História Eclesiástica I Pr. André dos Santos Falcão Nascimento Blog: http://prfalcao.blogspot.com Email: goldhawk@globo.com Seminário Teológico Shalom As Cruzadas - causas Turcos Seljúcidas, que sucederam os árabes no controle da Terra Santa, eram mais fanáticos e violentos, perseguindo os peregrinos europeus. Aleixo, imperador de Constantinopla, pede ajuda aos cristãos da Europa ocidental contra tal grupo invasor. Intenção do Ocidente de controlar o Império Oriental, unificando-o. Interesse particular de vencer condições difíceis de vida por parte de camponeses (fome, peste, servidão). Interesse veneziano de estimular o aumento do comércio com o Oriente Próximo. Interesse normando de saquear e estabelecer feudos quando libertavam os lugares sagrados dos muçulmanos. Paixão pela aventura militar, fuga da rotina da vida ou fuga de penas de crimes foram outros motivos particulares que levaram nobres e cavaleiros a empreenderem-se nas jornadas cruzadas. As Cruzadas Houveram vários movimentos cruzados ao longo da Idade Média, porém os mais conhecidos foram: Cruzada Popular (1096) Primeira Cruzada (1095-1099) Segunda Cruzada (1147-1149) Terceira Cruzada (1187-1192) Quarta Cruzada (1202-1204) Cruzada Infantil (1212) Quinta Cruzada (1217-1221) Sexta Cruzada (1228-1229) Sétima Cruzada (1248-1254) Oitava Cruzada (1270) Nona Cruzada (1271-1272) Cruzada Popular O movimento cruzado surgiu com a pregação de Urbano II no sínodo de Clermont, em novembro de 1095, conclamando uma Cruzada contra os muçulmanos. Sua ideia era libertar os lugares sagrados do domínio do islã, mais do que ajudar o Império do Oriente. Motivados pela pregação de Pedro, o Eremita, e Walter, o-sem-dinheiro, massas de camponeses começaram a marchar através da Germânia, Hungria e Bálcãs em direção da Palestina. Sem organização e disciplina, foram levados pelo Imperador de Constantinopla até a Ásia Menor, onde foram massacrados pelos turcos ou encarcerados e vendidos como escravos. Primeira e Segunda Cruzadas O primeiro esforço organizado foi dirigido pelos nobres da França, Bélgica e Itália normanda. Os exércitos chegaram a Constantinopla em 1097. Inicialmente tomaram Niceia e, no outono seguinte, partiram para Antioquia, conquistando-a na primeira de 1098. Por fim, em 15/06/1099, os exércitos capturaram Jerusalém, levando os exércitos a dividirem a terra em feudos. Jerusalém e as regiões próximas foram organizadas no Reino de Jerusalém, governado por Balduíno. Em 1147, uma segunda cruzada foi convocada, instigada pela pregação de Bernardo de Claraval, para segurar a ameaça muçulmana ao flanco nordeste do Reino de Jerusalém. O rei da França e o Imperador do Sacro Império seguiram para a batalha, mas esta resultou em fracasso. Terceira Cruzada Com a queda de Jerusalém em 1187 sob as forças de Saladino, foi convocada nova cruzada, conhecida como a Cruzada dos Reis, por ser liderada por Filipe Augusto da França, Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, e pelo Imperador Frederico.
A empreitada sofreu com problemas na liderança: Frederico morreu afogado
acidentalmente durante a jornada, enquanto que Filipe abandonou o grupo após uma briga com Ricardo. Apesar de conquistar importantes cidades da região, como Acre e Jaffa e reverter a maioria das conquistas de Saladino, Ricardo não conseguiu conquistar Jerusalém, tendo que se contentar com um acordo com Saladino permitindo a entrada de peregrinos cristãos em Jerusalém. Com o acordo, Ricardo foi obrigado a retornar para casa, sendo preso na jornada e sofrendo com o domínio do Imperador no processo. Cruzadas de Inocêncio III Durante seu governo, o papa Inocêncio III instigou a geração de mais duas cruzadas com o objetivo de reconquista da Terra Santa: A quarta, em 1202, e a quinta, em 1213. A Quarta Cruzada tinha a intenção de dominar Jerusalém através do controle e formação de um entreposto no Egito. A cruzada fracassou por falta de controle e pelo desvio do alvo para Constantinopla, que foi dominada em 1204. Com isso, um reino latino foi fundado na região, durando até 1261, e durante o período os dois Impérios ficaram sob o comando do papa. A Quinta Cruzada teve mais sucesso. Liderada pelo rei Andrew II da Hungria e pelo Imperador Frederick II, o grupo chegou a conquistar Betsaida e cruzar o rio Jordão, porém foi parado por tropas seljúcidas nos fortes do Líbano e Monte Tabor porque as catapultas e armas pesadas demoraram a chegar. As muralhas de Jerusalém chegaram a ser derrubadas para impedir que os cristãos conseguissem se defender, após uma possível conquista, e o povo da cidade fugiu, com medo de novo massacre como o de 1099. Sem conseguir a conquista da Terra Santa, o grupo tentou conquistar o porto egípcio de Damietta, mas foram aniquilados pela doença e pelas forças do Sultão Al-Kamil, que empreenderam um devastador ataque noturno. Cruzadas Derradeiras Sexta Cruzada: O Imperador Frederick II, após excomungado pelo papa Gregório IX em 1228 por não conseguir montar a cruzada que jurava que comandaria, viajou ao Egito em setembro, firmando um acordo com Al-Kamil que permitia aos cristãos controlarem boa parte de Jerusalém e uma faixa de terra de Acre a Jerusalém, enquanto os muçulmanos ganharam controle sobre suas áreas na cidade. Em troca, o Imperador jurou defender Al-Kamil de seus inimigos, mesmo cristãos. Sétima Cruzada: No verão de 1244, o filho de Al-Kamil atacou e conquistou Jerusalém. Os francos se aliaram com o irmão de Al-Kamil, Ismail, e o emir de Horns para reconquistar a cidade, mas foram derrotados em 48 horas. Luis IX, da França, então, empreendeu uma cruzada contra a Terra Santa, após 4 anos de pregação e recrutamento. Chegando em Damietta em junho de 1249, as forças aguardaram a baixa do Nilo para marchar em direção à Terra Santa. Porém, foram aniquiladas perto de El Manusra. O rei foi capturado e obrigado a pagar um resgate de 800 mil bezantes (peças de ouro do Império Bizantino), passando os próximos 5 anos buscando reforçar as posições do Reino de Jerusalém. Cruzadas Derradeiras Oitava Cruzada: Indo contra seus conselheiros, Luis IX novamente tomou a cruz em 1270, atacando os árabes na Tunísia. Tal movimento foi motivado pela notícia de que o sultão Mameluco Baibars estava atacando o restante dos estados cruzados fundados na região do Oriente Próximo. Buscando usar Tunis como base para atacar o Egito e depois o Oriente Próximo, a cruzada foi aniquilada pela falta de água potável, causando a morte do rei em 25/08. Seu irmão, Charles de Anjou, tomou a frente e abandonou o cerco a Tunis em 30/10, fechando acordo com o Sultão. Nona Cruzada: Em geral agrupada com a anterior, devido à chegada do príncipe Eduardo da Inglaterra para ajudar no esforço de Luis IX. Seu exército conquistou diversas vitórias sobre Baibars, causando um tratado de paz que foi rapidamente ignorado. Sofrendo com a tentativa de assassinato e com a notícia de que seu pai havia morrido, e percebendo que só conquistaria Jerusalém se houvesse um esforço de união entre os estados cruzados, Eduardo abandonou a batalha cruzada e retornou à Inglaterra, onde foi coroado Rei da Inglaterra em 19/08/1274. Os Estados Cruzados deixaram de existir quando Acre foi dominada em 1291 e a Ilha Ruad, último forte cruzado, em 1303. Consequências das Cruzadas Enfraquecimento do feudalismo, com as perdas de inúmeros cavaleiros, que saíam para as cruzadas e nunca voltavam. Venda de terras a camponeses e classe média citadina para gerar recursos para as cruzadas gerou divisão das terras e quebra do sistema. Cidades controladas por senhores feudais compraram cartas que lhes garantiam autogestão. Reis solidificaram seu domínio com apoio da classe média. Aumento do prestígio papal durante as Cruzadas. Enfraquecimento do Império Oriental com a criação do Reino Latino de Constantinopla. Criação de escolas missionárias como Miramir, na Espanha (1276) para conquista dos muçulmanos pela persuasão. Comércio de Veneza e outras cidades italianas com o Oriente Próximo para trazer os produtos de luxo orientais para satisfazer os anseios da nobreza que regressara das cruzadas e teve contato com tais produtos durante suas jornadas. Introdução da filosofia, ciência e literatura árabe e grega no Ocidente, gerando a base cultural para o Renascimento e religioso para o Escolasticismo. Reforma Monástica A reforma de Cluny já havia caído em decadência por volta do século XI. Com a vida monástica novamente caindo nos problemas de sempre, novas ordens foram criadas em busca de uma renovação do estilo de vida dos claustros. As ordens criadas neste período foram: Ordem Cisterciense Franciscanos Dominicanos Cavaleiros Hospitalários Cavaleiros Templários Cavaleiros Teutônicos Ordem Cluniacense Fundada por um monge beneditino de nome Roberto na cidade de Citeaux, França, em 1098. Tinha grande ênfase na autonegação ascética, simplicidade arquitetônica de suas construções e organização centralizada. Os abades se reuniam com o abade de Citeaux numa assembleia anual, onde discutiam os problemas do grupo. O abade de Citeaux não tinha o poder supremo do abade de Cluny, mas presidia a assembleia. Formação majoritariamente camponesa. Davam mais atenção à agricultura do que ocupações escolásticas. Grande fama devido a Bernardo de Claraval (1090-1153), fundador do mosteiro mais famoso da Ordem. Humilde e místico, prático e corajoso, agradava papas e soberanos com seus conselhos. Sua pregação foi responsável pela Segunda Cruzada e combateu a doutrina quase-panteísta de Abelardo. Ordens Militares Ordem dos Cavaleiros de São João (Hospitalários): Fundada no começo do século XII para defender os peregrinos e cuidar dos doentes. Equivalente medieval à Cruz Vermelha dos dias atuais. Posteriormente tornou-se uma organização estritamente militar para defender dos pagãos a Terra Santa. Cavaleiros Templários: Nome originado de seu centro operacional perto do templo de Jerusalém, organizados em ordem em 1118 e reconhecidos oficialmente dez anos depois. Adotaram o modelo cisterciense de vida monástica em 1130. Era primariamente destinada a defender a Terra Santa dos assaltos muçulmanos, porém foi extinta em 1312 porque estaria se intrometendo na plítica francesa. Cavaleiros Teutônicos: Ordem fundada após a Terceira Cruzada, foi para a Prússia para salvá-la dos eslavos. Ali acabou assentando raízes, tornando- se os ancestrais das famílias da nobreza da Prússia. Ordens Mendicantes Prestavam votos de pobreza, vivendo entre o povo das cidades para servi-lo e pregar ao povo na sua língua. Os mosteiros tinham propriedades e os monges se autossustentavam pelo trabalho. Os membros destas novas ordens, chamados de frades (do latim frater, irmão), se mantinham graças às doações e esmolas recebidas do povo. Estavam mais diretamente ligados ao papa do que qualquer outra ordem. Entre as ordens mendicantes, estavam as ordens franciscana, dominicana, agostiniana e carmelita. Ordem Franciscana Fundada por Francisco de Assis (1182-1226), devasso filho de um rico comerciante. Converteu-se por uma enfermidade, deixou a casa e consagrou-se à pobreza e serviço de Deus. Reuniu vários jovens com os mesmos interesses e elaborou uma regra para dirigir suas vidas, exigindo pobreza, castidade e obediência ao papado. Aprovada por Inocêncio III em 1210, a ordem tornou-se tão popular que gerou dois novos grupos: As Clarissas Pobres, organizada por uma jovem de 18 anos, e a Ordem Terceira, formada por leigos que viviam segundo as regras mas não podiam deixar sua vida secular por vínculos de família ou negócios. Ordem Franciscana Sinônimo de serviço, foi um dos braços missionários da Igreja Romana. Francisco pregou na Espanha e no Egito. João de Monte Corvino pregou na China, chegando antes de 1300 e batizando seis mil pessoas e convertendo ao todo 30.000. A igreja foi totalmente destruída, porém, pela dinastia Ming em 1368.
Os frades franciscanos seguiram as conquistas da Espanha e da França no
Novo Mundo, criando inúmeros mosteiros em seu caminho. Com o crescimento da ordem, passou a ser mais centralizada, com um geral nomeado pelo papa. Teve muitos eruditos, como Roger Bacon, Boaventura, Duns Scotus e Guilherme de Occam. As ideias de Occam sobre a natureza da realidade influenciariam a evolução espiritual de Lutero e fortaleceram o modo de vida experimental renascentista. Ordem Dominicana Fundada por Domingos (1170-1221), sacerdote espanhol de berço nobre, decidiu combater a heresia na igreja com as armas da austeridade de vida, simplicidade e argumento. Sua motivação era enfrentar a heresia albigense que surgira no sul da França. Por conta disso, os “cães do Senhor” primaram pela educação. A Ordem Dominicana foi aprovada em 1216 e tornou-se altamente centralizada. Cada grupo tinha um prior que estava sujeito ao prior encarregado de uma província. Na assembleia geral da ordem postava-se o mestre-geral, que respondia diretamente ao papa. O grupo empenhou-se na obra missionária e na educação. Tomás de Aquino, desenvolvedor da teologia reinante da Igreja Católica, era dominicano. Movimentos leigos de Reforma Albigenses: Também chamados de Cátaros, usavam o NT como base de suas doutrinas. Possuíam doutrinas dualistas e ascéticas que lembravam as doutrinas gnósticas e maniqueístas da Igreja Primitiva. Criam na existência de um dualismo absoluto entre o Deus bom, que fez a alma dos homens, e o deus mau, que recebeu um corpo material após ter sido expulso dos céus. Ao ser expulso, este deus teria formado o mundo visível. Por crerem que a matéria é má, opunham-se à reprodução da espécie, rejeitavam os sacramentos (especialmente a missa com sua ênfase na presença física de Jesus nos elementos) e refutavam a doutrina do inferno e do purgatório e de uma ressurreição física. A salvação envolvia o arrependimento, o rito de consolamentum (imposição de mãos e do Evangelho de João sobre a cabeça do fiel) e abstenção ascética do casamento, juramentos e guerra. Não comiam carne, leite, queijo e ovos. Condenavam o uso de coisas materiais na adoração. Foram aniquilados por Simão de Montfort, que organizou uma Cruzada Albigense em 1209, a mando de Inocêncio III. Movimentos leigos de Reforma Valdenses: Fundado em cerca de 1170 por Pedro Valdo, rico comerciante de Lion, que leu uma tradução do NT e ficou impressionado com os ensinamentos de Cristo ao ponto de abandonar todos os seus bens, exceto os necessários para o sustento de sua família. Organizou um grupo, os “Pobres de Espírito” para pregar como leigos, mas foram proibidos de fazê-lo. Ao se recusarem, foram excomungados. Criam que todos os homens deviam possuir a Bíblia, devendo esta ser a autoridade final para a fé e para a vida. Saíam em dois e se vestiam com simplicidade para pregar aos pobres em sua língua. Aceitavam as confissões ecumênicas modelares, a Ceia e o batismo, além da ordenação leiga para pregação e ministração dos sacramentos. Possuíam clero próprio, com bispos, sacerdotes e diáconos. Valdo foi seu líder até sua morte, em 1217. Após sua morte, o grupo permaneceu, constituindo hoje um grupo de cerca de 35 mil crentes no norte da Itália. Movimentos leigos de Reforma A reação da Igreja Católica a estes movimentos foi diverso: Cátaros: Frades dominicanos tentaram trazê-los de volta à fé católica através da pregação. Posteriormente, uma cruzada de 1209 a 1218 praticamente exterminou o grupo no sul da França. Sínodo de Toulouse (1229): Proibição aos leigos de usarem as traduções da Bíblia nos idiomas do povo, de forma a evitar a comparação entre a Igreja Primitiva e a Igreja Católica pudessem ser evitadas. Criação da Inquisição, corte eclesiástica secreta que usava tortura e mantinha em segredo os nomes dos acusadores para punir os hereges. As penas variavam do confisco de bens à fogueira. Inicialmente a Inquisição esteve em mãos episcopais, mas em 1233 o papa Gregório IX passou o comando aos dominicanos. Medo de castigo por divergir do pensamento dominante da Igreja Romana levou à estagnação cultural. Escolasticismo Modelo de teologia adotado a partir do séc. XI na Igreja Romana, que possuiria em Tomás de Aquino sua figura principal, buscava racionalizar a teologia para que se sustente a fé com a razão, partindo de pressupostos filosóficos, mais do que bíblicos. Para chegar a tal, os dados da revelação deveriam ser organizados sistematicamente através do uso da lógica dedutiva de Aristóteles e harmonizados com sua filosofia recém descoberta. O sentido do nome escolástico vem da palavra grega scholé, que significa o lugar onde se aprende. O termo foi aplicado aos professores na corte ou na escola palaciana de Carlos Magno e também aos eruditos medievais que se serviam da filosofia no estudo da religião. Esses estudiosos procuraram provar a verdade vigente através de processos racionais, em vez de buscar uma nova verdade. Escolasticismo - causas do surgimento A principal causa do escolasticismo foi o surgimento na Europa da filosofia de Aristóteles, através de traduções de William de Moerbeke de fontes judaicas e árabes e das traduções de Averróes, grande filósofo árabe, introduzidas na Europa através da Espanha por volta de 1200. Traduções de Moisés Maimônides, famoso rabino e filósofo judeu, também afloraram nesta época. Outra causa foi o interesse das novas ordens mendicantes pelo uso da filosofia no estudo da revelação. Tomás de Aquino era dominicano, enquanto Guilherme de Occam e São Boaventura eram franciscanos. A expansão do movimento universitário a partir do séc. XII proveu um lar para o movimento. As universidades centralizaram seus currículos em torno do estudo da teologia pela ajuda da lógica e da razão. No tempo de Abelardo, a Universidade de Paris foi o centro principal do escolasticismo. Escolasticismo – conteúdo e método O conteúdo da Teologia Escolástica é a organização racional do corpo de verdades aceitas para que, através da fé revelada ou da filosofia raciocinada, pudesse constituir um corpo harmônico. A mente medieval buscava uma unidade intelectual, política e eclesiástica, e o ressurgimento da filosofia aristotélica forçou os homens a buscar novamente a integração de tais conhecimentos. Seus estudos partiam da Bíblia, dos credos e dos escritos dos Pais da Igreja, e buscavam resolver se a fé era ou não razoável. A metodologia estava sujeita à autoridade da dialética ou lógica aristotélica. Esta lógica parte de uma verdade ou lei geral que não prova, mas pressupõe. Relacionando a lei geral a um fato particular, busca-se uma conclusão que, por sua vez, torna-se uma nova lei ou verdade geral para ser relacionada a novos fatos. As verdades gerais da filosofia eram tomadas da teologia revelada. Desta forma, passagens da Bíblia, dos Pais, dos cânones e credos e decretos papais foram concatenados numa ordem lógica. Escolasticismo – tendências O pensamento sobre a harmonização entre fé e razão não foi uniforme no período escolástico. Ao longo dos anos, pensadores surgiram buscando harmonizar ambos de formas diferentes. A compreensão destas tendências nos permitem analisar os estudiosos de forma mais atenta. As tendências que surgiram no movimento escolástico foram: Realismo: “Creio para que possa obedecer”. Seu representante máximo foi Anselmo de Cantuária. Realismo Moderado: “Conheço para que possa crer”. Entre seus representantes, temos Abelardo, Alfredo Magno e Tomás de Aquino. Nominalismo: “Eu creio – Algo separado do que conheço”. Guilherme de Occam e Roscelino foram seus grandes expoentes. Realismo Esta tendência é caracterizada pela visão platônica de que os universais, como o homem e a Igreja, têm uma existência objetiva anterior às coisas criadas. Universais como verdade, beleza e bondade existem fora dos atos individuais praticados pelo homem. Platão cria, portanto, que os homens devem olhar para a realidade última além dessa vida. Anselmo de Cantuária (1033-1109), bispo da cidade em 1093, apesar de enfrentar a questão das investiduras leigas praticadas pelos reis ingleses, deve sua fama às atividades intelectuais. Para Anselmo, a fé deveria ser primária e ser um fundamento para o conhecimento. Realismo Desenvolveu seu pensamento em duas grandes obras para aplicar a razão para confirmação da fé. O Monologium é um argumento indutivo do efeito para a causa, da existência de Deus. O homem desfruta de muitos bens na vida, que são reflexos de um bem supremo através de quem tudo existe. Como o regresso infinito é imponderável, a causa de tudo deve ser Deus. O Proslogium, por outro lado, é um argumento dedutivo da existência de Deus. O argumento, conhecido como ontológico, baseia-se na doutrina da correspondência. Todos têm uma ideia de um ser supremo em sua consciência. Ela deve corresponder a uma realidade que tem uma existência objetiva, pois de outro modo um ser ainda maior teria que ser concebido. Como não há como ser concebida ideia maior que essa de Deus como ser supremo, ele deve existir. Realismo Anselmo também trabalhou a teoria da Expiação na obra Cur Deus Homo. Segundo ele, o homem devia obediência absoluta a Deus, mas esta foi recusada pelo homem natural desde Adão. Assim, o homem está em débito com um Deus que exige pagamento através de sacrifício. Ao morrer na cruz, o Deus-homem, Cristo, paga a dívida que o homem deveria pagar. Esta ideia, contrapondo a ideia medieval do pagamento a Satã, prevaleceu na Igreja até Tomás de Aquino. Outra obra realista importante foi os Quatro Livros de Sentenças de Pedro Lombardo (c. 1095-c.1159). Este livro, escrito por um brilhante professor da Universidade de Paris, tratava da Trindade da Encarnação, dos sacramentos e da escatologia. Lombardo salientou a necessidade dos sete sacramentos, os quais foram finalmente aceitos como definitivos em 1439 e reafirmados no Concílio de Trento. Realismo Moderado Ao contrário de Platão, Aristóteles tinha uma visão mais moderada da natureza da realidade. Cria que as coisas particulares são as mais reais para nós, mas os universais são os mais reais em si mesmos. Ou seja, acreditava que os universais existiam com as coisas criadas. Os escolásticos medievais que aceitaram tal ensino foram conhecidos como realistas moderados. O primeiro a trabalhar a Teologia por este viés foi Abelardo (1079-1142), natural da Bretanha. Dava aulas em Paris que eram tão famosas que suas classes chegaram a ter milhares de alunos. Enfrentou uma grande tragédia em sua vida quando se apaixonou por uma de suas alunas particulares, Heloísa, sobrinha de um colega chamado Fulberto. Quando o caso de amor e casamento se tornaram públicos, Fulberto vingou-se dele, emasculando-o com alguns rufiões. Abelardo então convenceu Heloísa a entrar para um convento e ele mesmo foi viver em um mosteiro até a morte, após ter seus ensinamentos condenados por Bernardo de Claraval. Realismo Moderado A posição teológica de Abelardo era moderada. Cria que a realidade existia primeiro na mente de Deus, depois aqui e agora, em indivíduos em coisas, não acima e além desta vida, e finalmente na mente do homem. Defendia, contrariamente a Anselmo, a ideia do “Conheço para que possa crer”. Apelava à razão constantemente como autoridade. Cria que a dúvida deveria levar à pesquisa e esta, à verdade. A morte de Cristo, para ele, não era para satisfazer a Deus, mas para gravar no coração do homem o amor de Deus, influenciando o homem moralmente a entregar sua vida a Deus. A principal obra de Abelardo é Sic et Non. Contém 158 proposições ordenadas para demonstrar as posições dos Pais favoráveis e contrárias a determinadas ideias. Mostrou, com isso, as contradições existentes entre os Pais, tentando solucioná-las. Não rejeitou a teologia autorizada da igreja, mas foi mal visto por seus métodos. Realismo Moderado Tomás de Aquino (1225-1274): O “Doutor Angélico”, de berço nobre, pois sua mãe era irmã de Frederico Barba- Roxa. Educado em Monte Cassino e na Universidade de Nápoles, fez-se monge dominicano contra a vontade de seus pais e dedicou-se a estudar. Por seu jeito desengonçado, foi apelidado de “boi quieto”. Cria que, no campo da filosofia natural, o homem podia alcançar verdades como a existência e a providência de Deus e a imortalidade, através da razão e lógica aristotélica. Além dessas ideias sobre Encarnação, Trindade, criação no tempo, pecado e purgatório, o homem pode alcançar a verdade pela fé na Bíblia, conforme interpretação dos Pais e concílios. Realismo Moderado Sobre a realidade, cria que ela havia surgido na mente de Deus antes de existir nas coisas ou na mente humana. Entendia que, como a fé e a razão vinham de Deus, não poderia haver contradição entre elas. Entre suas obras, a Summa contra Gentiles era um manual de argumentos de revelação natural para treinamento de missionários aos muçulmanos. Sua principal obra foi a Summa Theologiae, com 3000 artigos e mais de 600 questões em três grandes seções. Pretendia sistematizar toda a teologia, tornando- se assim a exposição clássica do sistema da ICAR. Dividida em 3 partes. A primeira discute a existência e natureza de Deus, a Trindade e sua obra na criação. A segunda trata do “avanço do homem a Deus”, falando sobre a natureza da moralidade e das virtudes. Rompe com Agostinho ao afirmar que a vontade do homem é limitada pelo pecado, mas não completamente determinada pelo mal. A terceira fala sobre Cristo como o Caminho para Deus, e da encarnação, vida, morte e ressurreição, além dos sacramentos como meios de graça. Realismo Moderado A influência de Tomás de Aquino foi enorme. Sua doutrina foi expressa poeticamente por Dante em A Divina Comédia e reafirmada por Leão XIII. Entre seus ensinos mais controversos, está a racionalização da ideia por trás das indulgências, fator que levou diretamente Lutero a iniciar a Reforma Protestante. Segundo Tomás, Cristo e os santos possuíam méritos extraordinários, adquiridos em vida e não usados. Tais méritos poderiam, então ser sacados pela Igreja para o penitente. Estes méritos, adquiridos com a compra ou conquista das indulgências, permitia a isenção da satisfação necessária do sacramento da penitência. Tomás também entendeu a igreja como uma instituição corporativa, em detrimento da liberdade do indivíduo. Nominalismo Opositores dos realistas, os escolásticos nominalistas entendiam que verdades ou ideias gerais não têm existência objetiva fora da mente, mas sim são apenas ideias subjetivas formadas pela mente como resultado da observação. Os universais são apenas nomes de classe. Por exemplo, a justiça é apenas a ideia decorrente do homem observar a justiça em ação. Cuidavam mais do indivíduo, ao contrário da visão organizacional e grupal dos realistas. Foram os precursores dos empiristas dos sécs. XVII e XVIII e dos positivistas e pragmáticos contemporâneos. Não negavam a revelação, mas afirmavam que ela deve ser aceita com base na autoridade independentemente da razão, uma vez que muito do que a Igreja afirmava ser absoluto não pode ser demonstrado pela razão. Nominalismo - expoentes Os franciscanos rapidamente criticaram a obra de Tomás, membro da ordem dominicana rival. A crítica originou a posição nominalista dominante no séc. XIV, com o escolasticismo já em declínio. Guilherme de Occam (c. 1280-c. 1349) foi quem desenvolveu o sistema nominalista completo. Dizia que os dogmas teológicos não eram demonstráveis racionalmente e deveriam ser aceitos pela autoridade da igreja. Esta visão separou fé e razão e negou a síntese tomista dos campos da razão e revelação. Occam também negava a existência de universais objetivos e que eram apenas nomes para os conceitos mentais que o homem forma em mente. A crítica de Occam à autoridade da Igreja, dando mais valor ao indivíduo que à instituição, suscitou o interesse de Lutero em suas obras. Roger Bacon (c. 1214-1292) também era franciscano, mas se dedicou aos experimentos científicos. Foi quem colocou os fundamentos da ciência experimental, método desenvolvido por Francis Bacon no séc. XVII. Resultados do escolasticismo Sustentação do sistema sacramental e hierárquico da Igreja Romana com sua crença nos universais que levava à subordinação do indivíduo ao grupo. Importância dada por Tomás de Aquino aos sacramentos como meios de graça fortalecem o domínio da Igreja Católica Romana sobre o indivíduo, pois não havia salvação fora dos sacramentos ministrados pela hierarquia. A doutrina de que a razão precede a revelação como instrumento de conhecimento levou ao perigo de que a verdade conhecida pelos dois métodos poderia se separar em duas esferas, a secular e a sagrada. Tal separação se evidencia na visão nominalista. Novo interesse no homem por parte do nominalismo, o que fomentou muito do materialismo da Renascença. Outros encaminharam-se para o misticismo como forma pela qual o indivíduo poderia ir diretamente à presença de Deus. A Summa Theologiae deu à ICAR medieval e moderna uma síntese definitiva e integrada que harmonizava filosofia e religiosão. Universidades As universidades foram instituições visando ensino e pesquisa que surgiram por volta de 1200 na Europa. Em 1400, já havia mais de 75 universidades na Europa. Nessas escolas, os estudos escolásticos tomavam parte considerável do currículo. O ensino superior precedeu a criação das universidades, mas após seu surgimento, a maior parte da educação superior passou a ser ministrada nas salas de aula, em vez das escolas monásticas e catedrais. Existem várias razões para seu surgimento por volta de 1200: 425: Marciano Capella adapta o trívio (gramática, retórica e lógica) e o quatrívio (geometria, aritmética, astronomia e música) romanos para o estudo da religião. Uso de tais estudos por Carlos Magno em sua escola palaciana, baseando-se no modelo das escolas monásticas de ensino, a partir de 550. Presença de grandes mestres em escolas, como Irnério em Bolonha e Abelardo em Paris. Revoltas ou migrações de estudantes, como Oxford, por fuga de alunos ingleses maltratados em Paris, ou Cambridge após revolta de estudantes em Oxford. Universidades A organização universitária medieval era uma guilda de estudantes ou professores formada com o propósito de defender os interesses comuns dos grupos empenhados no estudo. As universidades do sul da Europa seguiram o costume de Bolonha, onde a corporação era formada de estudantes organizados para proteção mútua contra os abusos das cidades e falhas por parte dos protetores. Já as universidades do norte da Europa seguiram o modelo parisiense de uma corporação de professores. A universidade recebia de um rei ou senhor da região uma licença que estabelecia seus direitos, privilégios e deveres. Em geral cada universidade tinha quatro faculdades. As artes constituíam o curso básico a todos. Teologia, Direito e Medicina eram os estudos mais avançados. O estudante do currículo geral em artes estudava o trívio e ganhava o título de bacharel. O estudo posterior do quadrívio lhe dava o grau de mestre, necessário para quem queria ser professor. A continuação dos estudos em outras faculdades podia lhe conferir um doutorado nas três áreas específicas. Universidades Os estudantes da universidade medieval iniciavam seus estudos aos 14 anos, embora só entrassem para a universidade entre 16 e 18 anos. Tinham os privilégios de clérigos. As provas eram orais, abrangentes e públicas, o que lhes obrigava a defender uma tese diante de professores ou estudantes. O ensino se dava em latim. Como os livros-textos eram só para os professores, o estudante tinha de memorizar conteúdos extensos, o que dava extremo valor à memória e uso da logica, assim como a leitura e a pesquisa nos dias de hoje. O saber se aprendia através das aulas e dos debates. Muito do que vemos na universidade de hoje foi gerado nessa época. Os graus, provas, becas capelos e outros elementos básicos do currículo foram gerados nos tempos medievais. As universidades foram grandes focos de teologia na idade média, com muitos teólogos sendo também professores universitários. Vida e culto na idade média Arquitetura gótica, descrita como “Bíblia de Pedra”, demonstrou a natureza espiritual do século assim como os arranha-céus demonstram o espírito materialista do séc. XX. Demoraram geralmente um século em construção. Arquitetura precedida por modelo bizantino de grandes abóbadas sobre pendentes e mosaicos, usados em Santa Sofia e São Marcos. Dogma da transubstanciação aceito plenamente no Quarto Concílio de Latrão, em 1215. Criação da música polifônica, cantada por coros treinados, acabou com a prática do cântico congregacional em uníssono. Desenvolvimento dos sete sacramentos (missa, batismo, confirmação, penitência, matrimônio, ordenação e extrema unção) como necessários à salvação, como meios de graça. Fontes Texto base: CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 3 ed. Trad. Israel Belo de Azevedo e Valdemar Kroker. São Paulo: Vida Nova, 2008. Textos auxiliares: DREHER, Martin N. Coleção História da Igreja, 4 vols. 4 ed. São Leopoldo: Sinodal, 1996. GONZALEZ, Justo L. História ilustrada do cristianismo. 10 vols. São Paulo: Vida Nova, 1983