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10574-Texto Do Artigo-30898-2-10-20160227
10574-Texto Do Artigo-30898-2-10-20160227
Nazism, Socialism and the left and right policies in the first half of the
twentieth century
Abstract: Some papers and books discussing Nazism theme consider Nazism as an
ideology and political movement left. The authors of these papers and books argue
that its revolutionary character, the use of the noun socialism in its logo and control
of the economy by the state, among other things, are elements that reinforce this
definition. In this article, a historical questioning is made of these issues in order to
show why Nazism was an ideology of right and so are also drawn some parallels
between Hitler's Germany and Stalin's Soviet Union, to show how some elements that
characterized Nazi- fascism were not present with the same intensity and the same
meanings out of its ideological framework and action.
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Introdução
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que não eram “gêmeos heterozigotos” ou “irmãos gêmeos que brigam” (NARLOCH,
2013, p. 183, 200). Também discutiremos as causas do pacto de não agressão
assinado pelas duas potências em 1939 e sua violação cerca de dois anos depois,
elemento importante para a compreensão da estratégia política dos dois ditadores.
Nesse passo, pretendemos destacar pontos que distinguiam os sistemas nazista e
soviético, como metas históricas das duas ideologias, questões econômicas,
nacionalismo e internacionalismo e uso de campos de concentração.
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2 O termo ideologia é aqui usado no sentido que Hannah Arendt atribui em “Origens do
Totalitarismo”, que “se pretende detentora da chave da História, e em que julga poder apresentar a
solução dos ‘enigmas do universo’ e dominar o conhecimento íntimo das leis universais ‘ocultas’, que
supostamente regem a natureza e o homem” (ARENDT, 2011, p. 189).
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conservadoras do nazismo. Arendt pontua ainda que Burke exerceu forte influência
não apenas sobre o pensamento político inglês, mas também sobre o alemão.
Edmund Burke (1729-1797) foi um teórico político e estadista inglês que, ainda no
século XVIII, teceu fortes críticas ao pensamento social Iluminista que culminou com
a Revolução Francesa de 1789. Embora ele considerasse que essas ideologias levariam
a um reino de terror e ditadura, suas ideias nortearam o pensamento conservador
que se opôs ao Iluminismo e à Revolução e sedimentaram a ojeriza que algumas elites
conservadoras sentiam pelos ideais de liberdade e autonomia individual. Seu
pensamento contribuiu para a sedimentação de um pensamento racista de base
nacional na própria Inglaterra, no século XIX 3 (ARENDT, 2011, p. 206). Os
conservadores criticavam no Iluminismo a ruptura com a tradição e com as crenças
religiosas e morais, que eles julgavam ser “as únicas fontes legítimas de autoridade
política. Os Estados não eram constituídos; eram apenas uma expressão da
experiência moral, religiosa e histórica de uma nação” (PERRY, 2002, p. 384). Com
base nisso, eles atacavam os ideais de igualdade como abstrações perniciosas.
Os conceitos de direita e esquerda remontam aos lugares que representantes
das ordens sociais ocupavam na Assembleia Nacional francesa antes da Revolução de
1789. Clero e nobreza, que formavam o primeiro e o segundo estado e constituíam
apenas 2% da população no fim do século XVIII, num país com 26 milhões de
habitantes, ficavam à direita. O terceiro estado, formado pela burguesia, camponeses
e trabalhadores urbanos, ficava à esquerda (PERRY, 2002, p. 319).
Na segunda metade do século XIX, no contexto do avanço da Revolução
Industrial, esses conceitos ganharam outras tonalidades na medida em que a direita
passou a estar associada a ideias liberais e a esquerda a movimentos sociais
anarquistas ou socialistas. Esses movimentos contestavam principalmente a situação
de exploração dos trabalhadores nas fábricas. Aqueles que perderam seus privilégios
sociais com as agitações políticas passaram a se voltar de forma veemente contra os
ideais da Revolução Francesa. Os conservadores viam como perniciosa a ênfase na
liberdade e autonomia do indivíduo no pensamento iluminista e reafirmavam o
3 Para Hannah Arendt (2011, p. 211), o nacionalismo inglês e alemão tinha em comum o fato de ter
vicejado em uma classe média que não havia se emancipado “inteiramente da nobreza e que, portanto,
trazia em si o germe da ideologia racial”. No caso da Alemanha, a autora destaca (p. 195) que o
desenvolvimento da ideologia racista se desenvolveu apenas após a derrota do exército prussiano para
o de Napoleão em 1806 e nasceu relacionado ao esforço de união do povo contra a dominação
estrangeira.
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4 A noção de Antigo Regime nasce com a própria Revolução Francesa e, no pensamento dos homens do
final do século XVIII e início do XIX, a revolução marca uma ruptura com uma ordem social
caracterizada pela estrutura estamental, com forte continuidade com o feudalismo e o “absolutismo”
monárquico como sistema de governo predominante (VOVELLE, 2012).
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evocada como entidade escolhida por Deus para cumprir um ideal elevado para o
qual fora destinada.
A ênfase do nacionalismo no apego à tradição, a Deus e ao passado (como a
glorificação da monarquia e da aristocracia hereditária) logo se tornou a força motriz
do pensamento conservador que via com desconfiança as ideias revolucionárias e os
valores burgueses do liberalismo. A Alemanha foi o principal cenário onde esse
pensamento se desenvolveu, encabeçado pelo movimento romântico com a evocação
de um passado místico e a negação do indivíduo, que só poderia ser pensado em sua
ligação com o povo, a pátria e a comunidade nacional. O pensamento nacionalista do
século XIX rejeitava os direitos do homem para afirmar a força da nação com foco na
etnicidade. “Os primeiros sinais de problemas futuros já podiam ser percebidos nas
visões expressas no início do século XIX pelo nacionalista alemão Friedrich Jahn:
‘Quanto mais puro um povo, melhor’, ele escreveu. As leis da natureza, sustentava,
operavam contra a mistura de raças e povos” (HUNT, 2009, p. 183).
Somado a isso, o desenvolvimento da Biologia foi um importante catalisador
das teorias do racismo e do antissemitismo que se difundiram na Europa a partir de
então. Os estudos voltados para qualidades biológicas inerentes em determinadas
raças levaram alguns povos a acreditar que apenas as melhores raças alcançariam a
civilização. Por outro lado, a aquisição de direitos por parte dos judeus e a abolição da
escravidão nas colônias britânicas e francesas levaram os teóricos do pensamento
racial a buscarem na ciência a legitimação para afirmar a inferioridades das duas
raças. Mas no final do século, a publicação na Alemanha do livro de um escritor inglês
chamado Houston Stewart Chamberlain influenciaria diretamente Hitler: ele dizia
que apenas dois povos ainda mantinham sua pureza racial e que por isso estavam
destinados a lutar até que um extinguisse o outro: eram os arianos e os judeus
(HUNT, 2009). Portanto, aliado ao nacionalismo, o pensamento racista se
desenvolveu de forma visceralmente avessa a toda noção de igualdade.
No século XX, o nacionalismo se tornou um projeto revolucionário de direita a
fazer frente ao socialismo marxista, enquanto projeto revolucionário de esquerda. O
fascismo e o nazismo emergiram plagiando as estratégias de difusão, propaganda,
mobilização das massas e centralismo político que as esquerdas europeias utilizavam
e o bolchevismo consolidou na Rússia soviética na década de 1920.
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Uma vez que o pensamento nazista se formou de uma matriz ideológica oposta
aos princípios da Revolução Francesa e os movimentos socialistas se originaram
daqueles princípios, podemos verificar que as semelhanças entre as duas ideologias
quando chegaram ao poder no século XX são bem menores do que suas diferenças.
Enquanto o nacionalismo se aliou a ideologias raciais com status de ciência no século
XIX e evoluiu para uma postura cada vez mais segregacionista, o socialismo buscava
ampliar a noção de direitos oriunda da Revolução Francesa no sentido de estendê-los
às classes desfavorecidas. Ao questionar a propriedade privada e a insuficiência dos
direitos políticos, o socialismo evoluiu para um pensamento revolucionário e
antiliberal.
Em 1843, Marx contestou a noção individualista da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão que apenas levava à noção de “homem egoísta” em detrimento
da verdadeira emancipação humana que não poderia ser alcançada pela política,
segundo ele, mas pela ação revolucionária focada na abolição da propriedade e no
deslocamento da noção de homem abstrato, individual para a de homem genérico,
organizado em forças sociais (MARX, 2002). No século XX, essa teoria cimentou a
ausência de direitos individuais na sociedade soviética. Ainda em 1918 os
bolcheviques proclamaram uma Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado, que pouco efeito teve na prática; por não assegurar direitos e liberdades
individuais, deixou a sociedade à mercê do terror estatal que marcou virtualmente
toda a história do país sob a ditadura do Partido Comunista (HUNT, 2009).
O nazismo, por outro lado, opunha-se tanto à direita liberal quanto às
esquerdas (a social-democrata e a comunista) e associava todas elas ao judaísmo que,
segundo Hitler, as controlava para subjugar o povo alemão. O nome “socialista” na
sigla do partido deveu-se a uma estratégia para se diferenciar de todas essas
ideologias e ganhar o apoio da sociedade alemã, especialmente os trabalhadores, a
quem pretendia cooptar e recrutar para reerguer a economia do país e fazer frente ao
crescimento dos partidos e movimentos de esquerda. O uso da cor vermelha na
bandeira também foi estrategicamente escolhido por sua vivacidade e facilidade de
atrair a atenção. Hitler explicou essa estratégia em “Mein Kampf”. Além disso, a
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adoção do nome “socialismo” era antes uma provocação, segundo ele mesmo
(HITLER, 2001, p. 265-266):
5Essa perspectiva converge com a abordagem de Bessel (2014, p. 58-59) segundo a qual, a despeito do
elevado grau de controle estatal sobre a economia, “a Alemanha nazista permaneceu um país
capitalista no qual os meios de produção ainda eram predominantemente de propriedade privada e no
qual se apuravam lucros enormes, principalmente quando a empresa conquistava contratos com o
governo”.
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Overy também explica que o termo “capitalismo de Estado” foi cunhado por
um cientista social alemão exilado nos Estados Unidos na época para designar o
modelo econômico do terceiro Reich, marcado por forte intervenção do Estado,
disciplinarização da mão-de-obra e proteção do lucro privado. Tanto a direita
antiliberal quanto a esquerda cultuavam o Estado e o viam como elemento
indispensável para a construção da utopia, uma sociedade de super-humanos, onde
racionalismo e grandeza moral se conjugariam na formação de um mundo melhor.
No caso da Alemanha, o regime nazista se manifestava como um Estado de Bem-estar
racial, com sua política eugênica, garantia do pleno emprego aos alemães e doutrina
da superioridade da raça ariana.
Tanto a economia soviética quanto a alemã eram economias de comando. E
nesse ponto as semelhanças também não ocorrem por acaso: os nazistas não
plagiaram apenas as cores, a organização coletivista e o nome socialismo de seus
rivais – os economistas alemães também observavam atentamente como era
conduzida a economia soviética e, como os planos quinquenais de Stalin, Hitler tinha
o plano quadrienal com objetivos similares – investimentos na indústria pesada,
substituição de importações e intercâmbio mínimo com o mercado mundial para
salvaguardar as prioridades internas do país. Seguindo uma perspectiva levemente
diferente da de Kershaw, para Overy (2009) nem a União Soviética era um socialismo
puro nem a Alemanha nazista era propriamente capitalista. Os dois impérios tinham
sistemas econômicos híbridos que se diferenciavam entre si mais pela forma como
interpretavam a história, seu papel no cenário mundial e pelos objetivos das duas
utopias do que pelo modo de produção predominante.
Desse modo, embora preservasse a existência da propriedade privada, o
nazismo não era apenas capitalista, mas uma mistura dos dois sistemas e também
não era de esquerda. Daí provém a designação, comumente usada em textos
históricos, de extrema direita: Hitler acreditava que o capitalismo liberal era fraco e
impotente para conter o avanço do bolchevismo sobre a Alemanha, condenava o
parlamentarismo burguês como um sistema dominado pelo judaísmo tanto quanto o
bolchevismo e fundou um partido que defendia um Estado forte e centralizado para
se opor a isso, um partido e um Estado nacionalistas e racistas, ele sempre enfatizava.
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Nacionalismo e internacionalismo
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A ideia […] foi muitas vezes mal interpretada como uma expressão de
socialismo “nacional” – um deslocamento das aspirações
internacionalistas do verdadeiro marxismo inspirado pelo Stalin mais
“nacionalista”. Mas a ambição não era nacionalista em nenhum
sentido reconhecível. Quando Stalin afirmou, em 1924, que “podemos
construir o socialismo… por nossos próprios esforços”, expressava
uma ambição social, não nacional. O malogro da revolução fora das
fronteiras soviéticas obrigou a maioria dos bolcheviques a aceitar a
visão sensata de que o socialismo teria de ser construído sem a ajuda
de outros proletariados […]. Stalin nunca deu as costas à ideia de que
a União Soviética devia continuar a combater o capitalismo e
incentivar a revolução no estrangeiro; “o socialismo num só país” deu
à União Soviética um lugar especial na liderança da luta mundial, mas
não foi uma declaração de independência nacional. Se Stalin, na
década de 1930, esperou que os cidadãos soviéticos expressassem um
patriotismo soviético, foi por amor à única pátria socialista, não por
soberba nacional […]. Embora, a partir da década de 1930, a ditadura
começasse a identificar-se mais com um passado especificamente
russo, ele sempre manteve a distinção entre a União Soviética como
um Estado socialista de muitas nacionalidades e a nação como
expressão de uma cultura particular e sem igual.
.
Enquanto Stalin não fazia distinção entre nações, Hitler as concebia como
entidades inseparáveis da ideia de raça e as raças inferiores estavam destinadas a ser
conquistadas e ter seus territórios tomados pelas raças superiores, dotadas de uma
vontade maior de autopreservação e de uma capacidade extraordinária de produzir
cultura e ciência, e isso também embalava a diferença radical que os dois ditadores
tinham da noção de Estado: “O Estado de Stalin era uma realidade multinacional
sustentada por uma visão social e política distintamente não nacional; o conceito de
Estado de Hitler baseava-se apenas na ‘preservação e intensificação’ de uma nação
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única, a cujos fins todas as ambições políticas e sociais deviam ser implacavelmente
subordinadas” (OVERY, 2009, p. 563).
Afirmamos anteriormente que o nacional-socialismo se caracterizava como um
Estado de Bem-Estar racial, algo que inexistiu na União Soviética ou qualquer outro
sistema socialista. Esse plano de fundo colocava os dois sistemas em campos opostos,
quanto a seus objetivos finais. O Estado soviético tinha uma posição formal contra
todo tipo de discriminação racial aberta ou violenta, além de ser formado por
variados grupos étnicos que não foram perseguidos por motivos raciais. As
deportações em massa que ocorreram na União Soviética no final e após a Segunda
Guerra Mundial não tiveram um padrão pré-estabelecido de corte racial. Embora
grupos étnicos praticamente inteiros tenham sofrido deportação na URSS, as razões
para isso tinham fundo político, não étnico. No caso da Alemanha, ao contrário, a
“Solução Final”, a questão da eliminação dos judeus, ganhou contornos mais
dramáticos a partir de 1941 quando os alemães puseram em prática o assassinato em
massa de judeus que durou, segundo Richard Overy, até 1944. Hitler via sua guerra
contra outras raças, especialmente os judeus, em termos extremos de sobrevivência
ou extinção.
Outra diferença entre os dois regimes está no uso que faziam do trabalho
escravo, ou dos campos de concentração. Havia homologias, mas mesmo nesse ponto
as diferenças também sobressaíam. No importante estudo que realizou sobre os
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eslavos eram uma raça de escravos subumanos" (HOBSBAWM, 1995, p. 171). No pós-
guerra, a ocupação soviética em Berlim oriental e no leste europeu apresentou
características bem distintas. Apesar do centralismo administrativo de Moscou,
muitos países do leste não foram anexados à URSS e sua classe governante “foi
menos elitista que qualquer outro governo da Europa oriental até então”
(MAZOWER, 2001, p. 275).
Além disso, na década de 1950, com a iniciativa de Kruschev de denunciar os
crimes de Stalin, os campos de trabalho escravo foram fechados e seus prisioneiros
libertos. O domínio soviético no leste europeu também pôs fim a décadas de
instabilidade e crises econômicas. Com a derrota do nazismo em 1945, a política do
nacionalismo racial foi substituída por um projeto de modernização econômica
abrangente e inclusiva, com expansão da industrialização, universalização do sistema
médico e consequente redução da mortalidade infantil a patamares ainda não
alcançados na região (MAZOWER, 2001).
Diferentemente dos alemães, que ocuparam a Europa oriental em função de
seus interesses, a União Soviética cooptou e controlou as elites locais, dissipando as
tendências nacionalistas e pondo em prática um programa de urbanização e
industrialização que provocou profundas mudanças sociais e projetou
economicamente a região sobre o restante do continente por algum tempo. Essas
melhorias, contudo, culminaram em uma estagnação econômica a partir dos anos
1970 em decorrência da baixa produção de bens de consumo e da insatisfação
popular com a ditadura e o centralismo administrativo de Moscou, elementos que
depois se somaram à busca por independência nacional quando o sistema como um
todo começou a desmoronar. Mas, para nossos propósitos, o importante a ressaltar é
que as diferenças de objetivos e de governabilidade entre o sistema soviético e o
alemão superam muito as semelhanças que apresentavam.
Por fim, outro ponto controverso diz respeito à colaboração entre os dois
Estados com a assinatura do pacto de não agressão em 1939. Na verdade, o primeiro
acordo militar da Rússia soviética com a Alemanha foi feito mais de dez anos antes de
Hitler subir ao poder, quando o país era uma República democrática. A aliança com
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Berlim foi essencial para a Rússia Soviética modernizar suas forças armadas, que
sofriam de grande precariedade em decorrência da derrota para a Polônia e a Guerra
Civil (PIPES, 2013, p. 375).
Derrotada na Primeira Guerra, a Alemanha saiu do conflito com seu poderio
militar extremamente enfraquecido e ficou mais vulnerável ainda com as proibições
impostas pelo Tratado de Versalhes. O Tratado estabeleceu o fechamento das
academias militares alemãs, assim como quartéis, campos de aviação e depósitos, a
redução do exército a uma força policial de cem mil homens, a extinção da força
aérea, a quase extinção da Marinha, que teve sua frota reduzida a apenas seis navios
pequenos e trinta embarcações, o uso apenas de armas de defesa leves e veículos
pequenos e impôs ao país a fiscalização de inspetores de armas de países aliados
vencedores da Primeira Guerra (OVERY, 2009).
Uma alternativa que restou ao governo alemão foi tentar reconstruir seu poder
militar com o apoio dos russos. Em 1922, os dois países assinaram o tratado de
Rapallo e a partir de então passaram a ter intensa cooperação tecnológica e militar.
Dez anos depois, segundo Koenen (2009), quase a metade das importações soviéticas
em matérias de tecnologia era procedente da Alemanha. Quando em 1933 Hitler
tornou-se chanceler na Alemanha, isso não abalou as relações entre os dois países
nem foi um evento visto com maus olhos na União Soviética. Paradoxalmente, a
cúpula dirigente de Moscou desconfiava mais da social-democracia (que eles
chamavam de social-fascismo) do que do nacional-socialismo, porque
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Soviética” (OVERY, 2009, p. 458), e ainda testar armas no próprio território soviético
e a URSS importou tecnologia, aprendeu a desenvolver um sistema bélico moderno e
seus oficiais fizeram cursos na Alemanha. A cooperação transformou os dois países
nas primeiras superpotências militares do mundo.
Se o pacto de não agressão assinado entre os dois países em 23 de Agosto de
1939 desafiava a lógica das hostilidades entre fascismo e comunismo, os dois
ditadores sabiam que uma guerra entre eles aconteceria cedo ou tarde. Stalin
acreditava que os países capitalistas entrariam novamente em guerra e a URSS não
poderia ficar passiva e teria de entrar no jogo. O pacto foi um gesto estratégico de
Hitler, que “precisava da neutralidade soviética enquanto era obrigado a combater as
potências ocidentais” (OVERY, 2009, p. 497) e Stalin esperava que os países
capitalistas se dilacerassem no conflito; mas ele não esperava uma ofensiva de Hitler
ainda em 1941 enquanto a Alemanha ainda estava em guerra com a Grã-Bretanha e
subestimou o poderio do exército alemão (KERSHAW, 2010).
Os dois regimes viam a guerra como algo essencial, foram forjados numa
guerra e a utilizavam com propósitos políticos, uma vez que se viam cercados de
inimigos. “As duas ditaduras criaram metáforas de conflito permanente como um
meio de legitimar o regime. O resultado foi uma disseminada militarização da vida
política, em que as diferenças entre as esferas militar e civil se tornaram indistintas e
indeterminadas, em meio às linguagens da guerra” (OVERY, 2009, p. 468). Eram
dois sistemas políticos beligerantes, cujas divergências ideológicas cedo ou tarde os
colocariam em lados opostos no campo de batalha e seus dois dirigentes sabiam
disso.
Embora a URSS tenha modernizado seu poderio militar, o fato de Stalin ter
destruído a base agrária do país com a perseguição aos kulaks e ter eliminado
importantes chefes militares e cientistas nos expurgos da década de 1930, deixando
praticamente amadores na direção do Exército Vermelho, tornou a URSS bastante
vulnerável à invasão alemã em 1941. As rápidas vitórias alemãs no território soviético
evidenciaram o completo despreparo do Exército Vermelho diante dos nazistas. Em
apenas um mês, nove décimos da força de tanques soviética foi destruída e as
operações de cerco desbarataram a maior parte de sua linha de fronte. O treinamento
e o aparato militar alemães eram bem superiores aos soviéticos (OVERY, 2009, p.
506). Koenen (2009) confirma essa abordagem e acrescenta que a derrota fragorosa
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Conclusão
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Hitler para reaver os territórios perdidos em 1918 e pôr em prática seus princípios de
conquista do espaço vital e homicídio em massa com inspiração racial.
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