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A ARTE SECRETA DO ATOR
DICIONÁRIO DE ANTROPOLOGIA TEATRAL
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EUGENIO BARBA
nasceu na Itália meridional em ]936 e emigrou em 1954 para a Noruega, onde trabalhou como soldador e marinheiro. De
]960a ]964 estudou teatro na Polônia, e durante três anostrabalhou com [erzy Grotowski, a respeito de quem escreveu seu
primeiro livro. Em 1963, depois de uma viagem 11 Índia, publicou um longo ensaiosobre o Karhakali, forma de teatro ainda
não estudada no Ocidente. Fundou o Odin T eatret em Oslo em 1964. Foi agraciado com o título de mestre em Literatura
Francesa e Norueguesa e História das Religiões pela Universidade de Oslo em 1965. Na Din amarca, em 1979, fundou o
ISTA (Internarional School of Theatre Anthropology), e foi agraciado com o título de doutor honoris causa em
Filosofia pela Universidade de Ãrhu s (Dinamarca), em 1988.
Dirigiu as seguintes produções com o Odin T catret; ()mifoji/etle (1965), Kaspariana (1967), Femi (1979), A/in Fars Hus
(1972), Come! Anti !lle Da»lJIi// Be01l'-S (1976) ,11Ilabasis (1977), O Mi/ht7o - Primeira Viagem (1979), Cinzas de Brec/it ( 1982), ()
Romnnceiro de Érlipo (1984), l1fafriw)lIio comDeIIs (1984), O Evallge//io rle O:rydIJ'I/CIIS (1 985), ll/ dit/i (1987), Talaõor (1 988),
() Castelo de Holstearo (1990), Kaosmos (1 993). d ..;

NICOLA SAVARESE
nasceu em Roma em 1945. Leciona História do Teatro e do Espetáculo na Universidade de Lecce (Itália). É um estudi oso
que combina pesquisa a respeito do passado com participação direta na vida perforrnática, Estudou a ligação entre o teatro
italiano renascentista e a dinâmica complexa do encontro entre os teatros asiáticos e . o teatro ocidental. Trabalhou
longamente no Oriente, e particularmente no Japão, onde morou por dois anos. Publicou, sobre a relação entre o teatro
oriental e o ocidental, entre Outros textos; 11 teatro ai di /r!. dei mare (Turim, 1980) e o Teatro c speracolofm Oriente e Oaidcnre
(Bari, 1989).
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EQUIPE DE THADUÇi\O
Luís O TAvI O B l l/lNIE R (SIII' ER\'IS,i.O), G\IUD'i Ronurro S I~ 1I0NI, RI C;\I UX) PI ICCE'IT I, l-l IT OSHI N O~I (ll v\, lVI,\RCI!\ S'I'I t\/)'J\(;AI'I' A,
\Vi \ IYSK/\ S II XE llIlE ll (;; COIAllOROl1 AN I1IU:: TI': I.I ,I':S

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EDITORA HUCITEC
.1 EDITORA DA UNICMvIP
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São Paulo-Carnpinas, 1995
© Direitos autorais Eugenio Barba e Nicola Savarese, (© 1991 da edição inglesa 11 Diaonnry of Theatre11ntropolof!J', The Secret
A li olthePerformer, Routlcdge, Londres, 1991 e © 1983 da ed ição italiana Anatomia deI Teatro, Casa Usher, Florença, 1983).

ISBN 85.271 .0303-6 Hucirec


ISBN 85.268.0323-9 Unicamp
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Foi feito o depósito legal.

Este livro é resultado das pesquisas conduzidas de 1980-1990 pela ISTA - Escola Internacional de Teatro Antropológico,
dirigida por Eugenio Barba.

Os artigos não atribuídos a um autor em particular são colaborações entre Eug enio Barba e Nicola Savar ese,

Diagramação original: The Design Stage, Cardiff Bay, Wales.

Editoração Eletrônica: ]ohanncs Christian Bergmann.

Capa: Magali Oliveira Fernandes.

ImlTonA DA
UN1VEHS!DADE ESTADUAL DE CAr'dI'INAS
UNICAIvIP

Reitor: José Martins Filho


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Conselho Editorial; Antonio Curtos Bunnwurt, César
Francisco Ciacco (Presidente), Edmmlo Guimarães,
Fernando .lor~e da I'a i x~o Filho, Hcrrnógcnc s de Freitas I
Leil~o Filho, Hu~o Horácio Torriani, Jayme Antune s Maciel
Júnior, Luiz Roberto f\lonwni,l'au lo José Snmcnho Mornn
Diretor Executivo: Eduardo Guimarães

199:>
Editora da Unicamp
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Fax: (O]lJ2) 39·3157

(Fo to do rrunrispk itl: UIll ;ll." l: n~l de T/ielll J"ulII .f/muli. IST:\ d e Bo lo nha . 1 l)~ lJ. co m o dauça n no ha lin ê s WpC I1 ~ I i\iJ dc T e mpo c a at riz Ro bcrtn Carrc ri do Odin I

T carrc t).
IIl1slrill;;iu ,.1.1 ca pa : Arq uiv» ...lc 1': ll ~Clli u BtH h ~ (ver p;í~i nil 2( )t)) .
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ISTA
International School
of Theatre Anthropology
T odo pesqu isador est á familia- de nível "bio lógico" da repre-
rizadocom homôn imos parcia is sentação. Os dois primeiros as-
c não os confunde com hemo- pectos determinam a transição
logias. Por exemplo, além da da pré-express ividade para a
ant ropologia cul tura l, existe expressão. O terceiro é o idem
também a an tropologia crimi- que não varia; ele sublinha as
nal, antropo logia filosófica, an- variações ind ividuais, estilísti-
tropologia física, antropologia cas e cultu rais.
pul eont rópica etc. Na IST t\ a Os princípios periódicos no
distinção é repetida mente en- nível biológico de execução tor-
fatizada; o termo "antropolo- nam possíveis as várias técni-
gia" não est á sendo usado no cas do ator-bailarino: eles são a
I sentido de antr opologia cul- utilização particular da presen-
tural, mas no sent ido de se r ça cêni ca e dinamismo do ator.
um novo campo de estudoupli- Aplicados a certos fatores
cado ao ser humano numa si- fisiológicos (peso, equilíb rio, a
tuação de represent ação orga- posição da coluna vertebral, a
nizada. direção do olhar no espaço),
t\ única afinidade entre o trabalho da I ST t\ e a antropo- esses princípios produzem tensões orgânicas pré-expressi-
logia cultural está em questionar o óbvio (a própria tradi- vns, Essas novas tensões geram uma qualidade difere nte
ção), Isso implica um deslocamento, uma jornada, uma dc energi a, fazem o corpo teatralme nte "decidido", "vivo",
estratégia de rodeio que torna imp ossível que alguém e manifes tam a "prese nça" do ator-bailarino, ou bioscêni-
compreen da sua própria cultura de mane ira mais precisa. co, atraindo a atenção do espectador antes que qualque r
Por meio de uma confrontação com o que parece ser forma de expressão pessoal aconteça. Aqui se trata, obvia-
'. estrangeiro, educa-se o modo de ver.
Deixe-nos, portanto, evitar o equívoco : a Antropologia
mente, de um antes lógico e não cronológico. Os vários
níveis de organização silo, para o esp ectado r e no espet á-
Teatral não está preocupada com aque les níveis de organi- culo, inseparáveis. Eles somente pode m ser separados por
zação que tornam possível a aplicação dos paradigmas da meio da abstração, numa situação de pes quisa analítica e
antropologia cultural ao teatro e à dança. Ela não é o durante o trabalho técnico de compos ição feito pelo ator
estudo dos fenômen os de atuação naquelas culturas que ou bailarino.
são tradicionalmente estudadas pe los antropólogos. Nem O campo de trabalho da ISTA .éo estu do dos princípios
deveria se r confund ida com a antropologia do espe táculo. desse uso extracotidiunodo corpo e sua aplicaçãoao traba-
Novamente: antropologia tcatraI é o esmdo do compor- lho criativo do arar e bailarino. Disto deriva uma ampliação
tamento do ser humano quando ele usa sua presença física do conhecimento, que tem conseqüências imediatas no
e mental numa situação organizada de represen tação e de nível prático, profissio nal. E m geral, a transmissão de
acordo com os princípios que são difere ntes dos usados na experiência começa com ,f assimilação de conhecimen to
vida cotidiana. Essa utilização cxtracotidianu do corpo é o técnico : o ator aprende e personaliza. O conhecimento dos
que chamamos de técnica. princípios que governam o bios cênico pode possibilitar a
Uma análise rrunsculrurul da representação revela que alguém aprender a aprender, e não somente aprender uma
o trabalho do ator-bailarino é o resu ltado da fusão de três técnica. Isso é de tremenda importância para os que esco-
aspectos, que refletem três níveis diferen tes de organiza- lhem ou que são obrigados a ir além dos limites da técnica
ção: 1) t\ persona lidade do ator-bailarino, sua sensibilidu- espec ializada.
de, inte ligência artistica, seu ser social, aquelas carncrerís- O estudo da rep resentação no Ocidente tem-se con-
ricas que o tornam único e irrep e tívc l. 2) As particuluridu- centrado, na maior parte, em teorias e uto pias, esquecen-
des das tradições e contextos socioculturuis por meio dos do uma abordagem empírica para os probl emas do ator-
quais a personalidade do ator-bailarino é manifestada. 3) bailarino. A ISTA dirige sua atenção para este "territóri o
O uso da fisiologia de acordo com as técnicas corporais empírico" com o objetivo de ir além das especializações de
extrucotidianas. Os princípios periódicos e trnnsculturuis disciplinas particulares, técnicas ou esté ticas. Não se trata
nos quais se baseiam essas técnicas são defini dos pela An- de compreender a técnica, mas os segredos da tiwim, que se
tropologia T eatral como o campo da pr é-expressividade. deve possuir para superá-Ia.
O primeiro aspecto é individual. O segundo é comum a
todos os que pert ence m ao mesmo gênero de representa-
ção. Some nt e o terceiro interessa a todos os atores-bailari-
nos de todos os tempos e culturas: ele pode ser chamado E ugenio Barba
SmvJARIü
IN T RODUçAO Dhunu, a arte de mane jar o ..rco na d'In ~"l
ANT IHWOLOG IA T I ·: ;\T I ~ A l o . FII.~mi" /JlllfJII . . . . . . . . • indian:l Odissi . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ~ ~
Principiox simil.ucs, difere ntes rc prcsc nr.rçõc, Como se arrem essa urna flecha !lO teatro
! .okud harmi " Narvndharmi . . . . . . . . . . . . I) j i. l fJ O n ~ s Kyogcll , . 100
- () equi líbrio c tn ",ão . 10 Disparando um arco . 102
'-' 1\ lb,, ~", de nposiçôcs " '" '" . 12
" virtude de CII11 iss;HI . t:\ T OL HOS E ROSTO
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I utcr rn czzo . 1S · Fisi ol o~i a e codificação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
- Um corpo decidido . 17 i\ concretização do olhar .............. IOlí
Um corpo tic tÍL io __ I~ t\ ação de ver . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . ... . . . . . . . . . . . . .. 1( 1)
Um milhão de ve las . 211 Mostrur o quc se vê 110
() rosto natura1 114
DI CIO NJ\ mo O rosto pintado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11lí
Aa Z z:> O H'Stn provisório 11g

~A N AT0 1VlI A PÉS


O Id l\ H I'ODI ': ELI·:V,\H·SE i\(~ Ii\I ;\ )) ;\S Microcosmo-Macrocosmo . 120
:\ IO NTI\ N 1-11\.'1. ,vim/" St/iJlJrt·sr. . . . . . 24 Nas pontas . 122
Gram:ítiea do I'é . 12lí
AP R EN DIZAGEM
EXE I\II' LOS OC f]) ENTA IS. Ft/briú " r:mrirllli . 26 MAos
Os p;lis lund.ulorcs c o teat ro p Cd;lgú~Ó<:(J no Fisiolo~i :1 e codificação das Mãos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 130
inicio do século , . . . . .. 2(, As mãos. SOill PUH' ou silêncio ," .. 132
I'rnrcsso criativo, csculn de teatro e cu ltura rcatrul 2r, Como inventar 1l1~()S em m ovim ento . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . 1:;4
A pe d a .~ o.~ia do nuror . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2X índia: mãos e significados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 1:\6
1':XEi\II'L OS OR IENT AIS. ROJrlllfll ,l' .!(rJI/r.I';1111::.(' • •• • ••••• • • .. :;0 As mãos e a Ópera de Pe quim I:;X
O .~ I/m como pai. preceptor hnnr.ul» .lO As mãos c a dançl hulincsa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.l ~
G uru-kul.i. aprende r na cusu di, ~ urll :;1 I\ S mãos e o teatro japonê s 140
Guru-lbk 'shin.t, presente c hunorúrios 32 I\ S mãos c o bidê chh sico :.............. 14 1 . ,I
Ek;l(;] vya, discípulo cxtruordimlrin . .")2 Um exe mplo do teatro ocide ntal 142
Gu ru-shishva-pararnpara . .13
I-JISTORIOGRAF IA
- EQU ILÍBRIO L1NG UAGEi\1 ENEI ~G I~T ICA. Fmlil/l/llr!o Tnoinn) 144
I': qui líbrio extra-cotidiano ,4 H cn rv Irving sob () microscópio .' 145
Equilíbrio de luxo '" ' rl i\'!;,rmore vivo '" .. 14r,
Técnica cxtra-cotidiann: :1 procura por uma Debai xo do traje do Arlequim : 14g
noV ,1 postura , . . ............... .16 "SIST Ei\Ií\" DI·: ST ANIS I./\V SKI. Fmmo RI~[(il/i I.'iO
Cc ncrulixnçõcs rcl.rrivus au equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . :IX Palavras de Stanislavski . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 150
() equ ilíbrio e lll :lção ... .. ... .. .. ......... 40 <lA l: o ll d i ç~ o humunu mais s imples": o cor po- me nte o rgânic o 1.10
Aço c alg,cHI:io _ _. . . . . . . . . 41 A mente propfu; c x i~ê n c i ~l s : pcrc zhivanic . . . . . , . , . . . . . . . . 1:)I
I'or que o ator visa um equilíbrio de luxo: O que O corpo respo nde udcqu. ulumcnrc: pe rsonificação . . . . . . . . . 151
s i ~ n i ficl P ;U ;I {)
cspcc tadoru ;d t c r;l ~ã () de Corp o-mente ()r~5nicCl. per sonage m, pap el _. 1.1 2
eq uilíbrio do ,ttm:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Comliçõcs para o se ntido c o nível pré-expressivo 1.'i2
Equilíb rio c im ;l ~ i n;lryJ o ,, ,...... 4() i\IEYEI< HOI, I): O GROT ESCO; ISTO I::,
1\ d:I", :1desconhecida de ll rcc hr 50 f\ Il IOi\II':C,\ N ICA, j':lIgm i" I/lIIfJII 1.:;4
f\ plasticidade 'lu" não corrcspondcàs palavras . . . . . . . . . . .. 154 '.'
DILAT AÇ f\ O () grorr.:sco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ISS
() CO I ~ I' O 11 [1,;\TAI10. j':lIgfll ifJ Hrrrl){f .'i' 1 . , -- Iliollled nic:l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. l .'i(,
1\ p rul tc , , 1.)
l'crip écius " '" 'ir, QVIONTAGEiVI
CYprillcípill d;1n C~i l \~i o _ _. . . . . . . . . _~ 7 ;\ \ IONTi \ GEIII no ATOH E A i\IONTAGE i\I
P <':I1 ~ar fi p CI1 S;lIll C !H o _ _ , . _ .=iH DO J)IHE'rOlt /':lIgru ifJ /l rtrbll l.'ig
1,c'l gic ls gêl1l t: ;I~ 60 A monr.nrcm d" ator . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
Tcb.is d,rs sete-portas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. . (,I A lllo nt:l~C Ill do diretor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I ÓO
i\ i\lI-: NT E I1II.AT AI1t\. /·i7I1fm RIIO' lli (,4 .....__ i\ ICl!H;t~CI1l poster ior do dire tor .. , , .. , 1(12

Dn.Al\!X]'URGIA NOST ALGIA


:\(:() ES Ei\ 1T RAIlAI.HO. FlIgrrri fJ /l r/ll/fl .. ... .. ..... .. ... .. M; NOST AI.GIA OU A I'AIX!\O I'OH VII I Im T O HN O•
;Vim/rr Srtt'rll 7'V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1(,.1
ENE RG IA
" ung- fu . . . . . .'. . . . . . . ... 74 omssxo
":"e rgi'l c continuidade . . . . . . .. . . i (, Fr:lglllenra,ão e reco nstru ção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
I\oshi. Ki-hili.lliIYu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 A virtude ":I necessidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... .. 17.1
Anirnus-Anima .. .. .. . .. .. . .. .. .............. ... . i<) I':lra rcprcscn rur :1 ausênciu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
I\cr:l' e i\/anis g" i\ virtude d:lomissão . . . ..... ........... 17S
l o:ls\'a c T:lnda l":I X4
S;lll[;l i. lIS três corpos du ator _ ' H(l '- o POSIç Ao
· 1';1111C . . •. . . . , ., . . . ..• . . . ..• , , •. . . , XH A da",:1 das oposições " 17(,
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" Energia 110 espaço c cllcrgi:1 I1U te mp o " , , HH i\ linh:l d:1 beleza " I ~o
Fre:lodo :l ação " " ~O ·/ i i b!Jrrllgi. ou os três arcos IHI
li prese nça do :I[(Ir .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . <)4 O teste d:lsombra I~ 4
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EQU IV ;\ Lf~N CI A PR!~-EXPRESSIVID;\D E
() prínl'Íl'ill da e,\IIiv:1 lên ci:1 . . ... . .. . <)5 Tora lid.ulc c seus níve is de C1q:~.;ani'l."çjo tH() A

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T EX' jy m )ALCX) , . 23X
. T REIN Ai\IENTO i .. 244
VISÜES : . 2Sr,
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SUl'vJÁRIO 7
Té cnica de incul rurução c acu lturação IH9 Lista hiográfil:a das técni cas coporais, IJlrm:e! IJJf/1/.(' .. 227
Fisiologia c codi fieaç~o . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 190 ~. 1\ coluna: o leme da e ne rgia ' .. . . . .. ..... .. . . . ... . . . . . 232
i C",l i li ea ç~o no ()rie lHe c no Ociden te '..... 192 () .!;rilO mud o ' . . . . ..... . ....... .. . .. . .. 234
O corpo lieitício , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 1 9 .~ I,EIS PRAGi\'IÁTICAS, Jcrz» Groll/1JJ'.I"H 236 ,
Arte s murcinisc rcut ralid.nlc no O riente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 Suts '236
Artes marciais c tcutrulidadc no Oc iden te 200 I ,O.!;OS c Hi o ~ ' 2.17
A pré-intc rprctução do espect ador '. . . . . . . . . . 20.1
Arquitetura do corpo 204 T EXTO E PALCO
A CUI ,TURA DOTI·:Xro E A CUI,TURA DO PAI ,CO,
RESTAUH.AÇAo DO COIVIPOIUAI\,lENTO Franco RlIffini ' 23H
RES'I'I\ UIV\ Çt\c) 1)0 COi'\ I PO I ~TA~'II ': N ' 1 'D, O som de duns mão baten do palmas , 23H
/?id/(m! ~·;H~i:HI;tr '. . . . .. .. . .. . . . . . . . . . . . . . . . 20S T exto " pobre" e palco " rico" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239
J!lfImltllllllYIIIII 2()(, Drumaturgia 241
O Chhau de Purulia 207 Tipo c p c rs ona ~crn ". . . . . . . . . . . . 242
T ranse e dança em H:t li 2I()
TREI NAMENT O
- RITIVlO , DO ";\PRI':NDEW' PARA O "APRENDER 1\
T em po e~eul p i ,l o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21\ APRENDEH" , /·; /I.~enill Jll/rbl/ , 244
[o-ha-kyu 214 O mito da técnica ' ',' 244
i\l lll' ;mentlls hiolc\~i ws e os microrritrnos do enrpo " 2 1.~ Uma et apa dec isiva 244
~lcyerhold: ;i p;s\;ni:ialidad e do ritmo , 216 Prese nça total , " ',244'.- '
O período de vu lncra hilid.nlc , ' 246 .
CENOGRAFIA E FIGURINO T HEINAI\IENTO IN"J'I·: RCUI ,TU IV\I '.
F i ~lI r i n l ) ~ t;cno~r;IIi~1 " 2 1:-l I?ir/ltm! Sr/llrHlIl r ' 247
Traje cotidian o, tig,urino e xtra-cotidiano Z2S O TREINAME NTO E O PONTO DE I'ARTj])A,
As mangas-de-;Ígua . , 226 IVirll!fI SflVfl/l'Jl , , 249
Considerações prel iminares '. . . . . 249 .
T ÉCNICA Mode los de exe rcícios , ' 2S0
A noç<io de t écnicas corporai s 227
. ,
\ Acrobacias
Tr einame nto com o mestre
,
,
251
2.14

VISÕES
VISÃO no ATOR E VI SÃO DO \':SPECT AD OR,
F m !il/lllldfl Tnoian! , , 2.1(,
A ART E S I~ C H I ~TA DO AT()I~ ,., 26H

i-\ GRADEC IMENT OS


IST A: ESCOLA INTlmNACIONI\L DE
T EAT RO ANTH OPOI,(}GICO , ·270:
FONT ES nAS I L UST IV\ ÇÜES 272. '

SUlVIAmo ElH ORDEM ALFABÉTICA

INTROD UÇI\O X
DICIONAHIO . .. . . . . . . . . . . .. . .. . . . . .. .. . . . 2.1
ANATOM IA 24
APREN"nIZAGEM 26
CENOGRAFIA I·: FIGUR INO 21H
DILATAÇÃO .- .. .14
])RA~I ATUR GIA 6H
EN ERGIA : 74
EQUILíBRIO " 34
EQUIVALÍo:N CIA , 9S
HISTORIO GRAFI A 144
~ IÃOS 130
I\IONT AGEI\I ' , , ISH
NOSTALGIA , " 16S
OUIOS I ~ ROSTO . . .. .. . . .. . .. . . .. .. .. . .. . . . . . . .. . . . .. 104
OMiSSÃO 171
OPOSIÇÃO 176
PI::S 120
PRI~ -EXPRE SSIVIDADE , 1l;6
RESTAURAÇI\O DO COi\!POIU AMENT O , , 20S
RJH·IO 211
T I~ C N I CA , 227
T EXT O E PAl.CO 23H
T REINi\i\ IEN T O i 244
VISÜES ' , 2S6
do comportamento do ser humano. não apenas no nível sociocul-
ANTROPOLOGIA 'T'EATRAL rural, mas turn b érn no nível lisiológico. A antropologia teatral é,
portanto, o estudo do comportamento sociocultural e fisiológico
EUGENIO BARBA do se r humano numa situação de re prese ntação.

Em quais direções os atores-bailarinos ocidentais pode m orien- Princípios similares, repr esentações diferentes
tar-se para construir as bases materiais de sua arte? Esta é ,I per- Atores diferentes. em diferen tes lugares e épocas, apesar das
gunta a que a antropologia teatral tenta responder. Conseqüen- formas estilísticas específicas o1S suas tradições, têm compartilha-
temente, ela não responde à necessidade de analisar científica- do princípios comuns. A primeira tarefa da antropologia teau al'é
mente em que consiste a linguagem do ator, nem responde 01 seguir esses princípios recorre ntes. Eles não são provas da exis-
questão fundament al para os que praticam teatro ou dança: de tência de uma "ciência do teat ro", nem de umas poucas leis
como alguém se torna um bom ator ou dançarino. universais. Eles não são nada mais que particularmente um
A antropologia teatral não busca princípios universais. mas "conjunto de bons conselhos", informações úteis para a prática
indicações úteis. Ela não tem a humildade de urna ciência. mas cênica. f alar de um "conjunto de bons conselhos" parece indi-
uma ambição em revelar conhecimento que pode se r útil para o C~1r algo de peque no valor quando comparado à expressão "an- c
trabalho do ator-bailarino. Ela não procura descobrir leis. mas tropologia rcatral'l.Mas campos inteiros de estudo - retóricos e
estudar regras de comportamento. morais, por exemplo. ou o estudo do comportamento - são
Originalmente. a antropologia foi entendida como o estudo igualmente conjuntos de "bons conselhos". L
Os "conj untos de bons conselhos" são particulares neste
aspecto: podem se rseguidos ou ignorados. Eles não são taxativos e
como as leis e também podem se r respeitados justame nte pelo ti
fato de se poder infringi-los e vencê-los. li
Os atores ocidentais contemporâneos não possuem um reper-
tório orgânico de "conselhos" para proporcionar apoio e orienta-
ção. T êm como ponto de partida ge r~ll J1le n te um texto ou as
indicações de um diretor de teatro. Faltarn-lhes regras de ação
que, embora não limitando sua liberdade nrtísticu, os auxiliam I
em suas diferentes tarefas. O ator oriental tradicional, em contra-
partida, possui uma base orgânica e bem testada de "conselho P
absoluto", isto é. regras de arte que codificam um estilo de ri
representação fechado ao qual todos os atores de \1\11 determina- t
do gênero devem adequar-se.
Desnecessário dizer que os atores que nubalham dentro de ti
urna rede de regras codificadas possuem uma maior liberdade do b
que aq ueles - como os atores ociden tais - que são prisioneiros c
da arbitrariedade e de uma ausência de regras. Mas os atores ,I:
orientais pagam por SU'l maior liberdade com urnaespecialização CJ
que limita suas possibilidades de ir além do que eles conhecem. p
Um conjunto de regras precisas. úteis e práticas para o ator so- c:
mente parece ser cap'12 de existir sendo absoluto, fechado à in- tr
lluência de outras tradições e experiênc ias. Quase todos os mes- CI
tres do tea tro oriental ordenam a seus discípulos que não se ri
preocupem com outros gêneros de representação. f~ vezes, eles Jf
lhes solicitam q ue não observem outras formas de teatro ou
dança, Eles sustentam que esta é a maneira de preservar ,1 cJ
3 4 pureza do estilo dos atores-bailarinos e que a SU,l ded icação P
completa própria arte é demonstrada desse modo. Tu do acon-
à
p:
tece como se as regras de comportamento teatral fossem arnea - Si
çadas pela sua própria evidente relatividade. Este mecanismo de
defesa tem pelo menos o mérito de evitar a tend ência patológica tI'
que resulta de estar atento à relatividade das regras: a falta de ta
qualq uer regra e a arbitrariedade. ,H
Da mesma maneira que um ator do Kubuki pode ignorar os n
melhores "segredos" do Nô, é, portanto. sintomático que Etien- té
nc Decroux. talvez o único mestre europeu que elaborou um at
sistema de regras comparável ao de uma tradição orienta l. cl
procura transmitir .10 S próprios discípulos um rigoroso afas-
tamento de outras formas cênicas diferentes da sua própria. sr
5 6 P,U,l Decroux, assim como para os mestres orientais, essa não é çJ
uma questão de limitação mental ou intolerância. É lima cons- Il(
1·6. I)rincípins semelhan tes, cSlu.:r:Íl:ll fns diferentes: ( I) !), lll l":lrin:. :1 ..; hX; I; (Z) nll!?ill
CIlfUPCII lIa Itr~dc f\ 1~d i;l ; (3) l) 'lnt;";.lrin" haliucsa; (4) Ator ~lp()nC-s do f',:lhuki: (5) ciência de que as bases do trabalho de um ator, os pontos de 111
Danç ninu indiau.. de ()llissi; (6) 1~;li hlri n'l de I)alé d:íssic, ~. partid a. de vem ser defendidas como ben s preciosos, mesmo m
Os princípios que regulam I) com purrumcn ro ,Ins»rorcs-ba ilar in os nu p:dcu em dri:IS
culn nus são seme lha ntes, IHa., ux c spc r;Ít:'lI lo..; S;jll clitcrcnrcs.
sob risco de isolamento. De out ro modo, eles estarão irrc rne- te
TEATRO ANTROPOLÓGICO 9

diavclmcnte poluídos e destruídos pelo sincretismo.


O risco de isolamento consiste em p~lgar a pureza com a
esterilidade .A queles mestres que isolaram seus discípulos numa
fortaleza de regras que, por serem fortes, simulam ignorar a
própria relatividade. e. portanto, excluídos da vantagem da com-
paração , ce rtamente preservam a qualidade de SU.l própria arte,
m'1 Scomprome tem seu futuro.
O teatro pode, entretant o. ser aberto às experiências de ou-
tros teatros, n50 para misturar diferentes meios de fazer repre-
sentações, mas com a finalidade de en contrar princípios básicos
comuns e transmitir esses princípios por meio de SUilS próprias
experiências. No caso, abrir para ~1 diversidade n50 s i g rii lic~l
necessariamente cair no sincretismo e em urna confusão de
l ín gll ~l s. De um lado ela evita o risco de isolamento estéril e, de
outro. teriu uma abertura a qualquer custo, que degeneraria em
promiscuidade. Considerara possibilidade; de umn base pedag ó-
gica comum, mesmo de maneira abstrata e te órica, n50 significa.
de fato, considerar um meio comum de fazer teatro. "As artes",
escreveu Decroux, "parecem-se entre si por seus princípios, n50
por seus espetáculos."
Poderíamos acrescentar: também os teatros n50 se asserne-
lham nas suas representações. mas nos seus princípios.
A nntropologiu teatral procura estudar esses princípios. Eb
está inte ressada em seus possíveis usos, n50 por razões profun-
das e hipot éticas que podem explicar por que eles se parecem
\. um com o outro. Estudando esses princípios dessa maneira, ela
prestará um serviço tanto para o ator ocidental quanto para o
oriental, para os que têm uma tradição codificada, e paru os que
sofre m pe la falta de 1I1ll;1.

Lokadharmi c Nntyadharmi
"T e mos duas palavras". disse-me a dançarina indiana Sanjukta
Pnnigmhi. "para descrever o comportamento do homem: Loin -
r//IfII"III; significacomportamento (rI!Jfl/7/l;) na vida cotidiana (10/'-;);
lIaf)'arl/f({I7I1; significa comportamento da dan ça (Jlfl~]'fI)."
7. E ri c u nc J)CCf OIl X (IXlJX. 199Z). fundadflr lht mímica nunlcrnn.
No curso dos últimos anos visitei numerosos mestres de
diferente s formas de repre sentação. Com alguns eu colaborei caminha com ou sem sapatos, carrega coisas em sua cabeça 011
bastante . f\ finalidade da minha pesqu isa n50 tem sidoestudar .1S com SU,lSmãos, beijam com os lábios ou com o nariz, O primeiro
carate risticus das várias tradições. nem o que proporcionou sua passo em descobrir quais os princípios que gove rnam um ôios
arte sem igual. mas estudar o que elas têm em comum. O que cênico, ou vida, do ator, deve ser compreender que ,1S t écnicas
começou como urna pesquisa pessoal quase isolada pouco a corporais podem ser substituídas por técnicas extracoridianas,
pouco tornou-se a pesquisa de um grupo composto de cientistas, isto é. técnicas que não respeitam os condicionamentos habi-
estudiosos do teatro ocidental e asiático e artistas de várias tuuis do corpo. Os atores usam essas técnicas extracotidianns.
tradições. Para estes últimos vai minha gratid50 particular: sua No Ocidente. a distância que separa as técn icas corporais
colaboração é uma forma de generosidudc que venceu as barrei- cotidianas das extracotidianns n50 é, com freqüência, evidente
ras da reticência pilfa revelar os "segredos", e até poderia dizer. •1 ou conscientemente considerada. Na Índia, por outro lado, a
intimidade de suas profissões, É uma generosidade que, às diferença entre essas duas t écnicas é óbvia, até mesmo reforçada
vezes. se tornou uma forma de temeridade calculada quando pela nomenclatura: !oJ'(f(/!Jal7l/; e lIa/)'ar/llflt7ll;. As técnicas coti-
eles se colocaram em situações de trabalho que os obrigaram n dianns gefil lmente seguem o princípio do menor esforço: isto é,
procurar por algo novo.e que revela uma curiosidadeinesperada obter um resultado m áximo com o dispêndio mínimo de en ergia.
para a expcrirnenração de artistas que pareciam os mais fiéis Ao contrário, as técnicas exrrncotid ianas se baseiam no m áximo
sacerdotes de uma tradição imut ável. emprego de energia para um resultado mínimo. Quando eu
Certos atores-bailarinos orientais e ocidentais possuem lima estava no [apão com o Odin Teutret, ret1eti sobre o significado
qualidade de presença que impressiona imediat,1I11enteo espec- da expressão que os espectad ores usavam para agradecer no
tador e prende sua atenção. Isto também ocorre quando esses atores no final da re prese ntação: otsubaresama. O significado
atores-bailarinos estão fazendo urna demonstração fria e técnica. exato desta expressão - us;lda particularmente para atores - é:
Du rante longo tempo pensei que isto era por C,llIS<1 de uma "você está cansado". Os atore s que interessaram e comoveram
técnica particular. um poder particular que o possuía.adquirido seus espectadores ficam cansados porque não economizaram SU,1
através de anos e anos de experiência e trabalho, Mas o que energia. E por isso se agradece a eles.
Cham~1Il1 0S de t écnica é, de fato, um uso particulardo corpo. Mas um excesso, um desperdício de energia, n50 explica
f\ maneira como usamos nossos corpos nu vida cotidiana é suficientemente a força que é percebida na vida do ator-bailari-
substancialmente diferente de como o fazemos na representa - no. em seu ldos cênico. f\ diferen ça entre a vida do ator e a
ç50. Não somos conscientes das nOSS~lS técnicas cotidianas: nós vitalidade de um acrobata é óbvia. Igualmente óbvia é a diferen-
nos movemos, sentamos, carregamoscoisas, beijamos, concorda- Ç.1 entre ~1 vida do ator e certos momentos de grande virtuosidade
mos e discordamos com gestos que acreditamos serem naturais. 11,1 Ópera de Pequim e outras formas de teatro ou dança. Ne stes
mas que. de faro, são determinados cultura lmente. Culturus di- últimos casos. os acrobatas mostram-nos "outro corpo", um cor-
ferentes determinam t écnicas corporais diferentes, se a pessoa po que US,I técnicas muito diferentes das cotidianas, t50 difcrcn-
10 TEATRO ANTROPOLÓGICO

tcs que eles parecem ter perdido qual- Esses exemplos mostram que existe
quer relação com elas. Mas aqui não é um nível no qual as técnicas corporais
uma questão de técnicas extracotidianas, extracotidianasengajam a energia doator-
mas simplesmente de "outras técnicas". bailarino num estado puro, isto é, no ní-
N:io h,í mais ,1 tensão da distância, a re- vel pré-expressivo. No teatro japonês clás-
loção dialética criada pehls técnicas ex- sico esse nível é às vezes abertamente
tracotidianas. H á somente a inacessibili- manifestado, outras dissimulado, Entre-
dude do corpo de um virtuose. ramo, está sempre presente em qualquer
A finalidade das técnicas corporais co- ator-bailarino e é a própria bnse da sua
tidianas é ,1 comunicoção- As técnicas da vida cênica ou õios.
virtuosidade visama estupefação e a trans- Falar da "energia" de um ator ou bai-
formação do corpo. Nisto repousa a dife- latino significa usar um termo que , em si,
rença essencial que separa as técnicas ex- proporcionacentenas de mal-ent endidos.
tmcoridiarus das que meramente trans- Damos fi palavra "energia" muitos signi-
formam o corpo. L....... --'
ficados concretos . Etirnologicarnenre,
energia significa "estar em ação, em tra-
o equilíbrio em ação balho". Como pode, então, o corpo do
A observação de uma qualidade particular J.. ator-bailarino estar em trabalho num ní-
da presença cênica levou-nosa diferenciar \~ vel pré-expressivo? Que outras palavras
técnicas cotidianas, virruosísticas e técni-
cas extracotidianas. São estas últimas que
dizem respeito ao ator. Elas são caractc-
risticas da vida do ator-bailarino mesmo
';;I
" >~ ...• . .
...-,:.....
poderiam substituir o termo "energia"?
Traduzir os princípios do ator-bailari-
no oriental em SU,l própria língua envolve
palavrascomo energia, vida, força e espí-
antes que qualquer coisa seja expressa ou rito, traduzidas como as palavras japo-
representada. Isto não é facilmente aceito nesas H-ai, J.-iJ.wv, io-in, j'oshi, as palavras
por um ocidental. Como é possível que de Bali taksn, oimsa, baJ'lJ, chiJ.'am, as pa-
exista um nível na arte do ator em que ele lavras chinesas sh1l7/ toeug, l..·lIng:!" e as
ou ela est á vivo e presente sem estar re- sânscritas pmna e shahi. Os significados
presentando qualquer coisaou tendo qUi11- práticos dos princípios d.l vida do ator-
quer significado? Para um ator-bailarino, bailarino são obscurecidos por termos
este estado de ser fortemente presente, complexos. imprecisamente traduzidos.
enq uanto ninda não tem qualquer caráter Tentei ,lV'lIl Ç'U retrocedendo. Pergun-
de representação,é um oxímoro, urna con- tei a cerras mestres do teat ro oriental se.
tradicão. Moriaki Watanabe define o oxí- na linguagem que eles usavam em seu
mor; da presença pura do ator desta ma- trabalho, existiam palavras que pudes-
neira: "trata-se de um aror-builariuo re- sem traduzir nosso termo energia. "Dize-
presentando sua própri'l ausência". Isso mos que um ator tem , ou não tem. kOJ"hi
pode parecer apenas um jogo de imagina- para indicar que ele tem ou não a energia
ção, mas, de I:Ho, é uma figuJ\l fundnmcn- r - -- -- - - - -- - - - - -- --, cerra enquanto trabalha" . replicou o ator
tal do teatro japonês. de Kabuki Sawamuru Sojuro. Em japo-
Waranabe mostra que no Nô, Kyogeu nês, koshi não um conceito abstrato, mas
é

e Kabuki, há urna figura intermedi ária urnu parte muito precisa do corpo, o qua-
entre as duas outras possibilidades (reprc- dril. Dizer que ele tem I.'os/Ji, ou não tem
sentar uma identidade real ou uma identi- /;oJ"hi, significa que ele tem ou não tem
dade fictícia): o 'iJ!xlb. o ator secundário 110 quadril. Mas o que significa não ter qua-
N ô, que freqiienremenreexpress'l seu pró- dril?
prio não-ser. Ele coloca em ação urnacom- Quando caminhamos usamos as técni-
plexa técnica corporalextracotidiana para C".lScotidianasdo corpo, o quadril acompa-
não expressar-se ,1 si mesmo, mas que nha as pernas. Nas técnicas extracotidia-
chama a atenção para sua habilidade em nus do ator dc Kabuki e N ô o quadril. ao
não se expressar. Esta negação tamb ém é contr ário. permanece fixo. Para bloquear
e ncontrada nos momentos finais tio Nô, o quadril enquanto se caminha é necess á-
quando a personagem principal - o shi/I' rio dobrar os joelhos ligeiramente e, ajus-
- desaparece : este ator, agora despido tando a coluna vertebral, usar o tronco
da sua personagem.contlldo não reduzido como um bloco, que então pressiona para
~ sua identidade cotidiana, se afasta tio baixo. Desta maneira, diferentes tensões
espectador sem tentar expressar nenhu- são criadas nas partes superior e inferior
ma coisa. mas com a mesma energia que do corpo. Essastensões obrigam o corpoa
tinha nosmomentosexpressivos. O l:oNcll, encontrar um novo ponto de equilíbrio.
homem vestido de preto q ue auxiliao mor N50 é uma escolha estilística , é urna ma-
principal no N ôe Kabuki. é também cha- neira para gerar '1 vida do ,HOr. Então, ele
mado a "representar sua ausência" . Sua se torna, em um segundo momento, uma
presença. qu e expreSSil ou represcnra nuda. X-lU. !.nlmlf;nrmi: i\cinlõl. com por rumcnro cm ilfiano de- curncterística estilística particular.
vem tão diretamente das fontes de ene r- uma ínl li:Jn:1 11:1SII;I tn :I ICI C (pinrur:, dn s écul o XI ): ce ntro • De fato, a vida do ator e do bailarino é
gia e vida do ator que os peritos dizem .~'fI'Jfltlllfl,.mi: o cn mpn rtamc nm cxnucntidi uuo 11:1 (l;ln ç'- baseada numa alteração de equilíbrio.
tina de Odissi S:llljtJkr;1 P:llti~r:(hi C. abaixo. de II Ill onna-
que é mais difícil ser UIl1 ' ·oH:f.JI do que gala (11111 ator llltt: rcprc . . cnta P:llx:i.... fcnuniu os nn Kubuki Quando fic.1I110S eretos, nunca estamos
um ator. jipon ês), amho~ em "ccnns de espelho". imóveis mesmoquando parecemos estar;
TEATRO ANTROPOLÓGICO 11
mudos. Mas, então, por que usar um mímico, um ator, como um
porta-cartazes?Será que isto significa bloque á-lo numa situação
desesperada em que, literalmente , não pode fazer nada? Pierre
Vcrrv, um mímico que apresentou cartazes de títulos de Mar-
ceau durante anos, um dia relatou corno procurou adquiriro mais
alto grau possível de presençacênica durante o breve instante no
qual e le parecia no palco - sem ter e sem poder - fazer
qualquer coisa. Ele disse que a única maneira possível de conse-
guir isso em fazcr n posição na qual ele segurava o cartaz tão forte
quant o possível, tão viva quanto possível. Para alcançar esse
resultado nestes POllCOSsegundos no palco, teve de se concen-
trar durante um longo tempo para e ncontrar este "equilíbrio
precário". Sua imobilidade tornou-se não urnaimobilidade est á-
rica, mas dinâmica, N50 tendo nada mais com que trabalhar,
Verry teve de reduzir-se ~I O essencial e aí ele descobriu o essen-
cial na alteruçâo do equilíbrio.
As posições corporais básicas das varias forrnas de teatro
oriental são igualmente exemplos de uma distorção consciente e
controlada do equilíbrio. O mesmo se pode dizer d'1S posições
básicas da dança européia e do sistema da mímica de Decroux:
abandonar a técnica cotidiana do equilíbrio e procurarum "equilí-
brio de luxo" que prolongue as tensões sobre as quais o corpo se
suste nta. Os atores das várias tradições orientais deformam as
posições das pernas e dos joelhos c a maneira de colocaros pés
no c hão, ou diminuem ,1 distância entre um pé e outro, reduzin-
do assim a base do corpoe tornando precário o equilíbrio. "Toda
.1 técnica da dança". diz Sanjuktu Panigrahi. Ué baseada na
divisão vertical do corpo em duas metades iguais,e na colocação
desigual do peso. ora mais em urna meradc do corpo,ora mais na
outra." Isto é. a dança amplifica,como se estivesse sob o micros-
cópio. esses contínuos e rápidos deslocamentos de peso que
usamos para permanecer imóveise que os especialistas de labo-
ratório em mc~iç50 de equilíbrio revelam por meio de di'lgramas
estamos. de fato. usando vários pequenos movimentos para complicados. E esta r!fl1lçfu !eerj1lilibJio que é revelada nos princí-
desloca r nosso peso. UIWl série contínua de ajustes movimenta pios fundamentai s de todas as formas de representação.
nosso peso. primeiro nos dedos. depois nos cnlcunhurcs. 'lgora no
lado esquerdo. depois no lado direito dos pés. Mesmo na mais
absoluta imobilidade. esses rnicromovimentos estão presentes.
às vezes conden sados, às vezes ampliados. outras mais ou menos
controlados. de acordo com nossa condição fisiológica, idade e
T profissão. Experiência s têm sido feiras com atores profissionais.
Quando lhes é solicitado que imaginem estar carregando um
peso enquanto correm. caindo ou subindo. por exemplo. desco-
bre-seque esta image m cm si produz imediatumcnte urna medi-
Iicação no seu equilíbrio. N50 ocorre modificação no equilíbrio
do corpo de um não-ator quando se solicita que executem a
mesma tarefa, pois para ele a imagem pe rmanece quase que
exclusivamente um exerc ício mental.
Tudo isso nos d ~í consideráveis informações sobre equilíbrio
e .1 relação entre processos mentais e tensões musculares, mas
não nos diz nada de novo sobre o ator. De fato, dizer que os
atores estão acostumados ~I controlar SU'I própria presenç;l c
tr'1duzir SU;IS imagens mentais em ;IÇÕCSfísica s c vocais simples-
mente significaque os atores s50atores. Mas u série de micromo-
vimcntos revelada nas experiências de equilíbrio coloca-nos em
outra pista. Esses micromovimentos são urna espécie de núcleo
(IUe, escondidos nas profundezas das técnicas corporais cotidia-
nas, podem ser modelados c ampliados IX1ra aumentar a força du
presença do ator ou bailarino tornando-se assim a base das
técnicascxtracotidiunas.
Qu,]!quer um que tenha visto uma repre senruçiio de Marcel
Marccau certamente considerou por um momento o estranho
destino do mímico que aparece sozinho no palco por alguns
segundos. entre um n úmero e outro de Murceau, segurando um
cartaz noqual e st á escrito o título do próximo quadro. Concordo.
que alguém possa dizer que a pantomima é uma forma muda e
mesmo os títulos, a fim de não quebrar o silêncio. devem ser 12. An u-de Ni) .iapo llês: 11m rnrpo lictÍt:'io. não 11111:1 pL:rSOIl;I~CI1l tic(Íl.:i:l.
lZ TEATHO ANTROPOLÓ GICO

~
- ._-
U. l\ !cc r;I(;;i u de equilíbrio: ntor da Cllilllllcdi:1 dc ll ' Arte , t1i1 11t;ill'Í ll;1 de Odis'ói. h;lil:trin;t d ;íssiLo;l. t!;IJl\:"';lri llu 11:1(jréc.:i;t ..mi.:.:" e m honra ;1 Dinni:m.

A danç a de oposições h(li que significa "puxaralguma coisa ou alguém para si. e nquan-
O leitor não deveria surpreender-se se eu uso as palavras 0 /0 1"- to a outra pessoa ou coisa está tentado fazer o mesmo". Hippari
boi/mino e dOU(a/i/IO indiscriminadamente. nem porque me mo- ho; se encontra entre as partes superior e inferior do corpo do
vimen to com uma certa indiferença do Oriente para o Ocidente ator. assim como entre a frente e as costas. Também há hippmi
e vice-versa. Os princípiosda vida que est'111l0S procurando não no;entre osatores e os músicos, que de fato n50representam em
são limitados pela distinção entre o que definimos como teatro. uníssono. m.1S tentam se mover longe um do outro, altern ada-
dança ou mímica. Gordon Craig, desprezando as imagens distor- men te surpreendendo um ao outro, interrompendo o movimen-
cidas usadas pelos críticos para descreve r a maneira particularde to um do outro. contudo, não indo tão longe a ponto de perder o
caminhar do ator inglês Hcnry Irving. simplesmente disse: "Ir- contato. ;1 união particular q ue os coloca em oposição.
ving não caminhou no palco,ele (1111çou nele". A mesma separa- Dilatando este conceito, pode ríamos dizer q ue, neste senti-
çiio e ntre rearro e dança veio a ser usada. mas desta vez num do, as técnicas corporais exrracoridiunns têm uma relação de
sentido negativo. para desaprovar a pesquisa de Mevcrhold. hijJjJ(/riha; com técnicas cotidianas. Temos visto de fato que,
Após ver sua montagem de Dou J II01I , alguns críticos escreveram apesar de às técnicas extracotidianas sere m diferente s das técni-
que o q ue ele havia feito não era teatro verdadeiramente. mas e.1S cotidianas. elas mantêm uma tensão com elas, sem se torna-
balé. rem isoladas ou separadas. O corpo do ator-bailarino revela sua
A tendê ncia de fazer ' uma distin ção entre dança e teatro. vida ao espectador por meio de uma tensão entre forças opostas:
caratcrísrica de nossa cultura, revela uma ferida profunda. um este é o princípio da oposição. Baseado neste princípio, que •.f--
vazio se m tradição. que conrinuarnenre expõe o uror rumoa uma obviamente também faz parte da experiência do ator-bailarino
negação do corpo e o dançarino para virtuosidadc, Para o artista ocidental. as tradições codificadas do Oriente construíram vários
oriental esta distinção parece absurda. como teria sido absurda sistemas de composição.
para artistas e uropeus em outros períodos históricos. para um Na Ópera de Pequim todo o siste ma codificado de movi-
bufão ou um comediante no século XVI. por exemplo. Podemos mento do ator está embasado no princípio de que cada mo-
perguntar a um ator de Nô ou Knbuki como ele traduziria ,I vimento deve começar na direção opostu àquela para a qual ele
palavra "energia" para .1 terminologia do se u trabalho, mas e le será finalmente levado a cubo. Todas as formas de dança bali-
sacudiria sua cabeça com espanto se lhe solicitássemos que Ilesa são construídas compondo uma série de oposição entre
explicasse a diferença entre dança e teatro. iems c 11/(11/;.1. Kems significa forte, duro, vigoroso. Mallis significa
"E nergia". disse o ator de Kabuki Sawarnura Sojuro, "poderia delicado. suave. Keras e nmnis podem ser aplicados a vários
ser tradu zido como ;roshi", E de acordo com o ator de Nô Hideo movimentos e posições de diferente s partes do corpo ' numa
Kanzc, "IVIe u pai nunca disse 'Use mais '·oshi'. mas ele me dança. e para movimentos sucessivos na mesma dança. Essa
ensinou o que era tudo isso fazendo-me tentar caminhar en- relação é claramente visível na posição básica da dança balinesa,
quanto me abraçnva pelo qundril e me retinha." Para vencer .1 que parao olhoocidental pode purecerextremamente estilizada.
resistência do abraço de seu pai, ele foi forçado a inclinar se u Em todo C.1S0. é o resultado de uma alternância conseqüente de
tronco ligeiramente p.lrafrente. dobrou seus joelhos. comprimiu partes do corpo em situação I:ems com partes do corpo em
seus pés no chão e deslizou-os para frente antes de tomar um situação nmnis.
passo normal. O resultado foi o passo básico do Nô. A energia, A dança de oposição caracteriza a vida do mor-bailarino em
como '·o.l"hi, não é o resultado de uma alteração mecânica e muitos níveis. Os atores-bailarinos usam uma espécie de bússola
simples do eq uilíbrio, 111.1S é <l conseqü ência da tensão entre para se orientar enquanto procuram por esta dança: o descon-
forçasopostas. forto. "A mímica é um conforto no desconforto", diz Decroux, e
O ator de Kyogen MannojoNornura lembrou que osatores de mestres de todas as tradições têm máximas semelh antes. A
Nô da Escola Kitudiziam: "O ator deve imaginar que acimadele mestra da dançarina japonesa de Buyo, Katsuko Azumu, disse-
est á suspenso um anel de ferro. que o est á puxando para cima. lhe que poderiaverificar quando a posição estivesse corretamen -
Ele deve resistir a este puxãoa tim de manter seus pés nochão". te assumida. se houvesse dor; se não doesse estava errada . E
O termo japonês que descreve esta tensão de oposição é hijJjJflli acrescentava, sorrindo, " mas se dói n80significa necessariarnen-
TEATHO ANTHOPOLÓGICO 13
te que esteja correta". A dançarina indiana Sanjukta Panigruhi. fazer a curva. l11;lS. mais exatamente. é como se eles puxassem
os mestres da Ópera de Pequim, balé clássico ou dança balinesu, grande caixas quadradas para o peito. De ssa manei ra, os braços,
todos reforçam a mesma idéia. O desconforto, en tão, torna-se que parecem mover-se longe do corpo, empurram, de fato, em
um meio de controle, uma espécie de radar interno que permite direção ao corpo; precisamente como o tronco, empurrado pnra
que os atores-bailarinos se observem enq uanto em ação. Não trás, opõe resistência e se dobra para frente.
.-. com seus olhos, mas por meio de uma série de percepções físicas
que confirrnam que as tensões extracotidianas, não-habit uais, A virtude de omissão
estão trabalhando no corpo. O princípio revelado pela dança de oposições no corpo é -
Quando perguntei ao mestre balinês I Mude Pusek Tempo o apesar de todas as aparências - um princípio que opera por
que. segundo ele. poderia ser o principal talento de um ator ou meio da eliminação. As ações são isoladas de seus contextos e
dançarino, ele replicou que era /011011 . "a capacidade para resistir, são. por isso, reveladas. Os movimentos tecidos juntos em dan-
tolerância". O mesmo conceito se encontra no teatro chinês. Ç.1S parecem ser muito mais complexos do que os movimentos
Para inferir que os atores têm domínio de SU;l arte, diz-se que cotidianos. De LHo, eles são o resultado da simplificação: são
eles têm Á'Tl1Ig:fl1, que literalmente significa "a capacidade de compostos de momentos nos quais ,1Soposições, governando a
;lgiientar jejum, de resistir". No Ocidente, podemos usar a pala- vida do corpo. são manifestadas no nível mais simples. Isto
vra "energia" para dizer a mesma coisa: "a capacidade para ocorre porque um número bem definido de forças, isto é, oposi-
persistir no trabalho, para suportar". Mas, novamen te. esta pala- ções, é isolado,ampliado e reunido,juntos ou em sucessão. Mais
vru pode tornar-se uma armadilha. uma vez. isso é um uso não-econômico do corpo, porque as
Quando os atores-bailarinos ocidentais querem ser enérgicos. t écnicas cotidianas tendem a sobrepor vários processos, com
quando querem usar toda a sua energia, eles freqüenternente uma economia subseqüe nte de tempo e energia. Quando De-
começam a se mover no espaço com tremenda vitalidade. Eles CfOUX escreve que a mímica é um "retrato do trabalho composto
Usa m vastos movimentos. com grande velocidade e força muscu- com o corpo", o que ele está dizendo também pode ser assumido
lar. Este esforço está associado à fl1diga. trabalho duro. Os atores por outras tradições.
orientais (ou grandes atores ocidentais) podem tornar-se mais Este "retrato de trabalhá" do corpo é um dos princípios que
cansados quase sem se mover. Seu cansaço não é causado por presidem ;1 vida, mas que depois deve ser oculto, como fazem,
excesso L1e vitalidade. pelo usode amplos movimentos. mas pelo por exemplo. os dançarinos de balé clássico, que disfarça m seu
jogo de oposições, O corpo torna-se carregado com energia peso e esforço atrás de uma imagem de leveza e conforto. O
porque dentro dele se estabelece uma série de diferenças de princípiode; oposições, porque; a oposição é a essência da ener-
potencial, que proporciona um corpo vivo, fortemente presente, gia, está ligado no princípio da simplificação. A simplificação,
mesmo com movimentos lentos ou em imobilidade apare nte. A neste caso, significa a omissão de certos elementos para pôr em
dança de ~posições é dunçadu 110 corpo antes de ser dançada colII destaque outros elementos. Então esses outros elementos pare-
o corpo. E essencial entender este princípio da vida do ator- cem ser essenciais.
bailarino: a energia não corresponde necessariamente ao deslo - Os mesmos princípios que sustentam a vida do bailarino -
carnento no espaço. cujos movimentos são obviamente em alto grau distantes dos
No !o!.'flr/llf1nlli. ,1S dife rentes técnicas corporais cotidianas, as movimentos cotidiarios - podem também sustentar a vida do
forças que dão vida ,1S ações de estende r ou retrair um braço ou ator. cujos movimen tos parecem estar mais próximos dos usados
perna. ou o dedo de uma mão. agem cada urna a seu tempo. No cotidianamente. De faro, não somente os atores podem omitir a
l1f1tYflr/llrlT7l1i. as técnicas extracotidiunus, as duas forças em opo- complexidade do uso cotidiano do corpo para permitir emergir a
sição (de estender e retrair) agem simultaneamente, ou melhor, essência do seu trabalho, seu bios; parase manifestar por meiode
os braços, as pernas. os dedos. a coluna. o pescoço. todas essas oposiçõesfundamentais, eles também podem om itir ampliando
partes do corpo são esten didas como se resistissem a uma força a ação no espaço. Dario Fo explica que a força do movimento de
que, então, as obriga a se dobrarem e vice-versa. Katsuko Azurna um ator é resultado da síntese, isto é, da concentração de uma
explica, por exemplo, que forçasestão trabalhandono movimen- ação, que usa uma gr;lIlde quantidade de; energia, num espaço
to-típico tanto da dança Buyo quanto Nô- no qual o tronco se pequeno, ou a rep rodução apenas daqueles elementos necessá-
inclina ligeiramente e os braços se estendem parn frente numa rios à ação, eliminando os considerados supérfluos. DecfOux-
curva suave. Ela falusobre as forçasque estão agindo em direção como um ator-bailarino indiano - considera o corpo como
oposta à que se observa; os braços. ela diz. nãosc estendem pura sendo limitadoessencialmente ao tronco. Ele considera os movi-

141\-14B. Ericn nc l Iccmux: "1\ l1Iím i (.~1 é 11m rcrr.tm de tra balho".
1'-1 TE ATR O ANTROP OLÓGICO

mentes dos braços e pernas como aces sórios ( 0 11 "a ne-dóticos"),


apenas pertencendo ao corpo se originados do tronco.
Algué m pode falar deste proce sso - durante o qual o espaço
ocupado por uma açâo é restrito - como um processo de absor-
ção de ene rgia. Ele é desenvolvido com base na amplia ção das
oposições e reveja novo e d iferente rum o para o descobrimen to
dos "princípio s recorrentes" . que podem se r úteis ao fazer tea-
tral. A oposição entre uma força favor ável à ação e outra contrária
é conve rtida nu ma série de regras - tais como as usadas pelos
atores do Nô e Kubuki - que criam uma oposição entre a
energia e mpregada no espaço e a energia empregada no tempo.
De acordo com essas regras, se te décimos da e ne rgia do ator
deveriam se r usados no tem po e soment e três déci mos no es-
paço. Os atores também dizem que é como se fosse uma ação
que realmente não terminou, em que o gesto pára no espaço,
l11~lS continua no tempo.
T anto o N ó quan to o Kabuki usam a expressão {ali/ em, q ue
pode ser representad a por um ide ograma chinês que significa
"acumu lar". ou por um ideograma japonês que significa "incli-
nar", algo que é tanto flexível quanto resistente como uma cana
de bambu. Tmnern define a ação de reter, de recu o. De {amem
vem tmn«. a hab ilidade para manter energ ia, para a bsorve r, numa
ação limi tada no espaço, a energia necess ária para realizar uma
ação muito maior. Essa habilidade torna -se um meio de descre-
ver ~l habilidade do ator em geral. Para dizer que um ator-
bailarino tem ou n50 sufi cie nte presença cên ica. a força nccess á-
ria, o mes tre diz que ele tem o u nã o tmne.
Tudo isso pode parecer uma codificação muit o complexa c
excessiva da arte do ator-bailarino. De fato. ela deriva de uma
expe riência que é comum aos atores -ba ilarinos de muitas tradi-
ções d iferentes: a concentração. e m movime ntos restritos, da
mes ma e ne rgia que poderia ser usada para executar uma ação
maior e ma is pesada. Por exemplo. engajar o corpo inteiro na
ação de acende r um cigarro. tomo se esti vesse levantando lima
C,JiX~l pesada c n50 um pe queno fósfor o, ou indicando com o
q ue ixo e deixa ndo a boca ligeiramente abe rta com a mesma
força qu e se ria usada para morder algo duro . Trabalhando assim
revela-se uma qualidade de energia que f~1Z com que o corpo
intei ro do utor-bailarino se torne vivo, mesmo na imobilidade.
É provavelm e nte per esta razão, que muitos atores famosos
têm sido capazes de transformar ce nas secund árias em suas
maiores cenas . Quando esses atores param de atuar e ficam nas
..
linhas late rais, enquanto outros atores desen volvem a ação prin-
cipal, são capazes de absorver, em movimentos quase impercep-

.-"

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TEATRO ANT ROPOLÓGICO IS

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Foot: Manis
Bigtoe: Ker05
Othertoes: Manis

I X- l tJ. l)rindpiflS de irms r JlUIlJiJ ( v j~nrnso C SII:1\'C ) I11l m;, posiçnode l la ll ~:.& balinc su. ilustmdos por .I;''''' [ilh a mui .. 1111\':1tio d:l n ~-:'l r i l1o c me stre I Mude Pasc k Te mpo.

tíveis, a força das ações que eles não podem ex ecuta r. É precisa- N ão será talvez a tradição ocidental caracterizada princ ipalrnen-
me nte nesses casos que seu bios se salie n ta com lima força tc pe la E1Jra de codific ação e pela procura de expressão ind ivi-
particu lar e dei xa sua marca na mem ória do espectador. As cenas dua i? Essas são, indubitavelmente, pe rgu ntas obriga tórias, en -
... sec undári as não pertencem ape nas à tra dição ocide ntal. No
sé culo ),,7\111. o ator de Kabuki, Karneko Kichiwaernon, escreve u
tretanto , mais do qu e exigir resp ost as ime dia tas, elas nos convi-
dam a pa rar e descansar por um momento.
um tratado so bre a arte do ator, intitulado Poeira 1/0S otnndos. E le Assim. falemo s sobre flore s.
diz que em dados momentos, em certas re prese nta ções, quando Se colocamos algumas flore s num vaso, o fazemos para mos-
some nte um ator está dançand o, os outros atores voltam suas trar como elas são belas, para ap reci á-las. Podem os também faze r
costas para a platéia e relaxam. "Eu n50 relaxo", escreve ele, com que elas tenham um significado oc ulto: piedade filial ou
" mas represento a dança inteira na minha mente. Se eu não E1 ÇO religiosa , amor , reconhecimento, res peito. Todavia, belas como
assim, a visão das minhas costas não é int ere ssante para o espec- podem se r. as flores possuem um de feit o: retirad as do se u pró-
tador" . prio contexto, elas continuam a re prese ntar some n te a elas. Ela s
A virtude te atral da omissão não consis te e m "deixe para lá" são como os atores de quem Decro ux falou: um ho me m co nd e-
numa não-aç ão indefinida, No palco e para o ntor-bailarino, a nado a se parecer justa me nte um homem, um co rpo imitando
ornissíio significa "reter", o que distingue a vida cênica real e não um corpo..Isto pode ser ag radáv e l, mas para se r considerada art e
a dis pers a ao re do r num excesso de exp ress ividade e vitalidade. nâo é su ficien te que algo seja meramente agrad,'í ve l. P ara ser
t\ be leza da omissão. de fato, é a bele za da nção ind ireta. da vida con sidera da MtC. acrescenta Deeroux, a idéia da coisa precisa se r
que é reve lada com um m áximo de inte nsidade num mínimo de re prese ntada por outra coisa. Flores num vaso são irremed iavel-
at ividade. Mais uma vez é um jogo de oposições que vai além do mente flores num V,lS0, às vezes tema de trabalhos de arte, mas
nível pré-expressivo tb arte do ator-bailarino. nunca traba lhos de arte em s i.
Vamos. porém, imaginar q ue usamos Ilores cortadas para
Intermezzo re pres en tar algo mais: a luta da planta para cres ce r, para se
Neste ponto. alguém pode perguntar se os princípio s da arte mover na terra onde sua s raízes penetram mais profundamente,
,- do ator-bailarino que descrevi não nos levam muito longe do
teatro e da dança, conforme são conhec idos e praticados no
elevando-se em direção ao céu. Vamos imagínm o desejo de
re p res e ntar a passagem do te mpo, con forme a planta se desen-
Ocidente. Ser50 esses princíp ios, de fato, " bons conselh os". volve, cres ce, floresce, se inclina e morre. Se te mos êxito, .1S
úteis para o fazer teatral? Ser á que chama r a atenção para o nível flores representarão algo mais que flores e ser á um trabalho de
pré -expressivo da arte do ator nos cega quanto aos problemas arte. isto é. teremos leito um iJ-ebr11lfl. /
reais do ator-bailarino ocidental? Se rá o nível pré-expre ssivo O ideograma para il.-eúfl1/fl sign ifica "fazer com que as flores
verificá ve l so me nte em culturas teatrais altame nte codificadas? vivam" . A "i da das flores. por ter sido inte rrom pida , bloquead a.
16 T EATRO ANT ROPOLÓGICO
T erra, c o rumo no centro ao mediador entre essas duas entida-
des opostas: o homem. O resultado de uma an álise esquem ática
da realidade e sua transposição seguindo princípios que a repre-
sentam sem reproduzi-la torna-se um objeto para contemplação
filosófica.
"1\ mente tem dificuldade em manter o pensamento do botão
porque a coisa assim designada é presa a um desenvolvimento
impetuoso e mostra - apesar do nosso pensamento - forte
impulso não para ser um botão de flor, mas uma 1101'''. Essas são
palavras que Bertolt Brecht atribui a Hujeh , que acrescenta:
"Assim. parao pensador, o conceito de botão de tlor é o conceito
de algoque já aspira a ser além do que é". ES(;l "dificuldade" em
nosso pensamento é exatamente o que o ikebm]{f propõe: uma
indicaç ão do passado e umasugestãodo futuro. uma representa-
ção por meio da imobilidade do movimento contínuo que muda
o positivo'para o negativo e vice-versa.
O exemplo do ilebflJlfI mostra-nos significados abstratos sur-
gindo do trabalho preciso de analisar e transpor um fenômeno
-21). Sl:lliil:IH:ia.sínrL.'\c CXCC1 1 [a ~ la pcloumr ital ian u Iltril ll :(1: nuunc nroe de ill1fl!lili tb llc
1l ~1 l cn"' ~n e xtr ema de oposiçõe s.
físico. Se alguém começa ,1 partir dos significados abstratos,
nunca alcançará a qualidade concreta e a precisão do iJ-ebaJ/a. ao
pode ser representada. O procedimento é evidente: ~,Igo foi passo que, corneçnudo da precisão e qualidade concreta, conse-
arranca do de suas condições normais de vida (este é o estudo que guirâ esses significados abstratos.
as flores tomam quando simplesmente .1S arranjamos num vaso). Igualmente. atores-bailarinos com freqüência tentam partir
e as regras que governam essas condições normais f01"<1 m substi- do abstrato p'l[a o COncreto. Eles acreditam que o ponto de par-
ruídas c nnalogicamente reconstruídas usando outrus regras. A.s tida pode ser derivado daquilo que alguém deseja expressar c.
flores, pôr exemplo, 11~0 podem 'lgir no tempo, não podem
, representar seu !lorescimento e fenecimento em termos tempo-
rais, mas .1 passagem do tempo pode ser sugerida com uma
analogia no espaço. Alguém pode comparar uma !lor em botão e
outra já totalmente aberta. Com dois ramos. um empurrando
para cima e outro apontando p., ra baixo. alguém pode chamar a
atenção para a direção na qual a planta est á se desenvolvendo:
uma força a liga à ter1"<1, outra força PUXh1 para longe dela. Um
terceiro ramo, estendendo-se ao longo de uma linha oblíqua.
pode mostrar a força combinada que resulta de duas tensões
opostas. Umacomposiçãoque parece derivar de um gosto estéti-
co refinado é. de fato, o resultado da análise e dissecação de um
' fenômeno e a transposição de energia atuando no tempo em
linhas ampliadas no espaço.
Essa transposição abre a composição para novos significados,
diferentes dos originais: o ramo que está alcn nçando o topo se
torna associado ao Céu. o ramo estendendo-se para baixo ;',

ZI. Ondas: 11 r/JflJIlI da CSCO I:I SO~h C(.'i l l .

posteriormente. isso implica o uso de uma técnica apropriada.


Umsintoma desta crençaabsurda a desconfiança mostrada paru
é

,IS formas de representação codificada e para os princípios da vida


do ator-bailarinoque elas contêm. Esses princípios, de fato, não
são sugestões estét icas feitas para tornar mais bonito o corpodo
ator-bailarino. Eles são um meio de desnudar o corpo de hábitos
cotidianos. para evitar que ele seja apenas um corpo humano
condenado a se parecer consigo mesmo, para apresentar e repre-
sentiu somente a si mesmo. Quandocertosprincípios reaparecem
i
com freqüência, em diferentes latitudes e tradições, pode-se i I
assumirque eles trabalham no nosso caso também.
O exemplo do ikeballa mostra como certas forças. que se
desenvolvem no tempo, podem ter uma analogia em termos
espaciais. Este uso de forças análogas substituiu as torças que
caracterizam o uso cotidiano do corpoe é a base do sistema da
mímica de Decroux. Decroux muitas vezes dá a idéia de uma
ação real agindo exatamente ao contrário.
Ele mostra, por exemplo. a ação de empurrar algo não pela
projeção do queixo para a frente e pressão com o pé posterior-
como é feito na ação real - mas arqueando a coluna concava-
mente, como se. em vez de empurrar, ele estivesse sendo em-
22. Arur lb Kabuki japonês c n ii't:V(lJ/fJ criado pCl:IS linhil hi"ic;,.'Õ de sun posit;:iill. purrado e trazendo os bru ços para o peito e pressionando para
TEAT1W ANTROPOLÓGICO 17

paraela ver um dançarino seguindo a cadência da música, como


acontece em todas as outrasculturas que não a japonesa. É fáci l
de entend er por que, de acordo com as soluções particulares
encontradas pela sua cultura, uma dança que segue o ritmo da
m ús ica possa torná-la desconfortável, porque ela mostra uma
ação que foi decidida de fora , pela música ou pelo comporta-
mento cotidiano. A solução que 05 japoneses encontraram para
este problema pertence somente ~ sua cultura, mas o problema
em si diz respeito aos atores-bailarinos de todos os lugares.

U m corpo decidido
Muitas lingU'lS européias têm uma expressão que pode ser
usada para resumir o que é essencial para a vida do ator-bailari-
no. É uma expressão gramaticalmente paradoxal, na qual uma
forma passiva assume um significado ativo e em que umaindica-
ção de disponibilidade para ação é expressada como uma forma
de passividade, t\ expressão não é ambígua, é hermafrodita,
combinando dentro dela igualmente a ação e a passividade e,
apesar de sua estranheza,é umaexpressão encontrada na lingua-
gem coloquial. Alguém diz, de lato "esserededso", "êae déâdé",
"tober/ecir/erl". E isto não significaque alguém ou algodecidapor
nós ou seja submetido à decisão, nem que somos o objeto da
decisão.
"Ser decidido" nãosignifica que estamos decidindo nem que
somos nós quem conduz a ação de decidir. Ent re essas duas
condições opostas flui uma corrente de vida, que a linguagem
parece não ser capaz de representar e ao redor da qual ela dança
com imagens. Somente a experiência direta mostra o que signi-
fica "ser decidido". Para explicara alguém o que significa "ser
decidido", devemos referir-nos às inumeráveis associações de
idéias, a inúmeros exemplos, à construção de situações artifi-
ciais. Contudo, todo mundo pode imaginar o que a expressão
signilica, TO&lSas imagenscomplexas e regras obscuras que são
baixo com o pé e a perna da frente. Esta inversão radical das aplicadas nos atores e dançarinos, .1 elaboração de preceitos
torças com respeito a como elas poderiam ocorrer na ação real arrísricos que parecem ser - e são - resultados de estéticas
recuperamo trabalho - ou o esforço - que existe na ação real. refinadas, são os saltose acrobacias de urna tentativa de transmi-
É comose o corpo do ator-bailarino fosse tomado separadamente tir uma experiência que não pode realmente ser transmitida, não
e, cnrão, recomposto de acordo com as regras, que não siloas da podeser passada para a frente, massomente vivida. Paraexplicar
vida cotidiana. Ao fim do trabalho de recomposição, o corpo não a experiência de um ator ou dançarino tem-se que usar uma
maisse assemelha a si mesmo. Comoas tlores em nosso vaso ou estratégia complicada para criarartiticialmente as condições nas
como o ikebana japonês, o ator e dançarino são ret irados do quais a experiência pode ser reproduzida.
contexto "nutural" no qual eles geralmente atuam: são liberados Mais uma vez deixe-nos imaginar que podemos penetrar o
da dominação das técnicas cotidianas. Como.1S florese ramos do universoíntimo do trabalho que se realiza entre K;)tSUKOAzul11<1
i!.'eballo, os atores-bailarinos, para serem cenicamente vivos, não c sua mestra. O nome da mestra também é Azuma. Quando ela
podem apresentar ali rep resentar o que eles são. Em outras julgarque teve êxito em passar sua experiência à sua discípula,
palavras, eles devem desistir de suas próprias respostas auto- ela também passará seu nome. Azurna, en tão, diz à futura Azu-
mátiC.1S.
As várias codificações da arte do ator-bailarino são, acima de
tudo, métodos para romper as respostas automáticas da vida
cotidiana,criando outras equivalentes.
Naturalmente, esta ruptura do automático não é expressão,
Mas sem essa ruptura não hó expressão. "Mate a respiração.
Mate o ritmo", repetia a mestrade Ku tsuko Azuma conformeela
trabalhava. "Matar" a respiração c "Matar" 'o ritmo significa
compreender a tendência a ligar automaticamente o gesto ao
ritmo da respiração e da música, e transgredi-Ia. A ruptura das
ações habituais da vida cotidiana tem sido feira, talvez, mais
consciente e radicalmente na cultura teatral japonesa.
Os preceitos que exigem a morte do ritmo e da respiração,
expressados pela mestra de Katsuko Azuma, mostram como a
oposiçãodesejada pode causar .1ruptura das respostas habituais
das técnicas corporais cotidianas. Mataro ritmo, de fato, implica
criar uma série de tensões para evitar que os movimentos da
dança coincidam com as cadências da música. Matar a respiração
significa segurar o fôlego mesmo enquanto se está expirando -
que é um momento de relaxamento - e opor Ct exalação uma
força contrária. Katsuko Azurna disse que é realmente doloroso 24. I\ míl i~c csqucmá rica de 11m arabesco, lima das posições b:i.sic a~ do b'l~é clá'isicn.
lfi T EATRO f\.!"lT ROPOLÓGlCO

mais importante: que o jo-na-!.:I'" permite ao ator-bailarino -


como explica Zeami - queb rar a regra, aparentemente para
I
estabelecer contato com o espec tador. Isto é uma constante 11<1
viela do ator-bailarino: a reconstrução de regras artificiais cami-
~.
nha passo ,1 passo com sua infração. Um atorque não tenha nada
senão regras é um ator que não tem mais teatro, mas apenas
liturgia. Um ator sem regras é também sem teatro: ele tem
apenas !oJ.·ar/nanl/i, comportamento cotidianocom sua qualidade
I
r
de predizere sua necessidade de provoca ção direta para manter
desperta a atenção do espectador.
Todos os ensinamentos que a mestra Azuma passou para <l
discípula Azuma são dirigidos ao descobrimento do centro de
energia da aluna. Os métodos de busca são meticulosamente
codificados, frutos de experiê ncias de gerações e gerações. O
resultado é impossível de delinir com precisão e difere de pessoa
a pessoa.
Hoje. Azuma diz que o princípio da sua vida, de sua energia
como atriz e dançarina, pode ser definido como um centro de
gravidade que se encontra no ponto médio da linha entre o
umbigo e o cóccix. T oda vez que ela atua, tenta encontrar seu
equ ilíbrio ao redor desse ce ntro. Mesmo hoje, apesar de sua
experiência, apesar do [no de que ela é discípula de uma das
maiores mestras e que ela in esma é, agora, uma mestra, não é
capaz sempre de encontrar esse centro. Ela imagina (usando as
l :i Katxuk o t\ ZlIllla. tl:1ncr;lrina japonc.,,:.t de BIIYO, cu:..il1.lIHI" 11m,! ulunau se mover de
acordo com o rirmo dcj (} ·/IfI-(I'II. imagens comas quaissua mestra tentou transmitir a experiência
l)<lra ela) que o centrode sua energia é uma bola de ,1ÇO encontra-
ma: "E ncontre seu1lJa" . Ma significa algo semelhante à "dimen- da num certo ponto da linha entre o umbigo e o cóccix, ou no
são" no sentido espacial, mas também "duração" no sentido centro de um triãngulo formado pelas linhas entre o quadril e o
temporal. "P,Ha encontrar se u ma você deve matar o ritmo. cóccix.e que essa bola de aço está coberta com muitas camadas
Encontre seujo-Im-J.]'II" . A expressão jo-ha-J.j'lt descreve as três de algodão. O mestre balinês I Made Pasek T empo diz: "Tudo
fases nas qua is todas as ações de um ntor-builari no estãosubdivi- que Azurna faz é Leras coberto com I/IflIlÍS, vigor coberto por
didas. A primeira fase é determinada pela oposição entre a força suavidade".
que tend e a aumentar e outra força que retém (ia significa
"reter"); a segunda fase (lta, "romper") ocorre no momento em U m corpo fictício
que alguém é libertado da força que a retinha, até que se chegue Na tradição ocidental o trabalho do ator-bailarino tem sido
à terceira fase CJ.J'II, "velocidade"), em que a ação culmina, orientado para uma rede de ficções, de "ses mágicos", que lida
usando todas as suas forças para cessar subitamente. como se com a psicologia, o comportamen to e SU,1 hist ória e da persona-
defrontando com um obstáculo, uma nova resistência. gcm que está representando. Os princípios pré-expressivos da
Para ensinar Azuma a se mover de acordo comjo-ha-J.j'il, sua vida do ator-bailarino não são conceitos frios relacionados so-
mestra deveria segurá-Ia pela cintura e, então, largá-la de repen- mente com a fisiologia e mecânica do corpo. Eles também são
te. Azuma trabalharia duramente para dar os dois primeiros pas-
sos (enquanto está sendo segura), dobrando seus joelhos,pressio-
nundo a sola dos seus pés no chão, inclinando ligeiramente seu
tronco. En tão, solta por sua mestra, ela avançaria rapidamente
para o limite determinado do movimento, e nesse ponto ela pa-
raria repentinamente, como se um fosso profundo se abrisse
poucos centímetros à sua frente. O que ela fez, em outras pala-
vras. foi execu tar o movimento que q ualquer pessoa que ten ha
visto um teatro japonês reconheceria como típico. Qu,lndo os
atores-bailarinos aprendem, como segunda natureza. a maneira
artificial de se mover, eles parecem ter sido cortados da relação
espaço-tempo do dia-a-dia e parecem estar "vivos": eles estão
I
;

"decididos". Eti mologicamenre, "es tar decidido" significa "cor-


tar fora". A expressão "estar decidido" tem, e ntão. ainda outra
faceta: é como se isso indicasseque a disponibilidade de alguém
criar também incluísse "cortar-se fora" das práticascotidianas.
As três fases dojo-Ita-J.j'll impregnam os átomos,as células, o
organismo inteiro da representação japonesa. Elas se aplicam a
j
cada uma das ações do ator-bailarino, para cada um dos seus
gestos, à respiração, à música, a cada cena, para cada peça num
dia de Nô. E uma espécie de código que corre através de todos
os níveis de organizaçãodo teatro. .
René Sieffert mantém que a regra dej o-na-J.]'II é uma "cons-
tante no senso estét icoda humanidade" . De certa maneiraisto é
verdade, mesmo que também seja verdade que uma regra se
dissolve em algo insignificante se aplicada universalmente. Do 26. () corpo licrícit l: Chrisrinu l loldcr C(1Il10 ( I Fc iricciru Chinêsem Pnrnrlc (cnrcoj!;rôltia: (
J,
;
nosso ponto de vista. outra d,IS declarações de Sieffert parece Léonidc l\1:l:i..'iinc; múxica: Erik Sutic: cortina, cc rnlric c li'~lIri n n: Pablo Pic:tssu).

J
T EATRO ANTROPOLÓGICO 19

'.,

27-29. () cnrpn dt.:cididn: :u;if1l a. ;. c squcnlu, utriz Pt,;i Y;IIl- L il1~. dil ÓIK:r:l de Pequim;
acim a. ;'1 dirci(;l, :1 thlll<;'"a rin :l j:'1I011l.:S:1 de B II ~·n . Kursukn ,\z.l lIll õl; abaixo à d irei ta . u
dançuriua de balé chlssicu M .milll; vun I lumcl.

baseados numa rede de ficções, mas fi c ções, "ses nuigicos". que


lidam com as forças fís icas que movem o corpo. O que o ator-
bailarino está procurando, neste caso, é um corpo fictício, não
uma personalidade fictícia. Pura quebrar as respostas autornáti-
cas do comportamento cotidiano, nas tradiç ões orientais. no balé
e na mímica de Decroux, cada uma das ações do corpo é dramn-
rizada imaginando que alguém está empurrando, levantando,
toca ndo objetos de determinado pesoe consistência.Esta é uma
psicot écnica que nãotenta influenciaro estado psíquico do ator-
bailarino. mas sim seu estado físico. Portanto. ela'tem a ver com
a linguagem usada pelos atores-bailarinos quando fal am de si
mesmose, mais ainda. com o que o mestre diz ao discípulo, mas
não tem a intenção de significarqualquer coisa";loespectador,
Para encontrar as técnicas corporais extracotidianas o ator-
bailarino não estuda fisiologia. Cria uma rede de estímulos
externos, à qual reage com ações físicas.
Entre as dez qualidades do ator-bailarinona tradição indiana,
há uma qualidade relacionada com o saber ver, como dirigir os
olhos no espaço. É umsinal de que o ator-bailarino est áreagindo
a' algo preciso. Às vezes, os exercícios de treinamento de um
'"i
I
ator-bailarino parecem ser extraordinariamente bem executa-
I
dos. mas ,1S ações não têm força porque o modo de usar os olhos
não está precisamente dirigido. Por outro lado. o corpo pode
estar relaxado, mas se os olhos estão ativos- isto é. se eles vêem
observando - então o corpo do ator-bailarino é conduzido ii
vida. Neste sentido, os olhos são como a segunda coluna verte-
bral do ator-ba ilarino.
T odas as tradições orientais codificam os movimentos dos
olhos e as direções que osolhos devem seguir. Isso tem ,1 ver não
somente com o que o espectador vê, mas tambémcom o que o
ator vê: o modo como ele se propaga no espaço vazio com linhas
de força, com estímulos com os quais deve reagir.
20 TEATRO ANTROPOLÓG[CO
No fim do seu diário, o ator Sadoshima Darnpachi, de Kn-
buki, que morreu em 1712,escreveque "dança-se comosolhos",
sugerindo que a dança que alguém est á realizando pode ser
,.
equiparada .10 corpo e os olhos com a alma. Ele acrescenta que !,
umadança na qual os olhos não tomam parte é uma dançn 1110rt.l ,
aopasso que uma dança vivaé aquela naqual os movimentosdos
olhos e do corpo trabalham juntos. Da mesma maneira nas
tradições ocidentais os olhossão "espelho da alma" e os olhosde
UI11 ator são considerados um ponto de meio caminho entre seu
comportamento físico pelas t écnicas extracotidianas c SUi1S psi-
corécnicasextracoridianas. Os olhos mostram que ele está deci-
dido. Os olhos fazem com que ele seja decidido. ~ I
O grande físico dinamarquês Nicls 130hr foi um ávido tU de
filmes de bangue -bang ue, e ele imaginava por tI ue, em rodos os
tiroteios finais, o herói atirava mais rápido mesmo que seu
adversário fosse geralmente o primeiroa alcançar .1 anua. Bohr
perguntava a si mesmo se alguma verdade física não poderia
explicar esse fenômeno. Ele chegou à conclus ão de que tal
verdade de faro existia: o primeiro a sacar é o mais lento paru
atirarporque ele decide atirar. e morre. O segundo vive porqueé
mais rápido, e ele é mais rápido porque não tem de decidir. ele
está decidido.
"Expressãoverdadeira", diz Grotowski, "é a de uma árvore."
E explicou: "Se um ator tem a vontadede se expressar, então ele
está dividido. Uma parte dele est á fazendo o desejo e a outra
partese expressando, urna parteestá comandando e a outra está 30. "prendiz tk f\:Hlmk:di I'r..lcic-Jut/o um exercíc io de ollHl.'Õ. ~,
executando .1S ordens."
Um milh ão de velas
Tendo seguido a trilhada energia do ator-bailarino. alcança-
mos o ponto onde somoscapazes de perceber seu núcleo:
1. na ampliação e ativação das forças que estão agindo no
equilíbrio;
2. n.1S oposições que determinam as dinâmicas dos movi-
mentos;
3. numa operação de reduçãoe substitu ição, que revelao que
é essencial nas ações e afasta o corpo para longe das técni-
cas cotidianas. criando urna tensão, uma diferença de po-
tencial. através (b qual passa a energia.
As técnicas corporais extmcotidianas consistem de procedi-
mentos físicos que parecem ser baseados na realidade com a
qual cada um cstri familiarizado, mas segue em uma lógica não
reconhecível imediatamente.
No Nô o termo "energia" pode ser traduzidocomo Ii-hai, que
significa u harmonização profunda (hai) do espírito (/.:i) com o
corpo. Aqui o espírito é usado no sentido de respiração, sopro,
ptlelllllo . Tanto na Índia quanto em 13'1Ji a palavraprana é equiva-
lente a b-//{/i. Essas são imagens inspiradoras, mas não são
conselhos que nos podem guiar. De fato, elas referem-se a algo
que est á além da influência do mestre, o que é evocado na
expressão o "encanto sutil"da arte do ator-bailarino.
Quando Zeumi estava escrevendo a respeito do YlIgell, "o
encanto sutil". ele usoua dançachamada S/lirabioshi comoexem-
plo. Shirabioshi era uma dançarina do século XIII; ela dançava
vestida como homem, uma espada ~ mão. A razão por que com I

tanta freqüência, especialmente no Oriente. mas também no J


~"
Ocidente , o pomo alto da arte do ator parece ter sido alcançado
por homens representando personagens femininas ou mulheres
representando personagensmasculinas é porque, nesses casos,o
ator ali atriz estavam fazendo exatamente o oposto do que um
ator moderno faz quando vestido como uma pessoa do sexo
oposto. O ator tradicional travestido não est á disfarçado, mas
despojado da máscara do seu sexo para permitir o brilho de um
temperamento suave ou vigoroso. Este temperamento de repre-
,
sentação é independente do modelo de comportamento ao qual
um homem ou uma mulher deve se adaptar porcausa da cultura J
31. [ hcn :"~J~cI Rusruu sscu cn ruo Kurrrin,« filha 11111l1" de ~I:ic Cor;l~CI'U. emi\J Cill~s
tIr" ndll (J9X2), 110 Od in Tcutrcr.
específica à qual pertence.
Nas representaçõesde várias culturas,as personagens rnasculi-
I
II
I
T EATRO ANTROPOLÓGICO 21

rino de qualquer sexo.disse Sanjukta, é sempre Shal'ti, a energia


que cna.

Após discutir a dança de oposições na qual a vida do ator-


bailarino é baseada, depois de considerar os contrastes que O ator.
amplia conscientemente, e após examinar o equilíbrio que ele
escolhe por ser precário e depois explora, a imagem de Shahi
pode, talvez, tornar-se um símbolo daquilo de que não falamos

1
a,
aqui,a questão Iundumcnral:como alguém se torna um bom ator-
bailarino?
Em uma de suas danças, Sanjukta Panigrahi mostra f lrdh(/l/a-
li:;hwtl/'tl, Shiva meio homem, meio mulher. Isto é seguido pela
atriz dinamarquesa Iben Nagel Rasmussen apresentando Lna e
Escuridão. Estamos em Bonn,no término da ISTA, onde profes-
I sores e alunos de diferentes continentes tra balharam juntos
durante um mês na fria técnica e pré-expressiva base da arte do
ator. A música que acompanho a dança de Sanjukta diz:

EII lIIei llclillo perante você


Voei 11/e é tmuo hOlll elll 1" (11/10IIIlIlher
Dois dClw'J 1/1111/só
Você cnja lIIelade macho ton a corvívida daflor r/a magllólia
.lZ. A ror de Kahllki {csrilrnpa doséculoXV111)::1rc pr cscn mçã« LI" ; ' ~"'I II de ver requer c E CI!jfllllet{/r!eJêlllea tem fi cor jJríl idfl
i,j ll 'i rC nãoupcnux dosolhos, mitS de mdn Cl C0 'l )( I. 'Ille l: diri.~ido llilr:tn ehjcm e m vistu. Daflor (/a cânfora
nas e femininas são representadas por
aqueles temperamentos que são cultu-
ral mente iden tificados comoo "natural-
mente" apropriadosaosexodas persona-
gens. Arepresentaçãodostemperamen-
tos diferenciadosdos sexos é, portanto,
em palavras teatrais, a mais sujeita à
convenção. Essa representação está tão
profundamente condicionadaque é qua-
se impossível diferenciar sexoe tempe-
ramento. Quando um ator representa
urna pessoado sexooposto, a identifica-
ção do temperamento específico de um
sexo ou outro está fraturada. Este é tal-
vez o momento no quala oposição entre
10Á'fI/,ll,al7l1i e lIat.J'arlll{/l7lli, entre com-
portamento cotidiano e comportamen-
to cxtracotidiuno, deixa o plano físico e
alcança outro plano não reconhecível
imediatamente. Uma nova presençafísi-
ca e espiritual é revelada por meio de
uma interrupção - que na representa-
ção é aceita paradoxalmente - de pa-
péis masculinos e femininos.
A tradução mais corre ta, porém
menos conven iente, do termo ener-
gifl surgiu de uma de minhas conver-
sas com a dançarina indiana Sanjuktu
Punigrahi.
É a menos conveniente porque tra-
duz a experiênciade um pontode parti-
da, assim como um grande resultado,
masnão traduz a experiência do proces-
so para .1IC'1l1ç.í -1 o. Sanjukta Panigrahi
disse que a energia é chamada S/ltIhi,
energiacriadoraque não é nemmasculi-
na nem feminina, masque é representa-
da pela imagem de uma mulher. Por
essa razão. na Índia, somente as mulhe-
res recebem o título de Shakti alllslta,
"parte de S/ItI/.-ti" . Mas um ator-baila- 33. Sl/fIkti de S;lnjuk[:, P:ulignthi.

-~ íl./ 'i-:
F ~:~-l'­
t: <«:

L ..r~1:;': ,."
.1S. Shi,,;1 Anlhnnnrishwura: fi~ma 'lIl\ln)~inil (século VII a.C.. baixo-relevo. ~ I IISCII
l\rq IlCCl Ic)~ic.:n, [balawar, índia).
f
I

Anatomia é a rlesaiçiío da viria por meio desuaansênda. ti anatomia celebra o eJjJ/el/dor easgeolllettias superiores davida doscadáveres;
portanto, a viria somentepode tomar-se objeto rio counecilllel/to eob:wvaçiío quando deixa de ser viria. fl viria é vivirla 011 descrita. Na
I
matemática, encontra-se o racioctnio pormeio rio absurdo; em anatomia encontra-se seu paraleio: raciodniopormeio ria ausência. f
Giorgio Celli, A ciêllcia rio cômico.

o MAR PODE ELEVAR-SE natureza. De acordo com Zen, há quatro pontos de vista em
relação às ondas:
1. As crianças pensam que a onda é uma coisa, um corpo
ACIMA DAS i\10NTANHAS? separado da água que se move na superfície do mar,
diferente de outrasondas e distinto do marem si. Quando,
NICOLA SAVARESE ent retanto, lhes é ensinado a ver mais atentamente, elas
descobrem que não podem compreender a onda como
uma coisa separada: a onda é um fenômeno que se move
No Japão. no começo do século XIX. os artistas como Hokusai e
no mar. Ainda faz sentid o falar da onda, mas como urna
Hiroshigue aprenderam e logo se apropriaram da perspectiva
entidade que é separada apenas teoricamente.
italiana. Mais ainda. eles a dominaram em tal grau que eram
2. A onda está prestes a espatifar-se nos barcos e no monte
capazes de usá-la para criar efeitos maravilhosos, tais como a
Fuji.
elaboração de contrastes vertiginosos ent re o primeiro e o últi-
3. Aonda nã~ se espatifa no monte F'uji porque ele está muito
mo plano. Isso era uma possibilidade totalmente nova e que
longe, ainda que pareça estar abaixo da onda.
seria encontrada no Ocidente apenas mais tarde, quando a to-
4. Os barcos, o mar, a montanha e o céu não são feitos de
tografiase tornou livre da influência da pintura e o cinema.livre
papel. Procura-se por papel, mas isso não pode ser encon-
da influência do teatro. De fato, como se pode ver na extraordi-
trado aí; entretanto todas essas coisas não são nada mais do
nária pintura de uma onda por Hokusai, que vai além da pers-
que papel. De fato, não há movimento, não existe distân-
pectiva geométrica e se torna um paradoxo visual. a maneira de
cia, umidade ou secura, vida ou morte.
ver dos artistas japoneses estava três gerações à frente do seu
tempo.
A Onda de Hokusai nãosomente mostra como o marpode se
elevar-se acima das montanhas, como também nos sugere uma
maneira de ver o impossível, assumindo um ponto de vista
perigoso entre as ondas. Este dicionário propõe tanto um ponto
de vista quanto um risco: a anatomia do ator, o resultado du
pesquisa no bios, é uma dissecção. Ele é o contrário, o oposto da
espontaneidade e criatividade, pode-se mesmo dizer da vida na
arte. As partes cuidadosamente separadas poderiam não mais
juntar-se novamente. E ainda, como o grande físico NieJsBohr
afirmou, os opostos são complementares. Por isso Einstcin pre-
fere dedicar seus escritos mais a Salieri do que a Mozart: a obra
meticulosa e obscura de Salieri - a dissecção da música -
estava em oposição ao gênio mozarrino, mas ao mesmo tempo
eram complementares.
De qualquer modo um organismo dividido nunca recupera
sua vida ante rior. T ampouco é tarefa do anatomista recriar a
vida. Pode a vida de um ator no palcoemergir das páginas de um
livro? O monte Fuji pode estar sob o mar?
AAnatomia que este dicionário procura reconstrui;' é resulta-
do de uma escola de observação. A confusão de dúvidas. os
experimentos errôneos, as longas jornadas de aproximação, to-
das as idas e vindas da investigação que precede e segue os
resultados estão ausentes destas páginas. E também estão faltan-
do os aspectos contraditórios que tornam a ISTA um laboratório
em fermentação constante: a permanên cia da Escola acima e
além dos períodos em que ela funciona como uma atividade
(mítica; a relação entre mestres reconhecidos e alunosautodida- .o 9 rr===2
c: AlPOPt.13M
tas; a contribuição de múltiplasculturas por meio da história de o
11. nVWKI-lHA
colaboradores individuais.
Os circuitos condutoresda experiência cotidiana-a supera-
ção das falsas diferenciações entre ator, dançarino, bailarino e
mímico; o confronto/encontroentre arte e ciência aprendendoa
ver e, especialmente, aprendendo a aprender-aparecem aqui.
necessariamente, na ausência de movimento e vida como pala-
I . Anõl wmi" tln proc esso criativo tio õl COC de acordo com Sranis lavski, I . Açãofísicn. 2. A
vrase imagens. senten ça de PlIshkin. .1. O mbconscicn rc por meio da téc nica consciente. 4. I\. ex-
Pode O mar elevar-seacimadas montanhas? IlCriênciil vividu.5. Personificação. 6. Intelecto. 7. Vcnnulc. S. Scnrimcnto. 9. P"llCI -
pers pectiva do pap e l, linha J C ôlÇÕCs. 10. l i, 12. Trabalho cspirimalc trabal ho ml: ico. 13. I
A Onda mostra homens, barcos e o monte Fuji. Os homens e Scnxib ilidudc cênica interiorc exterior. 14. Sensibilidade cênica ~crJ I. 15. Problc ruax
osseus esforços nãosão senão merosdetalhes nogrande fluxo da Ilrincil'i.lis.
fu'\!ATOMIA 25

t
I

No teatro - que não é feito de papel -movimento, distân- bro. Estudando-se os diagmmas e as breves notas que os acom-
cia, umidade e secura, vida e morte existem, mas somente no panham,as danças japonesas mais populares podiam ser apren-
reflexo de uma ficção. E ainda se tem dito que nãoapenas ouvir didas: a dança do barqueiro, a dança do espírito diabólico, a
música, mas também a percepção de formas e imagens refleti- dança do palhaço, a dança do vendedor de .lgua...
das, podem fazer-nos dançar dentro de nós mesmos. Na última página, Hokusni escreveucom sua ironia habitual:
Em 1815, após ter publicado seu [;'1m050 álbum, Excertos rios "Se cometiqualquer erro na descrição dos movimentos e passos,
Dramas, 56 cenas tomadas dos maiscélebres dramas Kabuki dos por favor, perdoem-me. Eu os desenhei como havia sonhado, e
séculos À'VII e XVIII, nas quais todas as grandes heroínas do um sonho de espectador não pode conter tudo inteiramente. Se
Kabuki reinaram em cores delicadas, Hokusai publicou outra você desejaaprender a dançar, aprenda com um mestre.
obra, uma coleção menorde desenhos intitulada Lições deDauç« Apesarde meusonho não poder transform á-lo num verdadei-
/)(/1"(1 .I"Í mesmo, ro dançarino, ele pode tornar-se um álbum. O que cu finalmente
Esse livro é uma série de pranchas em branco c preto, cada lhe recomendo, se você desejar dançar, é que coloque suas
,: uma das quais mostraquatro ou cinco dançarinos: para a direita e caixas de rap é e ch ávenas de chá a salvo em algum lugar, porque,
\ esquerda de seus braços e pés as linhas retas ou curvas indicam se você nãodeseja, não importa quãocuidadosamente tente ser,
oscaminhos completos dos movimentos iniciados porcada rncm- sempre terminará com peças chinesasquebradas no chão."
Educar para a criatividade, transmitir experiências, criar ensi-
EXElVIPLOS ÜCIDENI'AIS namentos c fundar escolas, estabelecendo um processode ensi-
no: houve muitas iniciativas férteis que eram ambíguas por
FABRIZIO CRUCIANI necessidade. Elas se relacionavam com a procura de regras que
poderiam pensar e concretiza r uma forma operativa de treina-
mento e com a experimentação de trabalho expressivo, paradar
Os pais fundadores e o teatro pedagógico no início ci o
forma e substância a uma idéia e um projeto cultural. As escolas
séc ulo
nascem e continuam a existir não por razões imediatas e pes-
A hist ória do teatro no nosso século não se limita à história dos soais, mas.a fim de Ju rar e alcançar fins obje tivos.
espetáculos. Basta apenas confrontar o conteúdo de qualquer As escolas acadêrn icas de teatro têm professores e cursos (e,
livro de história com o que é encontrado nas crônicas da época portanto, um plano, uma ideologia e estatuto s); isto também faz
para verificar como grande parte do icerveg do teatro est á sob a parte das escolasde Meyerhold e escolas Proletb tlt, Yieu» ColoJII-
historiografia. vier de Copcuu e escolas Copiaus, fite/ier de Dullin, assim como
Appia. Craig, Fuchs, Stauislavski. Rcinhardt, Mcycrhold , das muitas escolas diferentes que nasceram na efervescente e
Copeau: os homens que são a história do teatro do século XX herética cultura germânica. Se, por um lado, uma escola (como o
estabeleceram práticas e poéticasque não podem estar contidas teatro) é um compromisso com o que jú existe, por outro é um
em um ou mais espetáculos. Nos séculosque estamos deixando lugaronde as utopias se tornam realidades, onde as ten sões que
para trás, as linhas de tensão do teatro foram as utopias, os sustentam o ato teatral assumem formas e são colocadas em
alicerces continuame nte recomeçados pelo teatro do futuro, os teste. Numa época em que o teatro do presente vive como uma
núcleos culturais que se consolidaram ao redor e por meio do iminência do possível teatro do futuro, mudanças e transforma-
teatro. É umacultura que se estabelece comoauréolaao redor da ções se tornaram instittuianalizadas nas micro-sociedades tea-
composição do teatro, duradoura e penetrante, circundando es- trais. As escolas se iniciam para renovar o teatro, para colocar os
sas ent idades frágeis e tem porais (os espe t áculos), nas quais a alicerces do teatro do futuro e para ampliar as perspectivas do
paixão e o trabalho dos homens de teatrose manifestam. futuro do tca tro.
Escolas, ateliês, laboratórios, centros: esses são os lugares
onde ,1 criatividade teatralse expressoucom o maiselevado grau P roeesso criativo, escola de teatro e cu ltura teatral
de determinução. "1).1 necessidade de uma nova estru tura " - diz Copcau
As práticase poéticas dos grandes mestres conduziram '.1 uma numa entrevista em 1926 - "surge ,1 necessidade de uma
esp écie diferente de teatro. O elemento essencial: a pcdagogin, escola, algo que não seja simplesmente um grupo de alunos
a procura pela formação de um novo ser humano num teatro e dirigido por um único mestre, mas uma comunidade real capuz
sociedade diferentes e renovados, a procura por um modo de de ser auto-suficiente e de responder às próprias necessidades."
trabalho que possa manter uma qualidade original e cujos valo- O entrevistador, Anton Giulio Bragaglin, explicacomevidente e
res não são medidos pelo êxito dos espetáculos, mas sim pelas polêmica parcialidade: "não escolas: o teatro escola", concordan-
tensões culturais que o teatro provoca e define. Em tal situação, do com Copcuu que "escola e teatro são a mesma coisa."
não era mais possível ensinar teatro; alguém tinha de começar a O problema de "o que ensinar" é assim substituído pelo
educar, como enfatizou Vakhtangov, Sua frenética atividade problemamais dinâmico, artísticoe arriscado de "quem ensina e
didúticu foi certamente uma resposta às numerosas questões e como".
pressões que vinham sendo colocadas porjovens atores - como No último capítu lo de ,llilll/fl Vir/a /I([ illte, "Os resultados e o
relutaemsua biografia Zakhava e Gorchukov- mas certamente futuro", Stanislavski coloca SU.l vida artística na balança: primei-
uma expressão de seu próprio fervor criativo. ro fula do seu trabalho como ator e diretor e mostra que se
desenvolveu "principalmente no campo da
criação espiritual do ator", mais do que no
campo da direção. E le experimentou todo gê-
nero da arte poética ou melhor, "todos os
caminhos e meios do trabalho criativo, do rea-
lismo \10 simbolismo e futurismo, todas as
pesquisas de encenação do seu tempo. Masno
centrodo palco,ele somente vê o ator talento-
so. apesarde que, como ele escreve, "não tive
sucesso em encontrar uma fonte cênica' que,
em vez de obstaculizar favorecesse o com-
plexo trabalho artístico" pois ele buscavauma
simplicidade que vem de uma "imaginação
rica e não pobre".
O problema cent ral para Stanislavski era
que "as regras de criação do ator não foram
estudadas e muitos consideram esse estudo
supérfl uo e até perigoso". A arte do teatro é
baseada no talento, mas ganha substânciacom
a técnica, diz Stanislavski, e é óbvio que isso
exige uma "necessidade de adquirirexperiên-

I. Knn- cm rin Sc r~CYl;yidl Sta nisluvski ( IX63- 19.;:\). :tl~lJn~ me ses antes lto seu falccimc nm, eill':lT llthlll(l por I '''IIJ1f/flllmllfJ tilJiro, fUI o-xEllfin dn ira, Do it:lli:tllO "spnndn
ulunux, utorcx c dircrnrcs dumn tc 11m Clls~lin em seu cxrúdio. cc nico'': em il1 Klês "Sccuic sourcc' [rult].
APREND IZAGEi\·1
ciu e mestria". treinamento c virtuosismo.
Não há exemplo ou métodosdisponíveis para
transmitir a arte do ator. T odos os grandes
atores. os homens e as mulheres do teatro,
assi m como os estudiososescreveram sobre ,1 .. tc

arte de representar, mas sempre se tratou, ,.


continua Stunislavski, de filosofia ou de críti-
ca em torno dos resultados obtidos. "Não há
um guia prático" além de cerras tradições
orais, e. todavia, para escapar da casualidade
e do diletantismo, "leis elementares psico-
físicas e psicológicas", ainda não estudadas.
são necessárias.
Stanislavski escreve isso em 1924; os jo-
vens da esquerda o rejeitam e ele não quer
enganá-los nem tornar-se um velho inútil e
intolerante; sua tarefa é transmitir seu conhe-
cimento e sua experiência, de maneira ,1 evi-
tar os preconceitos e as descobertas daquilo
que j,í é sabido. Por volta de 1924, ele jú tinha
criadoos Estúdios numa apaixonada procura,
frenética e insatisfeita, pelaverdade em situn-
Ç"JO pedag ógica. Então, no seu livro, em meia
página , e le revela o tesouro encontrado c
transmissíve l: seu método de trabalhodo ator.
A pedagogia teatral como expressão de
criatividade é, na experiência incerta e exaus-
tivn dos Estúdios fundados por Stauislavski,
uma cult ura teatral: o sistema que será mais
tarde usado para fundar escolas de teatro é
transmitido ,1 nós pelos livros de Stanislavski,
concebidos como uma espécie de conjunto
didático que assume ,1 técnica do romance
para escapm da forma, e tentar ser transmiti-
da. ainda como experiência.
Stanislavski e Copeuu pertenceram a mun-
dos diferentes e usaram meios distintos, mas
ambos acharam necessário dar sentido c dig-
nidade ao teatro, e compartilharam um ponto
comum de partida: a luta contra as institui-
ções teatrais do seu tempo, seu conservado-
rismo vagaroso e a luta contra o desinteresse
2-.1, Tr c inamcum nos c~Clh l j()s de Srunislnvski em Moscnu. SC~lIilldo 11 linha d: IS iIÇÔC.'i fisknx, exercícios com
da profissão teatral. O teatro e a profissão bnsrõcs c rep rese ntaçõ es lha ti gUI";1de Niké (virória),
pareciam-lhes resíduosem decomposição, b i-
sas e inadequados para suas necessidades e aspirações expres- processo de formação para a criatividade, de aprender a sabedo-
sivas e das de seu tempo. Ambos estavam cientes de que, nas ria de ter conhecimentos e possibilidades de escolher o que
palavras de Copeau, "a mie e a !JI"Ojú:l"rlo 7lrlO srlo rillO.1" coisas se- aprender,
paradas", mas que ,1 profissão, como a tradição, não pode mais Também por esta razão (além da expressãoda cultura teatral
ser istoque ji se conhece e se transforma logicamente na procura das primeiras décadas do século), a escola é o lugar separado
por uma profissão que, de tempo em tempo, e sempre comoum onde se vive o hoje do futuro, uma comunidade à parte (da
evento único, declara sua própria necessidade ontológica. cidade, do teatro, do mundo "normal" ou burguês): nos experi-
Meyerhokl também considera suas escolas como os lugares mentos conduzidos porStanislavski e Sulerzhiski, coma prima-
onde se aprendem t écnicas diferentes, técnicas que não silo zia moral que este último deu ,10 trabalho físico; é na "retraide"
destinadas a um sistema privilegiado de: representação; e o da casa de campo de Copeau na época do Vieux Colornbier e
ecletismo de Reinhardt é fundamentalmente um convite para depois na Barganha das Copiaus; é na Escola Hellerau de Dal-
usaras mais diversas técnicas de uma maneira profissional, sem croze, com as religiões do corpo na natureza (que tomou inúme-
preconceito. A liberdade e o compromisso do homem de teatro ras formas, especialmente na Alemanha); e é na versão final da
são frágeis, condicionados que estão pela cultura do meio de "Escola de Arte" de Laban, na MOJltal/ha ria Verdade, em Ascoua,
comunicação e a realização de espetáculos num contexto socia l com suas cerimônias particulares; mas tamb ém é na diversidade
especítico. autopedagó gica e multidirecionada dos primeiros grupos agit-
Mas no início do século XX esta liberdade parece ter sido jJl"OP e é no grupo "insólito" dos estudantes de Bauhaus,
redescoberta num novo desenvolvimento do processo criativo, Atrás de cada uma dessas experiências estão diferentes esco-
por meio da expansão dos horizontes metodológicos e técnicos. las e poéticas, mas todas têm em comum uma reflexão sobre o
Agom, são os próprios homens de teatro que, com suas ações e processo criativo, uma reflexão que é uma expressão de uma
palavras, mudam os horizontes metodológicos e técnicos. cultura e de uma poética dinâmica.
O objetivo da situação pedagógica não é o "último grito",mas Deve ficarentendido que essas escolas e aspirações pedagó-
o "primeiro grito", é construir (muitas vezes geneticamente) o gicas não silonem pedaços nem momentos de crises, nem uma
APREND IZAGEM

forma de comunicação expressiva e como um


meio para ~l realizaçãodo homem. .f
As escolas institucionais de teatro nasce- ,!
raru e nasciam de outras experiências e res-
pendiam a uma outra cultura: os estúdios, os
laboratórios, as escolas de mestres do século
XX nasceram para fazer aparecerem con-
dições de uma experiência criativa, lugares
de operabilidade do teatro (como cultura,
como longa duração). Os diretores-profes-
sores usaram essas oportunidades não apenas
para treinar estudantes para o teatro, ou para
seus próprios teatros, mas também para in-
ventar os instrumentos de sua própria cria-
tividade.
Nas primeiras C07lVerSfi(ÕeS pam fi ESCO/fi
Bolshoi (transcritas por Antarova), podemos
ler como Stauislavski, quando montou L1m
estúdio, começou a trabalhar pelos proble-
4. Anron "'ChCC IW ( I x6n· I9(4), lendo ..l g(lÍi;Olt1ll0 ' I'c arro de Arte de i\ IOSClllI em IXt.J9: Sr.ll1i:o;l:w:<iki c:mí sen tado mas básicos da ética e eficácia artística com
~I SlI il direita. ~ l cycrltnl t1 csr.í ;1 SlI;1 c-'\qllcnla c Nc mirovich-Da ochcn ko c srd de pé. ;'I rr;is,; t d ireita.
seus alunos.
Nas páginasfinais do livro de Attinger po-
falta de criatividade artístico, como se a inabilidade de criar demos ler sobre o espírito da Commedia dell'Arte e na entrevis-
espet áculos conduzisseao ensino. Quando se 1;11.1 das primeiras ta de Silvio D'Amico com Copeau lemos como este último
décadas do século XX talvez seja mais útil e correto fala r dos organizou o trabalho em Barganha como LIma continuidade do
professores-diretores em lugarde pedagogi'1teatral. Aexperiên- interesse particular, diárioe artístico.
cia escolar é um fenômeno complexo: uma expressão orgânica Podemos ler sobre os métodos de ensino que Meyerhold
de sua maturidade e criatividade artística e umaexigência lúcida usou em suas aulas no estúdio da Rua Bo rodi nskaiu (descritos
feita pela sua poética. em sua revista, O Amordetrês laranjas), acercados seus "proces-
sos liberadores" c pelo catálogo prático de técnicas teatrais.
A pedagogia do autor Quandolemos Sklovskij podemosentrever os ensinamentos de
Copcau disse que não hú leis no teatro, m.1Sque, pura trabalhar, Meycrhold no curso de direção do GVYRlvI (Laboratórios S7IjJe-
deve-se acreditar nelas. A procura de leis pelos professores- riores Estfitnis para fi direvio). Quando lemos Sklovskij relata a
diretores é mais uma necessidadedeJfl"zenlo que uma ncccssi- visita de Eisenstein e sublinhaa necessidadede aprendera criar
dade teóric-a do saõer . A pedagogia como um ato criativo é uma novas convenções além das que não são mais percebidas como
realização da necessidade de criar uma cultura teatral, uma tais("nãose pode esquecer o quanto o teatro realista é conven-
dimensão do teatro cujos espet áculos somente satisfazem par- cional")..
cialmente, e que a imaginação traduz em tensão vital. É por isso Lamenta, em seguida, o fato de os ensaios de Stanislavski e
que o teatro, nas primeiras décadas do século, existiu primaria- Meyerhokl não terem sido filmados, de modo que novos dire-
mente por intermédio da pedagogia (antes que isso se tornasse tores "pudessem fica r acostumados a aprender e a fica r atô-
enaltecido,organizado e didático) e porque a pedagogiapode ser nitos".
vista como uma linha direta na continuidade dá maioria das Se osevocamosaqui, foi para lembrarque no início do século,
experiências teatrais significanres da época.
Mais'ainda, ela nos possibilita ver certas co-
nexões com a rica e efervescente cultura da
época: não somente espet áculos em relação ao
teatro, mas também o teatro em relação à expe-
riência cultural de uma sociedade que está vi-
vendo sem interrupção o desespero de sua pró-
pria transformação muito rápida c brutal.

"Devemos dar maisespaçoe raízesmaispro-


fundas ao espírito de companhia, devemos
encontrar estilos de vida que são favoráveis à
profissão. uma atmosfera de formação inte-
lectual, moral e técnica, uma disciplina, tra-
dições. A renovação do teatro, que foi sonha-
da durante tanto tempo e que ainda está
sendo invocada hoje, pareceu-me ser a pri-
meira renovação do homem no teatro".

Copeau escreveuessaspnluvras em 1931, nas


Memórias rio Yieux Colotubier. Elas expressam ~1
opinião defendida porCopeuu (e muitos outros)
de que o novo teatro não era nascido do teatroc 5. .Ia<:'I""-' C"I'<:a" (IX7')-1949l. lenda n roteiro til: 1\ IV"lIIml Kilkd I~r 7i:lltlmll:ss ( {llIIfl IIIlIlher IIl1Jl1f1 p"r
trnmm] de Thornns l lcvcwood no p.írin tio Tcurrn Vicu x Colomhicr. Também se vêem os atures Churlcs
no teatro, m~1S pelarecuperação da complexidade Du lliu ( I XK)·I t.J41J), n p~ímt.:iru ;1 esquerda; Lou is jouvcr (I XS7- 1951l. em pé n tc rcci rn ,I partir da d ireita: c
cultural, social e humana do teatro, como uma .)U I.;IIlI1C Bin~. a prirncir,.. ;j direita.
APRENDrZAGElv! 29
em oposição às pedagogias conservadoras,
existe uma experiência do teatro (no sentido
da longa duração, além dos espetáculos), que
o teatro-pedagogia dos Pais Fundadores é
pedagogiade autor, criação artística de ensi-
nar e aprender teatro.

ú. Excrc lcioxI1sil:OS pura os ato res doVicux Cnlonrbicr couduxidos por K;,r1 IHihm nu pátin doteatro (Paris, 1(1 3).
O unir Ch:lr!t;:-; Dullin é o terceiro :1 partir da csqucnlu. De rodos os alunos de Copc:nl foi Dullin 11 maior
re spons ável pciu dese nvolvimento da x t écn icas de treinamentorísico U;t escola do Se U Teatro Atc licr.

'1-

7-K (\ esque rda Tadcusz Kuuror (191.:i- l990), rmbulhando com alun o..'i em M ilão: à d ireita exemplos de exerc íc io- "bimnccânicos" inve ntado.... por Mcvc rhc ld pam trein am ent o

lJ- )U. ,\ cxq ncnl a Vscvolod E milc vic M cy crho ld ( l X74·19j9) (cent ro), com os seu s at ore s durante um e nsaio de () p~rl1::cejn. de t-,·Iay;,rm\'ski ( 1929); il di re ita Ik nnl[ Bn;c.:"( (lg 9H.-
IYS(l), (;11111 Ekk c han l Sdlilll duran te 11111 en saio de ,I oidfldl:(;flli/~1f n..\ sahl de cn suios do Ber lincr Enscmhlc.
I
I
30 APRENDIZAGEiV!
I
"A raiz rio veróo illglês 'toteac/I' rlerivario gótico 'tai!.:/I ', )'igllo (/ioíeemdia, aiflrlase Iltilizaelll illglês a jJalavm 'to/:ell'COlll estasigllificação).
1l llliss/ío rlaf/lIe1e que ensina é oõscroar aquilo que passa rle)jJerceóirlo aos outros. Ele é o illtéJ1J17!terios sigilos".
(Sybil Moholv-Nagy, em Paul Klce, EJóoçosjJerlagógico)', Faber und Faber, Londres-Boston, 1981.)
J
"É oprimeiro 'rlia rle'tmórll!Jo q/le determitta oselltirlo rio jmJjJlio caminho 110 teatro" (Eugcnio Bmba,llléltl rias Ilsas Flntuantes").

1lperlagogia ea relação entre mestreerliscíjmlo: o segrerlo ria transmissão ria arte está llrljJersollalização desta relação. Compoucas exceções, a
relação mestrc-discipulo tem-se deteriomdo uasescolas teatrais tradicionais rio Ocidente. Mas, em outras culturas esta transmissão vivaria arte
ainda é praticada e é a rnz ãoesseucial por qllealg"I/Ifl)' tradições art/sticas eespitituai: existiramdurantegerações, etêm sidopassar/as adiante,
semperrler suaforça.

o aluno ou s/ás/Ij'a e a linha ininterrupta do conhecimento ou


EXEIvlPLOS ORIENI'AIS jJtrl'fl1llpam, na qual o mestre e o discípulo são participantes
individuais numa tradição que se estende muito além deles.
ROSErvIARY JEANES 'ANTZE . A continuidade nas artes conta com os seres humanos. Os
textos escritospodemregistrar certos princípios, masa crença na
A sílaóa gu, sigllifica sombras {escutidão) eficá cia do mestre vivo volta à época do antigo sábio/mestre,
1l stlaba ru, aquele qlle as dispersa. Namrla: "O que se aprende confiando-se nos livros e não se
Por causa rio .1'/]1/ poder de rlijjJmm' a escuridão o glll7l r!assim aprende com mestre não brilha numa assembléia". Mais ainda,
c!Jamar!o. (Advayatarakn Upanishnd, velõ'o:í) desde que .1 dança e a música se comunicam por meios n50-
verbais e as suas matrizes de expressão estâo além das palavras,
Na antiga Índia, o conhecimento era do tipo oral. Os primeiros eSS,lS artes estão em débito com a tradição oral viva. Os discípu-
textos religiosos, os Verias e Upauixades, foram passados adiante los confiam no gll17l por eles escolhido como a chave para o rico
durante muitas gerações oralmente, e somente mais tarde foram mundo (1<1 atividade criativa.
confiados à palavra escrita. Uma tradição oral exigia uma repre- O gl/17I religioso é talvez a incorporação maisvisível do mestre
sentação viva - o glll7t - que incorporava c transmitia o conhe- tradicional e assume muitas formas, estendendo-se desde o
cimento tradicional. Nos tempos védicos em costume um pai asceta de cabelos longos isolados no alto Himalaia até o )'ogi que
passar seus ensinamentos ao filho, perpetuando assim oconheci- anda a jato, com umagrande comitivaocidental. Na Índia, não é
mento por meio do parampara, que significa linhagem, descen- incomum procurar e seguir um gilm em assuntos espirituais.
dência, fileira ininterrupta ou série, sucessão ou tradição. Aqui Freqüentemente, a orientação de um mestre é considerada es-
temos os'priucipais elementos da tradição 01"<11: o mestre ou glm/, sencial paraatingir a meta definitiva da vida hindu - lIIo,(~'áa ou
liberação. Apesar de os glll7lS serem geralmente homens, há um
exemplo de uma mulher de Madras, [ nanananda, que é apeli-
dada "mãe-guru". Numa entrevista com C. White, um histo-
riador de religiões, ela especifica a regra da experiência para
encontrar lImgu17I apropriado: "Quando o cheia [discípulo] está
pronto para o gU17I, o g ll11l chega". Seu conselho para o compor-
tamento subseqüente com respeito ao mestre é igualmente
típico: "Quando se encontra um verdadeiroguru, deve-se entre-
gar-se completamente."

o gun: como pai, preceptor honrado


Originalmente, ogum em aquele que realizava as cerimônias
purificadoras sobre um menino brâmane e que o instruía sobre
os Verias. Neste papel, o bfl/rJI tornou-se um segundo e superior
pai porque a habilidade para conceder conhecimento espiritual
ficava mais elevada do que a capacidade de dar nascimento
físico. A maneira pela qual o glllll se torna um segundo pai na
iniciação do menino se encontra no i11t/ifi1Va Ver/a IX:5-8:
"Quande o mestre aceita o Brahmadtat: (discípulo da alta
custa brâmane) como um discípulo, ele o trata como um
embrião dentro do seu próprio corpo. Ele o carrega durante
três noites no ventre;quando ele nasce os deuses se reúnem
para vê-lo."
Ainda hoje a concepção do gll17l como segundo pai é aceita
por um número surpreendentemente grande de pessoasjovens.
Esta atitude está documentada num estudo recente que trata do
moderno sistema educacional. Um questionário apresentou as
seguinte aiternativas:
1. Um professor deveriaser realmente com umsegundo pai
para seus alunos e deveria assegurar-lhes seu completo
desenvolvimento.
2. Um professor deveria primordialmente preocupar-se em
1 1 ~12 . Acim a.dnuçarino halillê.s I Madc Pusck Tempo c «(1.31):1 dança rinn jÕII'KUlC.";;(
Karsuko f\7.11ma ensinando 'IS pnsiçiies do braço u se us respectivos alunos. Nas ensinar seu aluno na sala de aula e não atentar para o se u
trudicõcs tcarruis asiiír icls , o dis cfpulo geralmente fica em Ircnrc uo me stre c aprende comportamento fora da sala de aula.
por i~li[:IC;ãCJ d ircra de SUas açõcs. Ax vezes. cnrrcranto, espe cialmente no inicio d'l
Ce rca de 90% dos alunos do ginásio e universitários em oito
:Iprcndiz;IKem, u mes tr e fie:. em pé, atrás: do ;I I II IlO C ~lI i:1 dircramc nrc as SII ;I" :(Çt1 c s, a
lim de trans mitir ruu to os: m nvimcnn» q uanto os rirmos l't" meio de CUlH:I[() lisic(} (cl: difercnres estados escolheram a primeira declaração, reconhe- I

Fi ~. 5, p. 247). cendo o professor comosegundo pai,confirmandoque o ideal de


APRENDIZAGElv! 3\

gllrtl, cujo papel tradicional se estende além da saladc uulus. está


inde levelmente impresso nas mentes da maioria dos alunos.
OSglllflS da dança são tamb ém frcqüenremenre vistos como
segundos IX1is. pois eles dão vidaao dançarino existente em cada
um dos seus discípulos.
Uma grande dançarinaOdissi, Kum Kum Das. mulher madu-
ra e mãe. fala comardor da relação pai-filhaque ela mantém com
o seu [ 11m. Em outroslugares algumas dançarinas tradicionais do
templo eram de fatoadotadas,de tal modoque a mãee mestra se
tornavam uma só.
Mais elevadoque um pai. um[lI1/( pode tambémser colocado
quase no nível de um deus e assim reverenciado. Sua bênção é
essencial para o êxito de qualquer empreendimento. Os seguin-
tes versos do l lrlvfiJ'fllflral a Upallisharl elevam o f:,T/II7/ a propor-
ções sobre-humanas:
Somenteo gllmé brâmane tmsscendentc.
Somenteo gllrtl é ocamillho suprnuo.
Someate of:,T//17/ é cOllhecillle11lo elevarlo.
Somente ogll11l é Olí!tilllO refiígio.
Somenteo glll7l é o limite final.
SOlllf'.!//eo/;11111 é 1I111aior oplllêllcia.
Porque eleensina qlle
O g1l17l é o mais eleoado rletodos. (versos 17 e 18)
Ta l elogioextravagante temseu equivalente na realidade. No
estúdio de dança Kathak do mestre Durga Lal em Nova Déli,
uma fotografia de seu falecido /;1117/. decorada com pétalas de
florese perfumede incenso. está pendurada numcanto. Aoentrar
na sala cada aluna vai primeiramente uré o quadro e respeitosa-
mente tocasuas mãos na base do retrato e, em seguida, imedia- piosque tentavam conservaras qualidades e a atmosferadogllnl-
tamente em seus olhos fechados. A seguir ela se dirige ao atual lI/Ia. É UI11 internato onde os mestres e alunos vivem e traba-
g1ll7/. roca seus pés e inclina-se novamente - de maneira scme- lham juntos na maiorparte do ano, os alunos permanecendo no
lhnnte ~ reverênciaexecutadaante urna divindadenum templo. mínimoquatro anos. O falecido mestre, Chandu Pannikur, que
A relação um-a-um entre o glll1l e o shúll)'fl é o elemento foi o pilar do departamento Kala kshetra Karhakuli, exigia o
básico do sistema de aprendizagem, e implicaumcontato próxi- maior respeito e total atenção, e impunha disciplina rigorosa.
mo e duradouroentre os dois. baseado em amor e devoção. Ravi Os que estudaram com ele, incluindo seu filho, dizem que os
Shankar nomeia o mestre comoo primeiro dos três conceitos no alunos de hoje não suportariam as privações e a disciplina.
coração da tradição musical: glll7l, uinava e sndhana. P'1I"a um "Sempre que você o visitava, ele o fazia executar ~l l gu ma
artista sério, escolherumf:,T//11I é mais importantedo que escolher prática: olhos, talall! [ritmo). JlllIrlms. Era trabalho de 24 ho-
marido ou esposa. Enrão vem villaJ'fI, "humildade temperada ras... Mais tarde cu compreendi por que ele nos repreendia,
com amor e adoração." por que ficava raivoso, mesmo quando alguém que estava
Não somente a reverência mas também o medo podem ser sentado, observando, nos aplaudia." (Kuniraman),
parte da atitude de um discípulo, diante de seu g/lm - e O glll1r nos contava histórias mais duras de seu próprio mes-
contribui IX1I"~1 o seu aprendizado. Modelado numa relação pai- tre, que 11111,1 vez o pegou pelo nó dosseus longoscabelos e o jo-
filho, a harmoniaidealem música é íntima mashierárquica, mais goucontra a parede, simplesmente porqueele parou de executar
propriamente do que um encontro de amigos ou de iguais. O o ritmo.Mas a vidadoaluno não emapenas sofrimentos, Aproxi-
terceiro conceito, sar/h01Ifl. que significa prátic.1 e disciplina, midade íntima com o g l/11f também permitia ã criatividade do
envolve completa lealdade il tradição do gtll7l e obediência abso- mestre l1uir sempre que sua inspiração o prendesse. A suscetibi-
luta às suas instruções na arte e na vida. [idade ü inspiração - muito fnígil na arte expressiva - era pre-
servadae possível gmçns a uma estrutura disciplinada de apren-
Curu-kula, aprender na casa do gllm dizagern. Doisdançarinos confirmaram que mesmo se ~1 inspira-
É necess ário que o f:,T/II7/ esteja em conraro constante com seu ção chegasse ao mestre no meio da noite, ele não hesi-taria em
discípulo para ser inteiramente capaz de nutrir as habilidades e chamar seus discípulos para comunicar seu conhecimento.
as atitudes artísticas em seu shi~h.J'a. O antigo sistema arranjou Mas a chamada dO glll'l1 nem sempre significava que a instru-
isto por meio dogIl17l-l-/lla, no qual o discípuloera incorporado ~ ção lia dança seria dadn. Outro aspecto muito importante da
fam ília do glll7l. quase como um membro da família, Knla é a relação glll1l-shisnJ'{/. especialmente possível num ambientef:,T//11I-
palavra sânscrira para farníliu, linhagem ou casa: daí, gJt11l-lmlfl iula, é o "serviço" que o aluno presta ao mestre. Lavar roupas,
significa aprender "na casadogllm ". Este hábitode irviver com preparar e carregar .ígua quente para o banho, massagear e dar
o mestre. costume central do sistema de educação antiga, fo i a banho de óleo no mestre são atos que muitos dan çarin os rnen-
maneira predominante de aprender m úsica até a ~eração que cionarum. Meugllm Odissi falou dosserviços que ele prestou ao
agora domina as salas de concertosno norte e sul da India. P~1I";1 a seu gllm: lavando pratos.fazendo compras e conduzindo pllla, ou
maioria dos alunos atuais de dunça, gltl7l-h tlf/ pertence ,} um culto. na casa dog/ll7l quando ele estava ausente. Eu também vi
passado idealizado, Asrestrições ao tempo no moderno ritmo de discípulos consertando roupas e fazendo preparativos de viagem
vida permitem talvez alguns meses de residência e aprendi- para seus glll7ts. O serviço e a obediência em tarefas mundanas
zage m na casa dOf:,T//I7I. masraramente os anosde totalaprendiza- parecem demonstrara dedicaçãoe a humildade do discípulo e o
gem como no passado. merecimento parareceber o conhecimento e a habilidade incor-
Urna s éria c ilustreescola de dança. Knlaksherra, fundadaem ·por'ldos no mestre. Como no passado, ele permanece um ele-
Madras em 193h por RukminiDevi, foiestabelecidasob princí- mento importante na relação glll7l-shish)'a ainda hoje.
32 APRENDIZAGEfvl

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upre nde ndo ilinlhl hoje. EII tive dois me st re s. t\ primeirol, Rukmi ni Dev i kf. Fi~ . 3. p. 2( 6), l'ril perfei ta !);IT;l ;1t écnica. Ehl era famo...;1porque em nen huma de Sllêt ~ alunas se pm li;t
te
de tec tar H Ll1l",;110r pont o Iruco, :1menor E.lha. l\-fclI sc:!."mln mes tre , Kc lu ch urnn ~ b h;tp.m:'. que cn nrinuu a se r m e u mes tre :Hé hoje. diz que o ~(a ndc ar ris ru é o que domin'l :1 ct
técnica par;\ csq uccê -l», u qu c Ili'iosomen te en canta u es pectado r. IH:I'" '1"<': {em êxiw em modifi c..í- !n."

Guru-dakshina, pres ente e honorários poderia incluir um aparelho de televisão, um gravador, ou o mais
No antigo sistema de educa ção não havia acordos preliminares tradicional presente de vestuário- talvez uma manta de casimi-
para honorários, e certos textos, de fato, condenam os mestres ra ou um colar de ouro.
que estipulavam pagamento como uma condição para aceitar
alunos. Entretanto, a idéia de presente ao gll l7l , gllm-r/nfs/filln, é Ekalavya, discípulo extraordinário
uma prática tradicional aceita há muito tempo. Fontes primiti- O Jlfohnbltamta contém uma intrigante história da relação g1l17l-
vassugeremo princípio ideal -- que o presente era simplesmente aluno, um adm irável exemplo de gllrll -r/nJ:shi1la, que parece
pJra agmdar o mestre, não um equivalente ou compensação pelo dominar a mente de diversas pessoas. Com o propósito de ser
conhecimento recebido. Esse ideal baseava-se na crença de que breve para reter o espírito da tradição oral, aqu i está a versão
o conhecimento era tão sagrado, que mesmo quando um g lll7l contada a mÍm pelo gl/17I Odissi, Ramunn Runjan [enn:
ensinava uma simples letra do alfabeto, ele nunca seria adequa- "Drena foi o maior de todos osg1ll1lS e foi o mestre de dl101I1Ir
damente recompensado com riqueza. Uma antiga lei. Manu ber/o, a arte de atirar flechas. Ensinava filhos de reis, tanto
II:24S-6. declara que quando o aluno está para retornar ao lar, Pandavas quant o Kauravas (as duas principais famílias do
"pode oferecer .l)guma riqueza ao seu gum; presenteá-lo com épico que entraram em guerra uma contra a outra). Um dia
pedaço de terra, ouro. uma vaca ou um cavalo, ou até sapatos ou Ekalavya viu o vulto de Drena e ficou cheio de temor e amor
um guarda-chuva, ou um banco, trigo,legumes e roupas (separa- pelo espírito do se u g/l17l. Essa força tocou Ekalavya tão
damente ou juntos), algo que possa dar prazerJO mestre." profundamente , mas como ele era de farnilia humilde e pobre
Esta tradição deg7117/-rlnl,shilln tem sido perpetuada em situa- não tinha o direito de aprender a atirar com flechas. Contudo,
ções contemporâneas. Um g lll7l que deu sua arte e seu amor ele estava tão possuído que fabricou J imagem de Drena, o
espera gratidão e respeit o sob a forma de presentes. gl/17I, praticou com arco e flecha diante dela, orou à mpa
O principal presente é dado no momento em que o trei- (imagem)-e presenteou-a com oferendas. Então, um belo dia
namento básico está completo. que em dança coincide com a Drena e seus discípulos estavam na floresta, e ele viu um cão
ocasião da primeira representação. chamada am ngenruu em que latia, e que subitamente silenciou ating ido por urna
Bharnta NaryaITI. A prática padrão era a de dar de acordo com flecha q ue atravessou seu focinho do nariz até o queixo.
a capacidade do aluno e a necessidade do mestre. O critério Drena espantou -se porque somente de conhecia a arte de
é ainda elástico no conceito , mesmo se novas expectativas assim atirar uma flecha, e queria saber qu em era o respons ã-
influenciam a escolha e o valor do dol~'hilfa a um grau consi- vel, Ekalavya se adiantou e admitiu o feito, confessando
de rável. como ele tomou Drena como seu gllnl sem o conhecimento
Atualmente OSglll7lS de dança geralmente recebem um hono- do mestre e como ele aprendeu a arte. Por conseguinte, oguru
rário específico pelos se us ensinamentos, c o gZfI7l-r!akslti1la tor- Drena exigiu osseus direiros,gllm-r/afs/;;7/fz, o presente ofere-
na-se uma fonte de artigo de luxo. Uma nova lista modernizada cido ao mestre quando o treinamento est á complet o. Como I
de presentes. adequados ao glll7l -r!O/;Slti lI0 ao final dos estudos, ele temia que Ekala vyase tornaria maior do que ele mesmo,
APRENDIZAGEM 33
! Grana pediu O polegarda mãodireita do discípulo. Ekalavya, presença dos seus estudantes) que um bom aluno faz sair de
I. feliz, deu o que O mestre havia solicitado... a mãe de Ekalavya
chorava, mas a arte de atirar flechas tinha de ser mantida nas
dentro de si o mestre e um mestre pode ser estimulado e pode
realizar-se em seu aluno.
mãos da classe dominante. O discípulo ansioso havia ultra- A relação simbiótica estende-se além da dependência mútua
passado seus limite e foialém do que o destino havia ordena- do gll17J e shishya. Meu glll7J de Odissi falou certo dia da sua
do como possível em sua vida." crença de que o glJl7J, ou talvezo conceito degll77J, existe dentro
Esta história ilustra bem muitos aspectos da relação g UI7/ - de nós mesmos, que trazemos a imagem e a força de um ,gIJI1J em
shishya, ainda que seja em si uma sit uação não-ortodoxa - a nossa mente e nosso coração. Nas fases iniciais da relação, o
dedicação, prática intensa, obediência e renúncia completa da mestre é responsável por fazer nascer o ser artístico do aluno e
vontade do discípulo às exigências do gurn. Um detalhe impor- dar educaçãoàs suas habilidades, assumindo o papel de segundo
tante omitido na versão acima .é o fato de que Drena havia pai. Subseqüentemente, o gutu e sua tradição são assimilados e
prometido ao seu discípulo favorito, Arjuna, que ninguém seria ficam contidos dentro do discípulo.
maior arqueiro do que ele. Uma explicação pata o severo pedido Quando colocado contra o fundo da tradição, parampam, o
poderia ser o desejo do gllm de manter a palavra dada ao seu relacionarncnto entre guru e aluno torna-se mais do que um
discípulo escolhido e legítimo. O faro de Ekalavya estar perfei- simples encontro e troca entre dois indivíduos. Ele serve como
tamente disposto a aceitar as exigências do seu gll17l demonstra um elo vital na continuidade da dunça. As palavras de três
que as bênçãos do g1l17l são maisvalorizadas do que o aprendiza- conhecidos artistas, que aprenderam com um célebre mestre
do de uma habilidade. Um velho e dedicado mestre-dançarino Bharata Nathvarn, Muthukumara Pillai (1874-1960) apreendem
contou-me que o respeito, a obediência e o serviço prestado ao osentido da influência de umgll17J respeitado sobre assucessivas
gt J17I busca quebrar o ego até que gradualmente o ego se acalme gerações:
e o verdadeiro eu ernerja totalmente. A essa luz é possível "... Em sua vida simples, ele incorporou O conceito shastmic
interpretar a chocante história inicial de Ekalavya como uma do verdadeiro mestre, cuja inspiração sempre permanece
das realizações pessoaisno planoespiritual.Por meio de sua arte uma iluminação nas mentes dos seus alunos." (Mrinalini
de atirar flechas ele dominavanãoapenas o arco, mas também a Sarabhai)
SI mesmo. "... Ele era o depositário de um tremendo repertório. Para
alguns de nós sua memória permanecer á vivae servirá como
Guru-shishya-parampara uma inspiração para transmitir aos outros o que tivermos
Até este ponto consideramos principalmente a relação mes- aprendido." (RukrniniDevi).
tre-aluno hierárquica, no sentido de que um discípulo mais "Eu sei que o que ele comunicou a mim e aos seus outros
jovem deve respeito ao mestre mais velho, que é a fonte do alunos é imortal," (Rarn Gopal)
conhecimento. E, contudo, a relaçãoglJ17J-shishy{{ é distintamen- Aqui vemos oguru comoa inspiraçã o que ficacom o discípulo
te simbiótica. Um célebre glJl7I Bhnrata Naryarn, Nanu Kasar, e motivaa transmissão ulterior. A dança continua a vivere o guru
CUj ,l S aulas cu observei em D éli, estava pronto a mencionar(na é imortalizado por intermédio de seus sucessores.
i'

Equilíbrio extraco tidia no


"A caracte rística mais comum dos ato res !
....I
e dançarinos de diferen tes culturas e
é pocas é o abandono do equ ilíbrio coti-
diano em favor de um equilíb rio "precá-
rio" ou extrucotidiano. O equilíbrio ex-
tra-cotidiano exige um es forço físico
maior, e é esse esforço ex traqu e dilata as
tens ões do corpo, de [;\1 munciru q ue o

ator-builurino parece esta r vivo unt es I
!
mesm o que ele comece n se expressar. •
i'
Atores de várias tradições orientais
tê m codificada a aq uisição de ur» novo
equi líbrio c posições b ásicas ti ue o upreu-
diz de ve adq uirir por me io do exercício
e do treino. Na Índia, por exe m plo (Fig.
2), o corpo é dobrado de acordo com urnn
Iinhu curva que passa através d,l cabeça,
do tro nco e quadril, Esta posição funda -
me ntal é chamad'llribhrmg". "os três ,Ir-
cos'' . Ela é encont rada na escul tura de
rodos os te mplos budis tas e assim se
esp alhou através das cultu ras. des de o
Nepal até o [apão (cf. Oposição).
T ambém se encontra o equilíb rio
precário no teatro ocide ntal, como se
pode ve r neste ator da Co rnme dia
del l'Arte do século XV]] (Fig , 1), cuja
l
posição se assemel ha forteme nte no 11'''-
Mr/llgi. Se olharmos p,tr,] as silhuetas 1·2. Frirrcllino, :I pç r~OI1 :I ~l; 11l lia Co nuuc d i.r, ~r;l""r.l de: Ikrn:l rd Pic art (lõ%), c <f d'lfl\"õlrin'l de Odi xxi. S;Jnjllkl:l
dessas dUtIS figuras, notamos que e m l';l ni~r:Jhi: ~l mÚSl:;Ir.1 d;l Cn lll IlH:d i:1 dct l'Arrc c ;1 t1; ln~':lrin:1 inclian;t_'";tu (orrad:l.' rmuevc rsal mc n tc por linha s de fnrç,t
;ll1 :íll)~~1."~ II III t.:Sl1l 0 priucíl'io de equilíbriu c.~ r;í em ;I\"~l) em 'llll hi I S.
ambos os casos há U l11'l deformação da
posição cotidiana das pernas e lima rc-
du ção tb buse de apoio do pé .
Ambos os corpos parecem ter sido
partidos e, en tão, reformados segui ndo
uma linha similar.
Na rrudição mais recent e d o teatro
ocidental, e m que ,IS funções do ator e
dançarino foram separadas, encontra-se
essa alteração do eq uilíbr iosome nte em
t écnicas forte mente codificadas co rno ,\
mímica (Fig. 3) ou balé clássico.

Equilíbrio de luxo
Po r que todas as f ormas de represe n-
tação codificada, tanto no O rie nte qua n-
to no Ocidente, possuem esta constunte:
a deformação das técnicas cotidia nas de
an dar, mover-seatravés do esp 'lço e mun-
te r imóvel o corpo? Esta d e fo rm a ção da
t écn ica corporal cotidiana é essenc ial-
mente baseada numa alteração do eq ui-
líbrio. Sua finalidade é criar uma cond i-
ção de equilíbri o permanentemente ins-
tável, Rejeitando o eq uilíbrio " uuturul",
o a tor orie n tal inte rvém no espa ço por
meio de um equ ilíbrio "de luxo" , inu til-
me nte complexo, aparent emente su pér-
fluo e custando excesso de ene rgia.
Pod e-se dizer que este eq uilíbrio "de
luxo" cond uz ti sugestividade da estili-
zação e es té tica. Essa afirmação é gera!. 3. Eti cnllc Dcc roux em II Ill t í pil.:ll tlifi'lllililm: lI:1 mímica .

mente aceita sem perguntas, par:Jsab er


porq ue essas posições flsicus, que des-
troem o ser natural e a maneira coridian.t
de usar o corpo, Iorum escolhid as.
O que acontece exatamente?
O equi líbrio - habilidad e huma na
para manter ereto o corpo c mover-se no
~
EQUILÍBRIO 3S
espaço nessa posição - é o resultado de
l. uma série de relações musculares e ten-

~
sões dentro do organismo. Quanto mais
complexo se tornam os nossos movi-

I mentos - quando damos passos mais


largos do que de costume ou mantemos
acubcçumaispuraufrent e ou paratrásdo
que o usual- mais o nosso equ ilíbrio é
urneaçudo. Uma série inceira de tensões
se estabelece para imped ir a queda do
corpo.
Uma tradição na mímica cu rcp éia faz
uso consciente desse déséqllilibre: não
como um meio de expressão, mas como
um meiode in teusificaçã o de certos pro-
cessos orgânicos e aspect os da vida do
corpo. Uma mudança de equilíbrio re-
sulta numa série de tensões orgânicas
específicas, que compromete e enfutiza
a presença material do ator, mas nlima
fase que precede a expressão intencio-
nal, individualizada."
(Euge nio Barba, l\lItrop%gia Teatral: Pri-
melm Hipótese.)

.' 4. D<lnç:1 de upn.'iiç;ín n ll l1l hoho tia curte - IlIU bronze 5. ElIgtlcni V:lk hr;ln~(I\, (IXX.l~IY22) em cqllilíhrio urc -
alemão do século XV (~-IIISC II Vicmria c Albcrc, Lon- ci rio 0)/110 o bobo nu pC\-~1 de 'shilkcs pcarc. Nnilerir: Neis
dre s ). (Tcarro de Arte de Moscou, IlJI9).

(). G rc re \Vicsc nthul. bu.ihutnil c xprc ssioni stu da Alcrn:mha IlOS :Hl OS 3D, em p ()~i 'r'flfJ de equilíhrio precário, !X11; 1 de lJoIJ/(fIW(/k~r (11 II/I!.rf/ de/JlIIlIíhjo).
.16 EQUILÍBRIO
Técnica cxtraco titlia nn: a procura por
uma nova postura.
"No teatro Nô japon ês. o ator caminh a ~.
se m nunca levantar os pés do chão: ele se
move para a frente desl izando os calca-
nha res, Se alguém te nta isso. descobre
imcdiutumcutc quc o cen tro de gravidade
muda de posição e q ue. portan to, seu
equi líbrio tam bé m muda . Sc se dese ja
caminhar com o um ator do Nô,os joe lhos
devem se r levemente dob rados. Isto re-
sulta numa lige ira pressão para baixo du
colu na verteb ral e, portanto, do corpo in- >a.
tei ro. Esta é ex atame nte a posição q ue se
assume q uando se p re para para saltar.
No teatro Kubuk i, tam bém do [up ão,
há dois est ilos difere ntes,flmgoloe wagolo.
No Im/galo, o estilo exa gerado, a assim
chamada lei de diagon ais é usada: a cabe-
ça do ato r dev e semp re estar nu rnu ponta
da linha diagonal fortemente inclinudu: a
outra ponta lia lin ha é um dos pés (F ig. 7).
Todo o corpo mant ém-se em um cquil í-
brio alterado e di nâmico sustentado por
uma s6 perna .
O estilo ü!)ngolo é o est ilo "rcalísrico" o
Ku buki, Aqui o ator se move de mane ira
se melhante ao IJibilflllgi da dunçu indiana
clássica.
Na dança indiana Odissi, o corpo du
dunçarinu é mantido como se a letra 'S'
es tivesse passando através do q uadri l.
ombrõs e cabeça. A sinuosidade do Iri-
bbnllgi é cla ramen te visível e m todas as
esuiruus cl.issicus indian as. Na Iormu &:,'1/-
golo do Kubuki, o ato r move o corpo de
uma manei ra late ral, semelhante à ondu,
q ue reque r uma a ção contí nua da coluna
verteb ral, O eq uilíbrio do atorc , portanto,
també m a relação entre o peso do corpo e
sua base. os pés são conseqüen temente
mudados.
No teatro balinês, o ator-bailarino puxa
com as plan tas dos seus pés ao mesmo .. . .
~.::.

tem po q ue erg ue os ded os. o que reduz ' .:'-'';'' .

pe la me tade seu conta to com o chão, P'lru


7. Ator de Kabnk i. lch ikuwa EI11HI'\l lkc. 11111Ha p()s i~'ãn IIf'f1gnllJ.
evitara queda ele deve ufustarus pernas c
dobrar os joe lhos. O ator de Kuthukuli
indiano puxa com os lados dos p és. rnus as
conscq üênci us são as mesmus, Estu nova
base resul ta numa mu dança fundamcntul
de equ ilíbrio: o ator permanece com os
pés afastados e os joelhos dobrados <Pig.
};).
As regras p'lra a única forma de teatro
codificado nu Europa. o balé clássico, pa-
recem forçar dclibcrudamcntc a bui lurina
i~
a se move r com eq uilíbrio prec ário. Isso é !!
verdade tanto para as posições básicas
q uanto para u totalidade dos movimento s.

~ -\ .•
tuis como nmbeslflles e nltillldes e m que o
peso do corpo intei ro é sustenta do por
uma perna. e mesm o na POn ta dos dedos
de um pé. Um dos movimento s mais irn-
portuntcs, o p/i':. consiste em dançar co III
~J
osjoelh os dobrado s, a mel hor posição para
se iniciururnu pirueta ou II Ill salto (F igs. 11
e 12)."
(Euge nio Barba. ibitl.)

I
;, . -
•....< ".~i;- ,.I'
..
X. ,\prcml izcs K;ldtaka li da csco!u l\;d;lIHõllllhtl;tlll em Kcrala, índia. nu p"siçiio bãs icu. e nsinada no início du
;lllrCn d il''''I~C:IlL
I
EQU ILÍ13RIO

i
.',

9-13. Em cim«, oi esque rda, {l;l lIç'lrin'l PuruliuChl1:111 (Índi;I); e m cimu . ú direic:!, ;' ;Irr iz
Rohcn;! Carrcri; c abai xo, oi direita , Pci Y;l n·l .j l1 ~. :Hri'l. tI;1Ópera de Pcqlli m. cCj llilíh rio
prccuno clHl.'i"' q, rido com IIIlI ufastamcum tias pCfI1;1s . Abaix o, ~ c Sllllcrl(;l. cqll ilíhriu
prcc;írio no ha lé chlxxico cllrnlll:'1l "~lJlj.fllit?

.
3R EQUILÍBRIO
Genernlizações relativas ao equ ilíbrio
"O equ ilíbriodocorpo humano é uma dus
funções de um comp lexo sistema de ala-
vuncus constitu ído de ossos, articulações e
músculos; o centro de gravidade 00 corpo
muda de posição em decorrência das dife-
rentes atitudes e movimentos desse com- .1.,
I
plexo sistema de alavancas. (...)
Osmtido /II115cI/ltrr é a nossa percepção
do escada de conrrução ou relaxamento
dos músculos e do esforço q ue os múscu-
los fazema fimde supo rtar um detenni na-
do peso. Ele também é a sensação tátil dus
plantas dos pés, q ue pe rcebem as varia-
ções da pressão exercida pe lo resto do
corpo. Esse sen tido muscular condicionu
nosso eq uilíbrio em várias atitudes corpo-
rais, porque nos indica uutomat icumeute
os limites de ntro dos qu ais podem os mo-
ver parte do corpo sem cair. (...)
Êstdticn. A mecânica nos ensina que o
centro degravidade de um corpo é o ponto
de equilíbrio de todas as partes desse a b c d e f
corpo e que ,I li1lflll de gravidade é uma
linha perpendic ular uo chão a partir deste
ponto .
Sabemos também que o centro de gru-
vidude de um corpo está situado correta-
mente quando a linha de gravidade alcan-
..
i
ça o chão dentro do perímetro da bas«dr.
apoio. É o caso do corpo hum ano quand o
esni numa posi(l7o erera. Mas, visto que o
esq uele to é feito de muitos elementos
móveis, o corpo humano não seria capaz
de permanecer em equilíbrio se rodos
esses elementos não fossem fixos pelos
ligament os e pejo trabalho dos músculos.
Assim pode-se deduz ir que para man-
ter ocorpo na posiçãovertical, numa posi-
ção confortável e simétrica, necessitamos
somente de uma participação pequena
dos músculos, já que o tmbllllro esseucial i
feitopelos ligaI/mitos.
Mas se o objeti vo em estudo move-se
de uma posição normal ereta para uma
posii<io deIIteJIfão, os músculos exte nsores
da coluna verte bral, o glúteo máximo e o
quadríce ps se contraem imediatamente.
De faro, nessa posição os eixos dos movi-
mentos de extensã o e flexão das articula-
ções (a junção entre o atlas e a cabeça, as
vértebras, as articulações do quadril, do
joelho e do tornozelo) são vistas como
estan do no mesmo plano vertical da linha
de gravidade. Por causa da nova orienta-
ção dessas articulações o corpo est á numa
posição instável de equ ilíbrio, e os vários
segmentos m óveis de vem ser mantidos
fixos pela ação dos m úsculos, (...)
Em todas as posições assumidas pelo
corpo, nas quais se upóiu sobre ambos os
pés, õ centro de gravidade se moverá uo
mesmo te mpo que o eixo do corpo, da
linh a perpend icular de gravidade : quanto
maior for este deslocame nto, maiorserá o.
esforço muscular para manter o corpo em
equil íbrio."
(Angelo Morelli, Giovunni Morclli: Atllllo-
mia para o /ll1islll).

o estudo do equilíbrio torna possívelcompre- 14. Pranclla~ mnsmnulo ; I S Jl C C( ~S de ctJ llilíhrin. da il "" ftJJJlil l/JlJI"(( nrtisms, de An~clo c Giovunni 1\·lorclli. :1:11l1ll1:II1'iil
do corpo rclurivu 11linha de ~m"idllllc; h:a linhu de ~ru\'itl;(dc quumlu se anda c corre;c ; o utccnnismo usado paru f;lzcr
ender como um equilíbrio eu: af'ÍÍo gera uma :1 rml1sic;ão de urna pns i~iio ximétricu crer" pam uma posiç:io usximérrica creru (u linha do IdÚ/lIlt1gi indiano é tamb ém
espécie de drama eiaoentat: a oposição de disccrnivc] 11" pnsiçõfn (ti) no ,ilrinw dC.,·cnho (eI: Op(}.ri(nt.~r).
EQUILíBRIO 39
tensões difere ntes no corpo do atoré pe rcebi- uma visualização de forças conrnirius - e manutenção da posi ção. O ator que não con-
da cincs tesicume nre pe lo es pectad or como es ta é a image m do corpo de um ator q ue segu e dispor-se ,I este eq uilíbrio prec ário c
um conflito entre forças cl cmentu rcs. tv/as sabe como contr olar o equilíbrio -, o cq uilí- dinâmico niio tem vida na ce na: conserva a
para ser capaz de se move r de um eq uilíbrio brio dev e tornar-se dinâmico. Os m úsculos est ática cotidian a do homem, mas como ator
q ue é o result ado do esforço mínimo para em uçâo deve m substituir os ligamentos nu purccc morro.

A e

....

15i. () cq uilib rio di nâm ico é cla ramen te vislvc l nas pose s csnlrica s de ssas bailnr inns r;tilantlcs:ls: te nsão (c pn rtan rn tlinâmit-a) é xnblinlunla pelo con rruxrc rcsult unrc lia direção (Jus
lnuços c pernas (/\ c B) c o <IfôlS[;,11l1C11W e xtremo das pernas CC c D ).
40 EQUI LÍBRIO
o eq uilíbrio em aç ão pução com essa qu alidudc. N uma entr evista
O eq uilíbrio dinâmico do ator, baseado nas Chnrbounicr em 195 1, Matisse disse: " t\
CO I11

imobilidade não é um obst áculo par" ,I sensa-


f'
tensões do corpo, é um fquilíbrio fi/I av i o: isso
gera a sensação de movimentos no especta- ção de movimento . É um moviment o coloca-
do r mesmo q uando só lui imobilidade. do nu m nível que não leva j unto o corpo do
Os artistas conside ramisso como sendo de espectador, massimplesme nte suas me ntes".
gl:lnde importância. Uma fi gl/ I~l pintad:!ii qual Os atores e dançarinos devem estar cicn- .i ,
falta esta li nulidade, é para Leonardo da Vinci tcs de que as conseqü ências ciuesrésicas de
d uplame nte mon a. Primeiramente porq ue é se u trabalho, isto é, as se nsações que são
urna ficção, c, depois, porque não mostra mo- cxperimcntadus pelo espec tador, testem u-
vime nto da ment e ou do corpo. Os artistas nham os mode los dinâmicos de seu compor-
modern os tamb ém dcmostrurumsua prcocu- tamento cênico.

16. 1) ;lrl\-";, rin:1 runia: T1ulml (,."111 1I011:tflljl ill" ( s ul do i\ Ié~ i<:o. século rx): f' CHn["fJlll da I )f l 'ii ~:ii () 110 <:llrpo sem vcsni.iri«, 17. A posição de busc d ;1 dan ça balinc s» tambúnt co nté m
u ;I l rt:ra t;~1l do l:tjllilíilrill pode SCf vista cbmnu c urc 11:1 inclin:n;iill da cnbcct C do nu nco k l". Fig. .2..1. r.r.I/fI':!"m(JfI r 11111 ,1 :d tc ra çi'iCl de
cq uillbriu c ri;ll lol pelo CrlIZ :II Il t: lH n dos
I' ~~II FiJlIJI. . '. pé" (cf. Fi;:<. 1-2).

...
\

IN. 1);1Il<,":lriJ111 ct ruxco: afresco tlu oí lllllln ' {'riclinnuu cru T :lrtl'l íní;l. h :í1i:l (4})OA70 :l. C .).
EQUILÍBRIO 41
. ' . :- -
A ço e a l:(odão
"Minha mestra coseu-
muvu d izer q ue todo
at or tem de en cont rar
SUa própria força cc n-
, tral. E la poderia ser irna-
:< gi nada como uma bola
de aço no cen tro de um
triângulo, cujo vértice é
o ânus e cujos Olmos
dois âng ulos são os can-
tos da pe lve no nível
do umbigo . O utor dcve
te r sucesso em centrar
o equilíbrio nesse pon·
to de força. Se ele o e u-
contra (mas isso é difí-
cil de faze r; eu mesma,
hoje, às vezes não o en -
contro). todos os se us
movimentos, entã o, se-
rão poderosos. Mas esta
força não és inôni mo de
ten são o u violên cia.
Minha mestra disse que
a bola de aço foi cober-
ta com camadas de al-
godão , assemelhando-
se, assim, a algo macio
que, bem no se u ccn-
tro, esc on de algo duro.
O movime nto do ator
pode ser lem o e flexí-
vel e esc onder sua for-
ça, com o :1 pol pa de
um" Fruta esc onde a
semente."
(Kntsu ku Azumu)

1'J-20. 1).\I1~:Jrin a cnrcn"a numa pinturu de Kim l lon!:- 21. Kursuko {\z " tlIa numu p,,,i,"o lia dan~" 11")'0: :1 cxpanxâo do quimono C"
do (.<éclIllI XVII I). No detalh e numcn tado, o c qui lí- abe rtura :-;illlll lt;inca dosdoi'i' leq ues ampl ilicu u visivc lmc nrc (como lima letra
brio prcc:í.riod;l d:lO\-";,lfin;\ c a linha do Iri/lh/tll,!!,; india- cquilibmdu'V') n dificukladc da posição precária que, cn trcmnto, é rotalrncnrc
00 (cC O/IfJJi('ic.') s"ulilci/mcntc disc c rnfvc i-, controlada pel'l d'\I1\,arin'l .

..
I

22-23. Aror Kuthakali indiano numa p()si ~5u de equilíbrio prccir io:aprcndizc« Karhakuli trcinundo a mesma p{)s iç~o. Os jovens aprendizes (em OP{)Si~"lU '1O . itor adulto)
m;mtêm .\ posi\iiu :'msrcnt,ml!o-sc l1Hn seus ;.;mntlc::i dcdo:'i.
42 EQUILÍBRIO

24-25. i\. l:SIIIll,;nla. 110 l" '''mki. ra UJ;lm:w~ ;jJw~ ....i l) u....";u los P;H;I uumc nrur u ;,11111":1c modificar n C1ltlilíbr io. Aqui, (J S;II11l1f:li Suk crok u osrcur u seu c k:gõmtc ves tuário numa posição
rló"irf/,ililJrc earuc rc rfsti cr ; à d ire ita. bo bos dsnçuulo co m suparos ;llms üuiniu ruru do SL:l:llll1 XI, I. j lll ()~c;s. F r.tllç-I).

\
.... :
... i
L
2h. Ator llil Ópcnl de Pequim nu ma pllsiCr.in de cquilfbrio prcet rin accnnuulu pelo usn de botax rlpicax de puno prc tu com solas ulrns bmncas.uue s.10 IIS ill (:lS por pcrso na~cns de
1l0 Silfãu ele\'a dol,rais como illlp c r.ldorcs, ~cnc"l i.'i c juízes. Os ciplJ.'i de $Jp;lIf>.S Ils;ulns pc!o.s atores du Óp c ril de Pequim sã o bnsc ndox nus ca lçados tradicionais lI~d(}s uu Dinasrin
Oi n~ (I 644. I'JI I). l nc lufd nx e ntre ussc s csrão n /s'" i rhj '(In, ox sap a rn.'Ii cx pc ciuix nsadox pcht.~ mu lhe res !,ilra deforma r se us pés nos cha uunlos " pés de lírio" (cf. Fi~. 6, 1·:JJ~J'l!.i(/J.
EQUILÍBRIO 43

4::

,..

t~
.~ :.;;

27·3 1.1\ d:lllÇ:1 co nsiste na conrlnun mochrlaçlo do cqui -


lihrin, Consc qücn rcmc nre, ()aparen te paradoxo de dun-
cus C.'\CCtHillf;IS e m pos íçlics ajodh.ld.I.... como nos cxc m-
iJlos seguin tes: rlunçnrinax b:llinc.....~ . . .C XCClltôlJ1:lo a dau çu
1~'(JIIg ( Fi~s . 27 c 28); dan ça de div inda de chtnc~;,' COl.11
11111cac heco l (F i~. 29, mural de D rIIIhUilll}!;. 1 ~1I1;1 ~[/i1
'I':lIlJ.:. 6 1X-9(6); Sus .ume L ink e m lima de SII:IS pnrncuus
L compu.. . içJie.:.'i(Fih".10); !Ja/IJIlj 'IISallflllg , CIma :lõ1n çil : .\;C-
cuculu pnr mul heres na cor re de j uva IlnISCl:II Io XV I,
fntn~nl fad ;l e m fins do sé culo pussm ln nu Pnkic io Re a l de
[acur ta (F il:_ 31l.
44 EQUILÍ13 RIO
POI"l]lIe()a tor visa UI11 equilíbrio de luxo?
O que signiCiea para o espectador a alte-
ra çã o de equilíbrio do ator?
"N:I dança ou no teatro. o artista. se u
instrumen to e s uaobra são fundidos numa
coisa física: o eorpo humano. Uma cur iosa
conseq üê ncia é que a dança, criada essen-
cialme nte num meio, aparece para a au-
di ência e m olitro. O espccr.nlor recebe
es tritamente o traba lho vis ual da arte. O
dançarin o usa ocasionalmente um espe-
lho; ele também tem, às vezes, uma ima-
ge m visual -mais ou menos vaga de se u
próp rio dese mpenh o e, nat ural me nte,
como membro de um gru po ou corc ógru-
fo, ele vê o trabalho de Olmos dançarinos.
Mas, tanto quanto se u eorpo csr.i envolvi -
do, e le criu principalme nte por meio de
se nsações cinest ésicus em se us m úsculos,
ten dões e articulações. Este fato é di ~n o
de nota porque alguns cstcticistusassegu -
ram qu e somente os se ntidos mais e leva-
dos da visão e audição produ zem meios
expressivos e artísticos.
Tod a forrna-cincstésicu é d inâmica.
Mich ottc observou que 'o movimento pa-
rece essencial para a existência aparente
do corpo e a postura, provavelmente ex-
pe rimentada apenas como uma luse ter-
min al de movimento'. Mcrlcuu-Pontv
rnostru que "meu corpo parece -me como
postu ra" , e que. em coustrurc com objetos
visuulrncnrc obscrvudos, e le não tem uma
posição de espacialid.ulc, mas uma de si-
ruução. 'Quando fico de frente minha 'I
cscrivnuinhu e me inclino sobre ela com
ambas as mão s, o upoio est á todo nas mâo s,
e nq uanto o corpo inte iro oscilaatr ás delas
como ,I cauda de um cometa. N"o que eu
não esteja ciente da colocação das min has
COStaS ou quadril. m'IS ela está upenas
implícita cm minhus mãos, e m inhu postu -
ra inteira é legível pelo fato de as mãos
estarem upoiudas sobre a escrivanin ha' .
O dança rino constrói sua obra com as
se nsaçõ es de tensão e relaxamento, o sen -
tido de eq uilíbrio. que distin gue a orgu-
lhosu es tabilidade das ave nturas ve rticais
pe rigosas de impu lso e queda. A nut urezn
d inâmica da experiência cincst ésicu é a
chave pam a surpreendente correspon-
dên cia entre o que o dançar ino cria com
suas sensações musculares e a imagem do
corpo vista pelo público. A qu alidade di-
nâmica é o elemento comum que unifica
os dois di lercnt es meios. Quando o dança-
rino e rgue o braço, e le ex perim enta pri-
me irame nte a ten são de levantar. Uma
tens ão se mel hante é transportudu visual-
';2-33. EII1 ci m:1 1.001 is [uu vcr (I :-;X7· 11J$1) ~ l:sllllc rd:1 t:1U lúrn!f! d~ Allllacres, de ~1 ()licrc (Pa ris. 1936). O rlL1sq llililJlr
me nte ao espectador . por meio da irn u- nesta CCIl:1 é rcsu lrudo d;1 rc n rnriva de jouvcr de chuta r (I crindn c tia rugi' d":"HC último , Deve-se levar cru conta que
.l\em do bruço do dançarino. 11 palr.:n no teat ro proscénio-im.:o em estilo ituliaun foi l"cico em de clive . Esse dccfivc. que facilitou :1 pcrspccrivu nu
Finalmente, é essencial pura u execu- projeto di! cena. ohri ~ol1 os urorcs a abrirem suas pc m nx u 1i111de m anter seu equil íbrio , () 11:"1) do palc o em declive nu
ção do dan çarino e do ator que a dinâm ica tea tro C UropCIII'~11 foi uburukmudo até per to dn fim do século XIX. Abai xo, scçâo verti cal do Tea tro Sc ulu de "'·filão,
IIIICfoi plnncjad n pelo a rqu iteto ir:llt-Jnn Gill'ã eppi Pic nu ar ini ( 1734- 1XOX) e complcrad o em 177X. Observe n 1l;Ik"nCIl1
visual seja clurarnenrc separada da mera
dec live.
locomoção. Eu percebo 10/;0 que o movi-
me nte parece morto quando t1,j a impres-
são de mero deslocamento. I~ claro que
fisicame nte todos os movimen tos são cuu-
sudos pela mesma espécie de força, mas o
que conta para a exe cução art ística é a
dinâm ica transmitida ao público visua l-
me nte, porque apena s a dinílmica é rcs-
pons úvcl pela expressão e significado.
(Rudol f Arnhc im, ;I/ter. Pr.rcr./J{'ã o Vis/JJ7/).
EQUILÍI3IUO 45

.l4-.l 7. i\ utriz lhcu N'I ~c1 RõlSlHll.,\"'Cl1 rrci u.unlo IU I Odin 'lcurrcr (197 1,. Os exercícios [~1Jl 11m c fuiro lilH'io sobre li cl\ lIilíhriu do cllfllO (cf '1i riJlIIJIJl'JI/fl) .
46 EQUILÍ13RIO
Eq uilí brio e imaginação
"A fim de pesq uisar as bases fisiolôg icus

C~.
,r.' )
do comport amento, têm sido feitas ex pc-
riê ncias que estu dam a relaçâo en tre ,I
at ividade tônica posturul (o sistema rcgu-
ludor do equ ilíbrio básico, que torna pos-
sív c l ao homem manter uma posição ereta
e o se u equ ilíbrio no espa ço) e a atividade
moto ra qu e resulta em ges to e panto mi-
rua. Essas experiências têm sido feitas
com vários sujeitos; o texto seg uinte se
refere às realizadas com atores C atle tas.
1)0 ponto de vistafisiológico, osis tema
de equilíbrio é constituído de vários ter-
minais se nsório-motores, incluindo ele-

•~.'~'
men tos externo-receptivos (visual, aud i-
tivo, tátil) c ele mentos auto-receptivos
(muscula r, tcndinoso, articu lare esquelé-
tico). O próprio funcionamento dess e sis-
' ...
~
tema torna possível ao home m mant er a
projeção do seu cent ro de gravidade de n-
tro do polígono de apoio.
.
Sabemos que o homem, na posição ~; X. Itllscr;u;iio dos rcxulradox de uma experiência de equilíbr io c i lll a ~i ni1<;ãn : (:1) utlcrnxmostram lima IHlldanç:.1 de
vertical ou em repouso, nunca está imó-
ve l: ele oscila segu indo ritmos particu la-
equilíbriot1pcn:ls quando IIIll peso cxt;í se ndo Glrrc:g;lt/o rcalrncn rc; (h) atores , :It"()"HII I)), u los a jlH:l1-:i nl.lr ~csros c ações,
moxtrum 11111;1 nuulunçn ele equilíbrio duramc ;1 CXCl:lJ(;~O mímica da i.lção. i
res e comp lexos. Esses ritmos são estabe-
lecidos pelos váriossistemas reflexos scn -
sório-rno tores, quc asseguram a regular i-
~
!
zação da atividade tônica posrurul. A am- 1
.f,
plitud e c a freq üência dessas oscila-
ções do eixo do corpo podem ser medidas
com o .I/tI / o-âIW líllt:/r o (Fig , 39).
Durant e um pe ríodo cspecfficodc tcm- I
po o aparelho fornece certas informaçõcs
a respeito da posição do corpo:
- localiza o ponto de projeção do ccn-
t ro de gravidade do corpo c ru relação ao
ce ntro de apoio do polígono;
- uvuliu a amplitude e freqü ência do
dcslocume n ro:
- mede o fenômeno no tempo c cs-
paço.
Enquanto o sujeito est áe m posição na
plat aforma, a informação que obt emos no
osciloscópio, após tratamento ele trônico,
é lida de duas formas:
- ve torial, quando os des locamentos
ante rior, poster iore lateralsão registrados.
Este é o s/aro-ciuesograma (Fig. 40).
- linear, quando os deslocamentos
1I
anterior e posterior são difer enciados dos !
deslocamentos laterais e são registrados
.)C).O cinct êmc rro: iusmuncn ro que tuc dc a nmplitud c c i
no tempo. Este é o slabilogmtlltl (F ig. 311).
No primeiro caso, a área superficial
rrcqiiêlll:i;. clux osc i hl(rik:~ do eixo tlu corpo.
j
coberta pela "munchu" é medi da cm milí- j
metros q uadrados; no segundo caso, o
comprime nto da linha feita pela mancha é
med ido e m centímetros. Os quatro círcu-
I
los concêntricos na tela do osciloscópio
correspondem a diferentes limiares de
pressão exercidos sobre a p lataforma:5,10
ou 15 qui los purudeslocamentos de 1,2 ou
3 centímetros em amplitude e para deslo-
J;
·1
camen tos angulares no plano sugitul do
sujeito de 1,2 ou3 graus. Todas as oscila-
i
ções da "mancha", que vão além do lirni ur
1
determinado nos quatro pontos cardeais,
l
{
são registradas. 40. Cincmp;ri.lIlm: t.I iahralll<1 ve tor de mlllJ,lIlç:1 noequilí- 41. Gh,,,I,,., Dullill (J 885-1949) C0l110 Arpagon em (J
N a prime irasérie de exper iências exa- ln'iu me dida pelo cinctômctro. til: Moli êrc, numa posi ção de equilíbrio ex tra-
tlVII/1!Jl!fJ,
cotidiano.
J
minamos o comportamen to posturul de
dois grupos de sujeitos em boa condiç ão ij

i
física:
- um grupo de nrletus cujo esq uema

i
EQUILÍl3RIO 47
corpóreo é estabel ecido pela expressão
'I
dos gestos adaptada realidade;
- um grupo de atores, cujo esquema
corpóreo é estabe lecido pela expressão do

IJ gesto mímico, imaginário.


Aexperiência constitu iu em comparar
os resultados ante s e durant e o carrega-
mento dos pesos e durante a execução da
mímica dos mesmos gestos. Os resultados
(Fig. 3H) mostram que:

j a) no grupo de atlet as, as variações em


deslocamento do centro de gravidade do
corpo são produzidas e m proporção ao
peso quando o peso é real, enquanto a
execução mímica do mesmo gesto não
causa mudança em deslocamen to.
b) no grupo de atores, acostumados .1
I traduzir uma id éiaimaginária com o corpo
I e com gestos, houve rea ções diferentes
nas duas situações: carregar o peso não
modificou praticnrnenre as zonas de des-
locamento, enquanto a ação mímica am-
pliou os deslocamentos em proporção ao
peso imaginado.
Paradesen volver uma atividade moto-
42-43. () mímico francês Ericnnc Dccn urx c 11111 :1 m.iscum lI:t Cmunnnliu dcll' Arte iralial1i\ numa ~r;t \'ur;l tio sécu lo ra, os sujeitos cujo esq uema corp óreo é
XVII: :I me sma posi~..i () prc:dria de cqnilihrin,
determinadopela expressãodogestoadup-
tuduà realidade - atletas - usam cssen-
oi ciulmcnre informações buseudus num es-
tímulo real e tang ívc] , Os atores, eujo es-
quernu corpóreo é dete rminado pela sua
ex pressão de gesto mais elaborada, me-
morizada, que eles podem repetir se m
suporte real, podem preparar a ação do
corpo essenciulmen te partindo' do imagi-
nário.
(R'1I1k'l Bjelác-Babíc, O uso rio mélodo cietllífí-
co noeslllrlo ria exp ressiío ai/ética e teatral}.

A dança desconhecida de Brecht


t\ influência que Brecht teve sobre o teutro
como diretor, acima e além da influência de
'l
suas teorias, foi devida sua hubilidude de
fazer emergir a "vida" em seus atores. Isso
foi teste munhado por quem viu suas monta-
gens e está documentad o em seus livros mo-
delos, quc foram ded icados aos espe táculos

1 que dirigiu.

I 44.45. A dançuriun indiana de Odixsi. Sanjllkc<1 P<ll1igrahi. c 11m t!;illçarino xumã pi}!;lllclI [t1c.'icnho tio',lIHroPli !ol!:o
fr'lIll:ês l ,cRoy. IH97): os dois builurinos ussum irum uma pClsi~";,tn sem e lhan te de equ ilíbrio prce iri«.

- -- - - - - - - - - - - - - - - - -
L.:.:~.._ _ .. i
-:-:.~-'. --_ . - _ . _ ......

oma runõs l:lt


EQUILÍBRIO 49

.,
i

46-." I . l\ hailarino' ô1..:rohá[iL~1 i(~ ri~H1;l SCl.1:hi (l);í~in;t a urc rior) nu (;o\'cnr C;;lrdcn de.: Londres. em IXI6. A procura tio ato r-bailarino IUH 1I1ll cquilihrio ele luxo não t: orie ntada 0 ;1
t1i(c\:';io ti.. acr ob acia c vin uositl.u lc. m;l.fii n:1t1ircçiio do c xtracorid imo, comn Ile mo nsr r:lfll as sC;':l Iinn.::s pn."iiçik.:."i em v,íriõl.'i cul mras c ~C::n cro_"i: jnlian Bcck (e m cima, à e sq uerd a)
(1925 . l lJXS). nu l .ivin;.:'rhcarcr c lll St:ir ,11M PIiIJ/iaJJ, na llic nul de Vene za. 197$: atriz da Úpt.:id d e Peq uim Pc i Y;lIl .ing (em vim n, ~I d ireito' ); dnnçurina balin cxa Ni Mude \VirJrin i
ol

(1..' 111 1);l ixo , ;', cS'It u.:n la); I~;hlf}rôl J)IIIJLiU l {c tu baixo, nu ce n tro] ; c d an ç:lrin a j" pollCS:t d e H III() , N ;:lfSIt Nil kajimól (e m bai xo. il di n- it a ).
50 EQUILÍBRIO
. O diário guardado por 1-];IOS [oachim
Bunge, o assistente de Brecbt no Círwlode r
; -.-
giz caucasiano, é um re gistro único do uso
d o de sorientamento e preci são nos deta-
lhes de Brecht, práticas pelas quai s ele mes-
mo se deixava guiar c nq uun to trabalhava
no nível de organização da pre sença, dil
pré-expressividade. Durante muitos dos en -
saios ele parecia estar completnmcntc ai heio
'10 resultado, e evitava referir-se ,I qualq uer
coisa já conhecida ou dec idida . Esse pro-
cesso intuitivo "pensamentos relacionam -
se por meio de saltos", ele disse, "pensa- L
mentos saltando dentro de uma conexão "
- confundiu muitos dos seus atores, m,IS
ajudou a destruir premissas recitutivas e
ideológicas e causo u associações não espe-
radas e significados que emergiam das per-
son agens e situações.
Exem pio deste processo é a construção
do comportamento cê n ico da vida da espo -
sa do gove rnador por Helene Weigel, que
iniciou dez dias antes du estréia do espet á-
culo. Os come ntários de Bunge sobre a
per sona gem de Weigel são particularmen-
te interessantes: ele observa que a perso-
nagem assumiu um valor sócio-est ético,que
n,1O est ava presente quando Weigel iniciou
o trabalho, mas emergiu do processo que
I'-,.
ela usou para construí-lo .
Apre sentamos alguns trechos do diário
de Bungc , publicados em Bredtl, o rlinlor,
de C. Meldolesi e L. Olivi, 11m livro indis-
pensável para uma compreensão da relação
de Brecht com se us ato res, tanto na vida
parti cular quanto profi ssionalmente (uma
área at é agora pouco estudada):

~
"27.11.1953. Sétim o dia de ensaio
Quundo dirigc, Brecht purece esque- .
.
-
."f
.
__
l
~,_
'
l

ce r que foi ele quem escreveu a peça . . -


, .
Tem-se freqüenremente u impressão de
que ele a está vendo pela primeira vez.
\
Às vezes, ele parece surpreso com al-
guns acontecimentos do texto e precisa
q ue algué m lhe e xplique as coisas mais
óbv ias. Ele pergunta '10 ator que faz o
pers onagem Azduk : 'Mas o qlle é ele
realmente?' E Busch responde, rindo :
' Estou ce rto de que não se i, não 5011 o
autor'. Brecht: ' O autor. .. uh, bem, nã o se
de ve seguir sempre o autor'.

Oita vo dia de ensaio


O dois udvogudos apresentam seus
argumentos de defesa. Brccht tem lima
idé ia: 'Is so deve se parece r com lima
dança.um bal é. Pura isso eles receberam
quinhentas moed as de prata'. Então ele
salta para o palco e dança a cena int e ira
para eles , recitando parte do texto. De
volta à sua cadeira, continu a mostrando
aos atores como eles deveriam mover-se
e continua a dançar.

D écimo sexto dia de ensaio


O governador está sendo le vudo em - 5Z-54. Sruui sluvski , (111e definiu o ator come "11m mestre
bora . Dois lunceiros, feitos por figuran - (ti:" ;u;õcs Ilxicas", rcri» uprcciado a verdadeira linha 1.11:
açõc_'I: c Ctltll"'-õl<;õc.' no, crês ilrute." .'õcJ.:II;nrc... llir;~itlo.'i
tes, acompanham a procissão. Brecht tem
11m Brccht: l luns C;allgIcr(em cima) corno C rco nrc em
um ator experiente que faz um dos );111-
ce iros, a fim de mostrar ,lOS figurantes
,llill':!.nllll nu Srndnh curc Cluu (ICJ4:-i); LC() n~Hd Srcc kc!
(centro] como Puutila. em ('mui/li c sat " im/li :I l/1l/j no
lkrlilll.:r Enscmhk ( l lJ4lJ); c Ekkdl;ml.l)<:h;II' (em h'li-
r
como isso deveria ser feito . Mas eles 11"0
xo}, ":01110 Eilir em .llliL' r .i Jrtl gl'IIJ, nu Bcrfiucr Enscmbl c
con seguem agir como lunce iros , sua
(1952 ).
EQUILÍBRIO 51
represe ntação é dcscolorida.Brcc h t d izsu- re mos prontos muito ce do'. Com isto ele rompi das, cortada s, reintro duzidus, en cur-
bitamen te, su rpreso: 'E ssa é ;1 diferen ça q uer dizc r que certa s ce nas c det alhe s tudns e finalmente colocadas de volta onde
entre um ator e um ligur'lnte: o ator upc r- scr íio consid erado s ' defi nitivos m uito estavam originalme nte .
Ieiçou as menores ações, e le pe rcebe quão cedo ': de tal modo que os atores torn am-se Os gestos são igualmcnte modif icados,
important e e las são; o extra nem me smo rígidos. novos ges tos são testados, fixados e muda-
conseg ue começar'. B recht usa todos os me ios imaginávei s dos novam e n te . Tu do pode ser mos trado
para impedireste en rijec ime nto. Umace nu e m divers as facetas. Brecht criu o caos, co-
lligésill/o seglll/do rliarle ensaio é e nsaiada até que suas linhas gera is este - mo sempre. Es t á sempre discutindo no-
Brec ht ge ralme l1l c dá a se us atores jam claras. Ent ão, o trab alho sob re essa vas possibilidades. No fim, ningué m sabe
uma grande liberdade e est áuberto às SU;IS cena é interromp ido c outra cena é en saia- o que aconteceu . Nem mesmo o p róprio
suges tões. O que foi trabalhado até este da. Os atores pedem por muiscontinuida- Brecht, Agora ele inte rrompe o ensaio:
ponto é o esquel eto dos e nsaios, m'IS a t é de nos ensaios, de modo que eles possam 'Vamos in ter romper, pois não sabemos o
agora nada foi fixado. Os elemen tos cons- mont ar SU,lS ;lÇÕCS C personagen s. Brecht que fazer em se guida'. E le faz isso com
tituti vos dos e nsaios são, por um lado, as não ccdc pront umentc a ess e pedid o. Ele freqüência , qu ando no palco não conse - '
pe rsona ge n s, poeticamente criadas em e nsaia as ce nas em se qüência some nte gue ir adiante. Desta confusão, entre tan-
ação e, poro utro lado, movimento s reprc - q uando neces sita se conve ncer em sucrifi- to, freqüentemente algo novo su rge:
sentados uuto muticumcn tc por repe tição cur esses mome ntos c ges tos em ce nas es-
constante. Nesta fase fixa-se o qu e foi pcc íficas. que some nte estão lá por sim- CeJllésilllorléâ1llo seglllldo dia rle ensaio
elaborad o, mas muitas peq uenas mudan - ples bele za. A atriz que faz a esposa do gover nador
Ç'IS ainda são feitas, Assim, q uando se fica su bitamente doente.
truhalhuco m Brechr. tem -se sempre 'I im- :\'ollngàiJllo 1"n110 rlia rlerasaia P'lra a est réia não se pode con tar com
pressão deque nada é definitivo . Brccht ensaia a cena da ponte inintcr- seu resta be lecime nto. Helene Wcigel con-
ruptu rncntc, duran te ce rca de d uas horas. corda em assu mir sua parte, e começa a"
()lI ffrlmg':siJllo jJl"Ílllúro dia deensaio Ele começa do princípio, repetindo várias e nsaia r, mas mu ito circu nspectamcn re.
Brecht diz: 'Tenho receio de que esta- vezes, I\S seqüências dos utorcs siio inter- Brechr não pre te nde que se refuça o mo-
de lo de Kuthe Reichel e a deixa tentar
en contrar sua própria interpretação. En -
tão, uma coisa surpreendente acontece:
We igel des cobre uma maneira completa-
men te novu de interpretaru parte da espo -
sa, ao passo que os criados mantêm as
mesmas curacterls ticus que eles tinham
com Re ichel. Reichel viu "a esposa do go-
vcrnador com o uma mul her q ue esruvu
sem pre cm ação e trabalhou com tre men -
da energia: falava suas linhus de m uitus
maneiras diferentes, em \'OZ alta e agud a,
de maneira macia e peno sa, e dominava o
palco com movime ntos muito s rápido s,
Weige/ de u a impressão de que era u ma
Iídc r inata e conseguiu esse efe ito tra ba-
lhundo quase que de manei ra opos ta.
Em vez dos saltos vocais tipicame nte
histér icos de Reiche l, Weige l escolheu
um tom calmo e igual. Ela falou com uma
voz baixa, mas de manei rufirrne e incisiva.
E em lugar de voar ao redo r do palco,
assumiu uma posição mais tranqüila. Em
quas e todas as ce nas e la permaneceu sen-
t'lda em um lugar e de I,í domi nou o palco
inteiro. Ela não mov-eu um dedo, apenas
deu ordens.
Brech t aceito u uma das id éias de Wei-
gc lapós te r verificado a eficácia no palco:
o criado deve se ntar-se sempre ~ direita ,
ao lado du senh ora, e quando ela faz sinais,
ele deve se ajoe lhar e oferecera ela as suas
costas, com o se fosse umu cudeira. t\ espo-
sa do governador interpretada por Rei-
che l, em sua hister ia, mostrava some nte
um perigo limitado e revelava, mais que
qua lquer coisa, o esnobismo obtuso de

i
mu lheres bem -nuscidns. Ela não deve ser
levada mui to" sério . Aesposa do govemu -
dor Icitu por Wcig el mostrau face sedutora
c brut ul da estupidez. Ela é clurarnentc
perigo sa,

i
Gruçus il sua típica ed ucaç ão de classe
alta, a esposa do goverllildorse tornou urna
figuru rígida, semelhante 'I uma bon eca.
55. lidem: \Vci .~c1 como u C S pO~~l do ;.::nq;rn,ulorem {J tÍrmlnriogi:;(({1I{mim/fl. cscritu c d i ri~id;l por llrcch r (llcrlincr Q uando e la está lidando com os criados ,
Enscmhh.:1A upurcntc imobilidade m:lIl r;1 11 111 lll'II.:lcn de rcnsücx. n:sll !i;tl!o n;in snmcnrc da manciru pc.;L! 1111:11 ;IS não parece hu mana, uma caratte rlsticuqu e

I (li n.:~..(k 'Í \ /11 curpu s:io di\'idid:IS(pernas. torxo. face c ()Ihos). Ina..; c;lIl1lJérn (/0 (;((llilíhriopn.,:(.'õí rio ' I,re se det'e :[fI modo
pOIlCO l'ÍmlOdo de.: estar scn r:,l!a sohre 11111;1L""Cr.IY:1 Clln "'lltt .
estÍl perfeitame nte subli nh'ld'l pela suu
gentileza fri'l e form'll."
52 EQUJLÍI3RIO

-~;~
56-59. Q uatro I\ltadro:"i de Hyszartl Cics lak (1937-19tJO), em () /'!i1Jfi/Jer ;'I/!.atl ll /r( I()6S).allapriltlnde Cuklerún por .lnIiIIS'l. SlllW:ft:ki c diriJ!:ido 11M Jcrl.:' G rorowsk]. Um exelll plo '
de "rcarro rmu d"np:--" - lI lll uror conrc mpor.inco xintct iza a da n ~";1 de Clll lilíh rio em tmlax :as ]luSiçlic s pnssi\'ci..: sen tado. ajoelhado. em 11é.
EQUILÍBRIO 53

60·62. EI11 ci ma, 511;1';'


N;Har~ja - Se nhor lia
Dan ça, s":<'; lllo X, bronze
d o su l da Intliíl; em bui-
xo. ~l c....qncnla, n bailari- .
no a lem ão Gerr Pnlucca :
CIH baixo, à dirciru, li~lI­
ra d e Pa n rulcn nc por
jn cqucx Cal lor (~r;l\·IIr:.I.
1( 16). As pnsiçik x rlcx-
scs dançlri no:o;. que cs-
[~O sc pi.l ri.lllos por ;.:m n-
dc s dis[ân ctdS no temp o,
sã o provas inC(llIíw>C;IS
do pape! do cq uillbriocx -
rracoridiano na urrednrc-
prcxcn ração.
oCORPO DILATADO é apenas um exemplo extremo. ;\ mesma situação ocorre cada
vez q ue se faz bom teatro. 1'I'1<Is quando o espectador se encontra
diant e de "SE U próprio" teatro. tudo o que ele já sabe, ,1S pergun-
EUGENIO BARBA tas que j5 conhece c que lhe dizem onde ou como procurar por
respostas. criam um véu que esconde .1 existência do poder
Um corpo-em-vida é mais que um corpo que vive. Um corpo- elementar da "sedução".
em-vida dilata ,I presen ça do ator e ,1 percepçã o do espectador. Com freqü ência chamamos esra força do ator de "presença".
Há alguns atores que atraem o espectador com uma ene rgia Mas não se trata de algo que está. que se encontra aí, à nossa
elementar qu e "seduz" sem mediação. Isso ocorre untes que o frente. É continua mutuçâo. crescimento que acontece diante de
especwdor tenha decifrado ações indidivuais ou en tendido seus nossos olhos. t Ulll corpo-em-vida. O fluxo de ene rgias. que
si"nitic'ldos. ' caracteriza nosso comportame nto cotidiano toi re-direcionado.
b Pura um espec[;)dor ocidental esta experiência é evidente As ten sões que secretamente gove rnam nosso modo normal de
quando observa um ator-bailarino oriental. CUj ;1 cultura, tradi- estar fisicamente presentes, vêm à tona no ator. tornam-se visí-
côes c convenções cênicas freqüentemente desconhece, Ante veis. inespcrudu mentc,
um espetJculo cujo significadoc/c não compreende inrcimmcn- O corpo dilntudo é um corpo quente. mas não no sen tido
te e cuja manei ra de execução nJO pode apreciar. o espectador se emocional ou sentimental. Se ntimen to e emoção são apena s
encontra de repente no escuro. No ent anto, deve udrnitir que uma conseqüê ncia. tunto para o ator como para o espectador. O
este vazio tem um poder que prende sua aten ção, que "seduz" corpo dilatado é acima de tudo 11m corpo incandescente , no
de um modo que precede ,1 compreensão intclcctuul. sentido científico do termo: as partículas que compõem o com-
porém, nem sed uçã o nem comprccnsiío podem durar por portamento cotidiano fórum excitadas e produzem mais e ne r-
muito tempo. um sem o outro: a sedução seria breve, <I compre- gia. sofreram um incremento de movimento, separam-se mais,
ensão. sem interesse. atraem-se e opõem-se com mais força. num eS!X1çO mais amp lo
O espectador ocide ntal assistindo a um ator-bailarino oriental 0 11 redu zido.

1-2. 1).1 pn~(II r:1 :"1 fi~lI ri n(). tI;1 mími col:111$ Illurim c.:nr".... mdo cun tri h ui P:lf:1 Il i l:lf:lr :1
p rCSCI1\';l llo urur: UIU bailarinu dc rvixc I:. (~ d i reil:l ) lid em: Wó.!:,d cOl\l u .l /,if"fvmgrm
n;1 Jl)nll(õ1~t::111 di r i~i d :, por Hcrtnlr Hrcchr c Erich En;:;c1 (I ()S~) .

_ _ _ _ _ - - ~ . ~ ' r '. _ . ' " ' ''' ''''- I ''' ''''' ' - - ''' '' - ' - '''''''' ' I ''' ''~' .- '' ' V''' ' ' ' ' ""'....... ."',.. . . ... n .v -.......... l' ...... ·...... .. ·..... . I - ..... ,u ·I...• .......·,ur .....-......... U I. V I.,--u ... yl.1\...J\.o-1. IU VLlI I IV'-JU'"'-----;J \7.'\JJU 1.,;I VIUr~vl :rl -pl\,, ""' 1 1
to pode se r bloqueado por estereótipos . julgamentos e questões ça (energia) e que precede - logicamente, se não cronologica-
pré-resolvidas. Um ator que se fundamenta apenas no que j.í mente - a composição artísrica real e verdadeira.
sabe involunrariarncnre sc submerge numa poçacsragnadu.usan-
do sua en ergia de uma forma repe titiva. sem desorientá-Ia. sem
rcdirccioná-la com saltos em cutnrutns e quedas ou naquela
calma profunda que precede a inesperada fuga da .ígU'1 captura-
DILATAÇi\O 55

.1-4. ( ) ( o rp o diLH<tdo: J>fJl!/~!!;fll"1/J dn pintor c rCI"l rit:o tl:1;lUC dinamarquês Ih )!;c r Jorl1 ( llJI 4-197.1). llm dcxcnhn. crn imprc...xjin I'0si rinl c nC~;lt i\';I . ti.: it:Il:OlllflIIJO sobre lima phu...·a
r(l[ , ,~ r;Í fi t : ; I .

A ponte da por um novo declive. Seguindo a analogia, o pe nsamento -


Se algué m questio nar os mestres do teatro oriental e ocidental e com as palavras e imagens que o expressam - pode mover-se
comparar suas respostas. descobrirá que na base das diferentes por canais plácidos e fundame ntalmente desinte ressantes.
técnicas se encon tram princípios se melhantes. Estes princípios Não se tra balha no corpo ou na voz, trabalha-se na energia.
podem ser combinados e m três linhas de ação: Assim como n30 hií ação vocal que não seja também a ção física,
1. ultera ção do equilíbrio cotidiano ~ procura de eq uilíbrio não llií ação física que não seja também mental. Se h á treinamen-
precário ou de luxo; to físico, também deve haver treinamento mental.
2. a dinâmica das oposições; É necessário trabalhar na ponte que une as margens físicas e
3. uso de uma incoerência coerente . mentais do rio do processo criativo. O relacionamento entre
Estas três linhas de ação sugere m trabalho contínuo na redu- estas duas margens não apenas tem a ver com uma polaridade
ção ou ampliação das ações típicas do comportamento cotidiano. q ue é parte de todo indivíduo no mome nto em que at ua, compõe
Enq uanto o comportamento cotidiano é baseado em funcionali- ou cria. Também une duas polaridades mais largas, especifica-
dade. em economia de forças, na relação entre a energia usudu e mente teatrais: ,I polaridade entre o ator e o direto r, e a subse-
o resultado obtido, no comportnrnc nto cxrmcotidiano do ator q üente polaridade en tre o ator e o espectador.
cada ação, não importa qU;]O pequena. é baseada no desperdício. O "corpo dilatado" evoca sua imagem oposta e complernen-
no excesso. rar: a "mente dilatada". Mas esta exp ressão não deve fazer
Bem, isto é fasci nante e às vezes enganoso: tende-se a pensar pensar apenas em algo paranormal, em estados alterados de
que apena s tem a ver com "teatro do corpo", que supostumcntc consciência. Também se relaciona ao nível artesanal do ofício
usa apena s ações físicas e não mentais . Mas uma forma de se artístico.
mover no espilço é uma manilestoçâo dc um modo de pensar: é o No curso de minha experiência como diretor, observei um
movimento do pensamento desnudado. Analogamente. UI11 pen- processo iln.ílogo ocorrendo tanto em mim como e m alguns de
samento também é movimento. uma ação - isto é, algo que meus companheiros:o longo trabalho cotidiano no treinamento
sofre mu tação, que começa em UI11 lugar paru chegar il out ro. físico. transformado atrav és dos anos, se destilou vagarosamente
.. seguindo rotas que abruptamen te mudam de direção. O ator
pode começar do físico ou do me ntal. não importa, desde que nu
em formas internas de energia lJue podem ser aplicadas a um
modo de conceber ou compor uma ação dramática, de falar em
transição de um pam outro. urna unidade seja rcconstitufda, púb lico. de escrever. O pensa men to tem um aspec to tisico: seu
Assim como existe uma forma preguiçosa. previsível. cinza modo de mover-se, alterar a direção. saltar - seu "compor-
de se movimentar, há também um 1110do cinza, previsível. pre- tomento". de fato. Este aspec to també m tem um nível pré-ex-
guiçoso de pe nsar. Asações de um ator podem tornar-se pesadas pressivo que pode ser cons iderado análogo ao trabalho pré-
e bloqueadas por estereótipos, assim como o fluxo de pensamen- exp ressivodo ator, aquele trabalho que se relaciona com presen-
to pode ser bloqueado por estereó tipos, julgamentos e questões ça (energia)e que precede - logicamente, se não cronologica-
pré-resolvidas. Um ator que se fundame nta apenas no que ji mente - a composição artística real e verdadeira.
sabe involuntariamente se submerge numa poçaestagnada, usan-
do sua energia de uma forma repe titiva, sem desorientá-Ia, sem
redirccion á-la com saltos em catarntns e quedas ou naquela
calma profunda que precede a inesperada fUgil da iígUil caprura-
56 DILATAÇAo

Desse modo. a história de Vun der D eckc n se transforma.


Conta-se que foi condenado porque levava UIll.1 vida imoral, . ".
1

atéia: ordenou zarpar no sagrado dia de Sexta-Fe ira Santa, o dia


em que o Salvador foi morto. .
Ou melh or; a liguw do capitão se enfraquece e. em se u lugar.
na imaginação, aparece um barco. O barco fantasma aparece
+
subitamente ~l OS navcgantes: é negro. suas velas são cor de
sangue ou amarela s, ou ainda iridescenres, enfeitiçadas, mudan-
do de cores dez vezes em uma hora.
Foi provavelmente Heine o primeiro que entrela çou um
novo motivo ~ saga do Holandês Voador e seu Navio Fantasma:
de tempos em te mpos, Van der Decken atraca em uma cidade
em bUSC'l do amor. Ele será salvo quando encontra r uma mulher
que lhe seja fiel até a morte.
No verão de 1839, Richard W'1gner viajava de Riga a Lon-
dres. Sua 'esposa Minna estava com ele. Wagner conhecia a
estória do Holandês Voador, mas só a compreendeu verdadeira-
mente quando o barco no qual viajava foi tolhido por um','
tempestade nos recites noruegueses. Os marinheiros contavam a
estória do Navio Fantasma que sempre aparecia antes de um
naufrágio. Depois de serem pegos pela tem pestade por muitas
horas. finalmenrc atracaram entre as altas paredes de um fiorde
em Sandvik, a POUC',lS milhas de Arendal,
Terminada a viagem, Wagner chegou a Londres e seguiu seu
caminho para Paris; ele falava da tempestade perto da costa da
Noruega e dizia que o vento era sinistro e demon íaco. Contava
ter visto um marinheiro emergir da escuridão, o que explicaria o
Navio do Holandês.
Isso provavelmente aconteceu-de acordo com os apaixona-
dos pela estória- e nquanto estava em Sandvik.
W'1gner. um hóspede na casa de UI11 capitão norueguês. se
interessou pela jovem garota que o servia à mesa. Ele ouviu
chamarem-na de "jenta" (criada) e pen sou que este em seu
verdadeiro nome. Mais tarde. ele trocou seu nome par.i Senta.
um nome que não existe na Noruega, ou somen te na Noruega
imaginada por Wagner em O Hola1ldês Yondor.
W'1gneraceita o tema do amor que redime o t Iolandês, maso
inverte. E le acolhe a versão de Heine e ao mesmo tempo nega
seu sentido.
Senta, de fato, ama o Holandês c lhe j ura fidelidade até .1
Perip écias morte. Porém o Holandês ouviu. mas não viu, uma conversa de
Os saltos do pensamento podem ser defin idos como peripécias Senta com Erik (Senta também j urou a ele fide lidade até a
ou mutabilidade. Peripécia é uma trama de acontecimentos que morre ). :\~(l r~ l. presa de seu destino. ligada irrevogavelmente ao
faz desenvolver uma nção por um caminho imprevisto ou bz
concluí-la de modo oposto ~1O que começou. A peripécia atua
por meio da negação: isto é o que se sabe desde o tempo dc
Aris tóteles.
O comportamento do pensamento é visível n.1S "per ipécias
das est órias", em suas mudanças imprevistas. quando silo trans-
mitidasde pessoa para pessoa.de uma mente ~I outra. Do mesmo
modo como acontece no processo criativo teatral. as mudanças
imprevistas não ocorrem apenas na mente de um único artista
solitário, mas são o tr'lbalho de distintos indivíduos reunidos em
torno de um mesmo ponto de partida.
O Holalldês Foadorera o capitão Van der Deckc n. No intento
de dobraro cabo da BO'1 Esperança, ele blasfemou contra De usc
o inferno: não cederia ~s forças lb tempestade e do des tino. mas
continuaria te ntando dobrar o Cabo até o fim de seus dias. E roi
assim que se ouviu LIma voz vinda do céu q ue repe tia suas
próprias palavras tr'll1sformad'ls em condenação: "até o último
dia... até o último dia...".
Farma-se, então. o nó fundamental de uma estória: um capi- fi l'cus mucuto-cru -vidn, nilo-Iiucur, nZin-unínll:n: n.hlllWil."ritn tlue repr esen ta () inícin tia r
tão que permanece no mar e nunca morre. Um barco que perma- mi~nlt;,,;in d us ~ '\I(." C:;I S . Da c:'i'l llcrd ;t p~lr:.f a rlircit a: I) rei numa ilha: nx hicril;.;lili.s
(I : 10
r
nece navegando. Agora. este nó abandonando o contexto origi- redor li:1 pir;imidt.: rcprcs cnnun n Se U 1I0 l1l e c os de SII :1 tribo; 2) 1\ cruzada: hicrc'I;;lifn
(1

em II Ill JC1i'in;':1l\o é ;1 tl:lI:1 l1 n ,II:OIHCI.:i l11cnrn; 3) I\l hllmas pl.:~:Hhl." indicam o caminho
nai "salta' para outros contextos, 1\ fantasia popular sobrepõe a aré;1<:il!:H!C de C olh uacnu , rcpn:SL" IHm!:1pelo hiL"rt)gliro hmlllh.: ~ 4) Ih uutrux uito tribos "
imagem do capitão c sua eterna peregrinação com a figurn de CSpl.': r:111l 11 R-i: l':Id;l tribo cst;Í l lc.:si~n;ld:l por 11111 h icl"I)~l irn c pchl li ;!IIf:1de IIIH homcm
Ahasuerus, o judeu err.lIlte. homem que nunca encontrou paz. Illfe f:ll:l. v
DIL AT Aç i\O 57

Holandês não são simples variações: com cada uma das transi-
...
1
çõc~ .uma mudança de estado aconteceu.
E fácil observar o cornportarnenro de salto do pensamento
quando ele se manifesta nas peripécias de umaestória famosa, É
mais difícil ser tão flexível nfio impedindo as manifestações e
desoricnruçôes deste comportamento no plácido fluxo do pró-
prio pensamento.

O Princípio da Negação
Há urna regra que os atores conhecem bem: comece a ação na
direção oposta àquela para a qual ,1ação será finalmente dirigida.
Esta regra recria uma condição essencial para todas as ações
que na vida cotidianaexigem certa quantidade de energia: antes
de desferir um golpe, afasta-se o braço; untes de saltar, dobra-se
um dos joelhos; antes de uvunçarpara frente, inclina-se para trás:
recnkrponr mieux santa:
Na atividade extracotidiana do ator tal comportamento é
aplicado mesmo para as ações menores. É um dos meios que o
ator usa para dilatar sua presença física.
7.I )cnsarn pc nxumc nro: lJe.\',(ill,.r {/Jt:r.e}J!lIIr. !()4S.liwgl';t1i" de i\1;lurif."i (:IlI"llL:l i.. Esdu..:r Poderíamos chamá-lo de "princípio da negação": antes de
(J X~X -I I) 71 ).
executar uma ação, o .U OI" a nega executando seu oposto com-
plementar.
Holandês. Senta renega SU.l promessa a Erik. O Holandês deci- O "princípioda negação" torna-se umu lacunu forrnalística ao
de voltar para o mar: ~1 s~1 I v'1 Ç~ 0 parece impossível. é impossível perder sua alma, isto é, sua organicidadc. Com freqüência, na
que ele encontre urna mulherque lhe seja fiel até it morte. E ele utilização teatral e não-teatral da declamaçãotrivial, o "princípio
quem salvará Senta e não o contrário: ele teme que Senta o traia da nega ção" torna-se um modo de i1/flar o gesto. Uma paródia,
assim como traiu Erik. E as mulheres que o traíremserão conde- de faro, da .1Ç:iOdria/ar/a.
nadaseternamente. O terna da maldição que pode ser revertida Qual é .1 lógica interna que determina a força do "princípio de
por uma mulher desdobra-se em um novo destino de condena- negação"? De um lado, a dinâmica física e nervosa peja qual
ção. que agora inclui também as mulheres amantes. toda ação energética começa com o seu oposto; de outro, urna
Então, o Holandês foge a fim de salvar a mulher que deveria atitude mental.
tê-lo salvo. Ele se esquiva daquilo que acredita ser um falso
amor, m'1 SSenta é de fato fiel a ele até a morte: quando o navio
parte. Senta se atirn no mar e. morrendo, permanece fiel it SU.I
promessa. Então. o navioafunda lentamente, e com o nascer do
sol Senta e o Holandês sobem ao Cé u.
Agora uma nova metamorfose: a estória, conforme transfor-
mada por Heine e desenvolvida por Wagner por meio de uma
série de oposições, é retomada por Strindberg. Ele libera toda a
energia potencial contida nas variações finais introduzidas por
Wagner, E conforme essa energia potencial é liberada. inverte o
significado da estória:agora o tema central é ninfidelidudc, a dor
que a mulher inflige ao homem que a uma. E um tema sobre o
qual Strindberg retoma continuamente e que confronta aqui
usando o enredo herdado de Wagner.
Ele também US.l isso negando-o. revirando-o: a cada sete
anos. o Holandês deve encontra r e amar uma mulher. Esta é a
condição para ;1 SU.I salvação. não porque a mulher o rcdimirá,
mas por causa de sua infidelidade.
O tema do .1mor, que foi introduzido como um pólo oposto ao
tema lb condena ção.n viagem sem-fim do Holnndês, salta agora
novamente ao seu oposto e se sobrepõe ~1 0 tema da navegação.
tornando-se seu equivalente espiritual. t\ verdadeira punição do
Holandês é a contínua lillta de amor. O amor nãoo libera mais da
puniçãocomo em J-Ieine e Wagner, mas é a punição em si. Ela
redime c transforma o Navio Fantasmu. alterando-o de uma
prisão pura uma cruz.
Deixe-nos recordar a estória original: Strindbcrg parece mais
próximo dela do que os seus predecessores, Assim mesmo ele
está muito longe disso. O elemento essencial da estória. embora
ela ainda tenha seu valor original. foi mais fundo. O tormentoda
perambulação física é dilatado pelo seu duplo espiritual e o
marinheiro. que se tornousemelhante ao Judeu Errante, a Fnns-
/0. a Dom Iuan, volta .1ser um marinheiro solitário abandonado
por uma mulher em cada porto.
S. Pcn...ar )l L'IlS:1I11cnw: desenho do caricm uisru romeno .");.1111 Slt:j nhcr~. rcprmlm:rl!u
fi
Quando se fala de variações sobre um tema. pensa-se no 1101' Sa.~IIt.:i Eiscn ... rcin ( IXtJS- I )4X ) em ..c u livro / .11 1111/lIrtl non j"t/iOrrmk - õ! 1/11/111"("..:-..11
'
virtuosismo. na arte mais refinada. Masas variações na estória do Il l i n ilfllik rrJl/r ( I C).;J i ).
ss. DI Lf\Ti\ç AO
intacta enquanto o seu contexto (e, portanto, o se u significado)é
modificado completamente, ele em geral sente q ue está sendo
tratado como matéria inerte. que est á sendo "explorado" pelo
diretor. Como se a alma da ação fosse seu significado e não ,1
qualidade de sua ene rgia.
Muitos diretores têm a mesma idéia preconcebida: eles ten-
dem a acreditar que uma imagem específica ou seqüência de +
imagens não pode obed ece r senão a uma simples lógicn drarnãri-
ca, não pode rrunsmitir mais do que aquele significado.
Mas o princípio da "nega ção da ação" aponta numa direção
bem oposta, liberando-a da ordem preestabelec ida, da depen-
dência do resultado que se deseja obter. É como se o ponto de
partida fosse transformado, por meio de seu oposto, numa gota
de energia que pode desenvolver potencialidades expressivas
reais .roI/aI/rio de um contexto para outro.
No trabalho teatral prático isto se relaciona com as peripécias
às quais unia ação ou lima idéia estão sujeitas, do instante que
tomam forma até o momento em que são colocadas no espe-
táculo completo. Como o Holandês Voador, condenado a viajar
de puls a p'1ÍS, de éPOC,l .1 éPOC'l, os significados originais do nú-
cleo das ações morrem mesmo enq uanto continuam a viver: eles
saltam de significado a significado sem se perde rem. De fato, o
t). H-rJllj"i.r: desenhu feito por Eiscn xrcin durante SlI:l cS[:h l:1 nu México em 1').11. ":.'-.
smsis: s:tir de si mes mo. Não é 11 urnr q ue eleve entrar e111 êxtase. tuas 11 cSl'l.:cr;ulor que
pensamento criativo se distingue justamente por prosseguir por
de ve "sair de si mcsrun", iHOé, 11"1.: deve nuusccndcr os limite s da pcrl'cpl;:ill t1irl: l:1 c saltos, por meio de uma desorientação inesperada que o obriga a
lite ral du 11111.: 0 '\ atores estão f:I1.Cllt lo . :1 lim tle "ve r" umlx l ha rcb Ill ih\'icl C () conhecido. se reorganizarde novas maneiras, abandon-ando uma concha bem
ordenada. É o jJell.wlllelllo-em-virla, não retilíneo. não unívoco.
Uma das descrições mais claras desta atitude mental recor- O crescimento de significados inesperados torna-se possível
rente está contida no Th« SleejJã!xII/:el)' (Os Sonâmbulos), de Arthur por urna disposição particular de todas as nossas energias, t.1JHO
Koestler (Penguin, dezembro de 1989). O livro é dedicado ~ física quanto mental. colocando-se na beira de um penhasco
"história das mudanças da visão do homem sobre o universo" . pouco antes de alçar vôo. Esta disposição pode se r conseguida,
Koestler mostra como toda ação criativa - em ciência, na arte ou destilada. por meio do treinamento.
na religião- é executada por meio de uma regressão preliminar Os exercícios físicos de treinamento permitem desen volver
a um nível mais primitivo. através UO readerpourmieuxsamer, um um novocomportamento, um novo modo de se movimentar, dc
processo de negação e desintegração que prepara o salto IXlra o ,HUiH e reagir: assim se adquire urna habilidade específica. Mas
resultado. Koestler chama esse momento de uma "pré-condi- esta habilidade se estagna e se torna unidimensional se não se
ção" criativa. aprotundu,se nãoconsegue chegarao fundoda pessoa, constituída
Esse é um momento q ue parece negar tudo o que caracteriza do seu processo mental, de sua esfera psíquica, seu sistema
a procura de um resultado: ele não de termina uma nova orienta- nervoso. A ponte ent re o físico e o mental provoca uma ligeira
ção, mas antes uma desorientação volunt ária que exige que toda mudança de consciênc ia. que permite vencer a in ércia, a mono-
a energia do pesquisador seja posta em movimento, que o seu tonia da repetição.
sentido seja aguçado, como quando se caminha no escuro. A i\ dilatação do corpo físico é de fato sem utilidade se não é
dilatução das potencialidades reais custa muito ca.ro: nrrisca-se a ucompanhadn por uma dilataç ão do corpo men tal. O pensamen-
perde r o controle do significado da própria ação. E urna negação to deve ,ltmVCSS,H de forma tangível a matéria: n ão só manifes-
q ue ainda não descobriu a nova entidade que afi rma. tar-se no corpo em ação. mas também atravessar o .âôoio, a
O ator. o diretor, o pesquisador, o artista... todos se pergun- inércia, il primeira coisa que surge quando imaginamos, refleti-
tam freqüentemen te: "O que significa o que faço?" Mas no mos, agrrnos.
momento da "negação da ação" ou da "pré-condi ção" criativa.
esta nJOé urna pergunta férti l, Neste ponto o essencial não é o Pensar o pensamento
significado do que se está faze ndo, mas antes a precisão da ação Um físico está caminhando ao longo de uma praia e vê uma
que prepara o V<1Zio no qual um sentido - um significado criança atirando pedras no mar, tentando fazer com que elas
inesperado - pode ser capturado . saltem. Cada pedra faz não mais que um ou dois pelluenos
Os homens de teatro, obrigados a criar de um modo que saltos. ;\ criança tem talvez cinco anos de idade, e o adulto, o
quase sempre envolve ,1 colaboração de muitos indivíduos. são físico, lembra-se que ele rarnb ém, em SU .1 infância, arremessou
freqüentemente bloqueados por uma necessidade fetichista pe- pedras na iÍgua. De faro, ele em muito bom nisso. Assim o adulto
Jos significados, pela necessidade aparentemente "natural" em mostra ~ criança como fazer isso. Ele atira,1Spedras. uma atrásda
concordar logo no início com os resultados a serem alcançados, OUtl~1, mostrando ~ criança como segurá-las. em que ângulo
Um ator, por exemplo, executa lima certa ação que é o lançá-las, e a que altura sobre a superfície da iÍgUil. Toda s as
resultado de uma improvisação ou de uma interpretação pessoal pedras que o adulto atirou saltaram muitas vezes. sete, oito, até
de lima personagem. E narurul que dê ô aç;.10 um valor muito dez vezes.
preciso, que associecom imagens ou um pensamento específico. "Sim". diz então a criança, "elas saltam uma porção de vezes.
Se. entretanto, o significado q ue a ação tem para o ator torna-se Mas não é isso q ue estou tentando fazer, Suas pedras estão
inapropriado ou incompreensível por causa do contexto no qual fazendocírculos na iÍgua. Eu quero que as minhas façam círculos
a ação é colocada, então o ator pensa que este fragmentolb ação quadrados" .
deveria ser colocado de lado e esquecido. Ele acredita, em Conhecemosesta história porque o físicocontou -a a Einsens-
resumo. que o casamento en tre a ação e seus significados asso- rein. Einscnstcin reagiu de modo inesperado quando seu jovem
ciados é indissolúvel. amigo contou-lhe a respeito do encontro com a crian ça: "Dê a I

Se alguém diz a um ator que a sua ação pode permanecer ele meuscumprimentos e diga-lhe parn não se preocupa r se suas
DIL ATAÇÃO S9

pedras não fazem círculos quadrados na iígua. O importante é


pensar o pensamento" .
As perguntas que dão origem às descobertas cien tíficas mais
importantes não foram, q uando examinadas de tidamente. muito
menos inúteis ou grntuitas do que as da criança atirundo SUilS
pedras na iÍgua.
+ "Por que o ferro incandescente se torna vermelho?", pergun-
tou a si mesmo Max P lanck aos cinq üe nta anos de idade. "O que
um homem veria se ele pudesse cavalgar um mio de luz?",
Einstein se perguntou aos dezesseis anos. O fato de que CSSilS
I
perguntas levaram a grandes descobertas cien tíficas não deveria
cegar-nos pelo fa to de serem saltos no escuro, idéias rápidas que I (
escaparam das mãos.
Pensar o pensamento implica em desperdício. trunsiçôcs sú-
bitas, voltasabruptas, ligações inesperadas ent re níveis e contex-
I i
tos não relacionados previamente, rotas que se cruzam e se ! I
perdem. É como se vozes diferentes, pensamento s diferent es.
cada um com sua própria lógica. estivessem presente s simul-
I I
! !
taneamente e começassem a colaborar de uma maneira niio
planejada, combinando precisão e fortuidade, prazer do jogo
pela sua própria causa e tensão sobre um resultado.
Esta imagem da pesqu isa é semelhante à de uma matilha de
cães perseguindo urna presa. que pode existir ou não, Os cães
correm juntos, se se param e se dispersam. colocam-se c lda um
no caminho do outro. investem sobre moitas e desfiladeiros,
testando severame nte suas habilidades e energias, e quando
perdem o rastro correm em círculos. dcscncorajndos por terem
perdido a trilha. são forçados a voltar. Mas, às vezes. os cães
dispersos se juntam novamente e a matilha reunida fareja a
presa, descobre a idéia.
Não é garantido que a idéia a ser descoberta estará lá csperu n-
do por nós, desejando ser perseguida e capturada, É urna porcn-
cialidade pura. N1ío sabemos do que se trata nem para que
poderá ser usada. As vezes. tudo leva a nada. Outras vezes se
apresenta algo novo, como uma surpresa que nos obriga a nos
envolver numa área inesperada. Alguns cie ntistas mudam seu
campo de pesquisa; alguns escritores desistem da estória que
estavam desenvolvendo e seguem as novas peripécias de perso-
nagens que praricumente se impuseram; 110 meio do trabalho
sobre um espet áculo, torna-se ciente de que, na realidade. 0 11/1'0
espetríatlo est á nos conduzindo pela mão. sem ainda saber pam
onde nos leva.
As vezes, tem-se u impressão de que não somos nós que
estamos "pensando o pensamento". e que tudo o que podemos 10·11. I.tí ;.:.iL";IS ~êll1l:;I";: tlcscnhns de cri;'1l1ças: Cem c ima) nim'illlni (qll:l(fll unus de
id:ldc) - dois iflll;m... pa.'\sci:ltllde Gtrro: (em h:lixu) [c us «rés ;1Il 11S c meio de idilllc) -
fazeré silenciar os preconceitos que impedem o pensamento de p:ílio de recreio d:l'i crian ças.
pensar.
A princípio esta é uma experiência dolorosa. Antes de se
tornar uma sensação de liberdade. de uma abertura para novas vanos pensamentos, não estão ligados devido i1 uma direção
dimensões, é uma luta entre o que se sabe, o que se decidiu (f precisa ou de acordo com a lógica de um plano claro, mas
priori. o que se aspira e - por outro lado- a mente -em-vida. pertencem a um conjunto por causa da COlIs{lIIgiiillir!(fr!e.
O perigo de cair no CilOSé óbvio. Quando se consegue realizar O que u cOIISfl1lg17illir/(fr!e significa neste contexto? Que os
esta "pré-condição" criativa, pode-se ter .1 sensação de que se vários fragment os. imagens, idéias, vivos no contexto no qual os
está possuído ou de que se está saindo de si mesmo. Mas é uma trouxemos para a vida, revelam sua pr ópria autonomia. estabele-
scnsnçâo que permanece ancorada nu terra filme do trabalho cem novos relacionamentos, e se ligam juntos na base de uma
artesanal. do ofício. lógica que não obedece n lógica usada quando imaginemos e
Quando Einsenst ein sentou-se ao lado de sua rnoviola, ele procuramos por eles. É como se ligações sangüíneas ocultas
conseguiu criar uma condição de trabalho na qual o próprio ativassem outras possibilidades além das visíveis que parecem
material em si, e não resultados decididos previamente, ditou il úteis c justificadas.
sua própria lógica inespe rada. Ele - que havia trabalhado em No processo criativo. os materiais com os quais trabalhamos
seu filme quadro a quadro. que haviacomposto em seus projetos têm tanto uma vida utilitária quanto uma segunda vida. A pri-
antes de assim fazê-lo no se: - conseguiu sentiu -se diante do meira. deixada para si mesma. conduz à claridade sem profundi-
materialque ele mesmo havia criado em situaçâo de ignorância. dade. Asegunda tem o risco de nos levar ao C'lOSpor causa de sua
A programação que o havia guiado até esse momento agora não força incontroladn ,
era mais útil e ele falou do "êxtase da montagem ". Mas é a dial ética entre essas duas vidas, entre a ordem e a
"Pensar o pensamento". il "mente-em-vida", o "êxtase da desordem mecânica. que nos leva ao que os chineses chamam
montagem"... todas essas expressões revelam de modo figurati- "Li", a ordem assimétrica e imprevisível que caracteriza a vida
vo uma experiência similar: vários Iragmentos, várias imagens, orgânica.
60 DILATAÇÃO

Lógicas gêmeas Como ,llguém pode intensificar ,1 diferença entre o modo de


Um relacionamento dialético nJO existe por si mesmo. Ele ver do ator e o modo de ver do espectador? Como alguém pode
nasce da disposição em controlar forças que, abandonadas ~ sua reforçar ,1 polaridade entre o diretor c o ator? E assim, como
sorte. somente entrariam em conflito entre si. alguém pode procurarpor um relacionamento mais forte entre as
A dialética é urna maneira aprendida de pensar e agir. No várias forças em questão? !\ possibilidade'de dilatar o corpo do
trubalho criativo. a ordem assimétrica de "Li" é algo que pode- teatro depende das respostas ,1 essas perguntas.
mos alcnnçur apenas por meios paradoxais. A obra de arte, de Às vezes. no curso do trabalho sobre um espetáculo, as ações
fino. é antes de tudo obra artificial. A procura de oposições, de de um ator começam a se tornar vivas. mesmo se o diretor não
diferenças. deve paradoxalmenteser a outra fuce da procurapela compreende porque o ator est áagindo dessa maneira particular.
unidade e integridade. Pode acontecer que o diretor, que é o primeiro espectador, nâo
saiba como explicar racionalmente, dentro da estrutura do cspc-
t úculo, o sentido do que o ator est á fazendo.
Os diretores podem admitir a dificuldade que eles têm' em
aceitar esta centelha de vida desconhecida, podem exigir expli-
cnções, podem solicitar que o ator se torne coerente. Mas eles,
desse modo,arriscam a relação de colaboração: eles estão tentan-
do eliminar a distância que os separa do ator, eles exigem demais
e. na realidade, muito pouco, exigem um consenso, um acordo
sobre intenções, sobre o que est á na superfície.
Quando se fala do trabalho do ator, sua técnica ou sua arte ,
sua interpretação. com freqüência se esquece de que o teatro é
relação. Todas as técnicas extracotidinnas do mor correspondern,
do ponto de vista do espectador, a uma necessidade primária: a
espera por aquele momento no qual o véu da vida cotidiana é
rasgado c o inesperado rompe. Algo conhecido é subitamente
revelado como novo.
Mesmo as reaçõesmais profundas do espectador, as matrizes
de sua apreciação ou seu julgamento claramente formulado, são
secretos. imprevisíveis.
f\ força do teatro depende da hubilidade de salvaguardar ,1
viela debaixo de um manto reconhecível, independente de ou-
tras lógicas. A lógica - isto é, uma série de transições motivadas
e conseqüentes - pode existir mesmo se for secreta, incornuni-
c ávcl , mesmo quando SU;lS regras não podcm estender-se além
do simples horizonte individual.
J-Lí um.pré-conceitode que somente obedece a uma lógica o
que segue limalógici partilhada. Outro aspecto desta noção pré-
concebida faria com que acredit ássemosque um mundo pessoal,
secreto, íntimo, é regulado pelo ac-.1SO, por associações automáti -
caso pelo caos: um magma onde nJO há sal/as, mas sim oscilação
i nconseqiiente.
O que chamamos de irracionalidade pode ser esta oscilação
deixada parn a repetição mecânica de nossas fixações e obses-
sões, que desaparecem e reaparecem agitadamente, sem desen-
volvimento. Mas também pode ser uma racionalidade que é só
1IOS.I"(I. ;1 raison rI'ê/re que não nos ajuda ,1 sermos compreendidos.
mas a comunicarmos com nós mesmos. Inclusive no teatro men-
tal de cada indivíduo há relações de colaboração férteis ou ocas.
Quando os adultos tentam copiar a maneira como as crianças
desenham, geralmente não fazem mais do que desenhar mau,
eles tentam renunciar à lógica de seu próprio modo de ver,
empobrecem-na, deixam sua mão ,10 acaso, evitam ,1 precisão.
imitam modosinfantis de desenh ar, Em outras palavras infanti-
lizarn.
Aoadulto, de fato,os desenhos das criançasparecem mostrar
a fulta de alguma coisa, são malfeitos ou rabiscados. Mas, na
verdade, eles aderem a uma lógica férrea. Uma criança nJO
desenha o que vê, como o vê. mas o que ela vivenciou. Se ela
conhece um adulto como um par de pernas longascom um rosto
que subitamente se inclina sobre ela, ela desenhará esse adulto
como um círculo no cimo de dois bastões. Ou pode pintar seu
próprio "retrato" e mostrar ela mesma com pés enormes porque
está feliz com seus novossapatos. Se sua mãe é mais importante
para ela do que seu pai. quando ela desenhar seus pais mostrará
SU,l mãe maiorque o pai.
Il -I.l. (em cuua} Sus:lIln:t (sete ;lllO ~ de ilbtlc)- I) rei tliri~1.: c ru seu :t ll i n: ~;í r io; [cru
h;lixo) ;\nu;1 (cinco ;IIl OS de idal1 e) - lI":ls crÍ;IIl\':ts csr;in felizes c S IW ' mães csrâo
Para quem estuda desenhos de crianças. esses rabiscos cha-
cspcr.lIltlo unrru be bê. mados de primeiros desenhos que as crianças pequenas fazem,
DILATAÇAo 61

síio tamb ém o resultado da experiência direta. Eles não são


representações. maso rastrode ações da mão em relação ~1 uma
ima~e m mental: aqui está um cão correndo.
E a presença de uma 1Í11im lógiw que torna infantis os dese-
nhos das crianças, nãoa sua natureza aproximada ou "primitiva".
Entretanto, desenhos "bem-feitos" por crianças mais velhas
ou adultos também aderem a uma só lógica. O fato de que eles
são agora mais reconhecíveis, que mosrrem possuir as regras
partilhadas, nJO os tornam menos banais.
Nos trabalhos de um verdadeiro pintor, 1Il/Jllf1VY/.I lógiws
agem simultaneamente. Elasse enquadram numa tradição, usam
suas regras ou as rompemconscientemente de modos surpreen-
dente s. Em acréscimo à transmissão da maneira de ver, elas
também representam um modo de experimentar o mundo e
traduzem na tela não apenas a imagem, mas também o geJ/II.f, a
qualidade 'do movimento que guiou o pincel.
Assim pode-se dizer que o pintor "conservoua criança em si
mesmo". não porque manteve a inocência, a ingenuidade. não
porque não tenha sido domesticado por uma cultura, mas por-
que, na concisãoseca de sua arte, teceu lógicas "paralelas" ou
"gêmeas". sem substituir urna pela outra. .
Ser-em-vida é a negação da sucessão de fases diferentes de
desenvolvimento; é um crescimento simultâneo por meio de
e ntre la çame ntos cada vez mais complexos. Talvez seja por isso
que Meverhold aceitava um ator apenas quando podia distin-
guir no homem a crian ça que ele foi um dia.

Tebas das sete-portas


"Mas por que o povo vai ao teatro?" Béla Balãzs certa vez per-
i!,untou a si mesmo e a seus leitores esta inútil questão. O valor
das perguntas inúteis, das palavras com as quais cada um de nós
tem um dinJogo consigo mesmo, nunca é valorizado suficiente-
mente.
Mas por que as pessoas fazem teatro?
Eu tinha quinze anos de idade quando fui ao teatro pela
primeira vez. Minhamãe me levou para ver (;)'1'(11/0 deBflgemc. O
protagonista foi interpretado por Gino Cervi, um ator italiano
muito popular. Mas não foi ele nem foramos outrosatores que
me impressionaram, nem .1 estória que estavam contando, que
eu seguia com interesse, masse m assombro. Foi um cavalo. Um
cavalo real. Ele apareceu puxando uma carruagem, de acordo
com as regras maisrazo áveis do realismocênico.Mas sua presen-
ça subitamente explodiu todas as dimensões que até então
haviam reinado no palco, Por causa desta súbita interferência de
um outro mundo, o véu uniforme do palcorasgou-se diante dos
meus olhos.
Nos teatros que freqüentei nos anos seguintes. procurei em
vão pela desorientação que me fazia sentir vivo, poressa súbita
dilatação dos meus sentidos. Não apnrecerum mais cavalos. Até
chegar a Opole, na Polônia e Cheruthuruthy, na Ínuia. Hoje é
óbvio para mimque existe um paraleloque j~í era discernível no
-,
trabalho de Grotowski: a dilatação da presença do ator e il
percepção do espectadorcorrespondcm a uma dilatação dafríbJ(·
la. o enredo e seus entrelaçamentos, o drama. a est ória ou a
situação representada. Tal como há um comportamento extra-
cotidiano para o ator, 11<1 também um comportamento extra-
cotidiano em pensar uma estória.
Durante os primeiros unosdo meu trabalhono teatro. interfe-
ri com o texto, que era o ponto de partida para o espet áculo,
criando mudanças inesperadas de direção, rompendo o desen-
volvimento lineardo texto e compondo a açâo ger.ll por meio da
montagem e entrelaçamento de duas ou maisaçõessimultâneas.
O texto. nesses casos, era como o vento soprando uma direção. O
espetáculo veleja contrao vento, na direção oposta. Masé ainda
pela força do vento que se move. 14-lh . 1.t"l;.:.icIS ~ênH:~I'\: dc.:scnhos de l:ri~1I1 \";,1S: (em dm:l) 1\ 1:I~ t1;li r (II":UUI :1110."i de
idade }- Cl .~:lIn": :lllC n:l:<i 11111 hi~Oth.: : (nu (,."C n rro) Chloc [sei... :11111."; til:rd:ulc)- f) ;::UII
Mais tarde, outra possibilidade foi reveladae aceita,não sem ( 1:111 11111 hi~fItk c 11111:1 t.' llIlb; (em baixo} ~a(rl "istupor II Ill udulro de 5~ anos de idade:

temor e resistência:seguira lógica do materialque veioà tona no !IIIJJ/ti/flgo f/fi ,!!,II / fl (I <.J.;~ ). desenho de Paul Kkc (I S7t)-11J40).
62 DILATAÇÃO

csrona do Holandês Voador e seu Navio


Fantasma.
No início de 1984. solicitei a cada um
dos meus atores que escolhessem um per-
li
I ~
~ .-i

sonagern de uma estória distinta e que os


encenassem sinteticamente, adaptando as -" . .

:i®
peripécias da estória. seus incidentes e vi-


cissitudes, e escrevessem um texto. Assim
tivemos seis estórias que, juntas com a mi-
nha.se tornariam sete portas diferentes num . . .
único espet áculo.
Os seis personagens eram: Sabbatn! Zeoi,
o judeu que se apresentou a si mesmocomo
o Messias e tornou-se um muçulmano; Au-
fígOllfl, ] OflI/G d'An; 1111I jovemfora-da-lei bm-
sileiro, 1/11/ Cfl1lgflCC;IV; o Grande Inqnisidor de
Sr:-uilha; e umjllrleuhflssfrlico. Esses persona- ':. ".6:"
gens construíram o espetáculo O EVflllgelho
seguI/rio O),~l'lft ;IIC1IS .
Eles não foram escolhidos casualmente . ~
.'.- . lJil
_..J -'
Eles responderam tanto aos interesses indi-
viduais dos atores quanto às outras lógicas
que estavam simultânea e independente-
mente em movimento.
: @J
De fato, em 1982. iniciamos um truba- .- i .;..;.J
lho sobre um projeto cujo ponto de partida
era uma est ória de Borges, O morto. Um
jovemIara-da-lei argentino. Benjamim Ota-
Iora, se junta ao bando uruguaio de Aurelia-
no Bandeira. demonstrasua coragem, salva
a vidade Bandeira e termina seduzindo sua
mulher e tornando-se seu amante. O velho
Bandeira tolera tudo isso sem reagir, Sua
17-1K l .à~it:;IS hêmci.1S: I)C..'ÕC11hns de urn a criança c 11111 ;1\ 111110 . (cm cin ut} I\htri:I, q uatro
posição torna-se mais fraca dia a dia. Otalo-
:mos de ithulc , 11111lb IIIll homem uuru ap arramcnm de dnix I(Il:lrrn..: (;, d irci r»} ThelrlJII.'it: ru usurpa cada vez mais claramente o co-
hUfJlJlt:J fi {,'ltinmmlJ/ (1\ rasa scmrna 11mrhif/r.~J: filme de animat;5otIo fralH.:ês Emilc Cflhl
mando.
(1S.':;j·J9.l}i).;1 quem \Valr Disncv Ch:lIl11JlI de "u pai da '1 I1 i l1l : I ~·ãCl" .
Urna noite, após um novosucesso.quando todos os bandidos
estilo sentndos ao redor de uma mesa, Otalora se senta aberta-
curso da improvisação. movendo-se longe do ponto de partida e mente no lugar do líder. Bandeira senta -se do outro lado da
descobrindosomente no fim do processo qualseria a natureza do mesa. ignór.\do por todos. Ao lado de Otalora está a mulher que
espe táculo. que sentido ela poderia ter para mim e para o espec- anteriormente foi .1 amante do líder e agora é dele. . ,

tador. O lugar-tenente do velho Bandeirase aproxima de Otalora e


Antes de começar O EVflllgelho segUI/rio Ox)'rhilJals no Odin saca a sua pistola. Subitamente, Otalorn compreende que sua
Tcatret, percebi que essas experiências, que a princípio acredi- ascensão foi tolerada e honrada por todos porque Bandeira o
tei serem os frutos do temperamento pessoal e das circunstân- tinhacondenado à morte no momentoem que ele chegou.Sóele
cias materiais que tinham condicionado a minha atividade, ,10 ainda ignorava o fato de que já era um homem morto. O lugar-
invés de responder a uma necessidade objetiva: o pen samento tenente de Bandeira dispam.
que passou através da presença pré-expressiva dos atores tam- Deste conto veio a sétima estória para O EVflugelho SegllllrlO
bém passou ainda mais claramente através do modo de conceber Ox)'rltil/clIs. minha estória. O texto de Borges pôs em a ção duas
um espetáculo, diferentes séries de associações. O bando de foms-dn-lei me
No planejamento d,l estória para um novo espetáculo. o que lembrou os jflgUlI(OS e callgaceiros brasileiros como são descritos
poderia ser o equivalente mental do nível pré-expressivo do em livros por Euclides da Cunha, Eduardo Barbosa e Billy
ator? A pré-cxpressividnde mental poderia ser urna imagem [avnes Chandler, ou nos filmes de Ruy Guerra e Glaubcr Rocha.
pronta ,1 alçarvôo. Mas o esboço da estória (o líder mais velho que assassina um
Pensei: uma pessoa. numa montanha. num deserto. Quem é jovem.a última ceia. a sombra do incesto) fez a minha imagina- i
J
ela? Um homem? Uma mulher? Um deus? Urnacriança? O que ção saltar para outros contextos: o detentor da Lei que rnara os
ele ou ela está fazendo? Esperando por alguém? Ou é um que se revoltam; Creonte, que teve seu filho morto, e Anngona,
eremita? Ele ou ela ve um arbusto em chamas? É o Velho da a noiva que ele havia prometido pura se u filho; Judas. que
Montanha? E como é chamada a montanha? Ta bor? Ararat? morreu juntamente com seu Messias; o Filho pródigo; Deus, o
Kilirnanjaro? QUill é esse deserto? Alâmina de gelo de Scou ou o pai que causou a morte de seu Filho.
deserto dos Tártaros? Modeladas na est ória de Aureliano Bandeira e Benjamin
Urna irnagcm como esta não pode. entretanto. ser o equiva- Otulora, as vicissitudes de Deus Pai e o Filho coincidiram com a
lente do nível pré-expressivo do ator ou o que chamamos de inrcrpretação gnóstica da Cristandade, que viu no Deus da Lei,
"núcleo pré-expressivo". Não é nada mais do que um bom emjav é, um demiurgo mal. lutando contra as forças da luz.
estímulo de improvisação para mim mesmoe para os atores. Um O sertão brasileiro se tornou assim populoso com vozes vin-
, núcleo pré-expressivo deve seralgumacoisa quese dilata e sofre das da cidade helênica de Oxvrhincus (Behnc sa. no atual Egito)
mura ção. mas retém sua identidade. como as metamorfoses da onde, em 1903, três manuscritos gnósticos foram descobertos.
DILATAÇÃO 63
As duas trilhas dos cangaceiros c gnósticos se encontravam dcriam assumir um sentido c alcançar uma unidade porque havia
entre Olmos temas que criavam canais entre elas. Um desses ao mesmo tempo uma outra lógica em movimento, que se
ternas veio da est ória de Antônio Conselheiro, reconstruída por relacionava com o trabalho do grupo inteiro e que impunha uma
VargasLlosa em sua novela, i l grlflTfl riofim rio mrmrlo: cangacei- certa ordem.
ros congregados na "Novn jerusalém" de Canudos, a cidade O ponto de origemera sempre O morto, de Borges. Cada ator
Sagr~da construída por um novo Messias no sertão desértico. construía uma cena como diretor a partir da estória, conduzindo
Eram rebeldes que, em nome de seu Deus, derrotaram muitas seus companheiros. Havia, então, váriosesboços de espetáculos,
das expedições militares enviadas contra eles, mas finalmente muito diferentes .um do outro, mesmo assim todos tinham o
foram massacrados n té o último homem. mesmo ponto de partida. Cada esboço de espetáculo, mesmo
O anjos exterminadores do fim dos tempos poderiam ser sendo embrião, continha fragmentos que tinham uma força pró-
representados nas vestimentas dos cangaceiros reunidos em Ca- pria. T omando esses fragmentos fora de contexto, comecei a
nudos? Ou esses bandidos acreditavam que eram anjos que tecê-los. fazendo uma montagem, construindo um espetáculo
tinham descido à terra para instaurar a em da justiça? ulterior, ainda com o tema de Borges.
E quem era esse judeu hassídico que apareceu entre as Este processo de trabalho não estava relacionado com um
personagens escolhidas pelos atores?Um judeu que haviacruza- espe táculo, era apenas um fslTlrlo interno. Mas a S1li1 lógica se
do o sertâo' à procura do Messias, tal como o anarquista Galileo apresentou novamente quando, em 1984, começamos .1 traba-
GaB, à procura da Revolução. fez na novela de Vargas Llosn? lhurO EV{TT1ge!ho Jeg1l1rr/o Oxyrhiucus.
Enquanto isso, o tema de Aruígonn e da Revolta enterrada vi- D'1 Ssete estóriasligadas ~s seis personagens escolhidaspelos
va estava se desenvolvendo autonomamente. seguindo sua pró- atores e por mim, emergiram tanto um texto autônomo quanto
pria lógica. O que aconteceriase. •10 p é da Cruz. no Calvário, es- um espet áculo unitário. Elas não tinham nada a ver com o que
sasfigurasse encontrassem: os homense ,1S mulheres da revolta, meus companheirose eu havíamos previsto, mas eram o resulta-
santos c niilistas. Buda e Amigona, Francisco de Assise Sabbatui do conseq üente de nossas desorientações e reorientações,
Zevi, Maorné e [acob Frank, Capitão Ahab e Zarutustra? ]-] ;Í sete portas, mas somente lima Tebas, Os espectadores
Mas sobre cada panorama mental coloca-se uma nuvem agi- entrarão em Teba s através de lima das portas: um espet áculo
tada que formou e deformou o rosto paternal de Sosso Dju- sobre as manifestações da fc em nossa época e sobre :1 revolta
gashvili, conhecido como[oscfStulin. E ele estava rindo. rindo e que est á enterrada viva. Mas as outras seis portas para Teba s
pingando sangue. continuam abertas.
Essas associações e imagens simulruneumenre presentes po- Quem pode distinguir o dançarino da dança?

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1(}. () l:nrpn llibt,\\II): ..1 Mf}J1e ,I, / ,/W U1, , ' JrI1.{ Fdl1f1.l~ mármore til) lim do século li ,te. (f\-ItL\ClI lln Vaticano, Roma).
64 DILATAÇÃO

gunda natureza porq ue, como na natureza, nJOpode haver ação


A MENTE DILATADA cênica coerente fisicamente, que também niio seja psiquica-
te
de
men te coere nte (justificada ) c vice-versa. É também uma se- cc
FRANCO RUFFINI gunda7lfl/Tlrez,{f porque, em oposição.10 ljue ocorre na natureza, a de
coerência física e psíquica deve ser construída por meio de dois de
Purn falar sobre a mente dib tndi1 é necessário começar com lI111a aspectos tio trabalho do ator sobre ele mesmo. vr.
noção geral do nível pré-expressivo. O nível pré-expressivo Desde que o trabalho do ator sobre si mesmo é trabalho ao al
pode ser definido como aquele no qual o ator constrói e dirigc nível pré-expressivo, e desde que esse trabalho é desenvolvido p(
sua presença no palco, inde pendente e a ntes das metas fi nais e por meio da personificaçã o e jJerediivflJlie; jJere.d livfl7Iie é o seu
resultados expressivos. aspecto mental, O /Jelez.Itir.1fl7Iie de Stunislavski é a concretização !TI
"Presença", nesta defini ção. está quase livre de qualquer da mente dilatada do arar. p,
conotaçâo metafórica. Ela é literal.
cc
A presença do ator, sua maneira de ser no palco, org'lnicl-
111
mente, é obviamente umn presenç'1 j/licfI eme///ri/. d,
A pr é-expressividade, embora seja física, também se mani- Corno é adquirido o /Jflrz./tivflllie e como ele trabalha? De
festa numa dimensão rrienral. acordo com umn pré-concepção amplamente aceita, percdiivflllie
Usando n terminologia proposta por Eugenio Barbn em O é equivalente à identificação COI1\ " personagem . como se esta
aJI1JO r/i/a/ar/o , onde o corpo di/a/ario c fi 111m/e rii/fI/flr/rl são, identificação fosse um.' classificação de técnicas pretende ndo pc
respectivame nte, os aspectos físicos e mentais da presença cêni- tornar vivos os sentimentos lia personagem. Para refutar esta Ir
ca, pode-se dizer que .] presença cênica está relacionada com o pré-concepção é suficiente voltar-se IJi1[.l o dicionário e para a (~
corpo e a mente dilatadas em interdepend ência recíproca. semântica. IT
A presença cênica é tant o física quanto mental. pai/aI/Ia No dicion ário. jJere;,ltivfI/ é definido como "sentir forternen- s.
existe uma mente dilatada. Mas que prova ternos
de sua existê ncia? E o que sabe mos a respeito de
como ela funciona?
Como ocorre com tOd.1Sas questões rclutivnsao
teatro. as respostas são mais procuradas não 110
mundo das idéias (próprias) de alguém, mas recor-
rendo ao mundo dos [nos. confrontando os prati-
cantes de teatro de ontem e de hoje.
O praticante de teatro que tenta rei usar aqui na
procura lhl mente dilaradu é Srunislavski, e, parti-
cularmcntc, o Smnislavski de íl Pl tjJrtmrrio rIo ator
e ;I COIIJ/I7l{(lo ria /Jelsoll/~gf.//I I .
Por questão de brevidade daremos aqui o título
coletivo Robota al:tifm a esses dois trabalhos.

As convicções acumuladas pela historiogrufia


com relação ao JiJl/J/IIa de Stunislavski estão tão
bem en raizadas que é necessário começar com cer-
ras observações um tanto pedant es.
Primeiramente, o trabalho do ator descrito em
Roiotn ahei'l está explícito e inequi vocamente des-
crito por Stanislavski. não te ndo nada a ver com a
interpretação de papéis, mesmo se, obviamente,
ele seja il base dessa interp retação. O objetivo dirc-
ra e declarado do trabalho do ator, de acordo com
Stanisluvski, é a recriação da organicidade. Por meio
do sistema o ator aprende a estar presente organica-
mente no palco, antes e separadamenre dos pap éis
que ele ter..l de representar. O rrubalho do ator
descrito e m Robo/a ahllm é, portanto, trabalho 110
nível pré-expressivo.
Em segundo lugar,jJere-wivmlic (que poderia ser
trad uzido como "revivesce r". num sentido quase
biológico, como quando uma se me nte congelada
"revivcsce" ) não é nem a finalidade dosiJ/elllfl nem
seu único (e privilegiado) aspecto, É somente a
parte psicomcntal de UI11 trabalho mais compreen-
sivo. cujo aspecto físico é a jJcrJolli jiCll(ão. Perezhi-
oaui«ativa a sensibilidade cênica interna e a perso-
nificação ativa a sensibilidade cênica externa. Mas
o arar deve adq uirir urnasensibilidade cênica geral:
a síntese. não a soma. das duas sensibilidades cêni-
cas, interna e externa. 20-21. Stani.xlavski (:H.:il1l;l) em í n I .flowt!;cnl (l SlJS) de: eoltlllni c fI'. 6.S) 1,;'11) {J I)m "lI ft.' Im"x,illlírir,. \I~
Para Srnnislavski, o palco é realmente uma se- ~ I n l iérc ( 191.1).
DILATAÇAo 6S

te"; semanticamente (que é muito importante considerar quan- ela é mesmo santificada pelo sacrifício. Agora o carvalho não é
do se lida com urna língua analítica como ,1 russa). o prefixo /Jere mais uma guarita, é o próprio vigia. E ele vê inimigos se aproxi-
colocadoantes de oioe: significa um excesso. Portanto, em vez mando nmeaçndorarnenre. Ele treme, com medo... começa a
de traduzir pereshioanie como "revivescer", é conveniente filiar batalha. O carvalho está ansioso, consumido pelo terror de ser
de vitalização do horizonte mental. Em qualquer caso, pere-zJIi- queimado...
vrll/;e refere-se mais ~ idéia de atividade e tensão do que de Kostia está pronto para representar. Ser á que ele se identifi-
abandono. que é o significado quase sinonirnnmente evocado cou com a S U,l personagem? Podemos dizer que sim, porém esta
pela identificação. identificação nada tem ,1 ver com a idéia corrente de identifica-
Mas, deixando de lado as considerações lingüísticas. tome- ção. Se desejamos continuar a falar de identifica ção, devemos
mos um exemplo de perezJiivrlllie de Rabota (f/;/ein . T orzov, o pelo menos consider á-la em termos concretos.
porta-voz de Stanislavski na ficção literária, está trabalhando Pere'Z-iJivmtie no sistema de Srnnislavski é a construção de um
com seu aluno favorito. Kostia. Kostia deve representara par/e de aparato psicornental substituto, que suplanta tanto o aparato
um carvalho numa encosta. Compreendendo que seu aluno está cotidiano (usando-o seria impossível representar o papel de um
desnorteado, T orzov começa a bombardeá-lo com ses. carvalho numa colina) quanto o de clichês interpretativos (usan-
"Se cu fosse um carvalho na colina... Um entre muitos ou do-o o ator come çaria a mover folhas, a ondular com o vento,
sozinho? Sozi'nho, porque as árvores circundantes foram derru- comoocorre em muitas das assimchamadas improvisações).
badas. Mas 'por que elas foram derrubadas? Para que o carvalho É uma construção fria que, entretant o, produz calor, um
possa ser usado como uma guarita. da qual se observam os aumento de temperatura. um excedente: ela causa a vitalização
inimigos..." E desta maneira, por ser bombardeada com as condi- rio /Jróplialllel//e do ator, maisexatamente do que re-viveralgo enr
fõe.r r/f/r/as propostas tanto pelo mestre quanto pelo aluno, a .H/fI próp,ifl tneure.
mente de Kostia começa a ser vitnlizaduMuitns vidas têm sido A mente do ator stanislavskiano em perez!liVflllie é realmente
sacrificadas pelo carvalho: esta tarefa nãoé somente importante. uma mente dilatada. Essa mente dilatada induz e justifica uação
física coerente executada pelo corpo dilatado, exa-
tamente como ocorre na natureza: mas devido ao
trabalho consciente.
O exemplo do carvalho na colina é eloqüente,
desde que a personagem com que se deve identifi-
car não é um ser humano e. portanto, não uma
personagem cuja psicologia se possa adotar. Mas
todos os outrosexemplos de perez!Jivallie em Robotn
a!.-lera (aquela do dinheiro queimado vem à men-
te). se examinados sem preconceito. também reve-
Iam o mesmo modelo.
Tendo uma tarefa cênica, os atores modelam
um aparato psicorncntal substituto (uma mente
dilatada): da mesma maneira que, em /)({mlelo e
ill/errfepeJIr/el//ellletl/e, modelam um aparuro fisico
substituto, isto é, um corpodilatado.
A existência de uma forma de comportamento
mental ligado ao nível pré-expressivo no sistema
de Stanislavski obriga-nos a continuar a investiga-
ção tias característicasda mente dilatada. Pode-se
dizer que isto é uma mente em excesso: tal como o
corpo dilatado é o corpo diferenciado por um ex-
cesso de energia.
Isso também pode ser o ponto de partida para a
procura de outras.nnalogias possíveis com o corpo
dilatado, isto é. com o aspecto físico do nível pré-
expressivo.

Eugenio Barba fez sugestões muito significa-


tivas a esse respeito em O COlIJO dila/ar/o. A "pré-
condição criativa" (a mente dilatada) é, de acordo
com Barba, c-aracterizada por três modalidades:
- peripécia (mudançasúbita);
- desorientação;
- precisão.
Nossa estratégia deveriaagoraser clara. Deseja-
mos ver se, uma vez que as ligações entre o corpo
dilatado e a mente dilatada tenham sitio confirma-
das, essas ligações podem ser encontradas no siste-
ma de Stanislavski, Averificação deste "casohistóri-
co" não é acidental, de tal forma que podemos con-
siderá-lo como dado no sistema assim chamado
"revivescer" e não é outracoisa senão a ménte dila-
tada, aspecto mentalda pré-expressividadc do ator.
66 DIL f\TAÇAo
Não pode haver mais qualquer d úvida de que as característi- arte de trazer o pensamento ;' viria, de fazer o pensament o
cas da mente dilatada, para a qual Barba chamou a aten ção, são respirar. Para Sócrates a maiêutica não era apenas um método de
análogas às que foram determinadas, teórica e experimental- ensino. mas o ensino em si, mesmo assim ela foi escondida
mente, como perten cendo também ao corpo dilatado. (protegida) como uma moldura.
A peripécia mental corresponde ao "salto" da ação em vida,
isto é. à "ação negada", como Barba a definiu em Cavalo rie
pmtrl. O salto energético, que est á em oposição à inércia que
Deve-se dizer o mesmo de T orzov-Sranislavski, O mestre
não ensina a t écnica peredtivallie. isto é, a técnica da ment e
dilatada. Ou melhor: juntamente com ,1S técnicas (uso da memó-
I
l.

causa uma ação inesperada, poderia também ser chamado de ria emotiva. condições dadas etc.), ele ensina a t écnicadetodas as
peripécia física, respeitando totalmente o significado aristol élico técnicas. Esta técnica detodas as técnicas é a maiêutica na forma
do termo. platônica de diôlogo, isto é. qucstionamenro socrá tico. O aluno
A precisão da mente dilatada corresponde à eliminação lb de T orzov aprende que a ment e dilatada (perel,hiv(l1Iie) só é
redundância nn ação física do corpo dilatado. adq uirida por meio de questionamento implacável e por acredi-
A desorienração mental (à qual voltarei) é a co-relativa da tar na idéia que emergirá das respostas. Mais ainda, ele aprende
negação do (bem-lconhccido, que obriga o corpo em vida do ator que as lembranças, as imagens e as hist órias extraídas por meio
a surpreender e estar s ~l r pre so com ações não premeditadas, com do perf'zJiiva1!ie somente nunsformarão a id éin numa verdade se
ações que nascem imediatamenre. ele acrediru nela, Na segunda natureza de Stanislavski não se
Esses processos menrais sáouplicados aillgoque não o resul-
é acredita em algo porque é verdadeiro: ao contrário, algo é verda-
tado criativo, mas antes à rotaque torna possível este resultado. deiro porque se acredita nele.
Daí a importância metodológica do "caso histórico" repre- Se n maiêutica é a técnica da mente dilatada porexcelência, o
sentado por Stanislavski. Em Rolotn (/l-!fin é o processo em si que podemos aprender na maiêutica acerca da mente dilatada
mesmo, conduzindo à mente dilatada (ao pere-dliv(T1Iie, na ter- em si?O que podemos aprende r acerca dos processosque ativam
minologia de Stanislavski), que é descrita e não aos seus resulta- a mente dilatada e que determinam como ela trabalha, mesmo
dos. A respeito dos resultados, somente 11<1 o dito de Torzov apenas no caso histórico de Stani slavski?
"Acredito nisso" ou "Não acredito nisso".
Não vou falar muito sobre a descrição deste
processo, mas antes tentarei investigar o que não
está descrito. Não o sentido do oculto, mas illgo tão
óbvio que não é visto como a descrição de um
processo. Isto é um pouco parecido com o que
ocorre quando alguém não observa a moldura de
um quadro embora ela seja exibida tanto quanto o
quadro, ou como a carta roubada que não pode ser
encontrada, na hist ória de EdgarAlhm Poe.

Se, para /)1i1l/;a Viria1la Am,1 e Roô ota aitem, pode:


se falar em geral de f 017lW narrruioa, para Rabo/a
a/.:tifm em específico é necessário esclarecer que a
forma de romance (o diáriode umaluno imaginário
na escola de T orz ov-Stanislavski) é também (e
significa nteme nte) desenvolvida por meio de diá-
logos entre o mestre e os alunos. As tensões que 'r
animam esses diálogos, assim como o ritmo e a
modulação presentes, trazem imediatamente à
mente os Diálogos de Platão.
Se Mi1lha viria 1Ia A/1e tem uma forma narrativa
genérica, Rabo/a af.-têin está particularmente carne-
terizada pela forma narrativa do diálogo platônico.
Uma vez reconhecida a forma de diálogo platô-
nico, deve-se perguntar se essa forma apenas emol-
dura o conte údo ou se ela é uma parte integrante
dele.
Sustento que a forma de diâlogo platônico não é
a forma dentro da qual os argumentos do tratado
sâo desenvolvidos: é um argumento do trarudo, e
talvez seu principal argumento, pois ele fo i tão
bem protegido que é mostrado como il própria
moldura do quadro do argumento.
Sócrates, nos Diálogos de Platão. comporta-se
com os seus interlocutores exatamente do mesmo
jeitoque Torzov-Stanislavski se comportacom seus
alunos. Ele os anima, questiona-os com perguntas
sucessivas, até que a proCllm pela idéia emerge do
aluno, como algo que ji estivesse híe que somente
necessitava do poder rnaiêutico do diálogo para vir
I
à luz. 22·2.>. Srani.</:Il'.,k i (acima) cm irillF"d> 11'"". dc Griho"cdcl\"(1<J06). c (I' . S(,) CI11 O/do, de Shakcspc urc
Maiêutica, que significa "a arte da parreira" , é a .( I X% ).
DILAT AÇÃO 67

Uma grande parte se revela imediatamente que: perr:.wivullie no aluno do sistema, podemos dizer que o monólogo
- peripécia, platônico é o estado mental dos atores que procuram pelo pere-
- precisão, zhiuanie por si mesmo (o que é quase sempre o cas o),
- desorienta ção, A mente no perez!Jiva7lie, a mente dilatada do ator stanisla-
são as características específicas e fundamentais do questiona- vskiano, é portanto, caracterizada pela peripécia, desorientação,
,
'.
mento socrático. Em rnaiêuticn, muda-se intencionalmente a precisão.
direção do questionamento de súbito, não para cotfundir, mas
para des-orientar a sucessão do pensamento e livrá-lo do lugar-
comum. E assi m nossa estratégia aproxima-se do círculo completo.
Peripécia mental, saltos na sucessão do pensamento, deso- A mente dilntada. com seus próprios meios específicos, está
rientação... tudo pressupõe precisão. É a precisão do detalhe, <1 baseada nos mesmos princípios que definem o corpo dilatado.
confrontação caraa cara,não batalha à grande distância em nome Ela é, real e concretamente, a dimensão mental do nível pré-
de uma verdade escondida, que C<lUS<1 o colapso das resistências expressIvo.
que impedem o pensamento de fluir multiforrnente, mas com A mente dilatada corresponde ao corpo dilatado, de tal forma
coerent e e verídica vida. que ambos são aspectos de uma presença não dividida e indivisí-
Se essas são as modalidades de questionamento socr ático, vel: presenç,ljísica e mental. O corpo dilatado e a mente dilatada
deve-se lembrar que o ator que questiona a si mesmona procura são as duas faces do mesmo processo, que tem a ver com o corpo/
do perezliivallie é, e ao mesmo tempo, o questionador e o que mente em vida do ator.
responde.
Mudando a pergunta muda-se a resposta; desorientando, tor-
na-se desorientado em si; insistindo na precisão, fica-se obrigado
a respeitar o detalhe que torna uma idéia crível, isto é, verdadeira.
Se o diálogo platônico é a técnica primária P:U<1 induzir o
Notas
1. "Ro boru ukt éra nad soboj v tvorceskorn protse sse
pcrczhivanie" e "Robota uktera nud soboj v tvorceskorn
protsesse voplosrcen iu" são o segundo e tercei ro volu-
mcs da edição russa das obras de Stunisla vski. Esse s
dois textos referem-se, respectivamente, a A prepara-
fnodo AtOl' e a A coustrupioda persollagem, mas ele s não
são exatamente a mesma coisa. De fato, os dois te xtos
americanos são edições redu zidas dos respectivos tex-
tos russos e, mais ainda, são organizado s usando um
....> esquema de argumentos que não está presente na
edição original. Esta organização, somad a à amputação
tia continuidade do texto russo, tamb ém obscurece a
forma de diálogo narrativo, que é, ent retanto, de im-
portânciufundumenrul para uma leitura corret a da obra
de Stunisluvski. A edição italiana 11 laoora delt'nuor:
(Bari, Luterza , 1975, 2 volumes) é mais fidedigna , pois
combin a o seg undo e o terceiro volume da ediç ão russa
num texto simples, completo, e não há manipulação da
organização interna.
2. Cavalo de prata (Silver Horse) é a transcrição de um
seminário para coreógrafos organizado por Eugenio
Barba no México em 1985. Está publicado num núm e-
ro especial de Esceuica, 1986, a revista teatral tia Uni-
vcrsidude Aut ônoma do México, editada por Patrícia
Cardona. Uma tradução francesa pode ser encontrada
em Le Thiâlre qlli danse, Bouffonerus, novembro de
1989, de dicada à sessão do ISTA qu e acont ece u em
Salento, Itália, em 1987.
3. Milllm viria lia Alte é uma edição reduzida de
Aloja zhizlI'v isblsstvo (o primeirovaiume da edição
russa das obras de Sranislavski). A edição francesa,
com um prefácio de [acques Copeau, foi feita da
edição americana. A edição italiana, La mia vila
l1e//'m1e (Turim, Einaudi, 1963), é, entretanto,
completa.

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ditas pelas personagens em sua representações. T al distinção
AÇÕES ENI TRABALHO não seria mesmo concebível se fosse m as representações em sua
integridade que estivessem sendo examinadas.
EUGENIO BARBA Numa rcpresenmçã o, as ações (isto é, tudo que tem a ver com
a draruaturgia) não são somente aquilo que é dito e feito, mas
A palavra "texto", antes de se referir a um texto escrito ou também os sons, as luzes e as mudanças no espaço. Num nível
falado, impresso 0 11 manuscrito, significa " tecendo junto". Nes- mais elevado de organização, as ações são os episódios da história
te sentido, não h á representação que não tenha "texto". ou as diferentes facetas de uma situação, os espaços de tempo
Aquilo que diz respeito ao texto (a recedu ra) da representa- entre dois clímax do espetáculo, entre duas mudanças no espaço
ção podeser definido como "dramaturgia". isto é, dmnm-etgon, o - ou mesmo a evolu ção da contagem musical, ,1 mudança da luz
"trabalho das ações" na representação. A maneira pela qual .1S e as variações do ritmo e intensidade que um furor desenvolve
ações trnbulhum é a trama. seguindo certos ternas físicos precisos (maneiras de andar, de
manejar bastões, de usar maquiagern ou figurino). Os objetos
usados na represe ntação também são ações. Eles são transforma-
Na dramaturgia de uma represc nraçâo, nem sempre é possível dos, adquirem diferentes significados e colorações emotivasdis-
diferenciar o que é "direção" e o que O autor "escreve u". Essa tintas. T odas as relações, todas as interações entre as persona-
distinção é clara ape nas no teatro que procura interpreta: um gens ou entre as personagens e as luzes, os sons e o espaço,são
texto escrito. ações. T udo que trabalha diretamente com a at enção do espec-
t\ diferenciação entre dramaturgia autônoma do espet áculo, tador em sua compreensão, suas emo ções, sua cinesresin, é lima
remonta a Aristóteles quando trata da tradição da tragédia grega. ação.
Ele chamou a atenção para dois camposdiferentes de investiga- Alista poderiaser longa. Não é tJOimportante defin ir o que é
ção, os textos escritos e o modo como eles SJ O representados. A uma ação ou quantas existem numarepresentação. Importante é
id éia de que existe uma dramilturgi'l que é identific ável apenas observar que as ações só são operantcs quando estão entrelaça-
num texto escrito autônomo c que é a matrizda representação, é das, quando se tornam textura: "texto".
urna conseqüência daquelas ocasiões na história, quando a lem- A trama pode ser de dois tipos. O primeiro tipo é conseguido
brança de um teatro foi passada adiante por meio de palavras pelo desenvolvimento de ações no tempo por meio de uma

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1-2. () rc xro runur-sc ;U;:ill. Em cirun, IIm:1 pá~i n;( tI:! :Igc nll:l ;.:u'lHhtd;l por Ellw:m l
( ;ordnn Cr;,li.~ ( I :-{72-19(6) potro' :1 cncc naçâu do H fl JJT/( I , de Sha kc spcarc, nu Teatro de
Arte de MII.\;t.:UlI, 1(,)l)t)~ 1910 . Ato V. 1.:1.:11:1 Z: o du elo entre l huulcr c Lacrtcs. ,\ dirciru,
mo delo tlc p;III.:o rlo 'I'C;l U O (I<,; A rte d e ~I O"1CIlII : m :;lIl dll C..,;:I;1 esca la l1uh d c l'()C[C~ ele
l~.mnl in:l . Cr;li~ e xpl ico u seu concciru p:l r;1 J dirc ç-;in de f1ff1I1/r./ e ,,';11.11' i lléj ;l~ paru ns
movimento» dax I lCrSfl n;t~el1 l' pura S {'llli ~ l;l \' sk i C seu." atures. Neste qua tlro ;l~ li g,lIras
Ihu; J:lIlrc." de I b lllh:r c La crtc x f!\ ro V. rena Z) po dc m se r \'is t:l" du t itio di re ito du
pnlco.
DRAMATURGIA 69
dos os C~l S OS nos quais .1S ações são simultâneas, uma simples
montagem dentre muitas, De fato, isso refle te somente o modo
de ver de 1I/1/ observador,
A distinção entre teatro baseado num texto escrito, ou, em
qualquer caso, num texto composto a prioti e usado como a
matriz lb e ncenação. e teatro cujo único texto significativo é o
texto de representação, simboliza muito bem ,I diferença entre
teatro "tradicional" e "novo".
Essa distinção torna-se mais útil se nos desejamos mover de
uma classifica ção do moderno fenômeno teatral para urna análi-
""---- se microscópica ou uma investigação anatômica dobioJ'cênico da
r- vida dram ática; dramaturgia.
Desse ponto de vista, a relação entr e um texto de represen-
tl ÇJO e um texto composto n priori não parece mais uma contra-
dição, mas uma situação complemen tar, uma espécie de opo-
sição dialética. O problema não é, portanto, a escolha de um pólo
ou outro, a definição de um ou outro tipo de teatro. O problema
é de equi líbrio entre o pólo r/e col/m/e1Io(rlo e o /Jólo r/e siumtra-
neir/ode.
A única COiS,l prejudicial que pode ocorrer é a perda do
eq uilíbrio en tre esses dois pólos.

!t.
Quando uma representação é baseada num texto composto de
palavrus, hiÍ o perigo de que o equ ilíbrio na representação seja
perdido por «l usa do predomínio das relações lineares (a trama
como concatenação). Isto prejudicará a trama, compreendida
como o tecer das ações simultâneas presen tes.
Se o significado fundamental da repre sentação é dado peja
() interpretação literal de um texto escrito, haver áuma tendência a
favorecer esta dimensão da representação, q ue se assemelha n
dimensão linear da linguagem.Haverá uma tendência a conside-
rar como elem entos secundários todas as tramas que nascem da
.1. I l i;l;.:r;II1l;IS de cucc nacân ,1c.'H:nh'lIlo'i porStani..davxki p.nu ; ql;I "~ l1l: i :l tios viajaurcx conjunção de várias ações ,10 mesmo tempo , ou simplesmente
;I

1111 SC ~II \) l1lt atu t il: () j(/o lilJl dos lt:rti~irfIJ IIl: Tc bck uv ( 11)0 -1). tratá-los como ações que não são tecidas j untas. como ações de
fundo, de contorno.
concateuaoio de causas e efeitos. ou através de uma alternância A tendência puru subestimar a importância LIa pólo de simul-
de ações que represe nta dois desenvolvimentos paralelos. O taneidade para a vida da peça é reforçada na maneira moderna de
segundo tipo ocorre somente por meio da Ú/l/u//olleir/or/r: a pre- pensar. pelo tipo de representação que Eiscnsrein em seu tempo
sença simultânea de vúrius ações. ji estava chamado de "nível real de teatro" . isto é, o cinema. No
Concatenação esiIlJII//rlJleir/or/esãoas duas dimen sões da tra ma. cinema, a dimensão linear é quase absoluta e a vida dialética das
Elas não são duas alternati vas estéticas ou duas dimensões da ações en trete cidas (,1 trama) depende basicamente de dois pólos:
trama. Elas são os dois pólos cuja tensão e dialét ica determinam a concatenação de ,1ÇÕCS e a concatenação da atenção de um
a representação e sua vida: açõesem trabalho - dramaturgia. observador abstrato, o olho do filtro que seleciona primeiros
planos (aproximações), tornadas à distância e tc.
A força do cinema sobre a nossa imaginação aumenta o risco
Voltemos ~ importa nte distinção - investigada especialmente de que o equ ilíbrio entre os pólos de concatenação e simultanei-
por Richn rd Schechner - entre o teatro baseado na encenação dade desapareça quando realizamos representações . O especta-
(/l/ise-ell -scnte) de um texto previamente escrito e teatro baseado dor não tende a atribuir um valor significativo ~10 entretec imento
num "texto de rep resenrução". Essa distinção pode ser usada de ações e comportamentos simultâneos - em oposiçãoao que
para definir duas diferentes abordagens ao fenômeno teatral e. ocorre na vida cotidiana - como se houvesse um elemento fa-
portanto. resultante e m duas representações diferentes. vorecido n<l representa ção, particularmente adequado para esta-
Porexemplo: enq uanto o textoescrito é reconhecível e trans- belecer o significado da peça (as palavras, as aventuras do preta-
missível antes e independen temente da representação. o textode goni stu ctc.).
representação existe apenas no fim do processo de trubalhoe não Isso explica por que um "espectador normal", no Ocidente,
s-
pode ser transmitido. freqüen teme nte acredita que não compreende totalmente as
De faro. seria tautológico dizer que o texto de representação representações baseadas na trama simultânea de ações, e por
(isto é. o espetáculo) pode ser transmitido pelo espetáculo. que ele se encontra em dificuldade quando encara a l ógica de
Mesmose usasse lima técnica de transcrição se melhante nU5".lLhl muitos teatros orientais, que lhe parecem complicados ou suges-
para a música, na qual várias seqüências horizontais podem ser tivos por causa de seu "exotismo".
,. arranjadas verticalmente. seria impossível passar adiante a infor- Se se empobrece o pólo de simul taneidade, limita-se a possi-
mação: quanto mais exatamente se tentasse fazer isso. mais bilidade de fazer com que significados complexos surjam do
ilegívelse tornaria.Mesmo o registromecânico. sonoroc visua Ido espetáculo. Esses significados não derivam de urna concatena-
espet áculo apreen de somente uma parte do texto de representa- ção complexa de ações, mas da trama de muitas ações dramári-
ção, excluindo (pelo menos no caso das representa ções que não cas, cada uma imbuída de seu próprio significado simples, e da
usam um palco italiano) as complexas montagens de relações reunião dessas ações por meio de urna simples unidade de
ator-espectador. distância-proximidade, e privilegiando, em to- tempo. Assim. o significadode um fragmento de representação
70 [) RAfvIATURGrA
não é apenas determinado por aquilo que lhe precede e segue. rente de Harnlct. Mas eles também podem ser usados como
Mas tamb ém pela multiplicidade de facetas cuja presença tridi- indícios de aspectos diferentes e contraditórios de comporta-
mensional, por assim dizer, faz com que ele viva no temp o mento a serem reunidos numa síntese, que não é o resultado de
presente da sua própria vida. uma decisão prévia acerca de que espécie de caráter se deseja
Em muitos casos, isso significa que, quanto mais difícil se dar a Hamlet.
torna, para 11m espectador, interpretar 011 julgar imediatamente Como podeser visto, esta simples hipótese nos traz pmn mais
o significado do que est á acontecendo diante de seus olhosc em perto do processo criativo (isto é, processo de composição) de
sua cabeça, mais forte é a sensação de viver através de uma muitos dos grnndes atores da tradiçãoocidental. Em se u trabalho
experiência. Ou, dito de maneira mais obscura, mas talvez mais cotidiano eles não começavam nem começam com .1 interpreta-
perto da realidade: mais forte é a experiência de uma expe- ção de uma personagem, mas desenvolvem seu trabalho seguin-
riência. do um roteiro não baseado no qllê, mas no como, reun indo aspec-
O entrela çamento simultâneo de várias ações na representa- tos que a princípio pareceriam incoerentes do ponto de vista do
ção causa algo semelhante .10 que Eisenstein descreve a partir de realismo habitual, e terminando com uma síntese formalment e
J1ista de Toledo de EI Greco: que o pintor não reconstrói uma coerente.
paisagem real, mas constrói uma síntese de várias paisagens,
fazendo uma montagem dos diferentes lados de um prédio,
incluindo até os lados que não são visíveis, mostrando vários Ações em trabalho (dramaturgia) tornam-se vivas por meio do
elementos - tirados da realidade, independentemente de cada eq uilíbrioentre os pólos de concatenaçãoe simultaneidade. 1-1.1
um - numa relação nova e artificial. um risco de esta vida estar pe rdida com a perda de tensão entre
Essas possibilidades dramatúrgicas se aplicam a todos os os dois pólos.
níveis diferentes e a todos os distintos elementos tb representa - Enquanto a perda do equilíbrio em prol da concatenaçâo
ção tomados um a um, assim como ~ rmma total. O ator, por desliza o espet áculo para a sonolência de uma legibilidade con-
exemplo, obtém efeitos de simultaneidade tão logo rompe o fortável, a perda do equilíbrio em prol da simultaneidade pode
scàema abstrato de movimentos, tal como o espectador é capaz de resultar em arbitrariedade, caos. Ou incoerência incoerente. É
prevê-lo. fácil verque esses riscos são maiores paraquem trabalham sem o
Ele compõe SIl;1Sações ("compõe" usadoaqui em seu signifi- guia de um texto previament e composto.
cado original, derivado de CIl1IJ-po7Jf,re, "colocar junto") numa T exto escrito. texto de representação, a conca te na ção ou
síntese que é, de longe, afastada do comportamento cotidiano. dimensão linear, a dimensão da simultaneidade ou tridimen-
Nesta montagem ele segmenta as ações, escolhendoe dilatando sional: essessão element os sem nenhum valor positivo ou nega-
certos fragmentos. compondo os ritmos, conseguindo um equi- tivo. O valor positivo ou negativo depende da qualidade da
valente ~ ação real por meio do que Richard Schechner chama a relação entre esses elementos.
"restauraçãodo comportamento". Quanto mais a representação fornece ao espectador .1 expe-
O uso do texto escrito em si, quando ele não é interpretado riência de uma experiência, mais ele deve dirigir sua aten ção
apenas como urna concatenação de ações, pode guiar elementos para ;1 complexidade das ações que estão acontecend o, de modo
e detalhes, que não sâo dram áticos em si, numa trama simul- .1 não perder seu senso de direção, seu sentido de passado e
tânea. futuro - isto é, a história, nâo como uma anedota, mas como o
Podemos extrair de Hamlet, por exemplo, certas informações: "tempo histórico" da representação.
traços da envelhecida contenda entre Noruega e Dinamarca são T odos 'os princípios que possibilitam dirigir a aten ção do
encont rados no conflito entre o pai de Harnlet e o pai de Fortin- espectador podem ser extraídos da vida da representação (das
brás: a Inglaterra precisa pagar impostos à Dinamarca. que re- ações que estão em trabalho): o entrelaçamento por meio da
lembraos dias dos vikings: a vida da corte recorda a Renascença; concatenação e o entrelaçamento por meio da simultaneidade.
as alusões a Wittenberg refletem as decisões da Reforma. T odas Criar a vida de um espetáculo não significasomente entrela-
essas várias facetas históricas (que podemos realmente usar çar SU.1S ações e tensões, mas também montar ., atenção do
como rlzfermtes facetas históricas) podem ter várias opções por espectador, seus ritmos, para induzir nele tensões, sem tentar
meio d'1S quais a peça pode ser interpret ada: neste G1SO, uma impor uma interpretação.
faceta escolhida eliminará as outras. Por um ladoa atenção do espectador é atraída pela complexi-
Elas também podem, ent retanto, serentrelaçadasjuntas numa dade tb ação. sua presen ça; por outro lado se exige continua-
síntese com muitos elementos históricos simultaneamente pre- mente que o espectador avalie essa presença e essa ação nluz do
sentes, cujo" significado" relacionado com a interpretação de seu conhecimento do que acabou de acontecer e na expectativa
Harnler - isto é, o que a peça mostrará para os espectadores - (ou questionamento) do que acontecerá em seguida.
não é previsível. Quanto mais o diretor entrelaça os diferentes Como ocorre com a atenção do ator, .1 atenção do espectador
fios de acordo com sua própria lógica, mais. o significado do deve ser capaz de viver num espaço tridimensional, governado
espe táculo parecerá surpreendente, motivado e inesperado, até por uma dial ética própria, equivalente ndialética que governa ,1
mesmo para o próprio diretor. vida.
Algo semelhante pode ser dito para o protagonista da peça. N'1 análise final pode-se relatar a dialética entre o entrelaça-
para Harnlet. A concatenação das ações reunidas de Shakespeare menta por meio da concate nação e o entrelaçamento por meio
(sua montagem) geralmente resulta numa imagem de Hamlet da simultaneidade das naturezas complementares (e não o opos-
como sendo um homem em dúvida, indeciso, consumido pela to) dos hemisférios esquerdo e direito do cérebro.
melancolia, um filósofo doente inadequado paraa ação. Mas essa Cada espeniculodo Odin Teatret usao espaço cênico de uma
imagem não corresponde a todos os simples elementos da rnon- maneira diferente. Os atores não se adaptam a determinadas
tagcrn total de Shakespeare. Harnlet age com decisão quando dimensõesespeciais(como ocorre no palco italiano), mas mode-
mata Polônia; ele falsifica ., mensagem de Cláudio para orei da lam a arquitetura do espaço de acordocom as exigências drama-
Inglaterra com decisão fria; ele derrota os piratas; ele desafia túrgicasespecificas de cada nova montagem.
Laertes; rapidamente observa e vê atrav és dos estratagemas de Mas n30apenas os respectivos espaços ocupados pelos atores
seus inimigos; ele mata o Rei. Para um ator (e um diretor) todos e espectadores mudam de espet âculo para espetáculo. Durante
esses detalhes, tomados um a um, podem ser usados como um mesmoespetáculo. os atores às vezes trabalham dos lados dfl
evidência com a qual se pode construir uma interpretação coe- área de atuação, outras vezes no meio; assim determinado s
DRA!\'It\TURGIA 71

espectadores experimentam certas ações em aproximações (pri- sacudas e em cima de telhados de cidades ou vilas. Neste caso,o
meiros planos) - quando os utores estão a alguns centímetros ambiente jú existe e aparentemente não pode mudar, maso ator
deles - enq uanto outros espectadores vêem o quadro total por pode usar sua presença para fuzcr urna personage m drumáticn
um ângulo muito maior. surgir d'l arquitetura que normalmente não somos capazes de
Esses mesmos princípios são usados em espetáculos externos ver, porcausados hábitos cotidianose li SOS que não mais experi-
(veja p ágina seguinte), que acontecem em praças e ruas, em mentamoscom um olho são.

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() r~:lI1i7.a,:..i () do c."pac;n cên i co:
ximul ranc idudc do rc xro de rcprc,,;cllr;It;:io. E xemplo..de relações de proximidade utor-csp ccnnler c tu \,:i rim cspcr;Íl:IlIf1 'ido (Xlin Tcu rrcr: ~ esquerda, ()nli"!fi!md 19( 5); nu cen tro.
I\II1/Jllli(/1I(I , )l)(}7 ; :1 dirc ira, Fcrl/i, flJ6().

10- 11. () rrubalho cx tcr uo de teat ro do Otlin Tcutrc c em rcbt;..i n <lU CSP;I(;U: n.:p rcS Cllt<lt.;'()C." em & l !CI\W. lrdlia.
72 DRt\lvIATURG IA

12-17. Aesquerda, :l "".m rir: mel/lu';, ItJ72: no centro. l'eJJl! /.: o tli" scrd nosso. 1<) 76: ;i direita. :1.1" rinzns de Hn:r/II. lWiZ.

<.; : . .....

ê~~0f~;;:~"; ~;;:; ~1IC

1X-l i. () trahal ho exte rno de tcurro nn Odin Tca trcr cru rclnção un CSp :tÇl I. Rcprc sc nraç õcx no Peru c rHI C hile.
_ _~ DRA.MATURGIA í3

20-2::1. ,\ e squ e rda. . () fJJl!úr;n


. r
. IlJ ] Y'• 110 cen tro . () ""'lIl1gtlhn rI(~ {) .y.'
.ltillJlfirIlJ.
. 19~C:"1,.
' "1 rlircirn
. . o, " (!In/IfJI, I<JXK
1 1
E 11ti g;fl : jJoriel; /Olrn, wjJ fl âriflrle jJfl ra " 'ft/;W,.
Im bl/lho. (Pcnguin En glish I) ietion ary, Pen-
gll;1I Booi», f-lfl llllOtlr/SWOll !t, iIIg/nl n m , J984.)

A energia do ator é uma q ualidade faeilmen-


te idcnri fici vel: é sua potê ncia ner vosa c
muscular. O fato de essa pot ência existir não
é part icularmen te interessante, j,i que ela
existe, por de finição,em qual quercorpo vivo.
O qu e é inte ressante é a man e ira pe la qua l
essa potência é moldada num contexto mui-
I- l . i\lci L:Ulra n~ (I l'i94·
to especial: o teatr o. A cada momento de
19(1 ). cspc cialix.uln em
nossas vidas, consciente me nte ou não, mo- I'ilpêi.'i ICllI inino'i na ()+
de lamos nossa energia. Além desse uso coti- pefa c hinesa, SC If Iilhn
diano da energia, há tamb é m um uso cxcc- i\h; i l\ô1ojll é 11 111 urnr dn
ntcxnm ~ê nc rn c é visro
de nte de en ergia que não usamo s pura mo-
,Ullli rc prcs cn nuu ln c em
ve r, at uar, estar presente c inte rvir no mun- Si(l lilÇÕC." li" vida coridia-
do circundante, mas a usamos para uruur, 11:1 : :1es que rda, dem os-
mover, estar presente, numa mnncim tcutrul tr.mdo 11m /(//1 ( p ~\ pd te-
min ino) nu ISTA de
e fi cie nte. Estud ar a ene rgia do ator, portan- l lolstcbro (I 'IXÓ) c, ,11,,,;-
to, significuexaminaros princípios pe los q uais XCI, c.nn in hundo pc lo
e le pode modelar e ed ucar sua pot ência mus- ca m po ;10 redor de l lols-
c ulur e nervosa de acordo com situações não- cchrll (I % (» .

cotidianas.
As diversas constelações desses princí-
pios são as bases dus t écnicas de várias tradi-
ções: de Decroux até o Kubu ki, do Nô ao
balé clássico, de De lsarte até Kathukuli... Mus
ele s tam bém são as bases de várias técnicas
indi viduais: de Busrc r Keuton a Dario Fo, dc
Tor ó a Marcel Murccuu, de Ryszurd Ciesluk
a lbcu Nage l Rasm usscn ... ( F. Tuviun i,
L 'mngin r/e//' nllolr COII/( j)f'l:II/~.I'sn - JI ellf.lg ifl
rio ator CO/1I0 jJl'I:l IIisJn).

Kung-Iu
T oda tradição teatral tem sua própria munci-
rOI de d izer se o ator funciona ou não como tal
para o espec tudor, Este " funcioname nto" tem
muito s nomes: no Ocide nte o mais comum é T
elwgin , vi ritl ou simplesme nte , a jJl'l:Jr.lI{YJ do
ator. N'IS tradições teatrais orie ntais, outros
concei tos são usados, como ve remos, e cu -
cen tram-se exp ressões como ji/'ll lln ou ..-JIfIL'Ii
na {I/f/in; Kos!ti, l-i-Jlfli e J'lIglll no Japão; c!lil'o-
rn.ras« e bn'yII em Buli; KIIlIg-fll na C hina.
Para adquirir esta força. esta vida, que é
uma q ualidade inrunglve l, indescritíve l e in-
cornc nsuni vel. us várias formas teatrai s codi-
ficadas usam procedimento s m uito purticula-
rcs, um treinamento e exercícios be m preci-
sos. Esses proced imentos são proje tados para
dest ruir 'IS posições inerte s do corpo do ator,
a fim de alte rar o equilíb rio norm al c el imi-
nar a dinâmica dos movimentos cotidianos.
I~ paradoxal q ue essa q ualidade ilusória
seja conseguida por meio de exe rcícios con-
creto s e tangíveis. Esse parad oxo é tipificado
pela palavra KIIlI gi " . que é tan to o nome de
um exe rcício específico q uunto a frase usada
para de screve r a dimen são im pulpi ve l pela
qu al chamamos a presença do ator.
E m chinês, KII"g;!" , conhecido no Oci-
den te como uma técnica de combate, sil;ni-
fica lite ralmente "a habilidade puru resistir".
Ele te m, entretanto, muitos outros significa-
dos: é () nome da arte marcial nacional, mas
também se I~erc a q ualquer disciplina, ca-
pacidade ou habilidade q ue é dominada se-
ENERG IA 75

mC1He por esforço ccn tínuo. Podc significar


+ nubulho que é exec utado, cumprido, e po-
tência, mas também um resultado de um
estudioso em qualquer campo intclectunl ( o
nome do lilósofo chinês Confricio é uma adap-
tação ocidental de Á'/lIIg-jil-I.W). Assim, não
existe uma interpre tação exata do signific'l-
do: tudo depende do contexto no qual é
usado. K{(/lg~Ji{ é treq ücnrcmcnre emprega-
do C0l110 expressão genérica de exercício; cada
mestre de 1I11'''lJlIcr arte ou ciência peculiar
pode ser descrito como possuidor de KIIJlg}ít.
O termo é, de faro, aplicado .1 uma série
de conceitos complementares, desde o exer-
cícioou rreinumento até os resultados dessas
atividades. Para um ator. ter KJlJlg}1I significa
"estar em forma", ter praticado c continuar a
praticar um treinamen to peculiar, mas tam-
bémsignifica possuir aq uelu 11 nulidade cspc-
cial que o faz vibrar c o torna presente, e q ue
indica que ele dominou todos os aspectos
técnicos de seu trabalho.

~ ...
: ~íi~'-< '-';~#~~~-:-:- .; .4. i\lci I .:l n t~l n~. nchnu,
pcrwdo lim lhl vid:l c em
roupas cncidi:U1:Is de-
mnustr undn 11111 111(11';-
mo uro Ihl ÔpCr.1 de Pe-
quim. c, :1 ClitllU; rda.
corno e le upurccc u IIU
CCIIl\L"ÇO ~IcSII;l L';lm:ir:l l c -
11(<,;,\<:ltCa lH lf>l ll :r.'il )l );l,:.:t:n ..
fcminin:ls ~IICrrci(:ls.
76 ENERGIA
Energia e cont inuidade
Um" forcgrufiu extrem amente rara de 1935
(Pig. li) most ra um aluno d'l Ópe ra de Pe -
J,.
quim apre nd endo a dominar o uso de Ts'ni
di'ao e e m ad qu irir Kuug-]» com auxílio do
se u mestre . TI' 'aidi/ao são calçados especiais
q ue dc forrn. un os pés de rul mane ira que
-\
todo o peso do corpo é suste ntado pelos
ded os. Esses calçados eram usados trudicio-
nalmente pelas mu lhere s, cujos pés eram
diminu ídos por bundagcns apertadas usadas
desde o nascimento, e foram depo is adapta -
dos para os pés normais dos atores l rill , qu e
desempenham papéis femininos.
Em sua autob iografia, Mci Lanfang (11)94-
\9(1), q ue foi se m d úvida o maior ator da
Ópe ra de Pequ im, famoso tanto na China
quanto no Ociden te, descreve 'I maneira
como de treinou e adquir iu KlllIg:fll duran te
sua ap rend izagem .
' [-U certo s movimento s básicos para a
categ oria Iflll'CHillgfi la mulher respc ici-
ve l], papel que deve ser pruticudo dur ante
um longo pe ríodo de tempo ames de po-
de r atin gir a precisão do alto dos Is'fli
di 'no, E les incluem o camin har, abrir e
fechar uma porta, os movimentos tia mão,
o indic urcom os dedos, o halunçur us ma n-
,
gas, o tocar o cabe lo nas t êmporas, o tirar .ir
um sapa to, o lcvuntar uma mão e invoca r o
céu, o fazer oscilar o braço para lamentar
algo, o cuminhurao redor do palco e dcsfu-
Iccer l1l\Jna cadeira.
Lemb ro-me de usar um banco alto
para exerc itar-me quando era bem jovem ,
um tijolo e ra colocado no banco c sub iu-
tio-o com os ts'a ] d / tio nos pés procu ruvu
pe rmaneeer sobre o tijolo du rante o tem -
po que um bastão de incenso leva para
queimar. A primeira vez, quando come-
cei, us pern as trem iam, foi uma tortura .
Não pude ficard e pé por mais do q ue um
minuto untes de se tornar insup ortáve l e
ter de pula r. 11,1 as, ap ós algum tempo , mi- 5. (J 111/" ,/111', csculrnra nIIl1CC;1 (l\lll 'iCII N: lt:Íollal de I\ nrrnpolo;.:i:l. Cidade do 1\ léxico), Apesar du imobilidade da pose .
nhas costas e pernas desen volve ram os a li g ll nl [em uparenrcm cntc 111 11:1 rcn s.ill c n rtl~a da c pOSS lli uma furçn qu e snlt u ti.. ped ra. 0 11, COll1O disse O cruvio 1\lz.

m úscul os ap ropriados c gratlua lmenre cscrl ror tuc xicann COll(clllponinco: "A ilHohilid:ldc é .. i1hm~'o ele dnis umuu res" .

ap rendi a ficar e m pé solidamente sob re o


tijolo. No inverno pratiquei lut'l e cami-
nhei sob re o ge lo com os ts'ai dti'ao. A
princípio escorregava facilmente, mus. umu
vez acostumado ,I caminhar sobre o ge lo,
foi men os cansativo assumir os mesmos
movimentos no pulco se m os Is'(/i d/i 'no.
Q ualqu er coisa q ue faça , você utruvcssuni
um est ágio di fícil para alcançar outro mais
Eícil; para e ncontrar a doçura vale o amar-
go incôm odo .
Costu mava te r bolhas nos meus pés
q uando p raticavu ccra ts'a} ,-hi'tlO e sentia
muit a dor. Pensava que meu mestre não
deveria ter obrigado um garorocom pouco
mais de dez anos a passar por tais expe-
riê ncias sev e ras, e sen tia-me urnurgunulo
com isso. Mus hoje, com meus sesse nta
'\IlOS,consi go fazer as posições [ " I mu lhe r
gue rre ira e m óperas como T/lr Dm IIÁ'I!11
Bmnt» {li /il/dtl bêbtlr/fl / r. 'lHr f110111/Mi11
-.-
.. ....
...
I

FOI 11'1!.(S f Aj iJl1a!r:t.or/o m Ol/lfll/Hoj, se i que


. ...... - .,:
posso fazê- lo somente porque meu mcs -
trc foi seve ro comigo durante meu treina - : ~~..'
mento b ásico". -~--
(~lci Lan t'\Ilg, tll/lobiogm.fio.l
...
(). ESl:1l1a d:. ÓpCr.1 de Pequim (t CJZS): rruiua ndo CIlIH n Is'fI; rôi'no, os sap ams pam dc fimu ar 0'\ pés em p:lpéis:
I
li.:lll ini llfls. () mc.'Hrc-;":lIi:l :Ij lltl:, 11 alu uu: fi h:I'.,;[iio que Cl mes tre s q~lt r;l sob seu br:lf; o f:lht por si JlH':SllIU.
ENEl\.G It\ 77

Kosh i,Ki-hni, bayu


"No Japão, ainda qu e cada uma das difc-
rentes tradições teatrais (N ô, Kyogen,
Kabuki) tcnhu sua própria terminologia
particular, há uma simples palavra que
todas elas usam para definir a IJresença do
·1 ator: KOJhi.
Em japonês, Kosk} se refere a Uma
p'lrte muito específicado corpo: o quadril.
Quando cuminh.unos nor malmente , o
quadril segue o movimen to das pernas.
Mas, se desejamos reduzir o movimento
do quadril, isto é, criar um eixo fixo no
corpo. ternos de dobrarosjoelhos e mover
o no nco como um só bloco (Figs, 7-H).
Bloqucundo o quadril e evitando que
e le siga os movimen tos das pernas, dois
diferentes níveis de tensão são criados no
corpo: na parte inferior (as pernas q ue
de vem mover-se) c na parte superior (o
tronco e a coluna verte bral, que está com-
prometida forç ando para baixo sobre o
q uadril).
7-:-\. Karsu ku i\1.11111a , d;ln ~";lrin;( de de unda r ' I.'i~ lh, 111) teat ro c.;1:í'i"iiCII j :lll( IIIl:S, C
1\11Y(I,llcIlU lIl Srf:lnl!() :1 maneira [í ll jl.":.l
O arranjo desses dois níveis de te nsão
Vultcrru, 19:-{ 1). As manei ras de .lôC KII(:Jr US' br:'l \=us muua I'c l.o;;i~àu li x:l, de
11 11111;1 posit;.";,I O de c ncfKi:1 nn tl.:l11pn (I S'I'A de oposta dentro do corpo pede um equilí-
dobrur us pe rnas C de Ilcsliz~lr lI.';;lIldo {) /tfhi. :.IS Ill CiOl.'i hr.tnl'õl 'i hirllrc:ttl:I'i, sâo muito maio;; \'io,;Í\'cis ."C i I1\ quim ono. brio peculiar, envolvend o a cabeça e os
músculos do pescoço, tronco, bacia c per-
nas. O tônus muscular total do ator é alte-
rado. Ele usa muito mais en ergia e precisa
realizar um esforço maior do que quando
caminha de acordo com sua t écnica coti-
diana."
(E ugcnio Barba, AJJlropologin Teatral: Primei-
rn Itijló!r..re.)

No teatro Nô, em particular, encontra-


mos um termo mais '1111 pio pura a energia do
ator: Ki -hni que significa" o acordo profundo
(hfli) do espírito (Ki, no sentido de pilei/ma e
spiritns, respiração) com o corpo." Ki-Ittli é
equ ivalen te ao termopml/tI do sânscrito, sig-
nificando pllellllltl e spirilllS, e é usado pelos
utorcs tanto na Índia quanto em Buli.
Em Buli, há três palavras usadas para de-
finir a presença do ator: Cltil'nrlÍ (CestnKnm),
tnl-sll c bnpl. Chil'nní é a força que o ator
adquirc com treinamcnr o regular e rigoroso.
Tnksn, por outro lado, é uma es pécie de ins-
piraçãodivina indepen dente, qu e toma pos-
se do ator c não está sob se u controle. Um
ator pode dizer "houve ou não Tnlsu , hoje",
mas a presença ou a ausência de Chil'nrn
depende inteiramente dele.
BnJ'lI, "vento" e "respiração" (spirillls), é,
entretanto, o termo .ge ralme nte usado para
descrever a presença do uror: a frase pellglu,-
'I
tln bn.l'l/ se refere distribuição correra de sua
energia. Como o Ki -Imi japonês, o termo bu-
linês bn.l'lIé uma descrição literal do crescer e
decrescer de uma força que levanta o corpo
inteiro, e cuja complementação gera vida.
iR ENEI{GIA
10-11. I':m wdo homem hã uma mulher e em wda ;;
mulher Id Ulll homem. I';"c lu jsrr-comum - ou .
I
verdade univcrsa l
cunscic nte
11 ~ (J auxi lia {)ator a se rornur
c-.

da nat ure za dupla c atilad'l da c n <:r,~ i a


individual, ti existê ncia tI:1 c ncrgiu do (/// ill/fl c
nnimu« Scri:l UI1l erro [dar de cncrgi« masculina
ou feminina ou de cq ui puni-la com energia nuinms
c nuim», rcspcc rivu rncnrc. Seria igwllmcnrç um
I I
.
I
eHII pensar que um ;I( Of é .~lliadlJ sumcnt c por urna i
dessas c IH;r1!:i:ls: uru bus cstãu se mpre prese ntes, c
um ator experie nte sab e cruuo equ ilibrar ' cu uso,
acentuando uma ou outra de \' CZ C 111 quando.
() uso dessa ultcrnânciu do fluxo de cnc r~ i a ~
muito claro quando se pensa em utnres universal-
I
-;
I11 CIHe conhecidos como Churlie Chapliu ( I ~~ lJ ­
1977), visto aqui e m Om ôm i\I'lIIIIX, ou Anna ~ rag-
nani(190g-ln:l), vista aqui num" cena de Luchi-
nn Viscnnti, em lieffixÚII/(f (llJS Il. 1\ qualidade: da
c;ncr.~i tl de Chnplin é suave, tip icamen te mnnta ,
mas n i l1 .~ll ôl1 sonharia dizer que ele é feminino.
Uma ;miz como '\1111;, h'bgnani mostra prcünm i -
1l.1IHCIlH;IlCC lima (llIal idndc de: cncrgiu(/IIilllllJ m; I,S,
da mcsm.. form'l, Il ill ~ lll: m ah;~aria que d a émas-
culina.

A ultc rânciu e ntre ene rgi a (lIIiIIlIlS e anima ~


clurumcnte discernívei e m atores c dançarinos
indianos, bulincscs o u japoneses, particular-
mente qua ndo es tão contando ou dançand o
histórias que e nvolv em mu itas personagens:
cssu alternânc ia é per ceptível, de mane ira se-
mclhanrc, nos atores ocide ntais, dançarinos e
mímico5que tamb é m passururn por um tre ina-
mcnw:que não faz di feren ciação entre os se-
xos. A habilidade puru modelur a compl cmcn - I
turidude de s ua e nergi a perm itiu ;1 muitos .1[0 -
res fascinar e surpreend e r por conuudize r o
coruporta mc nt o soc ial es te reotipado homcu»
I
mulher. No cinema, por exempl o, pode-se con-
sidcrur some nte o asp ecto (llIilll ll J de arrizcs
I
i
como Greta Garbo, Kutherine Hcpburn e Bct-
te Duvis, ou as emanações anium de atores
i
I

como Murlc n Brando. [am es Dcun, Mont go-


mcry Clift ou Robc rt de N iro.

í
I

1
I
I
I ENERG IA 79
Aniruu s-An ima

J "Vc nília e Sul.leiaera mdua s deusas nuuu-


nas: uma cru a de usa das ondas q ue chc -
I gum üs praias, a ou tra cru a dCUS'l das ondas
q ue re tornam ao mar. Por qu e du as de u-

I sas, se a água quc vem para a praia e a água


que se move novamente para o mar é a
mesma água? A substância e a força po-
dem seras mesmas, mas a direção c qua -
lidude da energia são diferentes, opostas,
A mesm a variação da energia da on da, a
mesma dança das duas deusas, pode ser

i
descoberta no subsrraro pré-expressivo
dos 'atores', na mistura dos perfis de s ua
energia de marge m dup la, a vigorosa e ner-
gia 1I1/;IIII/S e a suave energi a 111/ ;11111.
Antes de ser considerada uma e nt ida-
de purame nte espiritual, untes de se tor-
nar platôn ica c cat ólica, pensava -se que a
alma era u m vento, um fluxo contínuo
q ue animava o movimento e a vida d os
animais c seres humanos. Em muitas cul-
turas, não some nte na G récia ant iga, o
corpo era e é com parado 'I um ins t rumcn -
to de percussão : s ua alma é a batida, a
vib ração, o ritmo .
Est e vcnro-c-vibrução e ritmo- pode
mudar de aspecto por meio de uma mut a-
ção sut il de sua ten são iutcmu. Boccaccio,
comcntundo so bre Dante e rccupit ulundo
o comportumcuto de uma cultura milc-
nur, disse que quando o 11/';11/(/, o vento
vivo c ínti mo, é atraído e dcscju nlgo,
torn a-se 1I1/;/IIIIJ(emlatimll l/;lIIl1ssig nifiea
ar, respiração).
Energia suave, nl/;'IIII, C energia v i.~o­
rosa, I/II ;III II J , são termos que nada te lll
que ver com a d istinção en tre mascul ino e
fem inino, nem com arqué tipos e proje -
ções jun guianus, Eles descrevem um a po-
laridad e mu ito perce ptível, uma q uulidu-
de comp lemen tar de e nergia difíci l de
definir com palavras c, portanto, freq ücn-
teme nte difíc il de analisar,desenvolver c
transmitir.
Po r meio dc técnicas passadas aos ato-
rcs por trad ição, ou por meio da co nstru -

12·13. Em ciruu, em lluli :1 <.: nc r~ ii1 é dc fiuidu com ()


rcnun /1/1.1'" [vcnro), noJ;,pãn n rcnno é Ki·ltni (cspíriru.
rcspir:I<;;,io), cru :In rropu lu~i;l rcarr-J l lfnim/lI (em latim,
'Ir, rcspir:.u; ãu) é 1I~i.ld(J. l\·las, t1U:1i.s s.in os meio s \'i~C IHC S
ll~~nln." pam e rguer esse ve nto que a nima :IS ;IÇÕCS du
:Imr? Is.'iu[(:111 (I" l: vercom o llnmíniode eerta,"lUlsiçiks
prceisas, h:\SC:tt I:IS nnnru t1 il"crcm.:ia'i:i( Jhem urticulurln
entre tens õe s SU:I\'CSC fortes. uqn i nhser\':í\'cis nu dan-
çarina buliu cs u, Dcsak i\1:fllc Suare i l.aks mi [numa de-
monsrruçilo uo 15' 1'/\ de I lnlscchrn, 191{6). 'I' mbo" :JS
ICmllils de dan cu balin csasãobaseadas c eonsrruíd:ls de
ilC:n.nln com umu série de oposiçex:s ent re lC171,fe J1}f(/JiJ.
E m baixo: 11a11l1111;ln, () rei maCIL"1) nu RIIIJ1IfJfIlJIf. Nas
hisníriasindon ésius 11'1IJ'I/{/g1YIlI/g,"i\O l larunnun édudun
nome Bavllilrmaj<l , Filho do VCIHO. Niin é, de ';Hll,
i1 pCf1;I.~ o ·IiUm tio DCI IS Vento, mil~ rumh ém possni
rrcmc mla n1pidcy. c poderes xupc r-hunumnx. H:1 ué.s

I, clcrncn ros 11:t i1[[C e rcl i~ir.n balincsas Illtcsão cn nsidcr u-


tlflS Iumkuucura lmcnrc incc rlihatlus: !Jn.r'" SIIPI/ fI c ide!'.
:Ir:iu, 11:l1:I \' r:1 c I }CI1 .~amcn[(J. rcspccrivamc ntc. QII: lndn
11111 succn lorc hrâmanc um, elc rem õt U Ii.Il;:io em SIIõI
iI mente. :IS palavrus e m seus hihins c ..,~ :lC;rx::1 em SllôlS'
lll~flS (cf AltirlJ: IIJllt/J'IIJ) , nu lo no mesmo temp o. OS
I1ICS!1lI)S' crê.. cIC ll 1CI1UI ." nuuh é.n c ...t:io JIJfcsc nrc:i uu
dança,onde servem pura Fundir intençõcs, movimc nrox
c hcsrns com u f.tl:!.
RO ENERGIA

14. O uror de Kubuk i, Kan-ichi I hl n: IYl.l~i . nn pupcl de I lI n:1 jm cI11gueixa c co rno 11m
1
série de técnica s n..: li n:u l:ls c e labo rada s pllr:, iruc r prc rur pa l,éis fem ininos, c()nsc~lIimlu
sum urui (veja Fi~. 15. t ido opo sro ). OIl:lnd o teve inicio.nos I11c,ulo'i tlu sécu lo XVI, n nm ~r:lIlllc per fei ção [~() grande qu e IlIC'mHl hoje a fasci nõlliii o exe rcida pelo Kubuk i é.
1\.:1!)Irki em rcpn;scncado un icuucnrc I)l)f urri zcs. I1\;lS a Il:lrrirllo mnm cum t.: 111 q ue S II:IS em ~ra llllc parrc, dev ida ;'IS s uas habi lidades . ,':.;sim õI õ1nriJ.:il c he m c srubclceida
rcp rcxcnruçêcs se runumuu mui ru licc ncinsux. n ~m' cnlll L10 Xoguu, ll O iurcrcxsc da [f.uliC;iifl japones a de p:lpéis íc ntininos scu du rcprcscumdnx por arnrcx nunb érn ripil:õl
1l1nralilhlllc luílllic:I.11fI1illill-:l,'Í c , lcclarful ' 111e [I)(111S ns j):lpé is fClllininct'i deveriam, tlJí de on rms tradiciona is cc:uros ",j;Ítiens. cais cnmo a ÓpCi.l de Peq uim c K,Hh;lk,lIi (vejo'
por d iante , ser. represen t ados xo mc urc por h OIll C I1:i. Esses atures Cr:.11lI chamados FiJ.:. 16. lado 0 lltl:';[u). dcmonxtru como a inrcrprcraçilo ele IIIll pap el de pende. Il:in do
()IJJ"~~f1/lI. COIIIU 11111 rcsllh:llfu d isso, ns IJ1IlI n}!/,'" eram capazes de rlescuvolvcr 11 111;1 se xo tio uror, max s im d:1 maneira como c1e mod el a xun cn cr~iol ,
ENERGIA SI

1':;-16. :\ esque rda. Kan-ichi I bn:1Y:I ,:.:,i a,:.:,or:l n o papel de 11m ...; lllHI I':l i EI Zl...'lldo IU U;! d CJl10n..,; ! r;l ~ãll IlCl lSTA de llul..rc bm ( PJX(»). ;\ direita f) urur K. N . Vijnvakum ur represen tando
11m papel tcruininn no teat ro K:ltb:lkali no IS'J 'A de l lolsrcbro ( I t)S6).

ção de uma personagem. ele s adqu irem A t écnica extracoridiuna do ator-dan- D urante a uprend izugcm a diferen cia-
uma forma cxtrucotidi unu de comporta- çari no. isto é, a presença, deriva de um a ção indi vidu al passa atra v és da negação da
menta. Ele s d ilatam sua presen ça c, con- altera ção do eq uilíbrio e postura básica, do dif eren ciação dos se xos. O campo com-
se q üente ment e, também a pe rce pção do jogo de ten sõe s OpoSt'IS. que diluta a diníi- plern entar se dilata . Isso se vê no Ociden-
es pectador. Ele s seio o corpo-e m-vida na m ica do corpo . O corpo é reconstruído te (na dança moderna e na m ímica), quan-
ficção do teat ro ou dança. Ou aspiram a pura a ficçâo tcutrul. Esta "arte do cor po" do no treinament o - trubulho no nível
isso. Puru es te fim re pe tiram ,15 mesmas - e, port'1I1tO, "corpo não-natural" - não pré-expressivo - não se leva em conta o
ações muita s veze s, treinaram rigorosa- é nem mach o ne m fêmea. No nível pré - qu e é masculino ou o que é femini no, e no
ment e. Pura esse fim usa m processos me n- exp ressivo. o sexo é de me nor im port ân- Or iente, qu ando o ator ass ume tant o o
tais. 's e' m.igicos. s ub textos pe ssoais, ]'M" cia. A en e rgia típica do macho c a en ergi;) papel masculino quanto o femi nino. A
esse fim, irnuginuru que se u co rpo é o rlpica da fêmea não existem. Exist e so - natu reza de marg em dupla da e nergiuaflo-
ce ntro de uma rede de ten sõe s e resistên- me nte uma e ne rgia específica' deste o u ra, então com maior ev idência. O equ ilí-
cias físicas, irreais mas eficaze s. Ele s usam daquel e indi víduo . brio en tre os dois pólos de e ne rgia, 1/1/;1II 11S
uma t écni ca cxtracoti dinnu do corpo e da t\ t.u efu de um 1110 1' e de uma atriz é e 111/;11111, é 'prese rvado.
me nte. descobriras pro pen sões individuaisda pró- Neste contexto, os bulineses falam de
N o nível visíve l parece q ue eles estão pria en ergia c proteger suus pot en cialida- um cont ínuo en tre laçame nto de J/lflfl ;S e
cx pressundou si mesmos, trubalbnndo com de s. sua indiv id ualidade . J·(1'II5. Os indianos fulum de /IIS.1'1I e !ll1Inll'
se u corpo C sua voz. N " rea lidade, e les É upurcntc mcntc um ponto de partid a VII. Esses termos não se referem a mulh e-
es t:io trabalhando sob re ,t1go invisível, a inofe nsivo apre ndera atuar de aco rdo com res e homen s ou ,I qu,di da des masculinas
e ne rgia, uma da s d uas pe rspectivas distin tas, as ou femininas. m,IS à suav idad e e ao vigor
O conceito de energi a (f.llr.,.gr:ill = força. q uais se relaci onam eom 'I dife ren ça en tre eomo asp ec tos da en e rgia. O deu s guerrei-
efic ácia. de III -':"·goll, em trabalh o) é um sexos. T em, entre tanto, uma cons cq üên- ro Rama, por ex em pio. é freq üentemen te
conceito óbvio e dif ícil. Podem os associá- ciu: a introdução, sem jus tificativa, de rc- representado de manciru "suave" : /IISJ'II.
lo ao ímpe to externo. ;10 grito. ,10 exce sso grus c luibiros da realidade coridiunu no .4. /Ii'ffll e am mns ind icam 'IS d U'IS parte s
de atividade mu scula r e ne rvosa. Mus ele território extracotidiuno do tentro. de uma balança, um cOll confia discors, um a
tam bém se refere u ;)Igo ínt imo, algo que N o final, no espet áculo, o nível dos interação entre op osto s, qu e traz ir mente
pulsa na imobilidade c no silêncio, uma resultados, ,I presença do ,1[0 1' ou .u riz os p610s de um campo magnético ou ,I
força retida que flu i no temp o sem se toma form a numa figura cêni ca, uma per- ten são entre corpo e som b ru. Seriu nrbitni-
disper sar no esp aço. sonagem, na qual ,I cuructcrizuçâo masc u- rio cononi-los sexu almente ."
A energia é gera lme nte reduz ida a mo- lina ou fe minina é inevit ável e necess úriu. (E uge nio Barba, AllilllJ/s-ll llifllll.)
de los de co mportame nto imp erioso c vio- Entretanto, é de snecess ário e prejudicial
lent o. Mas é, verdadc irumcnre, lima tem- quando esta caracterização mascul ina ou
pcrururu de intensidade pessoal q uc o ator fcminina é também dominante num nível
pode determinar, animar. moldar c q ue , '10 qu al ela não pertence: o pré-exp res-
acima de tud o, nec essita se r exp lorada. sivo.
~2 ENERGIA

,I'
!

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l i -l O. J\ ; ((rI], I' C I Y"ll I ~ 1Il~, tI ;1 Upcr.1 de l'cqubu, corno d a IlH.;S I1I;I (em baixo, à tlircitil) c cru u~ s papéis: n Rei ~l ilc;ltf) (em ci ma, ;1esquerda), 11m espírito ce lestial (em cima , ;1
dire ita), IIIll j!;lIcrn.;iro {em Imixo, ;1 C-'iqllc rthl). Três difere ntes, mas claros exempl os de cnc r~i;l tlJliJll If .l', três pcrs() na~cns masculinos tornad os cx rrnonlinur innrc urc vivos por Pci
Yau Li n.~. ;1 ma is fMnosil ,Itriz do p:lJ)a S masculinn s da Ch in:l cun rcmporâ nca (dcm nnstr.rçâo no IST i\ til:' I lnl.s rc bro. IlJ86).
ENERGIA 83
Keras e Manis
"Em Bali, energi a é definida pelo termo
bay" (vento), no Japão, i:i-hai (esp írito,
respi ração), em antropologia teatral usam-
se os termos anlmus e li/lima. (do latim,
significando ar, respiração). E um vento
. que anima as ações do 'HOr. Mas como se
fuzsoprar cstc vento? Pelo domínio preci-
so das posições do corpo, qu e são buseu-
das numa bem articulad a distinção entre
tensões suaves e fortes. Podemos obser-
var eSS'lS posições nu dança bulinesa: ro-
das as formas de dança bulinesu são, de
fato, construídas sobre uma sé rie de opo-
sições entre "eras e mnnis.
Keras significa forte, duro, vigoroso.
Jljflllis significa de licado, suave, terno.
Keras e mams podem ser aplicados a vários
movimentos, .'1 posições de .diferenres
partes do corpo numa dança, a sucessivos
movimentos na mesma representação.
Essa relaçãoé cl urumenre visível na posi-
ção básica da dança bulinesu, que do pon-
to de vista ocidental, pode parecer bizarra
e extremamente estilizada. De qualquer
ll-22. Krms c manls (rum: c ~ 1I;l \,C ). princípio... de posilfi>l:s de dill1r.1 balincsu. illl sfi .Hln.. por jux. jurem Iilha do
~ b l1ç.l fin u lo; me ...trc I Maclc Pasck Tempu.
modo ela é o resultado de um conseqüen -
te alternar-se de partes do corpo na posi-
ção l-eras com partes do corpo na posição
nmuis."
(Eugenio Burbu, .tl lltrop% gia Imlm/)

Se examinarmos a posição típica de passo

_:\~ À' ~
-,
tomada por [us, a filha mais jovem do mestre
de dança bulinesu, I Mude Pusek T empo,
podemos ver ulternâncin de leras e mnsis. O
<,
" ~ . diafragma tenso é também uma posição i'e-
ras e é e ncontrada tipicamente atrav és da
f Ásia, freqüentemente en fatizada pelo figu-
),
rino. Tanto na Chica quanto na Índia, faixas .

~;.".,~:
de pano ou cintos apertado s são usados sob o
vestuário para manter comprimido o di'lfmg-
ma. No [apão, o tradicional obi, que envolve
o quimono entr e o peito e o quadril, é amar-

.". ~> ..
;l · ';'; c~\::~,. . •. '' :
rudo com mais firmeza enquanto traje teatral
do que quando é usado na vida cotidiana.
.~: .
c, v;:
Y: ~ .

.'4 ...: ~.:..


.';..-."-

2.t () ..tnr SardOllfl cnxinumln ux pClsic;i"lC x Iems c JJJ~lIIir durante lI11\a tkI1l0n~Hr :l(;rlO no Scmin:írio Ib lillês nu Ollin
TC""CI{l lolsrcb ro, 1974).

l
~

24.25. lIm dos primeiro." arleq uin s da COInmclli:1


dcll'Anc, o umr italiano "l'ristann Martinclli, c ,I pcrso-
na~cm Scnrumonch c, rcprcscnnnla pelo fClOJ(ISO utor

I italian o Tihcri« Finrilli. mestre de Moli êrc, re ve la uma


an :t10 h i ;1 surpreen de nte co m .1 posi~.io bdsicn hillin c s:l
(n~1 1111;11 n pescoço fica a flln..i.nJo en tr e os ombros. cf .
illlstr~l(;(.cs prcccndcnrcs]. A"s1ml iml(} c~":' posi.,.~:in <:ri:l.

r se 11111i1 ...éri ll de rCJ1 sõcs não :Ipcl1:1S nos ombros , I11i1S em


rodo o corpo do ator.

I
ENERGIA

J.

2().() .?,/ lru Kclncbwrau f..·l;lh;'I't.lcra. ;Icur. ,bn ç;,rinn c CO!I.·f);..:r.;lfn. 1·l)n~ilkr;lIl n li muix
impur tautc d'l d :l lh..i l () tli.,".~ i C(UlH ,;'I1I IH Jrâ lll: ;J. Ek Cnm..::ç OI I .\ 11;1 .lprcll\liz;lhL"1ll
'11( l l l i f -..: t l )
( Ill amll ) c.; 1~1 muiro jovem , ôlprc m k ll d o p'l l l éi .. feminino na (fa d i ç~o g(JliIJf((1 lcf. i l ll xrra-
çiks -'C.:glI;nrcs). llojc de é cnnhe.."l.:idn niio some nte co mo 11m ~r:llh k atur de pap~ i~
fcm inino."11:1 rlunca Ollk si, nus cu u bé m comuo me s tre q ue , co ru ;1 suu ;lh ll U S;lnjllkr;,
Píllli,:.:r:lhi , restaurou o estiloOdissi. sc n dll :t~ora rccouhccnla como 1l111;alêlrl1\;1 de; d:lll';-"'l
irulinnu e,; híssif.:a cstimudu 110 1111111,ln intcir».

Lasya e Tnnda vn
També m nu tradição indiana trabalha-se a enc rgi« dentro doi poluri-
dad c de e ncrgi . e não em relação à correspond ência entre a persona-
gem c o sexo do ator-bailarino. Os estilos de dan ça indi.m« são
dividid os e m duns categorias principais, III.\)'tI (suave) c raudaoa
(vigorosa), Divisão esta buscada nas maneiras como esses movimcn -
ros são execu tad os e não no sexo do exec utor. A disti nção entre esses
dois aspecto s l tl dança é amiga c de riva de um miro associado ao
deus Shivu, Se nhor da Dança, quan do munifcst.ulo como Ardhnna-
. rishvaru, Iireralm entc, o "Se nhor qu e é me tade mulher " , A imagem
de An lhunurisbvaru é tipicament e um" figura qu e é mcr.ule homem ,
o próprio Shivu. e metade mulher , a cspos. de Shiva, r 'lrl"lIi (F ig. 35,
p. 22). Essa image m é considerudu uma ex press ão d" ação rccíproc.
dos ele men tos masculino c fc minino no ciclo cósmico. A primeira
dança criada por Shivu Ardhanarishvur. c ru rude c selvagem (ltl lltltI -
i'JI7). ;10 passo quc n dunça criudu pela sua metad e Purvari era delicada
e gcn til (lI7.IJI7).
A danço indi ana tomou essa duas vert ente s da unidade de Shivu:
não some nte o estilo mas ramb érn cada ele men to dele (movimento ,
ritmo, traje, música) é definido como ItI /fdl7vl7 sc ele é forte , vigoroso.
tu multuoso, 0 11 como Im.VtI se ele é leve , del icado c gent il, Por essa
razão a representução da personagem nâo é buscada na identidade
sex ual do ator, mas no modelamento da en e rgia se gundo uma dire-
ção: fortc ou de licada. Por exempl o, há um a tradição que sobreviveu
at é m uito rece n temente nos tem plos de vilas na província de Orissi.
Meninos pr é-adolesce nt es, vestidos c muquiu dos como mulheres,
foram trei nados para interpretar urna d'lIlça totalmcnrc feminina. Os
go/ip lltlS eram profissionais e exibiam-se não ape nas no templo, mas
tamb ém para um público mais amplo: durante festivais religiosos,
senhores locais chamavam-nos p"ra aprcse utur fora dos templos. 27-,;2 . G ;111 r;1I\1. 1I1ll ;l ll1l1ngo lli JlIII d e o n ze , 11l0S de itl.u.lc. m;rqll;:ulr,.: \·c.,.;:( jtlo co rno mtm
Nessas ocasiões eles apresentavam e pisódios d,] h isllll tl -lill7 ou outras m ulher. sendo rnlllhli'.idll cru \"iÍrio~ cxc n.:Ít:ios de rreim mc nto pelo gllrll Kcl ucha ran
histórias mirol ógicas, como parte das cele brações religiosas, ~ bh ;lp.l{r., {dc nmn s(r.I~-ãn nu IST !\ de I JoJ·m::hw. ]I.JR6).
ENERGIA RS

"
ENERGIA
Santai, os três COI' PO S do utor Sltil'fllJo.,J,o (A trudiçâo secreta do Nó - o maneiras distint as de usur o nUJ 1IlO corpo,
O Nó tem sido representado exclusivamen- ve rdad eiro camin ho pura flor): "um ator q ue dando- lhe vidas dife rentes por meio de d i-
te por home ns. q ue tamb ém re presentam está iniciand o se u rreinume nto nâo deve ne - versos tipos de ene rgia. Um dos outros signi-
mulh eres. Às vezes , a mulh e r pode ser jo- gligenc iar as Dua s Artes ( 1Iil~l'ol"/l ) e os Três ficados du expressão tfl i é "apar ência ".
vem e se aprese nta com graça e doçura; ou· Ti pos (sfll/tfli, literalmente.Três Corpos) . Por Para entende r como isso é possíve l não se
tias vezes e la é velha e, e mbora SU<lS :IÇÕCS Duas Artes quero dizer dança e C<In to. Os deve olhar paf:l corpos "ex tremos" - a mu-
sejam mais contidas , são, contu do. fluidas e Três Tipos se refe rem :IS formas humanas Iher e O gue rreiro - , mas no corpo do velho,
suaves. E ~ outras o~;lsiões a mulhe r deixa o qu e constituem <I base d<l personificação: uma ul como ele é descri to no rrutado Nil'yokll
palco e, então. retom a como um [autasmu c ve lha pes soa (rolfll) , uma mulhe r (I/yotfli ), Sfllllai E ZII (D U:IS Artes e T rês T ipos com
comporta-se como se fosse possuída, como um gue rrei ro (g/lllt fl i)" . ilustruçôes). Aqui Ze urn i dá instruç ões con-
uma fúriaou um de môn io. usan do urn a e ncr- Os trê s tipos b.isicos dos quais f<l1:l Zeumi cretas de como personificar os três /IIi, ilus-
gi<l que parece mais adequada a um guerre i- não são. entretanto, l ip oJ de pflp éiJ - como trando-as com de se nho s:
ro. Como o mesmo ator pode d.rr vid« :1 tais e les são geralmente traduzidos - mas tn ], " I. Tip o do Vel ho: se renidade de espíri-
mud an ças prodigiosas? isto é, l'OI'jJO,f q ue são guiados por uma qua li- to , olhar dis tan te .
A resposta é dada por Zcumi (1363- 1444), dadc partic ular de ene rgia que não tem nada 2. T ipo da mu lher: sua substância é o
o fundador do Nó, em se u trutndo intitulado qu e ve r com sexo. Os três tipos são, de fato, espírit o, :1 força é excl uída.

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[umlador ,k: ."SC l C:U fO. Os t1c s Cll h o.'Ô. de ;Icou lo ":OJ11l:CJln... c:HlltlillSII ... n:in fonun rciws mais COIllP!..;I:1 Ilu"livro m;,i.. conhec ido de J".c;IIUi. li 1i111/irrlfJ serraa do Nli - ()
por ZC:Il11 i, nurx vim pelo "'CII nlnh:ltlll ~ ll1t l p :l nl Zc nchiku. C S~ I) cx traldn.. dl.:.I J (h lllJ i:rrr!",láJ7J rmflill/m parn 11 FItJr. Ih fi ~lIr;l " Iln Velho. lhl Mulhe r c do Gue rreiro.
.lt1 r.\ HtÍ_,irm c (A 'I i l~ 1'/1rl.\"til' I'I/Iu:;.\", 11111 hrcvc rt.u:ltln ..ob re :1 ~Hl C de rc p rc- cu rar. de..cnll:tltn", sCl1l lí~l ; r ill ll ( Fi~~ . .U , ,;·1 e .i5) p:lr;11l1dhor m ost ra r :I ~ pnsic;ri cS" tio c.:orpo.

- .. -
re prese ntam os rrêx tipos b ásicox de p;jp é is tio teatro Nêl. Ob serve qu e, no desenho do Ourrn s dese nhos ilc l.c:llni most rum os outros tipos de p;lpéis do rca rro NÓ::I t1anç:1 de
Vclh» (F i;..:. 3.1). a linha de:o>enh:llb pnr C;Ill: t do ulho-, cri.r uma upu:\içãn ;, tt.:l1ll~ r~t.:i;, do nrn ser c.:c lcsti ;l( (li;;. .)6): UIH:I Cri:lnça (em dnm .~' CStIIlCrdil): 11111 Gue rreiro {cru l ima,
t.:llrpCJ de um hUIIH:m ",,:lho;1 se curvar C umlar rc l.rx.ulo . ;1dirL"lu ): IIm :1!\ lll llll':f (:IIr.lixo . ;1 c.;qllcr d:l): 1,.' 11m Dcmfmi" (:llu i xo. ~ direita).
ENERGIA 87
3. T ipo do guerrei ro: sua s ubst ância é a Este desen ho revela o segredo dos !ri's corpos, perd em sua Flor c fazem uma rc-
força, o es pírito é en contrado e m de - COIP OS: por me io do corpo de um velho, o ala r prc sc nta ção árida e sem interesse. Assim,
lal hes - 'de licadeza den tro da força'." m anipu la co nsci e n te m e n te 'IS duas faces da pouc o há de atrativo no que ruis alare s f'l-
E n tão Ze arni desenha os três ta i, se m ene rgia - fl1IiIl/lISlflllilllfl - q ue estão vivas ze m. É particularment e im portante que o
figurino, e isso nos torna possível desco brir a ne le, Assim, o ala r faz floresce r o aut ênt ico ato rev ite represe ntarde u ma maneira fl.ici-
substância, isto é. a posição da colu na verte- hflllfl, a Flor qu e, de acordo com Zeumi, C'I - da e fraca, mas conduza a si mesmo com
brul. É int eressant e notar qlle no desen ho do ructerizu o gmnde alar: glilça e dignidade . IvJais cruc ial do qlle tu-
velho . que se apóia inclina do sobre 11 m bus- ..Repre sentar o pape'! de um vel ho ho- d o é a postur a de d '111 çuescolhid a pura o pa-
tão. Ze umi tom a o cuidado de indicar o olh ar mem sign ifica o allge de nossa arte, Esses pei de urn velho. Dev e-se est udar aten ta-
da personagem que vai. em direção ;10 alto, papéis SOl O cruc iais, pois os espectadores men te o preceito: retrate um ve lho en(luan-
ISlO est á em con traste com ;1 postura curvada que obser vam podem med ir imcd ia- - la possui ,I Flor. Os resultados devem
de um ind ivíd uo quc e st á tão fraco q ue se t.uncnt e as hubilidu dcs reais do ator. C..) asscm clhur-se ,lOS de urna vel ha árvore
apói a sob re um bastão. Assim. lima tensão é Em lermos de cond uta no palco. muitos que produ z flores".
criada no pescoço e na partc su perior da co- ala res, pens ando em parecer velhos, cur- ( Zeumi, F IIS!Jil-ndtll)
lun a verte bral. vum suas costas e quadril, encolhem seus

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rcprcscneun os três tipos lxixicnx de 1'~;Irré is do rcarro Nêl. Observe IIIIC. nudesenho do O utros dese nhos de í".cami mostram os outr os tipos de 1 );Ip~is do rcnt rn Nf'::1 d~l nç;( de
Velho (F i;.!;. 33). ;'1 linh:, dC:'icnh;l,1;1 }ll)r cim;\ do olho.' cria uma upo:,> içiio;1 rClltll:fll.:i:1do 11m ser celestial (liMO.Iú}; lima Cri •.IIlça (em cimu. li C~'IIIt.: rdil): 11m G uerreiro (em cima,
c or po de 11m homem ve lho a se (1I(\,;H C andar relaxado. :1 dirciu ): 11111:1 !'. llllhc.:J" bh;,ixo . :1 csqllcrda): c UIH lIctuônio (;lh;lixn . ~ di rei ta),
1\1\ ENERGIA
Tame
"Além 00 conce ito de Kosh i, tanto o Nó
quanto o Kabuki têm outro conceito quc
define, de modo complementar", criação
de uma nova qualidad e de energi a. Na
física. a ene rgia não pod e se r degratbd a
nem perdida; o mesmo oco rre no teatro e
na dança. Os atores dev em rete r a energi«
que continuame nte produzemc renovam.
Eles fuzern isso construindo um obstácu-
lo, ' um a repre sa' . Jsro é II/I/J" .
T an to o Nô quanto o K'lbuki usum "
ex pressão II1IJW11, qu e pod e ser represen-
tada por um ideograma chinês llue signifi-
ca 'acumular' ou por um ideograma japo-
nês que significa 'curvar', algo que é flexí-
vel e resistente como u,ma varu de bambu .
Tameru define ,I ação de recuar, de reter.
De tamrru vem tam t , a hubilidude de con-
servur e nergia, de absorver numa ação
limitada no cspuço a e nergia necessária
para conduzir uma ação muito maior. Essa
habilidade torna-se 11m modo de descre-
ver o talento do uror em geral. A fim de
dizer se um ator 't e m ou não presenç,'
cênica suficiente, a força nece ss ária, o
mestre diz que ele tem ou não ranu:"
(Eu gen io Barba, A II/r op % gia /M Jm!)

Kutsuko Azum« (F igA 1) dei xa transparecer


,I oposição que se cria entre a força que a
emp urra para a frente e a força que a retém.
Essa oposição é visível no pe scoço e nas mãos,
mas a estrutu ra oculta da e ne rgia está situada
na curvatura da coluna vertebral, nos braços
c nas pernas, que são contraídos como uma
mola ape rtada. Na posição de uma qued a
para a frente, que "nunca ocorre", a atriz
suspen de a ação visível, mas continua a mos-
trar a energ ia que est á passando através dela.
Kosk) C tnut« são, dc fato, essa hubilidmlc do
ator e m transformar imobilidade em ação e
chegar ,I um corpo di latad o (cf. PJi-exprrsJivi-
r/flr/e), não por meio da amplific ação dos mo-
vimento s no cspaço, mus de tensões dentro
do corpo.

E n e r~ i a no espaço e energia no tempo


"T odo o meu eorpo es tá em atividade ,
preparado P'IIa atuar de maneir a muito
precisa: pegar a garrafa na mesa :1 minha
frente . Os músculo s po sturu is são ativudos
c há um ligeiro deslocamento do corpo
que, apesar de quase irnpcrcept lvel, mo-
biliza a mesma energia quc seria necessá- 41. K~\[~ll ko (\:,,11111;1 . dnn çurinu de BlIyn. mosrm 11 m /fIJllt' (pfl:"ii\'ãn de c n cr~i a retido') durant e 1I11U dc mnll ,'irrtl\-'<io no
ISTA de 1\"'111 (I 9S11).
ria par" urna ação rcul. Estou executando
uma ação, n,1O no espaç o mas no tempo- projeta urna quantidade de cnc rgi« no um milhão de vezes me lhor do que meditar
isto é, estou ativando os mú sculos POStu- espaço; de OU trO, ele retém mais qu e o em repouso" . E uindu cxtruímos inspiração
ruis, m'IS não os músculos de deslocurnen- dobro dentro dele, criando uma resistên - da sente nça tanístu qu e diz: " :I se renidade
to que moveriam os braços, nem os mús- cia il açâo no es p'IÇO. que tranqüiliza não é <I verdadeira se rcnidu-
culos dc manipulação quc ajudariam os (Eu genio Barba, ,11I/ rop %gifl I M / m/: p rillJri . de, só quando existe ser e nidade em movi-
dedos a peg:lf:l g<lrr<l fa. I'IIlIip ó/m ) mento é que se manifest a o ritmo universal" .
J.J.í urna regra no teatro Nó que dizque No teatro ocidental som e nte gr:mdes arares
três décimos de qualquer ação deve riam A ene rgia no tempo é assim manifestada têm êxito em usar esse tipo de ene rgia.
acontecer 00 espaço c sete décimos no por mei o de uma imobilidade que é utruvcs- Os atore s da Ópera de Pequim purum
tempo, Geralmente, se desejo pegar a sudu c curregudu por um" tensão máxima. É subitamente em certas posições , interrom-
g,lf[.1f:l, ativo somente a energia lJue é um" qualidade especia l de e nergia q ue não é pendo" ação no uuge de tensão e retendo
necess ária para executa r <I ação. Mas no nec essariamente o resultado de um excess o essa tensão numa irnob ilidude que não é es-
N ô ativa-se a en ergia se re ve zes mais. não de vitalid ade ou dcslocurncnro s do corp o. tática nem ine rte, mus din ânica. Como um
para executu r a ação no espaço, mas pHa Nas tradições orien tais o verdadeiro mes tre é ator chinês se expressou em seu inglês b ási-
mant ê-Ia dentro do ator e retê-la (energia o que est á "vivo" nessa imobilidad e. Nus co: "Mooimm: srop, insid« IJO SI Op " . A dança
no tempo) . Para qualquer ação o ator Nó artes marciais em purticulur. ,I imobil idade é d'IS oposições nessas poses chamadas shfllJ'
utiliza mais do que o dobro da energia . o sinal de urnu prontidão " ação. N o r'a! clii /omgou lian -shan (literalm ente "purura ação") I
necessária para l'lzê-h!. De um lado, o ator diz-se (IUe "meditar ativamente é ce m. mil. é danç;ldalJo corpo e não ,:OtJJ o corpo.
ENERGIA fi9

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4~-:.l 5. A t l.1lH;ilrí n ;; (\ ;1(:-'11).;,0 Azum;! rcpr csc ntan dn I IIlI papel 1l1;I~l' lI ljI1l1 ( :, CSl jl 1t:ll b) c 11m P:111cl li.:mininu ( ;'1 dire ita) na d J nç;1 BI IY U_ A c ncr:,:.i:llll) c.:S11iUjU c u cncr;.:iil nu tempo Il~n
de pen d em lh, l";1Il,;~l lri;l s ruawulin.r 011 rClll inin:1.
90 ENERGIA
F re ando a açã o
A dosagem da energi. no tempo e no espaço
pode també m ser aplicada ao õios e '10 ritmo
de todo o espe táculo; Meyerh old definiu essa
operação como "freando os ritmos". "F rean-
do os ritmos" é visto abert amente em dois
dos espe táculos de Meyerh old: BllbllS, opro-
fesso r, em 1925, e O ln sperorgr m l, em 1926.
O espaço cê nico de Bnbns, o pr~rmor, é
um grande palco, no q ual os atores se mo-
vem contra um fund o de música cont ínua
composta de 46 fragmentos de Cliopin e de
Liszt, A mane ira de falar dos atores é basea-
da em combinações de ritmos longos e cur-
tos. Em 1926, no livro OIl/lIbro /lO /m/IV,
Guusne r e Cobrilovirch descrevem assim os
resultados:
"O freamento dos ritmos em Bn õus
torna possíve l de scobrir qu e a combina-
çãode seg me nros de tem po pode adquirir
significado. Assim nos foi oferecido um
novo procedimento teutrul de extrema
importância. (...)
Foi nesta ocasião que se revelou o ator
do teJllpo, Okhlopkov, que é até hoje qua-
'Ih. ( J I1l~1 ("CU;1 lI:1mnm:l;,:,cl11l1c A. F:likn: n,,11IIJ. o /JJ1{nJnr (I lJ2S), de i\lcycrhold.
se (mico nesse gênero. Com se us segmen-
tos longos e curt os, ele repre senta 110/(11I·
po. Desse modo ele construiu o papel do
Gc nerul Berkove tz em BllbllJ, que é com-
pletarnen te fei to dessas altern âncias. Reu -
nidas, elas dão a impres são de sentimen-
tos: ansiedade, alegria, de sespero , lu x ú-
ria. A mímica é acresce ntada somente co-
mo material uuxiliur.
Na cena em q ue o gen eral é chamado
ao telefone por \7'111 Kumpcrd uf, o capita-
lista,os ele me ntos mími cos S'I O: o trabalho
da face c das mãos c a sucessão de es boços
do corpo, que nada exp ressariam se não
fossem sustentad os pelo /(lIIjJO. É o /elllpo
que d'l a esses elem entos de mímica todo
o seu significado,
Assim, o genera l é chamado ao telefo-
ne. Com um movimento brusco ele ergue
suucubeça e olha o se rviçal: oito segundos.
,,.
Sua fuce não tem ex p ressão. A duração da
pausa revela sua ansiedade . Subitamente
ele se levanta tia cndcir. e fica imóvel: dez
segundos. A ten são du ansiedade aume n-
ta: catorze seg undos. Ele cumprimenta 47. Hm csbw;u de I. Slcpj:lI1l1\' do projeto d e l'CIl:1 circular f1at.ll//l bllJ. o pro/rs.Mr. de i\lcycrllClld.
lentam ente:q uinze segundos . Deslizusuu
mão para dentro do se u d ólmun c retira-a
'E9
..,<-r-. ..... R r .li__r " ·u
112•
.

rapidamen te: q uatro seg undos.O contras- ~ . - - , "


te entre o temp o lent o da gmdação prece- ...
~ ~
..
~ ·~ I
'9'
1':l.. _c- ' 'f.-So~ ,..~!:l o. ......li
_.. . . .
dent e e a repe ntina desca rga final (a rc-
moção da mão de dent rodo d ólmunjanun-
~ . : " ~~ 'H!'::: . :,.. _ i.\ .
,: : ~
~~~~-:~;;:::::l::.;:-;··
cia que a chumuda telefônica foi dcsu- _ .--.::.. ...,. -I
.. ..- c!:: :nat~~II;;~ .~ .
grauável. e-,
- -- " ,;.:. ~ -~:! . Q~" • • ro ,u ln_~:.
.•
A mímica do corpo (mui to reduzida) c c :u '; ~~ . ' - lH". :. ~ . !: !~:~
!~ ~~ "
~h,,:"'!;'f:; :··i - : •., ..
os gestos(esboçados) representam somen-
te um papel secundário. Eles são sinais _. \. (:\
"" 'r:'~
t" j6...
~ ~~;~:;~~;;~~1
,..

que sublinham a sucessão dos segmentos


do tempo . (...) Não há d úvid. de que este
gênero de representação - us,mtlo o / , 11/.
f'

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lCü':':I .
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" ~t1'fh"'tr'iL '.d';iuJ~I,"~


po - tem UI11 efeito mais forte do que .1 ~ ti::::::.~l::~:;.:;;.;~i:~
mímica". Temos, então, em J]llbllS a de -
monstração de um novo gêncro de rc-
presentução de um ator que soube pene-
~~~
"" ~i.-
""" -- -~'-
~\ r=r-" . .

trur -se.' .'

Em 1926, qu and o Mcyerh old apresentou 4:-;. 1\ pr ime ira p:í~in;l tl:1 partirum tln diretor puru n "Ú/lJ, o pro/tJSor rcconsrruicln por Tscmcrovi rch 0(26). I\s
sua encenação de O Inspero:[,'1.'1 '(/1, ele cxpli- difer ent e s col umrs u p:mir tt, e squerda de xcrcvc m: () rcmpo em :\ch"ndos pa ru eóld" açã o; o tem po ilc e ll hl ilÇãn; IIIll
esboço do m o vim en to do uror no C SP 'I\ ·CJ, sc;.~l1lc nt:ldo e numerado em diferente s laxcs; o rcxrn do nntor no tI" :11 cx t;í
cou o liSO do fund o musical como uma restri-
insc ridu « dlll":I\":'n das l l;llIS~" c a rap idez dnx falas:;t re lação en tre 1111hil-a c tex to: c. fina lme nte, IIm:'1 indiL"ação CX: I {;l
ção do tempo, A m úsica não somen te rcgu -
d ~1 rn:llll.:ir;. pd:l I {1I:l1 rcrtax lr.t(;,,"r;,'Õ deveriam .. c r p rll l1ll1lc io n;ll b 'i uu cx cc unu los cer to s mo vimento x.
ENERGIA 91

lou as intençõ es e o timbre das falas, mas


também foi um ucompu nhumenro para os
di álogos dos atores. As vezes, a música e m
uma variação melódica dos diálogos, out ras
vezes contrastava com os diálogos. Cada per-
sonagem tem o próprio tema musical, como
um /eilJilolív (motivo condutor) wagneriuno.
Mas essa restri ção no tempo foi tamb ém
ucompu nh uda por urna restrição do esp aço.
O espaço cênico para O ímpelorgem/ não em
muis o grande palco usado pam Bllb/ls, m'IS
uma área semicircular na qual cinqüenta por-
t'IS vermelh as se abriam. Em uma pequena
pluruforma no ccntro'(3,55 por 4,25 me tros),
na q uul se concenrravu todo o cspet áculo.
Essa restrita área cênica obrigou os atores
a estarem ex t remame n te conscient es tanto
dos movimentos mais detalhad os quant o do
ritmo geral do espetácul o, de modo a não
quebrar a unida de das tensões musicais e
cênicas. Meyerhold comenta :
"E m BllbllS, um fundo musical foi cria-
do, o qual funcionou como uma forma de
4tJ. " l im:1 bela n: ·i1 p.lri~ ;jf)" ::1
t1~ l:ill1;1 quar ta cen a du mu nrurcm til.: i\lcycrllllld. () i1lJprJnr.~entl. Ih: (ln;:;ol ( l ').! () ) ~ 11111:1 autocontrole. Um ator pode ter desejado
:Iprnxim:lç:in du p lurafo nun cen tral do rcu.irio. fazer urna pausa, m'IS u m úsica o forçou a
continuar. Ou , um ator pode ter desejado
deixar-se cair numu improvisação,mas não,
tu do fõi perfeitum ente.orquestrud o so bre
planos de unidades contínu as, em tal ex-
tensão que muitas pessoas v i ram o esper á-
culo como um balé dramát ico.
Em O j/lsjulorgem/ é necess ário reunir
todos os '110 res numa área de não mais q ue
três me tros quadrados, concentrá-los nes-
sa área restrita e iluminá-Ia com luz total,
mesmo quando a cena se passa 1 noite. A
representação mími ca ser áussim mais bem
vistn.As personugensestarão sentadas num
sofá, Mus o importunte é que o chão se rá
bustuntc inclinado. Será difícil caminhar
sobre ele. Mesm o os móveisserão inclina-
tios em direção '10 público. Huverú urna
50. Eshm:o c1'1 pl:H afoflllõl móvel inl"iin'Hh! . qlle S I. Es ho~'n
lIn ;H r.lI1jO tio cen ário pll r P. Ki..clcv P:H;I f)
i\.lcycrh llltlll ~Oll 11;1 cnrcnaçâu de () jllJ/~/I1"Kcr{/1. i J1.'(pr/ fJr gp rJ/. du (J1lj!.u l. hilSC:u lo
numa série de portas. 1\ mesa de madei ra em fren te '10 sofá, de
pnsil".in da pl:ltaliHlll:l mckd c.·a:í irulicud» nu ccur ru tln modo que as pessoas que estão sentadas
•t cs ho\~n. serão vistas somente acima da cintura.
Alguém se rá capaz de vislumbra r 'IS per-
nas do ator sob a mesa;acimada mesa, suas
fuces e mãos serão visíveis. Asuperfície da
mesa ser á escur a: I<Í pode mos colocar' as
mãos dos atores e mostrá-las ao público.
Assim, [e remos urnaprocissão de mãos e
faces. Os atores fumarão cachimbo s de
vários tamanh os, grandes e peq uenos. Um
grupo de pesso as fumando, assoprando.
cochiland o e at é dormindo."
(AJ~)'ellto/d 1/0 E nsaio, 20 de outubro de 1925).

"O jogo cênico não é apenas uma questão


de grupos csniticos, m'IS de uma ação: '1
que o tempo exe rce no espaço. Acima e
al ém do princípio plástico, o jogo eênico é
determinado pejo princípio dcternpo, isto
é, pelo ritmo e pela música,
Se você olha pura uma ponte, vê que
ela é uma espécie de salto fixado no metal.
Em outras palavras, não há imobilidade,
mas movimento. A parte essencial de urna
ponte não é o que om arnenmseus purupei-
tos, mas a tensão que ela expre ssa. O mes-
mo se aplica ao jogo cênico. Usand o outro
tipo de comparação, pode -se dizer que o
ator repre sentando é como a melodia, e 'I
encenaçao . Imrmornu.
- .e serne IIiantc <I I . "
52. l rms m / Ir: (J.~ millirnJ (1506). de Albn-rhr D ürc r (1471. 152:-;). 111Ie ~ lcvcr bohl viu em ROIll:l no 1\lb i'-:l.1l Harbc rini,
fui n modelo )lit r.1 :1 l:OIllPllSi<:.i u l:undc.ns:nb ,tis n.:b1;"I)CS e m () iJl.c/ldllr .r:.cml (Alexander Gludkov, Afe,retltoltlfa/aj.
ENERGIA
ENERGIA 93

53-59. O ator i[~ll i ;tnO Ermcrc Zacc nni (l Rn · 1948) em :l du//nf/tlll l t:/c{,jll im . do autor
fr;lncês And ré de Lonlc, I} mais acluruade d r'Hn;l(ur~f) ;.:,r;I I1lI -l-:l li~nol (chamado Prínci-
pe tln T error). /\ pC~;I. cap iralizando i l rece nte inve nção \ 10 tel efon e , term ina com uma
t
cena de horro r n;\ q ua l o hcn ii. f'lí'.cndo umu chanuula tel e fôn ica !l.lnl a sim r"míli a,
J
"OII\'C" uc stnpr o lia es posa c ;ISS;lS.'~il1;l rn de seus tilho:'l . I~SS<1 cena c.\( i~i,f um crescendo
de rCiu;ilCs c l1l11ciollilis c. 4lssim, um liSO de c nc rg,iól nu te mpo 11111irn semelhante .tIl
cx i:,:ido por l\ Icj -crhold na cena de tele fone do flcnc rul Bcrkcrcrx em Ih/um, o fJl'ofl'SJ"" .
94 ENERGIA
A pre sença do ator
Knug-]«, compreendido com o um exercício c
como a presen ça de energia em açiio no tem-
po e no espaço, é claramente disccrnível nesta
seq üência de fotografias de uma atriz de tr.l-
diçã o diferente e num conte xto distinto de
trabalho. A atr iz do Odin Teat rec, Ibeu Na-
geJ Rasmussen, utiliza várias maneiras de
andar, parar e usar acessórios que pertencem
ao seu treinumento cotidiano, baseado em
exercícios que ela mesma elaborou . Acha-
mos aqui a aplicação de todos os princípios
da técnica extrn cotidianu .
Na posição imóvel (F ig. 6), energia no
tem po: a atr iz p áru, mas na ponta dos dedos ,
em situação de equilíbrio precário acentuada
pela posição Fems do pescoço, se melhante "
de um enforcado. É esta posiçiio ieras do
pescoço que puxa os braços para cima.
A energia no esp'lço (F ig. 61): o modo de
caminhar, a abertura das pernas , que uumen-
ta a distân cia entre os pés , com uma ror çâo
do tronco , que lembra o 'ribhallgi indiano .
E, finalmente (Fig . 62), o movimento de
corrida e at ivid ade dinâmica com a base em
um equilíbrio precário, sobre um só pé, com

,
.
os joelhos ligeiramente dobrados (numa pos- ~:: "­

turuqu e a terminologia técn ica do Odi n cha-


~~ .
ma de sais, isto é, preparuç ão paw a ução, o
.~~ ~:
impulso, estar l/O ponto de...). Com uma posi-
ção de cabeça que ulteru o equilíbrio e que -
\!t
\.;;~:~.
bra a linha do corpo.
O termo sats do Odin Teutret, isto é, o
impulso para a ação que é energia no tempo,
correspond ente ao que Stunislavski defi niu
como "ficar no ritmo correto" :
"Stanisluvski persistiu: 'Você não está
no ritmo corre to! Mantenha o ritmo.'
' Como manter o ritmo! Andar, dunçur,
cantar no ritmo - isso eu poderia e nte n-
der - mas manter!' 'P erdoe -me, Ko» -
stuntin Sergueievich, mas não tenho qual-
q ue r idéia do que seja o ritmo.'
' Isto não é importan te. N'HI"eJe canto
tem um rato . Pegue um bastão e espere _.
por ele: mate-o tiio logo ele saia... Não ,
dessa mane ira você o deixaráescapar. Ob-
serve mais atematnente-« maisatentamen-
te. Assim qu e eu bater palmas acerte-o
com o bastão... Ah, veja como você está
atrasado! Mais uma vez. Concentre-se
mais. Teme golpear com o bastão quas e ------
--- - - .
que simultane amente com a palma . Bem,
então você per cebe que agora est áem um -----
ritmo completamente diferen te do unte -
rior? Você se nte a diferença? F icar em pé
c observ ar um ruto é um ritmo; outro,
completame nte diferente, é esperar um
tigre que se arrasta em sua d ire ção."
(V. O. To porkov, SlfII/is/av.<I:i emetlsaio.)

60-62.1\ .u riz tio Odin Tca rrc r. lhcn N;J~c1lbsl1llls.'\cn.


num u represe ntaç ão de rua na S un lc nha (1 tJi5 ).
Traduzir o oeuo invisive!atmvés da água queele eswlpe qlianr!o pasmo(Robert Bresson)
. Equioalêndn:tero mesmo ualor eaillr!a assim serdiferellte. (De um dicionário)
fi mte é o eqnioalenteria natureza. (Picasse)
"
Porexemplo, em A porta da barreira (Sekinoto, 1784), 110 momento que secanta "Xi)'aho...", o atornão fJe1r:ebe que estas palaoms são
escritas com caracteresquesigllificam, respectionmaue, "viria ", "selvagem" e "noite"emima, em contrapartida, oshomófollos "árvore" (h
tambémsignifica âroore} "flech~" (J'a também ~'igllifica flecha) e "bastão" (ho também significa bastão). É, talvez, 1/0 mundo inteiro, a única
. 1017110 r!e r!ança bm-ear!a IIUJJl jogo def)alavras.

i
I (lames Brandon, Jl FOJ1na na!ltllação rio Kalmii)
o prin c ípio da equivalência
Se observamos urna mão na vidacoti-
diana, notamos imediatamente que
cada dedo é animado por uma tensão
diferente das tensões que animamos
outros dedos. Por meio de uma co-
dificnção que especifica a posição do
cotovelo, a angulação do pulso e a
articulação dos dedos, o ator oriental
reconstruiu um equivalente n va-
riedade de tensões na vida cotidiana.
Os grandes artistas sempre foram ins-
pirados pela idéia de arte como um
.;
equivalente da natureza, mais do que
uma reconstrução da natureza. As vá-
riastensões no pulso e dedos do Davi
de Michelangelo animam o mármore
comaquela energia vibrante e perpé-
tua característica da vida (Figs, 2-3).
A bellecourbe (bd a CUrv'1) dernons-

1-3. DI.:(:1Ihl.: ti:! Illi'in dire ita tio


Daoi, de ~ l ic hcla l1~cl ll (14 75-
15(4 ), c do br.lço tlin:;w tio ;lCU'
j:'I)(JIlés de Kyn~cn. Kosukc Nu-
mura, na pos ição ~is i (,.':.1 KII111f1C(Çf.
PI'lf-c.\"fJl't:JJit.'itl/l"~).
Aba ixo, der a-
lhe de (,·JI~milll. de Pab lo Picasso
(/9.17) , ~ llI scOl l'iclSs<I, ~'/;I\ lri_

~.
% EQUIVALÊNCIA

tradu por lngernar Lindh (Figs. 9-12. pá-


gina seguin te) é um exemplo do jogo das
tensões extrucotidianas no corpo de um
mímico da escola de Decroux. Analisar a
bel/e courue ajuda a compreend er como
alguém cria 111m equivalência usando o
contrapeso. e também esclarece as res-
pectivas funções das várias pane s do cor-
po do ator,
O tronco e as pernas nunca mudam de
posição - la be//e coud» - mas a posição
dos braços é variável. As permlS dividem o
peso do corpo, respeitando o princípio do
contrapeso: a perna que é estendida pal~l
trás (F ig, 4) apenas sustenta o equilíbrio
(contrapeso), enquanto q perna dianteira,
flexionada, suporta todo o peso do corpo.
Esta perna é atravessada por uma linha
vertical imaginária que começa nos om-
brose termina no meio doarco me tatarsul.
A pernil posteriorestendida, o contrapeso,
.:.1 -5. 1\ pc..:rna dirc ir.t , qu e pode ser l'r~l l il l:1 llo l"h:io. l~ co ntra peso ; a pcrn:1 c:\qllcrd" s uste nta n pc.,,!) do cnrpu,
li
pode mover-se ou ser erguida sem com- DClllollstr:ut:'i1l na IS')',\ tle; Vohc rr« ( I<JX1), do mimir« succn In~l:nur Lindh. di'l:ÍI'" lo de Dc croux .
prometer a posição do corpo ou seu equi-
líbrio (Fig. 5).
A bel/e cotaic não é uma posição que o .
mímico escolheu arbitrariamente para dar
ao seu corpo um equilíbrio precário. An-
tes, é o resultado de uma exigência técni-
ca do ator e urna observação precisa da
realidade que ele se propõe represen tar.
Quando alguém empurraalgo na reali-
dade cotidiana (Fig, 6), o peso do corpo
está normalmente apoiado na perm pos-
terior e nos braçosque estão empu rrando
para i' frente. Quando o "empurrão" é
realizado por um mímico(Fig. 7), o esfor-
ço não pode ser feito du mesma maneira
porque a lulta da oposição concreta causa
o desaparecimento de uma das bases de
apoio. Porém, a mesma tensão do esforço
pode ser encontrada na posição de Inge-
mar L indh: ele mostra que está empur-
(}·7. l )i;l~r:t1lla tI;t dirc\:";.10 da ror~~a '! 11:lI1do 11m peso c,,\( ;i se ndo efe tiva me nte pll x:tdo (~ esque rda) c quando o peso
rando. Ele encontrou uma posição equi- é rcprescnrudo pda mimic r (ú dir eita). Vê-se clarame nte ( 1111': :1 mímica 11."i;l 11l1l equivale nte p ar.I a fo r~'a efetiva.
valente no seu corpo.
!\ equivalência. que é o oposto da imi-

ii
tação, re produz a realidade por meio de
outro sistema, A rensão do gesto penna-
nece, mas ela é deslocada pilra outra parte
do corpo, Nes te CilSO. a força passa dos
braços para a perna dianteira. É a press ão
desta perna no chão (Fig. 7), e não a dos
braços, que realiza o esforçoconcreto,
O que é que o espccrator vê?
O espectador vê uma ficç ão sugerida
pelo mímico. Entretanto, u força nJO é
simulada. Por convenção. mímico truba-
lha para eliminar roda a realidade mate-
rial, cada objeto com o qual uma ação
pode ser feita. Mas, pela mesma conven-
ção, ele nJOpode fazer lima abstração th1
realidade, que é o seu terreno de aliança
eom o espectador, e sem o qual se us ges-
tos seriam gratuitos e estéreis. Esta nega-
ção de uma realidade conduz a essa técni-
ca de imitação indireta. ~ procura de um
X. N cs.'ic.'i desenhos l tl pintoraValcntinc li tIgo, hasc;'Hlos 11() balé I .c: Stlfn :dll Pril1kJlljJJ (,I s(/grr/flin dI! /Wi lJJ(I t.;e, rl .
equivalente por meio da única realidade ~ 1') ]3), corcogmlirdo por Nijinski, C(JIll m{lsic.l de Srravinski. a bnilarinu mantém asmesmas posições nas Ilcrnil:i
sua disposição, isto é, o uso orgânico de c rorso, mas os hra~:()s ccabeça introvertidos 011 cxrravcrtidos slIgcrern imprcssões diferentes.
EQUIVALÊNCIA 97

seu próprio corpo. Este princípio perma-


nece invariável, quando o mímico entra
na menosrealistam/mica abstrata, ou quan-
do, conservando o mesmo procedimento
de equivalência, encontra criações e in-
venções que não s50 nem arbitrárias nem
casuais.
No nível interpretativo. o mímico su-
gere ,10 espectador a con cretiza ção do es-
forço, mas o que ele deseja "dizer" de-
pende dos braços, Observamos,acima, que
nesta seqüência (Figs. 9-12) o tronconun-
ca muda de posição enquanto os braços
assumem diversas posições sem alterar a
posição básica. Isso significa que a oposi-
ção das tensões, que faz com que a ener-
gia do corpo se manifeste, encontra-se
inteiramente no tronco; os braços siloape-
nas a anedota, a litemtum. Ou seja, a es-
sência do gesto est á na posição do tronco
e das pernas que o ap óiam.
Este fenômeno, uparentcrnentc para-
doxal, pois é mais um concei to mental do
que visual e nos leva ,1 considerar os bra-
ços e as mãos como símbolos da ação, é
bem conhecido nos teatros orientais (cf
AMos), mas também em certos exemplos
da arte ocidental, Como qualquer pessoa
que freqüenta museus clássicos afirrnarin,
as estátuas gregas e romanas. decapitadas
e sem braços, apresentam uma tensão no-
,I tável, mesmo que sejam fragmentos.
I
Vamos recordar urna observação feita
pelo poeta Rilke com relação às escultu-
ras de Rodin. Desejamo dar às esculturas
uma qualidade ousada e primordial, Ro-
din tentou englob á-las com a mesma força
que observou em fragmentos de estátuas
antigas: amputou violentamente muitas
de suas figuras, reduzindo-as ,1 torsos. Ele
fez isso, por exemplo, com L'Homme qui
mi71die (Ohomem que anda) (Fig. 13). Uma
vez ele disse jocosamente que a cabeça
não tinha uso no caminhar. Rilke gostou
dessasamputaçõese deste método de tra-
balho, que lhe lembrou Eleonora Duse
representando La Gioconda, de D' Aunun-
zio, sem usarseus braços (Fig..14).

l)·14. Em cima, a hdlc romie tl ól mlm ica, seg undo De-


croux, dc monsrruda por lugcmar Lindh: os hmços, q ue
pode m nnul ar de pnsiçãn. conseim c m :1 aucckmr, nu
passo q uea c~sê lll:r.l "InJ;cs to. nu :1I1[ CS xua "ida. c srá nu
tronco, que nunca111mb de posição. Em b~lix (}. ;' esquer-
da, 11 luuucm que caminha: detalhe de 11111.1 csr.ítllól de
i\1I~"S(C Rodin (1840-1.917). I\I",clI .I" ES'l"lt"'''. Ha-
rc utin. 1: ~I I1Ç:I. Em lxrixn, à direita. EIt:(~nor;lI)II"C (IKiX-
1924) 11;1 ( ;i nUJlIf/fI . de 1)'J\nn ll l1'l.iu (I x t)l) .
EQUIVALÊNCIA

Dhanu, a arte de ma nejar o arco na . recria a relação dialética pessou-orco-fle- equivalências. Entretanto, mesmo sem co-
dança indiana Odissi cha:a imobilidadedaarque irae a vclocidu- nhecer o rema, compreendemos por causa
O arco e a flecha estão ausentes (cf. Omis- de de partida da flecha. ESS'l relação é ilus- das forças que se tornam presentes e que se
são), mas, quando olhamos para Uma se- trada pejas contínuas oposições criadas: a irradiam do corpo do ator. Issoé demonstrá-
qüência de imagens est áticas (Figs. 17- torção da coluna vertebral para pegara flc- vel nos mínimos detalhes, como quando
j
25), somos capazes de perceber uma cqu i- cha da aljnva (Figs. 17-18). a mudança do Sanjukta Panigrahi, após ter colocado o ar- I
!
valência JS tensões e forças necessárias peso do corpo para mostrar lima segunda co em sua frente, vira-se e com os olhos nos ....I
para atirar uma flecha. Primeiro, uma cons- fase da ação. a preparação da flecha (Figs, ElZ ver a flecha que ela tira da aljava (Fig s,
tatação gemi válida para a seqüência total: 19-21). O esforço necess ário para esticar o 18-19); ou quando, retesando o arco, ela
na procura da equivalência a utriz-ba ilari- arco é recriado por meio do trabalho da nos mostra .í tensão extrema dos dedos da
na dilata o corpo ao máximo, de modo que perna dianteira esquerda, que sustenta o sua mão direita (Figs.21-22). Deve-se men-
a imagem visual que ela oferece a cada peso do corpo.e pelo braço curvado como cionar que esta seqüência foi friamente
momento da ação seja a mais dinâmica e um arco que parece ecoar na grande linha repetida ao fotógrafo pela atriz-bailarina.
ampla possível (cf O teste do sontbra em curva formada pelacabe ça·- coluna verte- "O teat ro e a dança indianos são a
Oposição ). Cada uma das posições preten- bral-perna direita {Fig. 21). E. finu lrnen- única oportunidade de ver o equivalente
de destacar e amplificaras ações, como se te, o auge da ação, o disparo em si, é repre- físico de palavrascomo deus, deusa, dioi-
a atriz-bailarina manuseasse um arco e sentado pela propulsão súbita do corpo 1/0; osolhos podem tornar-sesubiramcntc

uma flecha reais. A q ues tão é reconstituir para a frente (Fig. 25), correspondendo J uma imagem do sol, e a atriz ou dançari-
o seguinte: a força usada para esticar o ar- flecha que VO.l na direção de uma tímida na pode ser tanto o arqueiro quanto o
co, a direção da flecha e a concentração corça sem defesa (Fig. 15). arco, a flecha que voa e a corçaferida."
necessária para apontar. Se não soubéssemos o terna dessas (Ferd inundo T aviuni, Incroa tm Oriente e
f\ atriz-bailurina não mostraalguém que ações, seria penoso entender que se trata Ocddatr« - C17IZ(/l1IeIllOJ eutr» Oriente eOci-
est á atirando urna fle cha. Aocontrário, di de um tirocom arcoou mostrar o valordas del/le)

,o::

I
f
i
~
\
1
í
I
I ,.

15- lb. Sanjukr.. P;lI1i~r:l hi : pusi,;-~o de corçr c 1111111ra <c.:C :J!fi n.f ); Ida Rubcnsrcin (1X:-iS- os corpos cênicos tln.'\ utorcs pod em se r equi valentes, mas e nqua nto P:lr.l
CUh Ur;.Ii.',
ll)r,O) CoUlO S~n Sc:hasci;i(, <,;111 / ~ ,.I/f//lm: r/(Sflilll Sl.vf/Jlim (O JlltII11í ilJ i/t S,il)Sr/IIIJlitio. lt ubcnstcin n urcn é IHIfJIl1l:me orn.tmcntul. rcprcscnramln n:in mais tIo que clt: é (1I1ll
1911). esc rito llt )r 1)'AnlHlll zill c m l lsiL~H ln P'" I)chl ls."y. 1)l la., po.'\ic;õe~ (t llli\":.lkntcs: o obje to quto: a ;urizes r:í usando paril se ;tpni;lr). par.! S:llljllknt P;lIlihri. lhi. 'em Jl().'i.jç~o !,.
(OIVO es tendido P;.If:t ,I frcnrcü direita. :11'i111C'r....1 e os olhos na direção op n:'l :I, li peso 11:1 triÚlIlIIgi (I.:f. O/)/}JirõrJ) , cont ém 11m jogo de 0pllsi.;i)CS tlue res ulta numa tcnxilo c.:b r(,-
peru.r cs qnc rrla. :l dircitr s"s(c nrat';1 -,wmenrc por 11 m.. pane do pé, J\Tum .Iifcrcnç ls mente pc rccprlvcl nu arco,
j
EQUIVALÊNC1A 99

<,

,.,.

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i : -:~ ..'-
I ~;-~': ;::..:':

I
I
I
1.

17-l 5, S a njll kt:l P;lOi~r.lhi dcn umxtrando o li SO de 11m arco c lima flecha 11;1 dmçu Odi ssi (1ST" de Volrcrru, 19:-)1).
100 EQU 1 VA Ll~NC1A

Como se arremessa lima flecha no


teatro japonês Kyogcn
É interessante perceber que, apesar de o
ator estar ajoelhado e sua estatura reduzi-
da, ele ainda deve de slocar seu peso de
uma perna para outra, como se estivesse
em pé. Apesar desta iimirnção, o ator res-
peita o princípio da eq uivalência: explora
a única possibilidade q ue tem e desloca
seu equilíbrio sobre os joelhos. enquanto
os pés s50 usados como um terceiro apoio
precário. Seu apoio é prec ário porque é a
ponta do pé e n50 o calcanhar que assenta
no chiio.
O disparoda flecha é representado pelo
"vôo" dos braços (Figs. 36-3R) e o irnpuc-
to no alvo é representado pela rápida que-
lb dos braços e o ruído feito pelas palmas
q uando elas batem nas coxas. Esse ruído
é o toque final no som gutural que a voz
estava fazendodurante a ação de retesaro
arco, Respeitamo as regras básicas da tra-
dição japonesa da arte de manejar o arco,
o ator rompe o automatismo do gesto coti-
diano c cria um equivalente. transforman-
do o estímulo visual em sons de igU'l!
eficácia. Como Eisenstcin percebeu. no
teatro japonês "escutamos" o movimento
e "vemos" o som.
Como evocamos o mundo do cinemac
da montagem, deixe-nos chamar a aten-
ção para outro detal he. Observando a po-
sição assumida por Kosuke Nomura (Fig.
36). pode-se pensar que pura reproduzir o
movimento lb partida tb flecha, a mão
direita deveria ir para trás. como acontece
na realidade, Em vez disso, o ator corta a
ação: ele P,15S,1 para as posições subse-
qüentes (Figs, 37-3R) onde, unidas por
um movimento rápido. evocam o vôo ,IS-
cendente da flecha e impedem a reprodu-
ção mecânica do recuo do braço.
l 6·27. I Isfl ll11nrc n c 111.;(:h<1 em til':1." EleS:I.';; ele h: Y II~c.: n: ( ,'(1/1 "I:mbJllr C( ,TlII gtlllJIJt tnn JdXfJ) C FIIII1; ) ill Uflr/(/(hif(}f hll/ltl,iIIIJ
Disparando um arco rocan h«), P:midi:IS ~ril ri n~;Is. rcprcscu taduxentre dn nuas N li . :IS(:HS'I." de K ~l)~Cn 11.'.;:1111 o cmdil";OnuJ palco Ni).Il1:ls .s:in
(eifas nn ru csrilo m;ti'i rc;,liJcÍl:o. N;;u obxrau tc. os utor cs d e Ky".:.:cn 1IS.;1111 po ucns il\:l:.<;sri rios: corno os at ure s de Nl\
E ste e xercíci o da bi o mcc ânica de e les f:'ZC l1lll'"oc:uCIl>ii\ o de leque s para re prese ntar \":hios nhjl.: Tfls. N ess a.. cxramp.ts. cn rrct.mm. arcos CJ1Cd',IS foram
Meverhold nâo s ómanifesta op rincípioda dc fibc rad.uu c urc dcxc nhadnx p;lr:1 l1l:t il lr d arel.:1.

'.,

2~:;1J. Pn.sit.;lte'i d'ltICOHlIlSlril\ ;'iud.., p;í ~in;t sC~lI i ll(c . li.: il;ls (u m li~tIfi l1u'i c :1I:csstlrifls. sohre 11 quimnno) e :I n.: r:'IIl,:::l1f:uilf'HIc lb s mim!!a., :'lfllpl'fS" p~ rl.·l"c: m (c.''U;w r'lr. pnrmeio
Obse rve \:OIllU nl.:nrp;) do ato r é q uase ClIl1l1l1:.ulu pelo I l"im onn: 11 fi.:.:urinu 1>l:1I1Côl ;1 ;r;lllb tILUIIH;Jc,/lIi , -:dbl l:i:l. ;1 r t:ns~u & 1:'Içiio. O leque não c: som e nte om arncn ral, l1\;IS
ccn ",iin p;rr;l cr.í.ÇCrCCl;:ub 'H :I." ll.: lrl..· c a I1w n c ira l 'UJl)n m IIl.:dus .";, jUl:ll r\ "'lllt l:-i 1' ;1r;, buixu. ahulc;,10 :'l rl'O. r:'II l:1111111 cr u lh í zi: l'''ó de I lllrr:.u sim:.lt;õ ..:", e m '1 111: e tc é u xadn, II":'ISI.: l"c~nu
T !ulfl\·i;l.:ISdnhr:l~)41.'15r:I S do ~tl-lIInr( (:I t:k:-:;l1l re c.1I<;;I ·~a ia que 1) '" homens do,1j p :,l fl IlS:.I111 1I11I:.1 \' :'l ri n h a l11 ií;:.ir:'l. p'11":I 11111:.1 vnriccknle infinirôl da fi ns c qll í\,;Ih': I1CCS,
EQUIVALÊNCIA 101

;.

.li ·.1K Kus ukc N om u ra t1l: 11ll l"tr. lI1d O 111I"n de 11m :He ll C nma Flecha nu c"iliIIlI\YO;::CIl C1S' J':\ de Volrc rra. 19XI ).
102 EQUIVALÊNCIA

:W. Di sp:lr;lIldn IIm:1 flecha: s C'lií é nl"j'l ~rc 11 01 dos cxcrd \:ins h illlln:\..":.inil"ns de ~ lcycrht)Jd ( 1)22) de ;1(,:(1(( 1" I.:mlllUllõl tlc'i'criçiiu lciw pclo .";CII aror. Era:>r (;.Ir ;n. As lílrim:•.'(, u ';;''õ
posiC;ti c'i ~IO 11111;1 o/i ,r:. (rccuxn),

equivalência, mas também demon stra çar uma flecha numa aljava imaginária te, adquire autocontrole físico, desen-
como um dos seus objetivosera uma va- atrás das costas. O movimentada mão volve elasticidadee equilíbrio, compre-
riaçãocontínua da posturado "arqueiro", afeta o corpo inteiro, fazendo o equilí- ende que o gesto maiscomum - falar
resultando em genuína "dança de equilí- brio deslocar-se para o pé traseiro. A com as mãos-ressoa nocorpo inteiro,
brio". Erast Garin, ator de Meyerhold em mãosaca .1 flecha da aljavae prepara o e ganha prática na assim chamada 're-
1922, descreve assimo exercício: arco. O equilíbrio é transferido para o cusa' (o!l'uz). Aqui, o 'pré-gesto', a re-
"Pega-se com a mãoesquerda um ,H CO pé dianteiro. Ele aponta. O arcoé rcte- cusa, é a mãoque alcançaas costas para
imaginário. O aprendiz avança com o sadoe o equilíbriovolta parao pé trasei- peg:.lr '1 flecha, O estudo é um exemplo
ombro esquerdo paraa frente. Quando ro. A flecha é disparada e O exercício é da 'seqüência de ações', que compre-
localiza o alvo, pára, mantendoo equilí- completado com um salto e um grito. ende intenção, realização e reação." I
brio sobre ambos os pés. A mão direita Por meio deste exercício, o aprendiz (Meyerho/rl 011 theatre - Neyerho/rlsobre teu-
descreve um semicírculo a fimde alcan- começaa se compreender cspacialmen- /IV , ed. por Edward Braun)
EQUIVALÊNCIA 103

. ·IU. Em "'";llb crmli<;ãn cnconrrumus cenas 01 1 c:xcn.:k iu'i nus II Uili 'i U uror t li:ijlil ril 11m ;1r( R () õl n: n é;l pc rsnn i lica~'J o de IUU jo~n de opn:'iiçeics. i\ Iin:llid:ldc não é somen te iIIISHj( :1
lilx:ra\"iio tia flech a, Jl1;I~ recr iar nu co rpo a din:imil.:il. 11111.: carac rcricr :IS rcns(>t:s do urcu. Em cinhl. ;1 esquerdo. K;u'i:n'i n:1e m (:(1(/ (rOr(G("(1f/~ ()11J7J . 1( 14), cnrc~r;lfi;,t de C\ fichei
Fn kiuc; em cimil,:i d ireita, Tcd Shawn, em r;nJJJir.IliIr.'(1923); em baixo, ;', esquerda , i\bnh:l (;r:lI1:I111, pCt;';.1 so lo se m tíU llo (1<)24);em baixo,:i d ireita , Marv \Vi~I1l:IIl . em "'~~1J"(/
Ih-.ffJJJ!JfJ (Jt.JZ7). P :IHC de seu ciclo de l!;UU;;,1 solo ~lJ oisõa.
F isiologia e codificação
t\ ilustração (Fig . I ) mostra os movimen tos da
pupilade um indivíd uo que está olhando um
desenh o pela prime ira vez, basead o em [j(/I/-
rlrodel/1I1 vdh ohomem, de Paul Klee. As áreas
pretas represe n tam as fixações visuais do in-
divíduo e os núm eros dão a ordem da fixação
no dese nho durant e um período de vinte
segundos. As linhas e ntre as áreas pretas re-
presentam os saccades, movimentos rápidos
do olho entre uma fixação e out ra.
"Os olhos são os mais ativos de todos os
órgãossen so riuis do homem.OUtrosrece p-
toresse nsoriais, como os ouvidos, aceitam
passivamente quai squer sinais q ue rece -
bam, m,IS os olho s se movem conti nua-
mente, pois ele s esquadrinham e inspecio-
n'U11 os det alhes do mu ndo visual, (...)
QU'lIldo olhamo s obje tos imóveis. os
olhos ,liternam -se en tre fixações, quando
apontam para um pon to fixo do campo
visual, e movimen tos ráphfos, chamad os
snccadcs. Cada saccnde con duz a uma nOV'1
fixação num ponto diferen te do campo
visual. No rmalmen te, h,í dois ou três snc-
mr/eJpOr seg und o. Os movime ntos são tão
rápidos que ocupam upcnus 10% do te m-
po de visão.
Aprendizado visual e reconhecimen to
envolvem urmnzcnumeuto e recuperação
de le m bmn ças. Po r me io d'IS lente s, da
retina e do nervo ópt ico, células ner vosas
no córte x visual do cé rebro são urivudns. é
aqui que se formam as imagens do objeto
que se obser va. (...) O sistema de memória
do cérebro deve conte r uma re pre s en ta-
ção inte rna de todo obje to qu e está para
ser reconhe cido. Apre nder ou ficar fumi-
liuri zudo eom um objeto é o processo de
construção dessa repre sentação . Q. reco-
nhecime nto de um objeto quando ele é
encontrado novamente é o processo de
I. i\lm 'inn:mn:'Ç dosIllhus feito... por 11m imlil"it!II11 '1"1: vê pela primcin.. \'CZ IIIll desenho arla pnulo \10QlIlItlrn ,k 11111
encaixá-lo em sua rcp resenração interna
edltn l1tl1J1t:m , de Pall' Klcc,l(lIc :'P;lll:l:C e m PJ'"C to. Os n(rmcrns l11usm,m., unlcm lI:I.'" fix;ICÜC.'i vis uais do indivíduo nu
110 siste ma de mem ória. (...) desenho duran te 11'JnC tios vinte sC~lIndo.\ de \·is5o. /\s linhas entre os n úme ros rcprcscnrum JII{(fftl~S. movime ntos
As part es mais informati vas de uma r;,ípido~ \10.\ n!lms de 11111;' {ixn....-âo pura onrra.
linha desenhada são os iingulose as cu rvas
agudas. Os ângulos sâo os elementos prin -
cipuis que o cérebro e mpreg a para arma-
zena r e recon hecer um de senho. QU'lIldo
algué m vê um a figura, se us olhos ger;d-
mente ,I es' ]uudrinhum seguin do - inte r-
mitente e repetidamen te - um caminho
lixo, o 'caminho de csq uadrinh.uncuro'.
Os 'camin hos de esqu ndrinhumen to' apa-
recem nos movimentos dos olhos do ind i-
víduo duran te a fase de aprendizagem , e
durante a fase de reconhecim ento seus
primeiros e poucos movimentos dos olhos
ao ver uma figum (presu mivelmente du -
rante o tempo que ele a estava rcconhc-
cendo) ge-liIlment e segue m o mesmo 'cu-
minho de esq uudrinhumeuto' que ele es-
tabeleceu para essa figura durante a fase
de aprendi zagem ."
(David Noto u e Lawre nce Sturk, 111ovillleJI/o,í
dos olho>'epelCepv,o visllnl)

2-5. Alunllsde K;uh,.k.lli (;o.c rll (n cxcrcfcios de nlho\ (:"1


direita) c os olhos em rChlt;-.ifl aox movhucmos d;ls m:ilJ'o
Clll lll if , !rfl1 (p;ígi llõl sC;::;lIinrc).
OUlOS E ROSTO lOS

Esse contínuo m ovimento d os olhos fornece


in formações e speciais ao ato r, q ue deve mos-
irar 'lI/e esltf olltr/llr/o: com o os snccades de -
monstram, o olho nunca está em repouso.
Exatamente da mesma maneira que na
maio ria da s po siçõe s de equilíbrio aparente-
mcn te e stá tico. Estamos continuamen te des-
loca nd o no sso peso de uma parte do p é pa ra
outra, micromovimentos estão sempre ocor-
rendo na maior pune do olhar fixo. Os atores
orientais reconstruíram um equivalente a esse
m ovimento do olho: criando tensões e d ire-
çõ es artificiais p.un destacar o olhar (Fig. 2),
mas acima de tud o forçan do os ol hos a se
m overem c, então, fixá-los em pontos espe-
cífic os no espa ço circundan te, nas mãos ou
no hori zonte (F igs . 4-5).
.
.,..~' ;;': "
" N o rm alm e nte, ol hamos para .\ fre nte e
' ~
"-:."
..... ~- . -~ cerca d e trinta gra us para baixo, Se mante-
mos a cab e ça na mesma posição e eleva-

_~~ €..~;W~-~ ~ · .. :
-,
mo s os olh os trinta graus, uma t ensão
muscular se r á criada no pescoço e no tron-
co. o que alterará nosso equilíbrio.
O uror Kuth akuli se gue suas mãos que
co m põe m os IIII/r/m s, com os olhos ligeira-
men te ac im a do seu campo normal de
visão. O uror-dunçarino bulin ês olha para
cima . Em todos os lian sha» ('posições
estát icas' do utor) da Ópera de Pequim, os
olhos estão dirigidos para cima. Os atores
de Nô descrevem como perdem todo o
sentido de espaço e corno eles têm dificul -
dade em manter se u eq uilíb rio, portlue os
buracos dos olho s em suas máscaras são
muito pequen os. Isto é uma explicação
para seu escorre gad io modo de andar, no
'lua) os pés nun ca deixam o chão - algo
co mo ho mens ceg os CJ u e vão tute an do,
se n tind o s eu cam inho , sempre prontos a

.'
parou em C:ISO de obst áculos im previstos,
Todos esses urores usam um campo de
..Ji/!ir;Ç- visão, quando representam, diferente do
usa do nu vida cotidiana. Sua atitude física
tota l é muda da: o rônus musc ular do tron-
co, :1 pr essão dos pés, o e q u ilíb rio. Um a
mudan ça nu maneira normal de olh ar de-
term ina urna mudança q uulitntivude ener-
gia . Por uma simplesmudança na maneira
cotidiunu d e olhar, esse s ato re s sã o capa-
zes de dar ím peto a todo um no vo patamar
de e n e rgia."
(Eu geni o Burbu, J1l1l r op ologifllerllml: primei-
ra ltipõleJf.)
Mais uma vez , a codificação (isto é, for-
ma lização) do s processos fisiológicos ajuda o
ate r a de struir os aurornatismos cotid iano s no
uso d os olh os. D irigir os olhos não é mai s,
portanto, lima reação mec âni ca, mas. é tran s-
formado p e lo ator numa ação, a flção rir. ver•


106 ouros E ROSTO
A concretiza ção do olhar
Observan do os vários m éto dos 'I ue os ator es
orientais usam q uando trabalham com o olhar
imediata m e nte somos surpree nd idos pela S U' I
maneira particular de girar os olhos e fixar o
olhar em direções muito precisas. Mas quan-
do se segue udire ção do olhar fixo, compree n-
de-se lJ ue ele esui fixo num ponto que é ...
vazio. Isso não diminui, de modo nenh um, a
natureza concreta do olhar fixo, al ém doq ue
ser ve par" construir, no espectado r, uma prc-
cisu no ção de es paço e faz vive r pe rsonagens
e animais presentes na história e no dr'1I1HI
qu e, na realidade, não existem fisicamente
na cena .
Mais ainda, essa concretiz.rçüo do olhar é
ocompanhudn por lima contínua dialéti ca
entre ten sões (cf Energia) IIIfl11i J (suave) c
leras (vigorosa), llue torna possível ao espec-
tudor seguir a vida interior e exterior do ator.
Tanto em Buli (F igs. 10·11) q l"1I1 tO na
Ópe ra de Pequim (F igs, 6-7), os olh os são
d irigidos, como vimos, acima da linh a habi-
rual e cotidiana. Podemos ver .1 passagem de
beras pa ra lllfl /li J nos olhos lI.! jove m jus c na
maneira como Li n Chun-Hui tem de come-
çur com os olhos Iocalizudos numa di reção. a
fim de termi nar com o olhar dirigido na dirc-
ção oposta (cf Oposições), A dança rina indiu-
nu Sunjukta P'1I1igrahi usa seus ded os c bra-
ços pura sublinhar a larga abertura de seus
olhos e s ua exp ressão rudiunte: os olhos se
tornam o ápice de um triângulo formado pe -
los braços e dedo s, que alongam ,; curva do
arco das sobruncc lhus (F igs. S-c)).
O olhar fixo inclinado (F ig. J 2) de J(at-
suko Azumu torna-se agudo C pen e trante
graças '10 leque que "abuna' o olhar fixo de
um simples olho, pegando c dirigindo ' I aten -
ção do espectador à vontade (fig. 13).

r.. "

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I
.iR(" .,.
."

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~
aLI-IaSE ROSTO 107
6-1.'). Munciruxde l li r j~ir()s olh os c chnma r u utc nçân
do es pectador p ;l r:1 os movirncn ms dos olhos em
\':íri;l.'\ (1IItUr.IS tea trais ;ls i;íricas: Lin C hu n-Il ui,
Ópc r:1 de Peq uim (p;í~ i na unrcrior, em cim<l); San-
jllkr;1P" ni;!.rahi, dan çar ina in diana de Cklis.... i ( I )á~in:l
ante rior, em h:lixo); .1 jo vem j us., dan\-~I Lc~un~
h;llincs;t (e m cim a); Kats uko Azum a, dan çarina ja-
poncxa de BlIYo (e m ba ixo).
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IOf; OLHOS E ROSTO

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SI
14·15. (I-:"" I/-)() nrnr de Kubuk i numu pimllr;l j:ll ' lI ll t.:.,\:1 do . . r.:L"lIlo XV I I I: nltxcrvc couni a :t Ç ~ fl de olha r P ;lf :1 ;I lrcnr c r.: :It'f) \llp;l ll hil~ b por 11111 movi me nto corrcq umdcnrc pum [ r;í ",; c:
com ~I L"II]I IIl:1 ve rtebra l. (J) ir.) 11mutur d:! Cmn édic F r:I IH; ~ti ~ c . no inic io do sér.:ll\n, cxprcxx.uulo te rror: ;1cx pn:s s~ll ê :Iccn n l;l\ !:t pela teu:... iin tI:! l"ol1 'Jl;' verte b ral .

e
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li
li
P

cr
,
,

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t

Fig. 1 .I:mcmi~ne. Fig. 2. L' osservsxione, Yiq 3. La ríOc,.ionf. Fig. 4. b mr.dil.lioM. fig o 5. La. contemrlnione. Fi, 6. 1:.1000; r21.íoo•.

",
"

Fi9. 7. Lo uupore, Fig. 8. 11 sublime. Fig. 9. L'entusiasmo. Fig. t O. 11 rapiqtento. Fig. ti . L'estasi, Fig. t1. La meravigli•.

,,
,

I X·)
figo 13. 11 predigie . Fig. U n tOirJ'-,'"'' Fig. 15. 11 trasporto, Fig. I G. I.J visione Fig. 17. II dt"lirio.

Ih. DirL'ç;'io tlonlh:lrc asCIHO~'ljÇS em tlia;!;r.lm;ls do bailarino c te órico d:1 t!ant.;;l. 11 if:t1 i;lI1o (~l rlU Hbsi.. .-. ( 17<;5·\ ~7X), cXllaídos de () Homcnr F6im, /J//c!r:rmlll "J/"rfll - (i\ lili'io. IX57):
I. t\ rcnç:iu: l . O hscrv;a;iio: .}. Re flexão; 4. i\ 1c,lir;Il;'";,io: S. Clll1rl.: mpf;t\·;i o; 6. 1\ "rni ra~"ltI ; 7. ESP:I I1IO: K () xuh limc: I). Entll:-oi;lsll1o: 10. Arroubo: 11. 1::xr;I.O\t.:: I Z. Asxnmbro; 1 ~ .
F;I'icill;I \~i ll; 14. i\li l;l ~n:; lS. T r:lIlspmre; l6 . Vi·do: 17. Ddírio. Obse rve cnm o u c.";ula llll llhlll ~,";1 11;1din.:c.::io dll" olhn."rurrc spomlc 11m ;! Il1lld:II1\11 nu posiçoi ll tia col una vertebral.
OLHOS E ROSTO 109
A llçiio de ver devem , pois. trabalhar em dois níveis opo s- Ocidente. n pr.iticu dessa equivalênci a é con-
"Quando Siddhu rtu deixou o palácio do tos: puru a frent e com os olhos. atrás C0111 o fusa, est rangu lada pelo problema da cxpres-
., -
,.". pai c foi :i procura da últ ima ve rdade , coração. ,lloÁ'llzell .\;'ill1,o. sividudc compree ndida no se ntido mais psi-
passou seis .mos es turl.mdo filosofia e vi- Aceitand o a de finição po ética de Zcu mi cológ ico do que físico.
ve ndo U111" vida ascética numa gruta per- com rc laçüo ao sexto se ntido do ator, desco- Observemos os desenhos do coreógrafo,
dida nas montanhas. Mas nenhuma ilumi- brimos tumb érn ljue isso é uma rncniforu dan çarino e mestre de mímica, o italiano Carlo
nação su rgiu. Conforme pussuvu o tempo, para uma verdade física, Pura os at ores, ve r Blasis (I 795-1ll7ll). Esses de sen hos e suas
Siddhu rtu começou a se dese sperar e ficar atrás de si mesmos implica es t:I rem ate ntos a leg en das desc revem as várias at it udes do cor-
con fuso sobre o qu e de veria fazer. Um dia algo que csr.i acontecendo atrás de SU<lS cos- po CJue exp ressam e moção: por e xemplo,
ele er gueu seus olhos e viu a estrela d'alva, tas. Esse "estar de sobreaviso" cria uma ten - ate nção, espanto , e ntus iasmo. admira ção,êx-
cujos raios penetraram no interior de seu são nu coluna vertebral, um impulso pronto tase (Fig. 16). Mas eles também podem ser
ser, e ele. cntâo, en controu esclarecimen- paru ser liberado. Ao mesmo tempo, é criada lidos de um modo com p letamente diferen -
to. Ele deixou a gruta C começ ou a viajar uma oposição no corpo do ator en tre ve r :1 te: qu ando os olhos trabalham p recisamente
pe lo mundo 1"11<1 tornar sua ex pe riência fr ente e estar ut c nro '1 0 que csni ocorre ndo e se fixam em ,dgo, o olhar fixo modifica
conhecida. e outros pudessem dividir a atrás. t\ te nsão e a oposição comprome te m a imediatamente a posição da coluna verte-
liberdade que ele <lgor<l gozava. colun. vertebral, como se estivesse pront . brul. Os olhos e a coluna vertebral trubalhurn
Você pode ter olhado par" ,IS estrelas para atuar. pu ra virar. Assim. os atore s vêem em correlação, independente do que está
milhares de vez cs.Mus.su h itumcn te , você com um segund o par de olhos, isto é, com arrds do corpo. Alguém pod e ria dizer que
vê uma estrela de uma nova muneiru, que sua coluna ve rte b ral. Eles estão prontos para essas figuras olham de uma cerra maneira fi
cond uz a esse tipo de entendimento que representa r: paru reagir. fim deexpl"rsst/ras várias emoções. Mas o opos-
é uma exper iência total. Esta é ,I ação de lsso cst.i muito claro n.t figura do ator to também pode ser verdadeiro: é ,I mane ira
ver: reagindo a esta ação, você se descobre japonês (Fi g. 14): ele olha puru a freme , mas de olhar que cria :1 expre ssão . P'lnI um uror,
e o outro é revelado ' I você." a posição de se u corpo, de suas pernas e, ver não é olhar com os olhos; é urn a ação que
(E ugenio Barb<l em couvc rsuçâo com ato res especialmente, de se u tronco este ndido e compromete o corpo inteiro .
do lSTA de Bonn, 19l10) curvado nos dá a imp ressão distinta de que Alcxundcr Gludkov atr ibui o seguinte a
Os olh(;s podem ver tudo. exceto a si ele está pronto u se erguer. Ascostas são em- Mevcrhold :
mesmos: portanto, o ator deve ve r com um purrudus para trás, enq uanto o olhar fixo é "Posso sempre distinguir um at or ge nuí-
seg undo p<lr de olhos. Isto é o q ue Zcumi dirigido para a fren te. As mãos, abertas em no de um de pouco valor pel os se us olhos.
está suger indo quando diz: 1II0i-1I"-·N' .\;'i /l1,o, leque, parecem sublinhur a natureza circular O bom ator sabe o valor do se u olhar fixo.
"os olho s na frente, o coração atrás" . O que de 360 graus tia tensão que atravessa o ator. Somente com um deslocamento de SUtiS
ele quer dizer com isso? Os atores no palco Não há dúvidas de qu e esse ator, nesse mo- pupilas da linha do horizonte puru '1 es-
podem ve r o que está :' sua esquerda , :. sua mcnto, está ve ndo também com se u coração. querda ou pura ti direita, para cima ou para
direi ta, :1 frent e, mas diferen te do cspccta- A eq uivalência olho-coluna vertebral não baixo, ele dará a necessá ria expressâo àsun
do r. não pod em ver atrás de si mesmos. I-Li, é desconhe cida no teatro ocide ntal. Em Zen- representação, que se rá compreendida
portanto, S0111c me urna possibilidade aberta mi, essa cquivulônciu esr.i oculta "trás do vé u pelo público. Os olhos dos atore s de pouco
,I eles: dilatar se u campo de visão e usar seu de um paradoxo poé tico, quc o torna pratica- valor e amadores são sempre inquietos,
coração (1-01.-01"0) p<lr<l ver atrás del es. Eles mente incom pree nsível ao não-iniciado; no dir igidos ,l(Iui e ali pam os lados."

? ~-;,!'if:.'
!i.''' ... r .
: ....,-.'.
d .......·._.·

17. O mor ituliunn Ginv:llmi (Irasso (1X73- 193U) como


Tnriddu nu (,iICltll~JiII !?IIJliülIJl l, de Vcr~'l (1912) . 1\
parte frOll{;li do corpo, n..'\ punhos fcchiHlns. os nllm."
1Ii sff .rmcs. t\1õ.lS;1 imprL'"Ss<1n de ameaça é. de faro, tlc\'ida
~l 11111" torçãn particular da coluna vertebral, Ob~c r\'c-sc
l'nmn Grilssu, u fim de mostrar scu x olhos purau ~ cs pcc-
,,,dores. não fica de pcrfil. mas ele Creme, c é. portunm,
r:\-19. S,mjllkra P~lIli~rllh i IHOSml dois msa, dllas rcprcscntaçôcs de Cl11flt;iio , da dan\'uOdis.sí: temor (~ cstfucnb) s: ("ml"r(;"l~jdl}" uumrcr suas pupilax nos l'amOS dos seus
, k .'i',~os ro
(;1 dirciru). '\s nove represen tações tln xcutimcnro (amor, heroísmo, l'omp:lixão. ~1:'ó sn l1l h ;'fJ. ri_'m••mi.í~(lóI. olho s. ~I fim de olhar .';CII ad vcr sdnu , Me ycrhohl viu
l:úkra. medu c tranqiiilid:iltlc) iI tntbs ;I~ fUflll;lS rmliieifln:l is c estilos tle t1 :II1ÇHL~llrl) dói Illlliil. c
.,,;'iH t:UIllIIll'\ GiU\';lllni ( ;rasso l hHõ.1 nlC Hm~l rurnê tIue este fez n.1

dependem 'II n p b mc nrc tia c~l'rcss~n r'lcial. () resto til) CurpCl. os h~I\'ns c :lS m:io.'i .m hlinhal1l :1 rcpr c.scnt:I 4;'ôln do Rlíssi" c, de acurdo cum Glilllknv. efllllenfUtJ: " Fiquci
"Õcnri ltlc llt o. IlU " n:lu S:ifl tlcrt.: rmin;, ~[cs t:111 SII:' Ill;l nifcsr;u..-:.i n OllU!) é n rn~rn.. I ti IIm 'l rd'lL":,lo t1i ;II~( i GI nh:oic:r\'iín:1 d~s rcv,r&I .slla híomc6in ÍL"':'1 tllT:.lOdo \'i
ciellte de 111l1ililS

l:Il Cn':;I dirl't) o do..olhos c ;t du rronclI c.: tI:'1 L.:oJlln:1 \,c rrd 1f:;': a Jçi o de n.:r j;í é 1I1ll:.! rC;I ~":.io tie scnrimcllw . Gfi.lsso. n milgnílico õl{O( l r:i~it:() sÍL"'ili:'lno, representar"_

~:~~,:~~~;;~~:-I:l~ci:~r:~~~~~:;;~~~.~I~~;:,:~r;./1----,,\\(.;'.i.:.;- ; f:~~}
eles aux,h'lJll os ,ltores lH IllC11"lIs arru- i~': " , ... b~;" ,
m'lOdo a manga do q llimono. erguendo :' . ~ . • ,
uma cauda de vestido. mudando ,I po- ' .
C. "
siçãode um ;lcessório (um longo sabre, um
r"lllode flores). criando Ullla série de raios
concêntricos ao redo r do ;Hor que cstá
It..c ~ .;' -<.• .,.11. .i
zn.2.~ . Exefllplf1" de mil' (mu .';l(:lIll1n us ulhll"): em pinw (a tln séCllln XVIII dn pintor Sllôlmkll ( 1794) e por :Irnn;s
exeeu t'llldo o lIIi~. O ter mo mie refe re-se.
t-olltn np"J;i nclt"l tln K;lllIIki.
11 0 OUlOS E ROSTO
Mostrar' qu e se vê
"Par" mim a palavra convulsiva, que use i
para definir beleza, pe rderá todo o se u
significado se for aplicada ao movimen to e
não ao momento preciso no q ual esse
movimento púru. Em minha opi nião não
pode have r be leza - beleza convulsiva-c- ..i
~

que niio assegur e a reln ção recíproca q ue


liga o esta do de moviment o c o estado de
repouso do obje to e m q uest ão".
(André Brcton, L '1I 1110Ilr (01l)
"No passado, q uando a (mica iluminação
no teatro Kubuki (e tamb ém ocide ntal)
eram velas e lâmpada s a óleo, os atores rc-
'(
prcscntu vurn q uuse no esc uro,cons idcrun-
I
do que a sala era iluminada normalmente
sem nenhum efe ito d:1 golfada mística
wugneriuna. Aconteci. en tiio qu e um uju-
dunte de cenu seg uia o protagonista ao re-
do r do palco, carrega ndo uma 10ng:1 V:Ha
de bambu cm cuja extremidade havia
urna vela nu m pe q uc no prato. Assim, o
rosto do :1tor, a part e supe rior do tronco e
bruçoseram ilumina dos se m que o njudan-
te estivesse visíve l 'l OS espec tadores. Apc-
sur desse dispos itivo. eru necessário dar
tempo aos espectad ores para colhe r a ex-
pressão do utor, pelo menos nos momen -
tos mais cruciais do drama ; ex pressão que
na pen um b ra da cc nu não poderia ser
colhida, dado qu e os espec tadores esta-
vam freq üen tement e ocupados com ou-
nus atividades: com end o, bebendo chá.
conversando .
Pode-se s upo r q uc essa situação origi-
nau o costume dos ato res do Kabuki de
parar. ou melhor, de cortar, como eles ()
descrevem, um mir (Iitcrulmentc, "mos-
trar"). Por que cortur? A postu rado ato r no
nn« poderiaser descr ita como parar o filme
naquele forogrumu particular, no qual o
ator cstá mostrando uma ten são especial:
daí o signifi cado de cortar a a ção C de
bloquear uma imobi lidade viva. j,i enco n-
tramos esse fenômeno no capítu lo sob re "\
E nergia. quando nos refer imos à posição
doutorna Ópera de Peq uim. chamada /illll
JÚIl II (parara ação), qu e. com toda ce rteza ,
é ,I origem mais exata do lJIit.
O IIJita indu é praticado no teatro 1" 11>11-
ki, apesar de hoje o palco es tar tota lme nte
iluminado. O mi« é, de fato. uma das ca-
ractcrísticus téc nicas mais espetaculares
doutor de Kabuki, uma virt uosidude com-
prc e ndidu c apreciada pelos espectado-
res. ~·h s o que é exa tamente um llJir?
Poder-se -ia dizer qu e urna representa -
ção Kubuk i é u ma trunsiçâo de um IIJit p:,r"
outr o. isto é. de um ápice de te nsão paru
outro. O tempo entre essas posições é
II
fluido porque, de futo. e los ocorrem no fim "
de cada cena . As vezes . é mesmo um C,I SO
de superpose, de um grande '11111t1ro vivo.
no q ual todos os ato res sec undários e ajn-
dantes dc ce na parti cipam por meio de
urna série de ações utc utus C silenciosas:
e les auxiliam os atores principais arru-
mundo a rn ungu do q uimono , erg uendo
uma ciluda de vestido. mud ando ,I (lo-
siçãode um acess õrio turu longo sabre, um
ramo de flores). cr iando uma série de raios ,i
concên tricos ao redo r do ilt.or que csni
zO-.n . E XL'lllplo'\ de mil' (llluSrr:lndll us olhl1';:); t,;11\ pinrunr do século XVIII do pin tor Sll:lmkll ( 179 l) c por unires
f
exec utando o lJIie. O te rmo JlJir: refe re-se,
do Kahuki.
I ·O ll l t'llI p or :i lll:m :
OLl-IOS E ROSTO 111

~\

-f
112 oi.nos E ROSTO
entretanto. somente postu ra do utor prin-
à

cipal ; o centro dessa postura, o suporte de


tod o o conj u n to s.io os olhos. que at ruc rn
ine vitave lmente a atenção do espectador.
Po rq uê!
Pura urn ator de Kabuki, COl"lO" nm nn«
significa parar subitamente no meio de
u m rurbi lhiio de .u ividudcs, 'IPÓS ter fei to
movime ntos expansivos do braço e urre-
galado os olh os amplamente (as pupi las
cruzam, os olhos se retorcem como se
fossem saltar da cabeça do ator). Mas , o -::;-

que pod er ia parecer ape n'ls um ,mifício


bizarro para 'mostrar' com o 11m ator pode
ve r é, de fato, um jogo drurnárico mais
su til. Uma ou ambas ,IS pupilas se cr uzam,
dep endendo para onde o ator quer di rigir
a sua c, portanto, a atenção do espectador.
As pup ilas funci onam como uma lente de
teleobjetiva, variando a imagem numa
tomad,! da câme ra,
Por exemplo, um emprcg'ldo est áscn -
tudo " dir eita de um sumurui e lhc Erla
sobre alguma coisa descuidada que fez,
algo irremediável e per igoso para seu P'I-
não. P,rra sublinhar essa d cs.iprovnção c
fixá-Ia no unr, o ator que fuz o papel do
sumurui dirige seu olho esquerdo pura o
em pregado sentado ,I sua dire ita, cnq U'IIl-
to seu olho direito continua a fitar em
frente , em direção 'I aS espectadores. Se 'I
s it uação exige urnu atuação simultânea,
tant o do sumurai quanto do empregado,
eles olha riam um em direção '10 outro .
Acontece, às vezes, que diversa s pe rsona-
gens cc ngclam no mie. O resultado é um
fantástico cruzame nto de olhos numa tri-
ungu luçâo extra vagante.
A focuiizução da atenção c ,I te nsão
produ zida no ator são com unicadas aos
esp ectadores, subl inhadas não somente
pela suspensão de qua lque r outra ' IÇ"O
cênica - todos os atores 11"0 en volv idos
param e esperam pejo seu desenlace -
mas também por alguns golp es que um
músico d;' com pequenos tacos de mudei -
ru: duas pancadas para ind icar o começo do
'I
movimento que co nd uz pose, depo is
um a saraivada de pancadas durante a imo-
b ilidude mie c, finalmen te, mais dois gol-
pes pura anunciar q ue o iJI/e te rnunou.
Esses golpes intensificam a emoção e sa-
codem os espectadores durante a fase d ra-
má tica. Ainda hoje , como conseqüên cia
disso, o públ ico gcru lmc ntc aplaude seus
atores quando estes alcançam, da mesm a
fOfl1w ,s eu d fl!lo.rmá ximo. Esse máximo é
expresso por uma tensão qu e cst.i pam
exp lodir, no entan to é contida. Mesmo
imóvel, o corpo do ato r nunca está ine rte.
Idas o mais importante é o uso dra-
matlirgieo dos olhos . Usuudo IIm,1 de -
formação do seu aparelho óptico, o ator ti
nos mostra fisicamente as vicissitudes as- ti
sumidas pelo drama nas relações entre as I'
personagens.
1;1
Se, como tem sido dito, o teatro ' mos-
tra as relações entre os homens', o Kubuki
co nfirm. que isso está relacionado com
urna representação que passa atra vés, e
unic.une nrc , do corpo do ator."
(Nicola Savurcse, O tea/ro 1/0 oimnrn c/17m.)
Zíl-l.<J. f':xcmplos de c ncf;:;i;lno temp o l"O l11 oS olho...: Eric nn c DCCHHlX [c ru rim:!.:1esquerda): Dar io Fo <em cima. /
,Iift';r:l): /) :1I 1l1 dJill ê'õ Me i I.:lllriln;.:- (centro): C !l;lr!cs DilUi!) (em haixu)
o LI-lOS E I~OSTO 113

--- I
I
I
I
I
i
~)
I
I
J
-1 1.(:"1/.", .,
./..,..7r.;.,.,;".

.lO-.H . E m cima, ;'1 c xq ucn la, c uhaixn, ii es q ue rda, ato res


de Kubnki !l1I1lJ JJli~. mos trando HS olho s. Em cima , ;1
direita, Cl l"C"Jl. I)arisicnsc do sét.:llln XVIII parn nmu rc-
prcsc uruçâo de caret as c ex ibiç ões ti:ooil1nill1lki.ls. r\lllitos
"a rorcx" tl:1 é poca tornaram-se pnpularcs e m represe nta-
{J ie 'Õ iflmCllenrc a/()T(l lllõuJa."', 11"e C0I1...isr;;lrl ) em Il:,d :l
ma is do que a rcprc sc ntm;:io de um a sé rie de curcras:
num quar to escuro. ihnu inadu som c ncc por vclu, que
;,ICCnUI;I\ 'il os rruços fad:tis c cu ncc ruruvu :1 :lrcllf:.'iiu dnx
cs pccr adorcs nn expressão fuciul. os atores lmitav.nu
md:ls 'IS \';Íri:ls puixõcs '1ue poxsivchucu rc pndcr; ;11Il ser
ex primidas pelo rosto humano. ,'h'lixo, ~I direita. 11111
njudantc de CCI1:1 ilumina o ne to dn ator com 1II11:t vela
coloca da l1a pomot de uma \'"J T';t de bam b u, 11111 ;1 cnnvc n-
l.:oio con hecida cntllu /s ,,,rl airrri, " luz do ros to" Ü~r' I\· IIr: 1
IIcidcnc:t1 ti" sét.:lIlu XrX).
114 OLl-IOS E ROSTO

I ~,~
I
I
t

.l~k :\
huhilidndc in:II:1 do'i anima ix pura "mostrar se u... dc utcx" (o:; C:1I1iIlO'i) tamb ém se cn cnurra no" seres huma nos.
do (;lI1I;lI1ho rcdnzjdu tio ~l pil rcl l Hl d C II (;í riu . A fim de dcmousrmr . iS~l) fi crc'llnhu I·:ihl-I·:ihc... Ichlr fc7. 11111 :1
o rosto nu turu l ''1I1.:'i :t f
C(lmp;I~I ~~ifl entre 11111 bnh u iuo. 11m uror til: Kubnki c IIm :1 cr iuuçu irri r.n la.
Como parte do se u estudo de cert as fa-
culdades inatas tunro no homem q uanto nos
~
~~
animais. o erólogo Eibl-Eibcsfcldt chama a
urcnção para o ges to de mostrar os dentes.
que é com um tanto no homem q uant o nos
!?3J~ \/ \(
l

untrop omo rfos. Isso é particularmente ver-


'~
d.ule quanto ,[OS de ntes caninos. mes mo que
"nossos cani nos su periores tenham diminu í- (~\ : -)
.11
do de taman ho". Isso significa q ue o "mód u- "---/"
lo motor tCI11 sob reviv ido à redu ção do órg"o
q ue estava acos tumado a ser mostrado". Eibl-
dJ~
~
Eibcsfcl dr mostra um babu íno (mumlfcro da
6éY
c~-
COSta d'l Guiné ), em suas ilustrações (Fig.
34), um ator Kubuk i fazend o mímica de ir,[e \/ \/

t~ ~
uma criança irritada. Usando a expressão da
mímica da ira. o ctólogo sublinha , se m inte n-
ção, a tran sformação de uma técnica cotidin- -::.
na nu ma técn ica extrucoridiunu: esses gestos ~ -....../
fuciuis são, de fato. o equivalente do I//ir. de
um ator de Kabuk i.
A exp ressão "mostrar os dentes" é tão ~ ~~ '.
rica em signitie,[do q ue P,[SSOU da fisiologia
~. l(~ " ./

pam o provérbio. T odo mundo sabe q ue os


olhos. os músculos faciais, a boca c mes mo 'IS
ore lhas (q uando ficam vermelhas) são im- Jt ~
porta nrcs ind icadores d'IS intenções e senti-
"
--.........../
------..-'
mentos dos se res vivos, mas isso 11"0 nos
deveria fazer perder de vista outra observa- . :::-- /

W ~
ção: como está demons trado pelo ato r de
K,[buki que es tá faze ndo a mímica da iru, um
~\ V~

~.M:-)I
espe ctador reco nhecerá uurornaticamcntc '[5 rPi/ ~

~
intenções e sentime ntos de um ator, indc -
pc rulen remenre do que o ator em si esni
se ntindo e ex peri mentando, desde q ue e le
~~ I.- J
f,[ç,[se us olhos e músculos faciais assumire m '--.-/
uma posição prec isa,
Esta é uma d,ISnu merosas implicações da I
SJ;~
J' · L
pré-exp ressividude, f,unili'lr tanto ao ator ~~3
oriental quanto ocidental. como dem onstra- ~\\\C-..)-
. ..! ~ ),,\'
do pelas pranchas de :l arterfnmimica (190 I)
I-r~
de Aubcrr . c as máscaras usadas no reutro Nô
japonê s (Eigs, 35-36). A máscara torna-se um
7 r»;
\(~~
~

rosto c o rosto uma nuiscuru. Não é a psicolo- ~


gia dos sc urimc nros, mas a unatomiu das for-
mas. li uc está se ndo traradu aqui.
-----.J

.l.1-.lfl. ,\I imira Elri:ll: illl\ (r;l{::lll de :1 m tc I/lI mimira (Paris, 19(1) rlc Aubcrr . c clcxcnhus em per fil de mâscarus
r
!
l' 0 plll:lfCS j: IIl4JHC>i;I'iIi de Nr, e Kyo~e n. 1\ seme lha nça en tre ilS c .'qm.:ssiks d esenhadas por Auhcrt e 0I:i das nuiscnru s

j;t pOUC'ã:I'ã r,; nm:ín :l. l\bi s uin da . vale a pe na nhscn-ar qu c õlS p rimc irax cxpoxiçõcs de ve lhas nulscnrus Nó 11;1 l-:uropD
no fim do século XIX, furam cuidu rtos.nucurc CSCUd:ld:l:O: n3"o some nte pnr :lrrisr;ls e cririco.. de «rrc, 111:15 nnub ém por
Jl lr,;diClI'i c cicntictav, que :' 'i convidc runuu c:ulIllllõcl1lfu c xcc pcionnluunue exatas unanu nicuncn rc.

r
\
OLl-IOS E ROSTO 11 5

II
.;i. Apesar d e o,s m úsculos f:tci;,is ni'iormhalha rc tu im lc pc udcn rcmc nrc 11111 do OIH rtI, :1 Exprc.'\.'iiM,;s: I./nl/l/fllis: arcn çâo, xurprcsu: l. nr!Jim /tlJis 1Jr.Jr!i: rcflc xân, Illcll i[;u:~i l); J.
cxp rc...xiiu faei:.l é de te rm inada lll.:fo predom ínio d t.: lU I1 desse s Iluhc ltlo'ô sob re os /'17111:111.("• .severidade, :lI I1CUt;:l . 'l~rcssã (l: 4. m'TlIglllfJJ ~ d C.S:l/!;r:Hlo , m;ígoa ; S. :...~J.:c:lJIll11limJ
omrO'i. Nc..r:l ilusrmçâu de SU;! t lf/lllolJú" p llln m tisrns, () un nromisrn rranc ê.'i DII\':a1 Jl/1{ilJ/: rivu; 6. I' -",'({IIW /" vi i .\'/I/,n i olü a ,,11l1: unsi: dcscon rcnramcn ro• •rf1 ic:"':l. o; 7. fei.:II I"r
I11ClSm', (11 H.': t.:li.:i rfl';xcri. un crindox SI.:o.. l1l(IS l:l llllS ( :1d o'i..,; pude ssem fun cionar indc pc n- ftlhii:, a n iç~o cxrrcmu . choro; K. mJlJ/Jl~:,ü'/11' IIIIJÚ: ;l(cn~.io. ~c n~lI ;did:ld c; 9. lJrlJiI'll/ll á {
dc urcmcnrc. As cx prcxxôcx rcsulraurcs 1ll0Srr:11II c knum c urc 1111t.: I) movimento li..illlú - IJriJ: c . . ci mio: 10. dr:/m::i.fflJ' l/I~'!,ltli lJIif: dcx prczu : 11. flr/,,.t:.(~(J,. III/lii iJ~/í:tilJliJ: d C:ignsrn;
;.:,íco pu ro re m em si 11mcfd rll coh rc a pt.:rc t.:pc;ão dn cspccrador. 12:. f1111~rJlJ/IJ: ruivu, lI1~gn;l . mrrum, fnrl.-": I e xtrema .
116 OLHOS E ROSTO
o rosto pintado
Toda s as cultu ras reurruis procuram dru-
matizar os aspectos faciais uccntuundo-os ,
dcformumlo-os ou alargando -os. Os utores
Kuthukul i praticam um exe rcício especial,
justamente para reforçar os múscu los do glo-
bo ocular e aumentar a mobilidade das pupi-
las (Fig. 39). Corn plemenrurmcntc, antes de
uma represent ação, ele s inserem um grão de
pimenta vermelha abaixo das pálpeb ras: o
sangue flui para a área dos olhos por causa da
irritação causada pelo grão dc pimenta c faz
com que a face pintada de uzul e verde dos
heróis c demônios pareça sobrenatural.
A muquiugem d. Ópera de Pequim trans-
forma o rosto dos atores num" genuína más-
cara (Figs. 40-41) e informa o espectador
acerca do papel e sua característica dominan-
te; coragem, esperteza, sabedoria, estup idez,
maldade... As combinações de cores que
acentuam os traços faciais produzem efeitos
impressionantes. Os papéis femininos são
caracte rizados por uma viva cor rosa que cn-
futizuos olhos bem abert os (é costume puxar
a pele d'i testa a fim de alarg:ir os olhos).
As mesmas cores impressionantes são en-
contradas nos rostos de atores de Kubuki
(Fig. 42), c o efeito é aumentado pelo olhar
fixo c distorcido do mir.. Os estilos de pen-
teado fazem a testa retroceder para o meio
do crânio, de modo que as sobrancelhas pos-
sam ser pintadus bem alto, fazen do com que
os olhos pareçam maiores.
Os mímicos usam uma técnica especial
para puxar os m úsculos faciais e levar a ex-
pressividade além dos limites do comporta-
men to cotidiano c convencional.
Exercícios desse tipo. o uso de muquia-
gem, penteado s especiai s e cores artificiais
tornam possível ao ator modificar completa-
mente a exp ressão e usá-lu de uma maneira
cxtracoridiuna, fria e culculudu. Um sistema
gcométrico efetivo é usado, tanto lia Japão
quant o nu China, pura calcular o desenho du
muquiugem de acordo com as dimensões fa-
ciais. O suor no rosto dos atores dá às cores
:W. i\wr K:uh:tkali, f\1.P. Sankaran Namboodiri, com 11l;1l1 1lj;1 ~l: 111 filc;i:'11 numa dc mos rruçâc no ISTA de l lolsrcb ro
metálicas da muquiugem uma pátinu cinti-
(J~Xr.) .
lante, que aumenta a ilusão de vida. Este
efeito não parece comp letamente não-natu-
ral ao espectador, pois o rosto mantém toda a
sua mobilidade.

-.,

4IJ·41. I>rol)(lr\=õl;s de linh« c em cru duas ll1õl11 lliag c IIS de ÓpL:r.1 de Pequim.
OLHOS lo: ROSTO 117

~.

42. I\l:lquiaJ,!;l.:1ll faciul de IlIH «ror de Kahnki fôlzc ntlo 11m une. Observe como c!\ril m ~lqlliil J,!;cm uxnucorhlinun c x i~c que mcxmn [) inte rior da hoca seja maquiado.

4.;-44. '\ cs q ucnla, ~r.I\'uril l:llCo l1Crillht num livrn sobre CI


t eat ro j ;ll }u nêll Kabuki, pnblic uln e m IHOZ, ' Inc I1lnSr ~1 ;1
" L~lnc)~ nlIi;t" do rn•sto dc 11mOI/Jlft~(f"'. ator que rc prc sc n-
ra !l;I,W::is l"cl1linim)s. I':stôl "ca rtugrufia" n n ll i11)C ll il.l\ deve
rrnnsforruar IIIll homem, mas também deve realçar u
SCIlSllillidadc Lins olhos. Primeiro, u rosto é cobcrm com
1111 1;1 CSllC~S;1 L'"Jll1ad il de p a stu brunes: o s Sill:1is u a ~f:I \'I IJ"::1
ind icam :IS ií rcas que de vem c urflo ser coloridas, l lrua
~'0ll1 hr::1 :u'crlllcJh;llh,. li prime iro ~·i n.1I til' vc nsua lhladc. ê
desenh ada nos Iiíh lllos tias orel has. q ue :ião ~e r;l l men n:

". por peruca s. c nas sob runcc lhu...;. cuj us formas


OC ll !C;'I.

varia m ele aco rdo t:C1 111 n II<lJ1d (c h l~ sâo tam bém Ircqüc n-
te me nte r.1S p;'U.\;,l S) . 1\ cor msn turnu-sc vermelha sob ;IS
sobrunccllurs, ;1 fim de cvir ura criação de 11mcu utrasrc
viole nto com a linh., preta nu fuu dn branco. Vem, cnrão,
;1 ;i rc;'1 mnis " c régc na" t1n rosn e ~1 h()l..";1 vcnuc lho-Iogn,
se mp re P Ct(II Cn:I, mas com um lábio inf erior carnosn. e os
ctn ms tios olhos. Os o lhos Sàll p inr..dos COItlO se Ihs:..cru
UIII •• ;lmp!:l 1;íl.:"ri m ;1c n íci l..·'::I: a lin!);! vc n uclh» Ccsrcnditb
nu L":.IO UJ externo, cr;;ncl1llCl a hor da inferior do olhn c
e le vando-a suavemente paru foru. t\h.dxn tios olhns , tios
hlt los elo nariz. csni il ârcado encan to Il'HlIW I. de clcm ên-
ciusem mallcia, combiuuda com xcnsualidudc. Os dentes
são pintiltlns de preto nas mulheres c;IS:Il IaS. mulheres
nui x c mu lheres que t li ri~clll C 1S;,IS de prll~(i (ll içào. ,\
direi ta, 11m rustn de nUJ/l/gl/lll j:í p rc paradn .
ItR OU-lOS E [WSTO
o r o s to provis ório
Por um l.ulo h:.í um dese jo de rcutraliz,u. iS[(J
é , dramatizara rosto do ator com sua diluruç âo:
por outro, no caso tle c cdificaç ão precisa, lui
necessidade tle respeitar as regras de vida: j;Í
vimos isso quantia dcscrc vcmos com oos olhos
siio ergu idos trint a graus ucimn do horizonte
normal, a fim de modificar as tensões da co-
lun u ve rtebral. Mas h:.í ainda outra possibili -
dade, outr a manei ra de dar ao rosto uma
dimensão exuucotidiana: a m.iscuru.
Quantia os atores colocam uma m áscara,é
com o se seu corpo fosse sub itamente dccapi -
tudo. Eles desistem de todo movimento e
expressão da musculatura facial. t\ cxt ruordi-
n.iri« rique za tio rosto des aparece. [-[:.í uma tal
resist ência criada ent re o rosto jJrovisário (la-
II/ r. /J em japonês) c o ator que essa con versão

do rosto em algo aparentemente morto pod e,


de fato, fazer com que se pense em uma
decapita ção. Este é.nu ver dade, um dos maio-
res des afios do ator: truns form:u um objeto
est ático, imóvel, fixo, num perfil vivo e su-
ge stivo.
Os teatros, tais como o N Ô, levam o uso da
m.iscuruao extremo, descob rindo c aduptun -
45. 1i\1:llle Huudc tn. dun çurino balinêx c c....n ulioso de tC:H W, mosrruudn ccmo n urnr deve cn con trur seu rosto "r eal "
do leis para a exp ressão, e desenvolvendo c "1:11:m" se e le de seja fazer com que 111ll ;1 uulvcaru se rurn c viv,i.
uma técnica de construção extremamente
I
refinada , q ue torna as m.iscurus do Nô verdu-
dc irusobras- primas de escultura. Quando sa- "
biamente animado com o uso de uma te nsã o
apropriada da coluna vertebral e com tremo-
res de licados e inclinações que exploram o
jogo de luze sombra, esse obje to, que p:ll'ece
mo rto, adqui re uma vida miracu losa (Fig . 41»).
Hoje, o teatro ociden tal com freqüênci a
rej e ita a máscurucomo algo artificial, que su-
foca o ator. [viesmo quando um ator, como o
mímico Dccro ux, desej a ap:lgar o rosto ( De-
croux sustcn tu q ue o rosto e as mãos são "os
ins trume ntos de ment iras e os apóstolos da
tagare lice"), usa máscaras neutras ou pano
transpa rente c niio um rosto jJlVvisál'io, ou
mesmo nrrias-urdsca ras, que somente sobrem
parte do rosto (geralm ente a parte superior,
co mo na Conuu cdiu dcll 'Artc ou no teatro
buliu ês (Figs. 46-47) e dão certa liberdade ao
ator .
Mas seria um e rro pens ar que, se um ato r
lisa lima m áscuru.seu rosto é esquecido. De
acord o com o hábito bulinês, o rosto abaixo da
nuiscuru deve representar. Muis ainda, Se se
deseja que a nuiscura viva. o rosto deve assu-
mir a 111eS 111a ex pressiío que a nuiscuru (Fig .
45 ): o rosto de ve riro u chora r com a m.iscaru.
lsro não é um exce sso de ze lo. Representar
co m uma nuis cura, usa ndo- a para expressa r
reações e scn limc ntose se ndo capaz de orie n-
tar-se no espaço, apes ar de restring ir o campo
de visão, ex ige ações que forçam o resto do
corpo :1 trabalhar de um modo purt iculur.
Q ualq ue r U111 que tenha trabalhado com umu
m.iscurasabe qu e o uso do corpo é totalmente
d ifercn rc qua ndo se cst.i usando lima, mcs -
1110 Se as uçõc s executad as sejam :IS mesmas .

47·41'i. i\
esquerda. Dario 1"0 numa dcmon srruç..i ll 11:1
I ST A de Volrcrm (l<)1'iI ).lIs:lndo lima mdccnm hufiucca
'''/H.'llg sc mclbanrc ,'1llsal!,\ por Pnnrslcâo li; ' COIllllll.:di:,
ddl 'i\rn ":::1 di reita. uuiscuru Nrl de 11m homem vc llu •.
OLHOS E ROSTO 11 9

~l)_5.0. () f(l'i(n vivo como II Ul:! uuixcuru. Em cima. 0'\

utorc- Zhi ~ni c\\' Cvnkur is c Rvszunl Cic.'dak em CCI1;1 tle


.1i·/"tJj1fJliJ. 11m tcX((') d :íssicn ll(~ t1 r.l ma tnr~n polonês Sra-
uixlaw \Vyspiallski (1:\69-19U7), .ull pmdn c tliri;.:;itln por
nmru\\'sk i í' Fcarro-Lab orar éri« d:IS Treze F ihlS, (Jpolc .
1961 l. () " utorcs 111.1nrÍ\·cr::1111 as mcxmnx c xprcsvõcs mi-
m ÍL':I'i dnmurc rrula OI rcprcsc ur açâo: cCl l1l pnsirtx;:\ r;It:Í;lis
qu e . ;c ronumuu m:í'il." "'IS rea is por l.~II I '\a do us u de
11l1í'it.:llln s parric ularc x. Em h ;tÍXII, M cvcrhoh l (sr.:ncado).
durante IIIll ensaio d'l cena tin;,1 de () ;JJ.I·/lrlnr .~.,.'l'm l . de

i (, ligo!. () diretor russo CS[~ mnsrnuu l« ;10 Se U aror cnmn


cn ll.!!.c br n rost o 11;1e xpr ess ão lin:!\.
~.---
-,

1-2. Pu."..ilr-.1n b:í..iC::1 do pé nu du nça ba linc su. Observe a rcns:io no dedã o. l:()111 inclinnç..io P:II";I cinur.
Microcosmo-macrocosmo
Todos os princípios da técnica extrucoti-
diuna, assim como os da pré-expressividadc
do ator (cf. Pré-exprtssivitlode), são encontra-
dos na posição básica do pé do ator balinês
(Figs. 1-2):
- a alteração do equilíbrio;
- a oposição de direções;
- a destruição do peso e da forçada inércia
pelo jogo d ~ tensões Feras e lIIol/is {cf. Ea sr-
ginj recria um eq uivalente às tensões do de-
dão na vida cot idiana.
O pé exemplifica um tipo particular de
vida, como num microcosmo. A vida quc flui -~ ~~ i
continuamente através dos corpos dos re-
cém-nascidos é vista espelhada no movi- '\ .. ~r·.-~

mento constante dos dedos de seus pés. A


posição do pé do ator hulinês sugere que ele
est á tentando descobrir um equivalente à
vida que e le teve quando criança recém-
nascida, q uando o pé não estava aculturudo
por um modo de caminhar e pelos sapatos. É
interessante notar como essa vida foi recons-
truída por meio de uma nova aculturação do
pé. Diz-se que a revolução da dança mode r-
na nasce u quando os dançarinos começaram


a dunçur descalços. T odos os atores e dança-
rinos indianos (Kathukali, Bhuruta Nutvam,
Odissi)também representam descalços, corno
o fazem os dançarinos no Sudeste Asiático,
'I
do Cam boja Indonésia. Com exceção de
... ' -,'~
alguns poucos pap éis específicos, os pés dos
atores japonese s e chineses são cobertos so-
mente com me ias especiais, que lhes per mi- ......-
tem deslizar os pés.
Mas não de vem os ser enganados pelo fato
de q ue o pé descalço pareça "livre": nos
teatros codificados, o pé descalçose adapta a '"
posições dcformuntes, como se usasse tipos
particulares de calçados. Essas deformações
do pé resultam em variações de equilíbrio.
modos especiais de andar e manutenç ão de
diferentes tensões no corpo inteiro. Sejam os
pés deformados por calçados especiais, se-
jam livres, e les determinam o tônus do corpo
c sua dinâmica no espaço.

3-4 . Pusição hásicl do pê no Kuthakal i, O bserve CI)Jl1n os dcdns estão en co lhidos c como n peso es tj n)lni:ldo nos l:nlos
externos do pé.
rÉs 12 1

5. Um;l elas mane iras de ,Ulltar IISilll:1 pcl us urorc..~ em :Ihnjmlir. lh.: \Vysp ian 'iki, d ifÍ;.:,idu por ( Irorowski (ICJ62). A açâo cên ica aco ntecia em ,,"írius níveis; nx cs pc ce ulc rcs C:I:[;("<l11I
SCI1(.I\ Io.,\ en tre esses \':írins níveis [ xcux mscus podem ser vistos 1111 Iiuu!n). I\s."ô im , as pc mnx c p6 dos ato res Idcícn uado s por ~mllllcs cr lç rdos de madeira) CSt:lV<lI11. com
frcq iiênci :l. dirc rumcurc na linh a de visão tios uxpcc rurlorcx. O rirmo c u m:u1<;ir.1 de atnla r C \ 'UCIViIOl o rruhnlho exau stivo uns pr isioneir o» num ca m po de conccntrução nazisra.
ntu hic n raç âo esco lhida paru a pn xlu ç..i o do clássico polnnc;s du iníciu tlu sé culo XX.
122 r l~S

Nas pontas
Pc tipo, grande coreógr afo francês e funda-
dor de um estilo de d.rnç.r cl.issicu, afirmava
que estar "na ponta é da r o toq ue li n,d ,I
compos ição do quad ro". Esta virtuosidudc ,
caracte rística das bailarinas e qu ase um sím-
bolo do balé clássico, é somente a última de
uma série de possibil idades para o liSO do pé.
Foi vista pela primei ra vez e m lXXO. quando
Carlo Blasis desenvolve u novus t écnicas de
dan ça com ° auxílio dc .5'lp'lC ilhas especial-
me n te construídas, re forçadas.
Dançar " nas ponta s" evi de ncia, por parte
da tradição. maior rrubulho sobre uma parte
especifica do corp o e uma tc nra tiva de ex -
ploni-Iu c melhorar se u pote ncial na dire ção '
d'l técn ica extrucotidiun». Nas Latrrs snr la
dlIlW' (C(l1"/11.\' sobre (I Dança, 17(0), Novcrrc F'

estab e lece u os'se te movi mentos fundam en -


tais do hul é: dobmr, aloagar. lr.vIlI/lar. .((/I/(Ir.
de.di"'II/'. gim r. lall(llr-sr.. Desde CSS'I ép oca,
todas as builuriuus e core ógrafos tê m udicio-
nado. interpretado ou corrig ido 'I tradição
lrunccsa 'ISS U,iS própri as munci ras. O c ncoru-
jume nto de Nove rrc sob re o moviment o li-
vrc do corpo e. es pec ialme nte, 'I fixuç âo de
reg ras puru esse mo vimento são de grande
importância, mas mu ito mais revolucion ário
é e le ter estabe lecido u m prin cípio Iun-
damcn ru! que ne nhu m d os seus sucessores
foi cupuz de refutar: não se pode e nte nder os
set e movimentos isoladam en te, nem esta- " -_
..-_._-- - ---
bele cer reg,'IS p'lr" cada parte do corpo se
c lus são conside radas scpurad umcntc.
A un.uomiu do co rpo hUm'"10 é es trutura -
da de tal maneira q ue mesmo um simples
movime nto de uma parte ind ivid ual resulta
n um eco muscHbr em tod as as out ras pane s.
Conseqüenteme nte, as regras que govern,uH
os pés no balé clássico. e em todas as formas
de te atrocodific.ulo, some nte podem ser con-
sidc rudus em relação ao resto do corpo. '[':11
consideração, esse ncial e basicumentc sim-
ples. parece ria óbvia e ainda assim é Ul11a
:-i. r\ :Ul:IlOlUi:1du pé de uma h:lil:lrin:l d ;Í'\..i<.'. ;I11cidcnral "n:1pnura". ().; 1.Ii:l;.:rall1:ls muxrmm qu e: h:í \':Íri:ls maneirasde
caracte rística pec uliar dos grandes mestres SI.: es tar " 11;1 IHH H;I ". dcpcudcruln dn ~lr[i l'lI l:I \':i llllo d c l! üCl. i
í"
de balé e bailarinos. Eb distingue os qu e
so mente tratam das t écnicas e suas regras.
q ue organizam as di ferent es partes do corpo
e SC l lS movimen tos. dos q ue domi nam a r éc-
nicu e são capuzes de coorde nar a uçüo do
corpo c criar uniu sín tese pessoal. se u pró-
prio estilo.

I). ni :l ~ r:lI n;1 do mo vimcut n " 11:1 punr u" , extraídu d.·
11l:1111l:,1 rlc d;l nl;~ ll." l;hs i(,..;t de Kirxrcin. t\ C:1IIHpanh:nlu P'"
oscil:u;i;c.'I: tio hr:It:II. 11 t:orpfl da h:lilotrin;1 ruru c- sc " ••
meiu de II IH :I x éric de I11l1d :Ull.-;IS q ll;ISC imo
l..:'ip:U;O pUl'

pc rcc ptivc i.. 11:1 11I ISi, :il) d (IS tl cdiic~ l) m ovimc nm I:l. l i·
di:llJuUJJ uormnl. 1111I :1 perna sC.:::~l i l1tl 11 :t 1lIJr("J . é SUI' !:tIl'
[;1\111:lI co r!'tl p:II'Ct.:C flnmcr ;1[I";.1\'é s dll P:I1çIl .
Pl~S
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- - - - - - - _.. ---- -- - -- -- - - -
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..;'.

( ...·iF!Cl i

10-1L Acxqu cn ]u, cs r.lIl1p:1


di) ," ~ l,; I I I ( 1 XIXlI:1 f;11110Sal);l i-
lri a n d.ís s ic:1
u vicn c ns c

Fallllv Essk r(l XllI.IXX4). 1\


maneira de c.uuinhar no h.d~
chixxicn ucidc urul Il:( . ..v ia-se
no..,; Il H:..iólllfl." princípiw.,: de
op osil.:-j u c ncouuu dos 1.:111 (111-
((;IS cukuras tcarruis (cf. Fi;,:.
12-19 S"c;':lIillrt,:S). Ante . ; de
!" I ~ :-il}. (lc;llçal!llll sal!C) 11( } halé
d :íssicn cru 11m:! simples su-
f . .
r : p:a ill1:l. sem reforço de I1H":-
ra ]. () pé n,i n ciu " pe rtado de
modo nenhum C :I snlu do pé
csruvu cru ;tl1lpl o cunrutn c om
n ch5o. Apesar dnrcnsão p ar:.I
cima c tio desejo de leveza
rípicn do 11:1 115 d ;íssicn, :1pnsi.
"'';1, 0 do pé era sem e lhante :i
visra em I11lliC:ls d:ln~'I :-' ori-
c ur a is: 11111 p~ ;1C: h;tradu nn
chão, outro "nu P0J1{:I " . Em
baixo , di:J~r.I I11" de 11m t:JJIrr.-
rlml (Iin:r.lII11CI1(C, "cnncla-
ç.uuc nro"). dcscnluul o IHll
Fricdcr ich Albcrt ZOrtl. Zor n
era o uuror d:'1 (,'!"IIIJIIUI /til.. tI!!r
'l"1III'::1.,III.'il ((,'rIllJllítirl/ til/llIlf.'
r . L: i p~i ~, IXX]). 11m
Ilfllllfll(fl.
prc.'a ihinso 111;111Il:l1 que sin-
rcrizava rodus ;IS inrnrma\=lics
técnicas s obre \ l;tn'r~1 ucum u-
knlax e ntre 1660 c IXX5. O
t:JJlrcrlml é 11 m sa lru rfpicn d o
ba lê d:í~si t:o: Il di tl~ral11:! lllns­
rm I IIH núme ro crescent e de
Ila [ i l l:t~ lI"IJ;lrri;':;1 tl:lS pc nurs.
J\~ bailarinas de hoje cu nsc -
]!.1lL:1lI :1[(.; oirn batidn...: Ni-
jinski cru C:lp:l1. de r:'lzcr ,Hé
dez , A cnJlllçio de s [c . .,,1(0
foi uma 11J;lI1l:ír:1 de 1110SU;lf
que i l bailuriua "não rem
pcsu'', que {} h:llé cl:ís xico da
cru do ronnmrixmosuiu dcfi-
nirivamcnrc tio chão,
124 P I~S

lZ 13 14

15 16 17

I
i
a-

I,
18 19

12-19. Ma ne ira de c....mi nhar 11õIll:ll1 fr':.l h' llincs :l, ilus tra-
da pc b jo\'em t1an\-";Hin;1 J:IS nu IS'TA de Volre rr«
(1<.ml ). C~l da p:l ssn é :1l:ull1\l;lnll:lII() IUl r 1111':1 11111l1:111<;:I
de ten s..io nus hr:lt:·'Us c mãos; c.".!;! m uda nçu nu parte
i
1
inte rior du corpo é ucomp unhudu po r II m ;1 nu ulunça
correspo ndente na p ilrte super ior. Esca nutnc ira de
cuminhur torna-se lima t écnica cxrrueoridiuna dcvldn f·
I
fem;:, IIS;II!;1 para colocar o pé 110 chão (I ~ ig.
:.I1I1.·t'rt/J,'1
12). E rgue r os dedos e nquan to L.. un in hu (F ig. 17)
resu lru numa te nsão ( P U; e leva n joe lho mais nlro li..
que n caminhar cot idi;JI111. t\ tc nsilo i·~"fI.\· nu ca lc un hur
crg llc »âo soruc urc u pé , mas, Ircqilcurcu-curc;» rcxru
tia perni l :\ urna altu ra maior do -q ue ;1 no rmal (q uan do
u j oelho nunca é lcvaurndo acima dOI ciu ruru c os pés
apon tam pura bui xn},
P l~S 125

2()·27. Muneim de caminhur no [ C:HW Ky()gc n, de-


monxrrudu por Kosnkc N omuru . O ,'Ç pt::i nun ca se
levantam do chriu. lHas des lizam sobre ele , ob ripuuln
(Jcorpo :1 encontrar 11tH" pos ição ma is buixu, llc modo
~i()cl h()s Il OSS:.tJ1l ser flexionados. O rcs ulnulo é
11m por te m uito p'lrticlIl ar. no '1" :11 os ombros nâu
sobem nem baixam U'U11n 110 cnuinha r cnrh liuno. O
;I (lI ( tio Kyngcn move-se de modo i nxinunnrc pam ia

freme: nunlançasn~l velocidade nãoultcrama urquirc-


rufa [mal do corpo . Vestido num q llÍ mnnd espaço s»,
que ocul ta nulo, menos os pés . li uror parece q uase
Iluruar ;,10 lonJ..:o do ch:iu.
126 P l~S
-Gram útica do pé I
!
"O modo pelo qual os pés são usados é a i
base de um a rcp rescnruçüo no palco. Os ~
movime ntos dos braços c mãos podem
ape nas uumcntur a cxpressividade dus
posições do corpo cstubcl eciduspelos pés.
I-lá muito s casos e m q ue a posição dos pés
determi na a força c a nuunçu da voz do
I
<!

ator. Um ator pode rcp rcscn rursc m braços


e mãos, mas ser ia inconcebível fazê-lo T ~

~~@@."',~-----+-=1'
sem os pés.
O Nô ce m sido defi nido como a oIrCC cio
camin har. Os movimen tos dos pés do ator
criam o meio e xpressivo. O uso básico dos
pés no Nô é cha mado de suri-ashi , o des-
lizar dos pés. O ator anda, gira c bate os pés
sem pre deslizando. As partes supe riores
do corpo são pratica ment e imóveis; e u t é '\
os movime n tos dos braços são limitu- <D
dos. Portanto, no teatro Nô os pés est ão
em relevo, Esses pés, encaixados no IlIbi
(me ias b rancas bifurcadas), fornece m um
dos mais profundos prazeres do Nõ , pois
e les se move m de uma posição de rcpo u-
se, des locando-se com se u próprio ritmo.
Tais exemplos de movimento do pé po-
de m ser criados graças a Uma relação ínti -
ma dos pés do ator com a superfície do
palco do Nô, A própria vidu da arte teatral
depende das relações de fixaçãoc profun-
deza dos pés no palco, para conseguir a
expressividudc dos movimentos do pé.
De fato, essa esp écie de arte de cuminh ur
este nde-se a toda reprcsc ntução tea tral."
(T udashi Suzuki, O cfllllill ho rlfl (Ieao)

Após te r aco mpanhado uma represen tação


do T eatro de Arte de Moscou, um crítico
teutrul nipônico afirmou , no início do século,
que um japo nês nunca seria capaz de repre-
sentar autores e dramas ocidentais pois, se -
gundo ele, cru inú til contin uurtentando "tra-
duzir" teat ro porqu e " nós, japoneses , temos
braços c pe rnas mais curtos 'do que os oci-
de ntais" . É curioso que esta primeira crítica
da imitação japonesa do teatro europeu ba-
seia-se numa o bse rva ção física, rnus, na ver -
dade, algo mais complexo está oculto.
Os primeiros ato res ja poneses que te nta-
ram introduz ir autore s e dramas ocide ntais
no Japão, como part e do esforço de "ocidcu-
tulizaçâo" q ue acont ecia na nação inteira, cs-
forçaram-se e m imita r o realismo e o natura-
lismo do teatro e urope u partind o das ações
cotidiunasr u man eira de fumar, comer, usur
guardanap os, cum prime ntar ou andar. T o-
das essas aç ões cra m novas para eles c não
tinham re ferências e m S U,IS vidas cotidianas.

2X-2!J. ~lllt lclu de :1S's(ra lhn de 11m tea tro Nr) c visru frontal du palco: o bser ve n hm;ú~(!lIJ"flli. li ponte que () ator deve
CI1 17.:.lr, il vi-m 10m) do plí hfíco, em seu C&l mínho do dtllmTru do espelho", onde de acahu de se vestir. p:lra (J palco
propri:'lI11cnn: diro. Os 11Iímc:rus ind icam os pomos cspceiai.'Õ de rc fc rê ucins num palco Nêl: t. Coluna o:JIIÁ·j (:lCO(
co:.,dj ll\':IIl[C): Z. l)c~rillls; .1. Goll ll1:'1 de oricnraçãc (P:'I(';I mores muscurudus): 4. Porru usada Pc!;ISpersonagen s nob res;
S. Colllna dn l'buli'na: (l. Pilar tio JAi/r.(urnr principal): 7. PnITôI corrediça pnm ;l c nrmdu do coro: X. Parede lurcruk lJ. 1
Parede pns(crinr na'1".11 11111 pinheiro csni sempre pilUõIlln; lU. Colunado ussisrc nrc de pulco; 11.Cnllllltltio Kyn~1,; 11
{uror cilln icn); 12. Primeiro pinlll,; iro: D . Cu llln;t tJue define u iirca de represe ntação; 14. SC~ll nc.lo pinhe iro; I S.
Terce iro pinheiro; 1(,. J:tnd a pe la qual a aç:io no palco pode ser observada; 17. Corr ina: IH. Espelhu, no "q uurm do
e spe lho"; 19. Cnhm:t ti:. purr;t doi cortina; 20. Parede ex terna da pont e . 1
I
PÉs 127

I \.

.;o.,;,z. 1':111 cim«.;.:;r;I\'lIra (I 740) tio pi nror i\1;ls.lllohu (Jkumnru. rcrrarando u interior de rua, ~ d ire ita c esq uerda . s:iu no;; ...crvidore s do ce:lrrn, lrl lC co nrrolam u 1111:IIlCid;ld..:: de I IIZ
Kubu k i, Pode -se ver n nrrunju do pakn c () ú{l/umúrl,i (cnuin ho dOIs tlon.::s),
11111 teatro 1J1ICc1H":J.::1 ;1 S';,t..l pcb nbcrmru ou fcchnmcnro do.... puinôix corrediços: :1[": () Iinul do lí l-
pass"~cl11 que div ide ri uudi rór io em do is c q ue os atores IIS;lI11 11;1(;1e ntradas c safd us, rim o sécu lo ;1-; representações no Japoio »ccutccbuu som e nte dumurc o di;l. Aba ixo, j,
executada - com t écnicas I11l1iw particulares. 1\ ~1"i.l\·IIr;,1 mos tra u urqu irc rurs inrc ru« do csqucnla. 11 único (flrr,,1 de made ira 011 p átio de representação ain da em pé. em 1\1-
rCOl r rcl , "c,; ;I rc prcxc u ta ç âo c t) fen ôme no sele i:.1 tl;l 1111:11 e la é parte : I)"; CSIIl".'C(;Ilh tfCS CII- 1ll:I~ro. Espanhol, l lá Il lI1il sel1l<:lh:llI\'õ1 noclvcl en t re u mrmh: 11 p:llco de Kubnki (:1 loca-
IllCI1l. hcbc ru c cunvc rsam rlnranrc u cxib icãe. (h JIIO". CSl: Il t1I1'i de anun s dO'i umrcs l iZ;t l;:~o do" cspccr.ulnrcs c aSSCll [{lS, (I [e m sobre fi palco. u i 111111 i n:lç."iOde cima, c mcx-
p rinli p:lis. são p in radox sobre lunrcrna .. c pc ndunnlox urr.lv do p"lc u, Os ri(ll!o'i tia rc- Il U. ;1.0;; colun as de uuulcim da me s ma co r). E nrr ctanw. I IS do i" CSI1:IÇfl S cl: nil:os sJo difc-
p rc."cnr;u;iK:"c dançnx do pro ;!;ram:l lI:l noite . .iin pi nt ados nas rnhu lc ms Il c ntl ur:ld :l 11;1.. rc nrcx. vriam rl.: lal.:lics dife ren tes en tre o urur c n cxpcc rador: c ml) l1is(),;1dire ita, :I[(I( do
CO IIlI1 ;I'''; :', c xqucnlu C;I dircit u da .ircu prillc ip:11 d e acu:tção , 1\ 0; fi~IIr:IS nu.. I:ulos, c ru r..: j. Ntl_ P.IlIJCb lldd esc reveu- "No dr.lIll;1 ocirlcnrul al~o :1l' O Il Cl: CC . no j'Jt> :llgllé m ChC,CiI",
12ii PÉS
T udushi Suzuki, um dos homens do tea-
tro japo nês conte mporâneo mais interessa-
dos na confrontaçiio das téc nicas do ator, cs-
crcvcu:
"A arte da representação no palco não
pode ser considerada em como, intima-
mente, os atores podem imituro u recriara
vida cotidiana no palco. Um ator usa suas
palavras e gestos para tentar convencer
sua plutéiusobrcalgo profundamente ver-
dadeiro. É esta tentativa que deveria scr
considerada. Assim, a maioria dos atores
japoneses, sejam seus braços e pernas cur-
tos, gordos ou não, é capaz de representar
peças traduzidas de mane ira muito di-
ferente. Um ator, ainda que seus braços e
pernas sejam longos, parecerá desajeitado
se ele não pode projetar um sentido de
verdade profunda ii sua platéia . t\ nacionu-
lidudc do ator é irrelevante.
Também o moderno teatro japonês
deveria basear-se no uso dos pés, porque
isto faz parte do realismo japonês, um rico
tesouro das diversas maneiras de cumi-
nhur, O novo teatro tem, em vez disso,
considerado o realismo como um método
para descrever, de modo geral, a vida coei-
diunu. Assim,é suficiente que o curninhar
seja natural e cotidiano para quem o vê.
Contudo, qualquer movimento no palco
é, por definição, um artifício. Desde que
há mais espaço dentro do realismo pura
uma varicdudc de movimentos do que no
Nô ou no Kubuki, essas váriaspossibilida-
des de caminhar deveriam ser mostradas
de um modourtlstico. Uma das razões pela
qual o teatro moderno é tão tedioso puru sc
observar,parece-me, é porque não há pés."
(Tadas hi Suzuki, [bitl.) :1.1 . i\ [nall~ [ lr;u;;ill do Teatro Real de ' I'I rrim.cru 2fíde dezembro de 1740. numn pimmade Picnu D. Olivicm. O p<llco
' "l U pcrxpccrivu de fundo "li dcvcnlenlo por Billiclla.

Nos palcosjaponeses, os pés, protagonis-


tas da arte de caminhar, têm um longo per-
curso a seu dispor: tanto no Nô quanto nll
Kubuki (Figs. 28 e 30) uma ponte liga os
bastidores ii cena. As personagens entram
através dessa ponte, e é aqui que o corpo
fictício e !li/aft/tlo aparece, dando ao especta-
dor a possibilidade de apreciar a dime nsão
exuucotidiunu do ator. Não é por acaso que
uma grande ponte no Kubuki é chamadu
hllllllillichi, o cal/lillho dasflores: é neste cami-
nho que a flor maravilhosa, o supremo grau
da arte do ator de que fala Zeumi, toma for-
ma. Como não tinham um expedien te seme-
lhante :1 ponte do palco japonês, os atores
ocidentais usunun um artifício pelo qual eram
capazes de mostrara natureza exrrucotidiana
do espaço e seu movimento nesse espaço.
Eles entravam em cena pelos bastidores. m'IS
não desciam ii frente do 'arco do proscénio
numa linha reta (Fig. 38). Em vez disso,
seguiam umu rota oblíqua .
A horizollfa/irlatle do palco japonês - tam-
bé m característica dos prime iros palcos euro-
pe us (Fig. .> I) - tornou-se pr~tilllrli(/arle no
teatro ocidental, acentuada pelos planos tiL-
cenário em perspectiva trolllpe-l'oei/. Em am-
bos os casos a arte de caminhar do ator é
rigorosamente respeitada, 34-3.1. Aror d:1 COlllp;l1lhi;1 T:ldashi Suxuki 1.:111 dois diferentes modos de andar durante o rrcinumcnro de caminhar.
PÉS 129

I
q
D

\jD
A B c D

.l6-J lJ. Em cima. plan o de cena usndn po r ~Icyr.:rhnl d c Sololcv P :II"'I S I1;I S liçõC.i de Co m- b r~ns C d ivc rge nrc» ilustruru a olfs;;r:di" c .lfrn;;..i nc ia .10 ;!;I!crreim (o ass im ch ama d o ca-
me di'l ddl'i\rrc no Esuí diu Bnrn d ins k:IYôl 0 9 15-Jl) 17). D i'l~r"I1l:1'i (;1) c (h) IlHl..... tram ns minhou mIM) . B. C . )) : vá rios nmlarc s de nJIIllIgllln (atores masculinos qu e re prese ntam
movimen tos dos at ores e m d ll:I S U:J1ô1S dc rl mell rlt:.\'nIIllJJIIIJat. de Cc r\,allh;s: (:'1) e ntra- põll >éis Icrui u innsj .Paru 1 1lf M;'lsc princc~"ls . nnflJlffgffl1l rna nréru os q uad ris C joelhos he m
llOlSI)Jra :'1 ccnu do e ncontro; (h) cn rrtulns pnru u clutma da final da co rtina - (,.. r,l:.""S ;tfL"fl" jrmms c os péx \ 'O[ t;Il!OS para dcorm (1\): n an da r é lei to com pas sO'\c u rtos, co m () cal -
indicam us linh as para u sau ducâo dos at u res. Em cim:I.;'i di rei ta, des e nho de 11111;1 tfancôl cunha r li;.!;ci r:.1 11ll:nrc levan tado, noa ssi m cha ma do mn vim c nro wffl1iflShi(crocod ilo). i\111-
('/"1:(11/'" j)ilrõl /\ rkqllim '1I Hcs~nrildil em', .ondrcx em 1730, moxrr.nulu o plunncirl:III:;r. lhcrcx l:u.'\:lllas 011 at!llli'IS têm I' ;ISSO l i~c i mmcntc mais I"rgo, I1CJ (111;11,1tC~l-S;' O é abe rta
[Ortl ll)SIl. I IIIC;1 pcrxo na zcm de ve scg l l i r qunudn crurauo palco. Em b:l ix o,:1rlirc ira, no an n lvc l rlo joe lho (C ). Ih co rtcs âs lião Il .IS Sf)S mais am plos (1) , rcvchtndol lm'rc lilnt.:cllos
rcatrn ja Jlolll:s. n m anc ira de nu dar no palco é urn a :1f{Cc ru s i, c com rre' liié ncia C:"i i~c a n()s scns qu irno oos de baixo. poiv clascxcc urarn 11111 gr<1mlc mov im c nro sc rnicircular lIos pé s
de rrc inumcnt u nntcs de se r l h llll ill a d a . t\ tj ll i cxni l im a i'lls t r;lç-] fl CSI IIICJH;Í t jÇ;1tl'ls IJõI.'isns 01 c..HIa p:tSSlJ.
I
ih mãossãoexpressivas, osdedos sãolíngllas,SfII
I
úlêncio é clamoroso. (Aurc lius Cassiodorus)

Para q1lalqller 11Igar q1le a mão vai os olhosa s;

seguem, e onde os olhos viio, o pmsnmauo os


s-egllf, e 011& o pmSll1l1et1to vai segu« atras o
seutnneato. e ollde o snuimento vai eucontramos
rasa. (N andikieshvura)

Fisiologia e codificação das mãos


A codificação (fixação de gestos, posturas e
movimentos num código) pode ser considc-
rudu uma transição da técnica cotidiana para
uma técnica extracotidiuna por meio de u m
eq uivalent e (cf, E qtlivalêllcia ). Isso se torn a
óbvio quando se estud a a codific ação das
mãos em vários teatros orientais rrudicionnis:
a mão, tenha um significado como nos 1111I -
1 ~2 . :\ cxq ucnla , lhul; \ uprcscu rand o s un dou trina:
dras indianos ou não tenha sign ificado (ou Desenho bascnd n numa pintura de parede tio sé cu lo
ten ha perdido seu significado), como no caso VII {Hczc klir, índi;\). O detalhe da rnilu dir e ita nm srrn
das dançarinas balinesas ou dança pura in- I) mlll /al 0 11 sinal par'l oitori», in d icando racioc lnio.

eX llO siçlo de UI11;,1 dOJUrin;l 011 uarraçâo de 11111.1 his(l)-


diana (nrura), te nde a recriar o dinamismo da
" mão-e m vi d a~ t.
ria. Adire ita. o Illt:SIl10 ~csto dn i lll :..tração precede nte
..gorac xtraídm la Qllil'o/ngi(/ de Bulwc r (Londres, 1(44),
I
As mãos, e acima de tudo os dedos, como
os olhos, estão mudando de tensões e posi-
'Iqui sihnili C:1I1do "disrinJ.;llir ux conmir ios". isto é.
"saber como rac iocinar".
i
1..
ções contin uamen te, tanto quando falamos
(gesticuland o) e quando agimos ou reagim os
a fim de pegar, empurrar, sustentar a nós
mesmos, acariciar. No caso de uma ação ou
reação, as posições e tensões dos dedos m u-
dum tão logo os olhos tenham transmit ido .IS
informações re levantes, com o ocorre , por
exem plo, qu and o algué m está para apan har
um fragment o de vidro cortante ou u m mio-
lo de pão, ou se alguém te m de segurar u m
dicion ário pesado ou um balão inflado. A
assime tria dos movi men tos orgânicos do s
ded os é um sinal de cred ibilidade: isso se
manifesta por me io das ten sões dos m úscu-
Jos muni puludo res, {lue estão prontos p.IT.1
agir conforme o peso, a fragilidad e, a tempe-
ratura, o volum e e o valor do obje to frente 'I
do qu al a mão é estendida, mas tamb érn por
meio do estado emocional que o objeto cm
si produz .
A mão atua, e at uand o falu. Esta fala pode
ser tão literal como uma palavra que re pre -
se nta algo, ou pode ser simplesme nte com o
um som , um" pura dinâmicuvccul, que, quun-
do prod uzido por uma voz, é o resu ltado da
mudança con tínua de tensões e articulações
do aparelho vocal (lábios, língua, cordas vo-
cais). A mão é nrticuladu como um som qu e
niio diz nada. I
l
ivIãos q ue podem ter um significado -
dentro ou fora do teatro - são usadas pelo s
índios norte -americanos (Fig. 3), surdos-mu-
I
dos (Fig. 4) c criminosos (F ig. 5). N o teatro,
as codific ações indian as chamadas haSfa1l1l1-
rim são as mais elaboradas .

\,

Ii
7
\ . .j
3~S. Em cima, à esque rda, linj.;ll:lgcm de :-;i naix de 11m índiu chcvcnnc: i IIlS[r.lç~o t:xtf"ída de () gCJ/". de l lacks (Pari:'i. HWO), 1\ partir \lil csqucrdu, t:11\ cima: ";lIuiho" . "p CSSOiIS ..
morrendo". "fa lso" , "o sol" , "quase muno" . "axsassiumlo ", Em cima . ~I di rei ta, ;111'.11)(;(0 para sunlos-nuu los 1111111 manual d in:IIHanj1l ~s tio sécu lo XIX, de 1\, C. NYC;';ililrd:
.~

OI
J .ilJgllIIg~JJ1 rI~ .(ijJ"i.\ jJlla/ Jlflr!fJ .H IIIJlIrH (Copcllh"~lIl.:. 1:-;em). Em baixo, sin'li.'i se c re tos IlS'U.!os pd lls me mbrox tio s ubm undo p~lfisicnst:, rais como "d e ": 11m rmidnr" . "vnmnx nos Cl
encontrar I;Í fora", " es tamos em t1i tiCllldildcs" , dn iJitilJlllirio illflO/flriOI/(r! tleIh~~II(~!!,r./II di: Jir/(/i.c de 'I', Hmn (Lond res, 1<]6lJ).
i\1í\OS 131

>.

\I

...i

f!
nUtt. uo T elHpl ll Todaij i (NõIf:l, Ja pão ). Embora e sta se ja um a e no rme CSI:í [ll :I. :\ ma ior CS{;Í{II;l
(l. ,\c.:illl:l. c SI;i w :I de
de bronze do IIlllndn, com uraix ele I':;morros Ih: ; l l l l lr: l . o arrism dispcn suu Illl li H l l" llida d o uos dC'(;llhcs: :I S rc nsõcx lUIS
,ktlu." foram cunsci cn tc mcn rc fc.,p cir:ltla... C;I \'ir:tlitl:ltlc c delicade za tl:ls mão... estilo tntalmc urc \"Í\ ';IS.

;.

I
7~K ;\cinlõt. du.ts m~ns juntas 'l hr ~l\\ln lU''''' rUI",' . n mndm lb 11m \h: lúr"~ \In I\.:Hh;,1\.;111. () mesmo ~~U)l'M )llc ter ou tros
\ s i~ lli til:illlllS: em IlIlHus:conrc xr»....: n.. ~cs r i n d;)ç:ifl ocidc nr.rl t.:m id i.1I1;1. pur exe mp lo, poderia s: i~l1i1ic;l( "lIf;U';]O" 1111
"esfera" . t\ dircir«, detalh e d ;1 r.il//H'lfrtl/ de Hndin (f\IIISCIf de Rod in, P..ris). rcpr cxcu t.ula p}lr d ll:1S mãos ju ntas em
/Jr:I \~ill_
Sohre eS~1 nhrJ. Hntlin d isse que . pnru ele . :1 1)~j \·;1 era o elemen to cs.~ cnc.: ia l l b urq uirc rura ~lí (i(,.·;I . c q ue el e
cncun rnu r, nc.~s;I S tht.:IS In:ins IlIIid a s. IIIIC u pr csc n tum urn rnrm:lw de 0.l:;i\,;I. lllll:l fu rm u equ ivale nte ;'1til: 11111;1(,.-.1 tc dru I.
132 l\1i\OS
As mãos, so m puro o u silênc io
Por causa da complexidade tb estrutura ana- A AuJie"ti"". fi t!..";bulJ,,,. C EX~rJi.,m. D ' l".fi.bj t .
tômica da mito e de SU,iS possibilidades de fiuit. ,rJitu, . Pct:f1"",J~
articulação. há, apenas nos movime ntos dos
dedos. infini tas mod ifica ções possívei s de
forma e comportamen to . Por causa de SU 'IS
qualidades comunicativas, a mão tem sido
explorada não só teatr alment e, como ta rn- "
b ém muitas pessoas, fascinadas pelo seu po-
tencial. têm, em várius épocas, te ntado criar
uma lingu agem universal, desenvo lvendo
uma codificação artificial dos gestos cotidia-
nos.
Em 1644, o inglês .I. Bulwer, publicou
(jlli,.%gill - urna obra muito avançadu para
,I época - q uc continha urn a cole ção de
mais de duas ce ntenas d e imagens de gestos
exe cutados pe las mãos. Ele reuni u estes gcs -
lO S com base nas tradições grega, romana e
hebraica, com :1 intenç ão de criar urna lin-
guagem compreensível a todos. Este é o pri-
. meiro exemp lo ocidental, na era mode rna,
que supera o concei to de uso das mãos so-
mente para indicação num érica (Fig. 9).
Em seu Dm-ob,-iIlICII!O tln [)lIi,-ollollún -
( \ 797). Vince nzo Rcq ucno .u m mongc espa -
nhol que vivia na Itália, examinou autores
gregos e latinos e, purticulunucn tc. os textos
ded icados ã arte antiga da pantomima, c ten -
tou pop ularizar u ma "arte perd ida" c restou-
rá-lu para uso (Fig . 11). 1\·1as suas ilusuuçõcs
níio vão além de um certo gosto litcnirio,
ncoclússico, e não mostrum muis do que mãos
indicando nú meros, corno era feito na tru-
dição clássica dos sécu los XV e XVI (F igs.
12-13).
Em IX06, Gilbcrt Austin. outro inglês
pretende u q ue sua [)lIi'-OIlO/llill fosse usada
pelos atores, dan çarinos e oradores públicos,
a fim de fornecer- lhes uma rctóric. codifica-
da de ges tos ex traídos dos rrarudos de Quinti-
liuno c Cícero. Um a no depo is, Henry Sid-
dons, filho da atr iz Saruh Siddons, adaptou
"
para o inglês a obra ltliills sobr« /II//IIim, do
ulemiio Enge l, com il mesma finalidade de ......
torn á-lu disponíve l par'l uso do teatro c da
oratória.
No Ociden te hCI pouquíss imos exemplos
de te ntativas pura codi ficar a mão e se us
gestos . den tre os quais os mais explícitos
provêm do teatro. En rrcranto, isso é mais
explícito nos níve is te órico c literário e raru-
ment e influcnciu 'I prática contemporânea.
Dc I:ao, é poss ível dizcr quc. ao passo que
no teatro orient al o comportamcnro das mãos
foi recriado, adq uirindo, atualme nte, signifi-
cativo valor sim bólico, a única codificação
correta no Ociden te é a Iinguagcm de sinais
usada desde os tempos antigos pelos surdos-
mudos c sistematizada semen te no sécu lo
passado. 1\l.ts essa codificação JCI pe rtence ã
esfera cotiiliunu.
Nos últimos dez anos. en tretanto, um
tenro purasurdos- m udos começou ase ruper-
feiçoado. Para os csp cc tudorcs que não com-

lJ-lU. Em cima. illlsu:H;:in de tJ" iru~r;J IH:ls Ilircrahucnrc ,


cscrit»x com us m :ios) . cX U ;líd :1 lI:1 ()lIiro!ogifl {Lumlrc s,
164-1), til: Bulwcr. Em baixo , ;':CMU." h:lhínr.lis. co ridia-
nos, ' ele comer C be ber llns prn!ct;írins: c bllr~lll:~s.
dt.:scnhos de Gcrranl de I .aircxsc . em (,'morSrl i!tlcIiJOrJr,
(ic rmul Ik Laircssc (1641-1711 ) fui 11m pintor de cenas
tio .~~ nc rn pitoresco c pnhl irnu esse livro suhre pinrm.1
em Amsrcnl;i. e m I i H7. O livro romeu-se tão pop ular
que, de [atn, intl ucnc iou us ~CS [()S do SL"CU!U XVII I.
1.;
MÃOS 133

"

11.:Xl l1IH.:r;Il)O di~i(a l (1\1 IJt: ..l/iJ!JJJli'lial. I Ic Filippll C:lLilHl ri (Flnrcnç;t, 14(1).

pree ndem O alfabeto tia lingu ag em de sina is,


ele é fascinante por ca usa da dinâmica pura
\. ff 10000
100000 das mã os falan d o e m silê ncio. ta l como nós,
ocide ntais, ficamos fascinado s pelos IIl1frlrm
indianos. sem compreen der o que eles signi-
ficam .
Por meio desse e xe mplo lim itado pode-
mos comp reender o que foi d e finido acima
como a m âo "fa lando" co m um "som puro" .
Pode mos achar um e q uivale nt e teatral ;, di-

~
nâmica c linguagem das mãos na vid a coti -
.
.... . diunu . Esse eq uival ente possibili ta às mãos
tanto falar (t runsrnitir conccitos) qu anto ex istir
,. ~
co mo "som puro" . l'das, q uan do nâo há códi -
go p reciso. som os tentados a pres tar at en ção
somente ;\ cxprcss ivid.ule das mãos, esq ue-
r SOO cendo que se us atributos são, igua lmente, o
resultado d e uma série de tensões e articula-
ções que, ape sa r de não se rem fixas, se gue m
princípios específicos que dão forma ii ex -
prcs sividude.

U )'000

~
u. Nll mcr..çio d i ~i {;t1 em :í h~u.:ns 1':lf:1 me rcado res do século XVI.
- - - - - --.1
134 MÃOS
Como inven tar m ão s em mo vim en to
"As mclhores a çôes manu ais não precisam
se r ncccssuriamuntc co piadas fielmente
da reulidude. De faro. ,I lógic'l d, pintura,
~AND5
TO DRAW T HE HA ND FIRST START AS 11=" IT WE R E A M IT T E N ói\J
as exigên cias do d es e n ho e '1 conce pção AND (S)- T®N pur TH5 T WO M ID D L E F INGER:S IN FOLLOWING"'
TH IS S\-\APE G - THE L1TTLE F tN0ER IS ~-fN PUT IN, VARVIN6 IT
total lhl obra impõe m ce rtas cond ições.
- I T rs OFT5N A G<X){) fG"
Q ualquer um que tenha visto as soluções
cx pressiv'ls c inte rp reta tiv as encon tradas
por D'I Vinci, i\·Jicheb ngel o. G rüne wuld
ou Rodin será capa z de co mpreender a
IN AN'I FASHI N TO PREVENT MONOTONY

'~~T)iE BASEOCJi VMB \ ~

~~~l7
necess idade do art ista de criar formas que
res pondam aos se us impu lsos intuitivos.
Um bom pon to de part ida paru dc scuhnr u r-
mão em ação é um m odo origin,ile pessoal
de esboçar ou mesmo cop iar qualq uer @ ® © @
CARTOON HANDS ARE TRJCK.Y - 50 BELOW I'VE DAAWN AN AVEAAGE
image m dos numerosos gestos lbs mãos. HAND IN ALLKlNDS OF POSIT10NS TO CriVE vou SOME IDE=AS. -
Não é necess ário q ue o es boço mostre NOTICE THAT THE FINGERS SHOULD 8E VNEVENL'f PLACED TO PR!::'
uma utirude jiÍdelineada, n em é ncccss ú-
rio qu e haja uma forte se mel hança com o
resultad o desejado . El e pod e se r m era-
men te um ponto dc part ida sobre cu jas
bases pode dese nvolve r-se a próp ria visão
pessoal.
No esboço acim a (f ig. 15). pode -se
notar como um sim ples mo vime nto para
cima c para baixo do ded o indicador pode
exp ressar um sentido dc excitação, assim
co mo v ários outros matizes significativos.

~~~~tJw~
rd ud'lnç'ls nas posições do de do mínim o
dão matize s adicionais e mot ivos ao movi-
ment o. No desenho infc rior íf ig. 15),c;lda
mudança.do dedo modifi ca o significado
do gesto. Estudan do estes d esenhos, ex-
per imentamos difer e nt es sign ificados
e mocionais qua ndo os movem os em di-
versus pos IÇÕCS."
( Burnc Hogarth, D' -'l llltnll rlo lIIãos rli ll flm ir.ns)

Essas decl arações do arti sta americano


Burnc Hogurth. famoso pela s suas ilustra-
ções de T arzã (Fig. 15), foram ex traídas de
um curso de desenho para estudantes na
Escola de Artes Visuais de Nova York, d'l

1~'--""'1\ ~ Y(fl/ ~~
qua l Hogarth é um dos fun dad ores. O int e-
ressan te para nós, aqu i. é qu e o estudo pro-
posto por Hogarth, a un.ilisc anatômica do
mov ime nto, não comprome te ,I cxpr essivi-
dad e. Ao contr ário, ce rtos de talhes an at ôrni-
cos, tais como a mudança d e posição do de do
mínimo. de te rminam "friame nte" a cxpres- I~L l\ nilll :lt:;if) de m :io.'i p:Ir:1~ih i .. c caU ;II.Cs: illl..t u~";:in ex rr.lí d;1 de 11J1il1lfl('11}(Tu srin, Calili;rnia). de Prc sro n llktir, 11 m
1II II II Ul p :n~1 ; lI1 im~dl)r" s.
sividade do desen ho.
Co nsideremos outro exem plo dc pr é-ex-
pressividade da mão, exuu ído de man ual de
ani mação para cartunistas - !Iprmrln CO/110
r/esetlltnr cO/1tll:es mtimnr/os. de Prcsron I3bir.
A fina lidade desse manu al - mostrar ,I al-
gué m como se anim a - é sem e lhante ao
interesse do ator lJue não tem codificação
(F ig. 14).
Os dese nhos c no tas do cartunista con-
tê m pelo me nos três informa ções preciosas.
Acima de tu do, a om issão de um dos três
de dos medianos, pois a re moção deste dedo
eli mina um ele ment o supé rfluo c coloca os
ele mentos essenc iais em rele vo (cf, Omis-
são), se m causar a essa mão a perda da sua
identidade "mão". Em seg undo lugar, hiÍ
uma ligeira ê nfase em urna part e da mão, a
base do polegar, o qu e cha ma ,I aten ção paru
;1 s ua importância na arriculuçâo e para a dia-
.I~. (: ~ll o\'i mc n m lI ;1 llI ;'iu nll~ de senho s de BlIml; Il f)~;trth: an;í li_'ic rln movime nto c 11 m dese nho de 11m cartnz de
lé tica entre o polegar e os outros dedos. Fi- I :I r / ;I .
nalmente , hiÍ uma excl usão repetida de uni-
formidnde: nesses des enhos. co mo no teatro,
no palco. é fato que a m uda nça desse dc do é
135
j\,IÀOS
'!lIC des trói a monotonia e qu eb ra o auto rna-
tismo, É a mu dan ça de um dcdo doh m s para
mnms (cf. Etlergia) q ue causa a percep ção
quanto à mu dança da mão inte ira.
En tre 'IS obs e rvações agudas e min uciosas
feitas por Frun çois Delsur te (1811-1871) com
relação aos gestos expr essivos da mão, há
cer tos de talhes q ue se referem ao compor-
tame nto de u m simples dcdo. Dumnre anos ,
caminhando atravé s dos jardi ns de L uxem-
bu rgo, Delsnrte comparo u os gcstos de m u-
lhe res inclinan do-se perante as crianças: se a
mulher c r. um a bub.i c não amava a criança,
ela este nd ia seus braços, m'IS o polega r da
mão estava di rigido para dentro; se, en tretan-
to, e laamava a criança, o polegar estava ergui-
do. Se a mulh e r e ra u mãe da criança, o pole -
gar estava est endido ao máximo (F ig. 19).
16-17. Movime nto lo n~o \In hr;lI;o ));1 t r.l~óli ;1 (i'1 ..:.. l(lI cr cl ~l ) c movirucuru c urto dn braço 11;1 l'1l1l1r.: di:1 (;1 d ire it:I):
De lsarre noto u q ue na obra de Michelungelo,
illl.'itf;It;.-.ill de .Id~c rhllís . em I J(-;j~.\ Il'IidrllJ solm: ;!t:.t/ fI 1/(( mfÍnim (i\l11s(o.: rdii. I X27). Jd~c rh ll i ... cru 11m experien te ,um desejo e energia são expres sos pe la extensão
;"c m~tI qlle de u liçücs sob re p ní ril,..<1 rcut rul: mais rardc pub licou CSS;IS liçjics e m dois vuhnu cs. N um desses H l!lII1l C,'i do polegar para fora; os cadáveres num ne cro-
;'IlI"CSCnWII mais de cem desenh os extremamente cl aros p:trôl c:'\plie;lr a ,l!;f:lIH:í ticõl Liomovim ento no palco em \'.íl'io:->
tério, por out ro lado , têm o polegar volt ado
r,ên cros d ra uul n cox, N:l pane tio livro tkdic;Hb ;I ~ m:ins. lui 1I1l\;! t..: xplicll:Jo da f U I1l.;à n tios hr.lti0s e m rc laçân às m:ios:
~csrns de mão são de fato idênticos: 11;1 t r;l ~é d i;l c na com ':di" . 111'1S os ~t.::~ ro s Il s:Hlll~ parecem ser di fe re nte s po r C;Jl1S:t
para dentro. Es t. é a vida das mãos que o ator
du imp rcxxilu de llistôi nci;l tln corpo, crnnl.. pnr 11m modo di fe re nt e de abri r IIS br;lti"s. deve confrontar, com ou sem codificação.

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IX-IIJ. Estlldu da mão: ,k sl:nlms du p intor Il n rcn riuo ,\ ntlre:! dei S;u ro( 1406- 15:1 1). l Il11õl miie ô,lcanc;t .Slla filha (foto
lc ira por r-. ltlyhrid~e ). OhS\:'r\"l: com o os: poh.:h:tres. cstcndirlos p;,r;l cima. l·onl i rlllõllll a hip{ltesc de ÓdSêlrtl: relativa
:1 conc xâo currc a nbcrrum dos p ok~: m.i:'\ c :1 relação da m:ie t,;OI1\ xua filha. .

lU-22. J\ "dança d;ls mãos ", II m ;1 rc prcsc ntaçân ele da nçn solo cri:u!;, por Loic F ullvr.
136 1\11A05
Índia: mãos e significados
E m s ân scrito, hasta (mão, antcbru ço) c 11111 -

rim (sinal) referem-se aos ge stos da mão. Seu


uso d at a da s re p res e nta ções sag rada s duran -
te a é poca d os ]lerllls (cer ca de 1500 a. C .),
quand o os gestos e ram feitos pelos sacerdo-
tes enquanto repet iam o 1111l1l1m, a I órmulu
rel igiosa . H avia também u ma lista tr ad icio -
nalm e nte fixa de seis mudras. q ue repre sen-
tavam os gestos de Buda c corrcspondiam a
momentos de sua vida.
A int rod uç ão dos lJIll rlm s na dançu, co me -
ça ndo no períod o clássico da art e indi ana,
está descrita e codificad a em in úmeros trutu-
dos (m uit os ainda sob a fo rma munuscrira),
na ba se d os quais os vários gê ne ros de dança
indiana foram fundad os, de sde a dança Bha-
ratu Nutvam ao Kathukuli e Odissi e outras
for m as men os conhecida s mas difund id as,
encontradas em qu ase todas as partes da Ín -
dia (cf R e.!IIlIIJ'llflÍo rio COlllpOlfIlJIJeJI/O) .
Apesar de os mndrns te rem geralmente as
mesm as posições e m todas as for mas de dan-
ça, têm nom es e usos diferentes. Por exem -
p lo, na Bharuta Nuryurn, há 2M (ou 32) raízes
IIII1r/m s, ao pusso que no Kuthukuli há 24 e a
dunçu Odissi usa cerca de ZOjunto com ou-
tras formas, que tamb ém possuem seu s pró-
pri os IIII1r/rlls. Base ado ne ssas raízes IIII1r1rns, ..,.
o Kathakali desenvolveu o maior número de
co m b inaçõe s de 1II1/{/I'IlS, divididas em três
possibilidades: SIl IIJ'lIh ll, o mesmo 1JI1lr/1'Il crn
am b as as mãos; IlSllllJllhll,um IIII1r/m em upc-
na s uma mã o; misra, umllllldm d iferente em
cada mão. Usando esse s 1I/IIr/m.r de mane iras
dis tintas no e sp aço, em relação ao cor po c
ex press ão fac ial, o ator de Kuthukali po d e
criar um vocabulário composto de cerca de
novecentas pala vras.
M as ta lve z a caracterlsricu mais in teres-
sa nte do s IIII1r/m.r, do ponto de vista da p ré-
ex p rcss ivid udc, é o se u uso em rel ação ;IS
duas e'ltcgorias principais nas q uais es tão sub-
divididas todas as danças-teatr o da Índia e as
próp rias raízes da cod ificação. Na dança in- v
ter pretativa (tJI ;~J'Il ), os IIII1r/rllJ possuem o
ve rdad ei ro valor da ling u'lge m de qu e fala-
mos, isto é , possuem pala vras com significa -
do lit eral; na dunçn pura (/I/il/Il) , que cst:í
sempre incl u ída em tod a rep resentação d e
dança, os mndras têm um valo r purame nte
decorat ivo e são usado s como "som puro" .
Muis ain da , bas eada nu codificação de sinais
p rec isos - hllSIIl/ lIl1/rlm (mã o/sina l) - , há
urn a classificaçãochamada Nrls/Il prrlllll , a vida
das mãos, qu e especifica as posições pr inci-
pa is na s q uais as mão s podem se r colocadas.
Aq ui es tá a lista d o Easta pmua;
- 1'11I11:;/11: dedos dobrados p:na dentro:
- pre n)«: dedos dobrados para trás;
-Iecilll: mã os em rorução:
- llp ll ueJ/;/Il : pa lma du mão pura baix o;
- 1Ir /Uf J/ i /ll : palma du mão pura cima;
- PllllkiJ;lll: dedos ind ecisos;
- V}IlUI1lIl: ded os voltados pura tr ás;
- bNllillllgll : movimentos serpentiformcs: 2.;' As 24 raizes /I1lft/n/ J do Ki1th:lk,li: L Plllnl-n; 2. ,111ft/J'lIh'/r, J. Krl!fJi:ll; 4. IUIIJhJi; 5. Kf1f1f/f"ÍlJ1l1l-1l11: 6. S IIN /lflll1l1l rl: 7.
- prasamnn: dedos relax ados ou separados. A'"piIlÓ"fll;~. IJIIIJh(1/Jlti:thll; 9. Sil..har»: 10. /-ImJ1JlI1.rtI: t I ~ :IJJjll!i: 12. ..l rtlhl/rI"oll/nr. 13. AI/Jhu 'i/; 14. IJhrtllJl/lJ'rt; IS.
É es sa pulsação exata, cr iada pelas ten - SmIJiillmlll:/u/U \1 S"r/J;'m,NJfr. 16. "(""telr. 17. Triprtlttl:/r. I X."11i.~11.J;J:(11I'~ 19. SnqJlIJirJ/llt; Zü, VII/ "tl lllUnlll/l Ji-II : 2I. 1\17"11;
22. {il7llll/ll " !Jn: 23. .Ift"·"III; 24. KlllfJi"lIJJlIli-IlR .
sões que variam continuamente de um sig- Tnll\~l1ltltl somente () primeiro 1J1IIt!rtt. " "Iftl"fl. como 11m exemplo, nqlli cstân os vérios si~n i tit-'l tl()S pns:-OÍ\'ci:" que
n ificado para Olmo, de uma dinâmica par:! podem ter: (I) com duas mãos: sol. rei. clclanrc.f câo. Ulllro.l.:rocmlilu, arco, réptil. bande ira. nnl!'I. cstrudu (uu ruu).
o ut ra, que est ab elece u vida das mãos de um pol l/lrl [suhmumlo}, terra, huu bo, embarca ção (ism é , navio), p:lhíc in. noite . meio-dia, nuvem . for1lli~lId rn. coxa ,

ator, ucimu e além da codificação cultu ral. C l11prc~;lllu, pés. disco (arma Vi shnll ), ;Isscm u. rdJ mpa~(), IUss:l~cm. rriu, mlJoI de carroça, I);lcifi eu. curvudn 011
;:lr1IIICi.ldIJ .llOn:l. travcssciro.vanal cru c in }iI dn pé. ferrolho;(2) l'om I lm:1 111ào: dia.Inz do din. i Ott().l ín~'lól . tcxta, corpu ,

CII!l1O, semelhante. isru, som , mcn s:I J.:ciro. pr:li;l. In.~:lT arenoso. rfllh~1 tenra.
rvlÃOS 137

.,.

Q~
BA O O I1Al"A Il J:ATIIA U BH AIA lA . T.QR I

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G " ' L'OA SH)V A t, I ""(j, A

~~ .~ P" " D1PA DHWAI AM \:S T I (


13l> l'vIÃOS

As mãos e a Ó pe r a de P equim
No tcutro chinês h á mais de cinqüen ta posi-
ções con vencion uis da mão. baseadas n,1 ne-
cessidade de diferenciar as várias cate gorias
nas q ua is as per sonagen s da Ópera de Pe-
quim estão div ididas . Ex iste lima maneiru
de disti ngui r per sona gen s masculinas e fe- .~

mininas qlll: ut é rece n te me nte eram repr e-


sentadas po r atores mascu linos. Além de te-
remmaq ui,'ge m c figurino espe ciais. e ra tam-
bém necess ário reconstruir um comporta-
mento das mãos aprop riado ao sexo e status
social da personagem . As mulhe res. para in-
dicar. tendem a afuni lar a mão, '10 passo que
as personagen s jov e ns in dicam discrctumcn -
te mant end o o polegar escondido. e perso-
nagens idosos c guerreiros erguem o polcg-ar
para cnfun zur o poder do gesto. Com o de-
monstra o nú m er o de posições. ,IS mâos dos
atores chi neses são regula das pelas couvcn -
ções que tende m ,I repe tir e ampliar os ges -
tos cotidianos. Ma is ainda . o .uor ehin ês. 'I
fim de representar emoções comple xas. 'I uc
não podem se r expre ssas por um gesto sim-
ples ou por uma das num erosas posições do
corpo. vo lr« SI'''S costas para os es pe ctadores
ou escon de seu rosto atr ás de uma das ma u-
gns de agI/fi. que alon gam artificial mente o
figurino (c f, (.'ellogm(ifl r. F igl/r;lIo).
Finalment e. não se dev e esquecer que .
em contraste com os atores indianos ou buli-
nescs , os atores chineses falam e cantam de-
mor.ulamcn tc: as mão s são, cntào .u sndas P'Ir:t
defi nir uma pos tura part icular ou para sub li-
nhar palavras. mas IÜO 'IS substituem.

27-ZK Em cima. ex emplos cOllvcncino;.tis de lI~O dn miio n;1 Ôpcr;, de Pequim: 1. ô1 l'nllmt!o pa ra n lllttrn h~l\;u. que es[:í c r~llidn; S. Gc~ (O de defe sa, acomp.mhad o po r
Emharõl'r'tl (p;tpl.tis m õl~c ttli n()s): 2. 1\ si Illesmo
(;lll flnt õlllllo n tlcdn indicntor p:.II"0" I i 11m movimen to (.ípido de (,. -;I P:I p'I ~1 ;1 di re ita; <J. Llma si ma çâo se m esperança ( polc ~l(

peito, p:'lI~ is mascu linos c femininus): 3. (:nOlc\~l ncln 11m ~csw ll:lr:.1 cxprc x..nr de fesa; :fPHlH:II!O p:lr:t lxrix u. p;lpéis mascul inos , ta nt o pfl)I;I~f)nis[;ls quu nm :lIlt:l ~on i ..r;,ts). Nu ~.

;.J . ~ (;j vo ntade (sem elha nte ao ~es w I. mosrnll1dn .1 p;alm;t cnm (I 1'(}rq~;I( Cst.:flI1t'itIH.~ 5. til.' Pequim, 111\) p;dh;u,."oc IIm:1jovc ur 11m ~cs l n d ;.'
o .:llt fH; d .,;r,'i per.'iOluJ.:cns ();, Ópcr.,
ln ccrrcza (Jl;lpéi" femininos); 6. Llm tln... vin te mm!!)s de m uxrrar a l~n (papéis femini- mã o é. de faro, 11 01;1:lci'in eXL"CIII :nl;c por 100Iu o corpo. Em bai xo: Mc i L.tnliln;.:. hmndc
nos); T, Excluir ; d ~ lI é m de IIlH iI convcrsaçâo, I) dedo ind icador de IIUla m~u cs t~ ator c 1111:~trt: li 'l Óper"" de Pequim . Illf) SU;1 u lima ulnn u ;I tensão correr a do dedo.
MÃOS 139
As mã os e a dan ça balinesa
;\ d inâmica das mãos é expre ssa pelos dança-
rinos balineses por meio dus posições Irrns c
1I!(lII Ú (cf. E 11ergi(l) , a força e suavidade dos
dedos. da palma c do pulso. É essa oposição
entre princípio s que governam o corpo int ei-
ro do ator q ue lhí 'IS mãos - quando perdem
se u significado original - o dinamismo do
"s om puro" .
É inte ressant e observar que as mudanças
constantes nas tensões das mâos cuusum uma
mud ança cont inua na posição dos bruços; por
s ua vez eles influenciam o tronco e a cabe ça,
onde o foco esui no olhar fixo. Esta seq üê n-
cia mostrada por um dançarino bulinês ilus-
[ [;I como :IS arirudcs do corpo do ator proje-

tam tensões em diversas direções; enquanto


a cabeç a se move numa dire ção, o tronco se
move e m out ra, c as mãos e braços em out ra
ainda.

29·30 . Keras (forre) c IIlfllJi.r [suave], pos-içãn da d:lnçl


h~llint.:~ ~1 i h lS H;Hb~ por
I ~ I;llk Ihmlem no IS rA rlc
S:lk ntl l ( 1()X7).No dcsculm das m:in'\ é Cl ,k~'l ) indicador
q ue accn ura (fc:rlli) :1 [cns.;'i o.
140 Mi\os
A s mãos e o teatro j ap on ês
Da mão fechada na posição b üsic« do corpo,
kllllJlle (cf Pré·r..\'jJn:SJiVir!lIr!e), ao se u uso e m
relação com acessórios e outros objetos cên i-
cos até a sua ntivu purtic ipução em poses
dinâmicas e gest os mais rculísticos. o que os
atores de todo tipo de teatro c dança japonc-
scs re ndem a mostrar é :) orgunicidude e na-
tu reza essencial da posição da mão. Enqu un-
to reprod uz cada variaçiio, cada di nâm ica da
mão-em-vida, as posições da mão são ditadas
pela economia , suprimi ndo cada detal he su-
pé rfluo. t\ codificaç ão das mãos dos atores
.1
ja poneses nâo exprime puluvrus, mas sim sig-
nificndo preciso (cf Visões: gesto do a[OI Nô
que c ho ra nas duas visões - visão do ator c
visão do espec tador). Isso é o resu ltado de
um processo cuja finalidad e é ret er somente
o q ue é esse ncial, e pode se r considerad o um
exce lente exem plo da rmnsiçã o da t écnica
co tid ia nu par:1 a extracotidiun n.

/
j

.> )-.32. Em cima: po.-;ir1ics de ruâo do :1ror de Kabuk]. O nUH.ln p:lUiclllar de dobrar () )1111."0 11;.1 pnsit.."ii n
b;í..icu hUIJIJ( (h) resilir" em 11111;1 das rcnsõcx l ípil'"as 1(1Ie Iax cnru q ue ns 11150... do... utorcx j;IPnIh:SC."
par eça m \ 'i" ;ISC cxt rucotidiana s. Ncsrn il l lsr raç;'i() l ": 11m man na! dOS": c.: llh) XVIII paru arorcx obse rva-
se (; I ) l "UIHU u simples ;1[11de dobra r 11 m pt:ltlçn de pape l torne-se lima cnrnplcxn prc~[ idi~it.IC;:l o. Em
h;li~n: esult!n tk mãn~ e pé~ )l\:ln pinto r j;l p()né~ Kyns:li. Nol pintu ra japonc s..t , qu e é ess~ llei;1lrllCnrc.:
.~r;í li r;1 (niin h.i. por exe mplo. somhrus cnmu :I S que :-.~in encon mn las I};I pi nt ur a oc idclllal). muita l
imp:m:inei:1 é d:ub ;IU cvnnln Ih: detalhe c linha, que devem, corno rio c:í:m llcss;lS mâux, cxpn.:S~lr
;1... CCIISÕC.·..;: t":nt:UJHr:u!;,.,, n;1 , ·il);,.
NJAos 141
As mãos c o balé cl á ssico
No bal é clássico, ta l co mo no rearro japonês c

j7 no hulinês, ex iste lima codificação precisa d 'IS


posições du mão, '10 P'ISS0 ti ue as mãos dos
bailar inos ex p ressa m somen te dinâm ica pura

~
e não poss ue m sign ificado lite rn] ime diato.
" Es te estudo foi fe ito com o único propósi-
\ to d e mos trar como o mecan ismo do braço e

I
da mão é p reciso, exato . O movimento do

\~
braço, lima ex te ns ão c acompanhame nt o
do ritm o d o corpo e da cab eça , expressa os
mati zes, ind ica o significado do movimen-
oi to. D e ve-se traba lhar co m esses mat ize s c
significados co m refl e xão e se nsibilidade,
,I fim d e evi tar t ran sform á-los e m gesticu -
lação, P 'lI":1 .1 qual a grand e liberdade dos

~(
movimentos urt icul utôrio s conduz."
(G c orge ttc Bor d ie r, Alla/oll/ia aplicaria li
rlallça)

.U -:W. Em cilll~': l11 ão~ c hraços nu h..i1é d;Ís..iL"U. tia ilu:"lmção cxrT<tíd,1tI;. ;III(I/omi(( flplimúlI ri"11//((1_
de C, . Bllnlic.:r (P;lris. l <)~O ). Em ba ixo: u uso d ilS llI ã l lS c dos hr:l'ins no hotlé ctís sil't) tio sécu lo XVI II,
confor me ~nl\' lIr;1 de Piem: R iI IllC;UI . em O IJlt!Jl rr 111I/lffllJ/~ (Paris. 1725).
142 i\.J i\.os
Um exemplo tio teatro ocidental
E nqo ,mro o p rocesso d.rs mãos é cod ificado
no ato r orie ntal, expressi vo pura o csp cctu-
d or mesmo q ua ndo d em on strad o "f riame n-
te" . e m 'llgUIlS exem plos de atore s ociden -
ta is o m es mo efe ito de vid a das mãos é ad-
q uirid o me d ian te um processo ind ividua l,
Ircq ücnteni cn re psicotécnico. por meio de
improvisações.
M us, mesmo que seja basead o e m imp ro-
visaçõ es pessoais, o p rocesso de ve se r " fixa-
do " , se m perder s ua vivacidade (Fi gs. 35-36
c 40. 41).

.1S-.;C1. Em cirn»: O :ltorcanaden se l{ ieh;lrd Fnwkr. em '-:.'fK/mllla fl llflllfll/;l7 iT ( fI),'\.:I ). Em h;Ii.\u: :, ;u rjz.JloruL:;":W ': Oi;1 Elsc Ma ric Lau kvik, em fC1I1!e o tlillJení IJnJ.W. no Odi" T C:lHct
(1'17/1\.
MÃOS 143
,. .

.,
!

.17-.l\). Em l.'illl;I.;1dirc ir.l• Sr.mislavski COlHo l )n lHllr Srocknum», em () j}/ifll~~1J ti" jJ" ';.'/J. tinh am " ilHlo j;í d :l\lOr;ltlll'i de Sl:11';;lIill·ollxcienlc. nru lc ilr ll1:IZCIl:I\";1 11 m ~(;IlltlC nú mero
de lbsc n. JI)() (): es cultura de S. N. Su.l 'bi uin. f·: some nte por mei o de imaMc ns ( :I(;IS de imp rc s-.;ik.s de PCSSO:IS que hnviu cncun trarln nu vida . C cur ün, incnn svicurcmcntc,
COlH O cs tu '111(': hojl: sum os C IP;lZI.:Stil: n; r: l1;..:n do CII Il1 PI l[{;t IllC I1W fí.'~ it.:o C ;!.CS I nx [Í pil'n..; tumnu us 1lll C vr.nu mais G lr:IC(o íst ic:I... c rípil~I S II 1I Dr. S rfH: k m;lnn . /\s xim, a ruiopia do
de ...... ;! pc rSll n;I~C II\ (Fi;.:.. .,/1 que lili 11111 :1 ttl s melhores rcprcscut nçúcs til: S { : lI1i sl:1\· s ~i _ Dr. Sllll'k m :lllll •."CII undar :lp n,:ss:ltl u , SII:1 I1ljl1c ir:1 de cami nhar (11Il) :1 pa n e slIl)t.: rio( do
Se u hilí~';lfCl . Dil\"iil ~ hl ~;l rsc h ;u,; k . escreve: " Como dircror.Xnmislavski c nsiuuu u :'il:II."i ..:urpu ind in;llb p~lra a fre nte. c pilflirlll:rrl1ll.:nrc f) 11.';;0 ex p ressivo ' 11Ie e le lir/ll dos
nw n;s ll si.'HeJ1l;! tlc ;'k";IIl\';l f n n:JfIJ(C%.1 Inrim.r de Sl' JJS p".lpas po r m cin d"s idio..;sinl'(;I- t1t.:do:'i - o de do iIHlie;lt(or c ti m ~ ,l in ":ll'Jmrr.lt lns p:tra fora c ns d ni~ outros dedos
...ias C:'\[ CrIl ;l S de I(II=tlt(lIcr pessoa que e les ro uhc çuu nu viela, que par e çam npruximar- ,Inh r:ldns t.:Ol11 () pn k ~; l f e m cima - foram ml1l ~ld us ti., "i d a. L ,) No q uc COOCCrllc ~l()
se ma is do qu.ulro mcnnr l dil pt..:r:"o na;':'CIll lpU': eles têm de rep resentar . El e m esm o foi se lt mod o de ' xcrrur n nr' t l";ln d o e m pl:n h:lllu num ;( r~lllllt.::n(l) iofl.uuado, com Sl:1I
IUSr:t1HC I ll n~c p ;lfa cnl.:llI",j;í-lo~ :t se rn rnarcm u pcssnn IJUI.: el es tinh.nu CI1l men te pa ra Jlo le~:l r cs riC ld l lC II iudi c.nlnr c o m édin , ;Issi m rmun 11.. d emais dc tlll.o;;. he m juntos, c os
fi modelo d.. : ~ (: lI S 1'r.ll'éis. () I' niprin S r;llli... lavxki (1Il1UIlIn OIlUPIISi(f1rRi l1lsky- l\nrs:lkll\' doi.. f:fll1jlln ros de d l:lfu, m a n tidnx .' e p:lm lio.. como as lâminas de t1111 1l;1( de te so ur as .
L'l)l\l fl ccn nu ulc lo par;) f;)zcr a ( ltmpnsi ç~u do lIr. Sn.ckmunn. Ncsrc P;lpCI. Sr:lllisl ;l\'ski ele :1'. [(11111 )11 de i\1:íxilllu C;urki, que sllh lill!J:I\':1 n pn')pfin pon ro de " is l:1 ,1.:sr:1 lorma'
ncbnn q lll::l i St,;11cnm pormmcnm no palco c nc ~cs( ns pare c iam ChC,:!;:lf IIOf xi _'I), Mus ( I>'1"j,1 f\ 1:1,:!;:lfsh.u.:k. '\"II(JJidl/~'51'i, L ond res, I CJsn).
" apcn .rx 1y,lrcd :l. Ollamlo c1e anal isou SII:I ut uuçi io, rlcscuhriu q ue , m:ll;..::r.lllo :1l:lC, li(:lf 3:-1.1\ m;in de Srunisluvski: Srallisl:n'ski corno I\(ll( jrs ky , 11:1 11C\'a I h; Ostmvskv. J/eJJJJIJ
""C lIS ~c"rlls . fl porre c u coruluru dc Srockmann viufuuu inruitlvamc urc. 11;1 n.:al itb dc 11m luullrlJl srili JiJ r: rtlpfllJ"mlfJ. produzida em r<JO<J.

4U·;II,:\ :lrri1.ir;lli:lll:1 Fr:IIlL~1 1{;111u; Ilum;, de.: SII:I" rep rl::<icl1t:l<;êif:'s "uh. ( I() X-It :\ .. lI1Jns 1~1 ~-:i. Cl r:llubém Se cu cnu tr a cm uurra ill1;t~cl11: as (lahl\'w s c .'ic ap ant! o l lns I~ hins s'"'1; 0
a : H;"õif ) " I k.'il I. ,\ 1l1ãl l tlirc iu ~ llrc c lmu ll lnl:1 I)I"IL" I . 1111111:1
. . l l h l i l1h ;lllI OIS p al :lH:Ss e.: ;l l1l l l l ra nl 'Õl lhlin h:nlas pC);1 ;H:~ f) tln eOflm ilHc irn. '1llliin sllpc rior ~lhc rt~1 Cilll:<i:lnd o " Ihr:.lç:in n:r mã n
at;~() \, j.~orn" 3 I )I IC L"lmr;l~ t:1 l:UI11 il ;It.'"';j o SIt. ln: tb ndu csq llcn l:, (40): CS(:I cotHplcmcll- inft..: rior (4 1).
... . . ......... ..I-IlSToRI(J(dRAE]Â -. · .
I ' . .. " . ". . . . . ' . ". _ .'- -~ . . -.,. .; . . .- .

Nos textos SCf:,'l/íl/tes éfeita utua cOll/paração entre as duas artes ria memória: por mn lado a "manôna emp írica" , que é transmitida oralmente
_. . ". - _. --

por meio de tnna terminologia particular , celtas t7/tIlOS físicos e vocais e a biografia f}/"Q./issiollalrio ator-ôailatiuo 1/0 momento rle passar
diraament« a experiência para mais alguém;e, por outro lado, a "mem árin escrita", ali histoliograjia, baseada liadesCl7çiío rle acontecimentos
eafil/irlades sobredocumentos, notas, histórias e recordações etc.; todas as oârias relíquias visíveis e oerifioioas, 1I1/1//({ teutatrua rle reconstruir,
jJelletmr e /igarfmg//leJItosrio passado. A historiografia, não CO/110 utn« snassão rle aconteimentos, mas CO/110 11111 meio rle apresentar esta
sucessão, i uma mentorta baseada IIn escolha e torna-se il/terpretaçiío através da desaição. A historiografia, assim, preserva 11/11 /lassado
recollstl7lído por meio rio mario rle ver e gli1l1 rle e_\YJeJiéllcia rio esaitor. Essa 17!COIIStJ71{ão é lima sucessão cominua rle reinerpraações:
historiografia não COI/IOa memória daquilo que n ão é mais visível, mas COIIIO um "modo rle ver".

trabalho, os atores raramente falavam sobre essas práticas ou


LINGUAGElvl ENERGÉTICA nunca. Para encontrar vestígios do conhecimento oculto, deve -
mos tornar-nosarqueólogos e cavar entre os papéis que os atores
FERmNANDO TAVIANI deixaram para trás,
A ant ropologia teatral torna-se então, no campo da indagação
A expressão "cnerge tic language" é metafórica e tem um sabor experimental, um método para o estudo do ator no passado. Das
irônico. É metafórica porque se uplicn um termo ao nível pré- escava ções emergemvestígios de certas práticas que podem, por
expressivo do ator, que deriva de certas tradições esotéricas, sua vez, tornar-se instrumentos úteis pura o trabalho do uto r,
tradições quc acreditam na existência de urno jinguaguem pri- Assim o círculo de conhecimentos é estabelecido do trabalho
mordial e efeti va (uma lingu'lgem que pode transformar e não empírico aos instrumentos teóricos. Esses instrumentos ajudam
apenas mencionar). Esta linguagemprimordial é chamada "ene r- a clarear certas zonas, até agora pouco observodas na história dos
getic languagc" ou ·\1 lingu'lgem dos p ássaros". f\ expressão é atores, c que podem, se alguém deseja, tornar-se novos pontos
usada ironicamente porque, apesar de a efici cia do ator parecer de partida para experimcnmçâo prático.
depender, freqüentemente, de forças misteriosas, inexplicáveis, A seguir damosexemplos de ,1rores que, na ausência de uma
podemos, adotando atitude cientifico e usando método experi- tradição bem codificada, inven taram SU,l própria técnica pessoal
ment al. estudar essa linguagem. Ela é também usada ironica- pré-expressiva: uma espécie de dança oculta (oculta do especta-
mente porq ue não é mais imprecisa UO que aquelas tentativasde dor), q ue torna viva sua presen ça cênica.
definiçãoque aplicam conceitos "cienti-
Iicos" ao teatro e ao ator de maneira
inexata. O resultado é somente uma ilu-
são de exatidão. Urna imprecisão cons-
ciente j5 é uma forma de precisão. Uma
precisão ilusória, entretanto. é o cúmulo
da confusão.
Usamos a expressão "cncrgc tic lan-
guage" aqui para apontar aquele saber
do ator, q ue serve para torná-lo uroo em
cena, par;l construir sua jJl7'SfIl(a extra-
cotidiana numa situa ção de representa-
ção. A partir de Stanislavski as práticas
usadas pelo utor para construir sua jJre-
Sel/r f ' foram objeto de consideraçãocien-
tífica explícita, isto é. elas foram investi-
g,lll,lS de acordo com seus jJtillcijliosge-
rais. Pode-se falar. então, de urna ciên-
cia. Esta pesquisa tem C0l11Ul11ente leva-
do antropologia teatral e ao conceito de
à

pré-cxpressividadc na qual ela é basea-


da. Mas existiu trabalho sobre pré-ex-
prcssividude. no níveljmitico. e não no
nível tc ôrico. muito antes de ela tornar-se
objeto de consideração científica.
Esta prática em obscura:nãosomente
porque não podia ser teoricamente pos-
tulada e assim enobrecida como técnica
justificada pela ciência, nus também
porque se referia aos aspectos menos
nobres da arte do ator. Isto é, cio não se
referia nem ~ interpretação crítica lia
personagem nem à força particular ex-
pressiva e criativa que tornou o ator ar-
tista, criador. e não meramente execu- l-Z, t\ ··c l1 c r.~c.: r ic 1:l n~I r.I~c" dI: Pantulcão c I\ rk qllirn: detalhes dus ;.:mn lfil.'i nu Rr.r:Itr:if FOJJ(/J"tl. ôltbllm de ~r."· ll ril S tio
tor. As práticas pré-expressivas do ator século XVI, rnd.tx rcl ilci oll,l da:-l com ax máSCilr.l.'\ d" Commcdia dcll'Arrc, colcrudns por 11m certose nhor F'OSS'i\Tl! p~H;t
Luís XIV. i\ Rem,.i! Jt"h.tff1Ií'I(Cokc;~o Fnss.trtl) per maneceu csrlllc c.:ida :1{(:o come ço deste século, 1111:10,10 t\~nc Beijei
constituíam a "cozinha" da arte. Portan- a e ntred es ,m llli\,()s nâo L'1I[aln~'l d os til) i\IIISC11
c o briu (1.'\ EI:,lc)i d e E primeira vez em 192H.em
srocolrn n . publicada p ela

to, é natural que quando explicavam seu (l:lris. pnr PiCHe I ~(ltI;S Duchanrc, IIIll dos prime iros hi\"roáal1urc.," tiaS' (;oll1pJnhi;lS tló' (;um nll:d j:. dcll'Arrc.
I-lISTORIOGRAFIA 145

Henry Irving sob o microscópio Mas por que Irving cflmi7lhavfl t50 estranhamente?
lrving nasceu em 1838 e faleceu cm 1905. Em 1930, Gordon "Penso que não h.í ninguém que Oviu numa rua ou num
Cr.lig publicou um livro sobre lrving (Helll]' Innng, Longmuns, quarto, navida particular, que negue que ele andava perfeita-
Grcen & Co., Nova York-Toronro). Vou citaras pp. 67-77. mente. (...) Irving andava perfeita e naturalmente - mas
Craig considerou Irving o seu mestre, o homem que o intro- somente na vida particular. T 50 logo pisava as tábuas do seu
duziu na exatidão da arte teatral. De acordo com Craig. Irving teatro. no ensaio, algo em adicionado ao andar-uma incons-
era particularmente importante porque limpou o campo"da falsa ciência. (...) À noite. excluído dos ensaios, Archer foi admiti-
oposição naturalidade/artificial idade: do no teatro por umas duas horas, desde que ficasse sentado
"Mas ele era natural?": faz-se sempre esta pergunta. De num assento do outro lado da ribalta. Archer está apertando
fato, ele era natural comoo relâmpago, mas não natural como suas mãos e gritando: 'O que posso dizer do seu andar? Isso
o macaco. (...) não é andar!'
Irving era natural, mas altamente artificial. C..) Ele era Meu caro e velho Archer, você estava certo desta vez.
artificial, comocertas plantas parecem artifici ais. [Ele] era t50 Aquilo nâo em andar. Aquilo era dançar."
artificial.; - como uma orquídea. como um cacto exótico e A dança oculta de Irving n50 foi transmitida J ele por uma
majestoso, proibido e tão curiosamente composto como se tmdiçâo. Irving- como Stanislavski fará depois - volta-se ao
fosse aquilo que podemos chamar de arquitctural, atraente texto para obter informações sobre como construir sua presença.
como são todas as formas das coisas." Mas a diferença entre Irving e Stanislavskí é que Irving não faz
Para entender o segredo de Irving de ve-se penetrar na forma de perguntas sobre a personagem:
sua interpre tação e descobrir a estrutura oculta da presença que "Por não. ter um lugar onde pudesse treinar, Irving fez
está escondida debaixodela. Temos de colocá-lo sob o microscó- como muitos OUtros gmndes mores da Inglaterra - tomou
pioe examiná-lo. Craigcensurou os críticos por sua incompetên- Shakespeare como seu guia e mestre. C..)
cia a este respeito. Eles somente olhavam os resultados, ignoran- E Shukespeare o ajudou , pois em Shukespeare há um
do os processos. Ele censurou particularmente WilJiam Archer, grande; um curioso ritmo, e isso foi o que ele capturou. (...)
que em 1883 havia publicado Henr» Iroiug, artistae emptrsdtio: Irving tinha colhido os mais difíceis ritmos shakespearianos,
UIl/ estudo attico. Archer estranhou, por exemplo, como alguém e estava adequando a ação à palavra. (...) e assim aconteceu o
poderia definir o modo extremamente particular de andar que que Irving positivamente propôs (como M. Fokine obser-
Irving usava no palco. Falou a respeito em termos vagos. quase vou): danças que se ajustavam perfeitamente às falas dadas a
como se isso fosse uma excentricidade. Craig respondeu: ele por Shakespeare."
"Se ele tivesse me perguntado o que deveria dizer sobre o Comparado ao "subtexto" de Stanislnvski, a dança (oculta)
andar de Irving e como 'descrevê-lo?', teria dito: 'Meu caro de Irving revela-se como o resultado de uma técnica completa-
Archer, descreva-o, se você tem mesmo de falar sobre ele, mente diferente, que, não obstante , segue critérios substancial-
como uma linguagem total!' Eu teria sido obrigado a acres- mente análogos, Ele responde à mesma questão profissional:
centar: 'Se você sabe o que eu quero dizer.'... N50; o bom como alguém reconstrói a organicidade da presença cênica do
Archer n50 teria compreendido o que eu queria dizer tio ator? O que Irving encontra em Shakcspeare é um paralelo aos
andar de Irving como linguagem total. N50 compreendia "significados" do texto. Esse paralelo lhe fornece uma partitura
nada sobre Irving. e foi passando esse desentendimento ao pré-expressiva, que também pode ser desenvolvida em contex-
amigo, Sr. Bernard Shaw, Mas Archcr sempre tentou f:.1 br'1 tos que nada têm a ver com Shakespeare: r
verdade." "Quando ele chegou ao melodrama, a Os sinos, A correspon-
14() HI.S'TORIOGRAFIA

4. !\ ··..: IU.: r.~c ri L· I;l n;:;I I:I ;!,t:· , de . "r i'Õl;l nn ~b ni nd ri (v. r~S6 · 1 6.lOl. 11 111 EUll!l....ll /\ r1L·l jll iru. ( ;';/\"11(;''''c dc.:l;lllu.;,; d;1 f./J)JJ!JIJ.íiJinJ/ tlrRhàori'l"rrfe ..jf . d OJl itrl~,!ltiIJ. um libr eto de i Op.íg in:ls
que i'1:millclli imprimiu t.::1H 1601 P:If:1 l Icnriquc IV, c do 111 1:11 resta 11 111:1 simples l:()p i:l. ma n ridu 11:1 Hibliurcca Nacio nnl c m Purix. Um detalhe curioso. lima indi L~I ~~io tI:1
pe rsonalidade h iz :IH :1 do un rn r: do lihrctu de i Hp..í~il1:I"' • .)1] c sravn m em h r:II H':u .

dêlláa deLyons ou LonisXl. compreendeu que seria ncccssá- da figu a, mas constroem canais de acordo com as regras da
rio uma maior q uan tidade de dança parasustenta ressas peças hidráulica. Esses canais não são a dança, mas, conforme a água
- c então foi q ue. usando toda a sua habilidade, enxu gou o passa por eles, começa a dançar.
chão com o papel e dançou como o diabo. Quando ele estava A pesquisa conduzida por Stanislavski e Mevcrhold, como as
lidando com Shake speure, tinha de simplesmen te limpar as práticas sem teoria dos grandes atores europeus, é uma resposta
vidraças. Seus movimentos eram todos medidos. Ele sempre a um requisito fundamental: possibilitar ao ator trabalhar segun-
estavacontando- um, dois. três, pausa; um, dois; um lXISSO, do duas linhas paralelas, A primeira linha refere -se à interpreta-
outro, uma parada, uma volta tímida, outro passo, urna pala- ção, à construção do significado; a segunda, mais profunda e
vra. (Chame isso de uma batida rítmica, um pé, um p.1SS0, menos óbvia .10 espectador, tem .1 ver com '1 "cnergetic lan-
tudo é um - gosto de usar .1 palavra 'p'1SS0'.) Isso constituía gu'1ge", com a consrrução da presença. P arn funcionar, essa linha
uma de suas danças . Ou sentado numa cadeira, il mesa, levan- deve ser detalhada , isto é. composta por meio da montagem de
rando um copo, bebendo, e então baixando sua mão e o copo rn icroa ções tísicas cada uma com um início bem preciso e um
- um, dois, três, q uatro - interrupção - um ligeiro passo fim ainda mais preciso. O fim de uma microaçâo é o começo de
com seus olhos - cinco - en tão. uma sucessão de p.1SS0S - outra. Essas ações podem ser os vários passos de urna dança
duas sílabas lentas - outro p.1SS0 - mais duas sílabas - e oculta (como para Irving) ou as várias seqüências de imagens
uma segunda passagem em sua dnnçn foi fe ira. E assim internas que o ator projeta como uma espécie de filme mental
diretamente através da peça - qualquer que possa ser- não (como às vezes Stanislavski falava). As técnica s podem ser inu-
havia movimento ;10 acaso; ele não deixava nenhum final meráveis, mas a exigência fundamental n qual respondem é
~"
solto. Tudo tinha corte rígido no inícioe no fim e tudo unido sempre substancialmente .1 mesma: definir uma linha de ação
por um ritmo imensame nte sutil - o ritmo shakespeariuno." que é relativamente indepen dente do trabalho interpretativo e
Na época que Craig escreve u seu livrosobre Irving, a pesquisa que pode ser partida em segme ntos muito precisos,
feita por Stanislavski e Mcycrhokl ji tinha estabelecido um no- Para esse fim , certos atores se serviam de verdadeiros e
vo modo de aproximar-se da arte do ator. É, portanto, provável próprios clichês figurativos. Podemos en contrar um bom exem-
que Craig projetou esta nova maneirade ver para o passado recen- plo desta técni ca num livro do ator italiano Antonio Morrocche-
te, usando issopara descobrirul ógica secretado se u velho mestre. si. Ele foi o maior ator trágico da It ália por VOIt'l do século XVIII.
O capítulo sobre o modo de representar de Irving é um ver- Morreu em 1838 (ano de nascimento de Irving). No fi m de sua
dadeiro ensaio sobre anrropologia teatral flV11Il1 la leare. Por carreira ele fundou uma escola de teatro e publ icou um tratado
exemplo, fica-se chocado pela grande importância que Craig sobre .1 arte de representar - Liçõesdedeclamação e11I1e teatml,
atribui à oposição en tre a técnica corporal cotidiana e a técnica Florença, 1832.
extracotidiana, e acima de tudo o método que ele US.1 para .1I1;1Ii· . Para os seus espectadores, Morrocchcsi parecia ser um ator
sar a dança oculra de Irving. Ela é oculta não apenas porque n~o impetuoso e passional. As vezes, ele parecia estar "possuído"
é mostrada, mas especialmente porque salta ora em uma, ora em pela personage m. Em seu livro ele revela como o mate rial de sua
outra pane do corpo e da voz. Não é uma composição ges-tual, arte era, ao contrário, clássico; premedi tado em todos os se us
mas um modelo de energia que pode ser dilatada ou restrita no detalhes como o trabalho de um escu ltor. Ele escolhe e explica
espaço, que num mome nto pode guiar o modo de andar e no alguns trechos dos mais famosos trabalhos que interp retou. Para
outro dirigir um impu lso da mãoou um pequeno movimento dos cada segmento de urna sentença, às vezes para cada palavra
olhos ou o modo de pronu nciar uma palavra, q uebrando-a. individual, ele modela uma figura, uma pos tura, numa atitude
semelhante a uma estátua, como os heróis pintados por [acques-
Mármore vivo Louis David. Vistoscomo um todo, esses desenhos reproduzidos
A "energetic Ianguage" do ator é na realidade a dança da cner- por Morrocchesi parecem ilustrar seu modo de represen tar. Na
gia. Quando a energia dança, o ator não se concentra diretamen- realidade, eles não são de modo nenhum a representa ção das
te nela, mas nos canais que a conduzem. De maneira semelhan- ações que o ator levou a cabo no palco: an tes, eles são a radiogm-
te, quando um arquiteto de fontes quer fazer dança de ágU'1 , ele fia das ações. Precisa-se somente considerar a' velocidade. Q
ou ela certamente n50 serão tão tolosem tentar mudar a natureza tempo necessário para dizer uma palavra, um fragmento de
I-lISTORIOG RAflA 147

verso, um segmento de uma sentença. é breve. Isto significa que


as duas. três ou quatro posturas lIue se suced em Dl1I11,1 simples
parte do texto some nte podem ser isoladas no abstrato. Elas po-
dem ser separadas apenas quando a ação do ator é submetida ~1
uma visâo analítica, que as separa em partes e quando o ator
compõe a ação detalh e pordetalhe. Mas quando a ação é realmen-
te feita. ,I S posturas individuais desaparecem c o que aparece ao
espectador é uma ação simples. freqüent emente em turbilhão.
Ao ler o livro e olhar os desenhos pensa-se que ,IS diferentes
posições são acima de tudo .1Spausas na ação. Mas n30 é o caso.
Compree nde-se por que Morrocchesi parecia impetuoso e es-
pontâneo aos espectadores. enquanto a seus olhos. em sua visão
mental, ele estava re presentando uma composição (uma dança).
baseada em posturas neockissicas.
Os clichês parecem ,10 espectador co rn o clichês. isto é. como
atitudes convencionais, somente quando SJO reconhecíveis. quan-
do eles podem ser distint os um do outro. Paradoxalmente, o ator
p.1reee artificial (no sentido negativo lb palavra) quando US,l
poucos clichês. Se ele usa muitos clichês torna-se " naturnl'' . Um
gr.1nde número de clichês torna-se um c1l1 ~11 por meio do qual
energia c vida jorram.
Neste C,IS0 também (um exempl o e ntre muitos), o ator deduz
pelo texto sua própria dança oculta. usando uma técnica pessoal.
Ele estabelece uma linha de ação que nJOleva em consideração
o significado da interpretação, mas somente .1 eficiência lb
pre.lCll(a. Naturalmente, é verdade que o ,HOLUS.l palavras para
encontrar 'I S várias posições, os vários clichês, mas também é
verdade que esses clichês não são usados para representar .1S
palavras c SJOqueimados na rapidez da ação.
Diante de atores que trabalham com técnicas pessoais deste
tipo. certos espectadores - como os POCt.1SMusscr c Lurnartinc
- testemunham que experimentaram o "m ármore vivo". 1I 11l ~1
estátua que é contraditoriamente pe rcorrida pelo calor e pelo

h.

) (

5-6. Em l-inm, ué s ;llJ:i[(;u;"jk . . l:.\rwrd.l.'Õ dn tr:H;ul o do at or lralinno l\ ntllnio i\lnrrncc.:hesi ..o bre a urre de n:prc., cll(aT.I.i(íitu /o/rrlllll/(l(fifl 1!lf/1e If:fll r,,/, Florcuça , 1&12. Em buixo.vl
morte til:.\i;,rlflt:J. óleo sob re te la, 1771. de .I;Il:qm;s-l ..o uis l);lyid (f\ Iuscn do Louvrc, !'.uis).
14R HISTO RIOGRAFIA

na corte francesa de 1575 a 15R9. A coisa mais espantosa que se


observa nas figuras desses atores, desenhadas durante a a ção
cênica é a escassa ênfase colocada em sua ridícula aparência.
Para se verificar isso é suficiente cornparu r esses desenhos com
as ilustrações de Callot em j balli rli Sfessania. Os atores das
gravuras (ia Recl/ei! Fossard são caracterizados peJos gestos, quc
dilatam as tensões orgânicas c demonstram, de urna maneira
enérgica, as forças que regulam um corpo em movimento. A
dibt<lção do gesto é usada para além da construção de uma
carica tura: ela lhí energ ia J presença cênica do ator.
Isto é particularmente eviden te na personagem de Panraleão:
ele é um velho. mas o ator compõe a figura com gestos amplos e
vigorosos. Ele não imita, por exemplo, o andar de um velho
encurvado. mas o reconstrói por meio de um contraste, que
transmite a idéia de um velho sem reproduzir sua fraqueza. As
cosrus são tão curvadas. que se tornamPOdCroS'1Scomo uma mola
comprimida. Cada passo é maior do que o passo normal, de
modoque o equilíbrio prec áriodo velho é reconstruído por meio
de um r!6'ér;T1ilibre, que implica maisuma abtmdância do que uma
[alta dc energia.
Se cobrirmos o rosto dc um desses Panrnleõcs da Remei!
Fossard. descobrimos que quando a máscara e a longa barba não
são mais parte da imagem. nada é deixado do chellll 'uei!!arrl (o
venerável idoso) que o ator está represen tando. A aparência
física e o vigor muscular do ator se tornam clarame nre visíveis.
Podemos 1~1Zer'1 mesma experiência com Arlequim: se US;1f-
mos nossa im;lginaçno para despir o traje remend ado e manter
somente sua silhueta, não podemos mais distingui-lo de urna
personagem trágica. Vemos posturasque se assemelham JSpos-
turas da escultura clássica (heróis moribundos, homens pedindo
miseric órdia, guerreiros).
Mesmo na imobilidade e nas ações menos animadas, as pos-
turas básicas dos atores representando Pcn raleão e Arlequim
mantêm o investimento de energia que os acrobatas usam para
7...."'i. Adc qllim c Pi1o[õ1IC~(): deta lhes de lima ~ril\'IIf;1 lb Rr.mcil l/tlJJIII"tl Cn rr~lf\ tlfI as ns suas façanhas de força e agilidade. O nível pré-expressivo
c;:lhcç:ls das li;':lIm~ c removend o n mIje n:nlC:lltlillln tilJ /\rlt:lluim ch:tnm u arcn çâo a manifestado por esses atores parece derivar das danças de C.H Ha -
\'i~nm :ii1 fonuu fisicll de Paurulcão c n com pnrrum cnto l(;'i;ô cnl!c Arlequim, ,\s IUls ulras
h;hiciI:-i ,los ato res que inte rpretam P:II11:l1c:in C Arlequim Sãll dc tc nuin udas pela
vai, danças de espadas, danças de luta, acrobacias. A mesma
tlcliniç:in pré -cx prcssi v;, do corp o. que C.'H;Í e m cont raxrc rural com n.. "CItS jlapêi s. qualidudc de cnergiaestá presente, masaqui está contida, trans-
formada em dança oculta.
t1uxo de vida. O ator, usando as palavras de Craig, "foi natural, A fascinação que a Cornmedia dell'Arte exerceu para os
embora altamente artificial". espectadores em toda a Europa derivava, no início, provavel-
mente do modo como os atores italianos descobriram ao criar
Debaixo do traje de Arlequim tensão entre os níveis expressivo e pré-expressivo de sua atua-
Uma história fascinante ainda a ser escrita é a do terremoto çâo: uma expressão cênica burlesca, projetada para fazer os
silenciosoque ocorreu no teatro europeu coma separação da arte espectadores rirem. Esta técnica, entretanto, cresceu de um
de re presentar da arte da dança (e canção). Essa separação substrato energético, vigoroso,"acrobático",aqui compreendido
aconteceu não somente no nível teórico. m.1S também no práti- em seu sentido original, isto é, "movendo as extremidades", na
co. Até o fim do século XVII. as (h1J1Ç.1S codificadas guiaram o PO/1t.l dos dedos. mas também empurrando cada tensão ao seu
comportamento do ator: o ator escondia essas danças. o dançari- extremo, procurando um equilíbrio instável.
no as exibia. Mas o mesmo conhecimento físico eru básico pmao No princípio da história do ator moderno, na Commedia
trabalho de ambos, dell'Arte que tão profundamente inspirou os reformadores do
O mestre de dança ficará ao lado do ator nos próximos sécu- teatro do século XIX encontramos provaespecial de uma habili-
los. Ele seni freqüentemen te um dos professores do ator. Mas (Jade para manter dois níveis diferentes de organizaçâo e para
desde o início do século XVIII, os ensinamentos do mestre de reunir essa dicotomia num contraste vivo.
dança são usados apenas para dar gmça e decoroaos movimentos
do ator. Eles são usados mais na superfície das ações do que na
sua estrutura íntima.
Se, entretanto, voltamos mais no tempo, ,10 períododuran te o
qual as grandes companhias profissionaisitalianas foram forma-
das. aquelas companhias que hoje são chamadas Commedia
dell'Arte, encontramos uma interpene tração muito diferent e
entre representar e dançar.
Vamosolharosdesenhos dos atores italianos, que 530 parte da
Remei! Fossard, uma coleção de estampas hoje conservadas em
Estocolmo e publicadas pela prime ira vez por Agne Beijer em
.".
1928 (a edição mais recente foi publicada em 1982 pela Librairie
Th éâtrnle. Paris). Esses desenhos mostramatoresrepresentando
HISTORIOGRAFIA 149

I.

I). :\ " cn c rgc ric !al1;!;lI;'I~C'" de P"lIltail.::io: i\. ( ,'nmidifl ,n1'/(lI"SfI "r. .r~i.\" IJrr.rfJ"(~!t.rJI.r en /''' 1I1,l1t''", n m l1lll tl/): ~r;I\·lIri.l de I J. Liclrinck LI,t Rn7ll:i l FIJJ.'itlrt!; B. P(IIJ/llferill dos ll~/~r.ri"lIIkf;.
' •.Ji.
~r:l\' II r:1 :lI1ônill1:.l d;1 Remeil/:oJ.wrrl; C. 1'1fl11,drihJrJJII/JJJn1llIo: ~r;"'IIr;1 aníu,im :1 da Nrnteil':IJJJl/rtl: n. Fra~rtlcll(O de 11m de senho de J;lCqIlCS l lon cr vcgr, início do século XVIl, 11;1
1?"I'iI~il l"I}JJflld; E. •\irfnlJ~1I1} RIJ!!I" .!!." : pc.:C~()Il;l ~CI11 do velho 11;1 Num'il FnJ.wn!:. F. PflJlfltlriin: dc rulhc de urna es ta m pa no ~ 1(lsc lI Firl. \\'ilfiilllll:11l Carnhr ;tl,g'c.:: (1.1 LI. P/IN/ldu/fJ:
dC(Ol lhc de uma ~r;I';tIfa anôuimu na l~rUleil Fossant; I•. :l f nga til.'PaJl/fI/ríill : dcrulhc c ~r;l\'l l r;;1 ;tnitnim"l (Inxéculn XVI ~lIafl l;ItI:1 na Hibliotcca Nilcio n:ll. P~l ris; 1\1. Virl" , '1''':1/'' e
dr.Ji/IIs,7n rir. P'm/fl /t:tln: ~r;t\'lI r~1 fcir;, em Hrul1;1 en tre 15(,() e ISXO peln ilc ulêlllico Lorcnzo Vôl'iSOlfO.
150 HISTOIUOGRAFIA

inevitavelmente resulta numa mudança de perspectiva. O ponto


"SIsrrENIA" DE STANISLAVSKI de part ida não podeser, como ge ralme nte acontece, a po ética ou
o gosto do gmnde diretor russo. Deve ser a definição do que
FRANCO RUFFINI Stanislavski chama "-a condição humana mais simples e normal";
isto é, de Fato, o objetivo do "sistema", e t,ll objetivo nada tem a
Palavras de Stanislavski ver com as escolhas est éticas e operativas do diretor.
Em ri Prepamoiorio f!tot' , Torzov (o porta-voz de Sranislavski na Mais tarde diz Stanislavski, em A construção daper:ionagel1l:
ficçâo liter ária) diz ,1 seus alunos ao 11 m de dois anos de trabalho; "Cada diretor possui sua própria maneira de trabalhar
"T udo que vocês aprenderam nesses dois anos parece sobre a personagem e seu próprio modo de sublinhar seu
agor'l confuso em suas mentes. Não ser á Lícil reunir e lixar plano p"ra o desenvolvimento desse trabalho: não há regras
todos os elementos que analisamos e extraímos com nossa lixas. Entretanto, as fases iniciais do trabalho e os procedi-
sensibilidade, um a um. Ainda assim o que encontramos é mentos psicolisioJógicos q ue se originam em nOSS;JS próprias
nada mais do que a condição humana mais simples. mais naturezas devem ser respeitados com exatidão" (L.A.r., p.
normal. C..) É desconcertunte saber que algot50comum,algo 106).
que é geral men te criado espontaneamente, desaparece sem 1\ condição humana de que fala Stanislavski, baseada em proce-
deixar vestígios, tão logo o ator coloca os pés no palco, e que dimentos "psicolisiológieos que se originam em nossas próprias
para restabelecê-lo é necessário tanto rrobalho, estudo e téc- natil rezas", pode ser definida como o "corpo-mente orgânico".
nica. (...) Por causa dos elementos singulares que a compõem, Aceitando" "ficção da dualidade" podemos dizer que um
u sensibilidade cênica gemI é a w1Irliriío IfII!IIa/1fI !IIaisJilflplf'-l' {' corpo-mente é orgânico quando o corpo responde às exigências
natnm l. No palco, no mundo inerte lia cenogra fia. nos basti- feitas pela mente de urna maneira que não é nem "redundante",
dores, entre .IS cores, o esboço. o figurino c os acess órios de "negligente" nem "incoerente". isto é, quando:
cena, ,1 sensibilidade cênicageral é a voz da vida humana. lht - o corpo responde SOtl!e/l/~ às exigências propostas pela mente;
renlidad e" (LA, p. 607-8). - o corpo respondea todas as exigências propostas pela mente;
Há muitos preconceitos com relação ,10 "sistema" de Stunislu- - reagindo a todas,1S exigências propostas pela mente, e apenas
vski: ele se resolveria na identificação com a personagem, servi- para esses comandos, o corpo se adapta fi elos. procura satisfazê-
ria somente para atores naturalistas ou realistas. seria a conse- las.
qüên cia de uma poética precisa.e assim por diante, A organicidadc corpo-ment e revela-se no corpo que não ,1ge
Mas, como vimos, Srunislnvski não é desta mesma opinião. em vão, que nâose esquiva da ação necessária, que não reage de
Ele afirma que a finalidade do "sistema" é construir "uma uma maneira autocontmditôrin e contraproducente.
sensibilidade cênica geral", isto é, recriar, no palco, "a condição N" verdade, o corpo-mente orgânico é '1 "condição humana
humanu mais simples e normal". mais simples c normal", e é desconcertante que ela "desapare ce
sem deixarvestígio, tão logoo ator põe os pés no palco". De scon-
"A condição humana mais simples": cortant e, Il1~S real, como todos sabe mos. T ão logo est á no palco.
° corpo- men te orgânico o corpo tende a tornar-se redundante, negligente e incoerente:
Lim.] reflexã o sem preconceito do "sistema" de Stanislavski ele a~c em vão, recusa-se ,1 rcnrcscntar; conrrarliz-sc :I.i m "'ml'l
[-lISTOmOGRAfIA 151
Ele pe rde a organicidade que possuía an-
tes de e ntra r em cena e a te rá de volta tão
logo deixe o palco. Para recriar a organici-
dadc, ,1 "voz da vida humana, da rcalida-
de". "trabalho. estudo e técnica" são nc-
cessários, Este é o "sistema".

A mente propõe exigências:


perezhivanie-
Dado que o corpo deve re'lgir c se adaptar
a todas as exigências propostos pela men-
te. e apenas paru essas exigências, é pre-
ciso ,1Il res de tudo adestrar a m ent e do
ator para construir exigências. A mente.
pura Stunislavski, significa intelecto , von-
tade e sentimente em inter-relação re-
cíproca.
N'l vida cotidiana isso não é necess.i-
rio: ;IS exigências que a mente propõe ao
corpo são reais; no palco, entretanto, as
existências que não são reais devem assim
se tornar,
Este é o prop ósito dapere-.dtivrl/lie: treinar
"m ente do ato r parafazer exigências,isto é,
estímulos. para os quais o corpo nad. pode
fazer a não ser reagir apropriadamente.
Dai .1 necessidade e, ,10 mesmo tempo.
a dificuldade da jJerezhivrl1lie no "siste-
ma" de Stanislavski, A mente do ator não
deve limitar-se ,1 criar um "contexto" ló-
gico. que motiva e emociona .1 reação.
Mas esse contexto deve funcionar tam-
bém ramo se fosse uma exigência real; o
ator deve acreditar no contexto que criou.
Se. e somente se, o ator acredita. o expcc-
tador também acreditará, assim como ele
acredita quando vê alguém agindo fora do
palco.
A jJerezjúUflllie termina somente q uan-
do o contexto das justificativas racionais,
voluntárias e emocionaisse torna urna exi-
gência real. Neste ponto, a reação, embo-
ra não se desenvolvendo ainda em movi-
mento. jâ é ativa. Para Stanislavski, /)en'-
z!Jiv(/IIie ji é "impulso à ação" ou. diría- lI - I.!. () pcq ucnu te atro em I.jllhimo\'l,a.:1c rsa dc vcrâo ,ti famili;, Sran islnvski, ond e ele, em ."":1 juvent ud e , p rarireu
h ..rutro rum SCIIS parcntcx c ;l lll i ~ll s : "" ': r;1 n~rii fl.I U·'S. os nrorcs , csniva n ms todos vivcm lo cm I..j nbirnov ka. ussiru IUldcmns
mos. "a ção em impulso". mesmo que ain-
t.: n';:li:tf cousranrcmcurc c in tl;rprt.: t;Í\";lll1ns rml" 11 tem po IIIIC tínhamo.'; oponllnid:ulc. E tiramos tm la v;lnt:fJ.;CIll t1CS[;l
da não esteja em ato. Jlu.;xihilid;nlc. Lcva nniv. uu os de numh ii, ll:llhí\';llllll S c, cnrã o, cn s: li~Í\';Im l1 " 111\1;1 com éd ia. Dcpoi .. rính:1111l1S 11111 lanche
c t.: 1'-~li:h-al1los outra pc çu, depois c;lm in ldv;lillos c cn ":li:'I\':ll1lns novumcnrc a primeira peça. A noite, se ;t1 ~ I I ~ 1ll vinha
O corpo responde adequadamente: puru nma visita . pCr~I\l\[;Í\',tmos inll:di;I(;I11ICIHC '(;w.(ari:t'1111.:Ilcí..; in[Crpretií sscmlls:lI,~o~' 'Naruralmcurc', dir iu u visirn.
As l:imp:l tl:ls rlc tlkn eram :1t:CS;I, - 11_, ccmiriux nunvn e ram retirados - li c:mrin:1 Iludia xc r abaixudu, :t1~lIém rol ncariu
personificação IIIH :I blu sa. fllltfU 111)\:1\"1,;0[:11, um h'ln~, 1Il11 111Io..:pC. .. C.I in tcprcr.rçâo t..'Olllcçil rii l P'Ir.11l1l1 só espectad or" ( I\.. St anisl uvsk],

As técnicas de peO'OllÍfirflÇ/lo são ,1S q ue .lIillfill t'idfT I/fT .117<, II)Z'».

tornam possível ,1 transição da "ação em impulso" pura a "uçiio alegre. Vale a pena rcproduzir n conclusão de Sranislavski: "Este
em ato '. é precisamente um dos métodos de dilatar a paixão humana"
I·);J aqui urna aparente incongruência. Quanto maisa jJrm;!IÍ- (LAP.. p. ( 2).
'umlie é necessária e básica para o "siste ma" Stanislavski. mais a Isto é válido para a personagem em sua totalidade, tal como é
personificação parece gratuita. De fato, se ;1 mente -conseguiu válido para cada elemento da jJere.zhivmiÍe. Mas não se trata de
criar uma exigência real. o corpo nada pode fazer a não ser reagir uma "escolhaexpressiva". Ao contrário: no palco, para funcionar
adequadamente. Qual o objetivo, então. de treiná-lo? como um ponto de partida para a ação. a paixão deveser "dilata-
Nüo se deve esquecer que ,1 jJere-zJlivrwie não é uma exigência da", urnpliadn, vitalizada pela complexidade.
real, mas apenas funciona como se assim fosse. Este é o ponto. Portanto. pode-se compreender a necessidade e importância
Para funcionar como uma exigência rea I. a jJerez.hivaflie não pode das técnicas de personificação do sistema de Stanislavski. De
ser simples. linear: ela deve ser complexa e interiormente dinâ- fato. se. para funcionarcorn o se fosse real, a exigência criada pela
mica e contrastante, Ela deve conformar-se. isto é. àque las mente deve ser vitalizada pela complexidade, e ntão a rea ção
situações que na vida cotidiana são situações excepcionais. ou apropriada do corpo também será "ampliada".
melhor. extremas. O corpo do ator deve ser treinado para responder a cada
Numa famosa passagem,Stanislavski estimulao ator a procu- impulso mínimo da mente, como um stmdioarius rbsponde ao
rar sempre pelo bom no mau. o est úpido no sábio, o triste no mais leve toque da mão do artista. De fato. Stanislavski repet ida-
\52 HIST ORIOGRi\FI A

mente !;1Z uma analogia entre o corpo do ator e o precioso A personagem é somente a "condição para o sentido " do papel".
instrumento musical. Se o ator perde (ou não encontrou) a pe rsonagem - essas são
Igualmente, na vida cotidiana h;í exigências complexas para reflexões de Stanislavski - , o papel perde o sentido. Se o ator
as quais o corpo deve responder amornática e adequádamente. construiu 1I1l1f1 personagem, o papel adq uire 11111 sentido; se a
Mas isso ocorre em situações ex tremas, excepcionais. No palco, personagem consrruída pelo ator fosse outra, o papel teria outro
ao contrário, cada situação é extrema, pois,se assim não fosse, ela sentido, mas ainda assim teria sentido.
poderia não ser (poderia não funcionar como) uma "situação Mas como o papel pode não ter senti do sem a personagem,
real". A norma corpo-mente no palco é a sua exceção na vida assim a personagem não pode ter sentido sem a organicidade do
cotidiana. corpo-mente do ator. Se o corpo-mente do ator não é orgânico,as
A organicidade no palco é uma amplificação da organicidade ações d;l personagem, embora moldadas às "circunstâncias da-
cotid iana. Portanto, ela deve ser recriada por meio do "sistema". das" do papel, não podem ser respostas apropriadas às exigên-
A sensibilidade cênica interna construída por meio da técnica cias. Elas podem ser ape nas as execuções mecânicas de ordens
pere,,-.!Jivfl1lie e a se nsibilidade cênica externa criada por meio da externas.
técnica de personificação devem ser unidas e integradas na Se '1 organicidadc do corpo-mente se desintegra, '1 persona-
sensibilidade cênica gera l, que é a segunda natureza normal e gem também se desin tegra: ela não é mais uma pessoa e, portan-
orgilnic,l do ator (LA. p. (07). to, não pode assegurar o sentido do papel.
Para Stanislavski o corpo-mente orgânico é a base do sentido
Corpo-mente orgânico, person agem , papel do papel; ele é a primeira cOl/diçiío. sobre a qua l essa cOl/rliçrlo[ma!
O corpo-mente orgânico é a segunda natureza do ator, Sc essa é que é a personagem. pode ser construída.
a finalidade declarada do sistema de Sranislavski, perseguida
analiticamente passo a passo. deve-se perguntar a si mesmo qual Co ndições para O sen tido e o nível pré-exp ressivo
a função do corpo-ment e orgânico no interior da complexa estra- Aconstrução do corpo-mente orgânico,a construção da persona-
tégia tio ator. gem a partir do papel (escrito): essas duas fases do trabalho
Há de fato, uma estratégia complexa do ator acima c além do complexo do ator para interpretação do papel ocorrem antes da
siste ma: é <1 interpre tação do papel (isto é, inte rpretação das manifestação do sentido . Elas estabelecem as condições básicas
palavras e ações que o texto escrito prescreve para a perscna- paraa manifestação do sentido na construção do papel (atuado),
gem). ;1 partir da personage m,
Qual é a função do corpo-me nte orgânicona interpremçâo do Na prática é difícil (quase impossível) isolar as duas primeiras
papel? Quanto ao que diz respeito a Stanislavski, pelo menos, fases da última: é ainda mais difícil separar a prime ira fase da
podemos responder nessa questão nos seguintes termos: segunda.
- o corpo-mente orgânico é <1 collfliClío para o sfJI/ido da Isso não exclui a existência te órica e metodo l ógica, no truba-
personagem, e lho complexo do ator stnnislavskiano. de um nível que ocorre
- ,1 persomlgem é <1 colldiçiío para ostntido do papel, antes da manifesrução do sentido. um nível q ue existe anteriors
Deve-se, portanto, começar com a personagem, expressão e que é uma condição para ela.
I-J.í três fases na inrerpreração stanislavskiana de um pa pel: Esse nível é o pré-expressivo. do qual fala a antropologia
1. construção do corpo-me nte orgânico; teatral, Reciprocamente: o nível pré-expressivo poderia ser defi-
2. construção da personagem começando com o papel (escri- nido, em gemi, como o nível onde as condições para o sentido são
to); construídas.
3. construção do papel (atuado)" começando com a pcrsonu- No "sistema" de Stanislnvsk! o trabalho do ntor refere-se ;10
gemo nível pré-expressivo e é independente das escolhas poéticas el
Essas três fases são teóricas e metodologicamente distintas. ou es t éticas do diretor. \"
mas na prática são entrelaçadas. Stanislavski afi rma isso categoricamente. Stanislavski, o rca-
O que é a personagem para Staruslavski? A personagem é o lista, o naturolista. o monumemo de uma poética, falando sobre
corpo-mente orgânico do ator nas "circunstâncias dadas" do o "sistema" , diz: "não se trata de 'real ismo' ou ' naturalismo',
papel (escrito). masde um processo indispensável para ;1 nossa natureza criado-
O que é o papel (atuado)? É a personagem orientada para o
"superobjetivo", canalizado. poder-se-ia dizer, na "linha de ação 13- I(). S( :lIli~ l :t\" ski com St:lI~
direta". umrcs "unnulorc s' em r C I1:I S
til:Jlih"/f1, tIL- Cilhcrrc Sulfi-
A personagem também deve existir no IX1SS'ldo e futuro do \';ln ( I:\:\7). As pnsil,,; tu.:. . ti"
papel. isto é. híonde o papel nãoest á rernporariamenre presente. cllJpll nân rct lcr cuur illl;I~CIH
A personagem deve existir també m em atos que não são previs- cxtcr cutipudu tlu n'::ll isllIl ) I IIU'::
;:.c r.IIIlll:l1 tC cs r.i .I...·.;oc.:i:nlil õI
tos no papel. isto é, mesmo onde o papel não está presente St:lni...b,'s:ki.l\ l.:11l11P II'i"i\:;11 1Ik
espacialmente. As recomendações de Sranislavski a esse respei- cnl a Im'iil.::in c l~lt b detalhe
to são contínuas e ineq uívocas, - nhxcr vc I ) 'C11llilíhrin c ax
ctjlli":Ilénl.:i;ls - l: o rcxul ra-
A personagem é uma pessoa com uma existência ucimu e do ,Ia p rocura pc b yid" "O
além dos atos que ela execu ta como parte do papel. Igualmente. pulcn, "id:1 que deve lluir,
I1U\' :'1 c fresca, 1mb unire. [ ;111·
ainda. ela se amolda às "circunstâncias dadas" do papel, poden- [U P:IU n at or qll~II H o p:,r;1 11
do representar outros papéis. N;1 história do teatro h;í numerosos c xpccn nlor . E S S:1S ilH a~Cl1S

exemp los do mesmo ator-personagem interpretando papéis di- c..;; t~ n lon;.:,c Ih! imi(;lçin tLi..;
po.'~içiics IIs,lth s pelus ;Helrl,:,,,
ferentes, e nossa experiência compartilhada como espectadores japOlll:.'\CS: :', épncn que essax
confi rma que dentro do mesmo papel (escrito) pode haver dife- 1i~IIf:l s lomm tun uul ux, S (~I ­

rentes personagens. Há milhares 'de Hurnlets, um para cada ;1(0r: "j"',I\'ski"iml;J' ll ;ju h.!l'i:. vis-
rn ,, (I)( C.'; japon ese s. lo: n IIIlC
isto é um lugar-comum e oculta uma profundaverdade . O que é, IKlllc:ser ft Hl1: 1l lc. CI)111C)"japn -
então, a personagem em relação ,10 papel? A personagem não é nismo" SiI Uelementos c:nn·
\'c ndO[}:li:i (m ltli.;IJ.r)snhrc os
identilicada com o papel. não o implica. não é envolvida por ele. I /U;Jj.. J\-Ic)"l.:rliulll, t:Jl1 p;lui -
l:1I1:1r, h;lS(;;lriõl mais r;lrdc roda
~N.T. fl:.:i'". em ir;di.tllO; {/tktl c..: 111 inglC:..... .'\II:I I' Csq llis'l.
HI STORIOGRAFIA 153
ra" (L A. p. 471). I~ verdade que não h:i regras fixas para a
munifcstação do sentido. desde que. é claro, existam as condi-
ções para a manifcsta çâo do sentido.
Igualment e. para ;1 construção das cond ições para o sent ido,
para o trabalho no nível pré-expressivo, não há sistemas fixos. O
"sistema" de Stunislavski é 11111 siste ma. não a sistem a.
Podemos não aceit á-lo, rarnbérn podemos nâo aceitar sua
poética. desde que o corpo-mente do ator pOSSi1. entretan to.
encontrar sua organicidade.

Durante a última parte de sua vida. Sranislnvski se isolou do


teatro e começo u uma expe riência aparen temente sem sentido
com um grupo de atores.
Eles trabalharam juntos no Tnrtu]o, de Moliêre, I]1;1S não pura
levá -lo ao palco. A finalidade dele era exp lorar i15 "leis nanuuis"
do teatro o mais profundamente possível. T oporkov, 11 m de seus
alunos. deixou-nos um diário inesq uecível desses dias de truba-
lho e pesq uisas.
Desde o princípio. Stanislavski declarou que o exper imento
tinha a inte nção de suprir o ator com um meio para aprender a
nubalhnr em todos os pap éis possíveis enquanto trabalha CI11 I11IJ
papel: "A nrtc comcçu nâo quando há um papel, e sim quando há
apenas o 'eu ' nas circunstâncias dadas do papel"."
Antes do papel existe a personagem. E antes da personagem?
Qual é a condição básica para a "verdade" no palco?
Sranislavski, que não usou o termo "corpo-mente orgânico".
responde u n pe rgunta com il seguinte analogia:
"N ão importa que espécie de delicadeza um artista traz ~
pintura. se i1 postura do modelo quebra i1S leis físicas. se não
há verdade na postura, se a SU;l rcprcsenruçâo de Ul11a figur;l Notas
sentada, dig'1mos, não está realmente sentada. nada a f;l[ií L EI11 itali:lI\o. 11 tI/i. ;"!''' ,h.-ltlll/rur. Bmi. Lutcrz«, flJ6S. f(j75; em i n~lés:. i l lJ Aaor
verossímil. Portanto, o pintor, antes q ue POSSi1 pensar em dar I'r ('/1Ifl 'O' c IllliltlhJ}t I1 (.'1/(1mr/t:J~ Evrc i\ lct hucn. Lon dre s, 1<):->0. As: cllh;õcs inJ.:.k:sil:'i sãu
corpo nsua pintura com os estados psicológicos mais delica- incmuplctas c convtimc m versões revistas d ;,1 cdjç~ o nriJ,6n;)1 mS:-'"11. Por I.:S [:I r;rl.:1n as
cir.tcõcx Inruru cx rraidnx ' );1 cdido italiunu, ubrcviud.r no texto com "L.A:'
dos e complicados. deve fazer seu modelo levantnr ou deitar Z. (,~l'f(liJ~!!, /I fUilr. Londres, Ey;c Mc rhucn, 19:,)1, :1 ed ição inhlcsa do tercei ro volume
ou sentar-se de um modo que nos faça acredit ar que ele está lb s o bras de S[Jl1 is hl\'ski .l ~stc livro cnrrcs pon dc ~l ed ição italiana. JllfJrJolYJ&ll'llllor~ s,, 1
J1/~r:rilJJI(~!!;!.:,ifJ, B~'ri , Lnrcrxa, !()XX. 1\ L:l liçào ingks., ê uma \'a si"in revista incom ple to' dóI
rculrn cnre scnrado.I cvantado ou deirado","
t:: t1 i\=ão nrigi n:d russa. Por esta raziio ;I X c i[;n;iics foram t.:xrrúd'ls d;l edição im l i~II);I .
Esta é u finalidade do "sistema" em suas infinitas vnriuçôcs: ubrcv iudu ne st e te xto co mo "L.A P....
criar um caminho para o ator, antes de representar e para dar :;. O ter mo nJ""so /'(,.~~"ir.;I01il! é I T.ltlllzi lln em ita liano como n:v;uúa:JJzn. As vezes , é
[raduzido e m ;nr.:'h COIIJlJ (:/)/111 li Li,!t" OlJ(( ôI.'i vezes L~ J));Iis nll m CIl OS ;lpropri 'llhm H:urc .:
Setltirlo :1 sua representação, para estar realmente sentado ou jljr;, rr;lsc;ulo. P ; I (~1 e vita r cn nfwcin u rcrmu ms 'm é usado aqu i (cf. Dilfll//(71fJ). Em
(', levantado, presente organicamente no palco. port ug uê s :1 tr;nl llç.io seria re vivescer. revive r.
4. "Condições p ar:1 o sc nridn" S;,ill rodus os clc mcn ne, físicos c psíquicos qu e. no w(;I1
c em sua inte r-re lação, diio uo utor u pnssihilíd'lllc de fazer il pc rsonazcm ( c depois n
p~,pd) coe re nte c niio xcm se ntido.
S_T. " ·opnrkm·. SIIIlJi.\-I"i-:~i·; in Nt:ltcllI:Vtl. Tbcutrc Arrs nnoks. NO\';'I York. 1979.
(L /hirl. 1'. 11>1.

~~iF.f!
;f~l~:~~~:'~f~
154 HISTORI OGHAFIt\

Duas pessoas estão discutindo o tempo. a arte. apartamentos.


:NIEYERHOLD: Uma terceira pessoa. que as observa de fora, pode - desde

o GROTESCO; ISTO É, que seja sensível e perspicaz - dizer com exatidão. ouvindo
J conversação, que não tem peso na relação entre us duas, se
eles são anúg,ls, inimig,ls ou amantes, Ela pode concluir isso
A BIONIECÂNICA com base no modo como os dois interlocutores gesticulam,
assumem poses. movem seus olhos: os dois se movem de um
EUGENIO BARBA modo não corresponden te às suas palavras; baseado nisso a
observadora pode estabe lecer ,1 relação entre elas". (J907)1
A plasticidade qu e não corresponde às palavras P;Ha Mcvcrhold a plast icidade - urna palavra-chave - é a
Vsevolod E. Meverhold começa a trabalhar com Ncmirovich- dinârnicn que caracteriza tanto a imobilidade quanto o movi-
Danchenko no fim do século X1X. Ele é um dos alunos es- mento. Para fazer com que o espectador se torne perspicaz, é
colhidos pura ser um membro do T eatro de Arte de Moscou necessário um desenho dos movimentos cênicos.
de Snmislnvski, onde fica ar é J902. Enrâo, ele começa sua nA essência dos relacionamentos humanos é dete rminada
própria companhia e viaja pelas províncias, mas retoma ;1 Mos- pelos gestos. posturas, comportamentos, olhares e silêncios.
cou em ]905. a convite de Stanisluvski, para dirigir o Estúdio As palavras sozinhas não dizem tudo. Conseq üentemente,
T eatral. deve haver um desenho de movimentos no palco para rrans-
Aqui. Meycrhold começa a praticar c formular SIl:lS idéias formar o espectador num observador perspicaz. (...)
sobre um "novo teatro". que ele chama de IIS/OV/l.l'. que significa As palavras atingem o ouvido. a plasticidade, o olho. As-
"estilizado" ou "convencionar'. No "velho teatro' (tcarro natu- sim. u imaginação do espectador é exposta .1 dois estímulos: o
ralista de Stnnislavski) os atores encarnavam e se mctamorfosca- oralc o visual. Adiferença entre o velho e o novo teatro é que
varn nus personagens. mas sem plusticidadc (!l!I/Sli/;I/). no novo teatro a palavra e a plasticidade seguem cada uma
"T ambém no velho teatro. ,\ plasticidade cru um meio seu próprioritmo. sem necessariament e coincidirem". (J907)1
essencial de expressão; basta considerar Salvi ni em Olelo 011 Isto significa que o ator não permite que seu corpo siga o ritmo
Haml«. A plasticidade em si não é nova. mas a forma que eu das palavras: a sincronia entre os ritmos físicos e os vocais deve
tenho em mente o é. Antes. el:1 corrcspondin estrcir.irnenre ser rompida. Até Meycrhold fazer essa distinção o ator era
;10 diálogo falado, mas estou Et lando de umaplasticidade que considerado urna totalidade, pelo menos na teoria teat ral. Pensa-
não corresponde J S palavras. O quc quero dizer com isso? va-se que o impulso para uma determinada tarefa e. portanto. o

':.:
17-1:-;. i\lc\'crhoJtI em ..Irnj/)I/Jw· (i'1 cs q uc nla). de F. Shcn ran, c em /-:{pel7l1J(lI. de 11(
I k ycrm:I1\'(;, dircjru], enqua nto era d iret or do N fH.'II rfrmlll1 em Khc rson, de 1902:1 t 90S.
HISTORIOGRAFIA ISS
trabalho para desenvolver essa tarefa de-
veriam envolver o ator inteiro. Mcyerhold
propôs dividir essa roralidade, Durante o
processo de trabalho, o ator pode separar
os diferentes níveis, trabalhar indepen-
dentemente cada um deles e reintegrá-

los no resultado.
O ator pode proceder desta maneira.
Mas por quê? A resposta est á em outro
texto no qual Mcyerhold escreve sobre:
"Um ritmo cênico que liberta o ator
das exigências arbitrárias de seu pró-
prio temperamento. A essência do rit-
mo cênico é a antít ese da vida real.
cotidiana. C..) Qual é o caminho que
permite ~1 0 corpo humano atingiro má-
ximo da sua possibilidade? É a dunçu.
Porque a dança é o movimento do cor-
po humano na esfera do ritmo. A dança
é para o corpo o que a música é para o
sentimento: uma forma criadaartificial-
mente. ainda que de modo instintivo".
(19lO)'
Os atores do teatro ustoon» desistiram de
uma parte essencial de S U.I personnlidude,
a sincronia orgânica entre os ritmos vocal
e físico. para assim chegar .1 um ritmo
cênico. Eles desistiram daqueles hábitos
que pertencem .10 seu modo usual de se
move r e de reagir. É como se sua naturali-
dade devesse ser eliminada. de modo que
eles possam seguir outras leis que são
específicas para o palco, com o objetivo
de alcançar uma plasticidade, um ritmo
cênico, lJue é dnnça.
Mas de que dança Mcyc rhold está fa-
lando? O balé que se poderia ver no 1\;1a-
rinskv, ou qualquer outra coisa?
Angelo Maria Ripcllino, o estudioso
que mais poeticamente evocou os espe-
táculos de Mcyerhold, descreve seu D OII
[ttnn (1910):
"Ele removeu a ribalta c dirigiu as
personagensnum amplo proscênio que
se estendia em semicírculo acima da
orquestra.onde nenhum gesto simples.
nenhuma careta, nenhuma I1lga do ator,
foramperdidos. O proscénio exigiu um
acurado NlIllllcl:jp ;ef do ator, lima sutil
micrornírnica intensificada pelas luzes
]t}·ZO. Inl :l-'i cen as ele InnãIk auil.. de l\l:u.;rcrlinck. inrcr prc r.ulu po r Yc.:r:ll\llll1iss;lr/,hcn;!-:.:I,r.I. dirig;iths por Mc vc rbohl.
brilhantes do palco e d'l platéia. Os !'Jllll. ,\ ind:1qUC;l Clllll pO, i~"';i" rc nha a :1j1onénci:1th: 11m qu .nt ro. tlin:llllisllIlI tI;l phlsricid:HIc . :: (,hrio na difc,,-;'in tios
li

atores tiveram um modo hâbil de cqui- nllltls, n: l P"..it.,f:lJ I h .. miio... L' Il;J rcn"Jo nu pt.:."'L""r",
librarcontinuamente suas posturas, en-
trelaçando minuciosamente a teia de seus movime ntos":'. muito difere nte: pode estimular a sensibilidade (dlTl'U:i/vo) do
Essa descrição é muito semelhante ~s próprias palavras de espectador e dirigi-Ia através de um complexo labirinto de
M cye rhold sobre DOII.f1fim. Somen te umaexpressão é diferente: emoções."
"a te ia de movimentos". i\ dança como um "dese n ho", como Mevc rhold explica que esta não é uma q uestão de sensibilidade
uma "teia" cuja dinâmica não segue as leis da vida cotidiana. emocional. mas de sensibilidade sensorial como, por exemplo,
quando alguém diz. "Sinto frio".
o grotesco "E novamente o ator fica como o principal transmissor de
Quem tece uma teia? lim a aranha. E ela não tece sua teia por energia." (I929)~
motivos estéticos, mas para capturar algo,Mcycrhold menciona Meyerhold dese ja provocar um reflexo e mocional efe tivo no
explicitamente o que o ator deseja atrair para sua "te ia" de espectador, que não é transmitido necessar iamente através de
movimentos por meio da dança: os sentidos do espectad or. canais intelectuais. mas que se baseia na sensibilidade sensorial
"Podemos estimular o cérebro do espectadore persuadi-lo ou cinest ésica.
a raciocinare a mgumentar. Isto é justamente uma das coisas O procedimento cênico que conduz a esse efe ito ~ o grotesco,
que o teatro pode fazer, Ele tem também outra propriedade. baseado em contrastes e tornando possível o deslocamento con-
156 HISTORIOGRAFIA

"Elementos de dança estão ocultos


no grotesco, porque o grotesco somente ,
1~

pode ser expresso através da dança".


(1912);
O ator, na sua ação, deve ser capaz de
~- criar uma síntese que contém a essência
dos contrates, e essa sístese deve ser mate-
rializnda por meio da plasticidade, por meio
J do desen ho dos movimentos cênicos que
Mcyerhold também chama de dança.
Mas, outra vez, que tipo de dança?Numa
tentativa dc defini-Ia,Meyerhold usa Loie
Fuller c Charlie Chaplin como exemplos.
Ele inicia uma viagem que é tanto trans-
cultural quanto intraculturnl,para as formas
de teatro "exótico" ou para épocas que têm
sido negligenciadas pelos seus conte mpo -
râneos. Cita os teatros orientais que nunca
viu- Kubuki, Nô, Ópera de Pequim - ou
retoma ao passadodo teatro ocidental. para
o Século de O uro espanhol e, acima de
tudo, paru a Commedia dell'Arte.
É 1914. Meyerhold é um diretor no
Tcarro Imperial, mas também abriu um
Estúdio com seus alunos, procurando uma
resposta para .1 sua velha obsessão: como
deveria um ator se mover no palco, como
ele deveria esculpir o "desenho de movi-
mentos" que concretiza ,1 relação ator-es-
pectador num nível sensorial untes que o
intelecto e a cmo tividade psicológica sejam
envolvidos? O programa no seu Estúdio
inclui "t écnica do movimento cênico" (dan-
ça, música, atletismo, esgrima, arremesso
de disco, os princípios básicos da comédia
italiana improvisada, .1S práticas tradicio-
nais dos séculos XVII e XVIII nos teatros
europeus,as convenções do drama índiano,
asconvenções de palcoe representação dos
teatros japonês e chinês).
Em 1922. após a revolução e a guerra
civil, Meyerhold apresentou os últimos re-
sultados da SU;l pesquisa: biornecânica.

Biomecânica
21-2:3. Ext.:mplo de fJl/:tr:- ("rl.:l.:lI$;I") uo c xcrctcio hiollll:L-;inil: u t:nnhl.:l.:idu cmuu "uti rnruln a fl echa" [cf Fi;!;_ .lCJ,
/,:,!Jtií.:n/;JJ/i". ,r.lr:l :1 ~cI J iiê n l.· i:1 in rcira tlel cxcrcicin ). ."Se observamos um hábil operário em
ação, percebemos o' seguinte em seus
tínuo da pe rce pção do espectador. Recusando-se a aceitar esse movimentos: (I) uma ausência de movimentos supé rfluos e
termo como sinônimo de cômico, ele escreve: improdutivos; (2) ritmo; (3) o posicionamento correto do
"A arte do grotesco es t á baseada numa luta entre o con- centro de gravidade do corpo; (4) estabilidade. Os movimen-
teúdo e a forma. O grotesco não opera apenas no alto e no tos baseados nesses princípiosdistinguem-se porserem pare-
baixo, mas confunde os conrrasres, criando deliberadamente cidos com a dança; um ope rário hábil no trabalho lembra
contradições aglllhls. C..) O grotesco aprofund á a vida coti- invariavelmente um dançarino.
diana até que ela pare de representar somente o que é co- (...) Todo artesão-c-oferreiro,o rmbnlhador da funtliçiio, °
mum. O grotesco une, em síntese, a essência de contnirios e ator - deve ter ritmo,deve estar familiarizado com-asleis do
induz o espectador a tentar resolver o enigma do incompre- cquilíbrio. Um morque ignora as leis do equilíbrio é inferior
ensível. a um aprendiz.
(...) Por meio do grotesco obriga-se constantemente o (...) A deficiência fundamenta l do ator moderno é a sua
espectador a manter um duplo comportamento pari! a ação absoluta ignorância das leis da biomecânica." (1922)1'
cênica, que passa por mudanças s úbitas e abruptas. No gro- Igor Ilinsky. naquela época o principal ator dos espe táculos de
tesco um« coisa é essencial: a tendência constante do artista Meyerhokl. participou da elaboração da biornecânica.
de transportaro espectadorde um plano recentemente alcan- "Mevcrhokl desejava que nossos gestos e a inclinação de
çado para outro totalmente inesperado." nossos corpos seguissem desenhos precisos. 'Se a forma está
Diante do enigma. o espectador é forçado a se mobilizar para 'certa'. ele costumava dizer, 'então os tons e sentimentos
decifrá-lo. para compreendê-lo. para se orientar. Numa palavra, também estão certos, porque eles são determinados pelas
o espectador torna-se perspicaz, um "observador vigilante". E posturas físicas'...Os exercícos de biorne câmica não tinham il
aqui. outra vez, reaparece u dança. intençâo de ser mostrados em espetáculos. Sua finalidade era
HISTORIOGRAFIA 157

24. Mci l.'l llran~ c Mcyc.:rhl1hl. O ~randc .I{Of l:hinéo,;; Mci t.anE!n h ClH.:mUnlll m uitos mtisca~ russos em l}i(}:). Os en co ntr os htSUlricns for.m\ o mesmo que muit .,s fnto~ri\fi~\~ .
imortais. Qlla l1\ln i\lcycrhnhf foi preso c In~() dcpoi.'\ rllzil:ltlll em 11)40, rlcw purc ccram rodax :I~ SlI;IS fow;;r"li, s de Sl.;IIS .rrq uivo.., inclusive esta , qu e re apa rece u recen te me nte em
11m .ilbu rn dcdiculo ac ator chinês c publiculo cru seu pÚ'i.

dar a sensação de movimento consciente, de como se mover chama de biomecânica são as leis do corpo em vida. Uma década
no espaço cê nico."? antes ele as chamou de grotescas.
Cerca de uma dúziade exercícios biornccânicos eram praticados "1\ regra fundamental da biornecânica é muito simples: o
diariamente : um ator salta para o peito de outro ator, desce, joga corpo inteiro participa em todo movimento" .
uma ped ra, atira uma flecha imaginária, esbofeteia outro ator no Ele diz isso em 1939, tentando defender- se da acusação de
rosto, fere com um punhal, pula nas costas do companhe iro, este que a biornecânica é um procedimento formalístico. Mas era
começa a correr, ele ou ela descem novamente, jOgil outro com- algo que ele tinha descoberto e praticado no estúdio de Sranisla-
panheiro no ombro. Ou mesmo exercícios maissimples: tomar a vski em 1905.
mão de alguém, puxar seu braço, em purrá-lo, Os princípios da dança, isto é, a vida cênica, que Meyerhold
Podem-se detectar duas linhas de açãoem todos esses exercí- havia procurado no passado e no Oriente, foram a ele revelados
cios. A primeira é otiaz, a recusa. Cada fase deveria começar com pelo presente no Ocidente mediante regras estabelecidas por
o seu oposto: para dar uma bofetada, primeiro se move o braço Freder ick T aylor, sobre o rendimento do trabalho operário,
para trás, depois para a frente. Os exercícios não eram, entreta n- Meyerhold falou de posturas instáveis, de equilíbrio precário,
to, uma execução linear de uma ação, mas um procedimento da dinâmica dos contrários, da dança da energia. Só que com
tortuoso, em ziguezague. A segunda linha de ação é ,1 repeti ção outros termo'). Ele costumava dizer: "Na arte, adivinhar é me-
de uma seqüência dinâmica em três fases, um dáctilo que ;Jvança lhor do que saber". Mas os princípiosdo grotesco Oll biomecâni-
de (1) uma posição em pé neutra para (2) um movimento para <:;1 não eram suposições fortuitas. Eles eram urna engenh osa
cima estendendo ,1 coluna vertebral para trás, enquanto se apóia interprera çâo dos mesmos princípios que hoje, à luz da antropo-
sobre ,1S pontas dos pés para (3) dobrar os joelhos com um logia teatral. encontramos na base do nível pré-expressivo do
movimento forte para baixo, enquanto joga os braços para trás e ator.
transfere todo o peso para a perna da frente.
Quando investigamos os exercícios biomccânicos, descobri-
mos que nenhum deles é executado numa linha reta, mas, antes,
que todos seguem uma série de transições de uma postura para
outra, com um deslocamento contínuo do centro de gravidade,
com mudança de uma perspectiva para outra. É como se o ator Notas
1. V. Mcvcrhohl, "Firxt 1' [ r~ ll) p tx ut a S[yiiscll Thcurrc", p. 49-59, e m A'qel"hnltl OI}
estivesse seguindo ,IS leis do 1ll0Vi Il ICll !O, e não aprendendo a ser J'!leIJln:, pm Erlwan l Braun, Londres, Mctbuc n, 1969.
hábil. O ator está tecendo uma teia dinâmica, onde o tema e ;1 2. V. Mcvc rhohl, ihitl. 1iijlml tII,,/ blJ/'/t. !l. SO-9R
oi. !\ n~do i\b ri:t Ripclliuo, 1/ Tmcca ~ /'mJiJJII1, li. 151 T urim, Einam li, 1965.
t
ação nem sempre coincidem. ESS:l oscilação, rica em contraste, 4. V. l\Icycrholtl. ibid, 1ü( Remsnmaios ,~rIh 'thmtre, p. 253-74.
do centro de gravidade d" ao desenho de movimentos do ator 5. I.c J.,:rnrcsqllc:1II rh éârrc, p, l04-9 .l.'mJ.~1néíilll:Jlll·f(lrttl. porNinu GOlJfrmkd, Puris,
uma qualidade semelhante à dança. G allimard, 1%3 .
6. V. 1\ lcvcrb ohl, ibid. UioJ1ltdUlllir.i, p. 19X-ZIJO.
Bios significa vida; mecânica é o ramo da física relacionado 7. I. IIjinski, "1I/1JJe/II;J· ," '/lIm, p. 177, Wid,lwnictW;1 A rtvs rvcxuc i Filmowc. \Vms;lw,
com o equilíbrio e o movimento dos corpos. O que Mevcrhold 1%2.
te, não são nem dramá ticos nem parecem ter qualquer coisa em
A MONTAGErvl DO ATOR E comum. O conceito de montagem não apenas implica uma
composição de palavras, imagens ou relacionamentos. Acimade
A NIONTAGEJVI DO DIRETOR tudo, isso implicaa montagem do ritmo, mas não pararepresl!1Jtar
ou reproduzir» movimento. Por meio da montagem do ritmo, de
EUGENIO BARBA fato. refere-se .10 próprio princípio de movimento, tensões, pro-
cessos dialéticos da natureza ou pensame nto. Ou melhor, no
Montagem é uma palavra que substitui hoje o amigo termo "pensament o que penetra a matéria" (cf. E1Iergia).
composição. Compor (colocar com) também significa montar. Os coment ários de Eisenstein sobre EI Greco são particular-
juntur, tecer ações junto: criara peça(cf.Dmlllrl/lIIgí([). A compo- mente importantes com respeito à montagem porque eles de-
sição é urna nova síntese de materiais e fr~lgmentos retirados de monstram como a montagem é, de [ 1(0,.1 construção dosignifi-
seus contextos originais. É uma síntese que é equivalente ao cudo. Eisenstein mostra como EI Greco, reunindo as partes
fenômeno e nos relacionamentos reais que ela sugere ou repre- individuais de SU.1S telas (Eisenstein as chama de "molduras" ),
senta. consegue não reprrsell/ar Personagens ext áticas, mas antes criar
É também uma dilatação equivalente ao modo pelo qual um lima C011.í/nt(r70 e.xlálÍca das pinturas, forçando o olho do observa-
ator isola e fixa certos processos fisiológicos ou certos modelos dor, mesmo seu corpo, a seguir o caminho designado pelo cria-
de comportamento. corno se os colocasse sob uma lente de dor.
aumento. tornando seu corpo dilatado. Fazendo uso da an álise precisa do crítico de arte]. E. Wil-
Dilatar implica, acima de tudo. isolar e selecionar: lumscn, Eisenstein examina a Vis/a de Tola/o, de El Greco: as
"De longe uma cidade é uma cidade e uma paisagem é urna proporções do grande hospital Don juan T avera nos declives da
paisagem. mas pouco a pouco, conforme se aproxima. apare- colina foramtão reduzidas que o edifício parece somente ligeira-
cem casas, árvores, tijolos, folhas, formigas, putasde formig.ls. mente maiorq ue lima «lS.1, "de outra forma ele teria ocultado ~1
rIr! iltjilli/flJll" . vista da cidade". O que El Greco pinta, portanto, não é a
O cineasta Robert Bresson cita essas palavras escritas por Puscal paisagem como ela aparece de uma perspectiva particular, mas
e delas deduz que, pura compor, deve-se sabe r como ver a um equim/en/e de uma vis/a que não permite que o grande
realidade que nos circunda c subdividi-Ia em suas partes consti- volume do hospital se torne um obstáculo.
tuintes. Deve-se saber como isolar essas partes. para torná-las Muis ainda. o pintor mostra a fachada principal e mais bonita
independentes. e dar-lhes uma nova depend ência. do hospital. mesmo que ela não seja realmente visíveldo ângulo
u ma rep resen ta ção nascede um relacionamento espe cífico c pelo l(lwl a pintura foi feita,
dramáticoentre ele mentos e detalhes que. tornados isoladarncn- Eisensrein escreve:

II III IV v

Arrangcmenl
uffmm es
)

DUrdrirm r------'---+------'- - t - -+ - ---+--+-- - : --I-i-'---+-


' ~
1'-------t--==r----t-------t-----1r----+--t---+-+:c----7-
. .. : : .-.. .... ' -'/~
DiCl:ra:nO!
SClTllC m npnsifinn

Dlo:Igmmo/
flJfJl/XJsifion
i\.JONT AGEiVI 159

"-,

1-2. ;\ ô ma, l'i.f/fI r 1J1IIjJfI ,Ie Tn!"r/". pim;nia por 1-:1 ( Irccu. CIlHl: 1(10:-i c 161.:1 (Xfuscu 1-:1Greco. TIJIt.:do). Abaixo, csqu cnla c din;iril, "gll:lHhll1dou lmrulha nu I'lho congelado:
sI.:1liiên ri a rloI ilmc de Scr;.:.t.:i Eiscn srcin• .\krtlll tlre ..Vl"\..·.\·j,·i (I tJ:lX). ( ) dia ~r;'lllla ;llI d ío\' i~ I I :l1 mustru o rclacicn.nucnro c IHh: .IS[ol11 ;IlI;IS . :.1 1111"-..icu (de Prokoficv), a co mposiç:ifl cêni cu
c n mov ime nto. Eist.:nsrcin usou este cx cm p]u p:l ra llIo.'i{r;lr qll e (1 ;:.r:.11I nuior tk cx prcs xi\·-idadt: é <': CJ II."l:~lI ido por lIlcjo tb si ncrgi:l do c lc ruc uro pl:í.'i[ico do urovimcn ro c: (I
movimen to Ih! música. "t urre l b composiçâo pkistica", escre veu ele, "consiste em ;:'lI i:lf:t ;lrt.: nc.;ão tio cs, pc«.:fa dor:UI Inn;.,:n de II m:1 lfilh;'lprccis.r, C;.;:H:I!11C!UC 11;1 on lcm dC SCj;Hl: t
peln trubulho do amor. Isto é (on '\c ~lti tln pe lo ruovirucn ro de olhos sobre ;1 xnpcrflcic dil Ida se :1 con lflllsi\-"i: o e.::H;í numa pinmm. fllJ na supcrflcic de um Fil me se es tamo-
c.::x :llnin :1I1l!cl 11111:1 rom :Hb ele liJmc " (Fi /m.!t/n/), Nm' :1 York. 194<) .

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"Esta vista de Toledo não é possível de qualquer ponto de gico, tecnológico), que os criou: ele possui seu próprio com-
vista real. Ela é um complexo montado, uma representação portamento. A 'verdade' original ou 'motivação' desse com-
composta por meio de uma montagem de objetos, 'fotografa- portamcnro pode ser perdida, ignorada ou oculto, elaborada
dos em isolamento', que na natureza se escondem um do ou distorcida pelo mito. Originando um processo -usado no
OUtro ou viramas costas para o observador." curso dos ensaios para obter um novo processo, a representa-
Em resumo, a pintura é composta: ção - os pedaços de comportamento não s50 mais processos
"de elementos tornados um ~1 um e reunidos numa construção em si, mas objetos, materiais' (cf Restauração do Comporta-
arbitrária inexistente de um simples ponto de vista, runs que llJe1110 ).
é totalmente consistente com respeito ~ lógica interna da O que Scheehner escreveu para explicar como certas danças
composição." rituais (que hoje são consideradas clássicas) têm sido "restaura-
E novamente: das" aplica-se perfeitamente ao ator que trabalha na base de
"EI Greco fez esta pintura em casa, em seu estúdio. Isto uma codificação, ou que fixa improvisações como "seqüências
significa que nãose baseia numa vista, mas noconhecimento. de comportamen to", nas quais o trabalho de monwgem pode ser
Não num simples ponto de vista, mas na reunião de motivos realizado. A restauração, isto é, o trabalho de seleção e dilatação,
isolados, celerados enquanto caminhava pela cidade e arre- somente pode acontecer se existe um processo de Exação.
dores." Assim. por exemplo, quando os atores do Kabuki se encon-
A montagem está, portanto, na base do trabalho dramat úrgico tram para representar, mesmo que eles nunca anteriormente
com o trabalho sobre as ações, ou melhor, sobre o efeito que as tenham realizadoa representação em particular (ou a variação da
ações devem produzir sobre o espectador, Ela guia os sentidos representação), eles podem fazer uso de "materiais" j,l prepara-
do espectador por meio da construção (talo) dramática (re/Jl1'sf.lI- dos para outras situações cênicas. Esses "materiais" são, então,
ta(rio ), deixando o espectador experimentar o textode represoua- remontados em novo contexto. Eu mesmo vi um onnagata, que
(fio. O diretor gUi'1, divide e reúne .1atenção do espectador por nunca representou certo papel, ir,ao palco e representá-lo após
meio das ações do ator, das palavrasdo texto,dos rclacionamen- apenas dois ensaios: ele fez uma montagem utilizando materiais
tos, da música,dos sons, d.1S luzes e do uso de acessórios. fornecidos pelas ações dos papéisque já conhecia.

~\ montagem do ator A montagem do diret or


E possível diferenciar duas esferas distintas ou direções de Se as açõesdo ator podem ser consideradas análogas à seqüência
trabalho: a do ator que trabalha dentro de umsistema codificado de filme que é já resultado de uma montagem, é possível usar
de representaçãoe a do ator que deve inventare fixarseu modo eSS'1 montagem não como um resultadofinal, 111,1Scomo material
de estar presenre toda vez que trabalha mimanova montagem, para lima montagem posterior. Esta é geralment e a tarefa do
tomando cuidado para não repetir o que ele fez em produção diretor, que pode tecer as ações de vários atores numa sucessão
anterior. na qual urna ação parece responder a outra, ou numa reunião
O ator que rrnbalha num sistema codifica do de representação simultânea em que os significados de ambas as ações derivam
constrói a montagem alterando seu comportamento "natural" e diretamente do fato de eles estarem co-presen tes.
"espontâneo". O equilíbrio é modificado e modelado, tornado Deixe-nos exem plificar, servindo-nos de imagen s fixas, foto-
precário: novas tensões são assim produzidas no corpo, dilatan- grafias, ,XU.l ilustrar um processo, cujo significado depende do
do-o. desenvolvimentodas ações noespaçoc no tempo e do seu ritmo.
Da mesma maneira que os processos fisiol ógicos particula- Por mais impreciso que seja, este exemplo pode servir como
res são dilatados e codificados, os movimentos contínuos do uma demonstração do nível mais elementar (gramatical) da
olho (snccndes), que D<1 vida cotidiana ocorrem duas ou três vezes montagem do diretor.
por segundo e que se alrernnm com fases de fixidez (Ilj'stagmfs), Deixe-nos imaginar tendo o seguinte texto como um ponto
são também codificados. Essas formalizações recria m, por meio de partida: "En tão ~1 mulher viu que a árvore era boa para comer,
de regras muitoprecisasque ditam comoosolhosdevem mover- ngmdáve! ao olhar, desejável parao ganho de conhecimento. Ela
se, um equivalente ti vida contínua dos olhos na realidade co- tomoude seu fruto e comeu. Ela deu um pouco a seu maridoque
tidiana. estava com ela, e ele também o comeu" (GêJ/e:Ji.r 3,6).
O mesmo se aplica ,1S mãos, Na vida cotidiana os dedos são Temos uunb érn montagens de dois atores, duas seqüê ncias
continuamente animados por tensões que individualizam cada de "comportamento restaurado".
dedo. Essas tensões são reconstruídas no teatro por meio de
1I111dms, que podem ter tanto um valor semântico como um valor /l. O ator de Kyogen, Kosuke Nomura, mostra como, na tradição
puramente dinâmico. Os nmdrns recriam a equivalência da vida de sua arte, pega-se uma fruta (uma ameixa) e se a come.
dos dedos, que se movemcontinuamente de umaposiçãocodili- Veremos o princípio da seleção e dilatação em seu trabalho: 1.
cada para outra posição igualmente precisa. (Fig, 3) com uma mão ele agarra o ramo, com a outra, iniciando
Analogamente, em posição de não-movimento, reguladas pelo ladooposto, ele começa o movimento para pegar a fruta; 2.
como ação no tempo por meio de tensões nos músculos postu- (Fig. 4) ele agarra a fruta e então, para arrunci-la não a puxa,
rais, o equivalente da vida que regula o equilíbrio cotidiano é mas... 3. (fig. 5) ele .1vira, mostrandoseu tamanho; 4. (Fig. 6) a
recriado. N'1vidacoridiana a imobilidade nãoexiste c u imobili- fruta é trazida à boca não numa linha direta, mas com um
dade aparente é baseada em ajustes de movimentos minúsculos movimentocircular; os dedos apcrtarna fruta e são compostos de
e contínuos (c[ Olhos, Mãos, Eql1ilíbJio). um modoque mostram seu tamanho,sua maciez, seu peso; 5-8.
O resultado desses procedimentos, que amplificam os pro- (Figs. 7-10) com um movimento que começa bem em cima, .1
cessos comportarncntais e fisiológicos, é uma série de "parti- fruta é trazida à boca; 9. (Fig. 11) nãoé a boca que aperta a fruta,
turas" muito precisas e lixas. Richard Schechner fala de urna mas a mão, executando uma açãoequivalente.à que. na realida-
"resruuruçl o de comportamento" que é usada em todas us for- de, seria feita pela boca: 10. (Fig. 12) a fruta é engolida (e
mas de representação, do xarnanismo ao teatroestético: novamente é a mão que pratica a ação); o ator mostra agora um
"um comportamento rcstaurudo é um comportamento vivo homem engolindo, mas sua m50 torna visível urna ação -
tratado da maneiraque UI11 cineasta tmm um pedaço de filme. engolir- que de outra forma seriainvisível; 11. (F ig, 13) tendo
Cada pedaço de filme deve ser ressistematizado, reconstruí- saboreado a fruta, o homem sorri com satisfação. J
do. Isto é independente dos sistemas causais (social, psicoló-
fvlüNTAGEM 161

3· 13. /\ primc ir» ml)nr:l~": 1)l do ;HI))' Kosukc Norunra na sC'Iiié llt:i;1 A: como xc ap:lllh;. c se come 11 111;: ffl H:t num a ce na Kyn~c n.
162 MONTAGEM
B. Etiennc Decroux, o grande mestre damímica, mostra como proibida;(Fig.36)Adão cai... no chão; (Fig.37)Eva est á deslum-
se apanha uma flor de acordo com os princípios de SU.1 arte. Ele brada J)O conhecimento.
também começa com uma posição que é oposta itqucb IX1fa a A mesma montagem que aplicamos à história bíblica (Figs,
qual ele dirigirá a ação, primeiro com os olhos e depois com a 28-37) também pode ser aplicada à peça Opai, de Strindberg; a
ação em si (Figs, 14-27). esposa Laura (novamente Kosuke Nomura é escalado como a
mulher) ElZ com que o Capitão (seu marido) suspeite que ele
As duas seqüências fornecidas pelos dois atores, apesar de nãoé o paide sua filha, O homem é ridicularizado e esmagado. O
suas diferentes motivações, apesar dos diferentescontextosori- diretor usou as ações de Kosuke Nornura (originalmente uma
ginais, podem ser montadas juntas. Assim obteremos uma nova seqüê ncia baseada em apanhar uma ameixa e comê-la)para criar
seqüência cujo significado dependerá do novo contexto no qual um sinal de adultério e especialmente a imagem da vagi/l/f
ela é colocada: o texto bíblico que escolhemos como ponto de rlm/(l/(l. que castra e esmaga o macho, No final Laura diz: "E
partida para o nosso exemplo. Nesse caso, naturalmente, o sexo estranho, masnunca pude olhar para um homem sem me 'sentir C,

dos dois atores não será levado em consideração, mas não M superior a eIC" (O pai, ato I, cena X).
razã o pela qual o ator japonêsKosuke Nornura nãopossa fazer o Vistas sob a luz do novo contexto de Strindberg, as ações I
!
papel de Eva. entrelaçadas dos atores deveriam mudar, pequenos detalhes
leriam de ser modificados, para torn á-las mais coerentes com o
Se percorrermos as duas seqüências dos dois atores como significado que agora as ações adquiriram. Acima de tudo, o
se agora fossem uma única seqüência: Eva caiu na tentação ritmoe a intensidade com que as ações se juntam permitirão que
da serpente, apanha a fruta, prova-a. Sua reação final é um cmerjarn significados inesperadosdos materiais fornecidospelos
. sorriso para o novo mundo que se abriu diante de seus olhos. atores.
]-1<1 uma ação que falta, mas ela pode ser facilmente imagina- O nível desru montagemde fotografias, que usamoscomo um
da. Eva, tentando Adão após ela mesma ter sido tentada, co- exemplo rudimentar, é o nível elementar,gramatical: o rmbalho
loca a fruta do conhecimento ao lado dele, no chão, e Adão essencial, istoé, o processo de elaboração e refinamento, ainda
olha de lado,comose estivessesendo vigiado peloanjode Deus. está porvir. Estamos face a face com um corpoque foi construí-
Ele inicia o movimento para pegar a fruta, começando na dire- do friamente, um "corpo artificial" noqual não há vida.Mas esse
ção oposta: o princípio dn oposição agora se torna legível como corpoartificial j,1 possui dentro dele todosos circuitos nos quais
uma reação inicial de recusa. Então, Adão se curva para o chão, o bioscênico, istoé, a vida recriadacomoarte, fluirá , Pnra que isso
apanha a fruta e volta suas costas como para ir embora. ou ocorra deve haver algo quente, algo não mais analisãvel, não
então comer a fruta sem ser visto. ou talvez ele esteja envergo- mais anatornizâvel, que funde o trabalho do ator e do diretor
nhado pelo que fez ou, tendo sido deixado sozinho, ele vai it num todosimples, no qual não é mais possível distinguiras ações
procura de Eva do primeiro e a montagem do segundo. Nessa fase do trabalho
Uma montagem deste tipo seria possível porque os dois não existem regras. As regrasservem somente para tornar possí-
atores são capazesde repetir cada açãosimples, cadadetalhe de vel o evento. para fornecer as condições nasquais a verdadeira e
cada ação perfeitamente.E é porissoque odiretor podecriarum própriacriação artística pode ocorrer sem mais respeitar os limi-
novo relacionamentoa partirdas duasseqüências, podeextrapo- tes ou princípios.
lá-las de seus contextos originais e criar entre elas uma nova Na montagem do diretor as ações,parase tornarem dramáti-
dependência, colocando-as num relacionamento com um texto cas, devem receberum novovalor,devem transcender o signifi-
que é seguido fielmente. Na realidade, o texto bíblico não diz cado e as motivações para as quais elas foram originalmente
como Eva deu a fruta a Adão, Neste ponto, o diretor pode compostas pelosatores.
preencher o v ácuo visual ~Io texto com o auxílio de seqüências É este novo valor que faz com que as açõesultrapassemo ato
que jâ foram fixadas pelos atores. Alguns detalhes das ações literal que elas representam. Se eu ando, eu faço isso e nada
podem ser ampliados depois, tornados mais dramáticos e inter- mais, Se eu sento, faço issoc nada mais. Se eu como, nada mais
pretor/os. faço00 que comer. Se eu fumo, eu nadamaisfaço do que fumar.
Deixe-nos voltarao nosso exemplo, ao "material" fornecido Esses 5<10 atosauto-referenciais que nãofazem nada mais do que
pelos dois atores,sem acrescentar nada novo. se ilustrar a si mesmos.
Como as seqüências dos dois atores .i.í são resultado de uma As ações transcendem seu significado ilustrativo por causa
"restauração do comportamento", comoelasestãoperfeitarncn- dos relacionamentos criados no novo contexto no qual elas são
te fixadas e assim podem ser tratadas como duasseqüências de colocadas. Colocadas em relacionamento com algo mais,elas se
filme, o diretor pode extrairalguns fragmentos de uma seqüên- tornam dramáticas,
cia de um dos atores e remonni-los, entrelaçando-as com frag- Dramatizar uma ação significa introduzir uma transição de
mentos da seq üência do outro ator, tomandocuidado paraasse- tensões que obriga a ação a desenvolver significados que são
gurarque, apósos cortese coma novamontagem, restesuticien- diferentes do seu significado original.
te coerência física, de modoque os atores possam passar de um Montagem, em resumo, é a arte de colocar ações num con-
movimento para outro de forma orgânica. texto que fazcomque elas se desviemdo seu significado implí-
Cito.
Montagem posterior do diretor
Aqui est á um exemplo de uma nova montagem que tece
juntos fragmentos das seqüências originais autônomas e inde-
pendentes fornecidas pelosdois atores (Figs, 28-37).
Se aplicarmos essa montagem ao nosso tema,Adão e Eva.eis
o significado da nova situação que se tornaum momento particu-
lar do tema geral: (Fig, 28) Adão olha incredulamente...; (Fig.
29) Eva apanha a fruta proibida e está para comê-Ia; (Fig. 30)
Adão: "Prometemos não comer a fruta desta árvore!"; (Fig. 31)
Eva persiste,e traza fruta proibida até a sua boca;(Fig. 32)Adão:
"Aespada de Deus nospunirá";(Fig. 33) Eva est á para comer a
fruta; (Fig. 34) Adão: "Não taçaisso!"; (Fig.35) Evacomea fruta
MONTAGEM 163

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14-27. 1\ SC;!,lllHb Illnnr;l;.;cm do at or E, it.:ll nc Dccroux n:lsCl(iií:nci:t B: como se apun ha urna Ilor Ilôl mimica.

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164 i\JIONTAGErvI

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28-.)7. !\ fl)unra;.::cm tlo dire tor: :I nova sCl,iiê ncia nhtid;,t ar r;lyé:o; da d ahnrõ1ç;lu tb s 1\ mcx mu l1l{)nti4~em que aplic;un ns:"ã hisróriu b lbl icu (Fi~s. 28-37) rarnbérn pod e
seq üê ncias dos tini.. ~1IC)rc~. 1\ c B. c :ISpos:'li ín.:is '·'lCi ;l ~ik:$ ,lc con te údo. Gi!l(JÚ 3.ó c () se r 'lp lic.u!;1 ;1peça O /lf/i. de S rrinll hc r~: a c "'pox" 1.;I!Ir;1 (uu vamcn rc Knsuk c N OOlun,
pni, de S ( ri n t lbe r~, ... ro I, ce na X. Se ;t ll l k;u m ()~ CSS;I 1\1()11 (;I~Cm ao nosso rem;•. Adão c é CS C l hh rCl colllO;1 mu lhe r) f,ll l'om "111: f) C:lpi r;io [se u marido} su speite q ue el e não é
Eva, eis u s igni (jcõ'do tI'l no va ~ j Wilçã CJ q ue .'i:l: [Otn:1 11m m OIJ}CIHO pamr ular ,In tem. n p:li d e "";1 lilh ;l. O hom e m é ridicularj z•ado e csm;:lg.,t1o. O diretor 11:1.011 as <lÇÕCS de
~c (;l l: (F ip;. 2H) J\d~n o lha incrcdulamcnrc...: (Fi~. 29) E \';'l :IP;1l1h:I ;1fruta pm ihid ,l c c:a;í Kosukc NIlI1lUr.1 (ori h il1il ! m CJlrC IIm.1 se qiiên ei<l baseada em upanha r lima arncixu c
p..rf'l comê-la; (Fi,;. 30 ) Ad ão: "Prumcrcmos nâu come r a fnHa des ta ;í r," orC! " ~ (Fi~. 31) comê-la) par:. criar.urn sinal de 'Iliulcério c espec;almcnte <I iJ) IH~Cm da r':fJ!i;IIf/ denrat« ,
Eva persi ste, c (f;1 1• •1 fnm.1 p rnibid 'l ;,1 (é :1 SII ;.I boca : (F i~ 32) ,\ tI;i ,,: "A c~Jl:u l:1 tle Deus 'rll e caxrm C CSIl1:I~;: 1 11 mac lm. Nu fina l L :.I lIfOl lliz. " I~ c ... rm nho , max nun ca p llllt: olb ar
nos prrnir.í"; (Fi;.:. 3:» E v;.l es rá l'"r;1 c omer li Irur«; (F i;.:. 34) Adã u: "Não f"çj is.'i.o!"; p;lr" 11111 homem se m II U: xemi r sup e rior .. ele" (O pni, ' \C1l I. CC l1.1 X).
(F i~. 35) 1-:\'<1 co me :1 Iruru proib il!;l; ( F i~. 36) :\d~o (.-.Ii... no eh~ n; (Fi~. 3i) 1':,';1 C.'it :í
dcsl nmbradu no conhccimc ntn,
NOSTALGIA OU A PAIXÃO ra en tre o ator e o espectador - a famosa "quarta parede " -
P'1I"'1 nOV,lS possibilidades de relacionamentos entre os atores e
seu p úblico: e. finalmente, .1 rupt ura das unidades dramáticas
POR U1v1 RETORNO por meio de uma montagem de seq üências de ações no espaço e
tempo simbólicos. .
NICOLA SAVARESE Atores e diretores, dançarinos c todos os envolvidos em re-
prcsentação assim se viram confrontados com novos exempl os
" Ulisses, longe de Ítaca, não sofreu de nostalgia. A palavra nosral- de comunicação teatral, dos quais eles poderiam extrair urna
gia. mesmo sen do derivada do grego (1I0S/0S. "retorno", e ("gos, certa liberdade: eles e ram exemp los culturalmente prestigiosos,
"dor"), foi usada primeiro no século XVII por um médico holan- tecnicamente perfeitos c ainda râo suficientemente estranhos
dês. Ele inventou o termo P:H'1 definir aq uele mal particular que q ue podiam ser retomados e invertidos, mesmo imxutados, sem
nll ige as pessoas que são forçudas a viver longe thJ sua pátria por as ansiedades que os modelos mais familiares ind uzem.
longo período de tempo. Os primeiros a serem diagnosticados A Conuncdia dcll'Arte e os teatros orientais, em particular,
cornosofrendo de 1I0sla!g;a foram os imigr'1n tes suíços que deixa- prop useram uma arte p,m1 o ator q ue parecia livre de todo
ram seus lares nas montanhas it procura de trabalho. condicionamento psicológico. Além disso eram baseados numa
Até o fi m do século passado a palavra 1I0S/fI(r;;f/ era usada técn ica corporal met iculosa. que 0.1 o único elemento c instru-
exclusivamente num contexto médico. Saiu dos livros de me- mento do ator capaz de re presentar as emoções. A tra di ção da
dicina e tornou-se parte do vocabulário dos este tas do dcca- Cornmcd iu dcll'Arte foi interrompi da no século XVIII, mas os
dcntismo e urope u, tomando o significado de um "desejo vn- atores orientais continuavam ainda a encarnar suas tradições
ga". "melancolia", e com esse significado ent rou na lingu,lgem mais antig:ls, c Iacilmenrc se compreendia como eles podiam
comum. tornar-se os únicos modelos não apen as diferentes, mas també m
Usaremos a palavra t /OS/fllgifl aqui em seu senti do origin'll - oioos e. portanto. diretamente desfru táveis.
uma paixão por um retorno - e a enriqueceremos com uma Obviamente essa nostalgia tinha seus riscos e armadilhas: as
nuançu sutil que o poeta italiano Niccolà T ornmaseo introdu- modas, a tentação do exótico e do diferente . a interpreta ção
ziu em seu famoso dicionário da língua italiana. no qual ele supe rficial eram também face tas de uma utopia do teatro total
definiu o termo como "o nobre privilégio das nações pobres". que sonhava com uma simbiose com o grande público. Esses
Neste sentido, nostalgia é uma característica da atividade artís- fenômenos eram freqüente mente as origens de incompreensões
tica do sécu lo XX e par'l o teatro. em particular, uma definição mais ou menos férteis, muitas das quais influenciaram a história
útil. do teat ro recente. Mas não devemos perder de vista o fato
O estudo dos atores do passado ou de outras culturas. o essencial de que o contato direto com culturas teatrais distantes
estudo do seu comportamento cênico e suas t écnicas, data do auxiliou os artistas teatrais a descobrirem que .1 arte do ator é a
início deste séc ulo. quando praticnntcs do teatro, diante do pedra anguh1 r da represe n tação . e que o teatro existe some nte
aumento da mídia da comunicação de massa, começarum .1 porq ue os atores existem. Este foi o começo de um processo que
procurar novas formas de linguagem teatral e uma nova identi- direcionou a pesquisa teatral no Ocidente para a pedagogia do
dade para o teatro. ator. livre das exigências da produção e do mercado (cf. Apretl-
Atores, dançarinos e diretores cuidaram de heranças que r/izagelll).
eram histórica e geograficamente distantes da trndição européia. O ator ocidental, que até essa época tinha sido classificado
Heranças es tas-q ue poderiam inspirar uma alternativa viável ,10 em gêneros diferentes - mímico. dançarino. cantor, ator - .
teatro do século XIX, fornecendo argumen tos para uma nova sonhava com unidade e dignidadc urtisticu.
estratégia cu ltural e, acima de tudo. meios mais diversificados e Este foi um primeiro resultado: sempre que se aceite como
mais ricos para a linguagem do ator. premissa que o ator. além do que possa sentir, é unicament e o
Assim nasceram os mitos da Commetiia dcll'Arte, teatro que nos mostra no palco, um corpo em ação. Então, podemos ex-
grego antigo e teatros orientais. plicar melhor as analogias surpree nde ntes entre a posição e o
Era natural que essas origens extremame nte diversas, muito gesto dos atores, distantes no espaço e no tempo. que nunca se-
distantes no te mpo e espaço (thlÍ seu caráter mítico c lend ári o) riam corroboradas a não ser pelo que est á contido den tro des-
inspirassem i1nostalgia nas imaginações dos artistas, NlIIm épo- tas p(Jginas. t\ nostalgia por integridade levou o "indivíd uo-ator"
ca de mudança eles viram essas fontes distantes como "épOC'1S .1 se tornar conhecido etimologicnmente como o ator "indi-
de ouro" do teatro. Era menos o e terno desejo por uma volta às visível" .
origens do q ue pesq uisa técnica por um ponto de partida; menos O segundo resultado possível da nostalgia levou mais tempo
uma vag'1 nostalgia por um infin ito do que pesquisa além dos para se tornar aparente. Fo i a necessidade de redescobrir as
-, limites e fronteiras de sua própria cultura. orige ns do T eatro Europeu e a rude pesquisa historiográfica para
Não somente foram redescobertas a Commedia dcll' Arte. o descobrir realmente quando ocorreu ,1divisão entre dançarino c
antigo teat ro grego e os teatros orientais. estudados e rcinvcnra- ator.
dos. mas tamb ém formas mais populares de rep resentação, tais Estudos recentes confirmam qu e a divisão ocorreu no sécu lo
como o circo e o cabaré. T odas essas descobertas enriqueceram Xvll, quando o bal é e a dança separaram profissionalment e o
.1S doutrinas e práticas da arte teatral e tiveram uma influência ator do bailarino. No período renascenti sta e, acima de tudo. nas
decisiva na cena moderna ocidental. representações da Cornmedia de 11' Arte. os atores cantavam: dan-
Estas formas de teatro tinham certas características em co- çavam, recitavam. como fazem os atores do Kabuk i e da Opera
mum que podiam ser usadas pura se opor ao teatro burguês do de Pequi m.
século XIX c reviralizar a tradição corrente da Iingungern do ator. NUIll'1 grande exten são u Corn mcdia dell 'Artc era baseada na
Era primeiro. antes de tudo. um meio de recusar uru certo dança do ator. logo é algo supree ndenre que isto foi pouco
naturalismo. em favor de uma est ética baseada não em mimetis- conside rado nas investigações tios especialistas em dança e mes-
mo, mas num sistema de sinais; segundo. a eliminação da barrei- mo pelos críticos literários.
lóó NOSTALG!f\

l -h. P;/",lc!u entre um;1 pinrur:1 ale Vasu ;.:n.:;.:u c :lwrc-. d;1 CflIHe,;t!ic Fran çr i..c. 1\ nu papel ríurlOtlç.J /"rld fl. 11;1 PCC;;I de (;;.1[11111.: i\kndés (Fih.Z).c 110 pólpdtitu lo de F~rlrrl
jllsrapllsittãn n;1llé nt,..:<ia . mils ;' p ;Hc n: lI em IWJlJ 11;1cel ebre revi...u Fr :II1(,."I.:S<1 lr Thirilrr. 11;1 pq"':1 de R'ICilH': (F i~ . .;). C llmo pude .~ r "isto, I) dcscj n de se inspirar nas ori~c lls tln
Il H I" õlftiJ..: o de D . B. Laflort c. "Teatro õlIlI i~n . ;.:;csms mndcrnns'.:. () :Irri!!,r1 Ch ;II1H lI l ;1 . tc atm - iSIn é. no tc arru ~rc~() - fui n primeiro c 11 princip :11 mani lc sto 11;\ c()pi;1 do
;l f C IlÇ;io p ;tra as Ilri ~c l1 s ,Iocsri ll) ;l n l l H.::I )h)~i cf) ' 1114.: cru Illlltb entre o- :l(ll r..:s Ir ancc ecs tI:! traje . '11l.difíl~H' 1l. cutrcranro, f1ur 11111:1 : , l lf~":.1 n .1c: Jihcnfill'c. c com um C'Olllporrml1cnw
é pnc;, c extraiu IIIlU :1I1 ;III)~i;1 e ntre u socie dade ~ rC;!;:1 c ;'1... ~ls pi r;,lll)l.,; S sm:i"lisr:ts c ~cnéri l:n rr.í~io): lU ;,,, nJo ha vju li~<I\...i n real cem n co mportaruc urn du corpo "Ins
poplll isr;l" do fi m du sé cllru X IX do rcurrn rr;,lm.:C:·s. O~ arures: hlollncr-Sollllv (l X4I· llJuddn.. J.:rcJ.:os. cuj ;1 1l1;lrer i;llid,,,lc põlreci;1 an tes ser nC~;l lb. I( U:ISC co nrr;lllir; 1 pc: 1:1~
1916) •.: 01110 Cn.;IJI1tC em JillfÍ!.nllfl . de Séfoc lc x ( Fi~. 1): c S:H;.h Bcr nh un lt (IX44-1()Z.l) . ;,Ili w des Ii ~i l.:; l:~ maic claramente retóricas l los ,Iois ntnrcx Imnccses.

o processo de trabalho dos artistas da Commedia dell'Artc. dia dell'Artc. E en tão. como se oito ntos n50 fossem suficientes.
além da criação coletiva da hist ória (do texto). concentrava-se. a rcpresenmção sempre terminava com um conjunto musical e
sobretudo. na pesquisa e n'l composição de lima partitura de mo- danças,
vimentos. acrobacias e gestos ligados 3S personagens lixas das O resultado desta especialização na Comrnedia dell'Artepode
m áscaras. Entretanto, o fator essencial desse trabalho e ra a in- ser resumido, após considerar estudos recentes, como sendo a
ve nção de ações precisas e em grande pane codificadas que necessidade de com petição pam os artistas profissionais, '1 ne-
apareciam como uma espécie de verdadeirasseq üências dança- cessidade de represe ntar perante platéias diferentes, isto é, em
das (cf F. T aviani, A lingl/agem f{/mgélica tmhi.l"loliogrr;jifl). Assim termos de casta c linguagem (muitos artistas emigraram para a
o ator não somente tinha de filiar. cantar c tocar pelo menos um Europa. particularmente pa~a a França), e a necessidade inci-
instrumento musical, mas também tinha de ser um dançarino e dental de compensar a iluminação sombria, e • por causa thl
acrobata. Eles faziam saltos que desafiavam a morte. e alguns máscara, a cxpressividade reduzida do rosto, pelo uso do po-
caminhavam na corda bamba enquanto recitavam algum texto tencial roral do corpo em ação. Narumlmentc suas danças nJO
excitante e mercuria l, Eles certamente executavam proezas de eram convencionais. como um minuao ou uma sam õanda, mas
grande dificuldade, que exigiam grande agilitbde. e esta nature- pessoais. num estilo intimamente Iigado pe rsonagem e acim'l à

za espetacular trouxe Elm.l <l muitos atores c grupos da Comrne- de tudo ao ator.
NOSTALGlA 167
Do ponto de vista profissional essa maneira de compor ações
particulares para cada personagem, que transformaram SUilS ma-
neiras de se movimentar numa dança, não devia ser muito
diferente da composição da personagempelos atores do Kabuki
e da Ópera de Pequim. que criam personagens de acordo com
suas tradições multisseculares.
Adança do ator chegou ~ Françacom a Cornmedia dell'Arte e
entrou na corte pelas comédias-bal és de Moli êre e Lully, Moli ê-
re tinha sido um aluno dos atoresitalianose estava bem familia-
rizado não só com as técnicas. mas também com a importância
drn rnática e espetacular das ações dançados. Este aspecto do
interesse de Moliêre não foi suficientemente investigado. Ele
não somente foi um dramaturgo, mas também ator, mímico,
cantor, bailarino, assim como os italianos dos quais foi atentíssi-
moaprendiz. É certo que SUi1companhia também dançava balés
curtos nos intervalos, enquunto excursionava pelas províncias, e
frcqücnrernenre seu nome aparecia na lista dos dançarinos. Este
aspecto do trabalho de Moliêre culminou nas comédias-balés
que, com .1colaboração de Lullv, tornaram-se bem conhecidos.
Este estilo. ou melhor. gênero. foi considerado de importância
secundária em relação .10aspecto superior drarnat úrgico de SU.l
criação. Tanto os historiógrafos quanto oscríticos literários cnfu-
tizararn em excesso este segundo aspecto. Th éophilc Gauticr,
entretanto. no s éculo XIX. lamentava que as obras de Moliêre
não fossem representadas com todosos artifícios previstos pelo
autor, como por exemplo o balé de O doente illlagillfÍlio.
I-Lí uma semelhança íntima entre os métodos composicionais
da Cornmedia dell 'Arre e o bal é. Nas fases iniciais do teatro
moderno. a dança e o teatro não eram considerados separada-
mente, a única distinção em baseada na hierarquia da habilidade
que um ator oU 'grupo de atores tinha. Esta unidade original
sustentava alguma importância na prática do Teatro Ocidentale
7. lsiulor;1 Duncan (IX7 H-19Z7) 1111111iT da nça inspir:HI:t pela GrC:ci.t chhsic:l. DllIlClI1
pode ser resumida em duas partes. iu tcrp rc nm miro &, lbm;:1 ~rch;1 de 11m Illlnlo unrincud êrni co. como 11111 re tor no "~I S'
(J

Primeira: se é verdade que originalmente não havia distinção ori::,cns·'. 11m mei o de tbr ~I dnnça II m~1 00\ ':1 or iCIH:ICr"õio sem ofcml cr a tr:ltliç.lo tio balé
d;h:'iicn, mus il 11rcs rr:lh:llh:lI11ln cum uut ros princípios din âmicos.
clara entre ator-dançarino noTeatro Ocidental, então a idéia de
que há uma semelhança (não obstante as diferen ças culturais
básicas) entre os métodos e .1 prática dos atores-dançarinos cci- de dança: o "natural" e o "acidental". O primeiro deriva dos
dentais e orientais é con seq üente . Também os atores-dançari- movimentos naturais. ao passo que o segundo resulta de urna
nos ocidentais tinham de aprender técnicas "extracotidianas" elaboração artificial e artística.
que deveriam ser aprendidas conforme urna disciplina fundada Do pomo de vista da antropologia teatral não é difícil reco-
no aprendizado de uma partitura de ações.passos e movimentos nhecer nessas definições ,1 distinçâoentr e movimentos "cotidin-
prefixados, nos" e "extracotidianos", De fato, Dornenico da Piacenza, com
A representa ção em, de fato, o fruto de todos os elementos sua separnção, tendeu a estabelecer tanto a diferença entre a
previamente investigados. combinadose compostos numa histó- dança popular improvisada c a mais refinada, a dança nobre dJS
ria que poderia. de tempo em tempo, mudar de acordo com as cortes, assim como a profissão de dançarinos, que. aprendendo a
exigências dos atores. do públicoou do produtor. fixar passos - extrncotidianamenre - , poderiam colocá-los
Segunda: esta perspectiva inicial do moderno Teatro Oci- numa seq üência, numa coreografia pessoal e distinta, criando
dental não resulta da historiografia teatral. A hist ória do Teatro novas interpretações.
Ocidental privilegiou não uma idéia e concepção do teatro ba- Seus alunos. Antonio Cornazano e Guglielmo Ebreo, segui-
seada no processo original criativo e produtivo do ator. mas uma ram seus p.1SSOSc estavam acima de tudo interessados na dança
imagem do teatro, no auge do momento em que suas premissas "fabricada". que foi construída não numa simples reorganização
históricasforamelaboradas, segundo esquemas. isto é. longedas de passos. mas com base num conto, numa história.
práticas teatrais. Ao lidar comos trabalhos do século XIX. desta- Assim quais eram as características b ásicas dessas primeiras
cou-se naturalmente a qualidade drarnat úrgica c ideológica do representações de dança no Ocidente ? Música, atores, movi-
trabalho e não a arte do ator. mente cênico e história. juntos eles formavam um únicocomple-
~
Continuando nesta linha, a históriado teatro escolheu ignorar xo. que poderia ser repetido sem a perda da criação original e
a o tratado de Dornenico da Piaccnza (Sobre a (fite rle bailar e com todas as vantagens do profissionalismo do ator-dançarino, o
rlm/fw', 1435), por exemplo. relegando-o ~ história do balé. Pela público e o produtor. De fato,o arranjo e os movimentosapren-
n
primeira vez no Ocidente este rmbalho considerou a base da didos poderiam mudar c serem combinados J);U,l formar novas
a histórias c novas .representaçôes. sem necessidade de voltar a
dançacomo uma arte autônomae afirmou os métodos de compor
I-
movimento cênico como forman do a bnse da profissão de ator- uma página clilri,l. e:; encontrar passos totalmente novos u cada
a dançarino, seja ele um expoente da Cornmcdia dell'Artc ou das época. Enfim, era um método, uma técnica profissionalde com-
posição eco n ômica, muito semelhante ~ adotada depois pelos
l-
grandes tradições orientais.
o
Ao lado dessas importantes afirmações - a necessidade de atores da Commedia dell'Arte, e que está na raiz da profissão
IS
.~ técnicas. de estabelecer movimentos. para extensão toral de teatral dos atores-dançarinos orientais.
la
movimentos no espaço de reprcscnraçâo - Domenico da Piil-
cenzasugeriu dois tipos fundamentalmente diferentes de passo
lóR NOSTALGIA

"

:tI) . Em c.;im;I, l"c:n;1d;1mntH a~t:m de Fala i. de Rccinc, diri;.dtb por Alckcuu h Tai rov
(lXX5-1<J,U) no Teat ro ,Ie C:illlõlr:.t de i\lllscoll (192 1). l\ ten dência dne di rc rurcs
eu ropeu x tio inicio ,In xél: lIt u XX P ;l W ~1 u....iru cl1;II11 "&1 modc ruizaçân ,Ius te xtos
c!;h . .io » . '1l1e le vou ;1 1II11ifil S cnl1lhi l1;I~·t)ÇS de 1'(.,:\;1x al1 t i~;I~ l:IlIH arte nunlc mu, é
clar.uucu rc rccnnhccidu ncssnx'itll;l ~c n ". I\ t l l l i . cs pccific nuc nrc. n rema ;.:rc;.:o lcvuntu-
rlu por I{;K i nc é uprc scutadnnuma cC l1o~r:.llia que, em bora respeite a simplicidade C :.I
;,:col1ll.: rriõ\ .~ I'c ;.:a s . é h'lsc;),la 1l0l"lIhisl1lo fu t lHi.sr:l: em baixo. cena Final rlu nlOnr;l ~cm
de Vakh tan;.:;ny rlu '/ ill "llllll"I, 1cC;lrI'l (; f)zz i Jl( l Te rceiro SUltlíu tio Teatro de Arte de
j\ 1fL'~colI. em Jt)22. () uunuln míricu do COlllllledia dcll'A rrc c n.a eon...idcrado co rn o
se ntlo 11m e lemento ~k pura rL";ICr;tli,f.tdc : pllr..1 no:..(;IIh rJ pdu 1'a:......;u Jo. incrod",:id;(
n uma rcel) n s [I'II\'~fI q uc 1I ~ l) e ra nem .' " l'c rit c.: i:ll ncll1ll1 inll: [iL';.l. xc prc p;lr.aJ ~ r.1 to rnar -
.:=
se nnst;ll;!:ia pelo tunrrn.
NOSTALGlA 169

10- 1.1. E m cima.:'lcs quc nl.r.c l ri Cóll l lf.1 ,1:1 t:orco~r:l fi~1 de Nijin..ky p~lr:1 () (MIé :\ Jflgm!7io Em cima, ;1dircira. V;lsl.IV Nijinsky ( IXtJl)-19SU) em l ,':Ipd.f-Jnir/i Ir'IJl.lilllJl~ (Lomlrcs,
1l1lísiL':1Ik Stravins ki), po r jncl, no /.r.Thitilrr.ti " flr ;" e m 191.1. ()
' /11/ J/ j/llfli.-'t:JfI .,\o!l rt: )1)12). Nijinsky, como 1)1111(,';111. em inspirarlo pela Gréc.:iíl d.íssicõt e fC'l. lIsu de il1l:l~c ns
te xt o '1'": ;tl:om pa llh;l\,;1 f) de senho atl\'c.:ni:l qu e :1 l:orcoh l~ llja purccia ler inve rtido oiS '111e pIHk:rÍ;lm:ulxili:í -In ti rompcr corn n :I!>oula:.;c m :Ic ulêlll ie" ll!l balé cl ássicn. () ô1 1 1~C
p:IHI.::s II II cl lrp n . cru part jcnlu r u c:lhl:çl COIII ;IS ext remidades. Tc nrarivas unriacul êmi- dC:ita p csqll i~1 foi iI con':()~r:tli;l pnra 1: ,i/JlfS-1I1itli "'//l I JiIJJ/I~. ((111.: c riem 11111 escândalo
cns p:lra refor mar a d:1I1Ç-1 não cnun sempre acci rux C ('lllllp rcc nd id;ls pel o púb lico c por cnusu tln realismo dfls mu vimcn ro... Em baixo. :"1esqu e rda, Rmh S:linr· f)e nis n1l111:1
pelos l:ríric'K .I J/~::.rrJ" i{J ti" plilllllC~1"f1 fui cnnsidcruda como sendo l) rr;IC':;(~SO 11l'1is dançu de pôlrân in.spir'l\I'1na í ndia; em haixo, ;1 .lireit.I, 'I 'ctl Shawn na /)(111(11mJJI1ial tI~
rcxsounnrc de Nijill\ky corno cl)ret').~r;l f{1. Shil.:II, cnn;()~ml;u l;1 d urante e Xl: m.~i n de Ik ni.. c Sh:lwn I)(;b i ndi:r.
170 NOSTALGIA
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"'11 clássicu de rclaeinnam cu ro ele l);Iilarin;l.'i oeidcntuis CClm ;1 th lnC.l ·t!« ) teatro oriental. exotismo inic ial prilllirj\,u numu hubilidadc técnica c urtfsricu. t\ influência de De -
Int CrCSS:lltl e m dan çn p rimitiva c orie ntal, Rmh S:tinr-Dc nis rlc f:uo c..Ol1lCÇOll S Il .I nishawu , ;1 rn mpa nhiu de d.mç r que e la diri~ill com Tcd Sbawu. é una nimemen te
cnrrciru uprcscu tumlo cspccicu los ex tre mamen te ex óticos. l \ pÔ,'\ v j;lj:H pel a "sia COIll L'onsidcr:lthl l.·OIl1O Iumhuucn rul sobre ,I formução da dan ça rumlc rua. 1\s rotos: à
Tc.l Shawn- SC11parcei ro [<I11 CO no rrnbalho quan m 1);1 \'il!" - c!:l com e çou a pcsl pli~w r esq uerda Rurh Sain r- Dcnis e m IlJZ3 I11lm:1 ~hlO'r"1 de l\·'in"ll1;í (veja também (mos de
as ruixcx de ",í rÍ;ls danças o rientais. e la mesma se filmi liilri:r.amlo com os ô\SPCCWS Denis c Shawn).

l6... 17. À C~l l llcrtl<4 . :1 munrugcm de (Irorowski de Sal:l/Il/IIIII . de K ;llilbx~1 (1<)60). i\ c nconmuulc 11 dr. I.in;..:, 11111 espc L'i~a1ist;l em traba lho \, OL-:t ( n~1 ESL'ul;, de Ópcrol
prn\:llra delibe rada pel o gesto "indi ano" - notem ~IS Ill~O.'\ do urnr em 11m ripo de ' I'mdicional dc X:ln~ai. (}J'i \'i;l~cl)!l; de G((}(Owsk i na Chi nu, em 1<)62, c n;lrb~ 11;1 ím liil,
nunlru (cf JliioJ ) - cond uz Gr otowski ~I dcscobcrtu de 1Im ;1 rnrl1\~I l.·''' pcdlil.";1 c pcxsoul em )()63, 11111;\ 110 \' ;1 ril." C de csuu lo...sob re 11 tcnrru oriental se iniciou e as rc nilên cias do.'\
do rrcinumcnro tio utor; :1 d ire ita, .Ierl.'Y (Irorowski CIH X :I1l~ai, China, em 1,)('2, pruricaurcx de IC ;I((ll 1111,,1<1 (;1111.
AlltigfllJlfll!e ns p illfllmS emminiciadase condut-
das anfascs. Cada rlifl trazia fllgo /lOVO. UII/11
pill lllrtl r.rtl II f11fl somo rle fl m!scillloS. No lIIell
raso IIfIIfl pi/llllrtl i /111111 SOIllI1 d« rleslmifÕes.
Primara jirFo fl pill!llrtl, rlepois fl destruo, No
[n», POi/III, Ilflrlfl i perrlirlo. O veo ll elllO 'l I/f.
reli/ov i de lI/li IlIgflr é II.íllrlO [11/ outro IlIgflr .
(Picasse)

Aqllilo 'llle o ator JlflOfll:'" i i /llen:s.rt1 /1le.


(Zeami)

Fragmen taç ão c reco nstrução


" Visru distânc ia, u ma cid ade é u ma cida-
ú

de c u m a pais agem é um" paisage m: mas.


po uco a po uco , con form e se a proxi ma .
aparecem cas as. árvo res. telhad os, fo lhas,
ha stes de gra m a, formigas. per nas de fo r-
m igas. flti iJljiIJillllll."
Comcm'II1110 e ssa declaração d e Pnscu l,
diz o diretor de cinema Rohcr t Brcsson:
" A fragme n taç ão é indispens ável se não
se de sej a cai r na des crição. Seres c coisas
deve m ser vis tos e m S U'lS panes separ:l-
das. Iso le ess as pa nes . Fuçu-us ind e p e n-
dentes a fim de dar-l hes uma nova dcpcn-
d ência ."
A vida do corpo de um ato r em ce na é o
resul tado da el im inação: do trab alho de iso-
lar e acent ua r ce rras ações o u fragm entos d e
nçôes. Richurd Se he chner define es se pro-
eess o como a "restuur ação do comportumen-
to" (cf, Resll1l1J'f/(flO tio COIJlPOI1fllJlelII0). Exa -
lamente da mes ma ma neira q ue o di re to r de
cinema faz um a mon tage m co rta n do se u fil-
me e re un in do as seqüê ncias esco lhi das , um
dire tor 0 1/ corcõgrafo po de rra bulh ar o "fOIO-
g1<1I11a" da s ações de um ato r ou dança ri no.
Quando isso é feito , os segmentos dos movi -
mentes dns a ções d o ator ou dança rino pare -
cem mui to m ais co m plexos do q uc os m ovi-
me ntos co tidia nos. A purtit ur. dc um at or o é

res ultad o da d ram aturgia e montag em , tra-


ba lhud « p rimei ro pelo ator e depois pe lo di -
rctor, iSIO é . e la éo resu ltado do rrubal ho
baseado e m desmunte lumen to e rc co nst ru-
çã o , Ca da ação é ana lisa da de acordo co m

seus im p ulsos e detalhes indi vidua is e é, '


po steriormen te, reco nst ruí da nu m a se qüê n-
eia cujos frag men tos in iciais pod em " gor" s e r
am plia dos o u movidos p:lra [1111 :1 nova posi-
ção. sobrcpost . o u sim plificada.
A omissão é o princí pio ime di atamen te
evide nte tão logo se co meç a a elimi nar cer-
tos e leme nto s visíveis , tais como ac essó rios
o u instru men tos, das ações tio ator. A fluuc.. é
um ins trumen to tão antigo e popula r q ue é
cncon rmd n em todas as cultu rns hu m anas
(F igs. 1-4) . Para toc ar a flauta transve rsal é
necessá rio fo rçar o tron co a assumir um.i po -
sição inc lin ad a part icular em relação ao resto 1-4. i\ Ib lll;1 mmsvc rsul em qu a rru cu lturas d iferent es: o dc ux Krishn« (de um ha ixo-rc lcvn do Tcmp Jo Kcs ;" ':I. e m
do corpo; ' I ca beça tam bé m deve es tar lige i- S nm n.ubpur. índia): o de us I lunxi .mxi, p.uro no dox Illlísictls na China (de lima ~r;'''1U~1 popllhlrçhincs:I): :l l1il1l(;l stll-
;Irriclna. o IIhill)"l' kJlJ!fIJ"r..: c ti Ibluisra 11 11111:1 lunulu mi litar frant.:cs;l. e m O/l"'lliJ/II rio I l.'!{imm/ o ( IH66. de EtlolI:lfll
ramen te incl inada, de modo <iue a bo ca c os
i\l:lIl ct).
dedos possam repo usar con fortavcl rncn re n..s
abert uras do c..n udo. E sta posição le m b ra o
c lribhnllgi indiuno (cf. EIj" i'iJfllê/~cin ).
172 OMISSÃO
A posição da flauta é realmente uma das
mais familiares na dan ça indi ana: de furo, elu
repre sen ta o próprio deu s Krishna. A posição
tamb ém pode ser mun (ida sem o instrumen-
to: tã o logo o instrum ento é retirado (F ig. 5),
lima imagem comple tame nte difer ente apa-
rece. O jogo de tens ões pe rmanece, mas a
i1ÇÜO e a posição, extra ídas de seus conte xtos
necess ários, originais, históricos, psicológi-
cos e causais, tornam -se um COmpOI'l'lmCI1l0
sobre o qual runro o ator qualllo o diretor ou
coreóg rafo podem tra balha r subseqüente-
t
m ent e.
Neste caso. a omiss ão d o elemento visí-
vel torna independentes a ação e a posição:
apesar de elas manterem toda a sua orgunici-
dudc, podem adqu irir urnu nova depend ên-
cia e, portanto. um novo significado. O ato
de tocar uma flauta no teatro Kuthukuli niio é
mais urna ação e m si, mas indica a chegada
de Krishnu, cuja pre sen ça divin u é an unciada
pelo som rl.l flauta (Fig . 6).
. S. Prc ~m:iro púhl icu medieval. séc ulo XIV. ,\ lcm;l1lh:l. " omiss;in da n:ll lr;, t1:í IIIll novo valor àpo.~iI;~o. 11m;, nnvu
dispon ibilidade. mas :1 pnsiç:in permanece inc;lcr.l c poderia ser IIS ilt1:1 comu 11m rnl~mc lH CI num con rcx ro complc cr.
mente diferente.

. :.~

..' , . ...

. .. . .,.
OMIssAo 173
A vir tude da nec essi dade '
A virtude da omi ss ão não é ape nas um jogo
teatral. Ela é a regra lógica de uma siures«.
Nas artes marciais chinesus e japonesas, as
posições dos de dos - a articulação caracte -
rística da mão como uma garr'l ou pá achata-
da - são evidências de uma omissão e urna
síntese usad as tanto no treinamento quan to
na prática, que aj udam o praticante a contro -
lar se us músc ulos, mesmo os da mão, pouco
usados. Esta é a técn ica conhecida como
Kaush« ou "penetração com a mão".
. ] Uma das orige ns de sta técnica está na
ocupação japonesa de Ok inuwa há cerca de
quatrocento s anos atrás. Os habitantes da
ilha eram proib idos ~Ie carregar qualqu er tipo
de arma e, assim, p:lra se defe nderem dos
invasores, dese nvolveram o l'{/'l'Iltê a um tal
grau que eram capuzes de quebrar a armadu -
ru e desvia r golpe s de espada com punhos
nu s (Fig. :-» .
A técnica KnJ/shll tam bém se originou de
11 111 antigo mé todo chi nês de treiname nto
(Figs. 7,( c 7b): um vaso ou jarra era pree nch i-
do co111 um pó leve e o aluno treinava mergu-
lhando sua mão no pó em diferentes posi-
ções. Gradua lmente, o pó é s ubstituído por
arroz, urciu, feijões e, fina lmente, pedras. Da
mesma maneira simp les c eficie nte , o gesto
de agarrar firmemen te é tre inado: o aluno
pega uma grande jarra de terracota pela bor-
da, segurando-a e carrega ndo-a por um longo
tempo (Fig. 7c). No começo, a jarra está vu-
zia: conforme avança o treinamento, ela é
7, KflJl,f!1fI 11II r écn ica I h! "pe ne tração ( h1 11l~1I" 1l.IS artes marciuixchiucxas c .i ~l fl'lllCS " x- preenc hida com areia ou ,ígu a.

X. t\ om issilo de il rm êlS no i'(IIrlfi. u cabeça. ns hmçu.s, oS: punh os c os pé s com o urmas naturais.
174 OMISSÃO
Para re prese ntar a ausê n e~a
J:í obse rvamos, qu ando lidamos com o
princípio du eq uivalênc ia, como na ~l ímic'l
J
os braços niío são considerados essen.cJ'lI ~ em
comparaç ão ao corpo. Dccro ux usa, fr e ~ ue n­
temente uni p rocesso de conce n truçuo de
e nerg ia :lpen'ls no tro~co; ~ mesmo é feito
.J
e m mui tas tradIções orrenuus. Os ele men tos I

supe rficiais de urna ação são ~ I!mjnados de I


modo q ue se u as p~cto necess'trIo,.esse nclal,
pod e tornar -se rnars claro. A oposrç ão :ISSII11
criada entre a força q ue empurra pura a ação
e a força que ret é m a :Ição prod uz.essa espé -
cie porticulurde en ergia, q ue defi nimos como
"1Ji.'1 '''ill 110 I rlllp O (cf. Elurgill) . Isso é o que
ocorre <] u'lI1do O ator elimina 11m acessório
ou uma p'lrte de SI mesmo;. mus o (.lue ucon-
tece qu:1ndo o ator se omite mrc rrumcnt c,
porém se m dei xar o pulco~ .
No ce'ltrO e nu dança ociden tais, o uso dos
bastidores permi ce uo ator sair de cena p;tr'l
mudar de roupu ou personagem fora da visão
do espectador. As represent ações orientais,
originulll1 e nte uprese ntudas externa men te,
usam um gnllJl1e n úmero de conve nções qu e
são com umente aceitas pe los espec tado res.
De fato os es pectudores uceitum a presença
no palco de ujudames que aux iliam c facili-
tam as nções do utor (Fig. 9) c rumb ém q ue o
ator volte SU'lS costas para eles. Esta ação foi
sev e ram e n tv proibida no teatro ociden tal,
(). " il[Sllkn ,\ ;w UJa f'Jl.cndu u dilllli:1 de Shnjll, 11111;' C"Jlécic de Iciin... macac o ti" lHilOl o~i;1 j:l!lOI1CS;t. I\s borbolet as,
onde a frontal idade forçou o ator uandar paru ;arr.-líd;ts pclax llorcs, :1~j [:lI11-SC :111 redor de Shojn c n irritam, ElôlS :'\Jo Ii~H lôl ." a 1I1ll,' vuru Ilcxívcl de bamb u c
tr ás, a fim de não ofender o espec tado r. manjp"hul;J.,> por 11m Kllr f1J!.f} (0 11 KIIl"nm/If}), litcrulrnen re " hom em pre to" ou "nada" . Sile ncioso ujudan rc de cc nn, f)
Os utOres orientais, entre tanto, n,1O abu- f-III7J.'!.n é 11m elem ento altam ente nprccindo , csscn ciul nu economia t1ns: tcurrus chís.sicns japoneses:: SII:I pres e nça,

sam de ssa convenção. Ao contnirio, e les es- intli.sl'clll.jh d 11:1 m udança de rm lp:1 i'l \'isr;t tota l tio p ú blico c na coloc.çâo de .lt.."cssiirios no palco durante ,I
rcprcscnmçilo. elimina u illlSi'ill rlc realismudn p;.lco j'lponê s.
tão cientes de que são viscos mesmo q ue não
possam ver. Vemos aqui dois exemp los: Kat-
suko Azun» (Fig. 10),inclinando-se par'l tr.is
e mostrando assim o decote do q uimono (con-
side rado erótico e elegunre), e Sunjuktu Pu-
nigrahi se nwda numa posi~ã~ desconforni-
ve l, com se u rosca oculto, exibindo sua longa
trança preta (também considerada er ótica e
elegan te) e sua l11 ã ~, lJ~I C gesticula de uma
maneira q uase convidativa (Flg . 1 J).

j I

lU. Rcprcscmamlo :1 :IIISl:I1t.:i'I: 11111 iljlld ;tn h': de cena 1l. Sanjllkt;\ P;l ni~m hi se auxcnm da rcp rcxcnração: \'01-
(lll"(~~fI ) :ljllst:1 :1 H1Up ;t de Kmsllkl)
l\zu m;! ;j visru do rilmlo ns cns ras p'liol () p úblico de modo lc ,lt r.d, cb r rcp rc-
pilblkn dunmtc u tr.msi\-";iu entre duas cena s, senta sua pn')pri;1anxêncin.
OMISSÃO 175
A virtude da omissão
A virtud e da omissão no teatro, mas tam-
bém nas artes marciais e figurativas, é condi-
I! ção necessária para obter uma síntese: no
caso das artes marciais ela reforça a funciona-
Ii
lidade; no teatro, reforça o bios cênico,a pre-
sença do ator.
.J.
Dario Fo , famoso por seu trabalho como
aror/drnmnturgo, compõe suas personagens
selec ionando cuidndosamen te ce rtas ações e
rea ções físicas, ou mesmo fragmentos de
a ções, Ele omite todas as passagens explica-
tivas e comportament os que se riam necessá-
rios na composição de um elo entre essas
ações e fragmentos: ele cria lima síntese dra-
matúrgica, da qual ele mesmo é o material, o
instrum ent o c o autor (Fig. 12).
Tal vez não seja uma coincidê ncia que os
gibis são, obviamente, o resultado de uma
escolha feita pelo desenhista: lo si ri]: (do in-
glês) também significa rasgar em pedaços, e
strip, fim d« 'll1adritlhos, é, portanto - tam-
bém - o resultado de uma série de cortes e
omissões (Fig. 13).

~
I
I

12. Dario Fo 11 11 111<l sô ric de aç õcx C reações fTsic'ls que ilustra m ô4 síntese e m suu rep rese n tação• .-l/úmid" rIt I/lJlli,gn:
{dc mon srruçân nu lSTJ\de Vol rcrru, 1 9~ 1) .

.1

. 13. ,\ riqueza c forçn dn parr itum de D,uio Fo ( Fi~. 12) 1000apossível i..«rl.u cad<l açãosimples c, então, re un i-la e m
nova sínte se. N.. nova scq iiêncb 'IS quatro pnsiçik s SJO lI:o.lll;IS numa hist úriu d iferente, com SII:I prcípri:1 c nova
I cOlUpnsic;ãn dmmárit.";1 c seu pcc')prio sj~nificild n. c xutamc ntc corno acontece numa (ir;. de hi."uíriaem 'IlI;J\l rin hn~

I
J
,Jll11it1 f o 1II1'1h0r de 10r/OS I/Ó.\": e/e consrrâ] lil>'
COII/ o escnro.
(Camille Pissurro).
ANTICIPATION / ACTION/REACTION

; ~l --
~
A da nça das oposições Q I -...' .. .:.;.''''
- ."' ;L -'~
"-,'..;.. -I· ...
"Se, de faro, desejamos comp reender a
nuturezu du diuléticu no nível material do
yA . -.J
D
~. _ J I~--- "_ .

teatro. é necess árioestudares atores orien - STAQ:T A "f' A ORAW-B ACI< MOVE: 60 PAST B &AC l( TO B'

tais. O princípio da oposição é a base sob re


a qual ele s constroem e desenvolvem to -
das as suas ações (...).
Ou tor chin ês scm prc corucça umaa ção
com o se u opos to. Po r exem plo, para olhar
uma pesso. se ntudu sua direita, um ator
à

ocidental usaria um movimento direto e


lineardo pesc oço. Mas o atorchinês, assim
como a maioria dos outros atores orientais,
começaria como se quisesse olhar para o
lado oposto . E ntão, mudando repentina-
mente a direção , voltaria seu olhar para a
pessoa escolhida. De acordo com o p rincí-
pio da oposição, se se deseja ir para ;\ cs-
q uerela, começa-se indo p.ua a direi ta,
en tão p áru-sc subitame nte e volta-se para
a esq ue rda. Se se deseja ag;leh,tr, primeiro
se levanta na ponta dos pés e então se
SPEED - FAST ACTION - IMPACT
;rgacha.

:::B
A princípio , pen se i que isso fosse uma ..- S TA R T

G"~'~C;
convenção c ên ica usad;1 pelo ator chin ês
para umpl iur as ações, tornando-as mais
perceptíveis, criando um efeito de surprc-
"--SACI<. T O S TRETCH
S,I c guiando a aten ção do espec tador. E AN TI CIPATION SH~PE
isso é indubituvelmente verdadeiro. Ago-
ra cu sei q ue essa convenção não esni
limitada ao teatro chinês, mas é lima reg ra
que pode ser enco ntrada em todo o Orien-
te.
Se se observ a uma dançarina bulinesu,
um ator de N ô (me smo quando exec uta o
simples gesto de segurar um lequ e em
frent e ao rost o), um ator de Kubuki no
estilo amg% ou fJ)'ag% (fi g. 7, Equivalên-
d o), lima dançar ina clássica indiana ou de
Khon ruil.md ês, percebe-se que os movi-
ment os não seg ue m nu nca por linhas re- 1. Pam se mover I1l1m;) dou!;\ llin.:,,-iio é nccc ss ârin rn nu..:\=ar nu dircç;r o npo.'\ca: ou unte s, ace nt ua-se o efe ito de 11m
movimento por mcio tb :IIlCCdP:Iç."iO. 1)0 m;Il1I1;1! ele itn i lll aç~f1 )1.11',\ dcsc nhixrax, de Preswll Illair. De oconlo rtuu
tas. rnus se mpre por linhas sinuosas. O
!\l cycrlullll. a récnic...1tle 011.,,::. [recusa}, tJIIl.: foi pa rte llo treinament o usa do nesta escola. era " 11111 movim ento OIl<'''Cl )
tronco. os braços e as mãos sublinham :lU que se dt.: .'C j :I\ ':1 f.lzer, c vinha imediatame nte unte s t1n II111Vi Ill CI1lU lkst.: .i~dn. p ;Ir;1 nccutuur a c xprcs sâo" ,
estas curvas. N o Oc idente, dança-se com
as pernas: no Orien te, dança-se com os
bruços."
(Eu gen io 13 urb.r, AII/rop% gia Tmlm/:plillJl!i-
1'Il Iripó/m)

~ 2. O princípio du moviment o por me io dalll'llSiç;ju: til: 11111 manual p;traat ores da Ópera de Pequim dos :1110." 50.
OPOSICÃO 177

EXEIlCICF.S PO[lt LES l'III;XCII'.\rX TYPES 1)' 0\,\,05ITIO;'; ' S",I<I

~~
~
1\
fi
I . ,'

-"'l

34 . 1\ es querda, esb oços ii pena, de Pau lct Th c vc naz. que ilustram ce rras f<ls(."S tio rãvcl infl uên cia no teatro c especialme nte ua da nça moderna, no fim tio sé Cl110 XIX. A
método currínuico de Da lcrozc: a "antecipação" de moviment os é clarame nte visível; dire ita, exercícios sob re os tipos básicos de opos ição, rirndos do livro de Alfonso
o.. . movimentos COIJH;çam 111101 ;1 direção que é oposta ~ Slla d ireção final. t\ pesquisa Gir:H1dct (1895), 11m aluno de François Dc lsartc.
fcitôl por E milc j ucqucs-Da lcrozc (1865-1900) so b re ritmo c movim en to te ve convide-

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5. Um exe mplo de OP().~;ç:io se ndo usado por 11m ato r europe u: observe ~I rnan ci ra não-linear da p'l.lõsagc m de 11m a reação de me do P:Ir;t
urna de desgosto. De G. Austi n, Chirf)llOmil1 (I..c ndrcs. 1806).
1711 OPOSIÇÃO

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6~X. Zh;lIl~ Yunxi, utn r tl,l Ópcr.1 de Pequ im. fow;:r;,rõl tlo pd;1 csrudnurc tclrccu )) ;1I1a un nlvcl do joc.:lho (2). de pois doh rol u mes ma pe rua p:l r;l u csqllccll;'. ;lI) nivcl da pc lvc
Kulvodova na Io.: .'\cnla para ;l(orc~ d~ PC, Iuim, 1\ sClliiê lll:ia mClS{(;I .JS lI1f1\ ';nH':IlCII.. "~iil dO'i: f.,) I';lra .'>l: 1ll11\"Cr. Iinalmc ntc.v ru linh« rct :l:lu ilvés do puleu (cf.;I iln:Hr:lt; nn sCJ!.llinrc).
pdn ator para 1~IZI.;r 1I111i1 c umnta como 11111 Itere'ti militar ('íJ:'JI-JlfmJ.!. ). 'I'c llllo dallo Lloi'i qu e r.nuluhu ~ C lahl lr;l \ I:1 de ncon lo com n princípio tio mnvim cntn em direções que sâo
paxxnxp.lm I) pilicll. n ,1ror piam (I ) c le vant a os ladns do seu rrujc-aruunhmr (;lcllfi, opn'í!' I."an dcs rj,w final.
c n rrc ta nrn, o :IIOCeS(.; trabalhan do xcm Ii~ llrin {)}. dohra a pcnu esq uerda p:lr;I ;1 dire ita.

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9. o H;tlficion 'I' p:IICl1 lr~1 ()Jlc r:., d e P<:lfrrilll- t'"r;lJlCe :I J:..~ m1 tem po ;zpcnas;lI) :tr livre, ~rupm; de ntorc x, lo: ;1'\ rUf;I'i u...;ltl:IS por el es p;n a ,-=hc~;u :I lima pn~içi'in prcdct..:rm imnb .
:1;..:n f'.1 também dc ntm dos ed il1cios te atrais - é censtiruido de ; II m~1 ârc« q ll:ld r:ltb de UI1lIc vomcçam a 1":11:1 r, t..";lIHMC dançar fu "X" in l!il":.t lima palls:::t): I. Papel mascuf inu; Z.
rccr ciocomdois pirilrCS(/\ c B}II"cSII~rCl\t;I I1III01 rcr n.uma parcdc rr:tsc;r-J li.sol ,,:um tI,,:ts 1';I,x:1Icminincc ,1. P;I,x:1ma sculino; 4. Papd fe mininu ;:l . E nlr..IlI;l tI'l comitiva {c mprc-
pn rtas -pnrCflll\'Cnçãn,;t pon:. cxq u cn la (C) c ru tls.ul:! para e ntradas. c a dirc ira (I) para ~;ltlll.'. ~1I;lrll;IS:. 'ic~tlidflTcs): primc irn csrilo; h. Entr-.td;,l dil comi tiva; sC~ll mln cs riln; 7'0
S:líd;IS tio.":HlIJC.'í. N~l) h:í ccn.i rin c ll'i Õ!t..'c.'\sllrins xJo pn ucn... c :otimplcs:: uma mes:. (E) c Em r:,,!;,ti:l l'u mi ri\":' : rcrl'c im ç:oi lilll: X. Em r.ltu d' l comitiva: ()tI.m o es tilo; 9. Ent rada ,1:1
c;ttk ir;ls (F), tI" Cpl" !em se roru ..r uma cama ou uma uumraulm.Os umrcs " p reenchem" t.."uIlJirh'a: quimo csrilo: 10, En mnlu du corni rivu: sex to estilo; li , Ent r:nl:! tia comi rivu:
o CSP:I(; O limitotdu, lUa'i rompfc r:lTl1C Ote V:l~í(). c:om sellS li~nrinos SlltHllnSnS c SII;I';' séri lllCl c.'i: rilo: rz. Enrwt!:r d;I(.'oll1iri\':I: "i r;'H) csriJo; 13. S..íd:111:1 cnmití";l: prim ófn
c \'oltu; i)l;s, E.sscs di;I ~r.lnlil s m o.s uam as c nr r.ldas dc ,,;í rins tipos 11..: p..:rSOll ;l ~c n .;.. 011 estiln; 14, S:lítb d ~l cnllliri";I: sc~tllld o c.stilo: 15. ,"bit!;, ,h! t o m iri,o:l: tc rcciro c.'\t ilo.
OPOSIÇÃO 179

IU..13. Acsqucn la,« dan çarina bnlincsa SWlIsli \Vi dj~ ..


j;1 Humlcm n11111;.1 dc mon srra çâu ,lo mmln de andar no
IST A de l lolst cbrn (l9S6). A mane ira balincsa de se
IlHH'Crnu palco, qu e li sa \';trÍi.lçõc s continuas de posi-
çõcx :1tl ~l l l il rL"S e corres de acordo com séries de upoxi-
çõcs l:i1l1SOI I IllH:1 rrcmcrula imprcssã» em Armnd,
Illl:1lhlll ele \'i" o teat ro balin ê.... na Ex pusição Co loni~ 1
rlc Pênis em It.13 1: nbsc rvnmlo corno os movimen tos
imp regna vam o pôllco. ' \ rralld (:.1011 de " 1I1ll;,1 1l0\ ".1
I j n~Il;I~em Iís ieu" no teatro, feira de sinais e nân pala-
" f;.IS. Ele cnmpa ro u os a tures bal incsc s com "h icró-
;.,:lifo:oo uuirundns" . Em c im a , :l ,lireim. lIesenl!ns csbo-
li ad n.Oi de atores: ;Iljlli e les ilustram as oposiçiks cria-
daxden tro do cor po do a rnr. 1 ~ 11 ' cirnu . utor de Knbuki ,
persC)n;l~cm tia Conuucdin dcli'Anc; em ba ixo, uror
billinês. dançarina de Odi ssi (purre inferior). Na \1.111-
Çõl• •}.Oi I)()siçõcs s im é rrÍt:;l s rC S11rf;l l11 e m Ii;:llríls cqni li-
I h nulas, sem IJpl)s i'iõcs ; po sições nssimérrjcus ren dem
i ;1 rcsulrar em ti~lIf" s dc sc qnilib nulas c com fnrtes
" llo.'i ições. Di'lgr:lIlHls de Doris l lu mphrcv. ..1 arr« {li:
I tI::"rtlltll(tlJ (Nova York. 19S'1).

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'" SIí\IÉTRICt\S ASSIMÉT RICAS


IRO OPOSIÇÃO
A linha da beleza
Na Índia, o princípio da oposição, chamado
lâbhflJlgi, que significa três arcos, ussu me urna
fo rma característica tanto na dan ça qua nto
nas outras artes figurativas. O corp o do dano
çarino torna ,I forma da letra "5" (cabeça,
tronco, perna s): o resultado é um equ ilíbrio
prec ário, novas resistências e tensões II ue
criam a arquitetura cxtracotidiunu do corpo
(Fi gs. 14 e 19).
A linha sinuosa do Ilib/iallgi é tam bém en -
contrada na mais remota tradição ocidenta l.
Foram os gregos que de scobriram que a
bele za de um corpo não é somen te o resulta -
do de propo rções correras, mas também de
uma pos tura anatômica particular. O escultor
Policlero foi o primeiro a estabe lece r um pa-
drão para ,I repres en tação escultural do corpo
nu, de terminando ,IS proporções exatas qu e
15. Macuilxnchitl ( 0 11 Xoehipilli): dens a asteca da rnúxi-
poderiam ser usadas e, em particular, a rela- ca, ,1<1 canção. Ih. dan ça, do amor c d<l primaveril (Cõd icc
ção de 1 paru 7 entre a cabe ça e o resto do tioCiclo Bor~i;tJ1o). IJcacorde com U cs n ulioxc mexica no
corpo. As figuras criadas por Michelangelc e O"yuqui Esta~c Noel, o «wto preto tia dcnsu é lima
111ásc.tr.t
Rafae l tes tem unham este pudríio, q ue tem
14. iiifJIuwgi (trê~ "rcos) numa cS(ô1wa de V;ljnl\~'rah;.
perman ecido sem modificação por sécu los. s éculo VII "" ", VIU. T r.lhalho dc I""GI do Tibcrc ( ~ J II­
O que desej amos sub linhar aqui , e nt re- seu de NC\\'iU k . Esmt'().~ Unido:..).
tanto , não são ,IS proporções corpo rais, mas
sim a postura caracte ristica do corpo comum
a todo o estntu ário grego e helê nico desde o
Efebo, de Policleto, até ,I VêllllS deJli/o. E SS'I
postura é caracterizada pelo desl ocamen -
to lateral do q uadril causado pelo peso do
corpo apoiado em apenas um pé, e o des loca-
mento lateral da cabeça, causado pela torção
do tronco.
Esta oudulaç ão dinâmicu do corpo ao re-
dor do eixo, q ue torna as figuras mais anima-
l!;IS, foi retornudu pelos esculto res florenri-
nos do século XIV, como uma reação contra a
imobilidade das figuras bizantinas e medie-
vais. Na turulmente, ela foi recusada pelos
artistas renascen tistas, que se inspiraram di-
retarnentc nu arte clássica. O gosto pessoal
do artista, assim como o da época, cert ame n-
te desempenha um papel decisi vo nestas
escolhas. Foi D ürer quem afirmou q ue não
hii somente um tipo de beleza, mas mu itos
tipos. Cont udo, na rep resentação din âmica
do corpo por meio do movime nt o qu e gira
em torno de um eixo cen tral reside o princí-
pio fundamental da "vida" de uma obru de
arte. 17. Uso primirivodi nâmico de !lflllrÁemmt (dcsloCdmcnto
No século XVIII, este perfil d inâmico dos 111l;ldris) na esc ultura européia: cst<ÍUI:1 do século XV
de 11m profcru (Catcd ralllc Pi!i[(Jj~, hál;,l), a rribuida :10
inspirou William Hogarrh a def inir o que ele urquitctn florentino Filil'I'o Brulle/le",ch; [I37i. 1446).
chamo u de "linha de beleza", uma linh a si-
nuosa inscritn numa pirâmide (Fig , J:-l). Uma
com binação de movimento e repouso , equi -
líbrio e assim etriu, urna dança de oposições.

J 6. /\ frmJirc. t:h;lIn;ld~l de 1'êlllJJ f/~ :lIjltJ(f\IIISl: 1I dI) I ~ ()II­


vrc, P"ris), numa posição IriUJllI1gi.

VA RJ ET"V

JS. A "linha da bclcza" 011 "variedade" , numa ~ravllr...


feira em 1753 pelo pintor in ~lê< \v illi,,,.,., I Ioga" h (1697-
1764).
OPOSIÇÃO 181
Triblumgi, ou os Três Arcos
A formação /ribhallgi, que é identificável irnediu-
tumente na dança e na estaruária da Índia, tam-
bém se manifesta no trabalho de atores de outras
cultu ras. Aqui, a "dança dc oposições" é expressa-
da mais internamen te, dent ro do corpo. Olhe pam
as posições de Sanjukta Panigrahi, uma dançarina
dc Odissi, e da bailarina clássica Nata lia Makaro-
\ "1 (Figs, 19-20).

O contraste pode ser perceb ido imediatarnen-


te: Natalia Makarovu dá a sensação de gmça, leve-
za, quase como a levitação de um ser etéreo, ao
li contrário da dan çarina indiana,Sanjuk ta Pnnigrahi,
que possui algo extremament e terreno e sensual
present e. Além dessas aparências ex ternas, ambas
,IS dançarinas usamsuas colunas da mesma manei-
ra, dife rindo somente no modo pelo qual exibem
o resultado. A bailarinaclássica possui lima dinâ-
mica que produz linhas longas e afiladus - po-
der-se-ia dizer quase elevadas - na forma do
corpo. Ao contrário, a força das oposições que
trabalham nu dançurin« de Odissi q uer chegar a
um extremo do movimento sinuoso . Por cxcm-
plo, a série de ângulos que quebram '] forma dos
braços de Panigrahi, é marcada em Makarova ape-
nas pelo pulso.
Em NataliaMakurovu, as oposições são revela-
das por meio do enorme esforço para rnunterequ i-
líbrio precário, na muneiru como ela olha para trás
apoiando seu queixo com urna resistê ncia e ten-
são tão grandes no pescoço quc o ombro csq ucrdo
se levanta. A posição do queixo que bra a simetria
do impulso para o alto, e o equilíbrio precário
torna-se mais instável com a torção da cabeça
apoiada sobre o ombro, criando assim com os dois
ombros uma outra oposição assimétrica .

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]l)·2Z. Em cimo. Sanjui-wJ Pitni;.:nl;.:lli em 11m lIih/;(/J}J!,i da rlnnça t.:(;íssÍl:a Odi'isí. Em conrrihui çõcs rlll1darncn[;li~ para o dcsc nvolvimcn«. da h i Ul11CC.-J lliGI. A di~:ir:~. é
baixo, i1Cst !llcrdôl• •\ baihuinn d(t:<;SÍl.;il Nilcali;l I\ lilk~I Hn'" no / liga tlOJ ( ,'i.wCJ (t.:orcogr.ltia inrcrcssunrc VCf COIllO:l prc...;enç:1des[:1 "atriz" husciu-sc numa '1 1 [e r:' I\"~ O tio cquillbrioe
til:' Pc tipa. m(l sica ~ Ic Tchuikovskv). Nu centro, I ~nr llinxkv L11ll1n Scha xtlivt scv em ,I 11m Ili!JIJllIIgi rd i n:ldn. EI;I é um ma nequim, não es tá tentando c xprdsilr nada , mera-
Fkn ru a, de A N. O~lfl)\'sky . diri~id.1 porf\lcyerholtl em ItJ24.'\ pm;i,:-.i.n h.ísicl do .1ror mente "apresen tand o' IIIlI modelo de C()lI rrc~cs em 1964.
é 11m IrJ/J/IIl11gi. lIinsky, qlle tmhal hou no rcnr ro de ~ k'Yt: f hlJ l ll lle 1920 ;Ifé ItJJS. f(;z
IR2 OPOSIÇÃO

23·2.). ()po~i~"{lcs tllI." ;1((}n.:."uótlc.:nr;ris: Fr;lOc; I Ram c e m 11UI I h: xcux Jl)f)nl·l llI~ll" . l lcnrv Ir \'i n ;.::\:OIll O 11 r :'lrllc,1 1\VObCy,CIll/-/ol/ j'l ff( \'1/1, de Shakcs pcilrc, c a bail<lrin:t alemã f\lary
\V i~ll1an. em TflJ/~;!!,f:)·HJ~!!,e (1Y35).

27. () mesmo jCJ~u de OP OS i l;ÕC S 1111111 atu r de Kubuki


(século XVIII), p intura japonesa.

2;.). O uror ;IJcmão LlHlwiJ.; Dcvncut (I7X4· UG2) com o


F r:ln'l. Moor, em (J P"lntlhdrn . d e Schillcr (l jt ol-;I"Jfi :, d e
HGU): a 0IH)."içiio é ô1CCJHIliIt!;. pelo ôltcsslírio, 11m candc-
[ahru nsadn com o a nu a.

2h. I\c,.in. reação, np~siçã(). Os ,ltorc:\ i n~lc~cs J\. rnlln~c c I L Nyc t"U IIHIS rcp hól no c Tri ncn lo rcspcc riv.nucnr c, e m
:1Irmpolllt/(. de S hakcs pc a rc Cilllllrcssiio em d ~'~llcrrc ilripn por ( I. (l' TCill hilC h •• 1O redor de Iti4(1).
OPOSIÇÃO 183

l t.1 . Sc q üênciu da cena "pequenos barcos no po rtu de OdCS.";I'~. do


/ ':JJCfJ/l rtf( (/(/" I'n/emJi,}. de Eisc nsrcin (I l}25). A sClJiiê nciól in rc im foi plau c jad a de mo do a criou r" osom cntc um a
moneagcm h:lscat!:\ nas oposi çõcx entre ".íri:ls rom:ld.ls. 1ll:IS tam bém nas oposições en tre us lin llil.'i de direção tI;I'~ rouunlax em si. De Q/I~ r.:i'VIl ;':i.~~llJleil1 !, de B. I\m.ln~lIjl
(I.""',,ooe.l 'JIm).
184 OPOSIÇÃO
o teste da sombra atenção do espectador é direcionada e focali- para verificar se seus desenh os são compre-
O ator desenvolve resistênc ia criando oposi- zuda e, ao mesmo tempo, a ação dinâmica do ensíveis e eficiente s (Fig. 36).
ções: essa resistência aumenta a densidade ator torna-se compreen sível.O ator pode ve- Ingernar Lindh mostra como a ação de
de cada movimento, dJ ao movimento uma rificarse CSS 'l dinâmica está correta aplicando indicar, que respeit a o princípio da oposição
maior ime nsidade energética e rõnus mus- o teste d. sombra, lima regra com a qual os (fig. 32) é pouco clara se for feit a de freme
cular. Mas a amplificação também ocorre no desenhistas de quadrinhos e desenhos ani- para o espectador (Fig. 33). A vista frontal
espaço. Por meio da dilatação no espaço, a mados estão familiarizados. Eles usam isso não passa no leste ria sombra e é ruim tan to

~ .

~......"::. .
.::.

COA.P. U TO

3U-3h. Em cima, oi dire ita c no centro, n mím ico ln~cm:lr Limlh numa tlc munsn :f\-';,in corpo do dançarino c~t.í orienta do de lima maneira que não doi :10 c...pc cradc r n impactu
tios váril)'" meios de "mostrar " c ""\l1)Ilt:lr' \1;, mlmicn de Dccronx, nu 1S"li\ de Volrc rru total d;! ação; ,I d ireçã o eM;, "cert a", pormurolado, tJllô1l1do o dan çarino tem êx im em
(11)l{1): <t npo...ição crhHta pela linha obllqua do corpo 10m;! dranuitica :l 'ldn." direita, mostrar «ulos os lilllos,tlig:IIlU )S, tio x braços c tl<lS pernas, Em baixo f) /t:jk til} JfJ1l1lJm ~ o
11 m d..nç lrino deve encontrar po."içt~s c uircçõc s que dêem untot COIl1I~k(:J \'i~iio an llI.tncral de :mim:tç;io de PrcsfOn 1lJ:lÍr.
cspc cr'llJor. De ucon lo com Doris Hmuphrcy, IIm~ lIircç;'in C-li.t;í "e rrada" quandu n
OPOSIÇÃO 185
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paru O ator quanto purn o desen hista . Walter (Fig s. 42 e 46), que são idênticos em todos os do Il'ibhlll/gi indi ano . Em s ua simplific ado.
Benjamin observou muito corretamente: "O três exercícios, passa-se para '1 terceira posi- entretanto, redescobrimos 'I clareza e o rigor
ator deve espaçar seus gestos como um tipó- ção decisiva (Figs, 39, 43 e 47). Esses exer- de um rrnbalho cujo objetivo é descobrir re-
grafo o fuzcorn suas palavras . Ele deve traba- cícios demonstram claramente a fun ção da grus de movimento para o mor sob a luz do
lhar de tal maneira que se us gesto s possam oposição e mostram o papel das lin has que- que é perceb ido pelo espectador. •4fiI'l11Ilfiío,
se r citados". bradas e oblíquas. que são mais inte ressa ntes cOlifilYllllflio e cOl/lrndi(no são uma maneira
Aqui estão alguns exercícios mímicos de do que linhas retas e contínuas (Figs. 40, 44 e explícita de fixar a atenção do espectador nos
Dccroux. Eles são baseados em um princípio 4S). monossílabos "5 i 0 1" e "nã o",
se g undo o qual se criam oposições de afirma- Esses exe rcícios de mímica, que le mbram
çíio e cOlifinnllçíio no corpo. Da posição básica 'I biornecânicu de Meyerhold, parecem se r

(F igs. 37. 41 e 45) ao pri meiro movimento uma simplificação da arquitetura complex a
,;, ·, RaE-EXPRESSI&IlDi\-b
. E '..' .
- . . ~". ' ". .. . .. , ' . -- . . - '

Enqnauto pessoa, o alor-bailarillO jJosslli 111/1


COll)Ode (am e esal/gl/e, ca]» peso jl.l"iw é courro-
larlo por forras f/sicas. E le po.l".I"lIi experiftlcitIJ
sensorrats rio q/le aconra» rlel/lro f. [ora rio sen
LOIPO, e la/llbémsmthnattos, desejos enmns. CO/110
(//11 iflSll11111t1110 a rtistico, porém, o alor-bailari-
1/0 consiste - pelo /ll fII OSpara o seu público -
nn icautrnte rio IJIU rlele porle seroisto. SI/aspro-
prierlarles e arõeJ são il/lp/i âlt71l/ellle rI~fi1l1das
peln IIlal/i:im fOlII Ode apame e (0/110 de faz .
Ce/ll IJlli/OJ rlepeJOtia ba/al/{afliio Jeriiopercebi-
dosse1'a rtl o jJlíblho de1'oJJllia lruezn rias asas
de I/I/Ia libéll/la. Stlas aspirações são limilarlas
ao IJlle aparr:u rttt strapos/llm e geslo. E/e lIão
pOJ.l"lli filais Iltl/l meuos alma rio IJIIr1I111t'.figllm
pill/tlrltll/ tlfIIljtltlrlro.
(Rudolph Am heim . :lne e1'eruNiío vislltll.)

Totalidade e seus níveis de orgnnizu ção


O q ue a rliseip/illll arusca significou para os
romanos?
Os romanos cnrcnd i.un a disâplil/tI etrusca
ou ciência co mo o siste ma doutrinário rela-
cionado corn a int er pret ação du vontade divi-
na. manifestada como sinais do Céu ou corno
um fen ômeno singuhlr e prodigioso. T am-
bé m se refer ia aos ritos de expiação lJue pos-
sivelme nte pod eriam afastar os efeito s dcs-
luvor ávc is de um presságio negativo.
A inte rpre tação dos fen ômenos natu rais
també m tiu ha de incluir a observação de s ua
dinâmica física, mas isso não levou os e trus-
cos a e labo rarem um.' ciência racional de
fenômenos nuturuis. Sêueca, que e m suas
fjllrs/õrs naturais passou-nos o uso da maio r
quantidade de informações que temos sobre
a disciplina e truscu, de saprovava este com -
portament o místi co, pois ucredituva que isso
J. Im l'C(;llr;Z hl..ria Teresa ti;, :\ II~(rj;J 1111J11:1 piru urn do s éculo XVIII Icir a pnr I IIn mestre desco nhecido (Pal ácio do
ia contra tod o tip o de racionalidade que ti- Arceb ispo. Pr: l~a): mes mo un tes que se notem o cerro c u co roa, n pune d:l i ma~c lll c o seu olhar .~ tl ll m sin'11 ciMO de
nha govern ado il ciência desde os temp os de '1"e é IIl11a pcrxlll1 <t~c m d'l realeza. O c...cr iror 'f cnry J'lIl1CS,prOl: llrilllllo 1111\;1 t écn icu l1uwri\'<f 1101 q"ill() mis tério c u
Aristóte les. ;lmbi:.;-ijidadc fo.'o 'L-rn prc rhuni nan rcs. fez i.\S seguintes observações em seu liv ro de õJ110 r,lçÕcs ace rca ..h:11111;! trarua P M:I
um a hisuiriahasc;uhl no rec onh ecim en to de uma presen ça real:
"H ú es ta diferença" , escreveu S ênecu,
"Em Veneza, :IP()S pinrar a lm pcrarriz Fn:d c riL~1 I V í (l)ri~, . illl pcl"õlcr;z tI:! A k m;lI1h~ c filha tI ;1 Rainh» Viu)(i;ll. 11111
"e ntre nós, roman os. e os etruscos. Acredita- pintor JP:lsuliniJlli ssc: 'Solll emc as i mpe r~l( ri zc s: suhcm COlHO pusur. Ebs têm esse hábito c o de .~ e rC I\1 vj xrax
mos qu e o relâm pago é causado pela colisão useiru , e é rr~s \'I.."ZC." rnnjx fácil p irná -lnx dUllue i", fl Il H;IS' - E,,,s~1 é a id '; i:1 p;lfa lUlml peqllcn;l h i."u í ri.. ' ruodc k• .
das nuve ns. El es acreditam, cntret.mto, qu e Il mu mulher c.; h C~;l :1 11111 pinm r como 11 111:1 111m Id o p;l~õI - cb ..: pobre, pcrft:iril p;lra 11 p rnpcls itil c m uiru
misteriosa. lsro lhe purccc perfei to. Por lim ele ..lcscob rc que ..:1;, é 11 m;, I' r i nc.;es~l tlCpllsla! - rcd uzid .. :10 Ill i st ~rio
as nuve ns colide m p"la criar o relâmpago. A
para ~" I\ hil r SIl:\ vida."
tu do e les dão uma justificativa divina e isso ( I Icnrv J :l ll 1CS. ; (:~el1tlll)
os le va a ucredi torem que os nconrecimcntos Sobre n m l;S IUO uípico Sra nixlavski , li /'.i;1 aos SCIIS a tores:
n;1O tê m um sig nificado porque eles ocorre- "Se m IltilizM n texto, se m IIm~1 Ill n n m ~c.:IH . t.:onhcccm lo ..nm..:nrc n c.:nnt":lído tk L'õ,d;, l:I.:IU , sc \·lx.:ê n.:prcscnr;l
rudn tfc ;u.;onf o l..'0 11l ;1 li.111:1 tI' l ac;ãn 11.'I"";çl•.m :J põlr rc c ..,;r:lr:í pdn 1l1CIl OS 35% p rn nt il. " nrc... llc o ulo voei"; de\-c
fillll , mas que e les ocorrem porque dev e m
es r~l bd ccc r :t .'it.:qiiêlH:ia lií;!,i c l d c slla." iui .,,;s fh ic;ls. N ;il) imporw tlu..: tipo dc primor 11m .1Tti... t;, [r;l/. p:IT':1 IIIH:!
possuir um signific:Jdo." pinolf:l, SI.: :I pose ..lo ll1oddoqll l;hr:1i l"; ki.,;lisicI s. SI.:;1 \'crlbd c 0:10 c .,;{.í n;l pose , SI.: " n.::p ra.:sa.:l1r;(~;io de lI!l1õl lígur:1
lvluiras es pec t:!dores ilcredit:ml que :1 na- sem:td:1 nào c..roí n..:;dmcmc .'\c nratl;,. n :H I ~1 :1 torn,u:í "c ru..sím il. POt{;U1W. o pin[nr, iltUCS '1Iu,: pO"":I pcns:lr (,;" 111
ll/rc za tio alOr d ep e ndc de SIl'1expressivid:)- im:nrpor:lr os l1l:lis l:Olllplicatlos c dd ic'lllo.. c S[:lllns ps icu l().~ict) s e m SII :I p in lll rõl. prcl:isa l;m.:r c.:1I1ll que 11 sc u
motlclo liqlle tlc pC: nu dcirittln nu sc llt;nln ,Ic 11m modo q\lc poss:mlO.S acrcd ir:.Irqflc d e rc;l!melHc .'iC .,,; c l1 r~J. JÍL';I
de e freqüenteme nle também :!credit:tm que
de: pé 0 11 se tlcic;".
"expressivid:lde , por sua vez, deriv:! das in- ;\ linllil ..hlS i1~'i">cs fí." i c;.I .~ de 11m P;II)(;I tem IJ mc ~ml) sihnilic:ulo 11;1~If{c ..In :lIor. () ô1 Wr . l:OI1lO o pinlnr. de\'c
tençõcs tio .ltor. Esses es pect:ldores se com- 1~IZCr l:Om que OI pcrson:I ~t.:m . .e sent c, fiquc de.: pé 1111 dekhf.l. i\h .. i....w é nmis(,;'ompIÍL'iltlo Pilrõl n6.... morc.'i. pneque
portam C0l110 os ctruscos: as nuvens colidem nu" "prc."c nranws cnmo ,tf{iStiI e ta 111 b t:11I (;0111 0 11100kln. DC\'l::mos cnr.;on(r,lr. não IIIH:! po;-;c csr;Í tic l. mas ~I S ;Ui)CS
or;.:i'ini c ls de IIm ;1 peSSf)~ 1111 111:1 s i t1l;l ç~o m ili to di"cr~:'I. Até qu e c.-. Ias ... c j;lI11c nl:o l\[ (;I..I;Is. ,u'; qu c 11 :I( n r jtl..,;t i(iq ll e
p:lra criar o relâmpago, os atores :1ll/:IJl1 par:1
;1 \'I.:ft b d c pcL c mtilf;i n de SCII (;UJ11 porfilllh:nro I1sK:u. de n ão Jlode pc..-n.";'( c m IlU ;S: 0;11 1:1: -
se exp ressarem . N:, re:didade, sobretudo nas (f). ·J·opnrko\:". ,ÇJlIJfi.f/Ilf,;.~l:i 1."111 I-:".'if
fill)
tradições do te'\tf o codificado, ocorre o con-
uá rio: os :ltores moldam se u corpo de acordo
com as ten sões específicas e formas, e silo
ess:'s mesmas ten sões e form:lS tjue desen c:l-
dci:1111 o relâmpago noespectador.Surge :HJui
o piu adoxo do ator não emocionado C:lpaz de
suscit:1femoções.
Qu e nome pode se r ,"Ido il este nível de
tensões c formas do :Irar?
PRÉ-EXPRESSIVID!\DE IS7
Q U ~lll d o vemos um organismo vivo e m sua totulidude, sabemos
pe la anatomia, bio logia c fisiologia que esse organismo está organiza-
'f do em v.irios níveis . Exa tamente eOI11O há um níve l celular de
organização e um nível de orgnnizuçâo dos órgãos e dos vários siste-
mas no corpo human o (ne rvoso, arterial etc.), assim de vemo s consi-
derar que a totalid ade da reprcscnta çâo de um ator é tamb ém consti-
tuida de níveis distintos de organização.
i\ antropologia teatra l postula que existe um n íve l b ásico de
organização comum ,l to dos os atores e define ess e níve l como pJi-
rspressh».
O conceito de pré-exprcssividade pode parecer abs urdo e parado-
xal, visto qu e ele não leva em consideração as intenções, sent imen-
tos, identificaçâo ou não-idcntificaçâo dos atores com a pe rsonag em,
emo ções... isto é. psicot écnicu. A psicot écnicu te m. de fato, domina-
do a formação profissional do ator e pesqu isa corresponde nte no
teatro e na dança, pe lo menos nos dois últimos séc ulos.
A psicor écnica guia o ator p,ua um desejo de se eXI)fCSS,u: mas o
desejo de se expressar não determi na o que ele de ve faze r. A expres-
são do ator. de fato, deriva - qu ase upcsur dele - de suas ações, do
uso de S U;1 prese nça física. É o fazer, c o como é fe ito, que determina
o que um ator express a.
De aconlo eom o "resultad o lógico", o espectad or vê um ator que

Z. Pll... içi o con venci on al na esc ult u ra h uclixta c.:h:Ull ;HI:t 1111t1l11rt~il"j!f"J1IJ. litcr nh ncnrc 1\ 1
I'fJsi,:"i: o cou fort.ivcl tio rei". c;lf;.u:rcriz:.ltb pc lu coloca ção 11m;: pés c.: 1H d oix níveis di-
[c re ntes . N:'Iarte imliaua do período chíssil:fI, c aind" hoje. parr icu lurmcntc IHJ tcntru C
11:1 lklnçl . nul ux :1.";1(;C1CSc c ruoçõcs s:in repre sen tada:.. por m eio de 11111:1 vas ra sé rie de
~csm." (IImllm c hfl\ /fl ) c pose s codificadux 1I1l1i1li n~II:I;.:cm convcnuion nlizuda. gcs ro.'i
c poses prcdt:tcrmin,ulo"i. a~nr:1 compree ndida somente por iniciados e c.'\peciôllism.'\,
roi lls:ub pnr 1111\:1 simples r:lzi'in: Pilnl retrat ar Buda com lima sé rie de ~C StllS bem
tldi nidn.~ c reconhec íve is univcrs ulmc ntc. Es~cs ~CS (l)."" c:m1i lic;lI lo~ poxxihiliraru ilO
dcvo tu reconh ecer imed iatame nte . nu narr-.ltj'·il . em cen as C....l·ll1pilI.IS nll pin(:hl<ls, os
cu...inamt.:IH u.'i c ux mumc nros lIIai.... lllclHor:Í\'eis da "ida de Buda,

4. de lcau.o ladct'l . c xtraidu do con to de Tu lstoi. V;lk h{;ln~ov muxtru


I )IU;lll I C o ensaio
.l. Kua u " in. ~k-1I,'\.~1 ( lol ~ l isc riclí h l i~l. 11111;1 das div indades chine sas mais udu nulax , com :1se us :Hnrc....( Ul11nrcprc.s c ntur um diahinho (dese nho de n. Z akhil\':I, 1(19), Vakhtnn -
frL"qii ênci:1seme lhante iI li~lIfil ,l;I V ii~c m ~ Iil ri.l. é 11111:1 divindade hlltlist;l de (lfi ~cl1l
~O\. 11...;1 ~I vacikmrc pnsiÇin da perna pilra rruduzir il e ncr~ia cenicamente viva d'l
ind r,lna. () modn pan ic n lar pelo lIlI:1I CS [;l versão de Knan r in fumn pof(..·d ;rn:t tb
pe rsnnil;:em. de 11m modo I1l1e pren da imcdiatarncnr c il atcnçâo do e spectador . Nesra
Dinnstiu CJil1~. 1644- 1911)csr;,í scmadu revel.. nãlJ .IPCn;,IS.'lill iIS nrihcns hlldíS( iIS , ma'i
r:IS C do rrabulho, V;lkh ti! Il~I)\' n:in clahuru u psicn!n;.:;i'l d" per.....
on:'gc'l1. m ax u 'lll<llitl.ul.e.:
rum b étu SII;I nub rcza: rCUiI[;Ir IIm:1lignr:l sc nr.ula r um os pésem lIc>is níveis di fcrCl\{Cs
das ;I ~ih,: s do urnr que l'ri:l presen ça. Este é 11 níve l de nr~;1Il1:1."ç:i n que u '1Il {[()pC)I(I~l a
é. de rato, 11111;,1 conve nção tI:1 urre bud ism nvula somente p:lra pcrsnn:I;;I.' tlSsll pc rioro .
rcut ral de fine cmuo pré-c xprcs sivu.
da no breza 1111 divinas.
lRR PRÉ-EXPRESSIVIDADE
est á expressando sen time n tos, id éias, pen -
sarnentos, ações, isto é, o espec tador vê urna 'I
manifestação de UI11" inten ção e UI11 signifi-
cado. Es ta expressão é apres entudu aos es-
pectado res e m sua totalidade: eles são, as-
sim, levados 'I identificar o qu e os ator es
estão ex pressando e COII/O eles exp ressam isso.
Naturalmente é possível analisar o trabu-
lho do aror de acordo co m esta lógica. Isto
leva. o bviame n te, u um a avaliação generali- "., .
~ .

zuda que muitas vez es nã o oferece uma com-


p reensão de como este trabalho foi feito no
n ivc l t écnico, '~'f,~%;;~~fL
.." }:
A compreensão do co mo pertence a uma
lógica complementar ii do resu ltado: "a lógi-
ca do processo". D e acord o com essa lógica é
possível distinguir e trabalhar se puradamen-
te os níveis de organiz ação que constitue m a
ex pressão do ator.
O nível que se ocupa com o como tornar "
e nergiu do ator cen icame nte viv.i. isto é, com
o como o ator pode tornar-se urna prese nça
que utrai imed iatam ente a aten ção do esp cc-
tudor, é o nível pré-e xpressivo e é o camp o
de estudo da antropologia teatral.
Este SUbSH:ltO pré-e xpressivo está incluí-
do no nível de expressão. perceb ido na tota-
lidade pelo espectador. Entretanto, muntcn -
......
do este nível se parad o durante o processo de
trabalho. o ator pode trubalhur no nível pré-
expressivo, COI/IO se, nesta fase. o objetivo
principal fosse ,I energia. u presen ça, o bios
de SU'IS açõ es e não seu significado.
O nível pré -expressivo pens ado desta
m ane ira é, porta nt o.u m n ível o pe rativo: não
um nível que pod e se r se parado lb ex pres-
são, mas urna categoria prugm úticu, urna prá-
xis, cujo objetiv o, du rante o processo, é for-
tulecer o bios cênico do utor.
A antropol ogia teatral postul a que o nível
pré-expressivo esui na raiz das v árius r écni-
cus de repres enta ção e que existe. indep en-
de nt emente du cultu ra tradicional. uma "11-
siologia" trunsculturul . De faro. a pr é-exprcs-
sividude utiliza princípios para aq uisição de
presen ça e vida do ator. Os resultados desse
princípio parecem mais evid entes em gêne-
ros codificados, onde :l técnica que coloca o
corpo emforma é codifi cada independente-
mente do resulmdo/sign ificado.
Assim, a unrropologio teatral confronta e
com para 'IS técnicas de atores e dançarino s
nn nível trunsculturul e, por me io do estudo
do comportamento cê nico, revela que certos
princípios qu e gove rnam a pr é-expressivida-
de são mais comuns e uni versais do que se
tinha imaginado " prim eira ViSI~1.

T écnica de in cultura ção e aculturação


"Puru ser mais efet ivo neste COntCXlO c
fazer emergir a s ua identidade hist órico- .1, 1);111 t;~lrin:1 cum bojunu vcvtidu cn run princesa: exemplo de técni ca ucuhuradn.
biogr áfica, o utor-builurino usa formas,
maneiras. comp ortamento . procedimen-
tos, artifício,distorções, aparêncius...o que
chamamos de "técnica". Estu uma cume-
é

terísticu de lodo ator-bailarino e existe em


rodas as erudições. Fazendo uma análise
que vuiulém das culturas (ocidental ,orien -
tal, do norte, do sul), além de gêneros
(balé clássico, dança moderna, ópera, ope -
reta. musical, texto teatral, teat rocorporal,
teatro clássico, teatro con temporâneo, co-
me rcial tradicional, e xperimental etc.),
PHÉ-EXPHESSIVIDADE 189

ind o além de tudo isso. voltamos ao pri-


meiro dia. q uando o aluno co meça a cris ta-
'1
lizar sua té cnica e aprender a dirigir-se ao
es pec ta do r de maneira eficaz. E en contra-
mos dois po ntos de parti da, doi s cami-
nhos. No pr im eiro caminho os atores usam
s ua 'esponta neida de', elabo ran do o com -
portamento q ue a eles chega natura lmen -
te , que absorve ram desde o se u nascimen-
to no meio c ultura l e social no qual cresce-
ram. Os an tropó logos definem como in-
culturação a es te processo de absorção
passiva, sensório-mo tora, do comporta-
me nt o cotid iano de uma dada cultura. A
adaptação orgânica de uma criança para a
cond uta e normas de vida de sua c ult ura,
o con d icioname nt o para a ' natura lidade'.
pe rm ite uma tran sformação gradual e or-
gei nica que é também crescimento.
S tunislavski fez a contri buição metodo·
lógica mais im portante para esta via de cs -
po ntancida dc elabo rada, ou ' técn ica de
inc ulturução'. El a consiste em um proces-
so men ta l que anima e di lata a nutura li-
dude incultu rudu do ato r. Por meio do 'se
mágico', por meio de uma codificação
mental, os ato res alt eram se u co mporta-
mento cot idiano, muda m sua maneira ha-
bitu ai de se r, e mate rializam .1 pcr sona-
gem q ue eles vão re tratar. Es te também é
o objetivo da técn ica de distanciame nto
d e Brecht ou gesto social. Ela sempre se
refer e ao ator que, durante o processo de
atuaç ão, modela se u com portnrne nto coti-
diano natural em comportame nto cê n ico
extrucotidiano, com evidê ncias e s ub tc x-
tos sociais,
A técnica de atu ação q ue usa variações
de inculturação é transcultural. O teatro
'camponês' de Oxo lotlan , represe ntado
pe lo povo indíge na em urna mon tanha
isolada do lvléxico, usa uma técnica CJ ue é
baseada na inculturação. É a mesma técni-
ca encontrada no Liv ing Thearre de Khar-
duhu , nas imedi açõe s de Calcutá, on de os
atores são camponeses. traba lhado res e
estudantes . Há ma ne iras de ser ator na
Europa ou na Am érica, nu Ásia ou na
Austrál ia, que se man ifestam por meio de
técnica de inculturnçâo,
Ao mesmo tempo. em tod as as cu ltu-
ras, é possível obse rvar outro caminho
para o ator-bailarino: a utilizaçãod e técn i-
cas corporais específicas que são distin tas
das usadas na vi da cotidiana, Os dançari-
nos mo dernos e bai larinos clássicos, mí mi-
cos e atores de teatros orientais tradicio-
nais recusaram sua ' naturalidade' e adota-
ram outros meio s de comportamento cê-
nico . Eles se s ubme teram a um proce sso
forçado de ' ac ult uração' . impos to de fora,
com maneiras de fica r em pé, anda r, parar ,
olhar e sentar, que são diferentes das ma-
neiras cotidianas.
A té cnica de acu lturação artificia liza
(ou esti lizu), o com portame nto d o ator-

(ri . Em cima o a to r iruli..no nll~7'Cro RlI~cri 0871 -


1953) como ,\ I i~i em li fiUIII tI~ l ârio (I<J()4), de D'I\n-
nuu xio: exemplo de t écni ca inculrur ..da. Em ba ixo, urna
cena de rep rese nta çõe s de Pin<l Bausch em J)(J;sdgn17TJS
110escsro (l Y85) . I~ inr cr cxsanrc obse rvar como os bai lari-
IlOS rrcinudos na técnica de a CII1Ul r...çãc prccis;a do balé
chissico procura m libe rar-se tlc:\ta tc cnica reco rrendo ;I
modelos tia t écnica inculru ruda.
190 PRÉ-EXPRESSJVIDADE
bailarino. Mas isso também resulta e m ou - da em dança ou teatro, de acordo com ,I Fi siologia c codificação
tra qual idade de ene rgia. Nós rodos j" ex- convenção ou tradição. Mas o caminho ,b Pod e-se imaginar qu e o qu e chumarnos d e
'I
pc rime ntumos esta outra qu alidad e de inculrurução tamb ém conduza ricas varin- corl!/Icnflio seja seja a conseq üência dilatudu e
e ne rgia quan do obse rvamos um ator clássi- ções c matiz es do com portume utocotidiu- visíve l de processos fisiológicos; a codifica-
co indiano ou japonês, um dançar ino mo- no, a uma qu alidad e essencia l de ação vo- ção acontece para respeitá-los criand o um a
derno ouum mímico.Tais ato res são fasci- cal du lingungcm, a um fluxo de rcnsõcs, u eq uivalência ils mecânicas, ' IS dinâ micas, às
nantes uma vez 'jUC tive ram êxito e m mudanças sú bitas de ritmo c intensidades forças qu e funcionam na vida; c, e m seguida,
que dão vida :1 um 't eatro (Iue dan ça'.
.'
mod ificar sua ' naturuiid.td c ', tran sfo r- te nd o sido reconhecida na codifi cação uma
mando -a e m leveza, como no bulé cl.issi- T 'lI1 lO :I via de incul ruração quanto a de qua lidade visível, ucrcsccntu-se aq ue le unlor
co, ou em vigor, como na dança moderna. aculturaçâo utivuru o nível pré-expressivo: 'lu e nós avaliamos como "esté tico" .
A t écnica de aculturação é a distorção da presença pronta para represen tar, Na realidade, a codificação, por caminhos
aparência usual (natura l),a fim de recriá-lu Portamo, é inút il e nfatizar demais as duplo s, tende para o co/porlilnlnrlo: atravé s de
se nsorialme nte de uma maneira fresca e diferença s exp ress ivas en tre os teatros uma diluru ção no espaço '1ue am plia a dinâ-
surpre ende nte . No caminho d" 'ucu ltu ra- orientais clássicos, com seus ntores-builu- mica dos movime ntos, a li através de oposi-
ç~o ' é difícil disting uir o ator do bailarino. rinos uculturudo s. C o teatro ocidenta l, ções '1ue o nror-builurino cria no int erior tio
O utor-bnilurino ' nculrurudo' man ifes- com se us atores inculturudos, poiseles são própr io corpo, dilatando sua inte nsid ade. No
ta uma qual idade c uma irrudiuçâo cnc rgé- :In:ílogos no nível pr é-expressivo." pri meiro C'ISO, a expansã o das próprias ações
tica q uc é prese nça pron ra" ser rruusforma- (EI/gcnio Burbu, _·l Il'Jn'im /IInrgr/ll rio rio) no cspa ço conforme órbitas precisas (Jue es -

::<.
I

~-l). l)CJllIJll'a nl ':~o 1l;1 1.)1':\ tlc :+',kntn (lt)X7l: imprm"j":tç5o de dois urnrcs-bailuriuos cem tú'n iL-.1 ~u.: lll m~t d;l . a :m ii'.
l~ohl,." rr;1 C:lrrc;r; tI" ( )din·l·c:trrt:rc otb nç'r;noh" JinL:.... 1i\ I:lllc Ib lUlcm (;I (fõís): I bcn N:1J~c llbsnll lsscn (c 1Ul,:im :l)c Nr Purll
I\ ry Widhi:I:Hi Handcm kllll);lixll)im prm "is;lIh in \IK::1I1111:11 (1:.
PRÉ-EXPRESSIVID!\DE 191

.'
"

11). Ll. !':m cima c em bai xo. ;1l:.~l(llcnb . lt!n l:"'Hin:l'Õ c hin,,::s:l.' pilHad 'I." em rc rmco ra (l) ina.-';Ii:1 do Nort e , .1X()-SXI d.C .) Muxcu de Ta ipci): ;', dir eita. em cima. d;IIl~-arinn c rruscn,
rr.I.~ ll u: I1W llo sÚ: llln V ;I.C.,can delahro de bronze ( ~IIl SCll de !\:lIt ..m hd : :1dire ita, em baixo. d:IIlL"': lrino CIfII.'l:n: ouncco tln ." ccll lo V :1.(; .• !>:ISC do curul clahm de brunzc (~III_' CII
Hritânico, Londres). " .
192 PRÉ-EXPRESSIVIDADE
capam do cotid iano destr ói os uutomntismos
cotidianos do corpo. No segundo C'ISO, o ato r,
criando para si próprio um obstáculo, não
permi te q ue a ação escape, mas a prend e: e é
a dilata ção das ten sões, do trabalho ne cess á-
rio para prendê-Ias, que cria uma qualid ade
diferente de energia no ator, visível turnbérn
em situações de imobilidade.
A cod ificação em ambos os casos requer
uma técn ica cx tracotidiunu do corpo.

Codificação 110 Oriente e no Ocidente


A procura de uma codificação que poderia
dar ao ato r um co rpo pré-expressivo foi fe ira
tanto no Oriente q uanto no Ocidente. N o
Ocidente, entretanto, por causa da ca tcgori-
za ção tradicional dos atores exclusivamente
como ara res, dançar inos, mímicos ou canto-
res, essa procura conduziu somente a un s
poucos resul tado s (com a exceção, jiÍ citada ,
de fOIl11<IS tais como balé clássico e mímica).
Nos teatros orientais, por causa da conrinui-
dude de uma tradição viva representad a pelo
mestre, a codi ficação rem sido transmitida
se m interrupção, baseada no processo de irni-
ração qu e é típico de rodas as formas de
pe dagogia teatral direta .
Já nas respectivas hist órias dasvárias cultu -
r;IS teatrais, en tre tan to, podem -se encont rar
unulogins surpreendentes, purticulurment e
com respeito às regras de condu ta que defi -
nem as atitudes básicas de um arar no palco.
Por exe mplo, sa bemos que rodos os atores
do Conse rvatório de Paris, no fim do século
X1X, obedeceram u certas regras fundarnen-
tais: as mãos tinh am de ser mantidas semp re
acima da cintura; quand o se aponravu, ti mão
era munridu acima do nível dos olhos. Os ato-
res Kathnkuli e os utores-dançarinos de Bali
US'11ll os mesm os princípios: 'IS mãos, e por-
tanto os bruços, nunca devem estar soltos nas
laterais d o corpo, mas sem pre acima d'l cin -
turu, e o ge st o de apon ta r deve ser efetuado
acima dos olhos, para ser grande e visível.
No Ocidente a descontinuidade na tradi -
ção, a procura do realismo, ou melhor, natura -
lismo, e bases psicológicas em vez de físicas
para tIação destruíram gradualmente a heran -
ça de regras que fixam o comportamento do
utor, Tais regras ce rtame nte existiram no tC'I-
tro europeu durante o período da Commedia
dell' Arte, m'IS'I heran ça foi perdida porque a
ped agogin te atr al, tanto no Ocident e quanto
no Oriente, nun ca é escrita. Certas tentativas
têm sido feiras no tea tro europeu para fixar
os movimentos do corpo numa forma parti-
cular, para encont rar leis paltl o movimento
se paradas de toda mot ivação expressiva, tal
como regras para prop orções corporais fixa-
das puru as arte s figurativas (Figs. 19-25).
Mas desde que p,ua os originadores desses
ensaios Ialtururn n p/io/'; uma codificação ou
crit érios de classificação objetivos, ele s fo-
ram tentados ti explicar ou racionalizar, isto
é, "cie ntificizur" seu trubulho de uma munei -

14·IY. Primeiro. c SC'~l llUla Fi la, ~m\'IIr-JS de [ohan jacob E I1 ~c1. I"iinJ J{)/m: uma,lUmim Terceira fila, clu c.s qncnla P;lf3 a dire ita, n de scanso na ob ra de I~n~cl (cf FiJ;. 13) c
(Berlim, 17K5-Xil). c desenh os de Anmnio r..·lmrnc..v hcai. / j(iji:.( til IJnlflll1l1(lio e 1111t' começand o ;1 se mover novamente nas I/IIJlrf/{õtJ p rtíliCIIS lI, J!.~n.r e f/( ÕtJ rtltÍr it:lls
1t"(/lnJl(Fl oren ça, IX3Z). Es~cs dois trabalhos são re prese m.u ivos de dnux rcnd êncins . (L ondre s, 1807), de I lcnrv Siddon, 1Jcnrv Sítldon (1774-1815), () filho mais velho da
que dom inaram <I cultura teatral do sÔ:llln X1X. De 11111 lado , a cOllilicôll,.1n do morpor famo sa 'Itri'l.in~lcsa Sllnl Silldon c h1mbén~ ator, traduziu parte 110 tratado tlc En~cl em
meia de 11111 c.<;: cmlo de c.'ipíriwprolm.'iw pur EIl~cl (J741-I SOZ). 11m uurnr de pCÇ;IS C inhlês, adaptumlo-nc rcdcscuhandc as ilustrações de aco rdo com o estilo c gosto inglêS.
diretor, que se [Ornou 11m teMil:!)c 11111 prnpllllcn tc dil cst éticu de LC!;'''iin~: por ontrn Terceira fihl, ~I direir», '1O.í1isc 110 movimento oratório em Voz.fn/tI' .~In (Londres,
".Ide}, <I IlCSlllltS.l pcs:móll comluzidu pelo ator italia no Mo rrocchcsi (176N-I K' X).llcsrirra• 19()() . de I lcnrv Ncvillc. Abaixo, lei s Ç.comélficls p<tra a rransforrnaçâo teatr al Ilq
11:1" conferir llignitlõlde cic lltHiC<1 à Slt'" jlnlpria tme. ' c.:orpn Imm;inn ( 1925).lIc ;ll ·o n lo l:OIU Osca r Schlcrnmcr (ISSB.1943). 11m do s principais
CXll{) CmCS li., rcform.. tcarral ,Ia B,wh.ms.
PRÉ-EXPRESSIVIDADE 193
ra totalitária e obsessiva. Pode-
se também ente nder facil-
mente por que essas tent ati-
vas, ainda q ue baseadas no
corpo físico, tin ham uma ten-
dência a ligar a cxpressivida-
de do atoraos critérios psíqu i-
cos, já que erurn geralmente
feitas por homens que tinham
pouco COnl.110 com a prática
teatral .
A tendência em ligar a ex-
pressividade aos critérios psí-
quicos é uma das razões por
que, na cultura ocidenta l, o
paradoxo do ator capaz de ex-
ternar emoção sem ne cessu-
riamente ele mesmo sentir a
emoção é 'linda mulent end i-
do. Ao mesmo tempo, esse
mal-entendido tem sido mui-
to fértil, porque o teatro euro-
peu tem a inclinação de in-
vestigar as emoções do ator.
Aproximidade en tre a gra-
vura de QllirOI/Ol/lit7 (Ill06) de
G. Austin (Fig. 24) e o diagra-
ma da posição básica da dança
Odissi(Figs. 26-27) não tê m a
in ten ção de estabelecer um
paralelo entre os dois. Aocon-
trário, desejamos chamar a
atenção para a necessidade
que, há tempo, existe no tea-
tro europeu de encontrar e fi-
xar todas as possibilidades do
ator, para descobrir os uspec-
tos do bios no palco.

~~~
o ~T1 . '~\" o\.'o
1 \~
Olhando para esses dois
di:lgramas tem-seu impressão
de flue esses dois corpos ainda
/ não estão expressando algum
I
/ o I I \ ..-'.
./ 0,
\
\
sentimento, alguma reação;
mas ao mesmo tempo perce-

'.; -.f:/),
o \

,..i ', . be-se que eles est ão prontos,


aptos para atuar, só d~ olhar.
Isto é bioscêl/ico, pd- ~Xpl usiui­
tft7tf~, ou seja, uma vida pronta
.\ ser transfcrmadu em ações e
! .I reuções precisas.

ZO·27. Em cima icosucdr o de Rndolf


von Lab:.1O usado pam medir us ações
da dançar ina nllcs l" 'çn (19211). O rn é-
rodo de nutaçâu de thm ç'1 invcnrado
por Laban (1S79·193S) é it ú nica ten-

_ o~-·· tativ a fcita..ré :.Igora p<lr:l transcrever


movime ntos hCl)gt aficôIIllcmc ccdifl-
cados (cf. F'~. .,Z. p. \lJ6, ~c ~nnl'"
filcim). l!ia;':'f.unas J;r~licos cspõlchai~
Iciros pelo bixtoriador c teór ico tln
danç'l Lincnln Kirstcin (1952) de tini."
movime nto... do bu lé cl.íssico. dcsc-
nhados porOHllls Dycr. Terceira fifu,
;1 cxqucnln, análise CSp~ciHI IIc 11m
gcslO na QlIirrJl10m;fI(I ..o mlrcs, 18(6) .
de Gilbcrt AIlsrin, Te rcei ra fi la. ~ di-
reita .ll i~~rdm;1 ( IOIS proporçõesdo cor-
I'H) humano num desenho de L c onar -
do d" Vinci (1452-1519), Museu do
Lou vrc (Paris). Fi!:l de 'paixo.• málisc
cspaci<l.l de II."II)}" . uma posiçiio b.í."ieil
de tlanç., Olli.. si.
I . • . •. •·
194 PRÉ-EXPRESSIVIDADE

lo

"
I
I

. ..:..::...
.. _~:::;;;:::;:~=:---~~====~-~.:....:........_---:---;----~
" e'

COH1CO MORTE
uo uendmdo altruiJi'ottok, {olt
lO D al rarlo mto tU P" /ottrartz.,l s ali
rur 'um coniratto m ái smt.a bollttta; t nuari di tua cornúJia UJi,o faceta ,
E pO' ptu fãr la merçaruia p~'.fdta, ínuan, {h' i»farti far Jurdo
E j ã/h
tA aresco ir capital di caprzo/, . Ntlla Tra8tdia mia salti »tortali .

2:-\. () (."llJPOd i1:II~Hln: Arlcc)llim 111 1111;1 l: ~[ ;:ll1lp;:1 tio pi ncor itali ano ( ;ill~l:ppc f\bri a ~r i[d l i ( 16:14·171 S).
PRÉ-EXPRESSIVIDADE 195

l.

29. () corpo IictíCiC); f) uror Mororna-


S:IKu nxc na pC '::1 Hlq~(]I1J1nn. do Nê..

L o corpo lictíeio Quand o um ator de Nõ deixa o palco do praticad o isso é muito claro. A mesma
"O tea tro 'ocide ntal'. ou pelo menos o porq ue a representa ção term inou, ele tem OCO[fe no Kubuki : o ator não de ve
COiS '1
modern o teat ro ocidental. eSI'1baseado na um h ábito singular: move -se m uito lenta- desaparece r, e le deve mostra r-se e mun-
identificação do corpo cotidiano indivi- mente, como se sua saída fosse parte inte- ter-se n um estado fictício. (...)
dua i com o corpo fictíc io da personagem : grame da representuçii o, Aqu i niio é mais Por não ter en contr ado ainda urna defi -
pensa-se, 011 pen sava-se , que esses e ram a pe rsonage m, porque sua ação ji acabou, nição mais correta, chamei a este fenôme -
os únicos níveis que existiam. Nas formas m'IS aind a não é o ator nu s ua realidade no de corpofia/d o: não uma ficção drum á-
mais rrudicionais do teatro japonês, aocon- cotidia na. É uma fase interme diária. De tica, mas um corpo que se comp romete
tr.i rio, pod e-se facilmente perceber u m cert a forma ele es tá rep rese ntando s ua com um a ce rta áreu 'fictícia' que 0"0 re-
nível int ermedi ário, um nível ent re o cor- própria aus ência. Mas essa au sência é re- pre senta uma ficção, mas que sim ula uma
po cotidian o do utor c o que poderíamos presentação e é, portanto. lima ausê ncia espéc ie de trunsformação do Forpo cot i-
chamar de corpo imagin ário tb persona- prese nte. Nesses termos, exp ressa o que diuno no nível pré-expressivo."
gem.Consi de re mos um exemp losimples. pode ria parecer um paradoxo, mas <J UllO - (Moriake Wutunube, E ntr« Oriellle e OcideJlle)
19f, PRÉ-EXPRESSIVIDADE

.lO, CCnil de 11111 c;'I)Cr:íc.:ll lo do Nyc J)"m:k Da nsc tcatcr de Copc.: nh:l;;IIC. 1\ d:lOÇõI 31. Cen a tl;'l represen tação de I1'II.ftmg WOl1g [literalme nte, "11111 drama com se rex
d .íssi L":I. con h ec ida come h.l ê. rC ~II I;lda por pri ncípios c tôc nicax b;1~L-'U.hIS em movi- hI101;tnOSn). A dança-tcatm de j: IV<l começ ou 1141 corte do sl1ft~() de Yo ~j;tk:H t;'l , n:1
IllCIHns c ll;lSSOS prcdc.:lcrmin:u!fJS,lllllôl d,ISún icas forruax de tc prcxc nraçl n cmlificarlax sc~lI n tl;l m c [;u !c tlu sécu lo XVI 11. c rCtOJ1(;1 os feit os dos heróis d e ,lI l1lwb!lfIm lll . o
no Dcidcnrc. Em l'J:lnm os prilllcims movimentos C:IX primei ras rc;::ms cmc r~ir;lnl do RmnnJ'lJ1n c 11ciclo J'fl11j i. " pc.sou de u H'fI.rfll~~ tVnJ1K se r lima rorm:l relat ivament e n O\' :I,
rrubulho de lct"lricos jmli:lJ)()s no sécllln XV - Dorn cnicn ,ta Pi:lccm.:I, Antonio Co ma- seus atores movem-se e dançam de acordo com um ;'I nd~o sistcmil cmlifiCiI(/O im'ipiw tln,
Z:lI)O. (; II~l ichll 11 Ehrcn - . a cOlritic:lção tI: f ll:rnç:1 d:is.... ica foi csr:lbcJcxid:1 pcl» diz-se. pclnx movimentos dos bone cos I.: ti~ur~l!' no [Couro de sombras de fJ!fI.rff/~~ i lllil
Ac ul éru ic Rovale de la Danxc. rllndatl;. em t>;uis em 1661, que também csboçcu u ("tlmlll<l com il S sombras") ,
[crlll i noll)~i;l 1'llIe uindu cs r.i em uso nas c scoht s de danç" c aculcmias. 1:: ne ce ssári o
nhSCI"";H, c nrrc nm rn (d'. ,V(1JI(/~f!,i(I), quc 'lllilrldo tJ modernu rcarro ocidcnrul Cn1lleçOll,
ent re o fir» do :o;écllln XVI e () início do xC:l:llln XVII J, ;,1 ;,UIC do bailarino não era sepa r;lda
,b art e do ator.confonu c muirus c xc mplcs: 11111primciruc xcmplo f\·(oliêrc, dr.nnat ur-
é

~o c ;1cor, flI;I .1; r:ullfJénruntor C inr érprerc ele nlll it;ls c bem conhecidas t.:tlnJélli;I:'i.- h.llés ,
pmt lllzi,I;ls em c.: n!;lbnração l;1l1l1 11 c.: nlllllOsimr (, imãlmhau is{,1 Lulli.

32 32-35. 011;1[(1 dife ren tes siste mas de 110 -


tacão de dunca: 32. S iSCCllli\ de Rlltlnlf
\,f)~11 1 ~;lb'111 (r:abôl l)otôlçào): (li<1g:rõlnlól dn~
movimentes thts mão.s c do lenço em IJII-
pt mK, 11111 m ovimento usado no 1t' i l)'flllg
iVoflg jilvõl nê~ pu ;:r pC r~()Il;I ~Cn S mnxculi-
nas fortes, violentas e or~lIlho.S;I :S. Com õl
noraçâu d e L'lb:II1, que tmd uz todo x os
moyime ntox do d.m çarin o e m xiruhnlns
abst ratos sem , e nt re ta nto , le var a m{l ~i t.';,1
em t.:olls ith;r;'If:":io, é poxxfvc], comu neste
caso, n an scrcvcr q ua lq ue r movi mento
codificado, inde pe nde nte d" ((adição ~I
qual de pertence.

• .. .. 33./.11 (;fJt}oll t:llc Ves uh'i. de acordo com n


4X
• ~ A ;.:.. ! t 4 );
J f2j
A ;; y
!
~.~ o
!
li>
sisrem.. de Thclcut (J 83 1). II lll dos ,)li-
22J2J
•.
3d
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mciros sistemas .1 faze r uso de sfmhnlns
4:- A ~: ! + l ); A ~ r .", o
" :oi
nhetratn x.

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4 x

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A ~: I '~

:ti I' ... A'",


I ~
34. Primeira p;,í~i n " de J I/II~ Cn onino &
"m/cul"/Jt!/JI , 11m pe queno mun uai qu e é
J)rovavclmcll{c n )uilllci ro livro ocitlc nt:11
sohre d~tnÇil. il1\prc~ s() em P.lris por l\li ·
xlv v

..
)' A ;.: I t j' o,:,""t
Í'~ i g b " ~ chcl'I 'Olllollí:c no fim do .~él,.'l, JIJ XV: ;Jbôl i·

33 .... y :R.. f 4 )\:\1 "


õj
\:1'""1' !' l'
xo tio pcnm;:fiIll1:1 nlllSil."ill ;I1';l' rccc n rílll ln
li;.a com posif:";:i o. o ritmn c ccrms Icmts dl)
i1lfabcm, (Iue indk'am ns P ôll\S U1" .. serem

L

-, li.
...--............
_._- .
d:IIl\";'ltlns.

3S. N nçücs coreo~Íoí tit."ilS IIe 11m pcnt;I ~r.I­


m il 1ll1l:'lit."ill: () inícin de Ilprb -mirli (I' OIt

I
; !'illmc, de Dcbll ssv. çCH e(J~r.a f: H l o por Ni-

")- "-"- . .: J I ~

--- ".,.... -
~n
jin,k i (191 2). .

{ 11 /1 I. -T--rrll:. 3
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l',,- ~T 1m, 1 :..-
7 ~l
' Ib t tlf f ...·1· • .- -

35
PRÉ-EXPRESSIVIDADE 197
A rtes mnrciais e tcatralid ad e
no O ri ente
A téc nica corporal ext racotid iann não é visí-
vel apena s nas situn ções de represe ntação,
mas tamb ém em outra s situuções nas quais o
co m po rtamen to não-co tidiano é usado.
Amplamente conheci das e praticndas na
I\ sia. as urres marciais usam processos fisioló-
gicos concretos para destruir os automutis-
mos da vida cotidiana, a fim de criar outra
qualidade de ener gia no corp o. As artes mar-
ciais são baseadas na t écnica de acuh urução,
iSIO é, nu ma forrnu de co mpo rtnrnen to qu e
não respeita a espont ane idad e du vida cori-
diuna. É este mesmo aspecto das urres mar-
ciais, iSIO é, seu uso da t écnica de uculturu-
çâo, que inspirou as formas codificadas de
te at ro.
As pernas ligeira me n te dob radas, os bra-
ços contraídos: ,I posição b ásica de todas as
urres marciais asiáticas mostra um COIP O deci-
~; 6 . Ihnç.l rino l;lil:lIldês de Th :li Khon 1111111.1 posit;";.in 71 7. I}Jrin Fn numa tl..:moslr:l'r"jo nu IST :\ de Vnlr\:rr;l dir/o pronro para o impul so e para a ação.
h~í siL"1 inspir;lda !lc!;l..: urres marciais. (l9MI ).
Essa uritude, quc poderia se r corn paradu com
o plié do balé clássico, pod e se r encontrada
nas posições b ásicas tanto d os atores orien-
cais quanto dos ocid e ntais. N" o é nada mais
do que uma codificação, na forma de técnica
cxrracotidi.ma, da posição de um animal pron-
10 para ,11:IC:ll ou se defend er, Quando o cs-
cultor japonês Wukufuki (re spons ável por
muitas das ilustrações dest e livro) viu uma
das poses mímicas d e Dario F o (Fig, 37), ele
observou q ue a pose e ra m u ito semelhnnre
.10 começo de um m ovi ment o de kurut ê chu-
mudo /Ido hf/shidf/ci, ficar de pé como o gato,
t\ fotografia rnostru o ator ital iano e m se u
cspe r áculo. vl história de 1/111 tigre.
Estudos rêrn sido fe itos da re lação en tre
arte s marciais e perso nalida de e se notou
qu e a aprend izagem da arte marcial por mei o
de repeti ção de ações físicas conduz os ulu-
nos a outra conscient ização de si mesmos e a
out ro uso de seus cor pos. O obje tivo das
urres marciais é ap re nder a estar presente no
exato moment o da ação, Este tipo de pre-
se nça é importante pura atores que desejam
se r capazes de recriar, toda noite, esta quuli-
dude de energia que os to rna v ivos :lOS oJhos
do espe ctado r. É tal vez esse obje tivo co-
mum, apesar dos res ultado s difere nte s, q ue
e xplica a influência q ue as artes marciais li-
vcrum sobre a maioria das formas teatrais do
Oricnrc .
Por causa de suas co ntingências históri-
cas, as artes marciais perdera m, no geral, seu
valor militar, Esta herança foi trunsformuda:
.oIgumas artes marciais se torn arum dan ças, e
os exercícios d:l arte ma rcial tornaram-se as
bases de várias dun çus e outras formas teu-
trais e do treinamento dos dançarinos.
-. Em Bali, enc ontra-se a dan ça de Bnris
(Fig . 3S). Etimologica rnente, Bnris significo
"linha. fila, formucâo militar", e foi o nome
de um ex ército de voluntários US'ld O pelos
.ll't V:.i rias p o:-; il;"ÕCS no Itl'/l iJ. ;1 d. tlll,;;1 balincsu inspinulõJ nu ;.:m:rn:im. De se nhos dn pintor me xicano i\liJ.:.Ill.:1 príncipes 10C'J is e m épocas de desordem. Ela
C ov:lrrllbi;ls. '111I':. no:" unos .lO, p:I.~,'0I 1 ~r;1I111c part e do seu tempo em Ibli .
deu origem .1 sete di ferentes danças que,
pouco a pouco, perd eram seu caráte r militar
e se tornaram o q ue é hoje con hecido comp
Bnris, que é dan çado tanto pelos rapazes
q uunto pelas moças. Pe/ltjnJ:-Silnl, a arte nu-
cionul da Indoné sia de aut odefesa (chamada
Bersilat na Malásia ), é basemlJ nos movi-
me ntes do tigre e origino u 'I dança PwtjnJ:.
19R PRÉ-EXPREssrVIDADE
o que o médico chinês Hu u To (F ig. 41)
está fazend o ? Suas diferentes posições, que
parecem se r urnu es péc ie de dança, ilustram
uma sé rie de exe rcícios base ados em cinco
animais:veado, ave, tigre, macaco, urso. Hoje
esses movimentos süo ,I base de inúmeros
exe rcícios e m esc olas de luta nu China (Fig,
42). Os mes mos m ovime ntos se e nco n tram
110 Kuchu kuli, no s ul da indi'l.
O K,tthakali tumbérn foi influenc iado por
um a art e marc ial: KfI/m ipfl )'flf/lI , "o luga r onde
se trei na" , d o sânsc rito NIfI/or i(ll, lite ralmeu-
te o "terreno onde são fei tos exercícios mili-
ta res" (F ig. 39) . O Kuth ukul: foi tomado de
Ka/nripaynltll (praticad o no mesmo estudo ,
Kerulu), não ape nas os exe rcícios e mussu-
ge ns, mas també m a próp ria term inolo g ia
usada para de scr ever ce rtas poses: leão, e le-
funte, cavalo , pe ixe . No Estado de Manip ur,
norte da Índi a, outras art es marciais tais como
Tõmgou, Tflj'hoIlJflI"O/e il1JIi'tlfl (urna forma de
defesa pessoal qu e hoj e é um esp ort e popu -
lar na cida de) in fluenciaram ,IS danças tradi -
cionais du região, cuj o estilo est á entre as
danças mongólicas e as danças indianas clás-
sicas de scrit as no tratado Nfll. l'fI·ShaJ/m .
Se , finulm e n te, se le va em conta o teatro
trad icional da C hi na e do Japão. como a Ópe-
4
°
ra de Pequim e Kubuki, ficu clara a forte
ligação e n tre artes marcia is e rep resentação
na Ási'l: du elo s, lu tos, at é bntulhus entre t ro-
pas urrnudus, não silo somente a b,.se do trei-
nam ento do ato r, mas também elementos do
esp e tác ulo misturados ilS fO[\)1;IS origi nais e
apre sentados com a ma is elevada e refinad a
téc nica cor po ral ex truco tidiana .

.19-4 1. Em cima. combu rc dL': basr õcs CIlIr!.: deis pratican-


tcs de Kft!lIdpt'lrfll/lt, ;1 urtc 111;lrei:tf de Kl:ril!i! (imli;I). "
habilidade do ln nu lnr d,1 direito' h" com que lhe sc ju
posslvcl mantcr lima pos1t?-in Il1ll irn estável c uinda cstur
(,;Ol1T p!<.:WrTlC/llC prumo l'i1 r~' se dedicar il luta.
No ce ntro, Kntsuko I\ 1.1I01;' c K ~lIlhn I\ ZIIIllol dur an rc ;1
scs.'i;'n dôl IST/\ em Llotsrc bro, cru 19X6. 11f1111;1 l.'CIl;' d il
Nihun BIIYo cxi~i m.ln o li SO de ~HI11"'" tradicion..is, u
cs p;ut , (J'IIlnu,/) e ~I alabunlu ('lI lgim/I") .
Em l"liXCl, (I l11óli<':H c cifllr:.:j~n chiné:; 1111" Tu , que
viveu durante ôl tlltim;\ Dinasrial lan (25-220 ;1.(:), n1l1l1~1
série de posiC;iics hasciHhls nu cstriHé;.=.i;1de corubarc de
ci nto au irnaix ti" c xqu cnln para s d irc itu. um vcadn. uma
tive. 11m ti~rc. 11m macu co c 11111 ursn. Es..'Ws pnsitix.:s
etinllol c~ r:ill em uso n;l Chin.1 de huje. c;muu pcnros de
partid'l )l;'Ir.1 \,{í ri~l'i a rtes marciais .
PRÉ-EXPRESSIVIDADE 199

2 j

2 3

3
42. As cinco técnicas lnlsicus de
Nfillg·i, uma forma partic ula r ilc
~i nás [i cac h il1cs:l con hec ida COIllI)
T'ai dl; [l ircrahncn rc o auge do
1) ( I~ il i.'\ llln ) :
fi) P'i d f 'f/fll/ (d ividin do) , subindo
c dCSCCIUlo . co mo qua mlo se cor-
rol ccru nm machudo; h) p~~~ di 'nan
(compr imin do), cxp ansân c COI)-
u nção siruulr ân cus: (.) 1:Ç'!1I1Il
ch'nnn (semeando), Ilu inclo cor-
re n tes ClI n'41S; ri} P'ao rlr 'IIf/l/ (an-
dando lentame nte ], ch amas .'"íbi-
tas co mo lh lS ar mas; () H(fJg rh'uan
(cruzando), gollJCS arremessados
pura a frente , co m 11111 mod el o de
cncrhia circu lar. Esses golpe s são
3 geralmente praticados primeiro
cum C) braço c sq lk rlio c dc poi:t>
upcnns com o dire ito; poster ior-
mente a.";Içiks do braço sâo coor-
denuda s.
200 PRÉ-EXPRESSIVIDADE
Artes marciais e teatral idad e
no Oc idente , ,'
A relação entre teatralidad e e artes ligadas 'IS
técnica s de luta foi documentad a na cul tura
ociden tal desde a Antig uidade, sobre tudo o
papel que essas artes re prese ntaram na ori-
gem da dança.
Na anti ga Grécia, os co mandan tes dos
exércitos eram chamados de "dançarinos
principais". Sócrates afirmava q ue "o homem
q ue dança me lhor é o me lhor guerre iro". O
P.I"dÚl; uma dança grega de origem crercnse,
re presen rava, de acordo com a descri ção de
Plutão, as várias fases de uma butulha. Na
Grécia em dunçada primeiramen te e m Es-
parta por um único dança rino; postc riormcn-
te, em Arenas, se tornou uma dnnçu coletiva,
na qual duas fileiras de dança rinos se "con-
Ironruvum". Uma das mais fumosus repre-
se ntações lla dan ça pynlúc e m cnoreliles(dun-
çarinos) mimando prote ger Ze us - mc nino
dos utuques de Cronos -Satu rno .
Na Roma antiga , duran te o festival anual
em honru u Marte, o deus da guerra, sacerdo-
tes armados da casta SaJi fuzium uma procis-
são pelus runs. Sob o com an do de seu chefe,
o p m m iÍ. e les exec utavam uma dança qu e
consistiu de três passos e uma sé rie de movi-
mentos ondu latórios; mantinha m o ritmo ba-
te ndo suas lanças conrru os escudos.
De acordo com os es tudiosos das tradi-
ções populares, certas danças europé ias me-
die vais de marcado caráter mímico tamb ém
de rivaram de danças guerrei r'IS. Em ce rtos
casos essas danças deram origem a verdadei-
ras rep rese ntações tea trais. Na It ália, por
exe mplo. Ia danza rlella spada (dan ça da cs-
puda), comum ente enc ontruda no norte c no
sul, re produzia o con flito urmudo entre os
cristãos e os t urcos e foi, Freq üentemente,
transformada em rep rese nt ações pop ulares.
nas quais os dançarinos dialoguvam.
Nascida no século XVI, a ri'"lllza rir/ia spa-
da italiana em baseada na moresca, uma dança
med ieval cncontr udu nu E uropa (como a li/o-
risca nu Espunhu, 'I lIIali/"esqlie na F runçu, o
morris rim/a nu lnglaterru, o mohrauau» na
Ale manha), originalmente urna representa-
çâo do conflito en tre cristãos e mouros c U!)l
sím bolo do conflito en tre o Oc iden te c ~
Or ien te, entre a civilização e a burbâric.
No século XVl, a moresca ufustou-sc lon-
ge de suas origens guerre iras c torno li-se
umu dança du corte, se m pe rder se u caráter
popular. Em alguns casos as ações ultamenre
mímicas da moresca foram combinadas com
d iálogos ent re os dançarinos, resultando e m
verdadei ras representaçõe s dram áricus: cm
outros, foi dunçuda no inte rvalo entre rep re-
scn tuçõcs de comédi as e trag édias.
A rlaf/M rlrlla spnda nu It ália, o bai ri"sabre
no su l da França, a ntorrsca po r toda il Euro -
pa, todas essas danças testem unham lJue no
Ocidente. assim como no Oriente. existiu
um a ligação intimu en tre as técnicas de ata-
que c defesa e as origens du acre extrucoridia-
na do ato r.

43·4$. Em cimn. ~f;(\'IIr;1 oc ide ntal tln séc ulo X IX mos trurnlo o trc ioamcnm c m difere ntes urres marciais, num rlp jcu
l.'Sp 'IÇU de tre inam ento :10 ur livre japonês chnnuulo Dn-Jo (u/)o" si~n i lit:;,t cam inh o, "./0" ItI ~ar; lircrulrnc nrc: o h l~;lr
orulc se csruda () cuminhn), No ce ntro c em h:tixo. trcinumcnro c rCjlfC~;Cn [;l~""iu de duelo no rcarrn K:lbl/ki. em .(:
~['.1\:1Ir:1" j'lpnnC"'i1" do sét:lI!n X IX. Observe como õt rep resenta ção ..lo duelo é fcirõl de Illmln mais dr.lIll:Ílicn pelo IISIl I
de diferem'cs :Ifm ;IS: u m rr:i~61 !!.U'Hltl·chm"':1 ~k pape l co n tra IIIml espada de ,IÇO. As tensões reciprocas no.", COTIIOS do x
uturcx, COl1fllt!CJ. per manecem itlênric.I~.
PRÉ-EXPREssrVlDADE 201

~ h-4 i. EI1I cim«, home m p r:Hil":'lIldo :1 " tll /I/( 1/ r1~ t'.\;!!,ril1l11" , qu c ncun rccc so m e n te em di~ de fC S[il de Sen
HIM.:t."I) em "I·llrrcpa tl.rli (I .ccvc. Ir~í l i:I). E sta fonnu de lludo \tln~;,d(). c xrrcrnamcmc ..llti~;ll é enco ntrada
IUI SIII ,ti 1':llrult:1 c é rcp rcscn nnla pn r ;'::CSIllS Im:cis;JIlH:I1[ C Ctltlilic.ldo .s c lixo s: ~t,;r;l l mcmc é 11111duelo com .
arm.ls (I rcq ücutcmcur c Eu....tx], ,'\ q ui, :\ lucu roi sub srit uidu por IlIllJ m ãu . uumtid.., com :1 11;1111'1" cs (ic:ltb .
i\ h" ixu. 11 pynlJir;..:rc;:o (~lIc rra lo l hlll~';l ~r.n"llb em [;1\-';1 I'dn p inmr conhecido como Posc ido n.
202 PRÉ-EXPRESSIVIDADE

,"."

..,

·I ~-SO. Em cimu, exercício ch~lm;HI{)tlflJlIl{l(cm sânscrito, rlm/(!{/ signífil"'l "braço"] 011 estie;', co mo 11m g<l w .
11r;lril.";ldn nus urres In ~ln: i;jis iIHli:IJl,IS c p;llllli ~tancS;IS ll:lra dcscnvolvcr n Iorçn tios hrnçn... c a Il ;'l r tc s ll llCrinr
do corpn.
Nu ecn rm - no pri ndp;o dn.. ann.",(,O. n Tcarro-I.. abcrnr õrlo Polonês de )crl.YGr orowski (então cha mado
de "I 'L":I UO de 1.1 Filas c Icx:õllir.Jdn em Opnk) dese nvolveu I II ll'J séri e de e xercí cios. Na fo ro, o ato r An rc ni
[uholk owski faze ndo n exe rcício chauu nlot'u ~a(()". inve ntado no Tcarro-L aborar õrio,
Em buixn. d ue lo co m b"l...rtlCs qu e f)b ri~;1 u ntor n rClhir pulando rapidamente: 11m exe rcício de trcin nrncn m
dc.'ic.I\\~)I \'i.l1ll pelos :Horc~ 1.10 ()~Iin Tcurret, insp ir'1l1n no.'ie xercícios acrobáticos da Ó p..cru de Pcquim.. I
A q ll l S;Ul vrsrus os atores I orgc rr \Vcrh;11 c lh cn Nagcl Rasmusscn, em 1964, 1 (I~o apox n ~f1111O t er sIdo
rl ll1ll~ldc).
.~._-._ . . . ..
PRÉ-EXPRESSIVIDADE 203

A pré-in te r pretação do espectador Estud os cujos resultados podem se r mais um a interaç ão entre tensões dirigidas.
O es tado pré-expressivo do ato r pode corres- bem ap licados uo espectador tcutr.il são os Essas tensões não são uIgo q ue o observa-
ponder a um estado particular da maneira de relativos ,'t maneira de olhar trabalhos de arte dor adiciona, por suas p róprias razões, à
ver do especta dor, a qual, com o uma es pécie figurativa. Tu l estudo é 11 III/e I: fi jJl rcejJf lio imagen s est áticas. Ames, essas tensõ es
de reação ime diata, p recede toda inter pret a- ViSIIII/ de Rudo lf Arnhe im. Professor de psi- são tão ine re ntes a qual qu er obje to de
ção cultural. Esse estado pode se r definido cologia da arte na Universidade Hurvurd, Ar- pe rcepção como tamanho. forma, situação
como ptl-ill/ lrjJ relll(-lio. No ator a pr é-exp res- nheim base'i:! s ua hip ótese relativa :10 espec- ou cor. Desde q ue tenham magnitud e e
sividude precede o dese jo de exp ressar: de tador de um trabalho de arte nos princípios d ireção, essas tensões pod em ser de scritas
modo se mc lhuore encon tra-se um.t "respo s- psicológicos d agl'J/fI/t (que poderia ser tradu - como 'forças' psicológicas .
t'l fisiológica" no esp ect ad or, qu e é in dep en- zida como "forma" ). Ele analisa a arte (p in- Há, en tão, mais coisas no campo da
de nte da cultura, sentimen tos ou estado par- tu ru, esculturu c arq uite tura, assim como for- visão do q ue as qu e impre ssionam il ret ina
tic ular do esp írito no momen to de ver. Eu- mas de movime nto tais como d'IOÇ:l, teat ro e do olho. U 111 círculo incom pl etument e de-
,)
lJll;1nfO a pesquisa sobre a fisiologia do ator cinema), sob 'I base de urna série de princí- senlmdo parece com um cí rculo com pleto
es t á ainda jovem , há um estu do con sider ável pios, como equilí brio, forma, dcsenvo lvirnen- com uma lacuna. Num qu adro feito numa
sobre a natureza de ver. Mesmo que essa to , movimento, es paço, dinâmica, Esses pri n- perspec tiva central o pomo de fuga pode
pesqu isa não tenha condu zido a te orias dcfi- cípios, ali melh or, essas regras du criaçd o, são se r es tab e lecido pelus linha s conve r-
nirivus, e la possibilitou, e ntretan to, a propo- histericament e repetid as e m várias latitudes gentes, mesm o q ue nenh um objeto es-
sição de cert as hipóteses intc ress.mtcs, apli- e de termi nam a aillrlio da obra de arte, m:IS teja colocado no ponto e m que elas se
'I
cávei s munciru especial de ver. caructe rlsti - tamb ém organ izam a maneira como uobra de enco ntram.
C,I do espectado r rcarral. arte em si é vista. N uma me lodia a reg ula ridad e do com-
Para começar é preciso cons idera r a q ues- H úafinidades surp reende ntes en tre o tru- passo pode ser 'ouvida' po r pur a intu ição,
tão da per cepção visual, isto é, a inreruçâo e n- bnlho de Arnheirn e os critérios de nosso e um tom sincopad o ser á perceb ido como
tre fcnô menos biológicos e psicológicos, pro- est udo da pré-cxpressividudc. Atrav és deste uma variação. T ais ' ind uçõ es de percep-
d uzida entre o olho e o cé re bro. Es tu dos de livro nos refe rimos a concei tos C0l110 cquilí- ção' difere m das ' infe rê ncias lógicas'. A
per cepção visual estão hoje suficientemente brio e dinâmica , ou a oposição de formas. inferência é um processo inre lecnm] que
avançados para tornar possivcl umu modific.r- Cons ciente das se melhan ças e diferenças alé m de interpre tar um dete rminado fc-
ção conside rável de teorias ante riores. rcl.rti- entre v árias fc nornc nologius de '';II"tC'', cita- nô rnc no visual, acres cen ta-lhe U I11:1 con-
vas ao funcionament o da visão e ao processo mos aqu i os comen t ários de Arnhci m sobre tribu ição particular. As ind uções de per-
gcr al qu e governa o céreb ro. Eles tamb ém aque la reação particular do espec tado r, lJue ce pção são, às vezes, inte rpo lações busca-
con du ziram a hipóteses contraditó rias c não- precede u i nrer prc tu ção: esse estado de ver das e m conhecim en to p rev iame nte ud-
definitivas e tratam, em sua maioria, da ma- que Arnhcim defin e como PlJrl/J(lio i" r/lll iulI qu irido, Màis tipicame nt e elas são ele-
nei ra de ver formas imóve is, mesmo q ue essas e que precede a illferillcill /ógim. mentos previamen te ad quiridos, percep-
formas sejam animadas com uma certa dinâ- "A ex periência visual é dinâmica. O que ção de urnu de term inad a con figuração do
mica. O espec tador teatr al qu e re:lgc pe r- 'I uma pessoa ou animal pe rcebe não é so- modelo."
cepção de formas em movime nto é um Icnô- me nte um arrunjo de obje tos, de cores e (Rudolf Arnheim, fi 1I/1e III percefl(-lio oisunt).
mc no muito mais espec ial e comp lexo. formas, de movimentos e tamanhos. Ela é

.)I -S.l. 1\ iurizc c mto ru Sooj.. Kchler em seu c.... pcráculo de (CX [US c Glnt;fICS de Bn:l:hl 11:1 1ST " de l Iolsrcbro ClYXlJ). 1\ prese nç acênica ,Iq u i não é o rcxultavlu ..1;1 interpretação de
um u pCrSf)n;I~CI11 . mas lfll llSO \1:.1 técnica de in c ult ura ção Iple [(;,"",formaas pusições cori,li.JI)j s C utirudc s lTsit.';ts e m 11111 "t eatro que d;ln~~ "_
204 PRÉ-EXPRESSIVIDADE
A rq u itetura do corpo
Knmne(Figs. 54-56), a posição básica do cor-
po em todas 'I S formas tradicionais de teatro
japonês, do N ó passando pela dança Buyo
ut é o Kabuk i, significa lite ralmente "aritu-
de ", "posturu do corpo", ou sejn. u urquitet u-
ra de base do corpo. Os ideogramas desta
palavra e m japo nês são, de fato, usados em
outros contex tos para indic ar "estrutura" ,
"constr ução". O te rmo é também usado pam
ind icar a posição básica .correru do corpo IH1S
artes marciais japonesas.
Na tcrm inologiu tc arrul dusculturusorien-
tais há numerosos termos q ue estão lig'ldos a
outras manife stações de arte : pinrura.escultu-
ra, nrquiterura. Um exe mp lo é a palavra india-
nu sutrndlmra , "puxador de cordão" , usada
para o cabeça de uma compan hia teatral. Pri-
meiro e untes de tudo, significa "arquit eto "
(aq uele que tem o cordão ou fie.l us,ab para
medir). E ul11 /l/l1I/(/gerteatral é de fato ambos,
arquit eto e diretor, que "segura os fios" da
peç'l, como o munipulador de bonecos (que é
rurnbém chamado slIl rn r//lfl rn ) segur,\ os fios
dos bonecos. SI/Im ("co rdão" 011 "corda")
também signif ica o texto mnemônico quc
serve como 11m condutor em uma ciência ou
ofício; o diretor de uma companhia teatral é
tamb ém um " puxador de cord ão", pois é ele
quem segura o stttra da arte dramática.
Investigand o esses vários significados,
Gordon Cruig, 11m grande adm irador do tea-
tro indiano, teve êxito em capturar lima ima-
gem do diretor nrqu iter o do espet áculoc do
ator supcrmurionete.

<>

S4-:l6. Em cima C à di reita. duas v.Hiilçiics (lcv,lIltaudn c :ljod lu ndo) da f'osiç"iu lú..ic:1
par;, ;lImc~ japonese s, Ch: II11:l&1 1\(JJ,}fI~. iluxtra,I:. pela t1anç Hill:1 de BlIyn, Kat,,"kn
ISTA de Bonn (1«.JXO). Nu dcscnbn acima , os l!cl;IIIll.;s t1n~ brucns c m;ins
I\7.UI1\:.I. na
mos tram cbr.uncntc a rcu sâo nos Im1ços c u rr.lb"lhn [ciro·pd ól coluna "cf~c1l1';d p~rõl
manter a Ilosiçãn.
F

. REST~UID\roAO '[jóêõMPORTANfÊNTÔ> . ~ - ". , ..


~ . ", -- -... .., . ~ - ' . - ' . ~ .' - -. ' .

Publicamos aqui U711 extratodoensaio tlemesmo título 110qual RidutrdSdudmercompara arestauraçãotiocomportamento em vdrias partes do
mundo:tlesde as[ormas teatrais tradicionais até os rituais tlesituações histõricas tais COI//O a reconstmção dealltigm' aldeias desaparecidas. É
mteressante notar que o qlle Sdtedmer chama tle restanmção tio comportamento (por "restauração" entende-se tanto a restituição quanto a
reconstruçâo) depende de 1I111a séri« deleis que são necessariamente baseadas na IJli-expm.rividatle. íl versão tlefillitiva aparece: ent Entre o
teatro e a antropologia (UlIivmidadetia Pensiluânia, 1984).

RESTAURAÇÃO DO de comportamento 050 são processos em si, mas coisas, itens,


"material". O comportamentorestaurado pode ser de du ração
COlVIPORTANIENTO longa como em alguns dramas e rituais ou de curta duração
como em certosgestos, dan ças e montras.
RICHARD SCHECHNER O comportamento restaurado é usado em todos os tipos de
representações desde o xamanismo c exorcismo até o transe.
o comportamento restaurado i:. o comportamento vivo tratado desde o ritual até a dança estética e teatro, desde os ritos de
como um diretor de filme trata uma fita cinernatogrãfic«. Essas iniciaçãoaté osdramas sociais. desde a psicanálise at éo psico-
seqüências de comportamento podem ser rcarranjadas ou re- drama e análise transacional. De fu ro, o comportamento res-
construídas; elas s50 independentes dos sistemas causais (social. taurado é a principal característica da repre senta ção.
psicológico, tecnológico)que os trouxeram ~ existência. Os praticantesde todas essas artes, ritose curasassumem os
Elas possuem uma vida própria. 1\ "verdade" origina l ou mesmos comporrarnentos-c-seq üênciasorganizadasde nconte-
"fonte" do comportamento pode estar perdida. ignomda ou cimentos, roteiro de ações, textos conhecidos, movi mentos co-
contrariada. mesmo quando essa verdade ou fonte está sendo dificados - que existem separados dos executores que "reali-
aparentemente respeitada. Como i1 seqüência de comportamen- zam" essescom portarne ntos. Porocornporrnmentocsrarsepura-
to foi fe ita, achada ou desenvolvida pode ser desconhecida ou do dos que o praticam. ele pode ser arrnnzcnado, transmitido,
ignorada. elaborada,distorcida pelo mito e tradição. Originando- manipulado, transformado. Os executores entram em contato
se como um processo. usada no desenvolvimento dos ensaios com essas seq üências de comportamento,recuperam-nas, lhes
para fazer um novo processo, uma representação, as seqüências d50novamente vidaeaté as invcnrame, então, se recornportarn

1-2. I)II;I S pf)s iC;ik~ -'i b.hil"'IS na danç:1 indiana conhecida como Bh:Ir:lfan;lcY;lIn.
206 RESTAURAÇÃO DO COMPORTAME NTO

Nem a pintura. escultura ou escri ta mostram o comportamen-


tonomomento em que acontece. Mas, milhares de anos antes dos
filmes, os rituais eram feitos de seqüências de comportamento
restaurado: ação e conservação da ação coexistiam no mesmo
acontecimento. Umgrandeconfortoemannvadas representações
rituais.Pessoas,ancestraise deusesse reuniam num "eu fui", "eu
sou"e "euserei"simultâneos. Essasseqü ênciasde cornportarnenm
I
I
I
~.

foram repetidas muitasvezes. Mecanismos mnemônicosassegura-


ram que as representaçõe s estavam "certas" - transmitidasatra-
vés de muitas ge rnçôes com pequenasvariaçõesacidentais. Ainda
hojeo terror da "estréia" não provémda presença do público, mas
do fato de os erros, desta vez, nãoserem mais perdoados.
Esta fidelidade na trnnsmissão é mais espantosa porque o
comportamento restauradoimplica escolhas. Os animais se repe-
tem. assim como os ciclos da lua. Mas um ator pode dizer não n
qualquer uçâo. Esta quest ão de escolha não é fácil, Algunsetc-
logistus e especialistas de cérebroargument<1m que n30M diferen-
ça significativa - nenhuma diferença de qualquer espécie -
entre o comportamento animal e humano. Mas pelo menos h5
uma "ilusãode escolha", uma sensação de que se pode escolher.
E isto é suficiente. Mesmo o xarnâ quando possuído, o sujeito
que entra em transe, e o ator totalmente treinado cujo texto de
representaçãoé uma segunda natureza, mesmo eles desistem ou
resistem,e há suspeita dos que facilmente dizem sim ou prema-
tummente dizem não. l-l.i um contiutmur desde a mínima-possi-
bilidadc-dc-cscolhu do ritual, até n máxima-possibilidcde-de-
escolha do teatro estét ico. É função dos ensaios no teatro estéti- ~ ..!
co limitar as escolhas ou ao menos tornar claras as regras de
improvisação. Os ensaios funcionampara construir uma partitu-
ra,e essa partitura é um "rirual por contrato": um comportamen-
to pré-lixado que cada participante concorda crn fazer.
O comportamento restaurado pode ser colocado da mesma
maneira que se faz com uma máscara ou um figurino . Sua forma
pode ser vista de fora c mudada. É isso o que os diretores de
teatro, concílios de bispos, mestres de cerimônias e grandes
de acordo com essas seqüências. seja por serem absorvidos por xamãs fazem: mudam as partituras das rep resentações. Uma
elas (desempenhando o papel, entrando em transe ou existindo partitura pode mudar porque isso não é um "acontecimento
lado ,1 lado comelas é o efeito de J1f1lir/lldllllg.f~[feh de Brecht). O natural". mas um modelo de escolha humana coletiva e indivi-
trabalho de restuuraçâo acontece em ensaios e/ou na transmissão dU~11. Uma partitura existe, como diz Victor Turner, no modo
do comportamento do mestre para o discípulo. Compreender o subjuntivo, naquilo que Stunisinvski chamou de "como se".
que acontece durante treinamento, ensaios e oficinas - investi- Existindocomo "segunda natureza", o comportamento restaura-
gando a forma condicional que é o lIlfr/illlll dessas operações - é do estásempre sujeito à revisão. ESS;l "condição segunda" com-
o caminho mais seguro de ligar a representação estética e ritual. bina o que é negativo e o que é hipotético.
O comportamento restaurado está "lá", distante de "mim". C..) As restaura ções nâo precisam ser explorações. Às vezes,
Ele é separado e, portanto, pode ser "trnbalhado" . mudado, elas sâo urranjadns com t,l! cuidado que após um tempo o com-
mesmo que ".i.í tenha acontecido". O comportamento restaura- portamento restaurado enxerta-se no seu passado presumido e
do inclui urna ampla gama de ações. Pode ser "cu" em outro seu contexto cultural presente tal como uma nova pele. Nesses
tempo/estado psicológicocomo numa desc<lrga psicmu líricu: ou C'1SOS uma "rrudiçâo" se estabelece rapidamente e é difícil fazer
pode existir numa esferu não-ordinária da realidade s ócio-cul tu- UI11 julgamento sobre sua autenticidade.
ral. como é a Paixão de Cristo ou ,1 rcatualização em Buli da luta
entre Ranglb e Barong; ou ser murcado por convenção estética Bhamtmwl)'{fIIl
como nodramae na dança;ou ser o tipo de comportamento "que Os eruditos indianos remontam as origens da Bliamlflllfl/)'flllJ.
se espera" de quem participa de um ritual tradicional - a c1(tssic'ldallç,l indi'lIla. não apenas ao antigo tratado sobre teatro,
bravura. por exemplo. de um rapaz Gahuku em Pupuu. Nova Nfll.l'f1sliflslm (cerca do s éc. II 'l.C.-séc. II d.C), que descreve as
Guin é, durante sua iniciaçâo. quc não chora quando folhas den- posturas de danças e também as centenárias esculturas de tem-
tadas cortam o interior de suas narinas; ali ;1 timidez de uma plos lJue mostram essas mesmas atitudes. A mais conhecida
"corada noiva" americana no seu casamento. mesmo que ela c
seu noivo tenham vivido juntos por dois anos.
dessasesculturas é o grupo no templo de Nararaja, do séculoXIV
(Shiva, o rei dos dançarinos), em Cidambaram, sul de Madras.
I
O comportamento restaurado é simbólico e reflexivo: não Muitosescritores assumem umatradição contínua ligandoNflO'fl-
comportamento vazio, l11;lS pleno. que irradia plumlidndc de shasm, esculturasde templose a dançade hoj e. KnpilaVarsyaynn,
significados. Esses termos expressam um princípio simples: a principal teórico e historiador de dança na India, descreve que:
pessoa pode agircomo outra; ,1 pessoa social ou transindividual é "Bhararanaryarn é talvez a mais antiga forma das danç-as
um papel ou conjunto de papéis. O comportamento simbólico clássicas contemporâneas da India L.) Seja a dançarino a
ou reflexivosignifica lixar. transforrnando em teatro o processo rieuadflsi do templo ou a dançarinada corte dos reis Marnthu
social. religioso,estético. médico c educacional. A representação de T unjore, SU,l t écnica seguia estritamente o modelo que
significa: nunca pela primeira vez. Issosignifica: da segunda até tem sido usado por anos"'. "
11 vezes. f\ represeutuçãoé o "comportamento repetido". Sempre que as formas contemporâneas de Bharatanaryorn ~
RESTAURAÇÃO DO COMPORTAMENTO 207
Manipu ri e Odissi se desenrolam, duas coisas são claras:
"primeira, que elas seguem amplamente a tradição de Na-
,,'
ryashastra e praticam técnicas de princípios semelhantes des-
de sua origem e, seg unda, que a estilização de movimento
começou no séc ulo VIII ou IX. Alguns estilos conternporâ-
neos preservam os aspectos característicos desta tradição com
J mais rigor do que outros: Bharamna tvnm usa o básico ar/IJa-
lI/o1lr!oli (posturas) com mais rigor." ?
A opinião de Vu tsvayu n é compartilhada por todos os cstu-
diosos indianos de danças. Mas, de fato, não se sabe quando o
Bharatanaryarn clássico morreu, ou mesmo se existiu. Os velhos
textos e esculturas mostram que ,1lguma espécie de dança hou-
'i
i ve. mas nada foi lembrado dessa dança, nem mesmo se u nome.
quando foram feitos movimentos nas primeiras década s do sé-
culo XX para "preservar", "purificar" e "revive r".
Havia uma da nça do templo chamada ,l"rlr!ir ttnc. executada
por mulheres de famílias hereditariamente ligadas ,1certos tem-
plos. De acordo com Milton Singer:
"As dançarinas, seus mestres e músicos representavam na
ocasião das festas e cerimônias do templo. e em festas parti-
culares. principalmen te casamentos e festas palacianas. T IlI-
pes especiais de da n çarinas e músicos cstuvurn, :IS vezes.
permanente mente ligadas às cortes.":'
1/Juitas moças ligadas ;10S templos eram prostitut as. Como
disse o estudioso de dança Mohan Khokar (...)
"{\ tradição há longo tempo consagrada das r!e-u{/r!{/s;s ou
moç as dançarinas do templo. caiu em tal ignomínia que as
4. filrinalini S;lrahh:lí. d;ll1 çiH ini l Bh .1T:It :IIl;lt Y;II11 C dircrnr» da Academia Darp ana em
moças. consideradas sagradas. continuaram sendo considera- Alll1lctl:ll);tll (l nd ia}.
das sagradas de modo diferente - como prostitutas. E as
danças que exe rciam como profissão - o divino Bharatana- gente era a necessidade de rcsgará-la das influ ências corruptas".
tyam - tornaram-se sinônimo de vergonha.":' (...) Devi e SU;lScolegas desejavam usar sadirnac, mas livran-
De 1912 e m diante uma forte campanha foi empreendida do-se de SU.1 péssima reputação, Elas limparam a dançadeuadasi,
pelos reformadores indianos e ingleses pura banir o sistema trouxeram gestos baseados no Natyasutstra e na arte do temp lo,
rlevar!rlSÍ. Mas um contramovimento, conduzido por E. Krishna desenvolveram métodos padrãode ensino. Elas declaravam que
Iyer, desejava "crrudicar o vício. mas conservar ;1arte". No ano Bharutanarvam era muito antiga. Ei natumlmcnte, a conformida-
de 19?2, II d." Muthulukshrni Reddi, primeira mulher legislado- de a textos c artes antigos podia ser demonstrada: cada movi-
ra da India britânica, conduziu o ataque sobre o sistema r!e-uorlo.íi mento em Bh.uu ranarvam foi avaliado em relação às fontes das
e nquanto Iyer e "advogados, escritores, artistas e' mesmo as quais se presumia ser um vestígio vivo. As diferenças entre sndir
próprias deoadasis se uni ram:' contenda". I/OC e as velhas fontes foram atribuídas :. degene ração. A nova

"O fim de todo es te alvoroço foi que Krishna Iycr e seus dança, agora legitimada pela sua herança , não somente absorveu
simpatizantes triunfaram. O movimento anti-flnl/lm (rkiJor!o- ;1 sadirunc, mas atraiu as filhas das mais respei táveis famílias paw
<'
.fI). corno a cruzada da d." Reddi fico u conhecida. foi abando- pratic á-lu. Hoje muitos estudam Bhnrarunarvam como uma es-
nado. A dan ça deve viver, mesmo se as rleuar/osi desaparece- pécie de término de escola. Ela é dançuda por roda a Índia tanto
r~ m. em o slogon mais popular do momento. ",; pelos amadores quanto pejos profissionais, e é um item principal
E isso exatnrnente o que aconteceu - de certa maneira. Em de exportação.
janeiro dc 1933 na Conferência da Academia de 1\,1 úsica de A "história" e "tradição" de Bhararanatyam- suas raízes em
Madras, pela segunda vez (a primeira foi em 1931. mas essa textos e artes antigos - são de LHO uma restauração do compor-
amostra anterior des perto u pouco interesse), Ivcr apresentou a tamcnto, IIm,1 construção baseada na pesquisa de Raghavan,
dança deuadasi não como uma arte do templo ou como publicida- Devi e outros. Eles viram na sor/;rl/ar não uma danço em plena
de ou auxiliar à prostituição. mas como uma arte secular. regra. m,1S um resíduo enfraquecido, distorcido, de alguma dan-
"As dasis ... tiraram o máximo de vantagem do interesse Ç.1 clássica untigu. ESS~l "antiga dança cl ássica" é uma projeção
súbito e flut uan te de sua arte: uma quan tidade delas - pnra tr ás no tempo: sabemos como ela é porque temos Bharatn-
Balasaraswai r, Swarnasaraswuti, Gauri, Murhuratnambnl.Bhu- naryam. Logo as pessoas acreditaram q ue a antiga dança con-
numathi, Varalknsmi e Puttu, IX1ra citar apenas ~l lgumas - duziu .10 13 h,1tllt,1I1,1 tvum, quando, de fato, o Bhararanaryam
deixou rapidamen te ~1 casa de Deus para .1S luzes du ribalta e conduziu ü antiga dança. Uma dançn é criada no passadoa fim de
em pouco tempo tornaram-se ídolos do público.";' se r restaurada para o presente e para o fut uro.
O estudioso e crítico V. Raghavam cunhou a palavra "Bhara-
ranntyam" para substi tuir termos associados :. prostituição no O Chhau de Purulia
temp lo. "Bharatanatvam' significa os elementos básicos desta O Chha u de PlII"1I1ia. uma dança com máscaras da região árida
velha/nova dança BIJo = Bknm ou sentime ntos; m = msn ou o do oeste de Bengala, contígua .1 Bihar e Orissa, é uma danço-
., sabor estético; la = tnl« ou ritmo; nntmm significa dança. drama acrobática caracterizada por mu itos saltos, pavone ies.
I ~-juito antes de 1947. quando o estado de i'vbdras baniu o
siste ma r!e-uor!nsi. a da nça saiu dos templos. As pessoas que n:io
sapateatlos e poses iconogrMic-.1s. As histórias geralmente s;io
timdas dos épicos indianos e dos P umlli1s, e quase sempre repre-

I er.1m de famílias rleunr/nsi. até homens. dancavam. Rukmini


Devi. "uma brâmane singular .lltamente COIO~,l d,l e esposa do
sentam duelos e b'1tl1 lh.1S. Os lOc.1dores de tll mbor da caSf<l Dom
tocam gr'llldes chaleiras-tambores e longos tambores oblongos.
presidente inte rnacional da Sociedade T eosólica... compreen- insullando os dançarinos em frenéticos saltos prolongados, gritos
deu qu~o grande e elevada er.l a arte 13haratilnatyam e quno ur- e confrontaçõe s. As rivalidades entre aldeias que competem no
208 RESTAURAÇÃO DO COtdPORTA1'vIENTO

festival anual, numa região de colinas, Matha, são furiosas. De Chhau, em 1961 e depois, é uma criação da mistura do que
acordo com Asutosh Bhattacharvya, professor de folclore e an- Bhattacharyva achoue o que ele inventou. Como um folclorista-
tropologia da Universidade de Calcutá, que se dedicou inteira- antropólogo,cavou o passado e construiu uma história de Chhau,
mente ao Chhau desde 1961 ,.1 região de Purulia é habitada por e uma técnica,que continuou fielmente a restaurar.Seu festival
muitas tribos aborígenes cujos: anual em Matha coincide com as celebrações de Chaitra Parva
"hábitos religiosos e festivais sociais mostram muito pouca comuns ü áreae comos festivais anuais de Chhau de Seraikella e
semelhança com os do hinduísmo C..) Mas os Murade Puru- Mavurbhanj (formas semelhantes de dança). Esses festivais -
lia são participantes muito ardentes da dança Chhau, Pratica- antigamente pagos pelos rnaraji s - agom são patrocinados pelo
mente sem instrução e posição social os membros dessa governo. Em 1976 fui a Matha. As danças aconteciam toda noite
comunidade executam com a máxima fidelidade, em alguns durante doisdias. Osaldeões, chegando de cidades distantes até
casos durante várias ~eraçõ e s , esta arte baseada nosepisódios dois dias de caminhada, acampavam nas imediações.
do Ramamun c Mflhflbhflmlf/ e na literatura clássica indiana Eles ataram dutrpois (cabanas para dormirfeitas de madeira e
C..) Às vezes uma aldeia inteira, pobre e habitada exclusiva- cordas entrelaçadas) e consrruírarn rapidamente um precário
mente pelos Mura, sacrifica seus recursos duramente ganhos teatro. As mulherese crianças observavam e dormiam, sentavam
para organizar festas de dança Chhau.'? e se reclinavam nochmpois elevado a uma alturade 2,5 metros ou
"O sistema hoje seguido na dança Chhnu não poderia ter-se mais. Os homens e rapazes permaneciam no chão em pé. Uma
desenvolvido pelo povo aborígene que pratica .1 dança. É estreita P;lsS'.lgem conduzia da áreu onde os atores colocavam as
necessária contribuição de uma cultura maiselevada, dotada roupas e máscaras para o chão circular da dança. Os grupos
de um agudo senso estético.'?'. diz Bhattnchn rvya. entravam pela passagem, paravam, se apresentavam, depois
Ele adivinha que os tocadoresde tambor. os Dom. um grupo entravam na dança. Toda a dança é feita com os pés descalços
desterrado. originaram Chhnu, pois os Dom eram antigamente sobre o chão áspero, varrido das grandes pedras, mas ainda cru,
uma "comunidade altamente relinada (...) bravos soldados na in- granulado, com pedaços de terra e ervas espinhosas.
fantaria dos chefes feudais locais",Sem trabalhoquandoosingle- Para mim parecia como um rodeio numa cidade esquecida.
ses pacificaram a região no século XVIII. pouco adestrados em T ochas e lanternas Petromax (grandes lâmpadas ri g,ís) lançam
arar a terra por causa do que Bhattacharvya chamaa "vaidade de luz cheia de sombras, os tambores ladram e troarn, os she/wlIflis
sua tradição passada de guerreiros", eles se reduziram a párias: (semelhantes ao clarinete) gritam. enquanto um grupo após
trabalhadores de peles, tamborileiros. Mas sua dança de guerra outro compete. A maior parte dos grupos compõe-se de cinco a
continua viva no Chhau, No relato de Bhattncharvya revelam-se nove dançarinos, Algumas máscaras adornadas com penas de
'llgumas distorções. Os povos aborígines não desenvolveram pavão erguem-se mais de um metro acimada cabeça dos dança-
senso estético; os dançarinos tia alta casta são transformados em rinos. A máscara com dez cabeças de Ravanaatinge um compri-
tocadores de tambor de classebaixaapós transmitiremsua dança mento de 1,30 metro. Usando essas máscaras, os dançarinos
de guerra porque são muito orgulhosos paracultivara terra. (Por fazem saltos mortais e piruetas no ar. Asdançassão vigorosas, e
que eles não usaramSU'1S espadas para roubar terrase se tornaram como é muito quente dentro das 1ll<1SCamSde papel muchê, cada
senhores?) dança dura menos que dez minutos. Cada aldeia dança duas
Acompetição anual em Matha não é uma tradição 'lntiga, m.1S vezes. Não M prêmios. mas sim competição, todo mundo sabe
um festival iniciado em 1967 por Bhatmcharyva. Ela foi inter- quem dança bem e quem dança mal.
rompida em 1980ou 19R1. Bhuttacharvyu recorda: A fim de que não houvesse dúvida, na tardeseguinte à dança
"Em abril de 1961, visitei uma aldeia do interior, no distrito noturna.Bhattncharvva faziacrítica das representações. Durante
de Purulia, com um grupo de estudantes da Universidade de a dança ele se sentava atrás de uma mesa, onde duas lanternas
Calcutá e pela primeiravez observei urnaexecuçãoregulard'l Perromax faziamdele a figura mais iluminadado acontecimen -
dança Chh.1U (00') Percebi que havia uma estrutura e um to; a seu Lido ficavamseus assistentes universitários. Toda noite
método desta dança definitivamente estabelecido que foi ele observavae escrevia. Uma a uma asaldeias apareciam peran-
bem preservado. Masela estava em decadênciadevido ü tllta te ele no dia seguinte. Eu OUVi'l o que ele dizia. Ele avisou um
de patrocínio. Quis chamara atenção do mundoexteriorpara grupo pam não usar elementos narrativos não encontrados nos
esta nova forma de dança." clássicos hindus. Censurou outro por não usaro vestuário básico
E ele fez isso. Os melhores dançarinos de Chhau percorreram padrão de saia curta sobre polainas decoradas com aros brancos,
a Europa em 1972. Austráiin e América do Norte em 1975. e Irã. vermelhos e pretos. Bharmcharyya selecionava este vestuário
Dançaram em Nova D éli. e como"gosta de falar Bhartacharyya: básico de uma aldeia e o generalizava. Dizia que os vestuários
"Eu atraí a aten ção da AcademiaSangeet Narak, Nova D éli escolhidos eram os mais autênti cos, os menos ocidentalizados.
(agência governamental que encoraja e preserva asartesrepre- Numa palavra, Bhattacharvya inspecionava cada aspecto do
senrativas tradicionais). par.] esta forma de danç'l. Fomos Chhuu de Purulia: treinamento. temas de dança, música, ves-
convidados para fazer apresentações da dançaem Nova D éli, tuário, passos. Em janeiro de 19R3, acompanhei, numa cidade
Em junho de 1969, visitei Nova Deli com UJll conjunto de perto de Calcutá, uma representação de Chhau nâo-Bhatta-
quarenta artistas da aldeiaque saíam pela primeira vez de seu charyva. Aí eu vi danças vigorosas retratando episódios do Na -
distrito nativo, As representaçõesforamfeitas na presençade hobllflmlrl. Este mesmo grupo de dançarinos de aldeia, enquanto
importantes convidados indianos e estrangeiros (...) se apresentava para atores e estud iosos, reunitios numa confe-
f\s representações foram mostradas 11<1 TV em Déli. So- rência em Calcutá, cantou pelo menos uma canção que Bharta-
mente três anos depois foram mostradas na rede BBC em churvya poderia ter desaprovado. Traduzida, seria:
Londres e cinco anosdepois na NBC de NovaYork, E.UA. " Não ficaremos na India
(Programa de 1975 na Universidade de Michigan, p. 3)" Iremos paraa Inglaterra
Observe como Bhatracharyyn se refere às danças como algo Não comeremos o que há uqui
próprio: "convidou-me parafazer representaçõesda dançu ". Isto Mas comeremos biscoitos e pão.
não é se vangloriar, mas um reconhecimento das circunstâncias: Não dormiremos com trapos dilacerados
sem um patrono, os alde ões não teriam chegadoa lugarnenhum. Mas em colchões e travesseiros.
E nesses dias um patrono precisa mais do que dinheiro; neces- E quando formos para a Inglaterra
sita de conhecimento e um desejo para se devotar 1\ forma que Não teremosde falar bengali
I
est á restaurando. O governo (hí o dinheiro. Mas todosfalaremos hindi.
[(ESTAURAÇAo DO COlvlPORTAMENTO 209

5-K. I~:\Ilç:t ri I\0!: de Chhall de Puruli« (ímlia); em cima. Ril\':II1:J. o rei ~i~;tIltc dos, dcmô nio~.l:ol1 ~ ~1 1;1 c:tr:.lcrcríscic.a máscarn de cabeça c braços múltiplos; c 1I 11l;~ l?crS~~a~c l ll
femin ina, O bserve as calças brancas, prcms c vermelhas nsadus pc\;~~ duas d.t nC:~lrl l\;.l~; esse VCStB ;lf lO fOI estabelecido pelo professor m,." m\etlJ.ryy~ como o VC~[\1í\rlO l:Jl.IS1c n tI:.
dança C hhnu: a riqu eza dos vestuários c onu un cn ros da cabeça é tamb ém o resu ltado de IIm:1 "r csruumção do com porrumcnro".
210 RESTAURAÇÃO DO COMPORTA1'vIENTO
Os aldeões assumiram que na Inglaterra a "língua nacional"
era a da Índia: hindi. A questão: este Chhau de aldeia, cheiode
desejos atuais, deve ser condenadopor não ser "clássico"? Ou a \.
mistura sincrética de Mahabharata e Inglaterra deve ser aceita
comoo "desenvolvimento natural" da dança?
Bharracharyya selecionou indivíduos de diferentes aldeias, e
II
formou companhias com os melhores dançarinos para realizar
turnês. Ele os ensaiavae ia com eles excursionar. Os dançarinos '"
e músicos que viajavam retornavam àssuasaldeiascoma reputa-
ção aumentada. A viagem, de fato, teve profundosefeitossobre
Chhau. Três "grupos estrangeiros" constituíram-se desde a pri-
meira viagem em 1972: dezenove pessoas foram à Europa, de-
zesseis ao Irã, onze à Austrália e América do Norte. Porcausado
I
fato de os estrangeiros não agüenrarem nove horas de dança,
Bhattacharyya fez um programa de duas horas de duração. E
r
como pensava que o peito nu dos dançarinos mascul inosnãoera I
I
harmonioso, desenhou uma jaqueta baseada num antigo mode- i
lo. Ambas as mudanças se tornaram um padrão lá em Purulia. I
Muitas das pessoas que fora m para o exterior formaram seus
próprios grupos em sua pátria. Cada um desses gruposé chama-
do de "grupo estrangeiro" - e assim se autodenominam; isso
lhes dá posição, e força paracobrar mais. Atualmente, as repre-
sentações são muito requisitadas, mesmo tora do calendário
ritual. Uma apresentação custa cerca de mil rupias, muito mais
barata do que a [atra, a diversão mais popular na Bengala rural.
Masmil rupias representam ainda uma grande somade dinheiro
paraos dançarinos de Chhau.
Essas mudanças nos levamaté Bhattacharyya. Ele é o grande
homem Chhau e sua autoridaderaramente é questionada. Ele é
um professor, um estudioso de Calcutá. Quando ele escreve
sobre Chhau, enfatiza sua base de aldeia e antigas origens; ele
mesmo sugere um 'possível elo entre Chhau e as danças de Bali. 9. Dançari no balinês em U UIlSC n" dnnça K,1s.
(Por voltado século III a.C, as atividades comerciais do Império
do drama, suas mãos continuam longo tempo executando os
Kalinga, hoje Orissa e Bengala,possivelmente estendiam-seaté
movimentos da dança.
o sudeste da Ásia, tão longe quanto Bali.) Mas ele dificilmente
Parece que os membros do grupo de transe estão raivosos
menciona seu próprio papel na restauração da dança. Ele prefere
com a velha mulher porque eles sentem que seu transe pertur-
dizerque a "descobriu".
bou os refinamentos estéticosque tinham ensaiado paraolhos e
lentes esrrangeiras, Quando ela vai embora, os membros da
Transe e dança em Bali
equipe de filmagem Mead-Bateson prestam atençãoa esta velha
Às vezes, mudanças em representações tradicionais sãofei tas
senhora: ela parecia, e era realmente, capaz de entrar em transe.
pelos que estão dentro e não impostas de fora. Um dos do-
Mas, falando estritamente do ponto de vista dos balineses, o que
cumentários mais conhecidos sobre representação não-ociden-
é "autêntico", as mulheres jovens preparadas pelos próprios
tal é Transe e Dança em Bali (1938), de Margaret Mead e Ore-
balinesesou a velha mulher solitária fazendo o tradicional? Não
goryBnteson,Pouco antes de sua morte, Mead disse que ogmpo
existe, em Buli, uma tradição de modificar as coisas para os
de transe de Pagutan decidiu que os visitantes estrangeiros que
estrangeiros? É precisamente quando as mudanças se voltam
iam fazer o documen tário gostariam de ver as jovens mulheres
para as formas tradicionais, realmente tornando-se essas formas,
entrarem em êxtase e golpear seus peitos com bis. Em Bali,
que uma restauração do comportamento ocorre.
nessa época, as mulheres ficavam comseus peitosnus- istonão
tinha a conotação erótica em Bali como em Nova York, Mas I. KII/li/{I V((I.rJ"fIJ·(()/. DançaCI""ic" 1,,<li'II1". Publications Division, tvli"btry af E[hlc,,·
também- suponho que paraagradar ou ao menos nãoofender (íon ;lntl Broil tIcHsti n~. Nova Déli, 1974.
os estrangeiros - as mulheres balinesas cobriram seus peitos 2. KlJpilr/ Vfll'.l'I'J'flJ/. J\ l) ,II1ç;.1 ChíS:'iiC:l Indiana nu Lite ratura c nas Artes (Cl:lssica[
lodi " " D ance in Lircrarurc .11l1 rhc Ares), Novn Deli Sao gec< N"",k Akadcrni, 1968.
para a filmagem e jovens substituíram as mais velhas como .1. lllillol/ Si1lgel; Q mllldo (UH<l Grande Tr~djç;.io se Modcm r/.a(\Vhcn :1 Grc<I ( Tradi rion
dançarinas. .- Moderni zes). Londres, PallMall Prcss, 1977.
!JolJ Koai-rll', O Maior P. ISSO em Bhar.u'lnatyam(Thc Grcatcsr Sccp in Bhururauu-
Sem dizera Mead ou Bateson, os homens do grupode transe 4.Jllo
ryam). Nova D êli, Sunday Statcsman, 16 de janeiro de 1983.
instruíram as jovens mulheres nas próprias técnicas para entrar S.l bid.
em transe e mostraram-lhes como manipular o bris. Então, os 6. lbid.
homens do grupo orgulhosamente anunciavamaos realizadores 7.K lbid lb itl.
.
do filme as mudanças feitas especialmente para a filmagem. O 9.l bitl.
filmeem si não faz mençãoa essasmudanças. Em Transe eDança
há uma velha mulher que, como dizo narrador, anunciouanteci-
padamente que "ela não entraria em transe" mas que é, todavia,
possuída "inesperadamente". A câmeraa segue; ela está como
peito nu, em transe profundo, seu kl'is totalmente voltadocontra
seu próprio peito. Depois, lentamente, ela é despertada do
transe por um velho sacerdote que inala sua fumaça, borrifa-a
com sua água sagrada e sacrifica uma pequena galinha em seu
favor. Há um períodode tempoem que, sentada, após o término
le 1J'lhtne, daneje snis (Eu ritmo, logo existo) (Mnrcel [ ousse, L'AlIIl"op% gil. du geslej
O ritmo é uma emoção 'liberada em movimentos ordenados (Platão, Tiuron ).

Tempo esculpido
"O ator ou dançarino é quem sabe como
esculpir o tempo. Concretamente: ele es-
culpe o tempo em ritmo, dilatando ou
cont raindo suas ações. A palavra ritmo
.
;
vem do verbo grego /neo, significando cor-
rer.Iluir. Lireralmenre.ritrnc significu'um
meio particula r de fluir'" .
Durante a repre sentução.oa ror ou dan -
çarino sensoriuliza o fluxo de tempo que
na vida cotid iana é experimentado subje-
tivamente (e medido porrelógios e calen-
dários). O ritmo materializa a duração de
uma ação por meio de uma linha de ten-
sões homogêneas ou variadas. Ele cria
uma espera, uma expectativu. Os espectu-
dores,sensorialmeme,experimentam uma
espécie de pu lsação, uma projeção de algo
que e les, com freq üência, não percebem ;
uma respiração que é repet ida variada-
mente, uma continuidade llue nega a si
mesma . Ao esculpir o tempo , o ritmo tor-
na-se tem po -em-vidn.
O ritmo possui suas leis; como não
estamo s livre s pHa urrunjar, da maneira
que nos aprouver, as sílnbas de uma pala-
vra ou as nota s de um lientagr :lm:l, do
mesmo modo existem sucessões de duru-
ção que fazem nascer a sensação do ritmo ;
e outra s sucess ões mais numer osas qu e
nâo dão a se nsa ção do ritmo.
Por ex e mplo, o ouv ido recebe a im-
pressão rítmica q uando, em certas línguas ,
stlubus curtas e longas seguem-se uma a
outra em ce rta ordem (de acordocom uma
métrica), quando frases fortemente ucc n -
tuudusul ternum- se corn frases nãoacentu a-
das, quando .IS inflexões da voz destacam
notas agudas sobre uma base melódica
mais grave, ou quando o material sono ro é
interrompido por silêncio mais ou me nos
regular es.
Portanto, quando se diz ritmo, fala-se
também de silêncios e pausas. Pausa s e
silêncios são, realmente, a rede de suste n-
tação sob re a qual se desenvol ve o ritmo .
Não IHi ritmo se não há consciência de
silêncios e pau sas, e dois ritmos são dife -
renciados, nâo pelo som ou ruído produzi-
do, mas pela maneira como os silê ncios e
pausas são organizados.
Existe uma fluidez que é altern ância
contínua, vnriuçâo, respiruçâ o, que prote -
ge o perfil individual, tônico, melódico de
cada ução. Outra espécie de fluidez torna-
se monótona e assemelha-se" consistên-
cin do leite condensado. Esta últimu flui-
dez não mantém alerta " atenção do es-
pectador, mas o leva a dormir,
O segredode um ritmo-em-vidu.corno
as ondas do mur, folhas ao vento, ou as
chamas do fogo, é encontrado nas pau sas.
Essas pa usas não silo paradas estáticas,
mas transições, mudanças entre uma ação 1-2. Em cima, Itliitls IJlIIJimí's (1931): de senho mexicano
e outru, Uma nção púra e é retida por urna de Eiscnsrcin . Em baixo, IImOl linha rCC"J rtc~nnllo -sc a si
fração de segundo, criando um contra - mesma, roma-se tc ns âo. Pnsffnt (IlJ44). linóleo e sculp i-
impulso, que é o impulso da ação sucessi- L1o. IIcori Matixsc 0869-1954),
212 HITlvlO
A maneira de evitar mode los esgue-
1';1.

m áticos e os estereótipos é criar silêncios


dinâmicos: energia no tempo.
Q uando a pausu-trunsiçâo perde sua
pul sação retida, urna pu lsação que luta
para cont inuar, ela coagula e morre . A
transi ção dinâmica torna-se uma paus"
es t ática.
É preciso suber até q ue ponto as pa u-
sas-transições pode m ser dilatadas. E las
tornam possível o enc ade amento ao ator.
O encadeamento modela cada detalheI
ação num" seq üênciae também envo lve e
dirige a percepção do espectador. [ ogar
com a dinâmica do ritmo per mite a que bra
da influê ncia da incult uraçâo. ou acultura-
ção téc nica, isto é, o modo com o q ual
nossa cultura ou uma técnica particular
nos ensinou ;I usar as possib ilidade s pos-
rurais e cinest ésicas de nosso organismo .
Munifes rumos nossa presença no tempo e
no espa ço por meio de descargas dinâmi-
C' IS ou mode los que são indu zidos pelas
pr áticuse háb itos aprendidos dura nte nos-
sa primeira infância biológica c profissio-
nal.
E mgeral, os atores sabem li ual será SU;l
próxima ação. Enquanto exec utam uma
;lção, jáestão pe nsando na pr óxima, E les a
antecipam menta lmen te, e isso induz nu-
tomaticumc nte um processo físico que
infl uencia sua dinâmic, e qu e é perce bido
pelo sensocines résicodo espectador. Esta
é uma das razões por que uma representa-
ção pode não ter êxito em estimular nossa
ate nção: no nível sensorial já percebemos
o que o utor-builarino está p;lra fazer.
O prob lema é: como pode o ator, que
conh ece a sucessão de ações que devem
se r exec uta das, cstur presen te e m cada
ação e fuzer a próxima parecer uma su rpre-
sa puru ele e pura o espectado r?
O ator deve execu tar a ação, negan -
do-a.
H,ímuitas maneiras de negar um uuçüo.
E m vez de ccntinuur n,. direção prevista,
pode-se mud ar de rumo. Pode-se come-
çur na direção oposta. Pode-se dimi nuir ' I
a ção, respeitando semp re, entretan to, a
3. O ritmo nes ta cen a resilir" de 11m.. linh" fixu - ;t d'lnç'lril1<l de BIIYU, Kõl(suko 1\'1.11111:1 repr ese nta ndo um p;lpcl
precisão do se u desenho. Pode-s e dilatar masculino - em con nu xtc com urna linhõl uscil'lmc. o nllllfl,( tI /1f K'lOichi I I.;n.,y;.,~;. )unro,'), d e.os criam u rna imi.lJ:cm
as pausas-transições, Execu rur umu ação, sinlll k 'inc:'1 de rcpoll.'lirJ c movimcnm, numil cena xobre o encontro llC 'Uois :J1l);IIl(CS.
negando-'r, significa inventar urna infini -
dade de microrrirmos dentro de la. E isso
nos obrig» ;I estar cem por cento-nu ação
que se está executando. A ução sucessiv a,
então, nascerá como uma surpresa para o
espectador e para ele mesmo .
Este efe ito baseia-se na cinesresc: a
consciência dos nossos corpos e SU;lS ten -
sões. A cinestese tamb ém auxi lia a perce -
be r ,I qual idade da ten são e m outra pes-
sou, Ela nos faz adivinhar as intenções de
outros:se alguém está se aproxi mando de
nós para nos acariciar 0 11 nos bater. A
cinesrese nos auxilia <I evitar bater em
4-6. () ato r roma-se "rirmo " não apen as por meio de
outra pessoa quando camin hamos pela movimen to, mas por meio de um a alte rnância de mov i-
ruu , É uma espécie de radar fisiológico mc nto s c repousos. pormeio de h;lrmul1 iz;:I~.10 de imp"}~
q ue nos faz conscientes dos impulsos e .W).'i tio corpo,
retençõcs C .IJlo ios. no te mpo C no espaço.
N estes ltcscnhos. l)ori... l lnrn phrc v indica rrês po.'i.'\i\'eis
int e nções e ti ue nos motiva a reagir antes
desenvolvimen tos de lima fraxc de dwnca:
q ue o pe nsamento interven ha. O sen so  . Um clímax no come ço da fmsc. t IIlCc~rãocili. 11. llmu
cines r ésico é esse ncial em todas as formas Frase que a uncçd le ntame nte , ólti ngc o cl ímax no meio c
de rep resen ração. Ele auxilia o espectador cai no fim.
a cont ínuar a viver, percebe re, freq ücnr e- C. Llmu [[(I se CI"e U>llsUt!i lentam ente um d ím;rx c.
cn râc•.rc rmina : l bfl lp W mC n ( c~
RITrvlO 213
mente, adivinhur as intenções do ator-
bailarino, sem , contud o, fazer com que
ele esteja completamente consciente de
que isso está ocorrendo. O senso cinesté-
sico leva, muitas vezes , o espectador a
descobrir qual é a intenç ão do ator antes
que ele a realize, destruindo o efeito sur-
presa que .1 ,]ç<1O deve ria provocar."
(Eugen io Barba, Cavalo pmlertrlo).

7~K () cená rio rínui co se ab re co rno 11m rc clado dc pianoc rn 1IJ1II//J1(I !U7Jjl:(((Jr. de l\lcycrhnltl. 192.1. Em baixo, il p:l1lSa comorransiçiin dinâ rnica: '1":11 scr:í:l pr6xill1;1 ;l~.if)? () ntor
espanhol Tnni (:ms c a II:lI)t;:lri n<l iruliunuS:mjllkt'l P;lJl i~rõl hi uuuu r dcmnl1s rr. Il~~il) n:1 15T /\ l lc i\ 1:II:lkon"(Fr:IIlt;a).em IIJNS.
214 RITtvlO
Jo-hn-kyu
Em japonês a expressão jo-hn-lq« descreve
as três fase s n'IS quais cada ação executudu
por um ator ou dançarino está dividida. A
primeira fase é determi nada pela oposição
entre uma força quc est á aumentando e ou-
tra que e st á resistindo tl primeira (jo= deter);
a seg unda fase (ha = quebrar, rom pe r) é o
momento em que a força que resiste é venci-
da até chegar ,1 terceir a fase (lJ'lI = rapid ez),
quand o cu lmina a ação, liberan do toda " sua
força e parand o su bitame nte, como se en con -
trasse um obs táculo, uma nova resistên cia.
No teatro clássico ja ponês, a frase rítmi ca
jo-ha-hll é relacionada não apenas com as
ações do ator ou dançarino, mas tamb ém é
parte de vários níveis de organização da rc-
p rese n tuçâo: é apl icada ao gesto, tl música, a
cada drama singula r, bem como ao alrernur-
se dus peças exec utadas: e, por último, de-
tc rmin. o ritm o inte iro da jornada. E m todo
caso, é essencial qu e os aprendizes de atores
c dan çarinos es tejam familiarizadoscom ojo-
ha-J:rll, pois isto os ensina a incorporar o rit-
mo em seu trabalho desde o início d e seu
aprendizado.
Kntsuko Azumu ensina sua aluna a se
move r de acordo com os princípios din âm icos
do jo-ha-J:l'lI, estabelecend o resistências e
novas te nsões . Na primeira foto (F ig. 9), a
mest ra perm anece atrás da aluna e :1 seg ura
pcJo cinto. A alun a, segura pela mestra , dev e
fazer um esforço para dar seu primeiro passo:
dob ra os joelho s, pressiona os pés no chão e
inclina o tronco ligeirament e para a fre nte.
Subitamen te, solta pela rnestru.se move rapi-
damente para a frente até alcançar o limi te
prede te rminado do movimen to, quan do, e n-
tão, p ám abruptamente. A mestra cria uma
resistê ncia em purrando-a contra a soin bri-
nhu. Vai diminuindo, então, gradativam ente
a res istê ncia, permitindo que a ulunu se mova
rapidame nte paru a frente , até o ponto e m
(lue ela p ám subitamen te com uma nova
resistência con tra a sombrinha.
Aprende r a execu tar as ações segund o
ritmos diferenc iados é imporrunte tamb ém
para o ator ocide ntal. Aqui estão os come nt á-
rios de Toporkov sobre o trabalho de S runis-
luvski a esse respe ito:
"Stanisluvski demon strou admiravel-
ment e sua própria habilidade em usar di-
feren tes ritmos. Ele tomou o ep isódio
mais simp les da vida cotidiana como, por
exe mplo, comprar um jornal numa ban ca
da estação e lê-lo com ritmos com pleta-
ment e dife rent es. Comprou um jornal
quand o faltuvuainda uma hora para a par-
tida do trem e ele não subiu como rnutur o
te mpo; e q uando o primeiro ou seg undo
sinal tocou , e quando, finalmente, o trcm
j5 es tava pa rtindo. As ações são todas as
mesmas, mas em ritmos completamente
diferentes, e Kcnstantin Sergeve vich foi
capuz d e exe cutar esses exercíc ios em
todas ,\S dinâmicas: aumentando o ritmo ,
diminu ind o, e mudando repentinam en-
te. Eu vi a mestria , a técnica, a técn ica
tangível de nossa urre, Ele governou tudo
isso graças ao pe rsistente rrabalhoc onsigo
me smo."
(V. O. T oporkov, S/(Il/is!mJ.di mt Ellsaio).
1)_ 10 . 1\ rmusrnixxâo de- t.::xpc ri';nci'l nn Japàn: d 'riôls ntnncirux lI"illla" pd ;, mestra japoncsu K.wmko 1\7.lmlõl. p.lr;]
ensinar uma aluna, ~, I a ri l\zum;I, ,I "matar n ritmo" (1ST" de Volrcrru, 1<]81).
RITMO 215
Movimento s biol ógicos e os
microrritmos do corpo
"Os se res hum an os purrilh am com as
outras espéc ies an imais .1 hab ilidade e m
pe rce be r a presença de vida . N ume rosas
ob servações feita s durante exp eriênc ias

~~
1· . - \__ o ~_. '
com homens e anim ais mostraram que a
perc ep ção de um co ngê ne re, o u a de um
indivíd uo de outra es pé ci e, induz varia-
ções t ônicas, mot oras, hurn orais e com por-
, .1.. (" _____. ,~ rarnent ais. Muitas experiên cias têm pro -

:=4; ~yq;íf'
I ' ..---. .•• • ' " " '.
cp .\ i . ;~ . , ,~ ~
vad o o fato de que ce rtos tipos de mov i-
, -~ -, ~-- ~~" '>--- '~~ m entos podem est ar asso ciado s às carate-
rísti cas dos organis mos vivos.
Q uando um a quantidade de pequenas
lâmpadas ace sas é co locad a nos membros
e art icul ações de um ser h u m ano e m m o-
v imento, o des locamento de sse s pontos
de luz, qu c j ohan sson cha m o u m ovimen -
tos biológicos, é im e d iata m e nt e reconhe-
CÍvel aos observadores adultos como a tiv i-
dude humana.
A complexa combinação de sina is vi-
s uais m óve is pode tam b érn se r inte rpreta-
da como relat iva a atividades específicas
h umanas. Os pesq uisndoresacreditam qu e
isso é u m comportamento de percep ção
ina to do sis te ma du visão, mais d o que
co n hec ime nto adqu irido por me io da ex-
periênciu.
As urres de representação e os esportes
espetaculares são parc ialmente base ad os
nu orgunizuçâoe valorização d e mov imen-
tos biológicos . Os cód igos q ue s us ten tam
a atividade do ator, dan çarino ou atl eta
parecem restaurar a organi zação de mi-
crorritmos corp orais de co m po rtame nto
e ficiente, como ocorre no mund o animal,
e mb ora no homem esse comportamento
seja suavizad o pel os efe itos da c xpcri ên -
cin cultural c o princípio da econom ia. De
fato, o de sen volvimento c u lt ura l torna
se c undária a eficiê nc ia d o co rpo primiti-
vo: hoje não há nenhu ma n ecess ida de de
caçar um a presa se lvage m puta come r. Por
ou tro lado, o prazer de ver corpos trein a-
d os em ação é preserv ado.
É possível qu e o suc e sso d e vários
film es pu blicitári os, q ue fazem uso de
dançarinos e utletns seja devido a esse
im pu lso visual gerado pelo s seres v ivos. A
perce pção de corpos em m ov im ent o in-
duz um a espécie de eco d e va riaç õe s t õni-
C.IS su tis nos obse rvadores, que resp on -

, • • • • •' +
. '

" ,
dem aos movimentos percebidos com se u
pr ópr io corp o. Es sa res pos ta m ot ora aos
estí mul os transmitidos - d uran te u mn
cerimônia religiosa, uma d em onstração po-
8 lítica o u uma repr esentação , por exemplo
- resulta na criação de vínculos purricula-
re s entre es pectad ores e atores. Isto tam-
b ém oco rre durante as projeções de film es
e transmissões tel ev isivas de eve ntos es-
port ivos - espec ialme nte atl e tismo e tê-
11- 12. Em cima, rirmo :IIHil1\1ISicll: ~l n j m:lI:ii n das nor.... li:l J.:rnim tk Bccrh ovc n, do curicumristn r~II)L"ês [cau
nis-e--quundo clu se manife sta como refle-
Gnnu lvillc (I H03- 1X47). Em baixo. rirmo sin;ético: ··I....ixus desen had as" til: Fi.'iL·hin~c r. i\ PC~i( lIli.'i a sobre ;,ninl;;~(). xo dos mo vimentos das pernas" .
conduzida pelo urnxta ;,Icmãn Osk;u Fi...ch ingc r, le vou-o il cri,lçi'in de 11m mundo Illll sicitl m uito )lilnicllbr. Ele fui (j eun-Murie Prudier, Elmle/IIOS de uma Fisio-
urruldo pe la hipe;rcsc de que 11m dcsl:nhn fciro de ncn n lo com 11m ritmo "dec orat ivo" devia xcr capaz de produair sons. logia da Sedllf'iio [Éli llwJfSd'un«plqsiologi~ de
E. de fato . :1 "Jc im m" de sua... cum )los iç()Cs dcxc nhadax produziu cfc ims xurp rcc rn lcru cs: m uitos tio.s noves so ns,
obtidoS' pel<l repe tição de: motivus ~c<Jnll.! (r icns , nãu se pareciam com ncuhum som 1111(': de cnnhcc..'Cs...c. e. IIIJisaimhl,
la g dllCliollJ ) Em L 'oeil, l'atrill«, h mVM II (O
n dese nh o 11;1 "fil a de cobras". baseado 1lI111l;1 c,;s tiliz;lÇi'iOq~ípciil. pnnluxiu SO Il." sem e lha ntes ~IOS feitox pelas pn"ipri"s olho, a on:/ha, o céreãro), Pari s, 1989 .
cobras. Anéis concêntricos produziram sons rcssnnanrcs de muitos tip os, c 11 111 colar de pé mhl li" produxiu 11111 SOI"I\
semel hante ~10 tio r;I~U[e. Es!'o"'Js experiências ror:ln) l) ínícin tb nllt~i<'::l sin ré ticr- colocadas diaurc de célu las
Ioroc ldrrica s, os desenhos de Fischinhcr pocliam repr oduz ir 11111.1 V;tsta ~'11ll'1 I It:: Sf)ll :oi. Por exe mplo: I. I) apiro de 11m
vapu r; 2. lima buz ina de ()I\!blls;3. I1l11il ca m painha elé trica;4. 11m lIc.sperr'fllur: 5.. IIm:1 campaiuh .. de te lefone; 6 . 11111;1
sirene de alarme; 7. có~ri~() ~Iorsc; 1). I) apito de 11111 navio,
216 RIT MO

Me verhold : a essencialidade do ritmo Assim, a 'a ção visível e compreensível' , Meyerhold descreve u como a ação de três
Desde o come ço de s ua atividade teatral, . inco rporada pelo ator implica ação corc o- fases deve ria se r execu tada:
Meve rhold esta va obcecad o com o problema gráfica. (...) "U m ator dev e possuir a capacidade
do movime nt o cêni co e se u entrel açament o É principalmente por rneio do utor que para Reflexo de Exc itabilidade. Ningu ém
com o ritmo. No início, ele apoiou-se na mú- a música traduz a dimens ão do tempo em pode se torn ar um ator sem isso.
sicu para criar uma técnica cxtracotidianu em te rmos espaciais. Antes de a música ser i\ excitabilidade é " habilidade par"
seus atores. drumatizudu, ela pode criar uma imagem realizar se nsações, movimen tos e pala- o
"A música, q ue de te rmina o temp o dc ilusória some nte no tempo ; uma vez dru- vrus, uma tare fa q ue é prescrita extern a-
cada acontec imento e m cena, dita um rito matizada, é capaz dc conqu istar o espaço . mente.
mo que não re m nada em comum com l\ O ilusório se tornou real po r meio da m í- O conjunto das manifestações coorde-
exist ência co tidiunu, (...) mica e do movimento do ator subordina do nadas de ex citabilidade constitui o agir do
Aessênc ia do ritl110 em cena é a antire- ao desenh o musical; aq uilo qu e untes pe r- arar. Cada rnan ifes tação compree nde um
se da vida real cotidiana. Na maioria dos manecia apenas no te mpo agor'l se mani- elem ento dc ação. Cada elemento de ação
casos, a arte do ator nururulistu reside e m fes ta no espaço." abrange três estágios invariáveis:
se rende r aos imp ulsos de seu tempe ra- (Meve rhold, Tristso e Isolda) 1. INTENÇÃO
mento. Ao dete rmina r um tempo preciso, 2. REALIZAÇÃO
a partitura musical libera o ator, no teat ro O aspecto mais fascinante da pesqui sa de 3. R EAÇÃO
musical, das exigên cias de se u próprio Meye rhokl foi o período de trubolho sobre a A ill/mp'ío é" assimilação intelectual de
temp erame nt o. biom ccânica. Mecânica é o rumo da física uma tarefa d etermin ad a extername n te
O ator no teatro musical deve absorver qu e estud a o movimento e equilíbrio dos pelo dramatur go, diret or ou a iniciativa do
a essência da partitu ra e traduzir toda ,I corpos, e bios significa vida, daí biomrcâuica: o ator.
sutileza do quadro musicale m term os plás- estudo do movimen to c eq uilíbrio do corpo- A realizflplo é o ciclo dos reflexos voli-
ticos. Por essa razão, ele deve esforçar-se . e m- vida, tivos, mim éticos e vocais.
por um cont role completo do se u corpo. Uma série de exercícios. baseadas essen- A rm çâ o é a atenua ção do reflexo voli-
e..) ciulme ntc nurnu contí nua "dunçu do eq uilí- tivo, logo qu e ele é realizado mirn éticu e
Onde é que o corpo hum ano, possuin - brio" (cf. Equilíbrio), permitia :\0 ator criar vocalmenre, à espera de receb er uma no va
do a flexibilidad e de expressão exigida "aq ue le ritmo cên ico cuja ess ência é ' I an rítc- intenção ('I transição e m direção ,I um
pelo palco, conseg ue seu mais alto dcsen - se do reul, d. vida cotidiana" . Um dos exerci- novo elemento de a ção) ...
volvimcnto? Na dan ça. Porque a dança é o cios básicos era otkaz, recusa, com posto de O termo 'se nsação', é usado no senti do
movimento do corpo h umuno na esfera do trê s fases, que envolvem o corp o inteiro e va- estritamente técn ico, sem referência aos
ritmo. A dan ça é, para o corpo, o que a riam radicalment e <I postura do corpo. Um sent imentos."
música é pura o pen same nto: forma criada outro exercício também foi cha mado de dnc- (Em TlteAc/or's Emploi, Mcverhold, E. Braun,
unificialme nte, em boru instintivamente. ~)' I, li m termo em prestado da métric a poética. Londres , 19(9)

L- . -'

13- 15. Um e xerc ício bio mcc..i nicn básico, 11m [,tp;, na t-ara, como exemplo do ritm o de
II nlil :t~'ã()
d;\·idid'l cru três Iascc (A) começa ndo co m lima jl H:P;Ir-.U,...io, (1\) indo P;lnI ~l
dire ção npos [;,1 c, fi nalmen te (C), u ["p'l e m si . 1\ 1H1IltlllÇ'1 IM p o.'i iç~o tio tronco
inll ucn cia n ~ qll i líbri o. c o resll lr.u(n é uma nova il oswra lo: novo CÔIlWi nl U.'iCIIl:U .
Obse rve t omo a ação é dese nvolvida pormeio do princípio biomccânico dlil m;ltln o'hf
(recusa); iI ~j r de (ai mane ira que lima <Ição é iniciada com se u opo."tn (d . E'Il/ilíbniJ t
OpQ"if'iQ).
RITMO 217
-

..

I,ó. (~ "tor Gurin c 110 .


counnuumenrc C0111(,papel
.r.. I Ic' dança".
III11a cspé ele de Klestukov
escreveu ('' '''I. . ' o "Todo
. tllew: /IIJp<lOr.~md
I [em a rcndêuciadc
corno c. O .
prella!:olli,,,,d
• !:ul/~lcycrhultl
. pura
cur
de Go '
:'i' l IcS~~l
a posiç5o deOIIIll hos de 1\':111
sol a conforniv ,li""
c_I IrIC;1.1I111l0
ele luta
O" 'Str.IIH
eOIH'comc='
ruessa =:::-:-:~-
. ' o ' ·força
:·ttotcs de "Ievcrl!
J!;r:,virac· ·
ionul, Ili dunçavaru
oIsso constitui
CENOGRAFIA E FIGURINO
Não se tratadepintara vida, masdetomar
viva a pintura.
(Pierre Bonnard)

Figurino é cenografia
É bem sabido que, em geral, os teatros
orientais não usam nenhuma forma de .
cenário, entendidocomo um artifício que
reconstrói,de modo mais ou menos realis-
ta, o lugaronde asaçõesdramáticas acon-
tecem. Com exceção da cenografia com-
plexa do Kabuki (à qual o teatroocidental
deve a invenção do palco giratório, entre
outrascoisas), pode-sedizer que o espaço
cênico usado pelos atores orientais tem
um fundo fixo; tanto o espaço fechadodo
N ôou da Ópera de Pequim comoo cená-
rio natural, ao ar livre, fornecido pelas
paredes do templo ou as casas de uma
aldeia no Kathakali, na dança balinesa ou
em qualquer das outras formas de dança
do Sudeste da Ásia.
Como é possível, então, que ,IS histó-
rias contadas nessasrepresentações sejam
contos tão fantásticos de batalhas, via-
gens, caçadas e amores, acontecendo nos
quatro cantos doscéus e da Terra?
De fato, é precisamente graças à au-
sência de um cen ário reaiista,que simples
acessórios (uma mesa e algumas cadeiras
na Ópera de Pequim, por exemplo) são
tudo que um ator necessita paraser capaz
de abrir a mais inacreditável ilusão de
lugares e situações para o espectador. É
graças à omissão do cenário, dos lugares,
mas, especialmente, graças à habilidade
dos atores, capazes de tornarem vivoses-
ses lugares por meio de reações de seus
corpos. Eies usam gestos convencionais 1-4. Ofi~llri n()col1l(ll"n:t CCIlClgr: lfi :l móvel. 11111 nmr l!;t Ó pera de Pequim como um gcncml (à esqu erda. cru c il11i1); 1111\
compreendidos e aceitos pelos especta- uror hnlinês de In/Jt:JIg (uuiscuru de (caem) {em cima, à dircitn); IIIH ~t;(IJi rrudicional indiano lixado pela dança rina de
dores e os executam com habilidade e Odissi. Sanjllla" 1',II1igr,lhi (em haixo. ;'I esqucnlu); 11m quimono de gllCix:1 usado PC!:I dançarina de BIIYO, Kutsuko
AZtllllll (em baixo.:-, direita).
destreza como, porexemplo, nas famosas
cenas "no escuro" da Ópera de Pequim.
ESS,IS cenas são, de fato, executadas
em completa claridade: os atores fingem
obstáculos e se empenhamem duelossem
que um veja o outro...
T écnicas semelhantes são usadas na
pantomimaocidental e tambémforamen-
centradas nas tradições do passado. Elas
nos lembram representações da Cornmc-
dia dell'Arte, a rudimentar encenação das
peças de mistério da Idade Média e do
drama elisaberano. Mas a habilidade de
Shakespcare de usar palavras evocando
lugarese fazendocomque a atmosfera de
suas peças se torneviva foi definida como
"cenografia oral"; assim, no teatro orien-
tal encontramos a "cenografia em movi-
mento" rcpresenrada neste caso pelo ti-
gurino dos atores.

S. O fi~llrinn tlllC dil:l{;lCl ator: ri~llrin() hindu Y:t ksll;f~II1'I .


CENOGRAFIA E f-IGURINO 219

Q
Proporções, cores, figurinos cintilan-
1 tes, máscaras e outros acessórios transfor-
mamo atororienta!numa "cenografia em
miniatura", em constante movimento no
palco e apresenta lima infinita sucessão
de perspectivas, dimensões e sensações.
As origens dessesfigurinos são dcsconhe-
cidas e possivelmente remontam a práti-
cas militares que dobravamo tamanho da
armadura e roupados guerreiros,a fim de
. impressionar ~ aterrorizar o inimigo. Os
figurinos da Opera de Pequim (Fig. 1)
herdaramalgo dessa armadura: as bandei-
ras doombro indicam, como nossas estre-
las e divisas, a patente militardo oficial e
o número do batalhão sob seu comando.
De maneira semelhante as longas faixas
de tecidos preciosos dos figurinos bali-
neses lembram a glória dosguerreiros an-
tigos.
Mas, quaisquerque sejam suasorigens
e mesmo quandoeles são emprestados da
vida cotidiana, tal como o sari indiano e o
quimono japonês(Figs. 3 e 4), os figurinos
dos atores orientais não são apenas um
embelezamento ou uma coberturadoura-
da para o corpo do ator. No Oriente, e às
vezes também no Ocidente, o princípio é
usar o figurino como um parceiro vivo. O
espectador, então, é capaz de visualizar a
dança de oposições, os equilíbrios pre-
cáries e a complexa dinâmica criada pelo
ator,
Grandecuidado e atenção é dedicado
,Iesses figurinos e aos efeitos que eles
podem criar: o figurino, então, se torna
umjJt'Otltesis (este é o termo que foi usado
por Grotowski nos primeiros anos de seu
Teatro-Laboratório), que participa docor-
podoator,dilata-o e oculta-oenquantose
'" transforma continuamente. O efeito de
força e energia que o ator é capaz de
manifestar é reforçado e elevadopela me-
tarnorfose do figurino em si, numa relação
recíproca de troca: ator-corpo, ator-figuri-
no, ator no figurino.

6·7. Em cima, 1iJ.::llrinlls qllc dilnrarn I) 1.1Wr: proditção do


Ikrlin Sraatstcathcr, Homem é /WJI!CIll de llcrtolc Hrcchr,
(1931), com l'crcr Lorrc (1904·1%4). Em b,dx", L"ic
Fullcr (1862·1928), ,, fa mo xn rlançariua umcricann, con-
sidcruda precur sora thl d,lIlÇil modern a, vista ;Hllli numu
rcp rcscuraçãu nó, qual, gr:lça.'· :10 h..íbil uso de f;!ix;lS de
11I;!' colorida, ela ceve êxito em dar v ida :'1 lima capa de
p:mo branco. Lolc ltullcr foi 110m d..x primei ras dançari-
nus " "b:tmJon;;r ()p:deo de per spectiva 10 século ~.IX,
IlHlthllll lo para o uso do fiJ.::urino corno PCÇ41 de ccnano c
inovando o lI:m ti" (111..
220 CENOGRA FIA E fiGURINO

..

X-l I. 1 ~ 111 cima, o "[OI' in~ll:s David Carrick (t 717·1 77CJ}l:u mo !lirj nhu Urineem ,' Ci!Jrl sfI pc l'l vcracidudc hist úricuaupa lco, t ll JC infl uenciou n IiKl lcinoc rarnb émo comp ortamcn -
pmc;ru.111!II. ll c j uh u Vaubmgh. ":S(;I pintu ra de JU!l;1I1 í'..off'lny. ~lIõHd;ld;1 na cn[c\õiu do to eaçõ es nopalcn (cf. Fi ~. l,em PiJ).osli~urin()s tcat raiscmm ximplcsmc ntc mais be los
Teatro Nncioual de Londres, mosrrn nma pcrsnl1;j~Cll1l1l ~sclllil1 a ,·t:,'n itl:i1 (J Uli O mulher c mnis SllllCIIOSllS do quc os IIs:11ln..'i: na vida corld iana. O liJ:ucinn mnestrndo IICl Ui, ex tra-
põH:1 te r cfciru cômico c sa tírico. Nessa ce na, 11:1 q ua l u pC; rSlll\;Ihcm csnl 1X::I);ula. o ato r on llnurlamcnrc c1c~:Inr c, com sua ph llHõI de puvâoc saia õ1mpilr:ttlaporanuaçã odc ummc
fux um movim e nto bruscu c pnrrc d;1frent e do vcs ritlo xc ergue, de modo que n cs pccru- de '''iO, e m pam ser usado nu m ,ch:t1é paxtom l" e é 1111l ornam dpicn p..r:111 m dnnç nrinu
dn r pcrccbu u f 01 111:1 rnusculina qu cclc cxni usnndn por ba ixo.'\ esquerda, e m baixo, fi~ll­ da uuhrczu. Essa sai:, particular é IIIll :I rri ~() masculino, urna cobcrruru d" nlnicu que
rino pnra II Ill dauçurino-pastor desenhado por P. Lior, q ue tmballtou na In~I;I(Crra . de :1ll( i~;t l11 c n rc cru Ilsatla soh u ôlrnlôldl lr:1.I\ ,'Õ;tiôl CC;!mais la rJÇItio q ue .. :1I11pliCl ILlc do hruçn
1725i1 17Slt .J\ré 11[im d().'\é'CI llnXIXos fi~l lrill (Jsdc palco 11:1 I n~l a [c rf: 1 reneriam:1 modu tio :I ror. No ce ntro, pinrura do século XVIII de 11111Ar!eqllim. Ele não csni l.'C C(O de f( l lill l
contcmporâncn C e m mu itos eusos eram, PUH; It1W . disr:uues da realidade hisrc)rie:1dus Ii~urilln. a S::li:t hlr,!.:a 011 ilS: ca lçax, lhe serve melhor. 1\ direita, o fl/l /fT/(rv;, .1 s aiu ~r:.tn tlc
pcrSf)n:t~cns rcpr cscnnulos. Anres que ()rcnru do período romântico trouxesse o ~OS:[1l 11.'i:1l1:. pelos dcrvix cx, espa lha-se num co ne d urunrc () Ircu érico rodopiar do d:lI1ç:Hinu.
CENOGRAF IA E FIGURINO 221

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12-16. Aesquerda, em cimn, cena do rcurro Kuthukuli com (l'i atores rvl. P.
S..nkarun Nnmboodiri c K. N. Vij:IY'II'IIIl1;tr, representando pap éis mnsculino
c feminino, rcspcctivumcurc. J\ lilrglll"a da sitia, qHe uiio é :unparadil por lima
:1r1l1~1 ,:..in. 11l,lS por !lllílriphlscnmudasde OllCrilS :(;IÍ;U, pude ser I1lOdific;Ic!,1co m
:1t1jl lll" dos joelhos c das pernas, O ligllrino COnror couspiraru continuamente
COI}[fõ1 a ruonutcniu c o rédiu, À d ircirn, em cimu, CI uso de figurino» c
nccx·". rios purcicularcs, tais corno pcmus de pau, auxiliam o aror a mudar a
11:1(llfC7.:1 c{)citli:tn:l de 11111 CSIl;JÇO rcat rul ubcrro c não específico: ju lin Varlcv
1111111;1 rcp rcscnmçâodo Odin Tcarrcr 111111),1 rua de Nnva Ynrk. Àesquerda, cru
baixo, Arlequ im sobre pernas de pau: detalhe de uma gravura no Remeil
Jr'oJ.wnl (~'IH:;Cll de El'fOCull11o). No centro, atores mulas sobre pernas de
P:lII ... Adireita, aror sobre per ua de pau : de talhe di! Dinnstiu Wie (Z65·220
a.C), pintum de parede em D ll nllll;IIlt:, Chinu.
222 CENOGRAfiA E fIGURI NO

17-22. S/tojn é 11m leão ru frico de nr i-


~C l1l
chi nesa. Aqui Karsuko Azu mu é
visra balança ndo a juba do leã o. O s
fi~urin os bafincscs, indiunos c japo - I
neses Ircqitcnrcmcntc cnvclvc ru pcso
extr a, ;'$ vezes, :Icé 20 ou 30 q uikis, c j
ob rigam o aror .1 criar co nt ru-im pul-
sos, que cngajurn cunri nua mcn rc :1
coluna ve rteb ral, Os .lcc sst'irio s do fi·
gur ino tamb ém "levem mostrar-se vi-
vos por meiotia uçãodo corpo inrcirn,
Slto/n, 1U11l1 surpreendente vi!'>";10 mcs-
mn quando im óvel, su bitame nte co-
meça i l se mover; d e balançaxnu Inn-
gu ju ba puru se livra clus borb ole tas
que cxriin adejando ao redor de S I!: I
ca beça. A prc cisâo da x ólÇC)CS d n atriz:c
a peruca, lnnçmla (.':1«.1:1 vez.mais <11m,
com maior inte ns idade c energia, C()I1-
rribucm para multiplicar prodigio -
~
sumc ntc o efeito do mije.
I
I
CENOGRAfIA E rI GURINO

"\
J

.J

2.3. i\ alteraçã o <lo equilíb rio deste


dançarino lllôlj'I, C I I I.''iada pela incfinu-
ção da cabeça (cf, Fig. 16, em Eq/Ji/í.
Ini,,) é ilgom mail'l' claramente cn rcu ..
did:l: o dan çarino é mosrrado, prcva-
vclmc nrc, numode bahlllçilr() orna-
JI
mcnro de SII<l cahcçu d~ mesma mói-
! . nciru como () Sho]» japonêx balança
SII :I j ub u.
224 . CENOGRAfIA E fIGUR INO

.0

0]

j
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Z4~26. 1':111ci l11 :t . I ~ lsc Muric'L uukvik. atriz do Odin Tc arrcr, rrabalhandocmu :1t.'C S"i()" diferentes, criando dois efeitos distintos: 11m manco, cujo ~mmlc volume focaliza ;.1
II
rins durant e (J liurn11m Ilim(nJ. Os uccssdrios. duus I"J·~<.tci"'Js. n1lld :1111 continuamen te "'iO sobre () rosm li:., atriz, C dua s espadas, mnnridas 1111I11<1 pos içüo de guarda. que
:ICCIHr-;
de funç ão: J1111111ll0 l1)CnCO clus são unuus, em o urro 11111 mnnrn, de pois 11m;! corri nu que tamb ém moldam C1 rosto. Em ambos os casos. os olhos estão Oi! I1lCSmi.1 direção. as
pode ser c lc vmln para escond er n rosto . ll nlil pcç u co ntín ua c dC~IIl[c rlc mc mmorfose pernôls s~ u dobradas -lla.'I1lc."iIl1;J manei ra, os br.IÇ'OS são muuridos acima da cintura, nms
e m prcrn c hmncn.·Em bilixn,;"' esq uerda c :. dircitu, Lin Chun-l fui como Yu-chi. IIl11a IlO primeiro C:ISO o efeito é extrem amente suave (observe" dc licudc xu dos peq ucno.x
'
~t1 crrc it..t . nu {) pcnl de Pequ im. i\ ut riz 11.'\:1 n mesmo fi~lIrinn COIll dois uec s...círios

I
dedos erKtlitlo:'l), :10 passo que no segundo o e feito é de e xtre mo vigor .
CENOGRAFIA E fIGURINO 225
Traje cotidiano, Iigurino
extracotidian o
O quimono, traje cotidiano e tradicional
dos japoneses tornou-se um figurino tea-
trnlcxtracotidiano: representar usandoum
quimono resulta em mudanças na posição
das pernas, que estabelecem tensões e
oposições de equilíbrio precário(Figs. 27
e 28); além disso, o quimono tem um
efeito de volume que modifica considera-
velmente a percepçãodo espectador,
O quimono transforma as proporções
do corpo do aror, graças ao cinto (obi)
colocado bem acima da cintura. Ele tam-
bém oculta a flexão das pernas (Fig. 28).
As amplas mangas criam proporções con-
trastantes entre a solenidade da forma pi-
ramidal e a estreiteza do pulso (Figs. 29 e
3]). Quando Kosuke Nornura, ator de
Kyogcn, demonstra as mesmas posições
sem o quimono, tem-se uma percepção
completamente diferente do seu corpo
(Figs. 30 e 32).
Claramente n30 se pode dizer que o
figurino em si é pré-expressivo, porque é
sempre o ator quem lhe d áforma. Entre-
tanto, no caso do quimono, com suas li-
nhas severas e geométricas, que respei-
tam as dimensõesoriginais do cilindrode
seda do qual ele foi cortado (sem desper-
dício de tecido), o figurino tem influência
considerável sobre a maneira como o ator
é percebido. Os atores japoneses sabem
bem dissoe oexplora mconscientemente.

. 31 ' ....; ,.,: : . .'

27<12. Em cima.« muda nça na pnsi,:.in d~1 pe rua nuuli-


liC'I:l pcrccp\-fl o do volume dn tigllrinn da d;\ r.,-~ari n:1 pd u
espectador; K:lrsllkoJ'zllma 011111.1demen xrraçâo d:I IS'I""
de Bonn (Jt)XU). No cen tro c em buixn.u a tor dc Kyu;:cn.
Knsukc NUIll Ilr-a. muua dcmnn.-ar.H; ão 11<1 ISTA de \in1-
terra (19:{1)~ ax mesmas ;Içi>cs com c :"c111C) q uimono.
226 CENOGRAFIA E FIGURINO
As mangas-de-água
Nada causa mais aborrecimento aos ato-
res do que suas mãos e braços. Todas as
posições que eles inventam para elas, es-
condendo-as em seus bolsos, fumando um
cigarro para dar-lhes algoa fazer, apertan-
do-as ou dobrando-as, perturbam muito
mais o espectador. Os atores da Ópera de
Pequim, ou antes seus figurinos tradicio-
nais,possuem "mangas-de-água"; uma ex-
tensão artificial dos figurinos, feitas com
outra peça de seda, com freqüência bran-
ca e brilhante (Fig. 33). Elas estão em
movimento contínuo durante os.longos
momentos do diálogoou canção, quando
os atores permanecem qUflse imóveis de
maneira que a emissão de seus falsetes
possa ser ouvida. Elas deslizam, fluem e
mergulham como as águ<ls de uma torren-
te montanhosa. O ator usa seus braços pa-
racontrolara fluidezescorregadia da seda,
seguindo ou opondo-seao ritmo da músi-
ca, enquanto a brancura do pano que se
move delineia as cadências das falas ou
canções com uma graç a quase natural. As
mangas-de- águ a são um instrumento valio-
so para o ator chinês, mas os atores oci-
dentais estão também familiarizados com
seu uso,comose pode ver por umaquanti-
dade de velhas gravuras (Figs, 33-34).
Este detalhe do figurino age como um
contrapeso. Verdadeiros elementos escul-
turais, essas mangas parecem ter vida pró-
pria e podem adaptar-se aos movimentos
e oposições criados pejo ator. A energia
necessária p<1ra dominarseu enorme e de-
sajeitado volume afastae exalta a inquie-
tação que o ator freqüentemente sente
ante os bra ços e mãos.
33.:';4. i\ c...qu c n la , n ator tia Ópcru de Peq uim nu ma
posiç;i n rípic;, nJl H il." m:tn~:I." br<lOt" I.'i cbamarlnx JÁll j xhr
(manh'.ls-l!t.:-.i;:'ll:t), Em I»... ixo, m'l n J.;""" s·d c·~hll:1 e m "árias
rr.nliçõcs. I);, es q ue rda para a direita: papel femi nino na
Óp..:r:l de Pequ im: Pukindl:l numa ~r;.IVIJ(" do século
XVII; Picnot numu ~r:.\\'ltr.l Iranccsu do sé c ulo X IX;
Pulcincl la numa ~r.1VIU<1 do sé culo XVIII.

l.
22 TEATRO ANT ROPOLÓGICO

A metade fêmea raiu« COII! bract!eles doumdos


A melade macho é adomar/acom brrrce!eles de serpeiues
A IIJelar/e/êmea possui olhosdeamor
ti melar/e macho tem oliJoJ· medilativos

ti metadefêmefllelJl lima glillalr!a deflores de(1IIJfllr/oeim


li melar/e macho tctu UIII(I glÚW!dfl r/e crânios
Vestir/a com JYJII/las r/eslll1l1brallles
Estáa meladr:fêmea

Na(1 ametar/e maciJo


i1melar/e.fêlJ/e(1 é capaz delor/a criação
A melar/emadlo é capaz detoda deslmiçiio

Eu mevolto /lam você


Ligado aoDeus SiJiva
Sua esposa
Eu mevolto pnm você
Ligado ri Deusa Sltiva
Sen mmir/o

.H . Dunçarinu juponcsa de l\IIYo como Shimbioshi, dançarina míticu dep<lpéis l1I aSCI I ~
linos.

Iben Nugel Rnsrnussen canta um lamento xarnã para um


povo destruído. Ela então reaparece como urna adolescente
balbuciando alegremente no limiarde um mundo em guerra . A
atriz oriental e .1 atriz ocidental parecem se mover ,1 distância,
I cadauma no fundo de sua própria cultura. Não obstante, elasse
li
I
encontram. Elas parecem transcender não apenas suas próprias
personalidades e sexos, mas também suas próprias habilidades
artísticas, e mostram algo que está além de tudo isso.
Um mestre de ator sabe quantos anos de trabalho estãoatrás
desses momentos. Mas ainda parece que algo floresce esponta-
neamente, nem procurado nemdesejado. Não há nada aser dito.
Pode-se apenas observar, como Virgínia Wolf observava Orlan-
do: "Um milhãode velasardendoem Orlando sem que ele tenha
pensado em acender mesmo umasimples vela".

~r~~"' ''=.
·.c.:"" :.... . .'. ..... ~, ...
.l). Shiva Ardhanurishwuru: tigura andnígiml (século VII a.C., baixo-relevo, ~I IIS Cll
l\ n l l lcnl{,~it:{) . [ balawur, Índhl). .
I I
A flor é o esptrho, a fécn;w i a semente.
Ze umi, Fushikadarn

A Noção de Técnicas Corporais


O modo com o usamos nossos corpos na vida
cotidiana é sub stancialmente diferente de
como os usamos em situ ações de rep resenta-
ção. Nu vida cotidiana usamos lima técnica
corporal que foi condicionada pela nossa cul-
tura , nossa posição social e profissão. Mus
numa situ ação de representaç ão o uso do
corpo é compl etamente diferente. Port anto ,
é possível diferen ciar entre a t écnic. cotid ia-
na e a t écnic , extrucoridiuna.
O antr opólogo francês Murcel ~'Iau s s foi o
primeiro a falar de "Técnicas corpo rais" ,
numa con ferência na Sociedade de Psicolo-
gia de Paris, e m 1934. Citamos trechos do
te xto de Muuss, publ icado em 1936 no I onr-
ual of P.~ycholog)' (XXXII, ·n ." 3/4).

"Jl Noçiio de Técnicas Corporais


Deliberadamente e u digo técnicas COIPO -
rais no plural porque é possível produ zir
uma teoria da t écnic. do corpo, no sing u-
lar, na base de um estudo, uma exposição,
uma descrição pura e simplesr!l7s t écnicas
do corpo no plural. Pela expre ssão quero
dizer as maneiras pelus quais, de socied a-
de a sociedade. os home ns sabem como
usar seu s corpos. Em qua lquer C'ISO , é
essen cial mover-se doconcreto para o abs-
trato e não de OUtlO modo. (...)
O corp o é o primeiro e mais natura l
instrumento do homem . Ou, se m fular de
instrumentos, o primeiro e mais nat ural
objeto técn ico do homem, e, ao mesmo
tempo, meio técni co do homem .

ListaBiográfica das Técnicas Corporais


Eu sim ples me nte seguirei mais ou men os
as idades do homem, a biografianormal de
um indivíduo, como um arranjo das técn i-
cas corporais que dizem respe ito a e le ou
que lhe são en sinadas.

1. Técnicas deNascimento eObstetrícia


(...) As formas de obstetrícia são mu ito
variáve is. O bebê Buda nasceu com sua
mãe Muya em pé e agarmda '10 ramo de
urna árvore. E la de u à luz em pé. Em ge -
rai, as mulheres indianas dão ;\ luz nessa
posição . Algo que pen samos que seja nor-
mal. com o o dar ,I luz deitada de costa s.
não é mais normal do que em out ras posi-
ções, por exemplo, de quatro. Há técn icas
p,ml parir, d. mãe ou de seus auxiliare s,
como seg urar o bebê, cortar e amarrar o
cordão umbilical , cuidados com a mãe ,
cuid ados com a criança.
l-S. Téc nicas ,1;1 in f;illl.:i~l : ~t1i l11c: n r'lI11ln lima l'riôlJl<jil recém -nas cida . Em cima, õ\ cxquc n la, Virgem t\-h\riil italiana do
.-.êclllu XVI: em cima,;ol di rcira, t1cll~a de jw .-a. sécu lo VIII ~1 .C.: nu ce ntro, li esq ue rda, mulher t<ls.nhl i ( Fil ipin<l~).
Técnicas lb :ulnicscê nci;l: no centr o. li d ireita•• ulolcscc nrc cip o (N nva GlIiné) treinando (écni cõls de com bate : em
baixo, udnlcsccnt c eu ropeu faze ndo hin:ísril";,l (de 11m rnunna l alemão do Finat do séc lllo XIX).
22R TÉCNICA
2. Têcnicas para Educação na Infãncin c
Alimelltaçáo (la Criança
Atitude s dos dois se res inter- relaciona-
dos : m ãe e be bê. Tom e o be bê -
amumen rundo, se ndo carregudo etc. Um
bebê carregado pe la mãe du rant e dois ou
três anos tem urna atitu de totalmente di-
'I
ferente, em relação sua müc, da de um
bebê que não foi carregado assim; ele [em
'.
um contato com s u u mã e diferente de
nossas criunçus. O bebê adere ao se u pes-
coço, seu ombro, se nta-se escurrunc hado
em se u qua dril. ESSil notável gin.isticn é
essencial ao longo de s ua vida. E h,í OUtr:1
ginástie" puru u mãe que o carrega. Parece
aqui qu e surgem e stud os psíquicos que
desaparece m ti" infância conosco. Há con-
tatos sexu ais, co ntatos de pel e etc.

Desmnme-s- Leva um longo tempo, geral-


mente dois ou três "no s. Leva um bocado ~
de temp o par" que o leite du mãe deix e de ~
escorrer. Alé m disso h;í relações entre
desmame e reprodução, suspensão da rc-
produção dur ante o des mame.
A hum anidad e pode ser divid ida mais
ou meno s e m pessoa s com berços e pcs-
SO'IS sem berços.

A Criança Desmamada- Ela sabe corner e


beber ; é ensinuda uandar; é rre inudua ver,
ouvir; num sent ido de ritmo, forma e mo-
vimento, freqüentemente para dançar c
ouvir m úsica.
Adquire as noções e p ráticas do movi-
mentar-se c da resp iração. Assume postu-
.rus lJue lhe são impostas com freqüê ncia. ._ - -- - - - - - -- - - - - - -
.l. Técnicas da Adolescência
(...) O grande momento na educação do
corpo é, de furo, o momento da iniciuçâo.
Por causa do modo como nossos rapazes c
rnoçus são edu cados, imaginamos que ;101-
bosudquirem as me smas maneiras e POStu-
r,ISe recebem o me smo udesrrumento em
toda parte. t\ idéia já é err ôneu u respeito
de nós mesmos - e é totalmente f;IIsa nos
assim chamados pulse s primit ivos. Além
disso. desc revemos os faros como sc sem-
pre e em toda parte tivesse existido algo
similar ti uma de nOSStlSescolas. A cegrtl é
oo posto. Por exemp lo:em todusus sociedu-
des ncgrus,a educaçâo do rupazse intensifi-
Cõl pen o da idade da pub e rdade . ao passo
que ;1 das mulhere s pe rmanece rrudicio-
nal, por assim dizer. Não h'l escola põl rtl
mulhe res. EI"s estão IHI escola com S U:lS
mães e hí são treinud us continuamente,
cncaminhundo-se diretam ente, com pau-
C'IS exceções, para a con dição de esposas.
O rapaz e ntra na socieda de dos homen s.
onde apren de sua profissão. sobretudo a
arte militar. Entretanro, tanto puruos ho- ó· l l . ·J'é<:nic l.'i doôulllJw: sentar. Em cima. à csqucnl.r, ;UtCS:ll) indiuno: em cilll~l, .i direica,()lciro t.:'~ íp d l) c, no centro.
mens quanto para as mulheres, o momen- ;', csquc nfu, cSl:rih :1 c~íJlc.:in; nu ('CnH O, ;1 dircit<l. dcscuhis ta fr:llll:ê:". Técnicrs pôtr:l s ul1 ir: t'ml",;xfJ. ~ c:squcrd" .
to decisivo é o da adolescê ncia. É aí q ue rll llt::ion:i rin de (dé~r;lfn nus ":sr:u/u'õ lInitl,).'i: cru baixo. ~I Ilircit:l, coletor de cocos nu i ndiu.

ap rendem definiti vamente as técnicas do


corpo que conservarão por toda ;1 vid;l
adulta.
T ÉCNICA 229
4. Técnicas para a Vitln Adulta
Para fazer um a lista pode mos percorrer os
vários mo me ntos do dia, e ntre os qua is os
movime nto s coo rden ados e a suspe nsão
de movim entos são distr ibuídos.
Pode mos distingu ira sono e a vigíliue,
nav igílin, o re pouso e a atividade .

Técnicns tio Sono- A noção de que ir


para a C'IDJa é algo natural é tornlrnenre
inexata. É possível distinguir socie dades
q ue não usam nada pura dormir, exce to o
'c hão' c as qu e, como rec ursos, uti lizam
instrumentos. (...) l-lá povos com e sem
trave sseir os. Há populações q ue se dei-
tam unid as num círculo ao redor do fogo,
ou mesmo se m fogo. Há maneiras primi-
tivas de se esq ue ntar e mante r os pés
aqueci dos. (...)
Finalm ente, h:í o mod o de dorm ir e m
pé. Os musuis podem dormir assim. Eu
dormi em pé nas mont anh as. Tam bém
dormi sobre cavalos. Às v ezes até C'IV.ti-
gando: o cavalo era mais inteligen te do
q ue eu . Os vel hos cronistas das invasões
pintam os hunos e os mongois dormindo
sobr e os cavalos. Os cavaleiros que estão
dormi ndo não in terro mp em o av anç o dos
J.
animais. H ã a rc de de dor mir e o modo de
dormir sus pe nso.

Vigília: Técnicas de RepOllSO


O re po uso pod e ser um descanso per-
feito ou um a me rasuspe nsão da atividade:
podem os re po usar deit ados. sen tados,
ag'lchados e tc. A mane ira dc se se n tar é
Fundamental. Você podc distinguir a hu-
munidude acocorada da huma nidade scn-
tudu , E, entre a última, povos quc se ser-
ve m dc banco s e povos que não usam
bancos ou estrados; povos com cadeiras c
povos se m cudeiru. (...)
H ~ povos qu e t êm mesas e os que não
as têm . t\ mesa est álonge de ser un iversal.
... No O rien te usa-se um tapete, uma esteio
ru, Certas socie dades rep ousam em posi-
ções pec uliares. Assim, toda a África perto
do N ilo e parte da região do Chudc, todo
o caminho pura Tu ngunica, é habitudu por
homc ns q uc rep ousam nos campos como
' IS cegonh as, Algun s de scansam sob um
pé sem nenh um apoio, OUtros se apóiam
numa vara.

Técnicas tia fltividacle. do Movimellto


Por de finição, o repouso é a ausência
de movimen to, o rnovimenr o u ausê ncia
é

dc rep ouso. Aqu i estão: movimentos do


corpo inteiro: s ubir. pisar, andar.

'. f lmlar - O hnbifl/s de o corpo estar reto


enq uanto caminh a, a resp iração, o ritmo
12-17. T~en it.::ls par:1 clIi,!ar tlu Cllfpn: t:IU cim;I.;1 t:s'Illt:rda, mulher japullcs:1 l.'IH seu banho; em dlll ;l.;1 d irei ta, do andar,a oscilação dos punhos, dos coto-
rrubalhadoms "ir:,li:'11<IS i 1l 11) S 11 . ..c r\'iç ll . 'l'écnic.;:Is 1):1(;1 cont er : ll ll l:cnrn). ;1 C!'Ól l l lc n hl. japoncsc x do SéCl l lf l XVI I I ve los, progressão do tronco no avanço do
come ndo 11m ri po de macurrão: 111 1 ccurro . à direita, rrc.:~t1ês de II IH bar IIe SfI!flfU/ :1I11c ril.";lllo no fim do s éculo X I X. corpo a li o avan ço de qu alquer lado do
Técnicas de movimento: em baixo, ;\ esquerda. " p:ls:m de: ;!;:IIl SIl" tio :mld;ulll ulcmâo: em h:lixo, ;'\ direita. tulc ta in:,.:lês
numa corrida no ink in tlu .'iécll tO.
corpo alte rnadame nte (fomos acostum a-
dos a mover tod o o corpo para a frente de
uma vez ). Os pés voltados para dentro ou
fora. O 'p asso de ganso'. É a maneira pela
qual o exé rcito alemão pôd e obt er o máxi-
mo de exten são da perna. Os nórdicos, de
pe rnas com pridas, fazem o passo o mais
longo poss ívc l.
230 TÉCNICA
0)17.'1" - Posição dos pés, do s bra ços,
respiração, ,I magia d,) corr ida , resist ência, . ~

Finalm ente, as técnicas de repouso at ivo,


que niio são apenas assunto de estética,
m as também de jogos corpóreos.

Dançar - Talvez você tenha estado pre-


se nte ,15 conferências de (Erich Maria)
Von Hornboste l e Curt Sachs. Concordo
com 'I d ivisão deles e m danças no repouso
e dan ças na ação. Estou menos preparado
para aceitar a hipótese deles acerca da
di visão de ssas danças. Eles são vítimas do r.
erro fund amental so b re o qual se apõiu
uma pane da sociologia. Supõe-se que
haj ,)socie dad es com descendência exclu-
siva m e n te masculina e OUU'IS com des-
ce nd ência ex c lusivame nte uterina. As ute-
rinas , se n do ferninizadus, tendem a dan-
çar s e m des locar-se ; as outras, com de s-
cend ên cia masculina, têm seu prazer no
desloc ar-se . C urt Sachs classificou melhor
essas dan ças em extrovertid a e introverti-
da. C..)
Finalmente, devemos compreender
qu e dan çar nos braços de um parceiro é
um p rodu to da civilização moderna euro-
p éia, q u e demonstra que co isas que ncha-
mos naturais têm uma origem hist órica.
Mais ai nda, ela s horrorizam a todos no
mund o, exceto a nós mesmos.
Trunsporro -rne para as t écnicas do cor-
po que usamos como profissão e ou r écni-
cus mais com plexas.

Saltar - Acompanhamos uma trans-


fo rmação nas técnicas d e saltar. T odos
sa ltamos de freme em um trampolim. E sta
té cnicaj áfoífelizme nte 'jbandonadn.Ago-
ra as pessoa s saltam de lado . Saltar em
ex tens ão, em altura, puru cima e para bai -
xo . Sa lto em pé, salto com vara .

Sllbir- Posso dizer-lhes que s o u muito


ru im para sub ir em árvo re s, apesar de
razoáve l em montanhas e rochas. Uma
di fe rença d e educação e, conseq üente-
men te, de método.
O m étodo para subir em árvores com
um cimo que segura o tronco e o corpo é
de imp ortância primordial entre os assim
chamados pri m itivos. Mas nós nem me s-
mo us amos desse cinto. Vemos trabalha-
do res da tel efônica subindo com ganchos,
mas não com cimo.

Descida - Nadn é mais perturbador do


que ob se rvar um berbere Kubyle descen -
do as es cadas em chinelos turcos (bllb oll -
ches). Como ele pode dar os passos se m
q u e os chinelos escapem? Tentei ver isso,
fazê -lo, m as não posso compreender.
. Nem eu pos so entender como as mu-
lhe res podem caminhar com saltos altos.
Assim tudo tem de ser observado e não
apenas compnrado.

Nataçã«- Mergulhar, nadar; uso de mei-


os su p le mentares, Ilutuadores de ar, pran- 1X-25. Técnicas de repouso: coluna superior, ;1 c.sqncnla, fumantes chi neses de ó pio em mead o.." tio sé culo XIX;
co luna ~lIpcri(}f. ;1 direita . L-J.~;l l e trusco n ól mesa de b;JIU IUCrC (séc ulo J d.C.); sc~mllla fileira, ;, esquerda, vel ho
chas e tc. Es tamos a caminho de inventar a nurrinbciro Imb ntlê:O;;:'õC~l lOlI;( Fileira. ~l ll ircir.a . hnmem pnlinés io; ter ceira lilcinl. tic.'iq'lcrdil.•m ulhe r javancsa; terce ira
navegação. (...) filcir-J.:I direita nuixicu india no; em baixo, ~ csq ucnla, ;,ír\Jbc reza ndo; em baixo. ~ dire ita, t écnicas de rcprodllç:io:
1I1,i:iu rânrrÍL":111:1 Ímliôl (sécu lo X d.C.)
Têcnicas da OJllS11~açiio
TÉCNICA 231

OJ11zer- Você se recordará da estória que


(Harald) Hõffdin g repete so bre o xá da
Pérsia. O xá era o hóspede de Napoleão
III e comia com os dedos ; o imperador
persuadiu-o a usar um garfo dourado.
' Você não sabe o pra zer que está perden-
"
do ', replicou o x,í. Ausênci a e uso de facas.

Beber - Scri a úril e nsinar as crianças a


beber diretamente da fonte, do be bedo u-
ro ou de poças de ág ua etc ., para ento rnar
as bebi das diretam ente pelas suas gar-
gant as.

Técnia/llcreprr)(lllçiío - Nad a é mais técni -


co do que as posições sexuais. M uiro pou-
cos escritores tiveram a cora gem de discu -
tir esta questão.

Consideraçõe: gerais
(...) Acredito que a noçã o de educação das
ruças que são selecionadas baseadas em
um determinado rend imento é um dos
momentos funda mentais da própr ia h is-
t óriu: H ed ucação da visão, a educação no
caminhar- sub ir, descer, correr. Ela con -
siste especialmente na educação a sangue
frio. Que é antes de mais nada, um meca -
nismo de atraso, de inibição dos movi-
mentos desordenados; esse atraso permi -
te subseqüentemente uma resposta coor-
denud . de movimentos coordenad os par-
tindo em direção a um fim esc olh ido. Essa
resistência ao impulso da em oção é fund a-
ment al na vida soc ial e me nt al. El a distin-
gue urna da outr a 'IS ch amad as soc ieda des
primitivas, e as classificam conforme ma-
nifestam reações mais brutais, não reflet i-
das, inconscientes ou, ao con trário, ações
mais isoladas, pre cisas, governadas por
uma consciência clara . É graças à socieda-
de que há uma intervenção da consciên-
cia. Não é pela falta de consci ênc ia que há
uma inte rvenção da socie da de. Graças à
. socie dade há a certeza do s movimento
prontos, domínio do consciente sobre a
emo ção e a inconsciência.
Me u amigo Grnn etjf mo strou técnicas
do corp o e técni cas da respiração. Estudei
suas grandes invest igaçõe s sobre as técni -
cas do taoísmo, t écnicns do corpo c técni -
cas da respirnção c m particu lar. Estudei os
textos sânscritos sobre ioga o s uficiente
para saber que as mesmas coisas ocorrem
na Índ ia. Acredito precis amente que no
fu ndo de todos os nossos estados místicos
há técn icas do corp o que não foram estu -
dad as por nós, mas q ue foram estudadas
tota lmente na Chi nu e na Índ ia, desde
é pocas remotas. Este estudo s õcio-psico-
biol ógicodo míst ico de veria ser feito. Pen-
so lJue há necessariamente meio s b iológi-
cos para entrar em ' com unicação com
Deus' ."

26-.;0. Tél·l~ it.:el S cx tracotuli..nax 11;1 dan ça : em cima. ;"1 esque rda, ,InpI:. americana nos unes 30; em cimn. à direita.
tJ<lnprrioo.'i Co.~-"i;lt:().'i; ~q~lI nl r;1 fileira, uilup rino.<; dCI\'ixc.'i »;1 TlJnllJi:J. T él:niL":I'" de controle 110 curpo c &1 men te:
te rce ira fileira, 1I11~1.~ posições do harhaynga. Técnicas de controle c retenção de clh.: r~i;l : em baixo, hi n;Í.~[ ic;l tuo ixta
Ct\'(i.Ko1Jg) num tratad o chinês do s éculo XIX. emh. exercício desenvolve l) co ntrnlc da rC.'ipir;I~,:in.
TÉCNICA
A coluna: O leme da energia a coluna verteb ral é usada para afetu r o tõnus direção oposta, a fim de equilibrar os omb ros
A qualidade do tônu s mu scular que determi - mu scular, (cf. Ttibha1/gi em Oposirão).
na a pr é-exprcssividade está diretamente li- A observação aten ta reve la q ue um ator Em Java, aorigem do Wayan g Wong sirua-
ga,!.t Ú posição da coluna verteb ral, ,b Ópera de Pequ im rem u su a coluna verte - se no teatro de marionetes. Isto talvez expli -
Acolu na ve rtebral pode ceder, enfati zan- bral estendida puru cim a e qu e um ator do que por que a coluna verteb ral é reta e rígid'l.
do o peso e <1 força dn inércia, mas também Nô ja ponês aprese nt<l urna ligeira curva na Movimen tos im pe rce ptíveis para fora criam
pode ser mantida e reta ou curva de modos parte superior da coluna e a região pélvica 'I
um efe ito de nova e ne rgia cada novo passo.
particulares, criando uma arqu itetur a de ten - para trás. Na vizin ha ilha de Buli, a coluna verte bral
sões que dilatam a presença do ator. No Bhuruta Nutyum da Índia ' I coluna é curvada com o no Kuthak uli indiano, e as
To das 'IS técnicas ex trucotidiunus do cor- ve rte bral está perf'ei tumcnte na ve rtical. Em peruc as treme m por C'llI S<1 dos movimen tos
po, parte del as ligada s <1 formas teatrais cedi- relação a essa linha ve rtical os ombros e o rápidos do pescoço.
ficados, são baseadas no domínio de u rna pe scoç o são usados como elemen tos dinâmi- Tod a técnica extracot idiunu é conse -
postura purticulur, isto é, urna colocação par- . cos, que disciplinam e cana lizam o tem pe ra- qüên cia de uma mudan ça do ponto de equi-
ticulur du coluna ve rteb ral e de seus anexos: ment o do ator. Ainda na Índ ia, e m outra líbrio da técn ica cotid iana. Esta mudança afeta
o pescoço, as costas, os ombros, o abdôm en e forma de d.mçu chissicu, Odi ssi, a coluna ver- a coluna vertebra l: o r õrux e, portanto, a ma-
o quadril. tebral mant ida numa forma "S" curvada,
é neira como a parte superio r do corpo é esten-
As várias formas teatr ais são distinguidas causada pelo deslocamento bter,d do quadril dida; :1 mnnei ru como o quadril é mantid o,
pelas maneira s diferentes por meio das quais e por um ligeiro movimento do pescoço na isto é, o modo d e se mover no espaço.

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JAVA

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lhll\\-:I étniL";,\: cLtpraticou c ensinuu ;lSt";c nic;ls 1l.1 Ellrnp;\ c 11:1 América.
TÉCNICA 233

..

4 1-4-1. 1 ~1lI cima , S:l1Itl:ll;~n j:llllUle..·S;I na pll,i~':i ll :ljoc.;lh:ltb . llt.:mnn~rr;Hhl por Kuxukc
NUIllIlT;t na L..,~ri\ de VllhcH;' (lCJ:-i I): IIm:1 Iéc.."llil,.";1 c.: olilli;lIl:t 11" (,." fni tf:IO',fcritb intacta
P :IJ;1 .. tea tro. t\ c.:OIIl Il ;' \ cu cbral cse:í (,.-lIr\ ;ltb de numci ru o pu'O(a ;1 ..11;1 p o.si\"iio natural,
da mlo IIIH ;I ~r;.",dc di ~l1itl:ll h; ;, :a)n. N IJ ~ .uorcs t: ll lllpC II\ 1I1lC iminun :I :l\':tU de
maneira superfici al, sem l'nnsl:i~nt:i~ Il ..ic r. C"":I t1 i.~lIi d:Hk "C {f)CIl:1 xcrvilicladc (os
atures til! ((,; ;1(1'0 vuudcvillc de P:lris na I'ct, " :l IJJiIll~'(1 dn amor, de .Il1dilll (;;II1tÍt:r. IY07
"'IH h-li\"n'
234 TÉCNICA
o grito mudo
Ao fim do te rceiro aro de ,JM! Comgelll, de
Brec ht. os soldados carregam o corpo de
Sc hweize rkus pura ,1 cena. Suspeitam que
c lc sc jno filh o da rvlãe Coragem e querem
q ue el a ide nt ifique o co rpo . De acordo
co m o texto de Brecht, quand o o corpo do
filho é co locado diante dela, Mãe Co ra-
ge m mene ia su a cube çu duas vezes, ind i-
can do que não o reco n hece u. Então, os
sol dados carregam o corpo para lon ge e
ente rram-n o nu ma vala co m um .
Q uando Hel ene We igel , a mai or atriz
das per sonagens fe m ininas b rcch rianus,
..
d esempenhou esta cem], permaneceu imó-
ve l: mov eu some nt e sua cabeça, indican-
do aos so lda dos que o corpo n ão er a o do
se u filho. Q uando e les a for çara m a olhar
mais uma vez para o co rpo, e1'1novam e nte
se recu sou '1 recon he cê -lo, mante nd o urna
express ão fixa e au sente. Ma s quan do o
co rpo foi levado para longe, Weigel voltou
SU'l cabeça para a direção oposta e abr iu
amplame nt e su a boca nu m "grito m udo " .
George Steiner, q ue v iu We igel no
Be rliner En se mble, rela ta:
" E la volto u a cabeça e abriu bem a
boca, (;11 como o cavalo griwnre no
Guersica de Pic asse . Um so m áspero,
te rrificunt e, indescritível , foi e mitido
pela s ua boca. Mus, de furo, não hav ia
so m. N ada. E m o so m do silê nci o abs o-
luto. Um silê ncio que grit aV'le grita va
utruvés do teatro, fuzendo a platéia cur -
vur suas cab e ças co m o s e tivessem s ido
atin gidas po r uma rajada de ven to."
(G . S tciner, A,IJor/e ria Tragédia, I 'J61)

Isto foi ,I impressão de um es p ectador.


Agom, o mesmo tra balh o é d esc rito por
um histo riad or teatral :
"We igel d escobr iu que tinha de
rep resen tar rod e ada de sím bolos no
palco, com u rna Cilrroç" que em me ta-
de um tanque de gue rra, metade um
bazar, sobr e um" roda que significava
..
o mund o da Mãe Coragem, e llu e '\
cada situação a cO\OC"V'1e m uma di fe-
re nte posição no es paç o. Ela con se-
gu iu e vitar se r oprim ida por t ud o isso
porque.co mo uma atriz qu e tin hu trubu-
lhudo co m P iscat or , sabi a que podia
comb ater o ab strato explor.mdo a fisica-
Iidude de s ua person agem e '1 c riativi -
dade do seu próp rio co rpo de n tro d'l
situação.
E la com eço u a ensaia r usando um
crité rio que Brec ht ge n e ralizaria de-
pois no Berliner Ensemble: ela traba-
lhou SIHI parte inteira mui tas e muitas C':',;';,~~~~~
'.'''. , ~ ,~,
vez es, co nce ntran do -se so me nte em
45-47. () "~rito 1111 Itlu" : l Ictcnc Wei~d (J 900-fl.J7J) em ..lJlie(:on~!!,m'. de Bcnnh Brccht no Ik rlincr Enscmblc (1949).
esb oços inte rpre ta t ivos aproximados, J\ intcll'iilfadc do ;:.rico é sll~rcn r:ltb pcJ:,.'i \'iíri:J!'i tensões nu cclun« vertebral,
se m form as d efin ida s. Wei gcl tinha a
se u dispor cerc a de uma ce nte na de
de talhes d ife re ntes e postu ras nurruti-
YaS que ela podia us ar pam re velar o
re laciona men to e ntre u M ãe Cora gem
e as outras per so nagen s; e desenvol -
ve u outros de talhes e p osturas e m atu-
açõ es post eri ores. A p ostura da e norme
dor, 'I imagc m inesqu ec ível de Wc igel
mantendo sua boca aberta umplarncn-
t e, mas se m emitir nenhum som, upa-
TÉCNICA 235
rec cu ap ós muitas representações,

-·. ~.:.".:;;:.::.. ;_,.~: /.:.


Q
quando do se u subconscie nte veio uma
1h
.'~
D ;./ . ~
.
imagem que el a viu ce rta vez numa
fotografia de jornal: uma mulher indi-
una grita ndo durante o assussinato do
.. .. se u filho. "
,' .> • •
(Cluudio M eldolcsi, "Brecht em Ens aio,"
em C. Meldolcsi, L. Olivi , Bmhl, aDire·
l or).
A pro pósito da mesma atuaçã o - no
mesmo livro, no d iário mantido por Huns
Bunge, assi stente de Brecht - lê-se :
.. "WeigeJ, por exemplo, executou o modo
de andar d,]Mã e C orag em não reorizando,
111"S usando a roupa e sapatos da persona-
ge m desde o primeiro ensaio" .
Como pod e ser visto na fotografia (Figs .
45, 47 ), o "gr ito mud o" de Wei gel é ba-
seado na tensâo da colu na vertebral, atra-
vés da qual ela transporta uma energia
equivalente ã de UI11 grito.
A com pree nsão do efeito emotivo da
co lu na ve rte bral e es pecialme nt e a aten-
ção aos detalh es físico s concretos estão
claras no seguinte e pisódio, contado por
Helene Weigel a E k ke hard Schull, um de
se us colegas no Berli ner Ensemble:
"Uma vez Helen e Weigel contou-
me ,I se guinte história. Como jovem
utriz ela representou ao lado do grande
Albert Busserm unn , em um a das peças
de Ibsen , penso eu . Numa cena em
que ela estava no palco com ele, Bns-
sc rruann rel atava u ma sé rie de notícia s
cutnstr ôficus: a morte do pai, da mãe,
dos filhos . (Riso s.) P'Ha d izer essas no-
tícias catastr óficus, Bassermann ficava
de costa s para a platéia. Um dia, Hele-
ne reclamouque se u rosto permanecia
esc ondid o do público, e não mostrava
nenhuma emoção, e o que era pior, as-
sumia algumas expressõe s pesso ais.
Então, ele responde: ' E daí, o público
não vê o meu rosto '. Ele atuava com
SU,IS costas: representava cada choque
que recebia com SU,IS costa s."
(E ntrevista co m E kkehnrd Schall no NtfiJ
Thetlln: OI/II/1er!;', n." 6, maio de 1986)

'"4R-4Y. Em cjmu, PiclIs.'m: ter ceira vc rsiio ll:.4 (.i,Jurn d, 111/1 rflVr r!fl rclimúlI/JI( (1937), csunl o pura G III:I1 /;rfl (i\IIISCII
Picasso, l\.f.ufri); embaixo. "o ;:.riro mudo". de l lclcuc \Vci~c1.
236 TÉCNICA
ISTA c o Teatro das Fontes
De 24 fi 21í de outubro de 11)80, I/JII simpósio inreruaaona! foi Italizado f 011/0 pfille da prillleim sessão plÍbliclI dfl ISTA elll BOIIII. EfI/l"I: osplllticipfl1l1eS
es!llVfll!I Jn ">;)' Grototasl», qlJe, 1II/fIIfI entreuista COIlJ Franco Rllffil/i, commtou sobrea illíJeS/igaftiodosprindplos de Bnron rdativos li léclliclIde tm bll/ho
do ator.
Ao introduzrro COI/CN/O[unaona]dll lIa/If1(ZIIpmgllllf/illl tim esprilldpios, Gr% w.di es/abeleulIlI1lJ partiMofãtil COII/ SIIas pl"óprills illímligllfões1/0
Teatro das Fontes. Segllldo Crotososl», IJlle IIbrll/d01l011 já Itá unutos anoso tmbfllhotlr. ill/elplr.lfI(ào teatral, existem, em distintas cultums, certos estlldos
dr. ser(IaisCOlIJO o trnnse.fenõmm os estáticos etc.), que atrtutcianr 011 nos flll xi/ialll li explimr osestados do ator: uasasra qllesiloencontradas 1111 basedas -e
u ârias cnltura s teatrais. 11 trrl1lscllltlll7llidade dasfoura r<Jir/mciadaspor Grotob!-'Jl-i i, por J//fI V(";;, a confirmaçãolúsi ârioi e antropolâgica das tànicas
pri-expl"l:ssivlIs qt« govel"l/flfl1 o nascer do podercriativo.

apesar de também ocorrer na vida cotidiana, é amplificada em


LEIS PRAGNIÁT'ICAS situação de representação, que Barba chamade situação de luxo.
Isto é, certamente, uma que stão de direções opostas ao mesmo
JERZY GROTOWSKI tempo. Mas isso acontece dentro do corpo: se se executa um
impulso paraa esquerda, lü um contra-impulso para a direita. E
Barbaformulou três princípios fundamentais nocampode traba- assim por diante, para cima c para baixo, para frente e para trás.
lho que chamamos de técnica do ator. Falando de modo ger'll, Isso acontece na vida normal, nas técnicas cotidianas, mas em
ele declarou que a técnica do ator é urna técnica exrracotidiana situação de representa ção há uma amplificação extrema, que
do corpo. A técnica cotidiana do corpo, como foi definida pelo resulta em algoque possui outra qualidade.
antropólogo francêsMarcel Mauss, e a técnica extracotidionu do Essa interaç ão de contradições, de contrações e relaxamen-
corpo, que eu chamaria de técnica de amplificação, existem e tos. das direções opostasde impulsos,é levada a tal extremo que
sempre existiram em toda cultura. Há técnicas de integração. se pode dizer que o homem torna-se, fisiologicamente, um sig-
tais como a ioga, por exemplo, e h,í outras, também extrncoti- no. E importantecompreender que este estado é alcan çado por
dianns, que são amplificações dos fenômenos sociobiológicos. meio de treinamentoe esforço consciente, de acordo com as leis
Qm1J1do observamos um ator Nô andar deslizando seus pés da fisiologia. O signo é o resultado da arnplificn ção tanto das leis
sem levant á-los do chão, estamos de fato vendo uma amplifica- biológicas quantodas condições sociais: a amplifica ção acontece
çâo de algo que é encontrado no modo normal de caminhar em dois níveis.
daquela cultura particular. Issoparece ser muito importante. Em A terceira lei pragrn âtica é aquela na qual o processo de ação
seu trabalho de diferenciação clara da diferença entre .1 técnica levado ao extremopelo ator pode ser executado e observado do
cotidiana e a técnica extracotidiana, Barba est á tratando esta ponto de vista da energia no espaço ou da energia no tempo.
última como uma amplificação. Portanto, quando ele comparaas Obviamente, poderfarnos iniciar uma novadiscussão rerrninoló-
técnicas cotidianas de certas culturas orientais c as técnicas gica relativa ao que é e nergia e o que significam os termos
extracotidianas do ator, está descobrindo certas leis, ou objeti- "energia no espaço" e "energia no tempo". Em qualquer caso a
vos, que merecem ser mostrados. diferença é muitoclara. Trata- se ou de fazersair o processo em
Isto poderia dar origem a polêmica sem-fim do pontode vista movimento enquanto qualidade cinética que acontece no espa-
científico, mas ceder a tal discussão seria um erro ou, em qual- ço, ou de comprimir o q ue est á na base de um possível movi-
quer caso, não seria muito útil, pois na realidade as leis sobre as mento no espaço, para ocultá-lo abaixo da pele. Os impulsos do
quais Barba fala são leis pragmáticas. As leis pragmáticas são as movimento são iniciados, e depois freados. Vê-se, então, que o
que nos dizem como nos comportar para alcançar estados parti- corpo está vivoe que algoest áocorrendonoespaço, mas é retido
culares ou resultados particulares ou conexões particulares ne- abaixo da pele. O corpo est á vivo, ele está fazendo algo que é
ccssârias. Elas não nosdizem que algo trabalha de uma maneira extremamente preciso, mas o rio est á correndo no domínio do
especifica: elas nos dizem: você deve comportar-sede umacerta tempo: a cinética noespaço passa para um segundo nível. Esta é
maneira. Barba estabeleceu três leis pragmáticas. Algo acontece a energia no tempo.
.
numa certa maneira se se comportar de um certo modo. N1\o é Há também sub-leis. Por exemplo, o que se pode chamar
uma quest ão de analisar comoisso acontece. m.1S de sabero que untiimpulso, untimovimcnro, que Barba descreve com o termo
se deve fazer para que issoocorra, escandinavo sais. E isso é muito concreto, ele existe. Pode
Aprimeira lei da qualf;,1la Barba tem a ver como equilíbriodo ocorrerem níveis diferentes, como uma espécie de silêncio an-
corpo que, nas técnicas extrncotidianns, opera sobre um nível tes de um movimento, um silêncio preenchido com potencial,
completamente diferente do da vida cotidiana, Na vidacotidia- ou pode ocorrer como a interrupção de uma ação num dado
na usamos uma espécie de equilíbrio que podemos chamar de momento.
"fácil". porque ele foi incorporado desde a infância, Na t écnica
cxrrucotidinna esse equilíbrioé abandonado para alcançaroutro Sats
nível de equilíbrio, que - esta é a minha observação - 'lmplifi- O sois fazcomque o que se vê, o que acontece tenha tempo
ca o equilíbrio normal, para ser absorvido. Por causa do sats tambémse compreende que
Pode-se dizer que isto é um equilíbrio extracotidiano, ' um o processo teve o tempo de ser absorvido como forma, forma
"equilíbrio de luxo", como Barbao chama. compreendida como comemo. Mas como isto pode ser estudado
A segunda lei é a da oposição da direção dos movimentos ou nas várias técnicas extmcoridianns, na SitU'IÇ1\O de representa-
impulsos. Quando uma parte do corpo executa um impulso ção? Asdiferenças podem ser observadas entre atores japoneses,
numa dada direção. outra parte executa um impulsona direç ão bulineses e as diferentes formas de teatro indiano. Barba consi-
oposta. Isto tem conseqüências importantes ao nível muscular. derou as especializações dos atores orientaiscomo um ponto de
especialmente com respeito à contra ção e ao relaxamento. Em partida para a análise pragmática. Pode-se dizer que cada um
certas escolas de representação diz-se que a chave pura tudo é o desses tipos de teatro clássico oriental se relaciona com uma
relaxamento. Mas .1 chave não é o relaxamento, é o relaciona- técnica cotidiana específica do corpo, mastem uma base fisioló-
mento entre a contração e o relaxamento. Num ,ltor que est.í gica ljue faz com que o que 'é observado seja v.ílido para todo
completamente relaxado, nada acontece; por outro lado, "s con- mundo.
traçóes completamente cegJs, que s1\o contrações neuróticas, Se a técnicJ do corpo mUtb, muda do ponto de vista soci<l\,
s1\o, como sabemos, impedimentos. mas permaneceenraizada na mesma realidade biológica. To~a
Mas h<Í uma inter.lção de contrações e relaxamentos, que, form'l de teatro oriental tem uma espeéializaç1\o consciente
TÉCNICA 237
extremamente formalizada, que é uma técnica cxtracotidinnade ator e, de outro devem também representar o pólo positivo, dar
amplificação, e essa técnica particular tem um campo muito temas precisos, delimitados, aos atores. Então, os atores têm um
delimitado de possibilidades. Se diferentes técnicas extracoti- ponto de partida para a sua improvisação.
dianas trabalham de um modo similar na situação de represen-
tação, apesar das especializações diferentes, pode-se deduzir Lagos e Bios
obviamente que as leis que estão operando são, 10TlI {OI/rI, uni- Quando falo de objetividade sociobiológica e da subjetividade,
' 1" vers ais. estou também falandodo problema do logosebios. Há lagos ebios.
Não há codificação da arte do arar no teatro europeu. O ator Logos está ligado ao raciocínio descritivo, analítico. De uma
improvisa, mas de acordo com os estereótipos da vida cotidiana, maneira diferente ele também se relaciona com o ator oriental.
ou segundo uma espontaneidade mal-entendida, onde scr es- O ator oriental, enraizado cm sua tradição, usa se u corpo para
pontâ neo significa ser selvagem, mover-se violentamente, gri- expressar palavras, sentenças, discursos... e é, portamo, lagos.
.•J tar, agredir-se ou abraçar-se. De fat o, a improvisação começa Mas é comose, devido à força de sua tradição, seu logos tivesse
realmente quando o ator escolhe certos limites muito concretos mantido certos princípios do bios. É por isso que o ator oriental
e precisos. Por exemplo, para a personagem de Kattrin, a filha nos parece estar vivo. Logos ebios representam divisão e, portan-
muda de Mãe Coragem, Iben se concentrou apenas no seu modo to, é muito perigoso falar sobre a expressividade do ator. Corre-
de andar (Grotowski refere-se aqui ~ "L ua e Escuridão", o tamente Barba falu somente sobre o nível pré-expressivo do ator.
espetáculo feito pela atriz Iben Nagel Rasmussen, do Odin Se o ator se expressa, é porque ele deseja expressar-se. E assim
Tea tre t, du rante o simpósio internacional). Somente então, o surge novamentea divisão. Há uma parte do ator que ordena e
ator ou atriz podem ir além de sua própria objetividade socio- uma parte que execu ta as ordens. Aexpressão verdadeira, poder-
lógica e biológica e alcançar .1 subjet ividade pessoal, E no mo- se-ia se dizer, é a de uma árvore.
mento em que a objetividade e a subjetividade se e ncontram, o Existe um profundo vínculo entre o que Barba es tá fazendo
ator torna-se vivo. Pode-se dizer que não há liberdade se não se na ISTA e o que eu estou fazendo no Teatro das Fontes:
paga o preço do ascetismo. Mas aqui o ascetismo não é misti- estamos ambos interessados em fenômenos transculturais, A
cismo ou religiosidade, porém algo concreto, mas uma limitação cultura, qualquer cultura específica, determina a base objetiva
do eu. bio-sociológica porque toda cultura está ligada a técnicas corpo-
No teatro esta é .1 tarefa dos diretores. De um b elo, eles ruiscotidianas, É,portanto, importante observara que permane-
devem seguir o que eu chamei de via negaliva, isto é, devem ce constante quando as culturas variam, quais eleme ntos trans-
eliminar quaisquer obstáculos que se colocam no caminho do culturaissão perceptíveis.

..

~,~, . , '

50. D:tr ;n Fo, En;:enin l!arlr.l c )erl.YGrorn\\'ski na 18Ti\ de Volce,m ( /981).


I~~~------~I sendo compreendido como uma coleção de valores humanos,
<:

J
A CULTURA DO TEXTO E A técnicos, materiais, estéticos e outros, que torna possível a "re-
presentação" do texto em si.
CULTURA DO PALCO Entretanto, o som de duas mãos batendo palmas é obviarncn- I
fRANCO RUFFINI
te não a soma dos sons de cada mão individual batendo palmas, I
maso resultado de umaespécie particular de relacionamento no
qual asd uas mãos colaboram como parceiras.
T exto dramático, encenação, espetáculo, teatro, são termos que Portanto, proponho chamar de teatro o produto da relação de '
necessitam ser revisados de modo que possamos distinguir ela- colaboração entre o texto e o palco, no sentido amplo com o qual
ramenrc 11m do outro. Pnra isso partiremos de longe. definimos IJaleo. De acordo com esta definição não existiu e não
existe 11111 só teatro, mas muitos teatros existiram e existem, tantos
quantos são os tipos particulares de relacionamentos efetivos
o SOI11 de duas mãos batendo palmas contraídos entre o texto e o palco.
Umadas técnicas usadas no Zen para provocar o "despertar" é a Podemos tratar o texto ou o palco de forma isoladaou pode-
dos fOfJll, urna q uestão paradoxal que o mestre propõe ao aluno mos falar deles comoosrespectivos parceiros de outroscolabora-
para meditar. Um dos konns mais bem conhecido é o seguinte: o dores, mas em ambos os casos não podemos mais presumir que
mestre solicita ao aluno que laça o som de dU.1S mãos batendo se esteja falando de teatro.
palmas. que o estudante não tem dificuldade em fazer, Entãoo Somente quando o texto e o palco colaboram é qlle os teatros
mestre quer ouvir o som de uma mão batendo palma, E assim nascem, E é este relacionamento particular que determina a
começa o processo de iluminação. tipologia variada de teatro através da história. Isso, porém, não
Mas qual é o paradoxo neste 1.-000Jl? Refletind o, compreende- compromete .1S motivações extrateatrais (políticas, sociais ou de
se que o paradoxo surge da aplicação lógica e rigorosa de uma qualquer outra espécie) que, ao contrário, freq üentemente cola-
premissa que é tão espontânea que nem mesmo precisa ser boram para a orientaçâo e definição do relacionamento em si. A )
verbalizada. A premissa é .1 seguinte: se o som de duas mãos luz de tudo o que foi dito até agora, uma curta introdução à
batendo palmas existe (e ele existe), então ele não pode ser história dos teatros poderia ser a seguinte: existe, e tem existido,
mais que a sorna dos sons de cada mão. urna civilização do texto e uma civilização do palco. Essas duas
Analogamente, poder-se-ia dizer: se o "teatro de dU.1Smãos" civilizaçõestêm vivido e vivem de acordo com tempos e manei-
existe (e ele existe), entáo ele não pode ser outro senão a soma ras diferentes, seguindo .10 longo de linhas paralelas 011 diver-
de dois "teatros de uma mão", o texto e o palco. este último gentes. Uma ignora freqüentemente a existência da outra. Cada

.(
. t-:
"
·:J.~ifjit;.) .
I ':;' () relacionamen to rcx ro-pulco comp recrulaln comu um relaciona mento IMlhrc/ricn. rCI1lI)(IS de Shakcspcarc. EllwinBonrh ( IX.'l:;. l ll9.; ),lInrm lo de bel a \'070 c presença refi-
dllrn/Ill<lcin. prn~nllllá \'c l!nii Cl pro;.;r~má\'c1 . lI ni\'()(;IIJvilr;ildo: n I bnul cr de S hakcxpca rc nada. represe nt ou l la mlct ]lnr ccn rcnus de noites cnnscc utivus na temporada de 1864-
atra vés do tempo. Como I Iamlcr: n utnr i n~lê~ D,\vid G'lrrick (em cima, ;1 c:o;qllcrdõl); 65. recorde I l tlC :Ij l h l01 1il cs tabc lccê-lo como prime iro utor arncr icanc a se tornar fi llllOSO
(e m Cill1il,:. dircim)n utnr amcrieano Edwin "llllUnas: BfHHh; c o ator itilliilnn °I'(m l l1l:lSn 0; 1 El lmp a . 'I'mnmasn Salvini (1S29.1lJl.5). assim como OI ItTn famoso arnrshil kcspcnrj.
S:tl\'ini (pil~. 239). ( Iarrick ( 1717· 177lJ) fui 11m tlu'iprimeiros aUm:s a rcxraurur c texto ano, E rncxtn Rossi,. rivcram êxito em rornur Shakcspc arc popular aos ita-lianox: de f:lw.
.,hakl.:s:pL"lri;I ~ lo. rci n(c~r;.tndo IJlll iw dn(C.'\C(J filie: niiu [;/111;1 .,.ido n.:prcscllwl1o d C.'itlc I)'í 'ill;J .'i jnrcrprc r;l çj)c.~ de I lamlcr c Otelo tivcrum nonivcl êxito em toda a Europ;f..
TEXTO E PALCO 239
não estando impedido de falar, escolhe ser silencioso. Há, ao
·,. co n trário, personagens que declaram seu silêncio, isto é, perso-
nagens que falam do seu desejo de não falar.
No texto-repert ório não h.1 personagens desassociados, es-
quizofrênicos, que manifestem concretamente uma contradição
entre pensar e fazer. Há, entretanto, personagens que, falando,
expõem as contradições geralmente penetrantes de seus pensa-
mentos e que, de tempo em tempo , agem conforme, de acordo
com uma diretriz.
No texto-repertório não há simult aneidade de ações, isto é,
não há ações discrepantes (mas igualmente importantes) ocor-
rendo em diferentes lugares ao mesmo tempo. Tampouco há
deslocamento temporal: o ante s e o depois respeita o agora da
ação e, ocorre somente como lembranças e sonhos contados no
presente .
Poderíamos continuar analisando, por exemplo, apenas o ca-
ráter ligeiramente realístico do monólogo, mas isto não seria par-
ricularmcnre útil para nós. Uril é, entretanto, destacar como to-
das as "patologias" acima mencionadas (que s50, repito, so-
mente verdadeiras como estatísricas ou máximas) são ncces-
sárias e explicadas se se observa, com um olho menos piedoso do
quc o normal, o estado de saúde do outro parceiro, o palco
acadêmico.
A ausência de personagens silenciosos no texto-repertório
compensa a patologia do palco ncadêmico, onde um ator, regu-
larmente e por períodos consistentes de tempo, pode estar no
palco c numa cena apenas quando est á falando. Outra caracteris-
rica do palco acad êmico é equivalente à coerência incoerente da
esquizofrenia: o palco acadêmico segue uma tradição de gesto
que privilegia os rnacromovirncntos, os que têm uma clara e
codificivel correspondente semântica, em vez dos micro-movi-
mentos considerados muito sutis para serem significantes ou,
pior ainda, nocivosà açãogemi, como um ruído de fundo.
Será que as falas para"si próprio" c os "à parte", declamados
de tal modo que alcançam a última fileira do teatro, são consis-
tente s com a realidade? E o que pode ser dito da cortina entre
um ato c outro? Não foi por acaso que a cortina foi adotada na
segunda metade do século XVIII, justamente quando os estatu-
tos da instituição-teatro estavam send o estabelecidos. É eviden-
te que cada uma dessas patologias, e outras, são equivalentes e
uma delas estabeleceu relacionamentos individuais com outras compensadas por umapatologiasimétrica no texto, com respeito
civilizações e. às vezes, sob circunsrâncias históricas particula-
,1 uma aderência à realidade. E estas, podem ser legitimamente
res. elas estabeleceram relacionamentos específicos entre si, chamadas de convenções. mas trata-se, entretant o. de conven-
dando origem aos teatros. Entre os muitos relacionamentos hú ções motivadas pelo relacionamento colaborativo específico en c
um que tem desempenhado um importante papel na reflexã o tre o texto c o palco.
historiográfica: aquele entre texto-repert ôno e patco acadêmico.
cujos regulamentos se tornaram hegemoni'1s nas grandes capi- Texto "pobre" c palco "rico"
taiseuropéias de 1600 a lROO. O resultado deste relacionamento Etienne Dccroux,discutindo o relacionamento entre a mímica e
é o agrupamento homogêneo que poderíamos chamar de teatros a palavra, interrogava-se sobre as possibilidades de êxito desta
tmdidounis, cuja hipótese ideológica é O TEATRO. ou a insti- união e. generalizando, concluía que as duas poderiam contrair
tnição-teatro , genericamente falando, um relacionamento lucrativo se apenas lima fosse "rica" compa-
H<Í. obviamente. muitas formas diferentes de relacionamento rada com a "pobreza" da outra: duas riquezas combinam-se mal
e de relativismo cultural. o que nos impede de dizer que uma juntas. Aprofundemos esta idéia.
forma é fi priori melhor ou mais saudável que outras formas. i\ i\ pobreza não é miséria. Associa-se pobreza com sobriedade,
forma que chamamos de instituição-teatro nos d á a oportunidu- rigor.severidade. Austeridade talvez seja a palavra que está mais
de de estender nossa investigação um pouco al ém, mesmo se próxima. A austeridade.compreendida aqui como pobreza, evo-
somente de um modo negativo. Qual é a "razão instigante" para ca menos a desordem desesperada e irnprograrn ável da miséria,
a sua hegemonia? É o presumido funcionamento "fisiológico" do que o próprio equilíbriode um orçamento. Ela é uma linha de
de seus dois parceiros, que por sua vez está baseado na "aderên- conduta priruariarnenre atenta ao que é essencial. Uma pessoa
cia à realidade". vivendo em "pobreza dignificada' é levada mais em considera-
Mas será que o texto-repertório c o palco acadêmico são ção, precisamente por que é capaz de assegurar que não falte o
realmente tão íntegros? Consideremos o primeiro por um mo- essencial à sua farnilia. A pobreza, então, como a austeridade,
mento. já aceitando que cada uma das afirmações seguintes terá como direção precisa ou. também , como tenacidade, rigidez;
pelo menos uma exceção, um fato que meramente confirma sua programubilidude: atenção quase exclusiva para o essencial.
, validade como regras. A riqueza não é somente opulência. O termo "rico" pode ser
.:.
No texto-repertório não há personagens silenciosos que 5<10 usado para se referir a umaroupagem, um mostruário, lima linha.
importantes na trama geral, nenhum personagem que, mesmo Em todos esses casoso termo não tem nada a ver com valor ou
240 TEXTO E PALCO

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4-N. f lam lct urruvés do:'i rt:IHIKI.": rnccfprcr:lçttCs d" peçil por (; ufdnn Cr.r;~ (em cinw, :"1 'I"l: prctimninnlfa1ur;IIUCo s éculo X IX. () desej o de1ll1ll!,l11Ç,1 c o fe nômeno dos "usrros"
csqlll;rd~l):Ao,lre Antoinc (em baixo, ;\ e squerda); Jnhn Ihrrymnn.: ri direita): 'sõlr;lh se il11pÍJ.s :H é t.: h CJ.~;H : 1 S:lr:lh Bc ruhardr ( 1X44-1923)c Ib rrynum: ( I :iX2- l lJ42), Cq C ,-,Iri·
Bcrnlum lt [p. 241).As i n\'c n~i",cs de dircçil n rle (,nrllflll Cra i~ - vcmo s uqui se u prnjcm mo, 111111\;1 rcuu de 1923. (;()Jl1 .1 :llirm;tç;i n do teat ro de tlircçi'in vei o n ~OS[() por urna cn -
par-u l Iaml cr produzido no T eatro de Arte de i\losl:o lI em 1911 - revelaram novus ccna ção modcrnac c xpr cssion isra d.r (T"~é d ia clcS hakcspcarc. urna te ndência rcp rcsc n-
possibilidadc." pura n uso dn III~ c do esp a ço na dirc çâo moderna, A cnCCIl;tl;"Üo de I'X}X [inla uqui porllIl l projeto de Mcvc rhol d. De aco rdo com Alcx Gladkov. M cvc rhokl era
IlO Tcarro Antoin c de 1\ lris re vc i1 :Hriz S uznnnc Dc.'iprê.'i (a primeir;) à direita da flHO) pnru rcr in'IlIJ.:l lradoscll novo rcutm com 11mI J;lmlccl' roj c(;Ido I lor P jl."õr."~(I t: imc.:qJrc f:lllu
no papel principal.mua tent at iva pura rcvcrrcru intcrprcraçâ n tr'Hlicioll:llll " pcrsjlll'l~clH IlC{;l :Hri~ %il1ili,la Itljkh (I h'94- 1939). visei] aqui numa Icro de 11m cll ~:t ill (1937).

com preço, mas antes com variedade, configuração.:com impro- pria energia como riqueza. Paradoxalmente, para os teatros arm-
grarnobilidade,quer seja de uma linha curva 0 11 de um mostruá- vés da história nos quais o texto era totalmente dominado pelo
rio, Uma roupagem rica pode ser feira também com um tecido palco, o que é expressado não é uma riqueza do texto, mas
pobre. Um sortimento rico pode também ser um sortimento de realmente sua austeridade, sua intransigência, a predo minância
bag<ltelas. Riqueza, então. como flexibilidade, como variedade, de um programa que submete a vida inteira da representação à
uma desordem ordenada e viva. narrativa textual. Mais paradoxalmente ainda, quando o palco
No contexto das definições que temos tentado delinear aqui, ten tou expressar sua riqueza sem a resistência do texto, esta
a afirmação de Decroux parece ser algo mais do que uma metá- própria riqueza transformou-se em sua paródia, opulência: não
fora tenradoru, Ta lvezseja um princípiogeral que, com reflexão. desordem ordenada, mas caos; não variedade, m.1S mudanç-as de
defi ne a dial ética interna de todo processo vital e artístico em forma indiscriminadas; não flexibilidade el ástica,mas inelastici-
seu estado de ser c dc se tornar. O precedente será considerado dade fl iicida.
aqui como uma hipótese reguladora. Devemos perguntar-nos se a mesma dialética não pode ser
Visto à luz desta hipótese. o relacionamento texto-palco deve também encontrada no nível sincrânico e no próprio centro dos
ser considerado como um relacionamento pobre/rico, isto é. dois que a definem: se talvez a "vida" do texto e do palco não é
desenvolvendo o conceito por meio de para-sinônimos, rígido/ também o resultado de um relacionamento, texto/palco, rico/
flexível. prograrnável/improgramável, específico/variado, e as- pobre. rígido/vari.ível. Isto nos leva imediatamcnre ao reexame
sim por diante. Dnda a correspondência entre os termos no par da noção de dramaturgia.
original (texto/palco) e os termos nos pares recentemente intro-
duzidos, será necessário considerar. mesmo que isso possa pare- Dramaturgia
cer paradoxal. que o texto = pobre e o palco = rico. A dramaturgia foi sempre compreendida como algo que tem ,1
De que modo o texto pode ser definido como o pólo pobre ver apenas com o texto. A dramaturgia do arar ou do diretor foi
em relaçãoao palco,que porsua vez é definido como o pólo rico? até agora somente discutida metnforicarnentc. Euge nio Barba
Em sua dialética com o palco, o texto é o fator de dire ção, o escreveu: "a palavra 'texto', antes de significar texto falado ou
elemento de prograrnabilidade, a barreira que (por causa do escrito, impresso ou manuscrito, significava 'teced uru'. Neste
atrito ou resistência) permite que os fatores cênicos da varieda- sentido não há espetáculo sem texto. O que diz respeito ao
de, da não-programabilidade. da desordem, expressem sua pró- 'texto' (a recedurn, ou 'fio') do espetáculo pode ser definido
TEXTO E PALCO 241

...!

como 'd ramarurgia', isto é, drama-elgOlI. o trabalho das ações. A "simultaneidade" . Podemos adicionar um ulterior enriqueci-
maneira pela qual as ações agem é o enredo". mento na proposta até aqui delineada e vamos sintetizá-la.
Deixando de lado por um momento esta interessante defini- O teatro é o resultado do relacionamento de colaboração
çâo de texto, deixe-nos tentar desenvolver considerações mais entre o texto e o palco: esta foi a hipótese inicial. Ent ão questio-
específicas com relaçãoà dramaturgia. namos a natureza e a dinâmica deste relacionament o, propondo
A dramaturgia é vista como "trabalho" e me parece ser total- considerá-Ias diacrônica e sincronicarncntc como um relaciona-
mente consistente com o significado da palavra tal como é usada mento entre um pólo pobre (rígido, programável) e um pólo rico
na física. Na física, trabalho n50 é sinônimode energia. (flexível, n50 prograruável). Então formulamos a hipótese de
A energia expressa a capacidade para realizar um trabalho e que a dialética pobre/rico não está estabelecida some nte mire o
isso somente ocorre quando uma força se manifesta em movi- texto e o palco, mas também 110 intimo tanto do texto quando do
mento. Num certo sentido, trabalho é a fase intermediária entre palco. A definição de dramaturgia proposta por Eugenio Barba
energia e o movimento determinado pela força. e é a fase que permitiu-nos ver esta dialética (a dialética do texto, do palco, da
torna possível à energia ser explicitamente modulada. A drama- representação inteira) como o trabalho de ações, trabalho possí-
rrugia compreendida desta forma assim parece como o filtro, o vel, em energia necessária, graças ao atrito, à resistência ou ~
canal, por meio do qual a en ergia torna forma em movimento. oposi ção entre o elemento pobre e o elemento rico do relacio-
S50 as ações que realizam o trabalho, quer sejam a ções compre- narnento, Os pólos de concatenação e simultaneidade possibili-
endidas no sentido aristotélico e. portanto, parte do texto, ou se tam agora designar e definir operativamente os dois pólos da
elas s50 ações no sentido mais direto. as ações dos atores, os dialética,
acessórios. as luzes, etc. isto é. ações que pertencem ao palco. Concatenação = pobreza, rigidez.
Portunto, pode-se afirmar que há umadrumaturgia do texto e o essencial. prograrnabilidade = o texto.
urna dramaturgia de todos os componentes do palco. Uma dra- Simultaneidade = riqueza, flexibilidade, variedade,
maturgia ger,ll, que é a dramaturgia do espetáculo, na qual tanto nâo-prograrnabilidade = palco.
as ações do texto quanto as do palco estão entrelaçadas. A Nesta perspectiva, o "texto" do texto, o elemento rígido, dire-
dramaturgia vistadesta perspectiva pode serconsiderada como o cionado, programado, é o contlito (conforme definição de Szon-
conceito que unifica o texto e o palco. assim comoo conceito que di) e a narrativa. O "palco" do texto, o elemento flex ível, não
possibilita formular em termos menos vagos e alusivos, o que direcionado, não progrurn ável, é a personagem e tudo que tem
freq üentemente tem sido chamado de "vida". seja a vida do relação com ele (diálogo, micro-situações), acima e além da
texto, do palco ou do espetáculo, direçãoimposta pelo conflito e pela história. O "texto" do texto
Mas voltemos ao argumento principal. Tanto as ações do é o seu componente de concatenação, e o "palco" do texto é seu
texto quanto as do palco realizam "trnbalho":mas de onde vem componente de simultaneidade, os aspectos diversos e frcqüen-
a energia que torna possível o trabalho?A resposta a esta questão temente contrastante s, mas co-presentes, que emergem na per-
est á naquilo que foi discutido previamente comrespeito à dialé- sonageme literalmente o enriquece. O atrito entre co ncate nação
tica texto/palco (pobre/rico). Tanto a energindo texto quanto a e simultaneidade d,í origem à energia, por meio da qual o traba-
do palco são realmente determinadas pelo atrito ou pela resis- lho tanto das macro quanto das micro-ações revela-se em movi-
tência entre os pólos opostos e complementares da dialética. mento lógiço, mesmo se n50 programável, variando mesmo se
Barba define os dois tipos de "enredo" como: "concatenação" c direcionado: isto é, na vida do texto. J
242 TEXTO E PALCO

No que diz respeito uo palco, o "texto", o elemento dire- pela rigidez relativa do papel, Talve z o relacionamento entre
cionado é o que resguarda o campo dos significados ou, como parte e subtexto no "método" Stanislavski poderia ser conside-
propõe Ferdinando Taviani, os "significados concordantes" rado nos mesmos termos; o treinamento, praticado por muitos
(cf. 11ISõ~': visão doator. visãodo ~pectador) no passo que o palco atores de grupos teatrais e impondo a continuidade do exercício,
é o que resguarda os significados 11.10 concordantes. Podería- poderia ter uma funçãoan áloga, dando a esses atores uma barrei-
mos dizer, com grande propriedade scmiológica, que o texto ra rígida, um ponto de referência "pobre", em resumo, urna
tem uma função de comunicação, ao passo que o palco tem espécie de papel sobre o (e contra o) qual o ator faz com que a
uma função significatioa, ou que o pólo direcionado tem a ver parte interaja.
com J'igllos no passo que o pólo não direcionado tem a ver com Durante o processo de construção da personagem é possível
stnnts. realmente ver o papel e a parte, o texto e o palco, o pólo pobre e
Esboçando brevemente a dramaturgia da representação po- o pólo rico do relacionamento em ação. Esta visibilidade geral-
deríamos sugerir que o pólo textual (derivando tanto do texto mente termina no momento da representação, isto é, quando o
. quanto do palco), desempenha a função de garantir uma âncora processo de construção está completo, quando o espe ctador -e o
semântica para o espectador e que o pólo do palco (também erudito 5<10 induzidos a concluir que cal interação não existe e
derivando tanto do texto quanto do palco) desempenhaa função não estava presente antes e atrás da cortina. Mas neste caso algo
de garantir uma abertura, umazona de fruiçãoprofunda, ou pelo ocorre, semelhante ao que ocorre ao anoitecer, quando se olha
menos mais personalizada. para onde o céu e o mar se encontram. Parece que lá o mar c o
céu se misturam, que eles literalmente se fundem um no outro e
Tipo e personagem são urna coisa só. Naturalmente, sabemos que isto é uma ilusão
A dialética texto/palco presente entre os respectivos pólos do de ótica e para nos convencermos disto é suficiente olhar pri-
relacionamento primáriopode ser esclarecida se aprofundarmos meiro no horizontec depois para o contorno da costa e ver que o
em algumas das questões relativas ao ator. mar e o céu estãovisivelmente separados.
Ator e personagem são os pólos de uma dualidade que tem O que produzesta ilusão ótica? Não é a eliminação da diferm-
sido o tema de uma considerável investigaçãohistórica e teórica. {a, massomente a eliminação da distância. E assim ocorre como
O ator que entra na personagem; a personagem que entra no trabalho do ator. No momento da representação (e somente nos
ator, adaptando-se a ele; o ator e a personagem quese encontram melhores CilSOS), enquant o mant ém a diferença substancial e
num POntO .1 meio caminhoentre eles; o ator que lixae mantém vital entre papel e parte (entre o texto e o palco,entre o rígido e
uma distância crítica da person'1gem... essas são apenasalgumas o variável), a distância é eliminada, Os dois pólos se juntam, se
das formulações mais significativas relacionadas a este assunto. aderem, fazendocom que o espectador veja a ilusão de ótica de
Ainda há a sensibilidade e insensibilidade, quente e frio, técnica urna identidade. Mas, aqui, para chegar mais próximo da linha
e talento, possessão e desdobramento, a "profissão absurda':... costeira é necessário ir atrás e na frente da cortina, num espaço
pode-se continuar à vontade com essas referências, que são de que os espectadores por convenção c os eruditos por preguiça
evidências de uma atenção metafóri ca ao mito do ator mais do e preconceito, se abstêm.
que uma atenção real à sua pessoa. O que foi dito sobre o trabalho do ator, é bom lembrar e
Mas como, concretamente, se desenvolve o trabalho do ator, repetir, não tem nenhuma pretensão de esgotarou enqua drar de
comoele é compreendido em relação tanto a Stanislavski quanto modo definitivo a relativa problemática. Pretend o unicamente
à física? De que ele se alimenta, de onde retira a sua energia? i1gregar novos elementos que possam contribuir para tornar mais
Como uma hipótese heurlsrica, pode-se sustentar que o trabalho clara, ou mais comentada, .1 complexa dialética texto/palco.
do ator é nutrido pelo atrito ou pela resistência entre um pólo
rígido e direcionado, o texto, e outro que, por outro lado, é
variável e não direcionado; novamente, o texto e o palco. O ....
método de trabalho que consiste de partes e papéis ilustra
exe mplarme nte o que estivemos discutindo aqui. É um método
que os atores usaram até recentemente de um modoexplícitoe
que talvez ainda usem, indireta e incompletamente, mesmo
hoje.
O método pode ser resumido brevemente comosegue. Des-
de o final do séculoXVIaté o início do século XX, cadacompa-
nhia de teatro era organizada na base de papéis (ator principal,
ator jovem, amante, pai nobre... para dar nomes a alguns), que
eram dados a um ator particular. O ator assume um certo papel
por causa da sua aparência física, tipo de voz etc., istoé. baseado
em características extrateatrais e baseado também em outros
papéis anteriormente representados. O papel, então, não era
apenas a sorna de partes individuais. mas também algo que,
embora derivando das parte, as determinava, tanto no processo '"
que eles estão empreendendo quanto no seu tratamento. Em
qualquer caso, é possível dizer que no trabalho do ator o papel
constituiu o elemento rígido (o texto), ao passo que as partes
individuais constituem o elemento variável ( o palco),
Referindo-se ao seu papel, o ator poderia "trabalhar" na sua
personagem particular, causando sua interação como papel por
meio do atrito ou resistência, seja em relação à sua parte espe-
cífica ou em outras partes análogas contidas no mesmo papel,
As partes do papel, como um aspecto da fase do trabalho. cons-
tituiriarn o "mostruário" da variabilidade, o qual jj foi comen-
tado: urna variabilidade não indiscriminada, mas controlada
TEXTO E PALCO 243

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9- 12. I laml c t ôlU';I Yó-; dox tempos: Karc l llar (e m cim a. ~ csq ncrda u Alcc G llinnt:ss (e m Luurc ncc Olivicr (19n7-1989) qu e m, e m 1948, e m 1101;1 ve rsão ci ucma togréf ica de
cima, à di rci ru); (.J'IlITCnt.."C Ülivicr (em b,li:m,:1 cxqucr da); I n~ma r Ik(~n1;1 n (e m baixo. I Lmtlc r, imptl'i a pcrsolln~cm. inr crp rcruda po r el e me smo, 010 gran de p úb lico 11o
" dire ir,,). () diretor tcheco Karcl Ilur (I SH5· )935) pcrtcucc j ~craçãn c an ambiente dns cincnu. Avcrs5nt!c l Inmlct dc I n~m a r Bcr~n\<ln (19S7) é llma Icjulr~?<l tlllal :1 tr;l ~étlia
~r'ln dcs cxpcri mc nradorcs teatrais dos " nos 20 (TC'HfO N;Il.:inoõll de Pnl ~:I . 1926)." 1\ shakcspc riuna ~ lil mltla por S rrindbc rg, pelo ex is te ncialismo fran c ês c por rccla-
c ncc naç ãu de Tvro nc Gmluic (1<)t)l·1 97 J), no Oh l Vic Thca trc de Lond re s e m 19.1X. hnr;l(/ x;."i cincm;t wh"~ licils. N'I fe to, os atores Pcr cr S ro rmun [ll umlcr), G un nc l Li nd-
com Alce GlIi nncs.'i (prime iro à c Slllll: nhl " ;:1 fo to) co m um l.lamlc t popul ar. i\b .'\ foi blaorn (Gcnrudis) c B ()cr~c 1\l i..srcdr (C lillld io).
DO "APRENDER" PARA O
"APRENDER A APRENDER"
.
EUGENIO BARBA

Ol/{II/r/o se vê o Nó, os 'lI/e verrlflr/eimlllell/e conrpreendet» ri arte o


percebem com o espírito , enueianto, iJríos'llles;/lljJle.rllletl/1'oobselvfl/l/
com Sf1lS oliJos. Vê-lo C01l/ o e.1"jJíli/o ésea//or/eml"da SII!J.r/rlllófl; z'ê-Io
com os oliJos é apenas ooscroar o efeito. A.\:I·;I// , l/O ml//tr O, os atom
simptesmen)« seajJorlemlllrio f;fei/o f! /(m/fim imitá-to.
(Zeal11i.0ni/'"(J{lcI/sIIO)

o mito da técnica
Durante nossos primeiros anos de trabalho também acreditá-
vamos no "mito da técnica", algo que era possível se adquirir.
possuir c que poderia dar ao ator o domínio consciente do seu
corpo. Assim, nesta fase, praticamosexercícios para desenvolver
~1 dilatacâo dos olhos. por exemplo, a fim de numenrar sua
expressi~idade. Eram exercícios que observei na Índia em 1963.
enquanto estudava o treinamento do ator de Kathaka li.
Como num cadinho de fundição, em que os metais mais
distintosse fundem, comecei ten tundo misturar dc n trode mimas
influências mais diversas. as impressões que para mim tinham
sido mais férteis: o teatro oriental, as experiências da Grande
Reforma. minha experiência pessoal na Polônia com Grotowski.
Desejava adaptar tudo isso ao meu ideal de perfei ção t écnica.
mesmo no trabalho artístico que chamamos de composição, urna I. Ihcn N'I ~d l~ a S lH tlS."'l:' 11 nUf1I ,1 dcnlOl1s tm~'ao de: ~ CIJ t n..-;namcnw jnicial nu Odin
palavra que tinha chegado ao Odin Tcatrct pela terminologia Tc arrcr OST A de ll ulxtcbm, I')~I» .
russa e francesa e a interpreta ção de Grotowski sobre ela. Eu
acreditava que a composição era a habilidade do ator em criar platéia crítica. Também começamos friamente i1 encontrar tim-
signos paramoldarscu corpo conscicnremente numa deformução brcs, tons e entonações. e exercitá-los diariamente.
ricaem sugestividade e poder de ussociaçâo: o corpo do atorcomo Este período de trabalho calculado. de pura "tecnicidade" ,
uma pedra de Rosetta e o espectador no papel de Chumpollion, pareceu confirmar que a hipótese tio ator-virtuose estavacorreta.
1\ finalidade em obter conscientemente. por cálculo frio, algo Os efeitos produzidos eram interessantes .
quente c que obrigasse o espectador a acreditar com todos osseus
sentidos.Mas, ger~llme nte . sentiuestacomposição comoimposta, . Uma etapa decisiva
algo do exterior. que funcionavaem um nível teatral. mas sem a Nossa experiência entrou numa etapa decisiva quando eu
força de uma furadeira capaz de perfurar a crosta de significados disse a cada um dos meusatores: "Faça tio seu próprio modo. não
até então muito cvidcn teso Acomposição poderiaser rica. atingir, h.í nenhum m étodo comum". O que aconteceu?Com a perda de
destacar o ator, porém era como um véu que escondia alguma um ponto externo de referência. o trabalho de cada ator tornou-
COiS'l que sentia dentro de mim. mas que não tinha coragem de se mais difícil. mas também mais personalizado, Após mais de
enfren tar, de revela r a mim mesmo, ou melhor. de revelar aos vime anos', alguns dos meus atores ainda treinam regularmente.
outros. O significado deste trabalho pertence somente a eles. E, contu-
Na primeira fase do nosso trabalho. todos os atores faziam do. eles sabem que o treinamento n30 garante resultados artísti-
juntos os mesmos exercícios, seguindo um ritmo coletivo co- cos. Antes. é um modo de tornar coerente as intenções de lima
mum. Então perce bemos que o ritmo é diferente lXUi1 cada pessoa, Se ela escolhe fazer teatro, ela deve fazer teatro, Mus ela
indivíduo. Alguns têm um ritmo vital rápido. não no sentido de também deve despedaçar a urrnução do teatro com toda a força
uma batida regular, mas de variação. pulsação..como o ritmo do de SU'1S energias e inteligência.
coração. A variação perpétua. embora pequena. revelou .1 cxis-
. ~

rência de uma onda de reações orgnnicasque ajusrnvam o corpo Presença lotai


inteiro. O treinamento só poderia ser individual. A maneira como os atores exploram c compõem a relação do
Esta crença na técnica como uma espécie de poder mágico peso/equilíbrio c a oposição entre movimentos diferentes, sua
que poderia tornar invulnerável o ator também nos guiou no duração e seus ritmos, habilitam-no a dar ao espectador não
trabalho lb voz. A princípio. seguimos as prá ticas do teatro apenas U111 ~1 percepção diferente da sua (dos atores) presença,
oriental: imitações diretas de certos timbres de voz. Usando a mas também uma percepção diferente de tempo e espaço: não
terminologia de Grotowski chamamos os diferentes tons de voz um tempo no espaço, mas um "espaço-ternpo".
de "rcssoadores". No treinamento do teatro oriental. o aluno É somente pelo domínio da oposição material entre seu peso
aprende mecanicamente papéis inteiros. com todos os matizes e sua coJII)];1 vertebral que os atores adquire m um padrão com o
vocais. timbres. ento nações. cxclamaçôcs - uma construção lJual podem medir seu trabalho, Eles podem aplicar esse padrão
completa de sons aperfei çoada por meio d.l tradição que o ator a todas i1S outras oposições físicas, psicológicas e sociais nas
deve repetir precisamente, a fim de ganhar a aprovação de uma situações onde analisam e organizam seu processo criativo.
T REINAMENTO 245

2. Holx:rr:l Carrc r] c ,lI lIi;1Vurlcv durant e Cl trcin .uucnro nn O di nTeatrcr, I'JXZ-)f)x4. .i. Toni (:IHS dur unrc trci numcntu 110 Oitin Tcurrcr. !<)xZ.19X4.

O processo de dominar suas próprias e nergias é extremamen- 1. come çar com uma ação precisa, q ue projeta todas as ener-
te demorado: é um verdadeiro novo condicionamento. t\ princí- gias numa determinada dire ção;
pio. o ,I ror é como uma criança aprendendo a andar e a se mover, 2. dar um contra-impulso. urna outra descarga de energia no
e deve repetir os gestos mais simples ar! il((iuillllll. ,I fim de meio do processo, que produz um desvio de dire ção e urna
transformar se us movime ntos inerte s em açjo. mudan ça de dinâmica; e
Nosso uso social do corpo é necessariamente 11m produto de 3. manobrar para concluir numa posição precisa que conté m o
uma cultura : o corpo foi acultumdo e colonizado. Ele conhece impulso (o .' (fls) da próxima ação.
somente os usos e as perspectivas para os quais foi educado. A Dessa maneira. constrói-se uma série inteira de exercícios
fim de enc ontrar outros ele deve distanciar-se de seus modelos. que se pode aprender e repetir. t,ll COIllO se repetem as palavras
Deve inev itave lmente ser dirigido para uma 110va forma de de urna língua. A princípio os exe rcícios s30 repet idos como as
"cultura " e passar por uma nov,;-"colonização". É este caminho palavras de uma língu,l estrange ira q ue se deseja aprender.ide
que faz com que os alares descubram sua própria vida. sua um modo mecânico; mais tarde e les serão absorvidose começa-
própria independência e sua própria eloq üência física. rão ,I ter seu próprio desenvolvimento. En t30 o ator pode esco-
Os exercícios de treinamento são esta "segunda coloniza- lhe r. l~ possível fazer um treiname nto longo mesmo com um
ção". (...) n úmero peque no de exercícios. Os exercícios podem ser repeti-
Um exercíci o é uma ação que se ap rende e se repete ap ós tê- dos numa ordem diferente. serem feitos com ritmos diferentes,
lo escolhido com objetivos muito precisos na mente, em direções diferentes. de um modo extrovertido ou introverti-
Por exe mplo: um ator quer ajoelhar-se dob rando ambas as do. colocando ênfase sobre uma ou outra de suas fases, É como o
pernas ao mesmo tempo. Num cerro momento conforme move significado de urna frase que. na linguagem falada, é não somen-
seu corpo pnru baixo. ele perde o controle. seu peso rama conta c te o resultado da sintaxe, mas tamb ém da acentua ção e do tom
ele bate se us joelhos no chão, O problema é encontrar um que sublinham certas palavras. Assim ocorre no treinamento,
contra-impulso que o perrnitini cuir no chão, mesmo que mpidn- ondc n mesma cadeia de exercícios assume várias lógicas depen -
mente . mas se m bater seus joelhos ou se ferir. Para resolver este de ndo dos acentos usados.
problema ele de ve enc ontrar um exercício e repeti-lo. É o ritmo q ue é importante. •1 ligação de um exercício ao
Outro exercício pode resultar d,l tentativa de deslocar seu outro e a maneira 'orgânica pela quul o ator dirige a seq üência
peso para a frente, até n30 Se ter m'lis controle sobre o corpo. resultante. )~ o mesmo processo da linguagem falada, em que
Neste momento. o corpo arrastado somente pela força da gravi- n50 se pronunciam palavras de urna forma abrupta. m,1So fim de
dade. cai para a fre nte. É necessário encontra r um contra-impul- cada palavra coincide com o começo da seg uinte. numa série de
so no me io da queda. que nos permita evita r cair para a frente. ondas que reflete ritmos emocionais e racionais, de moderação e
amortecendo p,]f;1 o lado, de modo a absorver o choque contra o de interrupção, os momentos de força e de decisão.
solo. gradualmente, ao longo do lado do corpo. A presença total nada tem a ver com violência, epm pressão
O significado de um exercício reside. finalmente. em: ou com a procura pela rapide z a qualquer preço. O ator pode
246 TREINAIvIENTO

estar extremamente concentrado, sem movimento, mas nesta Obstáculos sérios, que podem sufocar o futuro desenvolvi-
imobilidade mantém todas as suas energiasà mão; tal como um mento do utor. às vezes surgem por causas não percebidas.
arco esticado, pronto para deixar a flecha voar, No período de vulnerabilidade, com inconsciente violência
Qual o valor de um exercício uma vez que o ator o dominou? ou por sentido de oportunidade, o aprendiz freqüentem ente
Não terá mais ncnhum valor repeti-lo, pois de agora cm limita, de forma arbitrária, o território no qual explora as propen-
diante não haverá resistência a sobrepujar. É neste ponto que o sões individuais lli, sua energiil. Reduz assim a amplidão da
outro significado da palavra exercício entra em jogo: colocá-lo órbita, cujos pólos são J vigorosa energia-mJÍmlls e a delicada '
em teste. Coloca-se toda a energia no teste. Durante o treina- energia-anilllfl. Algumas escolhas, aparentemente "naturais",
mento, o ator ou atriz pode modelar, misturar.explodir e contro- tornam-se uma prisão,
lar suas energias, deixá-las ir e jogar com elas,como algo incan- Se no período de aprendizagern um aluno se adapta exclusi-
descente que, não obstante, é controlado.com precisão fria. Vilmente a papéis masculinos e uma aluna exclusivamente a
Usando os exercícios de treinamento, o ator testa a habilidade papéis femininos, então ele e ela j,íestão limitando a exploração
para adquirir uma condição de presença total, uma condição que de suas próprias ener gias no nível pré-expressivo.
ter áde encontrar novamente no momento criativo da improvisa- Em lugar disso, durante a aprendizagem. a diferenciação
ção e da representação. individual pode passar pela negação da diferenciação dos sexos.
De fato todos os exercícios físicos são exercícios espirituais, O campo da complementaridade se amplia. Isso é visto no
que são parte do desenvolvimento total dil pessoa, a maneira de Ocidente (na dança moderna, na mímica ou em certos grupos
fazer com que suas energias físicas e mentais brotem e sejam teatrais) quando em treinamento - trabalho no nível pré-ex-
controladas: aquelas energias que a pessoa percebe que podem pressivo- não se leva em conta o que é masculino ou o que é
ser descritas com palavras, assim comoaquelasde que a pessoa é feminino; ou no Oriente , quando o ator assume indiscriminada-
incapaz de falar. (...) mente papéis masculinos ou femininos. A natureza dupla da .
E essencial transmiti r as próprias experiências aos outros, energia particular do ator brota, então, com maior evidência. O
mesmo sob o risco de criar descendentes que, por excessi- equil íbrio entre os dois pólos de energia, vigoroso c suave,
vo respeito, apenas repetirão o que aprenderam, E natural al- animas c anima, é preservado.
guém começar repetindoalgo que não possui, que nem pertence
à sua própria história nem surge de sua própria pesquisa. Esta
repeti ção é um ponto de partida para o ator fazer sua própria
viagem.
Pierre Boulez escreveu que é o relacionamento entre maus
pais e mausfilhos que possibilita a evolução cultural e est ética. O
risco é ser um bom pai ou um filho respeitoso.
O pior é a falta de qualquer relacionamento entre pai c filho.
De acordo com a opiniãocomum, influenciaro aluno é negativo.
Esse modo de pensar não leva il lugar nenhum: somos todos
influenciados por alguém. O problema essencial é il natureza dil
carga de energia que é colocada no relacionamento: se a influên-
cia é forte o suficiente para tornar possível percorrer um longo
caminho ou se é tão fraca que resulta somente num passo no
mesmo lugar.

o período de vulnerabilidade ..
Os primeirosdiasde trabalho deixam umaimpressão que não
podemos apagar. Nos primeiros dias de aprendizado, o ator ou
atriz têm todas as possibilidades intactas; ele ou ela começam
então a fazer escolhas, a eliminar alglil;ús potencialidades a fim
de desenvolveroutras. Podem enriquecer seu trabalhosomente
se estreitarem o território das experiências, para serem capazes
de penetrar mais profundamente.
Este é o período de vulnerabilidade.
Cada aprendiz, cada ator que começa a rrabalhar, é caracteri-
zado pela aquisição de um ahos. Ethos como comportamento
cênico, isto é, técnica física e mental, e CtllOS como um trabalho
ético, isto é, uma mentalidade modelada pelo emnronment, ambi-
ente humano onde o aprendiz se desenvolve.
A natureza do relacionamento entre mestree aprendiz, entre
aprendiz e aprendiz, entre homens c mulheres, entre velho e
jovem. o grau de rigidez ou elasticidade na hierarquia, normas,
exigências e limitessob os quais o aprendiz é colocado - todos
esses fatores impregnam seu futuro artístico. Tudo isto ilge
como uma balançaque equilibra os pesos de duas necessidades
contrapostas: de um lado selecionar e cristalizar e de outro Essa'l/mIm /1:.\11)$ til'I ÚlgrJllo IJIII/NI .fiio IlrmosdosJ~/iJJ/t:S 1J111:foS:
salvaguardar o essencial da potencial riqueza de partida. 1. "Palavras nu Presen ça": in JJl')'(}JJ(llh~ r"lomÍIIgIslltnrls, Nova York, l Y86.
2. "Scminar no ~ I 'm i n in~ nt lhe Univcrsiry of Lcecc" (Scminârio sobre treinamento 0 ;1
Em outras palavras: é preciso selecionar sem sufocar, Univcrsilbtlc de Lc ccc), in F. T~I \' i:lnj. II/i/II'IJ d~r(}tli1J , Fchrinclli, f\·limo, 1975.
Esta dialética da aprendizagem é constante, seja em escolas 3. "Thc W;IY nf Oppnxircs" , "" 1)II~Cêl dos conrrãrios", in I1tJ'ol/{/ lét f//o(//Í11g / S/flllf[(,
N O";'I YCHk, 19tó .
de teatro ou num relacionamento mais direto entre mestre e
4. "Thc ACfnr's Encr;.;y: i\lal c/F cmalc VCN lIS Aninl1ls/J\ninm", "A ener gia do O\ror:
discípulo, na iniciação prática do ator, a partir "dasexperiências" 1
n1i1sclllino/fcminino versus ~ln i m Il4a nim;I" . in N('".tJ 1'hmf« QI/("ttl~r. vol, Til, n," li,
ou em situações autodidatas. C:.' l11 hri~c Univcrsiry Prcss. C;lmbri tl~c. ICJS7. .
T REINAMENTO 247

l'REINAIvIENTO
INTERCULTURAL
RICHARD SCHECH NER
Para que serve o treinament o? Eu penso cm cinco funções que
nem sempre existem separadamente. Elas se sobrepõem. Na
América do Narre, treinamos os atores para interpretar textos
dramáticos. Esta é uma necessidade cultural curo-americana.
Para este trabalho de inrerprerar uma variedade de textos de
muitos períodos, em estilos diferentes, é desejável que os atores
sejam flexíveis, pessoas que podem interpretar Harnlet um dia,
Gago no seguinte, e Willie Lornan um dia depois. Isto significa
que o ator não é o autor primário ou guardião do texto. Elc é o
transmissor. E você deseja um transmissor que seja transparen-
te, o mais claropossível.
A segunda função do treinamento é fazer com que o ator seja
capaz de transmitir um "texto de representação". O texto de
representação é o processo total de comunicação de muitos
canais que compõem um espetáculo.
Em algumas culturas. em Buli e no Japão, por exemplo, a no-
ção de um "texto de representação" é muitoclamoO drama N ô
.não existe como um conjunto de palavras que serão depois inter-
pretadas pejos atores. Existe como um conjunto de palavras
inextrincavelrnente tecido em música, gesto. dança, métodos de
recitação e de vestimenta. Devemos olhar o N ô não como a
realização de um texto escrito, mas como um texto total de
representação, onde componentes não-verbais são dominantes
durante partes da representação.
Esses textos de representação- Nô, Kathakali na Índia, balé
clássico- existem antes como redes de comportamento do que
comocomunicações verbais. Não se traduz textos de representa-
ção em textos escritos. As tentativas de "anotação" somente
podem ter êxito parcial. O treinamento para a transmissão de
textos de representação é muito diferente do treinamento para ,1
interpretaçãode textos dramáticos,
A terceira funçãodo treinamento - poucoconhecida na cul-
tura euro-americana. mas bem conhecida na América nativa, no
Japão e em qualquer outra parte - é a preservação do conheci-
mento secreto. Os métodos de representação são valiosos e
pertencem a famílias específicas ou a grupos que guardam cuida-
dosamente seus segredos. Scr selecionado pamo treinamento é
ter acessoaoconhecimento esotérico, poderoso e bem guardado.
Isto dó um poder it representação. Treinamento é conhecimen-
to, conhecimento é poder. Treinamento é o elo com o passado,
com outros mundos da realidade, com o futuro. E uma pessoa ter
acessoao conhecimen to da representação é um privilégio espe-
cial e um risco perigoso. Ele não é anunciado, vendido nas esco-
las. ou escrito livremente nos livros. Esta é a maneira de traba-
lhar dos xarnãs, Paraos xarnãs o conhecimentoda repr esentação
não é simplesmente saber entreter, apesarde ele não menospre-
zar o entretenimento, m.1Svai além para chegarao centro da cul-
tura.O xamã é um ator cuja personalidade e tarefas o colocam na
orla ou na margem, mas cujo conhecimentoo situa no centro. Há
sempre aquela terrível tensão entre o centrífugo e o centrípeto.
O Filoctetes de Sófocles é lima espécie de xamã - para utilizar
o seu arco a sociedade deve suportar suas feridas malcheirosas.
As duas primeiras funções do treinamento- a interpretação
de textos dramáticos e a transmissãode textosde representação
- podem ser resumidas e codificadas. Mas esta terceira - a
erudição dos segredos - somente pode ser adquirida pessoal-
mente. É um processo muito íntimo.
A quarta função do treinamento é ajudaros atores .1 adquirir
auto-expressão. Este gênero de treinamento se especializa em 4-5. Em cinra iutc rprcr açâo ele 11m texto dnuu ãrico. JUllrt11 .)(II/e, de Pctc~'Vc i~.'i; (1964),
numa mcnn rgcm de Pcr cr Brook. Tf:ll1sm i~são de IIIlI texto l lc repr esentação: abaixo<I
trazer o íntimo para fora - ele está maisinteressado em psicolo- t1ô1oç'lrinj balincsa Swust j \\,idjitj;l Bandcm ensina ndo sua filh a Ari.
248 TREl:'\:\\IENTO

interprctação do texto escrito. O texto assume um sabor pessoal


e desse modo ,1S platéias desfrutam tanto o sentido de um ato
coletivo quanto ,1 participação numa revelação privada,
A quinta função do treinamento é a forma ção de grupos. Nu -
ma cultura individualista como a euro-nrnericana , o treinamento
é necessário para sobrepujar o individualismo. A expressão do
grupo com variações individuais é a norma no [npão e na Índia.
Ela deve ser aprendida na Europa e naAmérica, Intercultummen-
te, h<í dois tiposde treinamentode grupo. Nasculturas individua-
listas, os grupos são formados para resistir contraa corrente prin-
o" : \ cipal. Em culturas com tradições de representações coletivas o
\,~.;'''''
'\ .. grupo é a corrente principal. O grupo é biológico ou sociológico.
Seus vínculos são muitofortes. E o seu líder é um "pai" ou lima
"mãe" , que ensina as "crianças". Os grupos fundem-se na mais
forre fidelidadeque lima cultura pode oferecer. É por issoque os
~"'> ._._,
:
.>
\
...:' grupos curo-americanos ns vezes pnrecemfamílias, religiões ou
c élulas políticas.
Deixe-me agora resumiressas cinco funções do treinamento:
. '~

L interpretação de um texto dramático; 2. transmissão de um


texto de representação; 3. transmissão de segredos; 4. auto-
expressão; 5. formação de grupo.
Em iniciações rituais outminiogcrise. que trabalham por meio
do isolamento dos iniciantes e de suas experiências cotidianas,
segregando-osenquantosuportam duras proV,lSdepois das quais
são reintegradosnacomunidade, estas duras provas são realmcn-
te treinamento. Ensinam-se ,lOS iniciantes o espetáculo, o con-
teúdo das tradições, as técnicas S'lCWS. Este "treinamento de
duras provas" U~lZ junto a expressiío de gru]», ,1 transmissão dos
segredos e a transmissão detextos de representação. Ainiciação não é
distante das técnicas usadas por Grotowski,

Este te xto de Richurd Schechn er é um trecho de pale stra feita por


el e nu Univcraidadc de Toronto, Cunudá, 19:11. Publicado como
"Thc Pcrformcr : training inrerculturullv' "O ator : treinamento
i nrer cultu rul" in Bnerr» Thml/I: mlllAllllnopology[Eutr« IMIIO e 1111I1"0 -
pologill), Uuivcrsity of Pcunsvlvania Prcss, 1%5.

~'1~~~l~i~(,~ ;~.;.' ~lg~


...,~! " , .
i ..':,!:~:...

h-7. Em c im; l. rransmicxiin tlu sc~rcdfl: p:í;!,in., tln munuxcritn de Zcnui. 11 Iurulador 1111
Il::trrll Ní., xubrc a inrc rprcta çâo tIe papú.. femin ino:s. (l.. uiH :nl os de ZC;ftlli. c....(.Tiw.'Õ nq
século XV, permaneceram IIIH ~~rcdn uumr ido Jlcbs fumll ins de nturcx do Níl ,.ré fi
começu do s éculo XX. E ~, haixo, uum-cxp rcssâo: rrcinamcnru "pl;í"r;(:u" de Hy.siwnJ
Cic:'\hlk (1971), IIIlI dus urorcs I1l:lL'\ rcprcsc nrarivos do "I 'C:IUO -I.;thoT:I(c)rill de (lro(I)-
'. ~ ' - , .
wski. A. SCII Iado csd 'I":I;!.C Lurscn, que inic:i:I\':1seI! rr'Jh:dho np Odin ,,"ci!rrel.
....
gia do que em comportamento. e está presente no trabalho de
. ' .~
Grotowski, de Stanislavski c do Actor's Studio. A expressão
pessoal está intimamente entrelaçada na interpretação de textos . ~ .~.

dramáticos. Assim temos o Hamlet de Olivier, Burton, Brando, ..;.


L:lngclh1, mas não o Hamler Ih1 Inglaterra ou da América ou do
Canadá. O mor atravessa o papel. Este tipo de ator nãoadiciona
ou varia um papel fixado, mas se mostra a si mesmo no papel
atravessando-o. O ator exige mais da realidade que do papel. O
papel existe mais como texto dramático do que texto de reprc- ."...- .~ :".::, ~:'~~_/ :,:,~,:~ ·::t~/~·~.1 'o .

sentaçâo, A expressão pessoal do ator é torcida e misnuuda na K Fonn;lçi o de ~ruJ1C1: Rohcrra Carrcri treinando no Odin ·IL~tCrcC (llJ74).
Tl~EI NAMENTO 249

o TREINANIEN'TO E O partituras c. geralmente, termina por determinar os papéis ou


tipos de papéis mais adequad os para as qualidades físicas e
PONTO DE PARTIDA estéticas do ator. O tempo do aprendizado assegura a qualidade
do resultado; porque as representações têm sido repetidas du-
NICOLA SAVARESE rante séculos. as partituras se tornaram mais elaboradas e sua
execução exata é garilntida pela transmissão de uma tradição
É o jJrime;ro dia detrabalhorle 111110 pessoa'luerlelenl/;1Ia osignifica- viva de pai para filho.
rio desuajornada 1/0 teatro. O mesmo deve ter acontecido nas famosas "famílias de arte"
(Eugenio Barba, i1/ém rios ilhasfltanantes) dos atores europeus. mas a pedagogia foi indubitavelmente
diferente, baseada primariamente no texto, apesar de n50 ex-
Considerações preliminares cluir o movimento e a mímica. Os jovens aprendizes começam
Contrário do que se possa pensar, os atores orientais não têm um com um pequeno papel e assumem papéis .maiores e mais
verdadeiro e próprio treinamento: começando Jogo na infância, importantes gradualmente. conforme vão tornando-se mais ex-
aprendem uma partiturade representação imitando um mestre e perientes. Os atores representavam uma peça e ensaiavam a
repetem-na até que a tenham dominado perfeitamente e pos- seguinte ao mesmo tempo, at é que construíssem um repertório
sam representá-la sozinhos ou ligá-Ia a outra partitura sem se extenso. Seus atributos físicos e dons naturais eram t50 impor-
confundir.1\ssim, o aprendizado acontece com a acumulação de tantes quanto o tempo em determinar ilqualidade das represen-

9- 10. J\lU rc ", nndumlo xobre ;,1....m 50 s: em cima. iH:roh:I (;I S jil JlOn Csc s 1H1I1I:t ~r;,I\·IIr..1 do fina! do século X IX: clll bnixo, Arlequim OU I11;,1 ~rtl\'ma tI ;,1 Rn.lI~il Fruxl/ld(r:. f. Hi.uoringl"(~Jitl).
250 TREINAMENTO

11-12. Ac,liqlll.:rdil, Ts ao Chun- Lin, umr lI;1 Ópera de Pequim, auxiliamloum p.rrticipanrc na IS'rA tlc Huno (19 XO) :1C IU,':OIl U; H :t Jlfls i<;'iin correr» p :I r;I:1 "p ontl:" . I\ rlircitn, S... njukru
Pa ni~r:l hi.;l d;mç:lrinõl Odissi. faxcn du u "ponte" durante sua :1J1 rc ndi;r.a~c l1l.

rações. Deveríamos observar que tanto para os atores orientais tas e autônomos, o treinamento tornou-se a chave indispensável
quanto ocidentais estamos nos referindo aqui a situações-pu- para a arte do ator. Mas o treinamento somente pode cumprir
drâo; as exceções são uma históriacompletamente diferente. esta função se seus aspectos mais complexos e mais profundos
No Ocidente, não foi antes do começo do século XX que a
necessidade da preparação do ator desvinculada de sua produção
s50 compreendidos. Hoje, o problema do treinamento é que
muitas pessoas pensam que s50 os exercícios que desenvolvem o
..
foi afirmada. Isto aconteceu em reação aos conservatórios e ator, quando, de fato, eles sãoapenas parte tangível e visível de
escolas do século XIX, que tinham institucionalizado o treina- um processo maior, unitário e indivisível. A qualidade do treina-
mento do ator descrito acima, baseado no ensino de textos e na mento depende da atmosfera do trabalho, dos relacionamentos
elaboração de papéis. A preparação profissional, estudo e treina- entre indivíduos, da intensidade das situações, das modalidades
mento, e a invenção da pedagogia do ator S-JO inovações revolu- de vida do grupo. Como Eugenio Barba coloca,"a temperatura
cionárias iniciadas pelas escolase pelosateliês que priorizavam a do processo é que é decisiva e n50 tanto os exercícios em si".
formaçãodo ator independentemente dos espet áculos (cf.i1pl"m- Essas estavam entre as primeiras descobertas feitas pelo
rlizagc11I: e.xemplos ocidentais). OdinT catret de 1964;11 966, quandoa pesqu isa sobre rreinarnen-
O conceito e a prática do treinamento do ator foram conside- to físico foi efetuada no Te atro-Laboratório de Grorowski na
ravelmente desenvolvidos por Grotowski e seu T catro-Lnbora- Polônia e no Odin T eatrct na Dinamarca. Depois estas desco-
tório de Wroclaw nos anos 60. Desde Grotowski , a palavra bertas se espalharam lentamente pelos Estados Unidos via Gro-
"treinamento" tornou-se parte integral do vocabulário do teatro towski e pelo res-to da Europa e América do Sul via Eugenio
ocidental e não se refere somente à preparação física ou profis- Barba e seus atores..
sional. Afinal idade do treinamento é tanto a prepara ção Iísica do
ator quanto seu crescimento pessoal acima e além do nível Modelos de exercícios
profissional. Ele lhe d;í um modo de controlar seu corpo e dirigi- O treinamento, como o elaboradonoOcident e por mestres como
lo com confiança, a fi m de adq uirir inteligência fisica. Grotowskie Barba, passou por um processo de desenvolvimen-
A profunda entrega que tal processo implica, assim como os to. Aprincípio, o ator aprendeu a dominar fragmentos de exercí-
resultados obtidos pelos atores no laboratório de Grotowski, teve cios ou modelos, até que foi capaz de us á-los para modelar suas
tremendas repercussões na maneira de pensaro treinament o e a energias. No fim de um cerro período de tempo , dependendo
técnica do mor. Entretanto, condicionado pelo fenômeno do das habilidades individuais do ator e da "temperatura do proces-
conhecimento indireto e pela maneira como o conhecimento é so", ele não estava mais executando exercícios aprendidos, mas
disseminado, terminou-se por dar mais atenção à forma de trei- controlando algo mais completo e mais profundo: os princípios
namento e menos ao seu conteúdo. E assim nasceu o mito do que tornavam vivo o seu corpo no palco.
treinamento e exercícios físicos. Nos grupos de teatro autodida- Mais uma vez, esses são os princípiosde eq uilíbrio,de oposi-
TREINAl\!lENTO 251

.' : .

-,

Ll ~IS . (Em cima} 1\ "POI1[l.:" nus exe rcícios de trei name nto no Teat ro..l. ilbnrariírín de
CJrorllwski. () ator i'l d ireita é HV:'izanl Cicxlak. Em baixo. i'l es q uer da . i11 11 nnS de 15). Mas, como dissemos. o objetivo do treinamento não é uti-
K,I [h;d",lli 11;1 E~cntl Kilhllllilnthl bll;l ( l\ cr'I!;I. Índia) no exe rcício d,l "ponte": em baixo. lit úrio, pelo menos diretamente. A "ponte", apoio do corpo nas
:1 direita. dan çarin u cg ípci:l: de sen ho numa pcdril e nco ntrada 1l;1 Smll/fl m JJlIIJInIHI.
mãos ctc., sâo as bases para o desenvolvimento de qualquer
forma de treinamento, mas especialmente treinamento num
ção, de variações de ritmo e intensidade (como Decroux diria, contexto acrobático,
"dínamo-ritmo" ), que se tornamuma espécie de segundo refle-
xo condicionado, sob cuja base o ator pode construir sua força e Ac robacias
habilidade para atrair a atenção do espectador. E também por Quando se assiste .1 uma representação do Kabuki ou da Ópe ra
esta razão que qualquer exercício pode ser usado, desde que de Pequim fica -se impressionado pela virtuosidade física dos
respeite certas regras elementares. atores. f\ verdadeira acrobaciaergue os corpose fazcom que eles
É, portanto, interessante observar que um dos primeiros voem acima do chão com leveza extrema. A música, as roupas e
exercícios usados por Grotowski e Barba, a "ponte", é também os acessórios tornam eSS,lS ações IDJis espe taculares, mas o que
um dos primeiros exercícios preliminares aprendidos pelos aro- mais atrai a atenção é a repetição exagerada e inesperada desses
res orientais (Figs, l l , 12 e 14), no Karhakali, na dança Odissie exercícios acrobáticos, Então, para nossa grande surpresa, o ator
na Ópera de Pequim. É preciso aprender como moldara coluna se levanta e, da maneira mais natural possível, fala sem dar o
vertebral, como fazê-la trabalhar contra sua tendência natural menor sinal de estar perdendo o fôlego. Com freqüência, há
em se inclinar para a frente, de modo que ela possa ser o leme duelos perfeitamente coordenados ou cenas de batalhas, ou
que dirige e orienta o resto do corpo. Isto é feito friamente por saídas e entradas onde as acrobacias são usadas por uma persona-
meio de exercícios. sem excluira possibilidade de dar-lhes Ul11a gem para anunciar sua presença física. Outras vezes a acrobacia
dimensão de reprcsenrn ção, usando-os num espetáculo, comose sublinha passagens no diálogo ou, en tão, interrompe a ação de
vê na gravura em pedra de urna antiga dançarina egípcia (fig. uma cena de passos lentos com um efeito surpresa.
252 TREINAMENTO

Examinando este fenômeno mais de perto compreende-se


que ele é realmente um processode uma (/(r70 ra áriot . No teatro ~.

chinês, a heroína é freqüentemente atacada por inimigos que a


ameaç<lm por todos os lados. Mas como 6 impr.uicável trazer
exércitos inteiros ao palco, ela repele sozinha o ataque. E assim a
vemos desviando as flechas e lan ças arremessadas por inúmeros
assaltantes. literalmente usando suas mãose pés, seus cotovelos,
ombros e costas.
No teatro Kabuki, o heróico sarnurui nãose humilharia tanto
para lutar com atacantes de posição inferior. Um simples gcsto
do samurai inicia uma reação em cadeia de quedas fatais entre
as fileiras de se us inimigos, Novamente aqui a (/(rlO m ôiica 6 .,
respeitada fisicamente. E como se Hamlct estivesse cxprcssan-
do sua famosa dúvida com uma série de saltos perigosos. Tal
interpretação talvezestivesse fora de lugar 11.1 tradição ocidenta l,
mas daria ao espectador, sem aborrecê-lo, urna idéia da dimen-
são física do dilema de Harnlet. Ser:' que tal maneira de repre-
sentar é concebível no Ocide nte? A história do teatro russo no
começo do século XX mostra que isso j.í foi feito.
Muitas fontes de inspiração convergem no treinamento: o
teatro oriental tem contribuído com sua dinâmica c mais direta-
mente com os exercíciosacrobáticosdo teatro chinês e do india-
no. A influência desses elementos é óbvia no teatro de Groto-
wski e de Barba, mas essas elaborações não deveriam nos fazer
esquecer um aspecto essencial dessas técnicas de virtuosidadc:
não é apenas urna questão de aprender a dar saltos mortais, mas
a de confrontar um inimigo potencialmente muito mais perigo-
so. O exercício acrobático thí 00 ator a oportunidade de restar .1
sua força. A princípio,o exercício 6 usado para ajudá-lo a sobre-
pujar o medo e a resistência, a ultrapassar se us limites; de pois,
ele se torna um meio de controlar energias aparentemente in-
controláveis, de encontiar, por exemp lo, os contra-impulsos ne-
cessários para cairsem se ferir ou de planar noar em desafio ~ lei
da gravidade. Acima e '1 16m do exercício, essas conquistas enco-
rajam o ;1tor: "mesmo que cu não faça isso,sou mjJf/z de fazê-lo".
E no p'1JcO, por causado seu conhecimento, o corpotorna-se um
COIPOdecidido (cf. illlflVjJologifl 1'e(l/ml).

......

' ..

1()·llJ. (Em"c.:i Il1;'I) Ik p ll';tt,': csculruru de Tl,uilcn (t\llISCH N~ICillll;' ll de 1\lHrfll'()II1.~ i;:
C:id"hk dI! México). t\ direita. atoresc dirctnrcs IlJ IST/\ de Bnnn (11):-;'0) dv mnrc 11m:
scssãu pr~ítiL';,1 de cx crcfcios ;H:rnh;jticus. Em cimo" c xcrcicinc :Il.:rlth;í [ i~o... do nro r d.
Kabu k i n uma c .' ;r;lI1lp" tln :iél:l l tn XVIII.
TREINAMENTO 253

..

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i 20-22. I ~ m cima c abaixo, ~I esque rda, trci uamcntn acrolxitico nos :.1l10 S iniciais do ' lcarro-Lab orar õri o tlc Grorowxki (1963). Em baixo, à di reita, o :.1 ror Tor~c ir \Vclh:'II, tio Odin
Tcurrcr, folzcndo 11111 exercício ;I l.:ro"bií ti ( l) d uru ntc sun :Iprcntliz:'lgcm ( llJ6:) .

I
254 TR E1 NAMENT O

Treinamento com o mestre


Geralmente, 'não se vê um diretor traba-
lhandono treinamento; é igualmente raro
J
Eugenio Barba fazer isso. Neste caso(Figs.
23-30), o diretor não está ensinando ne-
nhum tipo de exercício, mas está tentan-
do fazer o ator compreender que ele deve J
reagir com seu corpo todo:ele não deve se
limitar apenas .10 exercício em si, mas
deve encontrar resistênciaou estar pronto
para encontrá-las (Figs, 31-33). Um rela-
cionamento é estabelecido, em que o di-
retor detém o ator ou o deixa ir (Fig. 34),
ou vice-versa. o ator sustenta-se a si mes-
mo, mas ao mesmo tempo deveestar pron-
to paraevitar a queda (Fig. 40). Ou, quan-
do o diretor o auxilia na "ponte" e depois
o ergue (Figs. 35-38), eJe tenta seduzi-lo
para a ação e o obriga a se levantar por si
(Figs.40, 41). Esta a dinâmica que fun-
é

damenta a rela ção: ensinar um ritmo com


ações específicas, criar obstáculos com os
quais o ator deve se confrontar fisicarnen-
te de forma contínua. deixando-o ir por
si só.
J

..

23·42. EIIg:cnio !linha diri~l.: u trciuurucnro di) ator co..


Iom biano juan f\Jons:rh/c, fazendo-o rc".~;r c de scnvol-
ver 11111 ritmo il { [;lv6 de ;I(,;ik s prc cis...ts (lSTA de Bonn
1980). • •

1.
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TREINNvIENTO 255

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VISÃO DO ATOR E
VISÃO DO ESPECTADOR
e fica estupefato, Ele comete o erro natural de supor que é
intenção do ator representarseres humanos. Primeiro o jornalis-
ta fica assombrado e, depois.indignado por causa do modocomo
o comportamento cotidiano é reproduzido e exagerado. Ele vê
I
!
~,r ,

os gestos de todo dia, a etiqueta de uma educa ção comum


FERDINANDO TAVIANI readaptada para o palco e reproduzida com graça. As normas
educadas que os atores reproduzem com seu comportamento
cênicosão as da classe social à qual pertence o espectador. Cada
A invesriga çãohistórica e teórica do teatro tornou-se particular- espectador compreende perfeitamente bem o significado de
. mente útil e fascinante porque. neste campo, mais do que em cada gesto que o ator faz. Cadaator sabe como ser perfcitamente
outros, estamos continuamente nos confrontando com a intera- transparente para os espectadores. :
ção entre realidade e aparência. Muitas das visões difusas e Wclls trn ta tudo isso como um exemplo singular de degrada-
aparentemente óbvias sobre o teatro e sua história são de faro Ç"Jo. Apesarda sua indignação, o pobre crítico de teatro experi-
devidas a uma inversão ótica. menta quão contagiosos SJO os gestos do ator, ele os reconhece
Uma dessas visões poderia ser assim resumida: o melhor em si mesmo, compreende'que "eles" (osatores) respiram como
teatro ocorrequando uma união íntima é criada entre o ator c o ele respira. eele mesmocomeçaa respirarcomo "eles" respiram,
espectador,quando ambos sentem da mesma maneira,ou quan- isto é. poucoa poucoele começa a exagerar sua maneira cotidia-
do um deles transmite completamente ao outro o que está na de se comportar. Ele pronuncia certas frases como "eles" as
pensando ou experimentando. Um corolário; para fazer bom pronunciam. Ele se movecomo "eles" o fazem.
teatro deve-se ter coisas interessantes a dizer e deve-se saber Mesmo assim a história tem uma ambientação realista, SU.l
como fazê-las ser compreendidas pelo espectador. Ou: deve-se trama é típica de muiras histórias de ficção científica: um ho-
aprender como sentir profundamente e ser capaz de transmitir mem sendo capturado por um povode "replicantes".
sua emoçãoao espectador. [oseph Conrad. um dos melhores amigos de Wells,escreveu
Essas visões não são nem rransformadas nem corrigidas por para Edward Garnett em março de 1908: "Tenho horror mórbi-
aquela outra visão que diz que a força do teatro é devida à sua do do teatro, e está se tornando pior. Não eonsigo entrar nesse
ficção e à nossaciência da ficção. t\ ficção que é aceita e da qual 10cl1 de infâmia. Não é um horror ao drama: é um horror a
se est áciente é contida por meioda realização da uniãodo ator e
do espectador,essa comunicação perfeita,emocional,racional e
atuação".
O significado tanto da história de Wclls quanto das afirma- I!
artística que. de acordo com o senso autmm. é fundnmenral ;1 ções de Conrad parece paradoxal. Elas refletem, entretanto,
todos os grandes teatros. num estado quase puro e comovisões pessoais, de uma maneira
Ij
l
Acredito que o bom SC1ISO demonstra exatamente o oposto: é a clara e incisiva. urna visão que é encontrada atrav és da história ii
:~ .
divergência, ,1 não-ligação ou até a falta mútua de percepção do teatro, seja numa forma negativa (daí a idéia da infâmia tio
entre a visão do espectador e a visão do ator sobre o mesmo ator), seja numa forma positiva, como estética. Não é possível
espet áculo, o que torna a arte teatral uma urre e não urnn que corno parte de toda reflexão esr ética sobre o teatro exista,
imitação ou urna réplica do conhecido. implícita ou explicitamente, uma ansiedade relativa ao horror
Seria possível demonstrar que esses momentos exaltadosque que o teatro pode tornar-se quando o homem não é nada mais
I
se tornaram exemplos legend ários de comunhâo entre o ator e o que .1 cópiado homem?
espectadorsão momentos em que, apesar de uma forte conexão
entre eles. M umaenorme diferençaentre a visão do espectador
e a do ator. Num grande teatro - ou. mais simplesmente. no
teatro que trabalha - os atores e os espectadores se encontram
III
As imagens do ator que encontramos em Diderot e Arraud, as
visões de atorcriadas porStanislavski, Craigou Brecht, Meyerhofd
I
'I
(
num simplesespeniculo que tem esta camcrerística: quanto mais 011 Grorowski e. acima de tudo, o que os grandes atores e i..
o espetáculo os liga sem obrigá-los a consentir, rnuis ricoele é. dançarinos conseguiram provam que a arte tio teatro é sempre
Em resumo, o simples senso comum obriga-nos a reconhecer um mimetismoque superaa si mesmo. Este é um C<1S0 particular
que comprmlder um espet áculo não significasomente ver o que de uma divergência mais geral entre a visão do ator e a do
seus autores (atores. diretor. dramaturgo...) colocaram nele, e espectador.
que compreendê-lo profundamente não significa descobrir o Parece que. se aceita n idéia de que hú uma distância entre a
que estava oculto profundamente dentro dele. mas, antes, fazer visão do espectador e a dos que construíram o espetáculo, então
descobertas durante uma jornada cuidadosamenteestudada. será o significado deste útltimo que será arriscado. E hd muitas
Isto equivale a dizer que / 017/(/1' WIllPt"l'tllJíve/ um espet áculo ambigüidades relativas ao significado de um espet áculo, Essas
nãosignifica planejardescobertas, masesboçar.projetar represas ambigüidades não são s érias quando se examina o fenômeno
ao longo das quais o espectador e a sua atenção navega/fio. e teatral fI jJo.l'/ctioti. Elas se tornam extremamente sérias, entre- .( .
então fazer uma vida minúscula. multiforme. imprevista, apare- tanto, quando são examinadas fi priori, do ponto de vista dos
cer nessas represas. Os espectadores serão capazes de imergir construtores do teatro e do processo artístico.
seu modo de ver esta vida e de fazersuasdescobertas.
IV
j.
li O problema do "significado" de uma representação é um engo- ,
Numa coleção de históriaspublicadaem 1887, H. G. Wells conta do: ele oculta uma realidade mais complexa. A expressão co-
A /tiste bistótia de 1ItII critico dramático : um jornalista que nunca mum "ter um significado" se adapta bem a situações nas quais
estivera num teatro é indicado como crítico de teatro por seu urna coisa ou um signo têm o mesmo significado para todo
superior. "Precisamente porque você nunca se interessou pelo mundo. Quando isso não ocorre, como é o C'1S0 das camadas
teatro, precisamente porque você não tem preconceitos", seu menos superficiais da expressão nrtísrica. não se pode maisdizer J
superior lhe explicou. O jornalistavaiao teatropela primeiro vez que o trabalho temou n ão tem"'" significado. Neste casodeve-se
2Só
ViSÕES 257

I. Au rtc do vcr t\ arte da rcp rcscnruçãu


... /\ lentidão tlu gesto poss ih ilita tmlas as inrc rprc ruçõc«: por cxcmplo.u 1111111,cr descj;, (j[l;Indo sc choru nn Nô. coloca-s e umão cm frcn tc un ros to. mas ixro nãoé pura mostrar
chorar c :Is'i'illl move slIas m âns uré CI'i' olhos: 11Ii1,'i csm ôle;~O nuubém pode ser a irnugcm que ..iC csni chorundo, é purol secar :IS lií~ r i m; ls . i\ açilo é corn p lc ramc nrc neutr a c
da xna dor, Il lle c lu truz pa ra mú" pe rto, de modo:1 \'~-1:1 melhor. Ela parece retirar ,I consiste em secar hí~rim:ls . ruulu mais. Não importa como se faz. isso, algllll s atores
;í ~ll a de SIIiIS lá~rill1;ls. () pe so da dor. de pois vema rcrinnla do cálice da :1I11,lr1-:II(:1 11"1.: baixam seus ol ho". ou tros olh.uu pura cima . 1\ si m ples 'lC;iío L1e se ca r rá~ri mil s foi
ela be beu, ;I ubdicnçio da vida. esco lhida com o parillliJ.:m:t 11""'1 () :I(lJ de chorou. Tudo:'j os outros J.:CS(lJS neces sários
(P aul Cluu dcl , Jnlll7/(/I, fevereiro d e 192.; ). forum clim iu.nln s. (de 11111;1 e ntrevista cnm o ator N ô. llidco K ;1I1ZC, 1971)

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2. 11111 exemplo P:lr.lllo x;lllla dl lp la l' rc 1jeç:i o l!o s ihllilicat!o; a inscriçlo larin:t nou rco rmu unn em ()mn~c (1'·ral1ç:I ). 1)1.: uccnlo com a IIplnião comumente 1l1:1l1ridõl pdnsfpi~r:lt i~t:l.
de I:-;()(} a 1957, esta i n.o.;cri~i ll s i~nilicClIl " 1\( ICil lS' 1'I F I )IVIIV I.) NEIIO'( '1 AlIC; llS'I "' , mas rcccnrcmc nrc muir ns s.ihins decidiram qUC:1 " insc riç;jo" mula mnix ~ .10tI"C lima
sé rie til: hurac us, pa rte das grin:t1d'ls c nrt1;ll1le l1t:lçik s c..o;clIlpid'IS no arco.
VISÔES

estar ciente de que ;IS .içó es e as coisasnão têm um signitlcildo,


mas que e las podem ter um grallr/e n úmera de significados.
Então. O problema é detcnninnr até que ponto se deve tentar
forçar um acordo entre os signiticados que algo possa ter IXHil os
que os construíram e os significados que eles podem ter para
os que são seus espectadores.
Acostumados a considerar toda comunicação por um modelo
de comunicaçãolingliística. também nosacostumamos a não dar
muita importância no fato de que um signo pode somente ser um
signo para os que vêem como tal e pode ser visto por alguns
como um signo e por OUCl:OS não. Na língua uma palavra é
compreendida como aquela palavra por todos os que falum a
mesma língua. IV/ais ainda: com uma certauproximução, o fato de
uma palavraser uma palavra- um signo -é compreendido at é
por pelos que não compreendem a língua, mas entendem que
esse som particular deve significar fIIgo, mesmo sc eles não
sabem o que isso significa. Não é necessário insistir uqui que
uma palavra é um sinal "paraalguém": é um sinal, dc fino, para
praticamente todo mundo, e é muito diferente dizer que ele é
considerado universalmente como um sinal ou simplesmente
dizer que isso é porsi só.
Mas o caso é muito diferente quando estamos trnru ndo com
situações que nãosão lingüísticas propriamenteditas, É verdade
que uma representação teatral comunica algo aos espectadores
por meio de sistemas diversos e complexos de sinais, mas um
sinal neste caso não é umsinal em si c para si mesmo: é algoque
sejJor/e tomar assim. Não é somente algo que "torna o lugar de
alguma coisa mais"e que assim lhe diÍ umsignificado, é algo-
de acordo com Chnrles S. Peirce, o fundado r da semiologia
moderna - "que aos OUIOJ de alguém assume o lugar de alguma
coisa n{ús". "Aos olhos de alguém" é a maneiracomo Umberto
Eco traduz o original "to somcbodv".
"T udo pode ser considcrudo como urn n cais" e como um
sinal", essa afirmação foi feita por Bonaveunnu-da-Bugnorcgio
no século XIII.
4. () c'ipccr:ltlllr dc ~an rc : TI/(: / .n.'!,c (O l7IJJ1nrlJle). g r:I\ 't1t.1 i n~h.::ia nnên ima de 17XI
É conhecimento comum que sob certas condições. no casode (i\ III Sl:lI doTe atro. Londres).
tensão espiritual poderosa porexemplo, alinnsicdudc, ou exalta-
ção, começamos " considerar .1S coisasao nosso redorOll as coisas No campo da representação é limasuperstição pensarque es-
que ocorrem como "sinais". Mas nãoacreditamos queeles sejam sascoisas que se podem tornar "sinais" para o espectador e, por-
sinais aos olhos de todagente. Se alguém p.ira de estar ciente de tanto, podem referir-se a significados específicos, corrcspondern
que uma coisa particular é um sinal para si 1/Ie!>1110 e começa a aos mesmos significados pamosatores e paraosoutros autores da
pensar que é um sinal eu: e parasi mesmo, pára de estar atente e represenrução. É umasuperstição, portanto, pensarque os vários '.
torna-se supersticioso ou delirante. elementos da representação que se podem tornar"sinais".devem
ser desenvolvidos de um modo que leva em consideração um
acordo entre os significados que eles têm para os espectadores e
os significados que eles têm para os autores da representação.
Este acordo previsto e programado é certamente necessário
para tudoque tem relação com o nívelsuperiorda rep resentação:
a superfície dos significados básicos, aSZOIli\S de convenções
fundamentais, .1 interpretação. Mas não é verdade ou válido para
o que é essencial:a vida multiforme de detalhes, de coisas, que
transformam a representação numa arte. Neste nível as reações
dos espectadores, as escolhas que eles fazem conside rando uma
coisa como coisa ou sina! são talvez imagináveis, mas não previ-
síveis. Por essa ra2<10, o processo empreendido pelos que criama
representação não pode ser orientado excessivamente com res-
peito i\ visão do espectador e deve, portanto, ter suas próprias e
independentes visões.

V
Quando os semiélogos analisam uma representação como um
complexo de sinais variados e estratificados, eles examinam o
fenômeno teatral pelo fim, pelo resultado. Não há nada a indicar,
entretanto. que seu processo é de qualquer forma útil para os
que devemcomeçar pelo começo, isto é. pelos autores da repre-
.1.() :wt iJ..:o c... pccrudor: 11m :lllllirfí l'ilJ1.1c cnrrcsâs ohscrvaudu pn;s[i~ir:HI(l(cs em ação,
h:í 170()uJlu.'i. De se nho tomado de 11m relevo til: I I IH nunulo 1l:J pnwínáJ de Szcd 1\\~' n .
sentação, cuja meta final é o que a representação será aos ol ho~
(;hi",,_ dos espectadores.
VISÕES 259

A mesma condição se aplica no caso dc um crítico de teatro o primeiro C'I SO implica um proccdimcnro cent rípeta: as
que analisa o conteúdo da representação e julga o valor de sua várias partes são coletadas e unidas no contexto de um projeto.
"interpretação". Até um crítico menos tradicional, que presta No segundo caso o processo é centrífugo, ele é desenvolvido e
atenção cuidadosa à maneira como um espetáculo é construído ramificado começando por um ou mais núcleos.
por meio da combinação de suas diversas partes, mesmo ele Enquanto a fase tinal de uma máquina é "boa", "funciona",
sempre tem a reIJl'Csetl/oção como objeto da sua análise. O que ele se ela corresponde exatamente ao projeto original e se cada parte
analisa é a fase final do trabalho (do ponto de vista dos que o funciona corretamente e no lugar certo no momen to exato, a
fizeram), que é também o ponto de partida parao processo dos forma final que uma planta assume nunca corresponde a um
espectadores. ' projeto, é o resultado - imaginável mas imprevisível - de um
É uma lógica delicada que nos leva a pensar que, sabendo processo orgânico.
como a representaçãofunciona (ou tendo opiniõesa esse respei- Acredito que é mais conveniente compurnr o trabalho sobre
to), também significa possuir os fundamentos necessários pam uma representação a um crescimento orgânico do que li constru-
t~lZê- 1a funcionar. ção de uma máquina, Acredito, isto sim, que os resultados das
Mas de ixe-nos examinar por um momento o verboque acaba- análises feitas pelos que procuram compreender como uma
mos justamente de usar: "funcionar". Associamos este verbo representação é vista pelos espectadores não são muito úteis
com a idéia de uma máquina e essa metáfora implícita, c às vezes para as que devem fazer com que a representação viva. Esta é
inconsciente, dá uma aparência de veracidade à idéia. de acordo outra maneira de colocar il questão relativaà divergência entre as
com ir qual o conhecimento da maneiracomoumarepresentação visões do criador da representação e as de seus espectadores. É,
é executada e apreciada pelos espectadores pode orientar o de fato, um bloqueio ao processocriativo.
modo de construí-la. Esta id éia enganosa é reforçada por outras Examinar urnarepresentação que começapelo fim do proces-
met áfoms, tais como quando se fab do "mecanismo" da repre- so retorça o risco de se tornar supersticioso, de acreditar que o
sentação e da sua "forçadirigente". que podeser um sinal para os olhos do espectador é nãosomente
Mas, o que acontecese mudamos os verbosc em lugilrde usar um sinal em seus olhos, mas um sinal em e para si mesmo.
"funcionar" usamos "viver"? Não é fácil dizer e supor que
sabendo como e por que "vive" uma representação também VI
significa possuir os meios para fazê-lu viver. O verbo "viver" é Esta discussão inteira seria banal se ela tivesse relação com
usado, por exemplo, quando se t~lla de uma plantae é óbvio que outras formas de arte, mas não é assim quando tem a ver com o
o processo que forma uma planta não é simplesmente a reunião teatro. Em outras formas de expressão artística il distância entre
de suas partes vitais. as forças que as governam e o terrenocomum das impressões dos
. Uma planta /Jorle ser analisada cientificamente comose tosse que - de uma maneira crítica ou de outra forma - as desfru-
• uma máquina, masela 1/rio pork: scrc riaducomotal. Para habiliui- tam, é uma distância óbvia e sem interesse, dado que elas não
la a viver deve-se criar um ambiente que é adaptado a ela e têm conseqüências importantes (o artista quase sempre trabalha
remover os obstáculos ao seu desenvolvimento, deve-se ter uma sozinho e usa materiais que impõem suas próprias regras pre-
semente ou uma muda, Isto [)OU CO tem a ver com o esforço cisus). No teatroos lugares comuns da arte cênica têm tremenda
necessário para que se possa entender como ela "funciona". influência na maneira como trabalhamos que realizam a repre-
A questão, portanto, poderia ser colocada nestes termos: será scnração,
que os que realizam uma representação pensamnela como uma O artista solitário pode ter muitas idéias preconcebidas e
máquinu ou como uma planta? No primeirocaso, a procura pelo muitassuperstições, mas ele será salvopelo seu instinto (isto é,
resultado pode dirigir e orientar o processo de composição. Além por umaexperiência que opera sem necessidade de ser formula-
do que, o resultadocoinculirá coma totalidadedasinstruções para da em termos claros e teóricos). Mas no teatro vários artistas
o uso dos meios teatrais. No segundo caso,o processo, o uso dos devem trabalhar juntos: suas técnicassão quase sempre menos
meiosteatrais, não podeser deduzido do resultadodese-jado, mas específicas e a experiência de cada indivíduo n50 está livre de
deve ser desenvolvido indepe ndentemente dos meios teatrais, operar por meio de tentativa e erro, mas deve coexistir com a
cada um tratando de acordo com seus próprios princípios. experiência e a complacência de todos os envolvidos. Sob essas

I
1

.' ·fI. ( ) CSI)l::l.:r:tdnf scn xivcb :lIu!in'lrio de 11111 m chnlranm parisiense, desenh os de Dnnunr rct rc.
260 VISÕES
condições as teorias e idéiassobre arte cênica tornam-se instru- mente relevante com respeito ao conceito ambíguoda "interpre-
mentos para orientação. ração", que freq êc nrernenre introduz uma rigidez dentro do
Apossíve l nutonorniu da visão do ator em relação utio espec- processo artístico por causa de idéias nebulosas e preconcebidas
rador (e em casos específicos, como veremos. relativos àquela do sobre o signiticado tI'1Sações teatrais.
diretor) não é tão interessante do ponto de vista teórico como é Como parece que o teatro deve interpretar, também parece
do ponto de vista prático. Ela é um dos pontos cardeais .10 redor que seu significaria deve ser dado. conhecido de antemão, desde
do qual se pode orientar-se a tim de escapar de muitos dos o começo e que o problema inteiro consiste em tornar explícito
bloqueios que nmeaçam o processo criativo, Isto é particula r- esse significado. Assi m. parece estranho considerar o trabalho

7. O espec tado r que prorcsm: lunuulo por espaço num rcatm in~lês no inicio "lu século XIX [cxtampa de c rrim rnra dc IS21).
VISÕES 2ól

:-;.9. Os cspc cr:ll lo f C,:\vistos pt:!us atores : em cimi' (I hlll"~\(:ft P:II":.I espreitarna l:ortill:l num [curo Irunc ês, no ink ill tlu século XVIIl (~r:.1 \'1I r;,1 ele C hurlcs Coypcl. 1726), c num teatro
Kubuki do IlU';SIl\O Ju.:rído (cs r:t111p:1 de IpJlirslIsili lluncho. 17711).

teórico da maneira que é. entretanto, normal quandose conside- rncnto da maneira como ele terminará. Em outras palavras, a
m o trabalho de um poeta ou ll lll novelista, um pintor ou um solução do problema de ter coisas interessantes para dizer, os
m úsico. Esses artistas, com freqüência, procedem com inten- "pensamentosdifíceis", não é encontrada na procura de coisas c
çõessecretas por meio de sinaisque pennanea n:sinais apenas em pensamentos interessantes.
seus olhos, ,10 p.1SS0 que para outras pessoas eles são somente Quanto mais seja claro que tudo que acontece num contexto
detalhes interessantes, coisas, vivas ou bizarras. Paraessesartis- teatral está pronto paraser rmnsformado em sinais aos olhos dos
tas, finalmen te, é normal que o significa do do trabalho seja a espectadores, menosracional será o bloqueio do processo artísti-
última coisa .1 aparecer dentre suas várias conotações. co causado pela ilusão de que esse processo pode ser regulado e
orientado pelo significado final,
VII Muitas anedotas teatrais recordam o que uma pessoa que
Algumas pessoas pensam que para realizar umu representação entra num teatro experimenta quando não há espectadores pre-
que diz coisas interessantes é "necessário ter alguma coisa inte- sentes: se certas pessoas aparecem por acaso no teatro vazio. se
ressente .1 d izer". Portanto, em vez de se preocuparem com olham ao redor e falam, é como se elas estivessem numa rep re-
coisas "materiais" - que puru o ator poderia ser trabalho pré- sentação, como se suas ações tivessem uma presença que ;IS
expressivo sobre o comportamento cxtrncoridiano - eles se transformasse em ações extraordinárias, espetaculares e teat rais.
devoram a uma pesquisa profunda e espiritual a fim de mergu- Max Frisch (em O r1irÍ1io /mf-prr.l" 1950), contando a história de
lhar numa situação criativa. Isto é semelhante à seguinte histó- um episódio deste tipo. vivenciado por ele logo após a guerra
ria: um grupo de pessoas está vivendo numa região árida. Algu- num teatro onde uma de suas peças estava sendo e nsaiada, diz
mas de las voltam sua atenção n terra, às rochas e ao cimento. que esta impressão é causada pela "boca de cena" e pelo pros-
fazem diques e cisternas. Outras não pensam em nada a nãoser cênio. Ele alegil que eles funcionam como uma moldura e
em água, e representam dançasde chuva. parece dizer: "Olhe aqui e você verá algo que vale a pena, algo
As coisas interessantes, os "pensamentos difíceis". que o que nem o acaso nem o tempo serão capazes de mudar, aqui
teatro às vezes doa aos seus espectadores, não se 'têm, níio se você encontrará o jigllificar/o durar/onro, não flores murchando,
possuem, mas chegam, "deixam-nos pensar", no fi m mais do mas a imagem das tlores, o símbolo tangível".
que no início de um processo de trabalho que se prepara para A "boca de cena" e o proscénio são os exemplos mais simples
recebê-los. Elas respondem a uma ecologia de pensamento, cujo desses artifícios teatrais que determinam a capacidade dos es-
pensamento programado nãosabem e não podem dominar. pectadores em encontrar significados duradouros no que eles
No teatro, como jií foi dito. a situação é mais delicada, mais vêem e de transformar coisas em sigilos aosseus olhos. A "boca de
frágil. O estado de advertência deve ser mais agudo porque ,I cena" e o proscé nio são artifícios definitivamente fracos: seu
J ecologia do pensamento tem a ver com as mentes de vários efeito não dura muito. Tão temporário é o seu efeito, de IlHO,

I
indivíduos reunidos. ', que quando eles parecem funcionar quase por causa da ' sua
O problema, então. é o processo de trabalho, não o planeja- própria torça. transformando um fragmento casual da vida coti-
262 VISÕES

I
.j,
VJSÕES 263

11)· 11. /\ op ini âo irôn icu dn CSIICl:{<llltlr: ;1 es q ue rda . 1 ~1c( )nt)ra 1) I ISI:, desenhada por ()I"f
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(;;Ippidl n.

diana em representação, eles se tornam o objeto de uncdorus A/olI/agem) tamb ém perrence visãodo ator. Outra parteda visão
à

repetidas muitas vezes. piadasou - como nos escritos de Max tio ator é o uso de uma t écnica de comportamento extracotidia-
Frisch - apologias quase fil osóficas. na, que é independente da semântica e valores expressivos que
Muitos outros artifícios, c acima de tudo as t écnicos extra- caracterizam o trabalho do ator no esp et áculo.
cotidianasdo ator, permitem ;10S espectadores projetarem signi- Tamb ém poderíamos tentar ncresccntar nunnças mais preci-
ficados :\s coisas que os Mores fazem sem haver um acordo sas para a visão dos cspecmdores, mas neste caso elas seriam
preliminarcom respeito aossinaisconvencionais ou tradicionais. inúteis. É fácil intuir o que est á implícito na expressão "visão
Tudo isso poderia nos levar a deduzir certos princícios de dos espectadores": ela tem i1ver com um complexo de ativida-
orientação. tal como o fato de que a representação do conhecido des mentais - emocionale conceitual -e- que toda gente expe-
- isto é. a condição degradada do teatro - é em última análise rimenta c quc não se referem a lima área relativamente desco-
o resulrado de uma composição cênica que pretende ser reco- nhecida. tais como a profissão ou a cultura dos atores, masà vasta
nhccida pelos espectadores e que é adaptada ;)Ssuas cxpcctati- área das convenções que caracterizam nossa civilização ou ;)
vascomo um molde. De maneirasemelhante. a visão do ator que restrita 5rC;1 da mentalidade e mitologia pessoal.
é homogeneizadu à visão do espectador resulta numa hlltil de Parece quc não estamoslevando a visão do diretor em consi-
profundidade, uma visão com um olho só, uma aliança entre deração. não porque não seja importante, mas acima de tudo
duas autonomias 1:1Ih;lS. porque o diretor nem sempre está presente (mesmo que alguém
O que de fato determina, por um lado, a comprecnsibilidade afirme qllc a função, independente th1 pessoa. está sempre
de uma represcnta çâo c, por outro, sua vida - seu aspecto presente) e porque, do nosso ponto de vista, o diretor tem uma
desconhecido.enigm ático. mutável c, portanto, não só capaz de posição dup la, Por um lado, ela pode ser similar posição tio à

ser entendido, mas também de interessar c impressionar - é o ator-bailarino.à posição de alguém - que diretamenre influen-
grau de relacionamento entre duas zonas: a zona de concordân- cia as ações l1<1 representação; por outro, pode ser i1 posição de
cia entre a visão dos que realizam a representação com a visão um "espectador influente" ou um "avalista" para os espectado-
dos que a vêem e aquela outrazona na qual tal concordância não res. Tudoo que dissemos. portanto,acerca da divergência entre
é necessária, ou é mesmo evitada corretae habilmente . a visão dos espectadores e i1do ator-bailarino, sobre o contraste
entre eles. sobre sua concordância 011 mesmo sobre o caráter
VIII secrero de uma ou outra, pode ser dito com respeito ao diretor,
A visão tio espectador é para ser compreendida aqui como o IXHi1 o seu du plo teatro interior.
significado adquirido pelo que osespectadoresvêem. "com seus Com respeito ao diretor,as ambigüidades do significado, ou,
olhos", tanto o quadro gemi quanto os detalhes. melhor dito, a superstição do significado, podem tornar-se mais
A viSJO dos atores-bailarinos, por outro lado, é para ser com- imediatas e agudas. No C;lS0 de um comportamento do ator que
preendida como algo mais variado e complexo: não somente o é "restaurado" pelo diretor Oll no caso de ações criadas num
significado a seus olhos do que fazem, mas também il fina lidadc contexto-e- mediante improvisa çõesou outros meios-e usadas
pela qual eles fazem e a lógica que os orienta a fazer. Por em outro. o desconforto devido à expropria ção do significado
exemplo. o subtexto com o qual o ator-bailarino encontra moti- pode ser sent ido de uma maneira particularmente forte: a vio-
vação pessoal PiUi1 i1S palavras da personagem, assim como a lência do espectador parece materializar-se e tomar-se quase
seqüência de ações criadas num contexto e usadas em outro (cf brutal no diretor. Esta violência é apenas imaginária,entretanto,
264 VISÕES

por que ela deriva da idéia de que M somente um únicosignifi- nesses casos é reconstruído conscientemente um dos elementos
cado possível na representação; um significado que é igual para constituintes do trabalho cênico, que nos teatros com tradições
todo mundo, que seria então o significado para os espectadores, consolidadas funciona por meio de uma lógica implícita. Essa
que poderiam expiamr idealmente o ator no momentoem que lógica implícita é usada com eficiência inconsciente , quase do
eles projetam seu própriosignificado autônomo no seu trabalho, modo comoalguém fala uma língua materna sem estar familiari-
em suas coisas, que foram adaptadas para serem transformadas zado com seus elementos estruturais.
em signos aos olhos dos espectadores. Acomposição exemplar do repertório teatral sobre o qual est á
Esta visão da vida. teatral, que é atligida pela mania de baseado o trabalho dos atores-bailarinos orientais, e dançarinos
perseguição e ansiedade por causa da dificuldade de se fazer e mímicos ocidentais;o sistema de papel típico do teatro profis-
entender, pode ser substituída por outra visão mais dinâmica, sional desde o século XVII até o começo do século XX na
mais dramáticae tranqüila. Adivergência entre a ótica do obser- Eu ropa; as t écnicasstanislavskianas e as que usam o se u nome; o ,.
vador e a de quem se faz ver constrói uma única tensão e uso de improvisações pam preparar materiais para a montagem
sentidos distintos sobre a superfície dos signos, que sãoas bases do espetáculo; todos esses precedentes são artifícios que - em
do acordo entre eles. se us vários contextos culturais e em condições ambientais -
Na realidade material do teatro, a divergência entre as dUJS livram os atores do predomínio da visão dos espectadores, a
visões é normalmente praticada, apesar de lugares comuns e única visãoa que eles permaneceriam ligados de outro modo e
ideais. Mas, exceto em casos que parecem extremos e experi- que os guiaria de outra maneira.
mentais, eSSJ divergência permanecc contida c oculta atrás de N'1S formas autônomas ou autodidatas de teatro, a distância
práticas que são tão bem adaptadas ã "ida teatral que parece que entre a visão dos atores e a dos espectadores - necess ária para o
não se deveria nem mesmo questionar sua profundafunção. trabalho artístico e garantida de vários modos pelas convenções
No caso de um processo baseado em materiais elaborados dos teatrosde tradições antigas - é, em geral,conscientemente
pelos atores, cortados e montados pelo diretor num novo orga- reconstruída e controlada.
nismo, o relativismo dos significados que os atores. diretor e Em tais teatros,istoé feito de um modo mais evidente do que
espectadores de tempo em tempo atribuem aos materiais é nos antigos teatros tradicionais, mas não porque eles sejam
óbvio, principalmente se o pólode simultaneidade dramatúrgica particulurmente acentuados, Quando, porém, o desejo de dis-
é muito forte (cf. Dmmamrgja, Mo11lagem, ReSlflTlI'f/(iío do.Compor- tunciar a visão dos atores da dos espectadores é expresso mais
tamento). Este caso, entretanto, não é uma exceção. Ele traz ,', luz obviamente. essa separação, que sempre foi ignorada e negada
algoque est á implícitoem todoprofissionalismo teatral,masque pela ideologia teatral,gera escândalo ou espanto.
permanece coberto pelo manto de tradições que f~1Z comque se Ela criou um escândalo quando apareceu no trabalho ·de
olhe apenas o caráter geral do "estilo" de um.' determinada Stanislavski. Ainda hoje se contam estórias que dão um quadro
época ou país. elmo do capricho ou loucura do grande mestre do teatro russo.
O relativismo dossignificados é de tino mais evidente naque- Elasse relacionam com os tempos em que Stnnislavski introdu-
les teatros que não são baseados num texto escrito ou numa ziu detalhes em seus espetáculos, os quais nenhum espectador
tradição precisa, mas num texto de representação e em expe- poderia ver': Objetos preciosos que eram tão pequ enos e tão
riências e visões individuais e de grupo. Isto acontece porque ocultos que somente o ator. usando-os, poderia apreciar o seu

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VISÕES

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Zóó VISÕES
valor. Conta-se a história de como ele fez um ator representar, interesse em manter tenso o fio que liga atores-bailarinos e
nos bastidores, uma personagem que era sempre mencionada espectadores, embora sem forçá- los i\ unanimidade.
numa peça particular, m.1S que nunca aparecia na palco. No I~ verdade que uma representação se move ao longo de uma t
loanou; de Tchekov, que contém certas cenas importantes entre rede complexa de veias capilares, que éprofundamente justifi-
personagens numa sacada e uma mulher que aparece na janela cada pelo ator-bailari noe que, portanto, pode assumir o papel de
de sua casa, Smnislavski tinha um quarto construído nOSbastido- signos para o espec tador; é verdade que esses signos podem
res justamente para a atriz que tinha de 'lparecer na janela. deduzir significados para os espectadores, que nãosão necessa-
E estra nho que episódios deste tipo nos fuçam sorrir ainda rinmen te preestabelecidos; e se é verdade que há um equilíbrio
hoje: acreditamos tão fortemente que o teatro é fruto (1.1 visão de criado pelo conduto que foi arranjado para o 'lC01l10 entre os
apenas um olho, que somente o olho do espectador está no seu signiticados dos atores e os significados dos espectadores, essa
centro. E, contudo, as "loucuras" de Stanislavski são ossinaisde zona na qual a claridade da comunicação é essencial, que é
uma profunda racionalidade que ainda não foi bem assimilada diferente daquela zona subjacente onde os dois significados . ~ .
dentro da ciência teatral. podem separar-se, determinando a profundidade do campo ar-
Também o treinamento do ator-bailarino é geralmente consi- tístico e cultural da representação, se tudo isto é verdade, não
derado de um modo redutivo: como sinal de profissionalismo signitica, ent retanto, que lui uma inuudução casual e arbitrária
dos atores (eles treinam diariamente, como um ginasm ou um de significados.
pianista), ou de seu compromisso ético (eles fazem seus exercí- A conseqüência da dinâmica que tenho tentado descrever
cios diariamente). Não é atribuídovalor suficiente ao fato de que abstratamente (mas que é o próprio material do teatro) é que na
o treinamento é - ou pode ser - um fator de independência.A transição (10 trabalho do ator para a compree nsãodo espectador
independência dos atores em relação ao diretor. a independên- ocorre urna vicissitlldede ;"tellções esentidos (sentidos compreendi-
cia da continuidade de seu trabalho da natureza episódica de dos como significados, mas também como o que se sente).
representações sucessivas, e também sua independência dos E é precisamente essa vicissitude que torna o teatro um
espectadores. orga nismo vivo, não umaréplica que se ajusta à realidade exter-
O treinamento se rve para introduzir o ator ou o aspira nte a na e não um rito no qual há consenso, mas um laborat ório onde
ator na profissão teatral. Ele fazainda mais: integra o ator numa - dado um conhecido ponto de partida - se desenvolve uma
tradição, seja ela vasta ou limitada à história de um pequeno rota mental não predeterminada.
grupo.Após um tempo cessaa função do treinamento. Entretan- Mndarne de Staél sintetizou esta situação quando recordou a
to, alguns atores contin uam a prutici-lo, transformando-o conti- atitude que ela teve como espectadora de um espetáculo parti-
nuamente, sempre se nven tumndo ao longo de novoscaminhos. cu lur na Alcmanhu: de um lado ela reconheceu o texto da peça,
um processo que nada tem a ver com a perfeição contínua da ela conhecia e reconheceu a história; de outro, certos detalhes,
virtuosidude. Em tal caso, qual é a função do treinamento? Ele certas coisas que os atores fizeram pareceram a seus olhoscomo
agora nãoserve mais para integrar o ator-bailarino numa profis- signos a serem investigados, sinais que não haviam sido estabe-
são. Ao contrário: ele torna possível ao ator-bailarino não estar lecidos por convenção, a uma tal extensão que ela foi obrigada a
completamente integrado. ele defi ne uma área de trabalho não observar o que estava acontecendo no palco com a mesma
limitada às exigências dos espectadores e dos espetáculos. curiosidade, o mesmo desejo de saber, com o qual observo u o
Usando o treinamento desta forma, transformando-o de um fluxo imprevisível das vicissitudes da vida.
instrumento para .1 integração em um instrumento para a não Um teatro no qual tudo é previsível, que é codificado e
integração; a tru usformuç ão de uma prá tica que parece sempre precisamente decodificado pelo espectador, é um laboratório
ser a mesma em seu oposto; trabalhopara sa tisfazer as exigências que não desempenha suas funções, é um monumento a si mes-
dos espetáculos. que se torna tra balho que se executa a fim de mo.
não se submeter a essas exigências. esses são exemplos da Mas um teatro que permitiu ser seduzido pela superstição J
'!'
corrente profunda que tende a salvaguarda r a energia do teatro que é inversa e especularao precedente (o qual mantém que as
por meio da diferença de duas visões. visões do ator devem ser sempre análogas às dos espectadores)
também seria um laboratório morto, um laboratório em ruínas:
IX ele cairia preso ti superstição pela qual tudo que tem um signifi-
Seria muito fkil confundir a diferença entre as duas visões, sua cado para o ator pode adquirir magicame nte um significado para
dialética. com uma separa ção pura e simples. isto é, a ausência os espectadores.
de umadialética. Esta atitude é particula rmente destrutiva ti arte e poderíamos
Existe realmente um espectador nuto-suficiente tal como defini-lacomo uma avaliaçãoniilista do problema da concordân-
existe um ator-bailarino auto-suficiente. Não lui representação, ciaentre ator e espectador.A independência da visão do atorem
ainda que feia ou insignificante, que não possa encontrar um relação à do espectador não pode, de tilto, ser uma função da
espectador que lhe confira autonomamente valores e significa- distância,mas -como foidito-de um contato mais forte. Esse
dos que ele mesmo elaborou enquanto observava. Muitas obser- contato pode existir livremente apenas em concomitância com
vações, freqüentemen te energéticase brilhantes, têm sido feitas um constrangimento particularmente forte.
'por espectadoresauto-suficientes e baseudas em formas de tea- Em conclusão. Oteste de Rorschuch pode suprir-nos com um
tro degradado. exemplo ilustrativo deste aspecto do problema. Ele também nos
De maneira seme lhante não há representa ção feia ou insig- ajtldar.í a resumir. por meio de uma-nova imagem, muitos dos
nificante, na qual um ator-bailarino nãopossa viver suas visões, temas que são inerentes à discussão das duas visões.
de um modo solitário. sem estabelecer qualquer elo com o Quando se deseja indicaralgo que é destituído de significado
espec tador. e, portanto, abertoa todos ossignificados que podem ser projeta-
Nos casos do espec tador e do ator-bailarino uuto-suficicntes, dos sobre ele, usa-se o exemplo das nuvens no céu (como na
nos quais antes de haver uma distinção dinâmica h.í simples- famosa cena em f1f11I1!et) ou de manchas numa parede (onde todo
mente uma separa ção inerte, os atorese espectadores se cncon- mundo, incluindo Leonardo da Vinci, imagina, fantasia e pinta
rru m num ponto inrermcd i úrio de desdém mútuo, que pode ser quadros e figuras) ou pode-se usar o exemplo de borrões num
temperado com indifc rc nçu, complexos de superioridade ou teste de Rorschuch. Mashú uma enorme diferença entre arbitra- I
b
inferioridade, ou rancor. A dialética viva entre as duas visões riedade e liberdade, devaneio e imaginação. .
baseia-se, .10 contrário, no respeito mútuo e, além disso, no Nos dois primeiros exemplos, todo o trab alho é feito pela
VISÕES 267
pessoa que est á observando, fazendo uso de algoacidenta l a fim estabelecida apósmuitasexperiências:os relacionamentos eram
.
I
de entrar numu fantasia. No último exemplo, o do teste de construídos entre imagens em preto e bra nco c imagens colori-
Rorschach, não há espaço para qualquer tipo de fantasia, a das; foram arranjadas alternações entre imagens fácei s de inter-
atenção está fixa, e é a imaginação, isto é, algo preciso, conse- prerar e imagens mais difíceis, entre imagens que requeriam
qüente c tenso, que é ativada. uma interpretação baseada em detalhes c as interpretadas consi-
Isso acontece porque, diante do assim chamado teste de derando a forma geral compreensiva, no espaço ocupado pelo
borrões de tinta de Rorschach, o observador não é abandonado borrão ali pelosinterstícios brancos.
aosseus próprios dispositivos: seu "trabalho" de dar uma inter- Finalmente, por meio de uma série de experiências, Rors-
pretação ao borrão ~ sua frente está relacionado e entrelaçado chach e seu grupo estabelecem o significado que cada uma das
com um trabalho longo e preciso prévio, que preestabeleceu imagens tinha certa probabilidade de assumir. Muito freqüente-
fo rmalmente diretrizes planejadas para a sua atenção. Em seu mente, por exemplo, o borrão número cinco, o que mais parecia
~ . livro Psydiodiagnostics (1921), HerrnannRorschach explica o mé- sugerirseu próprio significado, foi interpretadopelosobservado-
todoque usou para prepararos materiaisparaseu teste, baseado res como um morcego. Isto quase sempre ocorria. Mas nem
na livre interpretação dos borrões de tinta. O que Rorschach sempre c, particularmente, não necessariamente. As vezes, ele
estava procurando é exatamente o oposto de casualidade. Ele provoca uma visão diferente c inesperada.
fez uso do acaso somente como um ponto de partida, para Este aspecto do teste de Rorschnch demonstra, quase corno
certifica r-se de que ele não estava usa ndo signos com significa- um modelo de um laboratório científico, o que pode ser conse-
dos predeterminados. Desse ponto em diante tudo tinha de guirJo pelo estabelecimento de um relacionamento dialét ico
obedecer a uma lógica rigorosa, independente de toda conside- entre duas visões que estãofortemente ligadas umaa outra, sem
ração do significado que o borrão poderia tomarou ter naopinião necessariamenteumaconcordância impostaentre elas. Isto por-
do observador. Acima de tudo, II púgina onde foi feito o borrão que Rorsc huch e seu grupo, desejando colocar o observa dor
era dobrada em duas de modo que a imagem se duplicasse. Ao numa posição que lhe possibilitaria ver plantas e animais, cenas
adquirir urna simetria especular, .1 imugem também adquiriu de caça ou cenas de famílias, imagens cotidianas ou cenas mito-
uma cerra necessidade. Comosabem os atores, se um erroou algo lógicas, trabalhou não na base da verossimilhança nem com mi-
que ocorre acidentalmente numa rcpresenrução é repetido tos, plantas e animais, mas com relacionamentos rítmicos, apa-
imediatamente, parece tornar-se lógico e adquire umsignificado rente e simplesmente for mais. E seu trabalho de montagem foi
aosolhosdos espectadores. orientado por visões muito precisas e testadas. Mas essas visões
Depois disso, Rorschach e seus colaboradores escolheram não eram visões que eles estavam tentando transmitir. Eles tra-
certasimagensobtidasdos borrões dobrados em dois: eles elimi- balhavam nos ritmosespaciais, na montagem de cores, na sime-
-ruiram todas as imagens que não tinham um arranjo especial tria, não para apresentar ritmos espaciais, montagem de cor ou
harmônico ou que não tinham umacondiçãoparticular de ritmo simetria, mas para deduzirsignificados pessoais e imprevistos.
espacial. Se a imagem não respeita esta condição, escreve Rors-
chach, "ela não tem um potencia l plástico, e muitos observado-
res rejeitam essas imagens, dizendo que elas são 'apenas bor-
rões',' c recusam-se II tentar interpretá-los". É singularmente
interessante que uma tradução francesa do trabalho de Rors-
Ch'1Ch useo termo "tableau" para descrevero que gcmlmcntc se
refere .1 "borrões sem formas", como se para enfa tiza r quão
pouca influência o acaso teve em sua composição e a grande
influência que teve o artifício.
, Da seleção inicial de imagens que reuniu condições específi-
l'
casde ritmoespacial, Rorschach fez urna escolhaulteriorde uma
série de dez imagens, cada uma das quais, além de ter seu
próprio ritmo interno, tornou-se uma parte integralde um ritmo
geral determinado pela seqüência. Foi lima verdadeira mOI/foge

;
b
16. l 'runcha V do J\rdff}rlif~~I/(J:(/jt ·•...frcqttcn rcmcnrc. per exemplo , a lição mimem V é in rcrpreradu como II ll1l11orCC~() .. •
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ISTA: INTERNATIONAL P rofesso res conv idados
Kunho Azuma com Huruchiho Azumu, Mari Azumu, Se nkui Azuma,
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Choyuri Imufuji, Michi Irnufuji, Shizuko Kineya, Nuoyuki Kojirnu, I


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SCHOOL OF THEATRE Tu kae Kovumu, Kinshiro Yos hirnuru,To rniro Wakuvumu
I Mude Bundern, Swusthi Widjuja Bundern com De~ak Suarei Luks-
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ANTHROPOLOGY
mi, Ni Kctut Survu tini, Ni Nvomun Cundri, [W av'1I1 Ruí, I Nvomun
Cutru,I Kctut Kodi,Tj okorda Raka T isnu Ida N v~man Mas T jokor- I
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da Put ru Pudrnini, Pino Confessa, I \\!;tvu'n Ilera;a ' I

ISTA, Escola Inter nacional de T eatro Antropo lógico, dirigidu por Kui Bredholr . !
Eugenio B'lrbu. César Brie
Caixa Postal 1238, 7500 Holstebro, Dinumarcu Robe rtu C àrreri
Te!.: (+45) 97-424777 Fax: (+45)97-410482 Frunçoisc Champault
Aequipe de pesquisadores da IST Aé composta de biólogos, psicólo- Orazio Costa
gos. psicolingü istas, serniõlogos, historiadores do teatro e antropólo- T oni Cots
gos. mas também, e especialmente, de mestres e utores-bailurinos dc Giselu Cremcr
diversas culturas e tradições teutruis. jun Fcrslcv
Dario' Fo
Richurd Fowler
Kuuichi Hanayugi
Keith [ohnstone
Sonju Kehlcr
T age Lursen
Ingemur Lindh
Keluchurau Muhuputru
Mei Buo-jiu com Pei Ya n-Li ng, Sun Zhong -Shu
Iben Nugel Rus rnussen
Nutsu Nukujirna
M, P. Sankaran Nnrn boodiri
Kosuke Norn urucom Ryosuke Nomuru, Akiyaso Hiradc I

Co mitê pedagógico da 1ST A Rugunuth Panigrahicom[ugdish Burrnunn, Harmchun Khunria, He- l~


Eugenio Barba, Sauju ktu Pnnigrahi, Ku tsuko Azumu, I Mude Bun- munt Kumar Das, G. Kishore Kumur, Debi Prusud Mahnnti Nitvu-
dem. nunda Mohupatra, Mohini Mohan Putnaik, Bishnu Mohan Prudhan,
Gangudur Pradhan, [ugdish Prasud Vnrrnan, Armada Prasuunu Put-
Co nselho consultivo da 1ST A nuik,
[e rzy G ro~ows rd Tina Nielscn
Claudio IvIeldolesi I Madc Pusck Tempo com I Dew'l Avu Ariani, W'1vun Gutri I Wavan
Fcrdinundo Taviu ni Lantir, Ni WaY'lI1 Lanri, Anuk Ag~ll1g Putru, I N yonH1l1' Puni:l, I
Franco Ruffini Wuyan Punia, Desak Putu Puspuwati, Ni Mude Putri, I Gusti Avu
Fabrizio Cruciani Srinatih, Dcsak Ketut Susllawuti, I Ketut Suteju, Ni Nyoman Suvas-
Nicola Suvurcse ning, I WaY'1l1 Suwcka, I Gusti Nyornun T untru, I Mude T erika, I
Clivc Burkcr Ketut T utLI r, Ni Mude Wati
Moriuki Watanabe Tsuo Chun -Lin com Lin Chun-Hu i, T rucy Chung, Helen Liu
j ean-Mario Pradicr Isabel Ubedu
Pcter Elsass [ uliu Vurlcv
Ugo Volli K. N. Vijuyukurnar
MirelluSchino Torgcir Wethal
Ruimoudo Guarino
Mario Delgado
Gernrdo Gucéini
Fruns Winther

Sessões da 1ST A 1980-1994. Organizadores


',Í
Piergiorgio Giacché Bonn (Alemanha) 1980: Hans [ urgen Nngel, Kulturarnt der Stadt,
Monique Borie Bonn;
Susun Bussnctt Holstebro (Dinumarca) 1980: Odin Teutret;
-.,
T homus Bredsdorff Porsgru nn (Norueg'1) 1980: Grenland Frireater;
Anna Bant!ettin i Stockholm (Suécia) 1980: Tcn te r Schahraz'ld;
Exc Christoffe rsen Volrcrra (Itália) 1981: Roberto Bucci, Centro per la Ricercn e la
Euge nillC usini Ropa S perimen tnzione T eatra1e, Ponredera;
Laura Muriani Blois c Mnlnkoff (Fnlllçu) 1985: Patrick Pezin, Bouffonneries -
Putrice Puvis Contr:lstes com a cohlboraç-:io de Nicolas Peskinc, Compagnie du
lvlasuo Y'lmaguch i Hnzard (Blois), Edith Rappoport e Picrre Ascaride, Théâtre 71 (Mn-
Cristina V,ilellti bkoff) ;
wJarco De lvlarinis Holsreb ro (Din'lmnrcu) 1986: Odi n Tea trct ;
Kirsten I-Iastru p
Frank Hoff
Snlent o (Itália) 1987: Giorgio Di Lecce, Cristina Ria, Mcdit crranea
T eatro-laborarorio e Nicola S'lvarese, Universidade de Lccce; .a.
Sus,mne Vill Bologlla (Itália) 1990: Pietro Valent i, Cen tro T eatrale San Gc minia-
Clelia Falletti no e Renzo Pilippetti, Te atro Ridotro, em colaboraçãocom n Univer-
Bruna Filippi sidnde tle Bologna e o Assessorato alia Cultllm di Bologna.
ja nne Risul11 Brccon (Grã-Breranha) 1992: Richnrd Gough e judie Christie, Ce n-
Patrici'1 Cardon'l tre for Performance Research, Cardiff
Akira lvlark Oshima LondrilHl (Bmsil) 1994: Nitis j'1COll, FILO, Pestival Internacional de
Luis Otávio Ilurni er Lontlrinn.
Christel Weiler
Miguel Rubio
LISTA DE PARTICIPANTES DASSESSÕES DA ISTA (1980-1994) 271
Nuuinc Ab'ld (F rnnçu), Ik ldan AI).:an (Turquia). Ritn de C~ssi a Almeida Kuhlrnann (Dinamarca), Christoph K ünzlc r (Suíça), Eisa Kvarnmc (No-
Cusrr» (Brasil). Ana i'vlari;l Alvarcz (Ar).:e nrina), Haroldo Alves (Brasil), ruega), Daniel/c l.ubaki (Líbano), Flora Lautc n (Cuba), Frunçois l. auzon
\
Lirulolfu Amaral (Brasil). André Amaro (Brasil). Guillcrmo An).:c1c1 li (Ar- (França), Picrrc l.c I'ichon (F rança), Th ornas Lcabhurt (EUA), Lclio
'( ).:e nrina), tvJariela Ar'1 1-\'"1 (Pana rm i ), N icholus Arnold (Grâ-Hrcranha)• [ ac- Lccis (ltâlia), Alain l.cgros (Bélgica), David l.cslic Evans (Grã-Bretanha),
qucs Arpin (Suíça), Loiz Antonio de Assis Manso (Brasil), Paulo Ano Marcelo I.ibanio(Brasil), .l:1qUCSI.ivchinc (França), Eduardo Llanos (Peru),
(Brasil), A1-\I'l;a Azevedo (Brasil), Fernanda Azevedo (Brasil), Ginvanni Anna Murin l.oliva (ltália), Rosuto Lornbardo (Itália), Hcrciliu Lopes
Azzaroni (hiília). 'Geor1-\es Baal (França). Roberto Bucci (k ília). Paolo (Venezuela], [uun Loricnt c (Espanha ). Reinaldo i\'laia (Brasil). Philipp c
Ihi oce" (lt ália), Anna Ih nllettini (Itália). Clivc Barkc r (Grã· Bretanha}, M a \;\ss'1~ne (Fmnça). [uu n M',lOel li (i\r).:elllim1), R"fael t"b ndressi (Um-
j uan Carlos Barwloni (Arge ntina), Ulrich Bcckc r (Alemanha). Frnnçois guai), Giuscppc Manz.u i (ltálin), João Murcclino (Brasil), Laum Mariuni
Ik r~o i n (Fran ça), Bruno Bcr: (Arge ntin'l), C luudc Bcsson (França). Arrnin- (It áliu}, Adriun, de Mariz (Brasil), Luz Marrncntini (Chile), C;ITCl I HHlÍ n
do Biã" (Brasil). Mnrilcna Bibas (Brasil). i\!aria Lui7.a Bicrrcnbach Lima (E Ui\). Se r~c Martin (F runça), Dani êlc ~'I any (França], Lluis Musgruu
([k1Sil). Giancarlo Biffl (ltií[ ia), Christophc Bihd (França). Umbcrto Bi· (Es punhu), Mario Matallana (C ol ômb ia), Jean j ucqucs Muufr.is (França),
! nctti (I t ália), Torbcn Bjclkc (Dinamarca), Susanu Bloch (Frunçn/Chilc), Gualbcrto Mayans (Paraguai), Claudi o Mcklolcsi (It úliu), Ferruccio Mcrisi

.
~
I Lumhcrt Blum (Alemanha), Gabriclc Boccacini (It ália), l\'Iai'l Giacohhc
Borelli (Irãlia), Munique Boric (Fran ça), Gabriel Bm~a Nunes (Brasil)•
(Itáli«), Ayse Mcsci (Tu rquiu/Frunçu.Patricia Millcr (Grã-Bretanha },Jo;m
Mills (Grã- Bretanha), De nis Milos (França), Ana Miranda (Brasil), Hisako
I l.ilianc Brukoll'sky (França), j.rmcs Brundon (EUA), Paulo Br.lz (Brasil). Miuru (Japão), Renata Molinuri (It ália), Maria Mommcnhson (Hrusil), [ uun
Rairnundu Briw (Brasil). Linda Bulik (lklsil} .1 .uis Otávio Burnicr (Brasil). Monsalvc (Colômbia). [ua n Carlos Monragna Mcllu (Chile}, Phillip Morte
I Lucia Cnlam.rr« (Uruguai), Ricardo Cnrn.rcho (Colômbia), Béurriz Camar- (G rã-Brct unhu), Gcrt Morrcnscn (Dinumurcu), Roberto Moss (Argenrina),
go (Colômb ia), Gustavo Cãnu(Colômbia), Sam Cannurozz] (EUA), Patricia Tatiun. Mnrra Lima (Brasil), Ma~aly Mu).:uercia (Cuba). N utsu Nukujimu
Cardouu (Mé xico), Tatiauu Cardoso (Brasil), Ruqucl Carriér (Cuba). Micha· (l upão), Irion Nolasco (Brasil), Saskia Noordhock Hegt (Holanda). Pilar
eI Grse y (Grã-Brewnh'I), Eu).:enia C'lsini-Ropa (lIÓllia). El'elyne Castd lino Nuiíez (Peru). Isaura Oliveira (Bmsil), Tar y Omar (França), Ikrnardelle
(Suíça). Crislina Caslril/o ( Ar~en l i n a ) . Ed).:ar Ce ballos (i\léxico), Franeisco OnfTCI)' (Fr'lnça). Fabrizio Orl:lOdi (l1"li'I). Akira i\-ht rk Oshim,l (Japão),
Caem (Espanh.I). Frelly Frisanc!lo Cerl'anres (Peru). Luci.m'l Cesl:Olll:uo Ra(d Osor;o (Chile). Boedi S. O r(llll!: (Indonésia). l'as(.~11c O)'er (Franç;I).
(BrasiJ), Fr'lnk Challlberlain (Grã-Bretan ha). tl'bhel D'li Chce Ch'"1).: (Ar- Carlos Pachel'O (I\r).:enl ina), Alice Padilha Guimariíes (Brasil). Mueo Pao·
).:enrina). Miehel Chiron (Fmnça), Exe Christensen (Dinamarca). Exe lini (Itália). S()niaMarrll;l Phamos (Argenrina), h'laria Julia Paseale (Brasil).
Chrisw ffersen (Dinamarca), Bernardo Colin (França). Corinnc Colmant Hélene P'It<lrOI (Fmnça), Patrice P'lvis (França). Mike Pearson (Grã·llreta-
(F rança), Gillseppe Coluccia (ft"lia), Jayme Compri (l\rasil). Gisela Cre· nha), Claudio Pedone (Itália), Feroando Peixoto (Brasil), In).:rid Pelicori
mer (Alemanha), Fabrizio Cruciani (lrá lia), Franco Cusumano (l1"li.,). (A r~e fl[i na ), Brigitle Pelissier (Fr,lOça). He nrique I'ermuy (Unrgll;\ i), Bo-
HoracioCzerrol; (l IÓll ia), Nair D'A).:oslini (Brasil), I-IéleneDe Bissy (Fran· dil Persson (Suécia), Lymla Peskine (França), Nicolas Peskine (Fr'll1ça).
ça), Antonio Ik C.nlo (h ',!ia). ~h r"o de i\hrinis (l1;'li.1), Fernando de Tom Pauick I'c7.i n(Fr.ll1ç;l), Ih rbara Phillips (Grã·Brelanha). Vernovika I'ia nl;i·
(Clnad"). Chris Dehlcr (Alemanha). Corinne nel'l~ne'lII (Franç'I). Mario no (Fr'lnça), Silvan,l Pintozzi (lt"li a). Roberlo Plchani (lláli'I), Nerra Plot-
i DeI~,"lo (Peru), Veronique nelm'ls (Fr,rnça). Diana Penal\'er Denis (Ve- zki (Israel). Fr.mçois Ponlhier (Bél~ic'l). Nasrin Pourhosseini (Franç:l),
> neZllela), Nicola J)enr.lI11arO (ltÓllia), Vilrl di Bcrnardi (lIÓlli,r), Pino lli Stephcn Powell (Grã-Bretanha), .k lll-tvlarie Pr'ldier (Fraoça). Nobeno
Buduo (lt"lia ). Maria Teresa di Cleme nte (l1;'lia). Claudio di Scanno .Iosé Presta (Ar~ent ina), Hicardo Puccerri (Brasil). Hicardo Angel Qliiro~'1
(l rÓl lia), Luca Din; (lIÓl lia). Veronil;a Door (França), Antonello Dose (ltá- (Ar).:enli na), Luc Quisu cherl (F ranç"I), Yal'uz Ihtgip (Turquia/Fmnça),
I li'I). Andrej D rm.nin (Rílssi,r). Caroline DUC<IlI·Manin (Franç'l ), i\,larie Lueia R1imul1ll0 (Bmsil), Te resa lhtlly (Peru), P:lOla Reuori (Br'lsil). l3<:a·
! Dumu sseau (França). Henninl'; E i chb er~ (D i na ma rl~I ), .Ianele EI H"u li
(Brasil), Perer Elsass (Dinamarca), Hulesh Endre (Hun).:ria), Tcrr y Enwri-
!fice Heuillard(C;ll1ad"), Vicenle Hel' uelta (Cuh:!),Bernardo Ik y (Colôm-
bia), William Rewioek (Canadá). Almir Hibciro (B(;Isi l). He ctor GUSl<lI'O
! ).:111 (Grií-Bret anI1a). Susanil Epslein (EUA), Christol)h Falke (Alemanha). I{iondel (I\r).:ellliml), .hmnc Risum (Dinam,rrca ), i\'!ario Hojas (EUA). Eu·
Clelia Fallerri (11"lia), Paul" Hobeno de F'lria Pinw (Brasil), Hosanna ~enia C lsini Ropa (lt"l ia), Victor Rotelli (Ar~entina), Katrin Hiit).:er (Ale·
Farinati (1Iiília). Willi.lI11 Farrimond (No"'1 %c1iindia}, .loseue Feral (Cana· n"nlh a). Sergio Hubino (lt.ília), i\Ii~uel Ruhio (Peru), Franco Ruftini (lt ;'·
d"), Vicwr H u~o Fern'lndcz (C"sla HiC<I), Graeiela Ferrari (Ar~e nr i na ), lia). i\!:lssimo S.lrzi I\mede (ft"lia), Nicob Savarese (lt iília ). N icole SalVaya
Emil Fersler (Dinamarcol). Henzo Filippell i (l1"li'I), Bruna Filippi (h" l;a). (I':UA), Renala Scanl (Fr'IO ~"l ), Claudia Schneide r (Alemanha), Mirelhl
Adriana Filmus (A r.~enr i na), Frede rique Fri'lfl (Fmnç'I). Helen Fry (Grã· Schino (lrália), Lilli SchlVedhelm (Alemanha). Ni n Scohlri (l riilia), SEI-
I1rerenha). Eleonora F user (lliília). Odel(e Ga).:nnn (C.lI1ad"), Barnaby BEL Ikltri7. Seiht;1 (Arge ntina), Rat'leI Mmilo Selv.r (Ho nduras). \ViII )'
Gale (I':UA), i\l<rrcel/o Gallucci (I t"li'I}. I\n a Crisrin'1Gall'ã" (Brasil). Eber- Semler (Chile), Carlos Hoben o Simioni (Brasil). T hOlll'ISSimpson (EUA).
to Garcia Abreu (Cuba), Nixon Garcia (I':'1uador), Santia).:n Garcia(Colflm· Gcoffrey K. Smilh (Grã· Bre ranha). Hanan Snir (Ismd), Anurea Soldani
hia). Francisl:O GarcÍ;t-hü ,ii"z (i':spanha ), Adriano Garih (Brasil). Phillippe (Itália). lIeana Solis Palma (Panam"), Emilc Sonra (l-I o\;lmla), 1'010na Sosic
Garin (Fr:lll<;a). Gabriel G'lwin (Grã-Bret'lllha). I':milioGcnnazzini (h ,ília), (l u ~oshÍl'i a), Tom Spencer (Grã-Brelanha), Ni~eI Stell'an (Grã-Ilretanh a).
Gianearlo Ge ntilucci (llália), lkheca Ghiglioll i (Chile). Pier~i org i o Giac- H e~in a Srey;ten (F(;Inça), SUS<lnne SUasser-Vill (Aleman h'I), I.eo Sykes

l' I
ché (Ir;í lia), Eduardo Gil (Ve neZlle!;r), Eduardo Gilio (Ar).:enlina), I,uis
Vilb l Gi" r).:io (Uru).:u'li). Chrislian GOlhie (I~ él gi ca ), .Insé Gorlern (lIléxi·
(Grã-Ilreranha). Klaus Ta ms (Di namarca), Ferdinando Tal'iani (1r"l i'1).
George 'l' aylor(Grií -Brelanha), E liane T ejem (Brasil). Cosl<lnl;noTh enle -
ClJ), I{ichard GlJu1-\h (Grã·Breranha), 1':Sle"e Uraser I i\larli (I~ sp;lnh a). lis (Grécia). Alherto Tiha~i (B(;Isi1), I\ lessandro T o).:non (!t"l ia). Franceseo
Granham (;reen (Grã-I~reranha). Alhen lJ Grilli (1riília). Chrisli'lne Grnud Torciria (lt"[i'I). Temi Tordera (Espanha), S.dvatore Tramaeere (l1"lia),
(F ran<;a). Raimondo Guarini (IrÓI lia). Gerardo G uceini (l1"lia). ProbirGuhu 1\la([eo Trol'isi (lIÓl lia). Rosario Uribe (Culômbi'I), T or Arne Ursin (Noru-
(Í ndia), Ikrnanl Gl,irret (l>"ranç'l). Vicrnria Gutiérrcz (rvléxiclJ), Didier 9~a), Jusé Carlus Urleaga (Peru ), Gahriele Usheni (ll ália). Gahriele V'lcis
UUYlln (Fran<;a). P'lU lo 1\hll,rici" Guzinsl;i (lkrsil), Irene 1·l;lhih (1srad ). (1Iália). CriSlina Va lc~t i (llália), José I,uis Valenw ela (Arge nlina), Stafania
Ed;"lfllo Dom in).:o Hall (Ar).:enri n,r}.l van I·htnsen (Dinamarl"I), Elizabe th Vannucei (l r ~ lia ). Vicror Varela (Cub a), I'ihlr Vamna (Espanha). Luis C.lr-
Hare (Grã· Breranha), Pamela Harris (Canild"). Kirsten H:1Strup (Dinamar- los Vaseoncc!os (Iklsi\). I':rc!vino Vaz'1lle'l. Perez (I':sp'lllh<l). G,li<l Veron
Cil). Franl; HlJff (Cilnad,í ), .lohiln nes I-Iupka (l\lelllanh,J). Delphine Hurel (lr"lia). HenZfl Vescovi (ltÓll ia), Ch ico ViiI;,. (Brasi!). H<l rlmUI Villier (Ale-
(Fran<;a), i\laria de hr Luz Hurt;ld" (Chile), Ik arri7. lacol'iello (Ar~elll in a). manha). Ceres Virlori (lk1sil). Ugo Vo[li (lrÓllia). Philippe Vllillelllllier
i\faria Ibarrera (I\ r~enrina). Ricardo Iniesra(Espanha), A!berw Isola(pe ru), (S U íÇ~I), Irmi I'a~en Wabnirz (Alem'lllll<l ). Gcrdi Wag ne r (Alemanha ),
Srel'en .lackslJn (Grã-Brelanha). Be,miz .laeobiello (México), Nilis .Iacon i\'loriaki Wal<lnabe (j;lpão). lan W.llson (E U">, Nigel \Vatson (Grií-Ilrew-
(Brasil). RlJna ld .k nl;ins (EUA), F<:I isa .Iezierski (Uru).:uai). Marianne Jor- nha), Vicror Weije Yu (China). Chrislci \Veilcr (Alemanha), David Willia-
.t:ensen (Din;lI11area), Christine .Ioue n (Fr:lIl<;a), Aderhal Júnior (Br.lsil). ms (Austrália), Ame \Vorch (Alem,mha). Hcal her Wyles (Grã-Bret<lnh:I)•
FI,"'io I(aerus (Brasil). I~rigirre K'lquer ( Bé l).:i~a). I-Iossein Kariml)eik (Irã), Alice K. Ya ~i u (Ilrasil), i\-la sao Yama1-\l!chi (Japão). Halph YarrolV (Grã-
HlJll' l\assalicl;y (Alemilnlra), Taka shi I\ato (Japão), Perer l{irl (Grã-Breta- Bre ranha), Walter Yhema (Alemanha). Giuseppinll Zaccagnin i (l1"lia),
nha). I.esze k I\olanl;iell'icz (polônia), Idariane I\ijn i~ (Suiça). Annclis Sté pll<l ne %issermann (l'r'II1<;'I).
,.....
· ... ~ .

Coleção Teatro 29
direção de FernandoPeixoto

TíTULOS E ~I CATALOGO

AProva deFogo Consue1o de Castro


Técnicas Lntino- émencanas deTeatro Popular Augusto Boal
Fâõnca de Chocolate Mário Prata
Teatro em Pedaços FernandoPeixoto
TII/lac Ali/fim Osvaldo Drag ún
Patsão Liberdade Grupo de Tea tro Forja
11assa Cela/lava Máximo Górki
Diálogo sobre a E1/ceJlação: /111/ tJ101I1/fl1deDireção Teatral Manfred Wekwerth
Berliner Eusemble:3.1 A1/OS Klaus-Dieter Winzer
Teatro emil1ov;mftlto Fernando Peixoto
Teatro f Augusto Baal
Textos para Tcleoisão Gianfrancesco Guarnieri
Teatro Heiner Müller
Teoria ePrática do Teatro Santiago Garcia
Teatro em UJlestrlo FernandoPeixoto
Um Jlês 1/0 Campo Ivã Turgueniev
Teatro 2 Augusto Baal
A/ém dasflhas Fltlttlo/lte:; Eugenio Barba !
f1tor eilfétodo Eugênio Kusnet
Teatro eEstado
Teatro Iara do Eixo:POItO Alegre 19.13/1963
Yan Michalski e RosyancTrotta
FernandoPeixoto
I
i
..1/
Teatro Osvaldo Dragún
O Negro eo Teatro Brasileiro Miriarn Garcia Mendes
fi:)', Cmmela! (Elegia deutna Guerra Civil) [oséSanchisSinisterra
Teatro Bernard-Marie Koltês \
Fonrc d:IS illlsrr.lC;ões

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25-21>; 234/45·47; 241/X; 244/1; 245/2-.1; 24X/i; 251/U ·14; 253/20.ZZ;2(,911.

1\''1 '';'''' Nitnla S:<I':" C'C; 10/Ii,IJ,Il); 11/11,12; 14/15,1i; 16/2 I; 17/23,24; 21/32; 22/34.15; 24/ 1;25/2.3; 26/ 1; 27/1,2; 21;/4,5; 2916,7, lU; .12/13; 3.1/14, 15; 34/ 1; 35/4,5,6; .1617; 40IJ6, /R;
41/1IJ; 42/24,25,26; 43/2IJ,30,31; 44/.12,33; 47/43,'1.';4H/46; 4IJ/'I7,5 1;SI/55; 53/1>0·62; 56/>·6; S7I7-X; 5H/!J; !l2/1X; 63/IIJ;M/20; !l5l2 I; 66/22; 67/67; 6S/I -2; 6<J13; 72/.1·4; nllO· ll; 7!J{
12-13: X.l/24-25; K(,/.13·36; R7/37·40; IJ2/S.1·56; IJ3!57·5~; IJ5/I,3; %/S; IJ7/13·14; IJII/16; 101l/26·27; 103/40; 10X/14-16; IO!J{1 7; 110/20-22; 1I2/2S-2!J; 111/,' 1l·33; 114/.>4·36; 115/37-3R; I
116/40-41; 117!'12·'I'I; 11 1I/4X; 121/6-7; 1Z2/~-'); 123/10-11; I26/2S·2!J: 127/32: 12X/.U ; 130/1·5; 131/6-R; 132/lJ- 1O; 13.>/11·12; 135/IX-22; I.,R/27-2X; 140/.12; 141/33-3'1; 144/1·2; 145/
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!J;17!J/1.1; IRO/14- IS; IH2/24,2.' .27; 1K1/2'); 1X4/34·35; IX7/2·4: IXX/5; IR!J{6; 191/10.13; I!JZ/H·I IJ: IIJ3/20-27; 1'J4!2X; 1 ~5/2IJ; 1%/.10·35; I'J7I36-3X; IIJR/.1'JAI;200/43 ·45; 205/1·2:
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.:!lI
206/.1; 2U7{4;21O!'J; 211/1; 21Z/4-1>; 21.1/7; 215/11-12;217/ 16;21'J/(,. 7; 220/11-11;lZ l/ 14. 16; 226/.13·34; 227/1-5; 22X/6·1 1; 22!J112·17; 2.10/1 S-25; 2.>1 /2(,.30; 232/.i1·40; 2.i3/44; 235/
4R-4 'J: 2.1X/I .2; 2.>'J/.1;240/4-!l; 241/7; 246/9-12; 24IJ/!J·I O: 251/15: 2.' 2/1(,:257/1·2; 2511/.1·4; 25!J{5-6; 2!l0I7; 26 1/X:21,2/,); 2(,3/10·1 1; 21>4/12-13: 265/14· 15; 267/16.

Ik,c nl"" de Dorrhc K:1 c)::1"nl: I02l.\~; 156/21.

De senhos ilc Pnu l ()steq.~ó.I ;Hll : 73/21 -22.

Desenhos de M:1" ;m,, S:1rú Am:ul,,: 12/13; 13!J1.10: 140/31; 17!J/11-12.

Dcscnhox IIc Shi):" t.<l I ~lI W:1k:1r"ji: X/I; 16/2U, 22; 4U/l7; 41/20: % /6·7; 175/1.1.

jô",,,, de Tnny D'\I",,: .17/10; 72/2.1-2!l; IJ4/!lU-62: 111/2.1·2.'; 11x/4.' ; 13'J/2'J: 1421.15·36; IIJO/R-'J; 201/4(1; 221/13; 224/24; 246/2; 24M;.

Foros de Chrismph Fulkc: 3 1/12.

jô",,,.< de Torbcn l luss: 1'J/27, 211; 37/13; 4'J/4~ 4'1: 74/1 ; RI/ IS· 16; X2/17-20; X4/26-2X; X5/2'1-32; I I(,/3!J:17!J{11); I'JS/40; 203151-5'>;212/.1; 221/12.

F"",<de In~cnmr l .indh: 'J/I: 13/13.1 4; .\4/.;; 47/42: 112/2!l-7; IX4{.lO-,l.1.

Fnws de jun HII."z: X3123.

I'<>rl" de Nie"l:1 S:1\,;"c,c: 15/ 1R; Ix/25; 21/.13; 34/2; 37/11, 12; 47/44: 74/2: 77/7-IJ; K>/2 I; RR/41; R'J/42-45; '15/2: %{4·5; 'i7/'J"Il; 'J~/l 5 : 9!J1 17-25; !lIO/2X·30; 101 /.11-311; 10(,/6-'1; IU7!
10-13; IIMIX-I 'i: 1111/46-47; 12U/I -2: 125/20-27; 1(,1/.\-13; I74f'J-1I; I ~ I/ I'I: IK'i/.\7·4X; 1'J7/.17; 204/54·5!l:213/X: 214/'i-1O; lZ2/ 17-1'); 22.;/2U·22: 225/27-32; 233/41·43; 2.i7/50; 250/ .J..
11; 252/11\: 254/2.1·31); 255/31·4 2. . I

Foros de S.uII Shapirn: 20/31; 21:-;/ 1-5.

i\~ri.ldetemns espe cialmente nos segu intes autores c edit ores :

Prestou Hluirc \V.tlrer Fosrcr J\H Books, CIcUfhcnc Bnnlicr c Amphora E,lirions. D. F. Dmcgcr , R. 'V. Sm ith e Kodanahu lnrcrn.uinnul L nl. , Carhls Dyer. BUrile 1 1 0~;Irth c ' ViHson
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/ ,/1.!!,rl/l nlJlfIÍJl! tloIflnn6 er tles .{1J1t:.f: I1l1li'l"ill; e / .11 grmmnllin: t!(.rf(}l7n~ d " rs 5I)ll'S: AriL" (Offit"C \111 L ivre).

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c ôt J),Hpilll:J ,'cademy (Ir Pcrformim; i\rrs (J\hmctl;lb:IlI, índi:I). Teatro Sch:lhl"it'l.;nl (Eslocnln·1o). . .:;'

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