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No Brasil, a
peça de Jean Genet foi encenada pela primeira vez em 1969. (Reprodução/Youtube)
Norton Cezar Dal Follo da Rosa Jr. (*)
No Brasil, a peça foi encenada pela primeira vez em dezembro de 1969 pelo o
diretor argentino Vitor Garcia, acompanhado do memorável trabalho de
cenografia produzida por Ruth Escobar. Certamente foi um feito, deixando suas
marcas na cultura cênica brasileira. Mas, além disso, deve-se ressaltar que
estávamos nos anos de chumbo, pois em 13 de dezembro de 1968 havia sido
decretado no país o AI-5, o famigerado ato institucional responsável por trazer
consequências devastadoras à nossa democracia. Tendo em vista o contexto
de sua estreia, apesar da navalha da censura, a inteligência do diretor fez a
diferença na direção do espetáculo. Reza a lenda o fato de Genet ter vindo ao
Brasil para assistir o espetáculo e feito questão de dizer que Vitor Garcia e
Ruth Escobar teriam sido responsáveis pela mais bela direção e montagem de
sua peça.
Tomado pelos efeitos dessa leitura, logo pensei: quais as contribuições desse
clássico para refletir sobre a atualidade? Proponho abrir uma fresta nessa
discussão, tomando como referência o olhar que o psicanalista Jacques Lacan
recorta desse texto, pois as fantasias e os jogos eróticos colocados em cena na
peça, constituem-se como uma espécie de metáfora da sociedade
contemporânea.
Mas, do que se trata O balcão? Escrita nos anos 1950, a peça toma como
cenário um bordel, ou como refere a sua mantenedora, madame Irma, uma
“casa de ilusões”, situada ao redor de um país em verdadeira agitação
revolucionária. Neste grande bordel, verdadeiro microcosmos do regime,
existem muitos aposentos com diversos aparatos, onde seus clientes
encenavam suas performances sexuais. Logo no começo, três cidadãos
chegam a casa de ilusões em busca de suas fantasias. Um se deleita ao exibir
a roupagem de Bispo, outro a de Juiz e, o terceiro, se transveste de General.
Apesar da fragilidade das instâncias de poder face a revolução, os
frequentadores encarnam figuras emblemáticas das instituições de qualquer
país: a igreja, a justiça e o exército. Além desses três personagens centrais, há
o Chefe de Polícia, amante de Irma, e de certa forma, protetor do local.
Atual?
Portanto, se ao chegar ao bordel ninguém pediu para ser Chefe de Polícia seria
pela falta de reconhecimento da grandeza desse personagem. O
balcão interroga tanto a debilidade em causa no império do gozo, quanto a
nossa capacidade de fantasiar e desmentir a realidade. Neste sentido, a
perversão pode ser localizada não somente no gozo do uso da própria
vestimenta, mas pelo anseio em fazê-la um ideal, uma espécie de fetiche a ser
estampado aos olhos alheios.
No final da peça, a dona do bordel demostra o quanto a vida pode ser muito
mais ilusória do que se imagina: vou preparar meus trajes e meus salões para
amanhã… é preciso voltar para casa onde tudo, não duvidem, será ainda mais
falso que aqui…
Notas:
15) Miller, J-A., "Silet", Seminario 94-95, inedito
16) Laurent, E., "Enigme & Psychose", Revue de Psychanalyse, La Cause Freudianne,
nº 23, pag. 43. 17) Laurent, E. "Deficit ou énigme" in Revue de Psychanalyse, nº 23,
ECF, pag. 3-4
21) Lacan, J., "La signification du Phallus", in Ecrits, Editions du Seuil, Paris, 1966 pag.
691
23) Ibidem.