discussão e do fortaleci-
mento dessa relação, pois nos deparamos em um momento de resistên-
cia e enfretamento que só é possível pela fortificação no coletivo.

Referências
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e Base Comum Nacional: Construindo Um Projeto Coletivo. Florianópolis –
SC, 2002.
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Brasília – DF, 2001.
______. Lei nº 13.174 de 21 de out. de 2015. Insere inciso VIII no art. 43
da Lei no 9.394, de 20 de dez. de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir, entre as finalidades da educação superior, seu
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______. Resolução CNE/CP 2, de 19 de fev. de 2002. Institui a duração e a
carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de
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Bolsa Institucional de Iniciação à Docência (Pibid). Brasília– DF, 2007.
______. Portaria CAPES nº 38, de 28 de fev. de 2018. Institui o Programa de
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______. Resolução CNE/CES Nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Diretrizes
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Fórum Nacional de Educação. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
Executiva Adjunta, 2010.
CURADO SILVA, Kátia Augusta Pinheiro Cordeiro. A Formação de
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53
Alisson Silva da Costa / Nathália Barros Ramos

DUARTE, Newton. O Debate Contemporâneo das Teorias Pedagógicas.


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Suas Relações. 2018. 207f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
de Brasília, Brasília – DF, 2018.

54
4
Prácticas integrales de extensión
universitaria: reflexiones teóricas de una
experiencia de formación en contexto
Amado Batista Mainegra1
Odette González Aportela2

L
a educación constituye hoy día un factor esencial del desarrollo
social y económico ampliamente reconocido y un reto inaplazable
para toda la sociedad, por las profundas y constantes transforma-
ciones a que se encuentra sometida bajo la influencia de la revolución
científica-técnica-productiva y las crecientes demandas de la población.
Esta situación impone no pocos cambios en todos los campos de acción
relacionados con la formación constante y continua de los recursos
humanos, tal y como se refrendara en la Declaración de la Conferencia
de Cartagena, emitida en la Conferencia Regional de Educación Supe-
rior, en la que al analizar el contexto de la región se estableció que:
en un mundo donde el conocimiento, la ciencia y la tecnología juegan un
papel de primer orden, el desarrollo y el fortalecimiento de la Educación
Superior constituyen un elemento insustituible para el avance social, la
generación de riqueza, el fortalecimiento de las identidades culturales,
la cohesión social, la lucha contra la pobreza y el hambre, la prevención
del cambio climático y la crisis energética, así como para la promoción
de una cultura de paz. (UNESCO, 2008, p. 41)

En ese contexto, la educación superior no sólo debe proveer sóli-


das destrezas para el mundo actual y futuro, sino también contribuir a
la educación de ciudadanos éticos y comprometidos con la construc-

1 Doctor en Ciencias de la Educación, Subdirector del Centro de Estudios para el


Perfeccionamiento de la Educación Superior (CEPES), Universidad de La Habana, amado@
cepes.uh.cu
2 Doctora en Ciencias de la Educación, Directora de Extensión Universitaria, Universidad de
La Habana, odette@rect.uh.cu

55
Amado Batista Mainegra / Odette González Aportela

ción de la paz, la defensa de los derechos humanos y los valores de la


democracia. Tal y como se aprobó en la Conferencia Mundial de Edu-
cación Superior celebrada en 2009 en Francia, en cuya declaración final
se insta a la Instituciones de Educación Superior (IES) al desarrollo de
áreas de investigación y enseñanza que respondan a los temas o asuntos
relacionados con el bienestar de la población y establecer un funda-
mento sólido para la ciencia y la tecnología relevantes para los proble-
mas locales (UNESCO, 2009).
En este sentido, se debe tener en cuenta que en una universidad
moderna resulta indispensable estructurar en su interior tres procesos
sustantivos, cuya integración permite dar respuesta plena a la misión,
a saber: formación, investigación y extensión universitaria, pues tal y
como expresara Tünnerman (2003):
la función de extensión, a la par de la docencia y la investigación, forman
parte integral de la misión educativa de las instituciones de educación
superior. Las tres funciones deben estar presentes en las políticas
y estrategias de las instituciones, apoyándose, interrelacionándose
recíprocamente. (p. 86)

Sin embargo, el cumplimiento de la misión social de la IES, en


tanto institución formativa y transformadora, estrechamente ligado a la
formación de un profesional integral, requiere aglutinar todo el queha-
cer universitario y proyectarlo, a través de un proceso fundamental: la
extensión universitaria. De ahí que a través de la extensión universita-
ria se consolida la labor de promoción de la cultura de las IES para la
formación de un profesional integral. Para enfrentar el reto que impone
la Agenda 2030 para el desarrollo sostenible, y la Agenda de Educación
2030, se requiere de la integración de los procesos sustantivos univer-
sitarios, donde la extensión universitaria, como proceso integrador,
tiene un rol fundamental, de ahí que el presente trabajo como obje-
tivo propiciar la reflexión teórica alrededor de las prácticas integrales
de extensión universitaria (PIEU), como una experiencia de formación
en contexto.

Las IES y sus procesos sustantivos. Una aproximación a su


necesaria integración

Las IES, al igual que otras organizaciones, pueden considerarse


como un sistema de procesos que actúan de manera interrelacionada,
donde los procesos sustantivos, al constituir su razón de ser y como

56
Prácticas integrales de extensión universitaria

resultado de su integración, cumplen con su misión de preservar, desar-


rollar y promover la cultura acumulada a la sociedad; sin embargo, al
estar involucradas en constantes procesos de transformación, ante los
nuevos escenarios económicos, políticos, sociales y educativos, tanto
nacionales como internacionales, en aras de dar cada vez mayores y
mejores respuestas a las demandas de la sociedad, es inminente la nece-
sidad de que estas instituciones educativas perfeccionen constante-
mente sus procesos sustantivos. Todo ello con la certeza de que la exce-
lencia académica se mide a través de la comprobación de la pertinencia
social, para lo cual será necesario realizar cambios cualitativos en su
gestión para garantizar la integración de dichos procesos.
En busca de la necesaria integración de los procesos sustantivos
universitarios, la extensión universitaria debería constituir un puente
entre las actividades de investigación y formación con las demandas
educativas de la sociedad. Esta perspectiva de la extensión universitaria
podría incidir en un avance hacia mayores niveles de pertinencia social
de la educación superior, que se manifiesta al asumir el compromiso
de plantear soluciones para atender la complejidad de las situaciones
económicas, políticas y sociales presentes
Ante este desafío, resulta impensable que el desarrollo de los pro-
cesos universitarios y su gestión, en las IES, se limite a garantizar el
cumplimiento de lo planificado, pues, coincidiendo con el criterio de
Galarza y Almuiñas (2014), este proceso debe:
proyectar y llevar a vías de hecho el desarrollo integral de la institución,
para cumplir con eficiencia y eficacia su función social mediante el
perfeccionamiento de sus relaciones internas y con el medio exterior,
convirtiéndola a la vez, en un relevante centro cultural de su entorno
comunitario, que permita, con un concepto de integralidad, la
formación de las nuevas generaciones de ciudadanos, capaces de
interactuar y transformar la realidad circundante, con una concepción
de universalidad de los saberes, pero con base en los fundamentos de la
cultura nacional y un sentido de desarrollo autóctono al interior de sus
entornos territoriales y regionales más concretos. (p. 6)

En el presente trabajo se asume la clasificación asumida por Batista


(2016), en la que se definen los procesos universitarios en procesos estra-
tégicos, procesos claves o sustantivos (hace referencia a los procesos fun-
damentales) y procesos de apoyo, y en consecuencia se asumirán como
procesos sustantivos: formación, investigación y extensión universitaria
La gestión de estos procesos, los cuales tributan de manera coor-
dinada al cumplimiento de la misión de la IES, deben desarrollarse cada

57
Amado Batista Mainegra / Odette González Aportela

vez con más intencionalidad, mediante la planificación, organización,


ejecución y control, para obtener resultados superiores con el objetivo
de lograr la excelencia y la satisfacción de la sociedad. Por ello, se hace
necesaria la integración dialéctica de los tres procesos sustantivos como
garantía del cumplimiento de la misión de la IES, por lo que se asume
en este trabajo la definición de Batista (2016) de integración de procesos
sustantivos universitarios como:
el proceso de planificación, organización, implementación, control y
mejora de acciones sinérgicas y complementarias entre la formación,
la investigación y la extensión universitaria, para satisfacer las
demandas de la comunidad universitaria y de la sociedad con mayor
racionalidad en el uso de los recursos (financieros, técnicos y humanos),
contribuyendo así al cumplimiento de la misión universitaria. (p. 17)

Alcanzar dicha integración, requiere, de la extensión universi-


taria pensada como interrelación con los demás procesos sustantivos y
las exigencias del contexto político, económico, social y cultural, lo que
presupone una confrontación de realidades, cuya síntesis establecerá
modificaciones sustanciales entre las partes involucradas, por consti-
tuir en esencia un aspecto de recíproco aprendizaje, debido a que una
IES, al conocer la realidad nacional, enriquece y redimensiona toda su
actividad académica.
De este modo, una doble vía de comunicación se establecerá,
potenciando las actividades docentes e investigativas desarrolladas den-
tro del ámbito educativo universitario, de tal forma que “…la extensión
universitaria debe incidir de manera más orgánica en el cumplimiento
del encargo social de la Universidad, y en particular, en la formación
integral del futuro profesional” (Alarcón, 2015, p. 6).

La extensión universitaria como proceso integrador

A partir de los postulados reformistas de Córdoba, se dio origen


a la extensión universitaria como una nueva función de las IES latinoa-
mericanas, la función social. Afirman también que es esta función la
que más contribuye a tipificar y distinguir a las IES del área, de las de
otras regiones del mundo.
Se asume entonces la definición de extensión universitaria de
González (1996), en la que se presenta este proceso en su doble carác-
ter de función y proceso consustancial a la esencia de la actividad uni-
versitaria. De esta forma, los autores del presente trabajo se apropian

58
Prácticas integrales de extensión universitaria

también de los planteamientos de González y González (2006) cuando


concluyen que la extensión universitaria constituye un proceso univer-
sitario formativo que tiene sus propios objetivos, contenido y método, y
tiene incidencia también en la formación y la investigación, pero no se
identifica únicamente con ellos, pues tiene personalidad propia como
proceso y aporta un producto final. De esta manera se corrobora el
planteamiento de González (2002), cuando expresa que:
por medio de la extensión los problemas sociales (punto de partida de
los procesos universitarios) se canalizan a la universidad y se reflejan
en sus procesos de docencia e investigación o de la propia extensión,
en los cuales se inserta, sirviendo de vía de comunicación en los dos
sentidos universidad– sociedad y viceversa, lo que explica que cuando
la universidad, mediante el proceso docente de pregrado o postgrado o
el proceso investigativo, promueve el desarrollo cultural de la sociedad
en las ramas técnica, científica, política, artística, deportiva, etc., eso
es extensión universitaria. (p. 52)

Tal y como expresara González (2002):


el proceso extensionista es aquel, por tanto, que como resultado de
las relaciones sociales que se dan entre los sujetos que en él participan
está dirigido de un modo sistémico y eficiente, a la promoción de
cultura para la comunidad intra y extrauniversitaria (objetivo), con
vistas a la solución del (problema) social: necesidad de contribuir al
desarrollo cultural de la comunidad, mediante la apropiación de la
cultura que ha acumulado la sociedad en su desarrollo (contenido);
a través de la participación activa de la comunidad universitaria y
extrauniversitaria (método); planificada en el tiempo y observando
ciertas estructuras organizativas (forma); con ayuda de ciertos objetos
(medio); instrumentando indicadores que permitan medir la calidad
(evaluación) y cuyo movimiento está determinado por las relaciones
causales entre sus componentes y de ellos con la sociedad (leyes) que
constituyen su esencia. (p. 52)

Esta misma autora refleja que, por consiguiente:


lo que distingue a la extensión universitaria de la formación o la
investigación, no es el cumplimiento con mayor o menor grado de una
función social, sino cómo la cumple y con qué objetivo lo hace. La
extensión es más ágil, más libre, más oportuna, más hecha a la medida
de las necesidades sociales, por cuanto se asienta en la metodología
del trabajo social, en la promoción cultural y parte de las necesidades
sentidas de las comunidades, que traducidas en problemas transitan
desde su metodología al logro del objetivo: promover cultura a partir
del desarrollo de acciones que se dirigen a potenciar la creación de
valores culturales, la conservación de dichos valores, la difusión y el
disfrute. (González, 2002, p. 52)

Precisamente este planteamiento fundamenta la integración de


los procesos sustantivo de la IES, orientados a cumplir su encargo social:
favorecer una actitud de cambio y transformación social mediante los

59
Amado Batista Mainegra / Odette González Aportela

profesionales que egresan, a través de una formación cada vez más inte-
gral. El desafío planteado a este proceso sustantivo, a través del desar-
rollo de una promoción de la cultura desde una concepción integral,
ha tenido una marcada expresión en el escenario latinoamericano con-
temporáneo. En el caso particular de Cuba, la sistematización realizada
por Batista (2016), les permite a los autores de este trabajo presentar de
manera resumida las principales tendencias de la extensión universita-
ria como proceso integrador, reconociendo la definición que aporta este
autor sobre las prácticas integrales de extensión universitaria (PIEU),
las que concibió como:
el conjunto de actividades que propenden a la promoción de la cultura
en su más amplia acepción, desde un enfoque de integración armónica
de procesos sustantivos universitarios, por lo que contribuyen a la
formación integral de los futuros profesionales al mismo tiempo que
se cumple con el encargo social de la educación superior. (Batista,
2016, p. 84)

Las prácticas integrales de extensión universitaria, según


Batista (2016), deben gestionarse, además del proceso de extensión
universitaria, desde la formación y en el proceso de investigación, y
en cualquier nivel de decisión de la Institución (IES, facultad/centro,
departamento y año académico), asumiendo para ello el criterio de
González (2002) al definir los niveles básicos en los que se desarrolla
el trabajo sociocultural.
Acorde a la definición anterior, cualquier actividad cuyo objetivo
sea la promoción de la cultura, y que se conciba desde un enfoque de
integración de los procesos sustantivos universitarios, puede conside-
rarse una práctica integral de extensión universitaria. Según este prin-
cipio, y coincidiendo con el criterio de Camilloni et al. (2013), las prác-
ticas integrales de extensión universitaria permiten diseñar procesos de
enseñanza-aprendizaje que articulen cuidadosamente una:
sólida formación teórica y un aprendizaje experiencial que den
cuenta de la complejidad y la incertidumbre de los problemas que
debe enfrentar un graduado, y que contemplen sistemáticamente
actividades de resolución de problemas reales, toma de decisiones y
diseños de proyectos. La formación ha de ser muy actualizada para
abrir las puertas a la producción de conocimientos, preocupada por
promover la comprensión de las redes que conforman la sociedad civil
y el Estado para mostrar la conexión del conocimiento académico y
profesional con la ciencia, la tecnología y los mundos natural y social,
porque el conocimiento universitario ya no se encuentra encerrado en
el ámbito de las disciplinas académicas. (Camilloni et al., 2013, p. 12)

60
Prácticas integrales de extensión universitaria

Para asumir este desafío, los autores del presente trabajo cor-
roboran el criterio de Batista (2016), al plantear la necesidad de asu-
mir algunos elementos del Enfoque Histórico Cultural (EHC) para
sustentar una enseñanza desarrolladora en el diseño del proceso de
enseñanza-aprendizaje (PEA) dentro de las Prácticas Integrales de
Extensión Universitaria, el cual se debe caracterizar por ser un pro-
ceso en el que:
• el estudiante sea un ente activo y participativo en su propio
aprendizaje;
• se favorezca la motivación del estudiante a desarrollar una
actitud crítica y analítica;
• haya una flexibilidad en el proceso, fundamentalmente, en
cuanto al contexto en el que se desarrolla, los tipos de interac-
ción, las formas de comunicación y los materiales de estudio;
• se propicie el aprendizaje en grupo y el trabajo colaborativo, y
• el profesor tenga un papel orientador, estimulador, controla-
dor y evaluador.
Otro sustento importante para el desarrollo de las PIEU es el
empleo de la Investigación Basada en Diseño como recurso metodoló-
gico. Asumir el diseño y posterior implementación de las PIEU que se
proponen, desde los principios de una Investigación Basada en Diseño
(IBD), permitirá desarrollar unas PIEU con una concepción investiga-
tiva intrínseca. La necesidad de desarrollar una PIEU con un marcado
carácter participativo, en el que la selección de las acciones se realice
sobre bases científicas, de manera tal que incluya la transformación del
problema y de los propios actores del proceso, sustenta la selección de la
IBD, dada las herramientas metodológicas que ofrece a partir del aná-
lisis de dos tipos de datos, como resultado de los ciclos iterativos de
puesta en práctica, recogida y análisis de datos.
Estos ciclos iterativos responden a una espiral permanentemente
auto-reflexiva, en la que se concibe la reflexión inicial sobre los proble-
mas diagnosticados y la importancia del tema tratado, la planificación,
puesta en práctica de las acciones diseñadas y observación de cómo
funcionan, reflexión y ajuste de las acciones para comenzar un nuevo
ciclo. Es un proceso que sigue una evolución sistemática, y en el que
se recogen e interpretan cualitativamente datos sobre los que se basa
una rigurosa reflexión a partir de la integración grupal, el análisis de

61
Amado Batista Mainegra / Odette González Aportela

la práctica, la profundización teórica y la propuesta de alternativas de


solución para tomar decisiones.
De esta forma, las PIEU, conservarán un carácter participativo
y proactivo en su gestión, en la que su aplicación se efectúa por medio
del trabajo en equipo de manera proactiva, en especial, en la toma de
decisiones, considerando la actuación anticipada, contraria a la reac-
tiva, caracterizada por accionar cuando se presenta el problema o la
dificultad, o peor aún, después de su manifestación. Es incuestionable
que estas características de la IBD son ventajosas para la concepción e
implementación de las PIEU, lo que ha permitido que los autores del
presente trabajo la asuman como herramienta metodológica.
Según estos fundamentos teórico–metodológicos, se asumen
las PIEU, desde una concepción que las considera como una forma de
expresar la dirección de un proceso, para este caso particular, la inte-
gración de procesos sustantivos universitarios; que parte de objetivos
según el diagnóstico de necesidades, intereses y conocimientos; mani-
fiesta la contextualización de ese proceso; que está compuesta por ele-
mentos prácticos (actividades y acciones) en estrecha relación con la
teoría, para poder transformar eficientemente la realidad y en donde los
recursos humanos representan el núcleo del desarrollo; considera una
lógica sinérgica entre estado real y estado necesario, que transita por el
cumplimiento de los objetivos (Deler, 2007).
Al realizar un análisis de lo que definió como PIEU, Batista
(2016), además, identificó y definió dos tendencias en las Universida-
des cubanas y latinoamericanas de manera general, una vinculada a la
formación curricular, y otra directamente relacionada a las actividades
extracurriculares. A partir del desarrollo de la dimensión pedagógica
de la extensión universitaria, varias IES han incorporado, desde el pro-
ceso extensionista, un grupo de actividades que tienden a integrar los
procesos sustantivos universitarios, y que se han definido como prác-
ticas curriculares que articulan formación, investigación y extensión
en la formación de grado, que se vinculan con actores no universita-
rios buscando contribuir a la resolución de sus problemáticas y que
incorporan abordajes interdisciplinarios. Estas prácticas, definidas por
algunos autores como curricularización de la extensión universitaria,
han devenido en un proceso en el que se recupera y actualiza el debate
acerca de la función social de las IES, según Camilloni et al. (2013):
concebida como posibilidad y responsabilidad, a través de la
articulación entre docencia, investigación y extensión…, para seguir

62
Prácticas integrales de extensión universitaria

construyendo el vínculo universidad-sociedad y contribuyendo al


diseño de nuevos espacios de aprendizaje para los estudiantes en el
marco de las experiencias concretas de la extensión universitaria. (p. 3)

Teniendo en cuenta estas ideas, se asume la definición que por


primera vez para el contexto cubano ofrece Batista (2016), que definió
la curricularización de la extensión universitaria como:
el proceso a través del cual, con el objetivo general de promover cultura,
se diseñan e implementan, en el pregrado, asignaturas que incorporen
naturalmente elementos de los tres procesos sustantivos universitarios,
para incidir de manera más orgánica en el cumplimiento del encargo
social de las Instituciones de Educación Superior y en la formación
integral del futuro profesional. (p. 24)

Esta definición se diferencia de otras definiciones latinoamerica-


nas, básicamente en su concepción, pues no se identifica con la práctica
de instituir en el currículo universitario una asignatura sobre extensión
universitaria, ni el establecimiento de una carga horaria o de créditos,
para realizar actividades netamente extensionistas. Precisamente, la
realización de actividades extra-curriculares o extra-docentes, conce-
bidas bajo el principio de integración de los procesos sustantivos uni-
versitarios, es una práctica de algunas IES latinoamericanas, que en el
escenario cubano han sido denominadas como Trabajo Universitario
Socialmente Útil por Batista (2016), quien las define como una:
modalidad de actividad extensionista extracurricular en la que se
integran procesos sustantivos universitarios, donde a través de una
labor activa de los estudiantes, las IES dan respuesta a necesidades de
la sociedad, al mismo tiempo que los acerca a su futura profesión, por
lo que contribuye a su formación integral. (p. 78)

De esta manera, se hace un abordaje de la extensión universitaria


desde las PIEU que sustenta un nuevo paradigma para este proceso-
función, y que descansa en un concepto amplio, diversificado con su
consecuente aplicación en la práctica, asumiéndolo como un proceso
formativo, dinámico, integrador y multifacético que asume hoy su pro-
pia concepción: la preparación y consolidación de las IES como organi-
zaciones de cultura y la ampliación de la influencia recíproca e integra-
ción con la sociedad mediante la promoción de la cultura en el sentido
más amplio. Para cualquiera de las dos tendencias mencionadas en la
implementación de las PIEU, existe un denominador común: el diseño
de procesos de enseñanza-aprendizaje (PEA) que incorporaran prácti-
cas de extensión universitaria con el apoyo o la utilización de elementos
de la investigación científica.

63
Amado Batista Mainegra / Odette González Aportela

Un elemento trascendental en el diseño de estos PEA, como parte


de las PIEU, es la concepción y diseño general de la tarea integradora, la
que constituye un elemento crítico en la concreción de la integración de
procesos sustantivos universitarios, pues a través de esta actividad, los
estudiantes modelan, simulan y ejecutan, una actividad profesional, al
enfrentarse al diseño y ejecución de una acción extensionista de carác-
ter educativo, de esta forma, se sitúa al estudiante en condiciones con-
cretas de realización, donde analiza y ofrece alternativas de solución. Se
entrena así al estudiante a trabajar en equipo, en la toma de decisiones,
en la comunicación oral y escrita, en la autoformación, en la búsqueda
e investigación de soluciones a problemas profesionales.
Con la tarea integradora, los estudiantes aplican los conoci-
mientos adquiridos y los ponen en función de una actividad de inves-
tigación, que coincidiendo con Hernández (2003), desarrolla en los
mismos las habilidades relativas al dominio de los métodos de la inves-
tigación científica, del procesamiento de la información, del reporte de
resultados y cualidades, entre otras, tales como creatividad, autovalora-
ción y perseverancia. De esta forma, la actividad investigativa se estab-
lece como rasgo específico de la actividad profesional y, presupone no
sólo la aplicación formal de un método de investigación, sino el entre-
namiento en los procesos de búsqueda de la información científico-téc-
nica, de comprobación de conjeturas y de autocontrol de la actividad.
La actividad investigativa da paso a la elaboración de una pro-
puesta de acción educativa de carácter netamente extensionista. El
trabajo de extensión universitaria se asume, de esta forma, como una
función sustantiva integradora de los procesos universitarios, haciendo
énfasis en este caso, en el componente extensionista del proceso peda-
gógico, que se inserta en un espacio y tiempo sociocultural para trans-
formarlo cualitativamente, procesarlo científicamente y convertirlo en
un proceso de desarrollo evolutivo, constante y sistemático para el bino-
mio IES-sociedad. De esta manera no sólo se garantiza una sólida for-
mación académica, sino que se propicia un aprendizaje experiencial,
según el criterio de Camilloni (2011), lo que corrobora la importancia
que tiene la incorporación de la extensión universitaria al currículo,
evidenciado en el rol de formación que tiene la extensión universitaria
para los estudiantes al ponerlos en contacto con la realidad.
La implementación de las PIEU en la Universidad de La Habana
durante 6 años (2010-2016), permitió el diseño e implementación de
procesos de enseñanza-aprendizaje a través de los cuales los alumnos

64
Prácticas integrales de extensión universitaria

realizaron actividades en las que, a partir de la vinculación teoría-prác-


tica, pusieron a prueba, en situaciones reales, las habilidades y cono-
cimientos teóricos que poseían, se autoevaluaron, enriquecieron esos
conocimientos y habilidades e identificaron nuevos problemas, lo cual,
además de contribuir a su formación integral, contribuyó a su forma-
ción ética, facilitando también el conocimiento del contexto comuni-
tario y social, al tiempo que les permitió brindar un servicio de valor
positivo en respuesta a demandas de satisfacción de necesidades exte-
riores o interiores a la IES.
Además, la concepción organizativa y el diseño de las actividades
ejecutadas durante la implementación de las PIEU, generó un impacto
social en los propios estudiantes participantes, ya que posibilitaron que
se trabajara con estos en:
• el desarrollo de un compromiso social mediante el acerca-
miento a las condiciones de trabajo y vida de la comunidad;
• propiciar el sentido de responsabilidad, solidaridad y honesti-
dad;
• el desarrollo de los valores humanos y del sentido de ayuda
mutua a través de la compenetración con personas de dife-
rentes comunidades y personas consideradas en riesgo o
vulnerables;
• el trabajo en equipos, que permitió el desarrollo del sentido
del colectivismo, a la vez que estimuló las estrategias de direc-
ción en grupo;
• la aplicación de principios éticos y de humanismo en el trato
hacia las personas con las que se relacionaron en este trabajo;
• incentivar la creatividad individual en el trabajo de prepa-
ración de los informes y presentaciones de los resultados
obtenidos,
• iniciarlos en la formación investigativa, tanto en la labor de
llenado de encuestas, como en el procesamiento de los datos
recogidos y la preparación de tablas y figuras para los infor-
mes, y en la presentación y discusión de estos (oral y escrita).
Sin lugar a dudas, los autores del presente trabajo coinciden con
el criterio de Tommasino et al. (2010), al expresar que:

65
Amado Batista Mainegra / Odette González Aportela

en las prácticas integrales en donde se articulan las funciones, el


rol de la extensión puede propiciar la reconfiguración, integración
y renovación de todos los componentes del acto educativo. Las
experiencias educativas en terreno posibilitan procesos que, a la vez,
interpelan los conocimientos adquiridos en las aulas y posibilitan su
mejor internalización, al vincular a los estudiantes con problemáticas
sociales de su tiempo y ponerlos a trabajar junto a las comunidades que
las viven, promueven procesos de transformación subjetiva y reflexión
ético-crítica favorecedoras de la asunción de posicionamientos
personales y colectivos críticos, responsables y solidarios. (p. 2)

Se evidencia así que “es en la práctica de extensión donde el saber


académico se nutre y retroalimenta con el saber popular, en relación
dialógica (…). Esto necesariamente conlleva a una transformación per-
manente del saber académico y de los propios universitarios” (Butta-
zzoni et al. (2013, p. 3). De esta manera se contribuye a “la idea de un
individuo formándose inmerso en la comunidad a la cual pertenece, un
estudiante que sustenta su aprendizaje en un encuentro de saberes con
los actores sociales, como un modo de lograr una formación integral,
crítica y comprometida” (Apeztegui et al., 2011, p. 4).

Consideraciones

La posibilidad de la articulación e integración de procesos sus-


tantivos universitarios a través de las Prácticas Integrales de Extensión
Universitaria es una manera más, a través de la cual una IES hace rea-
lidad su función social, poniendo al servicio de la sociedad los saberes
que produce y enseña, y permitiendo a su vez un encuentro de saberes
entre lo popular y académico, fomentando la colaboración con la comu-
nidad; lo que implica la necesidad de planificar dispositivos curricula-
res de forma que se haga viable la formación en y con la comunidad.
De esta forma, en el diseño e implementación de las Prácticas
Integrales de Extensión Universitaria, en cualquiera de sus dos tenden-
cias, la curricular (curricularización de la extensión universitaria) o
extracurricular (trabajo universitario socialmente útil), debe asumirse
al estudiante como centro de un proceso de enseñanza-aprendizaje en
el que adquirirá conocimientos, habilidades y destrezas, contribuyendo
a su crecimiento individual (se generan procesos de aprendizajes al
enfrentarse a situaciones nuevas) y a la satisfacción de las necesidad
internas o externas a la Universidad.
De esta forma la extensión universitaria contribuye a la construc-
ción de una identidad profesional comprometida con la realidad social,

66
Prácticas integrales de extensión universitaria

ya que se trata de un espacio que brinda a los estudiantes experiencias de


intervención, así como la posibilidad de profundizar sus conocimientos
sobre una temática o un campo social de su interés y sobre la función
de extensión universitaria. Es aquí donde se evidencia la importancia
de la extensión universitaria como guía política y proceso de formación
en tanto implica la construcción de un conocimiento pertinente a las
necesidades y potencialidades de la comunidad.

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68
5
Aspectos formativos de docentes
que atuam nas instituições conveniadas
de Educação Infantil do Distrito Federal
Dayse Kelly Barreiros de Oliveira
Ellen Michelle Barbosa de Moura

O
percurso histórico da Educação Infantil é permeado pela
necessidade das famílias de que alguém cuide das crianças
e do cuidar, entretanto a partir da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) de 1996 tem-se um marco importante
quando a mesma passa se tornar a primeira etapa da Educação Básica
e com isso começa a efetivar a inclusão de outras dimensões. A luta
histórica pela garantia da educação na primeira infância é necessária
e contínua, pois as crianças pequenas merecem uma educação pautada
nos pilares cuidar e educar considerada de modo indissociado.
Nesse viés, em 2009, aprova-se a Emenda Constitucional nº
59/2009 que versa sobre a obrigatoriedade da oferta da Educação
Básica a partir dos quatro anos de idade, mas somente em 2013, a Lei
nº 12.796/2013 altera a LDB (BRASIL, 2013), o que tem influenciado
as políticas públicas para essa área. Alves e Pinto (2011) apontam que
uma parcela significativa das crianças pobres só consegue ter acesso à
escola a partir da faixa etária obrigatória, por isso essa ampliação foi
tão importante. Outro ponto a destacar é a questão do financiamento
dessa etapa de ensino, pois, mesmo após as mudanças na legislação, à
disponibilização dos recursos financeiros para essa etapa é insuficiente,
o que contribui para a precarização (CRUZ, 2017).
A discussão relativa à Educação Infantil amplia o foco sobre como
a formação está pensando os currículos e discussões para essa etapa, e
também, a necessidade de pesquisas que procurem compreender se a

69
Dayse Kelly Barreiros de Oliveira / Ellen Michelle Barbosa de Moura

formação que esses profissionais tiveram, ou estão tendo, proporciona


diálogos com o cotidiano escolar. A formação de professores voltada
para a Primeira infância é um evento historicamente novo e os estudos
que enfatizam essa etapa de ensino ainda são incipientes. Romanowski
(2012) em seu estudo, “Apontamentos em pesquisas sobre formação de
professores: contribuições para o debate”, corrobora a afirmação acima.
Diante disso, é notória a necessidade de pesquisas que enfati-
zem e procurem compreender quem são os profissionais que atuam na
Educação Infantil, por quais tipos de formação, inicial e continuada,
passam e qual a concepção dos mesmos sobre esse percurso. As teo-
rias acerca da formação inicial apontam que a mesma não tem como
abarcar, em seu currículo, toda a gama de conhecimentos necessários
para a docência, em contrapartida, muitas vezes essa formação deixa de
criar elos entre a teoria e a prática e pouco discute o cotidiano escolar,
formando assim, professores que se sentem despreparados para a ativi-
dade docente e que, muitas vezes, não tem os saberes necessários para
lidar com as relações de ensino e aprendizagem inerentes ao contexto
escolar (GATTI, 2016; ARAÚJO, RODRIGUES e ARAGÃO, 2017).
A escolha por essa temática aconteceu por causa da vivência das
pesquisadoras em instituições que lidam e atendem a Educação Infan-
til, fator que trouxe à tona as angústias dos profissionais acerca de sua
formação e de como a mesma influencia ou não a atuação na área.
Nesse sentido, tornou-se pungente a necessidade de pesquisa que bus-
casse compreender a concepção do profissional que atua nessa etapa de
ensino no que tange à formação. Isto posto, a pesquisa se problematiza a
partir da seguinte questão: qual a concepção dos professores, que atuam
nas instituições conveniadas da Educação Infantil, sobre sua formação
inicial e continuada? Assim, os objetivos da pesquisa são: analisar o
percurso de formação inicial e continuada dos docentes que atuam nas
instituições conveniadas da Educação Infantil, e compreender a relação
que os sujeitos fazem entre a formação e a atuação profissional.
A fim de justificar a relevância dessa pesquisa, verificamos a
existência de elementos que interferiram na escolha do tema e que se
justificam a partir de quatro níveis de relevância: 1) pessoal, o inte-
resse por essa temática já fazia parte das reflexões desde que iniciamos
a docência, pois a etapa da Educação Infantil foi campo de atuação
durante determinado período; 2) acadêmica, destaca-se a contribui-
ção que esta temática traz para o âmbito científico, uma vez que exis-
tem pesquisas em número ainda incipiente sobre a temática, além

70
Aspectos formativos de docentes

de ser um modo de entender como se configura a formação inicial e


continuada voltada para o público da Educação Infantil. Trata-se de
um assunto de caráter prospectivo, que pode gerar inúmeras investi-
gações; 3) profissional, este assunto pode contribuir para o desenvol-
vimento do trabalho docente; 4) social, se caracteriza pelo conheci-
mento do tipo de relação estabelecida entre a Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal (SEEDF) e as instituições conveniadas
que são terceirizadas. Com o objetivo de entender esses fatores é cru-
cial dialogar com os teóricos que tratam da Educação Infantil e da
formação de professores, além de compreender alguns documentos
da SEEDF que tratam da temática da pesquisa.

Entendendo a temática

A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e


tem como objetivo “o desenvolvimento integral da criança de até cinco
anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996).
Na perspectiva da integralidade, o desenvolvimento infantil evidencia
a indissociabilidade do educar, cuidar, brincar e interagir no atendi-
mento às crianças. A oferta dessa etapa é dever do Estado e pode ser
disponibilizada em instituições nomeadas creches (de zero a três anos)
e pré-escolas (de quatro e cinco anos), em jornada integral ou parcial. O
fato da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) trazer em seu con-
teúdo a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica já
é resultado do avanço da legislação e de lutas dos movimentos sociais
em prol da primeira infância, segundo o próprio documento “como
primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil é o início e o
fundamento do processo educacional” (BRASIL, 2018, p.36).
A necessidade da universalização da Educação Infantil impõe
ao governo a urgência de pensar em políticas públicas que garantam a
ampliação do número de vagas para as crianças de quatro e cinco anos.
Com isso, a opção de muitos municípios é o aumento da política de
conveniamento com instituições privadas. Exemplo disso são os estu-
dos realizados por Oliveira (2010), que apresentam um mapeamento
geral das parcerias/convênios entre o poder público municipal e a esfera
privada para o atendimento da Educação Infantil nos municípios pau-
listas; o de Oliveira e Borgui (2013), ao apontar que 55% desses muni-
cípios recorrem ao atendimento conveniado como forma de atender a

71
Dayse Kelly Barreiros de Oliveira / Ellen Michelle Barbosa de Moura

demanda local; e Oliveira e Moura (2017) que constata a política de


conveniamento no Distrito Federal e a lógica do mesmo.
A pesquisa foi realizada no Distrito Federal, pois essa unidade
federativa, assim como muitos munícipios, ampliou a política pública
de conveniamento com instituições sem fins lucrativos de prédio pró-
prio e/ou que estejam dispostas a gerir em prédios públicos. Com isso,
o governo repassa recursos financeiros para o atendimento educacional
às crianças da primeira infância, desde que as instituições atendam aos
critérios estabelecidos pela legislação, tais como: Termo de convenia-
mento, Orientações Pedagógicas dos Convênios (OP), Plano de Traba-
lho, Portarias.
O cenário da terceirização está posto através dessa ação e na
Educação Infantil do DF a maioria das crianças está inserida em insti-
tuições conveniadas. Segundo dados de 2017, do Relatório de Gestão da
SEEDF (DISTRITO FEDERAL, 2017), foram construídos, entre 2014
e 2017, 24 Centros de Educação da Primeira Infância (CEPI´s) – par-
ticulares conveniadas, 03 Centros de Educação Infantil e 02 Jardins
de Infância (públicas). Esses números demonstram, claramente, que a
oferta de vagas na primeira etapa da Educação Básica se dá majoritaria-
mente pelo conveniamento, pois existem muitas mais CEPI´s. Esse fato
é deveras preocupante, pois traz à tona a terceirização dessa etapa via
condições diferenciadas de trabalho, já que o regime de contratação das
instituições conveniadas é a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT
e o salário dos docentes é aproximadamente duas vezes menor que dos
professores concursados nessa mesma etapa.
A política de convênios pode implicar relações de poder, via
trabalho, presentes no ideário do capitalismo, o qual propicia divisão
de classes e, ao mesmo tempo, é elemento propulsor de consciência
(MARX, 2014). Segundo Oliveira e Moura (2017) o fato da mão de obra
do professor da conveniada custar menos do que a do professor da rede
pública e o GDF fazer essa opção de modo consciente, a fim de dimi-
nuir custo, mas ambas as relações estão sobre a égide da força do capital
é marca da terceirização e das relações neoliberais que atravessam as
laborais. O que mostra a necessidade de luta e consciência de classe
para oferecer resistência.
Em relação à formação de professores que atuam na Educação
Infantil, historicamente no Brasil existiu a formação em nível de ensino
médio, via formação técnica oferecida no magistério. Na graduação, os
normais superiores (já extintos) e a Pedagogia; e na pós-graduação, os

72
Aspectos formativos de docentes

cursos lato e stricto sensu. Gatti (2010) nos lembra de que somente em
2006, após muita discussão, o Conselho Nacional de Educação aprovou
as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Pedagogia, pro-
pondo-os como licenciatura e atribuindo a estes a formação de profes-
sores para a Educação Infantil e Anos Iniciais da escolarização. Auto-
res tais como Gatti (2016), Barreto (2015), Araújo, Rodrigues e Aragão
(2017) problematizam essa formação afirmando que a formação inicial
ainda se apresenta de modo incipiente, que o currículo da mesma pre-
cisa ser revisto, que os estudantes graduandos reportam aos professores
a falta da relação teoria e prática, entre outros.
A pós-graduação surge a partir da necessidade do mercado de
trabalho, o qual passa a demandar profissionais com conhecimentos
cada vez mais específicos para garantir o aumento da produtividade,
aspecto esse que os cursos de graduação não contemplavam (OLI-
VEIRA, 1995). E assim, a formação ganhava uma continuidade não
somente para especializar, mas também como uma oportunidade de
preencher lacunas encontradas na formação inicial. Existem muitas
pós-graduações ofertadas na área da Educação Infantil, principal-
mente, por instituições particulares.
Diante do exposto, fica claro que tanto a formação inicial quanto
a continuada precisam ser pesquisadas para que o entendimento sobre
elas possibilite discussões e possíveis mudanças no que tange ao Ensino
Superior. Adiante, esclareceremos que caminhos metodológicos foram
escolhidos para viabilizar esta pesquisa.

Caminhos percorridos

Para alcançar os objetivos da pesquisa o caminho percorrido é


o do materialismo histórico dialético, pois busca compreender que o
indivíduo não pode ser analisado separado das suas condições mate-
riais de vida e que a realidade é um todo inacabado, formado por con-
tradições, ou seja, a adoção desse método se explica pela necessidade
em se compreender o objeto de forma ampla em suas relações com
outros elementos que constituem a realidade (MASSON, 2007).
Por se tratar de uma realidade aparente, baseada em vivências
profissionais e de formação das pesquisadoras envolvidas, tornou-se
latente a necessidade de aprofundar o olhar e alcançar o concreto,
observando as diversas determinações sobre o objeto de estudo. Foi a

73
Dayse Kelly Barreiros de Oliveira / Ellen Michelle Barbosa de Moura

partir de uma percepção diferenciada e coletando dados para a pes-


quisa, ainda que de modo mais empírico que se optou, como ferra-
mentas metodológicas, pela aplicação de questionários e entrevistas
com os professores das unidades escolares conveniadas de Educação
Infantil do DF e análise dos documentos da SEEDF sobre o tema. A
opção de articulação das abordagens metodológicas quantitativas e
qualitativas aconteceu, pois era necessário que as ferramentas nos
permitissem traçar o perfil acadêmico dos docentes, além de entender
as questões de formação.
O questionário é um instrumento de extrema importância na
coleta de dados, tanto quantitativos como qualitativos, por se compor de
questões fechadas e abertas, utilizadas no que chamamos de fase explo-
ratória, que nos permite trazer o perfil de formação dos professores que
atuam nas instituições conveniadas ofertantes da Educação Infantil.
Por se tratar de uma pesquisa baseada na dialética, e que, por
isso, não menospreza as contradições, torna-se necessário recorrer à
entrevista semiestruturada, que é uma das fontes de informação mais
importantes para se coletar dados nas pesquisas realizadas em Ciên-
cias Sociais (TRIVIÑOS, 2009). As entrevistas ocorreram ao longo do
segundo semestre de 2015.
A quantidade de questionários aplicados e de entrevistas feitas
foi determinada a partir de uma amostra intencional, cuja seleção é
baseada no conhecimento sobre a população e o propósito do estudo,
técnica essa amplamente utilizada nas ciências sociais, para fazer infe-
rências acerca do público estudado. Para compreender a opção das pes-
quisadoras, torna-se necessário, primeiramente, elucidar sobre a estru-
tura e configuração do lócus da pesquisa.
A SEEDF tem uma organização que pressupõe três níveis de
atuação: o nível central, composto pela Subsecretaria de Educação
Básica (SUBEB); o nível intermediário, que acontece nas Coordenações
Regionais de Ensino (CRE); e o nível local, no qual cada unidade esco-
lar tem diretores e coordenadores locais, que atuam diariamente junto
aos professores.
A SEEDF é composta de 14 Coordenações Regionais de Ensino
(CRE´s) e o atendimento da Educação Infantil (dados referentes ao ano
de 2015) estava distribuído da seguinte forma: 95 instituições conve-
niadas; e 14.353 crianças atendidas nas conveniadas, de um total de
33.871. Dentre as 95 instituições conveniadas, 19 estavam localizadas

74
Aspectos formativos de docentes

na CRE de Samambaia, a qual detém o número mais expressivo. Desta


forma, optamos por realizar a pesquisa na CRE de Samambaia, isto
posto, a amostra contou com 157 professores, das 19 instituições con-
veniadas, dois quais 90% tiveram participação ativa.Importante ressal-
tar que entre 2015 e 2017 houve um crescimento expressivo do número
de crianças atendidas, segundo dados de 2017, o número saltou para
48.566 crianças atendidas em instituições conveniadas e públicas (DIS-
TRITO FEDERAL, 2017), porém, como vimos acima, essa expansão se
deu, principalmente, via conveniamento.
As entrevistas e informações coletadas pelos questionários
foram transcritas, lidas e analisadas, tendo como orientador do olhar o
método materialista histórico dialético, com a intenção de ultrapassar
os limites do que está aparente e chegar até a essência real dos fatos. Sem
bastar apenas o que é visível aos olhos, pois é como Kosik (1976) aponta,
o conhecimento da realidade, em sua objetividade, requer a visibilidade
do que é concreto. O fenômeno estudado revela, assim, suas comple-
xidades, suas conexões internas, as leis de seu movimento e evolução,
enfim, a sua totalidade histórica.
Dessa forma, ao perpassar pelas determinações dessa relação
entre SEEDF e os convênios vamos da apreensão do real imediato, isto
é, a representação inicial do todo, que no caminhar da pesquisa é con-
vertido em objeto de análise por meio do processo de abstração, resul-
tando numa apreensão do concreto pensado, o qual agora é apreendido
não mais no que é imediato, mas em sua totalidade concreta. A meto-
dologia pressupôs uma análise de dados cuidadosa, a qual proporcio-
nou a análise a seguir.

Dialogando com a realidade

A partir dos dados coletados, foi possível traçar o perfil de forma-


ção dos docentes que atuam nas instituições conveniadas de Samam-
baia e compreender a visão dos mesmos sobre sua formação inicial e
continuada. Diante disso, o eixo de análise é o perfil formativo. As pro-
posições que possibilitaram esse eixo foram questionamentos acerca
da formação no ensino médio, graduação e pós-graduação, bem como
diálogos sobre a relação que os sujeitos fazem entre essa formação e a
atuação profissional.

75
Dayse Kelly Barreiros de Oliveira / Ellen Michelle Barbosa de Moura

A formação dos profissionais está representada no quadro a


seguir:

Quantidade
Formação Quantidade Específica
Geral
Magistério 24
Ensino médio 140 Outros (curso
116
técnico)
140 Pedagogia 140
Presencial: 121
Graduação
Outros (2 cursos) 5
À distância: 19
Quantidade
Formação Quantidade Específica
Geral
Educação Infantil 10
Pós-graduação
Presencial: 37
(lato sensu) mín.
360h Outros 32
À distância: 5

Em Educação 0
Mestrado/
0
doutorado
Outros 0

Fonte: Quadro elaborado pelas autoras a partir dos dados compilados referentes ao ano de 2015.

Os dados demonstram que 83% dos professores não fizeram o


magistério no ensino médio. Nas entrevistas foi possível perceber que
a faixa etária dos professores que realizaram esse curso técnico está
acima de 31 anos, o que possibilita levantar a hipótese de que os profes-
sores mais jovens não tiveram sequer essa opção, pois segundo a polí-
tica de formação adotada pelo governo, o ensino médio diminuiu con-
sideravelmente a oferta por cursos técnicos, sendo que o magistério foi
uma das opções de curso que deixou de ser oferecida (BRASIL, 1996).
Muitos dos docentes que fizeram o magistério afirmam que essa forma-
ção deu maiores condições de atuação do que a feita no ensino superior.
Quanto à formação inicial, 100%, dos sujeitos da pesquisa, fize-
ram o curso de Pedagogia, sendo que a maioria se graduou em institui-
ções privadas. O aspecto de todos os profissionais terem passado por
formação inicial que trata de questões relativas ao ensino e aprendiza-
gem é importante, pois pressupõe que discutiram durante esse tempo
fatores relacionados à infância, ao desenvolvimento infantil, a meto-

76
Aspectos formativos de docentes

dologias de ensino, modos de avaliar, entre outros. Por isso, deveriam


se sentir seguros no momento da entrada no mercado de trabalho ou
perceber mudança significativa na atuação, quando o curso foi feito
após já ter praticado a docência. No entanto, durante as entrevistas 74%
das profissionais afirmaram que o curso de formação inicial não foi
efetivo em relação à atuação. Confirmaram que a formação no curso
de Pedagogia deixou a desejar quanto ao conhecimento acerca do coti-
diano escolar e de como lidar com as crianças de modo a possibilitar
aprendizagens significativas.
Como exemplos das afirmações acima têm trechos das entrevis-
tas/questionários que as profissionais afirmaram: “quando comecei a
trabalhar, senti falta de oportunidades de ter discutido sobre a prática
durante o período que estava cursando Pedagogia e por isso sinto que
não tive a oportunidade de aprender as teorias estudadas e conseguir
usar isso na prática da sala com as crianças” (Professora 6); “nos pri-
meiros dias de atuação profissional o meu sentimento era a falta de
capacidade de ensinar as crianças, por isso me questionei o curso de
Pedagogia, pois já tinha passado quatro anos estudando sobre a infân-
cia e as relações de ensino e aprendizagem, e quando me vi na atuação
prática não sabia como fazer (Professora 10); “na faculdade enquanto
cursava Pedagogia não tive nenhuma disciplina que tratasse da Educa-
ção Infantil. Acho que ela era oferecida como optativa.” (Professora 12).
Esses trechos ressaltam o papel dos cursos de formação e de como os
mesmos estão estruturados de modo a considerar pouco a necessidade
da discussão da prática via teoria. Além disso, apontam que existe uma
distância considerável entre a grade curricular dos cursos de Pedagogia
e as discussões ou a necessidade dos sujeitos quanto à atuação profissio-
nal.Alguns profissionais, principalmente os mais velhos, relataram que
só fizeram a graduação por força da LDB e da possibilidade de descon-
tinuidade da empregabilidade na docência.
Uma contradição encontrada é que apesar da afirmativa dos pro-
fessores sobre a falta de formação específica de Educação Infantil no
curso de Pedagogia, eles, em sua maioria, não fizeram a opção pela pós-
graduação nessa área, pois somente 7% do público pós-graduado, fez
formação lato sensu sobre a Educação Infantil. A opção por fazer a pós-
graduação é ainda incipiente entre esses profissionais, representando
somente 30% dos pesquisados, e a principal razão apontada por eles é a
financeira. Por conseguinte, o salário praticado nas conveniadas, mui-
tas vezes, é insuficiente para que eles possam arcar com os custos dessa

77
Dayse Kelly Barreiros de Oliveira / Ellen Michelle Barbosa de Moura

formação continuada. Alguns entendem que somente a graduação já


possibilita a atuação docente, pois consideram que a pós-graduação
pode ser tão, ou mais distante da prática, que a formação inicial.
Durante as entrevistas e questionários a formação continuada no
lócus de trabalho surgiu como temática, essa é promovida pela SEEDF
e pelas próprias instituições, tem-se que as mesmas são consideradas
efetivas e, em sua maioria, são incluídas nas práticas pedagógicas. Em
entrevistas, as docentes afirmaram que uma parcela importante dessas
formações leva em consideração o levantamento feito pela Coordena-
ção Intermediária, direto com as instituições, a qual faz um levanta-
mento dos principais temas que elas gostariam de estudar e discutir.
Porém, algumas vezes, segundo relatos, essas formações também são
teóricas e não fazem relação com o cotidiano da sala de aula.
A importância da formação continuada ofertada pela SEEDF está
no dado o qual mostra que 82% dos docentes utilizam as discussões
propostas em seu cotidiano escolar, ou seja, consideram essa formação
muito efetiva, e aproveitam os conteúdos, propostas de jogos e brinca-
deiras e demais assuntos debatidos em sala de aula com os estudantes,
desde os bebês até as crianças pequenas. Relatos que confirmam são:
“Falar sobre o processo avaliativo usando como exemplos trechos que
nós mesmas escrevemos nos relatórios foi importante para perceber
que estamos no caminho certo, mas precisamos melhorar estudando e
trocando experiencias com outras colegas” (Professora 1); “Estou muito
animada com essa formação sobre musicalização na infância, vou fazer
essas atividades amanhã mesmo, elas falaram de autores, mas também
mostraram como fazer na sala.” (Professora 13).
Todas as análises acerca da formação trazem à tona a necessi-
dade dos cursos de formação, tanto inicial quanto continuada, levarem
em consideração a demanda dos atuais e futuros professores que é a
de inclusão de discussão teórica que leve em consideração a prática da
sala de aula e a diversidade de demandas do cotidiano escolar. Insiram
debates sobre temas recorrentes nas escolas e de como pensar em ações
diversas e diferenciadas diante dos contextos.
Acreditamos que esse cenário poderia ser equalizado se as grades
referentes às metodologias fossem pensadas levando em consideração
relatos de práticas e necessidade do cotidiano escolar, tendo os sujei-
tos como produtores de história. Por outro lado, é necessário enfati-
zar que a discussão teórica, baseada em diversos autores de linhas de
pensamento distintas, possibilita aos sujeitos um olhar crítico para a

78
Aspectos formativos de docentes

realidade da sala de aula e a construção de novos modos de perceber


a infância e as questões escolares relacionadas a ela, potencializando
assim a educação como fator de transformação social.

Considerações

Retomando o objetivo da pesquisa que é compreender a concep-


ção dos professores que atuam nas instituições conveniadas da Educa-
ção Infantil sobre sua formação e analisar a visão dos mesmos acerca
da formação inicial e continuada evidencia que todos os profissionais
envolvidos na pesquisa fizeram a formação inicial no curso de Pedago-
gia, mas, na opinião dos mesmos, esse curso não deu subsídio teórico
prático suficiente para que se sentissem seguros e capacitados a exercer
a profissão, de modo a garantir a aprendizagem dos educandos e saber
lidar com todo o emaranhado de situações que acontecem na escola.
Grande parte dos profissionais demonstram desejo em reali-
zar formação continuada, tanto na pós-graduação lato sensu, quanto
nas formações oferecidas pela SEEDF, entretanto as questões salariais
muitas vezes impedem a realização da pós-graduação lato sensu, pois a
mesma, muitas vezes, é cobrada, mesmo quando ofertadas em institui-
ções de ensino superior públicas (FONSECA, 2004). O fato da forma-
ção continuada ofertada pela SEEDF ser considerada efetiva é porque,
segundo dados da pesquisa, valoriza o binômio teoria e prática e, con-
sequentemente, as discussões realizadas e as atividades propostas, são
incorporadas ao planejamento pedagógico.
Sumarizando, pode-se constatar que a formação, tanto inicial
quanto continuada, é considerada essencial por esses sujeitos, o que
eles questionam é a efetividade da formação para a atuação profissional.
Isso demonstra a necessidade de criar espaços de interlocução entre a
academia e as escolas para tornar os cursos de formação mais efetivos e
possibilitar que os profissionais entendam que as práticas surgem e são
repensadas a partir das discussões teóricas.
O percurso da pesquisa demonstra a essencialidade de que o
ensino superior seja repensado e que o governo leve em consideração os
apontamentos de pesquisas sobre essa etapa de ensino, e também que
os profissionais envolvidos repensem a formação continuada ofertada
aos futuros docentes que lidam com a Educação Básica e demais etapas
da educação brasileira, já que diversos autores corroboram o que a pre-

79
Dayse Kelly Barreiros de Oliveira / Ellen Michelle Barbosa de Moura

sente pesquisa constatou. Destarte, fica o convite para a realização de


seminários, fóruns, simpósios que versem sobre a temática formação
inicial/formação continuada e a ação de relacionar e aproximar as dis-
cussões e leituras com a realidade e desafios vivenciados pelos professo-
res da Educação Infantil.

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81
6
As dificuldades de aprendizagem,
as crianças e as infâncias nas produções
acadêmicas1
Maria Goretti Quintiliano Carvalho
Eva Maria da Glória Gouveia
Maria Antônia Gomes da Conceição
Maria Sílvia Soares Cardoso

A
escola, ao desconsiderar as características próprias de cada
indivíduo, os conteúdos trabalhados na instituição escolar se
tornam “uma coisa estranha” para aqueles que as atividades
são diferentes da sua realidade, provocando nos alunos dificuldades
de compreensão, porque, para eles, é uma situação totalmente nova e
estranha. Essa dificuldade provavelmente acarretará uma sequência de
reprovações e repetições que desestimulam a criança que podem, com
o tempo, abandonar a escola, levando a criança a enfrentar situações de
fracasso escolar. Em contrapartida, as crianças que têm familiaridade
com a cultura escolar, terão o reforço do que elas convivem no seu dia
a dia, levando-as a terem êxito na aprendizagem dos conteúdos ensina-
dos pela escola (NASCIMENTO, 2013).
Nesse sentido, este trabalho teve por objetivo geral pesquisar e
mostrar que questões relacionadas à dificuldade de aprendizagem e
fracasso escolar são problemas que atingem quotidianamente a educa-
ção e que são vistos, na maioria dos casos, como dificuldade de apren-
dizagem da própria criança. E por objetivos específicos, identificar as
concepções de dificuldades de aprendizagem que fundamentaram as
pesquisas sobre dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar; e veri-
ficar de que forma as dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar
são tratados nesses trabalhos.

1 Artigo elaborado como resultado de pesquisa desenvolvida, vinculado ao grupo de pesquisa


Educação, formação docente e linguagem/GPEFDL.

83
Maria Carvalho / Eva Gouveia / Maria Antônia Conceição / Maria Cardoso

Os problemas das dificuldades de aprendizagem e do fracasso


escolar afligem inúmeros professores, que em seu cotidiano percebem
que algum/a aluno/a não está conseguindo aprender e que não é capaz
de compreender o que está sendo ensinado. Preocupados em enfren-
tar esse problema, professores e gestores organizam aulas de reforço no
contra turno com as crianças identificadas como tendo dificuldades de
aprendizagem. As famílias dessas crianças, preocupadas com as dificul-
dades de aprendizagem de seus filhos, buscam, fora da escola, solução
desse problema por meio de aulas com professores de reforço. Assim, o
problema é fixado na criança que não aprende, é colocada sobre os seus
ombros a responsabilidade das dificuldades de aprendizagem que ela
enfrenta em seu processo de aprendizagem (CARVALHO, 2014).
Ao realizar levantamento no Banco de Teses da Capes dos estu-
dos sobre as dificuldades de aprendizagem e sobre o fracasso escolar,
o que se percebe é que se trata de um número bastante reduzido de
trabalhos que tem como objeto de estudo esse tema. No período de
1996 a 2006, 455 dissertações de mestrado e 87 teses de doutorado
foram realizadas sobre esse tema de um total de 27.240 trabalhos rea-
lizados nesse período sobre as demais na área da educação (CARVA-
LHO, 2007, p. 13). Em breve análise das produções sobre esse tema nas
revistas científicas com conceito nacional A1, o que se pôde constatar
é que pouco foi produzido e, ainda, que a questão do fracasso ou das
dificuldades de aprendizagem são analisadas com a concepção de que
o “problema” está localizado na criança que não aprende. Concepção
que pode ser comprovada em pesquisa realizada pela UNESCO e pelo
MEC/INEP (UNESCO; MEC/INEP, 2007).
A partir da leitura desses trabalhos pode-se afirmar que o profes-
sor não é considerado como um dos sujeitos responsáveis pela constru-
ção da aprendizagem do aluno que, segundo a escola, apresenta dificul-
dades de aprendizagem. Ausência que pode ser justificada por sua for-
mação inicial e/ou continuada, por sua maturidade como um indivíduo
mais desenvolvido que seu aluno e por ser o responsável pelo planeja-
mento da aprendizagem de seus alunos. Dessa forma, toda a responsa-
bilidade pelas dificuldades de aprendizagem é colocada nos ombros da
própria criança que não aprende, silencia a sua voz, retirando qualquer
responsabilidade do professor em relação às dificuldades de aprendiza-
gem de seus alunos.
Para a realização desta pesquisa foram consideradas as publi-
cações na ScientificElectronic Library Online – Scielo – (biblioteca ele-

84
As dificuldades de aprendizagem

trônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos


brasileiros), no período de 2004 a 2015, utilizando como descritores de
busca os termos dificuldade aprendizagem e fracasso escolar.
A leitura destes textos foi orientada pela concepção de criança
como um sujeito histórico e de direitos, como uma categoria social
específica, que atua a partir de suas especificidades, com visão própria
de mundo, com suas experiências e com suas relações com os adultos.
Sendo que,
a infância deve ser compreendida como uma construção social ou
cultural, e as diferenças entre os adultos e crianças não podem ser
interpretadas diretamente como biológicas, tais como tamanho físico
ou maturidade (PROUT, 2000 apud FINCO, 2011, p. 160).

Nessa mesma perspectiva, Kuhlman (1997 apud DELGADO,


2011, p. 196) afirma que é preciso “considerar a infância como uma con-
dição de criança, pois o conjunto de experiências vividas por elas em
diferentes lugares históricos, geográficos e sociais é muito mais do que
uma representação dos adultos sobre esta fase da vida”.
Para tanto, este trabalho concebe a criança na sua condição
social de ser histórico, político ecultural (KRAMER, 2011, p. 13) e de
uma infância considerada em sua dimensão de direitos. Bem como os
eixos norteadores de Walter Benjamin: não infantilização da criança;
a criança como criadora de cultura; colecionadora, rastreadora; a des-
naturalização da criança; a desnaturalização do ser humano; a relação
crítica com a tradição; a subversão da ordem, pois a criança desvela as
contradições e revela outra maneira de se enxergar o real; apresenta crí-
tica à pedagogização da infância; considera a dominação como antie-
ducação; denuncia da didatização, faz crítica ao autoritarismo; consi-
dera criança como produtora de conhecimento e da história; reconhece
o adultocentrismo e o autoritarismo da idade; reconhece as especifici-
dades da infância (KRAMER, 2011).
Outra concepção que estrutura esta pesquisa é a de que o saber é
a apropriação do conhecimento, transformado e apropriada pelo sujeito
de forma singular e intransferível. É um processo individual e solitá-
rio a construção do saber, é o próprio sujeito que faz. Independente da
idade do indivíduo, “a educação é uma produção de si por si mesmo,
mas essa autoprodução só é possível pela mediação do outro e com sua
ajuda” (CHARLOT, 2000, p. 53). O processo de aprendizagem do aluno
é individual. “Cada um apreende as situações propostas pelo professor

85
Maria Carvalho / Eva Gouveia / Maria Antônia Conceição / Maria Cardoso

com as suas próprias características que provêm do seu próprio saber,


dos seus hábitos de pensar e de agir” (POSTIC, 1995, p. 16).
Por meio de estruturas de pensamento que se organizam em um
contínuo que vai desde organizações sensoriais e motoras até organi-
zações lógicas sofisticadas, ao longo do desenvolvimento essas cons-
truções, além de produzirem as informações para lidar e participar no
mundo, produzem também formas de interpretar essas informações
(SISTO, 2001, p. 121).
Segundo Charlot (2000, p. 54), é necessário que os professores
realizem mediação entre os seus alunos e o conhecimento para que estes
mobilizem-separa a aprendizagem, para que coloquem recursos em
movimento (de dentro para fora), uma vez que é importante se aproxi-
mar da subjetividade dos alunos, conhecer seus desejos, suas histórias,
sua linguagem. Não é somente tentar todas as metodologias conheci-
das, ou fazer testes de inteligência para identificar qual é o nível de inte-
ligência do aluno, é, também, aproximar do aluno, do seu mundo, dos
seus gostos, das suas vontades, seus desejos. Assim, é mais importante
mediar os indivíduos a aprender utilizar recursos para aprender do que
ensinar conteúdos intelectuais, pois esses só têm validade enquanto a
comunidade científica o reconhecer como tal, enquanto uma sociedade
continuar considerando que se trata de um saber que tem valor e que
merece ser transmitido (CHARLOT, 2000, p. 63).
Nessa perceptiva, é mais importante compreender o processo de
aprendizagem dos alunos para mediá-los na construção de sua autono-
mia na construção e relação com o saber para que a figura do professor
seja paulatinamente menos importante para o aluno.
Já que, segundo Pais,
[...] no caso ideal em que a aprendizagem acontece com sucesso,
os conhecimentos anteriores são adicionados uns aos outros e
incorporados à nova situação. Assim ocorre uma parte do processo
cognitivo que consiste no conjunto de procedimentos de raciocínio
desenvolvidos pelo sujeito para coordenar as adaptações necessárias
para que informações precedentes sejam incorporadas em uma
situação de aprendizagem, sintetizando o novo conhecimento. (PAIS,
2002, p. 53).

Na visão de Charlot (2001), a relação com o saber é uma rela-


ção simbólica, ativa e temporal, é um sujeito singular inserido em um
espaço social, que se relaciona consigo mesmo, com o outro eu e com o

86
As dificuldades de aprendizagem

mundo. Dessa forma, o saber só ocorre quando provoca alteração em


mim, no outro e no mundo.
Contrariando o que é anunciado nos documentos legais sobre a
garantia do acesso de todas as pessoas aos recursos culturais relevantes
para sua participação e intervenção na vida social, o problema da difi-
culdade de aprendizagem (ou do fracasso escolar) aflige grande parte
das escolas e professores, e a sociedade de modo geral. Importantes tra-
balhos foram realizados com o intuito de estudar o fracasso escolar,
entre esses, estão os trabalhos de Patto (1999) A produção do fracasso
escolar: histórias de submissão e rebeldia; o de Tiballi (1998) O fracasso
escolar no pensamento educacional brasileiro; o de Sampaio (2004) Um
gosto amargo de escola: relações entre currículo e fracasso escolar; Paro
(2001), Reprovação escolar: renúncia à educação; que discute a recupe-
ração (retenção) dos alunos julgados incapazes de prosseguirem seu
percurso de formação histórico-cultural; o levantamento realizado
por Angelucciet al (2004), O estado da arte da pesquisa sobre o fracasso
escolar (1991-2002): um estudo introdutório; a pesquisa realizada pela
Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura), em parceria com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Anísio Teixeira), em dez estados brasileiros que publicou o
resultado desse trabalho sob o título: Repensando a escola: um estudo
sobre os desafios de aprender, ler e escrever (2007).
Em pesquisa realizada sobre a dificuldade de aprendizagem, foi
possível identificar que os professores utilizam três critérios para avaliar
os alunos e diagnosticá-los como crianças com dificuldade de aprendi-
zagem ou não. Avaliam de acordo com o ritmo de cada um na resolu-
ção das tarefas; consideram que algumas crianças têm dificuldade em
aprender devido a pouca ou deficiente participação da família no tra-
balho desenvolvido pela escola e ainda devido às diferenças culturais
(CARVALHO, 2007; UNESCO, MEC/INEP, 2007). Mesmo que os pro-
fessores tenham afirmado durante as entrevistas que realizam trabalho
diferenciado com seus alunos porque consideram a subjetividade deles
ao preparar suas atividades, durante a pesquisa realizada em diferentes
estados brasileiros não foi observada nenhuma atividade dessa natu-
reza, todas as crianças realizaram a mesma atividade (mimeografadas)
após assistirem a explicação dada pelo professor (UNESCO, MEC/
INEP, 2007).
Diante do exposto, esta pesquisa se justifica pela necessidade con-
tribuir com os estudos sobre essa temática, colaborando com a escola

87
Maria Carvalho / Eva Gouveia / Maria Antônia Conceição / Maria Cardoso

campo e com os sujeitos envolvidos que se prontificaram em participar


dessa pesquisa. Tendo como objetivo identificar as concepções de difi-
culdades de aprendizagem, de fracasso escolar, de criança e de infâncias
presentes nas publicações científicas. Bem como realizar levantamento
sobre as publicações sobre a temática das dificuldades de aprendizagem
e fracasso escolar;
construir estado da Arte dos trabalhos sobre as difi-
culdades de aprendizagem e fracasso escolar; identificar a concepção de
criança e de infância nas publicações sobre dificuldades de aprendiza-
gem e de fracasso escolar.

As crianças e suas infâncias nas pesquisas

A metodologia considerada adequada diante dos objetivos pro-


postos foi a pesquisa quantiqualitativa, com o uso dos procedimentos
de levantamento bibliográfico das produções, utilizando os descrito-
res: dificuldade aprendizagem e fracasso escolar, na Scientific Electronic
Library Online (SCIELO). A partir da análise dos trabalhos publicados,
busca-se identificar as concepções de criança e de infâncias que nortea-
ram essas pesquisas no período de 2005 a 2015.
Foram publicados nesse período 111 artigos sobre dificuldade
de aprendizagem, no entanto a pesquisa refere-se a 65 artigos nos
quais a criança participa direta ou indiretamente. Analisou-se 65 arti-
gos verificando se as pesquisas foram com crianças ou sobre crianças,
compreendendo se as mesmas são identificadas como sujeito ou objeto
da pesquisa. Os campos dos conhecimentos que apresentaram discus-
sões acerca de dificuldade de aprendizagem no período acima referido
foram: Educação, Saúde e Psicologia. Dos 65 artigos publicados, 18
compreendiam a área da educação, 22 desenvolvidos na área da saúde
e 25 publicados na área da psicologia. Esses trabalhos utilizaram das
seguintes metodologias de pesquisa: testes, observações, entrevistas,
questionários, análise documental, provas, revisão bibliográfica. Dos
artigos analisados, 36 utilizaram-se de testes e provas para identificar
as dificuldades de aprendizagem; 09 artigos utilizam-se de reflexão/
pesquisa teórica; 12 artigos utilizam-se de entrevistas, questionários e
observações e análise documental.
Ao utilizar o descritor fracasso escolar, foram selecionados 50
artigos. Sendo que a primeira análise foi realizada com o intuito de
verificar se a pesquisa era com ou sobre criança, nesta etapa foram sele-
cionados 41 artigos. Nesses trabalhos, os campos do conhecimento que

88
As dificuldades de aprendizagem

abordaram as discussões sobre fracasso escolar foram: no campo da


educação, 14 trabalhos; no campo da psicologia, 23 trabalhos; um tra-
balho na área da sociologia, um na área de políticas educacionais e uma
em políticas públicas (educação) e saúde.
Essas pesquisas utilizaram de entrevista semiestruturada, aná-
lise teórica, pesquisa qualitativa com entrevista, pesquisa bibliográfica
e de reflexão teórica.
Dos 41 trabalhos, foram desconsideradas pesquisa com aplica-
ção de testes e, ou provas, restando 25 trabalhos, sendo 9 trabalhos no
campo da educação, 14 trabalhos no campo da psicologia, um trabalho
em políticas públicas e um em políticas educacionais.
Assim, são poucos os trabalhos que destacam a criança como
autônoma na participação das pesquisas. A concepção de infância e
criança como sujeito histórico e cultural são presença alheada nesses
trabalhos, percebe-se que as pesquisas não apresentam concepção de
infância e criança. Pois, dos 29 trabalhos sobre dificuldades de aprendi-
zagem e do 25 relacionados ao fracasso escolar separados para análise
nenhum deles discorre sobre uma concepção de infância e criança. Tra-
tam dessas concepções como algo já posto e conhecido por todos, como
algo desnecessário de se estudar ou mesmo elucidar. Somente 4 artigos
destacam a criança como sujeito histórico.
De acordo com os artigos estudados, os fatores que se constituem
como mecanismos que corroboram para a dificuldade de aprendizagem
são diversos, advindo tanto da família, como patológica e socioeconô-
mica. Segundo Sánchez, Wbaldo e Poblano (2010), “A condição de risco
é pior para crianças que fazem parte de estrato socioeconômico pobre
e não estimulante da população” (SÁNCHEZ; WBALDO; POBLANO,
2010, p. 5). Para os autores, a condição social caracteriza-se como fator
decisivo no que tange o desenvolvimento escolar satisfatório.
Contudo, podem ser também construídas pelo discurso pro-
ferido tanto no ambiente escolar, pelo professor e alunos, como no
âmbito familiar, ou seja, quando o aluno é rotulado como a criança
que “não aprende”, a mesma tomando para si esse discurso, aceitando-o
como verdadeiro, podendo sentir-se incapaz como sujeito no processo
de ensino/aprendizagem.
O termo dificuldade de aprendizagem nas análises dos periódicos
não é conceituado nos artigos, os autores não deixam perceptível qual o
referencial teórico que sustentam as pesquisas acerca da dificuldade de

89
Maria Carvalho / Eva Gouveia / Maria Antônia Conceição / Maria Cardoso

aprendizagem. Alguns consideram que a dificuldade de aprendizagem


está relacionada a “fatores pedagógicos, psicológicos, socioeconômicos
e culturais [...] sendo considerados fatores agravantes nas manifesta-
ções comportamentais e de linguagem do distúrbio de aprendizagem”
(SILVA e CAPELLINI, 2011, p.132).
Contudo pouco se fala de dificuldade relacionada à prática peda-
gógica do professor no interior da instituição escolar, como um dos
mecanismos produtores da dificuldade de aprendizagem. Cabe ressal-
tar também que outros artigos, identificam as causas da dificuldade de
aprendizagem como sendo responsabilidades individuais, ou seja, em
momentos a responsabilidade é do meio social, da escola e também da
família. “O discurso das professoras em relação às dificuldades dos alu-
nos era sempre o de culpar a família que não fazia nada pelos filhos.
Elas diziam que os alunos já vêm de casa com “maus hábitos, são mal
-educados e agressivos” (PEDROSA, 2005, p. 74).
No artigo de Andréa Carlesso Lozer e Sônia Fiorim Enumo inti-
tulado “Autocuidado dentário em alunos com e sem dificuldade de
aprendizagem” (2007), a pesquisa associa a saúde bucal à dificuldade de
aprendizagem, percebe-se que até problemas relacionados à higiene são
considerados como entraves para o desempenho escolar das crianças. A
pesquisa aponta fatores externos para explicar problemas relacionados
ao não aprendizado das crianças, o que, de certa forma permite inferir
que a escola tem se eximido da responsabilidade frente às dificuldades
apresentadas pelas crianças.
As concepções de infâncias e de crianças identificadas na maio-
ria das pesquisas publicadas têm origem abstrata, uma vez que a suas
participações ocorreram de forma indireta, não sendo consideradas
como sujeito, tendo seu espaço reservado para expressar e falar de um
assunto que lhe diz respeito. Na participação das pesquisas, as vozes
das crianças são silenciadas, sendo permitidas as vozes de outros sujei-
tos (pais, professores e demais profissionais da educação escolar) consi-
derados aptos a se expressarem no lugar das crianças.
Nessa perspectiva, mesmo com as mudanças sociais e culturais
que influenciaram o universo infantil e consequentemente a educação
no decorrer da história, na contemporaneidade a infância ainda carrega
vestígios do passado que define a criança como ser abstrato e universal
(MUNIZ, 2010). Negligenciando as especificidades que cada criança
carrega enquanto ser singular e sujeito histórico.

90
As dificuldades de aprendizagem

Considerações finais

As metodologias que sustentam as pesquisas impedem que a


criança seja capaz de ser compreendida como autônoma, na medida em
que na maioria das vezes reportam a testes, ou diversos tipos de pesquisa
que direcionam a resposta esperada, ou direcionando a pessoas consi-
deradas aptas a falarem por elas. Segundo Carvalho (2014, p. 137), “as
crianças continuam silenciadas nas pesquisas, uma vez que utilizam, de
instrumentos que dificultam que as crianças participem como interlocu-
toras sobre os diferentes problemas que lhes afetam”. Subtraindo assim o
direito da participação em relação os impasses vivenciados no ambiente
escolar. É imprescindível que as concepções de criança e infâncias sejam
analisadas nas produções científicas, que as discussões teóricas ampliem
esse horizonte, objetivando tornar as crianças autônomas nesse processo,
pois a negligência dessa abordagem implica posteriormente na dificul-
dade de aprendizagem e fracasso escolar.
De acordo com esta pesquisa, constatou-se que poucos traba-
lhos estão relacionados à área da educação. Apenas um dos trabalhos
dentre sessenta e cinco tem a criança como sujeito, que a considera
capaz de expressar o que pensa em relação à dificuldade de compreen-
são dos conteúdos escolares. No qual a criança expõe o que foi interio-
rizado a partir do discurso de colegas e professores. Em diálogo com a
criança, a pesquisadora obteve a seguinte resposta: “Eu lhe perguntei
se estava ciente do porquê de estar ali comigo. Respondeu: “porque
sou burro, sou maluco, não dou conta de ler”. (CUPOLILLO; FREI-
TAS, 2007, p. 382).
Cupolillo e Freitas (2007) defendem que, na visão da institui-
ção escolar a criança apresentava um déficit de aprendizagem, sendo
a mesma encaminhada ao atendimento psicológico. Porém ao ouvir a
criança tem-se outra percepção, as dificuldades que a criança apresen-
tava estavam relacionadas aos estigmas vivenciados no ambiente esco-
lar. A forma como os colegas referiam-se à criança na participação das
atividades fazia a mesma sentir-se inferiorizada e menosprezada. As
autoras relatam que,
Durante a avaliação entendemos que Pedrinho não apresentava
déficits de atenção, mas dificuldade para lidar com os estigmas a que
vinha sendo submetido sua condição socioeconômica e as dificuldades
que havia encontrado na relação com os pais, colegas e professores na
escola foram subjetivados como obstáculos para aprender, fazendo
com que ele acreditasse que não era capaz (CUPOLILLO e FREITAS,
2007, p. 382-383).

91
Maria Carvalho / Eva Gouveia / Maria Antônia Conceição / Maria Cardoso

O estigma advindo tanto dos professores quanto dos alunos con-


tribuiu para a construção da dificuldade de aprendizagem, uma vez que
a criança evidencia em sua fala a ideologia propagada tanto pelos cole-
gas quantos pelos professores  assimilando esse discurso, sentindo-se
assim incapaz diante das atividades propostas.O não ouvir a criança
impede a compreensão das verdadeiras razões pelas quais ela não con-
segue compreender determinados conteúdos.
Segundo Charlot (2000), entende-se que cada criança é um ser
único, desempenhando uma relação singular com o saber, esse fator
é a mola propulsora para resultados tão diferentes. No âmbito educa-
cional, o papel do professor é fazer com que o aluno se mobilize, ou
seja, que tenha desejo em aprender. Dessa maneira, é imprescindível
haver por parte do professor uma reflexão crítica constante acerca de
sua prática pedagógica. É necessário que as particularidades da infân-
cia sejam consideradas no espaço escolar, e que esta seja compreendida
tal como ela é, considerando seus medos, suas, angústias, suas fragili-
dades, suas necessidades, suas especificidades e as habilidades. Que a
criança poderá, com a mediação do educador ou de outras crianças,
desenvolver no processo ensino/aprendizagem.
Diante dos desafios em relação à dificuldade de aprendizagem
que muitas crianças vivenciam durante o período escolar, que poste-
riormente pode culminar no fracasso escolar, encerra-se este trabalho
levantando algumas questões: o que levaria uma criança que apre-
sentar um nível cognitivo aparentemente menos elevado que os seus
pares a se esforçar na execução de uma atividade que vai causar-lhe
sofrimento? Para não ser vítima de estigmas, a criança opta por esqui-
var-se da atividade que lhe é proposta? E, ainda, por que o “problema”
é considerado como pertencente à criança e não relacionado a todos
os envolvidos no processo?
Charlot (2000) argumenta que a aprendizagem está ligada dire-
tamente com a relação do aluno com o saber, há uma heterogenei-
dade nas formas de aprender, cada indivíduo tem uma maneira de
construir conhecimento, a aprendizagem escolar constitui-se apenas
como uma das várias formas. A aprendizagem é classificada como
endógena no sentido de mobilizar-se empenhando em uma determi-
nada atividade, no entanto é importante considerar outros fatores ao
estudar esse processo.

92
As dificuldades de aprendizagem

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95
7
A medicalização da infância pela disfunção
cerebral mínima e pelo transtorno do
déficit de atenção e hiperatividade
Rodrigo Bombonati de Souza Moraes

N
o Brasil, existem alguns trabalhos científicos – teses e disser-
tações – que buscam criticar a medicalização da infância
(PEREIRA, 2010; GUARIDO, 2008; FREITAS, 1996). Tais
trabalhos contribuem muito para a discussão ora apresentada, além de
abrirem a possibilidade de aprofundarmos a questão do controle sobre
a infância em outra perspectiva e apontar diversas consequências que
transcendem o campo educacional.
Por outro lado, o tema do Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH), diagnosticado em crianças em idade escolar,
ainda anima muitas pesquisas consideradas científicas na tentativa de
descobrir suas causas e modos de tratamento. Já o tema da Disfunção
Cerebral Mínima (DCM), diagnosticada nessa mesma parcela da popu-
lação, possuía as mesmas preocupações na década de 1970. Ao compa-
rar as formas clínicas que constituem essas duas “doenças” (definição,
prevalência, sintomas comportamentais, dificuldades escolares e comor-
bidades, etiologia, diagnóstico e tratamento), observamos certa conti-
nuidade na forma de produção de verdade sobre o corpo infantil.
Neste capítulo, fruto de reflexão feita em tese de doutorado, obje-
tiva-se realizar uma comparação entre essas duas “patologias mentais”
a partir dos discursos que as constroem. Ou seja, trabalhamos as con-
ceituações sobre o TDAH comparativamente à Disfunção Cerebral
Mínima (DCM) para perceber o processo de continuidade ou desvio
de um em relação à outra. O que nos aparece como fundamental é, por

97
Rodrigo Bombonati de Souza Moraes

um lado, a comparação entre o TDAH e a Disfunção Cerebral Mínima


(DCM), que nos fornecerá a percepção do processo de medicalização
do comportamento infantil e, por outro, a maneira como a infância
insere-se no debate psiquiátrico atual.
Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica, analisando
artigos e livros que expõem a visão de mundo dos autores imersos na
construção e justificação desses temas, bem como as transformações
dos conceitos utilizados nos discursos médico-psiquiátricos e as conse-
quências para o processo de medicalização.
Estruturalmente, além desta Introdução, o capítulo divide-se
em outras três seções: na próxima etapa, faremos uma apresentação
dos conceitos de medicalização e psiquiatrização da infância, a fim
de que sirvam como quadro conceitual para a análise crítica da com-
paração entre o DCM e o TDAH, algo que será realizado na última
seção; entrementes, realizaremos uma revisão bibliográfica positiva
desses dois transtornos.

A medicalização e a psiquiatrização da infância

O processo de medicalização da criança no Brasil, por meio


do TDAH, tem a finalidade de criar o dispositivo de normalização
do comportamento infantil para adequação ao meio social produtivo
tendo em vista um futuro repleto de riscos. Em outras palavras, as
estratégias de biopoder e de biopolítica do TDAH (FOUCAULT, 1998)
visam à normalização do comportamento infantil, o que ocorre por
meio dos saberes e práticas de especialistas, criados sobre seu corpo,
inseridos no campo de poder constituído em torno da medicalização.
O controle sobre esse comportamento é uma de suas consequências.
A medicalização seria assim uma justificativa científica para a norma-
lização da vida, visando à extração máxima de suas capacidades para
o desempenho.
Isso é feito pela assunção dos comportamos considerados anor-
mais como transtornos médicos e que, portanto, devem ser diagnosti-
cados e tratados como patologias (ROHDE; HALPERN, 2004; CON-
RAD, 1975). Para isso, os argumentos médicos-científicos investem na
naturalização do comportamento como patológico e que somente será
normalizado por meio de diagnósticos médicos e de tratamentos medi-

98
A medicalização da infância

camentosos (ILLICH, 1975; ROUDINESCO, 2000; ROSE; 1999; COL-


LARES; MOYSÉS, 2010).
A questão disciplinar que leva à psiquiatrização do comporta-
mento infantil envolve um poder que, para Foucault (2006, p. 50), seria
uma “forma capilar de poder, última intermediação [...] pela qual o poder
político (os poderes em geral) vem tocar os corpos, agir sobre eles, levar
em conta seus gestos, comportamentos, hábitos, palavras”. Pensando no
corpo da criança pelo dispositivo para o controle de suas ações, os discur-
sos constituem a criança por meio dos poderes disciplinares.
Não podemos desvincular o poder psiquiátrico do poder disci-
plinar, uma vez que surgem como modalidades que podem ser chama-
das de contato sináptico corpo-poder, numa noção psicossociológica de
autoridade (FOUCAULT, 2006). Além disso, ao analisar a psiquiatria
a partir do poder disciplinar, Foucault investiga o fato de a psiquiatria
produzir discurso verdadeiro que cria instituições e poderes.
A visibilidade do corpo, dos gestos, dos discursos e comporta-
mentos, alinhada à escrita, permite a individualização esquemática e,
como efeito de poder, centralizada. Isso faz com que o comportamento
não mais precise ser, necessariamente, punido, pois, com as informa-
ções disponíveis, o poder disciplinar intervém antes do corpo se mani-
festar, antes do gesto, antes do discurso, no nível da virtualidade, con-
forme ilustram os transtornos ora apresentados.

DCM e TDAH: cara de um; focinho do outro

Passamos agora à apresentação das características de cada um


desses termos, tendo em vista suas definições, prevalências, sintomas
comportamentais, dificuldades escolares e comorbidades, etiologias,
diagnósticos e tratamentos.

Definições

Em um simpósio realizado em Oxford, em 1962, marcou um


importante momento para a DCM, pois se oficializou a nomencla-
tura “Disfunção Cerebral Mínima”, uma vez que não havia suporte
anátomo-clínico para sustentar a ideia de “lesão”. A DCM refere-se a
(LEFÈFRE; MIGUEL, 1975): 1) crianças sem problema de inteligência;
2) problemas de aprendizagem e/ou distúrbios de comportamento de

99
Rodrigo Bombonati de Souza Moraes

leve a severo; 3) discretos desvios de funcionamento do sistema ner-


voso central; 4) pode apresentar combinações de déficit na percepção,
conceituação, linguagem, memória, controle da atenção, impulsos
ou função motora; 5) sintomas similares (considerados aberrações)
podem ou não complicar o problema como paralisia cerebral, epilep-
sia, retardo mental, cegueira ou surdez; 6) causas por variação gené-
tica, irregularidades bioquímicas, sofrimento na gravidez, moléstias
ou traumas durante a infância ou causas desconhecidas; e 7) nos anos
escolares, há dificuldades especiais de aprendizagem que constituem
as mais importantes manifestações da condição de DCM.
Quanto ao TDAH, Santos e Vasconcelos (2010, p. 717) atentam
para o fato de a sua compreensão ser feita pela conjunção de bases bio-
lógicas e comportamentais, contribuindo para a implementação de
terapias mais eficazes. O TDAH é um comportamento de risco, mas
que este não necessariamente representa o transtorno e sim outra pos-
sível forma de patologia psiquiátrica. A tríade de sintomas da síndrome
caracteriza-se por desatenção, hiperatividade e impulsividade (ROHDE
et al., 2000, p. 7).
As definições apresentadas são muito similares, pois levam em
consideração, de maneiras distintas, os três sintomas que definem
as patologias. Contudo, a definição de DCM é mais genérica, menos
classificatória e menos precisa. Já a definição do TDAH parte de
uma base bastante simples e descritiva (desatenção, hiperatividade e
impulsividade).

Prevalência

Ambos os estudos concordam que a prevalência é maior em


meninos, mas em termos de epidemiologia, os números são discre-
pantes. Enquanto a estimativa para TDAH é de 3% a 6%, o de DCM
ocorre entre 5% e 10%, os estudos de DCM parecem não ter alcançado
uma maior exatidão devido à falta de precisão na elaboração dos cri-
térios de diagnóstico.

100
A medicalização da infância

Sintomas comportamentais, dificuldades escolares e


comorbidades

Os pesquisadores em torno do TDAH apresentam diversas carac-


terísticas individuais e critérios mais objetivos que possam constituir o
quadro do transtorno. Asintomatologia da DCM é bastante genérica,
aponta para comportamentos que não necessariamente correspondam
ao distúrbio, além de depender quase que exclusivamente da subjetivi-
dade do clínico. Alguns aspectos são muito semelhantes, como a conti-
nuidade do transtorno na vida futura, as consequências negativas que
possam advir e os potenciais danos sociais que possam ocorrer caso
o distúrbio e o transtorno não sejam tratados. Ademais, os aspectos
de dislexia, disgrafia e discalculia considerados como comorbidades na
DCM desaparecem no TDAH, pois essas ganham um estatuto de trans-
torno em separado.
Tanto na DCM quanto no TDAH, os riscos que as crianças com
os transtornos podem sofrer em termos de sociabilidade e desempe-
nho escolar são largamente alardeados, principalmente, quanto à baixa
performance na execução das tarefas e trabalho e ao fracasso escolar
(repetência, notas baixas etc.).

Etiologia

A ideia proposta na DCM de que o distúrbio advém de uma base


orgânica relativa ao cérebro, que possui uma causa genética, constituída
por diversos genes, e que causa deficiências nos neurotransmissores
não foi abandonada nas análises do TDAH. No caso da DCM, Lefèvre
e Miguel (1975, p. 15) mostram que se trata de: uma síndrome orgânica
cerebral; prevalência no sexo masculino (4:1 em relação ao feminino);
herança hereditária, mesmo que não haja estudos que comprovem, do
tipo poligênico; etiologia ligada a distúrbios bioquímicos na esfera das
catecolaminas em função de neurotransmissores; a d. anfetamina afe-
tar o metabolismo central da dopamina (DA) e da noropinefrina (NE).
No caso do TDAH, os autores mostram, ainda, que as causas
precisas da doença não são conhecidas, mas que há uma aceitação na
literatura de que fatores genéticos e ambientais favorecem o desenvol-
vimento do transtorno. Acredita-se assim que vários genes possuam
influência sobre o transtorno (poligênico). Investigam-se genes codifi-
cadores de componentes dos sistemas “dopaminérgico, noradrenérgico

101
Rodrigo Bombonati de Souza Moraes

e, mais recentemente, serotoninérgico”. Isto porque estudos neurobioló-


gicos têm sugerido o envolvimento desses neurotransmissores na pato-
fisiologia do transtorno. Aqui, os estudos sobre o TDAH adicionaram
mais um neurotransmissor, a serotonina. Ambos os estudos, contudo,
atentam para a ausência de evidências que realmente comprovariam
essas hipóteses.

Diagnósticos

Ambos atestam a necessidade de exames clínicos, a partir da


identificação dos sintomas na criança. No TDAH, o diagnóstico é reali-
zado com a utilização do DSM e do CID, esperando verificar “se o sin-
toma supostamente presente correlaciona-se com o constructo básico
do transtorno, ou seja, déficit de atenção e/ou dificuldade de controle
inibitório” (ROHDE; HAIPERN, 2004, p. S64). Outro instrumento
bastante utilizado para o diagnóstico de TDAH é o chamado SNAP
IV. Já o diagnóstico da DCM deve ser feito por uma equipe multidis-
ciplinar, sendo as suspeitas levantadas nos primeiros dias da atividade
escolar, ao se observarem problemas de comportamento e de aprendi-
zado, momento em que se encaminham as crianças para exames neu-
rológicos, psicológicos e eletrencefalográfico. Contudo, a dificuldade
reside no fato de haver ausência total de sinais neurológicos (LEFÈVRE;
MIGUEL, 1975, p. 18). Os autores do TDAH e da DCM alertam para a
impossibilidade de comprovação dos transtornos por meio de exames
neurológicos e por neuroimagem ou eletroencefalógrafo no caso da
DCM. Contudo, abrem a possibilidade de que possa haver uma com-
provação futura.

Tratamentos

Tanto os estudos da DCM quanto do TDAH advogam a utili-


zação de psicoestimulantes para tratar os transtornos. Além disso, os
autores apontam para uma melhora significativa dos sintomas com o
uso do metilfenidato. No caso do TDAH, por se tratar de um quadro
de deficiência de estratégias cognitivas, priorizam-se intervenções
como auto-instrução, registro de pensamentos disfuncionais, solução
de problemas, auto-monitoramento, auto-avaliação, planejamento e
cronogramas (SANTOS; VASCONCELOS, 2010, p. 720-721). Uma
terapêutica alternativa sugerida no estudo da DCM são os exercícios de

102
A medicalização da infância

motricidade para os casos de dislexia, disgrafia, discalculia e distúrbios


motores. Em ambos os casos, claramente, tais tratamentos aparecem
como alternativas ao tratamento medicamentoso.

DCM e TDAH: a sofisticação discursiva da medicalização

Podemos dizer que o discurso em torno do TDAH complexifi-


cou-se comparativamente à DCM embora os temas e, muitas vezes, as
dúvidas quanto aos objetos analisados sejam semelhantes. Além disso,
enquanto que os pesquisadores utilizam o DSM para definir o TDAH,
a definição da DCM é orientada por meio de associações médico-psi-
quiátricas. Talvez, naquele momento, o DSM ainda não tivesse se legi-
timado como porta-voz do discurso competente. Outra característica
dos estudos em torno do TDAH é a imensa preocupação com a citação
de estudos e com a comprovação das informações por meio de dados
estatísticos. Percebemos ainda que houve uma continuidade na forma
de entender o comportamento desviante ou patológico da DCM para o
TDAH, em que a criança que tem o distúrbio ou o transtorno é aquela
que está fora da norma, que incomoda, que causa aversão aos colegas,
familiares e professores, que é insidiosa, que tem baixo desempenho
escolar, que não para quieta, perturba, argumenta inapropriadamente
e que se não for diagnosticada e tratada terá uma vida repleta de riscos,
descaminhos, frustrações, fracassos, desajustes sociais, em uma pala-
vra, infelicidade. O diagnóstico é, invariavelmente, clínico e ativado
pelas pessoas que convivem com a criança. O tratamento é, invariavel-
mente, medicamentoso com psicoestimulante.
Ao se propor, no caso do TDAH, a existência de uma lesão
cerebral não muito grave ou mesmo mínima que justificaria o com-
portamento hiperativo da criança não se consegue estabelecer quais-
quer conexões anatomopatológicas para determinar a causa dessas
doenças. O interessante é que as práticas psiquiátricas utilizam estes
discursos como referências, mas o tratamento não os leva em con-
sideração. Assim, os discursos aparecem como garantias de verdade
de uma prática psiquiátrica que pretendia a verdade como lhe sendo
dada, sem questioná-la.
A questão da verdade não se coloca entre o psiquiatra e a doença
mental posto que a psiquiatria já é uma ciência. Ou seja, a psiquiatria já
se vê como uma ciência na prática, aparecendo como detentor dos crité-
rios de verdade. Impõe aos corpos dementes e agitados um sobrepoder

103
Rodrigo Bombonati de Souza Moraes

que dá à realidade, pois detém a verdade em relação à doença mental


(FOUCAULT, 2006). A família inicia, e não necessariamente a escola,
o que Foucault (2006) chama de disciplina psiquiátrica, tornando-se o
olhar psiquiátrico de vigilância da criança para decidir sobre o normal
e o anormal, por meio do controle da postura, dos gestos etc.
Contudo, o problema da psiquiatria refere-se ao problema da
verdade. O poder psiquiátrico é, assim, um suplemento de poder por
meio do qual o real é imposto, digamos, à doença mental “em nome de
uma verdade detida de uma vez por todas por esse poder sob o nome
de ciência médica, de psiquiatria” (FOUCAULT, 2006, p. 164-165). A
psiquiatrização da infância passa pelos comportamentos em forma de
furor, violência agitação e, por outro, de abatimento, inércia, não-agita-
ção, demência, imbecilidade expressões comportamentais observadas
tanto pelo TDAH quanto pela DCM.
Podemos dizer que o saber psiquiátrico é um dos elementos por
que o dispositivo disciplinar organiza o sobrepoder da realidade em
torno da doença mental. É próprio do saber científico moderno supor
que haja verdade em toda a parte, lugar e o tempo todo. Essa verdade é
aquela que se constata, que é dada na forma de demonstração. A ques-
tão da verdade é assim introduzida, tanto no TDAH quanto na DCM,
a partir tanto do interrogatório quanto do uso de drogas que cada vez
mais se afirma em nossa sociedade e que fora, inicialmente, silenciado.
O interrogatório fixa, enquanto método disciplinar, o indivíduo à
norma da sua identidade, vincula o indivíduo à identidade social e à
assinalação de portador de transtorno que lhe foi imputada pelo meio.
Já as drogas, como o metilfenidato, eram e continuam sendo um instru-
mento disciplinar evidente, pertencendo ao reino da ordem, da calma,
“da colocação do silêncio” (FOUCAULT, 2006, p. 301).
Finalmente, percebemos que esse processo de medicalização
possui os elementos analíticos propostos por Rabinow e Rose (2006, p.
29), pois há, em ambos os casos, discursos de verdade sobre a vitalidade
dos seres humanos, e um conjunto de autoridades ou especialistas que
falem sobre essa verdade, além de modos de subjetivação, em que os
indivíduos são levados a agir sobre si mesmos, sob certa autoridade,
orientados pelos discursos de verdade, por meio de práticas do self, em
nome de sua vida ou saúde, de sua família ou de uma coletividade ou
ainda de uma população como um todo.

104
A medicalização da infância

Considerações

Neste capítulo, procuramos mostrar que o campo da medicali-


zação da infância parece tornar-se cada vez mais complexo, na medida
em que os argumentos médicos-científicos sofisticam-se. As diversas
pesquisas relativas a todas as áreas envolvidas na definição e legitima-
ção da DCM, no passado, e do TDAH, atualmente, fazem com que o
novelo de forças atuantes no campo médico torne-se mais intrincado,
fugidio, dados os métodos empregados na constituição do TDAH como
patologia. Os saberes produzidos em torno do funcionamento das pato-
logias cada vez mais sem corpo (ROSE, 2001) são possíveis justamente
por conta da busca das relações entre elementos cada vez mais tênues
(como as proteínas que compõem determinado gene) que apontam
para a perda há muito de um sujeito doente.
Antes, a sigla DCM ainda apontava para algo concreto (cérebro).
Agora, o TDAH aponta para ações demasiado abstratas que, embora
provenham de um corpo, esse já não é mais necessário. Acontece aqui o
oposto da clínica do corpo sem órgãos (DELEUZE; GUATTARI, 1996),
em que o “corpo sem órgãos porque não requer mais a tecnologia dis-
ciplinar do exame ou de que sejam vistos para o diagnóstico que gera
a prescrição ‘clínica’. O diagnóstico antecede o exame físico, é o diag-
nóstico do risco, e estamos todos sob o risco da doença dos órgãos.
Esse corpo sem órgãos, em contrapartida, é um corpo sem forças, débil,
exausto” (CECCIM; MERHY, 2009, p. 539). O corpo sem órgãos que
estaria desprendido das forças que o tentariam controlar é ainda mais
controlado quando se elege o órgão (cérebro) ou o comportamento
(excesso de atenção e falta de atividade) como objetos de investigação.
Cria-se uma nomenclatura adequada à sintomatologia de um compor-
tamento social, ao mesmo tempo em que se buscam explicações neu-
rofisiológicas, para um comportamento considerado, no mínimo, dife-
rente do esperado ou, na realidade, anormal. O percurso da DCM para
o TDAH ainda revela a utilização de novos meios de biopoder como
as técnicas psicológicas baseadas na cognição e no comportamento.
Antes, trabalhava-se o corpo com a psicomotricidade; agora, trabalha-
se a mente com a psicologia cognitivo-comportamental.

105
Rodrigo Bombonati de Souza Moraes

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107
8
Indisciplina nos espaços escolares:
um estudo bibliográfico

Camilla Sousa Oliveira


Eleno Marques de Araujo
Wellington Jhonner D. Barbosa da Silva

O
presente estudo teve por objetivo, a partir de uma revisão
bibliográfica, buscar compreender as recorrentes queixas sobre
o comportamento inadequado dos estudantes em sala de aula,
a indisciplina. Para tanto, os estudos de Boarini (1998), realizados no
Brasil e mundo a fora, afirmam que a principal queixa dos educadores
nos dias de hoje é a indisciplina de seus alunos. Além disso, o autor
frisa, dentro de sua linha de pesquisa, que são inúmeros os indícios de
que o referido fenômeno alcança dimensões mundiais.
Sendo assim, compreender a origem da problemática faz-se
extremamente necessária. Para isso, Garcia (2006), parte da colocação
de que a indisciplina é proveniente de um conjunto de crenças que sofre
influências sociais, ou seja, uma construção social própria da escola.
Seguindo a perspectiva de Piaget (1994), a indisciplina no coti-
diano escolar leva ao questionamento de como advém o desenvolvi-
mento da moralidade neste contexto. A construção deste conceito, den-
tro da instituição de ensino, requer a abrangência de diversas análises,
levando em consideração como ocorre o estabelecimento das regras, a
maneira como estas são aplicadas, o princípio de justiça utilizado nos
estabelecimentos escolares, se este envolve a coação ou a punição por
exemplo. Dessa forma, seguindo os preceitos apontados nesta teoria,
constatamos que a maneira como os alunos percebem as regras estabe-
lecidas nas instituições de ensino fazem parte das reflexões abordadas
no decorrer deste texto.

109
Camilla Oliveira / Eleno de Araujo / Wellington Silva

Ainda com base na teoria de Piaget (1994), para se considerar um


ato indisciplinar ou não, é necessário conhecer a origem das regras que
regem o grupo ao qual o sujeito pertence e como estas foram estabele-
cidas. A indisciplina deve ser tratada a partir de uma grande complexi-
dade e da relação dialética, a noção de justiça e o respeito às regras, as
quais Piaget pontua que sobressaem a partir de um processo psicoge-
nético de evolução.
Neste interim, é esperado, também, que o docente ocupe o papel
de pais, que deveria ser nutrido pela família e não pela escola. Dito isto,
é válido ressaltar que a partir da Constituição Federal de 1988, Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/1996) e o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 13.257/1990), pontuam que as
escolas têm a obrigação de se articularem com as famílias e os pais, o
direito a ter ciência do processo, ou seja, o processo educacional deve
resultar da ação tríade do Estado, da família e da sociedade.
Para tanto, o fenômeno da indisciplina atinge não apenas a
escola brasileira dentro de sua particularidade, mas afeta, ainda, todas
as instituições de ensino em maior ou menor proporção, mundo a fora.
O aluno, assim como qualquer outro indivíduo, traz de casa e do meio
social em que estão inseridos, seus princípios e valores, que fazem parte
da primeira etapa de sua socialização e desenvolvimento, que é também
chamada de formação não formal, por ser dada fora da escola.
Diante do exposto, nota-se que o mau comportamento acarreta
em prejuízos tanto para os professores, quanto para os alunos afetando
a qualidade do ensino e aprendizagem. A indisciplina dos alunos pode
estar associada a diversos fatores, como, por exemplo, a frágil estru-
tura do trabalho pedagógico, a estruturação das condições de respeito
mútuo estabelecido pela instituição e professor responsável, assim
como as questões de limites estipuladas também pela escola, quanto
pelos professores em sala de aula. Oliveira (2005, p.21) também pontua
acerca dos exemplos, dizendo que:
Além de a indisciplina causar danos ao professor e ao processo
ensino-aprendizagem, o aluno também é prejudicado pelo seu próprio
comportamento: ele não aproveitará quase nada dos conteúdos
ministrados durante as aulas, pois o barulho e a movimentação
impedem qualquer trabalho produtivo.

Ademais, o docente deve exercer autoridade diante da indisci-


plina dentro da sala de aula, no entanto, este não possui as habilidades à
altura para manter a ordem. Ao lidar com as questões indisciplinares é

110
Indisciplina nos espaços escolares

perceptível sua complexidade, pois, a partir das colocações dos autores


supracitados, nota-se que se trata do envolvimento de diversos parâ-
metros, tanto sociais como culturais, para a partida da análise sobre a
origem da indisciplina.
Além disso, é perceptível como o processo educacional depende
de outras variáveis. Muito adiante da capacidade do professor em
administrar a sala de aula, este se depara com um aluno que vive uma
dura realidade fora do ambiente escolar. Para isso, Arroyo (2004, p.
39) explana, “o que vem tornando as escolas e salas de aula inadmi-
nistráveis é o fato de terem piorado brutalmente as condições de viver
a infância e adolescência enquanto não melhoraram as condições de
exercer a docência”. Nesse sentido, o aluno, muitas vezes, reflete suas
vivências dentro da sala de aula, sejam elas positivas ou não.
Sendo assim, segundo Estrela (1992, p. 17), o conceito de indis-
ciplina “tem assumido ao longo dos tempos diferentes significações:
punição; dor; instrumento de punição; direção moral; regra de conduta
para fazer reinar a ordem numa coletividade; obediência a essa regra”.
Estrela (1992) também considera que os atos de indisciplina que
ocorrem no ambiente escolar são decorrentes da interação entre a escola
e o meio social e da própria violência da sociedade. Assim, muitos dos
atos de indisciplina que ocorrem no ambiente escolar são, para a autora,
reflexos do momento histórico e das ações da própria sociedade.
Não obstante, a desestruturação da família surte, de igual modo,
consequências sobre o índice de reprovação, deixando incompatível a
proporção idade e série a ser cursada respectivamente. Diante disso,
Giancanterino (2007, p. 87) afirma que:
A indisciplina em sala de aula e na escola tem sido uma preocupação
crescente nos últimos anos entre os educadores. Os grandes
responsáveis pela educação de jovens, como a família e a escola, não
estão sabendo ou conseguindo cumprir o seu papel.

Por conseguinte, este estudo proporcionará reflexões juntamente


com diversos autores, a partir das problemáticas citadas, incluindo o
psicólogo como membro da equipe escolar durante a produção de novas
estratégias e abordagens que possam auxiliar a redução e compreensão
dos motivos existentes por trás da indisciplina propriamente dita.

111
Camilla Oliveira / Eleno de Araujo / Wellington Silva

Conceituando disciplina

Para melhor compreender os comportamentos indisciplinados


no ambiente escolar, é válido explanar a respeito do seu oposto, que é
a disciplina propriamente dita. A partir do momento em que se com-
preende como ocorre o comportamento disciplinado, sendo este o alvo
de desejo majoritário dos profissionais da educação, pode-se melhor
associar a base da indisciplina.
A partir das colocações de Makarenko (1981), a disciplina se
constitui a partir de um significado restrito que parte de um conjunto
de regras de condutas, costumes que já foram incorporados e até mesmo
como obediência. Adentrando o contexto brasileiro, Freire (1985) pon-
tua que a disciplina implica, diretamente, na qualidade da relação pro-
fessor e aluno e na ausência desta os conflitos em sala de aula podem
ser mais recorrentes.
Desta feita, a disciplina parte de um processo democrático, para
isso Viana apud D'Antola (1989), coloca a disciplina como um fator que
parte de um processo consensual. Assim sendo, leva em consideração
o bem comum, assim como na sociedade democrática em que outras
demandas também se encontram inseridas.

Conceituando indisciplina

A aprendizagem se concretiza a partir da significação do con-


teúdo para o aluno. A partir disso, Ausubel, Novak e Hanesian (1983)
afirmam na teoria da aprendizagem significativa que o indivíduo assi-
mila o conhecimento recebido a partir dos conteúdos que este já pos-
sui em sua estrutura cognitiva. Sendo assim, os conteúdos já existentes
recebem novas informações sofrendo modificações e gerando novas
significações àqueles já pré-existentes. Pontuam também que um dos
fatores que mais influenciam no processo de aprendizagem é aquilo
que o aluno já sabe (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN,1983), em outros
dizeres, suas vivências devem ser levadas em consideração para a ini-
ciação deste processo.
Aquino (2003) comenta a gênese da indisciplina a partir dos
conflitos perpetrados pela própria instituição de ensino, não dialo-
gando, dessa forma, com o novo perfil desenvolvido pelos discentes.
Além disso, descreve que esta problemática também é proveniente

112
Indisciplina nos espaços escolares

de um modelo de inconformidade, sendo que as escolas aparentam


inspirar-se ainda em comportamentos que não fazem mais parte do
perfil do alunado.
Seguindo a literatura escolar, o ambiente que apresenta grande
índice do fator indisciplina possui grandes dificuldades para a realiza-
ção desse processo, fazendo com que haja prejuízos durante o ensino
-aprendizado dos respectivos alunos e até mesmo no clima organiza-
cional da instituição.
Complementando tais definições, Parrat-Dayan (2009) aponta a
indisciplina escolar como uma infração do regulamento interno, uma
falta de civilidade e uma agressão às boas maneiras e principalmente
como uma manifestação de um conflito.
Não obstante, a autora defende ainda que a escola deve propor-
cionar a gestão das questões indisciplinares, fazendo com que o aluno
se sinta seguro dentro da instituição de ensino (livres de agressões, ridi-
cularização ou discriminação), assim possibilitando que esse também
exerça o seu papel referente às relações interpessoais com os educado-
res, assim como a conscientização das consequências institucionais
provenientes do mau comportamento.
A partir das variáveis que estimulam a indisciplina, Cortesão
(1995) pontua a respeito da ambiguidade do conceito de indisciplina
escolar. A pesquisadora destaca que ao se analisar as situações existem
caracterizadas como perturbações realmente inaceitáveis. Entretanto,
adverte que um comportamento pode ser intitulado como indisciplina
para alguns e o mesmo pode ser aceito ou tolerado por outros. É pos-
sível associar essas colocações aos valores e crenças que cada indiví-
duo carrega consigo a partir de suas construções sociais externas ao
ambiente de ensino.
Ademais, esta questão também se encontra diretamente ligada
às expectativas sustentadas pelos educadores, capazes de determinar e
almejar uma específica conduta dentro da sala de aula, que ao não ser
atingida da maneira esperada, acaba por gerar novos e maiores atritos.
É perceptível que a maioria dos casos lida com a falta de diálogo e até
mesmo intolerância propriamente dita entre as partes.
Subsequente a este contexto, Cronk (1987), diante dos conflitos
em sala de aula, descreve-os como a ausência de tolerância e com-
preensão entre as partes fundamentais do processo de aprendizagem,
que são os professores e os alunos. Além disso, afirma ser necessário

113
Camilla Oliveira / Eleno de Araujo / Wellington Silva

destacar a moral do aluno, vindo a sugerir a aceitação dos diversos


pontos de vista dos discentes por parte dos docentes, como forma de
resolução de conflitos.
Neste mesmo viés, Cooper (1993) pontua que é de grande impor-
tância que dentro das relações professor-aluno, os primeiros propor-
cionem disponibilidade em ouvir os segundos, além de levar em conta
o estado do clima da escola como forma de entendimento educacional
eficaz. Sendo assim, nota-se que um diálogo precário e pouco tolerante
entre as partes acaba por gerar a intensificação dos atritos já existentes,
totalmente capaz de prejudicar a dinâmica, impossibilitando que esta
ocorra de maneira fluente.
Esta problemática permeia as mais diversas nacionalidades, está
presente tanto nas instituições públicas quanto nas privadas, até mesmo
dentro das variações do processo de formação média e superior. Vale
ressaltar que é questionável à proporção que a indisciplina nas escolas
vem alcançando ultimamente. Por meio de relatos de profissionais da
área de educação na mídia, muito é explanado sobre casos de violência,
levando até mesmo a agressões físicas dentro das salas de aulas.
Lidar com a indisciplina envolve diversas partes do ambiente
escolar, podendo ter como auxílio o psicólogo nesta resolução de pro-
blemas. Para complementar tais colocações, é necessário refletir a res-
peito do trabalho realizado na escola, no sentido de que ao se deparar
com a indisciplina, esta seja analisada como um todo, ao invés de bus-
car o apontamento para um determinado culpado. Para isso, Franco
(1986, p. 63) diz:
A disciplina está indissoluvelmente ligada ao processo de transmissão
e assimilação dos conhecimentos elaborados historicamente pelo
homem. Deixa, assim, de ser alguma coisa que diz respeito somente
ao aluno, para transformar-se em preocupação permanente da
comunidade escolar, em uma exigência da escola.

Com efeito, a indisciplina pode servir de alerta para o professor,


como por exemplo, sendo um sinal referente a uma aula mal planejada.
Seguindo este contexto, a indisciplina, segundo Garcia (1999) é capaz
de refletir os então desacordos a contratos de expectativas sociais, no
âmbito das relações entre sujeitos, bem como no campo das relações
desses com o conhecimento. Sendo assim, a didática elaborada pelo
docente pode também não coincidir com os métodos de aprendizado
de determinadas turmas, causando frustrações e, posteriormente, atin-
gindo o sintoma da indisciplina novamente.

114
Indisciplina nos espaços escolares

Processo histórico da indisciplina

O rendimento que aluno apresenta dentro da sala de aula e o


esgotamento dos professores é diariamente relacionada à falta de dis-
ciplina dos discentes. A partir disso, Aquino (2011), afirma que o fenô-
meno passa a ser discutido com propriedades científicas no Brasil a
partir da década de 1990, originando assim publicações variadas na
área da Educação, Linguística, História, Serviço Social e Sociologia.
Perante este recorte, é notável que o conceito de indisciplina,
segundo Garcia (2006), sofre ainda interferência de diversas contingên-
cias, sendo que o corpo docente elabora suas próprias concepções sobre
este fenômeno. Além do mais, regras que trazem de suas vivências,
experiências negativas, entre outras, refletem diretamente sobre a ins-
tituição escolar, o discente e os professores. A partir destas colocações,
ainda seguindo Garcia (2006), sobressai a ideia de que a indisciplina é
composta por um conjunto de crenças socialmente elaboradas capa-
zes de influenciar a composição da base social em que a instituição de
ensino se apoia.
Cada indivíduo traz consigo suas crenças centrais, essas são
capazes de reger a maneira como o indivíduo perpassa pelas diversas
situações cotidianas. A falta de disciplina também está diretamente
ligada à quebra da expectativa criada pelos professores, assim como
pela instituição de ensino. Os valores disciplinares criados e impostos,
quando não são seguidos geram frustrações que acabam por desmoti-
var as figuras de autoridades no ambiente educacional, gerando tam-
bém os diversos questionamentos sobre a origem deste e o responsável
pela propagação do comportamento dito inadequado.
O estudante intitulado indisciplinado chega à escola e não segue
as regras de comportamento adequadas, gerando o ciclo de transtor-
nos no processo de ensino aprendizagem. Levando em consideração
que muitos comportamentos podem ser aprendidos, é relevante que o
‘aluno problema’ pode estar praticando a reprodução de hábitos ina-
dequados, sendo que em algum momento do seu cotidiano este foi
exposto a contingências de não seguir regras, ultrapassar os limites do
bom comportamento, gritar com os demais colegas e figuras de autori-
dade. Receber ordens se torna algo afrontoso para ele.
Diante disso, Aquino (1998) explana relatando que as crianças
não possuem limites, não são capazes de reconhecer regras e que a res-
ponsabilidade também está ligada aos pais e seus hábitos permissivos

115
Camilla Oliveira / Eleno de Araujo / Wellington Silva

em demasia. Trata-se, segundo Aquino (2003), de um fenômeno escolar


que ultrapassa fronteiras socioculturais e econômicas, atingindo a falta
de afetividade e o resgate de valores. Complementando essa linha de
pensamento, Tiba (1996, p.183) afirma que:
Se a parceria entre família e escola for formada desde os primeiros
passos da criança, todos terão muito a lucrar. A criança, que estiver
bem vai melhorar e aquela que tiver problemas receberá a ajuda tanto
da escola quanto dos pais para superá-los.

O comportamento indisciplinar advém de variadas construções


sociais, sendo uma delas, a base familiar fragilizada. A passagem pelas
fases da aprendizagem e a presença da família é de extrema importân-
cia, pois, assim, a criança acaba por receber a atenção necessária, sendo
ela também afetiva, compreendendo na prática o funcionamento dos
limites, lidando naturalmente com a disciplina, tornando, desta forma,
um hábito que acabará por refletir dentro da sala de aula. Com a parce-
ria da família, durante este período, os alunos e escolas passam a lucrar
durante esta etapa de formação com maior aproveitamento e menos
problemas, inclusive a saúde dos professores.
A conscientização e reconhecimento de ambas as partes sobre
as dificuldades enfrentadas são capazes de proporcionar um ambiente
harmônico durante a aprendizagem, ressaltando assim a importância
de um diálogo fluente entre estes. Para se compreender historicamente
o fator de indisciplina na atualidade, Amado (2001, p.17) diz:
A indisciplina escolar está intimamente ligada a tudo que diz respeito
ao ensino, aos objetivos, as práticas e perspectivas que orientam, além
dos condicionantes próprios da aula, da escola da comunidade, e do
sistema. Portanto, a indisciplina nos dias atuais deve ser vista como
um fenômeno interativo que ocorre no contexto da sala de aula.

Discorrendo a respeito do contexto contemporâneo, o aluno


indisciplinado é classificado pela escola como aquele que transgride
as ordens, desinteressado, que não aceita a imposição de limites, entre
outros. Dessa forma, o fracasso escolar acaba por ser atribuído total-
mente ao aluno.
No entanto, é sabido que vários fatores são capazes de contri-
buir com o resultado negativo do rendimento do aluno, considerando
também a falta de motivação, a permanência da estrutura escolar inti-
midadora, a não utilização ou falta de recursos variados para a trans-
missão de informações. Essas questões são capazes de provocar, assim,
a desmotivação do aluno para a aprendizagem significativa, colocando

116
Indisciplina nos espaços escolares

outras contingências como fatores reforçadores, provocando a indisci-


plina e colocando o método de ensino do professor em conflito com os
interesses do aluno.
Desta feita, a gênese da indisciplina é elaborada por Aquino
(2003) como algo instalado nos próprios conflitos realizados pelas pró-
prias práticas escolares, impossibilitando a capacidade de dialogar com
os novos perfis discentes. Traduzindo, assim, a indisciplina é uma espé-
cie de inconformidade, a qual os estudantes se encontram expostos a
padrões de comportamento que as escolas ainda parecem se inspirar,
não acompanhando o ritmo alcançado pelo novo e atual público.

O psicólogo escolar como agente de mudanças

No ambiente escolar, o psicólogo não realiza o trabalho clínico.


Este profissional dentro deste contexto pode realizar diferentes tare-
fas. Pesquisas feitas por Caetano (1992), Neves (1989) e Silva (1995),
demonstram a existência de uma representação social do psicólogo,
remetendo-o a um profissional com habilidades específicas para exer-
cer a função de ajudar e orientar.
Neves (1989) estende sua pesquisa envolvendo os psicólogos em
escolas públicas da Prefeitura de São Paulo – SP, foi constatado que por
mais que os profissionais reconheçam a significância das ações preven-
tivas, as instituições acabam por direcioná-los a tarefas de orientação de
pais e encaminhamento de alunos. Sendo assim, é observável que a rea-
lização do trabalho clínico é algo almejado pela instituição de ensino.
Ainda é predominante, no ambiente educacional, segundo
Ribeiro e Guzzo, (1987), a visão do psicólogo em função da identifica-
ção e resolução de problemas emocionais, de comportamento, ou de
aprendizagem, voltando novamente para a perspectiva clínica. Dialo-
gando com Caetano (1992), os pais pontuam a necessidade e impor-
tância do psicólogo dentro do contexto escolar, sendo que o psicólogo
escolar seria o profissional com formação que o capacita para a orien-
tação de pais e alunos, além de tratar inúmeras questões referentes ao
desenvolvimento humano.
O profissional da educação, seguindo Silva (1995), apresenta um
panorama visual que associa psicólogo apenas à figura de apoio, amigo
e confidente, vinculando-o ao ideal de empatia, solidariedade, empatia
e sigilo. Constata se que é construído socialmente um ideal para a atua-

117
Camilla Oliveira / Eleno de Araujo / Wellington Silva

ção do psicólogo dentro das instituições de ensino, colocando-o em um


patamar com menor cientificidade, desconstruindo assim, de maneira
tênue, a real abrangência de atividades que podem ser realizadas pelo
psicólogo no ambiente escolar.
Com essa limitada atuação construída socialmente, é necessário
frisar que o psicólogo, no contexto escolar, pode se beneficiar sim das
contribuições da Psicologia Clínica, contextualizando-as ao ambiente
escolar. Um estudo realizado no Chile por Costa, Sanhueza, Barra e
Villa Lobos (2012), retrata o quanto a comunidade escolar desconhecia
as contribuições do psicólogo neste ambiente, pontuando assim Costa
et al (2012, p. 176):
Ocorre uma confusão com o papel a desempenhar, já que muitas vezes
se pensa que o psicólogo vem exercer um papel clínico. Isto influencia
a maneira na qual o psicólogo está incluído dentro do estabelecimento,
dado que deve esclarecer estas dúvidas, ir progressivamente colocando
limites e focalizando as expectativas da comunidade educativa, que,
de acordo com os psicólogos, é uma tarefa desgastante.

O Brasil encontra-se em uma realidade equivalente ao da refe-


rida pesquisa, Cruces (2006, p. 20) destaca que “a psicologia se desen-
volveu no Brasil principalmente para atender problemas da educação,
sobretudo a formação de professores". É compreendido, então, o desvio
de função do psicólogo no ambiente escolar.
Frente às questões indisciplinares, o psicólogo escolar pode mos-
trar a amplitude da gênese desta problemática. Sendo assim, para Guzzo
(2005), a base para este profissional exercer adequadamente o seu papel
está na autonomia. Este conceito em sua forma política, a partir do refe-
rencial de Freire (1973, 1989, 2006) é advinda de uma reflexão crítica a
respeito da realidade, cotidiano da escola e da equipe que a compõe.
O psicólogo escolar, para Reger (1989, p. 14), além de um profis-
sional, é
[...] um cientista, um engenheiro educacional ou projetista de planos
educacionais que usa das mais modernas metodologias e técnicas.
À medida que busca utilizar o sistema educacional tão efetivamente
quanto possível para cada criança ou grupos de crianças, tem muito
em comum com o administrador educacional e com o professor. Assim
como os outros educadores, ele daria mais ênfase ao crescimento
e desenvolvimento da criança do que à ‘patologia’. Mas diferencia-
se do administrador e do professor conforme visa à aplicação
mais consistente do método científico na resolução e problemas
educacionais e psicológicos.

118
Indisciplina nos espaços escolares

Dessa maneira, o psicólogo, atuando no ambiente escolar, con-


segue demonstrar a importância de se analisar as diversas partes, de
se construir um diagnóstico concreto da instituição, possibilitando,
dessa maneira, que o aluno dito indisciplinado seja visto como reflexo
das contingências às quais é exposto. Afirmando, desta maneira, que
a colocação de todos os autores supracitados que enaltecem a relevân-
cia desta análise do psicólogo escolar, complementam que a constru-
ção da indisciplina advém dessas diversas influências sociais e também
institucionais.

Considerações finais

Diante do exposto neste texto é perceptível como a indisciplina


escolar é um fator de longa construção, além de ser algo existente em
instituições de ensino de todo o mundo, em menor ou maior propor-
ção, em diversificadas influências sociais e institucionais. Nesse sen-
tido, o aluno rotulado como indisciplinado, traz consigo uma ampla
variedade de vivências que refletem em seu comportamento no pro-
cesso de aprendizado.
O docente, assim como a escola, também traz consigo suas cons-
truções e expectativas de disciplina, impondo esta como uma reali-
dade absoluta que acaba não dialogando de maneira harmônica com
as vivências trazidas pelo discente, frustrando o educador que idealiza
normas de condutas a serem seguidas pelos seus alunos.
A construção das leis da escola a serem seguidas pelos estudan-
tes também convergem com a atual realidade apresentada por estes, é
perceptível que muitas escolas ainda não se adequaram ao novo perfil
do alunado e dessa maneira acabam atribuindo o fracasso escolar e as
causas dos comportamentos indisciplinares apenas ao aluno.
Reunindo as diversas causas, tem-se o psicólogo escolar como
membro que possui conhecimentos os quais possibilitam a obtenção de
diagnóstico concreto da instituição de ensino, dando condições à sua
atuação perante toda a equipe que constitui esta, desvinculando o con-
ceito de que o aluno é o único responsável pelo seu fracasso e compor-
tamentos indisciplinares, não condizentes com o esperado pela escola e
pelo corpo docente, sendo esta a temida indisciplina que impossibilita
o fluxo contínuo do processo de ensino-aprendizagem.

119
Camilla Oliveira / Eleno de Araujo / Wellington Silva

Em vista disso, nota-se que a origem da indisciplina está na cons-


trução de todo um processo histórico, social e institucional. Conside-
rando que cada escola apresentará diferentes bases de regras a serem
seguidas, assim como diferentes maneiras de aplicá-las aos seus estu-
dantes, gerando, assim, inúmeras consequências no processo adapta-
tivo dos alunos a tais imposições por conta de todo o processo de cons-
trução que este passa, socialmente, enquanto indivíduo.
Por fim, em contrapartida, é atribuído ao psicólogo escolar, e pri-
mordialmente a este, o papel de ressignificar tais colocações construí-
das e perpassadas historicamente a respeito da indisciplina, demons-
trando na prática dentro da instituição, por meio da realização de refle-
xões críticas, a amplitude da origem da indisciplina e como é de grande
importância que a equipe institucional participe ativamente para a
construção de novas práticas que se adéquem ao novo perfil de aluno
que estas recebem, a partir de sua realidade e atual contexto histórico-
social vividos.

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122
9
Estágio supervisionado e a regência
de licenciandos de Matemática em
Escola de Campo
Roseli Araújo Barros
Carlos Jose Trindade da Rocha

O
desenvolvimento profissional dos docentes é um processo que
envolve a compreensão das situações concretas que se produ-
zem nos contextos escolares onde eles atuarão. Para isso, um
dos elementos mais importantes dessa formação é, sem dúvida, o
momento do estágio.
É nesta etapa que o acadêmico tem a oportunidade de ver aliadas
a teoria e a prática, possibilitando-o estabelecer articulações entre estas,
construindo, assim, seus saberes docentes e sua formação profissional.
Para tanto, é preciso que este acadêmico assuma um papel mais ativo
em termos de formação e atuação profissional.
Neste contexto, conforme o Caderno de Orientações da Pró-Rei-
toria de Graduação – PRG (GOIÁS, 2010), em seu Art. 2º, o Estágio é o
ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de tra-
balho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de acadêmicos
que estejam frequentando o ensino regular em instituições de Educa-
ção Superior, de Educação Profissional, de Ensino Médio, da Educação
Especial e dos anos finais do Ensino Fundamental, na modalidade pro-
fissional da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O Estágio Supervisionado no Curso de Licenciatura em Matemá-
tica na Universidade Estadual de Goiás – UEG é um espaço de reflexão
e construção de conhecimento. Logo, investigar as situações que envol-
vem esse componente curricular torna-se relevante ao oferecer refle-

123
Roseli Araújo Barros / Carlos Jose Trindade da Rocha

xões sobre a formação inicial de professores. A intenção principal é de


contribuir para mudança de ideia simplista de que o Estágio deva ser
restrito às atividades programadas sistematicamente.
Defendemos que sua organização e planejamento possam emer-
gir das discussões entre educador e educando, no cotidiano da sala de
aula, da escola. O que implica dizer que o estágio não pode se prender
aos limites de uma sala de aula, e sim que a escola como um todo deve
se tornar um espaço para a prática.
Torna-se, então, necessário criar ações coletivas de embates e
debates, que visem superar as concepções de Estágio, entendido ape-
nas como função burocrática, ou como contemplação de modelos e se
aproximar da tendência de Estágio como uma residência pedagógica.
Assim, ao discutir o Estágio Supervisionado da Licenciatura em
Matemática da UEG como princípio formativo da prática de ensino, em
regências de escola de campo, nos permite construir um estudo empí-
rico, considerando a formação de futuros professores em que emergem
em uma comunidade de prática, com possibilidades formativas de
melhoria da prática de ensinar em consequência dessa participação.
Para o presente texto, tomamos como material de análise, uma
última etapa de vivência do Estágio Supervisionado, caracterizado pela
autonomia dos professores estagiários no planejamento e execução de
aulas no campo empírico de investigação. Pretendemos com essa aná-
lise, responder à questão: Como licenciandos do curso de matemática
da UEG, concebem a importância da regência em seus planejamentos
para a prática de ensino através do Estágio Supervisionado em escola
de campo?
Portanto, esta pesquisa tem o intuito de investigar e levantar dis-
cussões sobre o Estágio Supervisionado para com a formação docente
no ensino de matemática, disponibilizando e incentivando a formação
continuada e os desafios contemporâneos dessa temática.

Considerações sobre Estágio Supervisionado

O potencial formativo, nos últimos anos do Estágio Supervi-


sionado em cursos de licenciatura em Matemática tem sido foco de
diversas pesquisas realizadas no Brasil (CYRINO; PASSERINI, 2009;
MEDEIROS, 2010; CARVALHO, 2012; OLIVEIRA; SANTOS, 2011).

124
Estágio supervisionado e a regência de licenciandos

No entanto, de acordo com essas mesmas pesquisas, ainda há muito


que ser investigado.
O Estágio ainda é considerado como uma das primeiras expe-
riências oportunizadas à maioria dos futuros professores, no decorrer
do curso de licenciatura, que lhes permite estar em contato direto com
o seu futuro ambiente de trabalho.
Portanto, o Estágio é uma das etapas da formação inicial do pro-
fessor, e é prevista pela Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacio-
nal (LDB) n.9394/96 de 1996. Sua duração e carga horária, também são
estabelecidas pela CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, sendo que o
Estágio Obrigatório deve ser desenvolver a partir do início da metade
do curso, principalmente, nas escolas de Educação Básica.
O estágio permite ao futuro profissional docente conhecer, ana-
lisar e refletir sobre seu ambiente de trabalho. Para tanto, o aluno de
estágio precisa enfrentar a realidade munido das teorias que aprende
ao longo do curso, das reflexões que faz a partir da prática que observa,
de experiências que viveu/vive enquanto aluno, das concepções que
carrega sobre o que é ensinar e aprender, além das habilidades que
aprendeu a desenvolver ao longo do curso de licenciatura que escolheu
(CORTE; LEMKE, 2015).
Uma das visões sobre Estágio o concebe como um período de
exercício da prática pedagógica. Mas, é preciso atentar para o fato de
que há certa generalização quanto ao uso desse termo, prática pedagó-
gica, e que nem sempre determinadas práticas podem ser denominadas
como pedagógicas, principalmente, quando não atingem a sua função
principal, a da aprendizagem dos alunos.
Nesse sentido, a função principal da prática pedagógica é a de
desenvolver o processo ensino e aprendizagem. Essa prática deve estar
pautada numa aliança entre educador e educando com um único objetivo,
“a aprendizagem e o desenvolvimento do educando, devendo, portanto,
ambos exercer uma ação de aliados” (MILANESI et. al., 2008, p. 141).
Para os autores, no entanto, precisamos avançar muito ainda nos
cursos de formação de professores para que haja um melhor relaciona-
mento entre a universidade e a escola. Existe ainda uma grande distância
entre o que os agentes dessas duas instituições falam e aquilo que pra-
ticam. Nota-se esse distanciamento na escuta de diálogos estabelecidos
entre os acadêmicos e, às vezes, no silêncio expressado no rosto deles.

125
Roseli Araújo Barros / Carlos Jose Trindade da Rocha

Mas sabemos, também, que muitos educadores procuram atuar


de maneira reflexiva, investigativa e crítica tanto na escola quanto na
universidade, criando, uma identidade que lhes confere atribuições real-
mente desejáveis e prazerosas, investindo sempre na qualidade da edu-
cação, sendo, portanto, tais educadores, merecedores de elogios na arte
de ensinar (MILANESI, 2012). Dessa forma, “considerar o estágio como
campo de conhecimento significa atribuir-lhe um estatuto epistemoló-
gico que supere sua tradicional redução à atividade prática instrumental”
(PIMENTA; LIMA, 2009, p. 29).
Assim, julgamos que o Estágio é relevante na formação do futuro
professor, sendo compreendido como possibilidade para a edificação
de caminhos para o exercício da docência. Por meio deste, é possível
vivenciar o cotidiano da escola, em que o acadêmico coloca em prática
o conhecimento adquirido ao longo de sua formação.
Também, é o modo de fazer a transição de aluno para profes-
sor, caracterizando esse processo como espaço de formação em que o
futuro professor pode vivenciar experiências, que possibilite conhecer
melhor a área em que atuará profissionalmente.
Para os que já atuam como professores e para os que participam
de projetos que têm uma ação efetiva em sala de aula, o estágio pode
ser uma oportunidade de implementar diferentes métodos de ensino
e de refletir sobre a prática docente. De todo modo, o Estágio Supervi-
sionado possibilita a busca de uma compreensão acerca de diferentes
meios de se exercer a docência (CYRINO; PASSERINI, 2009).
Em linhas gerais os estágios supervisionados consistem em uma
oportunidade de o aluno aproximar-se da realidade profissional com a
qual lidará, ampliando seus referenciais sobre a identidade profissional,
os saberes da docência e as posturas necessárias ao exercício da profis-
são (PIMENTA; LIMA, 2009, p. 61).
A inserção dos acadêmicos no cotidiano da escola possibilita
vivências em situações nas quais os professores utilizam os conheci-
mentos sobre o conteúdo a ser ensinado, os princípios gerais de ensino
e de aprendizagem, além da didática, representando uma oportuni-
dade para aprender a ensinar, integrando dimensões, teórica e prática
(PANNUTI, 2015).
Barreiro e Gebran (2006) alertam-nos para o fato de que a pre-
sença do estagiário em sala de aula causa certa desestabilização nos
alunos da classe. As autoras também afirmam que essa presença pode

126
Estágio supervisionado e a regência de licenciandos

causar certa insegurança no professor-regente que se sente questionado


no que diz respeito aos seus conhecimentos de natureza matemática e
pedagógica, a forma como lida com seus alunos e a sua própria compe-
tência enquanto professor.
Por outro lado, deve-se considerar a importância das relações
estabelecidas entre o professor-regente e o aluno estagiário, haja vista
que, por meio do diálogo e da troca de experiências práticas e teóricas,
podem ser estabelecidos caminhos para a formação de ambos.
Aos professores pertencentes à instituição onde se realiza o está-
gio, este se constitui como possibilidade, ao professor e estagiário, de
terem acesso Relato de Experiência a novos conhecimentos resultan-
tes dessa relação. A preocupação e o afã de colaborar, de mudar, de
melhorar alguma coisa, comportamento característico de quem, mui-
tas vezes, está iniciando alguma carreira, acaba incentivando ou “for-
çando” aqueles que já estão há algum tempo envolvidos neste trabalho
a repensar algumas de suas práticas, as quais, algumas vezes já não têm
correspondência alguma com a realidade ali implicada. (BARREIRO;
GEBRAN, 2006, p. 105)
Desta forma, a participação do estagiário na escola não deve
“passar em branco”, podendo promover mudanças significativas no
espaço escolar. Logo, “o período de estágio, ainda que transitório, é
um exercício de participação, de conquista e de negociação do lugar do
estagiário na escola” (PIMENTA; LIMA, 2009, p. 116).

Aspectos Metodológicos

Esta pesquisa de abordagem qualitativa (FLICK, 2016) favoreceu


um enfoque descritivo (SAMPIERE; COLLADO; LUCIO, 2006), pres-
supondo a identificação, registro e análise das características, fatores ou
variáveis que se relacionam com o fenômeno ou processo de interesses
de pesquisas sobre Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em
Matemática da UEG.
Para uma melhor compreensão de investigação, também recor-
remos a informações contidas em documentos como: Caderno de
Orientações da PRG, Proposta Pedagógica de Estágio Curricular
Supervisionado Obrigatório dos Cursos Regulares de Licenciatura da
UEG, Regulamento de Estágio Supervisionado dos Cursos Regulares
do Campus de Jussara e relatórios de Estágio produzidos pelos esta-

127
Roseli Araújo Barros / Carlos Jose Trindade da Rocha

giários, contendo reflexões sobre as atividades desenvolvidas em cada


vivência do Estágio Supervisionado em Matemática.
As constituições de informações se deu por meio de entrevistas
semiestruturadas gravadas em áudio e, depois, transcritascom cinco (5)
licenciandos do quarto ano do curso de Licenciatura em Matemática
da UEG, Campus de Jussara, após a realização do estágio de regência.
Os licenciandos, conforme ética de pesquisa foram identificados como
LM1, ..., LM5.
A análise dos dados foi fundamentada nos pressupostos teórico-
metodológicos da Análise Crítica do Discurso – ACD (FAIRCLOUGH,
2001), que tem como foco de investigação os eventos discursivos. A
ACD pressupõe uma análise descritiva no momento de analisar o texto
e interpretativa quando se considera a prática discursiva e social, porém
a divisão dos tópicos analisados nunca é nítida.
Para este trabalho, selecionamos recortes referente à última
vivência de Estágio Supervisionado, que em nosso caso, corresponde ao
estágio de regência de dez (10) horas, em que os estagiários ministram
duas aulas na escola campo. Assim, trazemos fragmentos de trechos
das entrevistas e dos relatórios finais de Estágio, produzidos pelos licen-
ciandos que interessam à análise proposta nessa pesquisa.

Descrição e Análise dos Dados

Dentre as reflexões que seguem dessa investigação e que preten-


demos expor pelos relatos dos licenciandos de matemática, destacamos
a vivência de regência de aula na escola campo, bem como concebem a
importância da regência em seus planejamentos para a prática de ensino
através do Estágio Supervisionado. Assim, procurando adequar à prática
docente a carga horária da regência (10 horas), esta etapa, foi acompa-
nhada pela professora orientadora do estágio e a professora regente.
Destacamos que os conteúdos da regência foram sugeridos pelos
próprios professores de Matemática da escola campo, assim, procurou-
se agendá-las e elaborar um cronograma com as datas das regências
para que o grupo gestor tivesse conhecimento.
No que diz respeito da importância do planejamento e do mate-
rial utilizado na regência, as estagiárias ressaltam que:

128
Estágio supervisionado e a regência de licenciandos

LM1: a elaboração do plano de aula e do material utilizando na


regência foi importante, enriquecendo o diário da docência [...] ato de
planejar é fundamental e indispensável para o professor, já que sem
planejamento o mesmo ficara perdido em sua aula.
LM2: um plano de aula quando bem elaborado ajuda o professor a
agir com segurança na sala de aula, pois sabe bem o que vai explicar
[...] não havendo nenhum problema em relação ao conteúdo. O plano
de aula é um planejamento onde para dar certo temos que planejar o
que iremos realizar várias vezes, para que não ficarmos com nenhuma
dúvida, assim, termos o domínio do conteúdo.

Observa-se que os LM1 e LM2, compreendem que o planejamento


é fio condutor para a prática docente com segurança, considerando que
um plano de aula deve ser flexivo e com o domínio do conteúdo.
Os depoimentos dos licenciandos em matemática permitem uma
reflexão de que a literatura internacional, em especial da área de ensino
de matemática, tem apontado uma base de conhecimentos para profes-
sores que delimita e caracteriza essa profissão (FERNANDEZ, 2015).
Dentre estes, recebe destaque o conceito de Conhecimento Pedagógico
do Conteúdo, PCK, do inglês Pedagogical Content Knowledge, e que
representa o conhecimento próprio do professor utilizado no processo
de ensino, que se constitui a partir da integração do conteúdo específico
de uma disciplina com pressupostos pedagógicos.
Cabe destacar que no desenvolvimento do Estágio Supervisio-
nado, a partir das atividades de reconhecimento escolar e observações
em sala, a prática da regências de fato exige do estagiário um planeja-
mento eficaz, em que define os objetivos propostos da cada aula, como
será o desenvolvimento das atividades e explicações aos alunos, qual
metodologia e estratégia aplicará, quais os recursos didáticos que serão
utilizados e seus critérios de avaliação.
Os planejamentos de ensino se mostram como uma importante
ferramenta para conduzir o que os licenciandos caracterizam impor-
tante do conhecimento de seus contextos e para o processo de refle-
xão sobre a ação docente, para o qual elaboraram o planejamento que
devem mobilizar diferentes conhecimentos em cada ação de ensino.
Com relação à elaboração do plano de aula para a regência, a
LM1 ainda assinala que realizou algumas pesquisas sobre o conteúdo,
os métodos e materiais a serem utilizados.
LM1: para fazer meu plano de aula foi necessário ter conhecimento do
conteúdo e, ainda, elaborar os objetivos específicos, o que se pretendia
ensinar na aula que iria ministrar[...] o recurso metodológico denota

129
Roseli Araújo Barros / Carlos Jose Trindade da Rocha

como será realizada a aula, a explicação oral, a resolução de exercícios,


as discussões de perguntas e respostas, o quadro/giz, livro didático...

Identifica-se que o LM1, como estagiário dispõe do aspecto de


compreensão no processo de elaboração de plano de aula. Inferimos que
este licenciando dispõe de seus conhecimentos construídos ao longo do
curso de Licenciatura em Matemática e, também, da sua vivência no
Estágio Supervisionado.
Uma vez compreendidas as ideias, elas devem ser transformadas
para ensinar. Este processo de transformação requer certo grau de com-
binação dos seguintes subprocessos, cada um com seu tipo de repertó-
rio: (i) Preparação – é necessário preparar o material (texto, livro didá-
tico, apostila, entre outros) em um processo de interpretação crítica; (ii)
A apresentação de suas ideias em forma de novas analogias ou metá-
foras; (iii) Seleções didáticas entre os métodos ou modelos de ensino;
(iv) Adaptações dessas representações a características gerais tanto dos
alunos como do que se vai ensinar; (v) Adaptação das representações e
das características específicas de cada aluno da classe de aula.
O LM1 corrobora com os subprocessos e repertórios necessários
a prática de ensino de matemática, concebendo que:
LM1: os objetivos específicos a serem alcançados, a metodologia
utilizada durante a aula, os procedimentos de como será ministrada a
aula, os recursos utilizados para o desenvolvimento desta, a avaliação
e, por fim, a bibliografia utilizada na elaboração do plano.

É possível observar que a ideia do LM1, reproduz uma prática


modelar de estágio, no modo mais comum de planejar a prática de
ensino dos professores, guiado por procedimentos, recursos, avaliação
e bibliografia. Percebe-se um trabalho mecânico, que pode ser repetido
pelos professores em sua prática docente por vários anos.
É importante compreender, que o período de regências de classe
no estágio deve contribuir para o desenvolvimento de diversos elemen-
tos fundantes da profissão professor, aliando teoria e prática de modo
a propiciar o desenvolvimento de habilidades e competências próprias
ao processo de ensino para além de conteúdos, de estabelecimento de
relações pessoais e profissionais com os diversos sujeitos relacionados
ao processo ensino-aprendizagem.
Todos os estagiários apontaram que não sentiram dificuldade
durante a regência, uma vez que, a maioria deles, ministrou suas aulas
nas salas onde realizaram a observação da prática pedagógica do pro-

130
Estágio supervisionado e a regência de licenciandos

fessor titular, isso contribuiu para conhecerem melhor a turma, obser-


vando os alunos mais participativos e a interação entre eles.
Algumas estagiárias apontaram a regência como um momento
de planejamento, aprendizado e companheirismo. Conforme LM3
e LM4:
LM3: Diante de toda essa experiência vivida, desde o ato de pensar [...]
como planejar uma aula até a realização desta, percebemos que tudo
exige muita dedicação e esforço [...] muito se aprende diante de trocas
de saberes entre professor e alunos, e isto que é ensinar e, para tanto,
se faz necessário planejar bem a aula.
LM4: Aprendemos muito com a regência, sendo que levaremos coisas
positivas para nossa vida como futura professora. Desde a elaboração
do plano de aula, buscando o melhor caminho para ministramos
nossa aula, que é na verdade essencial para o professor, já que nos
mostra a sequência de tudo que vai ser desenvolvido em sala de aula.
Também o material que foi desenvolvido como apoio pedagógico foi
importante importância para realização das aulas, para que realmente
pudéssemos conduzir o conteúdo com segurança.

Acompanhando as reflexões da LM3, percebemos uma preocupa-


ção com as experiências vividas e trocas de saberes que durante a regên-
cia do Estágio exige dedicação e esforço. O estágio, neste caso, significa
um retrato vivo da prática docente. Entendemos que este aluno-esta-
giário faz reflexões sobre sua prática, ressignificando e construindo-a.
Nesse sentido, o LM4, infere que a regência levou– a novas opor-
tunidades de aprendizagem para sua futura prática docente. Ao reali-
zar os estágios, estes licenciandos percebem o movimento dialético que
ocorre no interior da escola, proporcionando a formação como prática
reflexiva dinamizada pela prática.
Destaca-se que indivíduo não tenha experiência como docente,
o mesmo pode ter uma formação sólida, amparada em teoria, prática
e reflexão (PELOZO, 2007). A formação desse professor, baseada na
prática investigativa, permite que o mesmo crie e recrie ideias sobre o
trabalho escolar.
Assim, a LM5 relata que nas instituições de ensino superior, no
caso, as Licenciaturas em Matemáticas, para que formem professores
mais qualificados “todos os acadêmicos, durante a formação inicial,
devem vivenciar situações envolvendo a junção da teoria com a prá-
tica”. Nesse contexto, o Estágio é um dos componentes curriculares
responsáveis em promover essa prática investigativa.De forma geral, os

131
Roseli Araújo Barros / Carlos Jose Trindade da Rocha

estagiários esperam que um curso de formação de professores os pre-


pare para o exercício da profissão, tendo em vista a situação atual de seu
futuro campo de atuação.
Deste modo, ante a natureza do trabalho docente, Pimenta e
Lima (2009, p. 18), aponta que é ensinar como contribuição ao processo
de humanização dos alunos historicamente situados, que a licenciatura
desenvolve nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores
que lhe possibilitem permanentemente irem construindo “seus saberes-
fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino como
prática social lhes coloca no cotidiano”.
Sabemos, que a carga horária destinada à regência (10 horas) não
dá suporte para que o futuro professor tenha uma plena visão das con-
dições do futuro campo de atuação. Porém, os conhecimentos e as ati-
vidades que constituem a base formativa do Estágio também são essen-
ciais, possibilitando ao estagiário compreender o sistema educacional.
Nesse processo formativo, considerando a regência o estagiário
se apropria de instrumentais teóricos e metodológicos para o ser e fazer
docente. A LM5, destaca que opapel da universidade, enquanto insti-
tuição formadora deve inserir o
LM5: acadêmico no ambiente onde vai desenvolver sua profissão,
buscando desenvolver práticas docentes que possam auxiliá-lo na
futuramente e, acrescenta que a finalidade do Estágio é de introduzir
os acadêmicos nas escolas para vislumbrar como é a regência de sala
de aula, assumindo o papel de um professor.

O período de regências de classe no Estágio contribui para o


desenvolvimento de diversos elementos fundantes da profissão profes-
sor, aliando teoria e prática de modo a propiciar o desenvolvimento
de habilidades e competências próprias ao processo de ensino de con-
teúdo, de estabelecimento de relações pessoais e profissionais com os
diversos sujeitos relacionados ao processo ensino-aprendizagem.
Portanto, a regência de classe no Estágio no Curso de Licencia-
tura em Matemática da UEG, se configurou como um momento em
que o estagiário ministra as aulas, com um conteúdo definido junto aos
professores (supervisor e orientador), mas estando sob sua responsa-
bilidade planejar as aulas, definir a metodologia de ensino a ser traba-
lhada, desenvolver as atividades em classe e avaliar a aprendizagem dos
estudantes, assumindo o papel do professor, ainda que sob supervisão
e orientação externa.

132
Estágio supervisionado e a regência de licenciandos

Considerações Finais

A atividade de regência expostas pelos estagiários é parte de uma


amostra de todas as atividades desenvolvidas ao longo de um semestre
em que o Estágio Supervisionado, no Curso de Licenciatura em Mate-
mática se desenvolve.
O estágio para os licenciandos pesquisados é caracterizado como
um período muito importante na formação inicial dos professores e
esperado na licenciatura matemática com muita expectativa. Para os
estagiários, o único contato que tiveram até então com a sala de aula
com os papéis se invertidos, tendo que assumir a função de professor,
por isso esses estudantes carregam consigo algumas ansiedades.
Destacamos que somente a prática de regência viabiliza a refle-
xão sobre o ato de ensino, tornando-o intencional e consciente. Sendo
que por meio da relação teoria e prática que o futuro profissional pro-
fessor adquire a competência técnica, fundamental para prática peda-
gógica de ensino.
Nesse sentido, concluímos esse trabalho, sem a pretensão de
esgotar o tema, afirmando que a proposta desenvolvida no Estágio no
Curso de Matemática da UEG busca proporcionar um engajamento dos
licenciandos, na realidade escolar e da comunidade, possibilitando a
percepção de desafios existentes na carreira do magistério com refle-
xões maduras sobre a função social da profissão que vai assumir.

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134
10
Identidade docente: análise dos
Relatórios de Estágio no curso de Letras
/ UFT Porto Nacional
Karla Vitoriano e Silva Almeida

A
presente pesquisa tem como enfoque principal discutir a forma-
ção docente resultante da análise de relatórios de acadêmicos do
curso de Letras/UFT-Porto Nacional, ao realizarem suas ativi-
dades de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa
e Literaturas. A metodologia utilizada neste trabalho fundamentou-se
no referencial teórico da Análise Crítica do Discurso (ACD) para a
análise dos relatórios e em referencial da educação para compreender as
implicações do estágio na profissionalização docente. Foram analisados
dois (2) relatórios, isto se explica pelo fato de que além das turmas de
estágio em língua inglesa serem pequenas, variando entre três a cinco
acadêmicos, os relatórios escritos são virtuais e disponibilizados em
blogs criados por cada aluno e com acesso restrito. Conforme aponta
Tardif (2002, p. 288) a respeito do estágio, este é concebido como um
momento extremamente importante para o desempenho dos professo-
res em formação, pois os habilita à sua prática profissional.
Este capítulo está dividido em três partes. Na primeira, fizemos
uma breve contextualização da pesquisa descrevendo o problema, obje-
tivos e metodologia da pesquisa. Na segunda, discutimos sobre o rela-
tório de estágio enquanto gênero textual na concepção de Bakhtin. E,
na terceira parte, procedemos à análise dos relatórios de estágio a fim
de identificar a identidade docente descrita pelos acadêmicos nos rela-
tórios produzidos por eles ao final da disciplina Prática de Ensino e
Estágio Supervisionado em Língua Inglesa e Literaturas.

135
Karla Vitoriano e Silva Almeida

Contextualizando a pesquisa

Este estudo foi proposto como parte da avaliação da disciplina


Análise do Discurso, do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
em Educação, Linguagens e Tecnologias, ofertada no segundo semestre
do ano de 2016, da Universidade Estadual de Goiás. Como objeto da
pesquisa buscou-se fazer a análise de relatórios de estágio, produzidos
na disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Língua
Inglesa e Literaturas, do curso de Letras da Universidade Federal do
Tocantins campus Porto Nacional. Uma curiosidade deste curso é que
o PPC prevê que o acadêmico deve, ao final do quarto período, definir
a habilitação para a qual será formado, Língua Portuguesa ou Língua
Inglesa. O que se tem observado é que a escolha pela Língua Inglesa
apresenta uma baixa procura, sendo as turmas formadas por até cinco
alunos no máximo, uma vez que a maioria dos acadêmicos opta pela
habilitação em Língua Portuguesa.
Como metodologia de pesquisa utilizou-se a pesquisa biblio-
gráfica em que fizemos o levantamento de autores da Análise do Dis-
curso, tais como Bakhtin (2010) e a discussão sobre gêneros discur-
sivos, Fairclough (2016) e a concepção do discurso enquanto prática
social, Foucault (2008) e a sistematização, organização e a origem
do discurso nas diferentes áreas do conhecimento a fim de funda-
mentar o referencial teórico como instrumento de investigação e no
estabelecimento de categorias de análise com o intuito de verificar
características da profissionalização docente que os relatórios podem
fornecer. E ainda na análise documental que se concentrou em dois
Relatórios de Estágio que foram obtidos através do endereço virtual
do blog criado pelos acadêmicos do curso de Letras/UFT. Estes rela-
tórios foram sugeridos pelo professor de estágio, que os considerou
como bons relatórios.
Foi utilizado neste trabalho, dentre as categorias da Análise do
Discurso, o ethos com a finalidade de verificar a construção profissio-
nal do “eu” do acadêmico do curso de Letras.Procuraremos responder
algumas questões a fim de concretizar a análise dos relatórios produzi-
dos pelos acadêmicos durante a fase do Estágio Supervisionado em Lín-
gua Inglesa e Literaturas. O discurso presente nos relatórios de estágio
revela, através da subjetividade dos acadêmicos, a construção social do
“eu”? A identidade profissional do futuro professor de língua inglesa se
apresenta definida por intermédio dos relatos dos acadêmicos?

136
IDENTIDADE DOCENTE

Fairclough (2016, p.216) admite que o ethos é Intertextual. A


intertextualidade busca identificar as articulações de outros textos pre-
sentes nos discursos, ou seja, as vozes que se incorporam aos novos
discursos, orais ou escritos, através de citações diretas ou indiretas, res-
ponsáveis pela construção social do sujeito e que passam a fazer parte
de sua subjetividade.
Para Maingueneau (2008, p.59) “a questão do ethos está ligada à
da construção da identidade”, ainda que no ato de enunciação o leitor/
ouvinte crie expectativas ou elabore uma imagem do ethos do locutor
antes mesmo que ele se expresse. Fazendo uso da Retórica de Aristó-
teles, Maingueneau (2008) admite algumas ideias sobre a concepção a
respeito do ethos:
o ethos é uma noção discursiva; ele se constitui por meio do discurso,
não é uma "imagem" do locutor exterior à fala;
o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência
sobre o outro;
o ethos é uma noção fundamentalmente híbrida (sociodiscursiva), um
comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido
fora de uma situação de comunicação precisa, ela própria integrada
a uma conjuntura sócio-histórica determinada. (MAINGUENEAU,
2008, p.63)

O objetivo desta pesquisa centra-se em investigar o perfil do pro-


fessor de língua inglesa a partir das práticas discursivas observadas nos
Relatórios do Estágio, entendendo os relatórios enquanto formações
discursivas constitutivas de significado, de conhecimentos e de poderes
que carregam.
[...]'discurso' também é usado em relação a diferentes tipos de
linguagem usada em diferentes tipos de situação social (por exemplo,
'discurso de jornal', 'discurso publicitário', 'discurso de sala de aula',
'discurso de consultas medicas'). (FAIRCLOUGH, 2016, p.21)

Neste sentido é que serão utilizados os Relatórios de Estágio con-


siderando as ideias de Bakhtin (2010) para quem cada enunciado (e ele
não distingue enunciado de enunciação) é único, próprio e cada área do
conhecimento tem elaborado seus próprios enunciados caracterizando
o que o autor denomina de gêneros discursivos.

137
Karla Vitoriano e Silva Almeida

O gênero textual relatório de estágio

Considerar os relatórios de estágio na análise do discurso nos


remete à interpretação do que compreendemos por discurso bem como
dos seus diferentes significados que se adequam aos mais variados con-
textos, apresentando uma estreita ligação com a linguagem. Conforme
Brandão (2012, p.2) “Podemos definir discurso como toda atividade
comunicativa entre interlocutores; atividade produtora de sentidos que
se dá na interação entre falantes.”.
Nesse sentido os relatórios de estágio enquanto um exemplo da
materialização do discurso apresentam significativas características,
que de acordo com Maingueneau (2004, apud, BRANDÃO, 2012, p.3-
5) deve ser compreendido como algo que ultrapassa o nível gramatical,
que exigem que os falantes/ouvintes, escritor/leitor devam ter os conhe-
cimentos não só do ponto de vista linguístico, mas também extralin-
guístico, ser contextualizado, ser produzido por um sujeito responsável
pelo que diz ser interativo, como também apresentar uma forma de
atuar e de agir sobre o outro.
O discurso, ainda conforme Maingueneau (2004, apud, BRAN-
DÃO, 2012, p.3-5), trabalha com enunciados, e é regido por um prin-
cípio geral, o princípio do dialogismo, que supõe pelo menos a exis-
tência de dois falantes em um diálogo. Ele é também dialógico por que
quando falamos ou escrevemos, dialogamos com outros discursos esta-
belecendo uma polifonia e uma rede interdiscursiva com outros discur-
sos que já foram produzidos.
em nossas sociedades (e em muitas outras, sem dúvida), a propriedade
do discurso – entendida ao mesmo tempo como direito de falar,
competência para compreender, acesso lícito e imediato ao corpus
dos enunciados já formulados, capacidade, enfim, de investir esse
discurso em decisões, instituições ou práticas – está reservada de fato
(às vezes mesmo, de modo regulamentar) a um grupo determinado de
indivíduos. (FOUCAULT, 2008, p.75)

Fairclough (2016) defende a ideia de discurso enquanto prática


social, em oposição à concepção de Saussure para quem haveria uma
distinção entre langue e parole. Conforme Ferdinand Saussure o estudo
sistemático da língua deveria considerá-la enquanto sistema (langue)
não levando em consideração seu uso (parole).
[...] o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no
sentido mais amplo e em todos os níveis [...] Os eventos discursivos
específicos variam em sua determinação estrutural segundo o

138
IDENTIDADE DOCENTE

domínio social particular ou o quadro institucional em que são


gerados. Por outro lado o discurso é socialmente constitutivo.
(FAIRCLOUGH, 2016, p.95)

Nesse sentido, o autor admite a existência de três aspectos consti-


tutivos do discurso a serem considerados: a contribuição da prática dis-
cursiva na construção da concepção que os indivíduos têm de si mesmo
bem como das posições que ocupam (função identitária), a contribui-
ção da prática discursiva na construção das relações sociais estabeleci-
das entre os indivíduos (função relacional) e a contribuição da prática
discursiva na construção de aspectos culturais (função ideacional).
Com base nesse pensamento percebe-se que a compreensão de
campo discursivo carrega consigo a ideia de heterogeneidade posto o
caráter diversificado do conhecimento humano. Os enunciados de cada
discurso, nas diferentes, áreas do conhecimento apresentam condi-
ções e finalidades próprias a cada campo de atuação humana. Segundo
Bakhtin (2010) “[...] cada enunciado particular é individual, mas cada
campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente está-
veis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso”.
(BAKHTIN, 2010, p.262)
Bakhtin (2010) nos apresenta a noção de gêneros discursivos. Para
ele, os gêneros discursivos possuem uma natureza heterogênea, ou seja,
são constituídos de enunciados primários denominados simples (como
a comunicação discursiva imediata, o diálogo cotidiano) e secundários
também denominados complexos (tais como os discursos escritos e as
pesquisas científicas), lembrando que os enunciados complexos incorpo-
ram os enunciados primários.
Os Relatórios de Estágio Supervisionado, considerados enquanto
corpus desta pesquisa são desta forma classificados como gênero discur-
sivo secundário dado a natureza de sua constituição, pois carregam con-
sigo um tipo de comunicação discursiva própria de situações de sala de
aula que fogem daquelas espontâneas observadas nas conversações do
cotidiano. Cada gênero corresponde a uma esfera da atividade humana
com uma determinada função e com condições de comunicação discur-
siva específica da área em questão.
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque
são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana
e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de
gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se
desenvolvee se complexifica um determinado campo. (BAKHTIN,
2010, p.262)

139
Karla Vitoriano e Silva Almeida

Enquanto textos produzidos em determinada circunstância, e


dinâmica social os Relatórios de Estágio Supervisionado se apresentam
assim como uma rica fonte de análise através de duas categorias: análise
textual (formas) e análise da prática discursiva (processos produtivos/
interpretativos) e suas implicações sociais. Fairclough (2016) defende
o uso do discurso relacionado aos processos de mudança social. Deste
modo o discurso deve ser usado como elemento chave de prática social,
sendo considerado a partir de três tradições analíticas indispensáveis à
análise do discurso quais sejam, o discurso enquanto texto, enquanto
prática discursiva e enquanto prática social.
As condições menos propícias para o reflexo da individualidade na
linguagem estão presentes naqueles gêneros do discurso que requerem
uma forma padronizada, por exemplo, em muitas modalidades de
documentos oficiais, de ordens militares, nos sinais verbalizados da
produção, etc. (BAKHTIN, 2010, p.265)

A heterogeneidade discursiva como propõem o autor decorre da


variedade de atividades que o homem realiza em sua existência contri-
buindo com as práticas da vida cotidiana. Assim sendo os Relatórios
de Estágio Supervisionado se enquadram nessa perspectiva em que o
texto segue um padrão pré-determinado e com regras específicas que,
embora permita pouca autonomia no seu desenvolvimento em relação
à subjetividade do autor, expressa a descrição de um evento específico,
no caso a prática de ensino de Língua Inglesa.
[...] os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que
utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna
irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse "mais" que é preciso fazer
aparecer e que é preciso descrever. (FOUCAULT, 2008, p.55)

Os enunciados conforme destaca Bakhtin (1986, apud FAIR-


CLOUGH, 2016, p.140), sejam eles na forma oral ou escrita estão reple-
tos e são constituídos por outros enunciados que foram historicamente
produzidos, em um contexto específico e que vão se juntando na teci-
tura, ou seja, na composição das comunicações discursivas. Este mesmo
autor ressalta que a constituição do indivíduo depende da interação do
eu com o outro e há três condições a serem observadas e que são de
extrema importância na constituição do sujeito que são: a imagem que
tenho de mim, a imagem que tenho do outro e a imagem que o outro
tem de mim.
A voz do outro se faz presente tanto na essência dos discursos
que são histórica e socialmente produzidos quanto na construção da

140
IDENTIDADE DOCENTE

identidade dos indivíduos, pois “as identidades sociais não estão nos
indivíduos, mas emergem na interação entre os indivíduos em práticas
discursivas particulares nas quais estão posicionados” (MOITA LOPES,
2002, p.37) vão aos poucos sendo moldadas por que se constituírem à
medida que os indivíduos se relacionam com os outros e nas experiên-
cias que vivenciam nas suas práticas cotidianas.
Moita Lopes (2002, p.31) afirma que o “discurso como constru-
ção social é, portanto, percebido como uma forma de ação no mundo”
e assim os indivíduos ao interagirem com seus pares através dos seus
discursos e das comunicações discursivas agem na realidade em que
se encontram inseridos e vão sendo por ela também transformados.
“Foucault (1972) argumenta que as identidades não são escolhidas, mas
são inscritas em relações discursivas de poder específicas nas quais
são construídas” (apud MOITA LOPES, 2002, p.35). Neste processo os
seres humanos tornam-se conscientes de si mesmos e dos outros, cons-
truindo sua identidade social nessa relação dialética.
Passemos agora a um breve histórico do curso de Letras da UFT/
Porto Nacional, uma reflexão sobre o Projeto Pedagógico do Curso
(PPC) e posterior análise dos relatórios produzidos pelos acadêmicos e
entregues ao final da disciplina de Prática de Ensino e Estágio Supervi-
sionado I e IV realizado no ano de 2016.

O curso de Letras, o Estágio Supervisionado


e os Relatórios de Estágio

Os relatórios que serviram de base para a análise nesta pesquisa


são referentes à fase de observação e regência de acadêmicos, do 5º e
do 8º períodos, do curso de Letras da UFT (Universidade Federal do
Tocantins) campus de Porto Nacional.
O curso de Letras foi criado no ano de 1985 quando ainda fun-
cionava a Faculdade de Filosofia do Norte Goiano, (Decreto nº 91.365
de 21-06-85) sendo depois incorporado à Universidade do Tocantins
(UNITINS em 21-02-1990). O curso foi reconhecido pelo parecer nº
423/92 do CFE sendo ministrado na, então, Faculdade de Filosofia de
Porto Nacional. Em outubro de 2000 foi criada a Universidade Federal
do Tocantins (UFT), através da lei 10.032 de 23 -10-2000 que encam-
pou o curso de Letras e demais cursos da UNITINS. O curso de Letras
tem por objetivo “formar profissionais competentes para o ensino de

141
Karla Vitoriano e Silva Almeida

Língua Portuguesa, de Literaturas e de Língua Estrangeira”. (PPC de


Letras/UFT, 2009, p.18)
O Curso de Licenciatura em Letras, com habilitações distintas, está
organizado em núcleos: comum, de formação específica obrigatória,
de formação complementar e de componentes curriculares eletivos.
Os discentes, inicialmente, cursarão componentes curriculares
comuns até o segundo semestre. A partir do terceiro, esses deverão
fazer opção por uma das habilitações oferecidas, as quais permitirão
saberes, competências e habilidades mais densas para uma prática
profissional eficiente. Tal proposta justifica-se por atender o perfil de
uma instituição pública referenciada socialmente. (PPC de Letras/
UFT, 2009, p.17)

O estágio inicia-se no 5º período e prossegue até 8º período do


curso quando os acadêmicos fazem a escolha da habilitação que prefe-
rem para sua formação. Sua sistematização ocorre por meio da disci-
plina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa e
Literatura (I, II, III e IV). Nesta etapa da formação os acadêmicos tem a
oportunidade de conhecerem a escola campo, a realidade educacional
com seus limites e possibilidades ao mesmo tempo em que são estimu-
lados a relacionarem teoria e prática.
A Prática de Ensino e Estágio Supervisionado vem ganhando novo
significado à medida que se constitui em momentos articuladores
entre os estudos teóricos, a gestão e a docência, vivenciada nos
contextos escolares, eliminando a dicotomia fragmentada no processo
de construção do conhecimento. (PPC de Letras/UFT, 2009, p.36)

Ao final de cada período do estágio os acadêmicos deverão pro-


duzir um relatório científico contendo as principais experiências peda-
gógicas vivenciadas na escola campo e em regência em sala de aula. Os
acadêmicos entregam seus relatos aos professores da disciplina Prática
de Ensino e Estágio Supervisionado (I, II, III ou IV).
Na prática pedagógica observada pelos estagiários, futuros professores
e profissionais da educação serão levantados e diagnosticados
problemas de aprendizagem e da prática educativa, para que a
experiência seja teorizada. Os conhecimentos teóricos esclarecerão as
situações vivenciadas. A formação deve prepará-los para se interrogar,
para identificar e construir soluções e, ainda, recriar formas de
intervenção didático-pedagógica. Assim, o futuro profissional terá
possibilidade de uma formação que o preparará não só para ensinar
ou gerir, mas para refletir sobre a prática, isto é, tematizando-a. (PPC
de Letras/UFT, 2009, p.37)

Como mencionado anteriormente os acadêmicos definem a


habilitação que preferem ao final do quarto período e curiosamente a
grande maioria tem escolhido a Língua Portuguesa. O que se verifica

142
IDENTIDADE DOCENTE

é que a cada ano um número cada vez menor de acadêmicos vem se


orientando para a habilitação em Língua Inglesa, nesse sentido as tur-
mas desta habilitação contam com um número que varia entre três (3) a
cinco (5) alunos. Em função da realidade acima descrita tivemos acesso
a dois relatórios de estágio, sendo um relatório do Estágio Supervisio-
nado I e um relatório do Estágio Supervisionado IV.

Componente Curricular: Prática de Ensino e Estágio Supervisionado


em Língua Inglesa e Literaturas I

CHT –105h/a CH TEÓRICA: 30 CH PRÁTICA: 75


Prática: Observação e Regência no Ensino Fundamental, Realização de Oficinas
Pedagógicas e Escrita de Memorial
Ementa: PCN Ensino Fundamental de Língua Estrangeira. Estratégias de Apren-
dizagem. Planejamento e análise de material didático. Workshop e Regência no
Ensino Fundamental. Resenha crítica do suporte teórico.
Bibliografia Básica:
FIGUEIREDO, Francisco José Quaresma de. Aprendendo com os erros. Uma pers-
pectiva comunicativa de ensino de línguas. Goiânia: UFG, 1997.
MAGALHÃES, Vivian. AMORIN, Vanessa. Cem aulas sem tédio. Sugestões prá-
ticas, dinâmicas e divertidas para o professor de língua estrangeira. Porto Alegre:
Instituto Padre Reus, 1998.
RICHARDS, Jack C. Reflectiveteaching in secondlanguageclassrooms. Cambridge:
Cambridge University Press, 1996.
Bibliografia Complementar:
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. PCN: terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental: língua estrangeira / Secretaria de Educação Fundamental –
Brasília: Ministério da Educação / Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999.
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria da Educação Média e Tecnologia.,
Ministério da Educação Brasília: Ministério da Educação / Secretaria de Educa-
ção Média e Tecnologia. PCN: ensino médio: Linguagens, Códigos e Tecnologias
1999. BROWN, H. Douglas. Teachingbyprinciples. Aninteractive approach tolan-
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Fonte: (PPC de Letras/UFT, 2009, p.37)1

1 Ementa da disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa e


Literaturas I 143
Karla Vitoriano e Silva Almeida

Componente Curricular: Prática de Ensino e Estágio Supervisionado


em Língua Inglesa e Literaturas IV

CHT: 105h/a CH TEÓRICA: 30 CARGA PRÁTICA:75


Prática: Realização de Curso de Extensão, Assessorias nas Atividades Escolares,
Relatório Final de Estágio
Ementa: Contextualização das Teorias de Ensino aplicadas à realidade local. Pla-
nejamento e Desenvolvimento de Projetos Educacionais e de Extensão, Elaboração
do Relatório Final.
Bibliografia Básica: BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâme-
tros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua
estrangeira. Secretaria de Educação Fundamenta. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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Parâmetros Curriculares Nacional de Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tec-
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Fonte: (PPC de Letras/UFT, 2009, p.91– 92)

Sustentado pelo corpo teórico descrito anteriormente iniciamos


a análise dos relatórios a fim de identificar traços da identidade docente
observando a interdiscursividade que por sua vez são constituintes do
ethos. Segundo Fairclough (2016, p.140) “somos constituídos por peda-
ços de enunciados dos outros” e estes são responsáveis pela heteroge-
neidade de cada indivíduo. Passemos então a verificar alguns recortes
nos relatórios que denominaremos Acadêmico Estágio I e Acadêmico

144
IDENTIDADE DOCENTE

Estágio IV para os fragmentos dos relatórios produzidos nestas etapas


de estágio pelos acadêmicos:
Gardner e Lambert (1059, apud GÓMEZ, 1999) afirmam que as
primeiras experiências do indivíduo com a segunda língua são de
suma importância na formação de uma personalidade integrada em
seus aspectos emocionais e intelectuais. Inicialmente o professor deve
conhecer as características, interesses e necessidades do indivíduo2 ,
para que possa adotar procedimentos que o conduzam à criação em
sala de aula de um ambiente acolhedor e produtivo. (Acadêmico
Estágio I)
É necessário conhecer cada aluno, conforme ressalta Oliveira (2015),
rebuscar as possíveis razões que motivam o surgimento desse quadro
mental de resistência àquilo que é mais sagrado ao ser humano: o
conhecimento. Esse é o desafio que nos espera enquanto professores
críticos. (Acadêmico Estágio IV)

Nesses dois fragmentos observa-se que ao buscarem na litera-


tura fundamentação para suas concepções de prática docente os aca-
dêmicos demonstram compreensão que em relação à necessidade de
se conhecer não apenas o ambiente escolar e o conteúdo a ser traba-
lhado pelo professor como também estabelecer uma relação com o
aluno se familiarizando com suas necessidades, interesses e expecta-
tivas de modo que consiga desenvolver um trabalho educacional pro-
dutivo e ao mesmo tempo contribuir com a aprendizagem dos alunos.
Moita Lopes (2002) faz referência a Markova (1993) ao afirmar que o
“indivíduo torna-se consciente de si mesmo no processo de tornar-se
consciente dos outros.”
O ato de comunicação tem como finalidade convencer, persuadir
o leitor/ouvinte de um ponto de vista como sendo verdadeiro. Quando
se utilizam citações, sejam elas diretas ou indiretas agregam-se ideias
e valores do outro em sua constituição e vai se construindo a própria
identidade. Fiorin (2016, p.75) afirma que “[...] o enunciador utiliza-se
de certos procedimentos argumentativos visando a levar o enunciatário
a admitir como certo, como válido o sentido produzido.”
As aulas são ministradas de maneira tradicional, isto é, não se leva
em consideração o aspecto interacionista. (Acadêmico Estágio I)
A estratégia adotada pelo professor foi copiar o texto no quadro, e
ao lado, anotava a tradução de cada frase. (Acadêmico Estágio IV)

Podemos observar que os acadêmicos possuem uma imagem de


professor como sendo um mediador, um facilitador da aprendizagem

2 Destacamos nos fragmentos palavras e expressões a fim de dar ênfase à análise.

145
Karla Vitoriano e Silva Almeida

e ao descreverem práticas pedagógicas tradicionais que não levam em


consideração as capacidades cognitivas dos alunos bem como a inte-
ração dos alunos entre alunos si, com o professor e com o conteúdo
e que remetem a uma aprendizagem mecânica e que leva à repetição
sem reflexão os remetem à importância da formação específica para a
docência e em especial para o ensino de línguas. Mianguenaeu (2008)
nos assegura que o ethos implica uma sensibilidade no discurso, uma
afetividade em relação ao enunciatário que neste caso se apresenta
como o professor de línguas.
A prova pelo ethos mobiliza ‘tudo o que, na enunciação discursiva,
contribui para emitir uma imagem do orador destinada ao auditório.
Tom de voz, modulação da fala, escolha das palavras e dos argumentos,
gestos, mímicas, olhar, postura, adornos etc. são outros tantos signos,
elocutórios e oratórios, vestimentais e simbólicos, pelos quais o orador
dá de si mesmo uma imagem psicológica e sociológica’ (DECLERCQ,
1992 apud MIANGUENEAU, 2008, p.56-57).

Em outro fragmento retirado dos relatórios os acadêmicos apon-


tam a preocupação com a não formação dos professores na área em que
atuam nas escolas em que eles realizaram suas atividades de estágio, ou
seja, os professores que foram acompanhados durante o estágio não são
formados em Letras.
[...] o professor me apresentou a todas as turmas que ele ministrava
a disciplina de língua inglesa, o professor mantinha um bom
relacionamento com alunos, era muito calmo e estava sempre disposto
a ajudar os mesmos, mas de antemão já havia me falado que não
era formado na área da disciplina de Língua Inglesa e não tinha
conhecimento sobre a mesma. (Acadêmico Estágio I)
[...] o professor tem formação específica em história, e atua na
disciplina de inglês para complementar a carga horária que precisa ser
fechada. (Acadêmico Estágio IV)

No primeiro fragmento além da preocupação com o fato do pro-


fessor não ser formado na área de atuação o acadêmico também relata
que “o professor mantinha um bom relacionamento com os alunos,
era muito calmo e estava sempre disposto a ajudar” estes aspectos que
se adequam a duas das três condições estabelecidas por Maingueneau
(2008) sobre o ethos discursivo: a prudência (phronesis) que se caracte-
riza por ser uma ponderação sobre o discurso e a benevolência (eunóia)
que remete à transmissão de uma imagem agradável de si. Prudência ao
se redimir em relação ao fato de não possuir formação específica para
lecionar língua inglesa. Benevolência por procurar ter um bom rela-

146
IDENTIDADE DOCENTE

cionamento com os alunos buscando ajudá-los, mesmo que não tenha


conhecimento aprofundado da língua estrangeira.
[...] espera-se da licenciatura que desenvolva conhecimentos e
habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente
irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das
necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca
no cotidiano. (PIMENTA, 1996, p.75)

Outro elemento verificado pelos estagiários é em relação à meto-


dologia utilizada pelos professores que eles puderam acompanharam
nas atividades de Estágio Supervisionado. Os relatos mostram que pelo
fato de não possuírem formação específica para lecionar língua inglesa
adotam metodologia diretiva, sem que permita a participação efetiva
do aluno no processo de ensino, refletindo na dificuldade da maioria
dos alunos para com a aprendizagem do conteúdo trabalhado.
6º ano – o professor passou um texto em inglês com a respectiva
tradução que continham datas importantes como o descobrimento
do Brasil [...]
7ºano – o professor passou um texto em inglês com a respectiva
tradução na lousa e os alunos copiaram [...]
8º ano – o professor passou um texto em inglês com a respectiva
tradução na lousa e os alunos copiaram, trabalhou vocabulário
copiando palavras na lousa com respectiva tradução[...]
9º ano – o professor passou um texto em inglês com respectiva
tradução na lousa e os alunos copiaram [...]
O professor não usa o livro didático e pesquisa textos pela internet
para aplicação em sala de aula, em nenhuma aula foi utilizado o
dicionário[...](Acadêmico Estágio I)
Frequentemente o professor aplica o método da tradução para tentar
fixar o conteúdo oferecido pelo livro didático, neste caso: Vocabulário.
A estratégia dele é copiar no quadro um grupo de palavras relacionadas
a dois conceitos amplos. Nesse caso foi trabalhado como palavras-
chave os termos: “Monarch and Democracy”. A ideia do exercício é
selecionar dentre um grupo de palavras aquelas que estão relacionadas
a cada um dos termos ou a ambos (Acadêmico Estágio IV)

Os acadêmicos veem a metodologia como um elemento funda-


mental no processo ensino aprendizagem, pois nas palavras de Tardif
(2002) “saber alguma coisa não é mais suficiente, é preciso também
saber ensinar” (p. 44), e no caso dos exemplos descritos nos relatórios
os professores nem possuem conhecimento da disciplina, nem metodo-
logia adequada ao ensino da língua estrangeira.
O ethos é, então, manifestado pelo corpo inteiro, não só pela voz.[...]
Não é apenas o modo como os médicos falam que sinaliza o ethos; é
o efeito cumulativo de sua disposição corporal total – o modo como

147
Karla Vitoriano e Silva Almeida

se sentam, sua expressão facial, seus movimentos, seus modos de


responder fisicamente ao que é dito, seu comportamento proxêmico
(se chegam perto dos pacientes ou mesmo os tocam ou mantêm
distância). (FAIRCLOUGH, 2016, p.217)

Tal como a prática médica, a qual Fairclough (2016) se refere, a


construção da identidade docente está diretamente ligada à prática que
se adota no processo ensino aprendizagem, essa construção se dá pela
interação, “já que é por meio dela que as pessoas constroem os signifi-
cados com os quais vivem”. (MOITA LOPES, 2002, p. 31).

Considerações Finais

Ao finalizar esta rápida discussão relativa à noção de ethos dis-


cursivo, a partir dos relatórios de estágio pode-se dizer que se trata de
uma interessante proposta para os estudos em Análise do Discurso.
Considerando a concepção de Norman Fairclough sobre a possibilidade
de construção do sujeito a partir dos discursos dos outros presentes nos
nossos discursos e enquanto instrumento de mudança social, de Michel
Foucault sobre o poder intrínseco ao discurso e de Mikhail Bakhtin
ao conceber dentre os diversos gêneros discursivos os relatórios como
gêneros textuais compreendemos a riqueza da análise que nos propuse-
mos fazer nos relatórios de estágio dos acadêmicos do curso de Letras
com a finalidade de perceber a identidade docente explícita ou não nes-
tes relatórios.
A análise dos relatórios demonstrou que os acadêmicos enten-
dem a importância da relação professor aluno para o bom desempenho
escolar dos alunos e da imprescindível necessidade da formação para
docência. Além do domínio de conteúdos básicos para ensino aprendi-
zagem, do uso de metodologias diversificadas, incluindo também o uso
de tecnologias digitais e capacidade de trabalhar interdisciplinarmente,
proposto no PPC de Letras UFT/Porto Nacional, a construção da iden-
tidade docente e o conceito de ethos residem não apenas na atividade
discursiva como também na atitude que os professores possuem em seu
fazer pedagógico.

148
IDENTIDADE DOCENTE

Referências
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação
verbal. Introdução. Tradução Paulo Bezerra. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2010.
BRANDÃO, H. H. N. Analisando o discurso. São Paulo: Museu da
Língua Portuguesa/Estação da Luz, 2012. Disponível em: http://www.
museulinguaportuguesa.org.br/colunas_interna.php?id_coluna=1. Acesso
em: 25 jul. 2012.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social.2ªed.Coordenação da
tradução e revisão técnica Izabel Magalhães. Brasília: UnB, 2016.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 15.ed. 3ª.reimpressão.
São Paulo. Contexto, 2016.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves
MIANGUENEAU, Dominique. Cenas da enunciação. (Org. Sírio Possenti e
Maria Cecília de Pérez Souza e Silva). São Paulo. Parábola Editorial. 2008.
MOITA LOPES, L. P. Discurso de identidade em sala de aula de leitura:
a construção da diferença. In: ______. Identidades fragmentadas: a
construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula.
Campinas: Mercado de Letras, 2002.
PIMENTA, Selma Garrido. Formação de Professores– saberes da docência e
identidade do professor. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v.22,
n.2, p. 72-89, jul/dez. 1996.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO. (PPC Letras – Universidade Federal
do Tocantins (UFT)). Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
(CONSEPE) N°. 31/2009.
TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes,
2002.

149
11
Valorização docente: elementos contidos
no plano de carreira do magistério
público do Distrito Federal
Frederico Guilherme Campos de França
Solange Cardoso

O
problema central da nossa investigação é buscar respostas
para a maneira como o professor se constrói na sua carreira.
Focamos na estrutura do plano de carreira dos professores de
educação básica da rede pública do Distrito Federal, os comparativos
mínimos que podemos fazer com outras realidades brasileiras e como
isso pode ser apontado como elemento de valorização profissional. E,
valorização é algo que precisa ser dimensionado de antemão. Afinal, o
governo brasileiro em suas diversas esferas, afirma trabalhar, dentro
de suas possibilidades, para garantir a valorização tanto da educação
quanto dos professores. Para Frigotto (2010) a desonrosa remuneração
somada as condições de trabalho docente e a forma irrisória sobre a
imagem do professor divulgada na mídia que contribuem significativa-
mente para desprestígio social e cultural.
Partimos da premissa de que os valores de remuneração são
importantes para a construção de quaisquer profissionais, não
ficando os professores fora dessa lógica. Entretanto, a categoria pro-
fissional dos professores possui suas especificidades que influen-
ciam a forma como eles podem vir a enxergar o que se faz necessário
para sentirem-se efetivamente valorizados. Procuramos apontar que
existem conquistas. E que essas são fruto de lutas épicas. Mas é um
longo trabalho encontrar no próprio professorado a maneira como
eles lidam com o tema valorização. Porquanto, nas análises feitas
por entidades sindicais, governamentais e acadêmicas, a valorização

151
Frederico Guilherme Campos de França / Solange Cardoso

docente não se constitui apenas do caráter financeiro representado


nos salários.
Segundo Aguiar(2009) entre os professores há uma consonância
sobre a importância de boa formação e condições de trabalho e apreciá-
vel remuneração. E defendem com veemência que “é dever do Estado e
dos governos a definição e implementação de uma política de valoriza-
ção dos profissionais de educação que leve em conta o tripé: formação
inicial articulada à formação continuada, condições salariais condig-
nas e planos de carreira (p.253).
O objetivo do artigo é apresentar alguns elementos constitutivos
da carreira dos professores da rede pública do Distrito Federal contidos
no plano de carreira da categoria e analisar os significados deles para os
docentes. Assim, na primeira parte do artigo, apresentamos a carreira
docente como uma das que sofrem com a desvalorização notada nos
baixos salários recebidos, o que o piso nacional dos professores exem-
plifica deveras bem. Na segunda parte mostramos os componentes do
que podemos chamar de valorização contidos no plano de carreira e
na legislação que rege a carreira dos professores do Distrito Federal. E
finalizamos com algumas considerações sobre o assunto, procedendo
algumas reflexões possíveis sobre o que foi apresentado esperando
incluir dados de forma sistematizada sobre a carreira docente passíveis
de fomentarem novos processos de investigação, permitindo mediações
rumo a novas sínteses.

Procedimentos metodológicos

Procuramos usar uma abordagem crítico-dialética para enca-


dear nossas análises, discussões e considerações. Entretanto, recorre-
mos a uma exaustiva busca por dados quantificáveis sobre a carreira
docente, o que em alguns momentos nos levou a elaborar tabelas, qua-
dros e gráficos para apresentá-los de forma mais sintética. Essa elabora-
ção pode dar a ideia de um tratamento empiricista para os dados. Mas
não faz parte desse artigo promover análises exclusivamente quanti-
tativas e induções a partir dos resultados. O que fazemos é discutir as
possibilidades de influência dos dados sobre o professorado.
Boa parte dos dados estão dispersos e fracionados por várias
fontes. Então foi preciso coletá-los, reuni-los e criar proximidades para
apresentá-los numa mesma perspectiva.Ao reunirmos diversas fontes

152
VALORIZAÇÃO DOCENTE

de dados, também é possível que tenhamos diferentes filosofias no trato


do fenômeno social em análise, mas promovendo o nosso trato meto-
dológico calcado em um tipo de abordagem, podemos aproximar as
ideias da nossa maneira de tratar o objeto. Por isso a tonalidade episte-
mológica também se liga diretamente ao que se faz quanto à metodolo-
gia do trabalho acadêmico.
A epistemologia dialética é o paradigma epistemológico que se tem
revelado mais fecundo para dar conta da especificidade dos problemas
políticos e pedagógicos, mostrando assim sua relevância atual para
a pesquisa educacional. Essa opção epistemológica não envolve os
pressupostos ontológicos do materialismo histórico-dialético como
metanarrativa e nem com as experiências históricas que pretendeu
implementar. Conta, isso sim, é com os subsídios das ciências da
sociedade, particularmente da história, da antropologia, da sociologia,
da política, da economia (SEVERINO, 2001, p.19)

E por meio da revisão bibliográfica, essa nos permitiu que encon-


trássemos produções versando sobre carreira docente, valorização dos
professores e políticas dessa valorização implementadas pelo Estado,
com ênfase para o que acontece na carreira do magistério público da
Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE/DF).

Salário e valorização docente na rede pública

Existe uma vasta discussão sendo feita sobre as maneiras de


garantir a concreta valorização do professor. Se o resultado esperado do
trabalho docente é a formação adequada e qualificada das novas gera-
ções rumo à emancipação das pessoas, não se pode pensar numa missão
de tamanha magnitude sendo conduzida por profissionais menospre-
zados e desmotivados. A partir dessas ideias, nosso recorte no presente
artigo se baseia no plano de carreira e outras vantagens pecuniárias e
de qualidade de vida profissional dos professores da educação básica
do Governo do Distrito Federal (GDF) em sua Secretaria de Estado de
Educação (SEEDF). As legislações que contemplam o plano de carreira
docente contêm as bases para implementação de políticas públicas que
promovam a propalada valorização do magistério no Brasil.
A regulação da carreira docente na educação básica no Brasil, por
meio da elaboração e da implantação de planos de carreira, tem sido
assunto recorrente, principalmente, a partir da Constituição Federal
de 1988 (CF/88) (1988). A valorização dos profissionais da educação,
de acordo com o art. 206, inciso V da CF/88, deve contemplar os
planos de carreira e o ingresso no magistério por meio de concurso
público. A Emenda Constitucional BR n. 19/1998 (1998) apontou

153
Frederico Guilherme Campos de França / Solange Cardoso

a necessidade de os planos garantirem piso salarial profissional.


Leis infraconstitucionais especificaram esse preceito geral, com
vistas a tornar obrigatórios planos de carreira para os profissionais
da educação em todos os estados, municípios e no Distrito Federal
(JACOMINI; PENNA, 2016, p.179).

Mesmo tendo a formação como elemento de grande importância


para o debate sobre a valorização, vamos nos ater a como o professor se
constrói ao longo de sua carreira diante da realidade brasileira, tendo o
Distrito Federal como referencial de análise de dados.
O desenvolvimento de uma carreira é, assim, um processo e não uma
série de acontecimentos. Para alguns, este processo pode até parecer
linear, mas, para outros, há patamares, regressões, becos sem saída,
momentos de arranque, descontinuidades. O facto de encontrarmos
sequências-tipo não impede que muitas pessoas nunca deixem de
praticar a exploração, ou que nunca estabilizem, ou que desestabilizem
por razões de ordem psicológica (tomada de consciência, mudança de
interesses ou de valores) ou exteriores (acidentes, alterações políticas,
crise econômica) (HUBERMAN, 2000, p.38)

A carreira dos professores da SEEDF ocupa lugar de destaque


entre as demais Unidades da Federação com ênfase nos salários, posicio-
nados entre os maiores do país. Porém, não é apenas na questão finan-
ceira que podemos encontrar elementos capazes de influenciar o poder
de atração de uma profissão e de motivação para seus funcionários.
Segundo dados do Ministério da Educação (BRASIL, 2017), o
piso salarial dos professores instituído pela Lei nº 11.738 de 16 de julho
de 2008, foi definido em “dois mil quatrocentos e cinquenta e cinco
reais e trinta e cinco centavos” (R$ 2.455,35), para o ano de 2018, para
professores com carga horária de 40 horas semanais, contra os dois mil
duzentos e noventa e oito reais e oitenta centavos” (R$ 2.298,80) do ano
anterior. Isso representa um reajuste de 6,81%. Entretanto, desde a san-
ção da lei no ano de 2008, vários estados e municípios alegam extrema
dificuldade em arcarem com os custos de pagarem o piso aos seus pro-
fessores. Sem falar os muitos que simplesmente não pagam.
Na tabela a seguir, apresentamos a comparação entre salário
mínimo e piso nacional do magistério, do ano de 2009, ano de entrada
em vigor do piso, ao ano de 2018. E também mostramos quantos salá-
rios mínimos estão contidos em cada unidade de valor do piso dos pro-
fessores, para efeito de comparação parcial. Parcial, porque o salário
mínimo não é o único referencial para se compreender o valor real de
consumo de outras remunerações. Mas, permite uma visão compara-

154
VALORIZAÇÃO DOCENTE

tiva geral importante para se dimensionar o poder de compra do piso


dos professores.

Tabela 1 – Comparação Piso do Magistério e Salário Mínimo

Salário-Mínimo Piso Nacional do Quantos salários


Ano Valor Nominal em Magistério Lei mínimos cabem no
R$ 11.738/2008 em R$ valor do piso
2009 465,00 950,00 2,04
2010 510,00 1.024,67 2,01
2011 540,00 1.187,14 2,19
2012 622,00 1.451,00 2,33
2013 678,00 1.567,00 2,31
2014 724,00 1.697,39 2,34
2015 788,00 1.917,78 2,43
2016 880,00 2.135,64 2,42
2017 937,00 2.298,80 2,45
2018 954,00 2.455,35 2,57

Fonte: Dieese, 2018, adaptada pelos autores.

Enquanto discutimos o posicionamento do poder público em


efetivar políticas de valorização docente, é importante mencionar que
no corrente ano de 2019, os professores e estudantes das universidade
públicas, institutos federais e escolas públicas têm promovido mani-
festações e paralisações gerais, com casos de repressão policial contra
manifestantes em diversas cidades, contra os cortes (dito contingen-
ciamento, pelo governo) anunciados pelo atual ministro da Educação,
Abraham Weintraub, em instituições públicas de ensino superior. O
ministro determinou o bloqueio de trinta por cento, a princípio, em três
universidades federais: Universidade de Brasília (UnB), Universidade
Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Segundo o ministro da educação, os cortes se justificam, pois nessas
universidades vem ocorrendo o que ele chamou de “balbúrdias”.
Na tabela seguinte, chamamos atenção para o salário inicial do
professor em regime de quarenta horas com graduação no Distrito Fede-

155
Frederico Guilherme Campos de França / Solange Cardoso

ral. Vale citar que no estado do Maranhão, a partir de maio de 2018, o


governo anuncia o salário inicial de R$ 5.750,00 para os professores da
rede estadual com graduação e regime de quarenta horas semanais.

Tabela 2 – Amostra dos salários dos professores da SEEDF – Classe A


/ 40 horas (em R$)

Anos Graduado Especialista Mestre Doutor


1 4.804,71 5.044,95 5.285,19 5.525,42
5 5.336,63 5.603,46 5.870,30 6.137,13
10 6.077,51 6.381,39 6.685,27 6.989,14
15 6.912,30 7.257,92 7.603,53 7.949,15
20 7.852,26 8.244,87 8.637,49 9.030,10
25 8.909,99 9.355,50 9.800,99 10.246,50
Fonte: Sindicato dos Professores do Distrito Federal (SINPRO-DF) – 2015, adaptada pelos
autores.

O salário inicial do professor da SEEDF corresponde a 5,03 salá-


rios-mínimos; no Maranhão, o salário inicial corresponde a 6,02 salá-
rios-mínimos. Em relação ao piso nacional do magistério, na SEEDF
se paga então 1,96 vezes o valor do piso; no Maranhão são 2,34 pisos.
Na carreira do magistério público do Distrito Federal os profes-
sores contam ainda com aumentos em seus vencimentos à medida em
que invistam na titularidade. Uma forma de incentivar os docentes a
prosseguirem seus estudos e formações. A diferença salarial entre salá-
rios com graduação e com pós-graduação, nesse caso, pode ser questio-
nável quanto ao real poder de motivar os professores a prosseguirem
em estudos mais avançados. Mas, não se pode deixar de ressaltar que
trata-se de um reconhecimento importante para a carreira. As melho-
rias quanto aos valores podem perfeitamente compor novas pautas de
negociações com o governo.

156
VALORIZAÇÃO DOCENTE

Incentivos à carreira dos professores da rede pública


do Distrito Federal

A questão do quanto uma carreira é valorizada e como seus pro-


fissionais se constroem diante daquilo que lhes é oferecido por políticas
públicas, legislações específicas, planos de carreiras e outros incentivos/
reconhecimentos é algo que requer profundas pesquisas em diversas
frentes. Desde esmiuçar o que de concreto existe na valorização da pro-
fissão, até recolher as interpretações dos próprios professores, gestores,
políticos e comunidade. Um elemento que materializa essa valorização
é a institucionalização de um plano de carreira. Nossa Constituição
Federal, promulgada em 1988, já estabelecia a necessidade de se regu-
lamentar esse tema.
O ensino deve ser ministrado com base nos seguintes princípios: [...]
V – Valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da
lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial
profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas
e títulos (BRASIL, 1988, art. 206, p.255).

E aLei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-


nal também reforçou a importância da implantação dos planos de
carreira visando a valorização dos profissionais da educação. Em seu
artigo 67 estabelece que tanto os estatutos quantos os planos de car-
reira devem se preocupar em oferecer boas condições de trabalho aos
docentes, além de propor a progressão na carreira considerando a titu-
lação e a avaliação de desempenho, assegurar o ingresso no magistério
por meio de concurso público, promover aperfeiçoamento profissional,
garantir o piso salarial e organizar uma carga de trabalho que reserve
um tempo para os estudos, planejamento e avaliação no ambiente de
trabalho (BRASIL, 1996).
É necessário lembrar que a construção da carreira docente em
uma perspectiva de valorização não se resume apenas a tópicos finan-
ceiros, uma vez que é um somatório de aspectos que deve considerar
a importância da tríade formada por ‘condições de trabalho x remu-
neração x jornada de trabalho’. Segundo Kuenzer e Caldas (2009)
entende-se por condições do trabalho docente o conjunto de recursos
que possibilita uma melhor realização do trabalho educativo e que
envolve as condições físicas das escolas, a relação com os pares, a rela-
ção com os alunos, o número de alunos por turma, os recursos didá-
ticos disponíveis, o sistema burocrático determinado aos docentes,
o controle externo sobre o trabalho docente e as especificidades que

157
Frederico Guilherme Campos de França / Solange Cardoso

marcam o segmento de ensino no qual o professor atua, bem como os


serviços de apoio aos educadores e à escola. A falta de boas condições
de trabalho ressoa sobre o desempenho do professor e consequente-
mente sobre os resultados que se espera dele no que se refere a apren-
dizagem dos alunos.
Estudar a valorização profissional dos professores e a constru-
ção da carreira nesse contexto, envolve estarmos atentos ao que de
fato pode ser considerado pertinente diante das idiossincrasias da
profissão docente.
[...]qualidade da educação e valorização profissional devem caminhar
juntas. É cada vez mais, necessário dar viabilidade às instituições,
formar profissionais e possibilitar-lhes dedicação exclusiva, bem como
dar consequência às políticas voltadas para a educação como direito.
Como traduzir, como dar concretude ao conceito de valorização?
Da perspectiva dos profissionais da educação, mas não só deles, são
elementos constitutivos indispensáveis: formação inicial e permanente
– que significa formação contínua e atualizada -, carreira e jornada
compatíveis, condições adequadas de trabalho e um salário que
permita o exercício e o reconhecimento da profissão (VIEIRA, 2013,
p. 41-42).

Por isso o quadro a seguir nos mostra como acontece o per-


centual de horas-atividades no Distrito Federal, denominado coorde-
nação pedagógica, com um regime de trabalho chamado de jornada
ampliada. Também reunimos na questão da jornada de trabalho a con-
quista de redução da carga horária para os professores com vinte anos
de exercício em sala de aula. É uma forma de reconhecer que o ritmo
do professor precisa ser atenuado com o passar do tempo na regência
de classe.

Quadro 1 – Vantagens pertinentes à jornada de trabalho do professor


da SEEDF

Fonte: SINPRO (2013) e adaptado pelos autores.

158
VALORIZAÇÃO DOCENTE

O plano de carreira de uma categoria precisa prever diversos


modos de ascensão salarial de acordo com critérios que ensejem o aper-
feiçoamento, a dedicação exclusiva e elementos mensuráveis de resul-
tados para os usuários e para o sistema. Um desses fatores é visível na
diferença gradual entre os salários pagos conforme o professor passa os
anos na profissão. No Distrito Federal, entre o salário do primeiro ano
na carreira e da última etapa, temos uma variação de 85,45%.
A carreira da educação básica dos professores brasileiros, conforme
reconhecem a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), está entre as piores em termos de remuneração entre
os países de perfil semelhante. O estudo demonstra, ainda, que, no
Brasil, além dos salários serem muito baixos, a diferença salarial entre
o início da carreira e o término não ultrapassa 45%, enquanto que
em países como Portugal, a diferença é da ordem de 170% (LEHER;
LOPES, 2008, p.75).

Aplicando no Distrito Federal os 170% de diferença entre início e


término da carreira presentes na estrutura salarial da carreira dos pro-
fessores portugueses, teríamos para a remuneração inicial de R$ 4.804,71
um final de carreira com remuneração em torno dos R$ 13.000,00 ao
contrário dos atuais R$ 8.909,99. Isso aponta para a defasagem também
nesse quesito nos salários dos professores do Distrito Federal.
No quadro a seguir, apresentamos acréscimos financeiros que se
agregam ao plano de carreira do magistério da rede pública do Distrito
Federal. Alguns deles são oriundos do Regime Jurídico Único, contem-
plando outras categorias de servidores públicos além dos professores.

Quadro 2 – Conquistas financeiras

Descrição Significado Periodicidade Criação


Plano de Define a carreira Para os 25/30 1º plano em 1987;
Carreira do de professor, as anos da carreira 2º, criou a car-
Magistério etapas salariais e reira do Magisté-
Público do benefícios rio Público no DF
Distrito Federal em 1989.

Auxílio Creche e R$ 95,00 (com Para cada filho de 1995


Pré-Escola contrapartida de zero a seis anos
R$ 20,00) de idade.

159
Frederico Guilherme Campos de França / Solange Cardoso

Descrição Significado Periodicidade Criação


Auxílio Pecúnia com Mensalmente. 2002
Transporte valores da pas- Contrapar-
sagem do trans- tida de 6% do
porte público. vencimento.
Mensalmente,
Auxílio
R$ 394,50 como parte da 2011
Alimentação
remuneração.
Mensalmente,
Auxílio Saúde R$ 200,00 como parte da 2012
remuneração.
Fonte: SINPRO-DF e adaptado pelos autores.

A forma como esses acréscimos foram conquistados varia. Mui-


tos decorrem de longas negociações com o governo. Outros precisaram
que paralisações e greves servissem de base para efetivar sua imple-
mentação. Entretanto, no discurso usual de baixa remuneração que os
professores recebem, essas conquistas não ocupam lugar de destaque
entre os professores.
Além dessa estrutura que envolve o percebimento de salários
e adicionais, os professores do Distrito Federal também contam com
outras conquistas relacionadas ao seu cotidiano no ambiente escolar e
a sua própria vida pessoal. Nesse quesito, uma malha de possibilidades
de afastamentos e licenças tentam dar algum suporte para as eventua-
lidades, questões familiares e o próprio processo de formação conti-
nuada. Mais uma vez, algumas dessas garantias são pertinentes a todos
os servidores enquanto outras são específicas do magistério público
do Distrito Federal.Diante disso, no quadro a seguir temos as princi-
pais licenças e afastamentos aos quais os professores podem recorrer
mediante condições específicas para cada caso.

160
VALORIZAÇÃO DOCENTE

Quadro 3 – Licenças e afastamentos

Descrição Significado Periodicidade Criação


Licença A professora faz jus a se 180 dias. 1990
Maternidade licenciar após o parto.

Licença 7 dias prorrogáveis a Por nascimento 1990


Paternidade pedido por mais 23 dias. de filho.
Licença para Atestado médico direto Indeterminado. 1990
Tratamento de para chefia imediata
Saúde ou submetido à perícia
médica.
Licença por Mediante comprovação e Indeterminado. 1990
Motivo de doença junta médica.
de Pessoa da
Família
Licença Prêmio Liberação de 90 dias. A cada cinco 1990
por Assiduidade anos.
Afastamento Até quatro semestres Usufruto do 1990
Remunerado para mestrado acadêmico afastamento
para Estudos stricto sensu e oito intercalando com
semestres para doutorado a atuação por
acadêmico stricto sensu. igual período
na rede antes de
requerer outro.
Dispensa para Para exercer mandato em Eleito para ocupar 1990
Exercer Mandato entidades sindicais. cargo na entidade,
Classista o professor é
afastado pelo
tempo do
mandato.
Fonte: SINPRO-DF e adaptado pelos autores.

Além das licenças e afastamentos mostrados, os professores


ainda têm assegurado para si o direito a abonos de ponto em situações
diversas. Cada abono tem uma origem e uma forma de ser usufruído.
Mas convém apresentá-los na figura que se segue:

161
Frederico Guilherme Campos de França / Solange Cardoso

Figura 1 – Dispensas de ponto

Fonte: SINPRO-DF e adaptado pelos autores.

Buscando concluir a apresentação desses componentes da car-


reira do professor da educação básica da rede pública da capital Federal,
é importante destacar a presença da Lei nº4.751 de 2012 que instituiu
a gestão democrática. Com ela, os professores também adquiriram o
direito de participar ativamente, em conjunto com toda a comunidade
escolar, da organização e gestão da escola. Com esse modelo participa-
tivo de gerenciamento da instituição, as políticas públicas são imple-
mentadas sob a luz da contextualização local promovida pelos diversos
segmentos que utilizam e trabalham na escola. Para os professores, a
possibilidade de atuar diretamente no corpo diretivo da escola é prove-
niente da liberdade em se candidatarem e/ou votarem, tanto para dire-
tor(a) como para coordenador(a) pedagógico.

Considerações finais

Reconhecemos que os professores atendem a uma parcela da


sociedade que depende de sua atuação para apreender e consolidar
importantes conhecimentos para uma formação para o mercado de tra-
balho e enquanto seres humanos. Em uma perspectiva ideal, o trabalho
docente visa conduzir pessoas a se emanciparem.
É extremamente recorrente no Brasil ouvirmos, amiúde, das
autoridades governamentais, de quaisquer siglas e tendências políti-
cas, o discurso do quanto a educação é vital para a nação encontrar o
caminho do desenvolvimento e da modernização. Retórica repetitiva a
respeito da necessidade do país valorizar seus professores para encami-

162
VALORIZAÇÃO DOCENTE

nhar esse avanço. Entretanto, a situação da carreira docente no Brasil


é cheia de dificuldades, onde os baixos salários são uma de suas mar-
cas mais visíveis. No entanto, uma categoria profissional deve ter de
forma bem clara diante de si aquilo que de fato compõe sua carreira em
termos de valores diretos e indiretos e outros benefícios conquistados.
Essa clareza irá permitir a manutenção do que se conquistou, lutas por
melhorias e definições de novas pautas que reúnam de maneira organi-
zada aquilo que pode realmente valorizar a profissão.
Esperamos que a valorização dos professores seja tratada como
necessidade concreta não só dos próprios profissionais, mas sim da
sociedade brasileira como um todo, pois a ela retornam os resultados
do trabalho docente – resultados intimamente relacionados ao grau de
satisfação profissional de seus agentes. Afinal, o grau de valorização que
o professorado recebe e percebe, influencia a construção individual do
professor dentro da carreira. Gonçalves e Simões(1991) reforçam sobre
a valorização apontando que maneira de ser professor varia em virtude
das “diferenças de atitude, de sentimentos e de empenhamento na prá-
tica educativa, resultantes do modo como ele percepciona as relações
com os seus pares e com os alunos, a sua prática e o sistema educativo
em geral (p.135).
Logo, a nosso ver, os aspectos financeiros, de jornada de traba-
lho, de concessões de liberações do tempo dentro da escola e das con-
dições gerais de trabalho presentes na carreira dos professores da rede
pública do Distrito Federal precisam ser considerados como compo-
nentes do extenso conjunto de medidas que podem fazer do magistério
uma atividade efetivamente prazerosa para os docentes e irmanada à
emancipação dos estudantes e suas famílias.

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Frederico Guilherme Campos de França / Solange Cardoso

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VALORIZAÇÃO DOCENTE

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165
12
Um olhar docente sobre a educação
em Saúde

Ana Marlusia Alves Bomfim


Ana Raquel de Carvalho Mourão

O
objeto deste capítulo é a educação em saúde, tendo como recorte
a partir da literatura brasileira sobre a temática e com enfo-
que na atuação docente. A Educação em Saúde, como prática
social, é um fator contributivo para que o sujeito tome consciência de
suas necessidades e torne-se copartícipe em busca de soluções para os
seus problemas de saúde.
As práticas de educação em saúde abrangem a participação dos
profissionais de saúde, por meio de ações de prevenção, promoção da
saúde e práticas curativas; os gestores que desempenham o papel em
apoiar os profissionais e a população que faz necessário desenvolver
seus conhecimentos e aumentar sua autonomia nos cuidados a saúde,
de maneira individual e coletiva (FALKENBERG et al., 2014).
No entanto, a prática educativa é um ofício complexo, que vai
além do repasse de informações, sendo também uma estratégia de pro-
moção à saúde, por meio da qual é possível a transformação da reali-
dade e dos valores que amparam os hábitos deletérios, que prejudicam a
saúde (SALCI et al., 2013; PASSOS-SOARES; FALCÃO; UZÊDA, 2017).
Para que a promoção da saúde ocorra de forma efetiva, utilizando
a educação em saúde como ferramenta relevante, torna-se premente a
compreensão do tema e dos conceitos que ela compreende. É imperioso
destacar que a mesma deve ser associada ao diálogo, informação, ins-
trução e escuta qualificada (BOEHS, 2007).

167
Ana Marlusia Alves Bomfim / Ana Raquel de Carvalho Mourão

O diálogo abrange práticas e atividades que englobam a educa-


ção, convencimento e a participação da comunidade. Já a informação
serve como subsídio para desenvolver um novo comportamento que irá
transformar a qualidade de vida do sujeito. A educação é um elemento
que propicia a relação interpessoal para atingir o objetivo proposto.
Contudo, é de fundamental importância ressaltar que, todo o profissio-
nal de saúde deve desenvolver a habilidade da escuta qualificada, que
significa saber ouvir com atenção a narrativa do sujeito (BOEHS, 2007).
No tocante a metodologia, trata-se de um levantamento da biblio-
grafia dirigido a estudos publicados a respeito de educação em saúde,
onde o período de publicação das obras não foi definido. Foram anali-
sados artigos de periódicos nacionais, anais e monografias, excluindo-
se dissertações e teses. Os unitermos foram selecionados mediante
pesquisa no Dicionário de Descritores de Ciências da Saúde – Decs, a
saber: educação em saúde, promoção da saúde e qualidade de vida.
Isto posto, a proposta deste capítulo é proporcionar momentos
de reflexão a respeito da temática educação em saúde, por meio de uma
perspectiva concernente às experiências das atividades docentes em
saúde coletiva.
Diante do exposto, a educação em saúde, no âmbito da saúde
coletiva, é relevante para todos àqueles que militam nesta área como;
trabalhadores na área da saúde, professores universitários, discentes
e a comunidade, com vistas a consolidação do Sistema Único de Saú-
de-SUS. Logo, acredita-se que as práticas educativas representam uma
forma de ofertar à população meios de buscar a solução dos problemas
de saúde vivenciados no cotidiano, como também a promoção da saúde
e a melhoria da qualidade de vida.

O profissional de saúde como educador

Em 1925, a educação em saúde teve seu marco histórico no Brasil,


quando Geraldo de Paula Souza trouxe ideias inovadoras dos Estados
Unidos e criou os Centros de Saúde e o Curso de Educação Sanitária, no
Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina de São Paulo. Os refe-
ridos cursos eram direcionados aos professores de escolas primárias,
que após um ano de aprendizagem teórica e prática, tornavam-se edu-
cadores com o propósito de conscientizar a população a adquirir uma

168
UM OLHAR DOCENTE SOBRE A EDUCAÇÃO EM SAÚDE

cultura sanitária (MIRANDA, MALAGUTTI, 2010). Vale ressaltar que


estas atividades eram realizadas nos domicílios ou em escolas.
De acordo com o Decreto nº 3. de 11 de julho de 1925 (BRASIL,
1925), no capítulo IX, artigo 50, que teve como objetivo reorganizar o
Serviço Sanitário em São Paulo, estava descrito o seguinte:
A educação sanitária se fará sempre com toda a generalidade possível
e pelos processos mais práticos, de modo a impressionar e convencer
os educandos e implantar hábitos de higiene. § 1º – Será ministrada ao
indivíduo isoladamente ou em grupos, segundo convier e professada
nos Centros de Saúde, em visitas domiciliares ou aos estabelecimentos
escolares, hospitalares, comerciais, fabris ou quaisquer outros
lugares de reuniões acessíveis, dispondo embora estes de instrução
semelhante, à qual neste caso o serviço de educação sanitária auxiliará.
§ 2º – O serviço de educação sanitária visará de modo especial a
higiene individual, a pré-natal, a infantil e a da idade escolar, assim
como o censo de morbidade em geral; aproveitará quanto possível
a oportunidade que se manifesta na infância e na mocidade para
imprimir ou desenvolver hábitos de higiene e sempre que operar o
serviço fora do centro, fará propaganda intensiva das vantagens da
população em frequentá-los. (p.05).

A partir da declaração acima, percebe-se que já havia um enten-


dimento da necessidade de trabalhar a conscientização de práticas de
saúde na mais tenra idade, fins estabelecer ou desenvolver hábitos sau-
dáveis no público infantil.
Nos dias atuais, há a compreensão de que todo profissional de
saúde é um educador (MIRANDA, MALAGUTTI, 2010; SANTOS et
al, 2014 e SOARES et al, 2017). Portanto, o profissional de saúde pre-
cisa ser flexível, aberto para a dialogicidade e ter compromisso com
o educando. Diante desta perspectiva, destaca-se que o educador em
saúde está em processo contumaz de construção e revendo seu fazer
cotidiano, tendo como maior desafio, a ser alcançado, a formação de
vínculo entre o educador e educando. Corroborando com esta visão,
a autora Madalena Freire (2008) afirma que a construção de vínculos
é a mola propulsora na construção de um grupo. Para Freitas (2009),
o contato diário permite a constituição de vínculos, no intuito de ser
construído o conhecimento por meio do fazer-refletir-fazer pedagógico.
Para haver a transformação que esperamos como educadores em
saúde, é necessária a formação do vínculo. Por meio deste, o educando
passa a ter confiança e segurança no educador e passa a refletir a res-
peito dos seus hábitos diários, e como os mesmos podem ser modifica-
dos. Todo este esforço logrará êxito no escopo de modificar seu estilo de
vida e comportamento que foram adquiridos ao longo da vida.

169
Ana Marlusia Alves Bomfim / Ana Raquel de Carvalho Mourão

A modificação de um hábito é algo doloroso, contudo, a partir do


momento que o educando toma consciência de que isto pode prejudicar
a sua saúde, ele passa a cooperar consigo mesmo e a buscar uma melhor
qualidade de vida (MORALES, 2015).
Neste sentido, é premente afirmar que os profissionais de saúde,
ao desenvolverem ações pertinentes à educação em saúde, devem levar
em consideração o que de fato é importante para o público-alvo, com
a finalidade de suscitar interesse em aprender e aderir às atividades
desempenhadas pela equipe (SANTILI, TONHOM e MARIN, 2016).
Um exemplo desta situação, foi o estudo realizado por Moura,
Nogueira (2013), onde os mesmos observaram que o educador tem
um papel preponderante junto aos sujeitos de sua pesquisa, portado-
res de hipertensão arterial, com vistas a orientar no tocante ao auto-
cuidado e, consequentemente, diminuir os índices de falta de adesão
ao tratamento.
Com base no que foi exposto, é válido considerar sobre nossas
experiências como docentes dos cursos da área da saúde, em espe-
cial na disciplina Integração Ensino Serviço Comunidade – IESC,
pois a mesma tem nos ofertado a possibilidade de adquirirmos expe-
riências exitosas e termos uma percepção da efetividade das práti-
cas educativas em saúde realizadas em salas de espera das Unidades
Básicas de Saúde– UBS, nas creches, escolas de ensino fundamental
e médio, nos domicílios e equipamentos sociais nas comunidades do
município de Maceió-AL. A devolutiva dos usuários do sistema de
saúde tem demonstrado que as estratégias com a utilização de recur-
sos educativos, rodas de conversa, palestras e dinâmicas em conjunto
são potentes ferramentas na compreensão e conscientização do edu-
cando, resultando no empoderamento da comunidade no tocante ao
autocuidado e mudança de hábitos.
Deste modo, as rodas de conversa, segundo Uchôa (2009), asse-
guram à educação em saúde, favorece o diálogo e escuta qualificada,
possibilitando a participação dos usuários e a aproximação entre o ser-
viço e profissionais, atuando na esfera da educação popular em saúde e
capacitando ao cuidado.

170
UM OLHAR DOCENTE SOBRE A EDUCAÇÃO EM SAÚDE

A educação em saúde: uma ferramenta para a aprendizagem


significativa

Vale ressaltar que a troca, que ocorre no momento da atividade


de educação em saúde, promove um aprendizado significativo para
o educando e o educador. Diante desta premissa, Castro e Silva et al
(2018, p. 42) afirmam que a educação em saúde cumpre um papel basi-
lar na formação dos profissionais de saúde pertencentes ao setor saúde
no Brasil. Já Teixeira, Ferreira, Queiroz (2010) e Bomfim et al (2015)
descreveram em seus estudos sob o ponto de vista do educando, onde o
mesmo percebe a educação em saúde como algo valoroso e que auxilia
na construção de pontes para aquisição do conhecimento, tornando-os
sujeitos autônomos.
Como reforço ao enfoque apresentado, Mesquita et al (2017)
demostraram em seu estudo que a utilização dos recursos educativos
pode contribuir no processo de ensino-aprendizagem, como também
serem prazerosos, instigantes e interessantes. Assim, a aplicação de
recursos educativos favorece o educar em saúde.
Diante deste panorama, Teixeira, Ferreira e Queiroz (2010) têm
como ponto primordial o princípio de que a educação em saúde pos-
sui um significado empreendedor, onde é necessário o exercício da
paciência para aproximar-se do querer do outro e buscar compreender
a perspectiva do educando. Sendo assim, é mister que nos encontros
educativos seja relevante entender que a prioridade é perceber que, ao
contrário de realizar um resumo de ideias, é reuni-las, favorecendo
assim o cumprimento do processo educativo, por meio da união entre
informação, diálogo, reflexão, intercâmbio e envolvimento em grupo.
Isso traduz o quanto os momentos de realização das práticas de
educação em saúde são oportunidades profícuas para compartilhar
saberes e conhecimento, além de trazer excelentes resultados e cresci-
mento pessoal para todos aqueles envolvidos.
Importante pontuar, que a prática da educação em saúde é pri-
vilegiada no campo das ciências da saúde, de modo especial na saúde
coletiva, podendo ser considerada na esfera de práticas que podem
ser realizadas por ações em diversas organizações e instituições,
ocorrendo dentro e fora do espaço da esfera do setor saúde (PAIM e
ALMEIDA, 1997).

171
Ana Marlusia Alves Bomfim / Ana Raquel de Carvalho Mourão

É oportuno enfatizar que, a temática educação em saúde tem


sido alvo de discussões entre profissionais de saúde pública e tem sido
utilizada como uma diretriz para fortalecer o SUS, e deve fazer parte
do dia a dia do trabalhador da área da saúde (CONVERSANI, 2004).
Perante essa perspectiva, é importante ressaltar a relevância do papel da
Estratégia da Saúde da Família, onde a prática educativa está presente
no cotidiano de suas ações, por ser um espaço marcado pela presença
de diversas formas de ver o mundo e suas expectativas.
Isto posto, Janini, Bessler e Vargas (2015, p.489) afirmam que:
A educação em saúde, embora possua métodos e segmentos distintos,
não se limita apenas a transmitir conhecimento à comunidade,
mas estabelece vínculos entre assistidos e profissionais, e promove
a participação ativa da comunidade, a inclusão social e constantes
remodelagens conceituais destes indivíduos, quanto a hábitos que
comprometam a saúde e a qualidade de vida daquela população.

Corroborando com o que está exposto acima Braga (2013) apre-


senta, em sua pesquisa, a importância do trabalho realizado em grupos
na Atenção Básica. Os autores chegaram à conclusão que, por meio da
utilização de dinâmicas, há o favorecimento da comunicação e intera-
ção grupal, tendo como ponto alto a transformação dos sujeitos, onde
os mesmos são sensibilizados a transformarem os que estão ao seu
redor. Já para a equipe de saúde tornar-se perceptível a necessidade de
acreditar, ter prazer em construir ações educativas, com vistas a forne-
cer meios que possam estreitar os laços entre os usuários do SUS e os
profissionais de saúde.
Com a finalidade de implementar a respeito da temática Educa-
ção em Saúde, é válido ressaltar que há espaços externos às unidades de
saúde que possibilitam vivências exitosas de práticas educativas, neste
caso pode ser citado como exemplo: o ambiente escolar. A escola é um
lugar frutífero de educar e produzir saúde, pois é neste âmbito que são
abertas possibilidades para um congraçamento entre docentes, discentes,
pais e cuidadores que descobrem que juntos podem criar soluções para os
problemas apresentados na comunidade em que vivem (BRASIL, 2005).
De acordo com o panorama apresentado, percebe-se que a edu-
cação é capaz de influenciar na mudança comportamental do sujeito,
além de formar atitudes que devem ser mediadas pelos docentes. Nota-
se que o papel da escola é significativo na formação de hábitos saudáveis
na infância, e que é um espaço profícuo para ser discutido questões
sobre saúde entre docentes e discentes.

172
UM OLHAR DOCENTE SOBRE A EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Como reforço à abordagem apresentada, Neves et al., (2011)


em seu estudo demonstra que, para alcançar a efetivação do processo
de educação em saúde na escola, é imperioso haver uma coadjuvação
entre os profissionais de saúde e educadores, no intuito de fortalecer o
sustentáculo da educação como prática transformadora.
Contudo, percebe-se que a promoção da saúde perpassa em envi-
dar esforços na realização de práticas educativas em saúde. Contudo,
promover saúde é aceitar o desafio de suscitar um processo que integra
a efetivação de parcerias, como também articular-se com outros setores
e incluir a participação popular, com vistas a otimizar os recursos dis-
poníveis e aplicar em políticas que sejam efetivas às reais necessidades
da sociedade (BRASIL, 2002).
Perante essa perspectiva, a educação em saúde tem sido uma
ferramenta de construção de saberes que pode alavancar verdadeiras
transformações no ser humano, e o papel das Instituições de Ensino
superior, junto aos equipamentos sociais e equipes de unidade de saúde,
tem alcançado proporções inusitadas, trazendo benefícios aos educado-
res e educandos. As referidas parcerias trazem resultados prazerosos,
gerando a certeza de que vale a pena investir na educação e na saúde
individual e coletiva.

Considerações Finais

Diante do exposto, é relevante destacar que a Educação em


Saúde deve favorecer o diálogo e a utilização de metodologias diversas,
visando à promoção e o autocuidado da saúde. Deste modo, o diálogo
e a troca de saberes populares e técnico– científicos, entre os usuários e
profissionais, permitem construir de forma compartilhada novos sabe-
res sobre o processo saúde-doença e cuidado, assim, deve-se valorizar
o conhecimento e as vivências prévias dos usuários, e não apenas o
conhecimento científico.

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176
13
A perspectiva descartiana e a pesquisa em
educação: diálogos iniciais

Carlos Cardoso Silva

A
Filosofia Moderna nasce numa posição de autonomia para
refletir a modernidade, nesta perspectiva René Descartes (1596
– 1650) apresenta uma forma de pensar a partir de um método
para responder questões que ocorrem ao indivíduo diante da existên-
cia. Por meio do cogito ergo sum (penso, logo existo), Descartes conclui
que pode duvidar da verdade de todas as coisas.
O presente texto discute a influência do racionalismo na pes-
quisa em educação, assumindo como eixo principal a visão de René
Descartes a partir do texto Discurso sobre o Método. Nesse contexto,
procura-se abordar as articulações entre o racionalismo e a educação.
Primeiramente, tentar-se-á compreender a concepção racionalista e,
depois, trabalhar-se-á a articulação com a pesquisa em educação.
A compreensão do processo que constitui a racionalidade
moderna exige, obrigatoriamente, o exame das estruturas epistemoló-
gicas que fundamentam a articulação interna dos princípios relativos
ao conhecimento e à razão a partir do século XVII (SANTOS, 1995).
Para tal, se torna importante conhecer a teoria descartiana.

A perspectiva descartiana: diálogos inicias

Desde seu princípio, a ciência moderna designa o modo especí-


fico de conhecimento adotado pelo mundo ocidental no cerne do flores-
cimento da civilização burguesa (FOUREZ, 1995). Para melhor com-

177
Carlos Cardoso Silva

preensão didática do que é a racionalidade anunciada, recorrer-se-á à


definição de racionalismo.
No século XVII, o racionalismo pode ser definido como a doutrina
que, por oposição ao ceticismo, atribui à Razão humana a capacidade
exclusiva de conhecer e de estabelecer a Verdade; por oposição ao
empirismo, considera a Razão como independente da experiência
sensível (a priori), posto ser ela inata, imutável e igual em todos os
homens; contrariamente ao misticismo, rejeita toda e qualquer
intervenção dos sentimentos e das emoções, pois, no domínio do
conhecimento, a única autoridade é a da Razão (JAPIASSU apud
REZENDE, 1998, p. 85).

O racionalismo é uma corrente filosófica que tem como princípio


básico a utilização do raciocínio (operação mental, discursiva e lógica) no
processo de investigação. A palavra racionalismo deriva do latim ratio,
que quer dizer razão. Como uma doutrina que deposita total e exclusiva
confiança na razão humana como instrumento capaz de conhecer a ver-
dade, conforme recomendou o filósofo racionalista Descartes (1991, p.
95): “nunca devemos deixar de persuadir senão pela evidência de nossa
razão”, e, ainda, conforme afirma Rezende (1998), Descartes elabora uma
concepção puramente racional e mecanicista da natureza.
O cartesianismo é um racionalismo. Constitui um sistema. O
primeiro objetivo da obra de Descartes é “chegar ao conhecimento de
todas as coisas”. Seu primeiro esforço consiste em definir um método
geral “para conduzir bem sua razão e procurar verdades nas ciências”.
Todas as partes de sua obra encontram-se interligadas. Tomemos a
imagem da “árvore da sabedoria”. No interior do sistema cartesiano,
a diversidade dos ramos não exclui a unidade de um mesmo tipo de
conhecimento: o conhecimento racional apoiado num único método
(REZENDE, 1998, p. 93).

Com essa visão lógica de compreensão da realidade, a proposta


cartesiana é de que, pela análise lógica, encontram-se condições para
descobertas de processos ou sistemas que expliquem a realidade pelo
método lógico e matemático. Essa visão altera e acelera as descobertas
científicas no mundo desde o século XVII. A visão racionalista domi-
nou e domina até a atualidade o método científico de análise lógica.
Partindo da premissa de uma racionalidade conceitual e abs-
trata, Descartes (1991), no início da sua obra Discurso sobre o método,
propõe, devido à necessidade de conduzir bem a razão, um método, isto
é, um caminho certo e seguro.
O objetivo e a utilidade do método consistem, para o homem, em
“conduzir bem a sua razão” e em procurar a verdade nas ciências.
Se queremos conhecer bem a verdade, não podemos andar ao acaso,
sem rumo. Devemos seguir um caminho reto, seguro, certo; seguir

178
A PERSPECTIVA DESCARTIANA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

uma ordem, quer dizer, um método. O bom método é aquele que


nos permite conhecer o maior número possível de coisas. E isso com
o menor número de regras. O primeiro procedimento da pesquisa é
a análise: devemos “dividir cada uma das dificuldades”, quer dizer,
reduzir um problema complexo a suas noções simples. E para isso que
elas possam ser conhecidas diretamente por intuição (JAPIASSU apud
REZENDE, 1998, p. 88).

Descartes (2004) esclarece em as Regras para a Direção do


Espírito, que “intuição, eu entendo, não o testemunho mutável dos
sentidos ou juízo enganador (...), mas concepção de um espírito puro
e atento que nenhuma dúvida possa permanecer sobre aquilo que
compreendemos” (DESCARTES, 2004, p. 78). Por isso, a pretensão
de Descartes era estabelecer um método universal com inspiração
no rigor da matemática e no encadeamento racional. A partir do
momento que busca o ideal matemático, o ato do conhecimento con-
verte-se numa mathesisuniversalis, ou seja, torna-se conhecimento
completo e dominado pela razão.
Para evidenciar a sua proposição do ato de conhecer, Descartes
(1991) elabora quatro regras fundamentais: (1) nunca aceitar como ver-
dade senão aquilo que vejo clara e distintamente como tal; (2) decom-
por cada problema em suas partes mínimas; (3) ir do mais compreen-
sível ao mais complexo, e (4) revisar completamente o processo para
assegurar-se de que não ocorreu nenhuma omissão.
Esse método propõe como caminho de acesso à verdade, a
“dúvida metódica”. Com isso, questiona-se todos os seus conhecimen-
tos, inclusive o da própria existência da pessoa, depois do encadea-
mento da dúvida, chega-se, à primeira evidência: em toda dúvida existe
algo de que não podemos duvidar: a própria dúvida, isto é, eu não posso
duvidar de que estou duvidando. Mas a dúvida prossegue, pois eu não
posso pensar sem existir. Portanto, há algo de que posso ter uma firme
certeza: penso, logo existo (cogito, ergo sum). Eu sou, em última aná-
lise, uma substância pensante, espiritual (res cogitans).
A partir desse referencial, Descartes elabora sua filosofia. O
cogito lhe servirá como chave para prosseguir: toda representação que
se lhe apresentar com “clareza” e “distinção” – os dois critérios carte-
sianos de certeza – tal como se manifesta o cogito, deverá ser tida como
correta e aceitável. É a aplicação positiva da dúvida metódica.
Essa questão aborda o dualismo psicofísico de Descartes, que o
definiu como expressão do divórcio existente entre a substância mate-
rial (res extensa) e a substância metafísica (res cogitans) na qual se ela-

179
Carlos Cardoso Silva

bora o pensamento. A concepção cartesiana concebe o mundo como


um sistema mecânico no qual o fenômeno psíquico constitui a esfera
interior do homem. A origem do conhecimento está inscrita no sujeito
pensante; logo, a fonte principal de conhecimento é o pensamento
(razão) cujos juízos possuem necessidade lógica e validade universal
(HESSEN, 1987).
O percurso que levaria Descartes (1991) a formular um método,
ou seja, um caminho seguro para a ciência foi o caminho da dúvida.
Partindo da dúvida, ele propõe a criação desse caminho (método) que
proporcionará o aumento gradativo do conhecimento até atingir seu
ponto máximo, isto é, a busca da verdade.
Cada vez mais entrelaçado por dúvidas e erros que só fariam des-
cobrir mais sua ignorância e por não perceber na filosofia respostas que
fossem seguras, Descartes propôs elaborar um método filosófico que
possibilitasse atingir a verdade. Em sua época, observava e não encon-
trava nada que o convencesse de uma verdade racional.
A partir desses conflitos, Descartes (1991) passa a não aceitar
com muita firmeza nada do que havia aprendido, pois entendia que,
desde os primeiros anos escolares, recebera muitas informações, ou
seja, opiniões falsas tidas como verdadeiras e divagações filosóficas que
não asseguravam um conhecimento verdadeiro. Convencia-se que tais
princípios mal aprendidos não poderiam ser senão mais duvidosos e
incertos. Nesse sentido, seria necessário procurar desfazer-se de todas
as opiniões, que até então acreditava, e começar novamente, desde os
fundamentos, até algo firme e permanente nas ciências para construir
uma base sólida de conhecimento. Assim, a proposta cartesiana era
destruir as suas crenças e opiniões.
O ponto de partida que Descartes (1991) utiliza para fugir de
tudo que não acreditava, de modo que não gerasse a menor dúvida, foi a
proposição: cogito, ergo sum, ou seja, “eu penso, logo eu existo”. Assim,
esse autor percebe que aquele que duvida tem que existir.
Não podemos duvidar de que existimos quando duvidamos; e este é o
primeiro conhecimento que obtemos filosofando com ordem. Assim,
rejeitando todas aquelas coisas de que podemos duvidar de algum
modo, e até mesmo imaginando que são falsas, facilmente supomos
que não existe nenhum Deus, nenhum céu, nenhuns corpos; e que nós
mesmos não temos mãos nem pés, nem de resto corpo algum; mas não
assim que nada somos, nós que tais coisas pensamos: pois repugna que
se admita que aquele que pensa, no próprio momento em que pensa,
não exista. E, por conseguinte, este conhecimento, eu penso, logo

180
A PERSPECTIVA DESCARTIANA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

existo, é o primeiro e mais certo de todos, que ocorre a quem quer que
filosofa com ordem. (DESCARTES, 1995, p. 55).

O cogito é a síntese intuitiva do processo de aplicação da dúvida


metódica. Assim, por meio deste processo é que se alcança a substância
da alma como puro pensamento (res cogitans) e que é definido como a
essência do ser humano: “eu penso, logo eu existo” (cogito, ergo sum).
Assim o homem se coloca no mundo lógico-matemático-racional.
Sendo o método o caminho para atingir a verdade, é necessá-
ria sua aplicação começar pela primeira regra, ou seja, reconhecer que
nada é absolutamente certo, e que por isso, é preciso duvidar de tudo
o que não é composto de uma certeza absoluta, deve-se excluir tudo o
que é duvidoso. Dessa forma, surge a tríade da formulação cartesiana:
a) necessidade prévia de duvidar; b) necessidade de nada excluir da
dúvida; c) necessidade de colocar como provisório como falsas as coisas
entranhadas do menor motivo de dúvida.
Com essa tríade de necessidades surgem as três características da
dúvida cartesiana, a saber: a) metódica – é um instrumento de conheci-
mento, que visa atingir a verdade; b) universal – no processo do conhe-
cimento, nada deve ser imune à aplicação do critério da dúvida; c) pro-
visória – desaparece na medida em que a verdade for atingida.
A defesa de Descartes (1991) é que para atingirmos a verdade,
temos que duvidar de tudo, de toda e qualquer coisa em que apare-
cer a menor dúvida devem ser tidas como falsas. Por isso, temos de
duvidar das coisas objetivas (sensíveis) porque os sentidos muitas vezes
erram. E mais, quando sonhamos, vivenciamos diversas sensações ou
imaginamos coisas que, aparecem como reais à nossa sensibilidade,
nada têm de realidade fora de nós. Também temos que duvidar daquilo
que antes tínhamos tomado como certo, mesmo das demonstrações
matemáticas. Portanto, em sua forma mais radical (ir a raiz do conhe-
cimento), o racionalismo defende que a razão é a única fonte legítima
de conhecimento.
Descartes (1991) defendeu uma visão racionalista do mundo,
por meio da sua teoria das ideias inatas. Acreditava que ao nascer, o ser
humano já nasceria com essas ideias, as quais seriam e deveriam ser des-
pertadas no espírito do sujeito cognitivo. Isto significa dizer que a partir
das ideias primeiras poder-se-ia elaborar o conhecimento racional.
Essa visão inatista representa a confiança que Descartes (1991)
deposita na razão, que para ele é a fonte de todo conhecimento seguro e

181
Carlos Cardoso Silva

verdadeiro, faculdade universalmente partilhada: a razão ou bom senso


é o divisor entre os homens e os animais, ou seja, é aquilo que define o
homem como homem e o distingue dos outros animais.
O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual
pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis
de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais
do que o têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal respeito;
mas isso antes testemunha que o poder de bem julgar e distinguir o
verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina o bom
senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, destarte,
que diversidade de nossas opiniões não provém do fato de serem uns
mais racionais do que os outros, mas somente de conduzirmos nossos
pensamentos por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas
(DESCARTES, 1991, p. 29).

A partir da afirmação acima, se ficássemos presos a conjectu-


ras com base nos sentidos, as mesmas só poderiam conduzir-nos a um
conhecimento provável e incerto. Porém, utilizando-se da razão, da
intuição e da dedução, chegaremos à verdade.
A intuição é o modo de conhecimento racional graças ao qual o espírito
humano pode atingir direta e indiretamente seu objeto. “Por intuição,
entendo, não o testemunho mutante dos sentidos ou o juízo enganador
de uma imaginação que compõe mal seu objeto, mas a concepção de
um espírito puro e atento”.
A dedução é o ato pelo qual nós compreendemos a passagem de uma
verdade evidente por intuição às suas consequências. A dedução
organiza a transferência da evidência ao longo de uma cadeia lógica.
A evidência assim transferida torna-se a certeza (JAPIASSU apud
REZENDE, 1998, p. 96-97).

Percebe-se então, que a intuição é um ato puro, uma inteligência


que apreende de forma imediata e direta as noções de forma tão simples
que em torno de sua validade não pode existir qualquer dúvida. Então,
fica claro que o que caracteriza a intuição é a sua clareza e distinção,
o seu caráter imediato, ou seja, um fato de constituição de um ato de
apreensão total e completa. A intuição é o fundamento subjetivista de
Descartes (1991) e resultado de uma singularidade meditativa.
Achava-me, então, na Alemanha, para onde fora atraído pela
ocorrência das guerras, que ainda não findaram, e, quando retornava
da coroação do imperador para o exército, o início do inverno me
deteve num quartel, onde, não encontrando nenhuma frequentação
que me distraísse, e não tendo, além disso, por felicidade, quaisquer
solicitudes ou paixões que me perturbassem, permanecia o dia inteiro
fechado sozinho num quarto bem aquecido onde dispunha de todo
o vagar para me entreter com os meus pensamentos. Entre eles, um
dos primeiros foi que me lembrei de considerar que, amiúde, não há
tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feitas pela mão
de diversos mestres, como naquelas em que um só trabalhou. Assim,

182
A PERSPECTIVA DESCARTIANA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

vê-se que os edifícios empreendidos e concluídos por um só arquiteto


costumam ser mais belos e melhor ordenados do que aqueles que muitos
procuraram reformar, fazendo uso de velhas paredes construídas para
outros fins. Assim, essas antigas cidades que, tendo sido no começo
pequenos burgos, tornaram-se no correr do tempo grandes centros,
são ordinariamente tão mal compassados, em comparação com essas
praças regulares, traçadas por um engenheiro à sua fantasia numa
planície, que, embora considerando seus edifícios cada qual à parte,
se encontre neles muitas vezes tanta ou mais arte que nos das outras,
todavia, a ver como se acham arranjados (DESCARTES, 1991, p. 34).

A construção do edifício do saber só é possível por meio de pro-


jetos únicos e concebidos de forma solitária, mas ordenadamente apli-
cados. Nesse aspecto, a intuição é seguida da dedução completa, a cons-
trução do edifício do conhecimento. A dedução é, em princípio, um
encadeamento de intuições que tem como pressuposto a intuição das
ideias simples e da existência das relações entre as mesmas, das quais se
conclui que, necessariamente, o existir de relações, ideias, forma e con-
sequências constituem a lógica das ideias anteriores. O conhecimento
nasce a partir do eu, da ideia, da razão.
Nessa lógica de consequências, relações e ideias, a dedução cria e
recria um elo de proposições com um nexo lógico de antecedente e con-
sequente de tal forma que a verdade do antecedente exige a verdade do
consequente. Dessa forma, a dedução possibilita construir uma relação
de necessidade entre as proposições de forma que a verdade das propo-
sições da intuição ou intuitivas permite a passagem para a conclusão.
Descartes (1991) tem uma concepção de mundo e de homem
baseada na divisão da natureza em dois domínios opostos que são: o
da mente e ou espírito (res cogitans), a coisa “pensante”, e o da matéria
(res extensa), a “coisa extensa”. Assim sendo, mente e matéria seriam
as criações de Deus, ponto de partida e de referência comum a estas
duas realidades.
Na perspectiva de construir uma ciência natural completa, Des-
cartes (1991) amplia a concepção de mundo aos reinos biológicos. Onde
plantas e animais também nada mais eram do que simples máquinas.
O corpo humano também, entretanto, diferente das plantas e ani-
mais porque seria habitada por uma alma inteligente, diferenciada da
máquina-corpo e ligada a alma pela glândula pituitária. Portanto, o
objetivo da “ciência” de Descartes (1991) era utilizar seu método ana-
lítico para elaborar uma descrição racional completa de todos os fenô-
menos naturais em um sistema único de princípios mecânicos e preciso
regido pelas relações matemáticas.

183
Carlos Cardoso Silva

A esse princípio de relações matemáticas Descartes (1991) nomi-


nou de Método que é o conjunto de procedimentos racionais utilizados
para o estabelecimento e a demonstração da verdade.
Por método eu entendo regras certas e fáceis, graças às quais todos
aqueles que as observarem corretamente jamais suporão verdadeiro
aquilo que é falso, e chegarão, sem fadiga e esforços inúteis, aumentando
progressivamente sua ciência, ao conhecimento verdadeiro de tudo o
que podem atingir. Todo método consiste na ordem e na disposição
das coisas para a quais devemos voltar o olhar do espírito, para
descobrir alguma verdade. Ora, nós a seguiremos exatamente se
reduzirmos, gradualmente, as proposições complicadas e obscuras às
mais simples; e se, partindo da intuição das mais simples, tentarmos
nos elevar, pelos mesmos degraus, ao conhecimento de todas as outras
(DESCARTES, 2004, p. 81).

Em síntese, o método é o caminho da verdade.


No seu sentido mais geral, o método é a ordem que deve impor
aos diferentes processos necessários para atingir um fim dado. Se
nos colocamos no ponto de vista do conhecimento, dir-se-á, com
Descartes, que o método é o “caminho a seguir para chegar à verdade
nas ciências” (JOLIVET, 1995, p. 71).

É relevante destacar a compreensão e a importância do método


para a eficácia do conhecimento. Conforme Jolivet:
Esta importância é evidente. O método tem como fim disciplinar o
espírito, excluir de suas investigações o capricho e o acaso, adaptar
o esforço a empregar segundo as exigências do objeto, determinar
os meios de investigação e a ordem da pesquisa. Ele é, pois, fator de
segurança e economia. Mas não é suficiente a si mesmo, e Descartes
exagera a importância do método, quando diz que as inteligências
diferem apenas pelos que utilizam. O método, ao contrário, exige, para
ser fecundo, inteligência e talento. Ele lhes dá a potência, mas não os
substitui jamais (JOLIVET, 1995, p. 71).

Como vimos, a importância do racionalismo para o desenvolvi-


mento da ciência, das descobertas científicas e da filosofia, também se
pode perceber o domínio do método científico para a atualidade como
fora nos séculos anteriores. Em Descartes, percebe-se a preocupação de
elaboração de um método, que seria concebido como caminho seguro e
único para a obtenção da verdade; bem como, a ideia de construção de
uma filosofia capaz de fundamentação para a ciência.

184
A PERSPECTIVA DESCARTIANA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

A perspectiva descartiana: diálogos iniciais na pesquisa


em educação

A elaboração e construção do pensamento de Descartes é des-


crito por Châtelet (1994) e Japiassu (1994) como a sua busca de edifi-
cação de um sistema filosófico que legitimasse a revolução científica de
sua época. Neste contexto, Descartes quer entender em que condições é
possível o conhecimento verdadeiro, confiável e também aceitável. Uma
das preocupações de Descartes é entender como o homem pode che-
gar ao conhecimento da realidade, ou seja, das coisas que possíveis de
serem conhecidas.
Sobre este aspecto Descartes apresenta um método, isto é, um
caminho seguro para chegar à certeza do conhecimento. O método
estabelece o caminho para atingir a verdade e uma visão clara sobre
a realidade. E é também, o método a elaboração do seu sistema filosó-
fico. Segundo Japiassu (1994, p. 35) “a filosofia do sujeito pensante nasce
no século XVII, com Descartes (1991), é desenvolvida por Kant e vai
encontrar seu coroamento em Hegel”.
Assim, o verdadeiro é o que é passado pelo critério da certeza,
que é o sujeito. Para o sujeito atingir o conhecimento, é necessário que
ele se oriente pelas regras da razão. Esse constituído e constituinte da
dúvida é a base do método elaborado por Descartes (1991). A autonomia
do sujeito em relação à ciência e ao conhecimento científico é uma das
grandes contribuições cartesiana. Conforme assinala Japiassu (1994, p.
19) “Enfim liberado de toda a tutela, o homem se torna, se não o criador,
pelos menos o mestre das significações do universo. É a descoberta,
iniciada pelo Cogito cartesiano, do sujeito cognoscente autônomo, hoje
chamado de sujeito epistêmico.”.
É nessa dúvida constante de tudo que o tivesse enganado é que
Descartes (1991) propõe a dúvida para construção do seu método. A
primeira reflexão feita por ele é de onde provém a nossa maneira de
pensar; e conclui que ela é proveniente de nossas sensações. A partir
dessa referência começa sua investigação e pesquisa sobre as possibili-
dades de ser enganado por elas. Para Descartes as sensações são enga-
nadoras. Então, decide-se demonstrar a inconsistência das verdades
sobre o saber constituído, colocando em dúvida tudo o que parecia
certo e inquestionável.
Assim a partir da dúvida metódica, que é um criterioso e rigo-
roso método de investigação, é que se coloca à prova todas as certezas

185
Carlos Cardoso Silva

até as verdades mais simples que são as verdades matemáticas, dúvidas


radicalizadas por Descartes (1991). Nessa radicalização da dúvida surge
o cogito, eu sou, eu existo. Com o cogito, surge a certeza de uma ver-
dade clara e distinta e sobre a qual não existia nenhuma dúvida. Com
o surgimento do cogito, a primeira certeza, aparece as condições para
garantia das demais certezas.
Partindo de a visão cartesiana procurar-se a buscar as contribui-
ções de Descartes (1991) para a pesquisa em educação. O autor não escre-
veu sobre a educação, porém, a partir da perspectiva cartesiana, veri-
fica-se uma mudança na compreensão do processo do conhecimento.
Um dos grandes impactos do cartesianismo consiste na rejeição de
toda e qualquer autoridade, no processo de conhecimento, distinta
da razão. Ele proclama a independência da filosofia, que, doravante,
deve submeter-se apenas à autoridade da Razão. O importante é
que devemos julgar por nós mesmos. Só devemos aceitar aquilo que
podemos compreender claramente e demonstrar racionalmente.
Devem ser excluídos os dogmas religiosos, os preconceitos sociais,
as censuras políticas e os dados fornecidos pelos sentidos. Só a razão
conhece. E somente ele pode julgar-se a si mesma. Essa exigência
fundamental, que Descartes fixou para a ordem do saber, foi estendida,
no século XVIII, para os domínios da moral, da política e da religião
(REZENDE, 1998, p. 94).

Essa mudança de percepção do conhecimento, ou seja, da rejei-


ção da autoridade é o princípio da pesquisa e cria possibilidades de
autonomia do sujeito, a independência da subjetividade, a reflexão de
forma crítica e o compromisso com a verdade. Dessa forma, o ponto
inicial é pensar a realidade como parte do processo de conhecimento
que está em construção. A partir do momento que a subjetividade se
torna independente, surge o primeiro ato do conhecimento: a refle-
xão, eis o postulado da consciência de si mesma reflexiva. Conforme
Japiassu (apud REZENDE, 1998, p. 94) “a consciência toma consciência
de si mesma como Sujeito e como Objeto de conhecimento”.
O ponto fundamental da pesquisa em qualquer área do conhe-
cimento é a sua capacidade de apreensão e compreensão da realidade e
do objeto de conhecimento proposto por essa realidade que se faz pre-
sente enquanto possibilidade de ser pesquisada. O pesquisador torna-se
o sujeito que apreende e compreende esse objeto a partir de um método.
Neste aspecto a filosofia cartesiana é eminentemente crítica.
O problema crítico diz respeito ao valor e ao alcance de nossas
faculdades de conhecimento. Para resolvê-lo, Descartes propõe
um novo método. O problema do conhecimento é o primeiro que
deve considerar a filosofia que pretende conduzir, com ordem, seus

186
A PERSPECTIVA DESCARTIANA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

pensamentos. E o método para solucionar o problema crítico é a


dúvida (JAPIASSU, 1998, p. 94).

Percebe-se que a partir da visão cartesiana há uma ruptura na


forma de compreender o conhecimento e o cogito é a fonte desse idea-
lismo. O penso, logo existo dá uma dimensão ao ato de pensar. Nessa
percepção cartesiana, Japiassu (1994, p. 94) comenta: “o pensamento é
a única realidade que é imediatamente dada ao espírito; qualquer outra
realidade deve ser deduzida dele”. Historicamente, a visão cartesiana
dá origem ao racionalismo e este utiliza o método dedutivo. Descartes
(1991) parte dos princípios para as consequências, tendo como referên-
cia a intuição, isto é, utiliza o método dedutivo a priori, entendendo que
o ato de conhecer se dá direto pela razão.
Assim a compreensão da metodologia utilizada por Descartes
(1991) é oriunda da certeza matemática. Dessa forma, Japiassu (1994,
p. 95) sintetiza a metodologia cartesiana “O cartesianismo tira sua
metodologia das matemáticas: nas ciências da natureza, os princípios
conhecidos por intuição desempenham o papel de axiomas, e as leis são
análogas aos teoremas que deles podemos deduzir.”.
A compreensão de Descartes (1991) sobre o conhecimento é atual
e de uma dimensão abstrata no campo da percepção cognitiva que
levou, no século XVII, a não ser aceita por muitos pensadores, princi-
palmente, os religiosos. A filosofia cartesiana tem um alcance idealista,
ou seja, uma racionalidade situada e bastante ambiciosa para alcançar
o conhecimento no seu devir. Uma filosofia que traz no seu constructo
uma percepção de futuro e uma visão de progresso bastante avançada
para a época em que foi pensada e elaborada. Japiassu (1991) apresenta
essa grandeza da filosofia cartesiana.
São imensos o alcance e a ambição da filosofia cartesiana. Ela se
apresenta, em primeiro lugar, como uma filosofia da consciência e da
liberdade, tendo por guia a luz natural presente em cada um de nós.
Essa luz natural é infalível quando é pura. Seu motor é a generosidade
intelectual, quer dizer, o sentimento que cada um de nós possui de
nosso livre-arbítrio (JAPIASSU, 1991, p. 95).

Descartes (1991) apresenta para essa luz natural, que para muitos
seria transcendental e metafísica, uma filosofia prática, que apreende
a inteligência das coisas na sua gênese, fugindo de um abstracionismo
vago e de ordem inspirativa porque ela fornece condições para que pos-
samos dominar a natureza que nos cerca. Essa condição de controle
da natureza é por meio do método – que é racional, ou seja, guiado

187
Carlos Cardoso Silva

pela razão –, direciona a ação do homem em busca do conhecimento.


Japiassu apontando essa dimensão prática do pensamento cartesiano,
voltada para o progresso e para o futuro.
Em segundo lugar, trata-se de uma filosofia voltada para o futuro.
Confia profundamente na criação contínua da Razão, muito mais
do que na autoridade dos antigos. Nesse sentido, ela é uma filosofia
do progresso, não da conservação. Enquanto tal, destina-se a todos
os homens, é universal, pois o que distingue os homens é a posse
da Razão, instrumento universal que lhes permite entenderem-se.
Finalmente, trata-se de uma filosofia decididamente prática, na medida
em que nos leva a compreender que a inteligência das coisas, a partir
de seus verdadeiros princípios, fornece-nos os meios de dominá-las.
Doravante, temos o poder de prever o futuro e de dominar a natureza
por nossas ações. Nossa condição no mundo transformou-se: não
somos mais escravos da natureza. Pelo contrário, somos seus “mestres
e possuidores” (JAPIASSU apud REZENDE, 1998, p. 95).

Ao mesmo tempo em que compreende a inteligência das coisas


a partir dos seus princípios – que de certa forma é uma apreensão
do fenômeno –, Descartes (1991) não se prende a ilações metafísicas,
ele apresenta uma filosofia mecanicista com direcionamento da razão
para compreensão e apreensão do universo. Esse autor, ao utilizar-se
de conceitos subjetivos, os direciona `à razão. Faz uso da subjetivi-
dade como forma de apreensão da ideia abstrata, direciona a inte-
ligência para compreensão das coisas e uma vez apropriada a ideia
sujeita-a a luz da Razão, ou seja, submete ao método, é a constante
confirmação da dúvida metódica. Não acreditar em nada que não seja
esclarecido pelo Razão. Neste aspecto, a ideia que parte de uma sub-
jetividade para ser libertada da visão matemática pura, é posta a con-
firmação pelo rigor do método.
A partir do método, os procedimentos são mecanicistas, porque
irá usar critérios rigorosos de pesquisa e análise, critérios que são o
suporte teórico de sustentação do método: (1) nunca aceitar como ver-
dade senão aquilo que vejo clara e distintamente como tal; (2) decom-
por cada problema em suas partes mínimas; (3) ir do mais compreen-
sível ao mais complexo; e (4) revisar completamente o processo para
assegurar-se de que não ocorreu nenhuma omissão.
Ademais, trata-se de uma filosofia mecanicista, sustentando que o
Universo é límpido aos olhos da Razão e que tudo, exceto Deus e o
espírito humano, pode ser explicado em termos de tamanho, de figura
e de velocidade das partículas de matéria divisível. O mundo não-
humano, despojado de toda criatividade e de toda vontade imanente,
de toda sensibilidade e de toda consciência, de toda simpatia e
antipatia, de todo calor ou frieza, de toda beleza ou feiúra, de toda cor,
sabor e odor, em suma, um mundo feito unicamente de matéria em

188
A PERSPECTIVA DESCARTIANA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

movimento, eis o mundo totalmente mecânico, sem nenhum mistério,


sem vida e sem nenhuma fecundidade proposto por Descartes
(JAPIASSU apud REZENDE, 1998, p. 95).

A proposta cartesiana é guiada pela Razão, porém, não é uma


razão instrumental-técnica-mecânica guiada somente pelo raciocínio
matemático. Descartes (1991) parte das ciências matemáticas e amplia
com a filosofia, por isso a condição dada por ele quando insere as con-
dições de percepção de progresso, futuro, prática e da libertação da sub-
jetividade, até então não aceita por outros pensadores é um marco no
pensamento humano.
Descartes inaugura com sua filosofia uma nova mentalidade de
perceber o mundo físico e o mundo humano, separando as formas de
conhecer, ou seja, ela apreende questões que não seria possível somente
com a matemática, entra no campo filosófico, porém, não submete-se
a analises “metafísicas” ou fica à mercê de devaneios e senso comum,
subordina tudo ao método, com rigor e racionalidade.
Descartes não escreve em sua época sobre educação, mas era
um pesquisador rigoroso, mas ao pensar sobre o conhecimento, apon-
tou questões que ainda são desafiadoras para os educadores como:
o compromisso com a verdade, o sentido do saber, o passado como
referência para pensar a realidade, a reflexão sobre o conhecimento e
o próprio homem.
Mesmo não direcionando seu trabalho para educação Descartes
(1991) contribui com a pesquisa em educação. A pesquisa em educação
na perspectiva racionalista deverá ser guiada pelo método como propôs
Descartes (1991), porém, não permite perder a reflexão. Para ele o tra-
balho intelectual só é possível com liberdade e, por ser um trabalho de
reflexão, requer tempo e tranquilidade. Era contrário àqueles que acha-
vam que poderiam aprender em dias algo que ele levaria anos a pensar
e assim Descartes (1994, p. 41) apresenta que “As maiores almas são
capazes dos maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes, e os que
só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem o
caminho reto, do que aqueles que correm e dele se distanciam.”.
A perspectiva da pesquisa em educação numa concepção racio-
nalista deverá recuperar a dimensão do trabalho intelectual do pesqui-
sador superando a concepção determinista e mecânica de que pesquisa
se faz com controle ideológico, econômico, político, etc. A pesquisa
deverá ser feita com controle metodológico, não com controle sobre o

189
Carlos Cardoso Silva

ensino-aprendizagem, pois é próprio da educação (por ser um fenô-


meno humano, social e cultural) o critério da não previsibilidade.
Dessa forma, o objetivo da pesquisa educacional na visão racionalista é
recuperar no campo da práxis a temporalidade do trabalho intelectual,
situar no tempo e espaço próprios a pesquisa, resgatando a dimensão da
subjetividade, da reflexão e da prática na busca, compreensão e apreen-
são do conhecimento ou do objeto a ser pesquisado.
Descartes (1991) é um crítico da tradição conservadora e recusa
a autoridade do saber do passado em seu tempo. Neste raciocínio
Chauí (1999) abordando questões relativas ao papel da universidade, do
conhecimento e da pesquisa tece considerações relevantes.
Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade,
calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada
por estratégias e programas de eficiência organizacional e, portanto,
pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos.
Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios
ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em micro
organizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes
a exigências exteriores ao trabalho intelectual. A heteronomia da
universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de
horas-aula, a diminuição do tempo para mestrado e doutorados, a
avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a
multiplicação de comissões e relatórios etc. Virada para seu próprio
umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade
operacional opera e por isso mesmo não age. Não surpreende, então,
que esse operar co-opere para sua contínua desmoralização pública e
degradação externa (CHAUÍ, 1999, p. 220-221).

Assim como Descartes (1991) buscava em sua época a autono-


mia intelectual por meio da razão, estudiosos contemporâneos cami-
nham na mesma direção, ou seja, o trabalho intelectual é árduo e exige
a pesquisa.
Mas esse desígnio é árduo e trabalhoso e certa preguiça arrasta-me
insensivelmente para o ritmo da vida ordinária. E, assim como um
escravo que gozava de uma liberdade imaginária, quando começa a
suspeitar de que sua liberdade é apenas um sonho, teme ser despertado
e conspira com essas ilusões agradáveis para ser mais longamente
enganado, assim eu reincindo insensivelmente por mim mesmo em
minhas antigas opiniões e evito despertar dessa sonolência, de medo
de que as vigílias laboriosas que se sucederiam à tranquilidade de tal
repouso, em vez de me propiciarem alguma luz ou alguma clareza no
conhecimento da verdade, não fossem suficientes para esclarecer as
trevas das dificuldades que se acabam de ser agitadas (DESCARTES,
1994, p. 123).

Mesmo diante das condições árduas que são exigidas ao estu-


dioso, ao pesquisador, percebe-se em Descartes (1991) a permanente

190
A PERSPECTIVA DESCARTIANA E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO

busca da autonomia intelectual, a procura da verdade e a dimensão


contestatória do ato de pensar e a dúvida permanente e constitutiva do
trabalho de pesquisa.
A Meditação que fiz ontem encheu-me o espírito de tantas dúvidas que
doravante não está em meu poder alcançar esquecê-las. E, no entanto,
não vejo de que maneira poderia resolvê-las; e, como se de súbito
tivesse caído em águas muito profundas, estou de tal modo surpreso
que não posso nem firmar meus pés no fundo, nem nadar para me
manter à tona, esforçar-me-ei, não obstante, e seguirei novamente a
mesma via que trilhei ontem, afastando-me de tudo em que poderia
imaginar a menor dúvida, da mesma maneira como se eu soubesse que
isto fosse absolutamente falso, e continuarei sempre nesse caminho até
que tenha encontrado algo de certo, ou, pelo menos, se outra coisa não
me for possível, até que tenha aprendido certamente que não há nada
no mundo de certo (DESCARTES, 1994, p. 124).

Destarte, se penso, logo existo, o pensar precisa ser de forma


racional, questionadora, em que se parte da dúvida em busca da ver-
dade que a pesquisa pode alcançar.

Considerações finais

Em Descartes (1991) está a grande contribuição para a pesquisa,


o saber científico, ele situa a atividade intelectual como constituinte
para construção desse saber. Apresenta a necessidade de romper com
o comodismo, a necessidade do rigor do trabalho intelectual, a dedica-
ção, a coragem de superar a aparência para atingir a essência, a negação
do existente que está posto pela criatividade em busca de algo ainda
não existente, bem como, apresenta o grau de dificuldade do trabalho
intelectual e que para sua concretização é preciso ter vontade, desejo de
aprender e, principalmente, autonomia de pensamento assumindo uma
postura de busca e criação constantes por meio da razão.
Diante das considerações feitas, percebe-se que Descartes
(1991) foi um pesquisador metódico, rigoroso e que contribuiu com
a pesquisa como componente fundamental para a busca da verdade,
do conhecimento e da ciência. Mesmo não direcionando para a edu-
cação, ele contribui com a pesquisa educacional; pensar a educação, a
pesquisa em educação a partir da perspectiva da autonomia da Razão
é recuperar a dimensão constitutiva do trabalho do pesquisador e a
sua dimensão intelectual.

191
Carlos Cardoso Silva

Referências
CHÂTELET, François. História da Razão. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro,
1994.
CHAUÍ, Marilena. A universidade em ruínas. In: Trindade, Helgio (Org.)
Universidade em ruínas: na república dos professores. Petrópolis, RJ: Vozes,
1999.
DESCARTES, René. Discurso do Método. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado
Jr. – 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. – Os pensadores.
______. Regras para a Direção do Espírito. Trad. Pietro Nasseti. São Paulo:
ed. Martin Claret, 2004 – Coleção Obras Primas.
______. Princípios da Filosofia. Lisboa: Editorial Presença, 1995.
______. Obras escolhidas. Introdução: Gilles-Gaston Granger. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. FERREIRA, Liliana S. Educação & História.
Ijuí, Editora Unijuí, 2001.
FOUREZ, G. A construção da Ciência. SP: Unesp, 1995.
HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Coimbra: Armênio Amado Ed., 1987.
JAPIASSU, Hilton. Introdução às Ciências Humanas. São Paulo, ed. Letras
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JAPIASSU, Hilton Peneira. Introdução ao pensamento epistemológico. 6.
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JOLIVET, Regis. Curso de Filosofia. Trad. Eduardo P. Mendonça, 19ª ed. Rio
de Janeiro: Agir, 1995.
MARQUES, Mário Osório. Conhecimento e modernidade em reconstrução.
Ijuí, Editora Unijuí, 1993.
MESQUITA AYRES, J. R. C. Razão, Ciência e Pedagogia da emancipação.
Interface – Comunicação, Saúde, Educação, v. 1, n.1, 1997.
REZENDE, Antonio. (Org.). Curso de Filosofia: para professores e alunos
dos cursos de segundo grau e de graduação. 9ª ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed.: SEAF, 1998.
SANTOS, B. S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto: Afrontamento,
1995.

192
14
As tecnologias de gestão utilizadas no
curso de Administração da Fabec Brasil

Rafael Castro Rabelo

A
relevância de se investigar esta questão evidencia-se na contri-
buição que traz para se compreender as tecnologias de gestão
utilizadas no curso regular de administração, em especial de
uma IES privada em Goiânia na atualidade, seus elementos e suas
contradições.
Optou-se pelo estudo de caso, onde o objetivo geral foi descrever
a gênese da tecnologia da informação como campo de conhecimento
e de práticas voltadas para o curso de Administração da Fabec Brasil.
Com este objetivo, selecionei, entre outras, obras de dois autores
da área da tecnologia da informação: Manuel Castells e Nelson Pretto.
Primeiramente, apresento o delineamento do objeto de estudo, logo
procuro mostrar o desenvolvimento da tecnologia da informação na
sociedade, para em seguida, considerar a importância dessa tecnologia
da informação no campo da educação, em especial no âmbito do curso
de administração da Fabec Brasil.

Delineamento do objeto de estudo

O tema deste trabalho é a tecnologia de gestão no ensino supe-


rior, num recorte que delimita o âmbito do curso de administração da
Faculdade Brasileira de Educação e Cultura – Fabec Brasil.

193
Rafael Castro Rabelo

Vivemos hoje num mundo cuja característica básica é o processo de


mudanças rápidas, imprevistas, turbulentas e inesperadas. Neste mundo,
em que o capitalismo se amplia e se aprofunda a tecnologia, a informação
e a competitividade são ferramentas imprescindíveis nos tempos atuais
uma vez que o cenário social da vida humana foi transformado.
Castells (2007) faz referências ao panorama do campo da tecno-
logia chamando a atenção para a crença de que as economias mundiais
obtiveram interdependência global, mostrando uma nova maneira de
relação entre a economia, estado e sociedade. Com isso, o capitalismo
passa por um processo de reestruturação criando novos comportamen-
tos, oportunidades e desafios.
Autores da área da administração como Bernardi (2007) e Kotler e
Keller (2006), afirmam que o mercado não é mais o que era antes. Ele esta
radicalmente diferente em virtude das forças sociais importantes dessa
nova era da informação que serão abordados de forma sucinta a seguir.

• Globalização: com a globalização, as organizações sofrem


influencias competitivas, o que as levam a permanecer em um
processo contínuo de alerta, adaptação e ajuste às mutáveis
condições ambientais.
• Mudança Tecnológica: a própria revolução digital criou a
era da informação, que promete levar a estágios de produção
mais exatos, comunicações mais direcionadas e a uma deter-
minação de política de preços em bases mais consistentes.
• Desregulamentação: muitos países desregulamentaram
alguns setores com a finalidade de intensificar a concorrência
e oportunidades de crescimento.
• Privatização: vários países privatizaram suas empresas esta-
tais para aumentar a eficiência.
• O aumento do poder do cliente leva os clientes a busca de
maior qualidade e mais serviços, além de certo grau de custo-
mização. Por estarem cada vez com menos tempo para gastar,
querem mais conveniência, percebem menos diferenças reais
entre os produtos e mostram menos fidelidade às marcas.
Podem obter muita informação sobre produtos na internet e
em outras fontes, o que lhes permite um processo de compra
mais inteligente.

194
As tecnologias de gestão

• Customização: a empresa é capaz de produzir individual-


mente bens diferenciados, sejam eles pedidos feitos pessoal-
mente, por telefone ou on-line.
• Concorrência ampliada: fabricantes de produtos de marca
enfrentam intensa concorrência de marcas domesticas e
estrangeiras, o que resulta em aumento nos custos de promo-
ção e em redução das margens de lucro.
• Convergência setorial: as fronteiras entre os setores tornam-
se cada vez mais indistintas à medida que as empresas se dão
conta de que há novas oportunidades na intersecção entre
dois ou mais setores.
• Transformação no varejo: pequenos varejistas estão sucum-
bindo ao poder crescente das grandes redes de varejo e dos
dominadores de categoria. Varejistas que possuem lojas físi-
cas enfrentam a concorrência crescente de empresas de venda
por catálogo, empresas de mala direta, anúncios diretos ao
cliente veiculados em jornais, revistas e TV, programas de
venda pela TV e e-commerce na internet.
• Desintermediação: o sucesso fantástico das primeiras ponto-
com que reduziram ou excluíram a intermediação na entrega
de produtos e serviços – instilou o terror no coração de muitos
fabricantes e varejistas bem estabelecidos.

Nesse sentido, Libâneo (2006) afirma que é necessário levar em


conta que as transformações técnico-científicas éconsequencia da ação
humana concreta, de interesses econômicos conflitantes que se mani-
festam no Estado e no mercado, pólos complementares do jogo capi-
talista. Essas transformações traduzem a diversidade e a oposição da
sociedade, e consequentemente, o empreendimento do capital em con-
trolar e explorar as capacidades materiais e humanas e de produção da
riqueza, para sua autovalorização.
Com esta breve remissão acerca do tema desta pesquisa, passo a
explicitar meu interesse por este tema. Graduado em Administração,
Especialista em Gestão de Recursos Humanos, Mestre e Doutor em
Educação, atuei como docente em IES pública e privada e também,
como coordenador de IES privada, onde me deparei com questões
que me chamaram a atenção, principalmente ligadas a Tecnologia da
Informação e Comunicação voltadas ao ensino superior, em especial

195
Rafael Castro Rabelo

no curso regular de administração no qual atuei como coordenador


por alguns anos.
Com os estudos durante o curso de doutorado em Educação,
despertou-me a atenção as leituras acerca das pesquisas realizadas por
Manuel Castells, sociólogo espanhol que escreveu o livro sociedade em
rede onde o mesmo defende o conceito de capitalismo informacional e
Nelson Pretto, Físico, doutor em Comunicação em uma de suas obras
Tecnologia e Novas Educações. No aprofundamento do estudo desses
autores, enxerguei aí uma possibilidade para a análise da Tecnologia da
Informação e Comunicação no ensino superior. Assim o recorte inicial
foi se definindo em um foco bem delimitado: quais as tecnologias de
gestão são utilizadas no curso de Administração da Faculdade Brasi-
leira de Educação e Cultura– Fabec Brasil?
Considero, assim, que investigar a Tecnologia da Informação e
Comunicação no Ensino superior é importante uma vez que este tema
vem sendo pouco tratado em nosso meio. Uma análise da TIC no ensino
superior pode ajudar na reflexão crítica auxiliando no entendimento
dessa tecnologia no contexto da rápida expansão, como se verifica hoje
no mundo em que vivemos.
Observei que o tema selecionado nesta pesquisa vem sendo
investigado por alguns pesquisadores em nosso país. Todavia o foco
recai geralmente na formação de alunos, no ensino por professores ou
em outras áreas de ensino, distanciando a área da administração. Entre
as diversas pesquisas encontradas citarei algumas para conhecimento:
Garcez (2007) investigou o uso da tecnologia de informação e
comunicação no ensino por professores universitários.
Vazquez e Tônus (2009) investigaram o emprego das TIC em
processos de ensino – aprendizagem na formação de alunos de gradua-
ção nas áreas de comunicação e educação.
Monteiro e Leite (2006) trataram das tecnologias de informação
e comunicação no ensino superior das ciências da saúde.
Pude perceber, desse modo, que as pesquisas vêm privilegiando o
estudo das TICs em outras áreas e instancias, deixando uma lacuna no
que se refere o ensino superior de administração.
Mediante a situação exposta, defini o seguinte objetivo: descrever
a gênese da tecnologia da informação como campo de conhecimento e

196
As tecnologias de gestão

de práticas voltadas para o curso de Administração da Fabec Brasil com


base nos estudos de Manuel Castells e Nelson Pretto.
O delineamento do problema e o objetivo da investigação carac-
terizaram a necessidade de um estudo de caso. Esta modalidade de pes-
quisa segundo Gil (1996), “descreve um estudo de caso como sendo um
estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que
permita seu amplo e detalhado conhecimento”.
A exposição do capítulo esta disposta em três momentos. No
primeiro, ressalto o desenvolvimento da tecnologia da informação. No
segundo, descrevi acerca da tecnologia educacional (tecnologia e novas
educações). No terceiro, quais tecnologias de gestão estão sendo utiliza-
das no curso de Administração da Fabec Brasil.

O desenvolvimento da tecnologia da informação e comunicação

Nesta parte do texto, busco apontar o conceito de tecnologia e


descrever o desenvolvimento da Tecnologia da Informação e Comuni-
cação – TIC – na sociedade. Para compreendermos mais concretamente
este desenvolvimento, é necessário a compreensão dos pilares funda-
mentais da revolução tecnológica (energia termonuclear, a microbio-
logia e a microeletrônica) que será abordado no decorrer deste artigo.
Castells (2007) entende a tecnologia como “o uso de conheci-
mentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de
uma maneira reproduzível”. Como as tecnologias da informação o
autor insere, como todos, o conjunto convergente de tecnologias em
microeletrônica, computação, telecomunicações/radiodifusão, e
optoeletrônica. Inclui também a engenharia genética e seu crescente
conjunto de desenvolvimento e aplicações.
A energia termonuclear é a grande responsável pelos avanços tec-
nológicos. Por ser uma energia consumida ou produzida com a alteração
da composição de núcleos atômicos, possui utilidade na geração de ele-
tricidade em usinas de diversos países do mundo, assim é considerada
uma fonte de energia barata e limpa.É de extrema importância, pois a
operação de um reator nuclear não conduz a libertação de gases poluen-
tes na atmosfera produzindo uma energia de baixo custo. Nesse sentido
podemos entender que será extremamente difícil o progresso da socie-
dade sem a substituição das fontes de energia por fontes mais poderosa.

197
Rafael Castro Rabelo

A microbiologia como outro pilar da revolução tecnológica tam-


bém foi responsável por diversos avanços da humanidade e por grandes
perigos também. Libâneo assim afirma:
De um lado, o conhecimento genético dos seres vivos permite a
produção de plantas e de animais melhorados para o combate à fome e
à desnutrição, o desenvolvimento de meios contraceptivos no auxílio
ao planejamento familiar e ao combate da explosão demográfica e a
luta pela eliminação de doenças congênitas (mongolismo, esclerose
múltipla, diabetes, doenças mentais, etc.). De outro lado, há o risco de
produção artificial de seres humanos encomendados e/ou obedientes,
a clonagem, bem como a criação de vírus artificiais e a possibilidade de
guerras bacteriológicas. (LIBANEO, 2006, p. 63).

Ou seja, com a descoberta do código genético dos seres vivos, as


portas se abriram para as soluções quanto a curas de doenças e produ-
ção de alimentos congênitos, acreditando ser a única alternativa para
acabar com a fome e miséria do mundo, porém é preocupante o fato de
até onde essas pesquisas podem chegar e com qual intenção as mesmas
são realizadas. Mas é inquestionável que a ciência não pode encerrar
suas pesquisas devido a estes riscos.
O terceiro pilar a ser abordado é a microeletrônica, conseqüên-
cias da combinação da revolução da microeletrônica e da energia ter-
monuclear, que é a revolução que mais podemos sentir e perceber em
nosso cotidiano, a fascinação do ser humano é incontestável diante
desta revolução. Embora a microeletrônica possa ser observada antes
da década de 1940, foi no decorrer da Segunda Guerra Mundial que
intensificou esta revolução.
… foi durante a Segunda Guerra Mundial e no período seguinte que se
deram as principais descobertas tecnológicas em eletrônica: o primeiro
computador programável e o transistor, fonte da microeletrônica, o
verdadeiro cerne da revolução da tecnologia da informação no século
XX. Porém, defendo que, de fato, só na década de 1970 as novas
tecnologias da informação difundiram-se amplamente, acelerando
seu desenvolvimento sinérgico e convergindo em um novo paradigma.
(CASTELLS, 2007, p.76).

O autor reconstitui os estágios da inovação em três princi-


pais campos da tecnologia que, se inter-relacionam de forma intima,
constituindo assim a história das tecnologias baseadas em eletrônica:
microeletrônica, computadores e telecomunicações.
Libâneo (2006) deixa claro que o computador é o grande marco
dessa revolução uma vez que sua utilização e aplicações são ilimitadas
no campo da atividade humana, sendo considerado a modernização, a

198
As tecnologias de gestão

eficiência e o aumento da produtividade em um mundo competitivo e


global, surgindo assim uma cultura digital onde todos os envolvidos se
sentem atraídos ou coagidos a fazer parte, e a obter esses produtos, sob
pena de tornarem-se antiquado ou ate mesmo de serem excluídos das
atividades que realizam.
Essa revolução da microeletrônica tendo como foco principal a
informatização, afetou de forma ainda mais intensa três áreas: a agri-
cultura, a industria e o comércio, destacando o setor de serviços, o que
não será abordado neste estudo mas sim em posteriores quando pre-
tendo realizar uma análise comparativa quanto aos reflexos dessa revo-
lução microeletrônica na sociedade.
Todavia destaca-se neste trabalho a revolução informacional que
tem como estrutura o grande avanço das telecomunicações, dos veícu-
los de comunicação (mídias) e das novas tecnologias da informação.
Com a globalização, como um movimento intenso que designa
uma gama de fatores econômicos, sociais, políticos e culturais que
expressam o desenvolvimento do capitalismo em que o mundo se
encontra atualmente, e tais avanços citados anteriormente, fazem
com que estejamos inseridos e vivendo em uma aldeia global uma
vez que o mundo se encontra interconectado por várias formas, cir-
culando informações por caminhos mais curtos e em menor espaço
de tempo.
A internet que teve sua criação e desenvolvimento no final do
século XX, na ARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada) do
departamento de Defesa dos EUA, foi responsável pelo início da Era da
Informação ao mudar a história da tecnologia.
Segundo Castells (2007), tendo como estrutura crucial a tecno-
logia de comunicação da troca de pacotes, a rede ficava independente
dos centros de controle e comando visando que a mensagem buscasse
seus próprios caminhos no decorrer da rede, sendo assim, remontada
para retornar a ter sentido coerente em qualquer ponto da rede. O autor
ainda afirma que:
Quando, mais tarde, a tecnologia digital permitiu o empacotamento de
todos os tipos de mensagens, inclusive de som, imagens e dados, criou-
se uma rede que era capaz de comunicar seus nós sem usar centros de
controles. A universalidade da linguagem digital e a pura lógica das
redes do sistema de comunicação geraram as condições tecnológicas
para a comunicação global horizontal. (CASTELLS, 2007, p.82).

199
Rafael Castro Rabelo

Assim, a internet como a rede mundial de computadores, hoje é


vista como um dos principais e importantes marco da revolução infor-
macional uma vez que conecta milhares de máquinas e usuários, per-
mitindo de modo geral a difusão de informações de forma simultânea.
A internet (a super-rede mundial de computadores) é uma das estrelas
principais dessa fase da revolução informacional, pois interliga
milhares de computadores, ou melhor, de usuários a um imenso e
crescente banco de informações, permitindo-lhes navegar pelo mundo
por meio do microcomputador. As informações disponíveis dizem
respeito a praticamente todos os temas de interesse, o que fascina cada
vez mais as pessoas. (LIBANEO, 2006, p.67).

Nesse sentido, as novas tecnologias da informação, e as diversas


formas de comunicação, fazem parte da vida das pessoas, interferindo
de alguma maneira direta ou indiretamente nos espaços sociais e no
dia a dia dos mesmos, alterando hábitos, costumes, cultura, desejos e
necessidades. A seguir, para fechamento desta primeira parte do traba-
lho, apresentarei uma síntese desenvolvida por Libâneo (2006) acerca
das Revoluções Científicas e Tecnológicas da Modernidade (do século
XVIII ao início do século XXI).
Primeira Revolução Científica e Tecnológica (segunda metade do
século XVIII).

• Nasce na Inglaterra, vinculada ao processo de industrializa-


ção, substituindo a produção artesanal pela fabril.
• Caracteriza pela evolução da tecnologia aplicada à produção
de mercadorias, pela utilização do ferro como matéria prima,
pela invenção do tear e pela substituição da força humana e
pela energia e máquina a vapor, criando as condições objeti-
vas de passagem de uma sociedade agrária para uma socie-
dade industrial.
• Impõem o controle de tempo, a disciplina, a fiscalização e a
concentração dos trabalhadores no processo de produção.
• Amplia a divisão do trabalho e faz surgir o trabalho assala-
riado e proletariado.
• Aumenta a concentração do capital e seu domínio sobre o
trabalho; o trabalho subordina-se formal e concretamente ao
capital.

200
As tecnologias de gestão

• Demanda qualificação simples (trabalho simples), o que leva


o trabalhador a perder o saber mais global sobre o trabalho.
Segunda Revolução Científica e Tecnológica (segunda metade do
século XIX).

• Caracteriza-se pelo surgimento do aço, da energia elétrica, do


petróleo e da indústria química e pelo desenvolvimento dos
meios de transporte e comunicação.
• Fornece condições objetivas para um sistema de produção em
massa e para a ampliação do trabalho assalariado.
• Aumenta a organização e a gerencia do trabalho no processo
de produção, por meio da administração científica do traba-
lho (proposto por Taylor e Ford).
• Ocasiona a fragmentação, a hierarquização, a individualiza-
ção e a especialização de tarefas.
• Intensifica ainda mais a divisão técnica do trabalho, ao mesmo
tempo em que promove sua padronização e desqualificação.
• Faz surgir as escolas industriais e profissionalizantes, bem
como o operário padrão.

Terceira Revolução Científica e Tecnológica (segunda metade do


século XX).

• Tem por base, sobre, a microeletrônica, a cibernética, a tecno-


trônica, a microbiologia, a biotecnologia, a engenharia gené-
tica, as novas formas de energia, a robótica, a informática,
a química fina, a produção de sintéticos, as fibras óticas, os
chips.
• Acelera e aperfeiçoa os meios de transporte e as comunica-
ções (revolução informacional).
• Aumenta a velocidade e a descontinuidade do processo tecno-
lógico, da escala de produção, da organização do processo
produtivo, da centralização do capital, da organização do
processo de trabalho e da qualificação dos trabalhadores.
• Transforma a ciência e a tecnologia em matérias-primas por
excelência.

201
Rafael Castro Rabelo

• Organiza a produção de forma automática, autocontrolável e


autoajustável, mediante processos informatizados, robotiza-
dos por meio de sistema eletrônico.
• Torna a gestão e a organização do trabalho mais flexíveis e
integrados globalmente.

Tecnologia educacional

Após a explanação acerca do desenvolvimento da tecnologia da


informação e comunicação – TIC-, passo a conceituar e explicitar um
pouco sobre a tecnologia educacional, me baseando dentre outros auto-
res, Nelson Pretto e Gilson Longo para em seguida tratar da tecnologia
educacional utilizadas na FABEC Brasil.
De acordo com Moran (2003), ao falarmos em tecnologias cos-
tumamos pensar imediatamente em computadores, vídeo, softwares e
Internet. Sem dúvida são as mais visíveis e influentes tecnologias inseri-
das no campo educacional. Todavia, vale a pena ressaltar que o conceito
de tecnologia é mais amplo. “Tecnologias da Educação são os meios, os
apoios, as ferramentas que utilizamos para que os alunos aprendam”.
A forma de organização dos alunos em grupos, em salas, em
outros espaços, também é tecnologia. O giz que escreve no quadro
negro é tecnologia de comunicação e uma boa organização da escrita
facilita a aprendizagem. A forma de olhar, de gesticular, de falar com
os outros também é tecnologia. O livro, a revista e o jornal são tecnolo-
gias fundamentais para a gestão e para a aprendizagem. O gravador, o
retroprojetor, a televisão, o vídeo entre outros também são tecnologias
importantes nas instituições de ensino.
Ao refletirmos a respeito da tecnologia educacional, percebemos
que desde o início da educação sistematizada, as tecnologias educacio-
nais se fazem presentes, correspondendo aos anseios de cada época.
Longo (2008) afirma que:
Ainda hoje se usa a tecnologia do giz, e da lousa, bem como a
tecnologia do livro didático. Os recursos da Tecnologia da Informação
e Comunicação (TIC), como a internet, a multimídia, as redes de
dados, o hipertexto, os demais suportes informáticos, e os meios
de comunicação, como televisão, rádio, funcionam também como
meios educativos. O processo de informatização da sociedade vem
acompanhar a crescente utilização desta ferramenta também nas
escolas. (LONGO, 2008, p.18).

202
As tecnologias de gestão

Os recursos e inovações tecnológicas como foi falado ante-


riormente, já fazem parte do nosso dia a dia, das organizações em
geral, e consequentemente, das instituições de ensino como um
todo. Desde a educação infantil ao ensino superior, fica clara essa
revolução tecnológica principalmente pelos equipamentos eletrôni-
cos adotados pelas instituições.
A equipação eletrônica da escola constitui, todavia, apenas a ponta
do iceberg que a revolução tecnológica representa para o campo
educacional. É preciso mergulhar e ir mais fundo nas razões, nos
impactos e nas perspectivas dessa revolução para a educação e,
especialmente, para a escola, de modo que se possam avaliar as políticas
educacionais que incluem a equipação eletrônica ou a propagação dos
multimeios didáticos. (LIBANEO, 2006, p.109).

Nesse sentido, fica claro que com a revolução tecnológica surge


uma nova sociedade, marcada pela técnica, informação e conheci-
mento, tendo como elemento crucial a centralidade do conhecimento e
da educação, uma vez que, o conhecimento e a educação são respondi-
dos diante do capitalismo globalizado.
Pretto (2002) afirma que o problema atual é a necessidade de
considerar que esse movimento contemporâneo proporciona a opor-
tunidade sem igual de aproximar novas e velhas tecnologias ao pro-
cesso educativo como uma possibilidade única de superar as falácias
dos sistemas tradicionais de ensino – as conhecidas Pedagogias da
Assimilação – partindo da compreensão da educação enquanto um
processo que se constrói a partir da diferença, instituindo as “Peda-
gogias da Diferença”.
O autor expõe que o desafio que se coloca agora é o de viabi-
lizar uma política que considere a instituição de ensino formal como
sendo um novo espaço de aprendizagem, aberto a interações não linea-
res, chegando então a instituições conectadas. A conexão passa a ser o
“ponto chave” significando simultaneamente acesso as tecnologias em
si e à infra-estrutura de comunicação no espaço de ensino formal.

As tecnologias de gestão utilizadas no curso de Administração


da Fabec Brasil

Esta parte do capítulo é norteada pela tentativa de fornecer uma


explanação das Tecnologias da Informação e Comunicação –TIC– uti-

203
Rafael Castro Rabelo

lizadas no curso de administração da Faculdade Brasileira de Educação


e Cultura – FABEC Brasil.
 A Faculdade Brasileira de Educação e Cultura – FABEC BRASIL
foi concebida no ano de 2005, sendo autorizada pelas portarias 2.078 e
2.079 publicadas no Diário Oficial da União em 14 de junho de 2005,
para ministrar cursos de graduação, bem como cursos de extensão,
especialização, atualização, aperfeiçoamento e capacitação profissio-
nal, através de pesquisas realizadas em parceria das entidades públicas
e empresas privadas, desenvolvendo permanente programa de atuali-
zação nos conhecimentos humanos elaborados e sistematizados com
avanços da Ciência e da Tecnologia.
Na formação de profissionais demandados pelo mercado de
trabalho, vinculação do ensino com o mundo do trabalho e práticas
sociais com a pesquisa e extensão, detecta transformações na qualifi-
cação de recursos humanos, nas dinâmicas ocupações profissionais do
saber humano.
 A Faculdade Brasileira de Educação e Cultura – FABEC BRASIL
desenvolve atividades de graduação pesquisa e extensão no campo da
educação superior através de seus cursos de Administração, Ciências
Contábeis, Ciências Econômicas e Pedagogia, segundo os padrões de
qualidade e diretrizes curriculares do Ministério da Educação e Cul-
tura (MEC), através da Secretaria do Ensino Superior (SESU), bem
como das rigorosas, exigências do mercado de trabalho, buscando ser-
vir a sociedade com acompanhamento dos avanços dos novos tempos. 
O curso de Administração da Fabec Brasil visa formar um profis-
sional empreendedor, que possa ser um agente de mudança, com análise
crítica das organizações, visão estratégica e capaz de atender aos desafios
organizacionais com perfil de liderança, senso prático para administrar
empresas e os seus problemas técnico-administrativos. Para tanto, o
curso apresenta também uma série de conhecimentos relacionados com a
ética profissional com a responsabilidade social das organizações, combi-
nados com uma cadeia de conhecimentos técnicos de complexidade cres-
cente. Esse  conjunto de conceitos e técnicas constitui-se na ferramenta
indispensável para a atuação do profissional em Administração.
Assim o perfil desejado do egresso em Administração pela
Faculdade Brasileira de Educação e Cultura – Fabec Brasil deverá estar
voltado para a formação de um profissional que possa:

204
As tecnologias de gestão

• Reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar


estrategicamente, introduzir modificações no processo de
trabalho, atuar preventivamente, transferir e generalizar
conhecimentos;
• Auto planejar-se, auto organizar-se, estabelecer métodos
próprios, gerenciar seu tempo e espaço de trabalho;
• Expressar-se e comunicar-se com seu grupo, superiores
hierárquicos ou subordinados, buscar a cooperação, trabalho
em equipe, diálogo, exercício da negociação e de comunica-
ção interpessoal;
• Utilizar todos os conhecimentos – obtidos através de fontes,
meios e recursos diferenciados – nas diversas situações
encontradas no mundo do trabalho, isto é, da capacidade de
transferir conhecimento da vida cotidiana para o ambiente de
trabalho e vice-versa;
• Ter iniciativa, criatividade, vontade de aprender, abertura
às mudanças, consciência das qualidades e das implicações
éticas do seu trabalho;
• Refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção
(compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva
seus direitos e deveres).

A pesquisa realizada junto a Fabec Brasil propiciou a compreen-


são quanto às Tecnologias da Comunicação e Informação (TIC) exis-
tentes e utilizadas no curso de administração. Serão apresentados a
seguir os recursos tecnológicos e ferramentas utilizadas na comunica-
ção mediante o computador na IES.
O Sistema de Gestão da Aprendizagem vem do inglês (Lear-
ning Management System – LMS), que Longo (2008) afirma ser a
forma pelas quais a tecnologia pode apoiar os processos de aprendiza-
gem, possibilitando a interação entre os sujeitos, mediatizadas pelas
máquinas. Embora o SGA ter sido criada com o propósito do ensino
a distancia EAD, a mesma vem sendo muito utilizada como suporte
ao ensino presencial.
Na Fabec Brasil o Sistema de Gestão de Aprendizagem (SGA) é
uma plataforma de interação entre a IES e o usuário composto por:

205
Rafael Castro Rabelo

• Home/Gerenciamento da IES e Curso: nesta ferramenta,


são apresentadas informações acerca da IES como histórico,
missão, visão valores entre outros e apresentação dos cursos
fornecidos pela mesma assim como as matrizes curriculares,
descrição e características dos cursos, inscrições para vesti-
bulares agendados ou presenciais, gerenciamento de senhas,
registros de atividades complementares realizadas pelos
discentes, registro dos acessos realizados pelos usuários etc.
• Contatos: aos interessados, disponibiliza-se de um formulá-
rio onde o usuário seleciona a área de interesse como atendi-
mento, biblioteca, coordenação pedagógica, coordenação de
curso, departamento administrativo, departamento de infor-
mática, departamento financeiro, diretoria ou ouvidoria,
deixando seus dados como nome, endereço de e-mail, meios
de contato e sua mensagem para obter um retorno da mesma
pela área de interesse o mais breve possível.
• Administração: nesta área fica exposta a estrutura adminis-
trativa da IES.
• Docente online: no SGA da Fabec Brasil, os docentes têm
acesso aos documentos da IES em geral, em especial os de
sua ferramenta de trabalho diário. O usuário entra com seu
login e senha, tendo acesso a diário eletrônico, lançamento de
notas, avaliação institucional, e-mail e telefone dos colabora-
dores da IES etc.
• Avaliações: recurso disponível para a aplicação de avaliações
como vestibular eletrônico, onde o candidato após realizar sua
inscrição online, o mesmo já realiza o agendamento de seu
processo seletivo, tendo seu resultado instantâneo. Publicação
de médias, estatísticas e feedback conforme seu desempenho.
• Webmail: correio eletrônico onde diretores, coordenadores, líde-
res de áreas, docentes e discentes podem criar, enviar, respon-
der e excluir mensagens, com anexos ou não de gráficos, figuras,
textos, vídeos e materiais em geral conforme suas necessidades.
• Notícias: informações atualizadas da IES e de assuntos pertinen-
tes ao curso de administração são postadas online instantanea-
mente onde ficam acessíveis aos usuários assim como informa-
ções atualizadas acerca do mundo, Brasil, esportes e variedades.

206
As tecnologias de gestão

• Aluno online: área que disponibiliza aos discentes meios para


publicação de conteúdo multimídia como revista científica da
IES, eventos, galeria de fotos entre outros. No SGA da Fabec
Brasil, os usuários têm acesso aos documentos da IES como
regimentos (interno da IES, Laboratório de Informática,
Biblioteca), manuais (normas para elaboração de trabalhos
conforme ABNT, de estágio supervisionado para conclusão
de curso e extracurricular e trabalho de conclusão de curso),
tabelas de equivalências de atividades complementares que
é obrigatório no curso de administração, entre outros, e
conteúdos ministrados pelos docentes, assim como o acesso a
biblioteca online.
• Mural de avisos: área para publicação de informes de interesse
ao curso de administração como aviso da OVG para alunos
bolsistas, datas para renovação de matrículas, cronograma de
avaliações dos trabalhos de conclusão de curso, calendário
acadêmico, horário de aula, relação de orientadores de esta-
gio supervisionado e trabalho de conclusão de curso, vagas de
estágio entre outros.

Considerações finais

O presente capítulo se constituiu por uma descrição das tecnolo-


gias da Informação e Comunicação – TIC – utilizadas no curso de Admi-
nistração da Faculdade Brasileira de Educação e Cultura Fabec Brasil.
Este estudo representa um trabalho humilde diante da com-
plexidade do tema e da riqueza com que pode ser analisado. Carac-
teriza-se apenas como uma tentativa de descrever o desenvolvimento
da TIC como campo de conhecimento e de práticas voltadas para o
ensino superior, em especial da Fabec Brasil. Por se tratar da interpreta-
ção de estudiosos da área da tecnologia da informação e comunicação,
limitei-me às minhas experiências enquanto pesquisador, iniciante no
tema. Ainda assim, acredito que este estudo deva ser considerado por
seu caráter inovador no campo da Gestão do Ensino Superior e por
apresentar alguns pontos de reflexão que poderão servir para futuras
análises, mais aprofundadas e consistentes.

207
Rafael Castro Rabelo

Referencias
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fundamentos, estratégias e dinâmicas. 1. ed. – 5. reimpr. São Paulo: Atlas,
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CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. A era da informação: economia,
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GARCEZ, Renata Oliveira. O uso da tecnologia de informação e
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(Mestrado em Educação).Universidade Federal de Pelotas.Pelotas-RS, 2007.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3.ed. São Paulo:
Atlas, 1996.
KOTLER, P.; KELLER, K. L. Administração de marketing. 12.ed. São Paulo:
Prentice Hall, 2006.
LIBANEO, José Carlos. Oliveira, João F. Toschi, Mirza S. Educação
escolar:políticas, estrutura e organização. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2006.
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administração. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Mestrado
Acadêmico em Educação da Universidade do Vale de Itajaí . Itajaí: UNIVALI,
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MORAN, José Manuel. Contribuições para uma pedagogia da educação
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MONTEIRO, A.; LEITE, C.; LIMA, L. Ensinar e aprender com tecnologias
digitais no Ensino Superior. In: MOREIRA, J. A. e MONTEIRO, A. (Ed.).
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PRETTO, N. L. –  Desafios da educação na sociedade do conhecimento.
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TONUS, M. Interações digitais: uma proposta de ensino de radiojornalismo
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Disponível em: . Acesso em 15 jun. 2009.
VAZQUEZ, B. S. Das Memórias Humanas à Memória Virtual Coletiva:
Uma Construção a partir da História de Vida Utilizando AVA. Dissertação
(Mestrado) Programa de PósGraduação em Multimeios da Universidade de
Campinas. Campinas: UNICAMP, 2009.

208
15
Violência psicológica doméstica:
em público para vários públicos

Simone Leão Lima Pieruccetti

A
violência psicológica vivida no contexto doméstico-familiar
está longe de ser um fato novo na história. Esta violência
sempre esteve ligada de alguma maneira a situações de opres-
são e gênero, num encadeamento contínuo ao longo de séculos em
várias culturas onde estereótipos são socialmente ensinados e assi-
milados sem muitos questionamentos demonstrando com isso de um
lado tanto uma submissão forçada, quanto de outro, uma manipula-
ção e abuso de poder.
Mesmo não sendo considerado ainda um crime, devido a seu
caráter subjetivo e falta de materialidade, situações de violência psicoló-
gica doméstica são muitas vezes levadas ao âmbito judicial (delegacias,
tribunais...) sendo mediadas ou analisadas pelo enfoque da Psicologia
Jurídica, pois muitas delas culminam, em se tratando das sofridas por
mulheres, em: separações e divórcios e até mesmo em violências dire-
cionadas e sentidas também por crianças.
Pretende-se com este trabalho, dar luz a uma situação que insiste
em permanecer obscurecida socialmente: Até que ponto a violência
psicológica doméstica contribui para distúrbios do aparelho psíquico
em mulheres (e em crianças) sem que isso seja levado em conta com a
devida importância?A violência psicológica doméstica pode se apresen-
tar de forma contínua transcendendo gerações de maneira impensada e
acrítica a ponto de se perpetuar e se justificar numa cultura que educa
e compactua com o silêncio, contribuindo com o seu obscurecimento.

209
Simone Leão Lima Pieruccetti

Muito já se conquistou através de atos corajosos de mulheres que,


indignadas de sua situação; quebraram os muros da “vergonha”; da
“obediência”; da necessidade financeira, ainda que tenham vivido anos
e até mesmo décadas de opressão subjetiva, porém ainda há muito que
se fazer. Há de se prevenir; evitar que tal violência ocorra de maneira
impune ou indevidamente concebida e principalmente, há de se impe-
dir que este mal se propague por gerações e mesmo que sintomas de
muitas questões psicológicas que se manifestam em mulheres e crian-
ças sejam concebidos de forma dissociada desta violência silenciosa,
disfarçada, camuflada e cruel.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica explorató-
ria ou revisão bibliográfica, a partir do levantamento de referencias
teóricos já analisados e publicados em livros e artigos científicos bem
como levantamentos governamentais sobre o tema abordado.O referen-
cial teórico teve por base, autores como Cunha, Azevedo e Guerra que
muito colaboram em pesquisa e divulgação desse assunto.O capítulo
foi subdividido em tópicos com o intuito de conduzir a leitura de forma
a facilitar o entendimento e interesse reforçando alguns conceitos de
maneira que possam ser assimilados e fixados numa tentativa “educa-
cional” diretiva que vença optando pecar mais pelo excesso que pela
falta de informação!

Histórico do termo Violência Psicológica Doméstica

Segundo as autoras, Azevedo e Guerra (2001, p.25), o termo vio-


lência psicológica doméstica foi cunhado a partir da luta de mulheres
que, na tentativa de tornar pública a violência cotidianamente sofrida por
elas na vida familiar privada, sem possibilidade de defenderem-se, inicia-
ram em 1971 na Inglaterra, um movimento político-social que, passou
a chamar a atenção para o fenômeno dessa violência contra a mulher e
consequentemente contra seus filhos, crianças, frutos ou não da relação,
mas que convivem no núcleo familiar, praticada por seu parceiro.
Nesse contexto de luta contra a violência, houve uma iniciativa
na Inglaterra com a implementação da primeira "CASA ABRIGO" para
mulheres espancadas, espalhando o movimento, em meados da década
de 1970 por toda a Europa e Estados Unidos, alcançando o Brasil na

210
Violência psicológica doméstica

década de 1980, onde em 1983 foi promulgado o Programa de Atenção


Integral a Saúde da Mulher (PAISM)1.
Historicamente falando, podemos identificar situações de subor-
dinação e opressão vivenciadas por mulheres ao longo de séculos. Este
fato se deve às relações de poder masculinamente exercidas que em
pouquíssimas sociedades apenas podem ser descartadas como é o caso
de algumas onde o “poder” e a “imagem” feminina era/é valorizada de
forma mais equilibrada em comparação com a “imagem” do homem.
Civilizações com predomínio feminino ou matriarcal são des-
critas por alguns historiadores, como uma obra de 3 volumes rea-
lizada pelo suíço J. J. Bachofen, jurista e antropólogo, que exerceu
grande influência nas gerações que o sucederam, bem como pesquisas
arqueológicas realizadas pelos pesquisadores da chamada “era do gelo”
(40.000-10.000 a.C.) e suas descobertas de estátuas femininas conhe-
cidas como Estatuetas de Vênus identificadas como representações da
Deusa Mãe. (GUIMARÃES, 2008)
Atualmente podemos citar na China contemporânea, um
povoado denominado Mosuo de 30 mil pessoas, que vivem às margens
do Lago Lugu, que se trata de uma sociedade matriarcal, onde não exis-
tem os papéis de pai ou marido. Lá predomina a prática de a proprie-
dade particular e o nome da família serem passados de mãe para filha;
os homens fazem as atividades domésticas e são comandados pelas
mulheres (COLER, 2008)
Sócrates, através dos escritos de Platão, demonstrou extrema
admiração pelo papel da mulher (mesmo considerando-a mais frágil
fisicamente que o homem) o que foi muito criticado por Aristóteles com
o argumento de que suas idéias poderiam implicar em um “comunismo
integral entre homens e mulheres” ocasionando uma catástrofe sobre a
família e sociedade como um todo! (PHILIPPE, 2002, p. 91).
Durante séculos, a mulher foi privada na maioria das civilizações
de domínio masculino, pouco podendo atuar ou participar dos relatos
e histórias de sua época2, pois lhe era proibido o aprendizado da leitura

1 Paism: um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil, Maria José Martins Duarte
Osis, Centro de Pesquisa das Doenças Materno-Infantis de Campinas.C. P. 6181, Campinas,
SP 13081-970, Brasil. Acessado em 7/01/2019 às 22:49h. https://www.scielosp.org/article/
csp/1998.v14suppl1/S25-S32/#ModalArticles
2 O autor Losandro Antônio Tedeschi (2016), em seu artigo: Os desafios da escrita feminina
na história das mulheres, levanta críticas e discorre acerca das dificuldades de se encontrar
histórias sobre mulheres e escritas por mulheres nomeando esta prevalência masculina
como “androgenismo na história”!

211
Simone Leão Lima Pieruccetti

e escrita bem como ter participação na vida política, cenário este que
começou a mudar a partir dos anos 80, quando enfim, alguns historia-
dores despertam o interesse em pesquisar histórias escritas por mãos
de mulheres tendo mulheres como protagonistas! (TEDESCHI, 2016)
Utilizando-se de “poderes” informais e diversas estratégias, as
mulheres em sua “mísera” vida feminina, articulavam sua subordi-
nação e resistência às sombras do poder masculino sendo, por muito
tempo, comparada simbolicamente a animais que despertam cultural-
mente alguma sensação de medo e desprezo, como serpentes, víboras,
hostilizando assim, de alguma maneira seu potencial e protagonismo,
mulheres precisaram por vezes, ainda mesmo que de maneira poética,
dos cantos; das profundezas; do submundo; como se fossem ratos que
necessitam cuidadosamente agir de maneira furtiva como ressaltou
suavemente Ecléa Bosi (1995), para que seu “existir” fosse minima-
mente notado.
A violência psicológica doméstica se consolidou ao longo da his-
tória como uma forma de opressão, como uma violência de gênero3, e
ainda infelizmente parece manter-se nessa esfera, como se precisasse ser
comentada apenas no ambiente “privado”4, nos porões, nas cozinhas, e
silenciada ao menor sinal de “passos” se aproximando... A ideia de que
o ambiente familiar, por suas ligações afetivas, protege seus membros,
levanta questionamentos.

A violência psicológica doméstica na atualidade: definições,


características e direitos humanos.

A violência contra as mulheres, mesmo sendo uma violação dos


direitos humanos praticado de forma generalizada ainda é o menos
reconhecido no mundo. A Assembléia Geral das Nações Unidas, de
1993, definiu oficialmente a violência contra as mulheres, como:
Qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em
dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento para a mulher, inclusive

3 Chauí (1980) afirma que a violência é compreendida como um processo pelo qual um
indivíduo é transformado de sujeito em coisa num processo onde a assimetria característica
das relações de gênero está presente.
4 Segundo autores, como Sofia Aboim, podemos verificar as contribuições que o feminismo
teve para a desconstrução das visões do que seja “neutro” no ambiente público e privado,
mostrando como as desigualdades de gênero são construídas nestas relações. (Aboim, Sofia.
Do público e do privado: uma perspectiva de gênero sobre uma dicotomia moderna.
Revista Estudos Feministas, Florianópolis, janeiro-abril/2012).

212
Violência psicológica doméstica

ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, quer


ocorra em público ou na vida privada. (OPAS, 2017, s/d)

Violência psicológica pode ser compreendida como: toda ação


ou omissão que cause ou vise causar dano à autoestima, à identidade
ou ao desenvolvimento da pessoa. Desta forma estão incluídas ações
de: ameaças, humilhações, chantagem, cobranças de comportamento,
discriminação, exploração, crítica pelo desempenho sexual, não deixar
a pessoa sair de casa, provocando o isolamento de amigos e familiares,
ou impedir que a pessoa, por exemplo, utilize o seu próprio dinheiro.
Dentre todas as modalidades de violência, a violência psicológica
é a mais difícil de ser identificada, apesar de ser bastante frequente. Esta
forma de violência pode levar a pessoa a se sentir desvalorizada, sofrer
de ansiedade e adoecer com facilidade, situações estas, que se arrastam
durante muito tempo e, se agravadas, podem inclusive levar a pessoa a
provocar suicídio. (BRASIL, 2001)
A principal característica da violência psicológica doméstica é
a sua forma de agressão que decorre de palavras, gestos, olhares diri-
gidos, sem necessariamente ocorrer o contato físico e que inclusive
podem envolver aspectos justificados, pelo agressor, como cuidado,
carinho, preocupação e ciúmes, o que a torna muito sutil e envolvente,
dificultando a compreensão por parte da agredida.
Podemos citar como características e fatores que se referem ao
agressor: ser homem (pai, irmão, companheiro); normalmente presen-
ciaram violência conjugal quando criança; ter sofrido alguma violência
quando criança; ausência paterna quando criança; consumo de bebidas
alcoólicas e/ou drogas.
Quanto a características ou fatores numa relação conjugal que
determinam um “risco” para a violência psicológica doméstica pode-
mos citar: o próprio conflito conjugal; predomínio do controle econô-
mico-financeiro masculino e da tomada de decisões na família;
No tocante a fatores e características da comunidade onde ocor-
rem a violência psicológica doméstica, verifica-se: a pobreza, o desem-
prego; amigos delinqüentes; isolamento das mulheres e famílias de
parentes e amigos;
Socialmente falando, as características e fatores pré determinan-
tes podem ser: as normas socioculturais que concedem aos homens o
controle sobre o comportamento feminino; a aceitação da violência

213
Simone Leão Lima Pieruccetti

como forma de resolução de conflitos; o conceito da masculinidade


ligado à dominação; honra ou agressão; os papéis sociais muito rígidos
para ambos os sexos.
Diante da vivência da violência psicológica doméstica, as mulhe-
res reagem de formas diversas: algumas resistem, outras fogem e outras
tentam manter a paz, submetendo-se às exigências e manipulações psi-
cológicas de seus maridos. Estas reações são normalmente limitadas
pelas possibilidades que dispõem.

A manutenção e continuidade da violência psicológica


doméstica

Normalmente, os motivos que determinam a continuidade das


mulheres em um relacionamento abusivo são a vergonha, a perda do
suporte financeiro, a preocupação com a criação dos filhos, a depen-
dência emocional e econômica, a perda de suporte da família e dos ami-
gos, a esperança de que “ele vai mudar um dia”. Muitas mulheres que
vivenciam a violência psicológica doméstica, e seus respectivos agres-
sores, podem estar repetindo os modelos familiares/parentais violentos
que tiveram em suas vidas.
Sabe-se que a vivência da violência psicológica doméstica na infân-
cia, aumenta o grau de tolerância dificultando que a mesma seja pron-
tamente identificada, assim, mulheres que tiveram vivências infantis
de maus-tratos, negligência, rejeição, abandono e abuso sexual podem
demorar mais a identificar um relacionamento psicologicamente abusivo
e doentio. Muitas destas recorrem ao casamento como forma de fugir da
situação familiar de origem, sendo o parceiro e o relacionamento ideali-
zados e ocorrendo a violência psicológica doméstica, a mulher procura
manter essa relação para onde direcionou todas as suas esperanças de
todas as formas e muitas chegam a negar a possibilidade de acreditar que
podem estar novamente vítimas agora por própria “escolha”.
Mulheres em situação de violência psicológica doméstica, quando
em terapia, frequentemente relatam sentimento de responsabilidade
pelo comportamento do companheiro; culpam-se e até justificam a vio-
lência, tamanha a confusão mental provocada, numa tentativa desespe-
rada de suportar “tudo” por medo da separação e do divórcio; medo de
ter fracassado em sua escolha de parceiro e/ou pai, medo por dependên-
cia econômica;para a manutenção do tão idealizado casamento!

214
Violência psicológica doméstica

Apesar de todas as dificuldades e da malha em que se aprisiona


uma vítima de violência psicológica doméstica, muitas mulheres conse-
guem abandonar esses relacionamentos abusivos, sendo que as mulhe-
res mais jovens são mais propensas a esta atitude num menor espaço
de tempo.Situações como aumento do nível da agressão, por manipu-
lações, exigências e situações de exposição da mulher; cerceamento
de sua liberdade; violência psicológica ou física envolvendo os filhos e
tendo a mulher apoio sociofamiliar determinam e contribuem na sua
decisão de sair do relacionamento.
Quando enfim a mulher se abre a possibilidade de rompimento
com esse ciclo de violência, ela entra em um processo de quebra de sua
negação, racionalização, culpa e submissão, passando, então, a se iden-
tificar com outras pessoas na mesma situação ou mesmo a se permi-
tir enxergar sob uma ótica mais positiva, vivificante, projetando-se e
permitindo-se bases comparativas melhores e mais saudáveis de rela-
cionamento enquanto possibilidades. Desta forma, enquanto antes a
mulher poderia dizer: “eu só preciso aprender a conviver com o gênio
ruim dele...”, ela pode começar a desenvolver uma narrativa do tipo: “
serei mais feliz sozinha...”; “tenho certeza de que existe alguém que me
respeite e tenha orgulho de quem sou…”; “ sozinha tenho a chance de
encontrar um parceiro que me deixe trabalhar...”.
Durante esse período e fase, é comum o abandono e retorno ao
relacionamento várias vezes antes de deixá-lo definitivamente, até por
que, quando a mulher começa a se impor e a não sucumbir às arti-
manhas psicológicas do parceiro, este costuma a escalar: das ameaças
às simulações do abandono (saídas abruptas de casa com posterior
retorno); e até mesmo implementar sua violência psicológica com um
“toque” de violência física, que foge ao objeto deste trabalho.

Violência Psicológica Doméstica e Psicologia

A compreensão distorcida sobre o trabalho do psicólogo e sobre a


importância da Psicologia enquanto ciência, dificulta o acesso e o inte-
resse das pessoas que ainda a consideram como “coisa para maluco”;
“ultimo recurso”; “coisa para desocupado”; “ coisa para fresco”; coisa
para rico”; ou ainda pior, que consideram e equiparam o trabalho do
psicólogo à uma conversa com um amigo; ou a ida a alguma instituição
religiosa, etc...

215
Simone Leão Lima Pieruccetti

A Psicologia não menospreza tais hábitos e inclusive os indica,


como importantes redes de apoio social inclusive na prevenção da vio-
lência psicológica doméstica, pois impede que as vítimas se mantenham
isoladas, mas estes não substituem a prática terapêutica de um profis-
sional habilitado e esta pratica deveria ser incorporada socialmente
como um hábito, saudável e preventivo contribuindo para o tão falado
e almejado bem-estar!
Presente na maior parte das relações conjugais, e daí a impor-
tância do esclarecimento a população e um maior incentivo às terapias
psicológicas nas diversas abordagens junto às famílias, a violência psi-
cológica é caracterizada por comportamentos sistemáticos que seguem
um determinado padrão de comunicação, verbal e/ou não verbal, com
o intuito de causar sofrimento na outra pessoa.
Muitas vezes, uma mulher vítima de violência psicológica
doméstica, só recorre a ajuda terapêutica quando um filho começa a
apresentar “problemas” e ainda assim muitas dificilmente associam
tais situações com as agressões vividas por elas mesmas em seu “lar”,
colaborando para a cultura do silêncio e sua consequente naturalização
(CUNHA, 2007)
A partir, da regulamentação da Lei 11.340/2006, ou Lei Maria da
Penha, implantada em setembro de 2006 (BRASIL, 2006), a violência
doméstica contra a mulher passou a ser reconhecida como crime e se
tornou objeto de estudo, devido às consequências danosas à vida das
mulheres, porém o conceito de violência psicológica de acordo com a
Lei Maria da Penha é muito abrangente: manifesta-se de diversas for-
mas no âmbito da conjugalidade e cita inclusive, vários exemplos cer-
tamente bem conhecidos por mulheres que convivem com um homem
violento.
Conforme já mencionado, alguns tipos de violência psicológica
nem mesmo são reconhecidos pelas mulheres, devido à sutileza em que
se estabelecem em determinadas situações, assim ainda de acordo com
a Lei Maria da Penha, considera-se violência psicológica:
[...] qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da
autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento
ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação
do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à
saúde psicológica e à autodeterminação. (BRASIL, 2006)

216
Violência psicológica doméstica

A partir desta definição, compreende-se que a violência psico-


lógica pode causar sofrimento moral e/ou dano psicológico, mani-
festados como: insegurança, frustração, medo, humilhação, perda da
autoestima e sentimentos de ansiedade. Em sua maioria, a violência
psicológica doméstica pode se iniciar com tensões vivenciadas no
cotidiano dos casais como: desemprego, problemas financeiros, opi-
niões diferentes quanto à educação dos filhos, ciúmes etc., comumente
consideradas normais na maior parte dos relacionamentos, mas que
geralmente aumentam em freqüência e intensidade submetendo as
vítimas à situação de estresse contínuo e constante, insuportáveis ao
aparelho psíquico.
A maior parte dos estudos sobre o fenômeno, afirmam que a vio-
lência psicológica quase sempre precede a violência física.A violência
psicológica doméstica é polêmica e desafiadora, pois estando ela no
campo da subjetividade, o caráter da invisibilidade domina os aspectos
sentimentais, emocionais, dos elementos violentos e avassaladores vivi-
dos na psiquê humana direcionando esse campo específico do estudo
para ciência denominada Psicologia!
O incentivo ao trabalho multi-transdisciplinar poderia favorecer
no sentido de um aumento de encaminhamentos oriundos das redes
de atenção básica a acompanhamentos psicoterapêuticos familiar ao
menor sinal de queixa normalmente envolvendo crianças o que já aju-
daria e muito num trabalho preventivo.Os profissionais também preci-
sam romper a barreira do medo do envolvimento e realizar denúncias e
registros de ocorrências da violência psicológica doméstica ao invés de
esperar que esta se transforme em violência física!
Segundo Zaluar e Leal (2001) a “violência psicológica” é primor-
dialmente estabelecida pelos limites e regras de convivência, ora já dizia
Heidegger (2018): “Na base desse ser-no-mundo determinado pelo com,
o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros” (Heidegger,
2018, p. 170), desta maneira comprometendo não apenas sua identifica-
ção e conseqüente denúncia por terceiros, devido a completa subjetivi-
dade e falta de materialidade. A partir deste conceito ainda podemos
afirmar que a violência se caracteriza também pela “simples” ameaça
do uso da força física (VELHO, 1996); pelas agressões do tipo não-físi-
cas, desde exposição pública, indiferença, gritos, entre tantas outras.
Cabe salientar o poder devastador que a indiferença pode ter sobre
um ser humano sociável por natureza! Ela pode ser praticada de forma
doentia com o intuito de oprimir e dominar coercitivamente, propor-

217
Simone Leão Lima Pieruccetti

cionando sentimentos de desvalia, desigualdade, desamor sendo desta


forma uma violência subjetiva.

Dados estatísticos sobre a violência psicológica doméstica

De acordo com o Departamento de Informação e Análise Epi-


demiológica da Secretaria de Vigilância em Saúde5, a violência psico-
lógica é a segunda mais notificada (25,7%), sendo a violência física a
primeira com 64,8% das ocorrências! Após ter sido implementada em
2006 e compulsória em todos os serviços de saúde públicos e privados,
os números de notificação vem aumentando, porém não basta notificar,
é necessário o devido encaminhamento ao ponto de falarmos numa
re-educação e reestruturação cultural que priorize o atendimento psi-
cológico como primordial e corriqueiro como se dá por exemplo o aten-
dimento pediátrico, ginecológico entre outros.
O impacto da violência em crianças que a presenciam, gera
transtornos comportamentais e emocionais o que costuma favorecer
na detecção de tais violências sofridas pela mulher por meio de seu par-
ceiro! É importante citar essa forma de identificação através das crian-
ças, pois precisamos compreender a natureza cíclica da violência psico-
lógica doméstica e suas formas de perpetuação a partir do simples fato
de que toda mulher que sofre da violência psicológica doméstica, bem
como todo agressor já foi, um dia, uma criança!
Assim, se de acordo com a figura I – o balanço do Ligue 180
no Brasil, realizado entre janeiro e junho de 2018 revelou um número
de 24,3 mil casos de violência psicológica, deveríamos ter um aumento
de campanhas governamentais que desmistificassem o atendimento e
acompanhamento psicoterapêutico proporcionando o incentivo tanto
à procura quanto a implementação e direcionamento de recursos que
propiciem a presença, inserção e atuação dos profissionais de psicologia
em maior número.

5 Fonte: http://svs.aids.gov.br/dantps/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/estudos/
violencia/. Recuperado em 31/05/2019 às 00h11.

218
Violência psicológica doméstica

Figura 1 – Violência contra a mulher. Ligue 180 recebeu mais de 72


mil denúncias de violência contra mulheres no primeiro semestre.

Fonte: http://www.brasil.gov.br/noticias/cidadania-e-inclusao/2018/08/ligue-180-recebeu
-mais-de-72-mil-denuncias-de-violencia-contra-mulheres-no-primeiro-semestre.Publicado:
07/08/2018 16h15, última modificação: 07/08/2018 18h54. Recuperado em 30/05/2019 às 23h55.

Um protocolo de encaminhamentos a partir destas ocorrências


que proteja essas vítimas da exposição e que também possibilite seu
acesso a um serviço de acompanhamento profissional, público ou pri-
vado, capaz de favorecer na ressignificação dessas vivências e o conse-
qüenteempoderamento dessas vítimas na restauração e manutenção de
sua saúde psicológica6, bem como de seus filhos, pois tal abuso psicoló-
gico compromete o raciocínio lógico e a lucidez de suas vítimas, pode
ser pensado de forma multidisciplinar como uma sugestão de lidar com
essa grave e alta incidência na violação dos direitos humanos!

Considerações finais

A educação e toda a bagagem cultural dadas a uma criança no


seio familiar são fatores que ela leva e transfere para as futuras gera-
ções!Com base nesta afirmação, parafraseio Abraham Lincoln, que
revela o poder da maternidade e sua importância nos caminhos que
tomam uma sociedade, quando costumava citar William Ross Wallace,
dizendo “a mão que balança o berço é a mão que governa o mundo! ”

6 A violência psicológica abala o equilíbrio psíquico, o raciocínio lógico e a lucidez,


desestabilizando a segurança da vítima. O abuso psicológico tem apenas uma finalidade:
“abalar a segurança de uma mulher com relação ao raciocínio lógico no qual ela se baseou
toda a vida”. (MILLER, 1999, p. 43).

219
Simone Leão Lima Pieruccetti

As mulheres são a base, o contato primordial, a referência inicial


de nossa espécie humana! Desmerecer ou violentar uma mulher psi-
cologicamente ou de qualquer outra forma, é colocar em risco a saúde
mental de toda uma sociedade! A proposta deste trabalho se cumpre no
refletir sobre a violência psicológica e seus efeitos imediatos e posterio-
res; diretos e indiretos, mas que de alguma maneira eclodem e reper-
cutem socialmente na psiquê humana afim de propiciar uma tomada
de decisão social comprometida não só com a denúncia, mas com o
rompimento desse ciclo violento.
A Psicologia considera a subjetividade uma premissa fundamen-
tal à garantia dos Direitos Humanos, destacando a necessidade de esta
ser compreendida como uma construção histórico-social, ou seja, cons-
truída nas relações que o sujeito estabelece com o contexto do qual faz
parte!Assim, é importante esclarecer que questões psicológicas estão
sempre vinculadas a questões sociais, pois o adoecer se dá nos vínculos,
dentro de produções históricas, econômicas e culturais.
Cabe refletir e atentar-se então, sobre como são compreendidas
as mulheres e seus filhos, de todas as classes sociais e econômicas que,
ao chegarem aos centros de apoio e valorização, centros de saúde, clíni-
cas ou consultórios e que apresentem imediatamente ou posteriormente
situações de angústia, sofrimento psíquico, necessitando de psicotera-
pia ou mesmo comecem a apresentar sinais e sintomas diagnosticados
por: bulimia, anorexia, depressão, psicose, transtorno de humor bipo-
lar, entre outros, se levante questões a respeito de violência psicológica
doméstica, exercidas seja por seus pais, direcionadas para suas mães;
em sua infância, ou por atuais companheiros, esposos.
Concordo com Cunha (2007), quando retoma a importância de
se considerar a procura de mulheres por centros de saúde devido a pro-
blemas mentais não identificar ou mesmo relacionar tais desordens às
situações de violência, por esta ser comumente vista como um “caso
para a polícia”.
O fato é que a violência psicológica doméstica vivenciada no
interior de famílias (nas suas variadas concepções) e no seio acolhe-
dor do que suavemente chamamos de "lar" existe e refletir é uma porta
para a responsabilização pessoal/social não dicotomizada linear-
mente do certo/errado, que pode nos conduzir para uma tendenciosa
posição de "juízes" incontestáveis da vida alheia e "instrutores" irre-
preensíveis de uma forma correta de agir, mas que nos guie para um

220
Violência psicológica doméstica

compromisso acolhedor das demandas humanas, por mais que estas


nos cause indignação.
É preciso sensibilizar os estudantes de psicologia e toda a popu-
lação com lucidez, persistência e pragmatismo, de que a violência psi-
cológica doméstica é também um crime contra a criança que a pre-
sencia. Ignorar um caso de maus-tratos envolvendo mulheres, mães e
suas crianças é favorecer na continuidade desse ciclo que se mascara
sob diversos diagnósticos e compromete o futuro, perdendo a oportu-
nidade de intervir numa família em crise ou mesmo depois dela.
Devemos estar atentos para o que se considera como “danos pos-
sivelmente irreparáveis” na esfera subjetiva, dada sua complexidade e
gravidade, promovendo o acesso a informação bem como propiciando
o conhecimento e responsabilização de forma pública, por meio inclu-
sive de campanhas educacionais, por algo que se mantém ainda que de
maneira reduzida na esfera do “privado”.

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221
Simone Leão Lima Pieruccetti

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de Ciências Sociais. 16(45), 2001. Disponível em:Acesso em 15 de junho de
2017.

222
Sobre a organizadora

ANDRÉA KOCHHANN – Pós-Doutoranda em Educação pela PUC /


GO, Doutora em Educação pela UnB, Mestre em Educação pela PUC/
GO, Especialista em Docência Universitária pela UEG, Pedagoga pela
UEG, Coordenadora do GEFOPI- Grupo de Estudos em Formação de
Professores e Interdisciplinaridade. Representante do Estado de Goiás
na ANFOPE, Dedicação Exclusiva na Universidade Estadual de Goiás,
Câmpus São Luís de Montes Belos.
E-amil: andreakochhann@yahoo.com.br

223
Sobre os autores

ALISSON SILVA DA COSTA – Professor do curso de Pedagogia


da Faculdade Fortim-DF, Mestre em Educação pela Universidade de
Brasília – UnB.
E-mail: alisson.dec@gmail.com

AMADO BATISTA MAINEGRA – Doctor en Ciencias de la Educa-


ción, Subdirector del Centro de Estudios para el Perfeccionamiento de
la Educación Superior (CEPES), Universidad de La Habana.
E-mail: amado@cepes.uh.cu

ANA MARLUSIA ALVES BOMFIM – Professora do Centro Univer-


sitário Tiradentes –UNIT/ Campus Maceió/AL. Doutora em Ciências
da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP.
E-mail: marlubomfim@gmail.com

ANA RAQUEL DE CARVALHO MOURÃO – Professora da Univer-


sidade Estadual de Ciências da Saúde – UNCISAL/AL. Doutoranda em
Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP.
E-mail: raquelmourao70@gmail.com

ÂNDREA CARLA MACHADO DE MORAES – Graduada em Peda-


gogia pela Universidade Estadual de Goiás – Câmpus de São Luis de
Montes Belos – GO. Mestre pelo Programa de Mestrado Interdiscipli-
nar em Educação, Linguagem e Tecnologias – MIELT da Universidade
Estadual de Goiás – UnUCSEH na cidade de Anápolis – GO. Pós Gra-
duada em Docência Universitária pela Faculdades Integradas de Var-
zea Grande, FIAVEC, Varzea Grande, Brasil. Componente do GEFOPI-
Grupo de Estudos em Formação de Professores e Interdisciplinaridade.
E-mail: andreacarla_1991@hotmail.com

225
Educação: diálogos abertos e caminhos percorridos

CAMILLA SOUSA OLIVEIRA – Graduanda em Psicologia: Bacha-


rel/Licenciatura no Centro Universitário de Mineiros – UNIFIMES.
E-mail: nerycamilla@hotmail.com

CARLOS CARDOSO SILVA – Doutor em Educação pela UFG. Mes-


tre em Educação pela UFG. Pedagogo. Professor da Faculdade de Edu-
cação da Universidade Federal de Goiás.
E-mail: carlos.cardoso27@gmail.com

CARLOS JOSE TRINDADE DA ROCHA – Doutor em Educação em


Ciências e Matemática/UFPA. Pós-doutorando do Programa de Pós-
graduação em Ensino de Ciências e Matemática/UFAM.
E-mail: carlosjtr@hotmail.com

DAYSE KELLY BARREIROS DE OLIVEIRA – Doutoranda em Edu-


cação pela Universidade de Brasília – UnB. Instituições UnB e Secreta-
ria de Estado de Educação do Distrito Federal – SEEDF.
E-mail: daysekb@gmail.com

ELENO MARQUES DE ARAUJO – Pós-Doutorando no Programa de


Pós-Graduação em Educação na Universidade de Uberaba-MG, sob a
orientação da profa. Dra Vania Maria de Oliveira Vieira. É Licenciado
em FILOSOFIA pela Universidade Federal de Goiás (1994). Bacharel
em TEOLOGIA pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2003).
MESTRADO em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (2003). DOUTORADO em Ciências da Religião pela
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2012) – bolsista da FAPEG.
É Licenciando em Pedagogia pela FACIBRA (2014). É professor e Dire-
tor de Pesquisa na Unifimes – Centro Universitário de Mineiros.
E-mail: eleno@unifimes.edu.br

ELLEN MICHELLE BARBOSA DE MOURA – Mestre em Educação


pela Universidade Federal Fluminense. Instituição: SEEDF.
E-mail: ellenmou@gmail.com

EVA MARIA DA GLÓRIA GOUVEIA – Egressa do curso de Pedago-


gia, na Universidade Estadual de Goiás – Câmpus São Luís de Montes
Belos. Bolsista de iniciação científica (PVIC-UEG).
E-mail: evamggj60@hotmail.com

226
Sobre os autores

FREDERICO GUILHERME CAMPOS DE FRANÇA – Mestre em


Educação – Universidade de Brasília (UnB).
E-mail: fredecampos@bol.com.br

KARLA VITORIANO E SILVA ALMEIDA – Doutoranda em Edu-


cação pela PUC Goiás. Mestre em Letras pela UFT - Porto Nacional.
Pedagoga pela UFG. Bióloga pela UFG. Docente da UEG câmpus São
Luis de Montes Belos. karla.vitoriano@ueg.br

MARIA ANTÔNIA GOMES DA CONCEIÇÃO – Egressa do curso


de Pedagogia, na Universidade Estadual de Goiás – Câmpus São Luís de
Montes Belos. Bolsista de iniciação científica (PVIC-UEG).
E-mail: mariaantoniapronto@gmail.com

MARIA GORETTI QUINTILIANO CARVALHO – Doutora em


Educação pela Pontifícia Universidade Católica Goiás (Bolsista Capes
-Prosup), Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica
de Goiás (2007), graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação
Ciências e Letras de São Luís de Montes Belos (1998). Professora efe-
tiva da Universidade Estadual de Goiás – Câmpus São Luís de Montes
Belos, na linha de Didática e Práticas de Ensino; Coordenadora pedagó-
gica do Câmpus; editora da Revista Eletrônica Ícone; coordenadora do
grupo de pesquisa Educação, formação docente e linguagem/GPEFDL.
E-mail: maria.goretti@ueg.br

MARIA SÍLVIA SOARES CARDOSO – Egressa do curso de Pedago-


gia, na Universidade Estadual de Goiás – Câmpus São Luís de Montes
Belos. Bolsista de iniciação científica (PBIC-UEG).
E-mail: silvinha1975@bol.com.br

NATHÁLIA BARROS RAMOS – Professora da Secretaria de Estado


de Educação do Distrito Federal – SEEDF, Mestra em Educação pela
Universidade de Brasília – UnB.
E-mail: nathaliabarrosr@hotmail.com

ODETTE GONZÁLEZ APORTELA – Doctora en Ciencias de la Edu-


cación, Directora de Extensión Universitaria, Universidad de La Habana.
E-mail: odette@rect.uh.cu

227
Educação: diálogos abertos e caminhos percorridos

RAFAEL CASTRO RABELO – Graduação em Administração.


Doutor em Educação (PUC-Goiás). Professor do Instituto Federal
de Goiás – Campus Uruaçu/Goiás. Pesquisador no Diretório de Pes-
quisa CNPq-PUC-Goiás – Educação, História, Memória e Culturas
em diferentes espaços sociais.
E-mail:rafael.rabelo@ifg.edu.br

RENATO BARROS DE ALMEIDA – Mestre em Educação pela FE/


UFG, Professor do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de
Goiás – UEG e Coordenador na Faculdade Sul-Americana – FASAM.
Doutorando em Educação pela Universidade de Brasília na linha Pro-
fissão Docente, Currículo e Avaliação – UnB.
E-mail: renatobalmeida@hotmail.com

RODRIGO BOMBONATI – Graduado em Ciências Sociais (FFLCH


-USP) e Administração (FEA-USP), com mestrado em Administração
(FEA-USP) e doutorado em Administração Pública e Governo (EAES-
P-FGV). Atua como docente e pesquisador na Universidade Federal de
Goiás (UFG – Regional Goiás) desde 2018, sendo líder do Grupo de Pes-
quisa Mutamba – Patrimônio, Políticas Públicas, Tecnologia e Sociedade.
E-mail: robombonati@gmail.com

ROSELI ARAÚJO BARROS – Doutora em Educação em Ciências e


Matemática/UFPA. Docente titular da Universidade Estadual de Goiás.
E-mail: roseliaraujo@hotmail.com

SIMONE LEÃO LIMA PIERUCCETTI – Psicóloga, pós-graduada em


Psicologia Jurídica.
E-mail: psi.simoneleao@gmail.com

SOLANGE CARDOSO – Mestre em Educação – Universidade Federal


de Ouro Preto (UFOP).
E-mail:solangecardoso1908@gmail.com

WELLINGTON JHONNER D. BARBOSA DA SILVA – Mestre em


Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG-2016). Graduado em
Licenciatura Plena – Letras: Português-Inglês e Respectivas Literaturas
pela Universidade Estadual de Goiás (UEG– Câmpus de Iporá-2011).Pro-
fessorda Carreira do Magistério Superior na Unidade Acadêmica Espe-
cial de Educação da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão.
E-mail: well.jhonner@gmail.com

228
SOBRE O LIVRO
Formato: 15,5x23 cm
Tipologia: Minion Pro
Número de Páginas: 230
Suporte do livro: E-book

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2019
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Simone Leão Lima Pieruccetti

ISBN: 978-65-81104-03-0

230

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