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AINDA HÁ MOTIVOS PARA COMEMORAR A REFORMA?

Alderi Souza de Matos

Por várias razões, é bastante reduzido, em termos proporcionais, o


número de protestantes que valorizam e celebram a Reforma do século
16. Os pentecostais e neopentecostais, tendo surgido tardiamente e
rompido com as Igrejas Históricas em diversos aspectos importantes,
sentem pouca ou nenhuma afinidade com a obra dos reformadores.
Muitos batistas, quer por se considerarem diferentes das demais igrejas
evangélicas, quer por verem as raízes do seu movimento em épocas
anteriores ao século 16, também não se identificam com a Reforma
Protestante. Os metodistas mantiveram certos aspectos da herança
protestante original, mas também produziram alterações significativas na
mesma, como argumenta corretamente o historiador Mark Noll em sua
obra Momentos Decisivos na História do Cristianismo (Cultura Cristã,
2000).

Restam os quatro grupos iniciais da Reforma do século 16: luteranos,


calvinistas, anabatistas e anglicanos. Os anabatistas, representados
mormente pelos menonitas, pretenderam ser os “Reformadores da
Reforma”, visto entenderem que os primeiros líderes não foram longe o
bastante na sua ruptura com o catolicismo medieval. A comunidade
anglicana, em virtude do seu caráter misto protestante-católico, também
hesita em assumir entusiasticamente os seus laços com a Reforma. Desse
modo, são especialmente os luteranos e os calvinistas que continuam a
celebrar com maior ênfase o evento de 31 de outubro de 1517 e suas
vastas conseqüências. Aliás, historicamente os presbiterianos têm uma
razão adicional para comemorar a Reforma, uma vez que os protestantes
suíços ligados a Zuínglio e Calvino receberam desde o início a designação
específica de “reformados”.

Infelizmente, nestes tempos pós-modernos, muitos presbiterianos têm


nutrido dúvidas e ambigüidades quanto à identidade reformada. Há alguns
anos, surgiu entre nós o slogan historicamente insustentável e
teologicamente contraditório Fides reformata et semper reformanda est,
ou seja, “a fé é reformada e está sempre se reformando”. Os
reformadores jamais concordariam com isso. A Igreja é que é passível de
reforma (“Ecclesia reformata sed semper reformanda”), mas não a fé, as
convicções básicas cristãs e reformadas, as verdades inegociáveis de “sola
Scriptura”, “sola gratia”, “solo Christo”, “sola fides” e muitas outras, com
suas profundas implicações. Comemorar a Reforma não é uma questão de
saudosismo ou apego à tradição, mas significa reafirmar os fundamentos
bíblicos redescobertos e confessados pelos reformadores, sem os quais
ficaremos à deriva no mar de incertezas que caracteriza a presente era.

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