C6 o Estado Campo Grande - MS | Sábado, 23 de janeiro de 2016
Mato Grosso do Sul
Artes&Lazer
Entrevista Carolina Lima professora e cineclubista
O cinema auxiliando a formação de cidadãos mais conscientes e com postura crítica
A atividade cineclubista cresceu mais de 200% no ano de 2014, o Senador Cristovam Buarque san- De acordo com Carolina Lima, integrante do Con- ao longo do território nacional. Esse fenômeno, cionou a lei de nº13.006, que prevê a obrigatoriedade selho Nacional de Cineclubes e coordenadora do ci- registrado pelo Suplemento de Cultura do IBGE de exibição de 2h mensais de filmes nacionais nas neclube regional Cinema (de) horror, no Mato Grosso reflete o fortalecimento de um movimento que luta escolas de ensino básico (da primeira infância ao do Sul o cineclubismo cresce, acompanhando os bons pelos direitos do público. Hoje, ela é uma tendência ensino médio). A prática do cineclubismo é uma ventos. Em entrevista para O Estado, a cineclubista forte dentro dos Ministérios da Educação e Cultura. opção legítima para a execução da lei, porque além falou sobre o movimento, explicando suas funções e Acredita-se que a atividade irá crescer muito mais da exibição, prevê também a prática do debate em a importância dele para a produção cinematográ- nos próximos anos. Essa expectativa está ligada a torno da estética e das discussões propostas pelos fica. Para Carolina, o movimento conjuga o amplo várias ações que vem sendo executadas em diversos filmes algumas escolas, contempladas com os pro- potencial de conscientização e educação do cinema, níveis da administração pública. Vale lembrar que gramas “mais cultura” e/ou “mais educação”. com o poder de formação crítica de comunidades.
Por João Costa Jr.
Fernanda Nogueira
Os cineclubes lutam pelo acesso ao cinema
O Estado – Qual a importância do Carolina - O cineclube cinema (de) cinema para a cultura? Compreendo, portanto, o cinema como uma manifestação horror promove sessões quinzenais Carolina Lima - o cinema como uma manifestação artística tem um amplo artística com amplo potencial de conscientização, educação e desde o ano de 2008. Foram inúmeras sessões de filmes nacionais e interna- potencial de conscientização, educação desautomatização de olhares diante da realidade cionais, de diversos gêneros, épocas e desautomatização de olhares diante e formatos. Ao longo destes anos de da realidade. Por meio de seus catár- atividades realizadas, contamos com ticos modos de representação, o cinema apresenta-se como uma forma de ex- Diferentemente do cinema de circuito comercial, os cineclubes a participação de representantes de vários segmentos – professores, jor- pressão capaz de provocar mudanças são movidos pelo compromisso de incentivar a formação crítica nalistas, estudantes, atores, ativistas significativas em meio ao cotidiano sociais – para a mediação de debates urbano, quando voltado para o questio- de suas respectivas comunidades após as exibições dos filmes. namento de preconceitos e estereótipos Para além de contribuir com uma construídos ao longo da história e para expressiva ampliação do repertório de a exaltação de novas perspectivas em leitura e do exercício constante da re- torno das diferenças que compõem o mento, organização e popularização atividade seja efetiva e exclusivamente alização de um trabalho voluntário e mosaico cultural de nossa sociedade. do movimento cineclubista, houve a cultural e sem fins lucrativos. coletivo, a participação em atividades criação de uma entidade de base na- cineclubistas nos auxilia no processo O Estado – Como você começou a cional, o Conselho Nacional de Cine- O Estado – Você acredita que os de descoberta da multiplicidade das trabalhar com cineclubismo? clubes. Em meio a este momento, surgiu cineclubes são um importante ins- formas de expressão. Os diálogos reali- Carolina - Comecei a trabalhar com o o grupo do Cinema Novo, constituído trumento de criação e renovação da zados após as exibições nos exercita, a cineclubismo no ano de 2008. Na época, por uma expressiva geração de cineclu- linguagem do cinema? assumir de maneira clara e contundente participava de um grupo de estudos da bistas que revolucionaram o panorama Carolina - Penso que ao formar um posicionamento crítico e/ou político Professora Rosana Cristina Zanelatto do cinema nacional: Leon Hirszman, espectadores críticos, os cineclubes diante da realidade que nos cerca. Santos (Letras/UFMS). Pesquisávamos Glauber Rocha, Jean-Claude Bernadet, contribuem, à sua maneira, para a reno- as formas pelas quais as questões re- João Batista de Andrade. vação da linguagem do cinema. Este pú- O Estado – Na sua visão, como lacionadas à violência eram expressas O recrudescimento da ditadura, no blico com um olhar mais educado, mais está o movimento cineclubista no nas mais diversas poéticas literárias. entanto, acabou enfraquecendo por exigente, dificilmente aceitará um modo Estado? Eu percebia, porém, que o cinema um longo tempo a articulação do mo- convencional de representação. Cria-se, Carolina - O cineclubismo é uma estava sempre presente em nossos vimento cineclubista e o afastando dos dessa forma, uma demanda voltada ação cultural que vem se popularizando, debates e pensava que seria produtivo realizadores. para os filmes que proponham alguma pouco a pouco, no Estado de Mato se analisássemos os temas, junto aos Com o passar dos anos, o cineclu- novidade em seu modo de representar. Grosso do Sul. Penso que um dos fa- filmes frequentemente citados. A ideia bismo passou a se voltar mais para os Nestes últimos anos, ao participar tores determinantes para o surgimento foi prontamente aceita pela professora direitos do público e os cineastas para de eventos cineclubistas e festivais de de novos cineclubes e a reativação de e, na semana seguinte, enviamos uma os seus direitos trabalhistas / autorais. cinema dentro e fora do Estado, pude cineclubes antigos, foi a realização de proposta formal ao Museu da Imagem notar que grandes cineastas brasileiros, eventos que proporcionaram o inter- e do Som, dispondo-nos a realizar O Estado – Qual a função do ci- movidos pelo ideal estético e comprome- câmbio de experiências e ideias entre gratuitamente uma semana de progra- neclube em relação ao público? Em tidos com a arte, afirmam participar ou cineclubistas sul-mato-grossenses, com mação de filmes e debates, aberta à que se diferencia do cinema comer- já ter participado assiduamente de pro- cineclubistas dos mais diversos Estados comunidade geral. Ao executarmos a cial? gramações propostas por cineclubes. brasileiros. ação, tivemos todos os cinco dias de pro- Carolina - O grande lema do movi- Para além de Glauber Rocha e os demais No entanto, estas iniciativas ainda gramação lotados. Quando finalizamos, mento cineclubista é lutar “pelos di- nomes do Cinema Novo, Silvio Ten- são desenvolvidas isoladamente umas fomos convidados pelo gestor do museu reitos do público”, por compreendermos dler e Joel Pizzini são exemplos disso. das outras. Há a necessidade de a dar continuidade ao projeto sema- que todos os cidadãos têm o direito do Certamente o exercício reflexivo em criarmos estratégias que incentivem nalmente, ao longo de todo o ano. Nos livre acesso ao conhecimento, à cultura torno de questões estéticas, promovido a realização de ações coletivas entre anos seguintes, continuamos a ser con- e à informação. Diferentemente do em ambientes cineclubistas, suscita estas ações, para que suas propostas vidados a compor a agenda do museu, cinema de circuito comercial, os cine- nestes artistas, análises críticas sobre – como um festival de cinema, por até o projeto passar a ser compreendido clubes são movidos pelo compromisso o seu próprio modo de representar. exemplo – alcance proporções regionais como uma programação permanente, de incentivar a formação crítica de Notemos que longe de se preocuparem ou nacionais, como vem acontecendo em porém independente, da Fundação de suas respectivas comunidades, daí a em atender exclusivamente aos anseios diversos outros Estados do Brasil. Cultura de Mato Grosso do Sul. necessidade da realização de um de- da indústria cinematográfica comercial, bate, ao final de cada exibição, voltado essas produções costumam explorar e O Estado – Os cineclubes e a para as propostas estéticas e para os valorizar novas temáticas e/ou formas história do cinema do brasileiro se temas abordados pelo filme. Ancorados de representação. entrelaçam, não é? neste princípio, defendemos a ideia de Carolina - Sim, a história do cine- que os cineclubes têm a liberdade de O Estado – Dentro do cineclube Perfil clubismo foi significativamente entrela- exibir qualquer filme, especialmente cinema (de) horror, quantas exibi- Nome: Carolina Lima Sartomen çada à do cinema brasileiro na década as produções nacionais realizadas com ções já foram? E o que se tira dessa Profissão: professora e cineclubista de 1960. Nesta época de amadureci- financiamento público, desde que sua experiência? Naturalidade: 23 de Agosto de 1988 no Rio de Janeiro