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EDITOR CHEFE
Arno Alcântara

REDAÇÃO E CONCEPÇÃO
Marcela Saint Martin

DIREÇÃO DE CRIAÇÃO
Matheus Bazzo

DESIGN E DIAGRAMAÇÃO
Jonatas Olimpio

Material exclusivo para assinantes do


Guerrilha Way.

Transcrição das lives realizadas no


Instagram do Dr. Italo Marsili dos dias
04/03/2019 a 08/03/2019

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COMO É A SEMANA GW
1. Assista, de preferência ao vivo, às lives diárias pelo
YT ou Instagram, às 12h52. https://www.youtube.
com/user/italomarsili/videos: Italo Marsili. Insta-
gram: italomarsili

2. Na segunda-feira, você recebe no portal GW o


material referente às lives da semana anterior.

3. Leia o seu Caderno de Ativação. A leitura do CA não


leva mais do que 15 minutos.

4. Confira no LIVES a visão geral da semana e os


resumos. Separe uns 20 minutos para isso. As
transcrições também estarão lá.

ENTENDA O SEU MATERIAL


1. Toda segunda-feira, 2 PDF’s são liberadas no seu
Portal GW: o Caderno de Ativação e o LIVES.

2. Faça o download dos PDF’s. Você pode ler na tela a


versão colorida e imprimir a versão PB.

3. O Caderno de Ativação o ajudará a incorporar


conteúdos importantes. É um material para FAZER.

4. No LIVES estão as transcrições, os resumos e a


visão geral das lives da semana. É um material para
se TER.

5. Imprima e pendure o seu PENDURE ISTO.


3
ÍNDICE

5
A SEMANA NUMA TACADA SÓ

6
RESUMOS DA SEMANA
10
A QUARTA-FEIRA DE CINZAS
CHEGA PARA TODOS

30 RELIGIÃO NÃO É PORRETE

45 PARE DE JULGAR TUDO


O TEMPO TODO

55
A AUTORREFERÊNCIA TORNA
VOCÊ BURRO E SOLITÁRIO

4
A SEMANA
NUMA TACADA

Live Especial | 04/03/2019 - Instagram | Youtube
A QUARTA-FEIRA DE CINZAS CHEGA PARA TODOS
O segredo para a realização da vocação é baixar do
mundo das idéias para a concretude do mundo real,
onde a obrigação pede para ser cumprida.

Live #33 | 06/03/2019 - Instagram | Youtube


RELIGIÃO NÃO É PORRETE
Os frutos espirituais que nascem da oração, do jejum e
da esmola estão à sua disposição, mesmo que você não
creia em nada. Faça e veja o resultado.

Live #34 | 07/03/2019 - Instagram | Youtube


PARE DE JULGAR TUDO O TEMPO TODO
O seu direito de dar opinião é proporcional ao tempo
que você dedicou ao estudo do assunto. Ficar julgando
tudo o tempo todo o emburrece.

Live #35 | 08/03/2019 - Instagram


A AUTORREFERÊNCIA TORNA VOCÊ
BURRO E SOLITÁRIO
Fica mais burro e solitário quem acredita que as suas
próprias experiências são tudo o que existe — quem
não amplia a consciência psicológica.

5
Live Especial | 04/03/2019 - Instagram | Youtube
A QUARTA-FEIRA DE CINZAS CHEGA
PARA TODOS (LIVE DAS CAMPEÃS)
(Esta é a live escolhida para o seu Caderno de Ativação
desta semana. Não deixe de conferi-lo no Portal GW!)
Não tem jeito: nesta vida, o grande inimigo é a fuga
para o mundo da fantasia, para o mundo das idéias — a
negação ao cumprimento do dever. É, porém, no seio
da obrigação que reside a possibilidade real de cum-
prirmos a nossa vocação; é onde exercemos, verdadei-
ramente, a liberdade.

Parece contraditório? É na harmonização dos contrá-


rios que se desenrola a vida humana. Aquele que vive
perseguindo ideais abstratos, deslocando para lá a pró-
pria vida, negando-se a cumprir as obrigações que se
apresentam, desperdiça a chance de personalizar-se;
no limite, não reconhecerá a própria vida como tendo
sido sua.

A obrigação é o lugar antropológico onde a vocação se


desenvolve. É nas escolhas do homem e da mulher de
carne e osso que a vocação se concretiza e a vida acon-
tece. A vida vivida com alto grau de realidade é o único
caminho possível para a felicidade.

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Live #33 | 06/03/2019 - Instagram | Youtube
RELIGIÃO NÃO É PORRETE

Você pode até não gostar, mas o fato é que existe em


você uma dimensão espiritual, e em algum momen-
to teríamos de falar sobre isso. E não há ocasião mais
propícia do que o pós-Carnaval, quando as luzes da Sa-
pucaí já se apagaram e muitos voltam a tatear no breu
dos sentimentos confusos e pensamentos desencon-
trados.

Seja você católico, protestante, ateu, agnóstico, ma-


cumbeiro ou partidário da “religião do amor”, o fato é
que existem certos atos que, se praticados com cons-
tância, propiciam que certas qualidades espirituais
apareçam em você. São os três elementos da tecnolo-
gia espiritual: jejum, oração e esmola.

O jejum vai ajudá-lo a dominar suas paixões, a ser se-


nhor de si. A esmola vai ajudá-lo a parar de julgar as
intenções e necessidades dos outros. E a oração, o Pai-
-Nosso, se descolada das práticas de esmola e jejum,
não produz o devido fruto espiritual — pode, pelo con-
trário, transformar você em um sentimentalóide que
utilizará a religião como um porrete para bater na ca-
beça dos outros.

Os frutos espirituais dessas três práticas podem ser ve-


rificados na biografia de qualquer pessoa que as adote,
independentemente de credo, de fé, de ter ou não ter
religião.

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Live #34 | 07/03/2019 - Instagram | Youtube
PARE DE JULGAR TUDO O TEMPO TODO

É muito comum que, simplesmente por ter entrado


para uma igreja, ou se matriculado em um curso, ou
passado a integrar determinado grupo, o sujeito co-
mece a sentir-se mais qualificado do que quem está do
lado de fora.

Entretanto, o fato de integrar um determinado grupo,


seja ele qual for, não garante que você irá incorporar
certos valores ou saberes. São as pessoas que enobre-
cem as instituições de que fazem parte; fazer parte de
uma instituição, por si só, não enobrece ninguém. Na
maioria das vezes, quem se examina seriamente deve
concluir que não está em condições de julgar o com-
portamento do outro.

A mesma abstinência de julgamento estende-se ao


péssimo hábito de ter opinião sobre todos os assuntos.
Se você nunca estudou a questão, se não leu os livros
mais importantes sobre o assunto, se não confrontou
as diversas correntes existentes, enfim, se não levou
o tema devidamente a sério, você não tem direito de
emitir uma opinião sobre ele.

A vida madura exige que nos instalemos em um lugar


específico. Ao nos instalarmos no nosso lugar — e aqui
se trata de um exercício de humildade —, poderemos
dar opinião sobre as coisas que entendemos, sobre as
coisas nas quais estamos prestando atenção. Essa é a
única opinião que vale alguma coisa.

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Live #35 | 08/03/2019 - Instagram
A AUTORREFERÊNCIA TORNA
VOCÊ BURRO E SOLITÁRIO

Dos três níveis de consciência existentes, a chamada


consciência psicológica é um elemento absolutamen-
te fundamental para a nossa orientação no mundo e
compreensão do outro. Sem ampliar o nível de cons-
ciência psicológica, o sujeito seguirá vivendo como
se a sua própria experiência fosse tudo o que existe, e
acabará reduzindo o mundo interior dos outros, e toda
a realidade que lhe é desconhecida, para que caibam
dentro da sua própria cabeça.

Para quebrar o ciclo que retroalimenta a autorreferên-


cia, é preciso aprender a calar-se diante daquilo que nos
é desconhecido e a, simplesmente, contemplar aquela
realidade — aquele relato ou experiência que ultrapas-
sa o que nos é familiar —, permitindo que a realidade
mesma ilumine e abra a nossa inteligência, e não for-
çando os limites da nossa compreensão para achatar
o que desconhecemos e fazê-lo caber na nossa cabeça.
Esse fechar-se para a realidade é causa de burrice; o
fechar-se para o outro é causa de solidão.

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Live Especial | 04/03/2019 (segunda) - Instagram / Youtube

A QUARTA-FEIRA DE CINZAS
CHEGA PARA TODOS
Nós estamos juntos há bastante tempo, então vocês
já perceberam que muito do que falo aqui às vezes
parece um pouco paradoxal. Parece ser assim porque
um dos segredos da vida é uma certa harmonização
dos contrários.

Temos de conseguir harmonizar certos


contraditórios em nosso coração, em nosso peito;
caso contrário, vamos escapar monstruosamente
da estrutura mesma da vida e da realidade.

Uma moça me escreveu raivosamente, bem brava,


nervosa pra caramba. Explico o motivo. Um rapaz me
mandou mais ou menos a seguinte mensagem nos
Stories do Instagram: “Não consigo mais... Abando-
nei a minha amante, mas ainda está doendo muito,
está muito difícil para mim, acho que não vai dar”.
Eu respondi: “Isso aí, rapaz. Deixe de chorar, está pa-
recendo um bebê chorão”. Depois eu o parabenizei e,
em seguida, ainda dei mais uma pancada nele. Essa
seguidora (a moça que ficou irritada) escreveu assim:
“Parece que você está fazendo uma apologia à trai-
ção, por que você falou com ele e lhe deu parabéns?”.

Ela estava nervosa porque eu tinha dado parabéns

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para o cara, como se fosse um aval para ele fazer uma
coisa dessa com a senhora esposa dele. Eu respondi
com uma interrogação, e ela se explicou falando mais
ou menos isto: “Ah, parece que você está falando bem
dele, isso é um absurdo, é machismo”. Eu respondi:
“Mas vem cá, me explica: o que você queria que eu
fizesse? Queria que eu desse uma bronca nele?”, ao
que ela falou “Como você resolve coisas, se não com
bronca?”. E eu retruquei: “Uai! Como assim? Qual é a
idéia? É dar bronca nos outros?”.

Aqui está uma das coisas que precisamos entender e


que parte de mim explicar. Eu disse: “Olha, meu amor,
você pode dar bronca em quem você quiser. Bronca
é algo que está aí para ser dado. Você pode dar bron-
ca no seu filho, no seu marido, no seu paciente, em
quem você quiser”.

Acontece que bronca, em geral, é um expediente


que serve para acalmar a consciência daquele
sujeito que está dando a bronca no outro.

Quando você dá uma bronca em alguém, você se


alivia. “Eu dei uma bronca, cumpri meu dever,
briguei com alguém.” Perceba o absurdo! Em que
mundo você vive? Esse não é o mundo do amadu-
recimento, dos adultos maduros.

Quando você está vendo alguém em uma situação de

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erro, você pode dar uma bronca, claro que sim. Faça
o que quiser, mas eu estou aqui para dizer o seguin-
te: isso não vai funcionar muito, porque você vai dar
uma bronca em alguém e esse sujeito vai se armar
contra você. Então, meus parabéns. Você ficou tran-
qüila com a sua consciência porque deu uma bronca,
botou para fora a sua reprovação diante do ato mau
da pessoa, do seu filho, do seu cônjuge, de quem quer
que seja, mas e daí? De que adiantou? Você melhorou
o sujeito? Ele de fato ouviu o que você tinha a dizer?

Aqui entra a harmonização dos contrários, que é


fundamental. Você tem de olhar para o sujeito e
entender qual a complexidade da vida dele. O cara
de fato está querendo melhorar, não está? Ele de fato
está querendo largar uma situação ruim que o dei-
xava em uma posição de vida dupla, que o afundava,
que o fazia olhar para si e dizer “Putz, não me reco-
nheço, estou fazendo besteira diante da vida”. Aí você
vai querer fazer o quê? Brigar com o sujeito apenas?
É isso? Não vai adiantar de nada! A bronca em geral
não resolve, não funciona.

Depois disso, essa mulher dos Stories perguntou “En-


tão, como é que faz, se não é com bronca?”.

Em primeiro lugar, a pessoa só muda se ela quiser. Aí


está o primeiro ponto. Tudo o que podemos fazer é
ajudá-la a querer mudar. Não podemos obrigar (aqui

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entra o tema da live de hoje: obrigação) ninguém a
porcaria alguma, isso é uma coisa absurda, estúpi-
da. Como vamos obrigar alguém a fazer algo? Não dá
para fazer, e nem é bom que seja feito, mas podemos
ajudar o outro a querer.

A obrigação não é um fatalismo. Nós estamos obriga-


dos a várias coisas em nossa vida, porém a obrigação
não pode ser entendida como um fatalismo, do tipo
“Eu estou obrigado, então faço”.

O que é uma obrigação? É uma ligação que você


tem a algo. Vem do latim “obligare”, você está liga-
do a alguma coisa, e você pode ou não executá-la, e
é aí exatamente que reside a liberdade humana. A
liberdade humana sempre residirá neste momen-
to no qual você está obrigado a algo e pode livre-
mente escolher fazer ou não aquilo. Essa é a defi-
nição de obrigação. Não é algo que a pessoa “deva”
fazer. Ela até deve, mas deve fazer o quê? Escolher.

A vocação pode ter um elemento abstrato, como


quando o pessoal fala “Eu queria fazer alguma coisa,
Italo. Eu tinha um sonho de ser bailarina”, “Eu tinha
o sonho de ser escultor”, “Eu tinha o sonho de ser ar-
quiteto”. Muito bem, meu amigo, eu valorizo o seu
sonho, vou ouvi-lo, mas a vocação humana que está
aberta para todos nós não reside no mundo abstra-
to.

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Quando pequeno, eu achava que tinha uma vocação,
ou sonho, ou desejo, ou chamado, o que seja, a lidar
com coisas espirituais. Desde muito novo eu tinha
esse desejo, era isso o que me chamava a atenção,
mas era um tipo de vocação arcaica, porque não ti-
nha muito lugar. Eu não me sentia muito inclinado,
chamado a isso, e além disso eu não tinha nenhum
horizonte de consciência claro das vocações religio-
sas, por assim dizer, tradicionais. Simplesmente não
estava no meu horizonte, não era uma coisa concre-
ta para mim, não estava dentro da minha circuns-
tância.

Eu não tinha ninguém na família que fosse um mon-


ge budista ou um frei católico, por exemplo. Era algo
que não estava aberto para mim, no entanto esse in-
teresse estava na minha cabeça. E como tal inclina-
ção foi, afinal, se concretizando no mundo real? É
isso o que importa no fim das contas, e é isso o que
determinará a sua felicidade ou não.

Sempre que a gente se apega a sonhos abstratos, a


idéias, a chamados, a vocações muito genéricas e
abstratas, em regra vamos nos frustrar e ficar decep-
cionados. Aqui está o primeiro chamado de hoje: as
pessoas que ficam falando que você pode ser o que
quiser ( já falei sobre isso na famosa live do pato as-
tronauta) estão estimulando que você tenha (grave
este nome) um menor grau de realidade. E quanto

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maior o grau de realidade da nossa vida, mais feli-
zes nós somos.

Não é também para você viver uma vida material,


pegada ao chão, ao solo — não é isso absolutamente.
É aqui que reside harmonização de contrários de que
falei no início da live e que nos é fundamental.

Por exemplo, a idéia genérica que a menina tinha, de


que “O homem que trai a mulher precisa ser empa-
lado, que coisa absurda, que falta de respeito, é um
filho da mãe que não merece o respeito de ninguém”.
Essa era a idéia dela. Todavia a vida concreta, a cir-
cunstância concreta daquele sujeito é a seguinte: ele
está tentando sair daquela porcaria de situação em
que ele se encontra, e aí você vai fazer o quê? Empur-
rá-lo mais ainda para aquele seu universo abstrato
ideal? Mas que coisa louca, que idéia de jerico!

É isso o que a moça dos Stories tem feito com a vida


dela, por isso ela está triste, frustrada e decepcionada
(antes ela havia falado um monte de coisas no Direct,
eu subi a conversa e vi um monte de reclamações),
mas ela não conecta uma coisa com a outra! E nós
também não fazemos isso. Em geral estamos frustra-
dos, tristes, soltos; e quando estamos soltos, ou seja,
quando não estamos com os pés no chão, ficamos em
uma situação de insegurança mortal.

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O grau de realidade é fundamental para nós. Não pre-
cisamos nos esquecer totalmente do chamado abs-
trato, universal, da idéia genérica que temos sobre
as coisas, mas precisamos olhar para algo chama-
do obrigação. E não vamos entender aqui “obriga-
ção” como um fardo pesado, odioso.

A obrigação se apresenta para nós


como a possibilidade de escolha.

Ela aparece quando estou diante de uma circunstân-


cia qualquer, diante do meu filho, do meu marido, de
um trabalho. A obrigação é um chamado que você
recebe e uma resposta que você dá. Essa é a obriga-
ção que cabe a todos nós; seremos mais felizes quan-
do estivermos atentos à nossa obrigação.

Acabaram de escrever aqui: “Eu odeio obrigação!”.


Claro que você odeia, porque você ainda está atento
apenas ao mundo das idéias, ao mundo de sonhos, de
fantasia. Isso é a receita da tristeza, da infelicidade,
da vida improdutiva, receita do que o pessoal gosta
de chamar de “falta de sucesso”.

Perguntam-me aqui: “Italo, qual a receita do su-


cesso?”. Ora, é uma só: estar atento à obrigação de
cada instante, de cada circunstância. Isso, no limi-
te, é a sua vocação.

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Há quem chegue e me fale “Italo, qual a minha vo-
cação? Não sei para que fui chamado, não sei qual o
meu lugar no mundo, acho que vou largar o emprego
público e empreender”. Beleza, você pode fazer isso
tudo, mas faça isso diante da sua obrigação, caramba.
Você tem de olhar para a obrigação de cada momen-
to concreto. A obrigação é o que dá felicidade ao ho-
mem. O mundo de sonhos não deixa ninguém feliz,
é um ato masturbatório, vai deixá-lo feliz naquele se-
gundo apenas, depois passou, não resta nada.

Quando o sujeito fica só atento a esse mundo abs-


trato, ele não concretiza a sua vocação, porque foge
do lugar humano chamado obrigação. É a atenção
à obrigação de cada momento que leva o sujeito à
felicidade.

“Italo, como fazer isso na prática?” Respondo. É a


coisa mais fácil de se fazer, no fim das contas. Você
tem aí uma idéia da sua vocação, do seu chamado, do
que tem de fazer, e isso está pairando na sua cabeça.
Ótimo. Mas aí você começa a dar muita atenção para
essa coisa. Veja que tragédia: você não se personali-
za, não se transforma naquele eu único, que, no fim
das contas, é a sua personalidade.

Você não constrói a sua personalidade, porque co-


meça a caminhar para um lugar que é igual ao lugar
de muita gente. No limite, quando você está pensan-

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do no “eu ideal”, você está pensando em alguém so-
bre quem você ouviu, em algum personagem de fil-
me, em alguma idéia maluca da sua cabeça. Quando
você caminha só para esse lugar, você se afasta da sua
personalização, e então a infelicidade é justamente o
próximo passo, é o que você vai encontrar na virada
da esquina.

Não há escapatória, não adianta ficar se debatendo,


falando “Odeio obrigação, não gosto que me obri-
guem a nada”. Você está fugindo para um mundo
abstrato que o levará à infelicidade. Esse é o motivo
pelo qual você tem estado triste e vazio! Por isso você
não tem nada na mão, nem dinheiro, nem muitos
amigos, por isso você está sempre sendo trocado (ou
trocada), por isso sua sogra não gosta de você, por
isso seu marido está te olhando com cara amarrada,
por isso sua mulher não quer deitar contigo à noite…
Isso tudo porque você está fugindo da sua obrigação!

A obrigação é o lugar antropológico no qual a voca-


ção se desenvolve, acontece. Isso lhe dá o grau de re-
alidade, e o tesão da vida humana é justamente estar
inserido na realidade. Quando baixamos desse lu-
gar genérico, fantasioso, e começamos a, circuns-
tância a circunstância, escolher livremente aquele
que nos parece ser o melhor caminho, nós começa-
mos também a nos instalar na realidade concreta.

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E olha só: escolha livre implica erro necessariamente.
Isso significa que, estando diante de uma obrigação,
óbvio que você pode errar, negar aquela obrigação,
mas é melhor estar aí do que no mundo abstrato da
fantasia que o levará às lágrimas, ao vazio, que fará
com que você, no leito de morte, olhe para sua vida
e declare “Caramba, que vida foi essa? Quem viveu
aqui no meu lugar? Olho para trás e não me reconhe-
ço”. Claro que não reconhece, porque você não deu
grau de realidade para a sua vida, só ficou naquele
mundo abstrato, que é um mundo de muita gente,
mas não o seu.

O pessoal pergunta “Italo, eu queria ser rico, como


faço?”. Pois bem. Se você nasceu assim, essa é a sua
circunstância, você herdou dinheiro. Se você não
nasceu rico, deixe-me contar uma coisa: você até
pode ficar rico, mas só pode ficar rico caso cumpra
sua obrigação. Se você for para o mundo abstrato do
“Quero ser rico”, você não vai ser nem rico, nem fe-
liz, nem respeitado, e, quando olhar para trás, para a
sua vida, também vai se questionar “Caramba, quem
viveu isso aqui?”.

Eu me lembro de uma conversa que tive com a mi-


nha esposa, que, na época, ainda era namorada. Foi
um pouco antes de começarmos a alinhavar as coi-
sas para o casamento. Tivemos uma conversa muito
franca e muito tensa, na qual eu falei: “Olhe, linda,

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você sabe o que pode acontecer. Sabe que sou capaz
e inteligente, mas pode ser que todos os maridos das
suas amigas prosperem, pode ser que todos viajem
para a Europa e a gente fique pobre, porque há uma
coisa que teremos de cumprir, que é a nossa obriga-
ção”.

E às vezes a obrigação pode nos afastar do mun-


do de prosperidade material. Isso pode acontecer
mesmo, e é o mais normal que aconteça.

Todavia, se você cumpre a sua obrigação,


você encontrará felicidade, meu caro.

E se, no meio do caminho, você tiver uma circuns-


tância para prosperar financeiramente, você vai
prosperar financeiramente.

Cumpra sempre a sua obrigação. “Como se faz isso,


Italo?” Em cada circunstância concreta, você vai
discernir o que de fato deveria fazer. Obrigação não
é nada além disso.

Claro que as pessoas odeiam obrigações, porque,


quando você cumpre sua obrigação, você se perso-
nalizou, você portanto é, você passa a ser, e, quando
você passa a ser, não há mais para onde empurrar
desculpas, não há como empurrá-las para cima dos
outros. Você passa a notar que a culpa é sua e de mais

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ninguém, e isso aterroriza muita gente. Parece um
paradoxo, mas não é. Trata-se da harmonização dos
contrários que temos de buscar.

Quando você se personaliza, responde à sua obriga-


ção, já não há mais como botar a culpa nos outros. E
aí vem um medo, do tipo “Caramba, não posso cul-
par ninguém. Se a coisa está dando errado a culpa
é minha, é só minha”. É, meu caro, a culpa é só sua,
mas não há tesão maior que esse na vida, porque você
está instalado em um grau de realidade.

Fala-se muito sobre vocação pegando o elemento


profissional, que deixa a questão clara. “Ah, Italo, não
sei se quero ser advogado ou médico, se largo ou não
meu trabalho.” Tudo isso obviamente se aplica a essa
realidade profissional, porém há várias outras reali-
dades, como a do amor, por exemplo.

O poeta espanhol Antonio Machado diz que “Nin-


guém escolhe o seu amor: é como se ele aparecesse”.
Nós complementamos: não escolhemos o amor, mas
escolhemos dar a resposta diária a esse amor, esco-
lhemos sobretudo nos enamorar. O enamoramento
é o elemento vocacional da relação.

Amor é o seguinte: apareceu um bicho na minha


frente, de quem eu falo “Caraca, eu gosto dessa mu-
lher, eu a amo, meu Deus do céu, não consigo não

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pensar nela, não consigo parar de olhar para ela”.
Isso acontece no início, esse é o amor que nos esco-
lhe, por assim dizer. Já enamorar-se significa debru-
çar-se sobre aquela realidade e fazer da vida do outro
um projeto seu também. É querer que o outro seja
mais ele, e, para isso, a cada momento você dá uma
resposta diante daquela realidade para melhorar o
outro. Esse é o elemento vocacional de uma relação
humana. Não há nada mais lindo que isso. Você está
obrigado àquela pessoa.

Lógico que a obrigação “tira” de você aquela per-


cepção abstrata de liberdade, mas, paradoxalmen-
te, é isso que o torna livre, porque liberdade é igual
à felicidade. É mais livre aquele sujeito que é mais
feliz, mas felicidade vista pelo ângulo profundo, en-
tende?

Quando você está em uma relação e decide que a


vida do outro é o seu projeto, decide que você está lá
para melhorar aquela pessoa, para fazer com que ela
seja mais ela, com que seja substancial, quando você
decide que está ali para apoiá-la, suportá-la, criar um
universo no qual ela possa se desenvolver melhor,
prosperar, óbvio que você fica obrigado naquela re-
lação.

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Você, sob certo aspecto, é parte do ambiente
no qual a vocação daquela outra pessoa
vai se desenvolver.

Isso é o enamoramento, é uma delícia, é relaciona-


mento humano forte. É isso que temos de buscar.

Na vida profissional é a mesma história. Tanto faz


se você está no seu emprego público ou vendendo
brownie. Tanto faz onde você está, o que você tem de
buscar encarniçadamente, em uma batalha corpo a
corpo como se a sua vida dependesse daquilo, é cum-
prir a sua obrigação.

Tem de gostar, desejar, acordar todo santo dia e falar


“Caramba, que hoje eu seja obrigado a fazer as coisas,
que eu encontre a obrigação e responda a isso. É isso
o que tenho de fazer. Não ficarei fugindo feito uma
criancinha”. Uma criancinha é alguém que não está
obrigado a porcaria nenhuma, porque vive em um
mundo imaginário, de fantasia, não consegue olhar
para a circunstância concreta e dizer “É isso o que
vou fazer”. São os pais que mandam a criança fazer
alguma coisa. Quantos de nós, adultos, não estamos
vivendo nessa porcaria de mundo infantil, não que-
rendo ser obrigados a nada?

Está bem, vá lá, não se obrigue a nada, fuja da obriga-


ção como o diabo foge da cruz para ver o que aconte-

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cerá. Você, daqui a pouquinho, notará que está fora
do grau de realidade; logo, você fugiu da realidade,
fugiu da sua obrigação, da vocação, da sua felicidade.

Ora, você não fica triste ao fim de um dia no qual você


não cumpriu porcaria alguma, nenhuma obrigação?
“Ah, hoje foi alalaô, alalaô, alalaô.” Tudo bem, beleza
que o Carnaval dure quatro dias, imagine se durasse
365!? Sua vida seria um alalaô? Um abre-alas eterno?

Se fosse assim, você olharia para trás e veria aquela


avenida cheia de serpentina, suja, com chão enlame-
ado, veria um lixeiro varrendo a Sapucaí como se não
tivesse sobrado nada da sua história. Transforme sua
vida em um eterno alalaô para ver o que acontece. A
realidade que sobrará é de uma Sapucaí vazia, com
cheiro de urina, defecada. Quem já viu fim de desfi-
le? É pior que xepa de feira. Não sobra nada, nem um
sonho, nem as esperanças, nada, somente um amar-
gor, um mastodonte de concreto que não significa
nada. É isso o que acontecerá na sua vida.

Que não façamos da nossa vida um eterno alalaô;


ao contrário, que ela seja uma obrigação verdadei-
ra, que a gente se obrigue a cada dia a entrar na
realidade da vida, que a gente se obrigue a cada dia
a crescer no grau de realidade olhando para a cir-
cunstância concreta e fugindo do mundo imaginá-
rio e abstrato.

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“Italo, mas que coisa triste que você está falando, eu
não posso mais sonhar? Que absurdo!” Ué, minha fi-
lha, sonhe o que for à vontade, mas sonhe de noite e
de olho fechado. Quando você acordar no dia seguin-
te, olhe para o seu filho, seu marido, sua esposa, seu
colega de trabalho, seu cachorrinho, para a planilha
que está na sua frente, e obrigue-se àquilo.

Olhe para a realidade até que ela o


chame a fazer o que você precisa fazer.

Isso é o que dá felicidade para a vida humana, caram-


ba, não há nada que dê mais tesão que isso. Você está
triste porque foge da realidade, da sua obrigação há
anos. Está abandonando sua vocação.

“Abandonando minha vocação, Italo?” Exatamente.


“Mas eu tenho vocação para ser bombeiro, astronau-
ta.” Na sua cabeça você pode imaginar que tem a
vocação que quiser, mas só há uma vocação do ho-
mem concreto e da mulher concreta: estar obriga-
do, estar obrigada, fazer o seu melhor na circuns-
tância concreta.

A sua circunstância concreta é diferente da minha,


então, quando faço o meu melhor na minha circuns-
tância e você faz o seu melhor na sua, nós já iremos
para lugares diferentes, cada um terá a sua realidade
concreta aparecendo na frente da sua própria cara.

25
Isso é a vocação.

Não venha com o papo de “Vou descobrir minha vo-


cação aqui no meu escritório acendendo um charu-
tex e pensando no que eu deveria fazer, pensando em
como o mundo seria melhor se eu estivesse no lugar
que Deus preparou...”. Pare com essa bobagem, não é
isso, não é assim que funciona!

A vocação concreta aparece quando você


olha para a circunstância em que você
está instalado e lhe responde com amor.

Ela aparece quando você fala “É isso o que eu deveria


estar fazendo, portanto eu faço”.

E você pode fazer errado ou certo, o que você não deve


é fugir. É muito melhor estar em uma circunstância
concreta e errar do que fugir para aquele mundo da
fantasia. Isso é o que define a sua vocação. Quando
você cumpre a sua obrigação aí, nesse lugar, a sua
vida já se diferencia da dos outros. Então não queira
ser a diferentona, não queira ser o diferentão, não
precisa disso. Você já será o diferentão quando cum-
prir a sua obrigação, quando responder ao chamado
da realidade que vem.

O chamado da realidade vem com um som espe-


cífico: o som da obrigação. É assim que a coisa soa

26
em nosso ouvido, é assim que ela aparece no nosso
coração.

Não é de outro modo.


Não fuja disso.
Essa é a trama do real, é isso que lhe dará a
felicidade, a constância e o sucesso que você quer.

E pode ser que isso, em algum momento, lhe pro-


porcione o dinheiro que você também quer.

Aquela menina de quem falei no começo da live está


nessa situação. Ela está fugindo para o mundo abs-
trato no qual a cabecinha dela está.

Desça para a circunstância concreta, olhe no olho da


pessoa que o chama. Isso é a empatia possível, é olhar
para o olho daquela criatura, para o olho do seu filho,
do seu marido, do seu gato. Ainda que sua obrigação
seja apenas dar ração ao seu gato naquele momento,
se essa é a sua obrigação, caramba, cumpra-a! Você
não quis ter a porcaria do gato? Então vá lá e alimen-
te o bicho. Quando fugimos desse lugar, frustramos a
nossa vocação.

Recapitulando: a vocação se cumpre não no mun-


do de fantasia da sua cabeça. A vocação real do ho-
mem se cumpre na sua circunstância concreta, no
lugar onde você está, e esse lugar aparece com um

27
nome chamado obrigação. É aí que você vai desen-
volver sua vocação. É só nesse lugar e não em outro.
Quando você estiver para morrer, você vai poder
olhar para trás e admitir “Caraca. É. Mal ou bem,
fui eu”.

Importa termos uma personalidade consistente,


para que, quando estivermos lá deitados, mortos,
nus no altar, aquele sopro do Juízo passe sobre nós
e não sobre um núcleo duro, um coração duro que
escolheu mal.

A escolha reside no coração do homem. O coração é


o lugar da liberdade que ninguém apaga. Ninguém
tira nossa liberdade, somos livres até o fim. E para
quê? Para voar de avião para onde quisermos, para
termos a mulher que está na nossa cabeça? Não, isso
não é liberdade, é loucura da cabeça, é desejo, fanta-
sia, poesia, romance.

Liberdade é escolher o melhor em cada circunstân-


cia concreta. É mais do que isso: é tentar escolher o
melhor em cada circunstância concreta. Isso é o que
dá consistência para o seu coração, é isso o que fica
no fim de tudo. Quando aquele vento terrível do Ju-
ízo passar, o que sobrará é um coração que desejou
escolher o melhor em cada momento.

28
Ninguém o julgará por ter escolhido o pior
em certa ocasião; você estava tentando usar a
liberdade, que é o distintivo da vida humana.

Um vulcão não é livre, uma pedra não é livre, um


anjo não é livre, mas o ser humano é livre até o últi-
mo segundo do último minuto. A liberdade se exer-
ce na obrigação. Só somos livres quando estamos
diante de uma obrigação e escolhemos responder
sim a ela. Isso é o que dá consistência para a vida
humana, para o seu coração, é o que o instala na
realidade, é o que, no fim das contas, lhe dá o peso
da sua vocação, que o conduz verdadeiramente à
felicidade.

Aí está o processo. Não há outro. Fuja da “liberdade


verdadeira”, da liberdade concreta para o mundo da
ilusão, para você ver o que acontece com a sua vida.
A infelicidade aparecerá necessariamente.

29
Live #33 | 06/03/2019 (quarta) - Instagram / Youtube

RELIGIÃO NÃO É PORRETE


Hoje é um dia especial: Quarta-feira de Cinzas. Para
muitos é o início da Quaresma, para outros é um dia
como outro qualquer. Para os que pertencem ao se-
gundo grupo, saibam que estão perdendo uma gran-
de oportunidade.

Eu estive em Barcelona no ano passado, na época das


eleições, e acabei falando um pouco de política por
aqui. Fiz umas análises psicológicas sobre a política
do Brasil, e alguns reclamaram: “Italo, mas que coisa
chata você falando sobre política! Eu não entro aqui
para ouvir sobre isso”.

Bem, então vá embora. A política é uma dimensão do


ser humano (que é um animal político), assim como
a dimensão espiritual também está presente no ser
humano.

Se não estivermos atentos à dimensão espiritual,


perderemos uma grande ferramenta, estaremos
olhando para um homem amputado.

Você estará perdendo uma grande oportunidade


de se conhecer melhor, de operar melhor, de en-
tregar mais, de estar mais bem instalado dentro da
sua realidade.

30
Assim como a dimensão afetiva é uma dimensão do
ser humano, assim como a dimensão sensitiva e a di-
mensão sociológica (do convívio) são dimensões do
ser humano, obviamente a dimensão espiritual tam-
bém é uma dimensão do ser humano. Então, bem,
por que não falar disso? Seria uma grande perda se
não falássemos desse tipo de assunto mais direta-
mente.

Não falo de religião propriamente aqui, em primei-


ro lugar porque não tenho autoridade para isso. Não
sou pastor, nem padre ou monge budista, então não
tenho autoridade para falar de uma religião em con-
creto, e também não sei qual a sua religião.

“Italo, sou ateu, não verei o vídeo de hoje.” Não seja


trouxa. Veja este vídeo, porque será útil para você,
nem que seja só para adquirir conhecimento.

“Italo, sou agnóstico.” Assista a esta porcaria.

“Italo, sou crente, protestante.” Assista.

“Italo, sou católico.” Assista também.

“Italo, sou macumbeiro.” Idem. Assista.

“Italo, minha religião é o amor.” Está bem, cara, en-


tão escute o que vou falar para podermos viver bem

31
este tempo que aparece para a gente nos 40 dias que
antecedem a Páscoa.

Quando estudamos religião, percebemos que todas


elas têm certas qualidades. Podemos estudar religião
pela teologia através de certos ângulos. Por exemplo,
há uma parte da teologia que é o estudo da Teologia
Moral, aquela parte da Teologia que dá conta de es-
tudar o comportamento do homem diante das Ver-
dades Reveladas, diante, por exemplo, dos Manda-
mentos, da Lei de Deus, e por aí vai. Depende de cada
matriz religiosa.

Uma grande parte das religiões hoje em dia só pen-


sa em teologia moral, ou seja, a religião vira um
juízo, um porrete para você ficar julgando e falan-
do “Ah, você está se comportando mal, assim não
vai para o céu” ou “Ah, você não pode fazer isso e
aquilo”. A religião vira mesmo um saco, fica uma
religião de tipo kantiana, moralizante e moralista.
Não que essa dimensão não seja importante, claro
que é, mas não é a única dimensão da religião.

Há uma outra parte da religião, que é a teologia dog-


mática. Muitos comentam: “Essa parte eu odeio!
Odeio dogmas, odeio que fiquem me impondo coi-
sas”. Esse tipo de pessoa terá uma tendência a não
gostar de certas religiões que possuem uma dogmá-
tica mais forte, mais precisa. Teologia dogmática é

32
aquela parte da religião que aponta quais são as Ver-
dades Reveladas, as Verdades de Fé, ou seja, se você
não está aderido à dogmática do seu corpo religioso,
podemos dizer que você não pertence àquela reli-
gião.

Por exemplo: se a sua religião fala que você tem de


guardar o sábado, e você diz “Não concordo com
isso”, então saiba que você não pertence a essa reli-
gião, porque guardar o sábado faz parte da teologia
dogmática dessa religião em concreto.

Se a sua religião professa “Tem de guardar domingos


e dias santos” e você fala “Ah, com essa parte eu não
concordo, Italo”, então saiba: você não está dentro do
corpo dessa religião, porque a teologia dogmática é
importante justamente para dizer o que o qualifica
a estar dentro ou fora da religião. É preciso acreditar
em certas coisas, caso contrário você está fora, não é
dessa religião.

Eu queria falar hoje sobre outra parte da religião,


que infelizmente está esquecida e que para a nossa
finalidade aqui é a mais importante (até para você
que não tem religião). É a parte da teologia ascética e
mística. “O que é isso, Italo?” Vou explicar.

A teologia ascética e mística é aquela parte da teo-


logia, da religião que diz que você terá de fazer cer-

33
tas coisas para observar em si determinadas qua-
lidades espirituais, quer dizer, se você age de certa
forma, aparece em si certo fruto espiritual.

“Nossa, Italo, mas é verdade isso?” É verdade. O ele-


mento da crença, da fé é só um dos elementos do su-
jeito que tem religião. É um só. Existe outro elemen-
to, que é o da prática, ou seja, aquilo que você faz. A
prática é um elemento importante mesmo para você
que não possui religião.

Se você quer acreditar, quer ter fé, isso é bom, não


vou discutir. Faça isso aí, beleza? Pode tocar o bar-
co. Porém, se você não pratica, não tem uma tarefa,
um hábito, a sua fé, sua crença não ganha substân-
cia. Se você não pratica, é porque ainda está em um
domínio afetivo, sentimental. Ou seja, na primeira
contrariedade que você tiver, que Deus nos livre, mas
o primeiro filho seu que morrer, o primeiro pai que
você perder para uma doença, o primeiro braço que
você perder em um acidente farão com que você per-
ca sua fé.

Se a sua religião não está amparada em um conjun-


to de práticas — literalmente, de normas que você
pratica, essa fé ainda não é uma fé, é só um negócio
que está dentro do seu peito, que você abandona-
rá quando for contrariado. É uma religião imatura
ainda.

34
“Italo, eu não tenho religião, não gosto desse papo.”
Não importa, pratique de qualquer modo. Você tam-
bém ainda é um covarde, não gosta de ser pontual,
de ser fiel, de ser leal, certo? Você é tudo isso, caram-
ba, mas, para conquistarmos essas virtudes huma-
nas, temos de praticar, não é verdade?

Quer dizer, você gosta de ser pontual? Não. Nem eu,


obviamente, porque custa, porque é chato, porque a
gente precisa ligar o despertador e acordar naquela
hora específica. É uma porcaria, é ruim, no entanto,
se você programa o despertador e acorda na hora, se
não fica enrolando com soneca na sua cama, se toma
banho frio, não é verdade que certa qualidade moral
aparece dentro de você? Você fica mais forte, mais
íntegro, mais leal, as pessoas passam a confiar mais
em você. Não é assim que funciona?

Ora, com a religião é a mesma história. “Italo, não


tenho religião.” Não importa. Se você pratica certos
atos, uma qualidade espiritual aparecerá dentro de
você mesmo que você não tenha fé. É uma coisa ex-
traordinária.

E quais são os atos que estão presentes universal-


mente em todas as religiões? Em todas elas há três
práticas, ou seja, uma tríplice tecnologia espiritual:
jejum, esmola e oração. Tais atos estão presentes em
qualquer religião, e mesmo o sujeito que não tenha

35
religião terá benefícios se praticá-los. É ou não é?

“Ah, Italo, estou afastado da fé”, “Italo, eu não gosto


desse negócio de religião”, “Italo, acho que religião é
uma mordaça, uma camisa de força”, “Italo, religião
é muito chato.” Tudo bem. Façamos um combinado
aqui. Pratique essa tríplice tecnologia por 40 dias
para você ver o que acontece. Você vai melhorar,
bicho. Jejum, esmola e oração.

Sobre o jejum, não me venha com o papo de “Ah, vou


fazer jejum de WhatsApp, vou fazer jejum de parar
de falar mal da minha vizinha”. Meu amigo, jejum de
WhatsApp significa temperança, ou seja, você JÁ não
pode ficar o dia inteiro no Whatsapp. Parar de falar
mal da sua vizinha significa honradez, hombridade,
nada tem a ver com jejum, é norma da boa educação,
do bom convívio, caramba. Não confunda uma coisa
com a outra.

Óbvio que você não pode ficar no WhatsApp o dia


inteiro e também não pode ficar falando mal da sua
vizinha, mas, quando você cumpre esses deveres,
o que aparece no seu peito não é uma qualidade
espiritual, e sim uma qualidade moral. As pessoas
não têm a mais mínima idéia de como funciona o
negócio, pois não estudam teologia ascética e mís-
tica, não têm idéia do que é a religião. E você, que é
um implicante, também não sabe sobre isso.

36
Quando você vir alguém falando “Neste tempo, faça
jejum de falar mal da vizinha”, responda “Beleza, fa-
rei isso também, e mais outra coisa: farei jejum de
comida”. Comida, caramba! Jejum espiritual é jejum
de comida! É para passar fome! Não há como ser mais
claro do que isso.

Mas não é para passar fome pensando na estética,


porque aí é outro problema. Você pode fazer jejum
intermitente, por exemplo, mas com qual finalida-
de? Qual a qualidade que você quer que apareça em
você? Nesse caso, é a barriga chapada.

Já quando você pratica o jejum religioso, surge


outra qualidade: a capacidade de dominar uma
coisa que chamamos, tecnicamente, de paixões.

O que são as paixões? São aqueles movimentos que


você tem e que não o deixam cumprir suas obriga-
ções. São aqueles momentos que, por exemplo, te fa-
zem ser preguiçoso, que te fazem trair sua mulher ou
seu marido. A isso chamamos de paixões; são aque-
les movimentos que você não controla muito. “Ih,
rapaz, quando eu vi, já estava agarrando a vizinha,
meu Deus do céu.” Esse “Quando eu vi, já tinha feito
a burrada” se deve a essas paixões, a esses movimen-
tos interiores que você tem e não controla, não do-
mina direito.

37
Para que serve, então, o jejum? Justamente para
você dominar essas paixões, ser mais senhor de si.
Ora, se você é capaz de passar fome por seis horas
porque quer, também consegue controlar suas pai-
xões. E não são seis horas sem comer, são seis horas
com a barriga doendo. Comece com uma hora, de-
pois duas, vá aumentando com o tempo até chegar
às seis.

Se você tem capacidade de fazer isso porque quer,


você então entende que é senhor dos seus movimen-
tos e começa a controlá-los. Você não vai mais se pe-
gar cometendo burrada sem saber que está fazendo.
Quando fizer a cagada, será porque quis fazer, já é
uma qualidade acima.

É sofrível convivermos com pessoas que parecem


um bichinho, que a toda hora lamentam: “Ih, rapaz,
puxa vida, não sei por que fiz essa besteira, que pena”.
Quando você pratica o jejum, essa é a qualidade que
aparece dentro de você. O jejum é um dos elementos
da tríplice tecnologia espiritual. O outro elemento é
a oração.

O pessoal adora oração. “Italo, adoro fazer oração e


adoro grupos de oração.” Deixa eu falar uma coisa,
você que tem religião (daqui a pouco falo para o ateu
como ele faz oração): faça oração SEM esmola e je-
jum para você ver o que acontece. Você vira um pé

38
no saco, um sentimentalóide, uma pessoa que fica
julgando todo mundo, você não melhora, vira um
fracote.

Oração sem jejum e esmola é nada, é vento.

Não sou eu quem está falando isso; a afirmação está


escrita no seu corpo de religião. Você tem de culti-
var as três práticas. Tem de dar esmola sem que a
sua mão esquerda saiba o que faz a direita; tem de
fazer jejum sem ficar desfigurando sua face como
os hipócritas fazem. Além, claro, da oração.

Mas faça apenas a oração para você ver o que acon-


tece. Você se acostumará a uma porcaria chamada
sentimentozinho da cabeça. Se você orar sem ter fei-
to jejum e esmola, você vai se acostumar a pensar, e
pensar não é uma atividade espiritual, é uma ativi-
dade humana.

A atividade espiritual da oração aparece quando am-


parada na tríplice tecnologia espiritual. Aqui está a
resposta de por que você fica fazendo oração há anos
e continua sendo o mesmo lixo que sempre foi. Ali-
ás, pelo contrário, você piora: vira uma pessoa chata,
sem alegria, que julga todo o mundo, vira uma pes-
soa chata que ninguém gosta de chamar para lugar
nenhum. Você passou a julgar todo mundo, não bebe
mais, não fuma mais, virou um chato de galocha, um

39
porre, porque fez um negócio desconectado do resto.
Faça oração, mas amparado na tríplice tecnologia
espiritual. Fazer somente oração vira coisa de louco,
você vai se acostumar só a pensar, e pensar é ativida-
de humana e não espiritual.

E pior: você começa a achar que é superior, pensan-


do “Veja, eu estou pensando diante de Deus, então
eu sou um ser eleito, sou escolhido”. Você vira refe-
rência, começa a se achar, seu ego e seu amor pró-
prio desregulado vão lá para cima e você vira um
porco, um porre, uma pessoa que não serve para
nada e que ainda não tem qualidade espiritual.

A última coisa é a esmola. “Ah, Italo, esmola é tão an-


tiquado, tão old fashioned, não darei esmola, farei ca-
ridade diretamente pelo Paypal. Vou doar para uma
ONG da Nova Zelândia que cuida dos golfinhos.” Faça
isso também, ótimo, o golfinho precisa da sua ajuda,
mas a qualidade espiritual de quando você dá esmo-
la não é a mesma de quando você ajuda a ONG dos
golfinhos da Nova Zelândia. Maravilhoso, o golfinho
terá uma pele lustrosa, comerá só ração específica
para golfinho. Beleza, mas isso não é esmola.

Esmola é pegar dinheiro e dar para o


mendigo, para o pedinte na rua.

40
Isso é esmola. “Italo, mas isso não aumenta a crimi-
nalidade? Não fará com que a pessoa fique acomoda-
da?” Você já passou fome na vida? Já ficou sem lugar
para morar?

Você precisa de dinheiro na hora para poder com-


prar sua comida, sua cachaça, para esquecer um
pouco daqueles seus problemas, para depois poder
comprar o esmalte ali na farmácia e ficar mais boni-
ta para o seu namorado mendigo. Caramba, é para
isso que serve dinheiro para mendigo. Pare de ficar
enchendo o saco dele e o julgando.

A qualidade que aparece imediatamente na


sua alma quando você dá esmola é a de parar
de julgar o mendigo.

O seu patrão lhe dá dinheiro todo mês e ele não fica


julgando as burradas que você faz com a grana. “Ah,
Italo, mas eu trabalho.” Você não trabalha porcaria
nenhuma, você é um vagabundo que recebe muito
mais do que merece. Caia na real.

E mais: se você tem religião, Deus lhe dá a graça do


Céu todo santo dia e você abre um ralo, um bueiro
no seu coração deixando essa graça escorrer, só faz
burrada, porque é infiel.

41
Se Ele não o julga, por que
você vai julgar o mendigo?

Você é muito mais parecido com ele, então dê o di-


nheiro para o mendigo com toda a tranqüilidade e
amor do mundo. Dê o dinheiro, você se livrará des-
se juízo que fica fazendo de todo mundo, e isso será
ótimo para o seu espírito.

“Italo, como um ateu faz oração?” Pratique jejum e


dê esmola, isso qualquer pessoa boa pode fazer. Você,
ateu, percebeu que o jejum será bom mesmo que
você não acredite em Deus? Jejum será ótimo para
você, você controlará suas paixões e será um pouco
menos ruim do que tem sido. Depois você dará esmo-
la e também será bom, pois você vai parar de julgar
os outros, ficará uma pessoa menos “cricri”. Ampara-
do nisso, você fará oração.

“Italo, mas eu acabei de falar que não acredito em


Deus.” Eu sei, mas não tem ninguém olhando. Nin-
guém. Você não precisa contar a ninguém que faz
oração. Vá lá e faça. Reze o Pai-Nosso que sua mãe en-
sinou. Você sabe rezar o Pai-Nosso, não sabe?

“Italo, mas não acredito nisso.” E daí? A maioria dos


que rezam também não acredita, então reze aí. Sen-
te-se na cadeira, faça oração e não conte para nin-
guém, não conte nem para mim, fale “Italo, eu con-

42
tinuo sendo ateu, não gosto de você e não gosto de
quando você fala de religião”. Beleza, eu não conto
para ninguém. Pratique jejum, esmola e oração, e
daqui a 40 dias, ateu, conte-me o que aconteceu em
você. Melhorou ou piorou? Se melhorou, continue
fazendo, deixe de ser animal. Se você acha que não
existe nada para depois, dane-se, você já está tendo
benefícios aqui mesmo, ué. Continue fazendo.

Deixe de implicância, ateu, crente, católico, macum-


beiro, e vamos fazer esse negócio que é a base de
tudo. Jejum, esmola e oração. Vá praticar isso aí e
veja o que acontece com seu espírito. Você se torna-
rá uma pessoa mais sensível, mais delicada, mais
inteligente, melhor mesmo. E não comece a fazer
oração sem jejum e esmola.

E faça tudo quieto, em segredo, não é para ficar con-


tando para ninguém! Não quero que fiquem postan-
do no Instagram “Vou marcar o Dr. Italo, vou colocar
@italomarsili #fazendojejum, #dandoesmola, #fa-
zendooração”. Não quero essa porcaria! É para fazer
em segredo, essa é a técnica.

Jejum, esmola e oração devem ser feitos em segredo.


Você, que é crentelho, chatólico, saiba: está escrito
na Bíblia Sagrada que é para fazer em segredo, que a
sua mão esquerda não saiba o que fez a direita quan-
do der esmola; que você não desfigure sua cara quan-

43
do estiver em jejum; e quando fizer oração, entre em
seu quarto, feche a porta e, em segredo, dirija-se ao
Pai, que em segredo o ouve. Vocês não leram esse li-
vro? É em segredo, é quieto, isso é o que garante a
qualidade espiritual.

“Ah, Italo, não acredito na Bíblia.” Tudo bem, mas fez


sentido o que eu falei, não fez? Então pode fazer do
mesmo jeito.

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Live #34 | 07/03/2019 (quinta) - Instagram / Youtube

PARE DE JULGAR TUDO


O TEMPO TODO
Hoje vamos falar sobre alguns assuntos que parali-
sam muita gente. Um deles é algo que, embora esteja
na cabeça das pessoas, não aparece na prática. É o
seguinte: “Para eu fazer o bem, para eu poder fazer o
que eu preciso fazer, eu tenho de estar santo, tenho
de estar perfeito. Eu tenho de estar bonzinho, caso
contrário eu não consigo nem ir lá e fazer isso”. Tra-
ta-se de uma bobeira sem fim.

A outra questão é a seguinte: algumas pessoas acham


que, só porque entraram em certos grupos, já estão
boas. Por exemplo, a pessoa se filiou ao PT, agora ela
acha que está boa. A pessoa se filiou ao PSOL, agora
ela acha que está boa. A pessoa entrou na Igreja Cató-
lica, agora ela acha que está boa, e assim por diante.
Isso é uma palhaçada.

Desde que o mundo é mundo, são as pessoas,


em concreto, que enobrecem as instituições.
A instituição em si não tem capacidade de
enobrecer ninguém.

Você acabou de entrar na Seicho-no-ie ou de fazer


parte de um terreiro de macumba. Então, agora você
acha que pode falar em nome dessa instituição e sair

45
por aí julgando todo mundo. Olhe para você, em pri-
meiro lugar. Examine-se, pare de julgar os outros à
luz dos critérios abstratos daquela instituição; veja
se você tem mesmo condição de julgar alguém. Exa-
mine-se, faça um exame da sua vida, veja o que anda
fazendo. Veja se você está praticando o bem mesmo;
se você anda defendendo as coisas em que acredita;
se você anda se escorando atrás de pessoas para po-
der descer o porrete na cabeça dos outros.

Agir assim é muito feio. Precisamos parar com essa


mania. As pessoas têm de parar com a mania de
achar que ficaram boas só porque entraram na igre-
ja, porque entraram no partido, porque entraram em
algum lugar.

Preste atenção: as virtudes do lugar não


colam em você, a menos que você se
exercite, a menos que você, de fato, pratique,
a menos que você, de fato, queira.

Então, dito de outro modo, é você quem deve eno-


brecer o lugar em que você entra.

Se o sujeito vem e me fala assim: “Ah, Italo, eu sou ca-


tólico”. E daí? Dane-se. “Ah, Italo, eu sou protestante.”
E daí? Dane-se. Você tem de olhar para a pessoa e ver
o que ela está fazendo. Muita gente reclama dos pala-
vrões que eu falo. Eu não estou me justificando, não.

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Então, dane-se. Eu falo palavrão mesmo, está bom?
Não tenho a virtude de não falar palavrão, e você não
tem a virtude de não encher a porcaria do saco; você
não tem a virtude de defender a sua fé; você não tem
a virtude de ajudar os outros; você não tem a virtu-
de de levantar a sua bunda da cadeira e ajudar a sua
mãe; você não tem a virtude de ser pontual; você não
tem a virtude de ser fiel; você não tem a virtude de
ficar quieto, aprendendo com quem pode ensiná-lo.

A questão é você olhar para a sua vida e parar de achar
que, porque você faz parte de um certo grupinho, do
grupinho da igreja, do grupo de oração, já adquiriu
as virtudes, aquelas qualidades morais do grupo. Isso
é uma bobeira. Óbvio que isso não acontece. Apren-
da: pensar assim só o prejudica.

Precisamos aprender a não julgar os outros. Isso aí


está escrito: “não julgueis”. Quando você julga uma
pessoa, você se colocou em um lugar que não lhe
pertence. Olhe o que acontece quando você julga al-
guém, aí está o problema. Quando você julga uma
pessoa que não foi chamado a julgar — você não é
juiz de direito, então não tem a obrigação, não tem
o dever de estado de julgar (e mesmo o juiz não está
julgando nesse sentido, pois o juiz é um técnico, ele
está olhando, tecnicamente, os autos do processo,
está olhando a explanação, está olhando a apresen-
tação do júri, não é um juízo moral) —, você se coloca

47
em um lugar que não lhe cabe, que é um lugar de su-
perioridade. Imediatamente, ao se colocar em um
lugar de autoridade, você se torna incapaz de me-
lhorar. Por quê? Porque você acha que está acima
daquele sujeitinho que você está julgando. Isso é
uma bobeira.

Então, em primeiro lugar, quando passar pela sua


cabeça a idéia de julgar alguém, como proceder?
Você pode pensar assim: “Olha, eu poderia estar
fazendo a mesma coisa que ele. Não vou ficar dis-
cutindo. Vou olhar para as coisas boas que o sujeito
faz”. Pronto e acabou. Você não tem a obrigação de
julgar.

Outro assunto sobre o qual falei ontem: você tam-


bém não tem a obrigação de dar opinião. Ninguém
quer saber a sua opinião. A sua opinião não convém
se você não se debruçou sobre determinado assunto.
É como o professor Olavo de Carvalho sugere: vamos
fazer voto de pobreza em matéria de opinião. Pra quê
ficar dando opinião sobre tudo?

Ontem uma menina escreveu assim: “Eu acho que a


fé é muito superior à religião”. Eu perguntei: “Olha,
quantos segundos você parou para meditar, seria-
mente, sobre o assunto? Quantos livros você leu?
Quantas pessoas você consultou? Esse é um proble-
ma verdadeiro para você? Você sabe qual o significa-

48
do da palavra religião? Você sabe qual o significado
da palavra fé? Você sabe como uma coisa se articula
com a outra? Como uma coisa pode ser antagônica à
outra? Como uma coisa pode ser congruente à outra?
Você tem idéia dessas coisas todas? Não, não tem. O
que acontece com você? Você não tem o horizonte
de consciência. Você tem uma consciência psicológi-
ca muito baixa. Não faça isso. Examine-se”.

É o que eu estava falando no início da live: examine-


-se. Quando nos examinamos, uma das primeiras
coisas que descobrimos é que o nosso horizonte de
consciência, que a nossa consciência psicológica, é
muito baixa. Nós não temos acesso às grandes dis-
cussões da humanidade; nós não temos acesso às
grandes discussões do tema. É a mesma história do
palavrão.

Tudo bem, você pode achar feio palavrão. Você pode


achar o que for de palavrão. A sua mãe o ensinou a
não falar palavrão. Não estou nem querendo justifi-
car o palavrão. Palavrão é feio mesmo. Está certo.

Mas, veja bem, na boca de uma pessoa que tem uma


função pública, que está falando para a massa, que
não está falando para uma pessoa em concreto, você
tem de entender claramente qual a função da lingua-
gem. Você sabe quais são os desvios da linguagem
em relação à matéria, em relação à forma, em rela-

49
ção à causa, em relação ao fim? Você já estudou essa
porcaria? Você tem noção da discussão de Tomás de
Aquino comentando Isidoro? Você sabe o que é isso?
Você sabe do que eu estou falando? Se você não sabe
do que eu estou falando, então a sua opinião sobre
tal assunto é muito superficial, é muito chã. Por que
você não senta e escuta o outro? É só uma sugestão,
isso pode ser muito útil para você.

Quando temos essa vontade de ficar dando opi-


nião sobre tudo, o que estamos fazendo? Estamos
julgando todo mundo, o tempo todo.

Esse é um sinal muito claro de que nós julgamos


todo mundo o tempo todo, sem ter as qualidades
para fazer o juízo, e pior: sem ser chamado para
fazer esse juízo.

“Italo, o que você acha do vídeo que o Bolsonaro pos-


tou no Twitter?” Eu não acho nada. Por que eu vou
achar alguma coisa sobre aquilo? Eu não fui chama-
do àquele negócio. Eu não vi a porcaria do vídeo, eu
não sei quem postou, eu não sei qual era a circuns-
tância. Eu sei lá. Eu não vou ficar dando opinião so-
bre isso.

Muitas pessoas aqui perguntando: “O que você acha?”.


Eu não acho nada. Francamente, eu não acho nada.

50
O pessoal me vê, aqui, comentando, respondendo, e
acha que eu tenho opinião sobre tudo. Quem convive
comigo sabe que eu tenho opinião sobre meia dúzia
de assuntos, na verdade. Eu não tenho opinião sobre
quase nada. Ou eu estudei, ou eu me debrucei sobre
o assunto, ou entendi o assunto, ou convivi com pes-
soas sábias no assunto, ou eu fico quieto na minha. A
minha esposa, às vezes, me pergunta, ela fica curio-
sa: “Você não vai falar nada sobre isso?”, e aí eu res-
pondo: “Eu não sei, não tenho nenhuma idéia. Não
estudei, não prestei atenção”.

“Italo, quem é você para dizer se eu tenho direito ou


não?” Preste atenção. Acalme-se, você vai entender o
que eu estou falando.

Você só tem direito a dar opinião se você, de fato,


se dedicou ao assunto, se você, de fato, prestou
atenção no assunto.

Você nunca prestou atenção no assunto, nunca leu


uma porcaria de um artigo, nunca leu uma porca-
ria de um livro, não escutou a opinião de um sábio
sobre o assunto, por que você vai ter opinião sobre
alguma coisa? Você não foi chamado a ter opinião.
Você não precisa. A sua opinião não enobrece o
mundo, a sua opinião não enriquece o mundo. A
sua opinião joga no mundo um elemento de distra-
ção, de confusão, de bagunça. Então, fique quieto.

51
Às vezes, observar é a melhor atitude que você toma.
Você observa, incorpora aquilo, você vai fazer o anta-
gonismo daquela opinião com uma outra, sem ficar
julgando o cara que falou aquilo. Ora, por que não?
Essa é a posição muito mais saudável para nós es-
tarmos no mundo. Nós crescemos intelectualmente,
nós crescemos moralmente assim. Por quê? Porque
nós paramos de querer julgar tudo.

Um dos sinais que evidenciam que você fica julgan-


do tudo o tempo todo é a sede de emitir opinião so-
bre tudo. Quantas vezes, no seu dia, você não dá opi-
nião mental ou você põe para fora coisas que você,
de fato, nunca parou para prestar atenção? Então,
não faça isso. É um conselho que eu dou. Acalme-se.
Você tem um ano para se debruçar sobre duas ques-
tões, para prestar atenção, querer entender. É como
acontece na política. O pessoal fala de política a tor-
to e a direito. Nunca leu um livro sobre política, nun-
ca falou com ninguém, não tem idéia das correntes
históricas, não sabe quais são as intenções por trás,
não tem noção nenhuma das análises da linguagem,
não sabe para que serve, não sabe o que é um discur-
so retórico, não sabe o que é um discurso dialético,
não sabe o que é um discurso analítico, o que é um
discurso poético.

Não tem idéia de nada disso e quer ter opinião so-


bre as questões mais altas do comportamento hu-

52
mano. É claro que vai dar problema. O chamado é
este: Por que não nos instalamos no nosso lugar?
Precisamos ter um lugar específico. Ao nos insta-
larmos no nosso lugar – e aqui se trata de um exer-
cício de humildade –, poderemos dar opinião so-
bre as coisas que entendemos, sobre as coisas nas
quais estamos prestando atenção. Por exemplo, eu
posso ter opinião sobre o comportamento de um fi-
lho meu, desde que eu tenha, de fato, parado para
prestar atenção naquela criatura.

Ora, se você trabalha das 7 da manhã às 8 da noite, vê


o seu filho de vez em quando, no fim de semana, por-
que no fim de semana você tem festinha do primo,
festinha do amigo, e deixa o moleque na casa do avô,
no parquinho de diversão, nem sobre o comporta-
mento dele você pode emitir opinião. Você não sabe
qual o comportamento daquela criança, porque você
não parou para prestar atenção nela um único minu-
to, em um momento em que ela estava agindo com
qualidade, por exemplo. Esse é um problema.

Se eu chego em casa às 8 da noite, o moleque já está


quase dormindo, está cansado, está com fome, está
sujo, você vai ter de dar banho nele, ele já está altera-
do. Você não vai poder ter uma opinião sobre o seu
filho. Nem sobre isso nós conseguimos ter opinião
e vamos querer emitir opinião sobre os elementos
mais altos da religião, da fé, da moral, da política, do

53
comportamento humano, da psique? Isso é bobeira.
Por que não fazemos exercício de humildade? Vamos
ficar calmos. Não saia por aí debatendo com todo
mundo.

Namorada deu um pé na sua bunda, o pai não gosta


de você, a mãe não gosta de você porque você é so-
berbo, não tem humildade. Então, vamos aproveitar
os 40 dias de Quaresma e fazer mais recolhimento,
para podermos fazer esse exame. É um exame fan-
tástico. É uma revisão de vida.

54
Live #35 | 08/03/2019 (sexta) - Instagram

A AUTORREFERÊNCIA TORNA
VOCÊ BURRO E SOLITÁRIO
Os meus cursos para Psicólogos, Coaches e Intrometi-
dos têm uma divisão, uma proposta interessante em
geral, e há uma coisa que abordo em todos eles. Não é
que toda turma seja igual, algumas são diferentes de-
pendendo das perguntas que me fazem e da ênfase
que eu quero dar para aquela turma específica, mas,
em geral, o curso começa comigo falando sobre me-
tafísica de um jeito provocativo, profundo, mas que
dê para entender apesar de, na verdade, não ser nada
simples. Eu não falo de modo raso, superficial; a coi-
sa é bem profunda.

Depois eu avanço para uma parte bioquímica e há


uma hora em que eu falo sobre psicopatologias,
quando abordo o assunto da consciência — a mesma
que nós, psiquiatras, utilizamos quando vamos fazer
a súmula psicopatológica na psicopatologia tradicio-
nal. E é disso que queria falar hoje.

A consciência tem três níveis. Para começar, pode-


mos falar da consciência fisiológica, aquela da qual
os médicos tratam. Exemplo: você estava andando
sem cinto de segurança na rua, bateu com a cabeça
no volante e ficou inconsciente. Você chega no pron-
to-socorro e o médico fará uma classificação (há es-

55
calas para isso inclusive) do seu nível de consciência:
baixo, normal, torporoso, comatoso etc. Essa cons-
ciência fisiológica é o aspecto da consciência mais
superficial; por ela é muito fácil ver se alguém está
consciente ou não. Uma pessoa muito embriagada,
por exemplo, terá um rebaixo no nível de consciên-
cia. Mas não é isso o que nos interessa hoje.

Há uma consciência de um outro grau, de um grau


espiritual, e há ainda a consciência psicológica, mui-
to importante. Amplitude de consciência psicoló-
gica é tudo. Aqueles que não a têm simplesmente
não conseguem se orientar no mundo e entender
o outro.

Eu tenho uma amiga psiquiatra que participa do


programa Médicos Sem Fronteiras. Ela já está há uns
anos trabalhando só em um campo de refugiados,
onde as coisas são terríveis. Imagine, pois, que um
sujeito vá falar para você sobre a experiência que ele
teve quando foi atuar em um campo de refugiados
pelo programa Médicos Sem Fronteiras.

Imagine que ele começa a te contar essa experiência


dele e você vem por cima e fala “É, eu também tive
uma coisa assim naquela vez em que estava no co-
légio, também me senti um pouco refugiado na vez
em que a minha professora fez tal e qual coisa…” Ca-
ramba, cara! Calma aí! A coisa é de uma dimensão

56
tão distinta, ele está falando de outras experiências, é
outra amplitude, a coisa não pode ser sempre autor-
referente, autocentrada.

Este é um dos elementos que fazem as pessoas se-


rem burras: o sujeito sempre se autocentrar, super-
validar sua experiência subjetiva e não entender
que há uma diferença de qualidade e de quanti-
dade das experiências. Quando ele não admite ou
entende isso, fica fadado a ter uma amplitude de
consciência muito reduzida — ele fica burro, no fi-
nal das contas.

Se essa minha amiga está me contando a experiên-


cia que ela teve no campo de refugiados (ela manda
fotos dos campos eventualmente, quando narra uma
ou outra história que está acontecendo), qual é a pos-
tura adequada, correta? É a de simplesmente pensar
o seguinte: “Olha, bicho, eu nunca fui a um campo
de refugiados, então vou apenas ouvir o que ela tem
a me dizer”. E não fui mesmo. Já fui em assentamen-
to de Sem-Terras e já atendi pessoas que ficaram em
cativeiro sequestradas por muito tempo, mas nunca
fui em um campo internacional de refugiados.

Há cidades inteiras que se prestam a aceitar os refu-


giados e prestar-lhes assistência médica, espiritual,
psiquiátrica. É uma experiência tão distinta, um ne-
gócio que está tão em outra zona de compreensão,

57
que a única postura que eu tenho é a de ficar quieto
e ouvir o que ela está me contando e tentar, de algum
modo, integrar isso na minha percepção.

Esta é uma das primeiras coisas: quando alguém es-


tiver nos contando algo de que francamente nunca
ouvimos falar, o melhor que temos a fazer não é fi-
car retrucando, debatendo, mas sim ficar quietos e
integrar aquilo ao nosso campo de percepção para
que isso de algum modo possa ser mais um chão
para a nossa personalidade se desenvolver. Isto é o
campo de consciência, é o que e a gente chama de
consciência psicológica.

Quando alguém está te contando uma história e


você nunca ouviu falar sobre aquilo, uma primei-
ra reação que aparecerá se não estivermos atentos
é “Opa, isso é estranho, e tudo que é estranho me
amedronta”. Quando você está recebendo uma coi-
sa estranha, você fica com medo, pois aquilo vai te
tirar de um certo conforto. Você possui um globo,
um mundo que fez na sua cabeça, e aquilo te abre,
faz uma abertura em você, então naturalmente
você ficará com medo.

Existe uma tendência natural das pessoas desaten-


tas de se fecharem, falarem, “Meu Deus, isso não
pode entrar em mim, não pode ampliar meu hori-
zonte de consciência, porque me aterroriza”. E que

58
terror é esse? É o mesmo terror dos não descobri-
dores portugueses.

Havia toda aquela população européia com terror de


enfrentar o mar, existia até um grande adágio latino
que falava “Há dragões do outro lado do mar”. Até que
alguns falaram “Não sei se há dragões ou não, vamos
investigar? Parece-me que a terra consegue fazer um
arco, então eu consigo chegar do outro lado se nave-
gar direitinho. Vamos navegar e ver se há dragões ou
não.”

Ou seja, de um lado havia aqueles que tinham um ho-


rizonte de consciência muito fechado e não estavam
abertos a expandi-lo, e do outro lado estavam aqueles
que falaram “Talvez não tenha dragões. Ainda assim,
se houver, eu apenas dou meia volta e retorno para
Portugal, para a terra firme, para comer bolinho de
bacalhau e dar um beijo na Maria. Fazer o quê? Eu
vou e volto, tudo bem.”

Seria muito interessante se pudéssemos cultivar


essa postura psicológica de abrir, expandir nosso
horizonte de consciência, nossa consciência psico-
lógica, por meio de uma contemplação amorosa.

Um dos elementos da concepção amorosa é olhar


para a realidade querendo contemplá-la, de tal
modo que ela possa te iluminar.

59
Ou seja, a realidade te ilumina, não é você que en-
quadra a realidade com sua percepção limitada.

Se você vai a uma peça de teatro e entra já com a


mentalidade de criticar a atuação dos atores, o enre-
do, a cenografia, a iluminação, o tablado que faz mui-
to barulho etc., criticar tudo, você não pegará o que é
aquela peça de teatro: um símbolo que vai abrindo na
sua cabeça uma certa percepção.

Por exemplo, se estiver vendo Hamlet, você entende-


rá melhor o que é a vingança plena. Há uma cena em
que Hamlet está olhando para o seu tio enquanto se
esconde atrás da cortina com uma adaga para matá-
-lo. Ao ouvir o tio chegar, ele pensa “Agora vou ma-
tá-lo. Vingarei meu pai desse sujeito que o matou e
ainda por cima está se deitando com a minha mãe”,
mas o tio se ajoelha e se põe a rezar tão logo entra no
quarto. O que o Hamlet faz? Ele pensa: “Não posso
matá-lo agora, porque se faço isso, ele vai direto para
o céu. Vou pegá-lo em um momento de bebedeira,
no qual ele está escarnecendo da fé”.

Você percebe que é uma vingança muito sofisticada?


A vingança que o Hamlet propõe não é só “Ah, quero
aliviar minha sensação de raiva”. Não, ele quer o mal
do outro, quer que o outro vá mesmo para o inferno
e perca sua alma para sempre.

60
Quando Shakespeare conta esse elemento da vin-
gança, você pensa “Rapaz, é isso mesmo, esta é a vin-
gança verdadeira, a vingança em que eu quero o mal
do outro, quero uma coisa que vá destruir a alma do
outro para sempre.” Não estou dizendo que vingança
é bom, é óbvio que não, mas isso é o que a peça de
teatro fará com você, irá te iluminar.

Se você estiver aberto a esse tipo de influência, sua


consciência psicológica aumentará muito e você se
tornará uma pessoa mais inteligente. Esta é uma
das únicas formas de se tornar inteligente, no final
das contas.

O sujeito que acha que é inteligente porque


tem pensamento crítico é 100% idiota.

Pensamento crítico é uma coisa burra demais. Você


vai criticar o quê, se não tem base para criticar coi-
sa nenhuma, não tem elementos para isso?

A melhor postura não é a de criticar alguém, é a de


ficar na sua vendo se pode melhorar ou não, se pode
ser iluminado pela arte do outro, pela sabedoria do
outro. Esta é a melhor coisa, esta deve ser a nossa pos-
tura de humildade, seria muito bom se conseguísse-
mos cultivá-la.

Uma recomendação que eu dou (e já dei ano passa-

61
do) é que tomemos posse de algumas obras de lite-
ratura. Eu sei que muitos de nós não temos acesso
à literatura, não lemos, é difícil lermos, mas há um
romance que eu recomendo muito que vocês leiam,
é do Renato Moraes e chama-se Claridade. Isso não é
merchandising, graças a Deus eu não preciso disso.

O Renato Moraes é advogado, mas tem um grande


percurso na filosofia e teve muito contato com o Bru-
no Tolentino, um poeta brasileiro, o maior deles de
todos os tempos, talvez um dos maiores poetas de lín-
gua portuguesa, igualando-se ao Pessoa, quem sabe.
O Renato Moraes teve muito convívio com o Bruno
Tolentino, pegou muita influência dele, e escreveu
esse romance que saiu no ano passado. Por que eu o
recomendo? Porque neste romance existe uma coi-
sa que é fundamental: ele descreve a circunstância e
a localização do homem normal, do homem médio,
ou seja, a nossa circunstância. O cenário no qual se
desenvolve o romance, ou seja, o lugar, as circuns-
tâncias, os personagens, os amigos etc., conversam
diretamente conosco.

Você se vê dentro da história e pensa “Caramba, esta


poderia ser a minha vida se eu fosse uma pessoa boa,
porque aqui não há a grande influência da mídia, de
fantasmas. É a vida normal, cotidiana”.

É uma romance, portanto uma prosa, mas uma pro-

62
sa poeticamente desenhada. Há um protagonista
(na minha concepção não é o protagonista, mas é o
personagem que mais aparece), e você vê a bondade
dele se desenhando. Com isso a sua consciência se
expande, você fala “Olha só, dá para ser bom”, já que
não há nenhum elemento nesse romance que esteja
para além do alcance de qualquer um de nós. Há fa-
mílias normais, profissões normais... O Ricardo é um
advogado, tem amigos normais, interesses cotidia-
nos. Ele também presencia algumas tragédias, mas
são tragédias normais, não daquelas como a devas-
tação de Brumadinho que graças a Deus não aconte-
cerão a todos nós. São tragédias normais que todos
nós vivenciamos, como mortes de familiares e entes
queridos.

Este romance não é um romance fechado, porque o


Renato não cria um universo fechado, autorreferen-
te. Ele descreve um universo que todos nós temos,
presenciamos, no qual estamos dentro, que é o uni-
verso da realidade normal. E dentro dessa realidade
normal é possível ser bom, ser uma pessoa supe-
rior, ser uma pessoa que se dedica aos outros, que
não é autorreferente o tempo todo, é possível ser
uma pessoa sacrificada no melhor sentido do ter-
mo.

Quando você tem contato com esse tipo de obra,


sua consciência psicológica se expande, porque você

63
pensa “Rapaz, dá para ser assim”. Nós nos livramos
daquela influência maligna e maléfica da mídia, que
hoje não acessa ninguém, não chega nem a 1% dos
brasileiros, não dialoga conosco, o povão. A mídia só
tem influência em uma pequena porcentagem da
elite, uma elite burocrata, é para eles e com eles que
a mídia conversa.

Às vezes vem um pessoal da mídia querer me entre-


vistar. Eu lá quero ser entrevistado pela grande mí-
dia? Não tenho nada para falar com essa gente. Nin-
guém presta atenção em você na grande mídia. A
elite burocrata do Brasil, do governo e contra o go-
verno já sabem quem eu sou e prestam atenção em
mim, eu não preciso da grande mídia. Não vou me
enquadrar por você.

Esse terror da grande mídia, esse pânico que as pes-


soas têm de tudo, é um problema da nossa cabeça.
Ter contato com esse tipo de símbolo, de narrativa,
é fundamental para expandirmos nossa consciência
psicológica.

“E por que é tão importante expandirmos nossa cons-


ciência psicológica, Italo?” Ora, pelo que falamos no
início. Se temos uma consciência psicológica muito
curtinha, muito amputada, quando um sujeito vier
dividir a experiência dele conosco, não consegui-
remos compreendê-lo. E falo aqui das experiências

64
mais banais, não das grandes experiências.

Estou falando da experiência, por exemplo, do sujei-


to que está encantado com a mulher do vizinho, do
sujeito que está passando por uma crise financeira,
do sujeito que teve um filho e não o está querendo
porque é mais um gasto; ou o contrário, a experiên-
cia daquele casal que não consegue engravidar e está
sofrendo, a experiência daquele sujeito que está insa-
tisfeito com o concurso público que passou mas quer
empreender, ou também o contrário, a experiência
do sujeito que tentou empreender mas faliu etc.

Essas experiências estão à mão de todos nós, esta


é a trama do nosso dia a dia, estamos a toda hora
conversando, tocando essas experiências, e se o
nosso horizonte de consciência é muito reduzido,
ou seja, é sempre autorreferente, nós nunca con-
seguiremos entender o que o outro está falando,
ou entenderemos sempre de modo autorreferen-
te. Assim nós não fazemos verdadeiras amizades,
não construímos vínculos verdadeiros, humanos,
não fazemos nada disso. Teremos uma vida isola-
da, triste, pouco empática, uma vida que não será
orientada ao serviço, uma vida que no final das
contas serve para muito pouca coisa.

O sujeito que está prestando atenção só em si, só na


sua autorreferência, só ao seu universo psicológico,

65
é muito desinteressante. Ele não serve para nada, é
uma pessoa triste e isolada no final das contas, que
julga todo o mundo porque, ora, todo o mundo está
fora do seu conjunto de referências, então todo o
mundo não dialoga com aquele corpo de referên-
cias interior. Isso nós vemos nos egoístas, eles são as-
sim: pessoas que não estão realmente a fim de saber
de nada nunca, só estão pensando em si, são mui-
to chatas, estão a toda hora julgando alguém, que-
rendo colocar o dedo em nossa cara falando que não
prestamos e somos isso e aquilo. Esse tipo de pessoa
morrerá sozinha. Ela terá uma amizade, brigará com
o amigo, construirá uma outra amizade, brigará com
esse outro amigo e assim indefinidamente. Aí “com-
prica”.

Isso de que estamos conversando hoje é estratégia,


remédio para a solidão, para a burrice.

Vivemos em um mundo no qual a maior parte das


pessoas é burra, e isso não é uma ofensa, é um
diagnóstico científico, cientificamente comprovado,
porque o egoísmo é a forma mais alta de burrice.

Um sujeito egoísta, auto referente, que só se refere


a si e ao seu universo criado pela sua cabeça, por
mais que tenha lido muitos livros, será sempre um
burrico, pois não tem a capacidade de compreen-
der a experiência do outro, as experiências socioló-

66
gicas superiores. Ele não tem a mínima capacidade
de fazer isso, é uma pessoa que está fadada à burrice
das mais profundas e tristes, burrice que levará à so-
lidão, à falta de empatia, que não levará ninguém a
querer conviver com você.

Só para fecharmos aqui, que isso é remédio. Quan-


do alguém estiver conversando com você sobre um
assunto de que você nunca ouviu falar, a ponto de
você pensar “Francamente, Italo, eu nunca ouvi fa-
lar disso, e se ouvi falar não me interessei muito, não
entendi direito, não sei”, então fique quieto e escute,
meu filho! Escute uma vez, duas, escute de novo, de-
pois veja outra referência sobre aquilo… Isso expandi-
rá seu horizonte de consciência psicológica, você se
tornará mais inteligente, mais interessante, as pes-
soas começarão até a gostar de você, e, mais impor-
tante que isso, você começará até a ser útil e ajudar
de fato os outros. Isso é uma postura de humildade.

Não importa se você tem 60 nos, doutorado


ou PhD, sempre haverá alguém falando de
uma coisa que você não ouviu falar.

Escute a pessoa, veja se ela tem autoridade e influ-


ência naquilo, veja se ela pode te ajudar e se abra
para o mundo, não se feche.

O fechamento é muito triste. Quando estamos fecha-

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dos em um mundo que criamos só na nossa cabeça,
não conseguimos de fato olhar para fora, não enten-
demos os movimentos da alma e dos desejos do ou-
tro, não servimos para porcaria nenhuma, viramos
soberbos sem saber, e daqueles pequenininhos. Você
até entende um sujeito que de fato é muito podero-
so, muito grande, e é soberbo, afinal tem motivos
para ser. Agora nós, sermos soberbos? Mas somos na-
nicos! É aquilo que falei outro dia: “Tu, soberba, de
quê? Desse tamaninho?”

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@italomarsili
italomarsili.com.br

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