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SUMÁRIO

Parte I – Introdução aos princípios constitucionais penais

Para início de conversa

1) Limites ao poder punitivo estatal

2) Os princípios são normas jurídicas de caráter cogente

3) Diferenças entre princípios e regras:

4) Colisão de princípios

Parte II – Dos princípios constitucionais penais

1) Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos

2) Princípio da intervenção mínima

3) Princípio da materialização ou exteriorização do fato (nullum crimen sine actio)

4) Princípio da legalidade do fato

5) Princípio da ofensividade (do fato)

6) Princípio da culpabilidade

7) Princípio da responsabilidade pessoal

8) Princípio da responsabilidade subjetiva

9) Princípio da igualdade

10) Princípio da legalidade da pena

11) Princípio da proibição da pena indigna

12) Princípio da humanidade da pena

13) princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade ou da proibição de excesso

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Quizzes sobre princípios constitucionais penais

Referências bibliográficas
PARTE I – INTRODUÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS
PARA INÍCIO DE CONVERSA

O tema do presente livro possui importantes reflexos na prática jurídica. Os princípios


constitucionais penais estão na base das decisões legislativas tomadas quando do processo
de incriminação de condutas, no processo decisório que envolve a elaboração da sentença
penal e na fase da sua execução. Além disso, serve de guia para a interpretação que é feita
pelos estudiosos do direito penal.

Não obstante toda a evolução que o tema sofreu e o quanto ele encontra-se amadurecido nas
ciências penais, observa-se que há uma diminuta aplicação de vários dos princípios penais
consagrados constitucionalmente. Observamos duas importantes crises:

A) Baixa legitimidade social: a própria sociedade manifesta seu inconformismo em vários


episódios em que o sistema de justiça penal aplica os princípios constitucionais penais
(exemplos: quando o juiz reconhece a nulidade das provas obtidas ilicitamente; quando o juiz
manda, sem fundamentação, algemas pessoas na audiência, violando o teor da Súmula
Vinculante 11 etc.).

B) Falta de comprometimento de alguns operadores jurídicos com a obediência aos


princípios constitucionais penais

O desrespeito a princípios constitucionais penais por parte de operadores jurídicos e a baixa


adesão da sociedade em relação à aplicação deles traz alguma consequência prática para o
sistema de justiça penal? Sim, pois acaba por dificultar que o principal objetivo da existência
dos princípios constitucionais penais concretize-se, que é, exatamente, servir de limite ao
poder punitivo estatal, tema que veremos a seguir.

Após termos discorrido acerca dos limites do poder punitivo, analisaremos a natureza jurídica
dos princípios, a diferença entre princípios e regras, bem como as recomendações da doutrina
penal para os casos de colisão de princípios.

Somente após termos analisado todas essas questões é que passaremos ao estudo dos
princípios constitucionais penais em espécie.
1) LIMITES AO PODER PUNITIVO ESTATAL

De onde devemos extrair os princípios jurídicos? Considerando-se que as leis, a Constituição


e os Tratados internacionais contêm inúmeros preceitos que direta ou indiretamente
conformam ou modulam o sistema punitivo brasileiro, é deles que devemos extrair as regras
e os princípios jurídicos assim como os postulados político-criminais que demarcam o âmbito
da aplicação do direito penal. Esse conjunto normativo limitador do castigo (ou seja: do ius
puniendi) vale tanto quanto o conjunto de normas que incriminam várias condutas humanas.

Como conciliar o caráter punitivista do direito penal com o sua natureza limitadora do poder
punitivo? O direito penal, ainda que possa parecer paradoxal,1 não é somente punitivo, posto
que também é limitativo e garantista (ou seja: está dotado de uma série de normas que
regulam e limitam a cominação, a aplicação e a execução do castigo, procurando evitar o
abuso ou o excesso).

Por força da regra do império da lei, tudo deve ser observado (tanto os preceitos
sancionatórios quanto os limitativos e garantistas). Desde que Roxin (contrapondo-se a von
Liszt) aproximou o direito penal da política criminal (em 1970, Política criminal e sistema do
direito penal), todos os princípios limitadores do poder punitivo são invocáveis diretamente
nas sentenças pelos juízes (o princípio da insignificância é exemplo paradigmático disso).

>>> Exemplificando. Nos países que aboliram a pena de morte, ela não pode ser
restabelecida (Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 4.º, 3). A Constituição
brasileira atual (de 1988), em virtude do princípio da proibição de regresso (ou da vedação do
retrocesso, que também é conhecido como “efeito cliquet” – os alpinistas utilizam essa
expressão para significar que seus instrumentos somente permitem subir, nunca retroceder),
salvo o caso de guerra declarada, não permite a pena de morte ou qualquer pena de caráter
perpétuo (art. 5º, XLVII, a e b). Lei ordinária nesse sentido não só violaria o art. 4º, 3, da
Convenção Americana, como também a própria Constituição (seria inconstitucional e
inconvencional, portanto). Propor ou estimular qualquer debate sobre a pena de morte no
nosso país, portanto, significa só incrementar o sensacionalismo e a manipulação do estado
emocional do povo, iludindo-o com um “produto” vedado e reconhecidamente
discriminatório (basta lembrar que em toda história da pena de morte, decretada
judicialmente fora dos momentos revolucionários, raríssimos foram os casos de execução de
alguém com alto status social).2

O que difere o direito penal do poder punitivo e do estado policialesco? O direito penal do
Estado Democrático de Direito (conjunto de normas que definem os crimes e as penas e fixam
os limites do poder punitivo do Estado) não se confunde com o poder punitivo estatal (que é
o exercício do ius puniendi de acordo com as regras e os princípios estabelecidos nas leis,

1 SEMER, Marcelo, Princípios penais no Estado Democrático, 2014.


2Sobre o tema, consultar: GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: pacto de San José da Costa
Rica. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013, p. 45-46.
constituição e tratados internacionais) nem muito menos com o estado policialesco (que é o
exercício do poder punitivo fora ou além dos limites estabelecidos pelas normas do Estado
Democrático de Direito). O poder punitivo estatal é um fato da realidade (e do direito).
Quando exercido fora dos parâmetros fixados pelo Estado de Direito, ele se converte em atos
policialescos, passíveis de anulação e, eventualmente, de sanção.

É de se lamentar a distância que existe entre o que está programado pelas normas
(limitadoras) do Estado de Direito e o que acontece na prática por força do estado policialesco
(que significa a aplicação, ilegal inconstitucional ou desproporcional ou desarrazoada do
direito vigente). Não existe Estado de Direito puro (Zaffaroni), é verdade. Todos são
perturbados pelos estados policialescos (em maior ou menor grau). Isso comprova que o
poder punitivo é inequívoca ou tendencialmente bruto, atavicamente expansivo, animalesco,
autoritário, arbitrário ou tirânico. O estado policialesco é fonte de deslegitimação dos órgãos
encarregados da aplicação da lei penal.3

De se observar que o Estado de Direito e o estado policialesco são regidos por “constituições”
completamente distintas. O Estado de Direito segue a Constituição de 1988 (foi com base nela
que o ministro Gilmar Mendes descriminalizou o porte de drogas para uso pessoal, por
exemplo – RE 635.659-SP). O estado policialesco, por seu turno, está atavicamente ancorado
no Malleus Maleficarum, elaborado em 1497 pelos padres Krämer e Sprenger, que é o código
(manual) nuclear da Inquisição. A forma mentis inquisitiva nunca morreu. No exercício do
poder punitivo estatal frequentemente se pratica abusos, excessos, desproporcionalidades
(tudo isso reconduzível à letra e/ou ao espírito do Malleus Maleficarum). Daí a imperiosa
necessidade de serem estudados os limites desse poder punitivo.

O juiz como semáforo do sistema penal (Zaffaroni). O juiz funciona como o semáforo do
sistema penal. Se não levanta o sinal vermelho para o estado policialesco, incentiva as
violações aos direitos fundamentais. O papel de combater a criminalidade não é do juiz. Cabe-
lhe, sim, transformar em realidade a certeza do castigo de acordo com a culpabilidade de cada
um, assim como preservar todos os direitos e garantias do Estado de Direito. Se o juiz se
transforma num “combatente do crime” (como se fosse um membro da segurança pública)
passa a integrar o estado policialesco (porque são inevitáveis os excessos, os abusos e as
arbitrariedades). O juiz não pode ser um “vingador social” (Alexandre Morais da Rosa).

3Segundo a pesquisa Índice de Percepção do Cumprimento das Leis, a maioria das instituições
analisada tem confiança de menos de 50% da população (FGV, junho de 2015). O percentual
de pessoas que confiam nos partidos políticos caiu de 7% (2014) para 5% (2015) e, no governo
federal, de 29% para 19%. Os que disseram confiar no Congresso Nacional permaneceram em
15% e os que confiam no Poder Judiciário caíram de 30% para 25%. Na polícia, o índice
aumentou de 30% para 33%; nas emissoras de TV, de 31% para 34%; nas grandes empresas,
caiu de 38% para 37%. As instituições mais bem avaliadas foram a imprensa escrita, cujo índice
aumentou de 42% para 45%; a Igreja Católica, de 54% para 57%, e as Forças Armadas, de 64%
para 68%.
As questões acima levantadas levam à compreensão acerca da importância de se prestar
obediência aos princípios constitucionais penais, sob pena de não cumprimos os ditames
respectivos, que buscam, ao final e ao cabo, formas melhores de vivermos em sociedade.

Também importa ressaltar que os princípios não são apenas um conjunto de valores ou de
prescrições éticas ou programáticas; eles são normas jurídicas e possuem caráter cogente.
Assim, quando, por exemplo, o magistrado não presta obediência a um princípio, isso pode
levar à reforma da sentença penal por ele prolatada. Da mesma forma quando se trata do
processo de criminalização de condutas. A desconsideração dos princípios constitucionais
penais pode acarretar a invalidade da figura delitiva criada pelo legislador (tal como foi
reconhecido pelo voto do min. Gilmar Mendes no RE 635.659, no que diz respeito ao art. 28
da Lei 11.343/06 – lei de drogas). É desse assunto que trataremos no próximo item.
2) OS PRINCÍPIOS SÃO NORMAS JURÍDICAS DE CARÁTER COGENTE

Qual o valor jurídico dos princípios? Os princípios não são apenas um conjunto de valores ou
de prescrições éticas ou programáticas. São normas jurídicas de caráter cogente. De outro
lado, a eficácia prática dos princípios irradia-se não só ao momento legislativo de elaboração
da norma penal (quando o legislador cria a lei penal), senão também ao aplicativo e
interpretativo (nem o intérprete nem o juiz podem ignorá-los), bem como no momento
executivo (no momento da elaboração de políticas preventivas assim como quando se vai
concretizar o comando sancionador contido na sentença condenatória, ou seja, no momento
da execução da pena).

Também é a partir da conformação constitucional que as reformas penais devem ser


realizadas, principalmente por conta do longo espaço de tempo que medeia muitas
legislações criminais (nosso Código Penal ainda prevê dispositivos criados na década de 40) e
a Constituição (promulgada em 1988), o que leva, inexoravelmente, a uma sempre necessária
conformação constitucional da legislação criminal.

Desde a criação do modelo constitucionalista de direito (com especial ênfase a partir da


Segunda Guerra Mundial, quando o surge o chamado neoconstitucionalismo – Dworkin, Alexis
etc.), quem estuda, interpreta ou aplica o direito penal sem conhecer (ou reconhecer) a força
normativa e cogente dos princípios constitucionais penais não é um penalista que se possa
dizer atualizado e/ou comprometido com o atual Estado de Direito. Tampouco está atualizado
quem, desde os anos setenta, em razão de toda construção teórica de Roxin (Política criminal
e sistema do direito penal), que parte da constatação de que o direito penal não pode ter
existência isolada, sem o influxo dos princípios constitucionais fundamentais, ignora a
proximidade entre direito penal e política criminal, desconhece que os princípios
constitucionais orientam a política-criminal a ser adotada pelo legislador e seguida pelos
intérpretes e aplicadores da lei penal.

Os princípios, como afirmamos, são normas jurídicas de caráter cogente e, por isso, não se
confundem com as regras, conforme se verificará a seguir.
3) DIFERENÇAS ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS:

Qual a diferença entre princípios e regras? Do livro de autoria de André Estefam e Victor
Eduardo Rios (Direito penal, p. 99) extraímos o seguinte quadro explicativo:
Como se verifica no último critério diferenciador do quadro acima, havendo conflito entre
princípios há que se aplicar o critério da ponderação de interesses, tema que será objeto de
atenção a seguir:
4) COLISÃO DE PRINCÍPIOS

Os princípios que norteiam a aplicação da lei penal devem ser aplicados conjuntamente? E
no caso de haver colisão entre eles, qual a solução? Havendo conflito entre os princípios, há
que se aplicar o critério da ponderação de interesses, o qual determina que os princípios,
acaso existentes mais de um no caso concreto, sejam sopesados, analisados caso a caso,
prevalecendo o mais adequado e justo, caso seja impossível aplicar um ou mais princípios
concomitantemente. Deverá prevalecer o interesse mais relevante em detrimento do menos
relevante no caso concreto.

Os princípios são fundamentais para iluminar a aplicação das regras que regem os casos
concretos.

Nossa Constituição legitima qual movimento de política criminal? O punitivista, o


minimalista ou o abolicionista? Os princípios penais extraídos direta ou indiretamente de
nossa Constituição Federal indicam a opção político-criminal (preponderante) pelo
minimalismo penal (que vê o direito penal como conjunto de normas que limitam a liberdade
assim como, ao mesmo tempo, o poder punitivo do Estado). Com isso fica refutado o
abolicionismo penal (seja o moderado, seja o radical – Hulsman, Christie etc.; o abolicionismo
radical afasta qualquer aplicação do direito penal, levando os conflitos para outras esferas de
resolução, como a civil, administrativa etc.; o abolicionismo moderado propõe a abolição da
pena de prisão, que seria mais nefasta que útil para o controle da delinquência). Mas entre a
teoria e a prática há uma grande distância. Na prática se nota nitidamente uma tendência
maximalista (uso máximo ou desproporcional do direito penal).

Os princípios assim como os postulados político-criminais estão contemplados no texto


constitucional e nos tratados de direitos humanos de forma expressa (princípio da legalidade,
da igualdade, da proporcionalidade etc.) ou implícita (exclusiva proteção de bens jurídicos,
ofensividade do fato etc.).

Qual a posição do princípio da dignidade da pessoa humana na hierarquia dos princípios?


De outro lado, todos os princípios jurídicos e político-criminais encontram-se ancorados no
princípio-síntese do Estado de Direito, que é a dignidade humana (CF, art. 1º, III). Nenhuma
ordem jurídica pode contrariá-lo. Qualquer violação a outro princípio afeta igualmente o da
dignidade da pessoa humana. O ser humano não é uma coisa, é, antes de tudo, pessoa dotada
de direitos, sobretudo perante o poder punitivo do Estado. Não existe liberdade onde o
humano deixa de ser tratado como pessoa para ser enfocado como coisa (Beccaria, Kant etc.).
É imoral conceber o ser humano como meio e não como fim; ele não pode ser
instrumentalizado para a obtenção de nenhuma finalidade (Kant).

O Estado Democrático de Direito possui, assim, uma dimensão antropocêntrica (porque


fundado na dignidade da pessoa humana). Daí a impossibilidade da existência de um direito
penal tirânico, arbitrário ou totalitário (toda pena desnecessária é tirânica, dizia Montesquieu,
secundado por Beccaria). As formas, os meios legítimos, a dimensão, a intensidade: tudo (ou
praticamente tudo) do poder punitivo está regrado (nas leis, na Constituição e nos tratados
internacionais). Na prática, no entanto, é chocante a quantidade de afrontas emanadas do
estado policialesco (que é o estado que pune fora das regras jurídicas do Estado de Direito)
frente ao conjunto normativo limitador (os presídios constituem o emblemático exemplo do
que acaba de ser afirmado). Isso ocorre, sobretudo, quando se privilegia o eficientismo em
detrimento das regras e princípios limitadores do poder punitivo. Há uma corrente que
afirmar que o “direito penal do neoliberalismo” (a partir dos anos 90) seria violador do sistema
penal constitucionalizado. Na verdade, é da nossa história a persistente violação dos direitos
fundamentais das pessoas. Basta uma rápida visita a qualquer presídio brasileiro (em qualquer
época) para se constatar a aporia entre sua realidade e as normas jurídicas vigentes.

São princípios estruturais (ou estruturantes) do direito penal: o da dignidade da pessoa


humana, que também é o princípio-síntese de todo Estado Democrático de Direito (art. 1º,
III), o da legalidade (art. 5º, XXXIX) e o da culpabilidade (art. 5º, LVII). Esses princípios são
estruturantes porque sem eles não haveria o Estado de Direito.

Mas esses princípios estruturantes não são os únicos do sistema penal. Ampliando um pouco
mais a visão sobre o tema, os mais relevantes princípios podem ser agrupados da seguinte
forma:

Vejamos cada um dos 13 princípios acima elencados.


Parte II – Dos princípi os constitucionais penais
1) PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS

O direito penal não serve para a tutela da moralidade, de funções governamentais, de uma
ideologia, de uma religião etc. É sua missão tutelar os bens jurídicos (Roxin), como a vida, a
integridade física, a liberdade sexual, o meio ambiente etc. Ademais, por conta do princípio
da intervenção mínima, conforme se verá no item 2, somente os bens jurídicos mais
relevantes devem ser objeto de proteção do direito penal (não sendo relevante o bem jurídico,
não se justifica uma intervenção tão drástica do Estado, como é a que acontece por meio do
direito penal). Os bens jurídicos de menor monta podem ser objeto de proteção de outras
esferas do direito, como o comercial ou o civil. O adultério, por exemplo, foi retirado do campo
penal (Lei 11.106/05), por se entender que a exigência de uma relação monogâmica entre o
casal não era matéria de relevância penal.

É necessário que o bem jurídico tutelado pelo direito penal esteja contemplado
expressamente na Constituição? Não. Fundamental é que o bem jurídico não conflite com o
quadro axiológico constitucional, isto é, com os valores que a Constituição contempla. Se a CF
assegura o direito de reunião e de associação (art. 5º, incisos XVI e XVII), nenhuma lei penal
pode incriminar esse direito (sendo inconstitucional qualquer dispositivo em sentido contrário
– como é o caso do art. 39 da Lei das Contravenções Penais).
2) PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Não se trata de princípio previsto expressamente na Constituição, mas é das suas regras e
princípios (dignidade humana, Estado democrático de Direito etc.) que extraímos a vertente
político-criminal da intervenção mínima. Nos regimes absolutistas, totalitários ou autoritários
(assim como nas ditaduras) o direito penal aparece em primeiro plano, porque o controle
social é feito para gerar terror. De acordo com a concepção minimalista, o direito penal é
instrumento de ultima ratio (só deve ser usada em último caso). O uso incontido ou
desmedido do direito penal leva inexoravelmente ao estado policialesco. O direito penal, em
suma, quando se transforma em instrumento de prima ratio perde seu caráter essencial de
subsidiariedade. Isso é o que vem acontecendo com o direito desde o Código Penal de 1940,
o mais punitivista de todos. Confia-se numa estridente intervenção simbólica (nos textos
legais) como meio para a contenção da criminalidade (deterrance). A certeza do castigo
sempre foi um objetivo postergado. No atual quadro de expansão do populismo punitivo, o
uso desmedido do direito penal encontra amplo apoio popular e midiático. Isso significa que
não vivemos numa democracia pura, sim, no campo punitivo o que vigora é a oclocracia
(governo influenciado pelas massas). Na era do espetáculo as decisões político-criminais não
são tomadas para mudar a realidade, sim, para promover mais espetáculo (Baratta).

O princípio da intervenção mínima possui dois aspectos relevantes: fragmentariedade (o


direito penal não protege todos os bens jurídicos de todas as ofensas a eles dirigidas) e
subsidiariedade (sempre que outros meios de tutela forem igualmente eficazes, o direito
penal não pode ser utilizado).

A fragmentariedade no direito penal possui duas dimensões:

- somente os bens mais relevantes devem receber a tutela penal;

- exclusivamente os ataques mais intoleráveis a esses bens jurídicos relevantes é que devem
ser punidos penalmente.

O Direito tem condições de oferecer aos bens uma proteção diferenciada, que pode ser civil,
administrativa, penal etc., devendo a tutela penal ser reservada para aquilo que efetivamente
cause lesão ou perigo a um bem jurídico-penal de reconhecida relevância. “A lei apenas deve
estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias” (Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, 1789).

Ataques ínfimos, irrisórios, devem ser regidos pelo princípio da insignificância. O princípio da
insignificância tem como fundamento a fragmentariedade do direito penal. Não é exatamente
a mesma coisa que intervenção mínima, senão uma manifestação dela.

Princípio da insignificância: caracteriza inequívoco afastamento da tipicidade material pela


ausência de grave ou relevante lesão ao bem jurídico no caso concreto (é também chamado
de princípio da bagatela). Nós sustentamos dois tipos diferentes de bagatela: 1) bagatela
própria: o fato, apesar de formalmente típico, já nasce irrelevante pela diminuta lesão ao bem
jurídico (ex.: subtração de um shampoo em supermercado); 2) bagatela imprópria: o fato
nasce penalmente relevante, mas a pena se torna desnecessária na situação concreta,
normalmente porque o réu já sofre uma “pena natural” (experimenta enorme e
desproporcional sofrimento em razão do seu delito). O parentesco da bagatela imprópria com
as situações de perdão judicial é inevitável. Considere-se o exemplo do pai que mata filho em
acidente de trânsito - § 5º do art. 121 do CP. Expressamente o Código Penal permite o perdão
judicial. Fora dessas situações expressas, o juiz pode reconhecer concretamente a
desnecessidade da pena nos termos do art. 59 do CP (para isso se exige que o agente tenha
experimentado desproporcional sofrimento pelo seu fato – por exemplo: réu que tentou
roubar R$ 10 reais da vítima, com ameaça, não violência, desarmado, primário, dinheiro
restituído e que ficou preso, por exemplo, seis meses em razão desse fato; ademais se
reconciliou com a vítima, explicando que “tudo não passou de uma bebedeira”). No final pode
ser que o juiz entenda que a pena seja desnecessária. Com fundamento no art. 59 do CP pode
reconhecer a bagatela imprópria, extinguindo-se a punibilidade do agente.

A jurisprudência, normalmente, não vem admitindo a insignificância nos crimes dolosos


praticados com emprego de violência ou grave ameaça (em especial o roubo). Pensamos que,
em situações excepcionais, pode-se reconhecer a bagatela imprópria (que foi reconhecida
pelo TRF 4ª Região num caso de descaminho, em que o total dos tributos era pouca coisa
acima do admitido como fato insignificante).

Não é preciso que o crime seja de menor potencial ofensivo (punido até dois anos) para a
adoção da insignificância. No furto simples (punido com pena de até quatro anos de reclusão)
a jurisprudência admite a insignificância.

Do livro de Rogério Sanches (Direito penal-PG) extraímos, resumimos e atualizamos o seguinte


quadro sobre o panorama jurisprudencial do princípio da insignificância (p. 74):
Adequação social: outro princípio que exprime a fragmentariedade do direito penal é o da
adequação social (não se pune os pais que perfuram as orelhas de uma criança para a
colocação de brincos). A evolução social costuma modificar a valoração de alguns
comportamentos tornando o repugnante em inofensivo com o tempo. Com base na
constatação desse descompasso, Hans Welzel idealizou o princípio da adequação social que
teria função parecida com o princípio da insignificância, sendo seus dois principais escopos:
1) Restringir a abrangência do tipo penal, excluindo a tipicidade nas situações em que se
constatasse a adequação social (função concreta); 2) Orientar a função seletiva do tipo
funcionando ora para determinar a “incidência aflitiva” (na previsão de novos crimes) ora
como catalisador da descriminalização de condutas (função abstrata).

Princípio da desnecessidade concreta da pena: mais uma manifestação da fragmentariedade


do direito penal reside no princípio da desnecessidade concreta da pena (também chamado
de irrelevância penal do fato). Quando o fato não é necessitado de pena, como é o caso do
perdão judicial ao pai que mata o filho em acidente de carro, não pode incidir o castigo penal.
Condutas ou resultados considerados pela sociedade como adequados ou que por ela são
social e amplamente tolerados (sem ferir preceitos constitucionais), não devem entrar no
âmbito do direito penal.

Subsidiariedade do direito penal: o direito penal só tem lugar quando outros ramos do
sistema jurídico não se mostram suficientes para a prevenção e reprovação do fato. O direito
penal é direito de ultima ratio (TJSP, AC 113.999-3, rel. Luiz Betanho).

>>> Caso concreto: Há firme jurisprudência no nosso país no sentido de que não se
configura o delito de desobediência quando existe sanção administrativa para a conduta. Isso
constitui exemplo de subsidiariedade do direito penal. Em vários julgados, quando se trata de
descumprimento de uma medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha, tem-
se entendido que não configura o crime de desobediência, tendo em vista que há previsão
legal referente às consequências do descumprimento: aplicação de uma medida ainda mais
severa, podendo-se chegar à prisão preventiva (desde que os requisitos se façam presentes)
– STJ, 6ª T., REsp 1.374.653, j. em 11/03/2014.

Por força do princípio da intervenção mínima, o que resulta constitucionalmente proibido no


nosso país é o chamado direito penal máximo violador, dentre outros, dos princípios da
culpabilidade e da proporcionalidade, que consiste no abuso do direito penal para atender
finalidades ilegítimas (atemorização pela imposição de penas exemplares, por exemplo), para
acalmar a ira da população etc. A utilização do direito penal traz um enorme custo individual
e social e ele somente se justifica quando se estiver diante de um bem jurídico relevante que
tenha sido ofendido de forma grave, e desde que outros recursos (instrumentos) não possam
ser utilizados para se proteger tal bem.

Análise crítica. O direito penal máximo, tal qual vem sendo sustentado, é desproporcional,
desigual, abusivo e arbitrário (até porque, instrumentaliza uma pessoa para servir de exemplo
para a sociedade, violando um dos imperativos éticos de Kant). Os defensores do direito penal
máximo que vai além do que é justo são propagadores do estado de polícia. O direito penal
deixa de cumprir seu papel de contenção do poder punitivo abusivo (Zaffaroni) quando
instrumentaliza o ser humano.
3) PRINCÍPIO DA MATERIALIZAÇÃO OU EXTERIORIZAÇÃO DO FATO (nullum
crimen sine actio)

Ninguém pode ser punido pelo que pensa (mera cogitação) ou pelo modo de viver. Só
responde penalmente quem realiza um fato descrito como crime ou contravenção penal
(direito penal do fato). Está proibido punir alguém pelo seu estilo de vida, ou seja, está vedado
o chamado direito penal de autor, que pune o sujeito não pelo que ele fez, mas sim, pelo que
ele é. A lei penal não punir o agente pelo que ele é, sim, pelo que ele faz (o direito penal do
fato não se coaduna com o direito penal de autor). As pessoas não podem ser punidas pelo
que são (judeus, vagabundas, ociosas, bruxas, hereges, inimigos do povo etc.). O direito penal
de autor conduz ao estado policialesco, que favorece as concepções autoritárias ou
totalitárias do poder punitivo (Muñoz Conde). A exacerbação do valor da reincidência (ela é
constitucional, disse o STF, RE 453.000) constitui outra fonte de ilegitimidade do direito penal,
assim como a ideia de periculosidade (que é usada para a decretação de prisões preventivas).

>>> Ilustrando: O direito penal nazista, regido doutrinariamente pela denominada


Escola de Kiel, é exemplo histórico de direito penal de autor. O agente, na época nazista, era
punido não pelo que fazia, senão pelo que era: judeu, prostituta, homossexual, africano,
latino-americano, portador de deficiência, idoso etc. O art. 59 da Lei das Contravenções Penais
(Dec.-lei 3.688/41: vadiagem) também é um exemplo de direito penal de autor e, desse modo,
inconstitucional. O abuso da prisão preventiva contra os criminosos “estereotipados”,
particularmente quando não praticam crimes violentos, também se insere nesse contexto de
“direito penal ou processual de autor” (o sujeito é preso, muitas vezes, pelo que ele “é” –
pobre, marginalizado ou diretor de uma empresa, funcionário de uma estatal etc. –, não pelo
que fez).

O crime omissivo configura exceção ao princípio da materialização do fato? Não, porque a


exteriorização da conduta acontece ou por meio de uma ação (crime comissivo) ou por
intermédio da omissão (crime omissivo). A forma omissiva (não fazer o que a lei determina) é
maneira de exteriorização de uma conduta penalmente relevante. O princípio da
materialização do fato não pode ser entendido só em sentido naturalístico; ele conta com
sentido jurídico e abrange tanto a ação como a omissão. O médico que deixa de prestar
socorro a um paciente ferido que está dentro do hospital exterioriza uma conduta omissiva
punível.

Ainda em virtude do princípio da materialização do fato, quando não há conduta humana


penalmente relevante (não é penalmente relevante, p. ex., condutas praticadas sem
consciência em estado de sonambulismo), não há que se falar em crime. A conduta humana
voluntária é o primeiro requisito (formal) do fato típico; sem ela, não há que se falar em crime
(porque não existe crime sem um fato tridimensionalmente típico: formalmente típico +
materialmente típico + dolo ou culpa).
Entrosando o iter criminis e o princípio da exteriorização do fato temos:
4) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DO FATO

O fundamento do princípio da legalidade é a segurança jurídica. O poder público não pode


interferir nos direitos pessoais arbitrariamente. O juiz não tem legitimidade democrática para
criar um crime ou uma pena. Somente o legislador pode prever ingerências na liberdade
humana. Uma das bases do princípio da legalidade reside na (controvertida) teoria da coação
psicológica de Feuerbach (prevenção geral negativa): se o fim da cominação penal consiste na
intimidação de delinquentes potenciais, a determinação psíquica que se pretende só pode ser
alcançada se antes do fato é fixada na lei, da forma mais exata possível; é fundamental saber-
se qual é a ação proibida. Pois se falta uma lei prévia ou esta é pouco clara, não se poderá
produzir o efeito intimidatório que se pretende, porque ninguém saberá se sua conduta pode
acarretar uma pena ou não. A origem remota do princípio reside na Magna Carta do Rei João
Sem Terra, de 1215, art. 39.

O direito penal só pode exercer sua dupla função de limitar a liberdade e criar liberdade
(Jescheck) ou constituir-se na Magna Carta do delinquente (von Liszt) se se sabe, prévia e
precisamente, o que está proibido e o que é permitido. O âmbito do proibido penalmente
vem delineado na lei, e só um Estado de Direito, como vimos até aqui, pode garantir o
princípio da reserva legal (que hoje é entendido como reserva legal proporcional).

O princípio da legalidade criminal (não há crime sem lei) e penal (não há pena sem lei)
encontra-se previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU) de 1948 (art. 11,
II), na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais de 1950, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 (art. 15,
I), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 9.º). Consolidou-se no direito penal
por obra do Iluminismo e de Beccaria (Dos delitos e das penas). Logo que a burguesia
ascendente assumiu o poder (1789), preocupou-se em estampar o princípio da legalidade nas
leis e constituições (como a Maryland, de 1776). Feuerbach o contemplou no Código Penal da
Baviera de 1813.Teoricamente o princípio da legalidade foi imaginado para evitar
irracionalidades (tais como as cometidas durante a Monarquia).

As quatro dimensões do princípio da legalidade no direito criminal (direito penal, processo


penal e execução penal) são:

1) princípio da legalidade criminal: “não há crime sem lei anterior que o defina” (CP, art. 1. o)
– nullum crimen sine lege;

2) princípio da legalidade penal: “não há pena sem prévia cominação legal” (CP, art. 1.o) –
nulla poena sine lege;

Ambos os princípios acima estão constitucionalizados: Constituição Federal (art. 5º, XXXIX):
“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
3) princípio da legalidade jurisdicional ou processual: não há processo sem lei, ou seja,
ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (nulla
coatio sine lege – CF, art. 5º, inc. LIV) ou nemo damnetur nisi per legale iudicium;

4) princípio da legalidade execucional: “a jurisdição penal dos juízes ou tribunais de justiça


ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de execução, na
conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal” (LEP, art. 2º) – nulla executio sine lege.

No campo penal o princípio da legalidade constitui a fonte da norma penal assim como do
tipo penal (tipo penal é o conjunto dos requisitos que fundamentam uma determinada ofensa
a um bem jurídico. São várias as dimensões de garantia do princípio da legalidade criminal.
Oito delas valem também para a legalidade penal. São elas:

1.a) lex scripta (lei escrita): nosso Direito pertence à (família da) civil law, não à common law,
isto é, entre nós, o que vale (para fins incriminadores) é o direito escrito (publicado no diário
oficial), não os costumes ou apenas os precedentes jurisprudenciais. Não há crime sem lei
anterior que o defina. Isso significa, desde logo, que apenas e exclusivamente a lei é que
define crime no nosso país. Os costumes não servem para essa finalidade. Tampouco a
jurisprudência. Podem os costumes ser válidos para a interpretação da lei penal,
particularmente em favor do réu, mas não criam crime ou pena.

A jurisprudência, como se vê, não é fonte direta de incriminação no Brasil, mas como o
legislador vem editando (cada vez mais) leis penais vagas, a margem interpretativa dos juízes
vem se ampliando na mesma proporção. Esse é o caso do Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD), previsto no art. 52 e ss. da Lei de Execução Penal (que usa padrões linguísticos
extremamente vagos). A interpretação extensiva para além da vontade do legislador está se
tornando frequente (e isso viola a garantia da lex scripta).

Para ter vigência a lei precisa ser aprovada, promulgada, sancionada e publicada. Só pode ter
valor jurídico a lei publicada na imprensa oficial (Diário Oficial). E desde que publicada sem
vícios.

>>> Caso concreto: Na Lei 9.639/98 publicou-se um parágrafo único ao art. 11 que
concedia anistia ampla nos crimes previdenciários. Descobriu-se depois que esse parágrafo
não havia sido discutido no Congresso. Sendo assim, era absolutamente inconstitucional.
Jurisprudência pacífica passou a reconhecer essa inconstitucionalidade. (TRF 3.a Região – RC
1999.61.81.001152-6 – rel. Theotonio Costa – DJU 10.04.2001, Seção 2, p. 243).

2.a) lex populi (lei popular, lei do Parlamento): Só pode definir crime a lei formalmente
discutida e aprovada pelo Parlamento (TFR, ED, rel. Assis Toledo, RTFR 149, p. 277). Somente
os representantes diretos do povo é que podem deliberar sobre o proibido (preceito primário
da norma incriminadora) ou sobre a sancionabilidade do fato (preceito secundário da norma
incriminadora). Nessa questão reside a fundamentação democrático-representativa do
direito penal.
Não se pode confundir o princípio da legalidade criminal com o princípio da reserva legal ou
mesmo com o princípio da anterioridade. Vejamos:

- princípio da legalidade: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei” (CF, art. 5º, inc. II). Princípio da legalidade criminal significa que não
há crime sem lei (CF, art. 5º, XXXIX; CP, art. 1º). Conta hoje com várias dimensões de garantia.
Dentre elas acham-se o princípio da reserva legal e o da anterioridade.

- princípio da reserva legal: significa que em matéria penal somente o legislador pode intervir
para prever crimes e penas ou medida de segurança (garantia da lex populi). Reserva legal,
em síntese, significa reserva de lei aprovada pelo Parlamento, de acordo com o procedimento
legislativo previsto na Constituição. No direito penal, em se tratando de normas
incriminadoras, vigora o princípio da legalidade, aliás, mais que isso, vigora o (plus) da reserva
legal. Medida provisória, por exemplo, como veremos em seguida, não pode criar crime ou
pena. Na atualidade a reserva legal deve ser entendida como reserva legal proporcional
(voltaremos ao tema detalhadamente mais abaixo).

>>> Aprofundando: em direito constitucional existe a legalidade em sentido amplo e


a legalidade em sentido estrito. Legalidade em sentido amplo é a prevista no inciso segundo
do art. 5º da CF (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”). Esse dispositivo aceita que qualquer espécie normativa limite a liberdade
individual, até mesmo os atos normativos infralegais, como decretos e portarias. Em todas as
demais passagens em que a Constituição demandar de forma expressa a exigência de lei para
regular determinado assunto estaremos na presença da legalidade em sentido estrito e aqui
teremos então a exigência de lei em sentido estrito, ou seja, lei editada pelo Parlamento (leis
ordinárias, leis complementares etc.), não podendo estes temas ser regulados de forma
autônoma por atos infralegais. É fácil reconhecer tais hipóteses, basta que o dispositivo
constitucional tenha em sua redação os dizeres “conforme a lei”, “em virtude da lei”, “de
acordo com a lei” etc. É justamente isso que verificamos na legalidade penal quando o art. 5º
inciso XXXIX, afirma que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”. Para que o Estado edite previsões com comportamento que considere
criminoso ele só poderá fazê-lo através de lei em sentido estrito. A legalidade penal, portanto,
é legalidade em sentido estrito (ou seja: há aqui uma reserva legal). Mais: é cláusula pétrea.

- Por força do princípio da anterioridade a lei penal nova deve entrar em vigor antes e só vale
para fatos posteriores à vigência (veremos o tema mais detalhadamente abaixo).

Constituição Federal: a punição dos fatos ou agentes concretos depende de uma lei penal, não
da Constituição. O poder punitivo nasce da lei. Não existe um direito fundamental da vítima
de obter a condenação penal do agente que violou direitos constitucionais. Não há a
legalidade invertida. A Constituição nunca pode ser fonte direta da incriminação. Sem lei
aprovada pelo parlamento não existe o ius puniendi.

>>> Aprofundando: legalidade sob o ponto de vista formal significa submissão ao


processo legislativo correto. Significa que o ato estatal que tem por consequência a privação
da liberdade do indivíduo deve se formar pelo rito que a Constituição estabelece como sendo
o rito de formação da lei (iniciativa, discussão e votação, promulgação e publicação – devido
processo legislativo). O princípio da legalidade em sentido amplo abrange todas as espécies
normativas do art. 59 da CF. Já a reserva legal toma a expressão lei no sentido estrito,
conforme distinção originária do direito constitucional acima destacada. E o que seria lei em
sentido estrito? Seria, segundo a doutrina, lei editada pelo parlamento conforme o processo
legislativo respectivo. Dissecando as espécies legislativas do artigo 59 da CF quais seriam as
aptas a prever crime e cominar pena? Vejamos:

- Emendas constitucionais – Não existe previsão de crime e pena na CF, logo não poderia haver
uma Emenda para prever crime ou pena. O que existe na CF são os chamados mandados
criminalizantes (ou penalizantes), que são matérias em que o legislador infraconstitucional
tem a obrigação de criminalizar (ou penalizar), como por exemplo: racismo (art. 5º, XLII),
tortura (art. 5º, XLIII), condutas lesivas ao meio ambiente (225). Ou seja, na verdade a lei que
irá tratar do assunto é infraconstitucional e na CF consta apenas o comando para que o
legislador atue na matéria. Existe mandado criminalizante (ou de criminalização) não
cumprido pelo legislador infraconstitucional? Sim, o inciso XLIV do artigo 5º da CF (o legislador
não criminalizou a “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional
e o Estado democrático; o terrorismo ainda não foi criminalizado de forma adequada (o art.
20 da lei 7170/83 é extremamente vago e viola o princípio da taxatividade).

- Leis complementares – é lei em sentido estrito. Existe crime em lei complementar? Sim. Art.
25 da LC 64/90 (Art. 25. Constitui crime eleitoral a arguição de inelegibilidade, ou a
impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou
abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé: Pena:
detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) vezes o valor
do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o
substitua.)

- Leis ordinárias – é lei em sentido estrito. Normalmente as previsões de crime estão em leis
ordinárias, excepcionalmente em complementares.

- Medidas Provisórias – Não é lei em sentido estrito por ser editada pelo Executivo (vide abaixo
o tópico específico sobre medida provisória).

- Leis Delegadas – Art. 68, §1º, II da CF/88 veda que a lei delegada discipline sobre direitos
individuais.

- Decretos Legislativos – é editado pelo parlamento, no entanto tem um rol de matérias


específico na CF e nele não consta a previsão para atuação em seara penal.

- Resoluções - é editado pelo parlamento, no entanto tem um rol de matérias específico na CF


e nele não consta a previsão para atuação em seara penal. Em síntese: apenas leis ordinárias
e complementares podem criar crimes e penas.
Medidas provisórias: não podem, consequentemente, descrever crime ou pena ou mesmo
cuidar diretamente de qualquer aspecto punitivo penal (CF, art. 62, § 1.o, I, b). O direito penal,
pelas suas implicações na esfera dos direitos fundamentais da pessoa, não pode emanar só
do Executivo. A lei primeiro é aprovada pelo Parlamento. Depois é sancionada pelo Executivo.

E se a medida provisória for convertida em lei? Nesse caso sua validade se dá a partir da lei,
como expressão da vontade do Parlamento, e não da data da medida provisória. Podem tais
medidas, entretanto, beneficiar o réu, autorizando, por exemplo, uma determinada conduta
descrita formalmente em lei penal.

>>> Caso concreto: Foi o que aconteceu com a Medida Provisória 1.710, que criou um
programa antipoluição, permitindo que as empresas possam poluir até determinados níveis e
gradativamente reduzindo esses níveis. A conduta autorizada por uma norma (sendo
favorável ao réu) não pode estar no âmbito da proibição de outra (teoria da tipicidade
conglobante de Zaffaroni, que estudaremos dentro da tipicidade material). No entanto, há
entendimento jurisprudencial no sentido de que medida provisória não pode beneficiar o
agente (Nesse sentido, STJ, REsp 270.163, rel. Gilson Dipp, j. 06.06.2002, DJU 05.08.2002, p.
373, que refutou a aplicabilidade da MP 1.571, nos crimes previdenciários). Posição do STF: O
STF, no RE 254.818-PR, rel. Sepúlveda Pertence, discutindo os efeitos benéficos introduzidos
no nosso ordenamento jurídico pela Medida Provisória 1.571/97 (6ª e 7ª edições – essas
edições permitiram o parcelamento de débitos tributários e previdenciários, com efeito
extintivo da punibilidade) proclamou a sua validade. Para o STF as medidas provisórias podem
beneficiar o réu. Nossa posição: Concordamos com o posicionamento do STF. Em favor do réu
cabe inclusive analogia. Até mesmo os costumes podem beneficiá-lo. Nesse contexto, não há
como afastar a possibilidade de as medidas provisórias beneficiarem o agente. O princípio da
legalidade estrita em direito penal impede a medida provisória contra o réu, não em seu favor.
A MP 1.571/97, tendo sido convalidada pela Lei 9.639/98, que suspendeu validamente a
aplicabilidade da norma contida no art. 95, d, da Lei 8.212/91, tinha que ser aplicada em favor
do réu. A questão das fontes do direito penal deve ser bem compreendida. Uma coisa é a adoção
de medidas que restringem a liberdade; outra bem diferente é a solução quando a medida
amplia o direito à liberdade e diminui o espaço do ius puniendi. Ninguém discute a validade
de causas supralegais de exclusão do delito (consentimento da vítima, inexigibilidade de
conduta diversa, etc.). Se até causas supralegais são admitidas para excluir o delito, com mais
razão devemos acolher a medida provisória que beneficie o réu (pro reo).

No quadro abaixo podemos visualizar o tema de forma esquemática:


Decreto-lei: muitas leis penais no nosso país foram instituídas por decreto-lei (o próprio
Código Penal, por exemplo). Outro exemplo: Dec.-lei 3.688/41, que instituiu a Lei das
Contravenções Penais. São reputadas válidas porque quando editadas o ordenamento
constitucional assim permitia (STJ, RHC 5.416, rel. Adhemar Maciel, DJU de 26.08.1996, p.
29.725).

Tratados internacionais: Coube ao STF, no HC 96.007/SP, Primeira Turma, rel. Min. Marco
Aurélio, j. 12/06/12, DJe-027, divulgação 07/02/13, publicação 08/02/13, corrigir o grande
equívoco do STJ, que admitia a possibilidade de tratado internacional (Tratado de Palermo,
concretamente) definir crime no âmbito do direito penal interno. O STF, não admitindo o
Tratado de Palermo como fonte normativa válida para o direito interno, respeitou a garantia
da lex populi. A existência de um tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. A Lei
9.034/95 não definia o que se entende por crime organizado (ou organização criminosa), o
que somente aconteceu com a Lei 12.850/13. Diante dessa lacuna (até o advento da Lei
12.850/13), pretendeu-se supri-la com a utilização do Tratado de Palermo, que cuida da
criminalidade organizada transnacional. Era uma maneira de tentar burlar a garantia do
princípio da legalidade. Afirmava-se que o referido tratado passou a vigorar no Brasil por meio
do Decreto 5.015/2004, logo, assim estaria atendido o princípio da legalidade. Por vários
motivos a tese não foi aceita (veja HC 96.007): (a) porque só se pode criar crime e pena por
meio de uma lei formal (aprovada pelo Parlamento, consoante o procedimento legislativo
constitucional); (b) o decreto viola a garantia da lex populi, ou seja, lei aprovada pelo
parlamento (decreto não é lei); (c) quando o Congresso aprova um Tratado ele o ratifica,
porém, ratificar não é aprovar uma lei; (d) mesmo que o tratado tivesse validade para o efeito
de criar no Brasil o crime organizado, mesmo assim, ele não contempla nenhum tipo de pena
(argumento do ministro Marco Aurélio) e, sem ameaça de pena não existe crime; (e) o tratado
foi feito para o crime organizado transnacional, logo, só poderia ser aplicado para crimes
internos por meio de analogia, contra o réu, que é proibida.

3.a) lex certa (lei certa): a lei penal deve ser indiscutível em seus termos, isto é, taxativa
(princípio da taxatividade). Não pode descrever o crime de forma vaga, aberta ou lacunosa. A
segurança jurídica do cidadão exige precisão no texto legal, a fim de que possa ser
compreendido. São contrárias à garantia da legalidade material as leis que descrevem os
delitos ou restrições de direitos fundamentais de forma vaga e imprecisa, deixando nas mãos
dos juízes a definição do delito (ou a definição do campo das restrições de direitos). A
disciplina jurídica do RDD (regime disciplinar diferenciado), no art. 52 e ss. da Lei de Execução
Penal, constitui exemplo paradigmático da violação do princípio da taxatividade das normas
penas restritivas de direitos. Por força do estado policialesco, nunca o princípio da legalidade
deixou de experimentar um certo tipo de esvaziamento (em sua função de garantia).

Tal imposição, no entanto, não impede que o legislador se utilize, vez ou outra, após uma
enumeração casuística, uma formulação genérica que deve ser interpretada de acordo com
os casos anteriormente elencados. Ex.: CP, art. 121, § 2º, IV: “Matar alguém... à traição, de
emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a
defesa do ofendido”. Cabe ao juiz em cada caso concreto verificar a existência desse outro
recurso que dificulte a defesa do ofendido. Por exemplo: a surpresa. Trata-se de um caso de
interpretação analógica (que é admitida no direito penal). Não se confunde com a analogia,
que somente é admitida quando for favorável do réu (analogia in bonam partem).

A lei penal em branco (lei em que o preceito primário da norma penal só descreve uma parte
do delito, deixando seu complemento para outra fonte normativa – exemplo: todas as leis que
punem o tráfico de drogas) não é inconstitucional se o legislador cuidou do conteúdo proibido,
deixando para outra fonte normativa apenas o complemento. Ela é inconstitucional quando
o legislador deixa o conteúdo proibido por conta da norma complementar. Voltaremos ao
tema da lei penal em branco quando do estudo do art. 3º do CP (que cuida das leis penais
excepcionais e temporárias).

4.a) lex clara (lei clara): lei clara é a lei inteligível, compreensível. O legislador deve utilizar
expressões que possam ser entendidas pela população (cuida-se de velha reivindicação de
Beccaria). De outro lado, o melhor seria que todas as leis penais fossem inseridas num só
código (reserva de código), pois, desta forma, estariam todas elas organizadas sistêmica e
racionalmente, resultando, por consequência, numa melhor apreensão pela sociedade do
âmbito do que é proibido. Quanto mais esparsas as leis, menos inteligíveis são. Isso conduz,
em alguns casos, ao reconhecimento do erro de proibição.

5.a) lex determinata (lei determinada): a lei penal deve descrever fatos empiricamente
comprováveis, isto é, passíveis de demonstração em juízo. Uma lei penal que previsse crime
ambiental relacionado com a água de outro planeta seria inválida (diante da impossibilidade
de comprovação desse fato). A legalidade estrita deve descrever condutas que sejam
verificáveis, ou seja, empiricamente demonstráveis (Ferrajoli).

6.ª) lex rationabilis: nos dias atuais, se a justiça é o valor-meta do Estado Democrático de
Direito é absolutamente inatendível o velho brocardo que diz: Lex quanvis irrationabilis,
dummodo sit clara (a lei, ainda que irracional, sendo clara, tem de ser aplicada). O que deve
imperar (no vigente Estado de Direito) é exatamente o contrário: a lei irracional não deve ser
aplicada,4 porque inconstitucional. Nesse caso, aplica-se a Lei Maior, para negar validade à
inválida lei ordinária. O STJ (no HC 239.363) declarou a inconstitucionalidade do preceito

4Sobre a irracionalidade da criminalização da arma de brinquedo cf. GOMES, Luiz Flávio.


Estudos de direito penal e processo penal. São Paulo: RT, 1998, p. 133 e ss. É certo que esse
delito desapareceu com o novo Estatuto do Desarmamento.
secundário do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (por se tratar de pena sem
razoabilidade). A pena do delito de venda de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais de procedência ignorada é de reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
Trata-se de pena totalmente irracional (quase o dobro do homicídio, no patamar mínimo). No
caso, após o esvaziamento do preceito secundário do delito, o STJ determinou que a
reprimenda cabível seria a do art. 33 da lei 11.343/06 (5 a 15 anos).

No voto proferido no RE 635.659-SP (20/8/15) o min. Gilmar Mendes, admitindo a


inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas (que pune com sanções penais quem porta
drogas para uso pessoal), com base na doutrina e na jurisprudência da Alemanha, bem
sintetizou as atuais exigências emanadas do princípio da proporcionalidade. Seu voto faz
contraponto com o RE 430.105 (rel. min. Sepúlveda Pertence, 24/4/07), que admitiu apenas
a despenalização (infração com caráter penal, sem pena de prisão) do porte de drogas para
uso pessoal, sem chegar na descriminalização.

>>> Aprofundando. Do voto do min. Gilmar Mendes extraímos o seguinte: 1) o


controle de constitucionalidade das normais penais tem como eixo a proteção dos direitos
fundamentais; 2) o Estado tem o dever de proteger os bens jurídicos mais relevantes, mas
conta com limites; 3) muitos são os mandados de criminalização contidos na CF de 1988 (um
dos catálogos mais amplos em termos de direito comparado); 4) o Estado se obriga “não
apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face do Poder Público, como, também,
a garantir os direitos fundamentais contra agressão de terceiros”; 5) os direitos fundamentais
não são apenas proibições de intervenção do Estado; são também postulados de proteção;
não são apenas proibição de excesso, senão também proibição de proteção insuficiente
(Claus-Wilhelm Canaris); 6) a ordem constitucional fundada nos direitos fundamentais irradia
sua força para a ordem legal; 7) o Estado deve intervir para protegê-los; 8) a tutela penal, no
entanto, pertence à “discrição legislativa”, porém, sempre subordinada ao princípio da
proporcionalidade, que envolve a apreciação da necessidade e adequação da providência
adotada; 9) essa orientação “permitiu converter o princípio da reserva legal no princípio da
reserva legal proporcional”, o que “pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e
dos fins perseguidos, como, igualmente, a adequação dos meios para a consecução dos
objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização”; 10) de um lado, “exigências de que
as medidas interventivas se mostrem adequadas ao cumprimento dos objetivos pretendidos.
De outra parte, o pressuposto de que nenhum meio menos gravoso revelar-se-ia igualmente
eficaz para a consecução dos objetivos almejados. Em outros termos, o meio não será
necessário se o objetivo pretendido puder ser alcançado com adoção de medida que se revele,
a um só tempo, adequada e menos onerosa”; 11) ao juiz compete fazer o controle de
constitucionalidades das normas penais, de acordo com os parâmetros assinalados.

Socorrendo-se da doutrina jurisprudencial alemã (Corte Constitucional - caso


Mitbestimmungsgesetz, 1978 BVerfGE 50, 290), o min. Gilmar Mendes discorreu sobre os três
níveis de controle de intervenção ou restrição a direitos fundamentais: a) controle de
evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); e c)
controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). Por força do primeiro
examina-se a idoneidade da medida para a proteção dos direitos fundamentais; “a norma
somente poderá ser declarada inconstitucional quando as medidas adotadas pelo legislador
se mostrarem claramente inidôneas para a efetiva proteção do bem jurídico fundamental”;
não são parâmetros abstratos que justificam esse controle. No segundo nível, “o controle de
justificabilidade está orientado a verificar se a decisão legislativa foi tomada após uma
apreciação objetiva e justificável de todas as fontes de conhecimento então disponíveis”; cabe
verificar “se o legislador levantou e considerou, diligente e suficientemente, todas as
informações disponíveis, e se realizou prognósticos sobre as consequências da aplicação da
norma. Enfim, se o legislador se valeu de sua margem de ação de maneira sustentável”. No
terceiro nível poderia o juiz desconsiderar as valorações feitas pelo legislador na etapa
anterior (esse terceiro nível está praticamente descartado em razão da dificuldade de se
valorar a intensidade das análises do legislador feitas no segundo momento).

No voto citado se lê que o enfoque penal em relação ao usuário é uma medida totalmente
inadequada (inidônea) para se alcançar a política de prevenção ao uso de drogas, porque gera
estigmatização e afeta a personalidade dos jovens (que são a maioria das pessoas
selecionadas pelo sistema – cerca de 75% segundo pesquisas invocadas no citado voto).
Ademais, não se distinguiu objetivamente o “usuário” do “traficante”. Há incongruência entre
a criminalização e os objetivos fixados pelo legislador. No que diz respeito ao controle de
justificabilidade “não existem estudos suficientes ou incontroversos que revelem ser a
repressão ao consumo o instrumento mais eficiente para o combate ao tráfico de drogas. Pelo
contrário, apesar da denominada “guerra às drogas”, é notório o aumento do tráfico nas
últimas décadas”. Os estudos (citados no voto) mostram que a descriminalização não
significou aumento no número de usuários de drogas. A criminalização da posse de drogas
“para consumo pessoal”, ademais, “afeta o direito ao livre desenvolvimento da personalidade,
em suas diversas manifestações”.

7.a) lex stricta (lei estrita): a lei penal restritiva de direitos fundamentais deve ser interpretada
estritamente (restritivamente). O juiz não pode criar crimes, nem sequer por meio da analgia.
Sendo assim, está proibida a analogia contra o réu (leia-se: in malam partem). Admite-se,
contudo, a analogia em benefício do acusado (in bonam partem). Analogia significa aplicar a
um caso não regulado pelo direito uma lei que foi prevista para outra situação. Onde se pune
o furto “para si ou para outrem” (CP, art. 155) não se pode criminalizar, por analogia contra o
réu, a “subtração de uso” (uso momentâneo e restituição imediata da coisa). O art. 128, II, do
CP, contempla uma norma permissiva do aborto, realizado por médico, quando a gravidez
resulta de estupro. Se um terceiro fizer esse aborto, preenchidos todos os requisitos legais,
pode-se aplicar a norma permissiva em favor desse terceiro (aqui teríamos uma analogia in
bonam partem).

8.a) lex praevia (lei prévia): a garantia da lei prévia exprime o princípio da anterioridade que
significa que a lei penal deve entrar em vigor antes e só vale para fatos que ocorram a partir
dela (CP, art. 1.o). A lei penal nova incriminadora não retroage, isto é, não alcança fatos
passados. A lei dos crimes hediondos que entrou em vigor em 1990 não pôde ser aplicada
para fatos anteriores. A Lei 12.850/13, que definiu o crime organizado, não pode aplicar para
fatos anteriores. Lei nova mais favorável retroage em favor do agente (CF, art. 5º, inc. XL).

9.a) nulla lex sine iniuria (a lei deve descrever uma forma de ofensa ao bem jurídico): a lei
penal deve utilizar sempre verbos que retratem uma ofensa ao bem jurídico: “matar”,
“subtrair”, “constranger” etc. Deve descrever com clareza a forma de ataque a esse bem. Essa
garantia emana do princípio da ofensividade (não há crime sem lesão ou perigo concreto de
lesão ao bem jurídico tutelado). O princípio da ofensividade (que alguns autores chamam de
lesividade), por sua vez, faz parte da tipicidade material, que tem pertinência dentro da
concepção tridimensional da tipicidade que seguimos (tipicidade formal + material + dolo ou
culpa).

Validade das garantias. Todas essas dimensões de garantia emanadas da legalidade criminal
valem inclusive para as medidas de segurança (aplicáveis aos condenados que sofrem de
doença mental, por exemplo), que estão sujeitas também ao princípio da anterioridade (lex
praevia). Valem ainda (ipsis litteris) para as contravenções penais (Decreto Lei 3.688/41), que
são espécies de infração penal.
5) PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE (do fato)

O fato cometido formalmente típico (adequado à letra da lei), para se transformar em crime
deve também afetar o bem jurídico protegido pela norma penal; a norma penal não é apenas
impositiva (determinativa); antes de tudo ela é valorativa (existe para proteger um bem
jurídico que foi valorado positivamente); se a norma protege um valor que se transforma (no
direito penal) em bem jurídico, não há crime sem lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
tutelado – nullum crimen sine iniuria. Alguns autores preferem a denominação princípio da
lesividade5. Na práxis, as duas palavras são usadas indistintamente.

A ideia é simples: ninguém pode ser punido por mera atitude interna (mera intenção), posto
que o fato deve ser exteriorizado (princípio da materialização do fato) e, mais que isso, esse
mesmo fato deve afetar de forma significativa o bem jurídico protegido pela norma. Se o velho
conceito de culpabilidade impede a responsabilidade penal sem um ato de vontade do agente
(está proibido o direito penal do ânimo ou da intenção; o crime impossível, por força do art.
17 do CP, não tem nenhuma sanção), o novo princípio da ofensividade exige que dessa
vontade exteriorizada nasça uma ofensa ao bem jurídico protegido (lesão ou perigo de lesão).
A provecta concepção da culpabilidade é o limite subjetivo da responsabilidade penal. A
ofensividade é o patamar mínimo para que isso aconteça.

Se o fato for formalmente típico (adequado à letra da lei), mas não efetivamente ofensivo ao
bem jurídico (lesão ou perigo de lesão), não haverá crime (TACRIM-SP, AC 1.031.723-5, rel.
Márcio Bártoli). Ex.: O falso só é crime quando potencialmente lesivo ao bem jurídico; assim,
uma falsificação grosseira afasta o delito (STJ, RHC 5.298, rel. Vicente Cernicchiaro, DJU
16.12.96, p. 50.953). Essa ofensa ao bem jurídico, ademais, deve ser significativa. Quando não
se trata de uma ofensa significativa, aplica-se o princípio da insignificância (ou da bagatela),
excluindo a tipicidade (material) do fato (STF, HC 84.412-SP). Tudo isso hoje pertente ao
campo da tipicidade material.

Em virtude do princípio da ofensividade está proibido no direito penal o perigo abstrato


presumido (o perigo é presumido quando se dispensa a prova de sua existência, bastando a
periculosidade definida pelo legislador em critérios abstratos e genéricos). No perigo abstrato
presumido o legislador passa a cumprir papel processual, dispensando a acusação de provar
a perigosidade (ou lesividade) real da conduta do agente. O legislador sai do campo da
delimitação do âmbito do proibido para interferir na esfera probatória. Trata-se de uma
atividade imprópria e inconstitucional, por violação ao princípio da presunção de inocência
(que somente pode ser derrubada quando há prova da culpabilidade do agente).

>>> Aprofundando. O limite máximo de atendimento do princípio da ofensividade é o


perigo abstrato de perigosidade real (no delito de embriaguez ao volante, previsto no art. 306

5FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula
Zomer; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 4. ed. São Paulo: RT,
2014, p. 239-333; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.
Derecho penal: parte general. Buenos Aires: Ediar, 2001.
do Código de Trânsito brasileiro, não basta que o condutor tenha ingerido bebida alcoólica ou
outra substância, é indispensável que conduza o veículo “sob a influência” dessa substância,
com alteração da capacidade psicomotora; essa influência assim como essa alteração
somente pode ser comprovada com uma “direção anormal” (zigue-zague, passar no
vermelho, entrar na contramão etc.). Esse é o perigo abstrato de perigosidade real, que
distingue o delito de embriaguez ao volante da infração administrativa idêntica, prevista no
art. 165 do CTB).

Acolhendo-se o princípio da ofensividade (ou lesividade) tornam-se inconstitucionais (por


violação aos princípios da presunção de inocência, proporcionalidade etc.) os crimes de perigo
abstrato presumido. Vamos comparar a redação original do crime de embriaguez ao volante
(art. 306 do CTB) com a redação atual (ou mesmo com a de 2008):

>>> Aprofundando. Pela redação original não bastava que o motorista estivesse sob
efeito do álcool, pois era necessário demonstrar que ele dirigia expondo a perigo os demais
motoristas e eventuais transeuntes, ou mesmo o patrimônio alheio a dano, ainda que em
caráter potencial. A partir de 2008 se estabeleceu uma presunção absoluta de que o motorista
expunha a todos a risco pelo simples fato de dirigir tendo antes ingerido álcool (ainda que
nada de anormal ficasse demonstrado quanto à sua forma de guiar o veículo). Na redação
atual exige-se (a) não apenas a ingestão de álcool ou outra substância psicoativa que
determine dependência, senão também (b) que o motorista esteja sob a “influência” dessa
substância e (c) que esteja dirigindo com sua “capacidade psicomotora alterada”. Como se
provam esses dois últimos requisitos: demonstrando-se no processo uma condução anormal
(ziguezague, subir calçada, entrar na contramão, bater em um poste etc.). É isso que se chama
“perigosidade real”. Sua comprovação derruba a presunção de inocência. Logo, o perigo
abstrato de perigosidade real é o limite máximo permitido pelo princípio da ofensividade (que
conflita totalmente com o perigo abstrato presumido). Contra o réu imputável nada pode ser
presumido no direito penal.
>>> Outro caso concreto: Para quem desconsidera o princípio da ofensividade, há
crime no porte de arma de fogo quebrada ou desmuniciada (ou seja: não apta a funcionar).
Essa concepção, entretanto, é inconstitucional, pois não se pode restringir direitos
fundamentais básicos como a liberdade ou o patrimônio sem que seja para tutelar concretas
ofensas a outros direitos fundamentais de igual importância. Entendendo que o porte de arma
desmuniciada não constitui crime: STF, HC 81.057. Se a arma não está apta para uso, não
coloca os bens jurídicos primariamente protegidos pela lei que incrimina o porte de arma
ilegal. Em sentido contrário: STF, HC 117.206/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Cármen Lúcia, j.
05.11.2013, DJe-228, divulg 19.11.2013, public 20.11.2013. Consta na ementa: “[...] 2. Porte
ilegal de arma de fogo de uso permitido é crime de mera conduta e de perigo abstrato. O
objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social,
sendo irrelevante estar a arma de fogo desmuniciada. 3. Ordem denegada”; STJ, AgRg no
AREsp 367860/MG, 6ª Turma, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 11.11.2014, DJe 01.12.2014.
Consta na ementa: “É pacífico, no âmbito desta Corte Superior, como bem ressaltado pela
Terceira Seção, nos autos do AgRg nos EAREsp n. 260.556/SC, o entendimento de que, para a
configuração do tipo penal de porte ilegal de arma de fogo, é irrelevante o fato de a arma
estar desmuniciada, visto se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo
objeto jurídico imediato é a segurança jurídica.” A jurisprudência não está fazendo a distinção
entre perigo abstrato presumido e perigo abstrato de perigosidade real, que é o patamar
mínimo para o reconhecimento da constitucionalidade da norma penal.

O princípio da ofensividade está atrelado à concepção dualista da norma penal, isto é, ela é
(a) valorativa (existe para a proteção de um valor, que se transforma no bem jurídico
protegido) e (b) imperativa (impõe uma determinada pauta de conduta a todos). Ela vale,
ademais, frente a todas as pessoas (norma primária), assim como diante do juiz, que deve
aplicar o castigo previsto quando o agente infringe o aspecto imperativo da norma penal. A
norma penal primária, por seu turno, conta com duas dimensões: (a) preceito primário
(âmbito do proibido) e (b) preceito secundário (âmbito da ameaça da pena).

A norma penal existe para tutelar um bem jurídico relevante e sem ofensa a esse bem não há
delito (tem-se aqui o que modernamente é denominado de tipicidade material). Daí se conclui
que o crime exige, sempre:

- desvalor da ação: a realização de uma conduta valorada negativamente e geradora de um


risco proibido;

- desvalor do resultado: afetação do bem jurídico que a norma pretende tutelar.

Sem ambos os desvalores não há crime. É inconciliável com o direito penal da ofensividade a
concepção do crime como mera desobediência à norma ou como mera violação de um dever.
Impõe-se o devido ajuste do direito penal à Constituição. Posição do STF sobre o assunto: HC
81.057-SP (posse de arma sem munição não configura nenhum crime). No perigo abstrato
presumido só existe o desvalor da ação (de periculosidade presumida pelo legislador). Falta-
lhe o desvalor do resultado (e não existe crime sem o desvalor do resultado, que é a ofensa
ao bem jurídico protegido). Admitir em direito penal o perigo abstrato presumido significa
conceber o delito como mera desobediência da norma, tal como fizera o nazismo de Hitler,
consoante a Escola de Kiel, chefiada por Dahn e Schaffestein.

>>> Aprofundando. Sobre os crimes de perigo abstrato (como é o caso da posse de


drogas para uso pessoal) o ministro Gilmar Mendes, no RE 635.659-SP, ponderou o seguinte:
neles o legislador formula uma presunção (que muitos supões seja absoluta) de
periculosidade de uma determinada conduta frente ao bem jurídico que se pretende
proteger. O perigo, nesse sentido, “não é concreto, mas apenas abstrato. Não é necessário,
portanto, que, no caso concreto, a lesão ou o perigo de lesão venham a se efetivar. O delito
estará consumado com a mera conduta descrita na lei penal”. Concluiu o ministro que isso
está autorizado pelo legislador, mas que sobre esses crimes os juízes devem promover
criteriosos controles de constitucionalidade. O escapou ao ministro foi o seguinte: hoje
distinguimos os crimes de perigo abstrato presumido dos crimes de perigo abstrato de
perigosidade real (quando então deve-se comprovar a perigosidade efetiva da conduta, sem
necessidade de apresentar uma vítima concreta; essa seria a interpretação correta do art. 306
do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê o crime de embriaguez ao volante; a conduta
anormal – ziguezague, violação do sinal vermelho etc. – configura a perigosidade real exigida).
Os delitos de perigo abstrato de perigosidade real seria o limite máximo do direito penal. Com
isso refutamos o perigo abstrato presumido (pelo legislador). A atividade legislativa de
produção de tipos de perigo abstrato deve, por isso, “ser objeto de rígida fiscalização a
respeito de sua constitucionalidade”. O ministro Gilmar Mendes menciona em seu voto dois
precedentes do STF: (a) o RE 583.523, com repercussão geral, de sua relatoria (j. 13.10.2013,
Tribunal Pleno), em que declarada, por unanimidade, a inconstitucionalidade da
criminalização da posse não justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto
(artigo 25, do Decreto-Lei n. 3.688/1941); (b) a ADI 3112/DF, de relatoria do Ministro Ricardo
Lewandowski (j. 2.5.2007, Tribunal Pleno), na qual se alegou a inconstitucionalidade de
diversos dispositivos do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2013), restou assentado,
após juízo de ponderação com base no princípio da proporcionalidade, que a proibição de
fiança para os delitos de "porte ilegal de arma de fogo de uso permitido" e de "disparo de
arma de fogo" mostrava-se desarrazoada, por se tratar de crimes de mera conduta, que não
se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade”.
6) PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

Não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa). O princípio da culpabilidade, em suas
origens, reunia em torno de si muitas ideias: (a) de que a responsabilidade penal é pessoal
(não familiar, societária etc.); (b) de que ninguém pode ser responsabilizado pelo fato de
outrem; (c) de que a responsabilidade penal é subjetiva (não objetiva); (d) de que ninguém
pode ser responsabilizado salvo por uma conduta voluntária etc. Na atualidade, todas essas
dimensões antigas (mas garantistas) da culpabilidade foram ganhando autonomia (como
veremos nos itens seguintes). Da velha concepção da culpabilidade como limite da
responsabilidade penal nasceram os princípios da responsabilidade pessoal e subjetiva. Seu
conteúdo não foi desprezado. Novas roupagens para garantias antigas.

Prepondera hoje (na ciência penal) não o conceito clássico de culpabilidade, sim, o dogmático,
que a vê como fundamento da pena (não há pena sem culpabilidade) e puro juízo de
reprovação do agente, que podia se motivar de acordo com a norma e comportar-se de forma
distinta, conforme o direito. O poder de se motivar de acordo com a norma e agir de modo
diverso, conforme o direito, constituem a essência atual do princípio da culpabilidade, que,
por seu turno, expressa o fundamento e o limite da pena. Em suma, quando se fala no
princípio da culpabilidade temos que prestar atenção nas suas duas dimensões: a clássica
(antiga), que cataloga as primeiras ideias de limitação do poder punitivo estatal, e a nova
(dogmática).

Do ponto de vista dogmático, a velha concepção psicológica ou psicológico-normativa da


culpabilidade (vínculo do agente com seu fato), que inseria o dolo ou a culpa em seu seio, foi
abandonada. Dolo e culpa, a partir da teoria da ação finalista de Welzel, foram deslocados
para o campo da tipicidade. Com isso esvaziou-se todo o conteúdo subjetivo da culpabilidade,
que se transformou num conceito puramente normativo (juízo de valor ou de reprovação do
agente do fato).

Não pode ser penalmente responsabilizado quem:

- não tinha capacidade de entender, em tese, o sentido das proibições (não tinha capacidade
de se motivar de acordo com a norma);

- não tinha capacidade de querer (inimputáveis);

- não tinha acesso ao sentido da ilicitude concreta;

- não podia comportar-se de forma distinta (conforme as circunstâncias de cada caso


concreto).

São requisitos (normativos) da culpabilidade: (a) imputabilidade; (b) a potencial consciência


da ilicitude e (c) a exigibilidade de conduta diversa (conforme o direito). Cabe ao juiz examinar
em cada caso concreto as oportunidades efetivas do agente de conhecer a norma proibida
assim como de se comportar de forma diversa (conforme o direito). A pena deve ser dosada
de acordo com a condições objetivas de cada um, seu grau de instrução, seus conhecimentos
etc. Quanto mais vulnerável a pessoa, em tese, menos reprovável é sua conduta ligada a essa
vulnerabilidade (Zaffaroni).

O princípio da culpabilidade, em suma, dogmaticamente falando, significa: (a) que não há


pena sem culpabilidade; e (b) que está proibida a responsabilidade penal de quem não podia
se motivar de acordo com a norma e agir de modo diverso (inimputabilidade, erro de
proibição etc.). Trata-se de princípio não expresso na Constituição, mas que encontra
fundamento na dignidade humana.

Todas as causas de exclusão da culpabilidade (inimputabilidade por loucura, erro de proibição,


coação moral irresistível etc.), chamadas de eximentes ou dirimentes, afetam a possibilidade
de se motivar de acordo com a norma ou de agir de modo diverso, conforme o Direito.

Se a culpabilidade é juízo de reprovação realizado sobre o agente do fato, verifica-se que ela
consiste na ligação entre a teoria do delito (crime) e a teoria da pena, ou seja, a culpabilidade
é fundamento para aplicação de pena ao agente. Ela não pertence ao conceito de crime (de
acordo com a corrente de pensamento que seguimos). Sua posição topográfica é a de fazer o
elo entre o crime e a pena. Sem culpabilidade não existe pena. Ela se distingue da
periculosidade, que é o fundamento da medida de segurança. Ao louco inimputável não se
aplica pena por falta de culpabilidade. Ele, no entanto, sofre medida de segurança (em razão
da sua periculosidade). Ao menor se aplicam as sanções previstas no ECA.

O agente só pode ser reprovado pelo fato praticado, não pelo seu estilo de vida ou pelas suas
intenções. A culpabilidade recai sobre o agente do fato, sendo assim, impõe-se adotar a
culpabilidade do fato, não de autor (que significaria reprovar o agente pelo seu estilo de vida,
pelas suas intenções, pela sua raça, cor etc.).

Nenhum dos requisitos da culpabilidade ou mesmo dos seus clássicos sentidos pode ser
presumido pelo legislador ou pelo juiz. Não existe presunção de imputabilidade, de
consciência da ilicitude etc. Tampouco pode-se presumir o dolo ou a culpa ou a
responsabilidade pessoal do agente. Qualquer tipo de presunção contra o réu violaria a
presunção magna da inocência (que tem amparo constitucional - art. 5º, inc. VII - e
internacional – CADH, art. 8º). Tudo quanto diz respeito à responsabilidade penal do agente
deve ser provado (os requisitos legais do tipo, as intenções especiais do agente, o dolo ou a
culpa, a ofensa ao bem jurídico etc.). Tampouco a teoria do domínio do fato (responsabilizar
como autor quem tem o domínio da ação típica ou o domínio da organização criminosa etc.)
afasta o ônus probatório (de quem acusa). Processo ou inquérito policial em andamento
evidentemente não constitui antecedentes criminais (enquanto o réu é presumido inocente).
7) PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL

Não existe no direito penal responsabilidade coletiva (todos os membros de uma torcida
organizada, por exemplo), societária (no âmbito das empresas) ou familiar, ou seja, não há a
responsabilidade penal por fato de outrem (nas Ordenações Filipinas existia a pena de infâmia
até a quarta geração do condenado e foi isso precisamente que ocorreu com Tiradentes e sua
família). Não é possível responsabilizar todo um grupo de pessoas, se somente um deles foi o
responsável pelo fato. Era abominável a chamada responsabilidade solidária ou sucessiva na
antiga Lei de Imprensa (que foi julgada não recepcionada pelo STF). Quando o autor de um
artigo estava fora do país, responsabilizava-se o editor do jornal.

Cada um responde pelo que faz, na medida da sua culpabilidade (CP, art. 29). Ninguém pode
ser punido no lugar de outra pessoa, mesmo porque a pena não pode passar do condenado
(CF, art. 5º, XLV – princípio da pessoalidade ou personalidade ou da não transcendência da
pena). Ou seja, exige-se que o agente seja, efetivamente, autor, coautor ou partícipe da
prática de uma infração penal para que haja responsabilização penal. No HC 18.206, caso do
juiz Nicolau, sua esposa foi também denunciada como coautora (só por essa condição). O STJ
entendeu que não se pode processar a esposa pelo simples fato de ser esposa e saber de
todos os fatos.

Nos crimes tributários e previdenciários, na atualidade, nota-se frequente violação a esse


princípio: isso se dá quando a denúncia é oferecida contra todos os sócios de uma empresa,
sem se preocupar em descobrir quem efetivamente cuidava da sua administração no
momento do crime. Se “A”, “B” e “C” são sócios de uma empresa, mas a administração segue
sob responsabilidade exclusiva de “A”, penalmente falando, a apenas ele deve ser imputado
eventual delito tributário ou previdenciário. Essa mesma doutrina vale também para os crimes
econômicos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, o denominado “Pacto de São José da Costa


Rica”, de 22/01/69, ratificado pelo Brasil em 25/09/92, impõe a exigência de (...) comunicação
prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formalizada. Também o Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos, de 1966, que vigora entre nós por força do Decreto n. 592/62,
consagra, como garantia da pessoa acusada, a de ser (...) informada, sem demora, em uma
língua que compreenda e de forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acusação contra
ela formulada (veja STF, HC 93683 / ES DJ 25-04-2008 e 25-04-2008 DJ 29-02-2008).

Responsabilidade penal da pessoa jurídica: o princípio da responsabilidade pessoal conduz a


cuidar do tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica (prevista na Lei ambiental
9.605/98, art. 3º). A CF prevê duas hipóteses: crimes ambientais e econômicos (CF, arts. 173
e 225, § 3º). Mas até agora apenas no que concerne aos crimes ambientais o assunto foi
regulamentado.

Entende-se que a única interpretação possível desse texto legal consiste em admitir que a
responsabilidade da pessoa jurídica não é penal no sentido estrito da palavra. Aliás, essa
responsabilidade faz parte de um tipo novo de direito, denominado direito judicial
sancionador. Responsabilidade pessoal e responsabilidade penal da pessoa jurídica são duas
realidades inconciliáveis. Para os que admitem a responsabilidade “penal” da pessoa jurídica,
parece inevitável ao menos conceber a preponderante teoria da dupla imputação. Jamais
poderia a pessoa jurídica isoladamente aparecer no polo passivo da ação penal; sempre seria
necessário descobrir quem dentro da empresa praticou o ato criminoso. Desse modo, são
processadas a pessoa que praticou o crime e a pessoa jurídica. Já existe, no entanto,
entendimento no sentido da possibilidade de se processar apenas a pessoa jurídica. Veja STF,
RE 548.181-PR, rel. Min. Rosa Weber, 6.8.2013.

>>> Caso concreto: CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 60, CAPUT, DA LEI 9605/98.
PRELIMINARES AFASTADAS. ABSOLVIDO RÉU POR INEXISTÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO NO
DELITO. MANTIDA CONDENAÇÃO DA RÉ GVT. [...] Trata-se de crime de mera conduta, que
independe de resultado naturalístico, e de perigo abstrato, uma vez que a lei fala em atividade
potencialmente poluidora. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente adotou a sistemática
da responsabilidade civil objetiva, recepcionada pela Constituição Federal, sendo irrelevante
e impertinente a discussão se o agente agiu com culpa ou dolo. Comprovada a ausência de
participação do réu, que era gerente administrativo financeiro da empresa, sem nenhuma
ingerência no licenciamento das antenas, vai absolvido. Comprovado que a ré GVT, sem
licença ambiental, fez funcionar estabelecimento potencialmente poluidor, praticou o crime
ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/98. Prova suficiente para a manutenção da
condenação e da pena, corretamente aplicada à ré pessoa jurídica. (Turma Recursal Criminal
dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul, Apelação Criminal n. 71002552503, j. em
22.02.2011).
8) PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

Não existe responsabilidade penal objetiva no direito penal, isto é, o agente que se envolveu
num fato ofensivo a bens jurídicos só pode por ele ser responsabilizado penalmente se agiu
com dolo ou culpa. Ninguém pode ser punido pela mera causalidade, tampouco por fatos
fortuitos. É indispensável o envolvimento pessoal do agente (um ato de vontade) para que
haja responsabilidade penal.

>>> Ilustrando: Quem adquire veículo zero quilômetro e na primeira viagem dá-se a
quebra da barra de direção, causando uma morte, não pode ser responsabilizado penalmente
porque nessa conduta não há dolo e tampouco era previsível o risco proibido criado. A simples
participação material no fato não significa automaticamente responsabilidade penal.

Não se admite no direito penal a responsabilidade objetiva (a versari in re illicita), que afirma
que quem pratica um fato deve ser responsabilizado por todas as suas consequências,
independentemente de serem previsíveis, desejadas ou fortuitas. No campo penal essa etapa
da responsabilidade objetiva está superada. É indispensável a prova sobre o dolo ou a culpa
do agente. Quando ausentes, não há que se falar em fato típico e sem fato típico não existe
crime.

A doutrina aponta algumas situações em que, se não interpretadas conforme o atual


panorama constitucional, podem acarretar responsabilidade objetiva. Duas delas são as
seguintes:

1) embriaguez não acidental completa (tem que ser interpretada a partir do elemento
subjetivo presente no momento de início de ingestão do álcool ou substância de efeitos
análogos – teoria da “actio libera in causa”, que sugere levar em conta a intencionalidade do
agente no momento anterior à conduta, quando o agente era livre.

2) rixa - Art.137, § único (Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores.
Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da
participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos). Se aplicada a
qualificadora para todos os rixosos sem saber quem causou a morte ou lesão grave isso
significa responsabilidade objetiva para quem de forma alguma participou dessa morte ou
dessa lesão grave. A qualificadora aplicar-se-ia até mesmo à vítima da lesão grave.
9) PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Não se materializa a legalidade sem a igualdade (Paulo Bonavides). O salto qualitativo das
sociedades melhor organizadas (civilizadas) reside nisto: da igualdade jurídica do liberalismo
do século XVIII se passa para a igualdade material do Estado fundado na justiça social.
Ninguém, nas repúblicas avançadas, se julga acima da lei. O direito penal é o termômetro da
aplicação igualitária da lei. Onde “nobres” e “aristocratas” (poderosos donos do poder)
desfrutam de ampla impunidade, torna-se ilegítimo o direito penal (porque duplamente
seletivo. A seletividade é inerente ao sistema penal (não consegue alcançar todos os delitos -
Zaffaroni). Se essa seletividade é dirigida prioritariamente contra algumas classes sociais (as
mais vulneráveis), ele se torna duplamente seletivo, dando vida para a frase de um camponês
de El Salvador, referida por José Jesus de La Torre Rangel (e aqui difundida por Lenio Streck):
“La ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos”. Nos últimos tempos (caso mensalão,
petrolão etc.) o sistema penal no Brasil começa a incidir também sobre as classes poderosas.

Existem historicamente (no plano jurídico) duas concepções da igualdade: (a) a paritária: a lei
deve ser genérica, impessoal e não pode comportar distinções e (b) a valorativa: é possível
que haja distinções, desde que justificada a diferença de tratamento. A segunda é a corrente
que hoje prepondera. Não pode haver tratamento injustificado e discriminatório entre iguais.
A diferença de tratamento deve ser sempre devidamente justificada. O mesmo órgão
jurisdicional pode conferir tratamento distinto a uma situação semelhante, desde que
justifique razoavelmente a distinção. O fundamento jurídico desse princípio reside o art. 5º,
inc. I, da CF.

>>> Aprofundando: “O princípio da isonomia [ou da igualdade], que se reveste de


auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-
jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio –
cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público –
deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir
privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da igualdade
perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata
– constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não
poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A
igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada
aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a
critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse
postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de
inconstitucionalidade.” (MI 58, rel. p/ o ac. min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-1990,
Plenário, DJ de 19-4-1991).

>>> Caso concreto: O princípio da igualdade foi a base constitucional do entendimento


de que a Lei 10.259/2001, que criou os juizados no âmbito federal, devia também ter aplicação
no âmbito estadual. Essa lei definiu como infração de menor potencial ofensivo o delito até
dois anos. Como não podemos tratar desigualmente crimes iguais, chegou-se à conclusão de
que esse novo limite tinha que ter incidência também no âmbito dos juizados estaduais.
Depois de muitas decisões judiciais nesse sentido, a Lei 11.313/2006 regulamentou a situação
ao alterar o art. 61 a fim de que fosse considerada infração de menor potencial lesivo os
crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos (usando, agora, os mesmos
parâmetros da Lei 10.259/2001 – Juizados Especiais Federais).

Razoabilidade da idade de 25 para aquisição de arma de fogo. Na ADI 3112, foi refutada a
tese da inconstitucionalidade do Estatuto do Desarmamento por exigir a idade mínima de 25
anos para a aquisição de arma de fogo. A desigualdade (frente a quem tem menos de 25 anos)
se justifica. Cuida-se de tratamento desigual que se justifica. O min. Lewandowski (na ADI
3112) afastou a tese sublinhando o seguinte: “De igual modo, alega-se que o art. 28 vulnera
o princípio da razoabilidade, porquanto fixou a idade mínima para a aquisição de arma de fogo
em 25 anos de idade. Também não reconheço, aqui, qualquer ofensa ao referido princípio,
pois, além de ser lícito à lei ordinária prever a idade mínima para a prática de determinados
atos, (NOTA: Tal entendimento decorre, a contrario sensu, dos RE-AgR 307.112/DF, Rel. Min.
Cezar Peluso e o AIAgR 523.254/DF, Rel. Min. Carlos Velloso.) a norma impugnada, a meu ver,
tem por escopo evitar que sejam adquiridas armas de fogo por pessoas menos amadurecidas
psicologicamente ou que se mostrem, do ponto de vista estatístico, mais vulneráveis ao seu
potencial ofensivo. Reporto-me, nesse aspecto, aos índices de mortalidade entre a população
jovem, mencionados no início de meu voto, os quais demonstram que as mortes causadas por
armas de fogo cresceram exponencialmente no grupo etário situado entre 20 e 24 anos,
sobretudo quanto ao sexo masculino. (NOTA: Veja-se nota de rodapé nº 1).
10) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA PENA

Configura a segunda das quatro dimensões do princípio da legalidade no direito criminal


(direito penal, processo penal e execução penal), que são: (1) legalidade criminal (“não há
crime sem lei anterior que o defina” – CP, art. 1.o); (2) legalidade penal (“não há pena sem
prévia cominação legal” – CP, art. 1.o); (3) legalidade jurisdicional ou processual (não há
processo sem lei, ou seja, ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal – CF, art. 5º, LIV) e (4) legalidade execucional (“a jurisdição penal dos
juízes ou tribunais de justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no
processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal” – LEP, art.
2º).

O princípio da legalidade da pena possui guarida constitucional: art. 5º, XXXIX. São as
seguintes as expressões de garantia da legalidade penal (veja acima item 4: legalidade do
crime): 1) lex scripta; 2) lex populi (princípio da reserva legal; Constituição Federal, Medida
Provisória e Tratados internacionais – STF HC 96.007-SP – não podem definir nem o crime nem
a pena); 3) lex certa (princípo da taxatividade, que é violado por disposições legislativas
completamente abertas, como é o caso do RDD art. 51 da LEP;); 4) lex clara; 5) lex rationabilis
(STJ HC 239.363 – CP, art. 273 – é um caso de declaração de inconstitucionalidade da pena em
razão da sua desproporcionalidade); 6) lex stricta (proibição de analogia contra o réu); 7) lex
praevia (princípio da anterioridade).

Dentre as garantias decorrentes da legalidade duas se destacam: (a) princípio da


anterioridade da lei penal (não há pena sem prévia cominação legal, ou seja, a pena cominada
na lei só vale para fatos futuros) e (b) princípio da irretroatividade da lei penal nova maléfica
(toda lei nova que prejudica o réu não pode retroagir para alcançar fatos passados – CF, art.
5º, inc. XL). É parcialmente questionável a Súmula 711 do STF, que diz: “A lei penal mais grave
aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação
da continuidade ou da permanência”. No que diz respeito ao crime permanente (sequestro,
por exemplo), não há discussão. O problema reside no crime continuado, porque aí temos
alguns crimes cometidos no tempo da lei antiga (mais benéfica) e outros no tempo da lei nova
(maléfica). A Súmula manda aplicar a lei nova para o “todo”, o que significa uma retroatividade
maléfica. O correto seria incidir a proporcionalidade ou o aumento médio (levando em conta
os dois blocos).
11) PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PENA INDIGNA

O princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) configura a base de todos os
demais, assim como do próprio modelo de Estado de direito que adotamos. No âmbito penal,
cabe destacar o seguinte aspecto da sua forma normativa: a pena não pode ser ofensiva à
dignidade humana.

>>> Ilustrando: O juiz não pode aplicar pena degradante, humilhante ou vexatória (CF,
art. 5º, inc. III). Isso ocorreu num caso em que um advogado foi condenado a limpar as ruas
de uma determinada cidade. Limpar ruas não é uma tarefa degradante, em regra, mas para
quem tem o título de bacharel em direito pode sê-lo concretamente, mesmo porque, como
diz a LEP, toda pena deve ser fixada levando em conta a situação de cada condenado. O
trabalho de um advogado seria muito mais útil à sociedade se ele desempenhasse outro tipo
de função (assistência jurídica aos presos, por exemplo).
12) PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DA PENA

A cominação, a aplicação e a execução da pena devem ser pautadas pelo princípio da


humanidade, princípio que proíbe que o indivíduo seja tratado de forma cruel, desumana ou
degradante, isto é, há que se falar em preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art.
5º, III). Também impõe respeito à integridade física do detento (CF, art. 5º, XLIX), a separação
dos presos, o tratamento diferenciado para a presa gestante etc. No direito moderno a
humanização das penas tem como divisor de águas o Iluminismo (que criticava duramente o
sistema penal inquisitivo da Monarquia – veja nosso livro Beccaria 250 anos). A pena
humanizada veio limitar o poder punitivo do Estado (pré-moderno), que permitia aos juízes a
fixação de penas extraordinárias.

São incontáveis os dispositivos constitucionais e internacionais que vedam a pena indigna


assim como a desumanização do agente do fato: 1) CADH - art.5, item 1: “Toda pessoa tem
direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.”; 2) CADH, art. 5, item 2:
“Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou
degradantes”; 3) Inciso III do art. 5º da CF: “ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”; 4) art. 5º: “XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo
em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de
trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”. A vedação da crueldade, na verdade, é mais
formal que efetiva. O sistema penal, em pleno século XXI, continua incrivelmente atroz e
desumano (basta olhar os presídios brasileiros para se constatar essa triste realidade). A pena
de prisão só é menos desumana que as penas crueis do antigo regime no papel. No lugar da
pena de morte (que foi abolida, salvo em caso de guerra declarada), o que vivenciamos nos
países extremamente violentos como o nosso é a morte sem pena (formalmente aplicada)
assim como a inflição da tortura. Execuções sumárias (sem o devido processo). O qe está
programada pelo Estado de Direito sucumbe diante do estado policialesco. As violações são
cotidianas (sincrônicas e diacrônicas). Não apenas contra os presos, senão também contra
seus familiares (nas revistas vexatórias).

A dignidade da pessoa humana tem que ser respeitada, ainda que ela tenha perdido a sua
liberdade. O preso só perde os direitos expressamente consginados na sentença
condenatória, mantendo os demais, e não faz parte da decisão condenatória a supressão da
dignidade humana e assim sendo nenhuma pena pode ser desumana, cruel ou degradante.
Apesar da sanção penal ter natureza aflitiva (função retributiva da pena) toda pessoa privada
de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
Tudo isso faz parte do Estado de Direito (que é contrariado e “revogado” diariamente pelo
estado policialesco). As penas se convertem muitas vezes em vingança.

>>> Análise crítica. Todas as penas privativas de liberdade executadas no Brasil são
inconstitucionais, porque desumanas, cruéis e degradantes, tendo em vista as condições
incivilizadas dos estabelecimentos penais. Afirma-se que o grau de civilização de um país deve
ser aferido tendo em conta o seu sistema penitenciário. Se essa métrica for aplicada ao Brasil
não há como não concluir que, neste campo ao menos, somos um dos povos mais bárbaros
do planeta. Praticamente todos os juízes que fizeram algo no sentido de fazer valer nos
presídios o Estado de direito (interdição do estabelecimento penal, por exemplo) acabaram
sendo punidos ou advertidos pelas suas respectivas corregedorias. Faz parte da cultura
predominante o tratamento cruel dos presos. Isso acontece entre nós porque ainda se
considera que o preso não vai para a cadeia para cumprir o que a sentença estabeleceu, mas
sim para ser castigado da forma mais desumana possível. Em outras palavras, o preso no Brasil
é tratado como “homo sacer” (estudado por Agamben), o que pode ser torturado e
exterminado impunemente. Nesse âmbito (do sistema carcerário) o Estado de direito é
praticamente nulo. Aqui vigora muito mais o estado de polícia (coações diretas ou castigos
cruéis sem nenhum amparo no Estado de direito). Todo castigo fora dos limites legais,
constitucionais ou internacionais é criação do verdugo que o criou (do estado policialesco).
Isso, evidentemente, está fora do “contrato social” (fora do Estado de direito). São incontáveis
os verdugos garantistas do estado policialesco que atuam no âmbito da execução penal.
Desde funcionários do sistema penitenciário até os próprios governos: todos violam
incontáveis regras de direitos humanos. Cezar Peluso, quando presidente do STF, disse: “os
presídios brasileiros são ‘um crime do Estado contra o cidadão’; são verdadeiras escolas de
formação de criminosos".
13) PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA RAZOABILIDADE OU DA
PROIBIÇÃO DE EXCESSO

O princípio da proporcionalidade tem fundamento constitucional (CF, art. 5º, inc. LIV) e traduz
a noção de razoabilidade (ou de proibição de excesso). Proporcional é o que não é abusivo,
arbitrário ou policialesco. Toda intervenção penal desnecessária é tirânica (já dizia
Montesquieu). A proporcionalidade existe para conter o exercício arbitrário do direito penal
(veja RE 635.659-SP), seja no momento da criminalização primária (legislador), seja no
momento operacional (aplicadores do direito). A proporcionalidade não pode justificar, por si
só, restrições a direitos fundamentais não previstos em lei (não justifica provas ilícitas em
crimes graves, por exemplo). O controle de constitucionalidade das leis penais se faz por meio
do controle de evidência assim como da justificabilidade (veja RE 635.659-SP e, acima, a
garantia da lex proporcionalis).

Na medida em que constitui uma restrição da liberdade, a pena só se justifica se:

- adequada ao fim a que se propõe (o meio tem aptidão ou idoneidade ou pertinência para
alcançar o fim almejado);

- necessária, isto é, só está justificada se não há outros meios de intervenção (de caráter não
penal) à disposição e que sejam igualmente eficazes para o fim a que se destina a intervenção
penal;

- houver proporcionalidade e equilíbrio na pena. Impõe-se sempre um juízo de ponderação


entre a restrição à liberdade que vai ser imposta (os custos disso decorrente) e o fim
perseguido pela punição (os benefícios que se pode obter). Os valores em conflito devem ser
sopesados.

É desse último requisito que se cuida quando se fala do princípio da proporcionalidade da


pena. Ele alberga em seu interior o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI),
nos seus três níveis (no momento da cominação legal - previsão abstrata na lei; da aplicação -
definição, na sentença condenatória, da pena concreta; ou da execução - momento em que
se realiza a sanção prevista na sentença condenatória).

>>> Ilustrando: 1) Pena de seis anos para um beijo lascivo (CP, art. 214): cuida-se de
pena totalmente desproporcional. Cabe ao juiz refutar sua aplicação. A solução melhor, para
o caso, é a aplicação da pena anterior à lei dos crimes hediondos para o caso do beijo. Em se
tratando de um coito anal tudo é diferente. Justifica-se a pena de seis anos, tal como descrita
na lei penal. 2) O homicídio culposo no trânsito (art. 302 do CTB – Lei 9.503/97) é punido com
pena maior que o homicídio culposo do CP (art. 121, § 3o). Isso poderia até entrar no âmbito
de liberdade do legislador de punir mais gravemente um específico injusto penal. Diferente é
a situação da lesão culposa no trânsito (CTB, art. 303 – Lei 9.503/97) que tem pena em dobro
ante a lesão dolosa do CP (art. 129). Aqui há evidente desproporcionalidade.
Sempre que o legislador não respeita o princípio da proporcionalidade, deve o juiz fazer os
devidos ajustes.

>>> Caso concreto: O STJ, aplicando o princípio da proporcionalidade em relação à


pena cominada abstratamente na receptação qualificada, decidiu manter o quantum previsto
antes da alteração promovida pela Lei 9.426/96. Confira-se: “1. Segundo entendimento desta
Corte, a pena a ser aplicada ao crime de receptação qualificada deve manter o quantum
previsto no artigo 180, caput, do Código Penal, ou seja, o mesmo patamar do preceito
secundário da receptação simples. [...] (STJ, HC 90.235/SP, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura, j. 04.05.2010, DJe 24.05.2010, RB, vol. 560, p. 26). 2. Fruto da Lei 9.426/96, o
§ 1º do art. 180 do CP – receptação qualificada – reveste-se de imperfeições – formal e
material. É que não é lícita sanção jurídica maior (mais grave) contra quem atue com dolo
eventual (§ 1º), enquanto menor (menos grave) a sanção jurídica destinada a quem atue com
dolo direto (art. 180, caput). 3. Há quem sustente, por isso, a inconstitucionalidade da norma
secundária (violação dos princípios da proporcionalidade e da individualização); há quem
sustente a desconsideração de tal norma (do § 1º, é claro). 4. Adoção da hipótese da
desconsideração, porque a declaração, se admissível, de inconstitucionalidade conduziria,
quando feita, a semelhante sorte, ou seja, à desconsideração da norma secundária (segundo
os kelsenianos, da norma primária, porque, para eles, a primária é a norma que estabelece a
sanção negativa e também a positiva). (STJ, AgRg no REsp 772.086/RS, 6ª Turma, rel. Min.
Nilson Naves, j. 23.06.2009, DJe 28.09.2009). Em sentido contrário: 1) “Alegação de
inconstitucionalidade do art. 180, § 1º, do CP. 4. A Segunda Turma já decidiu pela
constitucionalidade do referido artigo: Não há dúvida acerca do objetivo da criação da figura
típica da receptação qualificada, que é inclusive crime próprio relacionado à pessoa do
comerciante ou do industrial. A ideia é exatamente a de apenar mais severamente aquele
que, em razão do exercício de sua atividade comercial ou industrial, pratica alguma das
condutas descritas no referido § 1°, valendo-se de sua maior facilidade para tanto devido à
infraestrutura que lhe favorece.” (RE 443.388/SP, Rel. Min. Ellen Gracie). (STF, ARE 799.649
AgR/RS, 2ª Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25.03.2014, DJe-072, divulg 10.04.2014, public
11.04.2014). 2) “A questão de direito de que trata o recurso extraordinário diz respeito à
alegada inconstitucionalidade do art. 180, § 1°, do Código Penal, relativamente ao seu
preceito secundário (pena de reclusão de 3 a 8 anos), por suposta violação aos princípios
constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena. [...] Inocorrência de
violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena.
Cuida-se de opção político-legislativa na apenação com maior severidade aos sujeitos ativos
das condutas elencadas na norma penal incriminadora e, consequentemente, falece
competência ao Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pelo Poder Legislativo na edição
da referida norma. Recurso extraordinário improvido.” (STF, RE 443.388/SP, 2ª Turma, rel.
Min. Ellen Gracie, j. 18.08.2009, DJe-171, divulg 10.09.2009, public 11.09.2009, ement vol-
02373-02, pp-00375). 3) “Por ocasião do julgamento do EResp n. 772.086/RS, a Terceira Seção
desta Corte de Justiça firmou o entendimento de que a aplicação da pena prevista no crime
de receptação qualificada não ofende o princípio da proporcionalidade, por ter o legislador
buscado punir de forma mais rigorosa a conduta do agente que atua no exercício de atividade
comercial ou industrial. Igual entendimento é esposado pelo STF.” (STJ, AgRg no REsp
1.423.316/SP, 5ª Turma, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 12.08.2014, DJe 15.08.2014).

No estrito campo do castigo penal, são subprincípios da proporcionalidade os seguintes:

- princípio da necessidade concreta da pena;

- princípio da individualização da pena;

- princípio da personalidade ou da pessoalidade ou da intranscendência da pena;

- princípio da suficiência da pena alternativa;

- princípio da adequação temporal da pena (proporcionalidade estrita entre a pena e o fato,


ou seja, entre a gravidade da pena e o dano gerado pelo delito).

Vejamos cada um deles:

(a) Princípio da necessidade concreta da pena

Beccaria, fulcrado em Montesquieu, dizia que “toda pena desnecessária é tirânica”. Depois de
constatada a culpabilidade do agente, que é o primeiro fundamento da pena, impõe-se ao juiz
verificar a sua necessidade concreta, nos termos do que dispõe o art. 59 do CP (o juiz deve
aplicar a pena suficiente e necessária para a prevenção e reprovação do crime). O perdão
judicial é um exemplo de desnecessidade da pena (CP, art, 121, §5º; 129, §8º; 140, §1º, I e II,
entre outros). A bagatela imprópria (baixíssima culpabilidade, constatação de uma “pena
natural” – sofrimento desproporcional em razão do fato praticado – etc.) constitui outro
exemplo. O princípio da inderrogabilidade da pena (ao mal do crime o mal da pena) não é
absoluto. Em alguns casos o legislador possibilita o perdão judicial. Em outros cabe ao juiz,
com fundamento no art. 59 do CP, reconhecer a dispensa da pena. O princípio da
desnecessidade concreta da pena é uma exceção ao princípio da inderrogabilidade da pena.

(b) Princípio da individualização da pena

A idoneidade ou adequação da pena exprime-se por meio de dois subprincípios: da


individualização e da personalidade da pena. Em relação ao princípio da individualização da
pena (CF, art. 5.º, XLVI) importa pôr em destaque os seus três níveis: momento da cominação,
da aplicação e da execução. Todos fazem parte do princípio da proporcionalidade (aliás, são
expressões dele). Da cominação da pena (ou seja: previsão in abstrato da pena no tipo legal)
quem se encarrega é o legislador, que deve cominar penas proporcionais em cada caso. Um
homicídio não pode nunca ter pena idêntica a um furto. Um crime doloso não pode ter pena
paritária à modalidade culposa e assim por diante. Quem individualiza a pena no momento da
aplicação é o juiz, observando os critérios (judiciais) do art. 59 do CP (culpabilidade do agente,
antecedentes, motivação, circunstâncias do delito etc.). Quem individualiza a execução é
tanto o juiz como o próprio pessoal que integra o sistema penitenciário.
>>> Caso concreto: A proibição de progressão de regime nos crimes hediondos violava
claramente esse princípio da individualização da pena (Cf. STF, HC 82.959, que julgou
inconstitucional o § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990). A Constituição Federal mandou que o
legislador estabelecesse critérios de individualização da pena. No caso da lei dos crimes
hediondos o legislador bloqueou a atividade individualizadora do juiz. Isso significa afetar o
núcleo essencial do direito. O legislador não pode agir dessa maneira. Aliás, isso ficou mais
que certo na Lei 11.464/2007 (que passou a permitir a progressão de regime nos crimes
hediondos, assim como a concessão de liberdade provisória sem fiança). A nova lei fala em
regime “inicialmente” fechado. Outra vez se equivocou o legislador. O regime inicial quem fixa
é o juiz (de acordo com o caso concreto). No julgamento do HC 97.256-RS, STF, rel. Min. Ayres
Britto, o STF passou a admitir penas substitutivas no delito de tráfico de drogas, declarando a
inconstitucionalidade parcial do art. 44 da Lei 11.343/2006, que as proibia. E tudo foi feito
com base no princípio da individualização da pena (e da pena alternativa suficiente, que
veremos abaixo). Na individualização da pena o juiz não tem o poder de fixar a pena-base
abaixo do mínimo legal (STF, RE 597279). Pensamos de forma contrária: a pena deve sempre
se adequar a cada caso concreto. A justiça, muitas vezes, emana das circunstâncias de cada
caso, não das valorações abstratas do legislador.

(c) Princípio da personalidade ou da pessoalidade ou da intranscendência da pena

Nos termos do art. 5.º, XLV, da CF, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo
a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei,
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido”. Esse princípio tem total correlação com o princípio da responsabilidade pessoal,
que proíbe a imposição de pena por fato de outrem. Ninguém pode ser punido por fato alheio.
O filho não responde pelo delito do pai, a esposa não responde pelo delito do marido etc. A
pena não traduz nenhum efeito preventivo quando recai sobre quem não praticou o fato
punível.
A pena de prisão imposta ao pai não passa ao filho (caso aquele venha a falecer). A pena de
prisão é intransferível (ou seja: é personalíssima). E a multa? Do mesmo modo, também a
multa não se transfere aos sucessores, porque o dispositivo constitucional acima mencionado
somente excepcionou duas coisas: (a) obrigação de reparar o dano e (b) decretação do
perdimento de bens. Nenhuma interpretação pode ampliar as exceções da Constituição. Se a
Constituição excepcionou duas situações, o intérprete não pode ampliá-las. Daí a conclusão
de que a multa não passa aos herdeiros ou sucessores. Aliás, deixa de existir no momento em
que o condenado morre. Em outras palavras: ela não atinge sequer o patrimônio do morto.
Outras sanções penais (penas substitutivas, por exemplo) seguem a mesma disciplina: não
passam aos herdeiros ou sucessores.

>>> Aprofundando. O perdimento de bens a que se refere a Constituição é o


relacionado com o confisco-efeito da condenação (do art. 92, II, do CP). Adotando-se essa
interpretação restritiva, a perda de bens substitutiva da prisão não passa aos herdeiros. Se a
prisão e a multa não passam aos herdeiros, a mesma destinação deve ter a perda de bens
aplicada como pena restritiva substitutiva da prisão.

(d) princípio da suficiência da pena alternativa

Outra expressão da proporcionalidade da pena está no princípio da suficiência da pena


alternativa, isto é, se a pena alternativa é suficiente, não se deve impor a pena de prisão. A
locução pena alternativa, aqui, está sendo utilizada em sentido amplo. Significa, portanto,
uma pena efetivamente alternativa (como o é a aplicada na transação penal) ou uma pena
substitutiva (CP, art. 43 e ss.). De qualquer maneira, havendo alguma medida menos onerosa,
ela deve contar com a preferência do juiz, se suficiente para a reprovação e prevenção do
crime. Isso é o que está dito com clareza no art. 59 do CP: o juiz aplicará a pena conforme seja
necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do delito. Mesmo em crime hediondo
ou equiparado (como é o caso do tráfico de drogas), se a pena alternativa é suficiente, é ela
que terá incidência (STF, HC 84.928-MG). No mesmo sentido veja HC 97.256-RS, STF, rel. Min.
Ayres Britto (que redundou na Resolução do Senado 5/2012).

>>> Aprofundando. A jurisprudência do STF, ademais, vem reconhecendo que o tráfico de


drogas não é incompatível com a liberdade provisória (HC 104.339, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
julgado em 10.5.2012), com o regime inicial aberto de cumprimento de penas (HC 111.840, rel. Min.
Dias Toffoli, Pleno, julgado em 14.6.2012).

(e) princípio da proporcionalidade em sentido estrito

A pena (e o regime do seu cumprimento, claro), por último, deve ser proporcional ao fato
praticado. Tanto o legislador como o juiz se acham limitados pelo princípio da
proporcionalidade. E sempre que o legislador não respeita o conteúdo do referido princípio,
deve o juiz fazer os devidos ajustes.

>>> Ilustrando: O STJ (no HC 239.363) declarou a inconstitucionalidade do preceito


secundário do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (por se tratar de pena
desarrazoada). A pena do delito de venda de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais de procedência ignorada é de reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
Trata-se de pena totalmente irracional (quase o dobro do homicídio, no patamar mínimo). No
caso, após o esvaziamento do preceito secundário do delito, o STJ determinou que a
reprimenda cabível seria a do art. 33 da lei 11.343/06 (5 a 15 anos).

Outros princípios decorrentes do Estado de Direito. (a) ninguém pode ser punido duas vezes
pelo mesmo crime (ne bis in idem – CADH, art. 8º, 4); exceção a esse princípio constitui o art.
8º do CP que possibilita, em caso de extraterritorialidade da lei penal brasileira, dupla
condenação pelo mesmo fato (uma no Brasil e outra no exterior), compensando-se as penas;
uma mesma circunstâncias não pode ser levada em conta duas vezes na dosimetria da pena;
(b) princípio da presunção da inocência (em seu aspecto penal). Por exemplo: a proibição do
crime de perigo abstrato presumido viola a presunção de inocência porque desobriga o órgão
acusador a provar a perigosidade real da conduta. Ainda por força da presunção de inocência
o inquérito ou o processo em andamento não pode ser considerado antecedentes criminais.
No presente livro analisamos os treze mais importantes princípios constitucionais penais (e os
princípios derivados) e discorremos sobre:

Como se pode perceber na leitura do livro, o direito penal na atualidade já não pode ser
estudado e compreendido sem a integração dos princípios constitucionais que limitam o ius
puniendi. Destacam-se, dentre eles, os seguintes: o direito penal existe para a tutela de bens
jurídicos, os mais relevantes e contra os ataques mais intoleráveis (fragmentariedade). De
outro lado, somente quando outros ramos do Direito não resolvem o conflito é que pode ter
incidência o direito penal (subsidiariedade). Ninguém, de outro lado, pode ser punido pelo
que pensa e pelo que é (princípio da materialização do fato). A tipicidade exige, ademais, que
o fato exteriorizado seja legalmente previsto na ordem jurídica e ofensivo ao bem jurídico
(lesão ou perigo concreto de lesão, segundo o princípio da ofensividade). E só responde por
ele quem o praticou ou dele participou (responsabilidade pessoal), com dolo ou culpa
(princípio da responsabilidade subjetiva) e se tinha possibilidade de se motivar de acordo com
a norma e agir de modo diverso (princípio da culpabilidade). As penas devem ser
proporcionais (princípio da proporcionalidade), nunca desumanas nem cruéis (princípio da
humanidade), e jamais podem ofender a dignidade humana. Por força do princípio da
igualdade ninguém pode ser discriminado arbitrariamente.

A posição que ocupa cada um dos treze princípios estudados (e os princípios derivados) pode
ser visualizada por meio do seguinte quadro sinótico:
PARABÉNS! VOCÊ CHEGOU AO FINAL DO LIVRO

Durante todo o tempo de leitura, além de outros temas que foram trazidos na obra, você
obteve as respostas para as seguintes importantes questões sobre os princípios
constitucionais penais:

O desrespeito a princípios constitucionais penais por parte de operadores jurídicos e a baixa


adesão da sociedade em relação à aplicação deles traz alguma consequência prática para o
sistema de justiça penal?

De onde devemos extrair os princípios jurídicos?

Como conciliar o caráter punitivista do direito penal com o sua natureza limitadora do poder
punitivo?

O que difere o direito penal do poder punitivo e do estado policialesco?

Qual o valor jurídico dos princípios?

Qual a diferença entre princípios e regras?

Os princípios que norteiam a aplicação da lei penal devem ser aplicados conjuntamente? E no
caso de haver colisão entre eles, qual a solução?

Nossa Constituição legitima qual movimento de política criminal? O punitivista, o minimalista


ou o abolicionista?

Qual a posição do princípio da dignidade da pessoa humana na hierarquia dos princípios?

Além das questões acima, você estudou os treze principais princípios constitucionais penais
(e os princípios derivados). E para verificar se tudo foi bem compreendido, que tal responder
aos quizzes abaixo? Boa sorte!
QUIZZES SOBRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

1. O crime de adultério foi abolido do ordenamento jurídico penal com base exclusivamente
no princípio da transcendentalidade.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. A lei 11.106/2005 que entre outras alterações revogou o crime de adultério
baseou-se precipuamente no princípio da intervenção mínima, segundo qual o direito deve
ser a ultima ratio para solução de conflitos. No caso do adultério, suas consequências já estão
previstas pelo Código Civil quando trata do divórcio.

2. O conceito material do direito penal estabelece os limites do poder punitivo do Estado


(caráter garantista), quando da sua tarefa de tutelar bens jurídicos relevantes em face de
ofensas concretas, graves, intoleráveis e transcendentais (caráter fragmentário), por meio de
penas ou medidas de segurança, sempre que outros meios à disposição do Estado não sejam
suficientes (caráter subsidiário).

( ) V ( ) F

Gabarito: VERDADEIRO. As concepções do direito penal formal e material foram desenhadas


a partir de orientações/conclusões extraídas, principalmente, da criminologia e da política
criminal. São essas ciências que, estudando o complexo fenômeno criminal (com todos os seus
componentes) e os instrumentos de controle da criminalidade (considerando as suas diversas
nuances), trouxeram importantes contribuições para estabelecer os limites do poder punitivo,
ou seja, do direito penal.

O Estado não pode criminalizar o que bem entender, nem impor todo tipo de pena. Ele não
pode prever, por exemplo, como crime, a conduta de quem não tira o chapéu diante do
Presidente da República. Toda atividade estatal no campo penal está limitada. Esses limites
decorrem de definições político-filosóficas, amparadas, necessariamente, nas leis, na
Constituição Federal e nos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. São
eles que determinam o que o Estado pode ou não fazer ou o que deve fazer especificamente
em relação ao seu poder de punir.

3. O direito penal brasileiro admite a responsabilização penal da pessoa jurídica, prevendo a


aplicação, exclusivamente, das penas de multa e prestação de serviços à comunidade.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. Além da pena de multa e da prestação de serviços á comunidade, a Lei dos
crimes ambientais (Lei 9.605/98) prevê também penas restritivas de direitos, tais como a
suspensão das atividades, interdição do estabelecimento e proibição de contratar com o
Poder Público.
A CF prevê duas hipóteses possíveis de responsabilidade penal da pessoa jurídica: crimes
ambientais e econômicos (CF, arts. 173 e 225). Mas até agora apenas no que concerne aos
crimes ambientais o assunto foi regulamentado.

Entende-se que a única interpretação possível dos textos constitucionais antes citados
consiste em admitir que a responsabilidade da pessoa jurídica não é penal no sentido estrito
da palavra. Aliás, essa responsabilidade faz parte de um tipo novo de direito, denominado
direito judicial sancionador. Responsabilidade pessoal e responsabilidade penal da pessoa
jurídica são duas realidades inconciliáveis. Para os que admitem a responsabilidade “penal”
da pessoa jurídica, parece inevitável ao menos conceber a preponderante teoria da dupla
imputação. Jamais poderia a pessoa jurídica isoladamente aparecer no polo passivo da ação
penal; sempre seria necessário descobrir quem dentro da empresa praticou o ato criminoso.
Desse modo, são processadas a pessoa que praticou o crime e a pessoa jurídica. Já existe, no
entanto, entendimento no sentido da possibilidade de se processar apenas a pessoa jurídica,
sendo que o tema ainda carece, portanto, de pacificação doutrinária e jurisprudencial.

4. O princípio da insignificância somente tem aplicabilidade nos crimes contra o patrimônio,


inclusive no roubo.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. O princípio da insignificância tem aplicabilidade a qualquer espécie de delito


que com ele seja compatível. Tem lugar inclusive nos crimes contra ordem tributária e contra
a administração pública. E quando subsiste violência ou grave ameaça? O STJ já decidiu “Não
há como aplicar, aos crimes de roubo, o princípio da insignificância, pois, tratando-se de delito
complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (o patrimônio e a integridade da
pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão.” HC 60.185/MG, rel.
Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 03.04.2007. Há, entretanto, posicionamentos, minoritários
que, considerando no caso concreto uma diminuta ofensa ao patrimônio e havendo violência
ou grave ameaça em nível também pequeno, passam a defender/ aplicar o princípio.

5. Em casos excepcionais as medidas provisórias podem descrever crime ou pena ou mesmo


cuidar diretamente de qualquer aspecto punitivo pena.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. Medidas provisórias não podem descrever crime ou pena ou mesmo cuidar
diretamente de qualquer aspecto punitivo penal (CF, art. 62, § 1º, I, b). O direito penal, pelas
suas implicações na esfera dos direitos fundamentais da pessoa, não pode emanar só do
Executivo.

6. Por força do princípio da ofensividade, o falso só é crime quando potencialmente lesivo ao


bem jurídico; assim, uma falsificação grosseira, afasta o delito.

( ) V ( ) F
Gabarito: VERDADEIRO. Princípio da ofensividade: o fato formalmente típico (adequado à
letra da lei) para se transformar em crime deve afetar o bem jurídico protegido pelo direito
penal; não há crime sem lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado – nullum crimen
sine iniuria. Alguns autores preferem a denominação princípio da lesividade. Na práxis as duas
palavras são usadas indistintamente. Em virtude do princípio da ofensividade está proibido no
direito penal o perigo abstrato presumido (o perigo é presumido quando se dispensa a prova
de sua existência, bastando a periculosidade definida pelo legislador).

7. O princípio da insignificância ou da bagatela exclui a punibilidade.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria


tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime.

8. Segundo entendimento do STF, o princípio da insignificância qualifica-se como fator de


descaracterização material da tipicidade penal. Segundo entendimento do STJ, é possível a
aplicação de tal princípio às condutas regidas pelo ECA. (Questão adaptada Prova: CESPE -
2009 - DPE-PI - Defensor Público)

( ) V ( ) F

Gabarito: VERDADEIRO. O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a


própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime.

A Segunda Turma do STF se posicionou em julgado recente no sentido de que o referido


princípio se aplica sim aos atos infracionais. Ver Informativo n. 667: ”Ante a incidência do
princípio da insignificância, a 2ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para trancar
ação movida contra menor representado pela prática de ato infracional análogo ao crime de
furto simples tentado (niqueleira contendo cerca de R$ 80,00). De início, esclareceu-se que o
paciente, conforme depreender-se-ia dos autos, seria usuário de drogas e possuiria
antecedentes pelo cometimento de outros atos infracionais. Em seguida, destacou-se a
ausência de efetividade das medidas socioeducativas anteriormente impostas. Rememorou-
se entendimento da Turma segundo o qual as medidas previstas no ECA teriam caráter
educativo, preventivo e protetor, não podendo o Estado ficar impedido de aplicá-las (HC
98381/RS, DJe de 20.11.2009). Resolveu-se, no entanto, que incidiria o princípio da bagatela
à espécie. Asseverou-se não ser razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-
polícia e do Estado-juiz movimentassem-se no sentido de atribuir relevância típica a furto
tentado de pequena monta quando as circunstâncias do delito dessem conta de sua singeleza
e miudez. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que, em face das peculiaridades do caso
concreto, denegava a ordem. HC 112400/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.5.2012.”

9. O princípio da legalidade, que é desdobrado nos princípios da reserva legal e da


anterioridade, não se aplica às medidas de segurança, que não possuem natureza de pena,
pois a parte geral do Código Penal apenas se refere aos crimes e contravenções penais.
( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. O princípio da legalidade, que é desdobrado nos princípios da reserva legal
e da anterioridade, tem aplicação às medidas de segurança.

10. Quanto à eficácia do princípio da legalidade, adota-se no Brasil a legalidade material,


somente constituindo crime a conduta descrita em lei como tal, devendo-se exigir que os tipos
penais sejam regidos de maneira clara e minuciosa, proibindo-se tipos abertos.

( ) V ( ) F

Gabarito: FALSO. A lei penal deve ser indiscutível em seus termos, isto é, taxativa (princípio
da taxatividade). Não pode descrever o crime de forma vaga, aberta ou lacunosa. A segurança
jurídica do cidadão exige precisão no texto legal, a fim de que o possa compreender. São
contrárias à garantia da legalidade material as leis que descrevem os delitos de forma vaga e
imprecisa, deixando nas mãos dos juízes a definição do delito. Tal imposição, no entanto, não
impede que o legislador utilize-se, vez ou outra, após uma enumeração casuística, uma
formulação genérica que deve ser interpretada de acordo com os casos anteriormente
elencados. Ex.: CP, art. 121, § 2º, IV: “Matar alguém... à traição, de emboscada, ou mediante
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Cabe
ao juiz em cada caso concreto verificar a existência desse outro recurso que dificulte a defesa
do ofendido. Por exemplo: a surpresa. Trata-se de um caso de interpretação analógica.

11. O princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) configura a base de todos os
demais, assim como do próprio modelo de Estado de direito que adotamos.

( ) V ( ) F

Gabarito: VERDADEIRO. No âmbito penal, cabe destacar o seguinte aspecto da sua forma
normativa: a pena não pode ser ofensiva à dignidade humana. Por conta do princípio da
dignidade da pessoa humana, o juiz não pode aplicar pena degradante, humilhante ou
vexatória (CF, art. 5º, inc. III). São incontáveis os dispositivos constitucionais e internacionais
que vedam a pena indigna assim como a desumanização do agente do fato: 1) CADH - art.5,
item 1: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.”;
2) CADH, art. 5, item 2: “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes”; 3) Inciso III do art. 5º da CF: “ninguém será submetido a tortura
nem a tratamento desumano ou degradante”; 4) art. 5º: “XLVII - não haverá penas: a) de
morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”.

12. O princípio da proporcionalidade, apesar de não ter fundamento constitucional, deve ser
levando em consideração pelo legislador no momento de estabelecer a sanção penal a
determinada conduta criminosa.

( ) V ( ) F
Gabarito: FALSO. O fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade é
encontrado no art. 5º, inc. LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal”). Aqui temos um caso de previsão indireta. São os chamados princípios
decorrentes. O princípio da proporcionalidade traduz a noção de razoabilidade (ou de
proibição de excesso). Proporcional é o que não é abusivo, arbitrário ou policialesco. Toda
intervenção penal desnecessária é tirânica (já dizia Montesquieu). A proporcionalidade existe
para conter o exercício arbitrário do direito penal (RE 635.659-SP), seja no momento da
criminalização primária (legislador), seja no momento operacional (aplicadores do direito). A
proporcionalidade não pode justificar, por si só, restrições a direitos fundamentais não
previstos em lei (não justifica provas ilícitas em crimes graves, por exemplo). O controle de
constitucionalidade das leis penais se faz por meio do controle de evidência assim como da
justificabilidade (veja RE 635.659-SP).

13. A pena (e o regime do seu cumprimento) deve ser proporcional ao fato praticado. Tanto
o legislador como o juiz se acham limitados pelo princípio da proporcionalidade. E sempre
que o legislador não respeita o conteúdo do referido princípio, deve o juiz fazer os devidos
ajustes.

( ) V ( ) F

Gabarito: VERDADEIRO. O STJ (no HC 239.363) declarou a inconstitucionalidade do preceito


secundário do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (por se tratar de pena
desarrazoada). A pena do delito de venda de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais de procedência ignorada é de reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
Trata-se de pena totalmente irracional (quase o dobro do homicídio, no patamar mínimo). No
caso, após o esvaziamento do preceito secundário do delito, o STJ determinou que a
reprimenda cabível seria a do art. 33 da lei 11.343/06 (5 a 15 anos).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Paula Zomer; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 4. ed.
São Paulo: RT, 2014.

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1998.

GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção


Americana sobre Direitos Humanos: pacto de San José da Costa Rica. 4. ed.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho


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