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APONTAMENTOS

sobre a maldita censura aos poemas de Brecht

Carlos Castilho Pais


Universidade Aberta
(DLCP)

Antes de mais, e também em forma de gratidão, devo começar por


referenciar duas obras fundamentais para o tema que aqui me traz:

• Maria Manuela Delille (Coord.), Do Pobre B. B. em Portugal. Aspectos


da Recepção de Brecht antes e depois do 25 de Abril de 1974, Aveiro,
Editora Estante, 1991;
• César Príncipe, Os Segredos da Censura, Caminho, Lisboa, 1979.

Como o meu tema é a censura às traduções dos poemas de Brecht,


pergunto-me se a censura, maldita como ela é sempre, foi mais severa para
com o teatro do que para com a poesia de Brecht.
Conhecemos a opinião da Professora Maria Manuela Delille, que diz, na
página 56 da obra acima referida:

Temos, pois, de concluir que a censura salazarista, relativamente a um


dramaturgo estrangeiro não grato por motivos políticos, assumia uma atitude
aparentemente ambígua – se por um lado mantinha intransigentemente a
proibição da representação das peças dos teatros públicos, por outro lado permitia
a livre circulação das traduções, poemas e prosa narrativa, bem como de muitos
ensaios críticos a ele dedicados.

Longe de mim querer contradizer esta opinião. De resto, esta opinião é


sustentada por alguns dados concretos – EDITORIAIS, também apontados nos
estudos que a Professora Delille levou a cabo, e que passo a referir, limitando-
me, como já ficou claro, à publicação da tradução da poesia de Brecht, não
contemplando a poesia incluída nas traduções do teatro do mesmo autor.
• Jorge Sena publica uma tradução de um poema de Brecht - UM
TRABALHADOR, AO LER, PERGUNTA... – no jornal O Comércio do Porto de
25 de Setembro de 1956;
• Egito Gonçalves e Mário Henrique [escritor Mário Henrique Leiria]), em
Notícias do Bloqueio, “Fascículos de Poesia”, nº 2, Porto, 1957, inserem
três poemas traduzidos de Brecht (um por Egito Gonçalves e dois por
Mário Henrique);
• A Paulo Quintela se devem duas separatas da revista Vértice,
publicadas, respectivamente, em 1962 e 1968:
• Poemas e Fragmentos
• Três Poemas de Bertolt Brecht sobre a América;
• Em 1971, Arnaldo Saraiva publica a obra - Bertolt Brecht, Poemas,
tradução, selecção, estudos e notas de Arnaldo Saraiva - na Editorial
Presença.

Se, por um lado, estes dados fundamentam uma opinião, por outro, eles
não são suficientes para ‘branquear’ a actividade censória, que não é intenção
de ninguém. Acho apenas que a investigação deve continuar, descobrindo e
inventariando mais dados, para além daqueles (poucos) que a obra de César
Príncipe, acima referida, já apresentou:

• Em 1968, um telegrama da Comissão de Exame Prévio do Porto, datado


de 13 de Dezembro desse ano, mandava cortar os elogios às obras de
Brecht e Marcuse nos jornais;
• Em 1972, na lista de livros proibidos de circular nos C. T. T. (correios),
constava a obra de Daniel Filipe – Pátria Lugar de Exílio - obra publicada
pela editora (e na mesma colecção) que também publicara os Poemas
de Brecht, traduzidos por Arnaldo Saraiva.

A censura era mais do que isto... claro, mesmo no momento da


‘Primavera’ marcelista, como é o caso dos factos apontados. Todavia, creio
que a investigação revelará factos de uma actividade censória, tanto ou mais
drásticos do que aquele que ordenava suprimir uma notícia (1969) sobre o
aumento do preço do corte de cabelo (cf. p. 47 de Os Segredos da Censura de
César Príncipe).

Quero, antes de terminar estes APONTAMENTOS, referir um dos


insignes tradutores da poesia de Brecht – o professor da Universidade de
Coimbra, Paulo Quintela. A sua actividade de tradutor de Brecht ocupará
certamente todo um capítulo do tema da investigação a fazer. O que sabemos
já a seu propósito não pode ser aqui esquecido.
Refiro-me ao dado que nos é apresentado pelos compiladores das suas
Obras Completas, mais especificamente no volume IV. Os compiladores
lembram a queixa formulada por Paulo Quintela, em 1962, relativamente à
censura, que lhe “retalhava” as suas traduções de Brecht (cf. Paulo Quintela,
Obras Completas, vol. IV, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 659).

Concluindo, a censura não terá sido tão severa com a publicação das
traduções dos poemas de Brecht... mas ela existiu, a investigação deve
continuar.

NOTA
Não pretendo apresentar o meu caso como argumento, mas recordo-me desse jovem leitor que
fui no início dos anos setenta. Não me recordo, confesso, da influência que terá tido a poesia
de Brecht na partida do jovem leitor para Paris, a salto, para fugir à guerra colonial. Talvez para
fugir ao destino do aviador deste poema:

Meu irmão era aviador

Meu irmão era aviador,


Deram-lhe um dia a passagem,
Fez a mala – e lá partiu,
Para o Sul fez a viagem.

Meu irmão é conquistador,


Falta espaço ao nosso povo,
E foi sempre o nosso sonho
Velho: - terreno novo.

O que ele conquistou com fama


Fica lá no Guadarrama:
De comprido, um metro e oitenta;
De fundo, um metro e cinquenta.

(Poema de Brecht, traduzido por P. Quintela, in Obras Completas, Vol. IV, p. 152)

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