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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

A parƟcipação das cooperaƟvas em licitações públicas e a


função da apresentação do documento denominado
“modelo de gestão operacional”1

Aniello dos Reis Parziale


Advogado; Membro do Corpo Jurídico da Editora NDJ e Mestrando em Direito PolíƟco e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

As sociedades cooperaƟvas estão legiƟmadas a A Þm de coibir o funcionamento das falsas coope-


parƟcipar de licitações públicas, podendo se sagrar raƟvas, estabeleceu o caput do art. 2º da Lei Federal
vencedoras do certame se preencherem os requisitos nº 12.690/2012 que estas sociedades são consƟtuídas
impostos para habilitação Þxados no ato convocatório por trabalhadores para o exercício de suas aƟvidades
e apresentarem o preço mais vantajoso para a Admi- laboraƟvas ou proÞssionais com proveito comum,
nistração.1 autonomia e autogestão para obterem melhor quali-
Þcação, renda, situação socioeconômica e condições
Tanto é assim que o inc. I do § 1º do art. 3º da Lei
gerais de trabalho.
Federal nº 8.666/1993, alterado pela Lei Federal nº
12.349/2010, veda, entre outras coisas, aos agentes Com o propósito de garanƟr tais vetores, es-
públicos tabelece o § 1º do disposiƟvo legal citado que a
admiƟr, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convo-
autonomia concedida à sociedade cooperaƟva deve
cação, cláusulas ou condições que comprometam, ser exercida de forma coleƟva e coordenada pelos
restrinjam ou frustrem o seu caráter compeƟƟvo, próprios cooperados, mediante a Þxação, em assem-
inclusive nos casos de sociedades cooperaƟvas[...]. bleia geral, das regras de funcionamento da socie-
dade e da forma de execução dos trabalhos. Demais
Aliás, a parƟcipação de sociedades cooperaƟvas disso, considera o § 2º do mesmo disposiƟvo legal
nas licitações públicas não é apenas permiƟda, mas
autogestão como sendo o processo democráƟco no
esƟmulada pelo Poder Público, conforme se infere
qual a assembleia geral deÞne as diretrizes para o
da leitura do art. 34 da Lei Federal nº 11.488/2007,
funcionamento e as operações da cooperaƟva, e
cujo teor estabelece que as benesses garanƟdas às
os sócios decidem sobre a forma de execução dos
microempresas e empresas de pequeno porte sejam
trabalhos, nos termos da lei.
também estendidas às sociedades cooperaƟvas como
forma de incenƟvar esse Ɵpo de organização. O art. 5º da Lei nº 12.690/2012, por sua vez,
expressamente estabelece que as cooperaƟvas de tra-
Não podemos negar, todavia, a existência de fal- balho não podem ser uƟlizadas para a intermediação
sas sociedades cooperaƟvas, sendo aquelas enƟdades de mão de obra subordinada, ressaltando-se que o §
que, na práƟca, Þguram como verdadeiras empresas
2º do art. 17 deÞne (presunção legal) “intermediação
intermediadoras de mão de obra subordinada. Nesse
de mão de obra”.
senƟdo, grife-se que a Lei Federal nº 12.690/2012,
cujo teor dispõe sobre a organização e o funciona- Verifica-se, por meio da referida disciplina, o
mento destas sociedades, estabeleceu, em seu art. 5º, esforço da lei no sentido de extinguir as sociedades
que a “cooperaƟva de trabalho não pode ser uƟlizada cooperativas de “fachada”, que se prestam unica-
para intermediação de mão de obra subordinada” e, mente a atuar como empresas intermediadoras
adiante, em seu art. 17, conceitua o que vem a ser de mão de obra, na medida em que estabelecem
a intermediação de mão de obra e estabelece uma que as decisões desta pessoa jurídica devem ser
multa em caso de descumprimento. deliberadas pela maioria dos seus cooperados, e
que todas as regras de funcionamento da entidade
1. ArƟgo originariamente publicado na Revista do TCU, Brasília, n. 134, p.
sejam fixadas em sua assembleia geral. Logo, com
50-53, set./dez. 2015. tal regramento, busca-se impedir a concentração

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de poder nas mãos de poucos cooperados respon- inexisƟndo, portanto, sujeição, pessoalidade e habi-
sáveis pela gestão da entidade. tualidade no cumprimento do pactuado, poderão as
cooperaƟvas parƟcipar de licitações públicas.
Sendo, portanto, uma realidade a existência de
cooperaƟvas que realizam intermediação de mão de Com o escopo de a Administração promotora do
obra, observa-se a existência de decretos, a exemplo certame comprovar tais requisitos, de modo a afas-
do Dec. Estadual Paulista nº 55.938/2010, alterado tar qualquer dúvida sobre a licitude da contratação
pelo de nº 57.159/2011, e do Dec. Municipal de São da cooperaƟva no âmbito da Administração Pública
Paulo nº 52.091/2011, que vedam a parƟcipação de Federal, as enƟdades que acudiram ao chamado da
cooperaƟvas nas licitações quando a execução do ob- Administração deverão apresentar um documento
jeto demandar relação de subordinação e especiÞcam denominado “modelo de gestão operacional”, citado
alguns dos serviços que não podem ser executados no art. 4º, parágrafo único, da IN nº 2/2008, da SLTI
por cooperaƟvas. do MPOG, cujo teor deverá apontar que:
Nesse passo, para que a parƟcipação de coopera- 1. O objeto da licitação pode ser executado
Ɵvas em licitações públicas seja lícita, será imprescin- por uma cooperaƟva de trabalho com autono-
dível, primeiramente, que a sua aƟvidade esteja dire- mia pelos seus cooperados, não apresentando
tamente ligada ao objeto licitado, conforme leciona o nenhum traço de subordinação entre a coope-
prof. Marçal Justen Filho (2012): raƟva e os cooperados ou entre a Administração
e os cooperados, fato que, caso seja observado,
Essas considerações permitem aÞrmar que é pos-
sível e viável a parƟcipação de cooperaƟva em licitação
impossibilitará a parƟcipação destas enƟdades
quando o objeto licitado se enquadra na aƟvidade no certame licitatório; e
direta e especíÞca para a qual a cooperaƟva foi cons- 2. Ser possível a realização da gestão opera-
Ɵtuída. Se, porém, a execução do objeto contratual cional do serviço demandado de forma compar-
escapar à dimensão do “objeto social” da cooperaƟva Ɵlhada ou em rodízio pelos cooperados, em que
ou caracterizar aƟvidade especulaƟva, haverá atuação
as aƟvidades de coordenação e supervisão da
irregular da cooperaƟva (p. 471).
execução das aƟvidades, bem como o desempe-
Outrossim, diante da impossibilidade de a coope- nho da função de preposto, possam ser realizados
raƟva de trabalho ser uƟlizada com o escopo de inter- por todos os membros da cooperaƟva.
mediar mão de obra subordinada, deverá ser aferido,
Reforça-se que, por meio do referido documento,
na fase interna da licitação, se o objeto demandado
restará constatado que a cooperaƟva que acudiu ao
pela Administração pode ser executado pelos coo-
chamado da Administração de fato (1) detém autono-
perados de forma autônoma, vale dizer, a atuação
mia, ou seja, é dirigida de forma coleƟva e coordenada
dos referidos colaboradores não poderá apresentar
por meio de assembleia geral, sendo detentora de
subordinação – seja entre a cooperaƟva e os coope-
regras de funcionamento e da forma de execução dos
rados, seja entre a Administração e os cooperados –,
trabalhos, (2) possui autogestão, na medida em que as
pessoalidade, habitualidade.
decisões da enƟdade ocorrem por meio de processo
Nesse passo, caso se veriÞque que a atuação dos democráƟco no qual a assembleia geral deÞne as
cooperados na execução do objeto contratado apre- diretrizes para o funcionamento e as operações da
senta subordinação, pessoalidade e habitualidade, cooperaƟva, e os sócios decidem sobre a forma de
fato que traduz ßagrante ausência de autonomia dos execução dos trabalhos, por efeito do teor constante
cooperados na execução das aƟvidades necessárias do caput e incisos do art. 2º da Lei nº 12.690/2012 e,
para cumprimento do objeto pactuado, restará afas- por Þm, (3) não exerce as aƟvidades necessárias para
tada a possibilidade da sua realização por uma socie- o cumprimento do pactuado de forma a criar sujeição,
dade cooperaƟva. Logo, a proibição da parƟcipação pessoalidade e habitualidade dos cooperados.
destas enƟdades no certame licitatório será imposta.
Observa-se, portanto, que o modelo de gestão
De outra banda, vislumbrando-se, na ocasião operacional, que deverá ser exigido nas licitações
oportuna, a possibilidade de o objeto do certame ser processadas pela Administração Pública Federal para
executado de forma autônoma pelos cooperados, Þns de classiÞcação da proposta por força do disposto

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no parágrafo único do art. 4º da IN nº 2/2008, apre- _____. Decreto nº 55.938, de 22 de junho de


senta-se como um eÞciente instrumento para afastar 2010. Veda a parƟcipação, em licitações, de coope-
as falsas cooperativas das contratações públicas, raƟvas nos casos que especiÞca e dá providência
permitindo, assim, que apenas as organizações correlata. Diário OÞcial [do] Estado de São Paulo, São
alinhadas ao espírito do cooperaƟvismo celebrem Paulo, SP, 22 jun. 2010. Caderno 1, p. 3.
contratos com o Poder Público.
_____. Decreto nº 52.091, de 19 de janeiro de
REFERÊNCIAS 2011. Veda a parƟcipação de cooperaƟvas em licita-
ções e contratações nos casos que especiÞca. Diário
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. OÞcial [da] Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, 20 de
Regulamenta o art. 37, inc. XXI, da CF, insƟtui normas jan. de 2011, p. 3.
para licitações e contratos da Administração Pública
e dá outras providências. Diário OÞcial [da] República _____. Decreto nº 57.159, de 22 de junho de
FederaƟva do Brasil, Brasília, DF, 6 jul. 1994. Seção 1, 2011. Dá nova redação ao art. 1º do Dec. nº 55.938,
p. 10149. de 21.6.2010. Diário OÞcial [do] Estado de São Paulo,
São Paulo, SP, 22 de jul. de 2011. Caderno 1, p. 10.
_____. Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007. Cria
o Regime Especial de IncenƟvos para o Desenvolvimen- _____. Ministério do Planejamento. Instrução
to da Infra-Estrutura (REIDI); reduz para 24 (vinte e qua- NormaƟva nº 2, de 30 de abril de 2008. Dispõe sobre
tro) meses o prazo mínimo para uƟlização dos créditos regras e diretrizes para a contratação de serviços,
da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição conƟnuados ou não. Diário OÞcial [da] República
para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) FederaƟva do Brasil, Brasília, DF, 2 de mai. de 2008,
decorrentes da aquisição de ediÞcações. Diário OÞcial Seção 1, página 91.
[da] República FederaƟva do Brasil, Brasília, DF, 15 jun. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Lici-
2007. Seção 1, p. 2. (Edição extra) tações e Contratos AdministraƟvos. 15. ed. São Paulo:
_____. Lei nº 12.690, de 19 de julho de 2012. Dis- DialéƟca, 2012.
põe sobre a organização e o funcionamento das Coo-
peraƟvas de Trabalho; insƟtui o Programa Nacional de COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:
Fomento às CooperaƟvas de Trabalho (Pronacoop); e PARZIALE, Aniello dos Reis. A parƟcipação das cooperaƟ-
revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação vas em licitações públicas e a função da apresentação do
das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Dec.-Lei no documento denominado “modelo de gestão operacional”.
5.452, de 1º.5.1943. Diário OÞcial [da] República Fede- BLC – BoleƟm de Licitações e Contratos, São Paulo, NDJ, ano
raƟva do Brasil, Brasília, DF, 20 jul. 2012. Seção 1, p. 2. 29, n. 10, p. 931-933, out. 2016.

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