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Mitologias jurídicas
da modernidade
2ª Edição
Revisada e Ampliada
F U N D A Ç Ã O
BOITEUX
Florianópolis
2007
© Edição brasileira: Fundação José Arthur Boiteux - Universidade Federal de Santa Catarina
© Arno Dal Ri Júnior
Ficha Catalográfica
G878m Grossi, Paulo
Mitologias jurídicas da modernidade. 2. ed. rev. e atual. / 2. ed. rev. e
atual. / Paulo Grossi; tradução de Arno Dal Ri Júnior – Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2007.
160p.
Tradução de: Mitologie giuridiche della modernità
Inclui bibliografia
ISBN: 85-87995-30-8
1. Direito – História. 2. Cultura e direito. 3. Modernidade.
I. Dal Ri Júnior, Arno. II. Título.
CDU: 34(091)
PAOLO GROSSI
Prefácio ..................................................................................................... 7
I
JUSTIÇA COMO LEI OU LEI COMO JUSTIÇA?
OBSERVAÇÕES DE UM HISTORIADOR DO DIREITO
II
ALÉM DAS MITOLOGIAS JURÍDICAS DA MODERNIDADE
IV
AS MUITAS VIDAS DO JACOBINISMO JURÍDICO
(OU SEJA: A “CARTA DE NICE”, O PROJETO DE “CONSTITUIÇÃO EUROPÉIA”
E AS SATISFAÇÕES DE UM HISTORIADOR DO DIREITO)
dades; e o poder que vem colocado nas suas mãos perde aque-
le conteúdo delimitado por esse fundir-se na velha ordem
feudal, e aproxima-se sempre mais da “potência absoluta e
perpétua” teorizada no final do século XVI na “République”
de Bodin6. O novo Príncipe é um sujeito que não ama morti-
ficações provenientes da realidade desse mundo, que não está
em diálogo com a natureza e com a sociedade, que não tole-
ra humilhar-se como simples cabeça de uma relação. Ele –
indivíduo de absoluta insulariedade – tenderá a projetar para
o exterior uma vontade perfeitamente definida, que encon-
trou já nele toda e qualquer possibilidade de justificação.
Interessa-nos, em particular, a nova conexão entre esse
Príncipe e a dimensão jurídica: lentamente, mas incessante-
mente, a velha psicologia de indiferença em relação a gran-
des zonas do jurídico é substituída por uma psicologia extre-
mamente atenta, uma atitude invasiva, um envolvimento
sempre maior na produção do direito. Tudo isso, bem inseri-
do no interior de uma visão de poder político como potestade
onicompreensiva, potestade sempre mais consumada. Inicia-
se uma longa estrada que verá o Príncipe sobre uma trinchei-
ra de batalha contra toda e qualquer forma de pluralismo
social e jurídico.
“as leis possuem crédito não porque são justas, mas porque
são leis. É o fundamento místico da autoridade delas; não
têm outro fundamento, e é bastante. Freqüentemente são fei-
tas por imbecis”.
8 Essais, livro III, cap. XIII. De formação jurídica, este gentilhomme da província
francesa encarna bem a figura do novo intelectual humanista, observador livre e
sem preconceitos da sociedade circunstante.
6 Com toda uma série de contribuições reflexivas de direito público em geral, que
se iniciam nas primeiras duas décadas do século XX e que culminam no clássico
da literatura jurídica italiana que é a obra “L’ordinamento giuridico”, publicada
entre 1917 e 1918.
7 Salienta-o com amargura o próprio Santi Romano, no prefácio da segunda
edição do seu livro (vede ROMANO, S. L’ordinamento giuridico. Firenze: Sansoni,
1946, prefácio).
27 Idem, p. 92.
28 Como Zaccaria explica na Presentazione do volume (idem, p. X).
9 Quando se fala de doutores, nos referimos aos doctores, ou seja, aos mestres
do direito, os quais, com a interpretatio do velho direito romano justiniano e do
direito canônico, constituíam o instrumento de adequação daquelas normas
às exigências da experiência jurídica medieval e pós-medieval em contínuo
crescimento e punham-se, por isso, como autênticas fontes do direito comum
europeu. Aquelas opiniones, pareceres jurídicos que eram expressão não so-
mente do jurista, mas que, pelo seu sucesso e pelo seu recebimento geral,
poderiam parecer a expressão de toda a classe dos juristas, as chamadas
opiniones communes, opiniões comuns, conseguiam ter uma particular autori-
dade junto aos juízes. Por isso, muito cedo, começou-se a recolhê-las, como
preciosos subsídios para os advogados, organizando-as segundo os vários
problemas a que se referiam. Nessa corrida, voltada a fornecer ao advogado
instrumentos infalíveis para serem vitoriosos nas diferentes causas, existiu,
no direito comum tardio (séculos XVII a XVIII), uma concorrência entre os
vários recolhedores, que propunham não somente “opiniões comuns”, mas
até mesmo “mais que comuns” ou “comuníssimas”.
12 É a Luís XIV (e, por trás dele, ao seu ministro Colbert) que se devem algumas
grandes ordonnances, a serem consideradas como uma etapa relevante no itine-
rário francês que levou ao Código, quando essas sistematizaram organicamente
amplas zonas da vida jurídica, tais como o processo civil (1667), o direito penal
(1670), o direito comercial (1673), o direito da navegação (1681).
14 BODIN, J. Les six livres de la République. Aalen: Scientia, 1977, livro I, cap. VIII.
15 Para se dar conta desse fato, basta ler as várias “Declarações”, começando pela
adotada em 26 de agosto de 1789 pela Assembléia Nacional Constituinte. A
enunciação mais transparente encontra-se no “Ato Constitucional” de 24 de
junho de 1793, no artigo 4: “a lei é a expressão livre e solene da vontade geral; a
mesma é para todos, seja que proteja, seja que puna; pode ordenar somente o
que é justo e útil à sociedade; pode impedir somente o que é nocivo”.
19 Código Civil de 1865, artigo 3: “Quando uma controvérsia não possa ser decidida
com uma específica disposição de lei, deverão ser respeitadas as disposições que
regulamentam casos similares ou matérias análogas: onde o caso permaneça
duvidoso, deverá ser decidido segundo os princípios gerais de direito”.
20 DEL VECCHIO, G. Sui principi generali del diritto, atualmente em Studi sul diritto.
Volume I. Milano: Giuffrè, 1958.
31 Nos referimos às notas Observations sur le droit civil français consideré dans ses
rapports avec l’état économique de la societé, in Mélanges d’économie politique, de
politique, d’histoire et de philosophie. Tomo II. Paris: Guillaumin, 1867.
34 BECCARIA, C. Dei delitti e delle pene (1764), cap. IV – Interpretazione delle leggi.
Milano: Giuffrè, 1964.
35 E não sem razão foi chamada “escola da exegese” a rica corte de interprétes
franceses que, em boa parte do século XIX, trabalhou na sombra da codificação
napoleônica. Certamente esses não constituíam uma “escola” unitária, mas, em
uma avaliação unitária, podem muito bem serem associados devido a um
comportamento psicológico e metodológico comum entre eles.
36 REMY, J.P. Eloge de l’exegése (1982), atualmente em Droits-Revue française de
théorie juridique, I, 1985.
1 GROSSI, P. Il punto e la linea (impatto degli studi storici nella formazione del giurista).
In: REBUFFA, G. et VISINTINI, G. (a cura di). L’insegnamento del diritto oggi.
Milano: Giuffrè, 1996; GROSSI, P. Storia del diritto e diritto positivo nella formazione
del giurista di oggi. Rivista di storia del diritto italiano, 1997, p. LXXX; GROSSI, P.
El punto y la línea (Historia del derecho y derecho positivo en la formación del jurista de
nuestro tiempo). Sevilla: Universidad de Sevilla, 1998.
4 “Nous voulons substituer, dans notre pays, […] les principes aux usages”, afirma
Robespierre no seu rapport à Convention de 5 de fevereiro de 1794 (citado em
Gueniffey. P. Op. cit., p. 318)
9 “Più Corte che Carta”. Foi no Encontro promovido nos dias 19 e 20 de junho de
2003 pelo Istituto dell’Enciclopedia Italiana sobre “La Costituzione Europea tra
Stati nazionali e globalizzazione” [A Constituição Européia entre Estados nacio-
nais e globalização]. A conferência de Antonio Tizzano tinha por tema Il ruolo
del giudice comunitario nel processo di integrazione europea [O papel do juiz comu-
nitário no processo de integração européia].
10 Ver VETTORI, G. (a cura di). Carta europea e diritti dei privati. Padova: Cedam,
2002, p. 247 ss., assim como a obra coletânea Diritti, nuove tecnologie, trasformazioni
sociali. Scritti in memoria di Paolo Barile. Padova: Cedam, 2003.
11 ROMANO, S. Le prime Carte costituzionali. In: Lo Stato moderno e la sua crisi. Saggi
di diritto costituzionale. Milano: 1969, p. 164-168.
8. O indivíduo insular