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Princípiosehistóriadaergonomia
O polonês Wojciech Jastrzebowski é conside-
rado o primeiro estudioso moderno de ergonomia
ao escrever um artigo intitulado “The Science of
Work” (A Ciência do Trabalho). A saber:

“(...) um enfoque científico que nos permitirá conhecer,


em benefício próprio e dos demais, os melhores frutos
do trabalho de toda a vida com o mínimo de esforço e a
máxima satisfação.” (JASTRZEBOWSKI, 1857).

Etimologicamente, o termo “ergonomia” tem


origem das palavras gregas “nomos”, que significa
“norma”, e “ergo”, que significa “trabalho”. Pode-
-se dizer que ergonomia é a “ciência do trabalho”,
ou que desenvolve regras e normas para conceber
um sistema de trabalho. Neste contexto, o termo tra-
balho significa uma atividade no qual um operador
humano busca alcançar um objetivo.
O ser humano é, portanto, o centro do estudo,
ou seja, a ergonomia é uma ciência antropocêntrica,

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na qual o trabalho deve ser adequado ao ser huma-
no e não o contrário. Esta é uma das bases da er-
gonomia. Apesar de o ser humano ser adaptável às
condições impostas a ele, ainda assim, há limites a
serem respeitados, pois esta adaptação não é infinita.
“Adaptar o trabalho ao homem” é, portanto, um dos
princípios da ergonomia.
Há pouco mais de um século, as condições de
trabalho eram intoleráveis para a saúde e segurança
dos trabalhadores. Doenças e epidemias, muitas ve-
zes oriundas das condições de saneamento básico das
cidades, potencializadas pelas condições precárias de
higiene no ambiente laboral, obrigaram governos a
criarem leis com foco na proteção ao trabalhador.
Através de leis que estabeleciam limites de ho-
ras diárias de trabalho, restrição do trabalho infantil,
condições sanitárias de trabalho, foram algumas das
bases quanto ao início da atenção aos aspectos de
adaptar o trabalho ao trabalhador, ou seja, pode-se
dizer que à partir daí teve início a ergonomia moder-
na que atualmente conhecemos.
Até a II Guerra Mundial, o desenvolvimento
e aplicação destas leis de proteção ao trabalhador
foram lentos. Isto porque este importante evento
acelerou o desenvolvimento da tecnologia militar,
através da criação e aperfeiçoamento das armas de
guerra, como, por exemplo, os veículos de combate,
aviões, dispositivos de navegação e detecção.

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Concomitantemente a estas invenções e me-
lhorias nas armas de guerra, estudiosos, engenhei-
ros, médicos, psicólogos, físicos e sociólogos perce-
beram a importância de adaptar estes instrumentos
tecnológicos às condições de trabalho, aos limites do
usuário militar, levando-se em consideração aspectos
físicos, cognitivos e psicológicos que objetivavam a
redução do erro, a tomada de decisão rápida e eficaz,
ou seja, a confiabilidade de máquinas e pessoas.
O sucesso militar dependia, portanto, não ape-
nas de quem dominasse a melhor tecnologia, levaria
vantagem nos combates as nações que conseguis-
sem adaptar melhor seus instrumentos de guerras
aos seus usuários, os militares pilotos de aviões e de
carros de combate, os soldados e seus fuzis, os co-
mandantes e suas informações de guerra.
A II Guerra Mundial foi impulso para o desen-
volvimento da ergonomia no pós-guerra. A partir de
1950, com o foco e alta demanda das indústrias na
produção (foco na produtividade), a ergonomia teve
um terreno fértil para se desenvolver. Novas leis de
proteção à saúde e segurança do trabalhador foram
criadas principalmente na Europa e Estados Unidos
e posteriormente no Japão e Canadá.
Dez anos depois, a partir de 1960, a energia me-
cânica, de maneira gradual, foi tomando lugar do em-
prego da energia proveniente do esforço muscular do
ser humano para a execução das atividades ocupacio-

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nais. Na época, verificou-se que a ocorrência de aci-
dentes de trabalho estava relacionada com o emprego
do trabalho manual, a aplicação de força muscular na
resolução de tarefas laborais e as questões temporais,
como, por exemplo, as demandas temporais relacio-
nadas à busca de alta produtividade.
Esta relação entre os objetivos exclusivamente
de produção industrial e o consequente índice de aci-
dentes de trabalho, somada ao início de preocupações
com a saúde e segurança do trabalhador, exemplifica-
do pelas leis nesta área, fizeram com que os objetivos
da ergonomia gradualmente se voltassem mais para
a segurança do trabalho em vez da produtividade a
qualquer preço. Esta época foi por volta dos anos 60
e o início dos anos 70 nos países desenvolvidos.
No início da evolução histórica da ergonomia,
seus estudos estavam relacionados à ergonomia físi-
ca, ou seja, estudos antropométricos, estudos rela-
cionados à biomecânica, gasto energético, fisiologia
humana, temperatura corporal versus temperatura
ambiente e carga física de trabalho, frequência car-
díaca e respiratória, e outros estudos relacionados às
questões físicas limítrofes do ser humano testadas
em laboratório e em campo.
O foco dos estudos era a contração muscular e
sua relação com as capacidades do ser humano in-
teragindo com um ambiente de trabalho qualquer.
Falando mais especificadamente, os estudos relacio-

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navam-se com o esforço muscular realizado, diversi-
dade e amplitudes de movimentos articulares e seus
limites toleráveis. Todos estes estudos num contexto
de busca da produtividade, mas que, gradualmente,
foram mudando para foco em saúde, segurança e
conforto do trabalhador, estes três objetivos últimos
como atualmente a ergonomia se configura quando
se fala em seus objetivos e escopo.
Atualmente, os princípios científicos da ergo-
nomia física são muito bem conhecidos pelos pro-
fissionais da área, como por exemplo, desenhos de
postos de trabalho, estudos antropométricos, ergo-
nomia no uso de computadores e terminais de vídeo,
ergonomia em trabalhos pesados, etc. Sem dúvida
alguma o pós-guerra contribuiu muito para o avanço
da ergonomia física. Outras áreas em que a ergono-
mia também se desenvolveu daquela época até os
tempos atuais foram as áreas da ergonomia cogni-
tiva e organizacional. Estas últimas, porém, ainda
requerem de estudos bem mais aprofundados pelos
pesquisadores e profissionais de saúde e segurança
do trabalho.
A ergonomia física sem dúvida alguma serve de
base para a maioria dos trabalhos atuais de consul-
torias em ergonomia, seus princípios são bem acei-
tos e claramente suas mudanças e intervenções são
identificadas. Configura-se, contudo como um vasto
campo de trabalho estudos ligados à ergonomia cog-

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nitiva e ergonomia organizacional, não porque seus
avanços históricos foram nulos, mas porque seu rit-
mo de desenvolvimento foi mais lento comparando-
-se com a ergonomia física.

“Ergo é
nomia uma disciplina científica relacionada ao
entendimento das interações entre os seres huma-
nos e outros elementos ou sistemas, e à aplicação de
teorias, princípios, dados e métodos a projetos a fim
de otimizar o bem-estar humano e o desempenho
global do sistema."
Fontem: International ergonomics association - iea (www.iea.cc)

Além disso, os processos mentais e as relações


sociais no trabalho, muitas vezes, possuem suas ba-
ses em constructos qualitativos, nem sempre de fácil
domínio para validações de achados científicos por
parte da equipe de pesquisa ou pelos profissionais
da área. Somado a isso, como foi informado ante-
riormente, as principais demandas de trabalho da
ergonomia atual no Brasil e no mundo ainda se ba-
seiam em demandas relacionadas aos princípios da
ergonomia física. Desta maneira, entendem-se as
razões que fazem com que a ergonomia cognitiva e
organizacional esteja no palco da maioria das atuais
pesquisas científicas em ergonomia.

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1.1 Disciplinas da ergonomia

Não entraremos no mérito dos debates que de-


fendem que a ergonomia é ou não uma ciência e/
ou uma técnica que emprega princípios científicos
de outras disciplinas para uso em seu escopo de tra-
balho, ou seja, o ser humano desempenhando uma
atividade num ambiente qualquer de trabalho. Basta
no momento dizermos que a ergonomia desenvolve
suas técnicas dentro de bases científicas num ponto
que permeia disciplinas relacionadas à engenharia
(físicas e exatas), à medicina, psicologia e sociolo-
gia (humanas e sociais), por exemplo, a solução de
problemas de iluminação, temperatura, ruído e vi-
brações, anatomia, fisiologia, psicologia. A Figura 1
ilustra os domínios da ergonomia quanto a algumas
das disciplinas que a compõe.

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A ergonomia é uma disciplina autônoma, mas
não pode viver sem se nutrir das aquisições de várias
disciplinas, aquisições dinâmicas e assimiladas em
um espírito interdisciplinar (WISNER, 2004, .p. 35).
Na Europa, os primeiros pesquisadores tiveram
como foco de estudo as ciências humanas, conce-
dendo à ergonomia uma relação mais forte com a
fisiologia e a psicologia. A importância de uma abor-
dagem nesta área está em estudos que relacionam
a ergonomia aos problemas de consumo energético
do trabalhador, as posturas de trabalho, aplicação de
forças musculares, levantamento de cargas, trabalho
repetitivo, etc. Em relação à psicologia, os estudos
relacionam-se com interações do trabalhador com
os terminais de vídeo, usabilidade de computadores
e equipamentos de forte apelo tecnológico, moti-
vação no trabalho, relações sociais de trabalho etc.
Cabe aqui ressaltar que não se faz intervenções er-
gonômicas sem dar enfoque misto às disciplinas que
compõem a ergonomia, assim dizemos que a ergo-
nomia é uma ciência multidisciplinar.
Nos Estados Unidos os pioneiros em estudos
ergonômicos despenderam seus esforços em assun-
tos relacionados ao campo da psicologia experimen-
tal e engenharia. O termo “engenharia humana” e
“engenharia de fatores humanos” são termos usados
até hoje naquele país e também no Canadá.
A natureza de interdisciplinaridade da ergonomia

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é resultado de outra característica importante: a ergo-
nomia é uma ciência antropocêntrica, ou seja, o ser hu-
mano é o centro de atenção de seus estudos e esforços.
E como definir o ser humano? Como medi-lo? Como
elaborar ambiente de trabalho que o comportem com
a máxima de segurança, saúde e conforto?
A amplitude vasta de respostas e de opções de
propostas para as perguntas acima parecem não ter
fim. Em vista disso, parece claro que a ergonomia se
agrega a outras disciplinas para compor e elaborar
respostas para estas e outras perguntas.
O desafio da ergonomia é adaptar o trabalho
às pessoas. Como fazer isso? Primeiramente temos
que definir quem é o ser humano, quem é o traba-
lhador. A partir daí, o ambiente precisa ser definido.
Disciplinas que compõe aspectos biopsicossociais
são ferramentas para fornecer respostas para nossos
questionamentos enquanto profissionais e pesqui-
sadores de saúde e segurança do trabalho, a grande
área da qual a ergonomia faz parte.
Segundo Abrahão et al. (2009), três pressupos-
tos são necessários para compreensão da ação ergo-
nômica e suas metodologias: a interdisciplinaridade,
a análise de situações reais e o envolvimento dos su-
jeitos, conforme Figura 2.

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Ainda, segundo os autores, a interdisciplinarida-
de da qual serve de base para a ergonomia, resulta da
importância de se analisar o fenômeno do trabalho
humano sobre diferentes perspectivas (ABRAHÃO
et al, 2009).
Esta relação da ergonomia com outras discipli-
nas e profissionais (médicos, engenheiros, fisiote-
rapeutas, administradores, terapeutas ocupacionais,
psicólogos, enfermeiros, etc.) exige a elaboração de
novos conceitos ao integrar conhecimentos destes
diversos profissionais (CURIE, 2004).

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1.2 Objetivos da ergonomia

Antes de discutir os objetivos da ergonomia, é


importante que façamos uma reflexão sobre como a
ergonomia poderá favorecer empregados e empre-
gadores, trabalhadores e organizações empresariais.
Algumas destas vantagens estão relacionadas com a
produtividade e na qualidade do trabalho executado.
Outras vantagens estão relacionadas à saúde e a con-
fiabilidade humana e a satisfação no trabalho.

“Objetivoda ergonomia [ transformar o trabalhador


de forma a adaptá-lo às caracteristicas e variabilida-
de do homem e do processo produtivo ]
Fonte: Abrahão [et al.] (2009)

Desta forma, a relação de contribuição que a


ergonomia oferece para empresas e empregados, é
a eficiência no alcance de resultados, a redução de
desperdícios de tempo e de recursos, a prevenção
de erros e a proteção a pessoa humana no trabalho.
Falzon (2007) complementa sobre os objetivos da
ergonomia da seguinte maneira:

A especificidade da ergonomia reside em sua tensão


entre dois objetivos. De um lado, um objetivo cen-
trado nas organizações e no seu desempenho. Esse
desempenho pode ser apreendido sobre diferentes

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aspectos: eficiência, produtividade, confiabilidade,
qualidade, durabilidade etc. De outro, um objetivo
centrado nas pessoas, este também se desdobrando
em diferentes dimensões: segurança, saúde, confor-
to, facilidade de uso, satisfação, interesse do trabalho,
prazer etc. (FALZON, 2009, p.8).

Para a ergonomia não é aceitável que haja des-


perdícios de energia de maquinários ou humana, ou
de tempo devido, por exemplo, a não conformidade
de layout ergonômico, problemas relacionados aos
espaços de trabalho ou não conformidades relacio-
nadas a sobrecargas cognitivas e assuntos relaciona-
dos à organização do trabalho.
As bases científicas da ergonomia têm como
escopo a adaptação do trabalho ao ser humano com
vistas à sua saúde, segurança e conforto. Apesar do
antropocentrismo da ergonomia é comum que estes
esforços, em contrapartida, gerem benefícios não
apenas ao ser humano no trabalho, mas há uma ten-
dência também de que eles proporcionem à organi-
zação um trabalho mais eficaz, redução de custos e
ganho de produtividade.
Estudos ergonômicos, no meio acadêmico, mas
principalmente no campo da prestação de serviços
de profissionais da área, buscam esta relação de efi-
ciência e ganho mútuo entre empresa e empregados.

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Por um lado, o trabalhador se beneficia com a
ergonomia no sentido que poderá exercer suas ativi-
dades laborais com maior segurança, num ambiente
salutar e confortável, ou seja, com um equilíbrio entre
as demandas de trabalho e suas capacidades labora-
tivas. De outro lado, as organizações empresariais se
beneficiam da ergonomia no sentido que ofertam um
ambiente propício para o desempenho, consequente-
mente reduzindo custos relacionados a não confor-
midades na área de saúde e segurança do trabalho.
Os custos diretos e indiretos relacionados com
o gerenciamento de trabalhadores afastados por do-
enças ou acidentes de trabalho e não afastados, mas
com sua capacidade ocupacional reduzida, como no
caso de trabalhadores acometidos de distúrbios os-
teomusculares relacionados ao trabalho (DORT) são
exemplos de situações nas quais ações ergonômicas
visam eliminar.
A relevância da ergonomia está no fato de que
ela melhora situações de trabalho, não apenas com
benefícios para o trabalhador, mas também para as
organizações empresariais. Através de estudos siste-
máticos, como por exemplo, a Análise Ergonômica
do Trabalho (AET), os profissionais de ergonomia
conseguem fornecer dados das características da po-
pulação envolvida, no caso os trabalhadores, bem
como do ambiente nos quais eles desempenham
suas funções. De posse destas informações sistemá-

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ticas os profissionais da área de ergonomia elaboram
propostas técnicas, conceitos, diretrizes e procedi-
mentos que à medida que são seguidos e defendidos
a partir da alta direção da organização, gestores ge-
renciais e trabalhadores de nível operacional, contri-
buem para a redução de custos e o desenvolvimento
da eficácia no trabalho.
A ergonomia pode ser dividida em três segmen-
tos distintos:

• Ergonomia de correção: atua de maneira restrita,


modificando elementos parciais do posto de traba-
lho, tais como dimensões, iluminação, ruído, dispo-
sição de salas de trabalho, entre outros (IIDA, 2003);
• Ergonomia de concepção: Ao contrário, inter-
fere amplamente no projeto do posto de trabalho,
dos instrumentos, da máquina ou do sistema de pro-
dução, organização do trabalho, e formação pessoal
(IIDA, 2003);
• Ergonomia de conscientização: Surgiu da ne-
cessidade de orientar os profissionais de diversas
áreas de atuação, com o objetivo de transmitir os
conhecimentos já existentes e fazer com que estes
profissionais os utilizem (IIDA, 2003).

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