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O aumento do comércio do Brasil com

a China, por Luis Nassif


Em janeiro de 2011, o comércio com os EUA representava quase 80% do
comércio com a China. Em 2021 caiu para pouco mais de 40%.
Por
 Luis Nassif
 -
05/02/2021

A China continua avançando fortemente, mês a mês, no comércio


externo brasileiro.

Nos 12 meses acumulados até janeiro de 2021, em comparação com o


ano anterior, o percentual das exportações brasileiras para a China
aumentou de 29,6% para 33,52%.

No mesmo período, houve queda na participação dos principais parceiros


comerciais: para os Estados Unidos as exportações caíram de 17,1%
para 13,1%; da União Europeia, de 17,6% para 14,5%. Além da China,
apenas o Sudeste Asiático registrou alta nas exportações brasileiras.

Esse mesmo processo ocorreu em relação às importações. Houve queda


de todos os blocos, com exceção da China.

Mesmo com a alta das importações, houve aumento substancial no


superávit brasileiro em relação à China. Depois dela, apenas em relação
à União Europeia houve auimento.
A mudança na composição do superávit comercial é mais reveladora
ainda do peso da China.

No acumulado até janeiro de 2021, a China respondeu por 72,8% do


superávit. O segundo colocado foram as nações do Sudeste Asiático,
com 14,1% do superávit.

De janeiro de 2020 a 2021, houve um aumento de US $6,7 bilhões no


superávit comercial brasileiro. Apenas em relação à China, o superávit
aumentou US $7,7 bilhões. O que significa que, sem a China, o superávit
teria caído US $1 bilhão.
Outro dado significativo está na comparação entre o fluxo de comércio
dos Estados Unidos em relação à China. Em janeiro de 2011, o comércio
com os EUA representava quase 80% do comércio com a China. Em
2021 caiu para pouco mais de 40%.

No gráfico abaixo, o comportamento do superávit comercial brasileiro


com e sem China.

Publicado por Google Drive–Denunciar abuso


O perverso terraplanismo econômico,
por Leda Paulani
Manter a “âncora fiscal” salvará o país, braveteiam tecnocratas do Banco
Central. Por trás do economês, o real significado: teto de gastos e mais
contrarreformas. Com esta bússola ultraliberal, o naufrágio brasileiro torna-se
iminente…
Por

 Jornal GGN

 -

06/02/2021

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Imagem: Jack Levine, O Sindicato


(1939)

no OutrasPalavras

O perverso terraplanismo econômico

por Leda Paulani

Há alguns meses, coloquei no twitter que nós, os economistas não


ortodoxos, deveríamos levantar a hashtag #stopfakenewseconomics.
Aquilo que se conhece e vende como ciência econômica está coalhado de
“verdades”, reproduzidas e repetidas ad nauseam pela mídia
corporativa, sem haver o mínimo espaço para contestação. O terrorismo
econômico, que há muito nos flagela, se alimenta de tais “verdades”. A
mais nova estrela do espetáculo é uma tal de “âncora fiscal”.

“Se o governo abandonar a âncora fiscal, o Banco Central vai ter que
agir”, disse o atual presidente da autoridade monetária brasileira,
Roberto Campos Neto, em meados de dezembro último;1 “o teto de
gastos é a principal âncora fiscal do país”, afirmara, uma semana antes,
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, para sugerir que seria
preciso reforçá-la, aprovando as reformas;2 no dia anterior, um prócer
do mercado financeiro mostrara-se preocupado com a “perda de
credibilidade” de nossa âncora fiscal.3 Mas o que isso significa, afinal?

O termo “âncora” é amiúde encontrado nos textos econômicos.


Normalmente ele aparece nas discussões que envolvem economias com
inflação elevada, necessitadas de um processo de estabilização
monetária. A metáfora faz sentido se pensarmos o espaço da expressão
do valor dos infinitos bens e serviços transacionados no cotidiano dos
mercados como um grande transatlântico, carregado de formas-preço,
todas interligadas entre si (os chamados preços relativos). Se o navio
enlouquece e resolve singrar aleatoriamente por aí, então é preciso
colocar-lhe uma âncora. Com um dos preços se mantendo fixo à força,
os demais preços ficam também constrangidos, ou seja, o dito cujo não
vai sair navegando sem controle.

Mas quais seriam os preços candidatos a fazer tal papel? Será que o
preço da banana serve? Hummm… parece que não, no mínimo porque
nem todos gostam de banana e tanto faz se o preço dela sobe ou desce;
ademais, banana não é insumo de grande utilização na produção de
outros bens, e, assim, se seu preço sobe muito, por qualquer razão, seu
impacto sobre os demais preços é bastante reduzido.
A impressão intuitiva de que o preço da fruta tão brasileira não parece
se adequar à referida tarefa se estende aos preços dos demais bens e
serviços. Aqueles que podem desempenhar adequadamente tal função
são especiais: o preço da divisa (a taxa de câmbio) e o preço do próprio
dinheiro (a taxa de juros). No primeiro caso, falamos de âncora cambial;
no segundo, de âncora monetária.

Quando o Plano Real teve início efetivo, ou seja, quando a nova moeda
começou a existir em 1.º de julho de 1994, a taxa de câmbio funcionou
como âncora (apesar do não reconhecimento disso por parte do
governo). Pensado para nascer como paritário à nova moeda, ou seja,
US$ 1,00 = R$ 1,00, o preço da divisa, no entanto, começou sua nova
jornada a R$ 0,87. Na euforia da estabilização trazida pelo artifício da
Unidade Real de Valor (URV), que funcionara de 1.º de março a 30 de
junho daquele ano e conseguira debelar a chamada inflação inercial, o
governo soltou o valor do câmbio para ver no que dava e acertou na
aposta: a nova moeda nascia “mais forte” que o dólar americano.

A partir daí, a taxa de câmbio foi fixada, deixando-se uma pequena


margem para flutuação acima e abaixo desse valor, as chamadas
“bandas”. Ora, era evidente a grande probabilidade então existente de a
taxa de câmbio se tornar rapidamente supervalorizada (ou apreciada,
como se diz no jargão do mercado), porque, mesmo na nova moeda,
existia uma inflação que não seria acompanhada pelo preço da divisa.

Todavia, em se tratando de nova moeda, numa etapa inicial de um plano


econômico que parecia estar conseguindo estabilizar monetariamente
uma economia vinda de década e meia de elevada inflação, julgou-se
este um preço razoável a pagar, já que o desequilíbrio nas contas
externas que poderia surgir daí seria compensado pelas elevadíssimas
taxas reais de juros pagas pelo país. Além do mais, uma divisa
desvalorizada (ou seja, um preço baixo, em reais, para cada unidade de
dólar), mesmo artificial, tinha impactos positivos sobre o nível geral de
preços, garantindo a continuidade do sucesso do Plano Real (expediente
esse, não sem razão, chamado por alguns de “populismo cambial”).
Já ao final de 1994, a quebra do México, considerado então pelo FMI o
“melhor aluno da classe” por fazer direitinho a “lição de casa” — de
adequar o país às prescrições neoliberais — gerou aqui o “efeito Tequila”
e uma grande especulação em torno da viabilidade de se continuar a
manter fixo o câmbio. Três anos mais tarde, ao final de 1997, a crise
asiática obrigou o governo a mais do que dobrar as taxas de juros (que
foram de 20 a 45% anuais em menos de um mês) para enfrentar a
especulação contra nossa moeda.

O golpe definitivo nessa estratégia veio em 1998, com o advento da


crise russa. Mesmo usando novamente o remédio da elevação dos juros
(que dobra de valor em uma semana, em setembro desse ano), o país
perde mais de US$ 40 bilhões, tornando insustentável a situação
externa. Em janeiro de 1999, passada a eleição que deu um novo
mandato a FHC, o real é fortemente desvalorizado e o câmbio fixo deixa
de existir.

Considerando que, na vigência do câmbio flutuante, o preço da divisa


não pode mais ser utilizado como âncora, pois não é determinado pelo
Estado, mas pelo mercado, um outro tipo de âncora torna-se necessário.
Em junho do mesmo ano de 1999, o Brasil passa a adotar o sistema
de metas de inflação e junto com ele também o famoso tripé
macroeconômico, que tem no câmbio flutuante e nos resultados
primários positivos para as contas públicas seus dois outros elementos.
Indiscriminadamente prescrito pelo receituário neoliberal para qualquer
país (menos para os EUA, que não precisam se preocupar nem com o
desequilíbrio de suas contas externas, nem com o desequilíbrio das
contas do Estado americano), o referido tripé conta com uma âncora
monetária.

A partir do regime de metas, que vigora até hoje no Brasil, a política


monetária, principalmente a fixação da taxa de juros, é conduzida com o
objetivo declarado de se obter uma taxa de inflação a
priori determinada. Assim, para efeitos de preservação da estabilidade
monetária, o principal preço da economia, ou sua âncora, deixa de ser o
preço da divisa (a taxa de câmbio) e passa a ser o preço da moeda
doméstica (a taxa de juros).

Relembrei tais fatos de nossa história econômica recente para ilustrar


com um caso concreto o que está por trás da ideia de âncora. Em
poucas palavras, uma âncora só pode ser constituída por um preço. Isso
posto, qual seria o sentido de uma âncora fiscal? E considerando que
ainda vigora em nossa economia uma âncora monetária, qual o
significado de tal “âncora”? De qual preço ela é afinal constituída?

A resposta é que tal preço não existe, ou seja, o termo não faz o menor
sentido. “Âncora fiscal” é só o outro nome que se passou a dar,
capciosamente, ao famigerado e criminoso teto de gastos, aprovado no
governo do golpista Michel Temer como parte do projeto de destruição
neoliberal de nosso Estado. Veja-se quão artimanhosa, por neutra e
“técnica”, fica a ideia da necessidade do teto quando se começa a
chamá-lo de “âncora”. O conto (do vigário) que passa a prevalecer é que
tudo na economia, não só o comportamento dos preços, depende da
manutenção de tal expediente. Trata-se de uma sorte sutil de terrorismo
econômico: não é preciso mais ameaçar explicitamente; o termo já
carrega em si o inelutável naufrágio a quem desobedecer a bússola.

Em suma, não existe âncora fiscal. Trata-se de mais uma fake


news ideológica a fazer parte do terraplanismo que domina o discurso
econômico há muito tempo e que é no Brasil particularmente pernicioso.
Como se sabe, o auxílio emergencial foi fundamental em 2020 para
mitigar as consequências da pandemia sobre as camadas mais pobres da
população. Ainda assim superamos os 200 mil mortos, graças ao
negacionismo do presidente e à necropolítica que comanda.

A “âncora fiscal” (leia-se: teto de gastos), sua preservação a qualquer


custo, vai somar muitos milhares de mortos a cifra já tão assustadora. O
desespero empurrará a população para a rua, com o consequente
relaxamento das normas sanitárias em meio à segunda onda e a
variantes muito mais transmissíveis do coronavírus, isto sem falar no
previsível aumento da violência, pois a miséria material, como se sabe, é
a antessala da miséria moral. Colapso social e colapso no sistema de
saúde desenharão um 2021 ainda mais infernal do que o ano que
passou. Quem continuar a falar em âncora fiscal (entenda-se: teto de
gastos) e a defendê-la será tão responsável pelas dezenas (centenas?)
de milhares de mortes adicionais quanto o genocida governo de
Bolsonaro.

1 https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-
politica/noticia/2020/12/15/se-governo-abandonar-ancora-fiscal-banco-
central-vai-ter-que-agir-diz-campos.ghtml

2 Matéria do caderno de economia do jornal O Globo, p. 17

3 https://www.terra.com.br/economia/teto-de-gastos-como-ancora-
fiscal-perdeu-um-pouco-de-
credibilidade,829462c8cdc734738872f01ee3be619erx1q6adj

Armadilha de Liquidez na Economia


Brasileira, por Fernando Nogueira da
Costa
A convicção da maioria é só quando houver a mudança de (des)governo
acontecerá alguma iniciativa estatal para a saída da Armadilha da Liquidez à
brasileira com Grande Depressão inflacionária.
Por

 Fernando Nogueira da Costa

 -

06/02/2021

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Armadilha de Liquidez na Economia Brasileira

por Fernando Nogueira da Costa

Não é a questão da oferta de moeda exógena, pressuposta ser


controlada pela Autoridade Monetária, a divisão entre monetaristas e
keynesianos fundamentalistas, mas os determinantes da velocidade de
circulação. Para um monetarista, a velocidade de circulação [V = (P ·
Y) / Ms] é estável e independente de preços P, renda Y, e mesmo de
oferta de moeda Ms (e juros) na conhecida Equação de Trocas, elaborada
por Irving Fisher (MsV = PY): “a circulação monetária é igual à circulação
de bens porque o vendido é também o comprado”.

Para keynesianos fundamentalistas, a demanda por dinheiro dependeria


crucialmente da taxa de juros. A elasticidade-juros da demanda por
moeda, em uma armadilha de liquidez, altera a velocidade de circulação
em relação ao padrão anterior.

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Os monetaristas foram os primeiros críticos da outrora influente teoria
keynesiana com a proposição de haver uma demanda altamente elástica
por dinheiro em relação às mudanças de curto prazo na taxa de juro
sobre ativos de curto prazo líquidos. Em sua forma extrema, essa ideia
se expressou como a situação de “armadilha de liquidez”.

De acordo com os livros didáticos de Macroeconomia, a única maneira


pela qual uma queda nos salários e nos preços pode aumentar o
emprego é por seu efeito no aumento do valor real do saldo de dinheiro
– e redução do custo de oportunidade em taxa de juros. Com isso
haveria estímulo ao investimento, multiplicaria a renda e aumentaria a
demanda agregada por bens e, portanto, o emprego.

O problema, durante uma “armadilha da liquidez”, seria uma baixa na


taxa de juro não ser suficiente para estimular o investimento, dado o
excesso de capacidade produtiva ociosa. O gasto público em atuação
anticíclica deveria substituir, inicialmente, o gasto privado inerte face ao
pessimismo empresarial quanto ao futuro.

Um outro princípio básico desta exposição keynesiana era haver um


mínimo abaixo do qual a taxa de juros não poderia cair mais. Então, se o
salário diminuísse, em função do elevado desemprego em Grande
Depressão, deveria haver uma redução da taxa de juros a esse mínimo
antes de, novamente, o pleno emprego ser alcançado.

Enquanto isso, qualquer queda adicional na taxa de salários não


adiantaria nada. Em resumo, a economia seria apanhada nessa
“armadilha da liquidez”. A Teoria Keynesiana do Emprego foi por muitos
anos interpretado em termos desta “armadilha”.

Leia também:  Judith Butler: Por que Trump nunca admitirá sua


derrota
Ela ficou conhecida da seguinte forma: a armadilha de liquidez (do
inglês liquidity trap) surge quando a taxa de juros nominal chega a zero
ou a próximo dele. Então, a política monetária perde tração.
Consequentemente, métodos tradicionais para guiar uma economia de
regresso a pressuposto equilíbrio tornam-se ineficazes.

Nestas situações, os agentes econômicos não esperam retornos em


grandes valores dos investimentos financeiros ou físicos. Então, mantêm
sua riqueza líquida sob forma de depósitos em curto prazo, em vez de
fazer investimentos em longo prazo, ou seja, liberar um funding para
empréstimos com prazos de maturação de investimentos produtivos.

Isso leva uma economia de um estado de recessão para uma situação


ainda mais crítica de Grande Depressão deflacionária. Em economia
periférica, a fuga de capital para o dólar provocaria, ao contrário, uma
“inflação importada” e risco cambial de calote em dívidas dolarizadas.
Aqui, a Grande Depressão é inflacionária

A economia brasileira se encontra em “armadilha de liquidez”? Para um


diagnóstico taxativo antes é necessário o exame de algumas evidências
empíricas.

No ano passado, marcado por escalada do dólar, valorização


de commodities no mercado internacional, mudança nos padrões de
consumo da população brasileira, com aumento da demanda por bens
em detrimento dos serviços, e, ainda, escassez de insumos industriais, a
inflação anual, medida pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M de
23,14%), foi a mais elevada desde 2002, quando subiu 25,31%. Em
comum com aquele último ano do governo FHC, houve forte depreciação
cambial, ao longo do ano 2020, em quase 25%.

É necessária prudência para examinar os números de 2020. É relevante


comparar os dados de antes da pandemia, decretada em março, com os
últimos dados divulgados no fim do ano de distanciamento social.
Comparando as duas informações disponíveis do FGC (fevereiro e
novembro) sobre os depósitos à vista, verifica-se o número de clientes
ter se elevado em 5,8 milhões (5,5%) de 105,7 milhões para 111,5
milhões, enquanto o valor dos depósitos ter aumentado em R$ 96,3
bilhões (de R$ 188,7 bilhões para R$ 285 bilhões) ou 53,8%! Por que?

Segmentei os clientes de acordo com as faixas “Pobres” (até R$ 5 mil),


Varejo Tradicional (desse valor a R$ 100 mil), Varejo de Alta Renda (de
R$ 100 mil a R$ 5 milhões), e “Ricaços” (ou Private Banking acima de R$
5 milhões). Aumentou o número de contas correntes em todos os
segmentos, exceto no dos ricaços – talvez pela necessidade maior de
uso de capital de giro por ter fluxos de saída contratados quando não se
confirmaram os fluxos de entrada esperados. O saldo médio per capita
delas caiu para a metade!

Leia também:  Notas torpes sobre um quase adeus ou até breve ao


GGN, por Armando Coelho Neto
Enquanto isso, aumentaram um pouco os saldos per capita dos Pobres e
do Varejo Tradicional. Caiu o saldo médio em contas correntes do Varejo
de Alta Renda. Devido ao alto valor dos saldos de Ricaços, aparenta ser
de CNPJ em lugar de CPF.

Verifiquei se juntou a preferência pela liquidez com a necessidade de


segurança com proteção da riqueza financeira da corrosão inflacionária
do poder aquisitivo real. Em 2020, o CDI acumulou 2,76% no ano contra
inflação do IPC em 4,52%, ou seja, houve perda com juro real de
-1,68%. Em janeiro de 2021, aplicações de 100% do CDI oferecidas em
CDBs de “bancos grandes demais para quebrar” continuaram a perder: a
CDI rendeu 0,15% a.m. e o IPCA mensal corroeu em 0,29%, resultando
em juro real de -0,14%. Depósitos de poupança (70% do CDI) tiveram
perda real de -2,19% em 2020 e -0,17% no primeiro mês de 2021.

Embora tenha aumentado 60 milhões contas de depósitos de poupança,


de março a novembro de 2020, alcançando praticamente a população
brasileira (inclusive crianças abaixo de 15 anos), o saldo médio per
capita não se alterou muito em todos os segmentos de clientes. A
exceção foi a queda no segmento dos “ricaços” poupadores.
Para onde foi o dinheiro em busca de proteção contra a marcação-a-
mercado dos Fundos (DI e CP – Crédito Privado), com perda no valor
nominal de cotas em função da queda do valor de mercado das
debêntures no mercado secundário? O patrimônio líquido dos Fundos
variou de R$ 5,469 trilhões em dezembro de 2019 para R$ 6,030
trilhões em dezembro de 2020 (aumento nominal de 10,25%), mas em
termos reais caiu de R$ 6,849 trilhões para R$ 6.030 trilhões com perda
real de 11,95%.

Pelos dados do Banco Central do Brasil, depósitos a prazo cresceram de


R$ 1,115 trilhão em dezembro de 2019 para R$ 1,743 trilhão em
dezembro de 2020, ou seja, R$ 628 bilhões ou 56,3%. Superaram o
crescimento de depósitos de poupança de R$ 849 bilhões para R$ 1,040
trilhão: R$ 190,4 bilhões ou 22,4%. E mais ainda o dos depósitos à
vista de R$ 219 bilhões para R$ 314 bilhões: R$ 94,3 bilhões ou 43%.
Mesmo o crescimento do papel-moeda impressionou os incautos: foi de
R$ 228 bilhões para R$ 309 bilhões: R$ 80,7 bilhões ou 35,4%. Com
dados do FGC verifica-se a segmentação.

Leia também:  Impeachment à brasileira: cai quem as elites querem


que caia, por Marcos Coimbra

Judith Butler: Por que Trump nunca


admitirá sua derrota
O trumpismo sobreviverá a Trump, continuando a assumir novas formas. O
supremacismo branco é uma fantasia política, mas também uma realidade
histórica
Por

 Jornal GGN

 -
30/01/2021

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do Blog da Boitempo

por Judith Butler

Pode-se atribuir pouca importância ao fato de que Donald Trump


mostrou-se incapaz de se reunir com Joe Biden, de transmitir o cargo e
de reconhecer que perdeu a eleição. Mas, e se a recusa a assumir a
derrota estiver associada à trajetória de destruição que podemos chamar
de rota de saída de Trump? Por que é tão difícil perder?

Essa questão tem, nestes tempos, ao menos dois sentidos. Muitos


dentre nós perderam alguém para a covid-19 ou temem a morte, seja
ela a própria ou de outrem. Todos estamos vivendo em um ambiente de
doença e de morte, tenhamos ou não um nome para essa atmosfera
particular. Elas estão, literalmente, no ar. Mesmo assim, a forma de
nomear e compreender tais perdas não está clara. E a resistência de
Trump a expressar qualquer forma de luto tem origem na recusa
machista ao lamento, à qual ele contribui, e que está associada ao
orgulho nacionalista e, até mesmo, ao supremacismo branco.

Os trumpistas tendem a não velar publicamente as mortes decorrentes


da pandemia. Eles têm rejeitado os números que afirmam serem
exagerados (“fake news!”) e afrontado o risco de morte de forma
sistemática, com suas aglomerações e pilhagens desmascaradas dos
espaços públicos, que chegaram a um ápice, mais recentemente, em
seu espetáculo de selvageria no Capitólio, trajando fantasias de animais.

Trump nunca reconheceu as perdas que os Estados Unidos sofreram, e


não tem a predisposição nem a capacidade de oferecer suas
condolências. Nos momentos em que fez referência a elas, não eram tão
graves, a curva estava achatando, a pandemia seria curta, não era sua
culpa, era culpa da China. O que as pessoas precisavam, ele afirmava,
era voltar ao trabalho, pois estavam “morrendo” em casa – querendo
apenas dizer, com isso, que elas enlouqueciam por causa do
confinamento doméstico.

A incapacidade de Trump de reconhecer sua derrota eleitoral está


relacionada não apenas à sua incapacidade de reconhecer e lamentar as
perdas que a pandemia infligiu à população, mas também ao seu
itinerário destrutivo. Reconhecer abertamente sua derrota eleitoral seria
afirmar-se como um perdedor, e ele simplesmente não é o tipo de cara
que perde. E se perdeu foi porque alguém tomou algo que era seu por
direito.

Leia também:   Indústria cultural e a origem da manipulação de


massa pela burguesia, por Michel Aires de Souza Dias

Há, no entanto, mais uma questão. Os supremacistas brancos que


invadiram o Capitólio também estão convencidos de que não apenas as
eleições, mas o seu país, foram roubados; de que estão sendo
“substituídos” por comunidades negras, por judeus. Seu racismo luta
contra a ideia de que deveriam abandonar sua concepção de privilégio e
sua supremacia branca.

Para tanto, eles viajam ao passado e tornam-se soldados Confederados,


assumem papeis fantasiosos em jogos de videogame, com poderes
super humanos, vestem-se como animais e ostentam publicamente suas
armas de fogo, revivendo o “velho Oeste” e seu genocídio indígena. Eles
se consideram “o povo” e “a nação”, o que explica seu choque quando
são presos pelos crimes que cometeram.

Como assim uma invasão, uma sedição, uma conspiração? Eles estavam
apenas recuperando “sua casa”.  Como isso poderia ser um crime, já
que o próprio presidente lhes pediu que realizassem tais atos? Aqueles
que tentaram encontrar, matar ou sequestrar autoridades eleitas
claramente tinham planos violentos, muito bem documentados em seus
diversos sites na internet, e ignorados por policiais complacentes. E o
ataque à polícia, até mesmo a morte por esmagamento de uma das
suas, Rosanne Boyland, passaram despercebidos no calor do alvoroço
letal.

Pode até mesmo ser que a matança final de Trump, que tirou a vida de
13 pessoas desde que as execuções federais foram retomadas em Julho
de 2020, seja outro exemplo da prontidão a matar que marca estes dias
finais. Onde quer que exista uma recusa generalizada ao
reconhecimento da perda de vidas, matar torna-se, certamente, mais
fácil. Estas vidas não são totalmente consideradas enquanto tais, e sua
perda não é verdadeiramente tida como significativa. Nesse sentido, os
últimos dias de Trump, incluindo o assalto ao Capitólio, são uma réplica
violenta ao movimento Black Lives Matter.

Por todo o mundo, milhões foram às ruas para se opor indignadamente


à impunidade de policiais assassinos, formando um movimento que
expôs o racismo histórico e sistêmico e que se opôs à facilidade com que
as polícias e as prisões destroem vidas negras. Este movimento continua
sendo uma ameaça global ao supremacismo branco, e a reação tem sido
violenta e odiosa.

Leia também:  O grande divórcio entre o Judiciário e as maiorias,


por Antônio Sales Rios Neto
Os supremacistas não querem perder sua supremacia, mesmo que já a
tenham perdido e continuem a perdê-la conforme os movimentos por
justiça racial conquistam seus objetivos. A derrota de Trump é tão
impensável quanto a sua própria e isso é, inquestionavelmente, um dos
laços que os associa à sua convicção delirante de uma eleição roubada.

Antes do assalto ao Capitólio, era, certamente, preocupante, mas


também cômico, que Trump procurasse negar de forma maníaca suas
derrotas por todos os meios possíveis. Mas esse esforço faz sentido se o
consideramos como uma incapacidade generalizada de reconhecer a
perda. Um reconhecimento que, segundo Freud, constitui o trabalho do
luto. Para que se faça o luto, porém, é preciso haver uma forma de
marcar a perda, de comunicá-la e registrá-la. Nesse sentido, o luto
requer comunicação e, ao menos, a possibilidade de um consentimento
público.

A fórmula é, mais ou menos, a seguinte: eu não posso viver em um


mundo no qual o objeto valorizado foi perdido, ou não consigo ser a
pessoa que perdeu o que valorizo. Portanto, destruirei este mundo que
me confronta com o que perdi, ou abandonarei tal mundo através da
fantasia. Esta forma de negação prefere destruir a realidade, ou alucinar
uma outra mais desejável, a registrar o veredito da derrota que a
realidade impõe.

O resultado disso é uma forma de raiva destrutiva que nem se preocupa


com oferecer um álibi moral. O problema fica claro na onda de sentenças
de morte, assassinatos sancionados pelo Estado, mas também no gesto
de ignorar o número de mortos pela covid-19, especialmente aqueles
que nos mostram que as comunidades de cor são afetadas de forma
mais adversa, incluindo as populações indígenas, mais duramente
atingidas. Faz, cruelmente, sentido que Trump assine um acordo, em
seus últimos dias no poder, para destruir territórios sagrados no Arizona
e acelerar a produção de cobre no mesmo momento em que o fracasso
das políticas públicas leva a um aumento no número de mortes nestas
comunidades

O supremacismo branco encontrou para si um espaço vazio na política


norteamericana. O trumpismo sobreviverá a Trump, continuando a
assumir novas formas. O supremacismo branco é uma fantasia política,
mas também uma realidade histórica. Ele pode ser compreendido, em
parte, como a recusa a velar a perda de supremacia que o movimento
em defesa de vidas negras e de ideais de justiça racial legitimamente
demanda.

Leia também:  O estúpido argumento do “Choque de Civilizações”


como justificativa imperialista: origens modernas, por Bruno
Beaklini

Chegou, então, a hora de os racistas velarem essa perda, mas há


dúvidas de que realmente o farão. Eles sabem que o que imaginam ser
seu direito natural pode ser tomado, está sendo tomado, e a luta que
estão travando é histórica. Eles viverão sua fantasia até que a realidade
histórica os impeça. Esperemos que a resposta de Biden não seja
intensificar o Estado policial com este propósito. Isso seria cruelmente
irônico.

* Publicado originalmente no The Guardian em 20 jan. 2021.


Tradução  de Daniel Pavan para o  A terra é redonda.

***

Judith Butler é professora Maxine Elliot dos Departamentos de Retórica


e de Literatura Comparada, além de codiretora do Programa de Teoria
Crítica, da University of California, em Berkeley. É também professora
da cátedra Hannah Arendt e do Departamento de Filosofia da European
Graduate School, em Saas-Fee, na Suíça. Em 2008 foi laureada com o
prêmio Andrew Mellon por seu destaque acadêmico na área de
humanidades e em 2012 recebeu o prêmio Theodor W. Adorno. Integra
conselho consultivo da organização Jewish Voice for Peace e faz parte do
quadro executivo da Faculty for Israeli-Palestinian Peace, nos Estados
Unidos, e do centro cultural The Freedom Theatre, no campo de
refugiados de Jenin, na Palestina. Tornou-se referência nos
estudos queer e tem diversos livros publicados no Brasil, entre
eles Problemas de gênero, Quadros de guerra e Caminhos divergentes:
judaicidade e crítica do sionismo. A edição mais recente da revista da
Boitempo, a Margem Esquerda, traz um especial sobre marxismo e lutas
LGBT e abre com uma entrevista de Butler para as professoras Maria
Lygia Quartim de Moraes, Carla Rodrigues e Yara Frateschi. Para 2020, a
Boitempo prepara a publicação de seu livro mais recente, A força da não
violência.

Os saldos médios per capita de todos os segmentos, exceto a pequena


diminuição dos de ricaços, se mantiveram nos mesmos patamares,
apesar da significativa alteração dos valores nominais totais de cada um
deles. Por essa amostra representativa, a grande maioria dos
investidores brasileiros, em defesa de suas reservas
financeiras, optaram por liquidez e segurança em lugar de rentabilidade.
Eles não podem ser confundidos com os especuladores entrantes na
bolsa de valores.

Quase dobrou o número de CPF na Bovespa (de 1,679 milhão para


3,229 milhão), mas apesar desse número aumentar 92%, o valor bruto
aumentou bem menos (32%), logo, o saldo médio per capita caiu -31%.
Em todas as faixas de idades, houve essa perda relativa de valores
médios per capita.

O valor total jogado na bolsa de valores por Pessoa Física, em 2020, se


elevou em apenas R$ 110 bilhões e alcançou R$ 453 bilhões no fim-do-
ano. Ficou pouco acima da variação do total de depósitos à vista e
perdeu longe das variações dos depósitos de poupança e a prazo. Os
investidores esperam com preferência pela liquidez generalizada a
melhoria do cenário econômico-financeiro e sanitário. A convicção da
maioria é só quando houver a mudança de (des)governo acontecerá
alguma iniciativa estatal para a saída da Armadilha da Liquidez à
brasileira com Grande Depressão inflacionária.

Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP.


Autor de “Bancos e Banquetas: Evolução do Sistema Bancário com
Inovações Tecnológicas e Financeiras” (2021). Baixe em “Obras (Quase)
Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: ferna
ndonogueiracosta@gmail.com.
Sanders mal humorado, golpe fitness e
Trump: junção de memes é a síntese da
contemporaneidade pós-pandemia
Publicado por
 Charles Nisz
 -
 4 de fevereiro de 2021

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O balaio de gatos que virou pop

É impossível entender o mundo contemporâneo sem entender


a cultura da Internet.

Todo o debate cultural, político e econômico está trespassado


pela capacidade da web em sintetizar assuntos, traçar
paralelos com o passado e, claro, de fazer piada de qualquer
assunto.
Nas últimas semanas, uma série de acontecimentos políticos
foram retratados pelo que a Internet faz de melhor: memes.

Um tweet viral juntou Sanders na posse de Joe Biden, uma


blogueira dando uma aula de aeróbica durante um golpe
militar, Trump dançando para pedir votos e um gato ao som
de música tradicional turca.

Em 20 de janeiro, na posse de Joe Biden, recém-eleito


presidente dos EUA, uma imagem de Bernie Sanders,
concorrente de Biden à indicação democrata, viralizou.

O líder americano aparece sentado sozinho, todo encapotado


devido ao frio na capital americana e com luvas feitas de tricô.

Para além dos memes e das piadas (uma das montagens


colocava Sanders com a Esfinge em Gizé, no Egito), uma
campanha virtual arrecadou US$ 10 milhões para fazer blusas
como a que Sanders vestia na posse.

Ainda relacionado com a campanha eleitoral norte-americana,


está o vídeo de Trump dançando.

Durante a campanha, Trump proibiu o TikTok, um aplicativo


de vídeos curtos nos EUA por conta das disputas comerciais
com a China, mas ironicamente, uma das melhores peças de
sua campanha foi justamente uma montagem do ex-
presidente americano dançando ao som de YMCA.

Um vídeo feito para ironizar as habilidades dançantes (ou a


falta delas) foi usada pela campanha de Trump para pedir
voto ao republicano, num ato desesperado na última semana
do pleito. Mostra de como marketing eleitoral é muito sobre
como transformar limões em limonadas.

Já nesta semana, as piadas ficaram por conta de uma


blogueira fitness de Mianmar.

Nesta segunda-feira (01), o exército de Mianmar deu um


golpe militar no país do sudeste asiático e prendeu integrantes
do governo, inclusive a líder política Aung San Suu Kyi,
vencedora do Nobel da Paz em 1991, e o presidente do
país, Win Myint.

Para relembrar a frase do filme Batman, o cavaleiro das


trevas: “Ou você morre jovem suficiente para permanecer
herói ou vive o suficiente para virar vilão”.

Foi o caso de Suu Kyi, ativista na juventude, mas cujo


governo foi acusado de diversos abusos, dentre eles, o de
perseguir os rohingyas, uma minoria islâmica num país
majoritariamente budista.

Num vídeo surreal, uma mulher grava uma aula de ginástica


aeróbica durante a chegada do comboio militar ao parlamento
do país.

Sem perceber que o golpe estava acontecendo, a mulher


continua a aula normalmente. Poucas coisas poderiam
sintetizar de forma mais concisa a vertigem do mundo pós-
moderno – ainda mais o mundo pós-pandemia.

Por fim, a história por trás da hipnotizante música que embala


a junção de todos esses memes.
Um gato dançando uma música de inspiração turca. O meme
de um homem tocando uma música num tambor enquanto um
gatinho dançava foi um dos memes mais compartilhados de
2020, um ano bastante fora do comum.

O músico é Bilal Göregen, percussionista que toca darbuka,


instrumento de percussão tradicional em países árabes.
Deficiente visual, toca num estilo muito popular na região
onde nasceu.

A música que viralizou com o gato é uma versão de uma


música chamada “Levan Polkka”, do grupo finlandês Loituma.
A versão de Göregen, provavelmente foi cantada de forma
mais veloz pela pouca familiaridade com o finlandês. Silábica,
a música é pura forma – não tem letra.

Muita gente pode pensar que o músico ficou chateado com a


zoação e os memes com o gato.

Que nada! Ele não só curtiu a brincadeira como a postou em


seu canal no YouTube. Contumaz usuário da
Internet, Göregen tem 18 vídeos com milhões de
visualizações e até já participou do
programa Got Talent Turquia.

“Criada” por Tim Barners-Lee em 1991, a Internet não é só


um meio de comunicação. Virou infraestrutura.

Não é mais possível pensar – e entender – o mundo sem ter


em conta a cultura online.
Política, jornalismo e educação foram transformadas pela rede
para sempre. Qualquer político ou figura influente precisa
pensar numa estratégia digital eficiente. Afinal, para ir dos
EUA à Mianmar, passando pela Turquia, basta a velocidade de
um clique.

Se Biden está se movendo para a


esquerda, agradeça à esquerda. Por
Liza Featherstone
Publicado por
 Diario do Centro do Mundo
 -
 3 de fevereiro de 2021

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Joe Biden. Foto: Wikimedia Commons

Publicado originalmente no site da Jacobin

POR LIZA FEATHERSTONE 

Joe Biden, sejamos francos, é uma figura bem improvável de


sustentar uma agenda política que mire na transformação. Ele
está implicado profundamente em muito do que há de errado
com os Estados Unidos e o mundo de hoje: já trabalhou feliz
da vida com segregacionistas nos anos 1970, depois virou um
criminoso parlamentar, fato que resultou em encarceramento
em massa, e foi também um campeão da guerra do Iraque,
que matou dezenas de milhares de civis iraquianos e soldados
estadunidenses. Em Yesterday’s Man (Verso, 2020), o novo
livro do meu colega de Jacobin, Branko Marcetic, você pode
conhecer mais sobre essa deprimente figura pública do
conservadorismo.
Vale perguntar por que, então, dado este histórico e contexto,
a nova agenda política de Biden parece surpreendentemente
decente? Parte disso se explica com a tentativa de desfazer o
estrago e as falhas críticas dos últimos quatro anos; sabemos
que seu antecessor, um aspirante a ditador adorado por
fascistas ao redor do mundo, acabou com qualquer
parâmetro. Entretanto, esta não é toda a história.

Ontem, durante seu primeiro dia de mandato, Biden assinou


uma série de decretos executivos. Alguns deles acenam para
o que qualquer democrata faria, mas ainda assim, são dignos
de nota, já que são cruciais para a sobrevivência humana: ele
assinou um decreto que obriga o uso de máscaras em todos
as propriedades públicas, retornou ao acordo de Paris e a
Organização Mundial da Saúde (OMS), e restaurou a
capacidade deste governo de lidar com a pandemia de
maneira coordenada.

Também deu fim à comissão racista e anti-intelectual de


Trump, a Comissão 1776, e colocou os imigrantes mais
próximos da residência permanente de novo. Os outros
decretos visam reverter o ataque bárbaro à classe
trabalhadora internacional empregado pelo governo Trump: o
fim do “banimento muçulmano” (impedimento de entrada de
pessoas de certos países, todos muçulmanos), a retomada dos
requerimentos para vistos destes países, em um movimento
para reunir famílias separadas na fronteira, criar proteções
contra a discriminação racial, parar com a construção do
muro, e reinserir não-cidadãos estadunidenses no Censo
nacional.
Ainda, alguns desses decretos foram mais longe ainda,
incorporando um afastamento mais decidido da política
econômica bipartidária da era Reagan do que esperamos. Ele
interrompeu o oleoduto Keystone, revogou permissões de
combustível e gás em todos os monumentos nacionais,
estendeu ordens de despejo e encerrou moratórias, pausou o
pagamento de empréstimos estudantis e congelou as
regulações contra o meio-ambiente de Donald Trump.

Sua agenda legislativa também se afasta da austeridade que


muitos de nós esperávamos dele um ano atrás. Qualquer
democrata em sã consciência – torcemos – rejeitaria a
besteira anticientífica e machista que foi a resposta de Trump
à pandemia e ao menos tentaria um estímulo econômico
meia-boca para enfrentar a recessão.

A coisa é que Biden está propondo gastar dinheiro de verdade


com essas urgências. E pediu ao Congresso 1.9 trilhões de
dólares para vacinar todos o mais rápido possível, investir no
auxílio às famílias estadunidenses, ajudar escolas a abrirem
em segurança, os governos estaduais a sanar problemas
públicos vitais, e aumentar o salário mínimo para 15
dólares/hora. Ele nomeou Janet Yellen para a secretaria do
Tesouro e não um urubu capitalista qualquer. Biden parece
aberto à ideia de taxar os ricos. Diz ele que quer expandir o
acesso à saúde.

Ele também colocou uma ênfase sem precedentes na


mudança climática, mesmo em meio à outras crises que
naquele momento os eleitores considerassem mais urgentes,
e nomeou um time de especialistas no clima para sua equipe
na Casa Branca, estabelecendo a meta de descarbonizar o
sistema elétrico em quinze anos, ação que surpreendeu tanto
a indústria de combustível fóssil quanto ativistas climáticos.

Os planos de Biden não são a mesma coisa que a agenda


social-democrata de Bernie Sanders. Ele não está insistindo
no Medicare for All, no Green New Deal pra valer ou na
gratuidade do ensino superior. Sanders promoveria o
cancelamento de dívidas de aluguel e estudantis – esta
última, para sempre. Ainda assim, após a revirada
impensável, Joe Biden está parecendo, por enquanto, um bom
liberal.

Essa espécie há muito em extinção tende a florescer quando


seu habitat inclui duas condições históricas de uma vez: crise
profunda e um movimento social organizado. Sem a Grande
Depressão e a Segunda Guerra Mundial, Franklin D. Roosevelt
provavelmente seria lembrado agora como um bem reputado
branco de classe média com uma esposa com consciência
social diferenciada e uma vida nada convencional.

Você consegue imaginar Joe Biden sem a devastadora


pandemia da COVID-19, a recessão, os protestos em massa
contra a brutalidade policial no último verão ou as duas
campanhas presidenciais de Bernie Sanders e suas
consequências (a viabilização de novos políticos socialistas
democráticos como Alexandria Ocasio-Cortez, Cori Bush e
Jamaal Bowman, novas prioridades dentro da social-
democracia como saúde e moradia e o crescimento da
militância organizada de esquerda)?

Claro que consegue! Todos conhecemos esse Joe Biden.


A melhor estratégia da esquerda é não ignorar a ascensão
desse novo Biden, nem insistir que o antigo foi embora para
sempre. Ao invés disso, nós devemos reivindicar o crédito por
esse liberal bonzinho que começa agora sua passagem pela
Casa Branca e criar as condições necessárias para garantir
que ele faça tudo que prometeu e muito mais. Principalmente
sobre o clima, uma pauta onde não existe tempo a ser
desperdiçado e tem muito potencial para a ação.

Nós, da esquerda, parecemos ser mais inteligentes e realistas


com nossos camaradas quando viramos nossos olhos e
dispensamos a possibilidade de extrair alguma coisa desses
democratas, quando ignoramos essas nuances e ficamos
chamando nossos oponentes de neoliberais como se nada
estivesse acontecendo. Precisamos também reivindicar as
vitórias da esquerda e compreender a dramática crise global
que produziu a nova encarnação de Joe Biden.

Desistir de pressionar o governo seria um erro; nós


precisamos exigir que Biden cumpra suas promessas,
enquanto também nos explica por que nosso mundo precisa
de algo a mais que um bom liberalismo: se a história nos
ensina alguma coisa é que a política externa de Biden tenderá
a ser profundamente antissocialista e sangrentamente
intervencionista.

Acima de tudo, nós precisamos construir o socialismo, a


esquerda, e o poder operário da base, focando nos governos
locais e estaduais e em nossos locais de trabalho. Esta é a
única maneira de garantir que as futuras gerações possam
esperar algo melhor que a  versão liberal de Joe Biden. Não
podemos permitir que esse momento caótico e complicado
seja desperdiçado.

Após Trump intensificar hostilidade,


Biden pretende rever sanções impostas
a Cuba
Publicado por
 Diario do Centro do Mundo
 -
 4 de fevereiro de 2021

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Publicado originalmente no Diálogos do Sul

A secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki – Foto: Reprodução

O governo de Joe Biden pretende rever a política dos Estados


Unidos em relação a Cuba, anunciou a Casa Branca, após
quatro anos em que o ex-presidente Donald Trump
intensificou a hostilidade e o bloqueio à ilha.

De acordo com a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen


Psaki, eles irão, em breve, rever as políticas do governo
Trump em relação à nação caribenha.

Desde o início de seu mandato, em janeiro de 2017, o


magnata começou a implementar medidas inéditas contra
Cuba, que se destacaram pela sistematicidade hostil e
ultrapassaram a cifra de 240 atos.

Segundo declarações de autoridades cubanas, cada setor da


ilha sofreu o impacto desta escalada de ataques, acentuada
no contexto da pandemia Covid-19.

As 242 medidas, em sua maioria, intensificaram o bloqueio


econômico, comercial e financeiro imposto por Washington
durante quase seis décadas, com o objetivo de sufocar o país
caribenho, obstruindo as fontes de renda, dificultando as
relações e criando uma situação de ingovernabilidade.

Além disso, as disposições proibiam viagens de cruzeiros,


voos regulares e charter para todo o país, com exceção de
Havana.

Também impossibilitaram o envio de remessas por meio das


empresas cubanas Fincimex e American International
Services, principais canais formais de realização de transações
na ilha.
Da mesma forma, Cuba não pode importar produtos de
nenhum país que contenha mais de 10% de componentes
estadunidenses, enquanto o rum e o tabaco da ilha, os
principais produtos exportáveis, estão proibidos de entrar no
país do Norte.

Da mesma forma, são perseguidas as operações bancário-


financeiras da maior das Antilhas e há 231 empresas inscritas
na Lista de Entidades Cubanas Restritas do Departamento de
Estado dos Estados Unidos.

As medidas contra navios, armadores e empresas ligadas ao


transporte de combustíveis, providências contra altas
lideranças, além da inclusão do país em listas arbitrárias e
unilaterais, completam esse panorama traçado pelo presidente
republicano.

Em 11 de janeiro, poucos dias após o término de seu


mandato, o governo Trump emitiu uma nova medida
unilateral, classificando Cuba como um suposto Estado
patrocinador do terrorismo, decisão amplamente rejeitada ao
nível internacional.

Redação Prensa Latina

Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos


reservados.

Tradução: João Baptista Pimentel Neto


Exportações brasileiras para a China
aumentaram de 29,6% para 33,52% nos
últimos 12 meses. Por Luis Nassif
Publicado por
 Diario do Centro do Mundo
 -
 5 de fevereiro de 2021

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Bandeiras de Brasil e China


Foto: Embaixada da China no Brasil

Publicado originalmente no GGN:

Por Luis Nassif

A China continua avançando fortemente, mês a mês, no


comércio externo brasileiro.

Nos 12 meses acumulados até janeiro de 2021, em


comparação com o ano anterior, o percentual das exportações
brasileiras para a China aumentou de 29,6% para 33,52%.

No mesmo período, houve queda na participação dos


principais parceiros comerciais: para os Estados Unidos as
exportações caíram de 17,1% para 13,1%; da União
Europeia, de 17,6% para 14,5%. Além da China, apenas o
Sudeste Asiático registrou alta nas exportações brasileiras.

Esse mesmo processo ocorreu em relação às importações.


Houve queda de todos os blocos, com exceção da China.

Mesmo com a alta das importações, houve aumento


substancial no superávit brasileiro em relação à China. Depois
dela, apenas em relação à União Europeia houve auimento.

A mudança na composição do superávit comercial é mais


reveladora ainda do peso da China.

No acumulado até janeiro de 2021, a China respondeu por


72,8% do superávit. O segundo colocado foram as nações do
Sudeste Asiático, com 14,1% do superávit.

De janeiro de 2020 a 2021, houve um aumento de US $6,7


bilhões no superávit comercial brasileiro. Apenas em relação à
China, o superávit aumentou US $7,7 bilhões. O que significa
que, sem a China, o superávit teria caído US $1 bilhão.

De janeiro de 2020 a 2021, houve um aumento de US $6,7


bilhões no superávit comercial brasileiro. Apenas em relação à
China, o superávit aumentou US $7,7 bilhões. O que significa
que, sem a China, o superávit teria caído US $1 bilhão.

Outro dado significativo está na comparação entre o fluxo de


comércio dos Estados Unidos em relação à China. Em janeiro
de 2011, o comércio com os EUA representava quase 80% do
comércio com a China. Em 2021 caiu para pouco mais de
40%.

No gráfico abaixo, o comportamento do superávit comercial


brasileiro com e sem China.
O truque da Folha para manter a
agenda nefasta de Guedes mesmo com
a volta da turma de Cunha à Câmara.
Por Luis Felipe Miguel
Publicado por
 Diario do Centro do Mundo
 -
 1 de fevereiro de 2021

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Paulo Guedes tenta começar o ano dando alguma satisfação ao mercado
financeiro, retomando compromisso de desmonte do Banco do Brasil e do
Estado – Evaristo Sa/AFP

Publicado originalmente no Facebook do autor:

Por Luis Felipe Miguel

Uma chamada da Folha online diz: “Bolsonaro conta com Lira


para afastar impeachment e lançar bases para reeleição”.

A linha fina: “Se aliados vencerem na Câmara e no Senado,


presidente buscará avançar na agenda ideológica”.

Outra chamada, logo abaixo: “Alinhamento entre Câmara e


Senado deverá impulsionar pauta econômica, avalia governo”.
Na cartola, aparece: “Agenda de Guedes”.

Claro, a “agenda de Guedes” não é “agenda ideológica”…


Em seguida, o jornal direciona para um texto de opinião: “A
reforma administrativa precisa estar no centro da agenda”.

Dois comentários:

(1) A oposição a Bolsonaro, de parcelas da burguesia


brasileira como a que a Folha representa, encontra sempre
seu limite no projeto de destruição do Estado.

Por isso o ímpeto para tirar o genocida do poder sempre é


refreado – afinal, é preciso preservar a “agenda de Guedes”.

(2) Enganam-se aqueles, à esquerda, que julgam que a


derrota de Baleia não será um grave revés, que ele e Lira ou
Maia e Bolsonaro são simplesmente farinha do mesmo saco.

Podem até ser. Mas estão engajados em projetos pessoais em


conflito.

Por isso Maia barrou – e Baleia barraria – parte das iniciativas


do Poder Executivo. Não por amor à democracia, ao povo ou
ao país, mas por raso autointeresse. Tanto faz: sem isso,
estaremos em situação bem pior.

Karol Conká usa seu “lugar de fala” para


silenciar e humilhar os outros. Por
Nathalí Macedo
Publicado por
 Nathalí Macedo
 -
 2 de fevereiro de 2021
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Karol
Conká no BBB21. Foto: Reprodução/Globo

O desejo de expulsão da rapper Karol Conká do Big Brother


Brasil 21 é uma das poucas coisas – talvez a única – que
unem o Brasil neste momento. Ela não precisou de muito
tempo pra demonstrar sua arrogância, sua perversidade e seu
ego maior do que o hate que tem recebido nas redes sociais.

Ontem, a maior página de fanbase da cantora no Instagram


desativou o perfil com as palavras: “Descobrimos que ela é
uma pessoa horrível e queremos que ela se f*da”.

Sua ex-empresária, Drica Lara, que trabalhou diretamente


com Karol por pelo menos cinco anos, fez um desabafo na
noite de ontem chamando-a de “mau-caráter”, por ter
propositalmente destruído sua carreira entre os outros rappers
acusando-a, sem provas, de racismo.

Depois dos ataques xenofóbicos a uma participante nordestina


e do terror psicológico que tem sido praticado por Karol contra
Lucas Penteado – outro negro tratado como lixo em rede
nacional -, eis que o Brasil descobre o óbvio: nem todos os
militantes são alecrins dourados da igualdade.

Assim como o privilégio não transforma ninguém em monstro,


a falta dele não torna ninguém um anjo.

A “geração tombamento” – que foi assim batizada graças a


uma música de Karol Conká – nunca foi um poço de
coerência. Quem frequenta a universidade nesses tempos
sabe: tá cheio de Karol Conká por aí.

Gente que usa seu “lugar de fala” (um conceito que vem
sendo erroneamente empregado há anos) para silenciar e
humilhar os outros. Gente que quer discutir temas de extrema
relevância para uma sociedade inteira baseando-se apenas em
“vivências”, de preferência excluindo do debate qualquer um
que não concordar.

Enquanto uma mulher não-negra, dizer isso me exige


coragem. Mas se há um momento propício para que este
silêncio seja quebrado, ele chegou. Para além disso, não
direciono minha crítica às pessoas negras: ela está
direcionada a uma militância identitária (inclusive a militância
feminista nas Universidades) que se porta com arrogância e
se iguala, muitas vezes, aos fascistas que diz combater.
Desde que essa militância deixou de ser em muitos espaços
um movimento de fato político e passou a ser – assim como
tantos outros – apenas uma forma de se afirmar e se colocar
no mundo, a lacração irrefletida e por vezes hipócrita tornou-
se regra.

É minha obrigação moral, entretanto, salientar o que talvez


poucos se dignem a refletir: Karol Conká não é o movimento
negro. A geração tombamento não representa – ou ao menos
não em sua totalidade – o movimento negro.

É preciso separar o joio do trigo.

O antirracismo – aquele de fato estuda, se articula e constrói


– está organizado em movimentos sociais nas periferias e
zonas rurais desse Brasilzão, e, em geral, não tem tempo pra
tombar. São as mulheres rurais com as quais trabalho
diretamente todos os dias, que tratam os outros com afeto e
respeito. São aquelas que, na maioria esmagadora das vezes,
sequer tem espaço na mídia mainstream.

Carol, assim como tantas, é apenas uma mau-caráter –


valendo-me das palavras de quem a conhece melhor do que
eu – que surfa na onda de um movimento que não conhece,
fingindo defender causas que no fundo não defende (enfim, a
hipocrisia) pra assumir um lugar de superioridade moral e, é
claro, faturar uma grana.

Não é justo assumir que essa gente representa o antirracismo


politicamente organizado, gente que não discute políticas
públicas ou ideias em torno do enfrentamento ao racismo –
antes disso, se ocupa em cancelar os outros na internet.
O cancelamento, aliás, é a especialidade dessa militância
identitária podre. Cancelam meio mundo e quando os outros
querem cancelar um deles: “ai, cancelamento é coisa de
fascista!” Juram, meus alecrins? E só agora vocês perceberam
isso?

Já era tempo de percebermos – e tudo bem precisar de um


reality show pra isso, pois nunca devemos menosprezar o
poder da cultura de massas – que, pra muita gente que surfa
na onda o identitarismo – assim como a Conká – militar é de
fato só uma forma de aparecer.

Ouso ainda dizer – correndo sério risco de ser cancelada – que


esses exemplares de arrogância e preconceito estão aí por
toda a parte, e, com um pouco de boa vontade, não é difícil
reconhecê-los. E que o que separa Karol Conká da verdadeira
militância é o respeito ao coletivo.

Quer saber quem de fato luta por uma causa e quem quer
apenas um “lugar de fala” pra diminuir os outros e ganhar
dinheiro? Observe quem luta por um grupo e quem luta
apenas por si, e repare bem naqueles que dizem ou querem
fazer parecer que empoderamento tem a ver com “mamacita
fala, vagabundo senta”.

Não existe empoderamento individual: toda luta válida é


coletiva. O resto é lacração barata.
Uma nova Lei de Gérson, nascida no
Flamengo, tomou conta do noticiário
esportivo. Por Erick Cerqueira
Publicado por
 Kiko Nogueira
 -
 27 de dezembro de 2020

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Gérson, do Flamengo, que acusou Ramírez de racismo

Publicado no Futebol Baiano

POR ERICK CERQUEIRA

“Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu


quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo,
certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!”.
Como essa frase Gérson, o cérebro da Seleção de 70,
encerrava um comercial de cigarros e involuntariamente
associava seu nome, de forma pejorativa, à malandragem.
Nascia a Lei de Gérson, ou mania de querer levar vantagem
em tudo, sem se preocupar com questões éticas.

O  “Canhotinha de Ouro” começou sua carreira como meio-


campista no Flamengo no final dos anos 50, e é duplamente
famoso pelo futebol e pela lei.

Hoje, uma nova Lei de Gérson, nascida também no Flamengo,


tomou conta do noticiário esportivo.

Quando Gerson virou revoltado para encarar Ramirez,


alegando ter ouvido “Cala boca, seu negro”, a revolta de ver
um jogador do Bahia, o clube mais antirracista do país,
envolvido em caso de racismo pra mim, foi maior que a razão.

E, como escrevo sempre meus textos “no calor do final do


jogo”, acabei errando no julgamento que fiz a Ramirez,
condenando ele de pronto, confiando na voz da vítima. Errei
(mas não errei só).

O que aconteceu depois foi um espetáculo de três grandes


grupos.

Os que, como eu, revoltaram-se com a acusação, os que


partiram para a defesa de forma equivocada do jogador e os
que queriam esperar as investigações para opinar (que inveja
desses). E quem mais acertou foram justamente os mais
acusados de estarem errados: Bellintani e o Bahia.
A verdade é que o Gerson não conseguiu provar a ofensa (até
o momento em que escrevo esse texto). Nenhuma câmera,
microfone, ou colega dele, captou a injúria racial.

Mas a imprensa comprou a narrativa dele, a CBF saiu em


apoio ao Flamengo (novidade) e todos execraram Ramirez.
Sem as provas, tentaram inventar a injúria racial, dessa vez,
com Bruno Henrique, mas o tiro saiu pela culatra. O que
encontraram foi uma ofensa xenofóbica do jogador
flamenguista, em bom português, chamando o Índio de
“Gringo de Merda”.

Do lado dos defensores inveterados, o erro foi tentar mudar o


foco da questão. Fotos de Ramirez com amigos negros
circulavam nas redes (tipo: não sou racista, tenho amigo
preto), de Gerson xingando jogador nordestino e até abaixo-
assinado no Avaaz pela reintegração de Ramirez ao elenco.

Quem acertou mesmo foi Bellintani (e escrever isso vai me


custar alguns xingamentos). O Bahia é o clube que ganhou
destaque internacional no combate ao racismo. Não poderia
se omitir diante de uma denúncia tão grave. Afastou o jogador
para investigação, protegendo a imagem do clube, e
obviamente, a do próprio jogador também.

Ligou para Gerson e prestou solidariedade pelo que ele ouviu


(ou acha que ouviu). Prestou assistência psicológica a Ramirez
e acionou seu departamento jurídico. Contratou um perito que
desmascarou a segunda tentativa flamenguista de acusar o
jogador. E pronto. Como escrevi nos whatsapps da vida, sou
do marketing e da gestão esportiva, e não posso pensar
somente com minha cabeça de torcedor numa hora dessas.
Agora, cabe ao Bahia, abrir uma ação contra a xenofobia de
Bruno Henrique. O vice presidente do Flamengo, que estava
todo cheio de razão sobre a condenação de Ramirez, agora já
fala que o Bahia quer inverter as coisas. Tentou até dar
desculpa e dizer que chamar de gringo é normal. Atitude de
um dirigente canalha.

É lamentável que um jogador como Gerson faça o que fez. Ele


QUASE deslegitimou todo um trabalho de anos feito pelo
Bahia contra o preconceito. Acusou, sem provas, um jovem
colega de profissão de ter dito algo que nem faz parte do
vocabulário da língua dele.

O Flamengo tentou aplicar a Lei de Gerson e, quando viu que


não havia nada no primeiro caso, tentou desviar a atenção pra
Bruno Henrique. É lamentável que algo tão sério, que levou a
ameaças a família de um jogador promissor, seja feito dessa
forma tão irresponsável. E ainda mais com toda a mídia que
sempre esteve a favor dos cariocas.

A Lei de Gérson não rolou dessa vez. Que pena que um jogão
de 7 gols e duas viradas fique marcado por duas acusações,
SEM PROVAS, de racismo.

A verdade vai superar a malandragem carioca e o Gerson não


vai levar vantagem alguma dessa vez.

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