Você está na página 1de 9

9 vezes em que a

publicidade falhou em
entender as mulheres em
pleno século 21
www.bbc.com

Direito de imagem Getty Images


Image caption O rótulo da discórdia: mulheres
consideraram que campanha da marca Johnnie Walker as
diminuía
O crescimento do movimento feminista nas últimas décadas não
passou despercebido pela indústria da publicidade: nos últimos 25
anos, os marqueteiros aperfeiçoaram o conceito de "femvertising" -
palavra formada pela junção de dois termos em inglês: "feminist"
(feminista) e "advertising" (propaganda). Trata-se, na prática, de
usar a retórica do movimento que defende a igualdade de direitos
entre homens e mulheres para vender produtos ou serviços.

Outra definição: o femvertising é a "propaganda que usa pessoas,


mensagens e imagens ligadas ao movimento pró-mulheres para
promover o protagonismo de mulheres e garotas".

É inegável que o mundo da propaganda de hoje é muito menos


machista do que era, por exemplo, na década de 1960 - o ambiente
misógino de uma agência de publicidade da época foi retratado, por
exemplo, na série televisiva Mad Men (2007-2015). Mesmo assim, a
publicidade às vezes falha miseravelmente na tarefa de entender as
aspirações e desejos das mulheres.

A BBC reuniu alguns casos recentes em que a publicidade "entendeu


tudo errado" sobre as mulheres.

1. Fãs de uísque mandam a 'Jane Walker'


ir passear
A Diageo é a maior produtora mundial de bebidas destiladas, e dona
de algumas das principais marcas desse tipo de produto.
Recentemente, se envolveu em uma polêmica ao lançar nos EUA uma
edição limitada do uísque Johnnie Walker - o objetivo era celebrar o
Mês da Mulher (março) nos EUA.

A empresa achou que seria uma boa ideia criar a "Jane Walker":
versão feminina do famoso personagem de botas, cartola e gravata
borboleta que figura no rótulo das garrafas de Red Label, Black Label
e outros títulos da marca.

A Diageo anunciou "Jane Walker" como "mais um símbolo do


compromisso da marca com o progresso", e prometeu doar US$ 1 de
cada garrafa vendida para a caridade. Mas o que a companhia
conseguiu foi uma saraivada de críticas, acentuadas depois que a vice-
presidente da empresa nos EUA, Stephanie Jacoby, disse que a nova
personagem era uma oportunidade de atrair as mulheres para o
consumo de uísque.

"O uísque é um tipo de bebida visto como 'intimidador' pelas


mulheres, disse ela à agência de notícias Bloomberg.

Direito de imagem Getty Images


Image caption A Diageo disse que a campanha foi 'mal
compreendida'

Jacoby e o "Jane Walker" sofreram críticas nas redes sociais, que


reverberaram também no programa de TV The Late Show, um dos
mais vistos dos EUA.

"Mulheres do mundo inteiro dirão: 'finalmente uma marca que me


entende!'. Garotas, fiquem de olho porque vem aí o gin 'Jill Beam' e o
uísque 'Jacqueline Daniel's'", brincou o comediante Stephen Colbert
na atração, referindo-se às marcas Jim Beam e Jack Daniel's.

Segundo o site especializado scotchwhisky.com, Jacoby disse


recentemente que a campanha foi "mal compreendida".

"É engraçado. Nós lançamos (a campanha) sabendo que haveria


debate. Qualquer um lidando com uma marca tão icônica está sujeito
ao escrutínio rigoroso do público. Em geral, a resposta foi bastante
positiva. O que houve, no começo, foi uma resposta apressada (de
parte do público)", afirmou ela.

Image caption Campanha da Dove foi considerada 'racista'


| Foto: Reprodução/Twitter

2. Dove, o deslize da pioneira


A campanha da Dove "pela beleza real", lançada em 1994, é
considerada o "marco zero" do femvertising, e já foi repetida milhares
de vezes.
Sua essência é questionar padrões de beleza pouco realistas e
racialmente excludentes existentes no Ocidente, e promover a "beleza
real", levando para as propagandas "mulheres de diferentes idades,
tamanhos, etnias".

No ano passado, porém, a marca sofreu críticas graças a um anúncio


no qual uma mulher negra parece "se metamorfosear" em uma
mulher branca em um anúncio de sabonete líquido. Ao retirar a
camiseta, ela se torna branca.

"O clipe tinha a intenção de mostrar que o produto é para mulheres de


todas as etnias, e de ser uma celebração da diversidade. Mas nós não
soubemos nos expressar", reconheceu um porta-voz da marca, que
pertence à gigante Unilever.

Direito de imagem Getty Images


Image caption Embalagens do Dove ofenderam alguns
consumidores no Reino Unido

O YouTuber e ativista do movimento negro brasileiro Spartakus


Santiago gravou um vídeo em outubro passado fazendo uma
ponderação sobre a polêmica envolvendo a Dove. Na sua opinião, o
anúncio foi "claramente descontextualizado" pelos críticos. Ele
lembrou que na peça original, a mulher branca "tira" uma camada de
pele em seguida e se transforma em uma mulher latina.

"A Dove talvez tenha errado em criar uma peça que podia ser lida de
forma tão controversa. Na internet, tudo é descontextualizado. E essa
imagem, de uma mulher negra arrancando uma camada de pele e
virando uma mulher branca, é uma imagem que podia ser muito mal
interpretada", diz ele. "E a Dove talvez tenha pisado na bola. Mas o
fato é que a marca não foi racista. A marca criou algo que pode ser
lido como racista se for descontextualizado", avalia.

A Dove também teria "mandado mal" com uma campanha lançada no


Reino Unido no ano passado, quando pôs em circulação diferentes
formatos da garrafinha de sabonete líquido. Alguns consumidores se
ofenderam e alguns apontaram o fato de que todas as embalagens
eram brancas.

Direito de imagem Getty Images


Image caption As canetas da BIC hoje estão em exposição
no Museu do Fracasso de Los Angeles

3. Caneta BIC para mulheres


Uma das marcas de material de escritório mais famosas do mundo, a
BIC foi alvo de protestos em 2012, quando lançou uma linha de
canetas "confortáveis" para mulheres - nas cores rosa e roxa.

Pensados exclusivamente para o público feminino, os produtos foram


vendidos como tendo uma "silhueta elegante e detalhes pensados para
dar mais estilo". As canetas "teriam uma pegada suave para garantir o
conforto ao longo de todo o dia", dizia o material promocional.

Depois das críticas, a companhia procurou a comediante e


apresentadora de TV Ellen DeGeneres para atuar como sua porta-voz.
Ela não só recusou a proposta como caçoou da BIC, referindo-se de
forma sarcástica ao produto em seu programa de TV.

As canetas também eram mais caras que as da linha tradicional da


BIC.

Em 2015, a empresa se envolveu em outra polêmica ao lançar uma


campanha para o Dia Internacional das Mulheres na África do Sul. A
peça incentivava mulheres a ter "a aparência de uma garota, agir
como uma dama e pensar como um homem".

Image caption BIC teve de pedir desculpas públicas depois


desta campanha na África do Sul | Foto:
Reprodução/Facebook

Curiosamente, a linha "para mulheres" não está mais disponível no


site em inglês da BIC (e nem na sessão do site voltada para o Brasil).
As canetas "femininas" ainda podem ser encontradas na loja online
Amazon, onde recebem grande quantidade de avaliações positivas
e/ou irônicas.

Direito de imagem PA
Image caption Protein World nega que a campanha tenha
caráter sexista
4. Batalha nas praias
Em 2015, a empresa de suplementos alimentares Protein World sofreu
com protestos aguerridos depois de fazer uma campanha publicitária
com anúncios espalhados pelo metrô de Londres. As mensagens
mostravam uma mulher de biquíni e a pergunta "O seu corpo de praia
está pronto?".

Os protestos incluíram uma manifestação no Hyde Park e um abaixo-


assinado para que os cartazes fossem removidos.

Apesar disso, a Protein World adotou uma estratégia incomum: ao


invés de pedir desculpas, lançou uma nota criticando os
manifestantes, que seriam "uma minoria que critica aqueles que
buscam se tornar mais saudáveis, mais fortes e em melhor forma
(física)".

"Nós operamos a maior fábrica de suplementos do Reino Unido, e


vendemos nossos produtos em mais de 50 países para mais de 300
mil clientes. A maioria deles é de mulheres. Como elas poderiam ser
sexistas?", dizia o documento.

No fim, a empresa perdeu a batalha quando a agência britânica que


regula o setor de publicidade decidiu banir os anúncios. Meses depois,
o prefeito de Londres, Sadiq Khan, anunciou uma norma para proibir
no transporte público da cidade anúncios que fizessem as pessoas se
sentir mal com os próprios corpos.

A guerra, porém, continuou em outro front: em 2016, a Protein World


usou as festas de Natal para lançar uma linha de probióticos para
mulheres - inclusive usando imagens de modelos supertonificadas.

Image caption A usuária 'corrigiu' o cartaz da Toyota |


Foto: Reprodução/Twitter

5. Derrapagem da Toyota
A montadora japonesa atraiu uma avalanche de críticas em 2016 ao
colocar cartazes de um novo modelo de carro em uma estação de ski
na Austrália. A peça sugeria que homens eram melhores no esporte
que as mulheres.

O banner se dirigia a famílias que estivessem juntas esquiando no


local - as mães eram colocadas na categoria "intermediária",
enquanto os pais eram considerados aptos para trajetos de "expert".

Detalhe interessante: os cartazes foram colocados em 2015, mas os


protestos só começaram quase um ano depois. Foram discretamente
removidos depois de uma série de críticas nas redes sociais.

Image caption Comercial da Audi foi enquadrado na


categoria 'Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço' |
Foto: Reprodução/YouTube

6. Audi desgovernado
Outra montadora cuja estratégia de "femvertising" deu errado foi a
Audi. No ano passado, a empresa pagou por um anúncio de 60
segundos no intervalo do Superbowl, a final do campeonato de futebol
americano dos EUA, para anunciar que estava comprometida com
iniciativas de igualdade salarial.

Os intervalos do Superbowl são atualmente o espaço publicitário mais


caro de todo o mundo.

Apesar das boas intenções, os ativistas foram rápidos em apontar a


suposta hipocrisia no anúncio - dado que a Audi, na época, não tinha
nenhuma mulher entre os seis integrantes de seu Conselho, e só 16%
dos diretores da empresa eram mulheres.

O percentual ficava abaixo até mesmo dos 20% de mulheres que


estavam em postos de comando nas 500 maiores empresas dos EUA
listadas pela revista Fortune. A rival BMW tinha 30% de mulheres
diretoras.

Image caption Mulheres brasileiras ficaram bastante


irritadas com propaganda da Skol | Fotos:
Reprodução/Facebook
7. Folia polêmica
O Carnaval no Brasil é uma época de hedonismo - e os anunciantes
sempre tentam "pegar carona" na festa. Mas em 2015 essa estratégia
terminou como um desastre de relações públicas para a Skol, marca
de cerveja do conglomerado Ambev.

Naquele ano, a empresa fez uma campanha encorajando os foliões a


"esquecer o 'não' em casa" durante a festa.

A propaganda "viralizou" pela razão errada, quando ativistas


satirizaram os cartazes nas paradas de ônibus em São Paulo. A
mensagem foi modificada para "Esqueci o não em casa... E trouxe o
nunca". A jornalista Mila Alves e a publicitária Pri Ferreira apareciam
em fotos ao lado dos cartazes "adaptados", mostrando o dedo médio
estendido.

O fato de muitos homens não respeitarem o "não" das mulheres às


suas investidas, comportamento que é exacerbado em festas como o
Carnaval, é um dos graves problemas apontados por elas. Já foi,
inclusive, alvo de campanhas.

Direito de imagem Getty Images


Image caption Os franqueados do Cairo foram expulsos da
rede de academias Gold's Gym por este cartaz

8. Segura essa pera


Em agosto de 2016, uma rede de academias de ginástica - a Gold's
Gym - envolveu-se em uma polêmica quando suas unidades no Cairo
(Egito) tentaram atrair novos clientes fazendo com que as mulheres
se sentissem mal com os próprios corpos.

"Essa não é uma forma para uma garota", dizia o texto da


propaganda, colocado ao lado da foto de uma pera.

Até celebridades de outros países, como a atriz americana Abigail


Breslin, entraram na onda dos protestos.
O comando da companhia, nos EUA, decidiu encerrar os contratos dos
franqueados no Egito, mas foi criticado por supostamente ter pouco
controle sobre as operações de marketing envolvendo a própria
marca.

9. Gosto duvidoso
Conhecida pela estratégia de negócios pouco ortodoxa, a cervejaria
britânica Brewdog fez uma aposta de risco para celebrar o Dia
Internacional da Mulher este ano: lançou uma "cerveja para garotas"
satírica.

Image caption Nova cerveja da Brewdog é uma aposta


arriscada - e já está recebendo críticas | Foto: Brewdog

Um dos rótulos mais populares da Brewdog é a "Punk IPA" - de sabor


amargo e alto teor alcoólico. Agora, a cervejaria anunciou que levará
para as prateleiras a "Pink IPA". A sátira terá o rótulo rosa e será
vendida a mulheres por um preço mais baixo que para os homens.

Segundo a cervejaria, trata-se de uma forma de denunciar a


disparidade salarial entre os gêneros no Reino Unido. E de tirar sarro
das "estratégias de marketing preguiçosas" voltadas para mulheres.

A campanha é acompanhada de postagens sarcásticas no Twitter.


"Criamos uma cerveja para garotas. E é rosa. Porque mulheres gostam
de coisas na cor rosa e com glitter, certo?"

Tanto sarcasmo explícito, porém, não evitou as críticas.

"Esta tem a motivação correta, mas a execução é errada", tuitou uma


mulher.

Você também pode gostar