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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

NAMP
Nº 70019993971
2007/CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. COOPERATIVA HABITACIONAL.
LOTEAMENTOS IRREGULARES. OCUPAÇÃO E
COMERCIALIZAÇÃO DE LOTES EM ÁREA VERDE.
GESTÃO FRAUDULENTA. ATIVIDADE ILÍCITA.
AUSÊNCIA DE REGISTRO DOS LOTES NO ÁLBUM
IMOBILIÁRIO. PLEITO DE PUBLICAÇÃO DA
DECISÃO LIMINAR NA IMPRENSA LOCAL QUE VAI
DEFERIDO.
1. A insurgência do agravante centra-se no fato de
que não restaram deferidos os pedidos formulados
no sentido de que fosse determinada a
desocupação das áreas verdes; houvesse a
publicação em jornal local da decisão liminar e
ocorresse o bloqueio das contas bancárias e
eventuais aplicações pertencentes à requerida.
2. Restou clara a realização de negócio jurídico de
compra e venda de lotes pela agravada de forma
ilícita, pois os lotes de terra comercializados não
possuíam registro no álbum imobiliário.
3. Pretensão do agravante de que seja publicado o
teor da decisão que deferiu a liminar na imprensa
local vai acolhida, a fim de dar publicidade acerca
das irregularidades até o momento detectadas.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE
PROVIDO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Nº 70019993971 SÃO LEOPOLDO

MINISTÉRIO PÚBLICO AGRAVANTE

COOPERATIVA HABITACIONAL AGRAVADA


COOHAP LTDA

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial
provimento ao agravo de instrumento.
Custas na forma da lei.
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Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os


eminentes Senhores DES. ROGÉRIO GESTA LEAL E DR. PEDRO LUIZ
POZZA.
Porto Alegre, 18 de outubro de 2007.

RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO, uma vez que não está conformado com a decisão de fl. 459,
complementada pela decisão de fl. 465, que deferiu a antecipação de tutela,
a fim de que a COOPERATIVA HABITACIONAL COOHAP LTDA se
abstenha de realizar vendas de lotes no Município de São Leopoldo, e de
receber prestações de contratos já celebrados de compra e venda, sob pena
de multa de R$-5.000,00 por valor recebido ou venda realizada, além de
determinar que a agravada apresente nos autos os documentos solicitados,
no prazo de dez dias, sob pena de multa diária de um salário mínimo
nacional, nos autos da ação civil pública que o agravante ajuizou contra a
agravada.
Em razões, disse que estão presentes os pressupostos para a
concessão integral dos pedidos liminares formulados na inicial da ação civil
pública. Referiu que há a necessidade de bloqueio das contas e aplicações
da agravada, a fixação de prazo para a apresentação de relatório por parte
do interventor nomeado, bem como a desocupação imediata das áreas
verdes ocupadas e ainda a publicação da decisão que concedeu a liminar
junto à imprensa local. Pediu a atribuição de efeito suspensivo ao agravo de
instrumento e, ao final, o seu provimento. Juntou documentos (fls. 18-475).
Recebido o recurso, foi suscitada dúvida de competência a
respeito da matéria tratada nos autos (fls. 478-81vº), a qual restou solvida
pelo 1º Vice-Presidente desta Corte, Desembargador Armínio José Abreu
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Lima da Rosa, que definiu se tratar de matéria inserida na subclasse “Direito


Público Não Especificado”, determinando o retorno dos autos a este Relator
(fls. 484-5vº).
Em nova conclusão, foi recebido o recurso e negado o efeito
suspensivo (fl. 487 e verso).
Intimada a agravada (fl. 490), transcorreu o prazo sem
manifestação (fl. 492).
Encaminhados os autos ao Ministério Público, foram com vista
ao Dr. Arnaldo Buede Sleimon, Procurador de Justiça, que opinou pelo
parcial provimento do agravo de instrumento (fls. 493-7).
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.

VOTOS
NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO (RELATOR)
Encaminho voto pelo parcial provimento do agravo de
instrumento.
Destaco, inicialmente, que a insurgência do agravante centra-
se no fato de não terem sido deferidos os pedidos formulados no sentido de
que fosse determinada a desocupação das áreas verdes; de que ocorresse
a publicação em jornal local da decisão liminar, e de que houvesse o
bloqueio das contas bancárias e eventuais aplicações pertencentes à
requerida.
Com efeito, tenho que assiste razão em parte ao agravante.
Isso porque da prova trazida aos autos, pelo menos neste momento
processual, foi possível verificar que a atuação da agravada foi contrária à
lei, pois comercializou lotes de terra de forma irregular, sem que estes
estivessem registrados no álbum imobiliário, além de estar causando danos

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ao meio ambiente em razão do corte de vegetação nativa em área de


preservação permanente (banhado), sem o prévio licenciamento ambiental,
bem como em virtude do depósito de lixo irregular no local.
Destaco que a atuação do Ministério Público é muito anterior
ao ajuizamento da ação civil pública, pois desde 2002, mediante a
instauração de Inquérito Civil (fl. 78), já vinha coletando dados a fim de
apurar as irregularidades detectadas no loteamento da Cooperativa
Habitacional COOHAP Ltda em São Leopoldo, o que ensejou inclusive a
celebração de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta entre o
agravante e a agravada, sem que houvesse o seu cumprimento até o
momento da interposição do presente recurso.
Destaco que diante do inadimplemento do acordo pela
agravada, os pedidos formulados na inicial da ação civil pública também
englobam as condições estabelecidas no Termo de Compromisso de
Ajustamento de Conduta – TAC, firmado da seguinte forma:

“CLÁUSULA PRIMEIRA: considerando ter loteado, de forma


irregular, áreas de terras na Av. Mauá, 2175, Bairro Santos Dumont,
nesta Cidade, o compromitente assume a obrigação de suspender a
realização de obras no loteamento até obter a certidão de registro
imobiliário do loteamento, podendo terminar a tubulação dos canos num
prazo máximo de 15 dias;

(...)

CLÁUSULA TERCEIRA: o compromitente compromete-se a não


vender nem prometer a venda nenhum lote do referido loteamento
enquanto o mesmo não estiver registrado no registro de imóveis;

CLÁUSULA QUARTA: o compromitente compromete-se a não


permitir a ocupação de nenhum dos lotes para moradia enquanto a
situação não estiver regularizada e o loteamento pronto, conforme as
licenças obtidas e registrado no registro de imóveis;

(...)

CLÁUSULA SEXTA: o compromitente fica ciente de que o


descumprimento de cada uma das obrigações assumidas neste
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compromisso importará em multa diária e por atividade, no valor de 10


salários mínimos
Ademais, também em razão do descumprimento do termo
firmado entre as partes, o Ministério Público propôs execução de obrigação
de não fazer em 15MAI03, visando ao desfazimento dos atos praticados pela
agravada, os quais se obrigou a não fazer; a incidência de multa a partir de
14NOV02, bem como a citação da executada para cumprir as obrigações de
não fazer assumidas perante a Promotoria de Justiça, especialmente de não
permitir a ocupação dos lotes enquanto não regularizado o loteamento.
Ainda, mesmo após o ajuizamento da execução, a agravada
descurou de cumprir com o acordo firmado, conforme se verifica da certidão
juntada à fl. 53, levando o agravante ao ajuizamento da ação civil pública e à
presente insurgência, diante do deferimento parcial da tutela antecipada na
origem.
Nesse sentido, destaco os argumentos lançados pelo ilustre
Procurador de Justiça atuante no feito, em seu parecer, os quais adoto
como razão de decidir:
A prova inequívoca e a verossimilhança das alegações (fumus
boni juris) encontram-se consubstanciados nos documentos de fls.
469/474, onde foram acostadas informações de contas bancárias e
aplicações financeiras da agravada. Nelas, é possível constatar quatro
contas junto à Caixa Econômica Federal, cujo saldo em 06/03/2007 é
de R$ 4.805,99.
Os documentos referidos informam que a conta
0511.003.00002149-3, junto à caixa Econômica Federal, foi encerrada
em 30/04/2004 e a conta nº 06.009145.0-8 do Banrisul está com saldo
zero.
Também tem-se notícia que a comercialização dos lotes eram
vendidos cada, no montante de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos
reais), o que avulta a quantia parcial ou total de R$ 1.920.000,00 (um
milhão, novecentos e vinte mil reais).

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Ao que tudo indica, os recursos que foram capitalizados pelo


agravado no momento da comercialização dos lotes, não foram
empregados na infra-estrutura do loteamento.
Deste modo, os requeridos promoveram a execução do
parcelamento de solo urbano de maneira totalmente irregular, sem a
aprovação do projeto de loteamento pelo Município e infringindo as
normas civis e urbanísticas que regulam a ordenação do solo urbano.
Ademais, é consabido que é vedado vender ou prometer vender
parcela de loteamento ou desmembramento não registrado, consoante
o disposto no artigo 37 da Lei 6.766/79.
Logo, pretende-se a tutela jurisdicional para proteger o grupo de
consumidores identificáveis que, a mercê da oferta dos terrenos pela
requerida, apresentada, inclusive, por meio de publicidades, já
contrataram a aquisição de lotes no local, sofrendo os prejuízos em
decorrência da falta de infra-estrutura e da impossibilidade de efetuar o
registro do imóvel enquanto não regularizado o loteamento.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
(periculum in mora) advêm do inadimplemento do termo de
Compromisso de Ajustamento de Conduta para regularizar o
loteamento, sob o pretexto da falta de recursos financeiros, além do
surgimento da denúncia de que a Cooperativa está ampliando a área
loteada. Também, é importante ressaltar que desde o início do
loteamento nenhuma obra de infra-estrutura foi executada.
Compulsando os autos percebe-se que não foram atendidas as
exigências mínimas para a constituição do loteamento, como a reserva
de áreas para espaços e equipamentos de uso públicos e a dotação de
infra-estrutura básica, previstas na legislação Municipal e nos arts. 4º e
5º da Lei nº 6.766/79, compreendendo o abastecimento de água,
serviços de esgotos, energia elétrica e sistema de coleta de águas
pluviais.
Assim, diante da falta de atendimento às determinações contidas
na Lei 6.766/79, e a comercialização de lotes, bem como a denúncia de

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alteração do projeto inicial com abertura de rua e delimitação de novos


lotes, está evidente a má-fé da agravada.
Com efeito, o conjunto probatório evidencia a existência do
fundado receio de dano irreparável à comunidade e aos adquirentes dos
lotes, até que seja concluído o provimento jurisdicional.
Nesse sentido, cita-se decisão de caso análogo:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO IRREGULAR.
INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO LOTEADOR.
GARANTIA DE EFICÁCIA DE FUTURA DECISÃO.
Demonstrada a irregularidade na implantação de
loteamento, diante da falta de atendimento às
determinações contidas na Lei 6.766/79, e a
comercialização de 15 lotes, o que caracteriza a
exigência de garantia substancial, a fim de possibilitar
o ressarcimento pleno e eficaz aos lesados, a
indisponibilidade dos bens e numerários do agravante
é uma medida que se impõe, nos termos do art. 273
do CPC. AGRAVO DESPROVIDO.” (Agravo de
Instrumento Nº 70018067553, Décima Sétima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco
Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 03/05/2007)

A esse respeito, decisão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado


de São Paulo:

“Ação Civil Pública – Loteamento – Determinada a


execução de obras de infra-estrutura, bem como o
arresto e a indisponibilidade dos bens pertencentes à
ré – Necessidade para garantir a regularização do
loteamento e impedir que o patrimônio seja dissipado
– recurso Improvido.” (Agravo de Instrumento n.
130.194-4/2 – mauá – 9ª Câmara de Direito Privado –
TJSP – Rel. Silva Rico.)

“Ação Civil Pública – Liminar – Deferimento –


Admissibilidade – Configuração dos requisitos do
fumus boni iuris e do periculum in mora – Aspecto
envolvendo responsabilidade que escapa do âmbito
deste remédio jurídico – decisão mantida – Agravo não
provido. “Se não preservado o patrimônio dos
agravantes, através da medida em questão,
certamente haverá o risco de comprometimento da
eficácia do provimento obtido ao final na ação pública”
(Agravo de Instrumento n. 155.499-5/0 – Cândido

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Mota – 4ª Câmara de Direito Público – TJSP, Rel.


Soares Lima, j. 25.05.00)

E para o bom andamento do processo, é indispensável que a


interventora nomeada dê continuidade aos compromissos firmados pela
demandada.
No que pertine à desocupação das áreas verdes é imprescindível
a conclusão do relatório para que seja apreciada a matéria e
delimitadas as áreas verdes e institucionais dentro do loteamento, sob
pena de estarmos nos precipitando quanto a análise do direito
fundamental à moradia em ofensa ao princípio da igualdade e ao direito
constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Finalmente, assiste razão ao agravante, quanto à publicação da
concessão da liminar na imprensa local, uma vez que há fundado receio
de que a agravada volte a comercializar os lotes remanescentes,
causando prejuízo aos futuros adquirentes, além do perigo de dano e de
difícil reparação àqueles já comercializados e que estão na iminência de
edificação sobre lotes não regularizados, até mesmo sobre área verde
ou institucionais.

Dessa forma, tenho que assiste razão em parte ao agravante,


devendo ser veiculada na imprensa local a decisão que deferiu a liminar nos
autos da ação civil pública, a fim de evitar maiores prejuízos à coletividade.
Ressalto que as demais questões vertidas nos autos devem
ser melhor analisadas na origem, oportunidade em que o magistrado, após a
instrução processual, terá mais condições de apreciar a necessidade de
deferir outras medidas no decorrer do trâmite do feito.
Assim, em suma, voto pelo parcial provimento do agravo de
instrumento, apenas para determinar que se torne pública a concessão da
liminar na ação civil pública.

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DES. ROGÉRIO GESTA LEAL - De acordo.


DR. PEDRO LUIZ POZZA - De acordo.

DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO - Presidente - Agravo de


Instrumento nº 70019993971, Comarca de São Leopoldo: "DERAM
PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: PAULO DE TARSO CARPENA LOPES

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