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25/04/2021 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 854/18.4T8FNC.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
PRAZO RAZOÁVEL
BOA FÉ
Data do Acordão: 25-02-2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Para que a mora se transforme em incumprimento definitivo é
necessária a verificação de alguma das hipóteses previstas no art. 808.º
do CC, às quais, de acordo com a doutrina e a jurisprudência
consolidadas, acresce a situação da recusa antecipada de cumprimento.
II. No caso dos autos, não tendo ocorrido esta última situação nem
tampouco se tendo verificado a perda do interesse do credor, restava
aos autores a via da interpelação admonitória para cumprir, fixando um
prazo razoável para o efeito.
III. Atendendo a que a adequação ou razoabilidade do prazo adicional
deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto,
certo é que a conduta dos autores, promitentes compradores –
apresentando-se pessoalmente nos serviços camarários; entrando,
também pessoalmente, em diálogo com os técnicos destes serviços a
respeito de diversos aspectos da operação urbanística e, em especial, a
respeito do tempo necessário para a conclusão dos procedimentos
camarários; mantendo, através do respectivo advogado, contacto
regular com as rés relativamente ao andamento dos ditos
procedimentos – revela que os mesmos autores não apenas se
encontravam a par das dificuldades de índole burocrática com que as
rés, promitentes vendedoras, se depararam como, até certo ponto,
compreendiam as causas do atraso na realização do contrato prometido.
IV. No contexto em causa, o prazo suplementar de alguns dias fixado
pelos autores afigura-se como sendo absolutamente exíguo para o
efeito em causa e, por isso, não adequado nem razoável, não podendo
assim dar-se como respeitadas as exigências legais (art. 808.º do CC)
relativas à transformação da mora em incumprimento definitivo.

V. Atendendo a que, “no cumprimento da obrigação, assim como no


exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa
fé” (art. 762.º, n.º 2, do CC), estava-lhes vedado fixar um prazo
suplementar de tal forma curto que entrava em contradição com a
conduta assumida pelos autores ao longo dos meses que se seguiram à
celebração do contrato-promessa.
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Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA e BB instauraram a presente acção declarativa de condenação,


sob a forma de processo comum, contra CC, DD e EE, alegando, em
síntese, o seguinte:
- Em 13.02.2017 a R. CC, por si e em representação das suas filhas,
prometeu vender aos AA. e estes prometeram comprar um prédio
rústico, com a área total de 4500m2, localizado ao Sítio ..., ..., descrito
na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... e ainda parcela a
destacar do mesmo, pelo preço de €180.000,00;
- Os AA. entregaram às RR., a título de sinal, a quantia de € 36.000,00,
sendo que o contrato prometido deveria efectivar-se no prazo de 90
dias;
- Até Outubro de 2017 os AA. não receberam qualquer indicação das
RR. sobre a operação urbanística de destaque, nem foram interpelados
para a assinatura do contrato prometido;
- Por carta de 11 de Outubro de 2017, os AA. solicitaram às RR. a
entrega de toda a documentação para que fosse agendada a escritura do
contrato definitivo, sob pena de incumprimento definitivo do contrato-
promessa que lhes seria imputável;
- As RR. não deram qualquer resposta àquela carta, pelo que, passados
seis meses após a data limite para celebração do contrato prometido, os
AA. perderam qualquer vontade de continuar contratualmente
obrigados perante as RR., perdendo definitivamente o interesse no
negócio.
Concluem pedindo que seja declarada a resolução do contrato-
promessa celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo
resultante de culpa exclusiva das RR. e, em consequência, sejam estas
condenadas a pagar aos AA. a quantia de € 72.000,00 (setenta e dois
mil euros), correspondente ao dobro do sinal entregue, acrescida de
juros de mora contados a partir da data de citação; ou, caso não se
julgue culposo o incumprimento das RR., sejam estas condenadas a
pagar aos AA. a quantia de € 36.000,00 (trinta e seis mil euros),
acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.
As RR. apresentaram contestação alegando, em síntese, o seguinte:
- As RR. apenas receberam dos AA., a título de sinal, o montante de €
5.000,00;
- O prazo previsto no contrato-promessa para que as RR. cumprissem
todas as condições que lhes foram impostas era muito exíguo;

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- Logo após a assinatura do contrato-promessa as RR. mandaram fazer


o levantamento topográfico e planimétrico do prédio e o levantamento
da edificação existente, encarregando um técnico para proceder à
instrução do processo de licenciamento junto da entidade camarária,
processo que foi apresentado em 06.07.2017;
- O retardamento na conclusão do processo ficou a dever-se à
tramitação processual do licenciamento, não sendo imputável às RR.,
as quais actuaram de forma diligente;
- Em 09.11.2017, os AA. foram informados das razões do atraso no
licenciamento e das diligências efectuadas e, actualmente, estão
reunidas todas as condições para celebrar a escritura de compra e
venda.
As RR. concluíram pugnando pela improcedência da acção e
formulando pedido reconvencional nos seguintes termos:
«a) Fosse proferido douto despacho que mandasse notificar os AA.,
para no prazo de dez dias, depositarem à ordem do tribunal e a favor
das RR., o resto do preço em falta, no montante de cento e setenta e
cinco mil euros, sob pena de não lhes serem adjudicados os dois
prédios objeto do contrato promessa e a perderem a favor das RR., os
cinco mil euros que pagaram a título de sinal;
b) Feito o depósito pelos AA. do preço em dívida, no montante de cento
e setenta e cinco mil euros, deveria ser proferida sentença pelo
tribunal, que se substituiria na declaração negocial dos AA., como
promitentes compradores faltosos, tudo nos termos do artigo 830.º do
Código Civil, concretizando-se o prometido negócio de compra e
venda; se os AA. não procedessem ao referido depósito, então, deveria
ser proferida sentença pelo tribunal que declarasse perdido a favor das
RR. o montante de cinco mil euros que estas receberam a título de
sinal, tudo com as consequências legais».
Os AA. apresentaram réplica, pugnando pela improcedência do pedido
reconvencional e concluindo como na petição inicial.
Em 31 de Maio de 2019 foi proferida sentença, que decidiu:
«Em face da argumentação expendida e tendo em conta as disposições
legais citadas decide-se:
a) julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se as rés
do pedido;
b) julgar a reconvenção improcedente, por não provada, absolvendo-se
os autores do pedido reconvencional.
Custas em partes iguais por autores e rés».
Os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação …, pedindo a
alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da
decisão de direito.
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Por acórdão de 21 de Maio de 2020 o recurso foi julgado improcedente


e, com fundamentação essencialmente convergente e sem voto de
vencido, foi confirmada a decisão de absolvição das RR. do pedido.

2. Vieram os AA. interpor recurso de revista, por via excepcional, para


o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido por acórdão de 10 de
Novembro de 2020 da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC.
3. Formulam os Recorrentes as seguintes conclusões:
«A - A douta decisão ora recorrida manteve a decisão da 1ª instância,
julgando a apelação improcedente, por não existir matéria factual que
suporte o ajuizamento da perda de interesse por parte dos AA, o que
face nos termos do nº 3 do Artº 674º do CPC impede, apesar de total
discordância pelos AA, a questionabilidade de tal fundamento.
B - O que fundamenta e motiva o presente Recurso será o segundo
argumento exposto no Douto Acórdão recorrido de que no caso sub
judicie os AA não concederam um “prazo razoável” aos devedores
para interromper a mora no cumprimento do contrato.
C - Ora, salvo o devido respeito consideram os Recorrentes que o
douto Acórdão recorrido não atendeu à realidade objectiva provada e
efectuou sim uma consideração teórica que a aceitar-se como boa, não
pode traduzir uma efectiva e plena aplicação de JUSTIÇA ao caso
concreto.
C - Da matéria de facto provada nos presentes autos, que aqui
respeitosamente se dá por reproduzida, os Recorrentes destacam:
Ponto 2 – Do teor do Contrato de Promessa de Compra e Venda,
celebrado a 13/02/2017 designadamente da sua cláusula terceira que
(C) “Um – O contrato prometido a celebrar por escritura pública, será
exarado no prazo de 90 dias (C) Dois – O prazo de formalização do
contrato prometido poderá ser objecto de prorrogação por 30 dias
caso as primeiras outorgantes o solicitarem demonstrando que se
encontram pendentes sem culpa da sua parte, o cumprimento das
condições previstas na cláusula seguinte (6)
(C) Ponto 4 – A 6/07/2017 foi apresentado na Câmara Municipal .... o
processo de licenciamento da edificação existente sobre o prédio
prometido
(C) Ponto 5 – Sem que aos AA tivesse, conforme obrigação dos RR no
referido contrato promessa de compra e venda, sido previamente
solicitada concordância com os termos e detalhes da mesma.
(C) Ponto 6 – O Autor e a esposa vieram à ... a 25 de Julho de 2017 e
deslocaram-se à Câmara Municipal …..., acompanhados do Dr. FF
onde se reuniram com o Arquitecto GG, informando-se sobre o estado
do processo que corria termos naquele Município, relativamente aos
prédios objecto do contrato promessa e consultado o mesmo.
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(C) Ponto 9 – Mais solicitaram os AA indicação ao dito Arquitecto de


data previsível de conclusão das operações urbanísticas então em
curso, tendo-lhes sido indicado pelo referido Arquitecto, que não
estaria concluído antes de Setembro de 2017.
(C) Ponto 18 – A 10/04/2018 a R. CC apresentou reclamação no
Serviço de Finanças ....., reclamando da avaliação efectuada ao prédio
urbano, conforme documento junto a fls 64v a 65 cujo teor se dá aqui
por integralmente reproduzido onde refere que “não pode submeter a
registo o identificado prédio, uma vez que há divergências de áreas
entre o destaque aprovado pela Câmara Municipal de ... e a avaliação
que acaba de ser feita por esses serviços”.
Ou seja,
D - Os Recorrentes acordaram com as Recorridas, em contrato
promessa livremente celebrado o prazo máximo para concretização do
contrato prometido de 90 dias, prorrogável por mais 30 dias.
E - O que resultaria que o contrato prometido deveria ter sido
celebrado até 03/05/2017 ou no limite até 13/06/2017.
F - A 25/07/2017, face a não terem qualquer indicação das RR, os
Recorrentes deslocam-se à Câmara Municipal …., onde o Arquitecto aí
presente os informa que o processo estará concluído nunca antes de
Setembro de 2017.
G - Logo, quando em 11/10/2017 os Recorrentes interpelam as RR para
em 7 dias virem concluir a promessa acordada, fazem-no no
pressuposto de que o processo camarário já estaria concluído.
H - E aqui reside a discordância com a posição do douto Acórdão
recorrido o qual a fls (...) Ora, os Autores tinham conhecimento por si
e pelo intermédio do seu advogado que o processo de legalização e
destaque se encontravam a correr termos no Município ...., ou seja, a
sua conclusão estava apenas dependente de actos de terceiros, sabendo
que não era possível cumprir todas as exigências a que se alude na
cláusula nº 4 do contrato promessa no prazo de 7 dias. (...)
I - E mais diz, (...) Apenas aparentemente os Autores estão a dar às Rés
uma oportunidade de cumprir, uma vez que sabem que seria impossível
fazê-lo no prazo de 7 dias.
J - Ora, salvo o devido respeito, que será naturalmente muito, as
conclusões do douto Acórdão quanto ao conhecimento dos Recorrentes
quanto à incapacidade de concretização pelas recorridas são
totalmente infundamentadas pois não resultam da matéria de facto
apurada.
K - Aliás, provado, de concreto e apenas que, aos Recorrentes o
Arquitecto da Câmara Municipal .... indicou a conclusão do processo
urbanístico para nunca antes de Setembro de 2017.
Nada mais,
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L - Até porque a factualidade dada como provada que dá que as RR


comunicavam verbalmente com o mandatário dos AA até final de
Outubro de 2017, não especifica ou clarifica o que comunicam ou
quando o fizeram.
M – Nem tão pouco responderam à carta interpelatória de 11/10/2017
N - Logo, e em consequência é toda a apreciação judicial do “prazo
razoável” que está aqui em causa.
O - Ora, face ao objectivo factualismo apurado e acima reproduzido –
ponto 18 da matéria de facto, - pelo menos até 18/04/2018, as RR não
estavam em condições de cumprir com o contrato prometido.
P - O que implicaria que aquando do envio a 11/10/2017 da carta
admonitória pelos AA às RR, só se estes colocassem o prazo de 6 meses
este seria agora julgado razoável?
Q - Parece assim aos ora Recorrentes que tal interpretação do Acórdão
Recorrido não seguiu aquela que parece ser uma mais ajustada
aplicação do direito quanto ao apreciar da efectivação concessão de
um “prazo razoável” expresso no douto Acórdão do Supremo Tribunal
Justiça exarado no âmbito do Proc. Nº 628/09.3YFLSB – 1ª Secção,
cuja cópia se junta em anexo como Doc 1. o qual segue a orientação
jurisprudencial de que (...) Deve, também, considerar-se que o prazo é
razoável, se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e
ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao
devedor cumprir o seu dever de prestar (sublinhado nosso).
R - Face ao supra exposto têm os Recorrentes que as considerações
explanadas têm por consequência, caso aceites por este Tribunal, uma
efectiva desprotecção do promitente não faltoso em contratos
bilaterais, com cláusulas condicionais, em que a possibilidade de
resolução dos mesmos mediante concessão à outra parte de um “prazo
razoável” para concluir as suas obrigações, nunca poderá ser julgada
adequada, a priori, pois dependendo de actos de terceiros e assim
coarctada a possibilidade de, por esta via, resolver o contrato
promessa em causa, pois só “a final” se poderia saber se o prazo
razoável o era à luz da interpretação e posição da promitente não
faltosa aquando do envio de interpelação admonitória para
cumprimento.
S - Ou seja, a razoabilidade de prazo concedido pelo promitente não
faltoso terá de ter em conta todos os factos objectivamente apurados
quer de formação do contrato, do seu desenvolvimento e das concretas
circunstâncias que enformaram a decisão quantitativa de prazo a
conceder ao promitente em mora para cumprir.
T - Ao assim não entender-se e ao meramente considerar-se que os
actos decorrentes de processo urbanístico em hipótese sempre
demorariam mais do que o prazo concedido, será impor aos

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Recorrentes uma verdadeira impossibilidade de adequar ou prever o


prazo concedido como “prazo razoável”.
U - A apreciação deste ponto será assim determinante para protecção
da posição de promitentes-compradores de imóvel em cujo contrato
promessa exista condição ou obrigação dependente de terceiro como
será o resultante de apreciação e licenciamento camarário,
possibilitando-lhes, de facto, a possibilidade de resolução do contrato
promessa por incumprimento definitivo da outra parte, o que
constituirá relevante interesse social a proteger.»
Os Recorridos contra-alegaram, limitando-se a pugnar pela
inadmissibilidade do recurso por via excepcional.
Cumpre apreciar e decidir.
3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das
instâncias):
1.- CC, por si e em representação das suas filhas DD e EE, como
primeiras outorgantes e AA e BB, como segundos outorgantes,
assinaram um documento, intitulado “Contrato-Promessa de Compra e
Venda”, datado de 13 de Fevereiro de 2017, conforme documento nº 1
junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.- No documento acima referido em 1. consta que:
“Considerando que as primeiras outorgantes, são as únicas e actuais
donas e legítimas proprietárias do prédio rústico, localizado ao Sitio
..., freguesia ..., concelho ..., com a área total de 4500 m2, inscrito na
matriz cadastral respectiva sob o artigo.… da Secção … e descrito na
Conservatória do Registo Predial sob o n° ....
É celebrado o presente Contrato Promessa de Compra e Venda, nos
termos e condições seguintes:
PRIMEIRO – OBJECTO: As primeiras outorgantes nas invocadas
qualidades pelo presente contrato, prometem vender ao segundo
outorgante, ou a quem este livremente indicar, e este promete comprar,
a propriedade acima identificada, e bem assim parcela a destacar do
mesmo, conforme cláusula QUARTO infra, completamente livres e
desoneradas de quaisquer ónus e encargos, e este promete comprar
nestes precisos termos.
SEGUNDO: - PREÇO – UM: O Preço fixo global livremente
convencionado é de €180.000,00 (cento e oitenta mil euros), que será
pago da seguinte forma:
A) € 5.000,00 (cinco mil euros), a entregar às primeiras outorgantes a
título de sinal e inicio de pagamento até 24 horas do acto da
assinatura do presente contrato;
B) € 31.000,00 (trinta e um mil euros) que são colocados em “trust” na
conta clientes do Advogado FF, com escritório à Rua ..., …– …com
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expressa indicação de constituir parte do pagamento às primeiras


outorgantes e a estas a ser entregue com a concretização da escritura
ora prometida;
C) O remanescente a ser pago na outorga da escritura, através de
cheque visado para o efeito.
DOIS: Todos os pagamentos efectuados antes da outorga do contrato
definitivo, serão considerados sinal e parte de pagamento por conta do
preço e será aplicado o Artº 830° do Código Civil.
TERCEIRO: - CONTRATO PROMETIDO – UM – O Contrato
prometido a celebrar por escritura pública, será exarado no prazo de
90 dias, sendo a marcação efectuada pelo segundo outorgante, após
cumprimento pelas primeiras outorgantes das condições constantes da
cláusula infra.
DOIS – O prazo de formalização do contrato prometido poderá ser
objecto de prorrogação por 30 dias caso as primeiras outorgantes o
solicitem demonstrando que se encontram pendentes, sem culpa da sua
parte, o cumprimento das condições previstas na cláusula seguinte.
QUARTO: CONDIÇÕES PARA FORMALIZAÇÃO DO CONTRATO
DEFINITIVO - Pelas primeiras outorgantes é aceite que constituem
condições indispensáveis para formação da vontade de comprar pelo
segundo outorgante as seguintes:
i) Efectivação de operação urbanística de destaque no prédio ora
prometido, de acordo com delimitações e detalhes impreterivelmente
sujeitos a aprovação escrita pelo segundo outorgante antes de
submetida à Câmara Municipal …...;
ii) Plena legalização das construções actualmente existentes na
parcela a destacar, incluindo, sem excluir, as especialidades de água,
luz, esgotos. telecomunicações e outros;
iii) Assegurar pleno registo predial de servidão de passagem de
pessoas e carros a favor do prédio ora prometido e prédio a destacar;
iv) Efectivar que o reservatório/poço de água encontra-se
integralmente localizado no prédio a vender, para que os devidos
levantamentos topográficos e projectos de arquitectura o devem
reflectir;
v) Assinar, subscrever e formalizar tudo o que se mostrar necessário
para possibilitar o acima referido e bem assim, o que se vier mostrar
necessário para permitir futura construção de imóvel pelo segundo
outorgante no prédio ora prometido.
vi) As existentes construções na parcela a destacar não podem ser
alteradas nos seus actuais equipamentos e estruturas, sem prévio
consentimento escrito do segundo outorgante.

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QUINTO – EXECUÇÃO ESPECIFICA – UM – Sem prejuízo da


atribuição jurídica de sinal ao princípio de pagamento ora efectuado,
as partes acordam em alternativa á execução do regime jurídico do
sinal, submeter este contrato á sua específica execução nos termos do
disposto no Art° 830° do Código Civil, com expressa reserva de
competência do Tribunal do Funchal, para dirimir qualquer litigio
resultante do presente contrato.
DOIS – Sem prejuízo do ponto anterior, as partes acordam que o
segundo outorgante poderá livremente cancelar a presente promessa
de compra e venda caso demonstre recusa de empréstimo bancário
para financiamento do remanescente do preço acordado”.
3.- Após a outorga do contrato promessa a R. CC mandou fazer o
levantamento topográfico e planimétrico do prédio em causa, bem
como o levantamento da edificação existente e encarregou um
arquitecto de proceder à elaboração e à instrução do processo de
licenciamento a apresentar à Câmara Municipal … .
4.- A 06-07-2017 foi apresentado na Câmara Municipal … o processo
de licenciamento da edificação existente sobre o prédio prometido, por
forma a obter o destaque do prédio prometido vender.
5.- Sem que aos AA tivesse, conforme obrigação dos RR no referido
contrato promessa de compra e venda, sido previamente solicitada
concordância com os termos e detalhes da mesma.
6.- O Autor e esposa vieram à ... a 25 de Julho de 2017 e deslocaram-se
à Câmara Municipal ..., acompanhados do Dr. FF, onde se reuniram
com o Arquitecto GG, informando-se sobre o estado do processo que
corria termos naquele município relativamente aos prédios objecto do
contrato promessa e consultando o mesmo.
7.- Foi então que os AA constataram que as plantas com o prédio a
destacar nos referidos termos contratuais, se encontravam incorrectas e
não reproduziam a construção existente.
8.- Pelo que os AA solicitaram ao referido técnico que os
acompanhasse ao terreno com vista a que se lograsse a correcção de
tais dados.
9.- Mais solicitaram os AA indicação ao dito Arquitecto de data
previsível de conclusão das operações urbanísticas então em curso,
tendo lhes sido indicado pelo referido Arquitecto, que não estaria
concluído antes de Setembro de 2017.
10.- Até finais de Outubro do ano de dois mil e dezassete, a Ré CC foi
contactando verbalmente com o Ilustre mandatário dos Autores, dando
conta do andamento do processo do licenciamento.
11.- O Dr. FF remeteu carta registada com AR à R. CC, datada de 11 de
Outubro de 2017 e por esta recebida a 16 de Outubro de 2017, com o
seguinte teor:
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“Assunto: Contrato Promessa de Compra e Venda


Exma Senhora,
Venho por este meio em representação do meu Constituinte Ex.mo
Senhor AA, dizer o seguinte:
Nos termos do contrato de promessa de compra e venda por si
outorgado com no meu Constituinte acima indicado, outorgado em
13/02/2017, V. Excia, por si e como procuradora de suas filhas DD e
EE, enquanto promitentes vendedoras, encontrava-se obrigada a
concluir a venda prometida, nos termos e condições aí melhor
definidas e para que se remete, no prazo de 90 dias ou seja até
13/05/2017.
Contratualmente assistia a V. Excia a possibilidade de fundadamente
solicitar a prorrogação de tal prazo por mais 30 dias. O que não
sucedeu.
Sucede que, até à presente data, V. Excia não prestou formalmente
qualquer explicação para o não cumprimento dos prazos supra
referidos ou deu qualquer conhecimento de qualquer justificação para
tal.
Os meus Constituintes pretendiam adquirir a propriedade objecto da
promessa referida com vista à implementação de um projecto de
agricultura biológica, retornando assim à Região Autónoma ...., onde
pretendiam residir.
Ora, os 5 meses decorridos após o termo do prazo contratualmente
previsto para efectivar a escritura prometida, provocou a perda de
interesse em manter em vigor a vontade de comprar pelos meus
Constituintes.
Cumpre assim notificar V. Excia, nas qualidades supra referidas, para
no prazo de 7 dias enviar toda a documentação necessária para a
efectivação do contrato prometido, em estrito cumprimento dos termos
acordados no referido contrato promessa de compra e venda, de forma
a possibilitar o seu agendamento, sob pena de definitivo
incumprimento contratual imputável exclusivamente à V. parte, com as
inerentes consequências contratuais e legais”.
12.- Não tendo recebido resposta à carta de 2.1.11., o Dr. FF remeteu
nova carta registada com AR à R. CC, datada de 26 de Outubro de
2017 e por esta recebida a 02 de Novembro de 2017, com o seguinte
teor:
“Assunto: Incumprimento definitivo Contrato Promessa Exma
Senhora, Constata-se que V. Excia não apresenta qualquer documento
ou justificação na sequência da interpelação que lhe foi efectuada por
nossa carta de 13/10/2017. Conforme aí constava, a falta de envio de
toda a documentação necessária para efectivação do Contrato
Promessa de Compra e Venda outorgado em 13/02/2017 com o meu
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Constituinte AA, no prazo de 7 dias, motivaria o incumprimento


definitivo do mesmo, por fundamento de V, exclusiva responsabilidade.
Assim, vimos por este meio interpelar V. Excia, para, nos termos do nº
2 do Artº 442º do Código Civil, no prazo de 7 dias a contar da
recepção da presente, entregar a quantia correspondente ao dobro do
sinal pago, ou seja €72.000,00, (setenta e dois mil euros), sendo certo
que, conforme termos do referido contrato promessa, €31.000,00
(trinta e um mil euros), a título de sinal, encontram-se na posse do ora
signatário a título de depósito”.
13.- A Ré CC dirigiu ao Dr. FF, carta registada com A/R datada de 09
de Novembro de 2017, com o seguinte teor:
“Assunto: Cumprimento de contrato promessa de compra e venda
Exmo. Senhor Doutor,
Dirijo-me a V. Exa. enquanto age como representante de AA e BB, no
contrato de promessa de compra e venda, datado de 13 de Fevereiro de
2017, no qual aqueles assumem a qualidade de compradores e a
signatária, juntamente com as duas filhas, a qualidade de promitentes
vendedoras de um prédio urbano a destacar de um outro que lhes
pertence, sito na ..., freguesia …., concelho …., conforme melhor
resulta do mesmo.
Como é do seu conhecimento, nem poderia deixar de o ser, tendo V.
Exa. elaborado o respectivo texto, o contrato de promessa de compra e
venda em causa impôs às promitentes vendedoras um conjunto de
condições, consideradas pelos futuros compradores como
“Indispensáveis para a formação da vontade de comprar”, as quais
requererem complexas operações urbanísticas, arquitectónicas,
registrais e matriciais, que obrigam necessariamente à intervenção,
análise, autorização e licenciamento de um conjunto de entidades
públicas e privadas.
Sendo V. Exa. um advogado experiente, é bem sabido que seria de todo
impossível os promitentes vendedores cumprirem com todas as
condições que lhe foram impostas, dentro do prazo extremamente
exíguo que consta do contrato.
Acresce que tendo a signatária contactado V. Exa. por diversas vezes e
tendo-lhe sido exigida a intervenção de estranhos á relação contratual
(incluindo o pedido de procurações de terceiros, seus familiares), para
depois se notar o seu engano e voltar aos termos dos intervenientes do
contrato, isso veio a representar uma perda de tempo e de meios dos
quais não tem culpa absolutamente nenhuma.
Como é também do conhecimento de V. Exa. as promitentes vendedoras
tudo têm feito para cumprirem o acordo firmado com os. Seus
representados, não se poupando a esforços e a despesas.
Assim, pelo presente meio e forma as promitentes vendedoras renovam
perante os seus constituintes a vontade de cumprirem com a venda
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então prometida e informam os seus representados, desde já, do


seguinte:
a) A signatária mandou fazer, logo após a outorga do contrato, ao
levantamento topográfico planimétrico do prédio em causa;
b) Logo depois mandou proceder ao levantamento da edificação
existente e encarregou um técnico credenciado de proceder à
elaboração e instalação do processo de licenciamento a apresentar
junto da Câmara Municipal competente;
c) No dia 6-07-2017 foi apresentado na CM …. o processo de
licenciamento de edificação;
d) Por ofício datado de 20-10-2017 a CM …. comunicou à signatária,
que por despacho de 27-09-2017 do Vereador do Urbanismo, havida
sido aprovado o projecto arquitectura e notificou-a para a
apresentação dos projectos de especialidade necessários ao
licenciamento andamento obra;
e) Esses projectos serão apresentados junto daquela edilidade no
decurso da próxima semana, do qual daremos conhecimento a V. Exa
Por aqui se verifica que o retardamento na conclusão do processo se
deve, em grande medida, à tramitação processual do licenciamento
proveniente do calendário eleitoral municipal deste ano.
Deste modo, com o devido respeito, não se aceia que exista motivo ou
fundamento para um alegado Incumprimento definitivo do contraio de
promessa.
Salvo melhor opinião não resulta de qualquer elemento factual
fornecido que exista, objectivamente, qualquer perda de interesse em
comprar, nem resulta dos elementos contratuais dos documentos
fornecidos à signatária, nomeadamente procuração expressa para o
efeito, que V. Exa. possa ter poderes para invocar essa causa para por
termo ao contrato.
Acresce, que nos termos do artigo 808° do Código Civil, a interpelação
admonitória obriga à fixação de um prazo razoável para o
cumprimento, tendo em conta as exigências do acordo ou do negócio, o
que não foi feito.
Como se referiu e já era então do conhecimento dos promitentes-
compradores, não podendo ignorar face ao que consta do contrato, a
celebração do contrato exige a obtenção de documentos e a
autorização de operações que dependem de entidades públicas e por
isso externas à vontade das promitentes vendedoras, não podendo-lhes
ser assacada culpa ou responsabilidade pelo retardamento na
execução do contrato
A fixação de prazo razoável implica a ponderação, em concreto, do
que seja necessário fazer para que estejam reunidas as condições da
outorga do contrato prometido.
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Por fim, sem conceder, mesmo em caso de incumprimento, jamais seria


devida a quantia mencionada por V. Exa. que só pode ter sido indicada
por manifesto erro.
Relembro que as signatárias receberam a título de sinal e princípio de
pagamento apenas e tão só a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros),
como de resto consta da alínea a) do artigo segundo do contrato de
promessa, através de transferência como figura no documento anexo.
Ou seja, as promitentes vendedoras não receberam mais qualquer
quantia, seja a que título fosse, incluindo a título de sinal ou qualquer
outro pagamento.
Tendo em conta o contrato, nomeadamente o disposto número um, do
artigo terceiro, a marcação do contrato prometido deverá ser feita
pelos promitentes-compradores após cumprimento das condições da
cláusula quarta.
Entre esses requisitos, consta da alínea I), que os promitentes-
compradores devem dar a sua aprovação escrita à operação
urbanística de destaque do prédio.
Assim, para o efeito, a signatária junta a esta carta o projecto de
destaque da parcela que dará lugar ao prédio prometido vender, a qual
foi elaborada segundo as indicações e instruções dos futuros
compradores.
Quanto ao que figura na alínea III), o prédio será servido de caminho
público, com acesso automóvel, tendo sido já apresentada declaração
de cedência da parcela de terreno à respectiva Câmara Municipal.
As promitentes vendedoras reputam como provável o período de trinta
dias para que estejam reunidas todas condições de agendamento da
escritura do contrato prometido. (…)
Juntam:
a) Planta piso térreo;
b) Planta 1º andar
c) Planta de cobertura
d) Cópia do requerimento de licenciamento de obras, 4 de Julho de
2017;
e) Cópia da declaração de cedência de terreno, 4 de Julho de 2017;
f) Prova de apresentação de requerimento na CM ... datada de 6 de
Julho de 2017, Banco Santander Totta;
g) Cópia do Ofício 1317 de 20/10/2017 da CM ...
h) Comprovativo de transferência bancária datada de 17-12-2017,
Banco Santander Totta;

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i) Projecto de destaque de parcela”.


14.- A 19 de Dezembro de 2017 a Câmara Municipal .... emitiu o alvará
de licenciamento de obras de ampliação nº 37/…, em nome da R. CC,
com vista a ampliação/legalização de moradia no prédio sito em
Estrada …. – ..., da freguesia ... e Município ..., descrito na
Conservatória do Registo Predial .... sob o nº .../... e ....
15.- A 06-02-2018 foi emitido alvará de autorização de utilização nº …,
em nome da R. CC, respeitante a uma habitação T2, com a área de
construção de 141m2, sita na Estrada ...– ..., da freguesia ... e
Município ..., no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ...
sob o nº .../....
16.- A 08-02-2018 a R. CC apresentou no Serviço de Finanças ...
“declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na
matriz”, com vista a criação de prédio novo, a que foi atribuído o artigo
provisório ..., moradia T2 com a área bruta de construção de 103m2,
implantada num terreno com 420m2.
17.- A 22 de Fevereiro de 2018 a Câmara Municipal ... deliberou
autorizar o destaque da parcela com a área de 400m2, “a confrontar a
Norte com CC, Sul com ..., Leste com CC e Caminho Público e Oeste
com HH, a destacar do prédio rústico, com a área quatro mil e
quinhentos metros quadrados, localizado ao sítio ..., freguesia ... e
Município ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o
número …., da freguesia ..., inscrito na matriz cadastral sob o artigo
rústico número um barra dez da secção “…”, a confrontara Norte com
II; Sul com Herdeiros de JJ; Leste com LL e Oeste com HH. A parcela
restante fica com a área de quatro mil e quarenta e quatro metros
quadrados (…).”
18.- A 10-04-2018 a R. CC apresentou reclamação no Serviço de
Finanças ..., reclamando da avaliação efectuada ao prédio urbano,
conforme documento junto a fls. 64v a 65, cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido, onde refere que “não pode submeter a
registo o identificado prédio, uma vez que há divergências de áreas
entre o destaque aprovado pela Câmara Municipal de ... e a avaliação
que acaba de ser feita por esses serviços”.

Factos dados como não provados:


1. - O Arquitecto GG informou os AA. que só em Abril de 2017 as RR
haviam solicitado os seus serviços.
2. - Os AA. entregaram às RR., a título de sinal, a quantia de €
36.000,00 (trinta e seis mil euros).
3. - Os AA. queriam adquirir uma propriedade com as características
daquela em causa, com vista a efectivar uma exploração biológica de

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agricultura, aliada a uma componente de Turismo Rural, tendo perdido


o interesse no negócio, face à conduta das RR.

4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de


Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas
conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O presente recurso tem por objecto unicamente a seguinte questão:
- Erro de julgamento do acórdão recorrido ao dar como não verificada a
situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa dos autos
por parte das RR..
5. Importa considerar os termos em que as instâncias se pronunciaram.
A 1.ª instância, convocando o regime da mora dos arts. 804.º, n.º 1, e
805.º, n.º 1, do Código Civil, assim como o regime de transformação da
mora em incumprimento definitivo do art. 808.º do mesmo Código,
entendeu:
- Que o prazo de noventa dias para a outorga do contrato definitivo não
foi respeitado por falta de “cumprimento” pelas RR. das condições
indicadas na cláusula quarta do contrato (operação de destaque do
prédio e de legalização da construção aí existente);
- Que não foi apurado se as RR. fizeram uso da faculdade contratual de
prorrogar tal prazo por mais 30 dias;
- Que, de qualquer forma, as RR. se encontravam em mora;
- Que o prazo de sete dias fixado pelos AA. por carta recepcionada
pelas RR. em 02.11.2017, sendo excessivamente curto para que as RR.
conseguissem a concretização das ditas condições, dependentes de
terceiros, não é um prazo razoável nos termos e para os efeitos do art.
808.º do CC;
- Assim sendo, a mora das RR. não se transformou em incumprimento
definitivo, sendo “inválida” a declaração de resolução dos AA.;
- Resolução que tampouco se pode fundar na perda de interesse dos
AA., a qual, a existir, teria de ser de índole objectiva e não meramente
subjectiva.
A Relação – para além de acompanhar o juízo da 1.ª instância quanto à
falta de prova da perda objectiva do interesse dos AA. na celebração do
contrato prometido – considerou que o prazo contratual de noventa dias
para a realização do contrato definitivo não tem a natureza de prazo
essencial e acolheu a fundamentação da decisão da 1.ª instância,
afirmando:
«Concorda-se com a decisão recorrida.

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Nos termos do contrato-promessa, as RR. ficaram obrigadas a celebrar


o contrato definitivo no prazo de 90 dias, prorrogável – a requerimento
das RR. – por 30 dias. Porém, as RR. tinham que, nesse prazo,
diligenciar por (cláusula quarta do contrato-promessa):
i) Efectivação de operação urbanística de destaque no prédio ora
prometido, de acordo com delimitações e detalhes impreterivelmente
sujeitos a aprovação escrita pelo segundo outorgante antes de
submetida à Câmara Municipal ...;
ii) Plena legalização das construções actualmente existentes na
parcela a destacar, incluindo, sem excluir, as especialidades de água,
luz, esgotos, telecomunicações e outros;
iii) Assegurar pleno registo predial de servidão de passagem de
pessoas e carros a favor do prédio ora prometido e prédio a destacar;
iv) Efectivar que o reservatório/poço de água encontra-se
integralmente localizado no prédio a vender, para que os devidos
levantamentos topográficos e projectos de arquitectura o devem
reflectir;
v) Assinar, subscrever e formalizar tudo o que se mostrar necessário
para possibilitar o acima referido e bem assim, o que se vier mostrar
necessário para permitir futura construção de imóvel pelo segundo
outorgante no prédio ora prometido.”
Era expectável que todos esses atos, que envolviam a atuação de
diversas pessoas e entidades, não seriam realizados dentro dos prazos
clausulados. Pese embora as diligências da R. Dória, iniciadas logo a
seguir à celebração do contrato-promessa, as operações urbanísticas
pretendidas sofreram percalços e atrasaram-se, do que o mandatário
dos AA. e os próprios AA. foram tendo conhecimento (cfr. n.ºs 3 a 10
da matéria de facto). Assim, o envio de uma carta, em 11 de outubro
de 2017, às RR., dando-lhes o prazo de 7 (sete) dias para enviarem
toda a documentação necessária à celebração do contrato definitivo
ficava muito aquém do que era razoável, por ser expectável, atento
tudo o exposto, que o curto prazo fixado não poderia ser cumprido.
Por conseguinte, a interpelação admonitória não logrou converter a
mora das RR. em incumprimento definitivo, o que invalidou, como se
entendeu na sentença recorrida, a resolução do contrato operada
pelos AA.
Desta forma, a apelação é improcedente.» [negrito nosso]
Insurgem-se os AA. contra esta decisão, invocando essencialmente que
a factualidade dada como provada não permite concluir pela falta de
razoabilidade do prazo suplementar para a realização do contrato
definitivo, fixado às RR. por carta das AA. de 11.10.2017. Sendo que a
interpelação foi feita no “pressuposto de que o processo camarário já
estaria concluído”; e sendo também que não se pode aceitar a
perspectiva das instâncias segundo a qual, em última análise, teria de

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ser dado às RR. um prazo suficientemente extenso, na ordem dos seis


meses, uma vez que foi esse o tempo que veio a ser necessário para que
se reunissem as condições previstas na cláusula quarta do contrato. Em
última análise, alegam, a posição da Relação não pode ser aceite uma
vez que, a ser seguida, a “concessão à outra parte de um “prazo
razoável” para concluir as suas obrigações, nunca poderá ser julgada
adequada, a priori, pois dependendo de actos de terceiros e assim
coarctada a possibilidade de, por esta via, resolver o contrato
promessa em causa, pois só “a final” se poderia saber se o prazo
razoável o era à luz da interpretação e posição da promitente não
faltosa aquando do envio de interpelação admonitória para
cumprimento”.
Quid iuris?
6. Com relevo para a resolução da questão em causa no presente
recurso, importa ter presente o teor das seguintes cláusulas contratuais
(cfr. facto provado 2):
«TERCEIRO: - CONTRATO PROMETIDO – UM – O Contrato
prometido a celebrar por escritura pública, será exarado no prazo de
90 dias, sendo a marcação efectuada pelo segundo outorgante, após
cumprimento pelas primeiras outorgantes das condições constantes
da cláusula infra.
DOIS – O prazo de formalização do contrato prometido poderá ser
objecto de prorrogação por 30 dias caso as primeiras outorgantes o
solicitem demonstrando que se encontram pendentes, sem culpa da
sua parte, o cumprimento das condições previstas na cláusula
seguinte.
QUARTO: CONDIÇÕES PARA FORMALIZAÇÃO DO CONTRATO
DEFINITIVO - Pelas primeiras outorgantes é aceite que constituem
condições indispensáveis para formação da vontade de comprar pelo
segundo outorgante as seguintes:
i) Efectivação de operação urbanística de destaque no prédio ora
prometido, de acordo com delimitações e detalhes impreterivelmente
sujeitos a aprovação escrita pelo segundo outorgante antes de
submetida à Câmara Municipal ...;
ii) Plena legalização das construções actualmente existentes na
parcela a destacar, incluindo, sem excluir, as especialidades de água,
luz, esgotos. telecomunicações e outros;
iii) Assegurar pleno registo predial de servidão de passagem de
pessoas e carros a favor do prédio ora prometido e prédio a destacar;
iv) Efectivar que o reservatório/poço de água encontra-se
integralmente localizado no prédio a vender, para que os devidos
levantamentos topográficos e projectos de arquitectura o devem
reflectir;

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v) Assinar, subscrever e formalizar tudo o que se mostrar necessário


para possibilitar o acima referido e bem assim, o que se vier mostrar
necessário para permitir futura construção de imóvel pelo segundo
outorgante no prédio ora prometido.
vi) As existentes construções na parcela a destacar não podem ser
alteradas nos seus actuais equipamentos e estruturas, sem prévio
consentimento escrito do segundo outorgante.»
Ainda que não tenha sido feita prova de que as RR., promitentes
vendedoras, tivessem feito uso da faculdade de prorrogação do prazo
prevista no n.º 2 da cláusula terceira, admitem os AA., aqui Recorrentes
– ao afirmarem que “o contrato prometido deveria ter sido celebrado
até 03/05/2017 ou no limite até 13/06/2017” – a utilização fáctica de
tal prorrogação. Quanto à natureza do prazo para a realização do
contrato prometido, entenderam as instâncias que reveste a índole de
prazo não essencial, entendimento que não foi posto em causa pelos
Recorrentes.
Temos, pois, como assente que, decorridos vários meses para além do
prazo, ainda que prorrogado, para a realização do contrato prometido,
as RR., a quem competia marcar a escritura pública, se encontravam
indubitavelmente em mora perante os AA.. Contudo, para que a mora
se transformasse em incumprimento definitivo seria necessária a
verificação de alguma das hipóteses previstas no art. 808.º do Código
Civil, às quais, de acordo com a doutrina e a jurisprudência
consolidadas, acresce a situação de recusa antecipada de cumprimento.
Não tendo ocorrido esta última situação nem tampouco se tendo
verificado – como foi ajuizado pelas instâncias e não impugnado pelos
AA. – a perda do interesse do credor objectivamente apreciada, restava
aos AA. a via da interpelação admonitória para cumprir, fixando um
prazo suplementar razoável para o efeito.
Aqui chegados, porém, deve dar-se razão aos Recorrentes quando estes
alegam, ainda que em termos algo imprecisos, que, conforme previsto
na cláusula quarta do contrato, o risco do insucesso ou atraso nos
procedimentos administrativos camarários corria por conta das RR.,
promitentes vendedoras, e não dos AA., promitentes compradores.
Com efeito, e diversamente do que, até certo ponto, parece transparecer
da fundamentação das decisões das instâncias, tendo as RR. “aceite
que constituem condições indispensáveis para formação da vontade de
comprar” tanto a “efectivação de operação urbanística de destaque no
prédio ora prometido, de acordo com delimitações e detalhes
impreterivelmente sujeitos a aprovação escrita pelo segundo
outorgante antes de submetida à Câmara Municipal ...” como a
“[p]lena legalização das construções actualmente existentes na
parcela a destacar, incluindo, sem excluir, as especialidades de água,
luz, esgotos, telecomunicações e outros”, não pode a apreciação do
diferendo entre as partes ser feita como se, afinal, a pendência de tais
procedimentos permitisse protelar indefinidamente as obrigações
assumidas. Só assim não seria se, o que não foi alegado nem provado,
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em momento posterior à celebração do contrato, tivessem as partes


alterado o acordado, com respeito pelas exigências normativas relativas
à forma (arts. 221.º e segs. do Código Civil).
Diga-se, aliás, que, se o risco de insucesso ou atraso nos procedimentos
administrativos não fosse suportado pelas RR. mas pelos AA., então o
prazo para a realização do contrato definitivo estaria suspenso enquanto
tais procedimentos não estivessem concluídos e as mesmas RR. não
teriam sequer sido constituídas em mora pelo que, em rigor, não seria
aplicável ao caso o regime do art. 808.º do CC nem, consequentemente,
existiria a necessidade de fixar um prazo suplementar razoável para
cumprir.
Em conclusão, temos que, mantendo-se em vigor as cláusulas
contratuais terceira e quarta, se confirma que, à data da interpelação
admonitória (por carta dos AA. datada de 11.10.2017), se encontravam
as RR. em situação de mora na celebração do contrato definitivo,
faltando apurar se o prazo suplementar para cumprir fixado em tal
declaração, era (ou não) um prazo adequado e razoável, de modo a
permitir que, uma vez esgotado, optassem os AA. pela resolução do
contrato, exigindo às RR. o pagamento do sinal em dobro.
A respeito do que deva entender-se como sendo um prazo suplementar
razoável, pronuncia-se Nuno Pinto Oliveira (Princípios de Direito dos
Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 816-817) nos
seguintes termos:
«O aplicador do direito deverá apreciar a adequação ou
razoabilidade do prazo atendendo às circunstâncias do caso
concreto – designadamente: 1.º ao conteúdo da relação contratual; 2.º à
dificuldade da prestação; 3.º aos interesses do credor e do devedor; 4.º à
causa do não cumprimento; 5.º à gravidade do não cumprimento; 6.º na
hipótese de o devedor não ter realizado prestação nenhuma, à gravidade
do atraso; 7.º na hipótese de o devedor ter realizado uma prestação
defeituosa, imperfeita ou inexacta, à gravidade do defeito; 8.º à
frequência com que o devedor foi interpelado; 9.º à intensidade com
que o devedor foi interpelado; 10.º aos prejuízos que o atraso causa ao
credor; e (sobretudo) – 11.º ao risco de que a prestação se torne inútil
para o credor.»
Aplicando esta doutrina na apreciação da questão da razoabilidade, ou
não, do prazo suplementar cominatório fixado pelos AA. importa ter
em conta as circunstâncias concretas que se seguiram à celebração, em
13 de Fevereiro de 2017, do contrato-promessa dos autos, de acordo
com a factualidade provada:
3.- Após a outorga do contrato promessa a R. CC mandou fazer o
levantamento topográfico e planimétrico do prédio em causa, bem
como o levantamento da edificação existente e encarregou um
arquitecto de proceder à elaboração e à instrução do processo de
licenciamento a apresentar à Câmara Municipal de ... .

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4.- A 06-07-2017 foi apresentado na Câmara Municipal ... o


processo de licenciamento da edificação existente sobre o prédio
prometido, por forma a obter o destaque do prédio prometido
vender.
6.- O Autor e esposa vieram à ... a 25 de Julho de 2017 e
deslocaram-se à Câmara Municipal ..., acompanhados do Dr. FF,
onde se reuniram com o Arquitecto GG, informando-se sobre o
estado do processo que corria termos naquele município
relativamente aos prédios objecto do contrato promessa e
consultando o mesmo.
7.- Foi então que os AA constataram que as plantas com o prédio a
destacar nos referidos termos contratuais, se encontravam incorrectas e
não reproduziam a construção existente.
8.- Pelo que os AA solicitaram ao referido técnico que os
acompanhasse ao terreno com vista a que se lograsse a correcção
de tais dados.
9.- Mais solicitaram os AA indicação ao dito Arquitecto de data
previsível de conclusão das operações urbanísticas então em curso,
tendo lhes sido indicado pelo referido Arquitecto, que não estaria
concluído antes de Setembro de 2017.
10.- Até finais de Outubro do ano de dois mil e dezassete, a Ré CC
foi contactando verbalmente com o Ilustre mandatário dos
Autores, dando conta do andamento do processo do licenciamento.
11.- O Dr. FF remeteu carta registada com AR à R. CC, datada de
11 de Outubro de 2017 e por esta recebida a 16 de Outubro de
2017, com o seguinte teor:
“(...)
Cumpre assim notificar V. Excia, nas qualidades supra referidas,
para no prazo de 7 dias enviar toda a documentação necessária para
a efectivação do contrato prometido, em estrito cumprimento dos
termos acordados no referido contrato promessa de compra e venda,
de forma a possibilitar o seu agendamento, sob pena de definitivo
incumprimento contratual imputável exclusivamente à V. parte, com
as inerentes consequências contratuais e legais”.
12.- Não tendo recebido resposta à carta de 2.1.11., o Dr. FF remeteu
nova carta registada com AR à R. CC, datada de 26 de Outubro de
2017 e por esta recebida a 02 de Novembro de 2017, com o seguinte
teor:
“Assunto: Incumprimento definitivo Contrato Promessa Exma
Senhora, Constata-se que V. Excia não apresenta qualquer documento
ou justificação na sequência da interpelação que lhe foi efectuada por
nossa carta de 13/10/2017. Conforme aí constava, a falta de envio de
toda a documentação necessária para efectivação do Contrato
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Promessa de Compra e Venda outorgado em 13/02/2017 com o meu


Constituinte AA, no prazo de 7 dias, motivaria o incumprimento
definitivo do mesmo, por fundamento de V, exclusiva responsabilidade.
Assim, vimos por este meio interpelar V. Excia, para, nos termos do nº
2 do Artº 442º do Código Civil, no prazo de 7 dias a contar da
recepção da presente, entregar a quantia correspondente ao dobro do
sinal pago, ou seja €72.000,00, (setenta e dois mil euros), sendo certo
que, conforme termos do referido contrato promessa, €31.000,00
(trinta e um mil euros), a título de sinal, encontram-se na posse do ora
signatário a título de depósito”.
Como fica patente dos factos 6 a 10, sendo certo que, como se
esclareceu supra, as partes acordaram que o risco de insucesso ou
atraso nos procedimentos administrativos corria por conta das RR.,
promitentes compradoras, acordo que não foi alterado, certo é também
que a conduta dos AA. – apresentando-se pessoalmente nos serviços
camarários; entrando, também pessoalmente, em diálogo com os
técnicos desses serviços a respeito de diversos aspectos da operação
urbanística e, em especial, a respeito do tempo necessário para a
conclusão dos procedimentos camarários; mantendo, através do
respectivo advogado, contacto regular com as RR. relativamente ao
andamento dos ditos procedimentos – revela que os mesmos AA. não
apenas se encontravam a par das dificuldades de índole burocrática
com que as RR. se depararam como, até certo ponto, compreendiam as
causas do atraso na realização do contrato prometido.
É neste contexto que tem de ser entendido e apreciado o teor da
interpelação admonitória realizada por carta, datada de 11.10.2017,
endereçada pelos AA. às RR. (e por estas recebida a 16.10.2017), com
a fixação de um prazo suplementar de sete dias para a entrega da
documentação necessária à realização do contrato definitivo,
interpelação essa que foi seguida da declaração de resolução realizada
por carta datada de 26.10.2017 (e recebida pelas RR. a 02.11.2017). No
contexto em causa, tal prazo de sete dias (ou de mais alguns dias se,
como propõe Nuno Pinto Oliveira, ob. cit., págs. 818-820, se atender
também ao tempo efectivamente concedido até à declaração de
resolução) afigura-se como absolutamente exíguo para o efeito em
causa e, por isso, não adequado nem razoável. Não podendo assim dar-
se como respeitadas as exigências legais (art. 808.º do CC) relativas à
transformação da mora em incumprimento definitivo.
Não quer isto dizer que o prazo suplementar apenas fosse tido como
razoável se tivesse sido fixado para o termo dos procedimentos
administrativos, pois isso mais não seria do que subverter o sentido da
cláusula quarta do contrato, de acordo com a qual impende sobre as
RR. o risco de insucesso ou atraso de tais procedimentos. Quer sim
dizer que, atendendo à natureza das causas da mora das RR. na
marcação da escritura pública, o prazo suplementar, para ser razoável,
teria de ter sido fixado na ordem de um ou mais meses e não, como
ocorreu, na ordem de alguns dias.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/049ccfb484f47ea4802586bd004f4bfd?OpenDocument 21/22
25/04/2021 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Não podiam os AA. ignorar que seria praticamente impossível às RR.


cumprir no prazo concedido. Assim sendo, e atendendo a que, “no
cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito
correspondente, devem as partes proceder de boa fé” (art. 762.º, n.º 2,
do CC), estava-lhes vedado – no contexto concreto constante dos factos
provados 6 a 10 – fixar um prazo suplementar de tal forma curto que
entrava em contradição com a conduta assumida pelos AA. ao longo
dos meses que se seguiram à celebração do contrato-promessa.
Consequentemente, não tendo os AA. respeitado os parâmetros do n.º 1
do art. 808.º do CC na fixação do prazo suplementar nem tendo suprido
essa falha retardando a declaração de resolução, deve ter-se a mesma
como ineficaz.
7. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se,
ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, a
decisão do acórdão recorrido.
Custas pelos Recorrentes

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021

Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de


Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro
que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas.
Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que
compõem este colectivo.

Maria da Graça Trigo (relatora)

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