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Terra Livre

REFLEXÕES GEOGRÁFICAS:
TERRITÓRIOS ALTERNA
ALTERNA TIVOS E ES-
TERNATIVOS
FERAS DE POSSIBILIDADES

Desde 1934

Associação dos
Associação dos
Geógrafos Brasieliros
Geógrafos Brasileiros

1
Associação dos Geógrafos Brasileiros

Diretoria Execut va Nacional


Executiva
Gestão 2008/2010

Presidente
Alexandrina Luz Conceição - AGB Aracaju

Vice Presidente
Nelson Rego - AGB Porto Alegre

Secretaria
Djoni Roos - AGB Marechal Cândido Rondon

Tesouraria
Sinthia Cristina Batista - AGB Cáceres

Coordenação de Publicações
Edvaldo César Moretti - AGB Dourados
Alexandre Bergamin Vieira - AGB Presidente Prudente

Mestres de Edição
Hindenburgo Francisco Pires
Tiago Bassani Rech

Representação junto ao Sistema CONFEA/CREA


Titular: Cristiano Silva da Rocha – AGB-Porto Alegre
Suplente: Victor Alberto de Souza Junior

Representação junto ao Conselho das Cidades


Arlete Moyses Rodrigues – AGB - São Paulo/SP
Suplente: Yure Silva Lima

Correio eletrônico: nacional@agb.org.br

Página na internet: http://www.agb.org.br

2
ISSN 0102-8030

Terra Livre

Publicação semestral
da Associação dos Geógrafos Brasileiros

ANO 25 – Vol. 2
Vol.
NÚMERO 33

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 1-205 Jul-Dez/2009

3
TERRA LIVRE
Conselho Editorial
Adauto de Oliveira Souza (UFGD) João Edmilson Fabrini (UNIOESTE/M. C. Rondon)
Ailton Luchiari (USP) Jones Dari Goettert (UFGD)
Aldomar Arnaldo Rückert (UFRGS) Jorge Montenegro Gómez (UFPR)
Alexandrina Luz Conceição (UFS) José Daniel Gómez (Universidade de Alicante/Espanha)
Anselmo Alfredo (USP) Larissa Mies Bombardi (USP)
Amélia Cristina (AGB-RJ) Marcelino Andrade Gonçalves (UFMS/Nova Andradina)
Álvaro Luiz Heidrich (UFRGS) Marcelo Dornelis Carvalhal (UNIOESTE/M. C. Rondon)
Ana Fani Alessandri Carlos (USP) Marcelo Rodrigues Mendonça (UFG/Catalão)
Ângela Massumi Katuta (UEL) Márcio Cataia (IG/UNICAMP)
Antonio Carlos Vitte (UNICAMP) Marcos Bernardino de Carvalho (PUC/SP)
Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP/Pres. Prudente) Maria Franco García (UFPB)
Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP) Maurício A. de Abreu (UFRJ)
Arthur Magon Whitacker (UNESP/Pres. Prudente) Mirian Cláudia Lourenção Simonetti (UNESP/Marília)
Beatriz Ribeiro Soares (UFU) Nélson Rego (UFRGS)
Bernadete C. Castro Oliveira (IGCE/UNESP) Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ/São Gonçalo)
Bernardo Mançano Fernandes (UNESP/Pres. Prudente) Pedro Costa Guedes Vianna (UFPB)
Charlei Aparecido da Silva (UFGD) Rafael Straforini (AGB-RJ)
Cristiane Cardoso (AGB-RJ) Regina Célia Bega dos Santos (IG/UNICAMP)
Diamantino Alves Correia Pereira (PUC/SP) Renato Emerson dos Santos (AGB-RJ)
Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS) Ricardo Antunes (UNICAMP)
Douglas Santos (PUC/SP) Rogério Haesbaert da Costa (UFF)
Eliseu Saverio Sposito (UNESP/Pres. Prudente) Selma Simões de Castro (UFG)
Flaviana Gasparotti Nunes (UFGD) Sérgio Luiz Miranda (UFU)
Francisco Mendonça (UFPR) Silvio Simione da Silva (UFAC)
Genilton Rocha (AGB-RJ) Valéria De Marcos (USP)
Hindenburgo Francisco Pires (AGB-RJ) Virgínia Elisabeta Etges (UNISC)
Horácio Capel Sáez (Universidade Barcelona/Espanha) Wiliam Rosa Alves (UFMG)
João Cleps Júnior (UFU) Xosé Santos Solla (Univ. Santiago de Compostela/Espanha)

Editores responsáveis: Alexandre Bergamim Vieira (AGB-Presidente Prudente) e


Edvaldo César Moretti (AGB - Dourados/MS)
Editoração e formatação eletrônica: Tiago Bassani Rech (AGB– Porto Alegre/RS)
Arte da capa: Tiago Bassani Rech (AGB – Porto Alegre/RS)
Fotografia capa: Silvana Ap. Lucato Moretti (AGB-Dourados)

Tiragem: 300

Impressão: Solidus Gráfica e Editora (solidus@graficasolidus.com.br)


Av. Antônio de Carvalho, 2079 cep: 91430-001 - Porto Alegre - RS
Endereço para Correspondência:
Associação dos Geógrafos Brasileiros (DEN)
Av. Prof. Lineu Prestes, 332 - Edifício Geografia e História - Cidade Universitária
CEP: 05508-900 - São Paulo / SP - Brasil - Tel. (0xx11) 3091 - 3758
ou Caixa Postal 64.525 - 05402-970 - São Paulo / SP
e-mail: terralivre@agb.org.br
Ficha Catalográficca
Terra Livre, ano 1, n. 1, São Paulo, 1986. São Paulo, 1986 – v. ils. Histórico
1992/93 – 11/12 (editada em 1996)
1994/95/96 – interrompida
1986 – ano 1, v. 1 1997 – n. 13
1998 – interrompida
1987 – n. 2 1999 – n. 14
1988 – n. 3, n. 4, n. 5 2000 – n. 15
1989 – n. 6 2001 – n. 16, n. 17
1990 – n. 7 2002 – Ano 18, v.1, n. 18; v.2, n. 19
10. Geografia – Periódicos 2003 – Ano 19, v.1, n. 20; v. 2, n. 21
10. AGB. Diretoria Nacional 2004 – Ano 20, v.1, n. 22; v. 2, n. 23
2005 – Ano 21, v.1, n. 24
2005 – Ano 21, v. 2, n. 25
1991 – n. 8, n. 9 2006 – Ano 22, v. 1, n. 26
1992 – N. 10 2006 – Ano 22, v. 2, n. 27
Revista Indexada em Geodados 2007 – Ano 23, v. 1, n. 28 CDU – 91 (05)
www.geodados.uem.br 2007 – Ano 23, v. 2, n. 29
ISSN 0102-8030 2008 – Ano 24, v. 1, n. 30
2008 – Ano 24, v. 2, n. 31
2009 – Ano 25, v. 1, n. 32
2009 – Ano 25, v. 2, n. 33
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4
SUMÁRIO
EDITORIAL 09

ARTIGOS 15

ONDE ESTÃO AS FLORES, AS CORES, OS ODORES, OS SABERES E OS


SABORES DO CERRADO BRASILEIRO? O AGRO/HIDRONEGÓCIO COMEU! 17 - 30
HELENA ANGÉLICA DE MESQUITA
ESQUITA

PESCADORES, TRABALHO E GEOGRAFIA: UMA APROXIMAÇÃO DE ESCA-


LAS, MODALIDADES E EMBATES PRESENTES NO TRABALHO PELAS
MBATES
ÁGUAS. 31 - 46
EDUARDO SCHIAVONE CARDOSO

DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS


NOVAS DINÂMICAS TERRITORIAIS.
IARA RAFAELA GOMES 47 - 66

A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS: BALANÇO


E PESPECTIV AS.
ESPECTIVAS
NÉLSON RODRIGO PEDON 67-84

TERRITORIO E AGRICULTURA ORGÂNICA EM MATO G ROSSO DO SUL:


GRICULTURA
QUANDO O PASSADO ENSINA O FUTURO.
SILVANA APARECIDA LUCATO MORETTI
E MARIA GERALDA DE ALMEIDA 85-96

RIO JURUENA: CONSTITUIÇÃO DO TERRITÓRIO DE UM POVO.


NARCI DOS SANTOS SOUZA
TÂNIA PAULA DA SIL VA
ILV 97-114

SOBRE A GÊNESE DOS AREAIS (SW/RS): UMA CONTRIBUIÇÃO DE


INTERF ACE BIOLOGIA – GEOMORFOLOGIA.
NTERFACE
DIRCE M. A. SUERTEGARA
UERTEGARAYY 115-124
LUÍS ALBERTO PIRES DA SILVA
ILV

O ENSINO DA GEOGRAFIA E OS JOVENS EM SITUAÇÃO DE RISCO


SOCIAL: “POR UMA GEOGRAFIA CIDADÔ
TÂNIA BATISTA TEODORO 125-138

5
O DESENHO COMO MAPA E E DUCAÇÃO CONSER
APA VADORA NO ENSINO
ONSERV
DE GEOGRAFIA 139-154
SÉRGIO LUIZ MIRANDA

TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: PROBLEMÁTICA URBANA E


MUTAÇÕES DO SAGRADO EM JUAZEIRO DO NORTE (CEARÁ, BRASIL).
UTAÇÕES
155-170
CHRISTIAN DENNYS MONTEIRO DE OLIVEIRA
LAIS CATARINE DE OLIVEIRA

NOTAS
NOTAS DE PESQUISA

OLHOS VENDADOS PARA O FUTURO: A RETOMADA DAS USINAS


NUCLEARES. 171-176
CLAUDIO UBIRATAN GONÇALVES
ONÇALVES

RESENHAS

TERRITÓRIO: METÁFORA, TEMÁTICA OU CAMINHO METODOLÓGICO? 177-182


EDUARDO MARANDOLA

NORMAS

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 183-190

COMPÊNDIO

COMPÊNDIO DOS NÚMEROS 191-205

6
SUMMARY/SUMARIO
SUMMARY/SUMARIO

FOREWORD/EDITORIAL 11

ARTICLES/ ARTÍCULOS 15

¿DÓNDE ESTÁN LAS FLORES, LOS COLORES, LOS OLORES, LOS SABERES Y LOS
SABORES DEL BIOMA CERRADO BRASILEÑO? ¡EL AGRO/HIDRONEGOCIO COMIÓ!
WHERE THEY ARE THE FLOWERS, THE COLORS, THE ODORS, TO KNOW AND THE 17 - 30
VORS TO THEM OF THE BRAZILIAN CERRADO (SA
FLAVORS
FLA VANNA) BIOME? THE AGRI/
SAV
HYDRO BUSINESS ATE!
HELENA ANGÉLICA DE MESQUITA
ESQUITA

FISHERMEN, WORK AND GEOGRAPHY: AN APPROACH OF SCALES, MODALITIES


AND OPPOSITIONS PRESENT IN THE LABOR FOR THE WATER
PESCADORES, TRABAJO Y GEOGRAFÍA: UN ACERCAMIENTO DE ESCALAS, 31 - 46
MODALIDADES Y EMBATES PRESENTES EN EL TRABAJO EN LAS AGUAS
EMBATES
EDUARDO SCHIAVONE CARDOSO

DISSEMINA TION OF AGRIBUSINESS AND NEW TERRITORIAL DYNAMICS


ISSEMINATION
DIFUSIÓN DE LA DINÁMICA TERRITORIAL DE LA AGROINDUSTRIA Y LOS NUEVOS 47 - 66
IARA RAFAELA GOMES

TLA INVESTIGÁCION GEOGRÁFICA SOBRE LOS MOVIMIENTOS SOCIALES: REVISÓN


Y PROPUEST AS
PROPUESTAS
THE GEOGRAPHICAL RESEARCH ABOUT SOCIAL MOVEMENTS: REVIEW AND 67-84
PROPOSALS
NÉLSON RODRIGO PEDON

TERRITORY AND ORGANIC


ERRITORY AGRICULTURE IN MA
AGRICULTURE TO GROSSO DO SUL: WHEN THE
MATO
PAST TEACH THE FUTURE.
TERRITOIRE ET AGRICULTURE ORGANIQUE DANS LE MA
AGRICULTURE TO GROSSO DO SUL:
MATO
85-96
QUAND LE PASSÉ FORME L’AVENIR
SILVANA APARECIDA LUCATO MORETTI
E MARIA G ERALDA DE A LMEIDA

RIO JURUENA: CONSTITUCIÓN DEL TERRITORIO DE UN PUEBLO


RIO JURUENA: CONSTITUTION OF THE TERRITORY OF A PEOPLE
ERRITORY
NARCI DOS SANTOS SOUZA 97-114
TÂNIA PAULA DA SILVA
ILV

ABOUT THE GENESIS OF THE SANDS (SW/RS): A CONTRIBUTION TO THE


INTERFACE B IOLOGY – GEOMORPHOLOGY.
INTERFACE
SOBRE LA GÉNESIS DE LOS ARENALES (SW/RS): UNA CONTRIBUCIÓN DE 115-124
INTERFAZ BIOLOGÍA – GEOMORFOLOGÍA.
INTERFAZ
DIRCE M. A. SUERTEGARA
UERTEGARAYY
LUÍS ALBERTO PIRES DA SILVA
ILV

THE TEACHING OF GEOGRAPHY AND YOUNG PEOPLE AT RISK SOCIAL:


“CITIZENS FOR A GEOGRAPHY”
LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFIA Y LOS JÓVENES EN SITUACIÓN DE 125-138
RIESGO SOCIAL: “POR UNA GEOGRAFIA CIUDADANA
TÂNIA BATISTA TEODORO

7
EL DIBUJO COMO MAP A E E DUCACIÓN C ONSER
APA VADORA EN LA ENSEÑANZA
ONSERV
DE LA GEOGRAFÍA
THE DRAWING AS MAP A ND C ONSER
RAWING VATIVE EDUCA
ONSERV TION IN T HE TEACHING 139-154
DUCATION
OF GEOGRAPHY
SÉRGIO LUIZ MIRANDA

TOURISM AND PUBLIC POLICYPOLICY:: URBAN PROBLEM AND CHANGE OF


THE SACRED IN JUAZEIRO DO N ORTE (CEARÁ, BRAZIL)
TURISMO Y POLÍTICA PÚBLICA: POLÍTICA URBANA Y LAS 155-170
MUTACIONES DE LO SAGRADO EN JUAZEIRO DO NORTE (CEARÁ, BRASIL).
MUTACIONES
CHRISTIAN DENNYS MONTEIRO DE OLIVEIRA
LAIS CATARINE DE OLIVEIRA

RESEARCH NOTES/NOTAS DE INVESTIGACIÓN


NOTES/NOTAS

BLINDFOLD TO THE FUTURE: THE RESUMPTION OF NUCLEAR PLANTS.


LOS OJOS VENDADOS AL FUTURO: LA REANUDACIÓN DE LAS CENTRALES 171-176
NUCLEARES
CLAUDIO UBIRATAN GONÇALVES
ONÇALVES

RESENHAS

TERRITÓRIO: METÁFORA, TEMÁTICA OU CAMINHO METODOLÓGICO? 177-182


EDUARDO MARANDOLA

STANDARDS/NORMAS
STANDARDS/NORMAS
183-190
STANDARDS FOR PUBLICATION
NORMAS PARA PUBLICACIÓN

COMPENDIUM/COMPENDIO

COMPENDIUM OF THE PREVIUS NUMBERS 191-205


COMPENDIO DE LAS ANTERIORES

8
EDITORIAL

Apresentamos o número 33 da Revista Terra Livre em um momento


importante de reflexão das ciências humanas sobre o caráter das revistas
científicas e sua participação no processo de divulgação do conhecimento.
A AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros – tem a postura política
de manter uma revista científica na perspectiva da construção da ciência
geográfica e da interlocução com os diferentes conhecimentos produzidos
pela sociedade, neste sentido, nossa Revista persegue nestes seus 24 anos
de existência os princípios expressos no editorial da Revista de número 01:
veicular artigos que manifestem compromissos com as lutas da sociedade e
sobre questões mais gerais e diretamente relacionadas com os principais
problemas enfrentados pela sociedade brasileira. Em suma, trata-se de tra-
zer a geografia para desvendar a dinâmica da sociedade.
A reafirmação destes princípios em cada número produzido permite a
Revista Terra Livre ser avaliada pelos leitores como a principal, Revista da
Geografia Brasileira, e isto sem dúvida significa a participação intensa dos
agebeanos/as que com seus artigos e seus pareceres contribuem para pen-
sar a ciência e nossas práticas.
Este número mantém está prática e apresenta ao leitor 11 artigos com
diferentes perspectivas analíticas que possibilitam a reflexão sobre temáticas
importantes, tais como, produção territorial, movimentos sociais,
epistemologia, geografia física, o ensino de geografia, turismo e políticas
públicas.
A revista apresenta ainda uma resenha de dois livros, e uma nota de
pesquisa.
Convidamos a todos os leitores para o diálogo sobre o conteúdo apre-
sentado pelos artigos, mas também para a reflexão sobre o caráter e a polí-
tica da revista Terra Livre. A AGB tem no pensar sobre ela mesma uma de
suas principais característica e riqueza.

OS EDITORES

9
10
EDITORIAL

In a very important reflection moment of the Humanities about the


character of the journal and your participation in the process of disseminating
knowledge, we present the 33th edition of the Terra Livre Journal.
AGB – Association of Brazilian Geographers – has the political stance
of keeping a journal from the perspective of the construction of geographical
science and of dialogue with different knowledge produced by society,
accordingly, our journal pursues, in all the 24 year of existence, the principles
expressed in the editorial of the 1st edition: conveying articles, which express
commitments to the struggles of society and on broader issues directly related
with the main problems faced by Brazilian society. In short, this is to bring
geography to uncover the society dynamic.
The reaffirmation of these principles in every edition allows the Terra
Livre Journal be evaluated as the main Brazilian Journal of Geography,
and this without doubts means the intense participation of “agebeanos/as”
who with your articles and opinions contribute to thinking the science and
our practices.
This edition maintains the practical, and presents to the reader 11
scientific papers with different analytical perspectives which enable
reflection about important thematic, such as, territorial production, social
movements, epistemology, physics geography, the teaching of geography,
tourism and public policy.
Moreover, the journal presents a review of two books and a research
note.
We invite all the readers to the discussion about the content presented
by the papers, but also to the reflection about the character and the policy of
the journal. AGB has in the thinking about itself one of its main
characteristics and wealth.

THE EDITORS

11
12
EDITORIAL

Presentamos el número 33 de la Revista Terra Livre (Tierra Libre) en


un momento importante de reflexión de las ciencias humanas sobre el
carácter de las revistas científicas y su participación en el proceso de
divulgación del conocimiento.
La AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros (Asociación de los
Geógrafos Brasileros) – tiene la postura política de mantener una revista
científica en la perspectiva de la construcción de la ciencia geográfica y de
la interlocución con los diferentes conocimientos producidos por la sociedad,
en este sentido, nuestra revista persigue en estos sus 24 años de existencia
los principios expresos en el editorial de la Revista número 01: difundir
artículos que manifiesten compromisos con las luchas de la sociedad y sobre
cuestiones más generales y directamente relacionadas con los principales
problemas enfrentados por la sociedad brasilera. En suma, se trata de traer
la geografía para desvendar la dinámica de la sociedad.
La reafirmación de estos principios en cada número producido permite
que la Revista Terra Livre sea evaluada por los lectores como la principal,
Revista de la Geografía Brasileira, y esto sin duda significa la participación
intensa de los agebeanos/as que con sus artículos y sus pareceres contribuyen
para pensar la ciencia y nuestras prácticas.
Este número mantiene esta práctica y presenta a los lectores 11 artí-
culos con diferentes perspectivas analíticas que posibilitan la reflexión so-
bre temáticas importantes, como, producción territorial, movimientos
sociales, epistemología, geografía física, la enseñanza de geografía, turismo
y políticas públicas.
La revista presenta aún una reseña de dos libros, y una nota de pes-
quisa.
Invitamos a todos los lectores para el diálogo sobre el contenido
presentado por los artículos, pero también para la reflexión sobre el carácter
y la política de la Revista Terra Livre. La AGB piensa sobre ella misma y
esta es una de sus principales característica y riqueza.

LOS EDITORES

13
14
ARTIGOS

15
16
Resumo: Este texto discute o vertiginoso processo de devastação do
Cerrado brasileiro, procurando mostrar a questão do ponto de vista
dos povos cerradeiros. O Cerrado é o berço das águas das principais
bacias hidrográficas da América do Sul. Este bioma está sofrendo
vertiginosa destruição. O processo de modernização da agricultura
avança sobre as matas ciliares, as veredas e as nascentes, expulsando
os camponeses e homogeneizando as paisagens com monoculturas,
comprometendo a sua biodiversidade característica. Outro grande
ONDE ESTÃO AS risco, hoje, é a expansão do modelo energético, que ameaça seus rios
FLORES, AS CORES, com a construção de barragens para Aproveitamento Hidrelétrico
OS ODORES, OS (AHE) e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). O processo de
destruição do Cerrado pelo agronegócio e pelo hidronegócio afeta
SABERES E OS toda a sociedade, e o campesinato é o segmento social comprometido
SABORES DO mais diretamente, pois são homens de lida íntima e direta com a
CERRADO terra, com a qual se relacionam com respeito, afinal é a terra seu
BRASILEIRO? O principal meio de vida e perder a terra é ser expropriado da cultura,
das tradições, do modo de vida e da cidadania, pelo rompimento de
AGRO/HIDRONEGÓCIO teias de relações sociais centenárias.
COMEU! Palavras-chave
Palavras-chave: Cerrado; Agronegócio; Hidronegócio; Devastação;
Ocupação predatória.

¿DÓNDE ESTÁN LAS Resumen


Resumen: Este texto discute el vertiginoso proceso de devastación
FLORES, LOS del Bioma Cerrado Brasileño, procurando mostrar la cuestión del
COLORES, LOS punto de vista de los pueblos cerraderos. El Bioma Cerrado es la
cuna de las aguas de las principales cuencas hidrográficas de la
OLORES, LOS SABERES América del Sur. Este bioma está sufriendo vertiginosa destrucción.
Y LOS SABORES DEL El proceso de modernización de la agricultura avanza sobre las matas
BIOMA CERRADO ciliares, las veredas y las nacientes, expulsando los campesinos y
homogeneizando los paisajes con monocultivos, comprometiendo su
BRASILEÑO? ¡EL AGRO/ biodiversidad caraterística. Otro gran riesgo, hoy, es la expansión
HIDRONEGOCIO del modelo energético, que amenaza sus ríos con la construcción de
COMIÓ! represas para Aprovechamiento Hidroeléctrico (AHE) y Pequeñas
Centrales Hidroeléctricas (PCHs). El proceso de destrucción del
Bioma Cerrado por el agronegocio e por el hidronegocio afecta toda
WHERE THEY ARE THE la sociedad, y el campesinado es el segmento social comprometido
FLOWERS, THE más directamente, pues son hombres de faena íntima y directa con
COLORS, THE ODORS, la tierra, con la cual se relacionan con respeto, al final es la tierra
su principal medio de vida y perder la tierra es ser expropiado de la
TO KNOW AND THE cultura, de las tradiciones, del modo de vida y de la ciudadanía, por
FLA VORS TO THEM OF
FLAVORS el rompimiento de las telas de relaciones sociales centenarias.
THE BRAZILIAN Palabras clave
clave: Bioma Cerrado; Agronegocio; Hidronegocio;
CERRADO (SA VANNA)
SAV Devastación; Ocupación predatoria.
BIOME? THE AGRI/ Summary: This text argues the vertiginous process of destruction
HYDRO BUSINESS ATE! of the Brazilian Cerrado (savanna) biome, looking for to show the
question of the point of view of the Cerradeiros peoples. The Brazilian
Cerrado (savanna) biome is the cradle of waters of the main
hydrographical basins of the South America. This biome it is
HELENA ANGÉLICA DE suffering vertiginous destruction. The process of modernization of
agriculture advances on the cilium bushes, the trails and the springs,
MESQUIT A
ESQUITA banishing the Peasants and mixed the landscapes with cultivations,
compromising its characteristic biodiversity. Another great risk,
today, is the expansion of the energy model that threats its rivers
UFG/CAMPUS CATALÃO with the construction of barrages for Utilization Hidroelectric (AHE)
helena@wgo.com.br and Small Hydroelectrics Central (PHCs). The process of destruction
of the Brazilian Cerrado (savanna) biome for the agribusiness and
the hydro business affects all the society, and the peasantry is the
compromised social segment more directly, therefore they are men
of close chore and direct with the land, with which if they relate
with respect, after all it is the life land its main one half and to lose
the land is to be expropriated of the culture, the traditions, the way
of life and the citizenship, for the disruption of web of centennial
social relations.
Words - key: Brazilian Cerrado (savanna) biome; Agribusiness;
Hydro business; destruction; Predatory occupation.

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 17-30 Jul-Dez/2009

17
MESQUITA, H. A. ONDE ESTÃO AS FLORES, AS CORES, OS ODORES...

INTRODUÇÃO
A preocupação com a degradação do Cerrado está muito presente no curso de Geo-
grafia da Universidade Federal de Goiás/Campus Catalão, especialmente os professores e
alunos, tanto de graduação como de pós-graduação (mestrado), vinculados ao Grupo de
Pesquisa: Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais (GETeM). Estão sendo desenvolvidas
pesquisas teóricas e empíricas que apontam a necessidade de se estudar o Cerrado e os
povos cerradeiros com uma visão mais crítica e mais humana, afinal vivemos no seu cori e
convivemos com sua devastação brutal. Assim estamos muito incomodados com tudo isso e
este texto pretende incomodar e convidar à reflexão.
O Cerrado brasileiro é um bioma ainda pouco estudado, mas está sofrendo, nos últi-
mos anos, vertiginosa destruição. O processo de modernização da agricultura, intensifica-
do nas décadas de (19)80 e (19)90 avança sobre as áreas mais planas e melhor irrigadas
destruindo as matas ciliares, as veredas e as nascentes, expulsando os camponeses e
homogeneizando as paisagens com monoculturas, comprometendo a biodiversidade carac-
terística desse bioma. Outro grande risco para o Cerrado, hoje, é a expansão do atual mode-
lo energético, que ameaça seus rios com a construção de barragens para Aproveitamentos
Hidrelétricos (AHEs) e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). A possível construção de
dezenas de barragens provocará desastres no ambiente e na sociedade com efeitos
irreversíveis a curto, médio e longo prazos. O Cerrado é o berço das águas das principais
bacias hidrográficas da América do Sul, portanto o barramento dos seus rios, além de des-
truir o que resta do bioma e desalojar os povos cerradeiros, afetará todo o sistema hídrico
sul-americano.
O processo de destruição do Cerrado pelo agronegócio e pelo hidronegócio afeta toda
a sociedade, e o campesinato é o segmento social comprometido mais fortemente, pois são
homens de lida direta com a terra, afinal é a terra seu principal meio de vida e perder a
terra é ser expropriado da cultura, das tradições, do modo de vida e da cidadania pelo
rompimento de teias de relações centenárias.
Os camponeses expulsos de suas terras pela agricultura modernizada que se nega-
ram a sucumbir refugiaram-se nas terras das “quebrada”, ou seja, nos terrenos rugosos e os
vales dos rios. A proposta de construção de barragens para AHE e PCHs em quase todos os
cursos d’água do Cerrado vai desalojar outra vez essa população.
Os camponeses brasileiros enfrentam secularmente o latifúndio, que com a conivên-
cia do Estado, concentra renda e terras gerando fome e pobreza. Se os camponeses lutaram
contra o latifúndio em todos os tempos da história do país, recentemente têm de enfrentar
os conglomerados econômicos estrangeiros e nacionais que privatizaram o setor elétrico e
expandem a construção dos AHEs e PCHs, cujas represas expulsam da terra milhares de
famílias.
Para ilustrar os efeitos do processo de modernização sobre o ambiente e sobre a
sociedade trago as sábias palavras de um camponês que assistiu sua terra, no Cerrado, ser
transformada em um mar de soja. O depoente, um camponês de 75 anos de idade que
sempre viveu no campo, mostra-se um profundo conhecedor das leis da natureza e da pró-
pria natureza humana1. O depoimento foi recolhido em 05 de dezembro de 1988, por oca-
sião de pesquisa de dissertação de mestrado da autora

Isso aqui era tudo um cerradão!


tanto piqui, gabiroba, frôr, arvre.
E os bicho... us bicho era mato.
Era bando de cento e vinte ema,
sariema, pomba-do-bano, priquito,
papagai, arara, tucano, carcará...

1
O nome do camponês foi omitido a pedido do mesmo por se considerar “um roceiro” que “não sabia falar” Grifo
meu.

18
Terra Livre - n. 33 (2): 17-30, 2009
Era muito passarim.
Us viado campêro, us tatu, us melêta,
as cutia, anta, capivara, lobo,
e as onça... onça pintada e as onça preta.

Agora gente, gente era pôca.


Fora perto da istrada,
era só um cavalero campiano um’as reis
de vêiz im quando.
É, aqui tinha gado, mais num era muito.

Era um’as pôca cabeça...


Um’a meia duza aqui, ôtas aculá.
Hoje tem mais gado
e us pasto é prantado.
É lavora de capim, cum pôca arvre.
As arvre virô lenha
e vai pus secado de soja
ô vira carvão.
Nas carvuera sai carreta cheia de carvão.

De primero aqui num tinha cerca,


u gado era criado sorto,
num tinha lavora.

Tinha um’as mancha de mato


nas cabicera dus rio e dus corgo.
Tinha muita chuva.
Chuvia até meis intêro.

No tempo das água


o chapadão virava brejo.
Tinha qui tirá u gado
purque mulicia u casco.

Tinha muito oi d’água


e us corgo era maió,
era limpinho e tinha muito pexe.

A gente maginava qui as terra


era fraca, num prestava pá lavôra...
mais parece qui nóis se inganô...

Hoje é cada baita de lavôra.


É um’a lindeza! Dá gosto!
U povo qui vêi de fora
deu jeito nas terra...

Teve gente aqui qui pelejo pá fazê roça...


num dava prudução,
marelava tudo, aí largava tudo
e fazia as roça só nas quebrada.
O chapadão ficava pru gado.

Quando us gaúcho vei


e quisero comprá as terra,
A gente vendeu u chapadão
e fiquemo c’as terra das quebrada.
Vendemo u chapadão quais de graça.
As terra du chapadão
num tinha sirvintia pra nóis.

Nóis num sabia qui virava isso...


mais eles tivero qui gastá muito,

19
MESQUITA, H. A. ONDE ESTÃO AS FLORES, AS CORES, OS ODORES...
muito dinhero, num foi pôco não.
Gastô cum adubo, máquina,
até pô tudo du jeito qui tá.
Gastaro muito dinhero e muito sirviço.
Gastaro muito e isso ninguém
daqui tinha cundição.

Hoje a gente óia e aonde


era cerrado é lavôra.
Parece um mar... mar de soja.
No lugá dus bicho e das arvre,
é puêra de máquina.
É maquinaro dimais.

Vi, num causo de hora,


um pedação de Cerrado sumi.
Foi dirrubado cum correntão.
A terra ficou nuinha... faiz dó!

Esse povo qui vei pra cá,


us gaúcho, us paulista,
é gente muito deferente im tudo, pur tudo.
É deferente pá fala, nu modo de vivê...
mais é um povo muito bão.
Ez é prestativo, é boa amizade,
é muito iducado, trata bem us impregado
e pega nu eito junto c’us pião.
Ez tem calo na mão.
Ez tem muito dinhero no banco.

As casa da fazenda tem tudo


qui é conforto, tem luiz, televisão, geladera, rádio, até telefone...
é iguale quarqué casa boa da cidade.

É... isso aqui agora é ôto mundo.


Quem pudia maginá deiz, doze ano atrais...
as istrada é boa, tem muito muvimento...

É sô! As coisa mudô dimais.


As chuva minguô.
Us animal, us bicho sumiro.
As água baxô muito...
Diz qui é pogresso!
Num sei não...
cada pessoa fala dum jeito!
Num sô istudado, num sei muita coisa.
Num sei se vai risurtá im coisa boa!

A natureza tá cabano...
mais tão pruduzino muito,
pruduzino muita soja,
pruduzino muito gado.
Tão rancano muita riqueza do chão
mais parece qui o povo tá mais pobre...
só os dono é qui fica mais rico!2

As palavras do velho camponês estão muito atualizadas pois a sabedoria presente


nelas evidenciam uma compreensão da realidade que muitos acadêmicos não alcançam,
mesmo depois de anos de estudos.
Mais de 20 anos depois o que estamos assistindo é a “guludiça” desenfreada desse

2
Depoimento recolhido em 05/12/1988 (chapadão de Santo Antônio de Rio Verde/município de Catalão/GO)
Pesquisa e organização: Helena Angélica de Mesquita

20
Terra Livre - n. 33 (2): 17-30, 2009
bicho louco, o agro/hidronegócio, que tudo devora com muito gosto, e deixa atrás de si o
desgosto dos camponeses e o mau gosto no ambiente.

DA PRODUÇÃO CAMPONESA AO AGRONEGÓCIO NAS ÁREAS DE CERRADO


- Cadê a terra que tava aqui?
- O agronegócio comeu.
- Cadê o agronegócio?
- Foi se juntar ao hidronegócio.
- Cadê os dois?
- Foram tirar a terra, a água, a comida, a casa, a família, os amigos...
dos camponeses cerradeiros.
- Cadê os camponeses cerradeiros?
-... estão se organizando...
- enquanto “seu” lobo apronta.
- E cadê o lobo?
- Tá aqui, tá ali, tá por toda parte...

O espaço agrário brasileiro vem sofrendo transformações que são o reflexo da políti-
ca de modernização da agricultura, aplicada pelo governo á partir da década de (19)50. Os
objetivos principais dessa política têm sido a vinculação do setor agrícola ao setor urbano
industrial. Essa política se torna mais evidente no final da década de (19)60, com a acelera-
ção do processo agroindustrial estimulado pelas condições mercadológicas. O aumento da
produção agrícola e do produtivismo, inerente ao atual padrão de desenvolvimento do país,
pouco questiona os efeitos sobre o ambiente e menos ainda sobre os trabalhadores e segue
um tipo de modernização que potencializa a produção e circulação de alimentos, mas não
amplia suficientemente a oferta dos mesmos e não consegue barateá-los, apesar da grande
eficiência produtiva e comercial. Com isso aprofundam-se as desigualdades sociais no cam-
po e na cidade, enquanto o desemprego, o subemprego e os salários aviltantes tiram do
trabalhador a possibilidade de acesso aos alimentos em quantidade e qualidade desejável.
Então, está posto o paradoxo típico do modelo de desenvolvimento adotado, que, de um lado
devassa os salários, e do outro, gera impactos ambientais cujas conseqüências ainda não
estão sendo devidamente avaliadas e contabilizadas, pois só serão consideradas quando
começarem a afetar os lucros do setor. No presente, já são perceptíveis o comprometimento
dos ecossistemas e a violência sobre os trabalhadores. Em contrapartida, a produção se
viabiliza e novos métodos e técnicas são desenvolvidos para aumentar cada vez a produti-
vidade da terra e do trabalho até limites extremos.
Nos modelos empresariais, são considerados mais os riscos para o capital do para o
ambiente. Os efeitos sobre o ambiente só começam a ser considerados à medida que inter-
ferem na reprodução do próprio capital, ou seja, quando já estão fazendo efeito sobre o
volume da produção e sobre a intensidade da produtividade. Em muitos casos quando isso
começa a acontecer a solução tem sido o abandono das áreas, que passam a ser “aproveita-
das” para a pecuária e assim vai se avançando sobre as “fronteiras”. Isso tem sido comum
ao longo do processo de modernização da agricultura no Brasil. É a agricultura empresari-
al que segue a lógica descrita por Porto Gonçalves:

A lógica empresarial, privada, se choca frontalmente com esses princípios na medida em que o
ambiente é o lugar da convivência do que é diverso, onde natureza e cultura são uma totalida-
de complexa e contraditoriamente estruturada. A idéia de risco tem, no mundo empresarial,
um sentido muito próprio, na medida em que um investimento contém, sempre, o risco de não
dar certo. No mundo empresarial o investimento é remunerado de acordo com o risco que tem
ou não de dar certo. Nessa idéia, está contida uma compreensão de que cada investimento
privado, individual, se inscreve num ambiente em que os diversos agentes não têm o controle
pleno dos seus efeitos e, por isso, há riscos. O contexto (o ambiente) não é uma simples soma
das partes. Entretanto, se o mercado se mostrou hábil para encontrar mecanismos de remune-
rar os investimentos de acordo com seus riscos potenciais, o mesmo não se dá com relação aos
riscos ambientais. Afinal, (...) o ambiente na sua materialidade qualificada não é redutível á
lógica monetário-crematística quantitativa e, ainda, porque o tempo necessário para se repor

21
MESQUITA, H. A. ONDE ESTÃO AS FLORES, AS CORES, OS ODORES...
solos erodidos vai além do tempo da história humana, assim como a impossibilidade de rever-
ter espécies extintas (extinção é para sempre) ou, ainda, de dar conta do lixo radiativo, por sua
sobrevida de tempos que se contam em milhares ou milhões de anos, de recursos minerais que
são por si mesmo não-renováveis. (Porto Gonçalves 2006, p.113)

O Cerrado, um bioma rico em biodiversidade, com seus campos, veredas, nascentes,


córregos, rios, animais, enfim, com toda a riqueza de flora e fauna, tem sido um lócus
privilegiado de apropriação privada da natureza. A fragilidade do equilíbrio dentro da com-
plexidade pedológica e a retirada da cobertura nativa em extensas áreas contínuas ou não,
comprometem de forma drástica todo o Cerrado.
Os cultivos intensivos e extensivos nas áreas de Cerrado têm destruído, sistematica-
mente, subsistemas inteiros em vários lugares, com conseqüências ainda não devidamente
mensuradas. Algumas transformações já podem ser observadas, porque já estão sendo sen-
tidas pelos homens que lidam diretamente com a terra, como ficou evidenciado na fala do
camponês citada na introdução deste texto, que já em 1988, evidenciava fortes mudanças:
rebaixamento do lençol freático: Na época das água, o chapadão virava brejo. Tinha muito
oi d’água e us corgo era maió. As água baxô muito; substituição total da cobertura vegetal:
Parece um mar... Mar de soja. O velho Camponês tem clareza de que nesse mar poucos
podem navegar. Afinal, como diz Fernando Pessoa “navegar é preciso; viver não é preciso”.
A eliminação total do Cerrado: A terra ficou nuinha... Faiz dó! Para o velho camponês a
cobertura vegetal é o manto, a vestimenta que cobre a mãe-terra e sem ele a mesma fica
desnuda, ultrajada, violentada. O ancião percebe claramente o processo de exploração so-
bre o trabalhador e sobre o ambiente: A natureza tá cabano... Mais tão pruduzino muito,
pruduzino muita soja, pruduzino muito gado. Tão rancano muita riqueza du chão mais
parece qui u povo tá mais pobre... só us dono é qui fica mais rico! Com perspicácia, um
profundo senso de observação e com o seu vocabulário específico o velho camponês descreve
as inovações técnicas, as migrações, a fauna, a flora, a cultura, as relações de trabalho, as
relações sociais e sobretudo identifica os efeitos sobre o ambiente. Afinal, aquela área era,
até recentemente, um retalho de Cerrado naturalmente preservado.
A exploração comercial de novas áreas, até recentemente intactas, provoca a
erradicação de espécies animais e vegetais. O processo de homogeneização da paisagem,
gerado por cultivos em grandes áreas monocultoras, em substituição à heterogeneidade
natural dos Cerrados, ou seja, a implantação dos grandes pacotes tecnológicos, extingue a
cada ano, milhares de espécies com alto potencial nutritivo, sustentador do ecossistema.
Com a instalação das fazendas modernas, ou empresas rurais, novas áreas são incor-
poradas ao sistema produtivo de forma intensiva e sistematizada, trazendo grandes trans-
formações às paisagens rurais e criando novas relações sociais sob comando do grande
capital. Há um evidente desenvolvimento das forças produtivas mas em detrimento do
trabalho e dos trabalhadores. Entretanto, as estruturas desse novo modelo não são muito
diferentes das do anterior, que, em muitos lugares não foi substituído, pois o processo de
modernização não se dá de forma homogênea, é descontínuo no espaço. As transformações
se restringem às inovações tecnológicas de produção, circulação e armazenamento. No que
diz respeito à estrutura fundiária e ás estruturas sociais, estas são mantidas e até piora-
das, visto ser o modelo adotado no país altamente concentrador e, consequentemente,
excludente.
As práticas da agricultura moderna têm contribuído para a degradação ambiental
em todas as regiões do mundo, e no Brasil o processo é mais grave porque ao se importar
modelos tecnológicos não há uma preocupação em se considerar peculiaridades locais do
solo, relevo, clima e mesmo dos aspectos culturais da população. O cultivo em solos inade-
quados às monoculturas tem contribuído muito para o avanço do processo de erosão e
compactação dos mesmos. E a erosão também gera o assoreamento dos mananciais. O uso
abusivo e indiscriminado de agrotóxicos compromete o ambiente, com a destruição dos
nutrientes naturais dos solos e contaminação dos recursos hídricos. O mais grave é que
todas essas práticas são estimuladas por políticas agrícolas adotadas pelo governo nas últi-
mas décadas. E os saberes e fazeres de populações que habitam o Cerrado secularmente,
são sistematicamente desprezados, quando não apropriados pelo capital para sua reprodu-

22
Terra Livre - n. 33 (2): 17-30, 2009
ção.
Nesse sentido, Porto Gonçalves comenta:
Há múltiplos conhecimentos práticos, saberes e fazeres, tecidos em íntimo contato com o mun-
do, no detalhe, conhecimentos locais, não necessariamente universalizáveis, que manejam o
potencial produtivo da natureza por meio da criatividade das culturas (diversidade cultural). O
desperdício desses saberes de povos indígenas, de camponeses, de quilombolas, de operários e
de donas-de-casa pelo preconceito constituinte da colonialidade do saber e do poder é parte do
desafio ambiental contemporâneo. (Porto Gonçalves 2006, p.119)

A agricultura camponesa alimentou a humanidade em todos os tempos. E se sempre


houve fome, com certeza, esta não se vincula á questão da produção de alimentos. Assim
como hoje, a falta de acesso aos mesmos se relaciona diretamente a questões de poder e
dominação. A modernização da agricultura teve como justificativa a produção de alimentos
para “acabar” com a fome que assolava grandes parcelas de populações pobres do Planeta
e, no Brasil, o Cerrado se transformaria no “celeiro” do mundo. Mas, o Cerrado está sendo
exportado na forma de comodities e a fome das populações pobres só não é pior graças aos
programas assistencialistas dos governos. Junta com a exportação de soja e carnes expor-
ta-se também a natureza (solos, árvores, água, biodiversidade) e se compromete culturas e
saberes seculares.
O que não se pode perder de vista é que, apesar do agronegócio ser considerado por
muitos seguimentos políticos e pelo setor econômico a “salvação da lavoura”, com certeza, a
realidade e os dados estão a comprovar o contrário como disse o ministro do Desenvolvi-
mento Agrário, Cassel, à Folha de São Paulo em 30/07/2007:
A agricultura familiar é responsável por cerca de 60% dos alimentos que chegam à mesa das
famílias brasileiras e pela matéria-prima para muitas indústrias, representando 85% do total
de estabelecimentos rurais do país. Além disso, contribui para o esforço exportador do Brasil,
sendo responsável por cerca de 10% do PIB nacional. Ao todo, são aproximadamente 4,1 mi-
lhões de famílias gerando renda e respondendo por 77% das ocupações produtivas e dos empre-
gos no campo.(CASSEL, 2007)

Com tudo isso e apesar disso “o Brasil caracteriza-se por ser um país que apresenta
elevadíssimos índices de concentração de terra. No Brasil estão os maiores latifúndios que
a história da humanidade já registrou” (OLIVEIRA 2003, p. 127). Isso mostra a força polí-
tica do latifúndio e do próprio agronegócio, como seu par siamês. Em contrapartida, e do
lado oposto, está a agricultura camponesa e o campesinato, que, apesar de tudo e de todos,
segue dando respostas que, se não atendem a lógica capitalista, atendem as necessidades
de quem cultiva a terra para colher alimentos e de quem trabalha nas cidades e precisa se
alimentar – quando o salário é suficiente, e se tiver emprego.
Então, o processo de modernização conservadora da agricultura brasileira, que evo-
luiu para o agronegócio, não tem contribuído para resolver o problema da fome e do desem-
prego no país; pelo contrário, tem gerado concentração de renda e de terra em níveis nunca
vistos.
A mesma lógica se aplica à questão da energia elétrica. A construção de centenas de
barragens seria para impedir um “apagão”, que prejudicaria o “desenvolvimento” do país.
Mas, o que estamos assistindo é a expansão de um modelo energético altamente predatório
para a sociedade e para a natureza. Enquanto milhares de camponeses, índios e quilombolas
são expropriados pelas águas dos reservatórios, agudiza-se a sangria à economia brasileira
com a evasão de divisas pelas empresas do setor e os consumidores residenciais vêem suas
contas de energia cada dia mais caras.

DA ÁGUA AO HIDRONEGÓCIO NO CERRADO


Não é um neologismo. Hidronegócio, obviamente, tem a inspiração no agronegócio. Literal-
mente, o negócio da água. É a necessidade de se criar uma expressão que abrigue sob sua
sombra todos os tipos de negócios que surgem a partir da água.
O negócio da água é múltiplo, assim como seus usos e valores. Hoje a água é negócio na água

23
MESQUITA, H. A. ONDE ESTÃO AS FLORES, AS CORES, OS ODORES...
engarrafada, no serviço de saneamento ambiental, no seu uso intenso na irrigação, na pecuá-
ria, na indústria e assim por diante. O negócio da água até bem pouco tempo era estimado com
o mais promissor desse início de milênio. (Malvezzi, 2004 : p 31).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) elegeu o tema água para a
Campanha da Fraternidade de 2004, isso demonstra a preocupação da Igreja Católica com
esse bem tão precioso e imprescindível para a vida no nosso planeta. E, se há alguns anos
acreditava-se que a água era um bem inesgotável, hoje temos clareza dos riscos que a
humanidade corre com a ameaça de sua escassez em qualidade e em quantidade. Grande
parte dos homens já padece com a privação de água, seja por falta de acesso a ela, seja pela
sua qualidade, comprometida pela poluição e/ou contaminação por produtos químicos e
tóxicos, resultado da ação dos grupos econômicos.
O Brasil tem uma oferta privilegiada de recursos naturais, especialmente de água,
como indica MALVEZZI;
O Brasil possui em seus rios, segundo dados mais recentes, 13,8% das águas doces do planeta.
Temos ainda grande abundância de águas subterrâneas e somos o único país de dimensões
continentais em que chove sobre todo o território nacional. Por todos esses dados, é considera-
do a maior potência mundial em volume de água doce do planeta. Por razões óbvias, as águas
brasileiras são objeto de cobiça nacional e internacional. (2004, p. 31)

Nos últimos anos a privatização do setor elétrico tem tido como desdobramento a
privatização das águas, pela concessão da exploração dos lagos das hidrelétricas por 35
anos.
Na Região Centro-Oeste, estão localizadas as áreas nucleares do Bioma Cerrado,
onde se concentram as principais nascentes das grandes Bacias Hidrográficas Brasileiras,
que, junto às veredas e ao Cerrado, formam o berço das águas do continente Sul America-
no. Mas, as águas do Cerrado estão ameaçadas, quantitativa e qualitativamente pela ação
antrópica, através dos desmatamentos descontrolados, destruição e utilização indevida das
veredas, irrigação clandestina com pivôs centrais, uso indiscriminado de agrotóxicos, lan-
çamento direto de efluentes químicos, industriais e esgotos urbanos sem tratamento. E,
potencializando estes efeitos negativos, a construção de barragens para fins de geração de
energia elétrica cria ambientes artificiais, alterando drasticamente a qualidade hídrica,
físico-química e biológica, comprometendo as águas do Cerrado. As barragens geram a
morte dos solos que, submersos, tornam-se inúteis para qualquer atividade, inclusive, para
reduzir o Aquecimento Global, pois os solos vivos são altamente absorvedores de calor e por
outro lado, os grandes espelhos d’água funcionam exatamente ao contrário, refletem o ca-
lor e os raios solares contribuindo para agravar o problema. Mas isso não está na pauta
nacional ou internacional nem de quem discute tais questões nem de quem tem o poder de
decisão sobre elas.
O atual modelo energético brasileiro, unimodal, dependente das hidrelétricas, é alta-
mente predatório para a natureza e para a sociedade. Além disso, a expansão das hidrelé-
tricas não resolve a questão da vulnerabilidade do setor, concentrado apenas em uma ma-
triz energética, pois se houver uma seca prolongada mesmo os reservatórios reguladores
também poderão secar. E aí vai-se culpar “São Pedro”, como fez o presidente Fernando
Henrique Cardoso e seus asseclas em 2001?
A preocupação com os impactos regionais sobre o meio natural e social vem crescen-
do à medida que se conhecem os exemplos de barragens já construídas no Cerrado, especi-
almente em Goiás, com destaque para Serra da Mesa e Cana Brava, que são lagos altamen-
te poluídos e cujas populações atingidas ainda não tiveram suas vidas resolvidas até hoje.
É no ambiente do Cerrado, ecossistema marginalizado pelas leis ambientais e pelos
diversos programas governamentais de preservação, que vários projetos estão em fase de
estudo, licenciamento e construção, especificamente para geração de energia elétrica. No
estado de Goiás são mais de noventa hidrelétricas projetadas, que, se construídas, deverão
inundar uma imensa área, observando-se ainda que, do lado mineiro, na margem esquerda
do Rio Paranaíba, mais de uma dezena de barragens completarão o cenário agonizante do
Cerrado brasileiro. Em resumo, nas Bacias dos Rios Paranaíba, Tocantins e Araguaia exis-
24
Terra Livre - n. 33 (2): 17-30, 2009
tem 15 hidrelétricas e mais 94 projetados. São 18 barragens projetadas apenas no Rio
Araguaia (Alves 2005).
Estamos na iminência de viver um brutal desastre ambiental se alguma medida não
for tomada em defesa do ambiente e da sociedade. Trata-se de modificar substancialmente
o regime hídrico das médias e microbacias hidrográficas à montante de cada reservatório,
acarretando ajustamentos flúvio/erosivos nas cabeceiras de drenagem, já castigadas pela
falta de ordenamento e planejamento do uso do solo, quer pelo adensamento populacional
urbano, como no Entorno de Brasília, quer pela expansão da fronteira agrícola para a pro-
dução em larga escala para exportação. As grandes fazendas modernizadas (empresas ru-
rais) citadas no item anterior, que ocupam os topos das chapadas, exercem pressão sobre os
ambientes de veredas e de matas ciliares que são os elementos de manutenção dos manan-
ciais cerradeiros. Esses empreendimentos, no seu conjunto, acarretam uma série de macro-
impactos ecológicos irreversíveis que estão sendo ignorados ou negligenciados pelos órgãos
e agências de fiscalização e licenciamento ambientais.
Sobre os efeitos de represamento dos rios e afogamento das veredas, FERREIRA, em
tese de doutorado, escreveu:
A formação de reservatórios tem sido um dos principais fatores que vem degradando as Vere-
das. Para a formação dos mesmos, é necessário o alagamento de extensões que, na maioria das
vezes, extrapolam até mesmo a área ripária da Vereda. Como conseqüência imediata, pratica-
mente toda a vegetação é morta, até mesmo algumas espécies que são mais resistentes às
condições hidrófilas, porem não suportam o afogamento de suas raízes, como é o caso do Buriti
(Mauritia vinifera) e das gramíneas. O represamento, de imediato, modifica o ambiente lótico
que passa a ser bêntico, com mudanças drásticas da fauna e da flora aquáticas; inunda exten-
sas áreas, destruindo ambientes e terras, às vezes de alto valor agrícola, ecológico ou arqueo-
lógico; cria barreira ecológica para a migração de espécies da fauna, principalmente da ictiofauna
e a mais cruel das conseqüências – a morte da Vereda. (FERREIRA 2003, p 187)

Como fica claro no texto de Ferreira, as barragens, ou seja, a mudança drástica de


condição de águas correntes para águas represadas traz conseqüências irreversíveis para o
ambiente. E como o autor adverte, a morte das veredas compromete o ciclo das águas:
A preservação dos subsistemas de veredas é garantida pela qualidade da água, desde que
medidas sejam tomadas para assegurar que as mesmas não sejam poluídas nos cursos decor-
rentes das nascentes, nem sejam transformadas em represas, alterando a disponibilidade de
oxigênio na água. (FERREIRA 2003, p132)

O sistema de veredas, que são indispensáveis para a plenitude dos mananciais do


Cerrado, sofre ataques das monoculturas que avançam vereda adentro e a cada ano rou-
bam-lhes espaços vitais e ateiam fogo até que, em pouco tempo, o arado já não atola mais e
da vereda não fica nem vestígios, são incorporadas aos mares de soja. Se as veredas não
desaparecem sob o mar de soja, elas sucumbem afogadas pelas hidrelétricas. Aí está posto
um grande problema que com o agronegócio e seu par, o hidronegócio, não tem se preocupa-
do: a evidente redução da águas do Cerrado.
A energia elétrica gerada a partir do barramento dos rios, com a formação de imen-
sos lagos, é a destruição dos ecossistemas e o deslocamento compulsório das populações
ribeirinhas. O discurso oficial e economicista de que a energia gerada a partir de grandes
represamentos é “limpa” contribui para reduzir o conceito de degradação ambiental, igno-
rando muitas formas de poluição e tem negligenciado as pesquisas sobre fontes alternati-
vas de geração de energia. Ao se afirmar que a energia hidrelétrica é “renovável” não se
discute o tempo de duração de tal “renovação” vez que a vida útil de uma usina, nas áreas
de Cerrado, fica muito comprometida com os processos de erosão dos entornos (agricultura
modernizada) e o conseqüente assoreamento dos lagos.
Em um país tropical como o nosso, com vasto território e extenso litoral, as possibili-
dades de aproveitar a energia do Sol, dos ventos, da biomassa e mesmo das correntes marí-
timas são incalculáveis. Mas sabemos que discutir tais questões passa necessariamente
pela crítica do próprio modelo econômico e energético vigente. O referido modelo energético

25
MESQUITA, H. A. ONDE ESTÃO AS FLORES, AS CORES, OS ODORES...

foi aprofundado no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso com a privatização


do setor, o que, na verdade, foi a transferência da energia e o controle das águas para
grandes conglomerados econômicos, muitos deles estrangeiros, abrindo mão desses dois
recursos imprescindíveis à soberania de qualquer nação. Sobre o processo de privatização
do setor elétrico ALVES afirma:
Um dos argumentos usados no bojo da privatização foi o realismo tarifário para o consumidor,
sobretudo o residencial. Entre 1995 e 2002 as tarifas subiram 182,6% para a energia residencial,
130,3% para a industrial, 130,1% para a energia comercial e 110,2% para a rural, enquanto a
inflação acumulada no período foi de 58,68%. O presidente prometia dinheiro estrangeiro para
promover a expansão do respectivo sistema elétrico (foi o BNDS que financiou a maior parte
dos investimentos privados) e ainda dólares para o Brasil, quando se sabe que a geração e a
distribuição de energia elétrica são pagas em reais, enquanto a remessa de lucros das empre-
sas estrangeiras passam a sangrar permanentemente as reservas brasileiras. (Alves 2005, p
43)

E se o modelo energético brasileiro é excludente e predatório como um todo quando


se expande às áreas do Cerrado os impactos ambientais e sociais se agravam. O Cerrado é
um ambiente extremamente explorado, especialmente pela agricultura modernizada, que
em menos de quarenta anos, modificou drasticamente a paisagem, com destaque para os
extensos chapadões que se tornaram imensos mares de soja. Os camponeses que não su-
cumbiram à modernização foram “empurrados” para as áreas enrugadas e para os vales
dos rios, onde ainda resistem como produtores de alimentos para a cesta básica do povo
brasileiro. A construção de barragens nos rios do Cerrado desaloja esses camponeses, que
deixam de ser produtores e se tornam tão somente consumidores, potencializando os já
graves problemas urbanos, além de afogar as últimas áreas de refúgio de fauna e flora
típicas do bioma Cerrado.
O deslocamento compulsório é um sério problema para a maioria dos atingidos, espe-
cialmente os pequenos produtores, residentes nas áreas por várias gerações. Naqueles síti-
os estão suas raízes culturais, sociais, afetivas, construídas em um ambiente que se modi-
fica radicalmente. Estes exímios trabalhadores da roça, que são capazes de produzir ali-
mentos e matérias-prima mantendo o equilíbrio ambiental, quando jogados nas cidades
estão “desqualificados” para os serviços urbanos e, assim são transformados de marginali-
zados em “marginais”. Em um país onde já existem milhões de pessoas desempregadas e
passando fome, desalojar da terra famílias camponesas, quilombolas e índios é, no mínimo,
uma política contraditória. Especialmente porque sabemos que a energia gerada a partir
dessa fonte naturalmente grátis é, em grande, para sustentar a exportação de alumínio e
ferro gusa, cujo custo de produção fica muito reduzido, pois cerca de 50 por cento deste é de
energia. E empresas como a Alcoa, Tractbel, Votorantin e outras do setor eletro-intensivo
se beneficiam com a privatização da geração e distribuição de energia e por conseguinte
privatizam o próprio Estado Brasileiro.
O barramento dos mananciais cerradeiros pode ter conseqüências para todo o equilí-
brio do sistema hídrico a curto, médio e longo prazo, não só para o Brasil como para toda a
América do Sul, cujas principais bacias hidrográficas são alimentadas por mananciais oriun-
dos do Cerrado brasileiro. É necessário também se considerar a tendência à diminuição da
vazão e desaparecimento das nascentes que ficam sob o espelho d’água. Mas, prevalece a
lógica capitalista do lucro imediato em detrimento do ambiente e da sociedade. Nesse
sentido, ALVES comenta:
Faz parte da mesma lógica de mercantilização e de privatização o direcionamento dos recursos
naturais do país para uma melhor inserção na divisão internacional do trabalho que, em sua
forma mais atual, é também na (re)divisão internacional dos prejuízos ambientais e dos riscos
de acidentes na produção industrial. Se para as poderosas corporações internacionais nossos
recursos podem servir para baratear seus custos na escala global, pouco importa se o mercado
interno está ou não atendido, se o serviço público é ou não oferecido. (ALVES 2005, p. 48).

Como foi dito anteriormente a questão passa pela crítica do próprio modelo econômi-

26
Terra Livre - n. 33 (2): 17-30, 2009
co, claramente colonizado, do país e o modelo energético é um desdobramento disso, e mes-
mo por isso deve ser questionado e transformado no sentido de ser menos predatório para
a natureza e para a sociedade.
É preciso que os projetos de construção de hidrelétricas sejam submetidos a um pla-
nejamento regional que tenham o rio como uma unidade territorial de planejamento inte-
grado de geração de emprego e renda e de melhoria da qualidade de vida da população
residente, e não mais serem discutidos, analisados e licenciados da forma individual como
vem ocorrendo, deixando para os estreitos limites dos Estudos de Impacto Ambiental e
Relatórios de Impacto Ambiental (ElA/RIMAs) as definições de sua viabilidade. Mesmo
porque, nesses estudos, as análises de custo-benefício sempre são favoráveis ao empreen-
dedor. Um dos grandes engodos está relacionado à questão dos empregos que o setor cria,
principalmente durante as obras de construção das hidrelétricas, mas nem se discute a
precariedade desses empregos e menos ainda a transitoriedade dos mesmos. Em
contrapartida não se consideram os postos de trabalho permanentes que são perdidos e
nem a riqueza produzida nas áreas inundadas, seja a produzida pelo trabalho humano,
seja biodiversidade natural, especialmente do Cerrado. Fala-se em indenizações e
minimização de “impactos”, mas, o que pode indenizar a perda do lugar, da cultura, das
tradições e do modo de vida?! Como “minimizar” a extinção de espécies de fauna e flora e de
ecossistemas inteiros?! É a privatização dos recursos naturais por um pequeno grupo da
elite econômica do país em detrimento de toda a sociedade. De primero aqui num tinha
cerca.

MAIS UM TANTIM DE PROSA

As avós cerradeiras, muito sábias e cuidadosas com a saúde da família recorriam aos
“santo remédio” do Cerrado e na forma de implastros, garrafadas, banhos e chás de plantas
como: Barbatimão; Pé de Perdiz; Algodãozinho; Lixeira; Pau Doce; Sucupira; Lobeira;
Articum; Óleo de Copaíba e outros, amenizavam muitas dores e curavam muitas feridas.
Sabiam curar as feridas do corpo e da alma com as rezas e as bênçãos. As novenas do Santo
Padroeiro e os Terços Cantados “arreunia” toda comunidade com festas e comilanças. A
imagem do Santo Padroeiro permanecia em uma morada por alguns dias abençoando aquela
família depois era levado em procissão para outra casa onde já era esperado com um altar
cheio de flores.
Quando um vizinho estava “precisado” a comunidade se reunia e organizava a “treição”
ou o mutirão de ajuda mútua. A festa começava com a chegada de todos juntos ainda de
madrugada com gritos e foguetório. O beneficiado era pego de “surpresa” mas coincidente-
mente, na véspera havia matado o porco e as galinhas já estavam debaixo do balaio, pron-
tas para serem abatidas. Durante todo o dia as mulheres cuidavam da farta comida e os
homens batiam pasto, limpavam o rego, colhiam a roça... E a noite, para completar, se
organizava o pagode, no qual o sanfoneiro e o violeiro tocavam e cantavam, enquanto todos
dançavam e depois iam embora ainda catando suas modas pelos trieiros iluminados pela
lua. Havia ainda o mutirão de fiandeiras, organizado especialmente pelas mulheres e me-
ninas para ajudar as vizinhas que tinham colhido o algodão e precisavam de “fiar” porque
assim era melhor para conservar o mesmo. As fiandeiras não só fiavam, mas faziam todo o
processo de beneficiamento do algodão com descaroçar, bater e cardar. O “serviço” era feito
entre muita cantoria e muita comida.
Os camponeses, com estas práticas, reafirmavam a solidariedade que lhes era, e
ainda é natural, onde o campesinato ainda resiste as investidas do capital e do capitalismo,
como em algumas comunidades no interior de Goiás.
O sabor da Gabiroba, o cheiro do Pequi, o colorido dos Ipês, o grude delicioso da
Mangaba, a acridoce do Cajuzinho, a pregança da Mamacadela, o amargo da Gairoba e
outros encantos do Cerrado, que hoje já são tão raros, certamente só serão conhecidos pelas
gerações futuras porque alguém teve a idéia de fazer museus do Cerrado com amostras de
fauna e flora, filmes e fotos dos Povos Cerradeiros.
O agro e o hidronegócio estão devorando a biodiversidade do Cerrado e muitos estão

27
MESQUITA, H. A. ONDE ESTÃO AS FLORES, AS CORES, OS ODORES...

preocupados com isso, mas, infelizmente, aqueles que têm clareza das contradições desse
processo não têm o poder de decidir. E os que deveriam impedir essas tragédias humanas e
ambientais se locupletam e tiram proveito imediato do empobrecimento do povo e do ambi-
ente.
Não estou fazendo lamúrias ou declarações romantizadas, mas questiono o papel do
capital que ao se reproduzir e do capitalismo que ao se territorializar destrói o ambiente,
culturas, modos de vidas e em primeira e última instância elimina vidas em todas suas
manifestações.
Aproveito a oportunidade para questionar a inversão de valores que é o mundo capi-
talista no qual exportar alumínio é mais importante que preservar um rio que jorra vida
em suas várias manifestações. Que campo é esse em que os solos precisam ser assassinados
para se transformarem em suportes para monoculturas de exportação? Que sociedade é
essa em que a vida humana vale menos que uma cerca de latifúndio? Que país é esse que
exporta alimentos enquanto grandes parcelas de seus filhos passam fome? Que nação é
essa em que a cidadania é privilégio de poucos? Que governo é esse que é subserviente ao
capital? Que justiça é essa que criminaliza os Sem Terra e os meninos pobres? Que mundo
é esse em que a saúde dos bancos e dos banqueiros é mais importante que a saúde das
crianças? Que IBAMA é esse que concede licença para as hidrelétricas no rio Madeira de-
pois dos desastres de Balbina e Samuel? Diz qui é pogresso! Num sei não... (...) Num sei se
vai risurtá im coisa boa! (...) u povo tá mais pobre... Só us dono é qui fica mais rico! Sábias
palavras de velho um camponês que achava que nem sabia falar.
Eu poderia fazer muito mais perguntas como essas, mas prefiro acreditar que tudo
isso é uma construção humana e, como tal, é possível e passível de desconstrução/recons-
trução. É como diz o poeta “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E a alma camponesa
é uma grandeza e uma beleza, com certeza! Assim como as flores, as cores, os odores, os
sabores e os saberes do Cerrado.

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Pesquisa de campo: 2008/2009
Comunidade Rural Anta Gorda/Catalão-GO;
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Comunidade Rural Bota-Fogo/Três Ranchos-GO
Comunidade Rural: Paraíso/Ouvidor-GO

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acessados: http://www.mabnacional.org.br
http://www.cptnac.br
http://www.riosvivos.com.br.

29
MESQUITA, H. A. ONDE ESTÃO AS FLORES, AS CORES, OS ODORES...

30
Resumo
Resumo: O objetivo deste artigo é contribuir para o entendimento
da atividade pesqueira como uma modalidade de trabalho,
refletindo uma temática que permeia o campo de investigação da
Geografia e apontando para os embates que a sociedade e o espaço
vivenciam no uso das águas para a produção do pescado. Baseado
nas fontes de informações disponíveis, apresenta um panorama
da produção e dos produtores de pescado no Brasil e em termos
PESCADORES, mundiais, apontando para algumas categorias de análise da
TRABALHO E organização da atividade pesqueira e aquícola, empregadas para
GEOGRAFIA: UMA o entendimento da diferenciação da produção na pesca e na
APROXIMAÇÃO DE aqüicultura. Apresenta aspectos da dinâmica da expansão das
pescarias em bases industriais, dentre outros processos e a
ESCALAS, repercussão na atividade dos pescadores de pequena escala,
MODALIDADES E sujeitos que vivenciam o mundo urbano, rural, litorâneo ou
EMBATES PRESENTES
EMBATES ribeirinho e suas demandas e problemáticas.
NO TRABALHO PELAS Palavras-chave
Palavras-chave: Pesca, Pescadores, Aquicultura, Trabalho,
ÁGUAS Geografia

Abstract
Abstract: This paper aim is to contribute to fishing activity
FISHERMEN, WORK comprehension as a work modality, reflecting an underlying
AND GEOGRAPHY: AN thematic in Geography research field and pointing out the
APPROACH OF SCALES, oppositions that the society and the space live related to water
MODALITIES AND use for fish caught production. Based on the sources available, it
OPPOSITIONS PRESENT presents a fish production and producer view in Brazil and
worldwide, indicating some analytic categories of fishing activity
IN THE LABOR FOR and farming organization, used to understand the differentiation
THE WATER between production in the fishing and in the farming. It brings
aspects on the dynamic of fishery expansion in industrial grounds,
PESCADORES, among other processes, the repercussion on the small scale
TRABAJO Y fishermen activity, subjects living in urban, rural or coastal world
GEOGRAFÍA: UN and their demands and troubles.
Keywords
Keywords: Fishery, Fishermen, Fish Farming, Work, Geography
ACERCAMIENTO DE
ESCALAS, Resumen
Resumen: El objetivo de este artículo es plantear la visión de la
MODALIDADES Y actividad pesquera como una modalidad de trabajo, presentando
EMBATES
EMBA TES PRESENTES una temática que pertenece al campo de investigación de la
EN EL TRABAJO EN Geografia y señalando los embates que la sociedad y el espacio
configuran en el uso de las aguas para la producción del pescado.
LAS AGUAS
Con base en las fuentes de informaciones disponibles, se presenta
un panorama de la producción y de los productores de pescado en
Brasil y, en el escenario mundial, se apuntan algunas categorías
EDUARDO SCHIAVONE
CHIAVONE de análisis de la organización de la actividad pesquera y acuícola,
CARDOSO* empleadas para la comprensión de la diferencia de producción en
educard@smail.ufsm.br la pesca y en la acuicultura. Se muestran también aspectos de la
dinámica de la expansión de la pesca en bases industriales y, dentre
UFSM otros procesos, la repercusión en la actividad a los pescadores de
pequeña escala, sujetos que vivencían el mundo urbano, rural,
litoráneo u orillero con sus demandas y problemáticas.
Palabras clave
clave: Pesca, Pescadores, Acuicultura, Trabajo, Geografía
*Prof. Dr. Departamento de
Geociências – Centro de Ci-
ências Naturais e Exatas
Universidade Federal de
Santa Maria
Pós-doutorando – Geografia

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 31-46 Jul-Dez/2009

31
CARDOSO, E. S. PESCADORES, TRABALHO E GEOGRAFIA...

INTRODUÇÃO
Pensar a atividade pesqueira como uma modalidade laboral para alguns pode
parecer estranho. É um estranhamento que, por vezes, se manifesta em gracejos motiva-
dos por um imaginário que enxerga as águas na perspectiva da terra firme. O objetivo
deste artigo é contribuir para que este estranhamento possa ser menor, desvelando-o e
refletindo uma temática que permeia o campo de investigação da Geografia, apontando
para os embates que a sociedade e o espaço vivenciam no uso das águas para a produção do
pescado.

Configuração E Diversificação Do Trabalho Na Produção De Pescado - As


Trabalho
Estatísticas Mundiais
Cerca de 43,5 milhões de trabalhadores viviam da produção de pescado extrativo
e cultivado no mundo em 2006, segundo os dados compilados pela Organização das Nações
Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), em seu relatório de 2008. A FAO apresen-
ta relatórios sistematizados a cada dois anos, desde 1996, intitulados El estado mundial de
la pesca y aqüicultura, na versão em língua espanhola.
Este contingente de trabalhadores produziu naquele mesmo ano 143,6 milhões de
toneladas de pescado, das quais 92 milhões de forma extrativa e pouco mais de 51 milhões
em atividades de aqüicultura.
Apresentando dados que compreendem o período entre 1990 e 2006, porém com uma
base maior de países informantes no período de 2000 a 2006, os dados da FAO apontam
para a grande concentração destes trabalhadores no continente asiático – 85,8% do total,
seguido pela África – 8,4%, América do Norte e Central – 2,4%, América do Sul – com cerca
de 1,7%, Europa – 1,6% e Oceania – 0,1%, conforme Figuras 1 e 2 (FAO, 2009).

32
Terra Livre - n. 33 (2): 31-46, 2009

No período entre 2000 e 2006, pouco mais de 700.000 trabalhadores adentraram nas
atividades de pesca e aqüicultura, esta última apresentando um crescimento relativo de
cerca de 1% na ocupação dos trabalhadores ligados à produção do pescado.
Além destas informações o relatório apresenta a produção pesqueira por pescador de
cada continente em 2006, que é de 2,1 toneladas/pescador/ano na África, 2,5 toneladas/
pescador/ano na Ásia, 12,7 toneladas/pescador/ano na América Latina, 19,7 toneladas/pes-
cador/ano na América do Norte, 21,4 toneladas/pescador/ano na Europa e 25,1 toneladas/
pescador/ano na Oceania1.
Tais números são indicativos do grau de industrialização das atividades pesqueiras
em algumas regiões e da importância da pesca de pequena escala e do pescado como fonte
de emprego, alimento e renda em países menos industrializados. Indicam ainda que não é
possível falar da atividade pesqueira como um setor homogêneo em termos de desenvolvi-
mento tecnológico e das modalidades de trabalho na pesca. Neste sentido pode-se falar em
uma pesca industrializada e uma pesca de pequena escala, comumente chamada de pesca
artesanal. Em termos da produção aquícola, esta também se diferencia com relação ao
emprego de capital e tecnologia, escala de produção e organização do processo produtivo.
Além dos 43,5 milhões de trabalhadores que se dedicam parcial ou completamente à
atividade pesqueira, a FAO estimou em cerca de 4 milhões o número de pescadores e
aquicultores ocasionais no ano de 2006. O tempo de trabalho dedicado às atividades de
pesca e aqüicultura é uma variável que comporta uma multiplicidade de situações, relaci-
onada à complementaridade de atividades laborais e mesmo à dinâmica dos recursos aqu-
áticos e naturais, em seus ciclos que imprimem temporadas de pesca de determinado re-
curso e mesmo a sazonalidade climática que pode impedir o acesso à determinadas áreas
de pesca.
Ainda baseado nos dados do relatório da FAO, estima-se que para cada 1 pessoa
empregada na produção do pescado, 4 postos de trabalho se criam em atividades correlatas,
tais como confecção dos apetrechos de pesca, construção e reparo de embarcações e moto-
1
A elevada produtividade que se apresenta para Oceania reflete, segundo a FAO, em informações incompletas
no período.

33
CARDOSO, E. S. PESCADORES, TRABALHO E GEOGRAFIA...

res, produção e fornecimento de gelo, processamento, embalagem e comercialização dos


produtos da pesca e aqüicultura. Somando-se os pescadores e aquicultures, aos trabalhado-
res envolvidos nestes demais segmentos da cadeia produtiva, a FAO aponta para 170 mi-
lhões de empregos ligados à pesca e aqüicultura mundial. Estimando um número de 3
dependentes para cada emprego destes, chega-se a um total de 520 milhões de pessoas, ou
7,9% da população mundial, cujos meios de sobrevivência são garantidos pelo pescado,
destacando ainda o papel das mulheres em diversas atividades deste setor produtivo (FAO,
2009).
Com relação à dinâmica do emprego no setor, alguns dados do relatório valem ainda
ser descritos. Em 2006, os trabalhadores diretamente envolvidos na pesca e na aqüicultura,
totalizaram 3,2% das pessoas economicamente ativas na agricultura mundial e nas três
últimas décadas o emprego no setor cresce mais do que a população mundial e mais do que
na agricultura tradicional, conseqüência do incremento da produção aquícola. Por outro
lado, aponta uma estagnação e mesmo declínio do emprego na pesca extrativa de alguns
países industrializados e a substituição, nas frotas européias e japonesas, de trabalhadores
locais por pescadores estrangeiros, oriundos dos países em desenvolvimento ou de econo-
mias de transição, segundo a FAO.
Um último dado extraído do referido relatório nos aproxima de uma distribuição das
embarcações de pesca no mundo. Considerando toda a dificuldade do levantamento de
informações, estima-se que 90% das embarcações motorizadas medem menos de 12 metros
e são predominantes na pesca mundial, em especial na Ásia, África e Oriente Médio, ao
passo que as embarcações de maior porte (pouco mais de 24 metros), consideradas industri-
alizadas, se distribuem de forma homogênea na maioria das áreas consideradas pela FAO
e, proporcionalmente, ganham maior importância nas capturas da Europa, América Lati-
na/Caribe e América do Norte.

Trabalho E Pesca No Brasil


O percurso traçado ao apresentar a configuração do trabalho na pesca a partir dos
dados disponíveis nas estatísticas mundiais da pesca e da aqüicultura, será agora aplicado
ao caso brasileiro, a partir de duas fontes de dados presentes na estatística oficial: o Regis-
tro Geral de Pesca (RGP) e as Estatísticas da Pesca divulgadas pelo Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
De acordo com a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP), que no ano de
2009 se transforma em Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA):
“O Registro Geral da Pesca (RGP) – que no passado foi de responsabilidade da extinta Superin-
tendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), posteriormente assumido pelo IBAMA e
recentemente pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) – estava re-
gulamentado por instrumentos normativos editados por este ministério. Hoje, a Secretaria
Especial de Aqüicultura e Pesca é o órgão promotor da gestão e desenvolvimento da aqüicultura
e da pesca brasileira e, no caso específico, como órgão gestor do Registro Geral da Pesca, regu-
lamenta as atividades intrínsecas às suas funções. Como conseqüência foi publicado no Diário
Oficial da União de 13 de maio de 2004 a Instrução Normativa nº 3, de 12 de maio de 2004, que
dispõe sobre a operacionalização do Registro Geral da Pesca, adequando-o à realidade atual do
setor pesqueiro” (SEAP, 2006).
O processo de recadastramento dos trabalhadores da pesca no RGP, visando sua
regularização, a emissão de carteiras e permissão de pesca vem sendo realizado desde
2004, a partir de criação da Secretária Especial de Aqüicultura e Pesca – SEAP.
Tal processo culminou com a divulgação de um relatório em 2006, que apontou para
a existência de 390.761 pescadores e pescadoras no Brasil. Em 2009, por ocasião da 3ª
Conferencia Nacional de Aqüicultura e Pesca, foi divulgado o número de cerca de 711.000
trabalhadores e trabalhadoras dos setores de pesca e aqüicultura, provavelmente resultan-
te da atualização dos registros (SEAP, 2009) 2.
Este processo talvez traga a luz o número de pessoas envolvidas na produção do
2
É provável que os números de pescadores e aquicultores da América do Sul apresentados pela FAO no seu
relatório de 2009, citado na seção anterior deste texto, tenham por base os números preliminares do RGP, uma
vez que a somatória dos trabalhadores de todos os países do continente atingia 708.000 indivíduos.

34
Terra Livre - n. 33 (2): 31-46, 2009
pescado no Brasil. Segundo a Instrução Normativa n. 3 de 12 de maio de 2004, o RGP é
condição para a regulamentação do exercício das atividades ligadas à pesca e a aqüicultura
das seguintes categorias de trabalhadores e de demais agentes econômicos ligados ao setor:
Pescador profissional na pesca artesanal; Pescador profissional na pesca industrial; Apren-
diz de pesca; Armador de pesca; Embarcação pesqueira; Indústria pesqueira; Aquicultor e;
Empresa que comercializa organismos aquáticos vivos. A atualização destas informações
pode permitir verificar a ordem de grandeza destes setores e já aponta sua diferenciação
interna conforme será visto a seguir.
Entretanto, este esforço não supre a deficiência de informações sistemáticas de séri-
es temporais mais longas. Neste sentido fica comprometida a análise da dinâmica de in-
gresso e saída na pesca e na aqüicultura em termos das ordens de grandeza em escala
nacional. Um levantamento da Confederação Nacional de Pescadores de 1986 apontava
para cerca de 550 mil pescadores filiados às Colônias de Pescadores. Estimativas dos anos
90 situavam como cerca de 800 mil trabalhadores o contingente envolvido no setor pesquei-
ro brasileiro de forma direta e cerca de 4 milhões de forma indireta, atuando nos setores de
construção de embarcações e aparelhos de captura, beneficiamento e industrialização da
produção. Dados da SEAP, baseados no recenseamento do IBGE de 2000, apontam para
cerca de 326.000 pescadores e 19.000 aquicultores em todo o Brasil (DIAS NETO e
DORNELES, 1996; PROPOSTA, 1988)
Retomando agora os números parciais divulgados pela SEAP em 2006 e que trazem
um maior detalhamento da distribuição dos pescadores e pescadoras até então recadastrados,
observa-se que dos 390.761 trabalhadores recadastrados, 69,47% são homens e 30,53%
mulheres. Do total de trabalhadores, 42,19% são nordestinos, 30% vivem no Norte do país,
12,52% no Sudeste, 12,47% no Sul e 2,82% no Centro-Oeste, conforme Figura 3. O Pará é
o estado brasileiro com mais pescadores registrados – 77.133, seguido pelo Maranhão 45.726,
Bahia 36.851 e Santa Catarina 24.922 trabalhadores da pesca (SEAP, 2006).

Em números absolutos são estes mesmos estados que apresentam o maior contin-
gente de trabalhadoras na pesca. Em termos relativos, entretanto, as mulheres compõe
46% dos trabalhadores cadastrados no Maranhão. O estado de São Paulo comporta a me-
nor participação percentual de mulheres no setor, com 12,46% (SEAP, 2006).
De acordo com o mesmo relatório, quase 75% dos pescadores e pescadoras brasileiros
não completaram o ensino fundamental e 9,34% são considerados analfabetos. O diploma

35
CARDOSO, E. S. PESCADORES, TRABALHO E GEOGRAFIA...

de nível superior foi obtido por 871 trabalhadores do setor – 0,22% do total. Neste quesito o
relatório consultado apresenta uma incongruência nos dados relativos ao estado de Alagoas,
que apresenta o cadastramento de 10.592 trabalhadores e no calculo da escolaridade, a
somatória atinge 19.809 trabalhadores, sendo 10.592 analfabetos.
Com base nesta síntese e empregando as informações das Estatísticas da Pesca do
ano de 2006, pode-se chegar a um esboço da relação entre número de pescadores, produção
de pescado e formas de organização do trabalho da pesca no Brasil.
As Estatísticas da Pesca, que foram produzidas pelo IBGE nos anos de 1970 e 1980 e
interrompidas no início dos anos de 1990, passaram a ser organizadas pelo IBAMA a partir
da sistematização de informações oriundas de diversos órgãos ligados ao setor de pesca e
aquicultura e voltaram a ser divulgadas em meados dos anos de 1990, como um esforço
para fornecer uma base de informações sobre a produção do pescado no Brasil.
Ao empregar os dados oriundos das Estatísticas da Pesca, há de se considerar as
informações em termos de ordem de grandeza, tendo em vista que a própria publicação
aponta para as deficiências na geração da informação, tais com: deficiências no tocante ao
número de coletores da informação, o pequeno compromisso do setor produtivo com o for-
necimento de informação e a ausência de um esforço institucional integrado para a geração
das estatísticas (IBAMA, 2005).
De acordo com as Estatísticas da Pesca, em 2006 o Brasil produziu 1.050.808 tonela-
das de pescado, das quais 50,2% oriundas de capturas marinhas, 23,9% capturadas em
águas continentais, 7,7% cultivadas no mar e 18,2% cultivadas em águas continentais
(IBAMA, 2008).
Em outra seção, as estatísticas indicam que o setor de pesca extrativa artesanal foi
responsável por 48,3 % da produção de pescado no ano de 2006, a pesca extrativa industrial
respondeu por 25,8% do pescado produzido e a aqüicultura (marinha e continental) 25,9%,
conforme Figura 4. No norte e nordeste do país, a pesca extrativa artesanal respondeu,
respectivamente, por 78,4 e 66,2% da produção regional.

Ainda em termos regionais, o Nordeste brasileiro produziu cerca de 30,8% do pesca-


do nacional em 2006, seguido pela região Norte com cerca de 24,3 %, Sul – 23,8%, Sudeste
– 16,9% e Centro-Oeste – 4,2% (IBAMA, 2008).
Tomando-se apenas os valores referentes à produção extrativa regional e os números

36
Terra Livre - n. 33 (2): 31-46, 2009
de 2006 do Registro Geral de Pesca, relacionados ao total de pescadores por região, chega-
se a um índicativo, ainda que grosseiro, da produtividade de cada pescador por região.
Neste caso, em 2006, cada pescador do norte do país produziu quase 2 toneladas de pescado
extrativo, no Nordeste 1,3 toneladas, no Sudeste 2,8 toneladas, no Sul 3,5 toneladas e no
Centro-Oeste 0,9 toneladas, denotando uma divisão regional das estruturas de produção
da pesca extrativa já consagrada na literatura, que aponta para a concentração do setor
extrativo industrial nas pescarias do sul e sudeste do país, ao passo que predomina a pesca
artesanal no norte e nordeste. No caso das águas interiores, as capturas são quase que
exclusivamente consideradas artesanais.
Embora as estatísticas apresentem o predomínio da pesca artesanal nas águas inte-
riores e marinhas do Brasil, esta não é claramente definida na divulgação das Estatísticas
da Pesca e nem pressupõe uma homogeneidade com relação aos produtores. No interior da
pesca de pequena escala, pode-se encontrar tanto o pescador autônomo, quanto aquele
ligado às empresas e armadores. Da mesma forma o destino da produção pode atingir
escalas de comercialização diferenciadas e os meios de produção comportar maior ou me-
nor investimento de capital e tecnologia.
Ainda que grosseiros, os números apontam para valores bem menores do que os
descritos no relatório da FAO acima citado, onde cada pescador latino-americano produziu
cerca de 12 toneladas/ano. Neste caso convém lembrar a diferenciação entre a produtivida-
de das zonas marinhas do Atlântico e do Pacífico, em especial na América do Sul, que eleva
a produção pesqueira de países como Peru e Chile em cerca de 10 vezes a produção extrativa
marinha brasileira. Tomando por base os dados da SEAP de 2009 que apontam para cerca
de 711.000 o número de trabalhadores da pesca e da aqüicultura no Brasil, esta produtivi-
dade estimada seria ainda menor.
No caso da aqüicultura brasileira, três setores se destacam: a piscicultura continen-
tal respondendo por cerca de 70% da produção, a carcinocultura marinha com 24% e o
cultivo de moluscos marinhos, perfazendo pouco menos de 6% do total produzido, de acordo
com as Estatísticas da Pesca do IBAMA de 2006. Em uma perspectiva genérica, o cultivo de
peixes se distribui por todo o país, em águas públicas ou em propriedades rurais empregan-
do sistemas de produção de escalas variadas; a carcinocultura marinha concentra-se no
litoral nordestino, demandando estruturas de cultivo mais capitalizadas; e o cultivo de
moluscos predomina em Santa Catarina – ainda que presente também nos demais estados
do país, sendo realizado por pescadores, ex-pescadores e empresas.
Por ocasião do Censo Agropecuário de 2006, o IBGE coletou e divulgou, pela primei-
ra vez, o resultado da atividade aquícola nos estabelecimentos rurais do Brasil. Totalizando
153.409 estabelecimentos rurais, a produção computada chegou a 181.797,75 toneladas –
cerca de 67% do total divulgado pelo IBAMA no mesmo ano, demonstrando a discrepância
das informações oficialmente divulgadas (CARVALHO FILHO, 2009).
Apresentados estes números mais gerais, que podem ser considerados apenas indi-
cadores das ordens de grandeza da produção e do trabalho na pesca e na aqüicultura, no
Brasil e em termos mundiais, dada à disponibilidade e qualidade das informações, a seção
a seguir se dedicará à análise da diferenciação entre os agentes produtivos do setor e parte
de sua mobilidade laboral.

As Modalidades De Trabalho Na Produção Do Pescado


Trabalho
Na perspectiva de entendimento da diversidade de situações presentes na atividade
pesqueira extrativa no Brasil, o ponto de partida aqui elencado consiste na sistematização
proposta pelo cientista social Antonio Carlos Sant’Ana Diegues, em trabalho publicado no
início dos anos de 1980.
Este autor identifica três categorias básicas de produção pesqueira, das quais se
derivam cinco tipos distintos. São elas: a pesca de auto-subsistência; a pesca realizada nos
moldes da pequena produção mercantil, subdividida em pequena produção mercantil sim-
ples dos pescadores lavradores e pequena produção mercantil ampliada dos pescadores
artesanais; e a produção capitalista na pesca, subdividida em produção dos armadores de

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CARDOSO, E. S. PESCADORES, TRABALHO E GEOGRAFIA...

pesca e na pesca empresarial-capitalista. Tal sistematização baseia-se na análise da combi-


nação dos fatores produtivos e nas relações sociais de produção (DIEGUES, 1983).
A pesca de subsistência realiza-se, sobretudo, em uma economia de produção de va-
lores de uso, com trocas de eventuais excedentes realizadas sem mediação da moeda. Pra-
ticamente desaparecida no litoral brasileiro, o autor identifica no início dos anos de 1980, a
ocorrência desta modalidade de produção em áreas distantes da Amazônia e no interior de
grupos indígenas. No início dos anos de 1970, outro cientista social – Francisco Mourão,
encontrou vestígios dessa economia de troca no complexo lagunar de Iguape-Cananéia
(DIEGUES, 1983).
Pensar em economias de troca e de subsistência, baseadas na produção pesqueira, no
início da década de 2010 no Brasil, pode sugerir alguns caminhos de investigação. O pri-
meiro é apontado pelo próprio Diegues, quando admite a existência da pesca de subsistên-
cia junto a situações específicas de áreas distantes ou grupos de economia fechada – onde
ainda persiste esta modalidade de produção pesqueira desvinculada do mercado de pesca-
do.
Um segundo caminho, diz respeito ao uso do pescado como suprimento alimentar de
populações urbanas e rurais pauperizadas ao longo dos rios, mares, lagos e demais corpos
d’água brasileiros. Sem entrar em circuitos de comercialização, o peixe, o molusco, o crus-
táceo vai direto para a alimentação, como uma estratégia de sobrevivência que demanda
trabalho – sobrante no mercado precarizado, baixo investimento em equipamentos – ape-
nas o corpo na cata de moluscos e crustáceos, ou pequenas redes e linhadas de mão, além de
não requerer a propriedade da água – por enquanto. Neste caso, porém, a pesca não é uma
atividade laboral do grupo e antes atende uma demanda alimentar.
O terceiro caminho refere-se ao equívoco das interpretações. Por vezes grupos de
pescadores são considerados isolados, auto-suficientes e distantes dos circuitos mercantis,
quando na verdade sua produção vincula-se a uma malha de intermediação não visível aos
olhos menos atentos do pesquisador. Para estes casos, Breton e Estrada (1989) nos alertam
com a seguinte observação: “Para el observador mal avisado, tales produtores parecem
estar dentro de un sistema en que el capitalismo no está presente, cuando en realidade es
el núcleo de su funcionamento”.
Duas formas de organização da atividade pesqueira se enquadram dentro do concei-
to de pequena produção mercantil, segundo Diegues (1983): a pequena produção mercantil
simples dos pescadores-lavradores e a pequena produção mercantil ampliada dos pescado-
res artesanais. O objetivo de ambas é a produção de valores de troca, sendo os produtores
proprietários dos meios de produção, utilizando tecnologias de baixo poder de predação,
dominam o saber fazer e o processo de trabalho, empregam força de trabalho familiar ou do
grupo de vizinhança e a apropriação do produto é regida pelo sistema de partilha.
A produção dos pescadores-lavradores compõe uma economia onde a base de ativida-
des é predominantemente agrícola, sendo a pesca uma atividade complementar exercida
com maior intensidade nos períodos de safra quando os peixes acostam. O trabalho famili-
ar predomina nesta modalidade.
Já a pesca artesanal traz algumas características diferenciadas já apontadas por
Diegues (1983): a mão de obra familiar nem sempre é a base da produção, empregando-se
outras pessoas como camaradas; a pesca passa a ser a principal fonte de renda e atividade
exclusiva mais especializada e com maior diferenciação entre os proprietários dos meios de
produção e os camaradas; a propriedade familiar vai dando lugar à propriedade individual
dos instrumentos de trabalho; a pesca é exercida em ambientes mais distantes; os instru-
mentos de produção são mais sofisticados; e o processo de comercialização torna-se mais
complexo com o aparecimento de firmas de compra e financiamento da produção.
O conceito de Diegues de pescadores-lavradores, reporta-se a um conjunto de socie-
dades de pescadores que, na sua reprodução social, lançam mão de distintas atividades
laborais e um calendário de trabalho, que articulam o mundo das águas com o mundo da
terra.
Em uma perspectiva mais clássica, tais características são observadas por vários
pesquisadores que se dedicaram ao estudo dos chamados caiçaras do litoral paulista. As

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Terra Livre - n. 33 (2): 31-46, 2009
transformações no espaço costeiro trouxeram outros elementos para esta equação. A
complementaridade não se dá apenas no binômio pesca-roça e sim envolve outras ativida-
des: pesca e “biscate”, pesca e turismo, pesca e artesanato, pesca e aquicultura, entre ou-
tros binômios, trinômios e quadrinômios, mesclando o mundo da pesca com o mundo agrá-
rio e urbano.
No Rio Grande do Sul esta complementaridade tem sido observada ao longo da pesca
realizada em águas interiores através de pesquisas desenvolvidas na segunda metade da
década de 2000 (CARDOSO et alli, 2009).
Em algumas localidades pesquisadas, a complementaridade se apresenta como uma
estratégia de reprodução social, tendo em vista a queda da produtividade da pesca e a
degradação dos ambientes aquáticos. No litoral paulista, a dinâmica do mercado imobiliá-
rio aparece como uma oportunidade para o abandono temporário do trabalho na pesca,
retomado assim que o mercado de trabalho em terra se retrai.
Acresce-se a esta discussão a questão do acesso ao mar e a territorialidade do fazer
pesqueiro. Como o acesso ao mar, em tese, é uma fronteira aberta, o retorno à pesca apare-
ce sempre como uma possibilidade de trabalho que garante minimamente a proteína ani-
mal. Ao aventurar-se em outras frentes de trabalho e suas possibilidades de auferir ganhos
ou perdas, esta perspectiva não deve ser de todo negligenciada ao analisar os metabolismos
do processo de trabalho na pesca.
Nesse sentido apreender os processos migratórios e a mobilidade espacial e sazonal
de pescadores, permite identificar o que Thomaz Jr (2004) aponta como a fluidez do dese-
nho societal da classe trabalhadora em suas ligações rompidas e refeitas. Uma análise
mais detalhada pode apontar para a mobilidade laboral presente entre pescadores e seus
distintos caminhos, identificando hipóteses de pauperização econômica, proletarização nas
frotas empresariais, precarização do trabalho na pesca, diferenciação socioeconômica no
interior da pequena produção pesqueira, bem como a assunção de novas formas identitárias,
como o conceito de comunidades tradicionais, empregado nas políticas oficiais ligadas à
preservação ambiental.
Analisando a pequena produção mercantil na pesca – simples e ampliada, e sua
persistência/sobrevivência/reprodução no mundo do trabalho, pode ser apontado para o
papel que esta exerce na reprodução do capital do setor pesqueiro, sua subordinação aos
mecanismos de intermediação e os conflitos com as modalidades de produção pesqueira
com maior incremento de tecnologia e capital.
No âmbito da produção pesqueira capitalista, Diegues identifica duas formas de or-
ganização da produção: a produção dos armadores de pesca e a produção das empresas. Os
armadores são proprietários de embarcações que não participam diretamente da captura.
Podem possuir um ou mais barcos, que são postos para pescar mediante a contratação de
tripulações comandadas por um mestre, cuja remuneração, via de regra, se faz pelo siste-
ma de partes relacionadas à produção, das quais são deduzidos os custos da viagem e da
manutenção dos equipamentos.
A pesca empresarial capitalista tem a frente empresas pesqueiras que podem, ou
não, serem integradas verticalmente, possuindo setores de captura, beneficiamento e
comercialização do pescado. Caracterizam-se pelo predomínio de embarcações de maior
porte, equipadas com maquinário mais moderno de detecção, captura e processamento do
pescado, empregando tripulações onde o assalariamento, mensal ou parcial, passa a ser
mais constante, assim como uma maior divisão de tarefas durante as operações de pesca.
Ao salário fixado, as tripulações podem ainda mesclar ganhos por produtividade, de acordo
com o resultado das capturas (DIEGUES, 1983).
O trabalho nas frotas de armadores ou empresas dá origem a uma categoria especí-
fica de trabalhadores pescadores, comumente chamados de embarcados, que vendem sua
força de trabalho e se diferenciam dos pequenos produtores pesqueiros no que diz respeito
à propriedade dos meios de produção e às relações de trabalho. Sua representação laboral
se realiza no âmbito de sindicatos de pescadores embarcados, organizados por empresas ou
localidades.
No caso brasileiro, o setor capitalista da pesca teve um forte incremento das políticas

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CARDOSO, E. S. PESCADORES, TRABALHO E GEOGRAFIA...

governamentais, a partir dos anos de 1960, com a criação da Superintendência de Desen-


volvimento da Pesca (SUDEPE), favorecendo o investimento de recursos públicos na confi-
guração de frotas e indústrias pesqueiras, ainda que as figuras do armador de pesca e das
empresas de beneficiamento remontem para as primeiras décadas do século XX.
As formas de produção sistematizadas por Diegues permitem abarcar a diversidade
de situações presentes na produção pesqueira extrativa. É evidente que ao propor uma
tipologia, o autor apresenta as situações mais gerais e que devem ser tratadas como um
pano de fundo, emoldurando uma diversidade de realidades situadas entre os distintos
tipos elencados. Além disso, o autor aponta para as relações que se estabelecem entre estas
distintas modalidades de produção e a sua dinâmica, evitando assim a consideração de
tipos ideais de produtores, congelados em um tempo histórico passado.
Como exemplo de um processo de atualização, observa-se no interior da chamada
pesca artesanal e como conseqüência de uma crescente especialização na atividade pes-
queira, uma diversificação entre os produtores no tocante ao aparato tecnológico emprega-
do. Constitui-se um segmento de pescadores artesanais capitalizados, proprietários de
embarcações motorizadas, equipadas com navegadores e identificadores de cardumes, ain-
da que a organização do trabalho se realize no interior de grupos familiares ou de vizinhan-
ça e o sistema de remuneração por partes predomine na divisão dos rendimentos do traba-
lho.
Por outro lado, empresas que operavam com frotas próprias abandonam as capturas
e se abastecem da produção dos pescadores artesanais ou armadores, como forma de
viabilizar suas linhas de produção. Algumas vezes, tais linhas funcionam apenas de forma
temporária, mediante a chegada do pescado desembarcado e o trabalho na fábrica de peixe
se caracteriza por jornadas e contratos diários.
Como parte da cadeia produtiva do pescado, porém situados em segmentos não dire-
tamente relacionados às capturas, uma diversidade de agentes econômicos estão presen-
tes. A confecção dos apetrechos de pesca, a construção e reparo de embarcações e motores,
o beneficiamento e comercialização do pescado, entre outras tarefas situadas ao longo do
processo produtivo, revelam a presença de modalidades de trabalho ligadas ao pescado e
que não são necessariamente o trabalho do pescador. Estudando a localidade de Canto do
Mangue, em Natal – RN, Lima (1995) identifica 6 tipos de trabalhadores ligados à
comercialização do pescado, 4 categorias sociais dedicadas a manutenção dos equipamen-
tos de pesca e 2 outras suprindo os trabalhadores na pesca de insumos para o pescado,
como os atravessadores de gelo e para os pescadores, como os comerciantes de tira-gosto e
bebidas.
Tal realidade, que apreende a diversidade de modalidades de trabalho presentes na
cadeia produtiva do pescado, corresponde à estimativa da FAO apresentada em seção ante-
rior deste artigo que aponta para a criação de quatro postos de trabalho para cada traba-
lhador dedicado à captura ou cultivo do pescado (Figura 5). No caso brasileiro, o RGP já
citado, apresenta algumas das categorias de trabalhadores e demais agentes econômicos
que devem obter a regulamentação para o trabalho no pescado.
Afora este conjunto de categorias e modalidades de trabalho, observam-se três ou-
tras formas de extração de pescado que, por vezes, se sobrepõe, ou articulam-se à atividade
pesqueira propriamente dita. Uma delas é a extração de espécies ornamentais para a
aquariofilia, presente em praticamente todo o país nas águas doces e marinhas. Estima-se
em milhões de indivíduos de peixes e outras formas de vida aquática, capturados e
comercializados no mercado interno e externo, de distintas espécies, com destaque para
espécies tropicais das águas amazônicas, onde, em algumas localidades, os extratores de
peixes ornamentais são designados como piabeiros.

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Terra Livre - n. 33 (2): 31-46, 2009

As duas demais formas de extração do pescado se integram e correspondem à


pesca amadora e esportiva e à captura de iscas. Embora correspondente a um setor econô-
mico vinculado às atividades de lazer, turismo ou esportes, a pesca esportiva e amadora,
incluindo a caça submarina, acabam por concorrer com a pesca profissional pelas espécies
e espaços de pesca, movimentando um segmento de mercadorias e serviços voltados a esta
prática, incluindo aí programas televisivos, publicações específicas, clubes de pesca, entre
outros. Por vezes pescadores amadores e esportivos estão gerindo as instâncias representa-
tivas de pescadores profissionais, tais como as Colônias de Pescadores, gerando dificulda-
des no estabelecimento dos mecanismos de interlocução com as políticas públicas voltadas

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CARDOSO, E. S. PESCADORES, TRABALHO E GEOGRAFIA...

à pesca profissional.
Em outra perspectiva, pescadores profissionais acabam atuando em serviços volta-
dos à pesca esportiva, tais como no transporte, no comando das embarcações e no forneci-
mento de iscas, vivas ou não, que abastecem os pescadores esportivos. Neste último caso,
em algumas localidades se estabelece uma categoria laboral de trabalhadores na coleta de
iscas, conhecidos como isqueiros, e que podem ou não ser constituída de egressos da pesca
profissional, ou pescadores que articulam a atividade pesqueira com a coleta de iscas de
acordo com as temporadas de maior afluxo de turistas.
No caso da produção aquícola, a diversidade de situações e modalidades de trabalho
também está presente. Difere-se o trabalho na aqüicultura em pelo menos quatro situa-
ções, de acordo com a espécie produzida, o sistema de propriedade, a escala de produção e
a forma de organização do trabalho.
No primeiro caso distinguem-se cultivos marinhos e de água doce. Peixes, camarões,
alguns répteis, anfíbios e quelônios são produzidos em água doce. Peixes, camarões, moluscos
e algas são os principais grupos de espécies cultivadas em águas salobras ou marinhas.
Quanto aos sistemas de propriedade a aqüicultura pode ser exercida em propriedades pri-
vadas rurais e urbanas, como também em terrenos e águas públicas doces, salobras ou
salgadas, mediante regimes de concessão.
As escalas de produção são diferenciadas de acordo com cada tipo de cultivo e, podem
ou não, refletir a forma de organização do trabalho realizado no âmbito do produtor indivi-
dual, grupo familiar, cooperativas e associações ou empresas de aquicultura. Às escalas de
produção somam-se ainda a intensidade dos cultivos, existindo sistemas intensivos e ex-
tensivos de produção, além dos intermediários.
Resulta dessas diferenciações uma gama de produtores e trabalhadores dos cultivos.
Alguns exemplos podem ser ilustrativos desta diversidade. O maricultor que se dedica ao
cultivo de moluscos no sudeste e sul do país, em muitas situações é um pequeno produtor
na pesca artesanal ou um ex-pescador, que passou a desenvolver os cultivos como uma das
muitas atividades complementares que realiza em seu calendário laboral. Nas proprieda-
des rurais de muitos rincões do país, a produção de peixe de água doce passou a compor o
rol de atividades diversas que viabilizam o sustento da família. Em situações mais intensi-
vas, um ou dois trabalhadores são contratados para a manutenção dos cultivos. Na pers-
pectiva da produção capitalista, empresas são criadas com a finalidade de produção aquícola
e se formam fazendas especializadas em um ou outro cultivo.
Frente a esta diversidade, a legislação recente do Brasil identifica cinco modalidades
de cultivos: comercial, científico, de recomposição ambiental, familiar; e ornamental, pre-
vendo o ordenamento das modalidades de cultivo segundo a forma, a dimensão, as práticas
empregadas e a finalidade dos empreendimentos (BRASIL, 2009).

Modernização, Crise E Os Trabalhadores Do Pescado Em Seus Movimentos


Trabalhadores
Apresentadas algumas das principais diferenciações presentes nos setores de produ-
ção do pescado, seja extrativo ou cultivado, importa agora pontuar eventos da evolução
recente do setor e seu rebatimento no espaço geográfico e nas ações e estratégias dos pesca-
dores de pequena escala, especialmente no caso brasileiro.
No início da década de 1980, Diegues (1983) conclui seu estudo fazendo uma analo-
gia entre a expansão da produção capitalista no setor pesqueiro e em outros setores da
produção social, confirmando as características já apontadas por Marx desta expansão,
qual seja, esgota as duas fontes de onde jorra a riqueza: o mar e os trabalhadores.
Predação dos recursos pesqueiros e a expropriação dos trabalhadores da pesca, le-
vando alguns segmentos de pescadores à proletarização, são alguns dos processos aponta-
dos pelo autor decorrentes deste processo. No caso brasileiro, o Estado, através das políti-
cas implementadas pela SUDEPE, alavanca e acelera a formação de um segmento capita-
lista e industrializado na pesca, durante as décadas de 1960, 70 e 80.
A sobrepesca de algumas espécies, a pesca predatória de outras tantas e a destruição
de ecossistemas de alta produtividade são algumas das consequências que acompanharam

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Terra Livre - n. 33 (2): 31-46, 2009
o desenrolar do projeto de modernização do setor pesqueiro, contribuindo para a redução
do pescado situado junto a costa. Ainda junto a costa, nas áreas de atuação da pesca artesanal,
verificou-se um aumento da disputa pelo pescado (LOUREIRO, 1985). Parte da frota in-
dustrial atuando com técnicas predatórias para as baixas profundidades próximas a costa
acarretaram a diminuição da oferta de pescado para os pescadores artesanais, cujos meios
de produção não lhes possibilitam um deslocamento mais amplo, acirrando disputas pela
apropriação destes espaços e do pescado neles contido.
Paralelo a estes eventos relacionados à dinâmica da atividade pesqueira, o processo
de urbanização e industrialização do território brasileiro se manifestam nas zonas costei-
ras com implantações de pólos industriais petroquímicos, mineiro-metalúrgicos entre ou-
tros e a formação de zonas metropolitanas costeiras. Na esteira destes eventos a expansão
do turismo litorâneo em modalidades de segunda residência ou de implantação de destinos
e pólos turísticos. Nas áreas ribeirinhas a construção de grandes empreendimentos hidre-
létricos, a expansão das atividades agropecuárias e o aumento da carga de emissões de
poluentes nos corpos d’água, são alguns dos aspectos que interferem na dinâmica da pesca
continental.
Em trabalho anterior, uma síntese deste processo é apresentada:
“Sujeitos alijados das políticas públicas da SUDEPE, os pequenos pescadores presenciaram
suas áreas de pesca serem objeto de avanço da frota pesqueira de armadores e empresas acir-
rando a competição pelo pescado, viram-se subordinados por um mercado dominado por
atravessadores de pescado que subtrai seus rendimentos e tiveram seus espaços de vida redu-
zidos pelo avanço da especulação imobiliária pelo litoral, apenas para citar alguns dos proces-
sos que se exponencializaram ao longo das últimas três décadas” (CARDOSO, 2001a).
Quase trinta anos decorridos da conclusão de Diegues, a expansão da produção capi-
talista na pesca, assim como em outros setores se reestrutura, se transforma, mas mantém
suas características destrutivas: permanece esgotando os recursos naturais e os trabalha-
dores.
Antunes (1999) aponta que as respostas da crise experimentada pelo capitalismo nas
últimas décadas rebatem em profundas mutações no mundo do trabalho, com um enorme
desemprego estrutural, precarização do trabalho e degradação da relação metabólica entre
homem e natureza. Nessa perspectiva o início do século XXI desvela o mundo do trabalho
precarizado, o desemprego estrutural e os processos onde as águas, ares, vidas e terras se
movem na balança cada vez mais pendente da degradação. Tudo isso acrescido pelos meca-
nismos contemporâneos de concentração do capital, privatização e controle dos recursos
naturais.
Se os impactos da expansão da crise do capitalismo no mundo do trabalho e na degra-
dação ambiental tornam-se mais claros e questionados no final do século XX, os impactos
da modernização e industrialização das pescarias sobre os pequenos produtores da pesca se
fazem sentir já nos anos de 1980. Em 1984, a FAO organizou a 1ª Conferência Mundial
sobre Ordenamento e Desenvolvimento Pesqueiro, onde aponta para a importância da pes-
ca de pequena escala. No discurso do então Diretor Geral da FAO, o Sr Saouma refere-se
que em muitas partes do mundo as famílias de pescadores são um dos setores mais pobres
entre os pobres (KRONE, 1987).
Vale recordar ainda o movimento de pescadores pernambucanos, que nos anos de
1960, durante a década de 1970 e início de 1980, organizaram manifestações em defesa dos
rios e estuários daquele estado, contra a poluição oriunda das indústrias e engenhos (SIL-
VA, 1989).
Estas duas menções apontam para os impactos dos processos de expansão do capita-
lismo sobre a vida dos pescadores de pequena escala, que possuem uma temporalidade
mais ampla. Qual seja a precarização do trabalho e a destruição dos recursos e ambientes
aquáticos tem longa data e permanecem ainda hoje. Pode-se mesmo retroceder a outros
momentos, porém não é o objetivo deste artigo, cabendo apontar alguns dos embates que
são travados pelos trabalhadores da pesca na perspectiva de sua resistência e reprodução
social.
Questões com as quais os pescadores artesanais brasileiros se defrontam em seus
espaços de vida e trabalho, também foram identificadas em trabalhos anteriores. Foram

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CARDOSO, E. S. PESCADORES, TRABALHO E GEOGRAFIA...

apresentadas problemáticas relacionadas aos organismos políticos de representação dos


trabalhadores da pesca, a interlocução com os poderes públicos, as questões relacionadas à
economia do pescado, à degradação dos ambientes aquáticos, questões relacionadas aos
lugares de moradia dos trabalhadores da pesca, que envolve demandas relativas à saúde,
educação, comunicação, entre outras, além de questões que trazem uma dimensão eminen-
temente territorial (CARDOSO, 2001b).
A análise de documentos de encontros de pescadores revela estas preocupações e
problemas para os quais os pescadores e suas organizações buscam enfrentar. Alguns exem-
plos recentes podem ser elencados, denotando a persistência destas problemáticas e sua
atualidade.
Por ocasião da III Conferência Nacional de Aqüicultura e Pesca, promovida pelo MPA
em 2009, organizações de pescadores e entidades de apoio organizaram a I Conferência
Nacional da Pesca Artesanal. O material de divulgação, reproduzido a seguir, explicita a
realização deste encontro “paralelo” ao encontro oficial:
“A atividade é independente e inédita, motivada pela quantidade de problemas enfrentados em
todo o país. Questões ambientais, como a diminuição e desaparecimento de espécies, diminui-
ção de vegetação natural, contaminação do solo e das águas, são apontadas como as principais
ameaças. Conseqüentes de grandes projetos econômicos, como a expansão do agronegócio e os
altos investimentos na aquicultura com as grandes áreas de cultivos, que tem como vedete a
piscicultura e os viveiros de camarão no Ceará e em diversas comunidades no Nordeste,
construídos, na maioria das vezes, sobre manguezais, que são Áreas de Proteção Permanente.

Afora os grandes empreendimentos turísticos e os projetos de suporte, como a cons-


trução de hidroelétricas e transposições de rios, como o São Francisco, que simbolizam
desde a expulsão das populações de seus territórios tradicionais até o descaso com os pro-
blemas reais.
A I Conferência Nacional da Pesca Artesanal demonstra ainda a descrença com a III
Conferência Nacional de Aquicultura e Pesca, organizada pelo recém criado Ministério da
Pesca e Aquicultura (MPA) e prevista para acontecer também no final desse mês.
É organizada por associações, colônias, sindicatos e federações de pescadores; Movimento dos
Pescadores e Pescadoras Artesanais; Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Movimento
Nacional dos Pescadores (Monape); Confederação dos Sindicatos dos Pescadores Artesanais
(Confespa) e Movimentos estaduais de pescadores.” (CIMI, 2009).

No âmbito internacional organizações de pescadores, organizações não governamen-


tais e representantes governamentais de sete países africanos, reunidos em junho de 2008,
firmaram a Declaração de Zanzibar, resultante do seminário “Consolidar direitos, definir
responsabilidades: pontos de vista de comunidades pesqueiras de pequena escala sobre
gestão costeira e pesqueira na África austral e oriental”.
No preâmbulo do documento, os participantes demonstram sua preocupação com:
“...el impacto negativo de la globalizacíon, que permite prácticas industriales devastadores
como el arrastre selvaje del camarón o la pesca de altura del atún, el desarrollo del turismo o
la acuicultura industrial; por la seguridad de los pescadores y de las operaciones pesqueras em
águas marinas e continentales, por la creacíon de áreas marinas protegidas sin participación
de sus habitantes, por la contaminación acuática y terrestre, la discriminación contra las
mujeres, la alta incidência del HIV/SIDA em las comunidades pesqueras y la falta de respecto
por los derechos ancestrales de las comunidades pesqueras a sus terras.” (SAMUDRA, 2008).

Em Chennai, Índia, em janeiro de 2009, os participantes do seminário “Dimensões


sociais da implantação de áreas marinhas protegidas na Índia: realmente se beneficiam as
comunidades pesqueiras?”, apresentam entre as conclusões do documento final a seguinte
manifestação: “...instamos a que se reconozca la necesidad de um marco integral y
participativo para la conservación, explotación y manejo de los recursos marinos y costeros
vivos, que brinde a las comunidades pesqueras derechos preferenciales de acceso...”
(SAMUDRA, 2009).
Embates territoriais, acesso aos recursos, direitos ancestrais. Os três documentos
transcritos acima revelam a disputa por um espaço político, produtivo e vivido, diante de
um modelo de produção econômica e social concentrador e destrutivo. Levado a cabo por

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Terra Livre - n. 33 (2): 31-46, 2009
segmentos representantes de pescadores de pequena escala, apontam para a importância
desta modalidade como produtora de trabalho, renda e alimento, entre os cerca de 43 mi-
lhões de pescadores e aquicultores do mundo.
Com uma temporalidade longa, seus embates e estratégias de luta se atualizam, por
vezes se radicalizam e persistem na perspectiva de sua reprodução enquanto sujeitos e
trabalhadores do mundo das águas.

Considerações Finais
Das dinâmicas territoriais, sociais, econômicas e ambientais presentes nos espaços
urbanos, rurais, litorâneos, ribeirinhos e aquáticos, a partir dos quais se realiza a atividade
pesqueira e aquícola, deriva o leque de situações de conflitos, alianças, lutas e mecanismos
de disputas políticas envolvendo os trabalhadores da pesca. As respostas dos pescadores se
manifestam em várias frentes, envolvendo os espaços de trabalho, vida e morada, envol-
vendo as instituições voltadas à representação de seus interesses profissionais – tais como
colônias ou sindicatos, ou ligadas aos seus espaços de vida – associações de bairro, câmara
de vereadores, por exemplo. Em anos mais recentes as chamadas organizações não gover-
namentais (ong’s), ligadas à preservação da natureza, passaram a compor o rol de entida-
des com as quais os pescadores se relacionam.
Diante desta situação, identificar as frentes de ação e reação que os pescadores esta-
belecem com as políticas públicas e com o capital, torna-se assim um elemento que permite
apontar a politização e a abrangência de suas lutas, bem como o que Breton e Cavanagh
(2005) denominam de possibilidades de coalisão dos pescadores com os demais segmentos
da sociedade. Possibilita ainda verificar, diante das propostas de ordenamento pesqueiro
ou pesca sustentável, o caráter fetichista, ou não, de sua ação política (GÓMEZ e THOMAZ
JÚNIOR, 2005).
Apreender suas demandas e dinâmicas, talvez possa contribuir para que o
mundo da pesca se descortine e as águas sejam olhadas como espaços de trabalho e territó-
rios em disputa, reduzindo o estranhamento para com o pescador, seu fado e sua faina.

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2004.

46
Resumo : O principal objetivo desta contribuição é analisar os
elementos que influenciam na dinâmica que o agronegócio
globalizado, embora não seja o único vetor, vem promovendo para
a intensificação da urbanização e para o crescimento econômico de
cidades locais e médias. Interessa-nos compreender a partir disto
os novos arranjos territoriais que se organizam no Nordeste
brasileiro. Estudamos em especial as principais características do
DIFUSÃO DO processo de urbanização na região que se estende do baixo curso do
AGRONEGÓCIO E rio Açu (RN) ao baixo curso do rio Jaguaribe (CE). Desse modo,
NOVAS DINÂMICAS
NOVAS este estudo analisa e problematiza os processos socioespaciais
TERRITORIAIS resultantes da reestruturação produtiva da agropecuária que
colaboram para o estabelecimento de novas configurações do espaço
produtivo, compondo na região supracitada uma região produtiva,
DISSEMINA
ISSEMINATION
TION OF associada à fruticultura, sendo, pois, um novo ponto luminoso, no
AGRIBUSINESS AND espaço agrário nordestino.
NEW TERRITORIAL Palavras-chave
Palavras-chave: agronegócio – urbanização - região produtiva
DYNAMICS agrícola - Baixo Jaguaribe (CE) - Vale do Açu (RN)

Abstract: The main objective of this contribution is to analyze the


DIFUSIÓN DE LA factors that influence the dynamic global agribusiness, although
DINÁMICA not the only vector, has been promoting more intensive urban
TERRITORIAL DE LA development and economic growth of local and medium-sized
AGROINDUSTRIA Y LOS cities. We are interested in understanding from this the new
NUEVOS territorial arrangements that are organized in Northeast of
Brazil. We study in particular the main features of the urbanization
process in the region that extends from the lower course of
IARA RAFAELA GOMES
AFAELA the Açu river (RN) to the lower course of the
Jaguaribe river (CE). Thus, this study analyzes and discusses the
socio-spatial processes resulting from the restructuring of the
iara_geo@hotmail.com agricultural production that contributes to the establishment of
the new configurations of the production space, making the region
Universidade Estadual above a productive one, associated with fruit, and thus a new light
point in the Northeastagrarian space.
do Ceará UECE Keywords
Keywords: agribusiness - urbanization - productive agricultural
Universidade Federal region – Baixo Jaguaribe (CE) – Vale do Açu (RN)
do Ceará
Resumen: El principal objetivo de este trabajo es analizar los
UFC factores que influyen en la dinamica de la agroindustria
global, que sin ser el único vector de crecimiento, ha estado
promoviendo el desarrollo economico y urbanistico
de sus localidades. Estamos interesados en comprender estas
nuevas conformaciones territoriales que se organizan en el noreste
de brasil. Se estudian en particular las principales características
* Professor Adjunto do del proceso de urbanización en la región que se extiende desde la
Departamento de parte baja del río Açu (RN) hasta el curso inferior del río Jaguaribe
Geografia (CE). En este sentido, el presente trabajo analiza y discute los
procesos socio-espaciales derivados de la reestructura en la
producción agrícola que contribuye a la creación de nuevas
configuraciones en el espacio productivo, transformando a la
región en una region productiva asociada a la fruticultura, lo que
la convierte en un nuevo punto de luz en el espacio agrario en el
nordeste.
Palabras clave
clave: agroindustria - urbanización - región agrícola
productiva - Baixo Jaguaribe (CE) - Vale do Açu (RN)

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 47-66 Jul-Dez/2009

47
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...

INTRODUÇÃO
Na tentativa de compreender os novos arranjos territoriais que se organizam no
Nordeste brasileiro a partir das recentes relações entre o processo de urbanização e a ex-
pansão da agricultura científica (Santos, 2000; Elias, 2003) este trabalho se propôs a anali-
sar as principais características deste processo na região que se estende do baixo curso do
rio Açu (RN) ao baixo curso do rio Jaguaribe (CE). Esta é uma das áreas no Brasil que mais
têm interessado aos capitais hegemônicos do agronegócio de frutas tropicais, voltado à
produção intensiva para exportação.
Conforme compreendemos, o processo de urbanização é consequência de uma ação
articulada de diversos agentes com interesses distintos, promovida por um conjunto de
circunstâncias específicas baseadas na lógica do atual modo de produção vigente. Dessa
forma, em nossa análise trabalhamos com base no entendimento do contexto econômico e
social cuja consequência direta é a produção do espaço.
Pensamos a urbanização a partir de análises que buscam ultrapassar o limiar dos
parâmetros demográficos que apóiam determinadas classificações. Desse modo, buscamos
trabalhar com a compreensão das relações que se desenvolvem entre as cidades e entre
essas e as áreas rurais, pela identidade ou pela diversidade de seus papéis urbanos. É
fundamental destacar que compreendemos o processo de urbanização na perspectiva histó-
rica e as cidades, como formas materiais que expressam o movimento desse longo processo.
O estudo possibilitou compreender que o agronegócio globalizado, embora não seja o
único vetor, vem representando um papel fundamental para a intensificação da urbaniza-
ção e para o crescimento econômico de cidades locais e médias. Destaca-se que os impactos
socioespaciais resultantes da reestruturação produtiva da agropecuária vêm se dando de
forma acentuada, seja no campo, seja na cidade, estabelecendo-se novas configurações do
espaço produtivo, compondo na região localizada entre o baixo curso do rio Jaguaribe (CE)
e o baixo curso do rio Açu (RN) uma região produtiva agrícola.
Este artigo está dividido em duas grandes partes que se subdividem. Na primeira,
apresentaremos os principais pressupostos teóricos e os elementos da análise utilizados na
compreensão das transformações ocorridas no espaço geográfico brasileiro, destacando,
sobretudo, as importantes metamorfoses verificadas com o processo de modernização da
agricultura, sob a lógica do agronegócio globalizado que, consequentemente, promove em
paralelo ao seu desenvolvimento a expansão das áreas urbanizadas e a intensificação das
relações campo-cidade. Ainda neste capítulo, faremos uma breve ponte entre o processo
mencionado que ocorre no Brasil e seu desdobramento no cenário nordestino. Na segunda
parte, apresentaremos a região que tomamos para estudo, um pouco de sua história e de
suas principais características, sobretudo a relação entre sua produção agrícola e a dinâmi-
ca da economia urbana, e ainda sua dinâmica populacional e mercado de trabalho. Por fim,
algumas considerações finais sobre a discussão realizada na pesquisa e seus resultados.

BRASIL: AGRICULTURA
GRICULTURA E URBANIZAÇÃO
O processo de transformação do Brasil de país essencialmente agrário para uma das
principais economias mundiais caracteriza-se como fruto da expansão da globalização da
economia e da tentativa de inserir o país no mercado mundial, que vem promovendo inten-
sas modificações políticas, econômicas e territoriais. Os impactos resultantes destas trans-
formações são significativos, principalmente com o incremento da divisão social e territorial
do trabalho promovida pela dispersão espacial da produção e relocação de todos os fatores
econômicos, que reorganizaram os investimentos produtivos no país.
Neste período, que se deu, sobretudo, a partir da década de 1960, as políticas públi-
cas foram fundamentais para o desdobramento desta organização espacial. Nele foram
criados relevantes programas e renomadas instituições, tais como o Banco Nacional de
Habitação (BNH), a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana
(CPNU), o Programa de Ação Concentrada (PAC) e o Plano Nacional de Desenvolvimento

48
Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009
(PND), os quais surgem como resultado da busca do governo brasileiro pelo crescimento
econômico. Este governo atuou de forma incisiva no processo de interiorização e de acumu-
lação de capital reorganizando os investimentos produtivos no país. Quanto às políticas no
meio rural, citamos o Estatuto da Terra editado em 1964, cujo objetivo principal era orga-
nizar a estrutura fundiária do país. Este, assim como o Estatuto do Trabalhador Rural,
criado em 1963, veio colaborar com as ânsias e necessidades de expansão do capitalismo
industrial e financeiro.
Indiscutivelmente a globalização da economia promoveu grandes transformações no
processo produtivo vinculado à agropecuária existente no atual período, que corresponde a
um setor que se relaciona de forma cada vez mais acentuada com os demais setores da
economia. Esta, assim como os demais setores, não funciona mais isoladamente. Graziano
da Silva (1998), ao trabalhar o recente desenvolvimento da agricultura, fala do conceito de
integração de capitais.
Sobre estas novas relações que se formam entre a agropecuária e os demais setores
econômicos, Elias (2002a) nos fala dos circuitos espaciais da produção e dos círculos de
cooperação, os quais mostram que estas relações extrapolam os limites dos estabelecimen-
tos agrícolas, de uma região ou país, associando, sobretudo, a atividade agropecuária ao
circuito superior da economia (Santos, 1988, 1994, 2004). Desde então, a lógica agrícola
obedece aos desígnios da acumulação industrial, a partir do desenvolvimento dos comple-
xos agroindustriais (CAIs) (Graziano da Silva, 1998). Surge profundo interesse em produ-
zir commodities e matérias-primas para as agroindústrias, assim como a produção da agri-
cultura passa a exigir uma grande busca por produtos já industrializados.
Na atualidade, a produção agrícola tem sua dinâmica cada vez mais organizada pela
economia de mercado e, sob esta lógica, haveria a ascensão das relações estabelecidas por
meio das trocas financeiras, realizadas pelo comércio, que, consequentemente, ocorrem
com base nas demandas industriais. Os setores da economia imbricam-se de forma cres-
cente, sobretudo a partir das substituições da produção de subsistência pela de mercado e
dos insumos naturais pelos industriais. Um exemplo disto são os dados do Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), via Censo Agropecuário, segundo os quais a laranja
e a soja incluem-se entre os principais produtos agrícolas de exportação do Brasil, com
crescimentos consideráveis nas quantidades produzidas para o período de 1970 a 2000, ou
seja, de 591,72% e 1.633%, respectivamente. Se formos comparar o crescimento da produ-
ção brasileira das culturas tradicionais de subsistência como o milho, o feijão e a mandioca
teremos crescimentos pouco representativos no mesmo período, isto é, 146,28% para o mi-
lho, 90,63% para o feijão e apenas 50,11% para a mandioca. Quanto à substituição dos
insumos, podemos apontar, também, os dados do Censo Agropecuário do IBGE, que desta-
cam, em 1995, um percentual de mais de 90% dos estabelecimentos agrícolas do país utili-
zando agrotóxicos, adubos químicos e outros insumos.
Como mostram os dados, a reestruturação produtiva da agropecuária, processo com-
plexo de transformações de todos os aspectos associados à produção da agropecuária, tem
se apresentado como um dos principais vetores da reorganização do território brasileiro. É
esta reestruturação em curso nos últimos anos que promove o incremento do capitalismo
no campo a partir do mencionado agronegócio globalizado.
Conforme defende Elias (2003, 2006a; 2006b; 2006c; 2006d), a expansão do agronegócio
globalizado ocorre paralelamente à fragmentação do espaço agrícola. Para a autora, esta
nova dinâmica sugere intensa mecanização dos espaços agrícolas com o incremento de uma
nova materialidade e de ações consoantes, que têm permitido novos usos para o território,
expandindo, ainda, a substituição dos meios natural e técnico pelo meio técnico-científico-
informacional (Santos, 1985, 1988, 1993, 2004), onde o território passa a ser reorganizado
e a expansão do seu processo de urbanização passa a responder efetivamente a este novo
modelo. Deste modo, a nosso ver, a reestruturação produtiva da agropecuária é um ponto
fundamental para compreender a urbanização brasileira contemporânea.
A modernização da agricultura e o Nordeste brasileiro
A década de 1960 é um marco para o planejamento regional no Brasil e, particular-

49
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...

mente, para a região Nordeste. Neste período, coordenado por Celso Furtado, é produzido
o Relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) na busca
pelo desenvolvimento regional, culminando na criação da Superintendência do Desenvol-
vimento do Nordeste (SUDENE) e fundamentando a estratégia inicial desta. A partir da
década de 1970 não seriam mais os Planos de Desenvolvimento que passariam a direcionar
o planejamento regional, pois neste período surgem os Planos de Desenvolvimento do Nor-
deste, inseridos, obviamente, nas diretrizes do Planejamento Nacional, frutos dos Planos
Nacionais de Desenvolvimento (PNDs).
A década seguinte, de 1980, foi marcada, sobretudo, pelo agravamento das crises
econômicas, fiscal e financeira do Estado e caracteriza-se por um período de intensa recessão.
Neste momento identificam-se constantes dificuldades da economia brasileira para reto-
mar seu crescimento e a intensificação da abertura, com seus impactos diferenciados sobre
o espaço regional. No Nordeste, com a crise, embora o Estado tentasse cortar gastos no
setor agrícola, também buscou proporcionar investimentos para as culturas de exportação,
no intuito de alavancar a balança comercial e prover recursos para pagamento da dívida
externa. Neste momento, a irrigação privada passa a ser o novo gargalo do Estado, orienta-
da agora exclusivamente para o mercado. Surgem o Programa Nacional de Aproveitamen-
to Racional de Várzeas Irrigáveis (PROVÁRZEAS) e o Programa de Financiamento para
Equipamentos de Irrigação (PROFIR).
Ainda nesta década ocorre a queda do cultivo do algodão nos perímetros irrigados.
Registramos para o Nordeste quedas de produção e área colhida entre 1985 e 1996. A pro-
dução em 1985 foi de 399.791 toneladas em uma área colhida de 960.730 hectares e para o
ano de 1996 tivemos uma produção de 76.225 toneladas em uma área colhida de 162.436
hectares (Dados dos Censos Agropecuários do IBGE - 1985 e 1995/96). Esta cultura veio
diminuindo ao longo do tempo, tanto pela praga do bicudo como pela ausência de estímulos
econômicos. Tal situação acabou por fomentar o incentivo ao cultivo de novas culturas.
Surge, então, a fruticultura tropical como ponta de lança promissora para o sucesso dos
perímetros e solução para o semi-árido nordestino. Muitas características evidenciavam
esta região como promissora nesta nova empreitada, tais como as naturais – altas tempe-
raturas, baixa umidade relativa do ar, luminosidade acentuada etc. – as econômicas – como
o baixo preço das terras agricultáveis – e as tecnológicas – com o investimento em novas
tecnologias (Elias, 2002a).
A partir de 1980 a agropecuária do Nordeste, até então sem grandes alterações, pas-
sa a ver o surgimento da ocupação de novas áreas pelo agronegócio globalizado. Essas são
parte do exército de lugares de reserva para o agronegócio que foi incorporado recentemen-
te aos circuitos produtivos globalizados de empresas nacionais e multinacionais hegemônicas
do setor, assumindo um novo papel na divisão internacional do trabalho agrícola (Elias,
2006b). As relações tipicamente capitalistas vêm afetando estes espaços agrícolas do Nor-
deste e transformando sua agricultura de forma seletiva, atingindo determinados lugares
e especializando suas culturas. Neste período, o oeste da Bahia foi a primeira área do Nor-
deste a vivenciar essa difusão do agronegócio e difundir a produção intensiva de soja, assim
como o submédio do rio São Francisco foi o primeiro a difundir a produção de frutas para
exportação.
Em meados da década de 1980, a produção intensiva de frutas tropicais passou a
ocupar o baixo curso do rio Açu, no Rio Grande do Norte, e, a partir de 1990, esta mesma
produção ocupa o baixo curso do rio Jaguaribe, no Ceará. Esta área formada por municípi-
os do Ceará e do Rio Grande do Norte compõe uma região produtiva, associada à fruticultu-
ra, sendo um dos espaços agrícolas recentemente incorporados à produção intensiva.
A região em análise está localizada entre o nordeste cearense, região do baixo curso
do rio Jaguaribe e o noroeste potiguar, Mossoró, e baixo curso do rio Açu. Esta, segundo
Elias (2006b), é uma das regiões que mais têm interessado aos capitais hegemônicos do
agronegócio no Nordeste, voltada à produção intensiva de frutas tropicais para exportação.
É, também, uma das que passaram a participar dos circuitos espaciais da produção (San-
tos, 1988) globalizada muito recentemente.
Esta região guarda características privilegiadas no que se refere aos seus aspectos

50
Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009
naturais. No Baixo Jaguaribe (CE) temos um vale úmido próximo à Chapada do Apodi,
localizada na fronteira estadual entre o Ceará e o Rio Grande do Norte e, com uma rede
hidrográfica de grande importância para a região jaguaribana. Já a porção nordeste da
bacia do Piranhas-Açu (RN), correspondente a uma planície aluvial, é também um dos
espaços privilegiados no semiárido do Rio Grande do Norte. Embora seus municípios per-
tençam à Zona Semiárida do Nordeste, marcada particularmente por sua sensibilidade às
secas periódicas e pela presença de solos pouco agricultáveis, a área definida como “Baixo
Açu” é classificada como “mancha fértil” (Silva, 1992).

UMA NOVA REGIÃO PRODUTIV


NOVA A
PRODUTIVA AGRÍCOLA NO NORDESTE BRASILEIRO
Para apresentar esta região produtiva agrícola é necessário retomarmos a questão
da reestruturação produtiva da agropecuária, pois esta guarda uma característica funda-
mental para formação da região, qual seja, sua essência seletiva que manteve intocáveis
algumas estruturas sociais, territoriais e políticas enquanto outras se tornaram verdadei-
ros enclaves de modernização. Assim, foram privilegiados determinados segmentos sociais,
econômicos, bem como os espaços que puderam responder mais rapidamente à lógica capi-
talista.
Desse modo, como consequência da territorialização do capital no campo, há um in-
cremento da oligopolização do espaço agrícola brasileiro, acompanhado de um paralelo pro-
cesso de fragmentação deste, culminando numa nova divisão territorial do trabalho direta-
mente relacionada ao setor agrícola. Como podemos observar, as políticas públicas são
direcionadas a partir deste novo modelo para certos espaços, e os dotam de um novo con-
junto de objetos e de ações que os diferencia de outros espaços, promovendo, efetivamente,
a constituição de verdadeiras regiões produtivas (Santos, 1985).
Trabalhamos com a hipótese de que entre o baixo curso do rio Açu, no Rio Grande do
Norte, e o baixo curso do rio Jaguaribe, no Ceará, existe uma região produtiva agrícola.
Para chegarmos à formação desta região, inicialmente utilizamos uma delimitação que diz
respeito às microrregiões das quais fazem parte os municípios de Mossoró e Açu, no Rio
Grande do Norte, e Limoeiro do Norte, no Ceará, pré-identificados como aqueles onde as
inter-relações entre a urbanização, a agricultura científica e o agronegócio se mostram
mais evidentes. A partir daí selecionamos critérios iniciais para melhor definir este recorte
espacial, quais sejam, as microrregiões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
as características naturais geográficas e a presença de ações efetuadas com vistas ao
agronegócio e os respectivos agentes produtores do espaço, além disso, traçamos-lhe um
perfil sob outros aspectos com objetivo de inserir em seu conjunto cada município que a
consolidaria:
1. A influência da expansão agrícola sobre a região e, portanto, sobre cada município;
2. A importância do agronegócio da fruticultura na consolidação da região como polo
de destaque no conjunto regional nordestino e nacional;
3. A existência de circuitos produtivos e círculos de cooperação consolidando a região
produtiva por meio do agronegócio da fruticultura;
4. A partir do desenvolvimento do agronegócio nessa região, consideramos a signifi-
cação de cada município na produção das principais culturas para exportação, assim como
os municípios que sobressaem no direcionamento de políticas públicas voltadas para o se-
tor agrícola e aqueles em evidência na inserção de sistemas de objetos, deste modo, de um
conjunto de objetos técnicos em seus espaços.
Do ponto de vista espacial, um dos principais impactos da difusão de elementos do
meio técnico-científico-informacional (Santos, 1993) foi sua capacidade de articular espa-
ços, promovendo e incrementando as interações entre lugares, por vezes muito distantes
entre si. Como o meio técnico-científico-informacional constitui o entorno do homem mo-
derno, cercando-o cada vez mais com novos objetos técnicos que medeiam suas ações, a
penetração e as manifestações desses elementos no espaço social construído são inumerá-
veis e se renovam continuamente.
Desta forma, algumas variáveis foram selecionadas para indicar tanto a expansão

51
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...

agrícola e a influência da modernização deste setor nas transformações mais recentes, que
concorrem para reforçar o destaque e a existência da região produtiva agrícola, quanto a
presença de infraestruturas e o crescimento de objetos técnicos. Ou seja, elementos do meio
técnico-científico-informacional que podem veicular a formação e organização desta região
produtiva agrícola, colaborando para mostrar seus diversos níveis de organização espacial
e consequentemente a importância de todas essas variáveis para a compreensão do proces-
so de urbanização estabelecido na região em estudo. Foram elas:
- Área plantada e quantidades produzidas das culturas de exportação. Estas, entre
outros processos, refletiram a metamorfose na pauta produtiva da região que por sua vez
pôde evidenciar a inserção no agronegócio globalizado;
- Estabelecimentos do comércio. Tais estabelecimentos, principalmente ligados ao
consumo produtivo, nos motivaram a compreender o dinamismo da economia urbana asso-
ciada à modernização agrícola;
- População Economicamente Ativa urbana e rural. Esta variável revelou a concen-
tração econômica, sobretudo como o incremento da PEA urbana pode refletir a dinâmica da
economia urbana das cidades da região;
- Terminais telefônicos em serviço. Por referidos terminais pudemos observar a cir-
culação de informações, inclusive por redes de computadores;
- Emissoras de rádio e provedores da Internet. Estas emissoras e provedores refle-
tem um incremento do consumo de energia (megawatts) que já é um reflexo da difusão de
objetos técnicos do meio técnico-científico-informacional, pois a modernização das ativida-
des econômicas, especialmente aquelas em meio urbano, demanda energia elétrica para
seu funcionamento. Refletem também, e sobretudo, a difusão da informação que mostra
como vem se dando uma maior integração com lugares cada vez mais distantes entre si;
- Terminais rodoviários em serviço. Tais terminais indicam a demanda por transpor-
te de pessoas (e também de mercadorias) via sistema rodoviário;
- Análise da população residente. Esta variável mostrou o dinamismo da demografia
na região em estudo que, paralelamente a uma revolução tecnológica da produção
agropecuária e agroindustrial e às transformações nas relações de trabalho, desenvolveu
uma dinâmica demográfica e urbana, marcada por grande crescimento populacional, parti-
cularmente urbano;
- Número de empregos formais nos setores da economia. Por este dado pudemos
evidenciar o dinamismo da economia, com a difusão de determinados segmentos econômi-
cos, onde um exemplo foi a ocupação formal na agricultura como um bom indicador da
difusão do agronegócio;
- Existência de subcontratação nas relações de trabalho. Com base em tal informa-
ção, pudemos perceber a reestruturação nas relações de trabalho atuais;
- Evolução do emprego qualificado. Como fruto de maior exigência das empresas
para a realização de atividades que requerem maior nível de especialização, esta evolução
pôde sugerir, por exemplo, a formação de mercados de trabalho com características domi-
nantemente capitalistas, como é o caso da atividade agropecuária.
Todos estes dados foram analisados e apenas alguns são mencionados no corpo deste
trabalho, tanto como comprovação empírica da pesquisa como também para que nossas
afirmações neste momento não resultem vazias de verdade.
Quanto à articulação da região produtiva agrícola em estudo, esta se dá em diversos
níveis de organização espacial, a saber: nível internacional, no caso do mercado mundial de
frutas; nível nacional, pela absorção de fluxos migratórios e aquisição de bens de consumo
industrializados de outras regiões; nível regional, mediando e enviando fluxos que atraves-
sam a região para alguns portos (Suape, Natal, Pecém) e daí para outros lugares; nível sub-
regional, nas interações espaciais entre as cidades da própria região.
A partir da análise das variáveis ora citadas, denominamos como uma região produ-
tiva agrícola o território formado por 25 municípios situados entre o nordeste cearense
(região do baixo curso do rio Jaguaribe) e o noroeste potiguar (Mossoró e baixo curso do rio
Açu). Esses municípios estão inseridos em três microrregiões geográficas do Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatística, quais sejam: Baixo Jaguaribe (CE), Vale do Açu (RN) e

52
Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009
Mossoró (RN). São eles: Alto Santo, Ibicuitinga, Jaguaruana, Limoeiro do Norte, Morada
Nova, Palhano, Quixeré, Russas, São João do Jaguaribe, Tabuleiro do Norte, Açu, Alto do
Rodrigues, Carnaubais, Ipanguaçu, Itajá, Jurucutu, Pendências, Porto do Mangue, São
Rafael, Areia Branca, Baraúna, Grossos, Mossoró, Serra do Mel e Tibau.
Conforme Santos (1985, p. 72), “o território é formado por frações funcionais diver-
sas”. No nosso entendimento, uma região produtiva pode ser uma dessas frações. Para este
autor, sua definição “exige o reconhecimento das suas relações internas e externas mais
importantes [...]” em uma tentativa de captar sua especificidade, hoje e em períodos ante-
riores, dada pela forma como as condições presentes são utilizadas (em função de forças
internas a vários níveis e de forças externas a diversas escalas) (Santos, 1985, p. 72).
O espaço brasileiro sugere seu entendimento segundo diferentes lógicas de organiza-
ção. Isso é fato também na organização dos seus espaços agrícolas. Deste modo podemos
citar uma que é modernizadora e que articula a escala local com a internacional com base
nas novas dinâmicas hegemônicas do agronegócio globalizado. Para Elias (2005, 2006a;
2006b; 2006c; 2006d), a fragmentação do espaço agrícola denota a constituição de arranjos
territoriais produtivos agrícolas. Estes, segundo a autora (2006b, p.10) “são as regiões pro-
dutivas agrícolas dinâmicas”.
Soja (1993) fala da especialização flexível, onde os sistemas de produção vertical-
mente desintegrados e o rompimento das hierarquias rígidas têm sido acompanhados por
uma mobilidade acelerada do capital, para facilitar a busca de superlucros setoriais em
qualquer parte do mundo. A região produtiva localizada entre o baixo curso do rio Açu (RN)
e o baixo curso do rio Jaguaribe (CE) ilustra este tipo de especialização e foi absorvida pelo
capital, pois, entre outros elementos, o “superlucro” de algumas multinacionais frutícolas é
obtido mediante barateamento substancial dos custos com mão de obra encontrada em
abundância nessa região. Observamos mais especificamente o caso da multinacional Del
Monte Fresh Produce Ltda., uma das três principais empresas do setor de frutas do mundo
que, em poucos anos, promoveu grandes transformações na produção, difundindo a agri-
cultura científica e o agronegócio de frutas tropicais. Instalada no Vale do Açu, esta empre-
sa produz, sobretudo, banana, especialmente no município de Ipanguaçu. Já no Vale do
Jaguaribe destaca-se com a produção de melão, no município de Quixeré, e de abacaxi, no
município de Limoeiro do Norte. Portanto, via terra e mão de obra, são estabelecidas as
principais relações com o lugar, pois esta empresa traz de outros países todo seu pacote
tecnológico e serviços especializados e exporta quase toda sua produção (Elias, 2006b).
O Baixo Açu, no Rio Grande do Norte, de longa data se caracterizou como uma região
cuja atividade principal é, sobretudo, relacionada ao setor agrícola, predominando o com-
plexo algodão-pecuária-lavouras alimentares, associado à extração de cera de carnaúba
(Valverde, 1961). No Baixo Jaguaribe (CE) seu processo de territorialização também desta-
ca a agropecuária e o extrativismo vegetal como alicerces para seu processo de urbaniza-
ção. Segundo Valverde “é sempre útil comparar os baixos vales do Açu e do Jaguaribe, já
que as condições naturais são semelhantes, assim como as atividades econômicas, o habitat
e a elevada densidade de população” (1961, p. 483).
Além das adversidades ambientais, o clima na região em análise é dominantemente
semiárido. Este clima produz taxas elevadas de evapotranspiração que dão ensejo a um
balanço hídrico fortemente deficitário na maior parte do ano. De modo geral, os solos da
região são bem diversificados, e, como mostrado por determinados estudos, partes conside-
ráveis têm sido degradadas, comprometendo, inclusive, sua capacidade produtiva. Entre-
tanto, a área concentra solos potencialmente férteis, nos quais, como supracitado, existem
“manchas férteis” em alguns espaços, como é o caso, por exemplo, dos cambissolos da
Chapada do Apodi, dos podzólicos dos tabuleiros arenoargilosos e das aluviões das planíci-
es fluviais (Souza; Oliveira; Granjeiro, 2003).
A junção desses aspectos materializa-se em condições naturais favoráveis à fruticul-
tura que, aliadas aos aspectos infraestruturais e econômicos, como a construção dos reser-
vatórios de recursos hídricos, o uso da irrigação, a melhoria nos sistemas viários entre
outros, se tornam fatores de atração de empresas agrícolas modernas e mercado de insumos,
favorecendo o estabelecimento das cadeias de produção de frutas.

53
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...

Na verdade, em decorrência do potencial da fruticultura, a região passou a ser apon-


tada como essencial e sustentáculo da economia regional nordestina proposta pelas novas
estratégias do governo federal, ou seja, um eixo privilegiado para que os grandes investi-
mentos a tornem um centro competitivo integrado aos mercados nacional e internacional.
Neste sentido, não somente a produção agrícola da região é modificada, mas também sua
economia urbana, sua dinâmica populacional e o seu mercado de trabalho, que passam a
responder de forma bastante diferenciada dos períodos precedentes.
Características da produção agrícola e da economia urbana
A década de 1970 é marcada por grandes transformações decorrentes do período
técnico-científico-informacional (Santos, 2004). Segundo Elias (2003), no Brasil, neste perí-
odo, os fenômenos da terciarização e da urbanização ocorrem em uníssono e se distinguem,
sobretudo, nas áreas mais receptivas ao processo de modernização da economia e do terri-
tório, culminando com a expansão do meio técnico-científico-informacional (Santos, 1985,
1988, 1993, 2004). Como aponta a autora ao utilizar os trabalhos de Milton Santos (1979),
o estudo do setor terciário a partir da urbanização e das condições atuais da economia
internacional sugere se levar em consideração a imensa quantidade de atividades econômi-
cas que surgem e que fogem à atual classificação, inclusive causando preocupação aos ana-
listas e pesquisadores ante o risco de subordiná-las simplesmente aos dados e, assim, co-
meterem graves erros caso as novas atividades não sejam incluídas em um quadro atuali-
zado e menos restrito à classificação simplista da atualidade.
No Brasil podemos citar como exemplo de um dos lugares a responder intensamente
à lógica da produção agrícola globalizada, e que fez surgir muitas atividades alheias às
classificações atuais e tradicionais das atividades econômicas, a região produtiva agrícola
que se estende do baixo curso do rio Açu (RN) ao baixo curso do rio Jaguaribe (CE). Para
podermos compreender a urbanização desta região, é fundamental conhecer essas novas
atividades, sobretudo aquelas associadas ao “terciário”. Entretanto, não podemos contar
exclusivamente com uma análise mais detalhada destas atividades com base nos dados
estatísticos porque tais dados muitas vezes inexistem.
Conforme afirma Elias (2003), quanto à produção agropecuária moderna, sua
globalização ocorre com a inserção da ciência e da tecnologia na produção, na distribuição e
no transporte que passam a utilizar novos produtos e serviços demandando
consequentemente maior especialização. Desse modo, o desenvolvimento das atividades
agropecuárias relacionadas à agroindústria se integra de forma cada vez mais crescente ao
circuito da economia urbana. Incrementa-se a urbanização com essa integração acelerada
entre as atividades agropecuárias e a economia urbana, e surge então também um novo
tipo de consumo, ou seja, aquele associado à produção e denominado por Milton Santos
(1993) de consumo produtivo. No mundo agrícola moderno, ao lado do consumo consumptivo,
que se esgota com ele próprio, criam-se novas formas de consumo associadas à produção
agropecuária. Com a incorporação de ciência, tecnologia e informação ao território rural, se
configura o consumo produtivo do campo: máquinas e implementos agrícolas, adubos e
fertilizantes diversos, insumos intelectuais, crédito, administração pública etc. (Elias, 2003).
Na região produtiva em análise este consumo tem revelado uma das faces do incremento
das relações campo-cidade.
Para compreender a modernização agropecuária e sua relação com a economia urba-
na é importante destacar as políticas governamentais e seu importante papel neste proces-
so. Com vistas a superar as dificuldades impostas pelas condições físicas do semiárido no
Nordeste brasileiro, a ênfase das políticas governamentais para a agricultura consistiu no
incentivo da irrigação para as áreas semiáridas desta região. Nela, os projetos de irrigação
foram implantados em áreas que dispõem de melhor dotação de recursos de água e solo.
Nos anos 1970, as áreas de influência dos projetos públicos de irrigação foram caracteriza-
das como polos de atração para as populações que migraram do campo para as cidades e,
mais ainda, os investimentos públicos e privados na irrigação criaram economias externas
e efeito multiplicadores no Nordeste. Estes permitiram a localização de inúmeras
agroindústrias processadoras de matérias-primas locais (Carvalho, 1997).
54
Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009
Deste modo, a produção de frutas tropicais tem sido alvo da atenção do poder públi-
co, explicitada, sobretudo, pelo favorecimento e pela transferência considerável de incenti-
vos financeiros. O apoio do Estado foi demonstrado pelo financiamento de infraestrutura
de irrigação, como as perfurações de poços artesianos de maior profundidade (variando de
700 a 1.000 metros), assim como a construção de grandes obras como a barragem Armando
Ribeiro Gonçalves (Silva, 1999).
Com a implantação dos projetos privados de irrigação, desde a segunda metade da
década de 1980, em vários municípios da região em análise, acirrou-se o mercado de terras.
Assim, a modernização da agricultura que se processa nesta região deu-se com a exclusão
dos pequenos produtores e trabalhadores sem terra. A partir da década de 1990, já subme-
tida aos moldes de uma agricultura científica e do agronegócio globalizado e devido à influ-
ência dos fatores naturais, histórico-sociais e econômicos, os elementos do espaço agrário
da região produtiva em análise apresentam diversas variações. Nesta, o aproveitamento
da terra tem sido cada vez mais intensivo e as áreas que a compõem estão cada vez mais
integradas em comparação com os demais espaços agrários do Nordeste.
A partir da divisão espacial das atividades e do papel dos fatores históricos e natu-
rais, podemos refletir sobre o uso da terra na região em estudo. Apesar de algumas caracte-
rísticas comuns consolidarem esta região produtiva agrícola, seu espaço não é homogêneo
e constitui-se de diferentes áreas. Entre outras, área de culturas diversificadas e de subsis-
tência, e área de agricultura comercial especializada (fruticultura) são aquelas que com-
põem esta região. Assim como no espaço brasileiro, as lavouras ditas comerciais, voltadas
em sua maioria para a exportação, tem ganhado espaço substituindo antigos usos.
Na região como um todo, há certo declínio de algumas culturas, a exemplo do algodão
e do arroz, ao mesmo tempo que há o surgimento de outras culturas na pauta de produção
a partir de 2004, como é o caso do sorgo, da soja e do abacaxi, voltados, sobretudo para a
exportação. Atualmente, como principais produtos da região, têm-se o melão (78,10% de
participação no total da produção do Ceará e do Rio Grande do Norte, juntos), a melancia
(71,05 %), a goiaba (46,40%), a banana (35,20%), o algodão herbáceo (31,01%), o sorgo
granífero (26,87%) e o mamão (19,45%). Tais informações são confirmadas nas Tabelas 1 e
2.

55
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...
ser expressas em toneladas. Nos anos anteriores eram expressas em mil frutos, com exceção da banana, para a
qual eram utilizados mil cachos.

Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal.


Notas:
1. Os municípios sem informação para pelo menos um produto da lavoura temporária não aparecem nas listas;
2. A partir do ano de 2001 as quantidades produzidas de melancia e melão passam a ser expressas em toneladas.
Nos anos anteriores eram expressas em mil frutos.

Trata-se de uma redefinição da pauta produtiva fruto da nova lógica de moderniza-


ção agrícola voltada ao agronegócio que promove reflexos no processo de urbanização. Atu-
almente, a região produtiva agrícola em análise é um dos destaques do Brasil agrícola,
onde há um incremento no desenvolvimento de áreas urbanas, cuja lógica de organização
deve-se às relações cada vez maiores estabelecidas no contexto da globalização da produção
e do consumo agropecuário. Por conta do grande número de variáveis que nela passam a
interferir, a urbanização desta região torna-se muito complexa. Entre estas variáveis, in-
clui-se a modernização agrícola com consequente especialização das produções, o cresci-
mento da produção material e não material, o aumento do trabalho intelectual, entre ou-
tras que tornam difícil, por exemplo, considerar as antigas relações campo-cidade.
Esta região produtiva agrícola, associada ao agronegócio de frutas, seria um dos
exemplos da dinâmica mencionada, lugar que responde de forma rápida à produção agríco-
56
la globalizada, onde surgem novas atividades econômicas, relacionadas em sua maioria ao
setor terciário. Segundo Elias (2006d, p.6), “em todas as áreas de expansão do agronegócio
globalizado, é visível o crescimento da urbanização e de aglomerados urbanos”. Em conti-
nuidade, a autora mostra como ocorre o desenvolvimento urbano associado ao consumo
produtivo (Santos, 1993), observando como acontece a globalização da produção agropecuária
moderna, a partir da inserção da ciência e da tecnologia no processo produtivo e distributivo
e da intensificação de muitos novos produtos e serviços. É importante destacar que o dina-
mismo da economia urbana pode ser evidenciado não simplesmente pela expansão dos
Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009
distinção. Um bom exemplo, guardada a diferença entre a realidade de cada uma dessas
cidades, são Mossoró (RN) e Limoeiro do Norte (CE). Esta última concentra 50% dos esta-
belecimentos que atendem à demanda agrícola moderna da região jaguaribana, segundo
pesquisa direta realizada por Chaves (2005). De acordo com referida pesquisa, dos 48 esta-
belecimentos existentes nesta região, 24 estão localizados em Limoeiro do Norte e apresen-
tam grande expressividade no seu alcance regional, ou seja, os estabelecimentos do comér-
cio produtivo agrícola desta cidade atendem a toda região do Baixo Jaguaribe, Ceará. Ade-
mais, nos últimos anos, vêm disputando espaço de venda tanto com os representantes de
empresas multinacionais que visitam as fazendas agrícolas oferecendo seus produtos quanto
com Mossoró, que também atende a toda região produtiva, em particular os produtores da
Chapada do Apodi.
Ainda conforme Elias (2006b) é durante o período de safra das principais culturas de
cada área que podemos distinguir com maior clareza as especializações das cidades; é neste
período que temos um considerável crescimento do número de empregos agrícolas tempo-
rários, obviamente, dependendo do tipo de cultura, pois algumas culturas permanentes,
como a banana, embora contratem mais trabalhadores no período de colheita, mantêm seu
quadro anual de contratados quase constante, diferentemente do melão, cultura temporá-
ria. Prossegue Elias: “O importante é destacar que aumenta exponencialmente o consumo
produtivo agrícola, assim como consumptivo, que gera inúmeros fluxos, materiais e de
informação, de diferentes complexidades” (p.64).
Um exemplo é o município de Baraúna (RN). Com uma única avenida cruzando a
sede municipal, a cidade, que em meia hora de caminhada é conhecida quase por completo,
mantém sua tranquilidade na maior parte dos meses do ano. Todavia, como cita a professo-
ra Olga Nogueira (Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do
Semiárido - UFERSA) em entrevista durante trabalho de campo, realizado entre os dias 5
e 16 de fevereiro de 2007 nas cidades de Limoeiro do Norte (CE), Quixeré (CE), Mossoró
(RN), Itajá (RN), Ipanguaçu (CE), Pendências (RN), Macau (RN) e Açu (RN), “o município
de Baraúna de setembro a janeiro fervilha de pessoas”.
Obviamente, não é apenas o consumo produtivo que se dinamiza nestas cidades, pois
o consumo consumptivo, redefinido nas últimas décadas pela revolução do consumo, tam-
bém é dinamizado tanto pelo crescimento populacional como pela renda da população. Esta
não foi necessariamente aumentada nestas cidades, mas passou a ter um diferencial por
meio da existência do mercado de trabalho formal em atuação crescente na região.
Com a melhoria do poder aquisitivo das pessoas, o terciário das cidades foi dinamiza-
do, surgiram casas comerciais especializadas até então inexistentes – e um caso particular
comum em pequenas cidades onde parte considerável dos seus moradores trabalha em
grandes empresas agrícolas e o comércio passa a ser completamente dependente da renda
destes trabalhadores. Quixeré, localizada no Baixo Jaguaribe (CE), e mais especificamente
um de seus distritos, Lagoinha, é um bom exemplo desta lógica, pois muitos dos seus mora-
dores são funcionários da multinacional Del Monte Fresh Produce Ltda. A movimentação
do terciário mantém relação direta com a renda provinda dos seus salários.
Tanto no Brasil como na região produtiva em estudo, antes do processo de moderni-
zação da agropecuária, o consumo do campo era principalmente consumptivo. Este, segun-
do Elias (2003), é aquele que cria demandas heterogêneas. Atualmente, o que ocorre nas
áreas que se inserem de modo complexo no processo de modernização da agricultura é que
o consumo produtivo agrícola acaba por adaptar as cidades mais próximas às suas princi-
pais demandas. Na região produtiva em estudo, o consumo produtivo associado à produção
agropecuária moderna tem se dinamizado bastante, criando inclusive lojas matrizes e fili-
ais nos seus municípios.
O espaço intraurbano das cidades que vem sendo produzido em toda região de estudo
é um reflexo das metamorfoses ocasionadas não apenas no espaço regional nordestino, mas
em parte considerável das cidades do Brasil. Entretanto, certas particularidades locais
tornam algumas consequências diferenciadas em cada parte. Conflitos nos usos do solo e do
espaço intraurbano, problemáticas quanto aos espaços de transição urbano-rural, questões
relacionadas à infraestrutura e aos transportes, entre outras, são apenas alguns dos pon-

57
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...

tos de discussão no tocante ao espaço intraurbano da região produtiva em análise. Tudo


passa a ser redefinido em decorrência das transformações sugeridas pela modernização
agrícola e pelo agronegócio.
A velocidade das transformações em curso na região pode ser observada pelas meta-
morfoses tanto das forças produtivas inseridas pelas empresas agrícolas, como das relações
sociais de produção, com o aumento da exploração direta por parte destas grandes empre-
sas agrícolas, nacionais e multinacionais. A partir da reestruturação atual dos sistemas
técnicos e das políticas públicas em andamento, estaduais e federais, Elias (2005) acredita
que o agronegócio deverá ter, em curto espaço de tempo, ainda mais força de reorganização
da economia, do espaço agrário e urbano das regiões submetidas a esta lógica, incluindo o
fornecimento da mão de obra braçal e especializada, rebatendo de forma direta no incre-
mento dos outros setores econômicos.

Dinâmica populacional e mercado de trabalho


Além das transformações verificadas na economia urbana, o agronegócio da fruticul-
tura potencializa um novo padrão tecnológico de produção irrigada. Concretiza transfor-
mações na dinâmica populacional e no mercado de trabalho local mediante intervenção de
determinados atores sobre o espaço, como as empresas agrícolas, com fortes reflexos nas
formas de organização do trabalho.
Entretanto, para estes atores poderem iniciar sua atuação direta sobre esta região,
muitos outros acontecimentos tiveram de se concretizar. Na realidade, desde a década de
1960 o governo federal tem gerido a adequação da produção e do território pela reprodução
ampliada do capital na agropecuária brasileira. No Brasil, as metamorfoses importantes à
globalização do setor agropecuário culminaram em transformações substanciais nas rela-
ções sociais de produção e na organização dos espaços agrícolas (Elias, 2002b).
Os mecanismos de intervenção do Estado no Nordeste remontam ao final do século
XIX, com a atuação do IOCS, atual Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. A
partir da metade do século XX, surgem instituições como a SUDENE mostrando, por meio
dos seus estudos, que uma das formas de viabilizar a agricultura sob moldes comerciais no
semiárido seria a irrigação. Deste modo, a década de 1970 é marcada pela criação de políti-
cas públicas voltadas para a irrigação. Entre estas políticas, sobressai o Programa de Irri-
gação do Nordeste, cujo objetivo era justamente aproveitar os vales úmidos e elevar a pro-
dutividade desta região. Surgem, assim, os grandes perímetros irrigados públicos que iri-
am alterar de forma bastante contundente a realidade da mencionada região.
Mas a década de 1980 traz uma mudança nas principais questões de incentivo à
irrigação. Destas, uma das mais importantes é o incentivo à irrigação privada, que se segue
pela década de 1990, quando vimos a ampliação do apoio a esse tipo de irrigação, com vistas
a incrementar a competitividade para o agronegócio globalizado regida pela iniciativa pri-
vada.
Neste período, há a implantação de grandes empresas agrícolas privadas, as quais
atuavam em toda a região produtiva agrícola. Em 1985, iniciou-se a consolidação do movi-
mento empresarial no Vale do Açu, caracterizada como um processo de apropriação priva-
da do investimento público. As grandes empresas então instaladas no Vale pareciam já
saber que a intervenção estatal seria localizada (Silva, 1992).
Ainda na década de 1980, a produção agrícola na região produtiva em análise sofreu
profundas transformações no sentido do estabelecimento de um nível mais moderno de
produção. Essas metamorfoses podem ser observadas na diversificação de culturas (come-
çam a despontar culturas como melão, melancia, abacaxi e outras, em detrimento de cultu-
ras tradicionais), na constituição do mercado de trabalho, onde as relações do tipo
assalariamento temporário – safristas, agrícolas não rurais – passam a ter um peso bastan-
te relevante na constituição da força de trabalho do setor agropecuário local, além da ten-
dência de expansão de formas de trabalho tipicamente capitalistas.
Trabalhamos com os dados da RAIS e eles nos ajudam a refletir melhor como este

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Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009
processo vem se dando. Por exemplo, a análise da distribuição do emprego por setores
mostra a relevância do emprego na agropecuária da região. Como sabemos, a fruticultura
é uma atividade que requer elevado número de mão de obra em virtude do incipiente pro-
cesso de mecanização exigido pela atividade durante as fases do seu processo produtivo.
Salientamos que o recorte temporal adotado neste estudo privilegia as transformações
verificadas na região a partir da década de 1980, quando nela se consolida o agronegócio, e
se estende até períodos mais recentes. Interessou-nos mostrar aspectos das transforma-
ções econômicas e territoriais ocorridas na região ao longo de 1980 até início da década de
2000, quando é claro o crescimento absoluto de empregos formais no setor da agropecuária
na região em estudo (Tabela 3). No primeiro intervalo relativo aos anos de 1985 a 1995,
podemos observar um crescimento percentual da ordem de 429,59% (no Nordeste como um
todo foi de 204,62%) no número de empregos formais. Esse número não é tão significativo
no intervalo de 1995-2004 (52,12%), mas um aumento considerável pode ser identificado no
intervalo de 1985-2004 com um total de 705,62%, enquanto, de modo geral, no Nordeste foi
de apenas 340,80%. Em todos os intervalos, os dados da região de estudo superam o total
da região Nordeste.

Fonte: MTE/RAIS.

Na Tabela 4 consta uma síntese dos números absolutos e da variação dos estabeleci-
mentos e do número de empregados formais nos grandes setores da economia no período de
1985 a 2004. Como mostram os dados, a atividade agropecuária sobressaiu e apresentou
crescimento do emprego formal maior do que as outras atividades (705,62%). O destaque
vai para os municípios de Limoeiro do Norte, Quixeré, Ipanguaçu, Pendências, Baraúna e
Mossoró, embora este último sofra um decréscimo de 44,30% na quantidade de empregados
formais na agropecuária entre os anos de 1995 e 2004 (em números absolutos teríamos
uma queda de 7.702 para 4.290 empregados), explicável, em parte, pela crise enfrentada
pela empresa Maísa. É importante frisar que a ocupação formal na agricultura é um bom
indicador para pensarmos na difusão do agronegócio.

59
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...

Fonte: MTE/RAIS.

Da mesma forma, os municípios onde o emprego formal mais cresceu na agropecuária


são também aqueles onde a produção das principais culturas para exportação se destaca,
ou seja, onde as principais empresas da região produzem. Limoeiro do Norte é o maior
produtor de abacaxi, enquanto Quixeré, Baraúna e Mossoró são os principais produtores
de melão, e Ipanguaçu, de banana.
Portanto, o estudo do mercado de trabalho agrícola formal regional colabora para a
melhor compreensão da atuação dos elementos de transformação das relações de produção
da região produtiva em análise, a partir de especificidades do processo geral da globalização
da agricultura, já que a flexibilidade que rege o atual padrão produtivo rebate intensamen-
te na forma de organizar o trabalho.
Paralelamente a uma revolução tecnológica da produção agropecuária e agroindustrial
e às transformações nas relações de trabalho, ocorreram transformações demográficas,
marcadas por crescimento populacional, particularmente urbano. Ao analisarmos os dados
por município, percebemos que a maioria apresenta taxas de crescimento da população
urbana. Apenas Carnaubais teve redução, mas isso se deve ao desmembramento do distrito
de Porto do Mangue.
Ainda do ponto de vista demográfico, é importante destacar que a população regio-
nal registrou expressivos índices de expansão populacional durante a segunda metade do
século XX, com taxa de crescimento de 40% (saltando de 489.975 habitantes para 686.409),
no período de 1980 a 2000. Em alguns municípios, verifica-se ritmo de crescimento
demográfico acima deste percentual.
Sobressaem os seguintes: Russas - CE (74,79% - de 38.513 para 57.320 habitantes),
Limoeiro do Norte - CE (51,49% - de 32.754 para 49.620 habitantes), Mossoró - RN (46,48%
- de 145.981 para 213.841 habitantes) e Açu - RN (39,26% - de 34.398 para 47.904 habitan-
tes). No entanto, São João do Jaguaribe - CE (3,77% - de 8.335 para 8.650 habitantes),
Palhano - CE (14,93 % - de 7.105 para 8.166 habitantes), Grossos - RN (4,49 % - de 7.894
para 8.249 habitantes) e São Rafael - RN (14,09 % - de 7.188 para 8.201) tiveram taxa
média de crescimento populacional bem abaixo do total da região. Curiosamente estes são
municípios onde a fruticultura não se instalou. Por exemplo, Carnaubais sofreu um decrés-
cimo populacional de -32,48%. Ademais, enquanto a população urbana regional cresceu
85,46% (saltou de 260.059 habitantes para 482.316), a população rural teve um declínio de
11,23 %, ou seja, foi de 229.916 para 204.093 habitantes.
Sobre a taxa de urbanização dos municípios da região observamos que alguns dos

60
Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009
municípios apresentaram urbanização mais significativa para a década de 2000. Entre
eles, Serra do Mel (99,58%), Mossoró (93,09%), Tibau (84,07%), Itajá (82,06%), Areia Bran-
ca (79,27%), Pendências (78,44%), Grossos (76,06%), Açu (72,32%), Alto do Rodrigues (68%),
São Rafael (65%), Baraúna (63,23%), no Rio Grande do Norte, e Limoeiro do Norte (63,05%)
e Russas (60,33%), no Ceará. Entretanto, esses crescimentos percentuais têm de ser pensa-
dos de acordo com a realidade da região, pois estes mesmos valores para uma grande me-
trópole, por exemplo, representariam algo muito diferente. Outra observação importante é
que alguns municípios têm suas taxas de urbanização elevadas por motivos bem singula-
res. Tais taxas devem, pois, ser analisadas com algumas ressalvas. Este é o caso de Serra
do Mel, no Rio Grande do Norte, cuja origem remonta aos assentamentos de reforma agrá-
ria onde os assentados vivem em núcleos considerados pelo Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística como áreas urbanas. Até o ano de 1995 este município ainda não possuía
sequer uma sede.
Em 1980, dos 25 municípios componentes da região em estudo, em apenas três a
população urbana era superior à rural: Açu, Areia Branca e Mossoró, todos no Rio Grande
do Norte. Em 2000, esse número aumentou para 19 municípios. Destes, os mais urbanizados
são Limoeiro do Norte, Russas e Tabuleiro do Norte, no Ceará, e Açu, Alto do Rodrigues,
Itajá, Jucurutu, Pendências, Porto do Mangue, Areia Branca, Baraúna, Tibau, Mossoró,
Serra do Mel e Grossos, no Rio Grande do Norte. Todos estes dados foram obtidos a partir
do Censo Demográfico do IBGE.
A modernização da agricultura e a substituição da pauta produtiva de algumas cul-
turas pelas frutas para exportação estabeleceram tanto um considerável processo de urba-
nização como um elevado crescimento econômico para a região produtiva em análise, com
transformações inclusive dos elementos sociais da sua estrutura agrária. Assim, o processo
de concentração fundiária agrava-se dia a dia, com grande parte das terras agricultáveis
passando para propriedade de empresas agrícolas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um de nossos principais desafios neste trabalho foi pensar a região produtiva agríco-
la, isto é, sua consolidação e desenvolvimento. Concluímos que a mesma se estabelece en-
tre os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará, onde os limites político-administrativos
pouco têm servido de obstáculo para que os principais agentes econômicos hegemônicos a
percebam como uma única região. Esta, aqui chamada de região produtiva agrícola, a qual
se estabelece obedecendo à lógica das grandes holdings que controlam o agronegócio da
fruticultura, é dominada por uma coesão funcional do agronegócio.
Para pensarmos na consolidação da região produtiva agrícola foi fundamental anali-
sar sua integração com o mercado nacional e sua articulação com a economia mundial
promovidas por empresas agrícolas. Essa articulação é impulsionada, principalmente, pela
chegada nesta região de empresas multinacionais. É exatamente a organização destas
empresas que nos ajuda a compreender a dinâmica e a organização da região produtiva
agrícola em análise, pois muitas atividades (de produção, financeiras, administrativas etc.)
são desenvolvidas em municípios diferentes, ou seja, algumas empresas produzem no Cea-
rá e têm seus escritórios no Rio Grande do Norte. Ademais, a produção é realizada pelas
empresas sem que estas se preocupem com a divisão político-administrativa dos estados.
Importante perceber que esta região, embora seja um ponto luminoso, não é homogê-
nea. Isto é, mesmo na referida região, notamos que alguns municípios são mais maleáveis
à expansão de um meio técnico-científico-informacional, caracterizado pela presença de
“objetos técnicos”, “fixos artificiais” associados, principalmente, às infraestruturas econô-
micas.
A produção agrícola voltada para a exportação se dinamizou bastante, sobretudo
com o incremento da fruticultura, e, apesar de boa parte dos municípios apresentarem
certa alteração nos tipos de culturas produzidas, sinalizando um novo momento para sua
lógica agrícola e econômica, determinados municípios sobressaíram na produção das prin-
cipais culturas exportadas, como Limoeiro do Norte, Quixeré, Baraúna e Mossoró, confor-

61
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...

me já mencionado anteriormente.
No que se refere à economia urbana, especificamente ao comércio produtivo de algu-
mas cidades componentes da região de estudo, merecem destaque, guardada a diferença
entre a realidade de cada uma dessas cidades, Mossoró (RN) e Limoeiro do Norte (CE). O
agronegócio da fruticultura, na região, não somente tem mobilizado o comércio e os servi-
ços, mas também propiciado a algumas cidades se transformar em lócus da produção
agropecuária, onde centros de pesquisa são criados, a infraestrutura dos transportes é
redefinida, surgem as consultorias etc. Neste sentido, algumas cidades na região se desta-
cam, como é o caso de Limoeiro do Norte (CE), Mossoró (RN) e Açu (RN).
Os municípios de destaque estão tanto no Ceará quanto no Rio Grande do Norte e as
fortes relações estabelecidas entre estes municípios político-administrativamente separa-
dos nos fazem retornar aos estudos de Valverde (1961, p. 483), quando este afirma que “é
sempre útil comparar os baixos vales do Açu e do Jaguaribe, já que as condições naturais
são semelhantes, assim como as atividades econômicas, o habitat e a elevada densidade de
população”, apontando certa relação ocasionada pela semelhança entre essas regiões. En-
tretanto, na realidade, além de uma comparação, é necessário apreender as novas relações
estabelecidas entre estes espaços, que os tornam cada vez mais próximos, não simplesmen-
te pela sua proximidade geográfica em termos de localização, mas, em particular, por seus
aspectos sociais e econômicos.
Entre a região jaguaribana e a potiguar, em especial entre as cidades de Limoeiro do
Norte (CE), Açu (RN) e Mossoró (RN), intensificam-se as trocas e as relações de todas as
naturezas. Há um fluxo de funcionários especializados a se realizar diariamente de uma
cidade para outra, por exemplo.
Como a expansão dos sistemas de objetos e dos sistemas de ação (Santos, 2004) é
fundamental para dotar o território de fluidez para os investimentos produtivos, devemos
mencionar o importante papel do Estado, direta ou indiretamente, para a produção do
espaço, seja por meio das políticas públicas ligadas ao setor, seja pela implantação desses
sistemas de objetos.
Esta região tem se organizado para atender às necessidades do mercado, mais espe-
cificamente de grandes empresas agrícolas, onde o crescimento econômico se sobrepõe ao
desenvolvimento socioespacial, promovendo empobrecimento de grandes parcelas
populacionais, criando cidades sem cidadãos e ampliando cada vez mais a segregação soci-
al. Esta urbanização ocorre em todos os municípios da região, tanto na cidade como no
campo, promovendo também o que podemos chamar de “outro lado da urbanização”, ou
seja, a pobreza. Um bom exemplo dessa realidade, particularmente no campo, é o estabele-
cimento de condições de miséria quase absoluta. Limoeiro do Norte, Quixeré e Mossoró
expressam claramente este processo.
Indiscutivelmente a modernização desta região tem ocorrido de forma incompleta.
Esta é a ponta de lança para um processo de urbanização bastante complicado que repro-
duz um modelo urbano extremamente caótico com todos os problemas urbanos conhecidos.
Com o acelerado crescimento urbano e com o aumento populacional, problemas das mais
diversas naturezas surgem nas cidades que compõem a região. Falta de moradia, de sane-
amento básico, de empregos, escassez de hospitais, escolas, transportes públicos, são ape-
nas algumas das mazelas às quais estão expostas estas cidades, denotando imensa crise
urbana. Grave também tem sido a degradação ambiental da região. Os solos e os recursos
hídricos são os mais afetados e consequentemente a população e os trabalhadores agríco-
las, em especial, constituem o principal alvo desta dinâmica.
Como afirma Elias (2006b), a reprodução das desigualdades socioespaciais que re-
gem a inserção dos lugares de reserva do espaço agrário nordestino torna as novas regiões
produtivas em meras regiões do fazer e não em regiões do reger, pois suas populações não
conseguem exercer nenhuma ingerência sobre os processos nelas ocorridos.
Deste modo, finalmente, nossas reflexões nos levam a afirmar o seguinte: a região
produtiva agrícola analisada é um dos exemplos de que o atual sistema econômico promove
tanto grande riqueza como visível pobreza. A modernização agropecuária não se comple-
tou. Pior ainda: agravou questões como a especulação fundiária e imobiliária, a favelização

62
Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009
urbana e rural, o acirramento da crise urbana e dos problemas ambientais, entre tantos
outros sentidos de forma mais intensa pela população mais pobre. Merece estudos mais
aprofundados cada um destes pontos.

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64
Terra Livre - n. 33 (2): 47-66, 2009

65
GOMES, I. R. DIFUSÃO DO AGRONEGÓCIO E NOVAS...

66
Resumo: O processo de configuração do território nacional, na
cidade e no campo, vem sendo cada vez mais influenciado por uma
crescente participação das classes populares mobilizadas. Na
história recente do país, essas mobilizações populares vêm
reunindo um grande e variado número de manifestações com o
objetivo da conquista pelo espaço da vida (do trabalho e da
moradia). De maneira geral, os geógrafos pouco se interessaram
A PESQUISA em construir, de forma sistemática e articulada, um campo de
GEOGRÁFICA SOBRE análise especialmente geográfico a respeito dos movimentos
OS MOVIMENTOS sociais. Esses estudos se pautaram em referenciais teóricos que
SOCIAIS: BALANÇO E foram formulados a partir de realidades diferentes da brasileira e
por especialistas de outras ciências. Nesse sentido, a abordagem
PESPECTIV AS
ESPECTIVAS socioterritorial, que busca firmar os movimentos sociais no campo
da leitura geográfica, redefinindo-os a partir do conceito de
LA INVESTIGÁCION movimento socioterritorial, constitui um momento importante do
GEOGRÁFICA SOBRE desenvolvimento do estudo dessa temática no campo da Geografia.
LOS MOVIMIENTOS Palavras-chave: Movimentos Socioterritoriais, Movimentos
SOCIALES: REVISÓN Y Sociais, Teoria, Território e Geografia.
PROPUEST AS
PROPUESTAS
Resumen: El proceso de configurácion del territorio nacional, en
la ciudad y el campo, está siendo cada vez más influenciados por
THE GEOGRAPHICAL una creciente participácion de las clases populares movilizados.
RESEARCH ABOUT En la historia reciente del país, estos movimientos populares
SOCIAL MOVEMENTS: reúnen un gran y variado número de eventos con el objetivo de
REVIEW AND conquistar el espacio esfera de la vida (trabajo y vivienda). En
PROPOSALS general, los geógrafos poco interesaram se en la construcción, de
una forma sistemática y articulada, en desarrollar un área
geográfica específica de análisis sobre los movimientos sociales.
NELSON RODRIGO Estos estudios se basan en las referencias teóricas que se hicieron
a partir de distintas realidades de los brasileños y estudiosos de
PEDON otras ciencias. En este sentido, el enfoque socioterritorial, que tiene
por objeto establecer los movimientos sociales en el ámbito
UFG geográfico de la lectura, la redefinición de la noción de movimiento
socioterritorial, es un momento importante del desarrollo del
estudio desa temática en el campo de la Geografía.
pedon_nelson@yahoo.com.br Palabras-clave: Socioterritoriais Movimientos, Movimientos
Sociales, Teoría, Territorio y Geografía.

Abstract: The process of setting the national territory, in the city


and the countryside, is being increasingly influenced by a growing
Professor Doutor do share of the popular classes mobilized. In the recent history of the
Departamento de Geografia country, these popular movements are gathering a large and varied
da UFG - Universidade Fe- number of events with the aim of conquering the area of life (work
deral de Goiás – Campus de and housing). Generally, the geographers aren´t interested in
Jataí building a systematic and articulated particular geographic area
of analysis about the social movements. These studies is based on
theoretical references that were made from different realities of
the Brazilian and researchers from other sciences. Accordingly,
the approach socioterritorial, which seeks to establish social
movements in the field of geographical reading, redefining them
from the concept of socioterritorial movement, is an important
element of the development of this thematic study in the
Geography.
Keywords: Socioterritorials Movements; Social Movements;
Theory; Territory and Geography.

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 67-84 Jul-Dez/2009

67
PEDON, N. R. A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS
...

INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o espaço vem ganhando relevância no conjunto dos estudos das
ciências sociais. Isso não ocorre somente porque ele emerge como uma categoria analítica
importante, mas, sobretudo, porque vem se tornando uma referência para a ação dos sujei-
tos sociais, do Estado e suas instituições, e dos agentes hegemônicos da economia capitalis-
ta. A crescente importância analítica dos conceitos de referência espacial vem acompa-
nhando as mudanças ocorridas na realidade. A Geografia torna-se, então, uma ciência pri-
vilegiada. O espaço, categoria tradicionalmente tomada como objeto de reflexão do pensa-
mento geográfico, constitui um importante instrumento analítico da dinâmica e dos pro-
cessos sociais. Entendido como espaço da ação humana, é nele que os conflitos entre os
homens se condensam dando forma e conteúdo ao território.
A renovação proposta pela Geografia Crítica representou, a um só tempo, a renova-
ção dos quadros explicativos que embasavam os estudos sobre a relação dos homens com
seu espaço, tendo o materialismo histórico dialético como referencial basilar, e uma ampli-
ação da perspectiva geográfica que passou a lançar seus olhos a temáticas que antes eram
atribuídas como objeto de investigação de outras ciências, ou eram simplesmente ignora-
das, sem muitas justificativas. Com exceção dos trabalhos precursores de Andrade (1963) e
de Castro (1964), que enfocaram a ação das Ligas Camponesas no contexto de pobreza e
concentração fundiária do nordeste brasileiro, a verdade é que os movimentos sociais esti-
veram ausentes da agenda de pesquisa dos geógrafos até a década de 1970.
A partir da década de 1980, diversas experiências de resistência aos processos de
exclusão e subordinação passaram a interessar aos pesquisadores da ciência do espaço. As
mobilizações populares, organizadas na forma dos movimentos sociais, foram aos poucos
sendo inseridas no conjunto dos temas adotados pela Geografia. Teoricamente, esses estu-
dos se alinhavam ao marxismo ou à suas releituras. As interpretações partiam de uma
visão mais geral sobre o desenvolvimento das relações de produção capitalistas sobre o
espaço e suas consequências catastróficas para a existência da classe trabalhadora. Em seu
conjunto, a principal característica dos primeiros estudos foi a adoção de referenciais teóri-
cos estrangeiros à Geografia, fato que se explica pela lacuna existente na produção geográ-
fica sobre a temática dos movimentos sociais.
A partir da década de 1990, dá-se início a uma nova fase da pesquisa geográfica
nacional, caracterizada pela publicação de textos que sintetizam as ideias e formulações
originais a respeito do caráter espacial dos movimentos sociais, assim como da importância
que essas manifestações sociais possuem no campo da análise da sociedade contemporâ-
nea. Uma parte desses estudos dedica-se à formulação de propostas teórico-conceituais que
buscam incorporar, à tradição das pesquisas sobre a temática, todo o arsenal teórico herda-
do da Geografia. Nesse momento, três autores vão se destacar, Carlos Walter Porto Gon-
çalves, Emerson Renato dos Santos e Bernardo Mançano Fernandes.

OS PRECURSORES: A ÊNFASE NAS


ÊNFASE LIGAS CAMPONESAS
No Brasil, o interesse dos geógrafos pelos movimentos sociais, enquanto
temática a ser pesquisada e teorizada, acompanhou o processo de renovação da Geografia
na passagem da década de 1970 a 1980. Entre as razões que levaram ao estudo dos movi-
mentos sociais encontra-se, de um lado, a projeção de um expressivo número de movimen-
tos sociais (movimento sindical, movimento camponês, Associações de Moradores, lutas
setoriais: como o movimento por creches, pelo transporte público, etc.) que vinham con-
quistando espaços políticos essenciais para suas reivindicações. Por outro lado, a incorpo-
ração de uma matriz teórico-metodológica permitiu à Geografia romper com temas e pro-
blemáticas tradicionais que consideravam o homem não como sujeito de sua história, mas
como um elemento da paisagem. Esse movimento de renovação deu lugar a um conjunto de
propostas que se condensaram na corrente nascente, a Geografia Crítica.

68
Terra Livre - n. 33 (2): 67-84, 2009
Antes disso, dois importantes autores nordestinos foram os primeiros a apontarem
em suas obras a atuação de movimentos sociais no Brasil. Manuel Correia de Andrade
publica em 1963 o livro “A terra e o homem no nordeste”, no qual o autor realiza uma
análise dos problemas do nordeste brasileiro a partir da apropriação do solo, elaborando,
inclusive, uma regionalização com base no processo de colonização da região; sua conclusão
é a de que esta ocupação se deu em função do desenvolvimento do capitalismo comercial.
Josué de Castro1 publica em 1964 o livro “Sete palmos de terra e um caixão: ensaio sobre o
Nordeste uma área explosiva”, o qual introduz o estudo dos movimentos sociais do Nordes-
te explorando a ação das Ligas Camponesas, surgidas na Zona da Mata Pernambucana na
década de 1950. Esse livro, assim como boa parte da obra de Josué de Castro, tem um
caráter de denúncia da situação de sujeição do homem e da terra a um modelo de desenvol-
vimento baseado na grande propriedade e submisso aos interesses internacionais.
Os autores apontam que, como conseqüência da falta de reforma agrária no país e da
submissão dos interesses nacionais aos ditames estrangeiros, tem-se um aprofundamento
das tensões sociais no campo e a conseqüente organização social com o objetivo de reivindi-
car mudanças no quadro agrário brasileiro. Assim, esboçam um pouco da sensibilidade que
os geógrafos possuíam acerca do problema, ao mesmo tempo em que demonstram um cam-
po temático possível de estudos para os demais pesquisadores. Como efeito do momento em
que os trabalhos foram escritos, os autores apresentam aquele que era o mais importante
movimento social brasileiro: as Ligas Camponesas. No caso de Andrade ([1963]1964), os
problemas sociais são abordados juntamente com as questões da apropriação da terra, sen-
do que esse viés social não foi entendido por muitos pesquisadores da época, uma vez que a
Geografia brasileira ainda estava comprometida com a escola tradicional francesa. O autor
considera as Ligas Camponesas como formas embrionárias de organização popular que
vêem, nas medidas implementadas pelo Estado, soluções pouco eficazes, já que beneficiam
apenas um pequeno número de pessoas, enquanto a maioria absoluta dos camponeses con-
tinuaria a vegetar (p. 244).
Acerca da espacialização e alcance das Ligas, Andrade ([1963]1964) aponta que mes-
mo nos municípios que não possuíam núcleos havia uma relativa influência. Julião teria
afirmado que, mesmo de forma desordenada, a organização cresceu a ponto de que em toda
da zona da Mata e boa parte do semi-árido do Nordeste não há um camponês que já não
seja potencialmente da Liga, e, em qualquer estado nordestino, mesmo onde a Liga não
havia sido fundada, é comum um camponês injustiçado dizer para o capataz ou para o
patrão: “graças a Jesus Cristo a ‘Liga’ vai chegar. Será nossa liberdade” (pg. 249).
Josué de Castro (1964) dirige suas críticas para aqueles que buscam fazer da seca a
principal causa da pobreza e fome nordestina, para ele [...] Mais do que a sêca, o que acar-
reta esse estado de coisas é o pauperismo generalizado, a proletarização do sertanejo, sua
produtividade mínima, insuficiente (Castro, 1964: 169-70). O latifúndio é o responsável
pela paisagem defunta, impregnada da presença constante da morte (p. 41). No capitulo 1,
“A reivindicação dos mortos”, Castro mostra como as Ligas Camponesas surgiram como
uma entidade civil de ajuda mútua na qual a principal finalidade era dar os camponeses
um funeral decente, uma vez que os camponeses eram enterrados em caixões doados pela
prefeitura ou muitas vezes enrolados em redes. Com a denominação inicial “Sociedade
Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco”, que visava defender os direitos dos
mortos, as Ligas Camponesas aos poucos foram se transformando num movimento que
passou a lutar pelos direitos dos camponeses vivos. Diferente de Andrade, Josué de Castro
tem a revolução no horizonte. Possivelmente a “frustração” deve ter dado lugar à “utopia”,
já que seu livro foi publicado no ano do golpe militar, ocorrendo pouco depois a diluição das
Ligas.
Os trabalhos de Manuel Correia de Andrade e Josué de Castro marcam, de
forma precursora, a “pré-história” dos estudos sobre movimentos sociais na Geografia bra-
sileira. Representantes de uma visão avançada e bem embasada dos problemas brasileiros,
1
Josué de Castro não era geógrafo de formação, todavia, parte considerável de suas pesquisas, pelo menos a que
acabou sendo a mais conhecida dos leitores em geral, se deu no campo no pensamento geográfico.

69
PEDON, N. R. A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS
...
os geógrafos fizeram apontamentos que hoje fazem parte dos estudos sobre movimentos
sociais, questões relativas à espacialização dos movimentos, sua interação com outros seto-
res da sociedade, a ação dos mediadores, sua agenda política (esclarecedora dos objetivos e
da ideologia dos movimentos), e sua relação com a estrutura sócio-econômica da sociedade
(constituída num devir histórico conflituoso que marca a constituição do território brasilei-
ro) demonstram uma perspectiva de totalidade que se desenvolverá na década de 1980 com
a ampliação desses estudos na Geografia.

MOVIMENTOS SOCIAIS NA GEOGRAFIA NAS DÉCADAS DE 1980 E 1990: A


VALORIZAÇÃO DA TEMÁTICA

É no contexto das transformações políticas e sociais vividas pela sociedade brasileira


a partir do final da década de 1970, que ocorre a inserção de ideias relativas à valorização
das ações políticas mais amplas no campo da pesquisa geográfica. Tal inserção foi baseada
na incorporação do marxismo e na adoção de sua orientação metodológica, o materialismo
histórico e dialético. O descontentamento com a pouca reflexão em relação à própria práti-
ca científica, assim como ao engajamento ideológico e social do geógrafo passou a estar na
pauta de debates. Os trabalhos que inauguraram os estudos sobre movimentos sociais após
os agitos da crise e renovação da Geografia brasileira na década de 1980 têm como referencial
teórico autores estrangeiros e de outras disciplinas. São na sua maioria sociólogos, a exem-
plo dos brasileiros José A. Moysés, José de S. Martins, Maria da Glória Gohn e Ana Clara T.
Ribeiro e europeus como Manuel Castells e Jean Lojkine.
O levantamento do material bibliográfico utilizado para a fundamentação da refle-
xão que hora se realiza se pautou na relevância que os periódicos possuem no interior de
nossa disciplina, por agregar textos que sintetizaram as tendências teóricas e temáticas do
momento. Os artigos de periódicos são importantes por representarem o estágio inicial das
pesquisas e suas tendências teórico-metodológicas, já que os livros só são publicados depois
que as ideias já estão mais bem definidas. De acordo com nossas pesquisas realizadas em
alguns dos principais periódicos, constata-se que não houve estudos que elegessem os mo-
vimentos sociais como objeto principal nas décadas de 1960 e 1970, nem a divulgação de
pesquisas. Os periódicos examinados referentes a este período foram: o Boletim Paulista
de Geografia (BPG), organizado pela Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) e a Revista
Brasileira de Geografia, organizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Foram consultados somente os artigos associados à temática socioeconômica, sen-
do descartados aqueles que tratavam estritamente de questões ambientais ou físicas.
Nas duas revistas, no período em questão, não houve nenhum artigo publicado sobre
movimentos sociais. Os temas predominantes são: processo de urbanização; funções regio-
nais e zonas de influência; projeção espacial de cidades em área de influência; regiões pola-
rizadas e homogêneas; estudo de centros industriais; definição estatística de regiões agrí-
colas; metodologia para tipologia em agricultura; dimensões de diferenciação de cidades;
padrões de utilização da terra; localidades centrais; classificações espaciais e regionalização;
análise regional e planejamento econômico; correntes migratórias e crescimento urbano;
desenvolvimento agrícola; desigualdade de renda; agricultura e capital; mapeamento de
informações geográficas; distribuição de densidades demográficas; aglomerações urbanas;
epistemologia e Nova Geografia; delimitação de centros intra-urbanos; desequilíbrios regi-
onais; redes de localidades centrais; modernização agrícola e cartografia.
De 1970 a 1980, toda agitação do contexto de abertura política brasileira havia gera-
do um otimismo naqueles setores da sociedade que almejavam por mudanças políticas e
sociais. No campo teórico, surgiram os primeiros ensaios no sentido de se desenvolver um
novo modelo explicativo que pudesse interpretar as especificidades das mobilizações emer-
gentes, e que, ao mesmo tempo, permitisse um entendimento ampliado do sindicalismo
nascente. O movimento sindical e o conjunto das ações coletivas que ocorriam, principal-
mente nas metrópoles, foram analisados a partir do paradigma marxista clássico das lutas
de classe e da relação classe-Estado. Não obstante a essa influência marxista, os quadros

70
Terra Livre - n. 33 (2): 67-84, 2009
explicativos que surgiram ampliaram as perspectivas para além das análises da inserção
dos sujeitos no sistema de produção, apontando as potencialidades geradoras da transfor-
mação a partir da inserção dos setores mobilizados na esfera da reprodução social. Este é o
caso dos estudos acerca das Associações de Moradores.
A produção geográfica naquele momento foi marcada pelas seguintes características:
a) Uma marcante segmentação da base de referência empírica das pesquisas e das
teorizações: o urbano e o rural. Mesmo com o afloramento de um conjunto diverso de mobi-
lizações sociais, a tendência à segmentação levou às especializações temáticas, ancoradas
em recortes paradigmáticos próprios; b) Na década de 1980, as pesquisas sobre movimen-
tos sociais urbanos foram predominantes, principalmente os estudos de casos. A escala nas
análises coincide com a base de referência territorial (recorte), suas reivindicações estão
voltadas quase que exclusivamente para o Estado; c) As pesquisas sobre movimentos soci-
ais rurais são marcadas por um alto grau de generalidade, alguns estudos ignoram as
especificidades dos casos, que, quase sempre, acabavam reduzidos ou enquadrados num
modelo paradigmático único e hegemônico no interior do debate acadêmico; e d) Por últi-
mo, destacamos a ausência de construções teórico-conceituais que permitissem inserir os
movimentos sociais no quadro analítico específico da Geografia. A timidez dos geógrafos
teve como conseqüência uma grande influência de autores advindos de outras ciências.
Na década de 1980 e início da década de 1990, esteve ausente do debate geográfico
uma postura mais propositiva do ponto de vista teórico-conceitual. A exceção fica por conta
da crítica um pouco mais profunda realizada por Marcelo Lopes de Souza, em 1986; e que
resultou numa abordagem mais complexa dos movimentos sociais no que se refere ao as-
pecto conceitual, como por exemplo, a distinção entre movimentos sociais e ativismos, for-
mulada por ele.

OS PERIÓDICOS NAS DÉCADAS DE 1980 E 1990: DESENVOLVIMENTO E


DESENVOLVIMENTO
CONSOLIDAÇÃO DO TEMA

A respeito da produção geográfica publicada em periódicos nas décadas de 1980 e


1990, selecionamos as seguintes revistas de veiculação nacional; o Boletim Paulista de
Geografia (BPG), o Boletim de Geografia Teorética (BGT), o Boletim Goiano de Geografia
(BGG), o caderno Prudentino de Geografia (CPG) e a revista Terra Livre (TL). Acreditamos
que esses periódicos representem as tendências teóricas e temáticas da Geografia brasilei-
ra na década de 1980.
No BGT, a presença de trabalhos sobre movimentos sociais se deu associada a algu-
ma ocasião específica e/ou de maneira esporádica e isolada, no interior de edições voltadas
para outras temáticas, como por exemplo, o número 42, de 1992, voltado para a publicação
dos trabalhos apresentados no II Simpósio Nacional de Geografia Urbana. Esta edição
publicou um conjunto de artigos voltados exclusivamente para a temática dos movimentos
sociais urbanos, discutidos na mesa redonda “Cidades e Movimentos Sociais”. Muitos auto-
res destes artigos haviam concluído seus trabalhos de Pós-Graduação no final da década de
1980, a exemplo de Silva (1987) e Rodrigues (1988). Nos textos, de maneira geral, predomi-
nou uma visão ampla sobre os problemas resultantes da ação dos agentes capitalistas no
processo de mercantilização do espaço urbano, das intervenções estatais (privilegiando as
classes dominantes) e a ação dos movimentos sociais concebidos como resposta às desigual-
dades geradas no âmbito desse processo.
Ainda com relação ao BGT, os números 49-50, de 1995, trouxeram um conjunto de
artigos resultantes dos trabalhos apresentados no XII Encontro Nacional de Geografia
Agrária, onde figura textos como o de Roberto Maria Batista de Figueiredo, intitulado:
“Conflitos de terra na área de influência do Projeto Ferro-Carajás em Parauapebas -PA”
(pp. 639-646) e o de Mirian Claudia Lourenço Simonetti, intitulado: “A luta pela terra como
luta sócio-ambiental” (pp. 495-508).
O BGG (n. 09-10), de 1990, é um exemplo de publicação que não obteve uma ampla
circulação no território nacional nesse período. No texto de título: “Associação das Vítimas

71
PEDON, N. R. A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS
...
do Césio 137: identidade e diversidade de um movimento social”, suas autoras, Clyce Louise
Wiederhecker e Elza Guedes Chaves, buscaram relacionar o acidente com o césio 137, ocor-
rido em Goiânia em 1987, com problemas de ordem conjuntural e estrutural, como por
exemplo, o processo de militarização do uso da energia nuclear no país, que vigorava na-
quele momento, e o processo de segregação socioespacial, reflexo da mercantilização do
espaço urbano na sociedade capitalista. Duas conclusões ficam evidentes: a desvalorização
da área afetada e, junto a esta, a edificação no imaginário da população de uma concepção
estigmatizada do fato ocorrido e do espaço onde ocorreu.
Esse artigo é um importante exemplo de estudo sobre movimentos sociais que não
obteve uma ampla divulgação, talvez, porque não teve como veículo um periódico de circu-
lação nacional, mas que nem por isso manteve-se isolado do movimento geral de desenvol-
vimento da temática. Todas as características da forma de tratamento dispensada aos mo-
vimentos sociais por geógrafos na década de 1980 estão presentes no nesse artigo. Como
por exemplo: a utilização de referenciais teóricos estrangeiros à Geografia (cabe lembrar
que Elza Guedes Chaves é formada em sociologia), a inserção da mobilização estudada no
campo dos movimentos sociais urbanos, a ausência de propostas teóricas e conceituais, a
visão classista da produção do espaço, o problema da base social do movimento e de sua
constituição, enfim, todos podem ser considerados como questões comuns aos estudos pio-
neiros dos movimentos sociais da geografia nacional na década de 1980.
No período analisado, o BPG foi o responsável pelas primeiras publicações sobre
movimentos sociais num periódico específico de Geografia. O número 57, de 1980, apresen-
ta o texto de Myrna T. Rego Viana intitulado “Algumas reflexões sobre a luta pela terra nas
cidades”. Talvez esse seja o primeiro artigo sobre movimentos sociais escrito por um geógrafo
publicado em periódicos de Geografia no país. Este texto também é publicado no livro orga-
nizado por Ruy Moreira “Geografia: teoria e crítica: o saber posto em questão” do mesmo
ano; este livro também trás o artigo “Movimentos Sociais Urbanos: algumas reflexões”, da
socióloga Ana Clara Torres Ribeiro.
Nesse texto, Viana (1980) tem como ponto de partida uma análise do diferencial do
desenvolvimento urbano nos países do Terceiro Mundo, que se baseou no intenso movimen-
to migratório das populações rurais para as cidades em busca de melhores condições de
vida, mas que, via de regra, acabam por engrossar as fileiras dos subempregados ou desem-
pregados já que a economia da cidade não suporta o excesso de contingente. O processo
migratório é provocado, sobretudo, pela expansão do capitalismo no campo, a má distribui-
ção de renda nacional (baixa renda) e o arrocho salarial; nesse contexto, a falta de moradia
intensifica ainda mais a situação de marginalização das populações obrigando-as a adota-
rem medidas específicas na luta pela terra, as ocupações (a autora utiliza o termo invasão)
urbanas constituem-se em apenas um dos exemplos das alternativas utilizadas. A autora
trabalha com a noção de exército de reserva, que diz respeito àquele contingente que, devi-
do à intensificação da acumulação de capital, fica de fora do processo produtivo, sendo
desprezada pelo capital industrial.
O Boletim Paulista de Geografia n. 60, publicado em 1984, traz um texto que trata
mais detalhadamente do tema movimentos sociais. Ele aborda, de forma similar a Viana
(1980) e Ribeiro (1980), as consequências da expansão do capital, mas agora, no campo
brasileiro, manifestado pelo crescente nível de exploração do trabalhador rural. O mesmo
exemplar trás um texto de Ariovaldo U. Oliveira (1984), intitulado: “’Aos trabalhadores
nem o bagaço’ ou a revolta dos trabalhadores dos canaviais e dos laranjais”2, aborda a
contradição capital-trabalho nos canaviais e laranjais no interior de São Paulo; nesse em-
bate, o autor destaca uma manifestação de resistência que ocorreu na forma de uma greve
no município de Guariba, na ocasião em que os usineiros da região de Ribeirão Preto alte-
raram o sistema de corte da cana de cinco para sete ruas, aumentando consideravelmente
a jornada de trabalho dos cortadores sem o respectivo reajuste salarial.
Para o autor, umas das particularidades do avanço das relações capitalistas de pro-

2
Texto também apresentado no IV Congresso Brasileiro de Geógrafos em 1984, ocorrido em São Paulo.

72
Terra Livre - n. 33 (2): 67-84, 2009
dução no território rural brasileiro é a manifestação cruel da extração da mais-valia abso-
luta, ao mesmo tempo em que esta se mistura com a mais-valia relativa. Dessa forma, o
trabalho no território rural passa a ser marcado pela dilatação da jornada de trabalho e
intensificação de seu ritmo, do pagamento por produção e do decréscimo real do valor dos
salários, e, num âmbito mais geral, o descumprimento de direitos trabalhistas. Estas são
as estratégias do capital na busca pela intensificação da acumulação, ao trabalhador res-
tando ao trabalhador a organização e a luta no campo das relações de trabalho, isso porque
o autor enfoca a organização sindical numa clara inserção à tradição marxista. No texto,
Oliveira não deixa claro se considera o sindicato como um movimento social. Na verdade
seu foco é a luta dos trabalhadores baseada na greve que é a manifestação da ofensiva dos
trabalhadores com relação à intensificação da exploração do trabalho pelo capital.
No BPG n. 62, publicado em 1985, tem-se a publicação de dois importantes artigos
em que um deles trata mais diretamente dos problemas relacionados aos movimentos soci-
ais numa perspectiva teórica. Seus autores não são geógrafos, mas sim sociólogos, são eles,
L. A. Machado Silva e Ana Clara T. Ribeiro (1985) 3. O segundo é o texto de Samira Peduti
Kahil, intitulado, “A Luta dos Posseiros em Lagoa São Paulo: a dialética da construção/
destruição do território para o trabalho livre”. O texto aborda o embate histórico entre os
posseiros na Reserva da Lagoa São Paulo no município de Presidente Epitácio/SP, criada
na década de 1940. Kahil (1985) aponta que ao longo do povoamento da região do Pontal,
posseiros e sitiantes foram expulsos das terras pelos grileiros recém chegados. No entanto,
num momento posterior, esses ex-posseiros e sitiantes voltaram às áreas como trabalhado-
res das fazendas, na condição de arrendatários e, durante as décadas de 1960 e 1970, esses
sujeitos tornaram-se novamente posseiros, formando as glebas no interior das fazendas
intensificando o processo de lutas. A relevância do trabalho de Kahil (1984) reside no fato
dele ter sido um pioneiro no tratamento de movimentos sociais e, também, na adoção de
um referencial marxista para a análise desse objeto. Se o movimento de resistência dos
posseiros não constitui um movimento social camponês da mesma estrutura e alcance dos
movimentos atuais, a exemplo do MST e de outros, é porque ele surge num contexto
sócioespacial localizado, contudo, é representativo do conflito entre classes basilares à soci-
edade capitalista.
O CPG, ao longo das décadas de 1980 e 1990, publicou de forma esporádica alguns
artigos que abordaram os movimentos sociais. Mas foi na edição 19/20, de 1997, que o
trabalho de Jean Yves Martin, “A geograficidade dos movimentos sociais” é publicado, con-
tendo os apontamentos iniciais de sua formulação sobre movimentos socioespaciais. Neste
texto, a espacialização é compreendida como um processo complexo de produção e criação
de espaços, assim como, das relações que estabelecem seus limites. O espaço é transforma-
do em território por meio das transformações nas relações sociais. A espacialização não
compreende apenas a apropriação de determinadas porções do campo e da cidade, mas,
envolve a instauração de novas formas de uso; novas formas de relação entre sociedade e
natureza; novas formas de organização social e novos projetos de uso de um espaço que se
torna, assim, território. Para o autor, os movimentos socioespaciais seriam formas de
mobilização social. Sua espacialidade está vinculada a sua capacidade de gerir determina-
das demandas no âmbito de um determinado espaço, sem buscar introduzir nenhum ele-
mento novo, seja material ou imaterial. Um movimento socioterritorial, por outro lado, é
uma organização que tem como objetivo criar as capacidades de introduzir novas formas de
apropriação e uso dos territórios. Seu objetivo é a instauração de uma nova territorialidade.
A REVISTA TERRA LIVRE
EVISTA

Na segunda metade da década de 1980, a Geografia nacional passou a contar com

3
Vale lembrar que no 4° ENG - Encontro Nacional de Geógrafos, realizado no Rio de Janeiro em 1980, Ana Clara
T. Ribeiro apresentou um trabalho com o título “Movimentos sociais urbanos – algumas reflexões”, o que demonstra
a marcante presença da socióloga no campo da Geografia brasileira.

73
PEDON, N. R. A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS
...
aquele que passaria a ser um dos grandes representantes de sua produção científica, a
revista Terra Livre. Periódico que ajudou a sedimentar os estudos geográficos acerca dos
movimentos sociais por meio de sua circulação nacional e por ser editado pela AGB, maior
entidade representativa dos geógrafos brasileiros. Os artigos publicados sobre o tema atin-
giram uma maior quantidade de leitores, isso explica a relevância que os movimentos soci-
ais passaram a ter durante a década de 1990. No plano teórico, esta relevância caminhou
rumo a uma maior acuidade no tratamento conceitual que foi dispensado aos movimentos
sociais, com propostas de abordagens significativas, consubstanciadas na realidade.
Melo e Silva (2007) mostram o quanto os movimentos sociais constituíram-se uma
temática tímida no campo das pesquisas, tanto na Geografia quanto na Sociologia. As auto-
ras realizaram uma pesquisa nos artigos publicados pela Terra Livre (TL) e pela revista
Tempo Social (TS), organizada pelo Departamento de Sociologia da Universidade de São
Paulo. O período compreendido pela pesquisa inicia-se no ano de publicação dos primeiros
números das revistas, 1986 para a TL e 1989 para a TS, até 2005. Os dois periódicos repre-
sentam, nos termos das autoras, as sínteses de pensamentos das duas ciências. Segundo
elas, os movimentos sociais, tomados como tema, tiveram pouca presença se comparados
com artigos de outras temáticas. As autoras afirmam que, na Geografia brasileira, a revis-
ta TL vem sendo um dos importantes espaços nos quais os geógrafos expõem suas conclu-
sões a respeito dos movimentos sociais, com destaque para os estudos acerca dos movimen-
tos sociais que atuam no campo, vinculados com a temática da reforma agrária.
Esta é uma importante constatação, pois, de fato, os movimentos sociais estão dire-
tamente relacionados às pesquisas sobre o campo brasileiro, numa inversão com relação ao
início das pesquisas realizadas na década de 1980, na qual predominaram os estudos acer-
ca dos movimentos sociais associados ao espaço urbano. Os temas urbanos compreenderam
a 6,8% dos artigos publicados. Percentual superior aos 4,7% dos temas rurais, contudo, os
movimentos sociais aparecem vinculados mais à temática rural, enquanto que na temática
urbana, as questões correntes são: segregação, metropolização e urbanização brasileira.
Dos estudos realizados na temática rural, os movimentos sociais correspondem a 31%. Este
fato pode ser explicado por diversos fatores: um deles é a grande expressividade que os
movimentos camponeses ganharam no cenário nacional nas décadas de 1990 e 2000, espe-
cialmente a partir do espaço amplo que o MST conquistou no quadro dos conflitos sociais no
país. Outro fator se deve a estreita relação dos movimentos sociais com outros temas perti-
nentes à problemática rural, a exemplo do Desenvolvimento Rural e da Reforma Agrária.
Já em seu primeiro número, a revista é publicada com o título “Avaliação do Plano
Nacional de Reforma Agrária (PNRA)”. O destaque fica por conta do artigo de Ruy Moreira,
intitulado “Plano Nacional de Reforma Agrária em Questão”. Tal artigo não trata direta-
mente da temática dos movimentos sociais, mas insere sua discussão junto à luta política
pela Reforma Agrária no contexto de crise do modelo de desenvolvimento capitalista, que
vigorara, especialmente no campo brasileiro, até meados da década de 1980. O texto de
Moreira não trata diretamente dos movimentos sociais, mas elabora um quadro histórico e
geográfico que revela um processo de espacialidade diferencial progressivo, baseado na
usurpação da autonomia do campesinato pelo capital, e que tem como resultado, o acirra-
mento da luta de classes no Brasil.
O número 04 da revista foi publicado em 1988, com o título: “Geografia e Lutas Soci-
ais”. Esse título nos leva a concluir que sua proposta era realizar uma discussão vertical
sobre o tema que ainda se encontrava em situação de emergência na Geografia, o que, na
nossa concepção, não foi concretizado, já que dos sete artigos trazidos pela revista somente
dois trataram mais diretamente de experiências de lutas sociais, os demais temas são:
ensino, ecodesenvolvimento, espaço brasileiro e relação espaço/tempo. O destaque fica por
conta do texto de Nelson Rego intitulado “A experiência de autogestão dos trabalhadores
agrários de Nova Ronda Alta e o seu significado para o Movimento dos Sem-Terra”. Esse
texto não trata diretamente de um movimento social e das questões que envolvem sua
prática, nem de sua natureza e estrutura, mas explorou um exemplo de estratégia de re-
produção social com base em um elevado nível de autonomia: que foi a experiência dos
camponeses da Associação de Agricultores de Nova Ronda Alta, no município de Ronda

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Terra Livre - n. 33 (2): 67-84, 2009

Alta, localizado no estado do Rio Grande do Sul. O autor concebe esse caso como um exem-
plo que deve servir de orientação para a viabilização dos assentamentos do MST, mais
especificamente, no caso das 300 famílias acampadas nas terras Annoni, vizinhas à Ronda
Alta.
O número 6 da revista, publicado em 1989, com o título de “Território e cidadania: da
luta pela terra ao direito à vida”, apresenta dois artigos que tratam especificamente sobre
movimentos sociais: um deles dá enfoque à luta histórica ocorrida no estado de Goiás entre
as décadas de 1959 e 1960 que ficou conhecida como O movimento camponês de Formoso e
Trombas; o outro, intitulado “O Movimento Sem Terra de Sumaré: espaço de conscientização
e de luta pela posse de terra”, chama nossa atenção por se tratar de um evento mais próxi-
mo do ponto de vista histórico. Seu autor, Luiz Carlos Tarelho, realiza uma reflexão da
experiência popular ocorrida no final do ano de 1983, na cidade de Sumaré, situada na
região de Campinas – SP. No texto, o autor expõe a ação do grupo de trabalhadores que
passou a se autodenominar de “Os Sem-Terra de Sumaré”. As ocupações realizadas pelos
trabalhadores são interpretadas como forma de conquista da terra, meio pelo qual os traba-
lhadores buscaram superar a situação de miséria e de exclusão social imputadas pela lógi-
ca excludente do capitalismo. O autor destaca o papel dessa experiência como exemplo
para outras ações de ocupação, surgindo, a partir dela, um número maior de movimentos
camponeses.
De 1990 a 2002, período que compreende os números 07 a 18, os movimentos sociais
pouco apareceram como tema de artigos publicados pela revista TL. Na edição de número
15, de 2000, é publicado o artigo “Movimento social como categoria geográfica”, de Bernardo
Mançano Fernandes, texto que inova o tratamento dado aos movimentos sociais, justa-
mente por dar o primeiro passo em direção a uma teorização autenticamente geográfica ao
tema. Neste artigo, estão sintetizados os pressupostos e as hipóteses defendidas em traba-
lhos anteriores, como em Fernandes (1996) e Fernandes (1999). Os trabalhos citados, em
conjunto, constituem a base teórica e argumentativa dos conceitos de movimento
socioespacial e socioterritorial.
O número 19, publicado em 2002, é dedicado à publicação de artigos sobre os movi-
mentos sociais e as contribuições teóricas de seus estudos para o campo da pesquisa geo-
gráfica. Esta edição tem como título: “Geografia, movimentos sociais e teoria”, e contém 17
artigos, dos quais, 13 abordam de forma direta ou indireta os movimentos sociais e/ou
questões transversais a eles. Um exemplo é o artigo de Tânia Paula da Silva, que enfoca os
fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola implementado pelos assentados vincula-
dos ao MST. Da importante contribuição dada por esta edição aos estudos geográficos dos
movimentos sociais, destacamos o texto de Jean Yves Martin: “Uma Geografia da nova
radicalidade popular: algumas reflexões a partir do caso do MST”.
Nesse texto, o autor se contrapõe ao discurso neoliberal sobre o fim da Geografia
assim como o da história, discurso esse que pretende tornar-se hegemônico. Para Martin
(2002), a Geografia já dispõe de um conjunto de conhecimentos que se destaca no conjunto
das demais ciências, principalmente no que se refere à elaboração de um paradigma capaz
de compreender as mudanças sociais e territoriais contemporâneas. Atualmente, a
mobilização popular que se desenvolve na forma de movimento social possui um caráter
territorial radical. Nesse sentido, o MST é portador de uma radicalidade específica, funda-
da na territorialidade camponesa, cuja existência depende da reprodução de seu território,
por isso, o território é seu trunfo. Para consubstanciar suas formulações, o autor faz uma
explanação a respeito das diferenças que existem entre o processo de espacialização e o
processo de territorialização. O primeiro trata-se da constituição do espaço tal como ele é,
já o segundo, é constituído a partir de novas territorialidades que transgridem e ultrapas-
sam, mesmo que de forma tímida, as estruturas herdadas do espaço geográfico (MARTIN,
2002:23). Em sua conceituação, notamos a influência das ideias de Claude Raffestin, prin-
cipalmente da sua concepção de formação do território a partir do espaço, já que o territó-
rio, na concepção raffestniana, toma forma a partir das inscrições das relações de poder
sobre o geográfico (RAFFESTIN, 1993).
Um movimento social pode se compor enquanto movimento socioespacial se no pro-

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PEDON, N. R. A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS
...
cesso de sua constituição ele se inscrever nas estruturas espaciais já existentes, sem, ne-
cessariamente, colocá-las em questão. Para nós, um importante exemplo de movimento
socioespacial é o sindicato, que tem nas relações de trabalho seu alvo de politização e uma
inscrição no espaço que, de acordo com a legislação brasileira (art. 8º, inciso II da Constitui-
ção Federal), se dá em bases municipais. Mesmo o MST pode ser considerado um movimen-
to socioespacial, se sua ação não ultrapassar seu caráter espacializador, a saber, a forma
pela qual o movimento se distribui pelo espaço nacional. No que se refere à natureza
territorial e territorializante dos movimentos sociais, que podem ser considerados
socioterritoriais, deve-se, num primeiro momento, considerar a lógica de expropriação que
faz com que esses movimentos tenham a ocupação como estratégia de resistência. Esse fato
decorre do questionamento que a ocupação impõe, no nível local, a uma ordem estabelecida
por processos que estão organicamente vinculados ao desenvolvimento mais amplo do ter-
ritório do capital.
A ocupação corresponde a um conjunto de práticas sociais que constroem e estruturam
o movimento socioterritorial. A ocupação é, portanto, uma prática definidora do movimento
socioterritorial. Citando Fernandes (2000), Martin afirma que as ocupações agrupam famí-
lias de várias partes do país, rompendo com o localismo e com os interesses que visam
dificultam a ampliação da luta dos trabalhadores. Ao contrário dos sindicatos, que ficam
restritos a uma base municipal, o MST, entendido como um movimento socioterritorial,
realiza a combinação de dois processos diferentes, mas que são indissociáveis no desenvol-
vimento da participação política: a espacialização e a territorialização. A luta local se vincu-
la com a luta nacional no processo de territorialização.

OS ESTUDOS PROPOSITIVOS: AS GEO-GRAFIAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Na segunda metade da década de 1990 e na década atual, importantes contribuições


foram dadas no campo das propostas geográficas para a análise dos movimentos sociais. A
partir desse momento, vamos detalhar os trabalhos de três autores que se propõem a elabo-
rar categorias de análise dos movimentos sociais tendo como ponto de partida o pensamen-
to geográfico. O primeiro deles é Carlos Walter Porto Gonçalves.

A R-EXISTÊNCIA E O TERRITÓRIO COMO EPICENTRO DA IDENTIDADE

Nos estudos de Gonçalves, o território é concebido com o espaço representado e apro-


priado. A territorialização refere-se ao processo pelo qual se torna concreta a apropriação
política do espaço, resultando na tarefa da administração e no exercício do comando. Esse
conjunto de ações tem a haver com o exercício da delimitação e repartição, da classificação,
da defesa e conservação, da habitação, do uso e da identificação. Considerado como uma
representação social do espaço fixado e de ação, o território dá conteúdo à existência de
sujeitos individuais e coletivos. Apropriado, traçado, percorrido e delimitado, o território é
constituído a partir do comando de um sujeito individual ou coletivo, marcado pela identi-
dade de sua presença e, conseqüentemente, indissociável da sua capacidade de domínio e
de poder.
Não existe território sem o sujeito da apropriação assim como não é possível a deli-
mitação do eu sem a distinção em relação ao outro. As produções espaciais e territoriais
(materiais e simbólicas) se concretizam ao erigir os marcos e limites. Tais produções são
fatores ativos de identificação e representação que faz do território um significante de iden-
tidade individual ou coletiva. No caso dos movimentos sociais, analisados pelo autor, essa
territorialidade expressa uma militância, um ativismo do processo de identificação que
evidencia o reconhecimento. Em suma, a existência do território está ligada aos emblemas
identificadores de sua ocupação (apropriação), por meio do qual os grupos humanos preser-
vam e reproduzem suas particularidades, concretizando-se material e/ou simbolicamente
sua identidade.
O contexto da análise de Gonçalves (1999) é o avanço da fronteira econômica sobre a

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Terra Livre - n. 33 (2): 67-84, 2009

Amazônia, que tendeu a uma profunda mudança nos padrões fundiários e na forma de
apropriação da terra e dos recursos naturais da região. A terra deixa de ter somente um
valor de uso e passa a ter um valor de troca, dando um novo dinamismo ao mercado de
terras. O autor aponta que o complexo seringal não era um lugar meramente ocupado um
por grupos de pessoas que viviam da produção de borracha, mas era, também, um lugar
habitado, habitat e habitus, sendo, portanto, lócus de conformação de subjetividades. As
formulações de Pierre Bourdieu são utilizadas como um instrumento conceitual que contri-
bui para a compreensão das relações entre: os condicionamentos sociais exteriores e a sub-
jetividade dos sujeitos no processo de formação das identidades. Nesse contexto, as
territorialidades vão se confrontar num quadro conflituoso no qual a identidade territorial
será o substrato das potencialidades mobilizadoras dos seringueiros. O conflito se constitui
na ocasião dessa conformação identitária, que é a um só tempo, de caráter político e cultu-
ral.
A Reserva Extrativista é apontada pelo autor como expressão complexa da legitimi-
dade alcançada pelo movimento dos seringueiros. Por trás dessa materialidade, expressa
na forma dos limites impostos pela lei que a instituiu, existe um processo instituinte com
sujeitos concretos, estes são os seringueiros e caboclos, numa conformação identitária cul-
tural e política que começa a se formar no momento em que a territorialidade seringalista
deixa de se impor. O antigo quadro de tensão de territorialidades que vigorou na sociedade
e no espaço acreano até a década de 1970, caracterizado pelo embate entre a territorialidade
dos seringalistas e a territorialidade dos seringueiros autônomos, se alterou. Restou, aos
últimos, reterritorializar-se num novo quadro de conflitos, tendo, como antagonistas, os
novos sujeitos vindos do Sul. Tais alterações no plano socioespacial implicaram no
aprofundamento dos processos de des-territorialização e subalternização das comunidades
tradicionais da Amazônia. A partir de então, teve início uma nova geo-grafia na Amazônia,
caracterizada pelo surgimento dos movimentos sociais que lutam pela afirmação das
territorialidades e identidades territoriais. Este é o pano de fundo do processo que afirma a
r-existência das comunidades tradicionais.
Os movimentos sociais de r-existência, segundo Gonçalves (2001), lutam para resis-
tir aos que exploram, dominam e estigmatizam essas comunidades, mas também, por uma
determinada forma de existência. A construção das identidades coletivas surgidas das ve-
lhas condições socioespaciais, remete diretamente a uma determinada relação com a natu-
reza (seringueiro, castanheiro, pescador) ou, ainda, expressa uma condição derivada da
própria ação dos chamados “grandes projetos” implantados na região, como estradas, hi-
drelétricas, projetos de mineração, entre outros (“atingido”, “assentado”, “deslocado”). A
constituição desse sujeito se dá nas e pelas lutas de afirmação de suas identidades cultu-
rais e políticas. Fundadas na territorialidade, são lutas pela afirmação de suas identidades
territoriais. Em suma, a formação do sujeito da resistência se dá no percurso da luta para
afirmar um determinado modo de ser, de existir, daí o autor utilizar o termo r-existência,
compreendendo dois processos indissociáveis, o da formação da identidade e o da mobilização
política.

O RACIOCÍNIO CENTRADO NO ESP


ESPAÇO
AÇO

Outro autor que, nos últimos anos, vêm propondo uma maior problematização do
conceito de movimento social, com o objetivo de firmar o lugar do espaço no conjunto da
teoria social crítica é Renato Emerson dos Santos. No início desse capítulo, apresentamos
de forma concisa uma sistematização realizada por ele em sua tese de doutorado, defendi-
da em 2006. Nela são reunidos, em três abordagens, os principais trabalhos realizados na
Geografia que tiveram os movimentos sociais como objeto de estudo e proposta teórica. No
que se refere à apreensão das espacialidades dos movimentos sociais, o autor aponta que é
no cotidiano que se processa a construção do quadro de referência dos movimentos sociais.
Este quadro é indicativo de que: a ação política dos movimentos sociais atuais tem o espaço
como um de seus elementos estratégicos fundamentais.
A ação dos movimentos sociais traz em si um conjunto complexo de elementos, a

77
PEDON, N. R. A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS
...
partir do qual é possível realizar uma leitura por meio dos raciocínios centrados no espaço.
Ao cunhar este termo, acreditamos que o autor esteja buscando valorizar um caminho
metodológico de análise dos movimentos sociais no qual a Geografia possa se pautar. Isso
se deve ao fato de que Santos (2006) não tem como objetivo mostrar que um número deter-
minado de experiências de movimentos sociais seja o portador exclusivo de uma natureza
geográfica; a exemplo da abordagem de Gonçalves com relação ao movimento de seringuei-
ros e caboclos. Mas tem como foco, a sustentação de que a Geografia pode ser um ponto de
vista do qual se podem partir os estudos dos mais variados movimentos sociais. Nesse
sentido, a Geografia contribuiria na análise dos movimentos sociais por meio de seu ponto
de vista específico. A espacialidade seria, assim, uma qualidade inerente a qualquer ex-
pressão de movimento social. Sendo que, caberia à Geografia, por meio de seu raciocínio
centrado no espaço, qualificar a espacialidade contida.
Santos (2006) aponta oito possíveis dimensões espaciais que o raciocínio centrado no
espaço deve considerar e que sustentam a interpretação dos movimentos sociais. São elas:
a) A materialização/manifestação: representa a cartografia do movimento social em
ação, compreendendo as diferentes formas pela qual o movimento se torna presente num
determinado ponto do espaço e do tempo. Essa dimensão mostra o quão são importantes os
locais onde o movimento ocorre, podendo ser as sedes, os acampamentos, as ocupações, os
locais onde ocorrem manifestações públicas, ou seja, os lugares onde o movimento instaura
ações de combate e conflito.
b) Os recortes espaciais e as contruções identitárias: abarca um conjunto de movi-
mentos cuja mobilização está baseada em algum recorte espacial especifico, como fator
enunciado de conformação identitária. Como exemplo de ação que têm essa dimensão bem
evidente é o Associativismo de Bairro.
c) Território e territorialidades: compreende o conjunto das lutas que têm nas
territorialidades as relações e os embates sociais que constroem seus sujeitos, suas identi-
dades e sua condição de existência, a exemplo dos seringueiros analisados por Carlos W. P.
Gonçalves. Neste caso, a territorialidade não se vincula ao recorte territorial.
d) Ação e temário, agendas: abarca as problemáticas mobilizadas nas agendas dos
movimentos sociais e os rebatimentos espaciais da definição de suas ações. Corresponde
aos discursos contidos nas agendas dos movimentos.
e) Ação e interlocutores: esta dimensão compreende o problema das escalas. Estas
são um referencial decisivo para a compreensão e para a ação dos atores políticos. Há
atores locais, regionais e globais. Os interlocutores dos movimentos a exemplo do Estado,
das grandes corporações, das ONGs. Cada um tem sua escala de ação. A escala condiciona
a estratégia de ação e estabelece seus interlocutores.
f) A ação e desdobramentos, impactos, efeitos, causas, origem: diz respeito à qual a
porção do espaço é impactada pela ação de um movimento, ou, por um ato e/ou quais as
configurações escalares dos fatores que condicionam um fenômeno ou uma ação num movi-
mento.
g) As esferas institucionais como distintas dimensões espaço-temporais: abarca as
disputas e os jogos de poder que constituem campos de conflitividade internos ao movimen-
to, o autor propõe que o próprio movimento pode ser entendido como um campo de
conflitividade.
h) Os sujeitos da construção dos movimentos e suas experiências espaciais do fazer
político: diz respeito a importância das escalas e arenas onde são construídos os sujeitos do
movimento.
Este esquema analítico que tem como objetivo inspirar novos estudos e devem con-
tribuir para que o analista possa elaborar uma leitura das diferentes formas de ação políti-
ca, convergentes na construção dos movimentos sociais a partir do espaço. O autor denomi-
na de raciocínio centrado no espaço, a tarefa de interpretar as relações que estruturam o
intrincado universo dos movimentos sociais baseada nos conceitos da análise espacial. As
experiências sociais e de poder também são experiências espaciais, assim, estar atento às
espacialidades e suas dimensões consiste em considerar o movimento para além de sua
mera materialização. É preciso conceber a dinâmica do movimento, considerando sua orga-

78
Terra Livre - n. 33 (2): 67-84, 2009

nização enquanto uma organização espacial das experiências do fazer político. Desse modo,
o espaço alcança uma experiência capaz de condicionar os códigos, comportamentos, práti-
cas e normas de condutas dos sujeitos que formam os movimentos (SANTOS, 2006: 23).
Para consubstanciar suas formulações, o autor analisa o movimento PVNC - Pré-
Vestibular para Negros e Carentes, da Baixada Fluminense, como exemplo de experiência
concreta. A história do PVNC constitui um processo de construção, ampliação e enfraqueci-
mento de fortes redes de solidariedade. Criado em 1993, numa região da periferia do Rio de
Janeiro, a Baixada Fluminense, o movimento surgiu com o objetivo de preparar a popula-
ção negra e pobre para os exames de seleção em universidades. Em muito pouco tempo de
existência, tornou-se um dos mais importantes movimentos sociais no campo da luta anti-
racismo no Brasil. Santos se esforça para elaborar um quadro analítico que valide o conhe-
cimento geográfico como conhecimento capaz de abordar os movimentos sociais. Com a
perspectiva do raciocínio centrado no espaço, ele diferencia duas formas de abordagem - o
pensar sobre o espaço e o pensar a partir do espaço. Na primeira, o enfoque é dado sobre as
grafagens que o movimento inscreve no espaço (na estruturação do espaço); a segunda,
busca-se desvendar os jogos de poder que são refletidos a partir do espaço. Desta forma, o
espaço pode ser concebido como estrutura e como experiência, sua organização não é ape-
nas reflexo, mas um instrumento e objeto de embate. Sendo, então, uma “estrutura
estruturante”.

A Abordagem Socioterritorial
O geógrafo brasileiro Bernardo Mançano Fernandes, junto a Jean Yves-Martin, ela-
borou o conceito de movimento socioterritorial depois de acumular uma significativa expe-
riência junto ao estudo dos movimentos sociais. Vamos tratar o conjunto dos trabalhos de
Fernandes e Martin com a denominação de Abordagem Socioterritorial. As primeiras ten-
tativas de se elaborar um maior detalhamento acerca dos movimentos socioespaciais e
socioterritoriais estão presentes em Fernandes (1996 e 1999) e Martin (1997 e 1998). Um
movimento socioterritorial, a exemplo dos movimentos de sem-terra e sem tetos, tem como
um de seus principais objetivos a conquista do território. Sua forma de realização se dá,
sobretudo, por meio de uma ação denominada ocupação. A ocupação compreende um pro-
cesso social e político complexo que precisa ser entendido como forma de luta popular de
resistência às lógicas hegemônicas de reprodução da sociedade e, por consequência, do
espaço. A ocupação desenvolve-se nos processos de espacialização e territorialização, quan-
do são criadas e recriadas as experiências de resistência dos desterritorializados.
Os movimentos socioespaciais são formas de mobilização social. Sua espacialidade
está vinculada a sua capacidade de gerir determinadas demandas no âmbito de um deter-
minado espaço, sem buscar introduzir nenhum elemento novo, seja material ou imaterial.
Um movimento socioterritorial, por outro lado, é uma organização que tem como objetivo
criar as capacidades de introduzir novas formas de apropriação e uso dos territórios. Seu
objetivo é a instauração de uma nova territorialidade. Mesmo limitadas e/ou estritamente
localizadas, essas novas territorialidades implicam em transformações nas relações sociais
e na configuração dos lugares. Na constituição do território, o espaço é apropriado de forma
a fazer dele o espaço da ação. Este espaço é formado por seus participantes, líderes e medi-
adores, todos eles, sujeitos da ação política que tem na sua territorialidade a legitimação de
sua ação.
Todo movimento socioterritorial é ao mesmo tempo um movimento pela autodefinição.
Busca-se afirmar uma representação de si mesmo, como indivíduo ou grupo, que se apro-
pria de um espaço. Esta autodefinição constitui-se dentro de um espaço maior, onde as
relações de poder estão arranjadas de forma a dar sentido ao ordenamento no território.
Impor sua territorialidade, imprimir no espaço o conjunto de seus valores, ideias e vonta-
des, faz com que a conquista do território seja um trunfo para os movimentos socioterritoriais.
O espaço torna-se trunfo ao tornar - se território, nesse processo, ele é a base da criação e
recriação das experiências de resistência e transformação das relações sociais. É pratica-
mente impossível separar a experiência de resistência das territorialidades, sendo possível

79
PEDON, N. R. A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS
...
falarmos em uma territorialidade resistente, tal como nos mostra os trabalhos de Gonçal-
ves (1999 e 2000).
As ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais expressam um momen-
to do permanente processo de re-ordenamento da sociedade brasileira. Como implicação
disso, põe em causa suas relações e arranjos políticos. As ocupações resultam do processo
de questionamento das relações sociais hegemônicas. Uma ocupação é uma ação complexa,
e constitui um dos principais fatores definidores de um movimento socioterritorial. Movi-
mentos sociais como o movimento feminista, os movimentos anti-racistas, o movimento
pelo reconhecimento dos homossexuais e os sindicatos, possuem uma espacialidade, de
forma que, para eles, a denominação de movimentos socioespaciais é adequada. O sindica-
to, por exemplo, possui uma base territorial de jurisdição na qual pode instituir delegacias
ou seções, para assistir os associados e a categoria econômica ou profissional representada.
O movimento pelo reconhecimento dos homossexuais tem nas passeatas (as chamadas “pas-
seatas gays”) uma das formas mais expressivas de dar visibilidade à suas demandas e
sabemos toda passeata constitui na tomada momentânea de certa parcela do espaço.
Contudo, em nenhum dos casos o espaço constitui um elemento basilar da própria
identidade. Sem terras e sem tetos têm em comum a privação do acesso ao espaço impres-
cindível à reprodução da vida, por isso, o sindicato tem na greve sua maior expressão de
contestação, pois politiza as relações sociais de produção que se dão por meio do emprego
legalizado. Dessa forma, o rompimento da produção passa a ser uma afronta grave frente
aos interesses dos empregadores.
Para os movimentos socioterritoriais, a ocupação representa a principal forma de
contestação da ordem territorial estabelecida, e que os mantêm marginalizados já que im-
pede o acesso ao espaço. Por meio do ato de ocupar, os movimentos socioterritoriais desen-
volvem os processos de espacialização e territorialização, é quando são criadas e recriadas
as experiências de resistência dos que não possuem terra ou um teto. A ocupação contém no
mínimo duas partes, os ocupantes e as forças que estão em oposição. Esta tensão não está
à frente, justaposta ou sobreposta ao conflito, ela é parte constitutiva dele. A realização de
uma ocupação decorre da consciência construída na realidade em que se vive. É a um só
tempo, um aprendizado e um processo histórico de construção das experiências de resistên-
cia. A iniciativa de ocupar uma área rural ou um prédio deve desenvolver um conjunto de
procedimentos que toma forma e vai aos poucos definindo uma metodologia de luta popu-
lar. Os componentes constitutivos de uma ocupação são: a indignação e a revolta, a neces-
sidade e o interesse, a consciência e a identidade, a experiência e a resistência, a concepção
de terra de trabalho contra a de terra de negócio e de exploração, o movimento e a supera-
ção (FERNANDES, 2000: 05).
Os expropriados e explorados pelo desenvolvimento desigual do capitalismo utili-
zam-se das ocupações como forma de reproduzir o seu trabalho, e/ou ampliar as condições
para que este ocorra. Na resistência contra o processo de exclusão, os trabalhadores criam
uma forma política para se ressocializarem, lutando pela terra e pelo teto. Dessa forma, é
também uma luta contra a subordinação. Por último, é importante destacar que a ocupação
não se opõe à manutenção da propriedade privada como um valor social e individual. Mas
coloca a dúvida sobre sua função voltada exclusivamente à reprodução da sociedade
excludente e à concentração de capital. A propriedade socialista está claramente distante
do horizonte dos movimentos socioterritoriais. O que está em jogo é a propriedade privada
concebida como um elemento exclusivo e orgânico ao desenvolvimento capitalista.
No caso dos movimentos socioterritoriais rurais, a tensão esta voltada para a
territorialização do domínio da lógica de reprodução do grande capital do agronegócio,
materializado, por exemplo, pela expansão da cana-de-açúcar no estado de São Paulo, da
soja no Mato Grosso e Goiás, das plantações de eucalipto no norte de Minas Gerais e Espí-
rito Santo, etc. No que se refere aos movimentos socioterritoriais urbanos, o alvo é quase
sempre o domínio do capital imobiliário especulativo, muitas vezes endossado pela inter-
venção do Estado, que age como instrumento que potencializa os lucros por meio de inter-
venções como: revitalizações, desocupações, remanejamentos e investimentos diretos. Em
alguns casos, os movimentos socioterritoriais urbanos defrontam-se diretamente com as

80
Terra Livre - n. 33 (2): 67-84, 2009

corporações, a exemplo da ocupação do terreno localizado na Avenida Anchieta, em São


Paulo, de propriedade da Wolkswagen (GOHN, 2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço, categoria tradicionalmente tomada como objeto de reflexão do pensamento
geográfico, constitui um importante instrumento analítico da dinâmica e dos processos
sociais. É por meio do espaço que a existência humana se materializa. É tomando-o como
fundamento de sua ação que o homem se apropria da natureza e se relaciona com os outros
homens. Entendido como espaço da ação humana, é nele que os conflitos entre os homens
se condensam dando forma e conteúdo ao território. Nesse processo de valorização do espa-
ço e do território junto às ciências humanas é que, a partir da década de 1990, dá-se uma
nova fase da pesquisa geográfica nacional. Esse momento é caracterizado pela publicação
de textos que sintetizam as ideias e formulações originais a respeito do caráter espacial dos
movimentos sociais, assim como da importância que essas manifestações sociais possuem
no campo da análise da sociedade contemporânea. Uma parte desses estudos dedica-se à
formulação de propostas teórico-conceituais que buscam incorporar, à tradição das pesqui-
sas sobre a temática, todo o arsenal teórico herdado da Geografia. Nesse momento, três
autores vão se destacar, Carlos Walter Porto Gonçalves, Emerson Renato dos Santos e
Bernardo Mançano Fernandes.
Cada um, ao seu modo, vai buscar contribuir para que os movimentos sociais tor-
nem-se um tema de estudo contínuo na Geografia. Além de valorizarem essas manifesta-
ções sociais no seu aspecto espacial, esses autores vão somar esforços no sentido de trans-
formar os movimentos sociais numa categoria analítica fundamentalmente geográfica.
Santos (2006) enfatiza as dimensões de conotação espacial que conformam e dão conteúdo
aos movimentos sociais; Gonçalves (1999 e 2000), valoriza os processos de constituição dos
movimentos de (re)existência, numa abordagem privilegia a formação do sujeito social.
Esse autor concebe os movimentos sociais emergente como portadores de uma
territorialidade autentica. Por último, temos o conjunto de trabalhos de Bernardo Mançano
Fernandes.
Dentre os três autores classificados como formuladores de estudos propositivos, este
último assume de forma mais direta e mais densa a tarefa de fazer da Geografia uma
ciência plenamente preparada para a análise dos movimentos sociais. Seu trabalho é reali-
zado em duas frentes: numa o autor busca contribuir para a compreensão da ação dos
movimentos sociais, por meio dos processos de espacialização e territorialização da lutas
sociais, e, em outra, seus esforços são direcionados à formulação conceitual que visa valori-
zar, no conjunto dos estudos sobre estudos dos movimentos, aqueles que possuem um cará-
ter territorializante.
As propostas que buscam firmar os movimentos sociais no campo da leitura geográ-
fica, redefinindo-os a partir da sua dimensão espacial, constituem um momento do desen-
volvimento da Geografia. Nesse processo de evolução, a Geografia amplia sua “bagagem” e
inverte sua posição no campo da pesquisa social. De orientada, busca assumir a função de
orientadora.

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83
PEDON, N. R. A PESQUISA GEOGRÁFICA SOBRE OS MOVIMENTOS
...

84
Resumo: O trabalho realizado por pequenos produtores na
produção de alimentos orgânicos no Território Rural da Grande
Dourados , no Mato Grosso do Sul, constitui um processo de
resistência ao domínio da produção agrícola de commodities. A
opção pela produção de produtos orgânicos em área dominada
pela pilhagem da água e do solo, para a produção em grande
escala, constitui o novo na produção territorial. Os conflitos se
TERRITÓRIOE estabelecem no lugar, com o domínio da globalidade que define
AGRICULTURA
AGRICUL TURA a normatização das formas de produção e comercialização para
ORGÂNICA EM MA TO
MATO os produtores orgânicos. Neste conflito invisível esses produtores
GROSSO DO SUL: constroem identidade baseada na solidariedade e na
sustentabilidade social.
QUANDO O PASSADO Palavras chaves: Território Rural; Agricultura Orgânica;
ENSINA O FUTURO. Sustentabilidade social

TERRITORY
ERRITORY
AND Abstrat: The work done by small farmers in the production of
ORGANIC organic food in the rural territory of Grande Dourados, in Mato
TURE IN
AGRICULTURE
AGRICUL Grosso do Sul, is a process of resistance to the agricultural
MATO GROSSO DO SUL:
MATO production of commodities. The option for the production of
organic products in an area dominated by the plunder of water
WHEN THE PAST and soil, for large-scale production, is the new production
TEACH THE FUTURE. planning. The conflicts are established in place, with domain of
overall which define the normalization of production and
commercialization ways to the organic producers, this invisible
TERRITOIRE
ET conflict these producers build an identity based on solidarity
AGRICULTURE
AGRICUL TURE and social sustainability.
Key W ords
Words
ords: Rural territory; Organic agriculture; social
ORGANIQUE DANS LE
sustainability
MATO GROSSO DO SUL:
MATO
QUAND LE PASSÉ Résumé : Le travail réalisé par de petits producteurs dans la
FORME L’AVENIR production d’aliments biologiques dans le Territoire Rural des
environs de Dourados, dans le Mato Grosso do Sul, constitue un
processus de résistance au domaine de la constitue preuve d’um
SILVANA APARECIDA
ILV processus de résistance la production agricole de commodities.
LUCA TO MORETTI *
UCATO L’option pour la production de produits biologiques dans une
UEMS étendue dominée par le pillage de l’eau, du sol, pour la production
en grande échelle, constitue une nouveauté dans la production
silvana@uems.br territoriale.Dans ce nouvan modéle de production e de
commercioalisalion pour les producteurs biologiques, las régles
MARIA GERALDA DE sur imposées par la mondialialisation créant un conflit invisible
enbre les différentes modes de productions. Dans ce conflit, les
ALMEIDA** produtores ces producteurs construisent une identité basée sur
UFG la solidarité et sur la durabilité sociale.
mgdealmeida@gmail.com Mots-clés: Territoire Rural ; Agriculture Biologiques, Durabilite
Sociale.
*
Doutoranda do curso de Pós-
Graduação em Geografia do IESA /
UFG. Bolsista/ CAPES. Docente da
Universidade Estadual do Mato
Grosso do Sul.
**
Professora Orientadora do
Programa de Pós-Graduação em
Geografia do IESA/UFG.

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 85-96 Jul-Dez/2009

85
MORETTI, S. A. L., ALMEIDA, M. G. TERRITÓRIO E AGRICULTURA ORGÂNICA
EM ...

INTRODUÇÃO
A produção territorial de Mato Grosso do Sul está centrada nos produtos de
commodities agrícolas, com o uso intensivo de agrotóxicos de origem sintética, e esta forma
produtiva domina o desenvolvimento da riqueza e da pobreza no estado, mas, especifica-
mente na região da Grande Dourados, localizada ao sul do estado, ocorreu à formação de
áreas constituídas por pequenas propriedades rurais de produção, conseqüência da im-
plantação na década de 30 do século XX da Colônia Agrícola Nacional da Dourados - CAND.
Estas pequenas propriedades são divididas em diferentes categorias e estruturas
agrícolas, tais como, a produção convencional, a agroindústria, a agrícola familiar1, os as-
sentamentos rurais e os produtores de alimentos orgânicos, destacados para a reflexão
aqui apresentada.
Os produtores de orgânicos constituem um grupo social minoritário em um estado
onde a principal atividade econômica é o agronegócio, baseado historicamente no binômio
soja/agropecuária.
Ao traçar o perfil deste grupo foram utilizadas três técnicas de levantamento de
dados: diagnóstico de levantamento de dados em 14 produtores realizado nos anos 2006/
2007; análise de documentos de registros na Associação de Produtores Orgânicos do Mato
Grosso do Sul – APOMS – em 2009; leitura do diagnóstico de consultoria pela Empresa
Milênio, contratada pelo SEBRAE/MS-2006.
O objetivo central aqui é refletir sobre a territorialidade destes pequenos produtores
rurais ao optarem em trabalhar com alimentos de origem orgânica, em um estado tradici-
onalmente marcado pelo uso de tecnologia ligado a agroindústra.
Algumas hipóteses podem ser consideradas para a opção produtiva deste grupo de
produtores. Dentre elas merecem destaque:
· a busca de alternativa econômica considerando-se a impossibilidade de
competitividade deste pequeno produtor com a produção agrícola altamente centrada na
produtividade. Neste caso, a opção pela agricultura orgânica teria um caráter eminente-
mente econômico; ou
· a busca de uma produção agrícola adequada ao ambiente natural. Neste caso,
os agricultores teriam como motivação a chamada crise ambiental e as suas conseqüências,
como esgotamento da fertilidade do solo, perda do solo pela erosão, poluição das águas e o
desflorestamento. Neste sentido, apresenta-se uma alternativa produtiva ao modelo domi-
nante de pilhagem ambiental.
· Outra hipótese considerada neste trabalho parte da história de vida dos agri-
cultores. A opção pelo orgânico seria uma junção de possibilidades sociais, ambientais, po-
líticas e culturais, que aglutinam os pequenos produtores em função de uma idéia, a idéia
de produzir o “novo”, de ousar e de romper com o modelo de desenvolvimento que domina o
processo produtivo regional da agricultura.
Para uma aproximação sobre a problemática da produção “alternativa” no território,
em uma área dominada pela grande produção de commodities, é possível considerar a cons-
tituição de identidades entre os produtores agrícolas orgânicos, em suas práticas e nas
idéias da resistência ao modelo dominante agrícola convencional.
A reflexão sobre a produção territorial em Mato Grosso do Sul, procura identificar o
que se apresenta como o “novo”,como o “alternativo” em relação à base produtiva instalada,
que está pautada na chamada “produção destrutiva”. Considera-se como produção destrutiva
quando impõe sistemas produtivos que desconsideram a história, a cultura e os modos de
vida das populações locais; quando promove a pilhagem dos elementos da natureza, como o
solo e a água, para a produção de produtos agrícolas destinados a atender necessidades

1
Lamarche(1993) classifica a estrutura de agricultura familiar, uma unidade de produção agrícola, onde
propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família, criando portanto uma interdependência entre;
propriedades, trabalho e família, onde todos exercem um função produtiva.

86
Terra Livre - n. 33 (2): 85-96, 2009
nem sempre essenciais, mas produzidas para a geração da riqueza.

APROXIMAÇÃO ANALÍTICA SOBRE A IDENTIDADE DO PEQUENO PRODUTOR


RURAL DE PRODUTOS ORGÂNICOS NO MATO GROSSO DO SUL
Os estudos referentes às identidades e territorialidades permitem considerar a exis-
tência de um amplo leque de idéias em construção por autores com diferentes perspectivas
analíticas2. Com base nestes estudos e nos trabalhos de campo, percebemos a construção de
territorialidades, que tem um sentido de pertencimento, “de pertencer aquilo que nos per-
tence” (Santos, 2001).
A perspectiva analítica adotada nesta reflexão contribui para a construção de cami-
nhos teóricos que considerem também a formação de uma identidade entre os agricultores,
considerando a sua luta cotidiana pelo estabelecimento de formas diferenciadas de produ-
ção e comercialização, que resulta na participação em uma rede nacional baseada na idéia
de solidariedade.
É imperativo pensar na idéia básica da sociedade moderna globalizada, cujas práti-
cas têm demonstrado a consolidação de uma sociedade individualizada em relação à cons-
trução coletiva. Nesse processo de formação do chamado “mundo moderno”, a integração
em redes muitas vezes é pensada como agrupamento de vontades individuais com vistas a
solucionar problemas individuais de empresas e de pessoas.
Neste sentido, a superação do processo de individualização é o novo. A formação da
Associação dos Produtores Orgânicos do Mato Grosso do Sul – APOMS, que atuam na
organização e operacionalização do Território Rural da Grande Dourados3, tem como signi-
ficado a construção da sustentabilidade social.
A participação dos agricultores orgânicos, da área em estudo, do interior do Mato
Grosso do Sul, nos municípios de Fátima do Sul, Glória de Dourados, Jateí,e Deodapólis, e
sua formação em redes sociais de solidariedade tanto na produção quanto na circulação de
mercadorias se apresenta como um “processo alternativo” e diferenciado em relação ao
modelo dominante de sociedade.
Esta problemática faz pensar sobre um processo contraditório a construção de uma
organização social em grupo para participar de uma rede global possibilita o fortalecimen-
to da identidade local, mas essa participação do grupo na rede mundial exige práticas
produtivas e uso de normatizações definidas fora do grupo social local, atendendo as neces-
sidades do global.
Sobre a participação no global, Giddens (1991), faz as seguintes considerações:
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala
mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são mode-
lados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. (1991, p. 69).

Os agricultores orgânicos para conseguirem a inserção de seus produtos no mercado


global, necessitam do reconhecimento de uma normatização produzida pela racionalidade
técnico-científica que seja compreendida, aceita e imposta globalmente. O reconhecimento
é conferido através da certificação dos produtos orgânicos. Concordando com Guiddens,
acontecimentos locais são modelados por normas produzidas distantes do lugar de produ-
ção, a produção orgânica, fruto das relações sociais produzidas no território da Grande
Dourados, é formatada por normas produzidas por grupos sociais consumidores distantes
dos lugares de produção.
A linguagem técnica - cientifica é o instrumento universal de dialogo entre os dife-

2
Os autores analisados foram: Almeida (2005), Haesbaert (2007), Raffestin (1983) e Saquet (2008) Hall(2006)
3
Política Pública do Governo Federal implementada por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário -MDA/
SDT, que promove um Desenvolvimento Regional Territorial do campo brasileiro incentivando ações que valorizem
a organização e a produção dos pequenos produtores rurais da estrutura familiar.

87
MORETTI, S. A. L., ALMEIDA, M. G. TERRITÓRIO E AGRICULTURA ORGÂNICA
EM ...
rentes lugares e suas práticas, o reconhecimento dos produtos e sua aceitação pelas dife-
rentes culturas é balizado pelo julgamento técnico e cientifico, normatizado por critérios
definidos pela racionalidade do mundo moderno. Neste contexto, os produtos orgânicos são
aceitos no mundo global ao atenderem especificações técnicas de produção e de
comercialização definidas pelas certificadoras estabelecidas e aceitas como capazes de fa-
zerem esta avaliação.
Os agricultores orgânicos do Mato Grosso do Sul, para conseguirem a inserção de
seus produtos no mercado, precisam atender as normas técnicas de produção estabelecidas
pelas certificadoras. Esta condição provoca problemas internos quanto a organização social
dos produtores e quanto a sua capacidade técnica e econômica para atender aos critérios
estabelecidos.
Na busca da certificação os produtores se diferenciam pela capacidade técnica e eco-
nômica de atender às exigências das empresas certificadoras. Na prática, ocorre a competi-
ção no interior do grupo social que coletivamente e solidariamente construiu a proposta da
produção orgânica.
Neste processo dinâmico e contraditório da construção e desconstrução da organiza-
ção coletiva torna-se essencial refletir sobre o significado das técnicas enquanto instru-
mento de poder. Estas se efetivam e se concretizam na construção do território, remodela-
do, definido, redefinido, pelas redes, fluxos e fixos, e são modificas a partir de processos
históricos de acordo com as necessidades dos grupos sociais.
Desta forma, a certificação significa a imposição de técnicas definidas pela
racionalidade do mundo moderno ocidental, e significa ainda a padronização de práticas
produtivas que foram constituídas culturalmente nos lugares.
Contudo, o processo de padronização das práticas sociais e produtivas não ocorre de
forma plena. O processo societário não é constituído de interpretações e de relativizações
simplistas; ele é dinâmico, complexo e contraditório. O hegemônico não se consolida como
tal, as diferenças são reforçadas, e os territórios são redefinidos.
As relações sociais se concretizam na construção territorial, que não é mais a base
física e sim as interações, as trocas, com que a sociedade local se reconhece e se identifica
na construção do lugar. Segundo, RAFFESTIN:
O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator
sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço,
concreta e abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço
(1993, p. 144).

Os produtores orgânicos “territorializam” o espaço ao desenvolverem ações concre-


tas e mesmo simbólicas relacionadas a produção agrícola relacionada a busca da
sustentabilidade social. A permanência na terra e o seu uso tem como significado o
pertencimento ao lugar, o “chão”, conforme aponta MOREIRA (1982) e SANTOS (2002).
Substanciando a reflexão em relação ao espaço e ao território em outros dois artigos
clássicos da geografia das décadas de 80/90 do século XX, Ruy Moreira, com A geografia
serve para desvendar máscaras sociais, e Milton Santos, em Dinheiro e território, apontam
a importância da análise destas duas categorias geográficas. Moreira (1982):
“A noção de espaço como “chão” da geografia é, certamente, um tema que perpassa todos os
discursos geográficos em todos os tempos, tal como se pode aferir duma simples confrontação
da maneira como a vêm definindo os geógrafos.” (1982, p. 38):

Já Santos (2002):
“O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas.
O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território
usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos
pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais
e espirituais e do exercício da vida”. (2002, p.10).
Os autores usam a palavra “chão” com diferentes significados, tratando de espaço e

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de território.
Moreira (1982) apresenta o espaço como chão, como base na compreensão de mundo
e da realidade. O espaço no sentido epistemológico, filosófico, dá a sustentação ao pensa-
mento geográfico, que liga toda a estrutura de construção de pensamento, e por isto é
compreendida como “chão”; e a estrutura é a base de entendimento do real.
No caso de Santos (1999), a expressão é definido “chão” como se referindo ao territó-
rio, como base de sustentação das relações sociais que são produzidas por meio do espaço,
que são identificadas na construção local. Local onde ocorrem as manifestações sociais
como resultado destas relações espaciais, identificadas como manifestação cultural e iden-
tidade social.
Neste sentido de “chão” concreto, de território construído a partir da produção espa-
cial, é que a construção da identidade dos produtores orgânicos localizados no interior de
Mato Grosso do Sul está inserida. Desenvolvem, por meio de uma produção agrícola dife-
renciada, uma identificação num processo particular de construção do território, superan-
do a produção baseada no gado/ soja.
Os pequenos agricultores resistem à homogeneização da vida e mostram novos cami-
nhos que são possíveis de serem trilhados. Neste sentido, é essencial entender o significado
da produção de produtos orgânicos na sociedade moderna, e especificamente junto aos pro-
dutores rurais que constituíram a Associação dos Produtores Orgânicos do Mato Grosso do
Sul- APOMS, compreender o movimento que permite a formação de um grupo de produto-
res organizados e, concomitantemente, o grupo produzindo uma identidade social que pos-
sibilita a construção de uma territorialidade participante e crítica no mundo globalizado.

Os produtos orgânicos na sociedade moderna


A opção deste grupo de agricultores na produção de produtos orgânicos esta inserida
em um processo geral no mundo moderno que busca repensar as práticas produtivas tradi-
cionais solidificadas como outra possibilidade sócio-econômica.
A idéia dominante está calcada na perspectiva de que a produção agrícola somente
será viabilizada economicamente se os produtores aderirem às práticas produtivas basea-
das na grande produção agrícola com forte presença do uso de insumos industrializados e
químicos.
Este modelo agrícola é questionado em aspectos centrais como: quanto à sua capaci-
dade de gerar uma vida saudável relacionada à qualidade alimentar do ser humano criada
por este modelo de produção; o consumo elevado de água, um elemento natural cada vez
mais escasso; a homogeneização de produtos destinados a atender a demanda do agronegócio
e da geração de energia, com destaque para a soja, a cana e o gado; o controle do mercado
por poucas grandes empresas ligadas ao setor financeiro da economia mundial.
Este modelo de produção gera o dilema entre a capacidade de gerar riqueza econômi-
ca do modelo agroquímico e a sustentabilidade social dos povos e sua relação com a nature-
za.
Apesar de toda a técnica no sentido de dominar e superar a dependência produtiva
em relação aos dos elementos naturais (solo, água, clima, etc.), não foi possível até o mo-
mento substituir a relação existente entre o plantar, a produtividade e a vida associada ao
natural.
O principal elemento produtivo agrícola é a terra. Essa dependência da terra gera
conflitos sociais e ambientais, pelo seu uso e posse, que assumem um valor simbólico em
torno do “poder”; o valor agregado à terra; o valor da área de extensão; o valor de área verde
e de área desmatada, poluída, com problemas de erosão. Estas questões passam pelo viés
da propriedade da terra, seu uso e função e sua relação intrínseca com a natureza. Não
existe produção agrícola sem a terra, a água e o sol.
Estas problemáticas estão intimamente ligadas à velocidade da produção industrial.
Isto é, ao modelo de produção do capital que impõe à natureza seu domínio e a tentativa de
superação de seus aspectos físicos no sentido de artificializar a produção da vida.
Este processo tem como base a separação entre natureza e sociedade. A natureza é

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compreendida como selvagem, a ser domesticada pelo homem; ela é vista como obstáculo a
ser superado, e, ao mesmo tempo, como recurso que o conhecimento absoluto e infinito,
baseado na razão, deverá superar e transformar em meio para se atingir um fim.
No final do século XX, esse processo apresenta seus limites, que são transformados
pelo discurso científico em problemas ambientais, como, por exemplo, o efeito estufa e o
aquecimento global, que provocam acaloradas discussões e acordos internacionais.
Os novos modelos de práticas produtivas desenvolvidos em nome do uso racional da
natureza são apresentados no campo teórico da sustentabilidade que nem sempre pode se
concretizar em sua plenitude, ficando restrito a alguns poucos lugares e comunidades, e
acabam não se refletindo na sociedade como um todo e sim em ações individualizadas.
Os problemas sociais e ambientais decorrentes das ações realizadas a partir do cha-
mado uso racional da natureza promove criticas profundas ao processo de modernização da
agricultura. Ocorre um aprofundamento na discussão quanto à valorização e a “qualidade
de vida” para todos. Novas leituras passam a ser produzidas acerca da reinvenção da natu-
reza enquanto uma condição social. Desenvolve-se o chamado “reencantamento” da natu-
reza, que passa a fazer parte do cotidiano da vida moderna com a valorização do natural –
aí incluída a valorização dos alimentos naturais. (FLORIT, 2004)
A produção agrícola orgânica, neste momento de valorização da natureza, é compre-
endida como uma alternativa ao modelo de produção de alimentos artificiais.
Na lógica da produção territorial fragmentada do mundo moderno, alguns lugares
são definidos como adequados para a produção de produtos agrícolas orgânicos. É mantida
a prática da medição quantitativa para medir a viabilidade dos alimentos orgânicos, utili-
zando-se de metodologias criadas para atender às demandas da produção mecanizada em
grande extensão. Portanto, o rompimento necessariamente passa pela reformulação da
estrutura produtiva e de circulação das mercadorias.
Concordo com Florit (2004, p. 125) quando afirma que:
“Assim, ao mesmo tempo em que se discutem formas alternativas de se fazer agricultura,
discutem-se igualmente idéias de natureza conformadas por visões de mundo, as quais dão
ênfase a diferentes dimensões da vida social, ora privilegiando a eficácia produtiva, ora
centrando-se nas implicações políticas, ou ainda em aspectos filosóficos-espirituais”.

Os debates atuais em torno da produção e legitimação dos alimentos orgânicos têm


como base de sustentação o processo de construção social e cultural da valorização da natu-
reza.
Os produtos orgânicos passam a invadir o cotidiano da vida moderna, com seu apelo
ao natural e a uma vida simples. Os produtos certificados como orgânicos agregam valor,
atendem a um grupo social especifico, uma parcela da sociedade urbana desejosa de consu-
mir produtos considerados saudáveis. Um consumidor fruto das revoluções culturais do
final do século XX, que experimentou a radicalidade da transformação do natural em arti-
ficial e suas conseqüências para vida, que pode ser resumida na escassez de elementos
naturais essências para a reprodução da espécie humana.
Esse segmento produtivo coloca em cena novos sujeitos sociais que estavam invisí-
veis em relação à agricultura convencional. E, os pequenos produtores rurais que produ-
zem orgânicos tentam por meio desse processo de construção de identidades, agruparem-se
em associações e resistirem ao domínio do modelo de desenvolvimento agrícola tradicional.
Ao mesmo tempo, eles buscam uma nova relação sociocultural e ambiental que possa ga-
rantir a sua subsistência enquanto produtores diferenciados, num estado de economia ba-
seado no agronegócio.
A análise das práticas da agricultura orgânica é entendida como sendo capaz de
proporcionar o repensar das bases paradigmáticas da produção agrícola. A organização da
produção agrícola orgânica apresenta-se como alternativa ao modelo agrícola dominante,
inserindo idéias e práticas que indicam caminhos possíveis para sua superação.
Como resultado da crescente valorização, a produção orgânica, mesmo tendo um
preço de mercado superior a outros produtos, tem ocupado terras e prateleiras de super-

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mercados de uma maneira muito rápida. Isso demonstra que o fator econômico isolado não
consegue explicar a opção produtiva e de consumo, elementos como valorizaçã ambiental e
da cultura dos povos, são fundamentais para compreender esse processo de busca por um
modo de vida que valorize a sustentabilidade sócio-ambinetal.
Neste contexto de valorização da produção orgânica, seja por meio dos aspectos eco-
nômicos, seja pela valorização sócio-ambiental e cultural, tal atividade tem constituído um
papel relevante no contexto da produção de alimentos.
Essa realidade tem imposto à ciência a necessidade de refletir teoricamente sobre a
produção orgânica. Não existe um consenso teórico sobre a definição do que seja a agricul-
tura orgânica. Com base nos escritos de Dully (2001), é possível afirmar que não existe
nenhuma definição de agricultura orgânica universalmente aceita. Algumas definições sim-
plesmente especificam uma lista das práticas permitidas, excluindo várias outras tecnologias
e abordagens gerais. Documentos e leis federais e estaduais, além de mencionarem práti-
cas tecnológicas e de manejo, incluem também afirmações sobre diversos valores culturais
e sociais envolvendo proteção do meio ambiente, conservação e saúde.
Esta carência conceitual não impediu que as práticas dos pequenos produtores orgâ-
nicos no interior de Mato Grosso do Sul fossem incluídas em uma proposta de “ordenamento
territorial”, política pública do Governo Federal de criação dos territórios rurais. Eles estão
inseridos no “Território Rural da Grande Dourados”, definido pelo programa do Ministério
do Desenvolvimento Agrário com 12 municípios, agrupados por registrarem a presença
significativa de pequenas propriedades familiares e pela presença marcante da agropecuária
na formação e no desenvolvimento destes locais. Esse território apresenta diversidade eco-
nômica e cultural, especificamente, a produção de alimentos orgânicos é praticada por pe-
quenos produtores rurais em decorrência da demanda da produção; exige mais mão-de-
obra, menor uso de investimentos em tecnologia e em maquinários.
Os agricultores de produtos orgânicos identificaram dois pontos centrais para atua-
ção das políticas públicas no território rural: a regulamentação da certificação e o processo
de comercialização dos produtos orgânicos. Eles apontam como solução para estas proble-
máticas concretas a certificação participativa e pública destes produtos e a criação de li-
nhas de financiamento de crédito especificas para o setor.4
Na prática ocorrem críticas em relação ao que vem sendo oferecido a estes produto-
res. Eles dizem que não ocorreram mudanças nas relações entre os produtores e as empre-
sas de intermediação, que dominam o mercado de certificação e definem as formas de pro-
dução e comercialização. 5 A forma alternativa de produção esbarra no modelo de
comercialização dominado pelas grandes empresas. Por exemplo, a certificação é definida
pela capacidade dos agricultores em implantarem as técnicas elaboradas por modelos téc-
nicos- científicos muitas vezes estranhos aos produtores que de fato realizaram a chamada
produção orgânica.
Neste contexto de embate de idéias e, principalmente, de práticas produtivas entre a
grande produção agrícola de commodities e a produção agrícola orgânica, está a riqueza do
processo em análise: a construção de uma identidade entre o grupo de produtores orgâni-
cos, para além dos aspectos econômicos e, a produção de uma territorialidade diferenciada
em um espaço da grande produção agropecuária.

Os produtores orgânicos da Região da Grande Dourados: o tempo e o espaço


de resistência.
Diferentes autores discutem o processo de formação de identidades culturais com
diferentes escopos teóricos e metodológicos. Especificamente sobre a questão da identidade
na análise da produção territorial e dos produtores orgânicos, alguns autores têm promovi-
do um diálogo com a temática proposta, relacionando a produção agrícola com a construção
4
Entrevista realizada com produtores rurais de produtos orgânicos em 2009, no município de Glória de Dourados-
MS.
5
Idem.

91
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de identidade.
Hall, busca em sua obra analisar o processo de identidade pelo viés do processo de
globalização como um fenômeno da modernidade. Para este autor ocorre um processo de
fragmentação das identidades, “...as identidades modernas estão sendo “descentradas”, isto
é, deslocadas ou fragmentadas ...”. (HALL, 2006, p. 8).
Nesta perspectiva apresentada pelo autor, é relevante associar com a constituição do
grupo de agricultores orgânicos, como resultado de identidades construídas localmente e
que, para sua sobrevivência no mundo moderno, insere-se nas relações globais. É possível
afirmar que com o processo de globalização a identidade local passa a ter significado, a ter
sentido, a ser inserida no processo de produção do mundo.
Mas, nesse processo, para a inserção no mundo global, as práticas sociais do grupo
são submetidas a normatizações globais; no caso específico pode ser citada a exigência de
certificação dos produtos orgânicos para sua aceitação no mercado. Essas normatizações
impõem mudanças nas práticas do grupo.
Portanto, a produção do lugar é transformada, incluindo elementos agora do mundo
global. Contraditoriamente, e de maneira complexa, para existir no mundo global o grupo
é transformado, vira um fragmento no global, mas um fragmento normatizado, enquadra-
do nas normas impostas pelos grupos sociais dominantes. Um processo de homogeneização,
mas contraditoriamente um processo de fragmentação, de valorização das identidades lo-
cais.
A valorização das identidades e das práticas locais é seletiva. Nem todo o processo é
interessante para o global. Desta forma, ocorre a seleção, aspectos são valorizados e outros
são destruídos, transformados.
A discussão em torno do significado de identidade vem sendo largamente realizada
no âmbito das Ciências Humanas, o processo complexo de fragmentação, homogeneização
e transformação promove novos e profundos significados para as identidades locais, e cer-
tamente resulta em fragmentações territoriais.
A premissa de que as características do mundo moderno e a globalização promovem
a homogeneização dos lugares não se concretizou, o fato observado é que a velocidade das
mudanças promove a fragmentação espacial, com a consolidação de lugares com a valoriza-
ção de práticas sociais locais, que se inserem no global pela diferença.
A fragmentação está inserida na dinâmica, no movimento da modernidade, na busca
incessante pelo novo, pelo considerado como moderno. A fragmentação territorial está as-
sociada à identidade que o grupo produziu e reconheceu para si e na relação com o outro, a
busca de sua legitimação, sua existência.
Especificamente o grupo de produtores orgânicos, ao valorizarem e reconhecerem as
suas práticas sociais do passado, produção de alimentos sem uso de produtos industrializa-
dos e químicos, identificam-se como diferentes em relação aos produtores agrícolas consi-
derados modernos, uso intensivo de insumos agrícolas sintéticos.
Essa identificação, essa fragmentação, é legitimada pelo outro, pela moderna agri-
cultura mercantil, quando os produtores orgânicos adotam práticas produtivas e de
comercialização aceitas pela normatização do mundo moderno, esta imposição significa a
fragmentação espaço-temporal da sociedade local.
Os produtores orgânicos da Grande Dourados produzem uma territorialidade centrada
na luta pela produção agrícola diferenciada, pela necessidade de organização social política
para continuar a existir. A técnica produtiva, o modo de vida, os valores do passado, da
tradição, encontra no tempo presente condições de existir enquanto resistência e enquanto
identidade do grupo social.
Questão também fundamental, ao considerar a identidade, é levar em conta que esta
se apresenta associada à idéia de representação e de localização. “Todas as identidades
estão localizadas no espaço e no tempo simbólico.” (HALL, 2006, p. 71).
Desta forma, ocorre uma relação profunda entre identidade e produção do espaço, a
construção de um território está intimamente ligada à identidade e sua legitimidade.Na
sua prática cotidiana, este grupo construiu historicamente o imaginário da produção de
alimentos diferenciados associado à idéia de sustentabilidade ambiental.

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Nas suas práticas cotidianos eles fortalecem a proposta de mudança do sistema pro-
dutivo tradicional para o sistema agroecológico, que inclui práticas de construção de meca-
nismos alternativos de comercialização de produtos, uso de tecnologia alternativas e busca
de sistema de sustentabilidade para um modelo de produção e de comercialização estranho
à região, mas que possui fortes raízes na história de vida dos membros do grupo.
Especificamente no local onde estão instalados estes pequenos produtores – parte
dos municípios de Glória de Dourados, Jateí e Deodápolis – o processo de ocupação e uso do
solo promoveu resistência maior, quanto à implantação da moderna agricultura mecaniza-
da, do que em outras áreas do Território da Grande Dourados.
Estes grupo de agricultores está inserido em área que originalmente fez parte da
Colônia Agrícola Nacional de Dourados - CAND, implantada pelo governo Vargas na déca-
da de 1940. Mas, estes produtores mantiveram as relações mais tradicionais em relação ao
restante do território da colonização. Diferentemente de outras áreas, nesta foi implantada
a cultura do café, oriundo das famílias de migrantes que, quando ocuparam a terra na
década de 40, dominavam as técnicas desta atividade agrícola. A produção cafeeira promo-
veu a diferenciação deste grupo de produtores em relação aos outros produtores da CAND.
Estes produtores percebem a necessidade da organização em grupo para a prática da
agricultura orgânica. A luta destes produtores para a criação desta associação começa na
década de 1980, quando o grupo inicial começou a ter a idéias de produzir café orgânico
para exportação, atendendo à demanda internacional. Buscaram no estado do Paraná a
tecnologia de produção orgânica na rede EcoVida, uma ONG já consolidada em atuação
com os produtores orgânicos daquele estado.
Os princípios da Associação dos Produtores Orgânicos do Mato Grosso do Sul, APOMS,
registrados nos documentos da Associação, são os de “converter a propriedade convencio-
nal em um sistema agroecológico, a construção de canal de comercialização dos produtos
orgânicos, validação de tecnologias e busca da sustentabilidade”. (2009). Ela é a uma única
Associação de Produtores Orgânicos, reconhecida no estado de Mato Grosso do Sul e ofici-
almente registrada a partir de 2000.
Eles partiram para as preparações e adequações técnicas necessárias para a produ-
ção orgânica de café e conseguiram realizar a primeira colheita em 1990. Nesse momento,
a questão que se apresentou de forma crucial foi a impossibilidade de exportar. O café não
tinha certificação e a seguradora da exportadora, localizada em Santos–SP cobrou um va-
lor acima da possibilidade de pagamento dos produtores. O valor, considerado alto pelos
agricultores, foi justificado como sendo em função da mercadoria “café orgânico” ter uma
supervalorização no porto de Santos.
Os produtores estavam com grande estoque de café colhido e com dívidas contraídas
para implantar a mudança técnica da forma de produção. A saída encontrada pelo grupo foi
vender o café orgânico como se fosse convencional. Este fator comercial encaminhou para a
criação de uma associação e não de uma cooperativa, pois entendiam que na associação
estavam livres para comercializar os produtos individualmente ou em conjunto, dependen-
do da situação de comercialização.
Nesse processo, a APOMS tomou forma de associação, e se apresentou como referên-
cia em relação à produção agroecológica. A princípio adotou o sistema de formação de célu-
las, distribuídas territorialmente pelo Mato Grosso do Sul. Atualmente, são conhecidas e
consolidadas pelo menos nove células ou núcleos6.
A partir dos dados coletados, é possível apontar as principais características dos pro-
dutores associados à APOMS: cinco (5) dedicam-se exclusivamente aos produtos orgânicos;
outros cinco (5), além da lavoura de café, um (1) produz também leite, um (1) produz leite e
frango de corte, um (1) produz mandioca e frango de corte, um (1) produz amendoim, milho
e cana de açúcar, e um (1) cultiva também mandioca.

6
O funcionamento destes núcleos ou células definidos pelas APOMS está baseado na descentralização da sede da
associação, possibilitando a criação de núcleos regionais independentes que levam o nome da associação. O
núcleo reúne membros de uma região com características semelhantes, o que facilita a troca de informações e o
processo de produção individual ou coletiva.

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Praticamente todos eles têm a atividade da produção do leite como complemento ou
como renda fixa para a propriedade; nenhum dos entrevistados leva em conta a atividade
das suas esposas, que realizam trabalhos de venda direta em feiras livres nas cidades da
região. Foram identificadas três (3) mulheres que participam da venda dos produtos nas
feiras. Mas, nas entrevistas esta venda não é somada na renda familiar, aparece como uma
renda não computada pela família. Pode ser identificado, a princípio, que o grupo desvalo-
riza o trabalho feminino na feira, ou desvaloriza a venda do produto sem a embalagem de
“orgânico”, como é feita na feira semanalmente.
Entre o grupo de produtores, dez (10) residem no próprio sítio, enquanto quatro (4)
moram na cidade. Destes, dois (2) moram no mesmo município e próximos à propriedade
rural, distante no máximo a dez quilômetros, e dois (2) residem em outro município.
A maioria dos produtores trabalha nas propriedades há tempos, em média acima de
vinte anos de residência ou posse da propriedade rural. Apenas um trabalha a menos de
cinco anos, justamente o que possui a propriedade em assentamento rural do INCRA.
Eles se consideram como Agricultores Familiares – 10 produtores; e quatro (4) não se
enquadram na classificação do PRONAF, principalmente em função da origem da renda.
No grupo há um médico, um promotor de justiça e a esposa, e um funcionário público.
Metade dos entrevistados (sete) usa exclusivamente a mão-de-obra familiar nos tra-
balhos na propriedade, enquanto os demais empregam mão-de-obra contratada, tanto fixa
quanto temporária. Os empregados fixos são do sexo masculino, com idade média de 32
anos, e recebem um salário mínimo rural.
Já para a mão-de-obra temporária, que ocorre apenas nas propriedades de café para
atender a demanda no período da colheita, entre os meses de abril a julho, os contratados
são de ambos os sexos, sendo a maioria de mulheres. Para o sistema de colheita do café
praticado nas propriedades, de colheita seletiva, ou seja, escolhendo os grãos em ponto de
cereja (vermelhos), a produtividade das mulheres é melhor do que a dos homens.
O que pode ser avaliado no perfil preliminar destes produtores é a existência de uma
identidade que possibilitou o agrupamento, a luta pelo ideal da produção de alimentos
orgânicos. Mas é possível identificar um processo desarticulado de suas ações quanto à
formação de um grupo social que possa ter uma marca no território. O grupo possui técni-
cas da Agroecologia, mas apresenta práticas isoladas e desarticuladas.
Ao aceitar a hipótese da identidade como fator preponderante na formação do grupo
de agricultores orgânicos estudado, é interessante considerar que essa identidade se cons-
trói em função da consciência que o grupo tem de si mesmo e pela cultura que produz
relacionada à produção orgânica. Nesse sentido, a territorialidade dos produtores orgâni-
cos do interior de Mato Grosso do Sul deve ser pensada como uma prática social que vai
além do econômico. Ela está associada ao modo de vida e à cultura, e enquanto produto
diferenciado relaciona-se ao processo de reinvenção social da natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão aqui realizada buscou fazer aproximações sobre a produção do território
em parcela de Mato Grosso do Sul, tendo como centralidade a análise da produção agrícola
orgânica praticada por pequenos produtores rurais localizados no chamado Território Ru-
ral da Grande Dourados.
Através de um olhar geográfico sobre o objeto definido para o estudo, foi possível
realizar algumas inferências sobre a produção do território a partir da alternativa da pro-
dução agrícola orgânica praticada por um grupo social inserido em uma região do país
caracterizada pela produção agrícola convencional moderna.
Estes agricultores, coletivamente, no seu cotidiano procuram dar respostas às neces-
sidades da sociedade moderna nas suas práticas culturais relacionadas à sua relação com o
ambiente. Eles desenvolvem a idéia de pertencimento territorial, uma idéia alternativa de
mundo, de produção para a vida ou baseada em uma racionalidade que supera as imposi-
ções do modelo de desenvolvimento. Considera as práticas culturais como centrais na cons-

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tituição da identidade territorial.
O conhecimento geográfico pode contribuir com o entendimento deste movimento da
sociedade, refletindo sobre as práticas dos agricultores de produtos orgânicos e seus cami-
nhos para a superação dos problemas construídos pela racionalidade moderna.
A institucionalização da organização destes agricultores em uma associação – APOMS
– sinaliza para a possibilidade de consolidação de suas idéias produtivas, com a inserção no
mercado, e com a globalização, no mercado internacional. Tal institucionalização também
promove transformações profundas no fazer e no pensar deste grupo, e novas exigências
foram colocadas, como por exemplo, a organização da comercialização e certificação dos
produtos.
A organização da comercialização pode ser pensada através do cooperativismo e/ou
do comércio justo e solidário. A inserção no projeto de comércio justo e solidário exige
capacitação dos membros do grupo e formas de comercio próprias e específicas, rompendo
com as formas tradicionais do comércio internacional por commodities.
Este grupo analisado tem atuado na perspectiva do comércio justo e solidário, com a
participação em feiras, eventos e seminários para entendimento e consolidação da propos-
ta, que tem com centralidade o comércio de produtos orgânicos com regras específicas e,
principalmente, que participe de uma rede de solidariedade comercial, com o preço sendo
definido pelo custo de produção.
A normatização exigida para os produtos orgânicos, como a certificação para a
comercialização, promove a inserção dos produtores na racionalidade do mundo moderno.
Seus produtos são aceitos no mercado globalizado, mas, promove alterações na organização
social do grupo,especialmente com a individualização da certificação.
Alternativa concreta para a reversão desse processo é a implantação do Território da
Cidadania e do Território Rural, políticas do estado nacional que apresentam propostas de
práticas que superem o domínio do mercado global, como por exemplo, a proposta vinda
das organizações dos produtores orgânicos para criação de um processo de certificação
participativa e pública.
A implantação do Território Rural possibilitou também novas perspectivas de orga-
nização dos pequenos produtores rurais ao trabalhar a espacialidade do movimento, ou
seja, agricultores com idéias e objetivos congruentes atuam de forma conjunta, com o auxí-
lio do estado, que passa a ter efetivamente o papel de mediador do desenvolvimento dos
pequenos produtores rurais, propondo ao final do processo a autogestão dos agricultores.
Este exemplo de participação e organização dos produtores orgânicos, e sua inserção
nas políticas públicas do Estado, apontam para um processo de reconhecimento da possibi-
lidade de alteração das formas produtivas agrícolas dominantes, baseadas na pilhagem
ambiental e na super exploração do trabalho.
A análise da produção do território pelo grupo de produtores rurais orgânicos permi-
te refletir sobre a importância do conhecimento e das práticas construídas historicamente
pelos homens e mulheres no processo de constituição do lugar.
A história das técnicas utilizadas pelos grupos sociais dominantes, colonizadores e,
portanto, vencedores na produção de alimentos têm resultado em tragédias ambientais e
sociais. Esta história não é a única a ser contada, não é a hegemônica, pois temos a história
de vida e de produção do território dos vencidos, dos subjugados, que resistem, existem e
movimentam o futuro.
A visibilidade da produção territorial do grupo social dos pequenos produtores
escancara os limites impostos pelas análises científicas e políticas centradas exclusivamen-
te na valorização econômica. A construção e as leituras do mundo são múltiplas e a compre-
ensão do movimento desta parcela da sociedade tornada invisível é essencial para compre-
ender a produção do espaço em sua totalidade.

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96
Resumo: Os problemas ambientais no Estado de Mato Grosso estão
intrinsecamente ligados a relação homem e o meio. Assim sendo, este
trabalho buscou compreender até que ponto as construções de Pequenas
Centrais Hidrelétricas (PCH’s) são viáveis, pois muitos são os riscos
advindos deste processo, entre eles: sociais, ambientais, econômicos e
políticos. Neste sentido, a idéia central do presente estudo é analisar os
impactos socioambientais decorrentes da implantação das PCH’s ao longo
do rio Juruena, compreendendo os limites entre Campos de Júlio e
Sapezal/MT, e os reflexos da mesma para as comunidades diretamente
RIO JURUENA: impactadas. A pesquisa foi desenvolvida por meio de revisão bibliográfica
CONSTITUIÇÃO DO sobre o modelo energético do país, em especial as PCH’s, procurando
compreender o processo de construção destes empreendimentos e os
TERRITÓRIO DE UM impactos socioambientais decorrentes de tais construções. Para tanto,
realizamos levantamento preliminar e leituras do referencial
POVO1 bibliográfico sobre o tema em livros, jornais, revistas, entre outros
materiais e pesquisa a campo onde foram feitas entrevistas com os
agentes da comunidade circunvizinhas e os representantes da
comunidade diretamente atingida. Os resultados nos permitem afirmar
RIO JURUENA: que é necessário repensar e (re)avaliar a implantação das PCH’s no
CONSTITUCIÓN DEL Estado devido aos problemas socioambientais decorrente da construção
desses empreendimentos, principalmente, no que diz respeito à
TERRITORIO DE UN sustentabilidade socioambiental.
Palavras-Chave: Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH’s), Impactos
PUEBLO Socioambientais, Comunidades Atingidas.

Resumen: Los problemas ambientales en el Estado de Mato Grosso están


intrínsecamente vinculados a la masculina y el medio ambiente. Así,
RIO JURUENA: este trabajo ha investigado la medida en que la construcción de Pequeñas
CONSTITUTION OF Centrales Hidroeléctricas (PCH) son factibles, porque muchos son los
riesgos de este proceso, entre ellos: sociales, ambientales, económicos y
THE TERRITORY OF A
ERRITORY políticos. En este sentido, la idea central de este estudio es analizar los
impactos ambientales derivados de la aplicación del PCH en el río,
PEOPLE incluyendo los límites entre los Campos de Julio y Sapezal/MT, y las
reflexiones de la misma para las comunidades directamente afectadas.
El estudio se realizó mediante la revisión de la literatura sobre el modelo
energético del país, especialmente PCHs, tratar de comprender el proceso
de construcción de estos proyectos y los impactos ambientales derivados
NARCI DOS SANTOS de tales construcciones. Hicimos una encuesta preliminar, y lecturas de
SOUZA la literatura de referencia sobre este tema en libros, periódicos, revistas
y otros materiales y campo de investigación donde se realizaron las
narcimab@hotmail.com entrevistas con los agentes de la comunidad circundante y los
representantes de la comunidad directamente afectada. Los resultados
nos permiten decir que tenemos que repensar y (re) evaluar la aplicación
REDE PÚBLICA E PARTI- del PCH en el Estado debido a los problemas ambientales derivados de
la construcción de estos proyectos, especialmente con respecto a la
CULAR DE ENSINO DE sostenibilidad del medio ambiente.
CÁCERES/ MT Palabras-Llave: Pequeñas Centrales Hidroeléctricas (PCH), Los
impactos sociales e ambientales, Las comunidades afectadas.

Abstract: The environmental problems in the State of Mato Grosso are


TÂNIA PAULA DA SILVA
ILV intrinsically linked to the male and the environment. Therefore, this
tanggela@bol.com.br study sought to understand the extent to which the construction of Small
Hydroelectric Plants (SHP) are feasible, because many are the risks
from this process, including: social, environmental, economic and
UNEMAT- CÁCERES/MT
NEMAT political. In this sense, the central idea of this study is to analyze the
social and environmental impacts resulting from the implementation
of SHP Juruena along the river, including the boundaries between fields
and Julius Sapezal / MT, and reflections of the same for the communities
Agradecemos as importantes e directly impacted. The research was developed through literature review
atentas leituras e contribuições da on the energy model of the country, especially SHP, seeking to understand
the process of building these projects and social and environmental
Profa. Dra. Heloísa Sales Gentil e
impacts resulting from such constructions. We made a preliminary
Profa. Ms. Dilma Lourenço Costa, survey and a theoretical readings on the topic in books, newspapers,
da Universidade do Estado de Mato magazines, and other materials and search the field where I conducted
Grosso. interviews with the officials of the surrounding community and
representatives of the community directly affected. The results allow
us to affirm that it is necessary to rethink and (re) evaluate the
implementation of SHP in the state due to socio-environmental problems
arising from the construction of these new developments, especially with
regard to environmental sustainability.
Key-W ords: Small Hydroelectric Plants (SHP), Social and
Key-Words:
Environmental Impacts, Communities Affected

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 97-114 Jul-Dez/2009

97
SOUZA, N. S. SILVA, T. P. RIO JURUENA, CONSTITUIÇÃO DE
UM ...

INTRODUÇÃO
A crise mundial de energia se tornou um dos principais problemas do atual modelo
de sociedade e tem preocupado os meios políticos e socioeconômicos internacionais. Diante
desta “crise”, os países do primeiro mundo buscam explorar o potencial hidráulico, energia
elétrica por meio dos grandes rios, o que conseqüentemente, faz com que os países subde-
senvolvidos sejam os grandes construtores de Usinas Hidrelétricas – UHE (MAB, 2008).
O Brasil se apresenta como um dos maiores potenciais hidráulicos do mundo, sendo
que no território brasileiro a região Amazônica concentra o maior potencial hidrelétrico, ou
seja, mais de 50%, isto quer dizer que a região sozinha produz a metade de todo o potencial
do país.
Corroborando com esta análise Naves (2006) afirma que na exploração do potencial
hidráulico temos as construções de pequenas usinas hidrelétricas que, entre as fontes de
energia renováveis são as que apresentam menor impacto ambiental. Segundo este autor,
estas pequenas construções são denominadas Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCH’s
são instalações construídas em pequenos rios, e não necessitam de grandes barragens,
sendo sua potência inferior a das Usinas Hidrelétricas.
Leão (2008) afirma que nos últimos seis (06) anos o Governo Federal tem oferecido
apoio e incentivos para instalações desses projetos nas regiões brasileiras. Assim sendo,
com incentivo do Governo Federal e somado aos fatores como grande potencial hidráulico,
baixo custo, desenvolvimento local, crescimento econômico para o Estado e com o discurso
de que não há danos ao meio ambiente, os grandes grupos econômicos do estado de Mato
Grosso investem nas construções das Pequenas Centrais Hidrelétricas.
Desse modo, cabe analisar quais são os impactos referentes à construção destes em-
preendimentos. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é analisar os impactos
socioambientais decorrentes da implantação das PCH’s do rio Juruena, que compreende os
limites entre Campos de Júlio e Sapezal/MT, e os reflexos da mesma para as comunidades
impactadas. A instalação desses empreendimentos atingirá cinco etnias indígenas
As construções das PCH’s envolvem a relação entre o meio ambiente e o homem e
passam por várias nuances: primeiro, vivemos em um momento em que as ações antrópicas
estão relacionadas aos problemas ambientais, e o que se discute sobre problema ambiental
que leve em consideração as dinâmicas naturais e sociais? Segundo, tais construções são
feitas por empresários e grandes produtores rurais em terras públicas que vão de encontro
com os territórios das populações amazônicas, o que nos remete a questão agrária no esta-
do de Mato Grosso. Terceiro, a questão dos recursos hídricos para a geração de energia,
para quem é destinada a energia das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH’s), de uso
particular, financiada com dinheiro público, uma vez que, as Usinas Hidrelétricas (UHE)
são para consumo geral de toda a sociedade? Quarto, como fica a questão indígena no Esta-
do, tendo em vista que a maioria dos empreendimentos desse porte encontra-se em curso
d’água diretamente ligado ao território indígena? Diante dessas indagações e pela vivência
enquanto militante do Movimento dos Atingidos por Barragem MAB/MT por ser direta-
mente atingida pelas mazelas do setor elétrico brasileiro, que o interesse pela pesquisa
surgiu, e, principalmente, por compreender a importância das terras úmidas, no sistema
ambiental, na constituição de territórios dos povos indígenas, ribeirinhos, caboclo e
quilombolas.
A hipótese deste trabalho é que o conceito de sustentabilidade preconizado pelos
grandes grupos econômicos no processo de implantação das PCH’s não existe na prática,
ficando apenas no discurso de tais empreendedores. Tal hipótese vem ao encontro de dois
importantes elementos no desenvolver da pesquisa: o arcabouço teórico metodológico ad-
quirido na academia e a vivência no Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB.

98
Terra Livre - n. 33 (2): 97-114, 2009

AS PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS (PCH’S) NO BRASIL


Segundo Clemente (2001), a definição de PCH foi citada pela primeira vez na legisla-
ção do setor elétrico brasileiro em 1982, por meio da Portaria do Departamento Nacional de
Energia Elétrica - DNAEE N.º 109, que definiu o que seriam consideradas PCH’s aquelas
centrais hidrelétricas que contemplassem cumulativamente as seguintes características:
[...] operação a fio d’água ou no máximo com reservatório de regularização diária; - barragens
e vertedouros com altura máxima de até 10 metros; - não utilização de túneis; - estruturas
hidráulicas, no circuito de geração, para vazão turbinável de, no máximo 20 m³/s; - unidades
geradoras com potência individual de até 5.000 KW; - potência instalada total de, no máximo,
10.000 KW (CLEMENTE 2001, p.38)

Ainda segundo o referido autor, devido ao grande número de condicionantes atrela-


dos a definição de PCH’s, foram muitas dificuldades no desenvolvimento de um programa
para implantação das mesmas, o que levou à redefinição do conceito.
Este processo foi efetuado através da Portaria DNAEE N.º 136/1987, onde foram mantidas
apenas as características associadas a potência. Assim sendo, a PCH’s passou a ser aquele
aproveitamento hidrelétrico com potência total de 10.000 KW e com unidades geradoras de, no
máximo, 5.000 kW. O único motivo da limitação de cada unidade geradora em 5.000 KW era a
garantia que a indústria nacional teria condições de produzir esse tipo de equipamento. Contu-
do, a simplificação no conceito de PCH’s não implicou em aumento do número de empreendi-
mentos. Na verdade, a retirada das outras limitações permitiu a execução de empreendimen-
tos empresarial e ambientalmente inadequados. (CLEMENTE, 2001, p. 38).

Apesar das distorções detectadas no conceito vigente de PCH, até o ano de 1998 nada
havia sido feito para reparar ou melhorar tal conceito. Contudo, nos anos de 1996 e 1997, o
DNAEE criou um grupo multi-institucional para realizar um diagnóstico da situação e
implementar um segundo plano nacional de Pequenas Centrais Hidrelétricas. As princi-
pais conclusões deste grupo indicavam para um aumento da potência limite e a criação de
novos procedimentos, levando em consideração as alterações que vinham sendo realizadas
no ambiente institucional do setor elétrico, em especial em relação à criação do produtor
independente de energia elétrica - PIEE. Outro fato diz respeito à recomendação da empre-
sa de consultoria inglesa Coopers & Lybrand, para que a potência das pequenas centrais
fosse elevada para 50 MW e que a outorga fosse concedida através de uma autorização, sem
necessidade de processo licitatório (LEÃO, 2008).
Ao final do ano de 1997, por meio de uma Medida Provisória, o limite para autoriza-
ção, no caso de centrais hidrelétricas, foi aumentado para 25 MW. Em 1998 a Lei N.º 9.648
fixou finalmente esse limite em 30 MW, porém introduziu uma nova referência: Art. 26.
Depende de autorização da ANEEL: “o aproveitamento de potencial hidráulico de potência
superior a 1.000 KW é igual ou inferior a 30.000 KW, destinado a produção independente
ou autoprodução, mantidas as características da pequena central hidrelétrica”.
A nova referência diz respeito à parte final da definição, “[...], mantidas as caracterís-
ticas de pequena central hidrelétrica;”. Segundo a interpretação de estudiosos do setor,
este termo faria referência ao conceito e filosofia, e não somente em estruturas e capacida-
des.
A partir daí foram encaminhadas propostas de resolução para regulamentar as ca-
racterísticas de PCH. Então, em novembro de 1998, através de uma audiência pública, a
ANEEL definiu que seria considerado o limite de 3 km² de área inundada de reservatório,
tendo como referência a vazão com tempo de recorrência de 100 anos. Legalmente, esta
regulamentação foi efetuada por meio de resolução cuja redação principal era composta
pelo seguinte:
Art. 2º. Os empreendimentos hidrelétricos com potência superior a 1.000 kW e igual ou inferior
a 30.000 kW, com área total de reservatório igual ou inferior a 3,0 km², serão considerados
como aproveitamentos com características de pequenas centrais hidrelétricas.
Parágrafo único. A área do reservatório é delimitada pela cota d’água associada à vazão de
cheia com tempo de recorrência de 100 anos. (ANEEL, Nº. 394/1998).
Com todas as mudanças ocorridas em relação ao conceito de PCH, e também aos

99
SOUZA, N. S. SILVA, T. P. RIO JURUENA, CONSTITUIÇÃO DE
UM ...
incentivos ofertados a estas usinas, observou-se um aumento bastante significativo quanto
ao interesse de grupos econômicos nacionais. Portanto, na atualidade temos inúmeras PCH’s
construídas e em processo de construção, em rios de pequeno e médio porte, com base no
discurso de que essas usinas são o caminho seguro para o desenvolvimento do país.

HISTÓRICO DAS PCHS NO BRASIL


No final do século XIX com o advento de crescimento dos centros urbanos, as fábricas
e indústrias necessitavam de energia para manter toda a sua dinâmica interna e externa
funcionando. Os grandes centros urbanos utilizavam energia térmica, porém alguns esta-
dos brasileiros optaram por energia elétrica e as pequenas empresas estaduais juntamente
com as prefeituras resolveram investir na potência hidráulica de seus estados para a gera-
ção de energia o que, conseqüentemente, fez com que surgissem as primeiras pequenas
centrais hidrelétricas – PCH’s no Brasil.
A inserção das Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCH, no Brasil se deu no final do século
passado, onde pode-se citar como marcos históricos o ano de 1883 quando se deu a instalação
do primeiro aproveitamento hidrelétrico na mineração Santa Maria em Diamantina, denomi-
nado “Ribeirão do Inferno” e o ano de 1889, quando foi instalada a Usina Bernardo Mascarenhas:
primeira hidrelétrica de porte, com 250 kW para atender à sua indústria têxtil e alimentar a
iluminação residencial de Juiz de Fora, constituindo o que poderia ser denominado como a
primeira empresa de energia elétrica para serviço público. Nesta época ainda existia uma
predominância pela energia térmica para o suprimento das grandes cidades, porém já na vira-
da do século alguns dos principais estados (Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janei-
ro, São Paulo e Santa Catarina) reverteriam esta posição colocando a energia hidrelétrica
como predominante. (FILHO, 2006, p.03)

Segundo Leão (2008), o Brasil é considerado um país rico em recursos naturais, po-
rém há carência em recursos energéticos primários como o carvão, petróleo e gás natural o
que, conseqüentemente, propiciou o desenvolvimento de uma economia em escala por meio
da exploração do excedente energético produzido pelos recursos hídricos. Neste sentido,
verificamos que os recursos hídricos no Brasil são gerenciados pelo Código das Águas fun-
dado no ano de 1934, em que estabelece a geração de energia elétrica como um dos seus
principais usos.
Na década de 1930 com o advento de industrialização no país houve a necessidade de
instalação de um parque gerador e transmissor de energia elétrica, e conseqüentemente, a
criação do Conselho Nacional de Águas e Energias Elétrica (CNAEE) destinado à manu-
tenção de estatística hidrológica, interligação do sistema elétrico, regulamentação do códi-
go das águas e, principalmente, apoio técnico as decisões governamentais. (LEÃO, 2008).
Todo o processo de “industrialização” iniciada em 1930 foi importante para as políti-
cas energéticas, e o Estado não mediu esforços para criar conselhos e departamentos que
regularizassem todos os processos legais para a exploração hidrelétrica.
A expansão do setor elétrico foi marcada pela criação de grandes empresas estatais e federais,
culminando em 1962 com a organização da Eletrobrás S.A. Após a consolidação da Eletrobrás,
empresas privadas como o Grupo Light e o Grupo Amforp foram adquiridas pelo Estado. A
regulamentação do setor se deu pela criação do Departamento Nacional de Águas e Energias
Elétrica – DNAEE, pelo Decreto n 63.951, de 31 de dezembro de 1968, em substituição ao
CNAEE, vinculado ao Ministério de Minas e Energia. – MME. (LEÃO, 2008, p.46).

Nota-se que depois da criação do Código das Águas, do Conselho Nacional de Água e
Energia e o do Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica, o setor elétrico foi se
constituindo entre empresas estatais, federais e privadas sob a tutela do Estado brasileiro
à luz dos interesses de grupos econômicos nacionais e internacionais.
Segundo estudos do Comitê Brasileiro de Barragens (2006), é na década de 1980 que
as discussões sobre as PCH’s obtêm maior atenção nas políticas energéticas. E cabe lem-
brar que, com o incentivo do Governo Federal obteve as implantações das Pequenas Cen-
trais Hidrelétricas (PCH’s), através do Programa Nacional de Pequenas Centrais Hidrelé-
tricas (PNPCH’s) do Ministério de Minas e Energias (MME), que promoveu estudos, cur-

100
Terra Livre - n. 33 (2): 97-114, 2009
sos, subsídios técnicos e legais para tais implantações.
De acordo com Naves (2006), a produção de energia elétrica por meio de Pequenas
Centrais Hidrelétricas (PCH’s) se intensificou em todo o país, sobretudo, na virada do sécu-
lo XXI, com a criação do Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de Energia Elétrica
(PROINFA). E no ano de 2001, com a “crise energética”, o Brasil buscou investimentos
privados na geração de energia alternativa, e dentre as fontes de energias alternativas
estão as PCH’S, considerada uma energia renovável e de menor impacto ambiental:
PCH’s são autoproduções, ou produções independentes de energia em que a potência de insta-
lação seja entre 1.000 a 30.000 KW, sendo sua área de reservatório menos que 3,0 km², ou a
área de reservatório poderá chegar até 13 km², desde que a mesma seja para outros fins,
menos a de energia elétrica, e atenda a seguinte inequação: A= 14,3. P/Hb; onde A= área de
reservatório (KM²), P= potência elétrica instalada (MW), e Hb= queda bruta em metros (M).
(ANEEL, Nº. 652/2003)

De acordo com estudos do Comitê de Barragens (2006), a alteração da ANEEL 652/


2003, que regulamenta o limite de potência e área de reservatório serve apenas para esti-
mular novos empreendimentos hidrelétricos e facilitar a aprovação de projetos junto aos
órgãos de gestão de recursos hídricos e o meio ambiente.
Se os grandes empreendimentos causam impactos, de modo geral, os pequenos pas-
sam despercebidos. No entanto, são instalações que, em tese, resultam em menores impac-
tos ambientais e se prestam à geração descentralizada, no entanto há a possibilidade do
custo da produção ser maior e o desperdício e ociosidade de água TAM

PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS E IMPACTOS SÓCIO-A MBIENT


MPACTOS AIS
MBIENTAIS

Apesar das PCH’s serem uma forma rápida e eficiente de produzir energia e, em seu
pressuposto, causar mínimo impacto ambiental, podemos observar o efeito acumulado de
várias PCH’s construídas numa mesma bacia hidrográfica, ou rio como é o caso do Rio
Juruena onde, somente no trecho que compreende os municípios de Sapezal e Campos de
Júlio estão em operação ou fase de construção cinco empreendimentos numa extensão de
menos de 100 km.
Estas obras chamam a atenção pela mobilidade das famílias atingidas, pelo movi-
mento econômico nos municípios da região e pelo impacto ambiental e social em território
considerado pequeno e de um potencial energético grande.
A construção das PCH’s tem diferentes significados, pois para os comerciantes e pro-
prietários de imóveis a serem locados nas áreas afetadas, trata-se de um movimento favo-
rável, gerando renda ao município. Para ambientalistas e técnicos que atuam na área rural
e no setor público, principalmente os da saúde, avaliam a construção e seus efeitos como
impactos negativos.
A questão sócio-ambiental, que envolve a avaliação de impactos, licenciamentos e riscos judici-
ais pós-licenciamento é freqüentemente apontada por empreendedores à grande vilã inibidora
de investimentos em PCH’s, pelos riscos que impõem aos empreendimentos, inclusive aqueles
na fase de execução. Por outro lado, organismos ligados ao licenciamento e a preservação
ambiental freqüentemente apontam a má qualidade dos estudos de impacto ambiental e a
ganância dos empresários como determinantes para os fracassos e atrasos nas licenças. (ALVES,
2008, p. 17)

Dessa maneira, as PCH’s vão sendo instaladas sem um estudo consistente no que se
refere aos impactos ambientais. E segundo Warren (1996) os impactos de grandes hidrelé-
tricas e PCH são os mesmos, porém em proporções diferentes, pois provocam impactos de
outras ordens – efeitos ecológicos; reorganização do mercado de produtos e trabalho; etc. –
sob uma população que poderá ser igualmente considerada como “indiretamente atingida”.
A população “indiretamente atingida” é aquela a jusante e no entorno da barragem, que são
aquelas residentes nos municípios localizados na área de intervenção da usina e que, embora
não venham a ser deslocadas, tem suas atividades sociais e econômicas afetadas pela

101
SOUZA, N. S. SILVA, T. P. RIO JURUENA, CONSTITUIÇÃO DE
UM ...
reestruturação da população regional. (SCHERER-WARREN, 1996, p. 86).

Segundo a referida autora os impactos sociais ocorrem direto1 e indiretamente2, e


por sua vez, têm entrando na agenda de debates através dos movimentos sociais a pouco
tempo, no entanto, são indissociáveis dos impactos sociais. Ainda sobre os impactos
ambientais a autora argumenta que os lagos formados alteram os cursos dos rios aumen-
tando a erosão e modificando a flora e fauna, e dessa maneira algumas espécies são extin-
tas. Conseqüentemente há perda das belezas naturais e altera-se a paisagem local, o que
pode acarretar mudanças climáticas, elevar a temperatura do ambiente e mudar os ciclos
das chuvas. A qualidade da água fica prejudicada e podem ocorrer tremores de terra.
Diante de tais problemas, torna-se necessária a organização da população atingida
para enfrentar as dificuldades de comunicação com os grupos econômicos que coordenam
tais projetos e os impactos que sofrem com a desocupação necessária para construção das
PCH’s. As dificuldades ora enfrentadas concentram-se na “nova vida”, como se ocorresse
um abandono de tudo que já viveram passando a viver em um novo local, restando a adap-
tação e as experiências de recomeçar tudo de novo.
Sendo assim, parece-nos que há uma necessidade de repensar e avaliar a questão
socioambiental referente a esses empreendimentos, principalmente, no que diz respeito à
sustentabilidade ambiental. Isto quer dizer que, precisamos dimensionar os riscos ambientais
decorrentes da implantação das PCH’s no Estado. Pois, o conceito de impacto ambiental
utilizado pelos grandes grupos econômicos financiadores desses projetos transmitem a idéia
de que as conseqüências são de curta duração, “coisa passageira”, quando, na verdade,
sabemos que muitas transformações provocadas ao meio ambiente e ao grupo humano/
social ali residente são definitivas, não têm volta.

PROJETOS DE PCH’S NO BRASIL E NO RIO JURUENA


Segundo os dados da ANEEL (2009), o Brasil possui atualmente 185 empreendimen-
tos de geração de energia elétrica em construção, dos quais 40,5% são provenientes de
PCHs, levando em consideração que o país possui de sete (07) tipos de empreendimentos de
geração de energia elétrica, sendo assim, os outros 59,5 % ficam subdivididas nos outros
seis (06) empreendimentos de energia existente no país. Os maiores empreendedores de
geração de energia elétrica em operação no Brasil são as usinas: Termelétrica, Pequenas
Centrais Hidrelétricas, Central Geradora Hidrelétrica e Hidrelétrica, as em construção e
outorgadas são: Pequenas Centrais Hidrelétricas, Termelétrica, Hidrelétrica, Central Ge-
radora Eolielétrica.
Desse modo, apresentamos nos quadros que seguem a relação dos quatros (04) mai-
ores empreendimentos de geração de energia em operação, construção e outorgados no país
e suas respectivas potências.

Quadro 01 - Empreendimentos em Operação

1
Atingidos diretamente são aquelas pessoas que com a construção da barragem terão que se deslocar e perder
totalmente seu habitat. (MAB, 2008)
2
Atingidos indiretamente são todas aquelas pessoas que estão acima da barragem, e as que residem nos municípios
vizinhos. (MAB, 2008).

102
Terra Livre - n. 33 (2): 97-114, 2009

o p i T

Fonte: ANEEL, 2009. Org. SOUZA, 2009.

Quadro 02 - Empreendimentos em Construção

Fonte: ANEEL, 2009. Org. SOUZA, 2009.

Quadro 03 - Empreendimentos Outorgados

Tipo

Fonte: ANEEL, 2009. Org. SOUZA, 2009.

Observa-se, nos quadros acima, o crescimento das PCH’s. Dos empreendimentos em


103
SOUZA, N. S. SILVA, T. P. RIO JURUENA, CONSTITUIÇÃO DE
UM ...
operação elas ocupam a segunda posição, atrás das Usinas Termelétricas (UTE), porém dos
empreendimentos em construções e outorgadas, as PCH’s ocupam o primeiro lugar. O que
significa dizer que, nos últimos anos as PCH’s ganham espaço no ramo de exploração hi-
dráulica.
Segundo o Centro de Referência de Pequenas Centrais Hidrelétricas (CERPCH, 2008),
na região Centro-Oeste tais empreendimentos apresentam-se em maior quantidade nos
Estados de Mato Grosso e Goiás, como mostra o quadro 04.

Quadro 04 – PCH’s na Região Centro-Oeste até Agosto de 2008

Fonte: CERPCH, 2008. Org. SOUZA, 2009.


Fonte:

Na área de pesquisa - o rio Juruena, entre os limites das cidades de Campo de Júlio
e Sapezal - estão em construção cinco (05) PCH’s, sendo elas: Rondon, Parecis, Sapezal,
Cidezal e Telegráfica. As pequenas usinas e o destino da energia estão representados no
quadro 05, a seguir:

Quadro 05: PCH’s em Construção na Bacia do Rio Juruena/MT

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Terra Livre - n. 33 (2): 97-114, 2009

Fonte: ANEEL, 2009.. Org. SOUZA, 2009. *PIE - Produção Independente de Energia.

Estas pequenas usinas são de uso particular da empresa Maggi & Companhia e as
potências de instalações são inferiores a 30 MW, exceto, a PCH - Telegráfica. Dessa manei-
ra, os empreendedores estão apropriando do rio aos poucos, haja vista que, segundo a Le-
gislação Estadual do Meio Ambiente as construções podem ser feitas sem os estudos do EIA
e RIMA por apresentar potência de instalação inferior a 30MW de potência. O que significa
dizer que, para fugir da Legislação Federal no que diz respeito ao EIA e RIMA3 os empreen-
dedores usam como estratégia a apropriação do rio de forma fragmentada com várias cons-
truções com potências inferiores a 30MW, é também uma forma de fugir dos tributos fiscais
Estaduais e Municipais que tais empreendimentos são isentos.
Além das construções acima destacadas, verificamos ainda que no curso do rio Juruena
há mais quatro (04) empreendimentos em processo de implantação (PCH Jesuíta, Segredo,
Ilha Comprida e Cachoeirão), todas de propriedade das empresas Maggi Energia S/A, Li-
near Participações Ltda e MCA Energia Barragem Ltda.
Ressaltamos ainda que, ao tentar identificar os reais números de PCHs implantadas
e em construção na bacia do rio Juruena, cada vez mais os números vão aumentando.
Segundo Monteiro (2008), Coordenadora de Energia da Associação de Defesa Etnoambiental
Kanindé, “[...] na sub-bacia do rio está em construção setenta e sete (77) empreendimentos
hidrelétricos, e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) está produzindo um inventário
para a implantação de mais quinze (15) usinas hidrelétricas [...]”.
Desse modo, percebe-se a necessidade de transparência em tais projetos, haja vista,
que os mesmos geram inúmeras discussões a respeito de qual é a melhor maneira de pro-
duzir energia com o menor impacto socioambiental.

OS CONFLITOS NA REGIÃO AMAZÔNICA

3
Para as usinas de geração de eletricidade qualquer que seja a fonte de energia primária acima de 10MW é
obrigado a ter o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório Ambiental (RIMA).

105
SOUZA, N. S. SILVA, T. P. RIO JURUENA, CONSTITUIÇÃO DE
UM ...

De acordo com Paz (2006), os conflitos da região Amazônica têm suas raízes na histó-
ria de ocupação desde os séculos XVI e XVII na “conquista da região” com a dizimação de
várias etnias indígenas e na disputa entre missões religiosas; no século XVIII houve a
guerra do Guarani, a exploração de produtos florestais como canela, cravo, borracha e
resina; no século XIX a escravidão dos índios no rio Araguaia e o início da exploração da
borracha; já o século XX é marcado pelo início dos mega projetos de ocupação da região
amazônica que era vista como “espaço vazio”.
Desse modo, a ocupação da região se desenvolveu sob os planos econômicos denomi-
nados Planos Nacionais de Desenvolvimento - PND, durante mais da metade do século XX
e, sobretudo nos anos de ditadura militar onde:
[...] as riquezas minerais da Amazônia são cobiçadas pelos grandes grupos econômicos interna-
cionais [...], no pós-guerra coube aos militares a tarefa de acelerar este controle e exploração, e
sua conseqüência entrega aos grupos econômicos nacionais e internacionais. (OLIVEIRA, 1991,
p. 09).

Neste cenário que a expropriação de terras indígenas e os recursos minerais foram


monopolizados pelo sistema capitalista e, conseqüentemente, originou os conflitos na dis-
puta e posse pela terra com aqueles que já habitavam na região.
Dentre as inúmeras riquezas da região Amazônica, destaca-se, o potencial hídrico,
pois segundo Paz (2006) a região é palco de conflitos e interesses territoriais devido à im-
portância de seus recursos naturais e, sobretudo, a potência hidrológica dessa bacia
hidrográfica para matriz energética.
Segundo a referida autora, a busca pelo controle dos recursos naturais e fontes de
energia esteve presente direta e indiretamente nos grandes conflitos que fizeram a história
dos séculos XIX e XX na região amazônica. Portanto, é neste contexto que os conflitos vêm
perpassando ao longo dos séculos, a disputa pela terra sob a ótica de exploração desenfrea-
da dos recursos naturais.
Dentre os geradores dos conflitos da região Amazônica encontram-se as construções
de Usina Hidrelétrica (UHE) e de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH’s), pois segundo a
Bonanome (2009) “[...] há um potencial conhecido para a instalação de 773 novas PCH’s na
Amazônia. Além disso, estima-se um potencial teórico para a instalação de mais de 4.763
pequenas centrais”.
Monteiro (2009) afirma ainda que é sob este cenário que os projetos de PCH’s estão
sendo implantados na região, e nos Estados brasileiros. E, mais, segundo a referida autora
em Mato Grosso está previsto a maior concentração de PCH’s do país.
Em relação a implantação das PCH’s no Estado a autora alerta que:
Licenciar pequenas hidrelétricas em seqüência nos rios de MT, sem estudos ambientais, é uma
pratica que fere os direitos dos povos indígenas e das populações ribeirinhas. Exemplo são as
PCH’s planejanadas no rio Juruena. Dispensar o EIA no licenciamento de projetos hidrelétri-
cos é uma espécie de ‘subsídio ambiental’ do governo do Estado para beneficiar a indústria de
geração de energia. O setor de energia elétrica está nas mãos de grupos empresariais, financei-
ros e grandes empreiteiros que estão se apropriando maciçamente dos rios brasileiros.
(MONTEIRO, 2009, p. 03).

Assim sendo, verificamos que no processo de construção das PCH’s no estado de


Mato Grosso o conflito ocorre desde 2002, quando a Empresa Maggi Energia apresentou de
inicio o projeto de instalação de cinco (05) PCH’s e duas Usinas Hidrelétricas no rio Juruena.
As PCH’s estão em construção próximas às terras indígenas, atingindo cinco etnias: Minky,
Rikbaktza, Pareci, Nambikuara e Enawenê Nawê. As dimensões deste conflito entre Em-
presa & Índio envolvem questões ambientais e sociais.
Neste sentido, a implantação de PCH’s requer estudos ambientais e sociais coeren-
tes, uma vez que, os pequenos córregos e rios estão diretamente interconectados com a
bacia hidrográfica, ou seja, qualquer implicação ambiental em um determinado rio ou córrego
acarretará alterações a uma determinada bacia hidrográfica e, conseqüentemente, a popu-
lação que dela se utiliza para sobreviver. Todavia, temos que redimensionar os impactos

106
Terra Livre - n. 33 (2): 97-114, 2009
causados por tais empreendimentos via estudos de EIA-RIMA que levam em conta as ne-
cessidades da população impactada. Na atualidade, o que vivenciamos é que estes projetos
perpassam dimensões que envolvem somente os aspectos físico-quimico-biológicos, ou seja,
os projetos envolvem discussões sobre impactos ambientais que desconsideram as dimen-
sões culturais, sociais, éticas e estéticas do meio ambiente.
Neste contexto, os conflitos têm suas raízes dentro da lógica do sistema vigente que
segue em dois víeis: de um lado o consumo exarcebado obtido por meio da exploração dos
recursos naturais a atender os grupos econômicos nacionais e internacionais, e de outro
lado os sujeitos sociais que ainda lutam pelo seu território. Deste modo, “hoje a ‘sobrevivên-
cia do planeta está bem a caminho de tornar-se a justificativa indiscriminada para uma
nova onda de intromissões do Estado nas vidas das pessoas em todo o mundo” (SACHS
apud PAZ, 2008, p.17)
Portanto, nota-se que a história de ocupação da região Amazônica não difere da his-
tória de constituição do Estado brasileiro que se deu sob interesses de grupos políticos e
econômicos, e ressaltamos que a ocupação da região Amazônica e do Centro-Oeste foi con-
cebida de maneira a silenciar outro problema brasileiro, a questão agrária; ou seja, “a
região amazônica era vista como escape espacial para os conflitos sociais não solucionados”
(KOHIEPP apud PAZ, 2006, p. 84).

OS SUJEITOS DA PESQUISA
Nos rios que alimentam a região Amazônica são inúmeros os projetos de geração de
energia, assim os impactos decorrentes de tais projetos são muitos, e o rio Juruena e a
população que dele sobrevive sofre diretamente com tais impactos.
Embora as construções de PCH’s sejam consideradas como impactos de pequeno por-
te deve-se levar em consideração a soma total de tais projetos no alto curso do rio, ou seja,
é necessário considerar a bacia hidrográfica como um todo e não apenas um empreendi-
mento, uma vez que, um conglomerado de PCH’s modificará o curso da água, haverá im-
pacto na biodiversidade e nas comunidades locais. Referente aos impactos:
[...] as PCH’s causam impacto ecológico específicos como, a variação diária no nível de água em
trechos extensos da jusante da barragem, o que em alguns quilômetros dos rios ficam secos
impedindo a migração de peixes; e outro impacto é o social em que grande parte dos empreen-
dimentos não promove o desenvolvimento das comunidades rurais. (SALLES, 2009, p.01)

As construções não se limitam apenas nas obras em si, mas em uma movimentação
considerável em prol da construção final, que abrange áreas desmatadas, fluxos de
maquinários e trabalhadores, assim o arranjo espacial do local acarretará grandes proble-
mas ao ambiente natural e as comunidades locais, entre elas os povos da floresta, ás comu-
nidades tradicionais, os ribeirinhos e a população indígena.

A Comunidade Local
No tocante aos impactos sociais observamos por meio dos relatos dos entrevistados e
também pela nossa vivência nos processos de implantação de usinas hidrelétricas (UHE)
no estado, que as cidades próximas às construções das obras, Campos de Júlio e Sapezal,
são afetadas à medida que vai ocorrendo a transformação do lugar, as relações sociais,
econômicas, culturais e políticas, passam a ser outra com a distribuição do fluxo de pessoas
e de suas atividades econômicas, há disputa por serviços públicos, emprego e inchaço da
cidade, entre outras. Já as comunidades diretamente atingidas, a etnia Enawenê Nawê, é
afetada por meio de questões econômicas e alimentares, uma vez que o lugar/rio não oferta
mais as condições de sobrevivência. Isto quer dizer que a comunidade acaba tendo que
readequar a um “novo ambiente”.
Cabe ressaltar, que neste processo o curso do rio recebe obras de engenharias com
movimentação de maquinários que desmatam as áreas próximas ao seu leito, o volume de
resíduos e a poluição aumentam, principalmente por causa do grande número de projetos

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SOUZA, N. S. SILVA, T. P. RIO JURUENA, CONSTITUIÇÃO DE
UM ...
no mesmo rio. O que nos aponta para uma não definição de normas para a proteção do meio
ambiente como um todo.
Contudo, a comunidade local, neste caso, a etnia Enawenê Nawê é afetada e não se
beneficia de construções desse porte, ou seja, não há o desenvolvimento local das cidades
circunvizinhas e na própria comunidade local. Embora saibamos que os subsídios de tais
construções são oriundos de dinheiro público, pois são financiados pelo Banco Nacional de
desenvolvimento Social (BNDS), e como são produtos de Produção Independente e Energia
(PIE) tais recursos só beneficiam os grandes empresários, as comunidades restam apenas
conviver com as mazelas da construção de tais empreendimentos.
Os impactos sociais causados pelas Pequenas Centrais Hidrelétricas são poucos re-
velados, uma vez que, os próprios impactos físico-ambiental ainda não são mensurados, ou
sua grande maioria são ignorados pela própria discussão da isenção dos EIAs e RIMAs. No
entanto sabemos que, tais obras apresentam impactos tanto direto (as comunidades atingi-
das pela obra) como indiretamente (a sociedade como um todo), impactos esses que são
ignorados pela grande maioria dos empreendedores, e até mesmo pela sociedade de forma
geral.
Assim “o homem não é o centro das políticas públicas na Amazônia, muito menos as
populações tradicionais amazônidas, índios, caboclos, seringueiros ou ribeirinhos” (LEO-
NEL apud PAZ, 2006, p. 91).
Porém, parece-nos que tais empreendimentos carecem de estudos consistentes e de
políticas públicas que apontem e assegurem que a população diretamente afetada (ribeiri-
nhos, caboclo, índio) tenha direito a habitar em condições dignas em seu território de ori-
gem. Pois, tais famílias têm o rio como fonte de sobrevivência de ordem material e espiritu-
al.
Pela nossa participação anteriormente nos processos de implantação dessa nature-
za, afirmamos que os sujeitos sociais são tratados como um entrave ao desenvolvimento
econômico e aos mesmos não é dado o direito de participação, quando muito, é oferecido
indenização irrisória que jamais poderão mitigar toda a problemática em questão.

As Populações Indígenas
A população Enawenê Nawê, Pareci, Nambiquara, Mynky e Rikbaktza são as etnias
atingidas pelas PCH’s em processo de implantação no rio Juruena, pois os territórios des-
ses povos estão localizados próximos às áreas de construção das Pequenas Centrais Hidre-
létricas.
Destas cinco etnias a Enawenê Nawê é a diretamente atingida, pois a mesma vive
em aldeias próximas ao rio Iquê, afluente do rio Juruena, que se localiza ao noroeste do
Estado Mato-grossense. Esta etnia ocupa um território de 742,088 hectares e apresenta
uma população de 443 índios, pertencentes a família lingüística Aruak, tendo como vizi-
nhos mais próximos os Rikbátsa, Mynki e Nambiquara, povos que falam língua distintas
entre si.
Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (2008),
Uma parte desta terra está dentro da bacia hidrográfica do Alto Rio Juruena, próximo a conflu-
ência com o rio Juína, onde teria uma área que é utilizada para a coleta de mel. Os índios
Enawenê Nawê possuem uma forte religiosidade separando a terra em áreas para humanos e
áreas para os seres que também lá habitam, inclusive as “sombras dos mortos e os espíritos
subterrâneos (Yakairiti), que dominam os recursos da natureza.” Tem como atividade econômi-
ca principais a agricultura, a pesca e a coleta de alimentos, também produzindo artesanato que
são confeccionados seguindo um calendário ritualístico de pesca, plantação e coleta, determi-
nado pelo ciclo hidrológico da região (estações de seca, enchente e vazante dos rios que correm
em seu território) (PARECER TÉCNICO 020/ 2008, p. 09).

Ainda segundo dados da FUNAI (2008), a denominação Enawenê Nawê foi dada na
década de 1980, antes a mesma era conhecida como povos indígenas de Salumã.
A organização da tribo é feita em forma de aldeia circular formada por dez (10) gran-
des casas retangulares e uma casa circular mais ou menos no centro. As casas dos índios

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Terra Livre - n. 33 (2): 97-114, 2009
são feitas de tronco de várias grossuras amarradas com cipós e cobertas com folhas de
buriti, o que os assegura nos períodos mais quentes suas casas sejam protegidas do calor.
No interior dessas casas há uma área circular larga que liga as duas entradas, as quais são
chamadas de jirau (espécie de mesa alta feita de diversos troncos finos de árvores ligados
entre si) sobre os quais são colocados bolos, assados, milho, massa de mandioca para secar
e outros alimentos. Em cada casa moram diversas famílias ligadas entre si por relação de
parentesco (composto por pai, mãe e filhos) que tem seu próprio jirau onde guarda seus
pertences, redes de dormir, e seu fogo. O fogo é, também, um elemento importante para a
comunidade indígena, pois além de servir para o cozimento de seus alimentos, é um elo de
convívios entre os mesmos, já que durante o período noturno as tochas nas aldeias são
iluminadas, com um produto de resina enrolada em folhas de pacova (variedade de uma
espécie de bananeira grande), e nesse momento todas as famílias se encontram para o
diálogo, contam como foi o seu dia, ocorrendo assim uma interação entre o grupo.
(MONTEIRO, 2009).
A organização da etnia para o trabalho familiar é desenvolvida da seguinte maneira,
as mulheres desenvolvem a maior parte do trabalho em casa, como: cozinhar os alimentos,
cuidar das crianças, tecem redes e pulseiras de algodão, fabricam panelas de barro, pescam
pequenos peixes na lagoa, plantam alimentos na roça, e outros. Aos homens fica a respon-
sabilidade de buscar lenha, acompanhar as mulheres na roça, retirar da mata a resina,
cogumelos, mel, frutas, cipós e palhas, fazer canoas e outros. (MONTEIRO, 2009).
Os Enawenê Nawê são povos que têm como característica própria não consumir car-
ne vermelha, vivem exclusivamente da pesca e coleta. O que significa agregar uma maior
importância na relação que este povo tem com o rio, uma vez que, toda a sua cadeia alimen-
tar, crenças e rituais estão intrinsecamente ligadas ao mesmo.
A caça é realizada para obtenção de couros e dentes que são usados em rituais e ornamentos, e
um incipiente comércio de objetos artesanais. A alimentação desta comunidade é baseada no
pescado, consumindo-se tucunaré, trairão, piau, pacu, matrinxã e jaú. A pesca é realizada no
rio Juruena, próximo a confluência com o rio Juína, e em várias lagoas nos rios Iquê, Camararé
e Papagaio, e também nos rios Doze de Outubro, Joaquim Rios, Grande e Preto (PARECER
TÉCNICO 020/ 2008, p. 09-10).

Segundo a representante da Organização de Proteção dos Povos da Amazônia (OPAM),


para esta etnia o rio faz parte de um ritual, sendo ele a principal fonte de alimento:
[...] toda a cultura dos Enawenê é extremamente relacionada a questão hidrológica e do ciclo
da natureza, e tem o detalhe do peixe que é a grande fonte de proteína e base do ritual espiri-
tual deles, então assim [...] o rio é a base de tudo, a noção geográfica de deslocamento, de
localização no mundo para a etnia Enawenê é o rio. O rio tem uma importância fundamental
na vida dessa população indígena. (Entrevistada 03).

Corroborando com está análise o coordenador regional do Centro Indigenista Missi-


onário/MT afirma que:
Um impacto direto dessas construções nos rios afeta diretamente a vida e a base alimentar
desses povos, então a construção dessas centrais vão afetar diretamente a utilização dos rios
por eles. Os Enawenê Nawê tem todo um universo místico ligado a esses rios, suas práticas
culturais são eminentemente ligadas ao rio, são rituais que levam meses ali no rio Juruena,
então a ligação desses povos indígenas com o rio é diretamente ligada a vida, a vida física,
cultural e mitológica. (Entrevistado 01).

Quanto às crenças, valores e práticas rituais desses povos os mesmos acreditam na


vida após morte, e quando alguém morre a carne e ossos ficam para o espírito que habita no
patamar subterrâneo – Yakairiti, é o sopro de vida, o espírito, destina-se ao céu, patamar
superior, transformando em Enoré. Desse modo, a etnia apresenta uma espiritualidade
própria:
Quando os Enawenê Nawê estão doentes ou quando há qualquer outro tipo de problema, con-
sideram que a responsabilidade é dos espíritos Yakairiti que estão insatisfeitos com alguma
coisa, ameaçando levá-los ao outro mundo. (Entrevistada 03).

Nesse sentido, percebe-se que toda a formação mística dessa etnia é organizada por

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SOUZA, N. S. SILVA, T. P. RIO JURUENA, CONSTITUIÇÃO DE
UM ...
meio de suas crenças e práticas rituais, em que busca manter a harmonia no mundo com
uma profunda relação com natureza, uma vez que, buscam agradar os seus guardiões da
vida, os espíritos Yakairiti e Enoré.
Em relação a implantação das PCH’s em entrevista verificamos que a maioria das
etnias afetadas não foram consultadas ou informadas sobre as construções desse empreen-
dimentos. Neste sentido, o entrevistado 01 afirma que:
[...] a implantação de qualquer projeto que afeta as comunidades indígenas segundo a consti-
tuição, artigo 231, tem que passar por uma aprovação no congresso nacional; depois de aprova-
da as comunidades devem ser ouvidas, pois não pode pensar em ser montadas esses empreen-
dimentos sem que essas comunidades tivessem participado ou participem dessas discussões.
[...] e esse é um dos principais problemas que a gente tem encontrado neste processo de im-
plantação das PCHs, pois as comunidades não têm sido ouvidas como deveria, não foi feita uma
discussão, um aprofundamento de quais seriam os reais impactos das obras para essas etnia.
(Entrevistado 01).

O coordenador do CIMI diz ainda que:


Nas negociações com as comunidades, tanto indígenas quanto ribeirinhas, para liberar essas
construções, ilegalmente é bom deixar isso claro, foram feitos acordos de repassar até um (01)
milhão de reais para as comunidades, que seriam repassados de que forma? [...] na compra de
veículos como caminhão, ônibus, na compra de barcos voadeiras, etc. A gente já percebe aí os
impactos, pois não se tem algo que assegure a manutenção desses materiais para o futuro. E
mais, quando a gente fala em dinheiro que é repassado para as comunidades, isso é o que tem
feito a administração desses empreendimentos, na verdade, nada é repassado a comunidade,
na maior parte dos casos esses recursos é repassado a própria FUNAI.
A gente tem um dado especifico de um caminhão que seria comprado agora com os recursos
dessas centrais, parte das chamadas mitigações, e que a FUNAI estaria negociando para que o
caminhão fosse registrado e comprado no nome da FUNAI e não no nome da associação como
as comunidades indígenas querem. Então quer dizer, já há um conflito em torno desse dinheiro
e fora isso há problemas em relação as construção, pois embora se falem em pequenas centrais
hidrelétricas a gente sabe que tem uma grande movimentação de terra para a construção e que
de alguma forma vai mudar a própria configuração dos rios, que pode ser menor que uma
grande central, mais vai mudar o curso do rio e isso certamente vai afetar de alguma forma os
peixes da região e também a fauna, portanto, é evidentemente que ocorre impactos na vida das
comunidades que dependem desse rio, desses recurso naturais para sobreviver. (Entrevistado
01).

Há muitos conflitos em torno da construção desses empreendimentos hidrelétricos e


a população diretamente afetada, os indígenas tem se mobilizado para que tais construções
sejam “barradas” pelos órgãos responsáveis, uma vez que as mesmas não possuem relató-
rios de levantamento dos impactos ambientais e nem sociais e não possuem autorização
legal para serem construídas. Assim sendo, Daliaywacê, líder do grupo Enawenê Nawê,
relata que a comunidade não concorda com as obras na bacia do rio Juruena e exige dos
órgãos competentes levantamento dos impactos socioambientais, além de transparência no
processo.
[...] a nossa comunidade não concorda com a construção das PCHs e não quer negociar dinheiro
para a compensação ambiental e social. [...] o dinheiro não vai repor o peixe, nem a água, a
gente precisa sobreviver. [...] ninguém consegue explicar quais serão os impactos na rotina da
nossa comunidade; a FUNAI que deveria estar nos protegendo está apenas negociando dinhei-
ro, enganaram os indígenas, disseram que seria apenas 5 construção e estão querendo cons-
truir muito mais em nossas áreas [...]. (MONTEIRO, 2009, p. 03).

Lima (2009), antropóloga que trabalha há nove anos com os Enawenê Nawê, concor-
da com a posição tomada pela a comunidade indígena que em outubro de 2008, reagiu
destruindo o canteiro de obras, expulsando os funcionários da usina e ateando fogo em
alojamentos, escritórios, caminhões e oficinas da maior PCH do complexo em construção, a
Telegráfica. Fatos estes noticiados em todos os telejornais de Mato Grosso. Pois afirma que
a etnia teme que as hidrelétricas possam comprometer a segurança alimentar e a impor-
tância ritualística da comunidade: “[...] não há como trocar um território de rios saudáveis

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por criadouros de peixe como é proposto aos indígenas. A perda da diversidade e da salubri-
dade do rio poderá destruir seus rituais complexos e, conseqüentemente, a vitalidade de
sua cultura e da vivacidade tão característicos desse povo [...]”. (Entrevista concedida em
2009)
Ainda de acordo com a antropóloga, a etnia tem consciência dos riscos que correm
com o impacto da construção das PCHs; o chefe da etnia, Kawari, afirma sempre que: “Se a
destruição do habitat Yakayriti prosseguir, todos irão morrer: nós, você, e todos vocês, ynõti
(não índios). A diferença é que nós sabemos disso, mas vocês não [...]”. (Entrevista concedi-
da em 2009)
A frase do chefe Kawari está presente nos sujeitos sociais que tem como referencia o
rio como a constituição de seu território, e também na relação que os mesmos têm com a
terra, ou seja, para estes povos a concepção de territorialidade está imbuída no sentimento
de pertença, e essa relação não é levada em consideração nos processos de construções das
grandes e pequenas usinas hidrelétricas, pois esse fato é ignorado até mesmo pelo próprio
EIAs e RIMAs, o que nos aponta que as dinâmicas sociais são ignoradas nas discussões
socioambientais.

Os “Barrageiros” em Ação: Grupo Maggi e Cia


Segundo Castro e Andrade apud Paz 2006 todo projeto de engenharia possui impacto
ambiental e nas análises de projetos que envolvem planejamento e construção das obras
estão implícitas três (03) questões de ordem ideológica. Assim, a primeira questão é a aná-
lise da implantação - a obra é somente apresentada e não há uma discussão de construção,
ou seja, a obra já aparece como pronta, a comunidade não é chamada a participar e sim é
comunicada que está sendo feita a mesma. A segunda questão - a população impactada
aparece como parte do ambiente que fará a obra, as mesmas não são consultadas e contam
somente com “medidas compensatórias”. A terceira questão envolve as dimensões políticas
dos projetos que não são reveladas por parte dos empreendedores e assim os atingidos
pelas construções e a sociedade como um todo fica sem saber de todas as reais dimensões
das obras a serem construídas.
No que se refere à analise ambiental dos projetos de engenharia as três questões de
cunho ideológico acima citadas encontram-se na maioria das ações dos empreiteiros nas
construções de obras destinadas a energia por meio de recursos hídricos no Brasil. Dessa
maneira, Monteiro (2009) afirma que:
Os empreendimentos de PCH’s são produções independentes de energia com subsídios e isen-
ção de tributos municipais e estaduais [...] não integram ao sistema energético para o abaste-
cimento dos grandes centros urbanos em que seus proprietários produzem para seu próprio
uso, com dinheiros públicos, e isentos de impostos. (MONTEIRO, 2009, p. 03).

Desse modo, tais empreendimentos, tornam-se atraentes e viáveis ao setor empre-


sarial, mais exclusivamente à grande indústria agropecuária, a qual necessita do potencial
hidrelétrico para produzir e, conseqüentemente, gerar lucro.
As PCH’s parcialmente construídas ao longo do rio Juruena estão sob controle
do Grupo Maggi e Cia. Cabe ressaltar que, este Grupo tem dominado as fontes de energia
por meio de empreendimentos desse porte, não somente nesse rio, mas em todo o cenário
Estadual, o que nos permite apontar que tais construções são para sustentar o principal
produto desenvolvido pelos mesmos: a soja como monocultura no estado de Mato Grosso.
Contudo, cabe avaliar a produção deste tipo de agricultura que traz consigo a contamina-
ção dos solos e, conseqüentemente, a dos recursos hídricos pela forma como é desenvolvido.
Neste sentido, o estudioso da reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro, afirma
que:
[...] a água é um bem da união, que é um patrimônio da sociedade brasileira e que quem
concede o uso desses recursos naturais é o Estado Brasileiro, [...] através do Ministério das
Minas e Energia, que concede o aproveitamento dos potenciais hidráulicos. Esses potenciais
hidráulicos, pra você obter o direito de explorá-los passa necessariamente pela obtenção dessa

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SOUZA, N. S. SILVA, T. P. RIO JURUENA, CONSTITUIÇÃO DE
UM ...
concessão, só que para você ter a concessão é necessário que certas regras sejam cumpridas,
uma delas é que o projeto tem que apresentar um estudo de diagnostico socioambiental, mos-
trando a viabilidade de implantação no local. O que podemos constatar é que em Mato Grosso
esses projetos, de certo modo, estão sendo feitos/executados e a comunidade não tem participa-
do disso, sendo que esse é um os elementos fundamentais pra que seja concedida a autorização.
(Entrevistado 04)

Nas fontes de documentos, verificamos que o Grupo Maggi e Cia com o discurso de
que as Pequenas Centrais Hidrelétricas são uma oferta de energia limpa e ambientalmente
sustentável, ou seja, fonte de energia renovável com menor impacto ambiental tem conse-
guido por meio de liminares um verdadeiro “festival” de concessões para instalação e cons-
trução de novos complexos energéticos no Estado. E, mais, Segundo A Secretária de Comu-
nicação Social do Estado:
As terras indígenas que ficam próximas ao local onde as PCH’s estão sendo construídas no rio
Juruena não sofrerão impactos ambientais. Quanto aos peixes, a principal fonte de alimento
destas aldeias, também não sofrerá qualquer impacto. (http//:www.guiratinga.mt.gov.br/por-
).
tal1/noticiais).

Se não há impacto ambiental, isso quer dizer que ictofauna das aldeias também não
serão alteradas, no entanto, devemos considerar que no rio Juruena está em construção
um número considerável de PCHs, o que a nosso ver, impacta diretamente a população
local, pois as usinas, mesmo que pequenas, quando construídas de forma sucessiva causam
grande impacto.
O discurso de que a instalação das PCH’s estimula a economia regional com novas
atividades empresariais; que ativam a economia local e asseguram disponibilidade energética
à grande indústria para se instalar na região (NAVES, 2006), não condiz com a realidade
encontrada nos municípios onde as mesmas são construídas, pois:
[...] as pequenas centrais hidrelétricas são extremamente impactantes na localidade onde está
sendo construída, tendo em vista que elas utilizam os locais onde ocorrem os desníveis hidrá-
ulicos, ou seja, nos locais que estão as cachoeiras que é exatamente onde as pessoas tem a
ligação, digamos, seja pelo lazer, seja pela afinidade com este ambiente, que são locais aonde
com a implantação do empreendimento o rio perde essa característica, ficando como se fosse
um reservatório. O que digo é que como as Pequenas Hidrelétricas tem uma concepção de
projetos que elas estão em cascatas, uma sucede a outra, então o rio fica praticamente parado
isso ocasiona um grande impacto direto e que aquele patrimônio das cachoeiras se extingue, e
mais do que isso, que na medida em que você altera todo o curso d’água do rio você altera
também toda a fauna e flora contida naquele curso, portanto, para as comunidades da região o
impacto gerado por tais construções afetam diretamente a vida destas populações. (Entrevista-
do 04).

Neste sentido, acreditamos que o discurso de sustentabilidade das PCH’s vai de en-
contro de interesses dos grupos que detém o poder político e econômico no Estado de Mato
Grosso, que não se sustentam na prática, uma vez que não são levados em consideração
toda a problemática socioambiental que envolve a construção de tais empreendimentos,
principalmente, quando são deixados de lado os sujeitos sociais que vivem no campo e têm
como filosofia de vida o amor a seu lugar de pertença, onde a relação com a natureza foge
aos padrões de consumo da sociedade capitalista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No inicio de nosso trabalho encontramos duas dificuldades: de um lado a carência de
uma pesquisa na área que abrangesse a questão como um todo, que partisse de uma visão
sistêmica do objeto a ser estudado; e por outro lado, a fragilidade e incipiência de um traba-
lho de cunho de investigação científica, no que diz respeito, principalmente, aos subsídios
de trabalho a campo.
Em nossas observações foram muitos os conceitos de modo geral sobre o tema, porém
a maioria das leituras eram somente do ponto de vista da área de engenharia e em discus-

112
Terra Livre - n. 33 (2): 97-114, 2009
sões ambientais que seguem uma tendência de análise somente na dinâmica natural, em
que coloca as PCH’s somente como uma alternativa em opção contra as grandes obras de
geração de energia hidráulica, as Usinas Hidrelétricas (UHE).
Diante disso, entendemos que as dinâmicas naturais são tão importantes quanto às
dinâmicas sociais e, ao nosso olhar, não há como discutir os empreendimentos dessa natu-
reza somente do ponto de vista da engenharia, uma vez que as implicações de tais empre-
endimentos são feitas dentro das relações sociais, e mais, tais projetos envolvem dinheiro
público, porque são subsidiados com dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Soci-
al (BNDS), e sendo assim, parece-nos que há a necessidade de analisarmos os empreendi-
mentos desse porte, como um todo.
Ao término desta etapa chegamos a algumas ponderações: primeiro, a pesquisa nos
revelou que o tempo não foi suficiente para desenvolvimento de um trabalho que envolve
inúmeras reflexões devido à complexidade que o cerca, principalmente, no silenciamento
das questões que implicam em apropriação de território em um dos Estados de maior con-
centração de terra, com destaque, a quem no momento está na gestão do poder público.
Segundo, as famílias ribeirinhas que são retiradas de suas casas perdem o acesso a um bem
precioso e essencial a vida, a água. Além disso, sofrem a perda de suas relações sociais e da
identidade cultural construída através de anos, danos estes que não são passíveis de uma
indenização monetária. Terceiro, refere-se à importância do rio, que ao nosso entendimen-
to é muito mais que algo para especulação, como nos apontou a pesquisa de modo geral,
sendo toda uma constituição de território de um povo, que representa o significado de vida,
o modo de produção, não somente material, mas espiritual, todas as manifestações cultu-
rais desenvolvidas ao longo do tempo e do espaço, que para a grande maioria é apenas um
curso d’ água, enquanto que outros o considera motivo de toda a sua existência, e nessa
lógica, se perdemos nosso referencial enquanto existência perdemos o sentido da vida.
Assim sendo, acreditamos ser necessário um olhar mais detalhado para todo o pro-
cesso de implantação das PCH’s no país e, principalmente em Mato Grosso. Pois, inúmeros
empreendimentos operam em nosso Estado e outras várias são instaladas a todo momento,
sob o mesmo discurso desenvolvimentista e com as mesmas promessas de promover
melhorias para a região e na qualidade de vida da população afetada, mas há situações
onde as PCH’s possuem impactos negativos maiores que os positivos, isso ocorre principal-
mente quando as questões socioambientais não são dimensionadas e integradas de forma
coerente no ambiente em que se insere. Deste modo, é importante que estejamos atentos
para o modelo energético brasileiro e estadual, baseado essencialmente na força hidráuli-
ca, que gera conflitos antes mesmo de gerar energia.
Neste sentido, comungamos com o mestre Gadotti (2009), “há que se educar para
mudar radicalmente a nossa maneira de produzir e de reproduzir nossa existência no pla-
neta, portanto, é uma educação para a sustentabilidade”.
Diante do exposto, chamamos a atenção dos profissionais da Geografia para essa
questão, uma vez que a mesma tem como objeto as relações sócio-espaciais; e também a dos
movimentos sociais no Brasil, que são a mola propulsora das relações sociais, da história
dos homens e mulheres que não se contentam com o que está colocado como pronto e acaba-
do, e assim, lutam constantemente para tornar possível o impossível na construção de
paradigmas em prol de uma sociedade mais justa e igualitária, senão para todos ao menos
para a grande maioria da população.

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114
Resumo
Resumo: Este artigo apresenta resultado da pesquisa que busca
ampliar o conhecimento sobre a gênese dos areais, feições que
estão presentes na paisagem de campos do sul do Brasil, através
de um diálogo entre Geomorfologia e Biologia. Descreve-se o
paleocenário geológico e geomorfológico de ocorrência dos areais,
associando-o às espécies de fauna e flora que habitam esses
SOBRE A GÊNESE DOS espaços. Com base nas suas características de forma e
AREAIS (SW/RS): funcionalidade, elabora-se uma interpretação da evolução
UMA CONTRIBUIÇÃO ecológica dessas espécies de acordo com os conceitos de
DE INTERFACE
INTERFACE acoplamento estrutural e autopoise extraídos da teoria biológica
BIOLOGIA – de Maturana e Varela. Os areais seriam “janelas para o passado”.
Palavras-chaves
Palavras-chaves: areais, ecologia, autopoiético.
GEOMORFOLOGIA.
Abstract
Abstract: This paper presents results of research that seeks to
ABOUT THE GENESIS expand knowledge about the genesis of sand spots, features that
OF THE SANDS (SW/ are present in the landscape of fields in southern Brazil, through
RS): A CONTRIBUTION a dialogue between geomorphology and biology. Describes the
TO THE INTERF ACE
INTERFACE geological and geomorphological paleoscenario where occurs sand
BIOLOGY – spots, associating it with the species of flora and fauna that
GEOMORPHOLOGY. inhabit these spaces. Based on its characteristics of form and
function, draws up an ecological interpretation of the evolution
of these species according to the concepts of structural coupling
SOBRE LA GÉNESIS and autopoise extracted from the biological theory of Maturana
DE LOS ARENALES and Varela. The sands are “windows to the past.”
(SW/RS): UNA Keywords
Keywords: sand spots, ecology, autopoiesis.
CONTRIBUCIÓN DE
AZ BIOLOGÍA –
INTERFAZ
INTERF Resumen
Resumen: En este trabajo se presentan los resultados de una
GEOMORFOLOGÍA. investigación que pretende ampliar los conocimientos sobre la
génesis de los arenales, que están presentes en el paisaje de los
campos del sur de Brasil, a través de un diálogo entre la
DIRCE M. A. SUERTEGARAY
UERTEGARAY geomorfología y la biología. Se describe el paleo-escenario
geológico y geomorfológico en que se que originaron los arenales,
Departamento de Geogra- asociándolos a las especies de flora y fauna que habitan estos
UFRGS
fia/IG-UFRGS espacios. Con base en sus características de forma y función, se
establece una interpretación de la evolución ecológica de estas
especies, a partir de los conceptos de acoplamiento estructural y
suerte.ez@terra.com.br
autopoiesis extraídos de la teoría biológica de Maturana y Varela.
En ese sentido, los arenales serían “ventanas hacia el pasado.”
LUÍS ALBERTO PIRES DA SILVA
ILV
Palabras claves
claves: arenales, ecología, autopoiesis.
Biólogo egresso do PPGEA/
UFRGS

luisalbertopires@ibest.com.br

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 115-124 Jul-Dez/2009

115
SUERTEGARAY, D,. M. A., SILVA, L. A. P. SOBRE A GÊNESE DOS AREAIS...

Este texto propõe-se a expressar um olhar sobre as Paisagens de campo através de


um diálogo entre Geomorfologia e Biologia. Para tanto é necessário um recorte, espacial e
temporal. Este recorte diz respeito aos campos e seus usos na região da fronteira do Rio
Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina, em particular, a partir dos estudos sobre o
processo de arenização realizado pela equipe do Grupo de Pesquisa: Arenização/
Desertificação: questões ambientais, do Instituto de Geociências, Departamento de Geo-
grafia da UFRGS. A escala temporal abordada vincula-se a escala geológica, especialmen-
te, os períodos recentes da era Cenozóica.

PALEOCENÁRIO
A superfície da Campanha é para Ab’Saber (1969) uma superfície interplanáltica
típica, ela estende-se por grandes extensões do Rio Grande do Sul. Altimetricamente esta
superfície varia de 200 a 220 metros em suas margens e 140 a 180 em seu centro. As rochas
que esta superfície arrasou, segundo o autor foram as mais variadas.
Para o autor no caso específico do sudoeste do estado, esta superfície se originou a
partir de uma estrutura geológica regional homoclinal, previamente aplainada (Superfície
da Cadeia) e posteriormente desgastada através de uma disposição da rede hidrográfica
representados, particularmente, pelo Rio Ibicuí (L-W) e pelo Rio Santa Maria (SW- NE).
Estes vales, portanto, “só se definiram tal como se apresentam hoje, após a generalização
desta notável superfície aplainada neogênica” (p.12). Na expressão poética de Ab’Saber
“nas paisagens da Campanha Gaúcha os remanescentes desta superfície neogênica criaram
um panorama indelével: são eles que, a despeito do retrabalhamento por processos
morfoclimáticos do Quaternário dão ao observador, postado no alto das coxilhas, uma sensação
de horizontes estirados e enfindos”(1969, p.13).

Nestas paragens domina absoluta, para Ab´Saber, uma forma de relevo reconhecida,
regionalmente como,coxilhas, feições resultantes, em sua interpretação, do efeito
mamelonizador decorrente da umidificação do clima mais atual.

Figura 01
01: Mapa do Rio Grande do Sul,
ressaltando a região do sudoeste,
Campanha gaúcha (Fonte: Suertegaray,

116
Terra Livre - n. 33 (2): 115-124, 2009
1992)
Nesta área, desde Ab´Saber, os mapas geológicos (CARRARO et al. 1974 e DNPM
1989) registram as mesmas litologias os basaltos da Formação Serra Geral e os arenitos
eólicos da Formação Botucatu. Mais recentemente o DNPM (2008) registra nas áreas do
bioma Pampa, mais ao norte, na região de São Francisco de Assis, uma formação nova
Guará, de origem fluvio-lacustre.
A formação Botucatu1 (do tupi ïbï’tu ‘vento’ + ka’tu ‘bom’) está constituída, predomi-
nantemente, por arenitos de estratificação cruzada, resultante da deposição eólica, com
inclinação de 30º. Os grãos que o compõem são arredondados, os maiores com mais de 0,5
mm, tendo a superfície fosca e repleta de orifícios diminutos (outro vestígio da ação eólica).
Essa formação arenítica se estende por toda a Bacia do Paraná, raramente ultrapassa 100
m de espessura.
A formação do Botucatu é Mesozóica (Triássico) de 220 milhões de anos (A.P.), mo-
mento em que o clima da Terra fica lentamente mais quente e seco, culminando no período
Jurássico. O supercontiente Pangéia e a sua disposição, no seu trânsito superficial pelo
planeta ao longo das Eras, denominado deriva continental, estava, naquelas épocas ao
redor do Equador e por isso são apontados pelos paleoclimatólogos como responsáveis por
esse aquecimento em escala global, superior aos encontrados atualmente. A paisagem do
Rio Grande do Sul era dominada por um ambiente de planícies, com ondulações de poucos
metros de altura, com a presença de lagos de pouca profundidade e larga extensão, configu-
rando refúgio da vida local, separados por planícies pouco vegetadas (HOLZ, 1999). No
ambiente árido intercalado por períodos de chuvas torrenciais que provocavam enchentes
de grande magnitude nas planícies pampeanas, característicos desse momento histórico da
Terra, encontraríamos vivendo nessas paisagens do período Triássico sul-rio-grandense,
entre outros répteis, manadas de dicinodontes . Migrando constantemente esses répteis
herbívoros buscavam pastagens novas nas planícies de um novo continente derivado da
cisão do Pangéa: Gondwana (Gonduana).
Essas paisagens sofreram mudanças bruscas influenciadas pelos movimentos
tectônicos, acompanhado pelo vulcanismo de fissuras em toda a bacia do Paraná, marcan-
do o início da fragmentação do supercontinente Pangéia na região hoje conhecida como sul
do Brasil. Neste contexto, associados ao aquecimento climático paisagens de lagos e rios do
Triássico são substituídas por sedimentos de origem eólica que dominaram o horizonte.
Assim,
“Por mais inacreditável que possa parecer, a crescente aridez do clima no início do Jurássico
havia transformado o nosso estado num deserto [...]. Areia e mais areia, formando suaves
ondulações, onde quer que olhasse. O viajante do tempo poderia caminhar centenas de quilô-
metros em qualquer direção que não conseguiria sair desse deserto. As areias dos campos de
dunas do jurássico estendiam-se desde o norte da Argentina até os estados de São Paulo e Mato
Grosso, cobrindo praticamente toda a bacia do Paraná” (HOLZ, 1999, p.114).

É dessa rocha sedimentar de origem eólica que se obtêm a popular “laje grés”, muito
comum no calçamento da cidade dos porto-alegrenses, memória do imenso deserto que já
cobriu todo o nosso estado.
O intenso e espásmico período do vulcanismo de fissuras darão origem a paisagens
relativamente planas, totalmente constituídas de basalto, o que hoje nominamos como Ser
Ser--
ra Geral é o produto desse grande derramamento basáltico.
“A formação Serra Geral está representada especialmente pelos seus com-ponentes básicos
(basalto); que decorrem dos sucessivos derrames de lavas que originaram, no Jurocretácio, o
capeamento basáltico da Bacia do Paraná. Regio-nalmente é a seguinte a seqüência
estratigráfica: sedimentos paleozóicos recobertos pelos sedimentos mesozóicos (Triássico) e
arenitos da formação Botucatu. Estes sedimentos são capeados pelas eruptivas da Serra Ge-
ral” (SUERTEGARAY, 1998, p.24).

1
aquarembó, no Paraguai Misiones
No Uruguai é denominado Taquarembó Misiones. Na Argentina, são conhecidos como Misiones,
na província de mesmo nome e como membro Solari da formação Curuzú Cuatiá, na bacia Chaco-Paraná
(ALMEIDA & CARNEIRO, 1988).

117
SUERTEGARAY, D,. M. A., SILVA, L. A. P. SOBRE A GÊNESE DOS AREAIS...

Essa formação esta presente na Cuesta e no contato da Depressão Central com o


Planalto Meridional
“(...) a formação Serra Geral aquela que capeia o reverso da Cuesta do Haedo, ocorrendo nessa
área, no entanto, afloramentos da formação Botucatu: as chamadas ‘janelas de Botucatu’. São
estas ‘janelas’ que se revestem de importância neste texto, porque é sobre elas que, quando se
observam mapas geológicos em pequena escala, recaem muitos dos areais do sudoeste do Esta-
do” (SUERTEGARAY, 1998, p.24).

“A feição geomorfológica mais conspícua da região, (além das colinas), é o relevo tabuliforme,
caracterizado por elevações de topo plano na cota de 200 m aproximadamente e encostas ver-
ticais, com concavidade (...)” Maciel Filho et al (1979, p.56).

Assentando-se, despreocupadamente por milhares de anos, sobre o Botucatu, encon-


tramos estratificados depósitos arenosos que, na ausência da ação de alguns fatores físico-
químicos contribuidores da coesão/adesão entre seus componentes, não se consolidaram; a
origem desses depósitos esta relacionada a uma ação hídrica e eólica, por Suertegaray
(1988) que as denominou Unidades A e B, formados no transcorrer dos períodos Pleistoceno
e Holoceno do Cenozóico, respectivamente. Nesse contexto de alterações geomorfológicas,
embrião dos atuais areais, está chegando um novo personagem ao cenário paisagístico da
região que será por ele conhecido como Campanha, uma parte do Pampa Pampa.
A fragilidade vegetal que recobre o neossolo raso com textura arenosa e silte-areno-
so, típico dessa região, se defronta com um substrato de pH ácido, com excesso de alumínio
e carência de fósforo e potássio. Em termos de efeitos sobre essa vegetação a carência de
fósforo (P) dos neossolos resultará numa diminuição dos processos energéticos do metabo-
lismo vegetal, restringindo o crescimento vegetativo, a floração e a formação de ramos
novos. Quando nos remetemos à importância do potássio (K) no metabolismo vegetal, com-
provaremos as grandes restrições impostas à comunidade vegetal nas regiões sujeitas a
arenização. O potássio é necessário à síntese de carboidratos e proteínas e óleos das plan-
tas, é regulador e catalizador do metabolismo vegetal, além de promover as divisões celula-
res.
As restrições dos macronutrientes já são responsáveis por infligir pesadas restrições
à ocupação vegetal nessas áreas. Os movimentos constantes dos sedimentos nessas
declividades impõem a comunidade vegetal um estresse culminado com o soterramento e/
ou o transporte de grandes massas verdes, impulsionados pelos fluxos de sedimentos dos
processos morfogenéticos de escoamento superficial concentrado. Os depósitos descidos da
montante das vertentes abastecem os cones de areias formados a jusante. Esses cones
formam-se sobre o tapete vegetal estépico gramíneo lenhoso, cobrindo-o; algumas espécies
de gramíneas e herbáceas lenhosas podem romper essa camada de deposição e manter
suas atividades biológicas. Mas a continuidade do processo de deposição, a herbivoria do
gado associada à deflação, contribui com a fragilidade da área. A deflação promove o
soterramento da vegetação e causa danos físicos aos tecidos expostos, fragiliza o tapete
vegetal a tal ponto que esse desaparece, pela morte de seus componentes. Observa-se, em
alguns casos, a formação de “ilhas” de populações vegetais em recolonizações dos areais ou
comunidades vegetais remanescentes e resistentes aos processos morfogenéticos vigoran-
tes, em especial ao escoamento concentrado e a deflação.

AREAIS: ECOSSISTEMA TESTEMUNHO, UMA JANELA TEMPORAL.

A conjunção de processos morfogenéticos que resultam em paisagens restritivas a


presença e/ou fixação de comunidades vegetais, transportará suas restrições ao estabeleci-
mento de outras comunidades heterotróficas nessas áreas. A observação da fauna que man-
tém seu nicho ecológico parcialmente ou totalmente dentro dos campos de areia (AREAIS)
reflete, em parte, os processos dinâmicos estabelecidos entre o meio e a vida sustentada por
ele. A congruência das transformações do meio com as promovidas pela matéria viva esta-
belece uma conservação da adaptação , um acoplamento estrutural dos seres vivos com o
meio (MATURANA, 2001a), ou seja:
118
Terra Livre - n. 33 (2): 115-124, 2009

“O meio, enquanto o espaço no qual um sistema funciona como um todo tem uma dinâmica
estrutural independente da dinâmica estrutural dos sistemas que ele contém, apesar de ser
modulado pelos seus encontros com eles. Portanto, o meio e os sistemas que ele contém estão
em mudanças estruturais contínuas, cada um de acordo com sua própria dinâmica estrutural,
e cada um modulado pelas mudanças estruturais que eles desencadeiam um no outro através
de seus encontros recursivos [...] todos os sistemas em interações recursivas mudam juntos,
congruentemente” (2001a, p.177).

Dessa forma, Maturana (2001b), evidencia que não há um progresso nem otimização
do uso do ambiente por parte dos seres vivos, e sim uma conservação da adaptação e da
autopoiese, num processo em que os organismos e o ambiente permanecem num contínuo
acoplamento estrutural
estrutural. Enquanto os seres vivos variam segundo a diversidade ofertada
em cada etapa reprodutiva o ambiente varia em uma dinâmica diferente, do encontro des-
sas variações surgirão a estabilidade e a diversificação estrutural (fenotípica), como resul-
tado do processo de conservação da adaptação e da “autopoiesis”.
Enquanto um ser vivo não entrar em rota de interação destrutiva com seu ambiente,
veremos que entre a estrutura do ambiente e a do sistema vivo há uma compatibilidade. A
permanência dessa compatibilidade ou comensurabilidade, ambiente ó sistema vivo, atua-
rão como fontes de perturbação mútuas e desencadearão mutuamente mudanças de esta-
do: acoplamento estrutural.
As sintonias estabelecidas entre a vida e o ambiente, nas múltiplas interações de
duplo sentido, atrelam o ambiente às diversas formas de expressão material da vida. A
paisagem dos areais abre janelas à multiplicidade de processos que comungam no estabele-
cimento de sua singularidade ecológica e morfogenética, abre janelas temporais de tempos
pretéritos diversos do presente. Diante de nós erguem-se harmonias sutis.
“Os sistemas vivos (como todos os sistemas) existem somente com conservação de sua adapta-
ção, e que suas ontogenias são necessariamente históricas de mudanças estruturais em
congruência com um meio que, quer seja estático ou cambiável, lhes permite a realização de
seus respectivos nichos, e que, quando não ocorre, eles se desintegram” (MATURANA, 1997,
p.87).

No encontro de mútuas transformações, ambiente e organismos acoplados estrutu-


ralmente sofrem transformações. A fauna dos areais revela leituras desse acoplamento
mútuo.
Ao buscar o entendimento do conjunto de organismo que se vale das manchas de
areias, como parte do seu nicho ecológico, não se desvencilha da idéia dessa porção, unida-
de da paisagem do Bioma Pampa, como uma Janela temporal. Ao olhar atentamente ao
Figura 02
ortóptero (Figura 02), e buscar uma justificativa para uma camuflagem com tamanha afi-
nidade com o substrato arenítico, fica impossível relacionar essa façanha à evolução dessa
espécie em congruência com o ambiente que vive num espaço temporal recente. Esse, entre
outras manifestações de vida encontradas nos areais, nos aproxima de uma janela do tem-
po que pode reproduzir parte das condições ambientais dominantes nessa região há milha-
res de anos antes do presente. Ao procurar descrever as sensações primeiras mobilizadas
pela paisagem dos areais e percorrendo a sua fisionomia, nos vemos diante de um recorte
temporal das condições biotípicas reinantes em tempos pretéritos. Somos espectadores pri-
vilegiados diante de uma janela, onde a paisagem se confunde no tempo. Materialmente
ancorados no presente, nossa mente nos remete ao passado longínquo. Evidências no
substrato da paisagem dos areais e os organismos vivos que a compõe, testemunham condi-
ções ambientais, singulares não sustentadas pelos dados climáticos atuais.

119
SUERTEGARAY, D,. M. A., SILVA, L. A. P. SOBRE A GÊNESE DOS AREAIS...

Figura 02 – Ortóptero, gafanhoto-das-areais, no areal do município de Manoel Viana (RS), foto de Luis Alberto
Pires da Silva (out 2008)

Com o termo ecossistema testemunho procurou-se explicar a janela temporal aber-


ta pela paisagem dos areais, que nos fornece vestígios de adaptações estruturais e fisiológi-
cas da vida diante das restrições ambientais impostas em tempos pretéritos, mantendo o
acoplamento biótopo 1 biocenose e testemunhado pelo ecossistema dos areais.
Os estudos de Freitas (2006) abordam a fitossociologia da vegetação no areal forma-
do junto à base do Cerro da Esquina, localizado no município de São Francisco de Assis.
Chama atenção às características morfo-fisiológicas dos vegetais que revelam adaptações a
ambientes de escassez hídrica, contrastando com às circunstâncias climáticas atuais da
paisagem pampeana, ou seja, condições climáticas de umidificação. Podemos inferir que o
atrelamento entre a dinâmica evolutiva biológica e o ambiente que lhe sustenta, foram
mantidos, em circunstâncias presentes muito singulares como no pampa. O passado nos
revela indícios de períodos climatológicos secos e podem ser percebidos nas marcas impres-
sas nas características morfo-fisiológicas dos espécimes vegetais da biota local ainda no
presente. Nessa direção Ab’Saber (1971, in SUERTEGARAY, 1992) descreverá que a ate-
nuação da aridez a partir do Cretáceo Superior permitirá o povoamento da área que hoje
compreende o Rio Grande do Sul de uma vegetação subdesértica. Contribuindo com a com-
preensão que PIRES da SILVA (2008) faz dos areais uma janela temporal, ou ecossistema
testemunho de tempos Terciário e Quartenário
“a maior parte das coxilhas gaúchas do Uruguai e Rio Grande do Sul estiveram sob a ação de
climas secos e parcialmente invadidos por formações xerófilas com cactáceas [...]”
(AB’SABER,1971, in Suertegaray, 1998).

Na reconstrução dos eventos que marcaram a formação das pradarias gaúchas


Suertegaray nos revela que
“[...] as pradarias originais teriam, por suas vez, sofrido flutuações ao longo das oscilações
climáticas do Quartenário recente e representam, em nossos dias, vegetação relicto de climas
Quartenários mais frios e secos na América Latina, que permitiram, de um lado, a sobrevivên-
cia dos stocks terciários e, de outro, a sua expansão” (1998, p.32).

120
Terra Livre - n. 33 (2): 115-124, 2009
As espécies vegetais ecotípicas que encontramos junto aos areais nos apontam as
paisagens características dos períodos glaciais Quartenários, com vegetação reptante e
xerófilas
xerófilas, como cactáceas, além de áreas desprovidas do tapete verde como as prováveis
dunas de grande mobilidade daquela época (SUERTEGARAY, 1987). As cactáceas, como
morfologia concatena ao ambiente seco, armazena água nos tecidos parenquimáticos
aqüíferos do seu caule, um cladódio, ainda são marcantes nos areais gaúchos, constituindo
ecotípicas, são “[...] subespécies
o que Eugene P. Odum e Gary W. Barrett vão denominar de ecotípicas
geneticamente diferenciadas e que estão adaptadas a um conjunto de condições ambientais
particulares” (ODUM & BARRETT, 2007, p.183), como é o caso do Parodia ottomis em flor
Figura 03
registrado junto ao areal do Cerro da Esquina em São Francisco de Assis (Figura 03). As
cactáceas apresentam atrofia foliar, os espinhos diminuem a área de evapotranspiração,
suas funções fotossintéticas foram absorvidas pelos tecidos clorofilianos presentes abaixo
da fina epiderme que reveste seu caule.

03: Parodia ottonis (Cactaceae) em floração, novembro de 2006, Município de São Francisco de Assis
Figura 03
(RS). Foto de Luís Alberto Pires da Silva.

Vamos observar em nossas andanças em meio à diversidade de espécies que com-


põem a vegetação da Campanha a densa pilosidade da parte aérea de algumas populações,
a presença de folhas coriáceas, com formas e posições foliares propícias à proteção contra a
super exposição da luz solar. Além dessas características que comprovam acoplamentos
evolutivos da biota com seu meio em condições climáticas diversas do presente, Freitas
(2006) descreverá outras características relictas, como a presença de óleos e essências em
órgãos aéreos de algumas espécies vegetais, importantes para a retenção da água nos teci-
dos, diminuindo sua perda para o ambiente. Os órgãos subterrâneos espessos, xilopódios
Figura 04
(Figura 04), armazenadores de nutrientes, contribuem com a sobrevivência de espécimes
em ambientes com pouca disponibilidade de macro e micronutrientes essenciais à sobrevi-
vência, caso de solos dos areais.
Esses personagens constituintes da trama ecossistêmica atual, mas indicadores de
condições ambientais pretéritas revelam pelas suas características indícios temporais pas-
sados, pois essas características se mostram inadequadas às condições climáticas atuais,

121
SUERTEGARAY, D,. M. A., SILVA, L. A. P. SOBRE A GÊNESE DOS AREAIS...

mas são os testemunhos das restrições a que foram submetidas no passado.


“Tais adaptações poderiam ser supérfluas nas condições climáticas atuais, pois testemunham
a ocorrência de fases xerotérmicas do Quartenário dessa região americana e atestam um cará-
ter relictual a estes elementos da flora (MACHIORI, 1995). Entretanto, estas mesmas adapta-
ções são importantes em ecossistemas campestres submetidos a perturbações periódicas (quei-
madas, déficits hídricos) ou contínuas (pastejo), comuns no bioma Pampa (OVERBECK et
al.,2007)” (FREITAS, 2006).

Figura 04
04: Lenhosa do táxon das Mirtaceae no areal da localidade Esquina em São Francisco de Assis (RS),
revelando a grande ramificação do tronco e do sistema radicular tipo xilopódio.

O avanço do tapete florístico sobre as bordas dos areais, ocupando grandes áreas
abandonadas em períodos prolongados de estresse hídrico, motivados por fraca precipita-
ção, recupera-se em meses de precipitações mais favoráveis, mas raramente fecha a janela.
A ativação dos areais, exposição do substrato arenítico inconsolidado, não esta sendo acio-
nado pelas condições climáticas de aridez, mas sim, pelo clima úmido. O que hoje acompa-
nhamos na paisagem do sudoeste gaúcho tem sua gênese no grande fluxo hídrico superfici-
al concentrado, removendo parte do sedimento e da vegetação a ele associado. Algumas
plantas, como do grupo das Mirtáceas, estão providas de raízes principais muito extensas
atingindo grande profundidade, determinando um bom suprimento de água e ancoramento,
diante da mobilidade da superfície. O que chama atenção é a sua presença no ecossistema
campestre, pois não é uma família vegetal comum de ser encontrada nesse ambiente
(FREITAS, 2006).
Os fatores que são a energia de ativação da arenização no presente esta relacionado
ao grande gradiente da distribuição pluviométrica ao longo do ano nessa região gaúcha,
repetem a própria marca temporal climática deixada no sedimento, como as Unidades A e
B, descritas por Suertegaray (1987/1998). Sendo a primeira uma formação fluvialfluvial, cuja
seqüência se expressa pelo contato erosivo, mais profundo e direto com a formação Botucatu.
A segunda, a Unidade B, mais superficial e sujeita a exposição pelos agentes erosivos da
atualidade, é um sedimento de estratificação cruzada, indicando ser um ambiente de depo-

122
Terra Livre - n. 33 (2): 115-124, 2009
sição eólica
eólica. Alternam-se na evolução paleoclimática períodos áridos com períodos de ate-
nuação da aridez, acompanhados pelos organismos num acoplamento evolutivo, com a fi-
autopoiesis”
nalidade de manutenção da “autopoiesis”
autopoiesis”.
“Organismos e meio variam de modo independente; os organismo variam em cada etapa
reprodutiva e o meio segundo uma dinâmica diferente. Do encontro dessas duas variações
surgirão a estabilização e a diversificação fenotípica, como resultado do mesmo processo de
conservação da adaptação e da autopoiese, a depender dos momentos desse encontro: estabili-
zação, quando o meio muda lentamente; diversificação, quando ele o faz de modo abrupto”
(MATURANA &VARELAb, p.125, 2001).

Assim, temos que considerar ao contrário dos indícios, não são as variações do meio
as determinantes na trajetória evolutiva dos organismos, mas a conservação do acoplamento
estrutural dos organismos com seu meio (estabelecimento e manutenção dinâmica de seu
nicho
nicho). Ou, ainda, um termo que explora essa ligação entre vida e substrato que a sustenta,
articulado e concebido pelo biólogo e filósofo alemão Jacob V. Uexkull (1864-1944), o esta-
belecimento por cada manifestação da vida o Umwelt, “mundo ao redor”, ou seja, qualquer
espécie ao agir e interagir no mundo, está elaborando seu Umwelt, no sentido de extrair de
determinado ambiente suas formas de autonomia para conseguir sua perpetuação
(MOSCOVICI, 2002, p.167).
Entre os elementos e fatores que determinam o Umwelt dos organismos mantenedores
do ecossistema testemunho, que constitui os campos de areais do pampa gaúcho, o clima
constitui-se uma propriedade de destaque desse encrave. Segundo os estudos do Geógrafo
Dakir Larara M. da Silva em sua tese de doutorado:
“A região campestre do Rio Grande do Sul é interpretada de longa data como uma área com
presença de vegetação de ambiente diferenciado do atual, ambiente árido frio associado ao
Pleistoceno. Parte da vegetação ainda presente nessa área é representativa de uma expansão
proveniente do Monte Argentino, região seca de dispersão. Em que pese à expansão das espé-
cies de clima úmido, estas se apresentam acopladas às espécies de ambiente árido que, em
alguns casos, mantém-se em nichos, constituindo minirrefúgios. Estes são favorecidos pelos
tipos de substratos: arenoso, relativamente seco e quente (areais), devido à infiltração e à
perda de energia para a atmosfera; e o rochoso (Escarpa pedregosa de Morro Testemunho),
relativamente seco e quente, devido à dificuldade de retenção da água que, neste caso, facil-
mente escoa e há perda de energia para a atmosfera” (SILVA, 2009, p.129).

Na área onde desenvolveu seus estudos, São Francisco de Assis (RS), o Dakir L. M.
da Silva, constatou a existência de relictos de ambientes pretéritos. No estudo de caso o
táxon das cactáceas foi priorizado sobre outros grupos indicadores de acoplamento entre
ambiente e organismo. Concluiu que os relictos são indicados, no contexto das paisagens
atuais, pela morfologia e fisiologia desses organismos, dando lhe condições de sobreviver
como testemunhos de ambiente do passado em áreas, no presente, com microclima favorá-
vel, no caso de bordas de areais e das encostas pedregosas do sudoeste gaúcho. (SILVA,
2009)
Conclui esse mesmo autor: “no dizer de Ab`Saber (2008), essas unidades de paisa-
gens com presença de cactáceas (e de outros organismos relictos de tempos pretéritos)
correspondem ao que metaforicamente denominou de palimpsestos ecológicos ecológicos, ou seja,
sucessão de fatos ocorridos em alguns espaços ecológicos, onde a interferência dos paleoclimas
redundou em derruição das paisagens de antigas condições geoecológicas, acompanhadas
de instalações bióticas mais recentes” (Ibidem, p. 98).
Esta compreensão sobre as espécies vegetais e animais que convivem com os areais
na relação com seu meio contribui para, através do diálogo com a biologia, corroborarmos
informações já reveladas, pelos indicadores geológicos e geomorfológicos presentes nos pri-
meiros estudos sobre os areais. Configurando-se sob esta perspectiva o entendimento de
que os areais são janelas para o passado, ou seja, revelam tempos geológicos distantes do
presente compondo espaços das paisagens atuais.

123
SUERTEGARAY, D,. M. A., SILVA, L. A. P. SOBRE A GÊNESE DOS AREAIS...

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos que promovem o diálogo entre diferentes campos do saber, neste caso
geomorfologia e biologia de forma ampla, permitem o reconhecimento de indicadores de
ambientes do passado. Neste trabalho é possível verificar indicadores geomorfológicos, ge-
ológicos e biológicos que demonstram formas diferenciadas de organização ecológica ao
longo do tempo. Esta compreensão revela, para os areais, uma história e, ao mesmo tempo,
lhe permite identificar como um testemunho do passado – uma janela para o passado.
Assim, o aprofundamento da compreensão sobre a dinâmica dos areais, aqui interpretada
num contexto ecológico, com base no conceito de “autopoiesis” é revelador de uma necessi-
dade cada vez maior de diálogo entre os diferentes campos do conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Geomorfologia
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do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria da Coordenação e Planejamento e Secretaria de
Ciência e Tecnologia, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2001, 85p.

124
Resumo: Uma das funções sociais da Escola é a formação para a
cidadania. O professor-pesquisador participa desse processo ao se
empenhar para construir diálogos com os educandos sobre qual o
significado do meio para esses sujeitos; como percebem o espaço;
quais formas de territorialização que utilizam; quais espaços em
que a segregação se revela e como o ensino pode contribuir para
uma percepção crítica da realidade e intervenção ou reconstrução
O ENSINO DA dos espaços de sua vivência. O objetivo deste trabalho é apresentar
GEOGRAFIA E OS essa discussão voltada aos “jovens em situação de risco social”;
JOVENS EM suas realidades e dinâmicas espaciais das quais fazem parte, na
SITUAÇÃO DE RISCO denominada “Geografia Cidadã”. Para tanto, torna-se necessário
identificar a situação de risco social e a percepção dos sujeitos
SOCIAL: “POR UMA nela inseridos quanto ao ensino da Geografia, o que é possível,
GEOGRAFIA CIDADÔ também, por meio de entrevistas realizadas com jovens em
cumprimento da medida sócio-educativa Liberdade Assistida.
THE TEACHING OF Palavras-chave: Jovens em situação de risco social, ensino-
GEOGRAPHY AND aprendizagem, Geografia Cidadã, espaço vivido, Liberdade
Assistida.
YOUNG PEOPLE AT
RISK SOCIAL: Abstract: One of the social functions of the School is training for
“CITIZENS FOR A citizenship. The teacher-researcher part of this process is to strive
GEOGRAPHY” to build dialogue with the students about the significance of the
means for these individuals, perceive as the space, which they
use forms of territorialization, which areas in which segregation
LA ENSEÑANZA DE is revealed and how the teaching can contribute to a critical
perception of reality and of the intervention or reconstruction of
LA GEOGRAFIA Y LOS their living spaces. The goal is make this thread dedicated to “youth
JÓVENES EN at social risk”, its realities and spatial dynamics of which are part,
SITUACIÓN DE named “Citizen Geography.” Thus, it is necessary to identify the
RIESGO SOCIAL: situation of social risk and the perception of the subjects included
“POR UNA in it about the teaching of geography, which is possible, through
GEOGRAFIA interviews with young people in fulfilling the socio-educational
CIUDADANA” measure Assisted Freedom.
Keywords: Young people at social risk, teaching-learning,
geography Citizen, living room, assisted freedom

Resumen: Una de las funciones sociales de la Escuela es la


TÂNIA BATISTA
TISTA formación para la ciudadanía. El maestro-investigador participa
TEODORO de ese proceso cuando él se comete a construir diálogos con los
alumnos sobre cuál es el significado del entorno para ellos; como
perciben el espacio; cuales son las formas de territorialización que
UNI-BH utilizan ellos; cuales son los espacios en que la segregación se revela
y como la enseñanza puede contribuir para una percepción critica
tbtpitti@yahoo.com.br de la realidad y intervención o reconstrucción de los espacios de
su vida. El objetivo de este trabajo es presentar esa discusión que
se vuelta a los “jóvenes en situación de riesgo social”; sus realidades
y dinámicas espaciales de las cuales hacen ellos parte, en la
denominada “Geografía Ciudadana”. Para eso, es necesario que
se identifique la situación de riesgo social y la percepción de los
sujetos en ella insertados cuanto a la enseñanza de la Geografía,
lo que es posible también por medio de entrevistas hechas con
jóvenes participantes de la medida socioeducativa Libertad
Asistida.
Palabras-clave: Jóvenes en situación de riesgo social, enseñanza-
aprendizaje, Geografía Ciudadana, espacio vivido, Libertad
Asistida.

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 125-138 Jul-Dez/2009

125
TEODORO, T. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA E OS JOVENS...

Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo,


torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente,
ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se
a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela
tampouco a sociedade muda.
(Paulo Freire, 2000)

INTRODUÇÃO
A população jovem tem um perfil marcante no contexto brasileiro, não só no que diz
respeito à densidade demográfica. Pois, a cultura, as formas de expressão e a atitude dos
jovens são traços característicos para a definição desse grupo.
A presença dos adolescentes, também, está relacionada com alguns indicadores soci-
ais alarmantes. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên-
cia e a Cultura - UNESCO (2003, p.2) “Os jovens brasileiros, principalmente os de idades
entre 15 e 24 anos, são a faixa populacional mais exposta à violência, quer como vítimas ou
agentes”.
Essa exposição à violência faz com que as estatísticas correspondentes às mortes de
jovens por fatores externos (homicídios, acidentes de trânsito e suicídios) sejam as mais
elevadas. Dados os quais revelam que os jovens são um dos principais sujeitos em situação
de risco social.
Por situação de risco, entende-se a condição de crianças que, por suas circunstâncias de vida,
estão expostas à violência, ao uso de drogas e a um conjunto de experiências relacionadas às
privações de ordem afetiva, cultural e socioeconômica que desfavorecem o pleno desenvolvi-
mento bio-psico-social. Esta situação de risco acaba se traduzindo por dificuldades na freqüên-
cia e no aproveitamento escolar, nas condições de saúde de forma geral e nas relações afetivas
consigo mesmo, com sua família e com o mundo, tendo como conseqüências a exposição a um
circuito de sociabilidade marcado pela violência, pelo uso de drogas e pelos conflitos com a lei
(LESCHER et al. 2004, p.11).

A marginalização é um dos fatores capazes de tornar o jovem vulnerável socialmen-


te, e a configuração dessa situação de risco representa uma ameaça mais intensa ao
envolvimento com prostituição, drogas e violência (ARANTES, 2006; MPRS, 2008).
Tendo em vista que a violência é um tema de grande importância e uma das princi-
pais ameaças aos direitos dos adolescentes, faz-se necessária a ampliação da discussão
acerca da realidade desses jovens e sua formação para a cidadania, principalmente àqueles
que freqüentam instituições escolares, pois essas ainda são um dos principais espaços de
inclusão, socialização e mobilidade social.
Em consonância com o papel significativo da Escola no contexto dos adolescentes,
cabe às disciplinas nela ministradas contribuírem para a formação crítica dos jovens, o que
ocorre quando não se negligencia a realidade por eles vivenciada (CARLOS, 2003). Portan-
to, abordar os espaços vividos pelos mesmos, no âmbito da Geografia, se apóia no pressu-
posto de que uma determinada ciência adquire valor social quando é compreendida como
algo relevante por estar presente no cotidiano dos sujeitos, tendo para esses alguma utili-
dade.
Assim sendo, o objetivo deste trabalho é compreender a relação que o ensino da Ge-
ografia possui com a realidade vivenciada pelos jovens em situação de risco social, que
freqüentam o ensino regular, e sua formação para o exercício da cidadania.
O conteúdo apresentado parte da delimitação conceitual dos jovens em situação de
risco; da identificação do papel da Geografia na realidade desses adolescentes e da percep-
ção que os jovens possuem em relação ao ensino da Geografia.
Para isto foi necessário um roteiro de investigação para caracterizar o perfil dos
jovens em situação de risco, no qual está incluída a produção de marco teórico e a realiza-
ção e análise de entrevistas com jovens em Liberdade Assistida, uma vez que o espaço de

126
Terra Livre - n. 33 (2): 125-138, 2009
vivência dos sujeitos é um importante elemento a ser considerado no processo de ensino-
aprendizagem.

A LIBERDADE ASSISTIDA E AS ESCOLAS: RESSOCIALIZAÇÃO PARA JOVENS EM


SITUAÇÃO DE RISCO

Quando se trata de risco social é importante analisar dois pontos fundamentais; o


primeiro deles diz respeito aos principais sujeitos englobados nessa abordagem e segundo
ponto se refere às possíveis causas dessa situação.
A acentuada desigualdade sócio-econômica no Brasil é um dos principais fatores que
tornam os jovens vulneráveis à violência, sejam como vítimas ou como algozes (PLATANOW,
2007; UNESCO, 2003). “(...) A violência encontra um excelente caldo de cultivo na apatia,
na falta de projeto de futuro, na ausência de perspectivas e na quebra dos valores de tole-
rância e solidariedade (...) (UNESCO, 2004, 165).
O jovem brasileiro, por sua vez, está constantemente envolvido em situações de con-
flito, não somente de ordem social ou econômica. Esses conflitos também estão relaciona-
dos a diversos fatores: psico-emocionais; familiares; educacionais e sócio-geográficos.
A juventude é o grupo social que mais foi atingido por fatores como a crise no mercado de
trabalho e como a explosão demográfica, que vem ocorrendo nas últimas três décadas. Data
deste período a tematização da juventude, principalmente, em nível nacional, em termos polí-
ticos e educacionais, com uma representação sempre marcada por sua associação direta com
problemas sociais. O conceito jovem em situação de risco traduz esta visão: relaciona-se aos
jovens que vivem em regiões de conflito social, desta maneira tendo uma convivência com a
violência e a pobreza. (OLIVEIRA et al, 2008. p.15)

Por meio dessa afirmativa é possível visualizar a necessidade de uma dedicação mais
intensa aos jovens em situação de risco, o que pode ser viabilizado pelas várias instituições
da sociedade, inclusive a Escola.
A fim de compreender o papel significativo da violência para caracterização da situ-
ação de risco social e os reflexos negativos que ela possui nos espaços cotidianos do jovem,
torna-se importante conhecer alguns direitos que esses adolescentes possuem, mesmo quan-
do se tornam agentes da violência, também entendida como ações resultantes da quebra do
diálogo (UNESCO, 2003).
Uma das formas de evitar essa quebra de diálogo no ambiente escolar é respeitar a
realidade dos educandos, seus valores artísticos, históricos e culturais. Assim, refletir que
a Escola é um local em que a maioria dos adolescentes passa uma parte considerável de sua
vida pode propiciar um ensino aprendizagem coerente com as vivências dos jovens.
Ao promover ações e debates acerca da realidade dos jovens em situação de risco e
sua vivência educacional pretende-se, também, alcançar um objetivo social; que é a cidada-
nia. Pois, a educação é um direito inalienável ao ser humano e precisa contribuir para que
ele se desenvolva, intelectual e socialmente, nos múltiplos espaços por ele experienciados.
É importante salientar que adolescentes que realizaram um ato infracional (como
furto, práticas violentas, dentre outros) estão inseridos na situação de risco e necessitam
receber a devida atenção. E, com base no que assegura a lei, o desenvolvimento integral da
criança e do adolescente deve ocorrer em condições de liberdade e de dignidade. E mesmo
quando um jovem comete algum ato infracional é preciso assegurar-lhes seus direitos ine-
rentes à pessoa humana, tais como o direito à educação (ARANTES, 2006; SOUZA, 1997).
Na garantia dessa prioridade, adolescentes no cumprimento de medidas sócio-
educativas, sem privação de liberdade integral, são encaminhados às escolas pelas institui-
ções competentes ou acompanhados até os ambientes de ensino regular. Já nos Centros de
Reeducação, onde alguns jovens ficam internados, são realizadas práticas educativas que
favoreçam o aprendizado dos mesmos.
Ao analisar as medidas sócio-educativas, ARANTES (2006, p.226) considera que: “A
Liberdade Assistida é a medida mais eficaz para reeducação e socialização do adolescente
que necessita da intervenção pública para auxiliar a família e os responsáveis legais na

127
TEODORO, T. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA E OS JOVENS...

educação e inserção social plena”; até mesmo pelo fato dessa medida não impedir os jovens
de participar do convívio com a sociedade.
O caráter socializante e pedagógico da Liberdade Assistida, representado pela assis-
tência psicológica e social, deve priorizar a proteção e o desenvolvimento do adolescente,
pois, de acordo com as finalidades previstas pela Lei, a Liberdade Assistida não se caracte-
riza como uma punição ao jovem e sim como um apoio à cidadania do mesmo e sua reinte-
gração à sociedade (MDS, 2008; SOUZA, 2008).
Um dos propósitos em destinar esses jovens em Liberdade Assistida às instituições
escolares é fazer com que se cumpra o papel de responsabilidade do Estado; da sociedade e
da família para com esses indivíduos, reduzindo a vulnerabilidade social dos mesmos. Po-
rém, a necessidade em zelar por esses adolescentes aparece muito antes de se configurar a
situação de risco sendo, às vezes, negligenciada.
Para tanto é necessário que o profissional da educação esteja preparado para receber
adequadamente esses jovens, realizando um ensino condizente com a sua realidade. Assim
sendo: “(...) destaca-se a importância de criação de cursos de reciclagem, que propiciem o
aperfeiçoamento de professores que recebem alunos em LA, os auxiliando a compreender a
condição do aluno e a possibilidade de sua reinserção social (...)” (MARTINS et al, 2005 ).
No entanto, é preciso considerar a possibilidade do Estado, da sociedade e da família
ao interpretar que apenas a inserção de jovens em situação de risco social no ambiente de
ensino regular seja o suficiente para que esses adolescentes se reeduquem.
Mas, ao observar a inserção dos mesmos torna-se necessário, também, analisar se os
profissionais de ensino e as práticas pedagógicas não contribuem para ampliar ainda mais
a condição de excluídos em que se encontram, o que pode ocorrer através de estereótipos e
opressões.
Assim, vale considerar que: “(…) a falta de oportunidades educacionais tem
comprovadamente aberto “brechas” para o aumento da criminalidade juvenil” (INESP, 2007,
p.30). Essa “falta de oportunidade”, acentuada no espaço urbano, pode ser caracterizada
pelas desigualdades quanto ao acesso, qualidade e, principalmente, permanência igualitá-
ria de jovens no ambiente escolar.
Azevedo (2004) realizou entrevistas com adolescentes no cumprimento de medidas
sócio-educativas e a fala do jovem E.N., 18 anos enfatiza a carência de oportunidade esco-
lar:
Passei por duas internações, nas piores unidades da FEBEM. Saí com o coração mais duro
porque lá dentro fui tratado como animal. Alguns monitores batiam na gente. Acho que o couro
não adianta nada, só revolta. É difícil para um ex-interno ter alguma oportunidade aqui fora.
É complicado até para estudar. Só estou fazendo a 5a série porque consegui uma vaga no CEU
Inácio Monteiro. Antes, tinha ido a cinco Escolas e nenhuma me aceitou. Eu não tinha nem
documentos. Fiquei triste porque estou tentando fazer tudo certo. Só quero arrumar um em-
prego e ter uma família. O pessoal da liberdade assistida me dá conselhos e diz que eu tenho de
erguer a cabeça. Da primeira vez que saí da FEBEM não tive esse apoio e não suportei (AZE-
VEDO, 2004, p.1).

Observa-se na fala do adolescente, que, além do descontentamento por causa da


internação, impera a questão da falta de oportunidade escolar, que contribuiu ainda mais
para sua situação de exclusão. Vale realçar que:
A responsabilização pelo adolescente infrator não está como alguns pensam, em desalinhave
com a educação. Muito pelo contrário, pois significa preparar o educando para a convivência
humana de forma harmoniosa e saudável, com o respeito aos direitos individuais e sociais, com
uma perfeita consciência de todos os seus deveres (FROTA, 1999, p.55)

A partir dessa afirmativa, a Escola, na busca por uma formação cidadã, pode incluir
em sua prática educativa maneiras de estimular os jovens a ampliarem, de forma positiva,
sua atuação no espaço, mediante as adversidades vivenciadas no próprio cotidiano dos
alunos, revelando assim a importância da Escola em não ser uma instituição estática
(DAYRELL, 2007).
Os jovens, no cumprimento ou não de medidas sócio-educativas, contribuem para
formar o perfil de uma determinada sociedade, na medida em que suas ações passam a

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Terra Livre - n. 33 (2): 125-138, 2009
refletir na construção ou reconstrução do espaço de suas vivências.
Para compreender o papel da Geografia na vida dos alunos é preciso compreender os
múltiplos espaços vividos pelos jovens e a maneira como os locais passam a ser
territorializados por um determinado grupo. A partir desse ponto é possível construir ou
articular a forma mais adequada de lhes ensinar Geografia.
Esse olhar em torno da Geografia revela que ela não se restringe a uma prática
educativa cega aos conflitos existentes no próprio espaço em que ela se constrói, possuindo
uma função social e política acerca do reconhecimento da dinâmica do ser humano em seu
espaço vivido (Serpa, 2005). Dessa forma considera-se que:
(...). Uma Geografia assim pode, sobretudo, explicitar as relações entre cultura e poder nos
processos de apropriação social e espacial em diferentes escalas e recortes espaciais, assim
como as múltiplas estratégias cognitivas dos diferentes agentes e grupos produtores de “espa-
ço” (SERPA, 2005, p.12)

O ensino da Geografia, coerente com o desenvolvimento das potencialidades dos jo-


vens em situação de risco social, possibilita uma formação crítica, pois destaca o espaço
vivido, ou seja; o espaço da realidade do próprio sujeito, um espaço complexo, pois é o
espaço em que diferentes vivências, culturas e subjetividades são apresentadas. E, segun-
do CAVALCANTI (2002, p.47): “É, também, um espaço extremamente segregado e
segregador, onde cresce a cada dia o número de excluídos (...).
Pode-se admitir, através desse ângulo, que o espaço vivido pelos sujeitos não é restri-
to a uma escala local; sendo o espaço cujas fronteiras encontram-se difusas. Esse espaço de
diálogo (globalizado) é ao mesmo tempo um espaço de exclusão, no qual a realidade dos
sujeitos em situação de risco social é apresentada. Contudo, no momento em que se busca
conhecer e trabalhar sobre o espaço do jovem “A Geografia defronta-se com a tarefa de
entender o espaço geográfico num contexto bastante complexo” (CAVALCANTI, 1998, p.16).
Trabalhar com adolescentes em situação de risco social e sua relação com o ensino da
Geografia abrange o estudo da condição do jovem no espaço, suas lutas e conflitos, formas
de territorialização do espaço e percepção conceitual e prática do mesmo, o que ocorre de
acordo com sua experiência e cultura.
A abordagem dos sujeitos em situação de risco social revela que a própria construção
de sua história está relacionada às modificações que são exercidas no espaço. Sendo assim:
“(...) Estudar a realidade social contemporânea desprezando o ponto de vista geográfico é
tratar as sociedades como abstratas e imaginárias, como um “invertebrado”, um corpo que
não tem onde se sustentar” (OLIVA; GIANSANTI, 1999, p.3) e o próprio estudo do espaço
geográfico ao desprezar a realidade social contemporânea passa a ser o estudo do espaço
abstrato e imaginário. Ao contrário desse fato, estudar o espaço e contextualizá-lo com a
realidade da sociedade em questão torna a prática geográfica mais útil socialmente.

O ENSINO DE GEOGRAFIA E A SOCIALIZAÇÃO: UMA ABORDAGEM SOBRE O ESPA-


ESPA
ÇO VIVIDO

Os jovens conceituam, refletem e podem intervir nos espaços de sua vivência, atra-
vés das oportunidades que tiveram, ou não, no ambiente familiar, escolar e social. A partir
desse ponto, é possível abordar a influência do meio na formação humana. Já que: “O estu-
do do meio só se realiza quando, a partir de uma visão sem preconceito e desalienada,
estabelecemos objetivos humanos e atuamos para humanizar o meio (...)” (PONTUSCHKA,
2006, p. 68).
A instituição escolar e as disciplinas ministradas em seu âmbito, ao se vincularem
com a compreensão dos sujeitos em situação de risco social, principalmente daqueles que
cumprem medidas sócio-educativas, têm a possibilidade de instigá-los a desenvolver uma
opinião critica acerca de sua realidade.
Desse modo, debater e investigar qual tem sido o papel da Escola na atualidade e sua
relação com os sujeitos aos quais ela se destina é importante para identificar seu significa-
do efetivo no cotidiano dos alunos e se a Escola tem negligenciado ou não o seu papel na

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TEODORO, T. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA E OS JOVENS...

formação crítica dos sujeitos.


É preciso, também, investigar qual a função social das diferentes disciplinas na for-
mação do educando como interventora de sua realidade, na interpretação de GOULART;
REGO (2007):
A Geografia (...). Continua sendo apresentada aos alunos de forma maçante, fragmentada e
sem sentido. São longos textos, propostas de trabalho cansativas, objetivos inadequados, pla-
nejamentos e conteúdos desarticulados entre si, atividades desconectadas do mundo vivido.
Deixam de ser contemplados o interesse dos aprendentes, o seu cotidiano, as suas experiências
e os seus conhecimentos. As aulas se tornam mecânicas, há uma inércia que parece atingir os
alunos e os professores. Como então fazê-los perceber o significado do conhecimento geográfi-
co? Para que aprender Geografia? Ela está presente no cotidiano? Como pensá-la enquanto
possibilidade da formação cidadã? (GOULART; REGO, 2007).

Ao analisar a discussão feita pelos autores, torna-se válido enfatizar que conheci-
mento acerca da realidade que envolve os educandos precisa participar da construção da
prática educativa. Assim, “(...) é preciso um modo elaborado e diferente de pensar o mundo,
no qual a Geografia não só tem importância, como também fornece uma poderosa e
reveladora perspectiva crítica” (OLIVA; GIANSANTI, 1999, p. 2). Nesse sentido, a Geogra-
fia pode se dedicar à explicação de fatores que acarretam o risco social e suscitar no aluno
uma posição crítica em relação às situações adversas que ele vivencia.
Sabe-se que o indivíduo não se torna infrator aleatoriamente, ele é impulsionado ao mundo do
crime por diversos fatores, dentre eles: êxodo rural, migração interna, crescimento demográfico,
desagregação familiar, pobreza e os meios de comunicação de massa. Esse conjunto de situa-
ções acaba contribuindo para que, determinados adolescentes, tenham uma percepção falha da
realidade, dessa forma, eles são expostos constantemente aos perigos da sociedade que os
incorpora no mundo do crime. (QUEIROZ, 1984 apud MARTINS, 2005).

Contribuir para a que o educando construa uma percepção integral e crítica da rea-
lidade parte da necessidade do ensino englobar as vivências desses alunos, sua história e
sua Geografia. Sendo essa, também, uma forma de romper com a abordagem mecanicista
que a sociedade é, às vezes, submetida. (RUA, 1993).
A partir dessa questão, rever e aperfeiçoar práticas pedagógicas, freqüentemente,
torna-se algo indispensável para verificar as relações que têm sido estabelecidas entre o
espaço vivido dos sujeitos e o que lhes é ensinado. Essa necessidade representa a possibi-
lidade de criação de estratégias de ensino geográfico condizentes com realidade dos
educandos.
De acordo com a idéia de SANTOS (1996, p.218):
Devemos nos preparar para uma ação que, nas condições atuais, exige coragem, tanto no estu-
do quanto na ação, a fim de tentar fornecer as bases de reconstrução de um espaço geográfico
que seja realmente o espaço do homem, o espaço de toda gente e não o espaço a serviço do
capital e de alguns.

Deste modo, sabe-se que os jovens são seres que atuam na reconstrução do espaço e,
de acordo com o meio em que vivem (Escola, família e sociedade), constroem ou herdam
experiências que podem ser significativas durante o processo de aprendizagem; o que con-
duz à conclusão de que “(...) o professor não deve esquecer que a percepção espacial de cada
sujeito ou sociedade é resultado, também, das relações afetivas e de referências sócio-cul-
turais” (CASTROGIOVANNI, 2007, p.45).
Assim, Conhecer e compreender o espaço da vivência dos educandos e impulsioná-
los a um diálogo crítico, que venha a interferir na sua relação com o meio, aparece como
uma necessidade inerente à prática educativa da Geografia no exercício de sua função
social.
POR UMA “GEOGRAFIA CIDADÔ
As mazelas sociais, que englobam parte considerável da população desse país, tra-
zem consigo um apelo composto da necessidade de reflexão, análise crítica, discussão e

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Terra Livre - n. 33 (2): 125-138, 2009
atitudes, individuais e coletivas, voltadas a reduzir as diversas formas de segregação, que
intensificam as situações de risco.
Tal apelo fundamenta-se em uma formação escolar e social voltada para a cidadania,
na qual o sujeito, como conhecedor de sua realidade e de seus direitos e deveres, é estimu-
lado a fazer uma análise e reflexão de seu cotidiano, reconhecendo que sua condição não é
estática. Essa formação escolar, de potencial crítico, interventor e transformador, é funda-
mentada no conceito de Escola Cidadã, surgido no Brasil no final da década de 1980 pelas
influências das idéias de Paulo Freire e baseia-se no fato que: “Ensinar não é transferir
conhecimentos. É criar as possibilidades para a sua produção e para a sua construção”
(GADOTTI, 2001, p.6).
A “Geografia Cidadã” está inserida nesse conceito, pois, vivenciá-la só se torna possí-
vel por meio da valorização da realidade dos educandos e do uso de práticas direcionadas a
repensar, intervir e reconstruir o espaço do sujeito, no qual a cidadania possa vigorar.
Oliveira (2006), ao fazer uma reflexão crítica sobre a Geografia Escolar, expõe o fato
da dimensão social de construção do espaço geográfico já ser uma discussão literária de
diversos pensadores, mas que ainda não assumiu o devido caráter prático no cotidiano
escolar.
(...). Desta feita, dificilmente o ensino, ora apresentado, contribuirá para que os sujeitos em
aprendizagem expressem livremente o desenvolvimento de suas idéias, de suas atitudes e os
procedimentos que lhes são característicos frente ao mundo que se globaliza desigualmente
(OLIVEIRA, 2006. p.12).

Assim, vale discutir a contribuição do ensino para o desenvolvimento sócio-intelectu-


al dos educandos, sua capacidade de criticar e de agir mediante algumas adversidades.
Nesse contexto, a “Geografia Cidadã” pode ser como uma forma de representação da di-
mensão social dessa ciência. Afinal, “Qual seria a função social do ensino, senão a de formar
o indivíduo para compreender a realidade e a intervir nela? (OLIVEIRA, 2006, p. 16).
A Discussão das práticas educativas de Geografia tem o interesse de expor a necessi-
dade de os educandos serem co-autores das aulas e não meros observadores e receptores de
informações. Essa necessidade advém da pretensão de que os diálogos iniciados no ambien-
te escolar sejam intensificados em práticas extra-escolares. Deste modo, considera-se que:
“Nos desafios da Geografia Escolar, também estão inscritos os alunos: suas diversidades
culturais e perspectivas, suas vivências e práticas sociais (...), pois influenciam nas ações
educativas da sala de aula no espaço Escolar” (GRECO; FONSECA, 2006, p. 1).
Sabe-se ainda das diversas dificuldades enfrentadas quando se pretende valorizar as
diversidades e realidades que compõe a sala de aula. Pois, “é difícil estimular o pluralismo
quando existe segregação, preconceito e exclusão, quando as pessoas estão acostumadas a
obedecer, porque a regra é o autoritarismo decorrente das relações fortemente hierárqui-
cas”. (ARANHA, 1996, p.121).
Mas, é justamente esse desafio em superar preconceitos e segregações que pode ser
trabalhado pela Escola, pois esse é o espaço das trocas de saberes. Um espaço da coletivida-
de e da formação do jovem como cidadão, um espaço sócio-cultural. E, de acordo com
DAYRELL (1996, p.140) “(...). Falar da escola como espaço sócio-cultural implica, assim,
em resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constrói enquanto instituição”.
Trabalhar a realidade e os espaços sócio-culturais dos adolescentes abrange tam-
bém, a compreensão da Geografia desses sujeitos: qual seu lugar de origem, por que se
localizam em determinados espaços, qual a percepção que possuem sobre sua dinâmica
espacial e quais formas de territorialização que utilizam. Principalmente por que: “na rela-
ção entre a Geografia Escolar e os alunos está o desafio que permeia o trabalho cotidiano de
tantos professores, na constante busca do aprendizado que encontre ressonância na vida
dos alunos (...)” (GRECO; FONSECA, 2006).
Essa idéia, também trabalhada por Valverde (2007), parte do princípio que aprender
Geografia consiste em pensar na realidade dos sujeitos em sua relação com o mundo. Por-
tanto, incorporar o espaço vivido ao ensino da Geografia trata-se de uma reafirmação do
papel dos sujeitos como seres ativos em sua própria realidade. Desse modo, os educandos
podem se sentir mais estimulados a participar das aulas, já que o processo de ensino será

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TEODORO, T. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA E OS JOVENS...

apresentado como um revelador da condição social em que ele está inserido, incluindo ques-
tões diretamente voltadas ao seu desenvolvimento e inclusão.
E a partir desse momento em que a Escola é reconhecida como um lugar no qual as
diversidades se encontram e se confrontam na construção de um pensamento crítico torna-
se importante refletir que: “O tratamento uniforme dado pela Escola só vem consagrar a
desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos” (DAYRELL, 1996, p. 140).
Assim, o ensino de uma “Geografia Cidadã” trabalha para romper a alienação em
que alguns jovens se encontram e que faz com que tenham vergonha do espaço em que
estão inseridos. O que se baseia no fato de que “O ser alienado não procura um mundo
autêntico. Isto provoca uma nostalgia: deseja outro país e lamenta o seu. Tem vergonha de
sua realidade” (FREIRE, 1986, p. 19).
Para reconhecer o mundo autêntico, ou seja; o mundo em que vive, o sujeito precisa
construir uma percepção integral de sua realidade e, a partir desse ponto, refletir e atuar
positivamente nos espaços de sua vivência, pois se cria um sentimento de pertencimento ao
lugar - uma territorialidade. E “Quando o homem compreende sua realidade ele pode
levantar hipóteses sobre o desafio de sua realidade e procurar soluções” (FREIRE, 1986,
p.16).
Assim, a Escola e a Geografia, ao priorizarem uma atitude voltada à realidade do
educando, passam a ser ambiente e instrumento de diálogo. Conclui-se, portanto, que o
diálogo parte da valorização da percepção do outro e da sabedoria dos limites do conheci-
mento que há em si próprio (FREIRE, 2003).
A Geografia não considera apenas que o ser está no mundo, considera, principalmen-
te, as relações que esse ser estabelece com o espaço em que vive; pois não é possível que o
ser esteja no mundo e se relacione com as pessoas de forma neutra, é necessário integrar-se
ao mundo (FREIRE, 2000).
Até mesmo o ato de estudar precisa ter uma razão, uma finalidade. Pois, o ser, em
sua situação espacial, precisa estar comprometido com o espaço por ele vivenciado; o que
abrange as intervenções a serem feitas na realidade, as quais podem ser estimuladas du-
rante o processo de ensino-aprendizagem, através do incentivo à participação do educando
em diálogos e atividades voltadas à compreensão da realidade experienciada pelo sujeito.
Os jovens, sobretudo aqueles que estão em situação de risco, necessitam dessas prá-
ticas, pois, sabe-se que a sua condição de vulnerabilidade social é elevada, o que torna
necessário uma visão mais apurada da realidade. E partindo do pressuposto de que essas
práticas já existam em alguns ambientes de ensino regular, esse trabalho se apóia na per-
cepção dos sujeitos em situação de risco sobre o ensino da Geografia, de forma com que as
relações espaciais e a vivência desses jovens sejam um importante elemento para conduzir
essa investigação.

O PERFIL DO JOVEM EM LIBERDADE ASSISTIDA NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO


DAS NEVES

No Núcleo de Medidas sócio-educativas em meio aberto – LA e PSC (Liberdade Assis-


tida e Prestação de Serviços à Comunidade), em Ribeirão das Neves/MG, foram realizadas
entrevistas com quatorze jovens, entre quinze e dezenove anos, com o objetivo de conhecer
os espaços desses sujeitos e a relação dos mesmos com o ensino da Geografia.
Esse Núcleo atende atualmente cerca de oitenta jovens, sendo que 93% são do sexo
masculino, 51% desses jovens são moradores da Região de Justinópolis, 30% da Região do
Veneza e 19% da Região Central. E, no que se refere aos entrevistados, a maioria deles
reside nos bairros mais periféricos do município: Menezes, Labanca, Rosaneves, Jardim
Colonial, dentre outros (Núcleo de Medidas sócio-educativas em meio aberto LA e PSC,
2008).
Dos quatorzes adolescentes que responderam a entrevista metade mora com a mãe,
pai e com os irmãos, cinco moram somente com a mãe (ou pai) e com os irmãos, um deles
mora com parentes e outro mora com a mãe e com o padrasto. Sendo válido refletir se a
desintegração do núcleo familiar original pode ter contribuído para a situação de risco

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Terra Livre - n. 33 (2): 125-138, 2009
desses sujeitos, pois grande parte dos jovens entrevistados considera ótima a relação fami-
liar que possui, e apenas quatro deles conceituam como regular essa relação. Revelando,
também, que quando o assunto é passear eles preferem a companhia dos amigos ou das
namoradas e a família recebe o segundo lugar.
Indagados a respeito dos diálogos que a família mantém com os mesmos, dez adoles-
centes afirmaram que são discutidas questões relativas ao uso de drogas; nove dialogam
sobre violência; seis disseram que discutem com a família sobre seus problemas pessoais,
quatro conversam sobre sexo e somente um dos jovens revelou não haver nenhum desses
diálogos (sobre drogas, violência, sexo e problemas pessoais) em sua residência.
Essa falta de diálogo pode ser considerada um importante ponto a ser trabalhado no
ambiente familiar, pois, sabe-se que a sua quebra é uma das manifestações da violência e
que ele é fundamental em todas as relações interpessoais, sendo que a ausência do mesmo
pode ocasionar dificuldades nas outras dimensões da vivência do sujeito.
Outro assunto a ser destacado no cotidiano dos adolescentes é a situação dos mesmos
com as bebidas, cigarros, ou outras drogas. Entre os entrevistados dois fazem uso de cigar-
ro; dois de bebidas alcoólicas, três consomem bebida alcoólica e cigarro e dois, dentre esses
sete adolescentes, afirmaram usar outros tipos de drogas. Sendo relevante citar que a mai-
oria desses jovens alega que dentre os familiares que moram com eles existe alguém que
fuma ou bebe, o que pode ter influenciado os mesmos a fazerem esses usos.
Foi possível, também, constatar que os adolescentes entrevistados têm como espaços
prediletos aqueles voltados ao esporte e ao lazer e que a igreja e a Escola aparecem como o
terceiro espaço preferido pelos jovens. Além disso, os mesmos revelaram ter vontade de
realizar viagens e freqüentar mais espaços artístico-culturais.
Apesar da preferência por espaço de esporte e lazer, grande parte dos bairros nos
quais esses adolescentes moraram dispõe apenas de campos de futebol improvisados em
terrenos baldios e, em alguns casos, existem quadras apropriadas para jogos. O Programa
Escola Aberta e as ONGs – Organizações Não Governamentais, também, são citados por
esses jovens como espaços de lazer e descontração.
Torna-se preciso, então, estarmos cientes que a falta, ou carência, de alternativas de
lazer e espaços artísticos culturais tendem a contribuir para a efetivação da vulnerabilidade
social dos sujeitos, já que eles podem passar a fazer uso das ruas como local de lazer (como
ocorre sempre com seis dos entrevistados), correndo o risco de se tornarem vulneráveis às
diversas formas de violência presentes na atualidade. Um desses exemplos se centraliza no
fato de que: “A carência de atividades de diversão na comunidade é explorada pelo tráfico
que, em muitos lugares, marca presença, ocupando um espaço deixado em aberto pelo
poder público, constituindo referência para os jovens” (CASTRO; ABRAMOVAY, 2002, p.155).

A PERCEPÇÃO DOS JOVENS EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL ACERCA DA ESCOLA


E DO ENSINO DA GEOGRAFIA

Dos jovens entrevistados, oito freqüentam a 6ª série e o restante se divide entre 4ª,
5ª, 8ª série, Projeto de Aceleração da aprendizagem, 1º e 2º ano. Sendo que oito deles se
sentem relativamente bem no ambiente escolar e seis se sentem muito bem no local onde
estudam. E dos quatorze adolescentes seis já estão no mercado de trabalho.
A maior parte deles gosta de ir à escola para, respectivamente, estudar; conversar
com os colegas; paquerar; conversar com os professores e merendar e tem como seus luga-
res preferidos o pátio e a sala de vídeo. Em terceiro lugar eles gostam mais da biblioteca e
por último da sala de aula, citada por quatro dos adolescentes.
De acordo com esses adolescentes, o que pode trazer melhoria para a escola é: um
maior número de professores, mais espaços para pesquisas (laboratórios de ciências e de
computação), melhoria dos espaços de esporte; maior segurança, a criação de cursos
profissionalizantes e de danças e a melhoria das relações interpessoais.
Os jovens que atualmente não freqüentam escola disseram que tem interesse de
retomar os estudos. E um jovem de dezessete anos, que cursa o 1º ano do ensino médio,

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TEODORO, T. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA E OS JOVENS...

conta que “muitas vezes fica dentro de casa estudando para que mais tarde possa aprender
e talvez ser alguém na vida”. O que nos remete a pensar sobre a grande responsabilidade
da escola em não frustrar as expectativas dos alunos, pois o estudo, ás vezes, é visto por
eles como uma maneira dos mesmos serem mais valorizados.
Diante disso vale conhecer, também, o que esses adolescentes pensam sobre a Geo-
grafia Escolar. Para isso foi perguntado se eles conseguem perceber se a Geografia que eles
aprendem na escola tem alguma relação com suas vidas. Dos quatorze entrevistados onze
disseram que não consegue visualizar essa relação e apenas três responderam que essa
relação existe e que é possível vê-la nos noticiários da atualidade e nas questões do meio
ambiente.
De acordo com esses jovens as aulas de Geografia costumam acontecer na sala de
aula e raramente o professor faz uso de outros espaços, e quando fazem esse uso os espaços
são, respectivamente, o pátio, a sala de vídeo e a biblioteca. Existindo, também, pouca
diversidade quanto aos materiais que os professores utilizam ou pedem para os alunos
utilizarem; o livro didático é o mais freqüente e, em casos raros, são utilizados jornais ou
revistas e materiais recicláveis.
A sugestão dos jovens para que essas aulas de Geografia apresentem melhorias é que
os professores expliquem mais, incentivem mais os alunos, faltem menos às aulas, reali-
zem excursões, que façam uso de músicas e vídeos, além de levarem os alunos para conhe-
cerem coisas e lugares diferentes (como museus e exposições).
As respostas dadas pelos adolescentes em L.A nos levam a importantes reflexões
acerca da Geografia escolar, inseridas nos seguintes questionamentos: A Geografia apre-
sentada aos alunos é uma mera disciplina que nada tem a ver com a realidade e com a
dinâmica espacial dos mesmos? Os professores têm feito uso dos diversos espaços e das
diversas linguagens que o ensino lhes permite fazer? Qual tem sido a função social de se
ensinar a Geografia?
Esses questionamentos se centralizam na necessidade de que no processo de ensino
é fundamental considerar a realidade do aluno, pois ela faz parte do desenvolvimento do
sujeito e da construção de seu raciocínio geográfico. Essa necessidade de priorizar a forma-
ção dos sujeitos e não simplesmente levar aos educandos informações desconectadas de sua
realidade é o que nos remete ao ensino de uma “Geografia Cidadã”. Afinal, o principal
objetivo no ensino dessa disciplina é a formação do sujeito, a qual tem em sua essência um
processo de ensino-aprendizagem que possibilita ao mesmo realizar uma leitura do mundo
por meio de seu espaço vivido (CALLAI, 2005).
De tal modo, Cabe aos professores tornar as aulas cada vez mais interessantes para
os alunos, criando discussões que tenham elo com a vivência dos mesmos e que possam
repercutir nas dinâmicas espaciais desses jovens. “Propomos, assim, uma mudança do eixo
da reflexão, passando das instituições educativas para os sujeitos jovens, onde é a escola
que tem de ser repensada para responder aos desafios que a juventude nos coloca”
(DAYRELL, 2007, p. 1107).
Nesse contexto, a Geografia e as demais disciplinas escolares não devem ficar apri-
sionadas dentro da sala de aula e sim ultrapassar os limites desse espaço por meio das
observações e análises críticas que o aluno realiza enquanto sujeito participante e constru-
tor da cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de sozinha não conseguir superar os desafios sociais presentes na atualidade,


a Escola tem um importante papel social na vida dos adolescentes e a maneira como ocorre
o processo de ensino-aprendizagem nesses ambientes representa uma pouco da formação
do sujeito para o exercício da cidadania, o que, também, necessita ser englobado pela Geo-
grafia escolar.
Deste modo, dentre as finalidades da “Geografia cidadã” reconhece-se que o jovem,

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Terra Livre - n. 33 (2): 125-138, 2009
ao analisar, criticar e intervir em sua realidade faz com que se configure certa
territorialidade, capaz de modificar sua percepção espacial. Esse adolescente, no entanto,
às vezes, precisa de um mediador para reconhecer sua potencialidade para modificação do
espaço.
Pois, sabe-se que o sentimento de inferioridade e apatia dos jovens diante das maze-
las sociais deve ser sanado, já que ele, também, possui formas violentas de se manifestar.
Sendo preciso mudar a percepção do sujeito sobre si mesmo e sobre o meio em que está
inserido; “(...) essa mudança da percepção não é outra coisa senão a substituição de uma
percepção distorcida da realidade por uma percepção crítica da mesma” (FREIRE, 1986,
p.33).
O ensino de uma “Geografia cidadã” implica em uma prática que se opõe à formação
de adolescentes angustiados e sem teor crítico para atuar na reconstrução do espaço, visto
que prioriza o diálogo entre os diversos saberes sociais e culturais existentes no ambiente
escolar; sem estereótipos ou hierarquias. E, apesar dos jovens em situação de risco social
ser a ênfase desse trabalho, a Geografia cidadã não se destina exclusivamente a eles, pois
seria apenas mais uma forma de segregá-los, sendo, portanto, um direito de todos.
Contudo, o intuito deste trabalho, não é concluir ou apontar procedimentos para o
ensino. As discussões apresentadas têm o objetivo de estimular ações voltadas à valoriza-
ção dos jovens em situação de risco envolvidos nesse processo de ensino-aprendizagem,
sobretudo no âmbito da Geografia.
Do mesmo modo, cabe salientar que o professor necessita ser valorizado e que, para
tanto, é necessário investir em sua formação e respeitar seu importante papel como “agen-
te da transformação social”, o que, também, é parte integrante do compromisso com a cida-
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137
TEODORO, T. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA E OS JOVENS...

138
Resumo: Este trabalho tem como objetivo principal apresentar
uma análise crítica da abordagem do desenho predominante no
ensino de Geografia, tratando das concepções epistemológicas
envolvidas e suas implicações pedagógicas na perspectiva do
materialismo histórico dialético. Nos estudos e propostas para
o ensino de Geografia, identifica o lugar do desenho limitado a
um lugar de passagem para o mapa, como um caminho “natural”
O DESENHO COMO balizado pelos estudos piagetianos. Reduzindo o desenho aos
MAPA E EDUCAÇÃO
APA aspectos geométricos do espaço gráfico e orientando-se pelo
CONSERVADORA NO
ONSERV construtivismo piagetiano, o ensino de Geografia reproduz uma
ENSINO DE orientação conservadora da Educação. O estudo realizado indica
GEOGRAFIA contribuições de Vigotski para se rever e se ampliar a atividade
do desenho em aula e o ensino como um todo, na perspectiva de
uma Geografia Escolar Crítica.
EL DIBUJO COMO Palavras-chave: formação docente – prática pedagógica – ensino
MAP A E EDUCACIÓN
APA do mapa – Vigotski – desenho infantil.
CONSER VADORA EN
ONSERV
LA ENSEÑANZA DE Resumen: Este trabajo tiene como objetivo principal presentar
LA GEOGRAFÍA un análisis crítico del enfoque del dibujo frecuente en la
enseñanza de la geografia. Trata de las concepciones
THE DRA WING AS
RAWING epistemológicas e sus implicaciones educativas con el enfoque
del materialismo histórico y dialéctico. En los estudios y
MAP AND propuestas para la enseñanza de la geografía, identifica el lugar
CONSERVATIVE
ONSERV del dibujo limitado a un lugar de pasada para el mapa, como un
EDUCA TION IN THE
DUCATION camino “natural” balizado por los estudios piagetianos.
TEACHING OF Reduciendo el dibujo a los aspectos geométricos del espacio
GEOGRAPHY gráfico y orientándose por el constructivismo de Piaget, la
enseñanza de la geografía reproduce una orientación
conservadora de la Educación. El estudio realizado indica las
contribuciones de Vigoskii para se rever y ampliarse la actividad
SÉRGIO LUIZ MIRANDA del dibujo en aula y la enseñanza em su conjunto, en la
perspectiva de una Geografía Escolar Crítica.
Palabras clave: formación de profesores - práctica pedagógica –
UNIVERSIDADE FEDE- enseñanza del mapa – Vigoskii - dibujo infantil.
RAL DE UBERLÂNDIA-
UFU Abstract: This paper’s has as objective main to present a critical
analysis of the predominant boarding of the drawing in the
teaching of geography, treating to the involved epistemological
selumi@ig.ufu.br conceptions and its pedagogical implications in the perspective
of the historical and dialectical materialism. In the studies and
proposals for the teaching of geography, the place of the drawing
is limited to a passage way to the map, a natural way regulated
by piagetian studies. Reducing the drawing to the geometric
aspects of the graphical space and orienting itself by Piaget’s
constructivism,, the geography teaching it reproduces a
conservative orientation of the Education and Geography. The
study it indicates contributions of Vigotski to review and to
extend the activity of the drawing in lesson and the teaching as
a whole, in the marxist perspective of the Geography and
Education.
Keywords: teacher’s formation – pedagogical practice – teaching
of the map – Vygotsky – children’s drawing.

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 139-154 Jul-Dez/2009

139
MIRANDA , S, L. O DESENHO COMO MAPA E EDUCAÇÃO CONSERVADORA...

INTRODUÇÃO
Este artigo é parte adaptada de tese de doutorado defendida em programa de pós-
graduação em Geografia com apoio financeiro do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico, tendo como tema central o desenho no ensino de Geografia
e, mais especificamente, a atividade do desenho na abordagem de conteúdos geográficos
nas séries iniciais do ensino fundamental.
Dentre as contribuições da pesquisa realizada para tese, buscou-se ampliar o conhe-
cimento na área da didática e da prática de ensino de Geografia, oferecendo elementos que
possam subsidiar a prática tanto de professores que estão atuando nas escolas quanto nos
cursos de formação inicial e continuada de professores geógrafos e daqueles que atuam
nasom o enfoque do ensino ientaçãotdade dos estudos a partir do trabalho jaç séries iniciais
do ensino fundamental. Buscamos ainda avançar na reflexão epistemológica sobre o ensino
da disciplina e na construção de uma Geografia Escolar Crítica para reafirmar a atualida-
de e a importância do marxismo para pensar e fazer o ensino enquanto práxis fundada no
conhecimento crítico da realidade social com a contribuição da Geografia e da Educação.
A problemática em torno da qual se desenvolveu pesquisa teórica e empírica consis-
tiu em compreender as abordagens do desenho infantil em geral e, particularmente, das
produções gráficas dos alunos no ensino de Geografia, tomando o pensamento marxista na
Geografia e na Educação como referencial teórico-metodológico. Para tal, empreendemos
inicialmente uma análise crítica de estudos e propostas metodológicas envolvendo o dese-
nho e o ensino para buscar elementos que contribuíssem para o delineamento teórico-
metodológico de uma abordagem didática que permita ampliar os conteúdos do ensino de
Geografia tratados pela e na atividade do desenho, articulados pelo conceito geográfico de
lugar como eixo estruturador do currículo para as séries iniciais do ensino fundamental, e
na perspectiva de uma Geografia Escolar Crítica, entendida como essa disciplina escolar
orientada pelo enfoque do pensamento marxista na Geografia e na Educação.
A análise da literatura especializada permitiu-nos identificar o lugar reservado para
o desenho no ensino de Geografia como um lugar de passagem para o mapa, onde, partin-
do-se do desenho como “primeiros mapas”, o mesmo deve evoluir para o mapa com seus
atributos cartográficos, como um caminho natural balizado pelo construtivismo, especial-
mente pela teoria piagetiana, tal como, desde nossa formação acadêmica na graduação,
vínhamos pensando e fazendo em nossa prática no ensino e na pesquisa até então. Essa
compreensão, que não se restringia ao desenho, mas envolvia concepções acerca do ensino,
da aprendizagem, do desenvolvimento cognitivo, entre outras, ligadas a uma determinada
visão social de mundo, era avalizada por propostas metodológicas para a Geografia Escolar
na década de 1980 e início da seguinte, preconizando, com maior ou menor ênfase, o
construtivismo piagetiano, centrado no desenvolvimento de operações mentais, como ori-
entação metodológica para se superar o ensino tradicional, centrado na transmissão de
conhecimentos, e instituir o ensino voltado para o desenvolvimento cognitivo e centrado na
atividade do aluno.
Mas, durante essa fase da pesquisa, outros estudos enfocando o desenho infantil
principalmente na perspectiva da teoria histórico-cultural de Vigotski apontaram-nos o
caráter limitado e limitante do desenho e do ensino naquela concepção predominante na
literatura específica em Geografia e a orientação conservadora da Educação que lhe é
subjacente e se reproduz através do ensino como um todo. Tal orientação conservadora se
caracteriza sobretudo pela naturalização do desenho e do desenvolvimento cognitivo do
homem como uma evolução regida por leis biológicas, apartados da aprendizado e negando
o papel do ensino como transmissão cultural de conhecimentos e saberes existentes e acu-
mulados como produção sócio-histórica. Isto nos colocou a necessidade de rever os funda-
mentos que orientavam nossa própria prática no ensino e na pesquisa, buscando suas ori-
gens na formação docente e submetendo-os a uma análise crítica para redefini-los em ou-
tras bases teórico-metodológicas, filosóficas e epistemológicas mais coerentes com o mate-
rialismo histórico dialético, processo este pelo qual chegamos à abordagem histórico-cultu-

140
Terra Livre - n. 33 (2): 139-154, 2009
ral do ensino, tendo Vigotski como principal referência, como fundamento mais adequado
para a prática pedagógica na perspectiva de uma Geografia Escolar Crítica.
A perspectiva histórico-cultural opõe-se às concepções do construtivismo no ensino,
tanto aquele originado no interacionismo piagetiano como o de caráter eclético, que procu-
ra conciliar aspectos isolados de diferentes teorias cognitivistas, desconsiderando-as como
um todo e, principalmente, suas filiações filosóficas e epistemológicas, por vezes contradi-
tórias e inconciliáveis. É o caso da tentativa de reunir em um sócio-construtivismo ou
construtivismo sócio-interacionista contribuições da teoria histórico-cultural de Vigotski,
Luria e Leontiev com a teoria de Piaget e sua psicologia genética, como demonstrou a
análise crítica marxista e rigorosa de Newton Duarte e colaboradores (2000 e 2001).
Pelo conflito entre teoria, prática e opção ideológica do pesquisador no ensino de
Geografia, explicitado no processo de investigação e caracterizado pelas contradições entre
construtivismo piagetiano e Geografia Crítica e entre Piaget e Vigotski, na busca de funda-
mentos para a prática coerentes com a opção ideológica, a pesquisa acabou se configurando
como um estudo de caso, segundo a tipologia da pesquisa educacional com abordagem qua-
litativa descrita por André (2003) e Ludke e André (1986), com o enfoque do materialismo
histórico dialético. Trata-se do caso particular de um pesquisador e professor que se volta
para sua própria prática com o desenho no ensino e na pesquisa como práxis, tomando o
processo de pesquisa como processo de conhecimento e, portanto, de aprendizagem, numa
perspectiva dialógica. No entanto, não se trata de uma narrativa pessoal, meramente indi-
vidual, pois no estudo de caso com enfoque do materialismo histórico dialético o caso parti-
cular é considerado uma instância da totalidade social do qual faz parte e seu significado
real não pode ser apreendido dissociado das relações dialéticas estabelecidas com a realida-
de mais ampla em que está inserido.
A partir das descobertas proporcionadas pela abordagem do desenho como objeto de
estudo numa perspectiva de totalidade, nas suas relações dialéticas com o ensino e a for-
mação de professor como um todo, conduzimos a pesquisa de volta para a sala de aula com
uma vivência experimental da atividade do desenho do lugar com alunos de segunda e
terceira séries do ensino fundamental (atuais terceiro e quarto anos).
Os dados empíricos obtidos e sua análise nos permitiram vislumbrar outras possibi-
lidades da atividade do desenho em aula para tratar de conteúdos curriculares do ensino
de Geografia para além daqueles restritos aos conteúdos cartográficos que lhe são atribuí-
dos de forma predominante, praticamente exclusiva, e abordando o desenho como lingua-
gem gráfica, o que também integra os conteúdos do ensino de Geografia nas orientações
curriculares atuais. Natureza, trabalho, atividades e paisagens urbanas e rurais, temas
geográficos centrais do currículo proposto para as séries iniciais da escola fundamental,
surgiram através dos desenhos do lugar em que os alunos vivem, cuja idéia inicial restrita
à própria casa também pode ser ampliada para a de lugar como espaço de co-habitação, de
vizinhança, de convivência com os outros e de produção da vida cotidiana. Através dos
desenhos como linguagem, como signos não verbais, de sua relação com as palavras na
atribuição de significados durante a produção e a interpretação das figurações nos dese-
nhos elaborados pelos alunos e do diálogo estabelecido em torno dessas produções, pude-
mos aplicar contribuições teórico-metodológicas dos estudos de Vigotski, Bakhtin e seus
seguidores sobre as relações entre pensamento, linguagem, ensino, aprendizagem, media-
ção pedagógica e dialogia.
Para o espaço deste artigo, delimitamos como recorte do trabalho realizado a análise
crítica dos estudos e propostas para o ensino de Geografia envolvendo o desenho, tendo
como objetivo explicitar e discutir o lugar que lhe é reservado no ensino, seu caráter limita-
do e limitante do desenho e do ensino, as concepções epistemológicas envolvidas e suas
implicações pedagógicas. Para isso, trataremos primeiro da tradição do desenho na Geo-
grafia numa perspectiva histórica, do abandono dessa tradição em favor de novos instru-
mentais tecnológicos, em nome de uma certa “cientificidade”, das perdas que esse abando-
no pode significar para se pensar e fazer Geografia e de uma “educação do olho” que toma
a perspectiva renascentista na representação do espaço como o “olhar correto” e que, na
Geografia, através dos mapas, nos educa para ver e pensar o mundo como matemático. Na

141
MIRANDA , S, L. O DESENHO COMO MAPA E EDUCAÇÃO CONSERVADORA...

seqüência, abordaremos a centralidade dada recentemente ao desenho e que define o seu


lugar no ensino de Geografia a partir das propostas metodológicas para o ensino-aprendi-
zagem do mapa fundamentadas nos estudos piagetianos. Nessa abordagem, caracteriza-
mos em linhas gerais e contrapomos aspectos da teoria piagetiana e da vigotskiana para
apontar limitações e alternativas possíveis para o desenho e o ensino de Geografia como
um todo.

DESENHAR É PRECISO

Em um mundo cada vez mais tecnológico e sob o império das imagens produzidas-
reproduzidas artificialmente, veiculadas mundialmente, editadas, manipuladas, usadas,
consumidas, carregadas de valores simbólicos, ideológicos, mercadológicos, haveria ainda
lugar para a atividade do desenho no ensino de Geografia? O quê e como se tem visto, dito,
pensado e feito acerca do desenho e do seu lugar no ensino de Geografia?
O desenho tem uma relação histórica com a Geografia através dos croquis, esboços
de paisagem, esquemas gráficos de arranjos espaciais, formas, localizações, distribuições e
extensões territoriais feitos em observações de campo ou de memória, como ensaio, experi-
mentação, plano, meio para estudo e registro. Essa tradição do desenho nos estudos geo-
gráficos tem se perdido com o surgimento de novos instrumentais tecnológicos, principal-
mente as fotografias e, mais recentemente, as imagens de satélite, além da maior facilida-
de de acesso aos mapas, cuja produção aumentou em quantidade e qualidade graças às
novas tecnologias, como o sensoriamento remoto e a informática.
Autores como Paganelli (1995; 1998), Gonthier-Cohen (1987) e Balchin (1978) abor-
dam essa tradição do desenho na Geografia que envolve uma relação cognitiva e corporal
com os elementos/objetos do espaço através do olhar-ver, do gesto, do traço, da atenção ao
conjunto e aos detalhes, em um movimento do corpo e do pensamento, entre a observação e
a apreensão de um todo em suas linhas gerais formando uma estrutura, a abstração e a
análise, pelo isolamento de elementos selecionados, e a elaboração de uma síntese na com-
posição do conjunto pelo traçado no papel.
Essa tradição geográfica do desenho como forma de estudo e registro, de fazer Geo-
grafia e que concorria também para o desenvolvimento dos procedimentos de observação,
descrição, análise e síntese nos estudos geográficos, foi se perdendo com o advento do filme
e da fotografia, do vídeo, das imagens de satélite, das câmeras digitais, do computador e da
maior disponibilidade de mapas. A imagem produzida artificialmente por um olho mecâni-
co através de um aparelho – a máquina fotográfica, a filmadora – seria mais objetiva, mais
exata, mais completa, como afirmou Balchin (1978, p. 10), além de ser, principalmente no
caso da fotografia, econômica e de obtenção rápida, e agora mais ainda em formato digital.
Assim, sob um paradigma objetivista-cientificista, as imagens produzidas através de má-
quinas seriam, supostamente, as mais ou as únicas “objetivas”, “científicas”, “verdadeiras”,
“reais”. Mas, situadas em um contexto histórico-cultural, também essas imagens são
subjetivadas, tanto em sua obtenção/produção quanto em sua leitura/interpretação, como
feitos de um sujeito que não é apenas psicológico, um indivíduo singular, mas também
sujeito histórico, um indivíduo social, como nos lembra Peraya (1996) sobre uma pedagogia
para se ensinar a ler uma imagem.
Tratando sobre o desenho de paisagem na Geografia, Gonthier-Cohen (1987) defen-
de que o desenho seja ensinado nos cursos de formação de geógrafos, afirmando que a falta
de instrução resulta em dificuldades relativas à leitura de imagens utilizadas pelo profes-
sor como apoio ilustrativo e obstrui a progressão do estudante, que é colocado numa situa-
ção de incapacidade, submissão ou rejeição diante das artes plásticas. Mas enfatiza que o
desenho serve para fazer geografia como método de abordagem e de análise, como investi-
gação da paisagem através de confrontações entre o assunto observado (e não o modelo) e
os traçados que resultam da análise. Gonthier-Cohen lembra que se a fotografia é instantâ-
nea e possibilita contornar as dificuldades enfrentadas com o desenho, ela oferece um todo
acabado como produto, enquanto que o desenho se faz por um processo em que se produz
uma confrontação entre nossos conhecimentos e a realidade. Para o autor, não se trata de

142
Terra Livre - n. 33 (2): 139-154, 2009
eliminar o desenho ou a fotografia da prática da Geografia, mas de se considerar o que um
e outra exigem do geógrafo em seu estudo.
A Geografia, ao que parece se deixa seduzir fácil pelas tecnologias como critério do
novo e, com isso, acreditando que inova e se renova apenas pela utilização de novos instru-
mentos técnicos, perde, entre outras coisas, aquilo que só os seres humanos podem alcan-
çar através de olhos, mãos, mente, corpo, alma. Os botânicos não dispensaram os habilido-
sos ilustradores, mesmo com todo avanço da fotografia, com as câmeras de alta resolução,
mas que não podem selecionar e capturar os detalhes de partes internas e externas das
plantas em diferentes posições e apresentá-los em volumes, cores e formas em uma mesma
prancha. Cientes da importância dos ilustradores botânicos para a ciência, mesmo em um
meio tecnológico marcado pelo fetiche das novas tecnologias (a biotecnologia, por exemplo),
os botânicos valorizam o trabalho de ilustração, se preocupam em divulgar essa profissão e
proporcionar condições para a formação de novos profissionais.
Na Geografia, a ilustração e a pintura de paisagens e também a tradição do desenho
na prática do geógrafo parecem coisas velhas, ultrapassadas, dos artistas viajantes de sé-
culos passados. Ou, no máximo, das ilustrações do desenhista Percy Law em publicações do
IBGE, cuja importância que lhe foi atribuída no final da década de 1940, no entendimento
de Amparo (2004), decorria da influência de Vidal de La Blache (a Geografia é a ciência dos
lugares) e de Carl Sauer (“A morfologia da paisagem”), exigindo a ilustração das paisagens
dos lugares estudados, o que expunha as limitações da cartografia e da estatística e refor-
çava a importância da expressão plástica para a Geografia:
Isso se deu graças a uma “falência” das linguagens mais comumente (e “científicas”) utilizadas
pela geografia: a cartografia já não apresentava respostas a todas as demandas da geografia,
permitindo-nos apenas localizar fenômenos; e a estatística nos possibilitava apenas uma aná-
lise quantitativa de elementos quantificáveis do espaço geográfico. Carecíamos, porém, de uma
linguagem alternativa que “enquadrasse”, literalmente, a realidade cotidiana, facilitando sua
apreensão e compreensão para além da localização do fenômeno e da quantificação, tornava-se
necessário observá-lo. Esta necessidade, nada mais é se não uma repercussão direta na ciência
da força que a linguagem visual passa a ter nas sociedades de um modo geral, sobretudo a
partir da Revolução Industrial, que constituiu a primazia do ver sobre o sentir, conferindo às
linguagens visuais grande poder de convencimento e difusão de idéias. Contudo, esta eclosão
não veio acompanhada de uma “educação visual”, ou seja, a interpretação destas linguagens,
normalmente, é limitada, não se confere o conteúdo e a simbologia nela contida, não se mergu-
lha na surrealidade embutida e nos conteúdos implícitos, daí sermos levados a deduções inexa-
tas e superficiais. (Amparo, 2004, n. p.)

Mas, essas imagens já são portadoras de uma “educação visual” e a consciência disto
e sua consideração talvez seja justamente o que falte para uma abordagem crítica das
imagens no ensino e na Geografia – não apenas em relação às fotografias, mas também aos
mapas – que não se limite aos conteúdos de uma imagem, mas que abranja a sua produção
histórica como linguagem, como uma forma de se pensar, comunicar, apresentar, represen-
tar.
A produção e o consumo de imagens obtidas através de aparelhos tecnológicos, tidas
também como mais “científicas” ou até “as científicas”, já surgiram historicamente como
parte de um programa de educação visual. Carlos Albuquerque Miranda (2001, p. 30) de-
monstra que, se uma das características que marcaram o século XIX, quando já havia o
olhar através de aparelhos, foi “a possibilidade de produzir e reproduzir imagens a partir
de aparelhos, inclusive de forma e em escala industrial”, essa produção industrial de ima-
gens seria parte de um programa de educação visual que se inicia antes mesmo do desen-
volvimento industrial e que educa o olho a ver o homem e o mundo conforme as represen-
tações da realidade pelas imagens produzidas e consideradas como o “olhar correto”. O
autor situa a origem histórica desse programa de educação visual na relação que estabele-
ce entre o “corpo mecânico” de Descartes e a perspectiva renascentista de Leonardo da
Vinci:
Poderíamos dizer que o mesmo movimento do pensamento da construção da perspectiva em
Leonardo da Vinci está em Descartes, um século depois. Até mesmo a busca pela cientificidade
os aproxima. Mas é mais do que isso. Descartes tenta demonstrar, no corpo, ou melhor, na

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MIRANDA , S, L. O DESENHO COMO MAPA E EDUCAÇÃO CONSERVADORA...
natureza do corpo, o que Leonardo da Vinci escolhe como virtude em oposição aos viciosos
olhos humanos. A perspectiva elaborada por da Vinci, eliminando a visão ambígua dos dois
olhos, corresponde ao perfeito funcionamento da relação entre corpo e alma em Descartes. O
ponto de fuga de da Vinci o leva à perfeição da representação da natureza. A pineal de Descar-
tes corrige a duplicidade dos sentidos, a confusão das percepções e dos pensamentos. A máqui-
na humana cartesiana naturaliza a perspectiva como a ciência do olhar correto. A idéia do
“olho só”, antes imaginada, um recurso técnico e artístico de Leonardo da Vinci, está agora no
corpo cartesiano, faz parte da natureza humana, chama-se pineal. (Miranda, C., 2001, p. 36)

A pineal, para Descartes, seria uma glândula do cérebro através da qual se daria a
relação entre a alma e o corpo. A função da pineal seria unificar a percepção dual e confusa
em razão das impressões duplas recebidas através dos duplos órgãos dos sentidos (dois
olhos, duas imagens) antes de chegarem à alma (ou ao pensamento que, como pensou Des-
cartes, se não fosse a pineal, não teríamos em um só tempo um único pensamento sobre
algo). Para Carlos Miranda (idem, p. 34) esse aspecto particular do modo como Descartes
pensou a relação entre corpo e alma “nos lembra a perspectiva renascentista e, por conse-
guinte, a máquina fotográfica e a máquina cinematográfica”. O autor, citando Milton de
Almeida, lembra-nos que “a perspectiva tornou-se, a partir da Renascença, um aparato
intelectual e técnico, pensado como ciência, objetivamente produzido para aprisionar o
real, reproduzi-lo e afirmar-se como sua única e competente representação” (idem, ibidem).
O mesmo autor coloca que a literatura educacional que aborda as relações entre
escola e cultura tem enfatizado a necessidade de se compreender os produtos da indústria
de imagens e se pensar em termos de uma metodologia para se abordar essas imagens em
uma “Educação do Olhar” voltada para a formação de espectadores críticos. Afastando-se
dessa preocupação pedagógica sem se afastar da reflexão da Educação, o autor propõe a
expressão “Educação do Olho” para pensar a origem do programa de educação visual em
que se insere historicamente a produção industrial da cultura e que se remete à perspecti-
va renascentista e ao “olhar” cartesiano. A escola educa de forma alienada o olho a ver a
realidade quando incorpora essa “Educação do Olho” de forma conservadora ao não assu-
mir uma postura crítica em relação aos processos de produção industrial de imagens e
desconhecer suas origens históricas, anteriores à Revolução Industrial.
Sem negar os benefícios dos avanços tecnológicos ou seu emprego na educação (em
vídeos, filmes, computadores, redes...), Carlos Miranda, ao se perguntar sobre o que os
professores e demais profissionais da educação esperam da tecnologia, emenda: “Talvez
seja muito mais importante para a educação perceber como estas tecnologias, na forma
como estão constituídas, nos educam, do que ficar pensando em como educar através delas”
(idem, p. 39).
Do mesmo modo, pensamos que não se deva negar a importância da representação
da perspectiva ou qualquer outro recurso ou técnica das representações gráficas ou
imagéticas, como as fotografias e imagens de satélite, ou o mapa, na formação de nossos
alunos e, portanto, na nossa formação de professores, pois são ainda válidos e necessários
no mundo de hoje. Constituem recursos, técnicas, instrumentos, procedimentos que inte-
gram o conhecimento geográfico atual e que, portanto, precisam ser aprendidos e ensina-
dos em Geografia. Mas, como professores geógrafos, precisamos considerar as proximida-
des/identidades estabelecidas historicamente entre a perspectiva renascentista, o mapa ou
a cartografia e a fotografia aérea vertical para a representação matemática/geométrica do
espaço. É preciso considerar o caráter histórico, parcial e provisório do conhecimento e as
suas implicações ideológicas, como aquela “educação do olho” sobre a qual nos alerta Carlos
Miranda (2001) e aquela “falência” das linguagens cartográfica e matemática para a Geo-
grafia a que se refere Amparo (2004), o que entendemos tratar-se em verdade do reconhe-
cimento de limitações do conhecimento e do instrumental técnico existentes para as neces-
sidades e finalidades que se tem em um dado momento da história.
A idéia de “falência” da cartografia e da estatística e a adoção pela Geografia da
fotografia em ascensão como a “sua” linguagem não tem respaldo na história, pois as técni-
cas e produtos cartográficos e estatísticos continuam tendo importância e sendo utilizados,
e muito, nos estudos geográficos. Essa idéia também traria e reproduziria em relação à

144
Terra Livre - n. 33 (2): 139-154, 2009
fotografia o mesmo equívoco apontado em relação à cartografia e à estatística na Geogra-
fia: o de se tomar as diferentes linguagens como opostas, dicotômicas, estanques, e que a
Geografia tem ou precisa ter, encontrar, escolher ou produzir “uma” linguagem, a “sua”
linguagem. Porque o desenho ou a fotografia? O mapa ou o desenho? A fotografia ou o
mapa? Porque não todas as linguagens para e não “da” Geografia? Acreditamos que deve-
mos pensar em enriquecer a Geografia de linguagens, e não em empobrecê-la, decretando
a “validade” de uma ou de outra linguagem como “a geográfica”, excluindo outras possibili-
dades, outras linguagens. A questão é saber como, quando e para que empregar umas e
outras.

O LUGAR DO DESENHO NO ENSINO DE GEOGRAFIA: LIMITAÇÕES


LIMITAÇÕES E AL TI-
TERNATI
ALTERNA
TERNA
VAS POSSÍVEIS

Nas últimas décadas, desde o estudo pioneiro de Lívia de Oliveira (1978), o desenho
ganhou nova centralidade no ensino de Geografia através de pesquisas e orientações
curriculares que apontam a importância da cartografia para os estudos geográficos e apre-
sentando propostas metodológicas para o ensino do mapa partindo do desenho como repre-
sentação do espaço. Nesses estudos e propostas, fundamentados principalmente na teoria
piagetiana sobre a representação do espaço pela criança em seu desenvolvimento cognitivo
geral, há o consenso de que é mapeando que a criança aprende a ler mapas. Daí as propos-
tas para uma iniciação ou alfabetização cartográfica através do desenho no ensino de Geo-
grafia, dentre as quais destacam-se pelo tratamento didático as de Almeida e Passini (1989)
e Almeida (1994 e 2001).
Mas o único lugar para o desenho no ensino de Geografia seria apenas o de um lugar
de passagem para o mapa? Seu destino traçado e inevitável seria nascer como um “pré-
mapa” e morrer como mapa? Que outros conteúdos curriculares do ensino de Geografia
poderiam ser abordados pelos e nos desenhos produzidos pelos alunos em aula? Como abor-
dar outros desenhos sobre outros conteúdos geográficos no ensino?
No primeiro Colóquio Cartografia para Crianças, realizado em 1995, a professora
Tomoko Paganelli questionava:
Ao apressar a introdução de uma Cartografia sistemática “infantil”, não estaremos deixando
de lado indicações sobre a representação espacial e sua construção ou abandonando uma tradi-
ção geográfica do desenho, do croqui, legada pelos primeiros viajantes, tradição que o filme e a
fotografia não substituem porque esta envolve uma relação corporal com os objetos, do ver, do
traçar, do formar/deformar, de um tipo de apropriação, de uma educação sensório-sensível?
(Paganelli, 1995, p. 51).

No entanto, são poucos trabalhos que tratam de outros tipos de desenhos no ensino
de Geografia. O desenho de paisagem tem sido objeto de alguns estudos mais recentes,
como os de Paganelli (1998), Santos, C. (2000), Luiz (2001) e MyanaKi (2003). Em alguns
outros estudos, os desenhos feitos por alunos aparecem como “mapas mentais”, como em
Guerra e Rangel (2004), Teixeira e Nogueira (1999) e Nogueira (2002); ou como croqui, em
Mastrangelo (2001).
Em sua dissertação de mestrado, Straforini (2001) analisou, entre outras, a ativida-
de de “histórias em quadrinhos” feitas por alunos de primeira e segunda séries contando a
história do bairro, nas quais o autor vê periodização e relações entre tempo e espaço
estabelecidas pelos alunos. Embora não fosse o propósito inicial, os desenhos foram depois
avaliados quanto à representação da perspectiva para encaminhar atividades de iniciação
cartográfica.
Um traço comum a todos esses estudos, inclusive os que já realizamos, é a referência
a aspectos dos desenhos relacionados à representação da perspectiva, à localização dos
objetos, à proporção, ou ao mapa mesmo. Não pensamos que esses estudos ou seus autores
estejam equivocados ou que não se deva empregar o desenho no ensino do mapa. Ao contrá-
rio, todos esses trabalhos trazem contribuições significativas para o ensino de Geografia e
o desenho também deve continuar sendo utilizado no ensino de cartografia. Mas essa quase

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MIRANDA , S, L. O DESENHO COMO MAPA E EDUCAÇÃO CONSERVADORA...

exclusividade da abordagem do desenho como caminho para se chegar ao mapa deve nos
dizer alguma coisa.
Um avanço pontual indicado nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino
de Geografia é a inclusão das diferentes linguagens no currículo (Sposito, 1999). Contudo,
além do tratamento dado à cartografia como conteúdo desvinculado dos conteúdos/temas
geográficos e em um capítulo isolado e restrito a um momento da escolaridade, tanto os
PCNs de Geografia para as séries iniciais (Brasil, 1997) quanto aquele para os terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental (idem, 1998), não oferecem outras orientações
metodológicas para o professor quanto ao emprego do desenho que não aquelas relativas à
cartografia. Os dois documentos colocam que, dentre as diferentes linguagens, o professor
pode utilizar os desenhos para tratar de conteúdos do ensino, mas também os coloca unica-
mente em função da iniciação cartográfica. Nas orientações para o trabalho do professor no
quarto ciclo (7.a e 8.a séries), coloca que o desenho pode estar presente, mas deixando de
ter os mesmos conteúdos dos primeiros ciclos: não só expressão do que se vê, mas também
expressão do que se sente e pensa em relação ao que se enxerga. Mas acrescenta sobre a
atividade do desenho no quarto ciclo:
Esse exercício continua sendo uma forma interessante de propor que os alunos utilizem objeti-
vamente as noções de proporção, distância e direção fundamentais para o uso e compreensão
da linguagem gráfica, mas também, que possam agregar mensagens valorativas, afetivas e
pessoais em relação à representação do mundo (Brasil, 1998).

Nessa afirmação, bem como nas orientações em geral dos PCNs sobre o desenho no
ensino de Geografia, transparece a idéia de que os desenhos dos alunos das séries iniciais,
como representações mais objetivas do real ou como “mapas iniciais”, não têm ou não de-
vem ter aspectos subjetivos, afetivos e valorativos “em relação à representação do mundo”,
o que pode (é permitido?) ser agregado aos desenhos pelos alunos das séries finais do ensi-
no fundamental. Mas, mesmo para esse nível da escolaridade, os desenhos são colocados
em relação àquelas “noções de proporção, distância e direção fundamentais para o uso e
compreensão da linguagem gráfica”, as mesmas noções que os alunos devem aprender a
utilizar “objetivamente” no e pelo desenho nas aulas de geografia desde as séries iniciais.
Verifica-se então que o desenho foi tomado como elemento-chave para a renovação
do ensino de cartografia, que até então se restringia à tradição de cópia e pintura de mapas
nas aulas de Geografia. Colocado em função do mapa, subordinado aos aspectos formais da
representação cartográfica, os quais são tomados como critérios para solicitação, análise e
avaliação das produções gráficas dos alunos, os desenhos devem se aproximar progressiva-
mente dos mapas, até deixarem de ser desenhos para se tornarem mapas. O papel do dese-
nho no ensino de Geografia seria então o de abrir caminho para o mapa e lhe ceder seu
lugar, para em seguida desaparecer enquanto desenho?
O lugar do desenho no ensino de Geografia é, assim, um lugar de passagem, existe e
é mantido em função do mapa. Nos PCNs, se afirma a importância das diferentes lingua-
gens, mas orienta apenas para o ensino da cartografia, à qual subordina o desenho como
primeiros mapas. Em outros estudos, nos desenhos de paisagem, se vê a representação
coerente com o paradigma perspectivo renascentista, os pontos de vista perspectivos, as
relações entre objetos da paisagem pelas suas localizações. Os desenhos como “mapas men-
tais” são também instrumentalizados para o ensino da cartografia, para se chegar também
aos “mapas reais”.
Sem negar a importância da cartografia, dos mapas, na Geografia e no seu ensino, a
questão que se coloca é a centralidade, e se poderia dizer exclusividade, dada ao mapa.
Nesse sentido, o ensino de Geografia, além de limitar as possibilidades de se fazer-ensinar-
aprender Geografia e as possibilidades da Geografia para se ver, pensar, apresentar, dizer,
compreender o mundo, reproduz de maneira acrítica e conservadora aquela educação visu-
al, mencionada antes, pela qual o “‘olhar’ [e o pensar] cartesiano vai nos ensinando a ver [e
a pensar] o mundo como matemático” (Miranda, C., 2001, p. 38).
Dos trabalhos que abordam os desenhos dos alunos como desenhos “sem fins
cartográficos”, os que encontramos são poucos e não estão voltados especificamente para o

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Terra Livre - n. 33 (2): 139-154, 2009
ensino, para finalidades didáticas. Um deles é o estudo de Shoko Kimura (1998) sobre duas
escolas públicas da periferia de São Paulo no qual analisa as relações estabelecidas pelos
frequentadores/circundantes das escolas com seus lugares cotidianos. Entre outras fontes,
a pesquisadora analisou os desenhos elaborados pelos alunos de uma quinta série do ensi-
no fundamental, os quais trazem, na maioria, escrito pelos alunos-autores o que represen-
tam, o que quiseram mostrar com o desenho, que trazem aspectos da urbanização e da
industrialização tal como tratados enquanto conteúdos do ensino de Geografia. A autora
observa que os alunos:
Num primeiro instante, realizam uma operação em que eles reconhecem as condições
marcroestruturais como sendo as do contexto social geral do qual seus lugares são vistos como
integrantes. Entretanto, eles individualmente enquanto pessoas estão à parte, como se preten-
dessem dessa exclusão um salvo-conduto (Kimura, 1998, p. 144).

Embora seu estudo não estivesse voltado para uma perspectiva didático-pedagógica,
a autora aponta a relevância da observação feita acima para o ensino:
Pensa-se existir um ‘elo perdido’ entre o microcontexto e o macrocontexto junto aos alunos, um
lapso na compreensão da realidade e dos nexos causais que possam ser estabelecidos entre
seus dados. É necessário atentar para esse fato de extrema importância, se forem consideradas
as preocupações didático-pedagógicas (idem, p. 145).

Nessas observações da autora, pensamos, está a importância da educação escolar


para que os alunos estabeleçam os “elos perdidos” entre a vida do dia-a-dia, o cotidiano, e a
totalidade social, superando uma visão parcial e fragmentada da realidade limitada ao
imediato. Restringir o ensino ao imediato e ao que é útil para aplicação na prática cotidiana
é um viés que o ensino de Geografia vem tomando e que é reforçado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BrasiL, 1997 e 1998), como demonstrou Vieira (2000), e que a
abordagem do lugar como espaço vivido pode cristalizar se perder a visão de totalidade, se
desconsiderar a dialética entre o particular e o geral, o singular e o universal, o individual
e o social, o local e o global, o lugar e o mundo.
Outros três estudos em que aparecem desenhos de alunos são os de Oliveira Júnior
(1994; 1996; 2002), que vê em desenhos das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília,
feitos por alunos do ensino médio, como esses alunos, cuja maioria nunca esteve naqueles
lugares, percebem o espaço, tecendo considerações sobre o modo de se viver na sociedade
hoje, marcado pela velocidade e pela fragmentação, e a influência das imagens veiculadas
pela mídia, principalmente a televisão, na (tele)percepção dos espaços fragmentados pelas/
nas imagens.
Desses estudos de Oliveira Junior, duas questões nos interessaram particularmente
para abordar os desenhos em aula. A primeira se refere à ausência de figuras humanas, de
pessoas, nos desenhos dessas cidades (Oliveira Júnior, 1996), o que também foi observado
por Paganelli (1998) e Gonthier-Cohen (1987) nos desenhos de paisagem. A segunda se
refere à interpretação da figuração: entre tantos desenhos que traziam as imagens do tipo
“cartões postais” do Rio de Janeiro, um apresentava em um plano fechado apenas parte de
fachadas de alguns poucos prédios e da calçada, que poderia ser de qualquer lugar e, só
através da entrevista com o aluno-autor, Oliveira Junior (1994) soube que se tratava do
hotel em que o aluno-autor do desenho se hospedou quando esteve no Rio de Janeiro. E o
autor do estudo, em sua dissertação de mestrado, diz que escolheu os desenhos como forma
de expressão mais livre, espontânea e adequada para a representação do espaço, procuran-
do justamente fugir da expressão escrita ou oral, precisando depois recorrer à oralidade, à
palavra falada, para compreender aquele desenho do aluno.
Tratamos da primeira questão com os grupos de alunos de séries iniciais do ensino
fundamental com os quais desenvolvemos pesquisa empírica em sala de aula com a ativi-
dade do desenho do lugar em vivem os alunos. Os desenhos feitos, em sua grande maioria,
eram centrados na figura da própria casa como o lugar onde se vive e também não traziam
figuras humanas, pessoas desse lugar. No encaminhamento que demos com a classe de
segunda série questionamos essa idéia de lugar nos desenhos, indagando se se tratava de

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MIRANDA , S, L. O DESENHO COMO MAPA E EDUCAÇÃO CONSERVADORA...

um lugar fantasma, se ninguém habitava aquele lugar, solicitando que observassem as


pessoas do lugar e as atividades que realizam no dia-a-dia e desenhassem esse lugar, o que
fez surgir nos desenhos figuras representando sujeitos reais desse lugar trabalhando na
lavoura, nos afazeres domésticos, na prestação de serviços, no trato do gado, ou brincando,
como se incluíram alguns alunos nos próprios desenhos, envolvendo conteúdos relaciona-
dos às diferentes atividades e paisagens urbanas e rurais do lugar. Com os alunos da tercei-
ra série, ao problematizar os desenhos do lugar e a ausência de pessoas na figuração, pedi-
mos que indicassem os elementos que apareciam nas figurações e os classificassem em
naturais e criados pelos homens, estes como produto do trabalho humano e que materiali-
zava nos desenhos a presença das pessoas naquele lugar através daqueles elementos
construídos, o que envolve os conceitos de trabalho e natureza no currículo de Geografia,
que inclui ainda os próprios desenhos como linguagem gráfica.
A segunda questão, relativa à interpretação da figuração nos desenhos nos chamou
atenção porque percebemos que nos estudos envolvendo o desenho de alunos no ensino de
Geografia só o pesquisador fala sobre o desenho, o significa, o interpreta, o apresenta, com
seu olhar de geógrafo, suscitando dúvidas sobre se o que o pesquisador vê na figuração dos
alunos nos desenhos é de fato o que o aluno quis representar ou até que ponto o aluno o fez
consciente.
Até que ponto as nossas afirmações e explicações sobre o que, como e porque aparece
ou não nos desenhos feitos pelos alunos correspondem de fato ao que representam, ao que
quiseram mostrar, dizer e até que ponto conseguiram ou não? Com base em que podemos,
por exemplo, dizer que determinados elementos da figuração no desenho do aluno, como
uma antena parabólica ou uma instalação industrial, significa, para o aluno, a mundialização
do lugar, o estabelecimento de relações entre esse lugar e outros, entre lugar/mundo? Não
estaríamos olhando os desenhos prontos, acabados, com olhos de geógrafos e lhes atribuin-
do significados geográficos que são nossos, mas não necessariamente dos alunos-autores
dos desenhos?
Como interpretar os desenhos dos alunos, considerando a objetividade/subjetividade
nos desenhos? Certamente, não se trata de procurar formas de “eliminar” a subjetividade
dos desenhos, como se isso fosse possível nas produções humanas. Também não se trata de
buscar sentidos ou significados únicos, objetivos, para os desenhos. Mas, justamente por-
que existe a polissemia (multiplicidade de sentidos) e a polifonia (multiplicidade de vozes)
e justamente porque no ensino precisamos e procuramos compreender as idéias e os pensa-
mentos uns dos outros, principalmente entre alunos e professores, em relação ao conheci-
mento em produção, é que precisamos recorrer direta ou indiretamente à linguagem, à
palavra, ao discurso, ao diálogo, mesmo em se tratando de signos não-verbais, como o dese-
nho, a fotografia, o mapa.
Como sujeitos sociais, históricos, vivemos em diálogo constante com muitos outros e
que não se restringe a um interlocutor com o qual conversamos diretamente:
Bakhtin vai estender o conceito de ‘diálogo’, dizendo que se pode compreender ‘diálogo’ não
apenas como a comunicação em voz alta das pessoas colocadas face a face mas como toda a
comunicação verbal de qualquer tipo que seja. Assim, ele postula a dialogia como princípio
explicativo, epistemológico: ‘diálogo’ não significa apenas ‘alternâncias de vozes’ – unidade de
análise clássica das trocas verbais, tomada em termos metodológicos – mas implica o encontro
e a incorporação de vozes em um espaço e um tempo sócio-históricos. Comentando Bakhtin,
Clark e Holquist levantam o conceito de ‘ventriloquar’, isto é, falar no outro, pelo outro, no
sentido mesmo de que as vozes dos outros estão sempre povoando a (nossa) atividade mental
individual. Essa dialogia, então, implica sempre uma multiplicidade de vozes, uma multiplicidade
de sentidos – é sempre polifonia, polissemia. (Smolka, 2000, p. 65)

A questão da interpretação e da significação dos desenhos, conforme já se tratou em


outra publicação (Miranda, S., 2007), é abordada por Silva (2002) e Ferreira (1998) com
base no aporte da teoria histórico-cultural de Vigotski, demonstrando a importância de se
atentar para o processo de produção de desenhos pelas crianças em aula, durante a ativida-
de de desenhar, para se compreender a constituição social do desenho, o papel da interação
com o “outro” e da fala na significação e na interpretação da figuração, que envolve tanto

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Terra Livre - n. 33 (2): 139-154, 2009
aspectos objetivos como subjetivos. Os significados objetivos e subjetivos atribuídos ao de-
senho pelo sujeito “leitor” podem ser ou não os mesmos atribuídos pelo sujeito autor, colo-
cando-se, então, a mediação pela palavra, considerando que “os significados não são ex-
pressos pela figura, mas pela linguagem” (Ferreira, 1998, p. 34). Nisto não há como não
lembrar a importância que Bakhtin (1986) atribui à palavra na atividade sígnica, ou seja,
na significação, na produção/atribuição de significados, a palavra como signo que, pelo dis-
curso interior, permeia mesmo os signos não verbais.
É preciso fazer uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para compreender
seu funcionamento como instrumento da consciência. É devido a esse papel excepcional de
instrumento da consciência que a palavra funciona como elemento essencial que acompanha
toda criação ideológica, seja ela qual for. A palavra acompanha e comenta todo ato ideológico.
Os processos de compreensão de todos os fenômenos ideológicos (um quadro, uma peça teatral,
um ritual ou um comportamento humano) não podem operar sem a participação do discurso
interior. Todas as manifestações da criação ideológica – todos os signos não-verbais – banham-
se no discurso e não podem ser nem totalmente isolados nem totalmente separados dele.
Isso não significa, obviamente, que a palavra possa suplantar qualquer outro signo ideológico.
Nenhum dos signos ideológicos específicos, fundamentais, é inteiramente substituível por pa-
lavras. [...] Negar isso conduz ao racionalismo e ao simplismo mais grosseiros. Todavia, embo-
ra nenhum desses signos [uma composição musical, uma representação pictórica, um ritual
religioso, um gesto humano] seja substituível por palavras, cada um deles, ao mesmo tempo, se
apóia nas palavras e é acompanhado por elas, exatamente como no caso do canto e de seu
acompanhamento musical (Bakhtin, 1986, p. 37-38).

Em sua abordagem do desenho, Moreira (1984) o entende como a primeira forma de


linguagem da criança e que a escola cala ao iniciar a alfabetização cada vez mais cedo,
quando a criança abandona o desenho e leva para a vida adulta a “certeza de não saber
desenhar” que tem a maioria dos adultos cujos desenhos são semelhantes aos das crianças
da escola fundamental.
Nesse ponto, é interessante observar que nos desenhos de paisagens estudados por
Paganelli (1998), a autora verificou semelhanças entre os desenhos feitos por alunos do
ensino fundamental e aqueles feitos por alunos de dois cursos de licenciatura em Geogra-
fia, colocando que os licenciandos, futuros professores de Geografia, também não dominam
a representação da perspectiva no desenho. “Com algumas exceções, o desenvolvimento
gráfico dos desenhos no caso dos licenciandos, é quase elementar” (Paganelli, 1998, p. 37).
Entendemos que essa situação certamente está relacionada com um ensino guiado por
aquela concepção do desenho como uma evolução natural e por etapas, cujos estágios mais
avançados serão alcançados espontaneamente por todos, como parte do desenvolvimento
cognitivo geral na teoria de Piaget. Tal situação demonstra a necessidade do ensino do
desenho na formação do professor geógrafo, como apontou Gonthier-Cohen (1987).
As abordagens do desenvolvimento do desenho infantil por etapas sucessivas, uni-
versais, que seguem sempre uma mesma ordem para toda criança, tal como na teoria
piagetiana que fundamenta os principais estudos sobre o ensino do mapa, é criticada por
Silva (2002), Ferreira (1998), Gobbi e Leite (1999) e Maria Isabel Leite (2001).
Considerando o desenho como espaço de produção cultural, Maria Isabel Leite (2001)
entende que uma leitura equivocada de teorias da evolução do desenho infantil tem condu-
zido a uma idéia de desenho-padrão de uma criança-padrão, negando a diversidade nas
produções gráficas e a individualidade da criança. Para esta última, o enfoque etapista,
maturacionista do desenho infantil, como algo geneticamente determinado e de caráter
universal, resulta numa compreensão equivocada do desenho, guiada por um viés
biologizante, naturalizante. Como professora universitária na área de Psicologia, Silvia
Maria Cintra da Silva desenvolve trabalhos com professoras de educação infantil e ensino
fundamental e diz:
Tenho visto que a utilização do desenho em sala de aula reflete as convicções teóricas a respei-
to do mesmo, embora nem sempre tais crenças sejam conscientes para as educadoras. Exis-
tem, ainda, concepções que naturalizam o desenho e, conseqüentemente, as práticas pedagógi-
cas delas decorrentes. Creio ser necessário apresentar outros focos sobre essa temática (Silva,
2002, p. 14).

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MIRANDA , S, L. O DESENHO COMO MAPA E EDUCAÇÃO CONSERVADORA...

A concepção do desenho voltado para o mapa no ensino de Geografia, tal como apare-
ce na maioria dos estudos, tal como pensávamos em nossa prática e em trabalhos realiza-
dos anteriormente, insere-se dentre aquelas etapistas, maturacionistas, biologizantes e
naturalizantes do desenho e da prática pedagógica. Tais características devem-se à teoria
de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo geral aplicada à evolução do desenho que,
inclusive, foi utilizado como principal instrumento nos testes que Piaget e Inhelder (1993)
apresentam na obra “A representação do espaço na criança”, referência principal dos estu-
dos sobre o ensino do mapa em Geografia. É importante lembrar de que espaço se trata
nessa obra, sobre a qual Battro (1976, p. 204) coloca que “é preciso insistir sobre a finalida-
de do livro: trata-se do estudo da ‘intuição’ como fator simbólico na constituição da geome-
tria objetiva do espaço. [...] Analisa particularmente o espaço gráfico e, como sugeria
Brunshwicg, estuda a prática do desenho na gênese da geometria”.
Sobre as fases do desenvolvimento cognitivo, em suas entrevistas para Bringuier,
Piaget afirmou que o fundamental é a ordem, a seqüência, “que é a mesma porque cada
fase é necessária à seguinte. É uma ordem seqüencial, como se diz” (Piaget apud Bringuier,
1978, p. 41). Considera o desenvolvimento cognitivo tal como o desenvolvimento do orga-
nismo de qualquer espécie, sendo que a diferença entre o desenvolvimento do organismo e
do pensamento seria “uma diferença de classe” e “nunca de natureza”:
E as fases embriológicas são seqüenciais, no sentido de que cada uma é necessária ao apareci-
mento da seguinte. E supõe a precedente. Sendo assim, não se pode saltar uma etapa. Pois
bem, isto eu creio que encontramos nas fases do desenvolvimento das funções cognitivas da
inteligência. (Idem, p. 57)

As concepções de homem e de seu desenvolvimento cognitivo na teoria de Piaget são


essencialmente biológicas. No modelo piagetiano, o homem, tal como qualquer organismo
vivo, é dotado de duas funções básicas, adaptação e organização, herdadas biologicamente
e que consistem nos modos de interação do indivíduo com o meio buscando o equilíbrio. Em
seu modelo biológico, a inteligência é uma forma de adaptação ao meio e aprendizagem e
desenvolvimento cognitivo são processos paralelos em que a aprendizagem é subordinada
ao desenvolvimento, este como condição para que ocorra aquela.
Uma decorrência didático-pedagógica dessa teoria é que “é inútil e inclusive contra-
producente querer forçar o desenvolvimento mediante a instrução. As fases de desenvolvi-
mento têm um ritmo de maturação próprio e é um valor pedagógico o respeito à evolução
espontânea” (Gómez, 1998, p. 54).
[...] Piaget admite que as condições culturais interferem no processo [de desenvolvimento],
mas não inclui, nas suas análises, a diversidade dessas condições. Assim, a preocupação de
Piaget é com o desenvolvimento endógeno de um “sujeito epistêmico”, considerado e analisado
independente das condições concretas de trabalho e de vida.
Ao distinguir e separar o aspecto intelectual do aspecto social, Piaget confirma, teoricamente,
a ruptura que instaura e acentua o dilema pedagógico: ensinar ou esperar a criança aprender?
Essa distinção tem sérias implicações pedagógicas: como trabalhar o ensino e a construção ou
o desenvolvimento espontâneo da inteligência ao mesmo tempo? Muitas vezes, apoiados no
referencial piagetiano, os professores ficam observando, sim, mas “aguardando” as crianças
passarem de um nível ou de um estágio ao outro, tendo por pressuposto que o desenvolvimento
intelectual ocorre “espontaneamente”! (Smolka, 1989, p. 30).

Para Leontiev (2001), é o conteúdo da atividade principal orientadora do desenvolvi-


mento da criança que define os estágios desse desenvolvimento. E o conteúdo da atividade
orientadora do desenvolvimento é social, cultural, histórico, definido pelo lugar da criança
nas relações humanas. Esse lugar depende das condições concretas, sócio-históricas, em
que se dá o desenvolvimento da criança. Pensando essa questão na realidade concreta da
sociedade brasileira ainda hoje, é mesmo difícil aceitar a tese de que as crianças que vivem
entre condomínios fechados com toda infra-estrutura e lazer, shopping-center, livros, cine-
mas, teatro, que estudam, geralmente em escolas particulares, até a formação superior
para depois ingressarem no chamado “mundo do trabalho”, se desenvolvam com o mesmo
ritmo e numa mesma sucessão de estágios delimitados pelas mesmas idades aproximadas

150
Terra Livre - n. 33 (2): 139-154, 2009
que aquelas crianças que são obrigadas da abandonar o brinquedo para trabalhar antes
mesmo de ingressarem na escola, quando nela ingressam e conseguem permanecer nos
estudos. São exemplos de extremos, mas sabemos e vemos como ainda são comuns e muitas
as crianças “carvoeiras”, “bóias-frias”, “de rua”, “catadoras de lata”... Temos aí condições
concretas diferentes e desiguais de desenvolvimento infantil determinadas pelas condições
históricas e sociais e pelo lugar que a criança real, concreta, e não abstrata, ocupa nas
relações humanas no meio sócio-histórico em que vive.
Para Vigotski, desenvolvimento e aprendizagem não se confundem, não são inde-
pendentes e nem seguem caminhos paralelos, mas estão inter-relacionados. Na sua teoria,
ao contrário da piagetiana, o desenvolvimento é que segue a aprendizagem, e não o inver-
so. Vigotski enfatiza a importância do ensino e da aprendizagem escolar para fazer avançar
o desenvolvimento geral da criança, colocando que o ensino deve se voltar para o desenvol-
vimento futuro e orientar-se pelo que ainda está em processo de formação no desenvolvi-
mento intelectual da criança, e não para o que já se efetivou. Assim, o ensino promove o
desenvolvimento intelectual da criança quando exige dela capacidades que ainda não de-
senvolveu, mas que está desenvolvendo.
Um ensino orientado até uma etapa de desenvolvimento já realizado é ineficaz do ponto de
vista do desenvolvimento geral da criança, não é capaz de dirigir o processo de desenvolvimen-
to, mas vai atrás dele. A teoria do âmbito de desenvolvimento potencial [zona de desenvolvi-
mento imediato] origina uma fórmula que contradiz exatamente a orientação tradicional: o
único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento. (Vigotskii, 2001, p. 114, grifo do
autor)

A criança que aprende e se desenvolve não é para Vigotski o “organismo em solidão”


de Piaget, “para quem cada nova geração poria em ação seu redescobrimento do conheci-
mento”, precisando “reinventar a roda” (Edwards e Mercer, 1988, p. 33). Alicerçada no
materialismo histórico dialético, a teoria histórico-cultural de Vigotski sobre o desenvolvi-
mento psicológico é radicalmente oposta à de Piaget:
Baseado na abordagem materialista dialética da análise da história humana, acredito que o
comportamento humano difere qualitativamente do comportamento animal, na mesma exten-
são em que diferem a adaptabilidade e desenvolvimento dos animais. O desenvolvimento psi-
cológico dos homens é parte do desenvolvimento histórico geral de nossa espécie e assim deve
ser entendido. (...) A abordagem dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem,
afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças provocadas,
novas condições naturais para sua existência. (Vigotski, 1998, p. 172)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos estudos acadêmicos, publicações, orientações metodológicas nas propostas


curriculares para o ensino de Geografia envolvendo o desenho, verificou-se que, de forma
predominante o desenho está fortemente associado aos aspectos geométricos do espaço
gráfico, à representação da perspectiva renascentista e voltado para o ensino de cartogra-
fia. O lugar do desenho no ensino de Geografia é, assim, um lugar de passagem para o
mapa. Deste lugar, se vê no desenho o que e como se anuncia ou não o futuro que lhe foi
destinado (o de mapa) e para onde e como se deve conduzi-lo para que se cumpra seu
“destino cartográfico”, devendo desaparecer enquanto desenho para transformar-se em
mapa. Esse caminho do desenho ao mapa como um caminho “natural” é balizado pela psi-
cologia genética de Piaget.
Reduzindo o desenho à geometria do espaço gráfico, privilegiando o mapa como “a a”
linguagem da Geografia e orientado pelo construtivismo piagetiano, o ensino de Geografia
reproduz uma orientação conservadora da educação que se caracteriza pela educação
cartesiana do olho, pela naturalização do desenho, da linguagem e do desenvolvimento
humano como adaptação ao meio, ou seja, à sociedade capitalista tal como se apresenta.
Mas, sem permanecer apenas na denúncia, a pesquisa realizada também anuncia
outras possibilidades para se superar as limitações da concepção conservadora do desenho

151
MIRANDA , S, L. O DESENHO COMO MAPA E EDUCAÇÃO CONSERVADORA...

e do ensino de Geografia, contribuindo, com isso, com indicações para a formação e a práti-
ca dos professores. Os estudos sobre o desenho como linguagem na perspectiva histórico-
cultural e as concepções de ensino, aprendizagem, desenvolvimento humano e conheci-
mento na teoria de Vigotski possibilitam uma mudança radical no modo de pensar e fazer
o ensino como um todo. A chave de toda a mudança está na concepção da constituição social
do homem como sujeito histórico, concreto, singular, que se constitui pelas e nas relações
concretas entre o individual e o social, em oposição às concepções biologizantes, acríticas,
a-históricas, idealistas subjetivistas, positivistas, e todas as implicações disso sobre o modo
de se conceber as relações de ensino, a função da escola, a pesquisa, a formação e a prática
de professores... Isso tudo, muda. E, isso, muda tudo. Porque, mais que a pesquisa ou o
conhecimento produzido, muda a apreensão da realidade como um todo, como totalidade
concreta; muda a postura do pesquisador; muda o pesquisador, o professor.
E isso se aplica à formação e à prática do professor em geral, que não pode mesmo
prescindir da reflexão. Mas essa reflexão não pode prescindir da teoria e, ainda, não pode
se dar à margem da filosofia. Ou seja, a reflexão do professor deve ser uma reflexão teórica
e filosófica para que possa conduzir sua prática consciente dos seus referenciais teórico-
metodológicos, sob o risco de se tomar uma ou outra teoria sem levar em conta as concep-
ções filosóficas e epistemológicas subjacentes, as quais podem estar em desacordo com a
ideologia do professor.

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154
Resumo: Juazeiro do Norte, cidade do Cariri Cearense, tem na
figura do Padre Cícero a motivação religiosa que atrai romeiros em
visita a cidade durante todo o ano. A atmosfera do sagrado contrasta
com problemas de organização do espaço urbano, sendo este aspecto
enfocado pelo Estado nas políticas públicas que visam transformar
Juazeiro do Norte em um grande pólo de turismo religioso, sem
considerar as necessidades e expectativas da população local e
TURISMO E romeiros. O presente texto analisa as dificuldades de implantação
e gestão das Políticas Públicas de desenvolvimento urbano (PDDU)
POLÍTICAS e planejamento integrado do Turismo Local (PAT). Considera a
PÚBLICAS: descontinuidade da ação governamental e a ausência de articulação
PROBLEMÁTICA Entre Estado e Igreja Católica a principal barreira à estruturação
URBANA E MUT AÇÕES
UTAÇÕES sustentável da cidade de Juazeiro do Norte. Para evidenciar esta
DO SAGRADO EM barreira, o estudo demonstra os problemas que envolve a realização
da Romaria da Candeias (a primeira grande romaria do ano), e em
JUAZEIRO DO NORTE sua conclusão indica sugestões para que futuros projetos possam
(CEARÁ, BRASIL). enfrentar com maior eficácia essa problemática do crescimento
turístico-religioso.
TOURISM AND Palavras-chaves
Palavras-chaves: Turismo, Políticas Públicas, Espaço Urbano,
Santuário, Romaria
PUBLIC POLICY
POLICY::
URBAN PROBLEM AND Abstract
Abstract: Juazeiro of the North, city of Cariri, in Ceará, has in
CHANGE OF THE Priest Cícero’s illustration the religious motivation that attracts
SACRED IN JUAZEIRO pilgrims in visit the city during the whole year. The atmosphere of
DO NORTE (C EARÁ, the sacred contrasts with problems of organization of the urban
space, being this aspect focused by the State in the public politics
BRAZIL) that they seek to transform Juazeiro of the North in a great pole of
religious tourism, without considering the needs and expectations
TURISMO Y of the local population and pilgrims. This paper examines the
POLÍTICA difficulties of implementation and management of public policies
for urban development (PDDUA) and planning of Tourism local
PÚBLICA: (PAT). It considers the discontinuity of government action and the
POLÍTICA URBANA Y lack of articulation between State and the Catholic Church the main
LAS MUTACIONES DE
MUTACIONES barrier to sustainable structuring of the city of Juazeiro do Norte.
LO SAGRADO EN To demonstrate this barrier, the study demonstrates the problems
surrounding the implementation of the Romaria das Candeias (the
JUAZEIRO DO NORTE first major pilgrimage of the year), and its suggestions for finding
(CEARÁ, BRASIL). indicates that future projects can more effectively tackle this
problem of growth in tourism-religious.
CHRISTIAN DENNYS Key W ords
Words
ords: Tourism, Public Politics, Space Urban, Sanctuary,
Pilgrimage
MONTEIRO DE OLIVEI-
RA Resumen:
Resumen:Juazeiro do Norte, ciudad del sur de Ceará, tiene en la
figura del Padre Cícero una motivación religiosa que atrae a
UNIVERSIDADE FEDERAL DO peregrinos que visitan la ciudad durante todo el año. La atmósfera
CEARÁ – UFC de lo sagrado contrasta con los problemas de ordenación del espacio
cdmo49@yahoo.com.br urbano, y este aspecto se centró en el estado las políticas públicas
destinadas a la transformación de Juazeiro do Norte, en un centro
de turismo religioso, sin tener en cuenta las necesidades y
LAIS CATARINE DE expectativas de la población local y los peregrinos. Este documento
examina las dificultades de aplicación y gestión de políticas públicas
OLIVEIRA para el desarrollo urbano (PDDUA) y la planificación del Turismo
local (PAT). Considera que la discontinuidad de la acción
TURISMÓLOGA - gubernamental y la falta de articulación entre el Estado y la Iglesia
católica el principal obstáculo para la estructuración sostenible de
UNIVERSIDADE FEDERAL DO la ciudad de Juazeiro do Norte. Para demostrar esta barrera, el
CEARÁ - UFC. estudio demuestra los problemas que rodean la aplicación de la
laiscatarine@yahoo.com.br Romaria das Candeias (el primer festival importante del año), y
sus sugerencias para encontrar indica que los futuros proyectos de
manera más efectiva frente a este problema de crecimiento en el
turismo religioso.
Palabras clave
clave: Turismo, Políticas Públicas, Espacio Urbano,
Santuario, Peregrinación

Terra Livre São Paulo/SP Ano 25, V.2, n. 33 p. 155-170 Jul-Dez/2009

155
OLIVEIRA, C. D. M., OLIVEIRA, L. C. TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS...

INTRODUÇÃO
Juazeiro do Norte (JdN), cidade situada na região do Cariri, no extremo sul do Cea-
rá, é hoje a segunda maior cidade em número populacional do estado, com 242.149 mil
habitantes (IBGE, 2007), perdendo apenas para a capital, Fortaleza (distante 563 Km)
estando sua população concentrada 95 % na zona urbana do município (IPECE, 2007).
Geograficamente, JdN juntamente com as cidades de Crato e Barbalha, formam um
importante e próspero processo de conurbação conhecido como ‘Triangulo CRAJUBAR’, já
institucionalizada como Região Metropolitana do Cariri, em 2009. É uma região reconheci-
da no estado devido seu grande potencial econômico, foco de investimentos públicos e pri-
vados.
JdN destaca-se com relação aos demais municípios da região do Cariri, na oferta de
comércio, serviços, equipamentos, oportunidades de negócios, e turismo, como também pela
dimensão de sua estrutura urbana. Esta influência causa um fluxo de deslocamento contí-
nuo e diário para Juazeiro do Norte, motivados pelas relações comerciais ou pela fé em
Padre Cícero, estimando-se um acréscimo populacional de um milhão e meio de visitantes
ao ano em Juazeiro (SETUR/PDDU, 2000).
Uma das maiores deficiências do município é a oferta de infra-estrutura, principal-
mente em épocas de romaria, onde a população de Juazeiro sofre acréscimo de mais de
100% do total de habitantes, segundo a Prefeitura Municipal, representando uma sobre-
carga que torna a infra-estrutura local ainda mais insuficiente (abastecimento d’água; es-
gotamento sanitário; organização do trânsito; poluição, etc.).
O grande fluxo de visitantes a JdN impulsiona o turismo religioso como atividade de
grande potencial para o desenvolvimento da região. Porém, se por um lado o poder público
planeja políticas para o desenvolvimento do turismo religioso local, a Igreja opõe-se à ex-
ploração da atividade turística conforme os modos hoje seguidos pelo poder público por
temer a profanação da simbologia do sagrado, principal elemento de atração das romarias.
Constitui-se, pois, objetivo geral do trabalho observar se as políticas públicas de tu-
rismo elaboradas para JdN condizem com a realidade do espaço urbano usufruído por ro-
meiros e turistas, possibilitando assim uma aproximação da problemática romaria/cidade,
qualificando os desafios compostos nas políticas públicas analisadas neste trabalho (PAT/
PDDU). Para tal, foram utilizados documentos e dados qualitativos e quantitativos coletados
junto as Secretarias de Turismo e Romaria e de Infra-Estrutura de Juazeiro do Norte, bem
como na Prefeitura Municipal, Secretaria Paroquial da Igreja Matriz Nossa Senhora das
Dores, além da Secretaria de Turismo do Estado e Banco do Nordeste.
A pesquisa aqui apresentada resultou na identificação de ausência do processo
avaliativo na elaboração das políticas públicas de turismo. Não havendo preocupação do
Estado em forjar políticas de acordo com os anseios da população. O que promoveu uma
organização espacial urbana pautada na lucratividade do turismo religioso em JdN.

PADRE CÍCERO E A CIDADE DE JUAZEIRO DO NORTE


Juazeiro do Norte, cidade localizada no Cariri cearense, destaca-se nacionalmente
como centro de visitação religiosa, resultado da atração exercida pela figura mítica do Pa-
dre Cícero. Personagem central da conjuntura político-religiosa que deu início ao processo
desenvolvimentista local, construindo as bases para a importante influência regional hoje
representada na economia e na religiosidade da cidade. Apesar do grande número de mate-
rial bibliográfico acerca da vida do Padre Cícero, para este trabalho, embora realizado
breve relato sobre o religioso, reconhecendo-o enquanto figura de grande importância na
história de JdN, será enfocada a influência do Padre na configuração do espaço urbano
local.
Antes da chegada do Padre Cícero a então fazenda Tabuleiro Grande, município de
Crato, o local, em1827, era apenas ponto de parada de viajantes e tropeiros em andanças

156
Terra Livre - n. 33 (2): 155-170, 2009
pelo sertão. Ao redor dos três juazeiros existentes em frente à capela em honra de Nossa
Senhora das Dores foram se formando moradias e pontos de comércio, dando origem ao
povoado.
Com sua forte liderança, o religioso contribuiu para melhoria do povoado sob a égide
do fervor religioso. Em 1875 constrói uma nova Igreja de Nossa Senhora das Dores, ao lado
da capela antiga. As diversas instituições e estabelecimentos que vão surgindo adensam as
ruas, em sua maioria implantando-se em terrenos doados por Padre Cícero. Em 1909,
Joaseiro já contava com 17 ruas, quatro praças, três travessas, um beco e uma população
de 15.050 habitante, distribuída em vários ofícios (artesãos, farmacêuticos, lojistas, educa-
dores, etc.) (SETUR, 2000).
Sua inserção na política, participando ativamente do processo de emancipação políti-
ca de JdN fez dele o primeiro prefeito da cidade, em 1911, exercendo o cargo por 12 anos,
após conflitante período de luta contra o poder eclesiástico, chegando a ser punido pela
Igreja com a suspensão de suas ordens ao ser acusado de desobediência e por estimular a
crença no pretenso milagre da hóstia, onde esta teria por várias vezes se transformada em
sangue na boca da beata Maria de Araújo.
Mesmo sem poder exercer suas funções de sacerdote, o padre passou a ouvir os ro-
meiros diariamente em sua casa. Eles vinham em busca de conselhos, bem como de prote-
ção espiritual, atendendo a todos. Recebia e distribuía esmolas. Aconselhava-os oralmente
e por escrito. Era o padrinho de todos e assim passou a ser chamado de forma íntima por
seus devotos de “Padim Ciço”.
O comércio tem um grande impulso com os artigos religiosos vendidos aos romeiros
que peregrinam a Juazeiro. Juntamente com isso, surgem os abrigos para romeiros e o
núcleo urbano aumenta, pois a população imigrante estabelece-se no povoado. Os romeiros
trazem oferendas ao Padre Cícero e esse canaliza os recursos para obras que vão
incrementando as estruturas urbanas de Juazeiro.
Com a morte do Padre Cícero, aos 90 anos de idade, no dia 20 de julho de 1934, a
maior parte de seus bens foram doados à ordem Salesiana, conforme a vontade do Padre
(CAMPOS, 2003). Inicia-se um confronto entre os poderes clerical e público pela adminis-
tração da força político-religiosa advinda da imagem do líder.
A cidade de JdN continuou a receber os romeiros do Padre Cícero, ocorrendo a partir
dos anos 70 (séc. XX) e, principalmente, na década de 80 (séc. XX) que ocorre um grande
aumento populacional em JdN e a conseqüente explosão imobiliária. A melhoria da acessi-
bilidade, com a recuperação das estradas, a modernização dos meios de comunicação e o
crescimento do mercado consumidor alimentado pela religiosidade, transformaram JdN
num centro cada vez mais atraente de empreendimentos comerciais, de serviços e indústri-
as.
Os milhares de romeiros acabam por fortalecer o desenvolvimento econômico arqui-
tetado por Padre Cícero, gerando trabalho e sustento para a população local. O trabalho
centrado na agricultura de subsistência e na pecuária, atividades comuns na região, res-
ponsáveis pelo avanço para o interior do Nordeste, época em que o próprio sistema geral da
economia colonial brasileira levou à separação entre a cultura da cana-de-açúcar e a pecu-
ária (POMPA, 2003), já que para a manutenção interna, “além das naturalmente elevadas
importações, permitiam-se apenas culturas agrícolas de subsistência (...) em áreas um pou-
co mais afastadas da Zona Litorânea” (VIDAL, 2001,46), recebendo estas áreas menores
investimentos econômicos e políticos. Celso Furtado (1998, 64), esclarece que “a formação
da população nordestina e a de sua precária economia de subsistência (...) estão assim
ligadas a esse lento processo de decadência da grande empresa açucareira no Brasil”.
[...] objetivando a superação dos problemas, o Padre Cícero aconselhava os indivíduos a orar e
trabalhar, moldando-lhes práticas devocionais e econômicas. Dos aconselhamentos do padre
Cícero baseados em princípios teológicos e filosóficos, consolidava-se uma concepção de desen-
volvimento, pautada na utopia da prosperidade. Araújo (2005,19)

Ao incutir princípios de trabalho e fé em sua gente, Padre Cícero acabava por im-
plantar as bases para a formação civilizacional e urbana, delineando o desenvolvimento
econômico de Juazeiro do Norte, como comprova a análise feita pelo Monsenhor Silvano

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OLIVEIRA, C. D. M., OLIVEIRA , L. C. TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS...

Souza (1994, p. 58), ao escrever que:


Dentro de pouco tempo o prestígio, a atividade do Padre e a sua natural bondade (...), atraíram
ao sítio Juazeiro novas famílias que iam vivendo como seus agregados, dos produtos agrícolas
e de poucas cabeças de gado criadas no arisco e tabuleiros vizinhos. Foram esses os alicerces da
atual cidade do Juazeiro.

A fama de cidade próspera espalhava-se além do Cariri, por todo o Nordeste e JdN,
que passou a ser destino de muitos sertanejos em busca de permanência definitiva no povo-
ado. Estes eram, em sua maioria, agricultores sem terra ou fugitivos da seca em busca de
trabalho e melhores condições para suas famílias. A crescente atração de romeiros e o au-
mento do prestígio de Padre Cícero preocupavam a Diocese local, incitando um processo de
forte perseguição pela Igreja Católica ao religioso, culminando mais tarde com a suspensão
das ordens de Padre Cícero, a revelia de sua santidade, no imaginário do povo sertanejo. “A
reação popular foi no sentido de apoiar o Padre Cícero, elevado agora à categoria de santo
e de protetor dos pobres desvalidos” (CAMPOS, 2003, p. 39).
A forte crença do sertanejo e sua carência de proteção social serviram de estímulo
para o início das romarias a JdN. Uma crescente onda migratória ocasionada por romeiros
que não retornaram para seus locais de origem, ali fixando morada, ocasionando um rápido
e desordenado crescimento populacional.
Mesmo afastado de suas funções sacerdotais, Padre Cícero manteve-se fiel ao catoli-
cismo, inclusive continuando com o serviço pastoral, incentivando os romeiros a serem
devotos de Nossa Senhora das Dores, com oratórios domiciliares, conforme tradição católi-
ca portuguesa, e obrigando a todos a freqüentarem a Igreja com suas famílias. Para Carva-
lho (2004, p. 51), Padre Cícero:
[...] como profundo conhecedor da fé popular, sabia canalizar a resistência do povo via religio-
sidade popular de um catolicismo devocional e fervoroso a Nosso Senhor Jesus Cristo e a Vir-
gem Mãe das Dores. Enfrentou muitos desafios, até mesmo o silêncio e tornou-se um homem
exposto à especulação daqueles que o perseguiam, porém em momento algum, negou à Igreja
sua fé.

Com a ascensão econômica de Juazeiro do Norte e a crescente influência política,


Padre Cícero, devido ao seu prestígio enquanto líder religioso conseguiu consolidar grande
número de alianças políticas a nível local, regional e nacional, fazendo-o emergir como um
dos maiores líderes políticos do Nordeste. De todos os estados da região, políticos, visando
legitimidade popular, faziam filas para solicitar o apoio políticos do sacerdote popular
(ARRUDA, 2002).
A admiração conquistada dava a Padre Cícero um forte poder carismático, através
dele capaz de convencer a multidão de sertanejos, seus romeiros, a votar nos políticos que
a ele se aliavam. Concentrava-se então em uma só pessoa (humano), considerado santo
(divino) pelos seus seguidores, a religião e a política, a vontade divina através do ordenamento
político, conforme ocorrido nos primórdios das sociedades católicas.
O conceito de carisma aqui expresso é o identificado por Matelli (1995, p. 162), utili-
zando a definição de Weber, como uma qualidade considerada extraordinária. O carismático
é considerado “alguém dotado de força e de propriedades sobrenaturais ou sobre-humanas,
ou pelo menos, excepcionais de forma específica, não acessível aos demais, ou então, como
enviada por Deus, ou como revestida de um valor exemplar”.
Devido a sua influência consolidada através de alianças políticas estabelecidas, Pa-
dre Cícero conquistou ainda mais poder. Continuando sua trajetória política, ele chegou a
terceiro Vice-Presidente do Ceará (1912); Deputado Federal (1926) e ainda Senador, não
chegando a assumir o cargo devido a doenças e a idade avançada, contando na época da
eleição com 82 anos de idade.
A religiosidade incentivada por Padre Cícero ao sertanejo e os conselhos de trabalho
e fé fizeram JdN prosperar, deixando em pouco tempo de ser um mero distrito subordinado
a cidade vizinha, Crato, para tornar-se um dos municípios mais desenvolvidos do Ceará;
pólo regional na atração de romeiros, turistas e consumidores, dinamizando a economia

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Terra Livre - n. 33 (2): 155-170, 2009
local e projetando JdN em muitas escalas.

AS ROMARIAS E O TURISMO RELIGIOSO EM JUAZEIRO DO NORTE


A caminhada pelas ruas do centro de Juazeiro delineia o traçado de um território
sagrado em meio ao espaço urbano (profano). As ruas do cotidiano da cidade se transfor-
mam no‘campo de expressão da religiosidade’ de um povo que identifica em Juazeiro do
Norte local de representatividade de sua fé, considerando que o simbolismo dos lugares
sagrados é indissociável dos processos de estruturação territorial. (SANTOS, 2006).
Todo o lugar ou conjunto de lugares ligados entre si que, de modo persistente no tempo, são
utilizados pelos homens, nas suas práticas religiosas, de tal modo que se tornam referências
simbólicas para uma dada comunidade ou um dado grupo, que deles se apropria. (SANTOS
2006, p.105)

É neste território onde o romeiro elege como ‘marco geográfico’ de representatividade


de sua fé. Suas práticas religiosas o fazem sentir-se parte integrante do local, apropriando-
se e identificando-se com seu simbolismo, exercendo seu direito á territorialidade. Refor-
çando o entendimento acerca da territorialidade, Rosendahl (2005, p.204), diz ser essa:
[...] o conjunto de práticas desenvolvidas por instituições ou grupos no sentido de controlar um
dado território, onde o efeito do sagrado reflete uma identidade de fé e um sentimento de
propriedade mutuo. A territorialidade é fortalecida pelas experiências religiosas coletivas ou
individuais que o grupo mantém no lugar sagrado e nos itinerários que constituem seu territó-
rio.

É fora da Igreja, templo de referência do sagrado, que se desenvolve a inter-relação


entre território religioso e espaço urbano, sendo este território o lócus de vivência da fé,
habitando no espaço urbano, em dualidade, o sagrado e o profano; culto religioso e as fes-
tas, necessitando em ambos de uma preparação estrutural que possa facilitar e organizar o
fluir dos romeiros na prática de sua religiosidade.
Nas romarias, durante a procissão, acontece o ápice da inter-relação entre território
religioso e espaço urbano. Ao percorrer o roteiro tem-se a transformação das ruas estreitas
de Juazeiro em território religioso, local de exaltação da fé. Para esta pesquisa, foi acompa-
nhada a Romaria de Nossa Senhora das Candeias que ocorreu no período de 29 de janeiro
à 02 de fevereiro de 2008.
Durante a procissão de velas, ponto alto da Romaria, a atmosfera do sagrado convive
em meio à estampa do cotidiano da cidade e suas deficiências (falta de sinalização; trânsito
desordenado; ineficiência de limpeza pública; ausência de saneamento básico; calçadas e
ruas esburacadas, etc.), coexistindo a problemática urbana com o sagrado, através da ma-
nifestação de fé dos devotos, expressa nas vozes da massa de romeiros ao exaltar o Padre
Cícero, cantando em alto coro o ‘Bendito da Mãe das Candeias’:
Os gritos de “Viva o Padre Cícero”; “Viva a Mãe das Candeias”, proferidos pelos
celebrantes e repetidos com entusiasmo pela multidão complementa o clima de religiosida-
de da procissão, somente quebrado quando o próprio celebrante pede a todos para ter cui-
dado com os seus pertences, pois “entre os cordeiros existem lobos”. Pela primeira vez o
tradicional dia da procissão de velas, 02 de fevereiro, coincidiu com o início do feriado do
carnaval. Houve uma maior preocupação da Secretaria de Turismo e Romaria, representa-
da pelo Secretário Felipe de Figueiredo Neto, jovem empresário, Bacharel em Turismo, em
proporcionar uma maior segurança aos romeiros, devido a já esperada presença massiva
de romeiros e as arruaças comuns a esta festa profana.
O maior desafio da Secretaria deu-se ao tentar reforço para o efetivo da cidade, já
que toda a força policial do estado era direcionada para os locais onde se celebrava a festa
popular. Neste ano, a Romaria das Candeias contou com cerca de 200 homens, concentra-
dos principalmente nos locais de maior aglomeração de romeiros (igrejas e santuários),
conforme informou o secretário.
A Administração da Igreja Matriz previa para a Romaria das Candeias deste ano a

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OLIVEIRA, C. D. M., OLIVEIRA , L. C. TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS...

presença de aproximadamente 250 mil visitantes, porém, o número de devotos em Juazeiro


do Norte foi estimado em cerca de 200 mil, conforme noticiou o Jornal O Povo do dia 02 de
fevereiro de 2008 (FAHEINA, 2008). O administrador da Paróquia, Pe. Paulo Lemos justi-
fica a redução de romeiros na Romaria desse ano: “muitos já vieram nos meses de dezem-
bro para passar o natal e janeiro para as festas de Santos Reis (06) e São Sebastião (20)”. Já
o jornal Diário do Nordeste do dia 03 de fevereiro de 2008 traz em destaque matéria com o
título “Romaria das Candeias reúne 280 mil romeiros”, enfatizando que “conforme estima-
tiva do Bispo de Crato, Dom Fernando Panico, a romaria teve a participação de 280 mil
romeiros de várias cidades do Nordeste” (SANTOS, 2008).
Questionado sobre os números de visitantes exibidos pelos dois jornais cearenses,
Padre Paulo Lemos lembra que não há uma contagem específica, nem da Prefeitura nem
da Igreja, para avaliar a quantidade de romeiros que vêm em romaria todos os anos. Os
números divulgados pelos jornais são baseados em estimativas da Diocese através do ca-
dastro dos romeiros na Sala de Informação ao Romeiro existente dentro da igreja Matriz.
Porém, o próprio Padre Paulo reconhece ser impossível precisar a quantidade de
romeiros presente na romaria apenas pelo banco de dados da Sala, pois:
[...] ainda é um número muito reduzido de romeiros que procura a Sala para
fazer o cadastro. O que a Diocese faz é se basear pelos anos anteriores para
estimar o número de romeiros que virão para a romaria. Esse cálculo é
aproveitado pela prefeitura para planejar a segurança durante a romaria,
mas concordo que este ano dava pra ver que foi menor o número de romeiros
na Romaria das Candeias.

O difícil transitar dos romeiros que circulam nos corredores entre as barracas de
vendedores ambulantes, onde se comercializa desde objetos religiosos, como imagens de
santos e do Padre Cícero, até utensílios domésticos (panelas, vasilhas, etc.), roupas, ali-
mentação e equipamentos para o trabalho no campo, representa uma grande confusão,
embaraçando o ir e vir entre os locais sagrados.
O pouco espaço nas calçadas obstruídas por barracas e grande número de transeun-
tes, e ainda o trânsito de carros, ônibus e caminhões de romeiros, dificultam o caminhar
pelas ruas da cidade, principalmente entre as ruas que levam aos locais considerados sa-
grados pelos devotos e, freqüentemente, visitado por estes.
Um dos pontos mais problemáticos encontra-se na concentração na Rua Padre Cícero,
via de acesso entre a Praça da Ig. Matriz e a Praça da Ig. do Socorro, principais pontos de
visitação dos romeiros. Nesta rua, as barracas são colocadas em frente às casas e pontos
comerciais, incomodando quem ali reside ou trabalha.
Dona Terezinha Sobreira, residente no número 282 da R. Padre Cícero relata que há
20 anos sofre com as barracas em frente a sua casa. Durante as romarias, o carro da família
não pode entrar nem sair da garagem. Segundo a moradora:
Meus filhos para irem pro trabalho têm que andar até a outra rua para poder pegar um táxi
com o carro preso na garagem. Sem falar na sujeira que fica na porta da minha casa e no medo
que tenho de sair na calçada sozinha, fica tudo fechado porque é gente demais. Não tenho nada
contra os romeiros não, eles trazem crescimento para Juazeiro, mas a prefeitura tem que
tomar alguma atitude. O Centro de Romeiros seria uma solução para esse tumulto, mas a obra
não termina nunca! Para onde foi todo esse dinheiro?

Na Rua São José, onde se encontra o Museu do Padre Cícero, local de grande concen-
tração dos romeiros, conforme informado pela própria Dona Terezinha Sobreira, os ambu-
lantes pagam taxas aos moradores para colocarem as barracas em frente as suas casas,
sendo isto, segundo ela, um empecilho para solucionar o problema do ordenamento das
ruas centrais da cidade durante as romarias. A casa na qual o Padre Cícero habitou foi
transformada em museu, guardando até hoje seus pertences, objetos pessoais e

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Terra Livre - n. 33 (2): 155-170, 2009
indumentárias que contam a vida e trajetória do Padre que devido a um suposto ‘milagre’
foi aclamado como santo pelo povo, mesmo expulso pela Igreja. A devoção popular ao santo
padre está expressa dentro do Museu do Padre Cícero principalmente nas salas dos ex-
votos, onde se encontra materializada a fé dos ‘seguidores’ de ‘Padim Ciço’.
O que chama a atenção no museu descrito é que apesar de ter vivido na casa grande
parte do tempo como homem político, a figura reverenciada lá é a do religioso, seja porque
a administração do local ficou por conta dos Padres da Ordem Salesiana, conforme vontade
do próprio Padre Cícero, explicitada quando este doou em testamento seus bens para a
referida ordem. Ou ainda, devido à manifestação de fé de cada devoto que ali reza ao lado
da cama onde o Padre dormia e faleceu (representado por um boneco de cera), com grupos
de romeiros se revezando entre rosários e benditos em exaltação ao religioso.
No centro da cidade, as ruas em torno dos locais considerados sagrados pelos romei-
ros (Igreja Matriz, Museu do Padre Cícero, Praça e Igreja do Socorro) ficam tomadas por
barracas de ambulantes durante o período das romarias. Esse grande fluxo torna o cami-
nhar entre estas uma nova procissão, sendo esta composta por consumidores, em passos
lentos, numa reverencia a cada barraca no ritual profano do consumismo, ritual este que
faz parte também da motivação de vir às romarias e de recordar materialmente sua vivência.
Conforme Araújo (2005, p.159), “os romeiros querem levar um símbolo sagrado da
cidade do Padre Cícero para suas casas, onde eles reconstroem a seu modo os espaços de
memória ao santo protetor. O consumo cultural dos romeiros dinamiza o comércio de Juazeiro
e, conseqüentemente, a economia local”.
A atual disposição das barracas pelas ruas próximas a Igreja Matriz já é resultado de
uma tentativa do poder público municipal, através da Secretaria do Meio Ambiente, em
organizar o grande número de barracas de ambulantes que se espalham pelas ruas cen-
trais de Juazeiro, durante o período de romarias.
O Secretário de Meio Ambiente, Francisco da Silva Lima, enfatizou em entrevista à
pesquisadora a preocupação do Prefeito do Município Raimundo Macedo em organizar os
espaços de circulação dos romeiros. Segundo ele: “o problema não é recente, mas a prefeitu-
ra vem tentando aos poucos organizar o comércio durante as romarias de forma a não
prejudicar nem os comerciantes nem os romeiros”.
Ao perceber as vantagens econômicas da vinda de romeiros e turistas, o governo
municipal passou a atuar nas romarias através do controle e demarcação das barracas de
ambulantes; da disponibilidade de efetivo e equipamentos para a segurança dos romeiros;
da confecção e distribuição de material informativo e ilustrativo sobre Padre Cícero e
Juazeiro, como cartazes, leques, folhetos com fotos de pontos para visitação e mapas da
cidade, etc.
Próximo ao período das grandes romarias constante no calendário oficial da Igreja, o
prefeito e os representantes de algumas secretarias (Secretaria Municipal de Turismo e
Romaria; Cultura, Segurança Pública e Cidadania, além das de Meio Ambiente, Educação,
Saúde e Assistência Social), como também órgãos de gestão estrutural como CAGECE (Com-
panhia de Água e esgoto do Ceará), COELCE (Companhia de Eletrificação do Ceará) e 2º
BPM (Batalhão de Polícia Militar), e representantes da Paróquia de JdN, se reúnem a fim
de colocar em prática a ‘Operação Romeiro’, na estruturação da cidade e dos serviços.
Padre Paulo Lemos critica esta iniciativa do governo municipal por ser um fato isola-
do, deixando a desejar, pois “o fluxo de romeiros começa em setembro e só termina em
fevereiro. A Operação Romeiros só funciona durante as grandes romarias e de forma limi-
tada”. Já o poder municipal promete se esforçar para promover a romaria com boa
receptividade aos visitantes. Em especial na Romaria das Candeias, a Prefeitura atua tam-
bém através de campanhas de marketing a nível estadual, regional e nacional, com o apoio
da Secretaria de Turismo do Estado e governo federal, com o objetivo de atrair uma maior
demanda de visitantes a Juazeiro do Norte, já que, segundo o Secretário de Turismo e
Romaria Felipe de Figueiredo Neto, “em outros tempos a romaria não necessita de divulga-
ção, mas a Romaria das Candeias necessita devido a sua ocorrência durante o período de
férias, tornando-se necessárias estratégias diferentes para atrair os turistas”.
Mesmo com um fluxo reduzido de visitantes, diferente da multidão de romeiros du-

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OLIVEIRA, C. D. M., OLIVEIRA , L. C. TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS...

rante as romarias, os problemas urbanos em JdN (ruas estreitas; ausência de esgotamento


sanitário; deficiência de estrutura viária e conflitos no tráfego) são notórios. Esses proble-
mas demonstram a carência estrutural existente na cidade, seja ou não em época de roma-
ria, tornando insatisfatória e caótica à relação de moradores e visitantes com o espaço
urbano.
O Jornal do Cariri do dia 02 de fevereiro de 2007 já enfatizava o caos urbano que
ocorre durante as romarias. O jornal denuncia que·:
[...]os pedestres, ao mesmo tempo em que são consumidores, também criticam a apropriação
das calçadas pelos ambulantes, alegando que diminuíram o espaço delas, bem como demons-
tram certos preconceitos em relação ás condições de trabalho em que se encontram tais ativi-
dades. Outro aspecto importante da área central é a quantidade de bares, lanchonetes e res-
taurantes, necessários ao atendimento das pessoas que por ela circulam e ali trabalham. Po-
rém, depositam uma grande quantidade de mesas e cadeiras nas calçadas, agravando ainda
mais o aspecto visual de desmazelo.

Padre Paulo vê como maior problema urbano durante as romarias o amontoa-


do de barracas de ambulantes espalhados por Juazeiro. “O comércio de barraqueiros e
ambulantes nas praças, ruas e no entorno do Santuário é profundamente problemático. Há
uma desorganização muito grande desse comércio. O trânsito fica congestionado e tudo e
com isso surgem problemas diversos que atrapalham o sentido da romaria”.
O poder público local, em parceria com o governo do estado buscou a adequa-
ção de políticas públicas que possibilitassem promover as melhorias estruturais deficientes
em Juazeiro do Norte, diagnosticadas no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU
focalizado em maiores detalhes no próximo capítulo deste trabalho.
Uma das propostas contidas no PDDU é a construção do Centro de Romeiros,
um espaço localizado no largo da Praça da Igreja Matriz, projetado para concentrar a mas-
sa de visitantes, desobstruindo as ruas do centro da cidade. Porém, as obras encontram-se
paralisadas há vários anos em decorrência de conflitos de interesses políticos como tam-
bém devido a irregularidades encontradas pelo Tribunal de Contas na execução da obra.

AS POLÍTICAS URBANAS E O PLANEJAMENTO TURÍSTICO EM JUAZEIRO DO


NORTE
Entre as políticas urbanas propostas para JdN, o PDDU é um das mais complexas
por contar com diagnóstico detalhado da situação estrutural da cidade, com ações voltadas
para o planejamento turístico local. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU
é parte do Projeto de Desenvolvimento Urbano do Estado do Ceará, PROURB CE, progra-
ma do governo do Estado com financiamento do Banco Mundial direcionado para os 4 mu-
nicípios mais relevantes que desempenham papel estratégico no desenvolvimento susten-
tável do Estado, entre eles, Juazeiro do Norte.
Partindo do objetivo de planejar e ordenar o espaço urbano local, segundo explícito
no próprio PDDU (SETUR, 2000, s/p), a intenção de determinar:
uma estratégia de desenvolvimento para o Município de Juazeiro do Norte requer o entendi-
mento das oportunidades para o Estado como um todo e das implicações espaciais sobre seu
território. Nesse sentido, é fundamental projetar uma visão espacial dos setores econômicos e
seus segmentos mais adequados às regiões do Estado.

A metodologia utilizada no Plano diz ser pautada na estratégia participativa, tendo


em vista melhor compreensão da realidade local, onde o Poder Público e a sociedade civil
organizada tentam mostrar as potencialidades e os obstáculos ao progresso do Município, o
que não foi observado durante pesquisa realizada in loco, conforme analisado adiante. A
implantação do PDDU é planejada através das estratégias contidas no Plano Estratégico e
no Plano de Estruturação Urbana.
O Plano Estratégico municipal é concebido como uma ferramenta gerencial
imprescindível no processo de tomada de decisões referentes ao futuro, dentro de uma

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visão não só de curto e médio, mas principalmente de longo prazo. Um Plano Estratégico
deve ter como base um processo metodológico de planejamento que busque uma posição
competitiva favorável e duradoura para o município com vistas à consecução de objetivos
específicos.
O Plano de Estruturação Urbana do PDDU de JdN incentiva o uso habitacional na
área central, partindo do diagnóstico que certifica o modo desordenado das ruas centrais
da cidade. Aquelas com o uso misto no entorno da Matriz, do Mercado, da estação ferroviá-
ria e nas proximidades da via férrea, Av. Pe. Cícero, e residencial de média densidade a
leste do centro, promovendo dinamismo e potencializando a utilização dos espaços cen-
trais. O referido plano em uma de suas propostas recomenda a criação de área de Preserva-
ção Ambiental ao longo do Rio salgadinho e na Serra do Horto, a norte do centro e a criação
de centros de unidade de vizinhança no entorno das Igrejas Matriz e dos Franciscanos.
Devendo tais espaços constituírem foco de qualificação e localização de equipamentos e
serviços. O núcleo central, o entorno da estátua de Padre Cícero e a subida do Horto cons-
tituem áreas de renovação urbana. No caso específico do turismo, pode-se destacar a obser-
vação do Plano no que se refere ao diagnóstico da:
[...] infra-estrutura de recepção ao turista é bastante deficiente: é comum a falta de água nos
períodos das romarias, assim como a falta de abrigos populares e centrais de informação. Du-
rante os períodos de alta estação, chega a ocorrer redução de algumas atividades econômicas
não ligadas aos movimentos religiosos, sendo necessário identificar forma de convivência har-
moniosa entre as várias atividades do Município (SETUR/PDDU, 2000, s/p).

O potencial turístico e religioso no Ceará é reconhecido pelo poder público estadual


pela primeira vez em 1971, durante o governo de César Cals de Oliveira Filho, quando são
feitas referências às atrações de natureza mística de Juazeiro do Norte e Canindé no Plano
de Governo do Estado do Ceará – PLAGEC (CORIOLANO, 1998). Em 1975 o nordeste
brasileiro destaca-se por seus atrativos naturais e ganha notoriedade em um período de
economia nacional favorável para o desenvolvimento do turismo. No Ceará, o governo do
Coronel Adauto Bezerra, influenciado pelo emergente turismo no Nordeste, estabeleceu no
Primeiro Plano Qüinqüenal de desenvolvimento do Estado do Ceará – PLANDECE (1975-
1978), os objetivos para a estruturação e aproveitamento do potencial turístico do estado.
Durante o segundo governo de Virgílio Távora (1979 a 1982), foi elaborado o primeiro
Plano Integrado de Desenvolvimento Turístico do Estado do Ceará – PIDT – CE. Com um
caráter de diagnóstico, o plano tinha o objetivo maior de preparar mão-de-obra qualificada
e consolidar o aparelho institucional, buscando também identificar os fluxos turísticos diri-
gidos ao Ceará (CORIOLANO, 1998). O PIDT – CE projetava o turismo para todo o territó-
rio do estado, direcionando o turismo para fora da capital, facilitando sua interiorização.
Apesar de inviável, devido à precariedade das condições de infra-estrutura urbana, este
plano representa um marco no planejamento turístico do Ceará. Com o fim do regime mili-
tar e o início do processo democrático, já na década de 80 (séc. XX), assume o governo do
Ceará o professor Gonzaga Mota, implantando as bases para um planejamento participativo
para seu plano de governo, o PLANED (1983-1986), Plano Estadual de Desenvolvimento.
Neste plano há a priorização do turismo interno, a educação para o turismo e os programas
de conscientização, porém sem grandes resultados concretos.
No governo Tasso Jereissati (1987-1990), o turismo tornava-se uma das principais
pautas das políticas públicas para o desenvolvimento econômico do Ceará. O ‘Plano de
Mudanças’ desse governo valorizava o potencial turístico litorâneo, priorizando a zona de
praia do estado, por considerar esta área com menos necessidade de investimentos que os
atrativos do interior, com lucro mais rápido. No cenário nacional, entre o final dos anos 80
- início dos 90, refletido nos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, o
Estado passou por profundas transformações, repercutindo também nas orientações para
com o turismo e na definição de suas diretrizes (PAIVA, 1998).
No início dos anos 90 (séc. XX), iniciou-se o processo de descentralização das políticas
federais. Em sua administração, com enfoque empresarial, Ciro Gomes geriu o turismo no
Ceará voltado para a promoção do produto turístico cearense competitivo, buscando atrair

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OLIVEIRA, C. D. M., OLIVEIRA , L. C. TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS...

a iniciativa privada para estimular a implantação de equipamentos turísticos, dinamizan-


do o turismo no estado e gerando lucros em curto prazo. Para tal, os investimentos foram
direcionados a infra-estrutura; estratégia consolidada, no segundo governo de Jereissati
(1995-1998). Neste governo, o planejamento turístico é tratado com maior profissionalismo
do que nos anteriores (contratação de técnicos qualificados; maiores linhas orçamentárias,
etc.). Buscou-se fortalecendo a imagem do estado e tornando-o destino competitivo no mer-
cado nacional e internacional.
Retomando o conceito de integração das atratividades presente no estado, o Plano de
Desenvolvimento do Turismo Cearense foi dividido em seis macrorregiões turísticas, en-
volvendo todas as áreas potencialmente exploráveis pelo turismo no estado, com o objetivo
de planejar, coordenar, executar, promover e integrar as atividades turísticas no Ceará.
A premissa de tornar o Ceará um mercado turístico exige, dentre muitos outros fatores, a
desconcentração do turismo no litoral, levando-o a expandir-se para outros pontos do território
cearense. A institucionalização das macrorregiões turísticas foi um passo a mais na identifica-
ção do potencial turístico do estado, num incentivo á cultura regional com o estímulo a festas
folclóricas, artesanato e culinária dos diferentes municípios cearenses. (Coriolano 1998, 75):

Em JdN, o incentivo do governo estadual fez este e o poder municipal parceiros no


fomento ao turismo, planejando principalmente o desenvolvimento do turismo religioso
local. Essas iniciativas estão presentes em políticas como o PAT e o Projeto Roteiros da Fé,
ações propostas em âmbito federal, maturadas e adaptadas para o âmbito regional e local,
ajudando a dinamizar o turismo religioso.
No Plano Estratégico de JdN, também integrante do Plano Diretor de Desenvolvi-
mento Urbano do município, a atividade turística é especificamente contemplada em suas
duas primeiras linhas estratégicas. A primeira, “Juazeiro do Norte como um importante
centro de turismo religioso da América Latina: contemplando a criação de infra-estrutura
para promover o turismo, tais como”:
· Criar sistema de informação aos turistas religiosos;
· Redirecionar parte do fluxo da zona central de transporte dos turistas religio-
sos através de construção de Via Perimetral;
· Adequar área de turismo religioso para eliminar influência negativa dos perí-
odos de alta estação em alguns setores da economia;
· Preparar infra-estrutura de abastecimento de água, esgotamento sanitário e
coleta de lixo para suportar picos na alta estação;
· Facilitar e estilizar acesso à estátua do Padre Cícero, na Serra do Horto, a
partir da zona central da cidade;
· Preparar área em torno da estátua do Padre Cícero para receber adequada-
mente os turistas;
· Capacitar mão-de-obra para atender a demanda por serviços qualificados;
· Estimular a iniciativa privada a investir na área de entretenimento e hospe-
dagem;
A segunda linha estratégica: “Integrar o turismo religioso a outras formas de turis-
mo de Juazeiro do Norte e municípios vizinhos,” prioriza:
· Consolidar o turismo de negócios de Juazeiro do Norte através da atração de
feiras/exposições de negócios e eventos profissionais (congressos, jornadas) e criação de
centro de convenções;
· Promover a cultura do artesanato (gesso, couro, madeira), da literatura de
cordel e da formação religiosa do povo juazeirense;
· Estender o turismo religioso ao Crato através de visitação a lugares da infân-
cia e juventude do Padre Cícero;
· Divulgar e promover visitação às atrações ecológicas e científicas dos municí-
pios vizinhos (Crato, Barbalha, Santana do Cariri e JUAZEIRO), para aumentar período
de estada na região.
A partir do diagnostico traçado pelo PDDU e seu Plano de estruturação urbana che-
gou-se à construção das ações estruturantes propostas no Plano de Ação Turística para
Juazeiro do Norte. – PAT, ação do governo estadual quando dos avanços em promover a

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descentralização do turismo, com a criação da Secretaria estadual de Turismo – SETUR,
seguindo as diretrizes do Programa Nacional de Municipalização do Turismo – PNMT,
O PNMT foi desenvolvido e coordenado pela EMBRATUR (Instituto Brasileiro de
Turismo), consistindo numa adaptação da metodologia da OMT (Organização Mundial do
Turismo) à realidade brasileira. Propunha um novo modelo de gestão da atividade turística
para os estados e municípios, com o objetivo de alcançar maior eficiência e eficácia na
administração da atividade turística de forma participativa. (BOITEUX & WERNER, 2002).
Integrando a Política Nacional de Turismo de 1996 a 1999, durante o 1º mandato do
presidente Fernando Henrique Cardoso, plano foi divido em três etapas constando de:
PRODUTO 01: O Cenário Atual, o município como receptor turístico; PRODUTO 02: Defi-
nições Estratégicas e Propostas de Ação; PRODUTO 03: Proposta de Implantação e
Monitoramento.
Ao final de cada Etapa, propõem-se seminários com a comunidade, onde a equipe do
PAT (composta por colaboradores da SETUR e da Prefeitura Municipal de Juazeiro do
Norte, planejadores terceirizados e pessoas da própria comunidade engajados no turismo),
colocou em discussão as informações e propostas identificadas. Foram também elaboradas
versões preliminares de cada produto, para a SETUR e a Prefeitura Municipal analisarem
o resultado.
Inicialmente, foi realizado o diagnóstico da situação atual da cidade: sua organização
espacial e estruturas físicas e de serviços, identificando fatores de fundamental importân-
cia para a exploração do turismo no município. “A disponibilidade e a qualidade dos espaços
urbanos, aliadas às condições de inter-relação entre eles, formam a imagem da cidade, e
determinam o grau de acessibilidade do turista aos diversos atrativos” (SETUR/PAT, 2001).
Para captar as reais características do ordenamento urbano, a cidade foi analisada
pela equipe do PAT em dois momentos distintos: a cidade no período das romarias, e a
cidade fora deste período. Fora do período das romarias, JdN abriga em seu centro, ativida-
des de recreação, lazer, entretenimento, comércio e serviços.
O centro cumpre o papel de “coração da cidade”. Tipologias institucionais, edifícios
públicos e praças, residenciais, comerciais, espaços de visitação religiosa, igrejas, e vendas
de artigos religiosos e artesanato, e equipamentos de hospedagens fazem do centro de
Juazeiro um espaço de grande dinamização, polarizando os demais bairros da cidade. Por
isso, a equipe do PAT propõe para o centro de Juazeiro mantê-lo compacto e concentrador;
suas atividades e a apropriação do espaço devem ser ordenadas, e dele deve ser retirada
toda sobrecarga desnecessária. Se por um lado à concentração da localização central da
atividade comercial e dos meios de hospedagem facilita a atividade turística, gerando me-
nos deslocamentos, por outro, é nele que grande parte da desordem urbana se reflete, for-
jando uma imagem confusa e desordenada da cidade. Os conflitos de tráfego, por exemplo,
ocorrem principalmente entre pedestres, ciclistas, ambulantes, motos, transporte coletivo,
transportes alternativos provenientes das cidades vizinhas, que tradicionalmente direcionam
suas compras para o comércio local, e dos carros fretados nas romarias. Em meio a tanta
desordem, e à falta de sinalização que guie o turista, fica difícil identificar os artigos de
artesanato, encontrados em localizações pontuais da zona central. Nas romarias, identifi-
cou-se que o morador tem:
[...] sua cidade transformada pelo enorme contingente de visitantes, que compõe uma deman-
da não projetada, e que utilizam, assim como ele, os equipamentos urbanos, a estrutura viária
e os serviços infra-estruturais, gerando uma sobrecarga nos serviços de alimentação, abasteci-
mento de água e esgoto, drenagem, transporte público, energia, segurança pública, comunica-
ções, e serviços gerais de apoio ao turismo (SETUR/PAT, 2001, s/p).

O diagnóstico considera o conflito de tráfego e circulação como um dos mais expressi-


vos, pois a estrutura viária de Juazeiro não tem capacidade para escoar com facilidade os
veículos e pessoas que chegam. Não existem articulações específicas que distribuam os
romeiros em rotas especiais e sinalizadas, acarretando uma superposição indesejada entre
fluxo turístico, e fluxo local de pedestres e veículos.

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OLIVEIRA, C. D. M., OLIVEIRA , L. C. TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS...

O PAT contempla ainda um levantamento das principais ações políticas visando à


estruturação turística de JdN. O documento esclarece que não há um local ou entidade
específica que reúna os documentos e os disponibilize para a sociedade em geral, fazendo-
os desconhecidos para a maioria das pessoas, sugerindo a criação de um banco de dados
sobre o Turismo em Juazeiro, que poderia fazer parte da Fundação Memorial Pe. Cícero.
Como orientações e recomendações estratégicas para a dinamização do turismo em
JdN, verificam-se como prioridades propostas pelo PAT o ordenamento dos espaços de co-
mércio e serviços, com a regulamentação de comunicação visual adequada para as facha-
das, sinalização, e previsão de espaços para comércio ambulante.
Ainda dentro das propostas apresentadas pelo PAT, tem-se o estudo dos fluxos viári-
os habituais e eventuais, com a implantação de rotas turísticas específicas para romeiros; e
uma ampliação da infra-estrutura, equipamentos e serviços existentes em função da proje-
ção do número de visitantes anuais, com atenção especial aos espaços de vizinhança imedi-
ata dos atrativos, onde a concentração de pessoas é maior.
Especificamente voltado para a organização do espaço urbano para a prática
do turismo, encontramos no PAT a recomendação expressa para:
· Ordenar os espaços destinados a atividades de comércio e serviços, com a re-
gulamentação de comunicação visual adequada para as fachadas, além de sinalização;
· Definir padronização e localização adequadas às barracas da feira-livre;
· Estudar a relocação do mercado atacadista em área mais adequada, distante
dos conflitos de tráfego do Centro, e próxima das rodovias de acesso à cidade, facilitando
assim as operações de carga e descarga;
· Realizar estudo dos fluxos viários habituais e eventuais, com a implantação de
rotas turísticas específicas para romeiros;
· Ampliar a rede de infra-estrutura, equipamentos e serviços existentes em fun-
ção da projeção do número de visitantes anuais, com atenção especial aos espaços de vizi-
nhança imediata dos atrativos turísticos, onde a concentração de pessoas é maior.
· Realizar estudo da demanda turística atual e projetada para o município: a
ampliação da infra-estrutura, nos variados níveis, deve ser aliada a um planejamento es-
pecífico, com medidas especiais a serem adotadas em épocas de romaria;
· Integrar a demanda turística a toda a demanda por infra-estrutura da cidade,
a não ser em caso de equipamentos e serviços especiais.
· Incentivar a localização de equipamentos, infra-estrutura de apoio e novos
atrativos no eixo Matriz-Serra do Horto, que constitui o principal corredor de turismo reli-
gioso do município;
· Incentivar o aproveitamento do Palácio da Micro-Empresa do Cariri fora dos
períodos dos eventos com outras atividades. Deve-se também avaliar a integração desta
edificação com o Projeto Estruturante do Centro de apoio ao Romeiro, proposto pelo PDDU,
que engloba todo o entorno da Matriz até o Rio Salgado;
· Implementar o Projeto do Centro de Apoio ao Romeiro, proposta do PDDU e o
Projeto da Cidade Mãe de Deus (PMJN) que engloba o entorno da Matriz e elaborar projeto
de gestão para os empreendimentos. Aproveitar os equipamentos frutos destes empreendi-
mentos para dinamização do turismo de negócios e eventos, além dos eventos de turismo
religioso;
Ao ter como estratégia a qualificação e o fortalecimento do produto turístico, o poder
público visiona Juazeiro do Norte enquanto potencial destino turístico, compreendendo as
deficiências estruturais para o desenvolvimento do turismo religioso na região. Porém, até
que ponto essas estratégias estão de acordo com a realidade local e o perfil de público para
quem se planeja o turismo?
Antes de propor projetos para incrementar o turismo em Juazeiro não houve uma
avaliação prévia (ex-ante) a fim de definir a viabilidade do que foi planejado, acarretando a
não conclusão de grande parte das ações propostas, conforme consulta no local. A não ava-
liação dos riscos e sustentabilidade das propostas acarretaram gastos de tempo e recursos
que poderiam ser mais bem utilizados se houvesse a preocupação em resolver primeira-
mente os problemas de base da cidade (estruturais e urbanos, como saneamento básico,

166
Terra Livre - n. 33 (2): 155-170, 2009
organização do trânsito, etc.), para só então planejar o fortalecimento e a qualificação do
produto turístico.
Além de especificar as ações de estruturação turísticas e ordenamento urbano abor-
dadas no PDDU, e ações pontuais locais, o PAT faz referência ainda projetos importantes
como o Roteiro da Fé. Um projeto estruturante, de intervenção física, proposto em esfera
federal, referenciado no Plano de Desenvolvimento Urbano de JdN e que se encontra sobre
gestão do governo do Estado em parceria com a Secretaria de Infra-estrutura - SEINFRA e
Prefeitura Municipal de JdN.
O projeto constitui-se uma intervenção urbana em algumas vias do Centro, e bairros
do Socorro, Salesianos e Matriz. O projeto contempla a criação de uma via de peregrinação
interligando os monumentos religiosos existentes na área, a qualificação do entorno destes
monumentos. Entre estas intervenções está o Projeto de Ordenamento da Unidade de Vizi-
nhança Piloto-centro/ Núcleo de Comercialização e Apoio aos Romeiros de JdN, conhecido
como Centro de Apoio aos Romeiros, mega-equipamento que servirá de apoio ao turismo
religioso, ainda em fase de implementação. Considerado no PDDU como um dos projetos
prioritários, o Centro de Apoio aos Romeiros é visto como uma grande obra estruturante
que irá proporcionar melhor infra-estrutura e serviços para as romarias.
O Centro de Apoio contará com anfiteatro com arquibancada para 10 mil pessoas;
Mercado das romarias, com boxes fixos e móveis; restaurantes; lanchonetes; praças para
missas (Praça da Fé e Praça da Padroeira); praça cívica; praça de integração ao Luzeiro do
Sertão/Cidade Mãe, além de estação para transporte coletivo e estacionamento para cami-
nhão e ônibus de turismo.
A partir do conceito de Unidade de Vizinhança (U.V.) adotado pelo plano de estrutura
urbana para reordenamento de JdN prevê que com a construção do Centro de Apoio ao
Romeiro apenas uma pequena parcela do centro sofra intervenções, possuindo a cidade um
espaço onde se concentrará toda a infra-estrutura para romeiros, além de equipamentos e
serviços comunitários necessários para atender as necessidades da comunidade do bairro
(posto de saúde, central comunitária, etc.), garantindo o fluxo contínuo no centro até mes-
mo fora dos períodos de romarias. O Projeto Roteiro da Fé vê como objetivo principal para
a construção do Centro de Apoio ao Romeiro:
Dotar Juazeiro do Norte de espaço multifuncional que agregue equipamentos e serviços para
romeiros e população local. Esta intervenção juntamente com o planejamento do turismo deve
consolidar Juazeiro do Norte como um centro de turismo religioso capaz de atender às grandes
projeções de fluxo turístico. (SETUR/PROJETO ROTEIROS DA FÉ, 2001, p. 18).

Fica claro no referido projeto a intenção do poder público local em estruturar JdN
para que esta conquiste local de destaque enquanto destino do turismo religioso nacional,
não só sendo conhecida como centro de romarias, mas alcançando novos mercados e assim
desenvolvendo o turismo na região.
Entre os objetivos específicos do Projeto Roteiros da Fé, destacam-se:
· Ordenar o fluxo das romarias e criar infra-estrutura de recepção aos romeiros;
· Adequar equipamentos e serviços prestados aos romeiros às necessidades da
população local e à demanda regional;
· Implementar equipamentos e infra-estrutura respeitando as características
do local e dos aspectos culturais de Juazeiro do Norte;
· Zonear as áreas livres no entorno do Centro de Apoio ao Romeiro com áreas de
comércio, serviços e equipamentos;
· Ampliar a acessibilidade à unidade de vizinhança e ao Centro de Apoio ao
Romeiro.
A preocupação com o ordenamento urbano de JdN, pelas políticas públicas, fica ex-
plícito ao visualizarmos as diretrizes que constam no Projeto Roteiros da Fé:
· Identificar edificações e lotes subutilizados que possam vir a ter seus usos
modificados;
· Identificar áreas degradadas e problemáticas para visitação;
· Identificar e planejar os espaços apropriados à colocação de barracas e came-

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OLIVEIRA, C. D. M., OLIVEIRA , L. C. TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS...

lôs;
· Relocar moradias e pequenos comércios existentes em áreas irregulares
(esplanada da Matriz e Rio Salgadinho);
· Preservar áreas de interesses histórico e cultural;
· Priorizar a circulação de pedestres;
· Reduzir conflitos de tráfego na zona central e acesso a cidade
Diante da exposição das políticas públicas de turismo no Ceará e do processo de
planejamento turístico movido em JdN, previu-se a importância de avaliar as propostas
para o desenvolvimento do turismo religioso, situando-as no universo urbano vivenciado
por cidadãos e visitantes, perceptível durante pesquisa no local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção de uma vocação religiosa para JdN tornou a cidade ponto de referência
das romarias nordestinas (notadamente) e de diversas partes do país. Estes apesar de
deterem poucos recursos e não usufruírem de infra-estrutura local de qualidade têm gran-
de poder de influenciar uma considerável demanda de adeptos do turismo religioso que
buscam em seu tempo livre absolver a experiência de fé propagada pelos romeiros, impul-
sionando a atividade turística em Juazeiro, sob o entusiasmo político e econômico do poder
público e a insatisfação dos representantes da Igreja na região.
São nas instalações rústicas, pensões, ranchos, dormitórios em casas de família, muitas
delas sem estrutura higiênica e espacial necessária para receber que o romeiro, geralmen-
te de origem humilde, sem condições de pagar por melhores equipamentos, hospeda-se
durante os períodos de romaria. Apesar de deterem poucos recursos, estes consomem os
produtos locais, gerando considerável lucro para o comércio de JdN e para a Diocese que
recebe generosas doações dos fieis do Padre Cícero. Por outro lado, o poder público ver o
turista como potencial de crescimento econômico regional. Com maior poder aquisitivo, o
turista religioso gera maior receita, além de impulsionar a construção de equipamentos de
grande porte como hotéis, restaurantes, museus, shoppings, aeroporto, etc.
O turismo religioso tornou-se então um filão rentável na economia do Cariri junta-
mente com as romarias ao Padre Cícero. Embora o litoral ainda seja a região mais procura-
da por turistas e residentes devido aos investimentos em infra-estrutura e maior oferta de
serviços, a interiorização da atividade turística surge como diversificação de roteiro e alter-
nativa de mercado para o setor. A regionalização do turismo agrega atratividade ao produto
Ceará, conhecido e divulgado por suas potencialidades litorâneas, diversificando a oferta
de produtos, alcançando maior competitividade diante do mercado turístico. A forte pre-
sença da fé, os valores locais e as manifestações religiosas do povo revelam um Brasil, um
Nordeste e um Ceará rico para o turismo religioso, oferecendo condições para um desenvol-
vimento positivo na economia, na cultura e na qualidade de vida da população.
De olho na oportunidade de desenvolvimento econômico trazido por este novo seg-
mento turístico, o poder público mostra-se disposto a investir no turismo religioso, buscan-
do facilitar o acesso e a estrutura dos centros de romaria no estado do Ceará (JdN, com os
romeiros de Padre Cícero e Canindé com os romeiros de São Francisco das Chagas), bus-
cando atrair uma demanda em potencial, dinamizando a economia dessas localidades.
Porém, a percepção de potencial turístico não foi acompanhada de um planejamento
em longo prazo, com comprometimento, organização e participação popular na elaboração
das políticas públicas para o segmento em expansão. Como conseqüência, tem-se a explora-
ção comercial da cultura popular, a perda da identidade local e graves problemas urbanos
e ambientais.
A ineficiência de planejamento e organização da atividade turística pelo Estado, seu
principal interventor, deu margem à supervalorização econômica do turismo, construindo
uma atividade com características comerciais e mercadológicas, não condizente com a ide-
ologia de quem viaja impulsionado pela fé, descaracterizando o turismo religioso.
Diante do exposto, viu-se que a atmosfera sagrada esbarra na problemática urbana

168
Terra Livre - n. 33 (2): 155-170, 2009
em JdN. A cidade precisa de urgente organização espacial para comportar o número de
romeiros e turistas que lá visitam, desde que as políticas propostas para este fim não
priorizem o turista, mas principalmente a população que ali habita e interage diariamente
com os espaços sagrados, garantindo ainda aos romeiros continuar peregrinando até Juazeiro
sem serem marginalizados por um turismo predador e indiferente à identidade local.

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169
OLIVEIRA, C. D. M., OLIVEIRA , L. C. TURISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS...

170
NOTAS
OTAS

171
172
Terra Livre - n. 33 (2): 173-176, 2009

OLHOS VENDADOS PARA O FUTURO: A RETOMADA


PARA DAS
USINAS NUCLEARES

CLAUDIO UBIRATAN G ONÇAL


BIRAT VES
ONÇALVES

birarural@ig.com.br

Professor da UFPE e membro do GT Agrária- AGB


Doutor em Ordenamento Territorial e Ambiental pela UFF
INTRODUÇÃO
A intenção nesta breve nota será a de gerar algumas reflexões sobre o mal estar
espacial (Moreira, 2006) provocado pelo cenário de retomada do programa nuclear brasilei-
ro neste primeiro decênio do século XXI. É preciso ponderar que,, antes da introdução de
uma nova modalidade energética na região Nordeste e do projeto de expansão da energia
nuclear no Brasil,, torna-se imprescindível um profundo debate acadêmico, bem como com
toda a sociedade e movimentos sociais. E, neste sentido, focamos alguns aspectos relevan-
tes no tocante ao campo político e técnico do assunto.
Compreenderemos a retomada da bandeira da energia nuclear no espaço-mundo,,
considerando que o desenvolvimento econômico permanece assentado exclusivamente na
expansão industrial e que,, por sua vez,, o modelo depende de crescente geração de energia.
A grande defensora do uso da energia nuclear no mundo, a IAEA (International Atomic
Energy Agency – ligada à ONU)) e,, no Brasil,, a CNEN (Comissão Nacional de Energia
Nuclear – vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia)) argumentam em torno da
minimização dos custos ambientais, das vantagens do volume de energia que pode ser
gerado sem maiores emissões de poluentes e de um espaço físico reduzido.
Seja como for, e mesmo sabendo que a segurança do sistema nuclear avançou signi-
ficativamente, é certo também que seu relativo controle é ainda suscetível a equívocos
humanos. Assim sendo, não podemos apagar dos arquivos da memória acidentes nucleares
tais como: a Central Nuclear de Windscale na Inglaterra em 1957, que teve o seu reator
incendiado, lançando radionuclídeos na atmosfera, contaminando pastos e gado; em 1979,,
ocorreu exposição radioativa decorrente do vazamento da usina de Three Miles Island, em
Harrisburg, Pensilvânia (EUA);; ou o marcante acidente da Central Nuclear de Chernobyl
(URSS),, que disseminou radioatividade por todo o mundo em 1987. Na época, o Kremlim
confirmou 08 vítimas fatais e a hospitalização de duas centenas de pessoas. Entretanto,
indagamos: é possível estimar quantas pessoas já morreram e quantas mais morrerão de
câncer nos próximos anos, vitimadas por Chernobyl? Ou ainda o recente acidente pós-
terremoto em julho de 2007 (6,8° na escala Richter) na maior usina atômica do mundo,
localizada em Kashiwazaki-Kariwa, no Japão, que provocou, além do vazamento para o
mar, a emissão de gás radioativo para a atmosfera. Embora os renovados esforços da indús-
tria nuclear em insistir na segurança do sistema, esses exemplos são emblemáticos de que
as instalações nucleares em diversos países continuam oferecendo constantes riscos e de
que essa tecnologia é perigosa e que pode trazer graves conseqüências à sociedade e à
natureza.
No Brasil, o dia 13 de março de 1982 é o marco zero da entrada definitiva e equivoca-
da do país na era nuclear. Iniciou-se o funcionamento da unidade I da Central Nuclear
Almirante Álvaro Alberto,, mais conhecida como Angra I. O programa nuclear brasileiro
deste período, sob a égide do regime militar, não estava preocupado em suprir as deficiên-
cias energéticas;; pelo contrário, a exploração da energia nuclear compunha o arsenal mili-
tar para demonstrar que o país estava apto,, como potência,, a assumir posição de comando
na geopolítica da guerra fria. Por sua vez, Angra II teve sua construção iniciada em 1981 e
a operação iniciada somente em 2000 no governo de FHC.
Desse modo, após um período de hibernação de grandes projetos, sobretudo os nucle-

173
NOTAS: CLÁUDIO UBIRATAN GONÇALVES...

ares, temos a introdução do Plano de Aceleração do Crescimento do governo Luis Inácio.


Em julho de 2008, o governo criou o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear
Brasileiro que tem como função fixar diretrizes e metas para o desenvolvimento do progra-
ma e supervisionar sua execução. O governo alega,, através do Plano Nacional de Energia,
a necessidade de expansão do sistema elétrico brasileiro em mais 4.000 Mw, contando para
isto com Angra III com capacidade de produção de 1.405 Mw e mais quatro usinas nuclea-
res com capacidade de 1.000 Mw, sendo duas no Sudeste e outras duas no Nordeste. Além
disso, o governo planeja investir na diversificação das fontes de energia. O processo encon-
tra-se em etapa inicial, que consiste na seleção de sítios para abrigar a Central Nuclear do
Nordeste, com previsão de operação da primeira usina para 2019. De acordo com o padrão
técnico e normativo de segurança,, os critérios essenciais são: água abundante e baixa con-
centração demográfica, cogitando-se,, quanto a esse aspecto,, áreas próximas ao Rio São
Francisco. Como se não bastasse o malogro da transposição,, agora temos o fantasma da
usina nuclear rondando o Velho Chico. O fato é que as disputas pelos investimentos orça-
dos em cerca de R$ 7 bilhões para cada usina já despertou o interesse dos estados de Sergipe,
Alagoas, Pernambuco e Bahia.

O ciclo da energia nuclear e o funcionamento da Usina


Em descrição sumária, o ciclo da energia nuclear inicia-se pela exploração do urânio.
Depois de extraído das rochas, ele é moído, purificado e submetido a reações químicas para
que seja preparado o hexafluoreto de urânio. Esse composto é enriquecido para ser reduzi-
do a urânio metálico, que é o combustível nuclear usado no reator. O combustível é usado
no reator por cerca de dois anos. O lixo produzido é estocado até que sua radioatividade
decresça. Então, ele é enviado para a usina para ser reprocessado. Após o reprocessamento,
obtém-se urânio, plutônio e lixo de alto nível, esse último,, composto de uma infinidade de
radionuclídeos extremamente radioativos.
A radioatividade que sai da usina se dispersa na atmosfera, mas o perigo para o
homem que a respira diretamente é secundário, pois a quantidade de radioatividade é
muito baixa. O risco existe para aqueles que são obrigados a viver, anos e anos, em contato
com traços de elementos químicos radioativos e com pequenas doses de radioatividades
introduzidas no meio e que chegam ao homem através da cadeia alimentar. São essas pe-
quenas quantidades que, somando-se ao longo do tempo, causam sérios danos ao homem,
uma vez que esses materiais radioativos têm efeito cumulativo nos organismos.
A usina nuclear funciona da seguinte forma: o reator está contido num recipiente sob
pressão;; esta pressão se destina a impedir a ebulição da água de resfriamento que circula
no circuito refrigerador primário; do recipiente sob pressão,, emergem as barras de contro-
le; o circuito refrigerador primário no permutador de calor transforma a água sob pressão
normal em vapor, que,, através dos tubos do vapor secundário,, chega à turbina unida ao
gerador elétrico; depois do qual,, um condensador, resfriado por um circuito de água
condensada,, fornecida por um rio ou pelo mar, transforma o vapor que sai da turbina em
água a fim de aumentar o salto de pressão disponível para a turbina. A água condensada
volta ao ciclo através dos tubos do condensador; o reator é rodeado por um edifício muito
sólido, capaz de resistir às pressões altíssimas produzidas por uma eventual pane do reator
e impedir assim o vazamento da radiação.
Um grave problema que merece atenção trata-se da gestão do rejeito radioativo.
Uma das soluções encontradas pelos países de tecnologia nuclear para esse grave problema
é o enterramento do material em aterros,, especialmente,, preparados.. Porém,, mesmo as-
sim, podem ocorrer vazamentos e contaminação do lençol freático. O lixo nuclear pode
irradiar o que está à sua volta, ou contaminar por átomos radioativos. Por isso é necessário
embalá-lo com uma blindagem de grossas paredes de cimento e chumbo. Essa blindagem
deve impedir que essas partículas radioativas do lixo entrem em contato com o ar ou com a
água onde está depositado. Com o passar do tempo, diminui a radioatividade do material,
tornando-o menos perigoso. O reprocessamento do lixo nuclear foi desenvolvido, tanto para
extrair o plutônio (formado no reator pela fissão nuclear), utilizado na fabricação da bomba

174
Terra Livre - n. 33 (2): 173-176, 2009
atômica, como para recuperar urânio não consumido no reator. Esse urânio pode ser enri-
quecido e novamente usado como combustível.
O lixo nuclear de reprocessamento também é resíduo de alto nível, já que dele fazem
parte radionuclídeos transurânicos que foram formados durante o bombardeamento de
nêutrons na fissão nuclear. Para realizar-se o reprocessamento, o combustível deve ser
guardado por meses em piscinas de refrigeração, pois ainda está muito radioativo para ser
manipulado. Só então é enviado para ser reprocessado mecanicamente. O combustível é,
então, dissolvido em ácido e os produtos da fissão separados do urânio do plutônio, na qual
os compostos são lavados com diferentes solventes orgânicos. Essa extração baseia-se na
solubilidade de certos compostos e na insolubilidade de outros. Com isso,, é possível trans-
ferir compostos sólidos que se encontram misturados com outros, para soluções nas quais
se encontra um estado de pureza significativo.
Ressaltemos que a Constituição Federal contém inúmeros dispositivos concernentes
à utilização da energia nuclear. É importante que se observe que a utilização da radioativi-
dade tem diversas finalidades, e na Lei Fundamental são tratados temas que variam desde
o uso de radioisótopos com objetivos medicinais até proibição de utilização de energia nu-
clear com finalidades agressivas. É, portanto,, uma abordagem genérica e ambígua. Foram
estabelecidos no art. 21, inciso XXIII, os princípios fundamentais para utilização da ener-
gia nuclear no Brasil. Esses princípios, contudo, não devem ser vistos como únicos aplicá-
veis às atividades nucleares. É fundamental que sejam incorporados aos princípios especi-
ficamente voltados para energia nuclear aqueles que dizem respeito à conservação do meio
ambiente e aos direitos fundamentais da coletividade.

ENERGIA NUCLEAR COMO OPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO?


ESENVOLVIMENTO
A ideologia do modelo nacional-desenvolvimentista dos anos 70 do século XX
continua vigente em algumas universidades, institutos de pesquisas e principalmente nas
instâncias de governo, ainda existem ardorosos defensores desta corrente ideológica. Cer-
tamente que não rompemos com nosso histórico atraso social embora estejamos, na atuali-
dade, observando acréscimos nos PIBs estaduais e também surfando nas ondas da crise
econômica dos países centrais do capitalismo. Frente a isso, assistimos reedições de pro-
gramas de desenvolvimento do capitalismo no Brasil com base na industrialização induzida
por políticas de governo. É bem verdade que ainda predomina no imaginário de economis-
tas, gestores e grupos liberais a necessidade de superação do capitalismo tardio tupiniquim
e por conta disso, são válidas quaisquer estratégias de desenvolvimento econômico encara-
das como elemento de acumulação e crescimento. A natureza neste contexto é tratada como
fonte inesgotável de recursos e como recipiente de rejeitos de diversas grandezas. Não há
nenhum tipo de consciência ou parcimônia em relação à propriedade comunitária global
nem tampouco com as gerações futuras.
O uso de energia nuclear como opção de desenvolvimento está situado neste
quadro descrito e, por conseguinte, não é possível estabelecer um espaço de diálogo ou criar
uma arena de debate com transparência na qual ao final saiam vencendo aqueles que con-
seguirem comprovar a fonte energética menos insustentável, se hidráulica, térmica con-
vencional, nuclear, eólica ou outras. Os arautos da energia nuclear obliteram o debate
porque não existe argumento ou idéia plausível seja de ordem econômica ou ambiental que
sustente tal programa nuclear. Inclusive, ele só é sustentado pelo uso excessivo do poder da
autoridade. Com efeito, a energia nuclear não é uma boa solução para o Brasil.
No aspecto econômico podemos tomar como exemplo o caso de Angra III, onde o custo
da eletricidade nuclear ficará em torno de R$ 138/Mwh, abaixo dos custos de termoelétricas
a gás e carvão importado de acordo com informações da EPE – Empresa de Pesquisa
Energética. Mesmo assim não é economicamente viável, já que a Eletronuclear assumiu
uma taxa de retorno para o investimento entre 8% e 10%, abaixo das praticadas pelo mer-
cado, que variam de 12% a 18%. Somente uma taxa de retorno tão baixa pode proporcionar
a tarifa de R$ 138 MW/h. A operação a baixas taxas de juros revela o subsidio estatal, e tais
subsídios invisíveis neste projeto estão distribuídos nas contas de luz. Se isto ocorrer quem
pagará a conta seremos nós os usuários e contribuintes, que já pagamos uma das mais

175
NOTAS: CLÁUDIO UBIRATAN GONÇALVES...

altas tarifas de energia elétrica do mundo (Costa, 2009). Mormente, o empreendimento de


Angra custará R$ 7,2 bilhões, sendo 70% do financiamento de recursos do BNDES e fontes
estatais, e os 30% de investidores internacionais como a estatal francesa de energia nucle-
ar AREVA. Valeria mais construir um parque eólico com o dobro da capacidade da usina
nuclear (1.350 MW) em dois anos e sem a produção de lixo radioativo ou riscos de aciden-
tes. Por outro lado, no aspecto ambiental não é correto afirmar que as centrais nucleares
são limpas quanto à emissão de gases estufa. Segundo a Agência Internacional de Energia
Atômica no processo do ciclo do combustível nuclear que vai desde a mineração do urânio,
transporte, enriquecimento do minério e posterior desmontagem da central, além do
processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, são produzidos entre 30 e 60 gra-
mas de CO² por kWh gerado. No caso do enriquecimento para obtenção do combustível
nuclear, os minérios que contém o metal pesado urânio são complicadíssimos de serem
tratados, produzindo gases estufa em todas as etapas. Além do painel traçado, temos o
grave problema da produção de rejeitos de alta radioatividade que são armazenados em
piscinas nas proximidades dos reatores. Reatores que possuem uma vida útil de cerca de 40
a 60 anos. Ou seja, na produção do lixo nuclear deve ser considerada a escala do tempo
nuclear onde o tempo oscila de 10 a 240 mil anos. Assim a usina será desativada e os
refugos radioativos ficarão como tormento e herança para os habitantes das proximidades
por longos anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É indiscutível que,, se continuarmos nesta direção,, estaremos na vanguarda do atra-
so ao priorizarmos a retomada do programa nuclear. Caminhamos na contramão da Espanha
e da Alemanha que iniciaram um processo de revisão e mudança no modelo energético de
seus países, e estamos em aproximação do modelo chinês que assumiu,, na atualidade,, o
ônus inconseqüente da construção de 25 usinas nucleares, além da previsão desmedida de
mais 54 novas usinas para os próximos 30 anos. Estamos diante de um impasse estrutural:
desenvolvimento econômico sobre as bases de qual modelo energético?
As dimensões econômica e ambiental revelam a pouca eficiência na produção da
energia nuclear desfazendo o mito da energia barata e segura e da infalibilidade humana.
A ética humanista que orienta o principio da precaução ao invés do risco e incerteza aplica
um cheque mate nos grupos de interesse e nos setores industriais somente preocupados
com a oferta de energia em curto prazo a fim de evitar apagões. É hora de voltarmos nosso
olhar para as populações ribeirinhas do rio São Francisco e abrirmos o debate não somente
sobre energia nuclear, mas, sobre toda problemática que a bacia hidrográfica vem enfren-
tando como: transposição, poluição urbana e por agrotóxicos, gestão ecológica dos reserva-
tórios, erosão genética das espécies aquáticas, enfim, é chegado o momento de sabermos o
quê, indígenas, camponeses, pescadores, lavadeiras, artesãos, quilombolas e pequenos co-
merciantes pensam a respeito disso.

REFERÊNCIAS

COSTA, Heitor S. Eletricidade Nuclear: na contra mão da sustentabilidade. Portal EcoDebate


EcoDebate, 19
dez. de 2009.
LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. Revista Terra Livre
Terra Livre, São Paulo,
n.3, p.75-87, 1988.
MOREIRA, Ruy. O Mal Estar Espacial do Final do Século. Revista Fluminense de Geografia, Niterói,
n. 4, p. 3-16, 2006.
RABELLO, Sidney L. O anacronismo de Angra 3. Jornal do Brasil
Brasil. Rio de Janeiro, 05 fev. de 2010.
USINAS Nucleares vão para o interior. Jornal do Commercio
Commercio. Recife, 16 jan. de 2010, vol.91, n.15, p.
5.

176
RESENHAS

177
178
Terra Livre - n. 33 (2): 179-182, 2009

TERRITÓRIO: METÁFORA, TEMÁTICA OU CAMINHO METODOLÓGICO?

EDUARDO MARANDOLA JR.


Geógrafo, Pesquisador do Núcleo de Estudos de População, Universidade Estadual
de Campinas (Nepo/Unicamp). eduardom@nepo.unicamp.br.

A Geografia sempre nos surpreende. Ora por sua capacidade de manter-se apegada à
sua tradição, ora por sua capacidade de recriação e invenção. Não raro, ela nos surpreende
por fazer os dois ao mesmo tempo: reinventando-se sem deixar de ser ela mesma.
Os estudos culturais, em Geografia, não são novos. Podemos encontrar raízes deles
desde a sistematização da disciplina, de forma mais eloquente na sua institucionalização, e
mais amplamente na antiguidade, quando o mundo era lido de forma bem menos fragmen-
tada do que é hoje.
Pelo menos há 100 anos a Geografia flerta com os estudos culturais de forma mais
sistemática, e por isso não é de todo errado considerar que cultura é um tema caro aos
geógrafos, embora tenha ficado relegado a segundo (terceiro?) plano por várias décadas.
A retomada e a força do cultural na Geografia contemporânea também não é uma
novidade. Já temos mais de 30 anos de estudos sistemáticos desde sua retomada em países
como França e Inglaterra, e pelo menos 20 anos no Brasil. O que há de novo então?
Acho que a novidade é a centralidade que o conceito/noção/ideia/categoria (seja como
estiver sendo usado em cada estudo) território tem tomado. É verdade que nos últimos 10
anos a Geografia como um todo tem sentido uma força crescente e marcante do território
enquanto eixo estruturador de análises, substituindo em grande medida a ênfase anterior
no espaço (que talvez tenha durado uns 40 anos). Análises territoriais parecem estar na
ordem do dia.
Dois livros que as comunidades brasileira e latinoamericana receberam no ano pas-
sado, oriundos de dois eventos de âmbito continental, expressam e testemunham alguns
dos caminhos, variações e encruzilhadas que esta ênfase no território tem apresentado.
Os livros foram editados pela Universidade Federal de Goiás, que tem se firmado
como um núcleo de pesquisa e difusão deste temário, referindo-se ao VII Seminário Inter-
nacional sobre Território e Cultura, realizado de 24 a 27 de Março de 2008
na cidade de Goânia, e ao Congresso Internacional de Americanistas (53º ICA), rea-
lizado de 19 a 24 de Julho de 2009 na Cidade do México.
O primeiro evento deu origem ao livro Território e cultura: inclusão e exclusão nas
dinâmicas socioespaciais, organizado por Maria Geralda de Almeida (Universidade Fede-
ral de Goiás) e Beatriz Nates Cruz (Universidad de Caldas, Colômbia), enquanto o segundo
originou o livro Territorialidades na América Latina, também organizado por Maria Geralda
de Almeida. Juntos os livros nos dão uma ideia, embora parcial, das pesquisas realizadas
no continente, centralizados pela interação território-cultura, mas também envolvendo
outras dimensões da territorialidade, especialmente no segundo livro.
O primeiro livro está organizado em três partes, nas quais estão distribuídos os 17
capítulos:
§ Parte 1 – Território, cultura, inclusão, exclusão: empenho na análise teórica
(cinco textos);
§ Parte 2 – Lições de inclusão e exclusão nas dinâmicas socioespaciais (10 tex-
tos);
§ Parte 3 – Metodologias em questão (dois textos).
Na primeira parte, há uma preocupação de compreender a temática no cenário glo-
bal atual, onde processos migratórios produzem novas formas de inclusão e exclusão e
novas formas de territorialidades (Claval; Nates Cruz), indo em direção à dimensão emotiva
e do corpo na constituição e compreensão das territorialidades (Alonso; Velasco), sem aban-
donar a prática, que se tornou muito presente na última década, de avaliar a perspectiva
teórica de autores específicos para mapear os sentidos de estudo do território (Saquet;

179
RESENHAS: EDUARDO MARANDOLA JR...

Gagliotto).
Na segunda parte, os temas se sucedem mostrando um amplo cardápio de questões,
nem sempre plenamente alinhados completamente com a temática central: planejamento
no contexto das cidades móveis (Silva); produção do espaço urbano (Vilca e Jerez); estádio
de futebol como lugar a partir de seu uso (Mascarenhas); territórios quilombola (Tubaldini
e Silva); pecadores artesanais e sua prática de conservação (German e Kuhn); segregação
socioespacial (Gomes; Wakisaka); luta e posse da terra pelo campesinato (Castro); adapta-
ção de migrantes internacionais (Almeida); formação territorial (Zuluaga); exclusão e se-
gregação socioespacial urbana (Andrés Rivera).
A última parte apresenta um texto que discute os novos arranjos territoriais em rede
(Londoño) e outro que destaca o papel da paisagem para o estudo do território (Gómez
Alzate).
No livro Territorialidades na América Latina, o foco não é a relação território e cultu-
ra, embora ela tenha recebido uma seção à parte. Os 16 textos estão organizados em quatro
partes:
§ Parte 1 – Território, identidade e exclusão (quatro textos);
§ Parte 2 – Território e cultura: fronteiras e conflitos (três textos);
§ Parte 3 – Território e cidade (cinco textos);
§ Parte 4 – Território e territorialidades: políticas públicas e migração (quatro
textos).
Todos os capítulos se referem a discussões específicas, nenhum se dedicando a ques-
tões teóricas de fundo. Como as partes do livro foram organizadas de forma temática, há
uma comunicação mais direta entre os textos, embora mantenham uma significativa
heterogeneidade.
A primeira parte, por exemplo, contém textos que abordam disputas territoriais por
terra de grupos sociais excluídos como os indígenas (Baines; Pinto), ribeirinhos, colonos e
caboclos (Santos e Almeida); e negros (Funes). Na segunda parte, a ênfase no conflito rela-
cionado à identidade territorial continua sendo a tônica, com a discussão sobre os conflitos
das representações e suas repercussões para a territorialidade na Ilha do Bananal (Bispo);
os conflitos identitários na tríplice fronteira Brasil-Bolívia-Peru (Arruda); e os conflitos na
constituição e conservação dos patrimônios culturais (Castro).
Na terceira parte a relação entre os artigos é menor, tendo como eixo apenas a ques-
tão da cidade e seu processo de construção: exclusão e fragmentação social e territorial
(Landázuri Benítez e López Levi); gentrificação (Nates Cruz); poliespacialidade (Furtado e
Rocha Neto); o moderno e o tradicional enquanto territorialidades em disputa na constru-
ção da cidade (Hizim Pelá e Chaveiro); e os riscos como exclusão (Silva).
A última parte apresenta dois textos muito relacionados, que enfocam questões de
adaptação dos migrantes sob o ângulo da inclusão e exclusão (Lucena; Almeida), e dois
textos que enfocam questões estruturais (especialmente econômicas) para investigar dois
aspectos relacionados às políticas públicas: as transferências de renda e a pobreza no Bra-
sil (Silveira e Troyano) e a marginalização da porção sul de Mendoza (Argentina).
O que chama mais a atenção é a multiplicidade: de temas, autores, instituições,
objetos e questões. Os textos movimentam um grande conjunto de matrizes teóricas que
permitem abordar um também grande número de temáticas. Isso expressa a posição
estruturadora que o território ocupa em boa parte da Geografia contemporânea. Por outro
lado, nem todos os textos possuem uma perspectiva clara das implicações do uso do territó-
rio em termos epistemológicos. Em alguns casos a palavra aparece de forma simplificadora,
quase como sinônimo de chão, ou como sinônimo de relações de poder.
Por se tratarem de textos enviados e apresentados num evento, eles possuem densi-
dades distintas, revelando momentos ou envolvimentos diferenciados com a temática. No
entanto, além de reunir tantas abordagens e temáticas distintas, os livros têm o mérito de
traçar um cenário das pesquisas na América Latina, o que não é uma constante em nossa
tradição bibliográfica da Geografia brasileira.
É interessante notar que os dois eventos tinham uma preocupação com a discussão
sobre inclusão e exclusão, o que está refletido no conjunto dos textos. A temática cultural

180
Terra Livre - n. 33 (2): 179-182, 2009
(foco do primeiro livro, mas não do segundo, embora ocupe uma parte dele) está posta a
serviço de uma ciência social voltada para a justiça social, considerando os processos de
apropriações territoriais (formais, informais e simbólicas) de diferentes pontos de vista. O
resultado é uma ênfase nos aspectos estruturais das dinâmicas territoriais, em detrimento
de elementos relacionais ou topológicos que produzem e interferem na construção ou expe-
riência das territorialidades (algumas exceções apontam para caminhos neste sentido, mas
não o tomaram como mote da reflexão). Na maioria dos casos, “cultura” não é a perspectiva
metodológica de estudo, aparecendo como objeto. Quais as implicações disso? Qual a dife-
rença de tomar a abordagem cultural como caminho metodológico ou apenas como temário?
Quais as virtudes e limitações?
A questão é: este direcionamento reflete a tendência geral dos estudos sobre territó-
rio e cultura, ou é uma influência direta das questões que estão sendo discutidas (inclusão
e exclusão)? Dito de outra maneira, qual o papel dos estudos sobre território nos dedicados
à relação território-cultura, e qual a influência dos temários culturais no conjunto dos estu-
dos sobre território?
Há um certo consenso acadêmico que vem sendo quebrado na última década de uma
associação corriqueira entre território e política. Em vista disso, pensar território a partir
de uma abordagem cultural é um mérito que os dois livros compartilham, mostrando no
conjunto da reflexão sobre território, o papel de um olhar culturalista.
O desafio, no entanto, é prestar atenção aos usos diferentes que se faz de território
como metáfora, como temário e como caminho metodológico. Os dois livros apresentam
textos que se inserem na temática por meio destes diferentes usos, o que nem sempre é
enriquecedor para uma abordagem cultural do território. Território como metáfora é uma
tentativa vazia de “espacializar” a discussão em tela, sem qualquer instrumento teórico
capaz de produzir uma análise efetivamente territorial, ou seja, uma análise onde a dimen-
são territorial é determinante para explicação ou compreensão do fenômeno em tela, que
seria tomar o território enquanto caminho metodológico (utilizando-o como categoria de
análise, por exemplo). Já a adoção do território de forma temática, embora limitada no
estudo do território, contribui para a ampliação dos fatores envolvidos no temário de ma-
neira mais geral, introduzindo elementos relacionados por meio de outros caminhos
metodológicos.
Vemos textos com múltiplias combinações destas possibilidades: 1) território é o ca-
minho metodológico, e cultura figura apenas como metáfora ou temário; 2) a cultura é o
caminho metodológico (caso de muitos estudos antropológicos) e território é o temário ou a
metáfora; 3) tanto cultura quanto território são caminhos metodológicos, tematizando ou-
tra questão; 4) ou textos em que tanto território quanto cultura são usados como metáfora.
A leitura destes dois importantes livros, que expressam mais uma vez a liderança de
Maria Geralda de Almeida e a importância do grupo de pesquisadores da UFG, nos indica
que há ainda muito a avançar para podermos atingir todo o potencial que o território tem
para oferecer a uma perspectiva cultural do pensamento geográfico. Mas, por outro lado,
ele nos dá a certeza de que estamos no caminho certo.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria G. de (org.) Territorialidades na América Latina


Latina. Goiânia: Universidade Federal
de Goiás/FUNAPE, 2009. 240p.
ALMEIDA, Maria G. de; NATES CRUZ, Beatriz. Território e cultura
cultura: inclusão e exclusão nas dinâ-
micas socioespaciais. (orgs.) Goiânia: Universidade Federal de Goiás/FUNAPE, 2009. 256p.

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RESENHAS: EDUARDO MARANDOLA JR...

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NORMAS

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Terra Livre - n. 33 (2): 183-190, 2009

REVISTA TERRA LIVRE


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VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes,
1985.
b) No caso de capítulo de livro:
SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org.). Título do

185
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
livro. Local de publicação: Editora, data, página inicial-página final. Ex.: FRANK, Mônica
Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas – RS.
In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (orgs.). Ambiente e lugar no
urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93.
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me do periódico, número do fascículo, página inicial- página final, mês(es). Ano. Ex.:
SEABRA, Manoel F. G. Geografia(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984.
d) No caso de dissertações e teses:
SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (tese). Local: Instituição em que foi de-
fendida, data. Número de páginas. (Categoria, grau e área de concentração). Ex.: SILVA,
José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em fortaleza: uma abordagem geo-
gráfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo, 1986. 268p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana).
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Terra Livre - n. 33 (2): 183-190, 2009

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b) In the case of book chapter:
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Publisher, date, page-last page.
E.g.:
Frank, Monica Weber. Geographical analysis for implementation of the Municipal Park of Niterói,
Canoas - RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luis Verdun, Roberto (eds.). Environment and
place in the city: the Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93.
c) In the case of article:
LAST NAME, Name. Title of article. Journal title, place of publication, journal volume, issue number,
page-last page, month (s) Year.

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SUBMISSION GUIDELINES
E.g.:
SEABRA, Manoel F. G. Location (s)? Guidance, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984.
d) In the case of dissertations and theses:
LAST NAME, Name. Title of dissertation (thesis). Location: Institution where it was held, date.
Number of pages. (Category, grade and area of concentration).
E.g.:
SILVA, José borzacchiello da. Popular social movements in strength: a geographical approach. São
Paulo: Faculty of Philosophy and Humanities at the University of São Paulo, 1986. 268p. (Thesis,
Doctor of Science: Human Geography).
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that the authors should return to the Commission, if there is compliance with the requests signaled
by the referee that carry the disfigurement and demerits of the journal, the texts will be refused by
the Editorial Board.
13. The Association of Brazilian Geographers (AGB) reserves the right to provide the published
articles for playback on your website or by photocopy, with proper citation of the source. Each published
work is entitled to two copies of your author (s), if the article, and a copy in all other cases (notes,
reviews, communications ...).
14. The concepts expressed in papers are the sole responsibility of the author (s) (s), not
implying necessarily the agreement of the Coordination Office and / or the Editorial Board.
15. E-mail addresses, for which the texts are to be targeted will be announced in each call
specifies for each issue.
16. Authors may contact the Editorial Board via e-mail address of the Editorial Board of
Revista Terra Livre, terralivre@agb.org.br as well as through the postal address of the AGB / National:
National Executive / Coordination Office – Terra Livre- Av. Lineu Prestes, 332 - Historical Geography
and History - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo (SP) - Brazil.

188
Terra Livre - n. 33 (2): 183-190, 2009

TERRA LIVRE
NORMAS PARA PUBLICACIÓN

Terra Livre es una publicación semestral de la Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB)
que tiene como objetivo divulgar materias concernientes a los temas presentes en la formación y la
práctica dos geógrafos y su participación en la construcción de la ciudadanía. En ella se recogen
textos bajo la forma de artículos, notas, reseñas, comunicaciones, entre otras, de todos los que se
interesan y participan del conocimiento propiciado por la Geografía, y que estén relacionados con las
discusiones que incluyen las teorías, metodologías y prácticas desarrolladas y utilizadas en este
proceso, así como con las condiciones y situaciones bajo las cuales se vienen manifestando y sus
perspectivas.
1. Todos los textos enviados a esta revista deben ser inéditos y redactados en portugués,
inglés, español o francés.
2. Los textos deben ser presentados con extensión mínima de 15 y máxima de 30 páginas, con
margen (derecho, izquierdo, superior e inferior) de 3 cm, y párrafos de 2,0 centímetros, en Word para
Windows, utilizando la fuente Times New Roman, tamaño de fuente 12, espacio 1,5 formato A-4
(210x297mm).
3. Los archivos no podrán sobrepasar 2,0 Mb, incluyendo texto, referencias bibliográficas,
tablas, figuras, etc.).
3.1. Las ilustraciones (figuras, tablas, dibujos, gráficos, fotografías, etc.) deben estar dispuestos
en los formatos JPG o TIF, y no solamente se aceptarán en color negro, o que los detalles se acentúen
en tonos grises; no se aceptarán figuras en colores.
4. El encabezado debe contener el título (y subtítulo, si hubiera) en portugués, inglés y español
o francés. En la segunda línea, el(los) nombre(s) del(s) autor(es), y, en la tercera, las informaciones
referentes a la(s) institución(ones) a la que pertenece(n), así como el(los) correo(s) electrónico(s) y
dirección postal del(los) autor(es).
5. El texto debe estar acompañado de resúmenes en portugués, inglés, español o francés, con
un mínimo 10 y como máximo 15 líneas, en espacio simple, y una relación de 5 palabras clave que
identifiquen el contenido del texto.
6. La estructura del texto se debe dividir en partes no numeradas y con subtítulos. Es esencial
contener introducción y conclusión o consideraciones finales.
7. Las notas al pie de página no deberán ser usadas para referencias bibliográficas. Este
recurso puede ser utilizado cuando sea extremadamente necesario y cada nota debe tener alrededor
de 3 líneas.
8. Las citaciones textuales largas (más de 3 líneas) deben constituir un párrafo independiente.
Las menciones a ideas y/o informaciones en el transcurso del texto deben subordinarse al esquema
(Apellido del autor, fecha) o (Apellido del autor, fecha, página). Ej.: (Oliveira, 1991) u (Oliveira, 1991,
p.25). En el caso de que el nombre del autor esté citado en el texto, se indica sólo a la fecha entre
paréntesis. Ej.: “A este respecto, Milton Santos demostró los límites... (1989)”. Diferentes títulos del
mismo autor publicados en el mismo año se deben identificar por una letra minúscula después de la
fecha. Ej.: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b).
8.1. Las citas, así como vocablos, conceptos que no estén en portugués, deberán ser ofrecidas
al lector en nota al pie de página.
9. La bibliografía debe ser presentada al final del trabajo, en orden alfabético de apellido
del(los) autor(es), como en los siguientes ejemplos.
a) En el caso de libro:
APELLIDO, Nombre. Título de la obra. Lugar de publicación: Editorial, fecha.
Ej.:
VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
b) En el caso de capítulo de libro:
APELLIDO, Nombre. Título del capítulo. In: APELLIDO, Nombre (org). Título del libro. Lugar de
publicación: Editora, fecha, página inicial - página final.
Ej.:

189
NORMAS PARA PUBLICACIÓN
FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Cano-
as – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (orgs.). Ambiente e lugar no
urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora de la Universidad, 2000, p.67-93.
c) En el caso de artículo:
APELLIDO, Nombre. Título del artículo. Título del periódico, lugar de publicación, volumen del
periódico, número del fascículo, página inicial - página final, mes(es). Año.
Ej.:
SEABRA, Manoel F. G. Geografía(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, oct. 1984.
d) En el caso de disertaciones y tesis:
APELLIDO, Nombre. Título de la disertación (tesis). Lugar: Institución en que fue defendida, fecha.
Número de páginas. (Categoría, grado y área de concentración).
Ej.:
SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em fortaleza: uma abordagem geográfi-
ca. São Paulo: Facultad de Filosofía, Letras y Ciencias Humanas de la Universidad de São Paulo,
1986. 268p. (Tesis, doctorado en Ciencias: Geografía Humana).
10. El no cumplimiento de las exigencias anteriores, acarreará la no aceptación del referido
texto; tampoco seguirá la tramitación usual para los funcionarios de pareceres ad hoc de la Revista
Terra Livre.
11. Los artículos se enviarán a los funcionarios de pareceres, cuyos nombres permanecerán en
sigilo, omitiéndose también el(los) nombre(s) del(los) autor(es).
12. Los originales serán apreciados por la Coordinación de Publicaciones, que podrá aceptar,
rechazar o representar el original al(los) autor(es) con sugerencias de alteraciones editoriales.
Las versiones que contendrán las observaciones de los funcionarios de pareceres, así como
partes de las evaluaciones de los funcionarios de pareceres que la Comisión Editorial juzgue impor-
tante dirigir a los autores, serán comparadas con las versiones que deberán retornar de los autores
a la Comisión; caso en el caso que no haya el cumplimiento de las solicitudes señalizaciones por los
funcionarios de pareceres y que implican en la desfiguración y demérito de la Revista, los textos
serán rechazados por la Comisión Editorial.
13. La Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) se reserva el derecho de facultar los
artículos publicados para reproducción en su sitio o por medio de copia xerográfica, con la debida
citación de la fuente. Cada trabajo publicado da derecho a dos ejemplares a su(s) autor(es), en el caso
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14. Los conceptos emitidos en los trabajos son de responsabilidad exclusiva del(los) autor(es),
no implicando, necesariamente, en la concordancia de la Coordinación de Publicaciones y/o del Consejo
Editorial.
15. Direcciones electrónicas, para las cuales los textos deberán ser dirigidos serán divulgados
en cada llamada específica para cada número de la revista.
16. Los autores podrán mantener contacto con la Comisión Editorial a través de la dirección
electrónica de la Comisión Editorial de la Revista Terra Livre, terralivre@agb.org.br, así como por
medio de la dirección vía postal de la AGB/Nacional: Dirección Ejecutiva Nacional / Coordinación de
Publicaciones – Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 332 – Edificio Geografía e Historia – Ciudad
Universitaria – CEP 05508-900 – São Paulo (SP) – Brasil.

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COMPÊNDIO DOS
NÚMEROS ANTERIORES

191
192
Terra Livre - n. 33 (2): 191-205, 2009

COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES

01) MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em questão. Ano 1, n. 1,


p. 6-19, 1986.
02) THOMAZ JÚNIOR, Antonio. As agroindústrias canavieiras em Jaboticabal e a territorialização
do monopólio. Ano 1, n. 1, p. 20-25, 1986.
03) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Apropriação da renda da terra pelo capital na citricultura
paulista. Ano 1, n. 1, p. 26-38, 1986.
04) VALVERDE, Orlando. A floresta amazônica e o ecodesenvolvimento. Ano 1, n. 1,
p. 39-42, 1986.
05) SALES, W. C. de C., CAPIBARIBE, P. J. A., RAMOS, P., COSTA, M. C. L. da. Os agrotóxicos e
suas implicações socioambientais. Ano 1, n. 1, p. 43-45, 1986.
06) CARVALHO, Marcos Bernardino de. A natureza na Geografia do ensino médio.
Ano 1, n. 1, p. 46-52, 1986.
07) SANTOS, Douglas. Estado nacional e capital monopolista. Ano 1, n. 1, p. 53-61, 1986.
08) CORRÊA, Roberto Lobato. O enfoque locacional na Geografia. Ano 1, n. 1, p. 62-66, 1986.
09) PONTES, Beatriz Maria Soares. Uma avaliação da Lei Nacional do Uso do Solo Urbano. Ano
1, n. 1, p. 67-72, 1986.
10) PLANO DIRETOR DA AGB NACIONAL GESTÃO 85/86. Ano 1, n. 1, p. 73-75, 1986.
11) A AGB e o documento final do projeto diagnóstico e avaliação do ensino de Geografia no Bra-
sil. Ano 1, n. 1, p. 76-77, 1986.
12) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Reflexões sobre Geografia e Educação: notas de um deba-
te. n. 2, p. 9-42, jul.1987.
13) VLACH, Vânia Rúbia Farias. Fragmentos para uma discussão: método e conteúdo no ensino
da Geografia de 1° e 2° graus. n. 2, p. 43-58, jul.1987.
14) VESENTINI, José William. O método e a práxis (notas polêmicas sobre Geografia tradicional
e Geografia crítica). n. 2, p.5 9-90, jul.1987.
15) REGO, Nelson. A unidade (divisão) da Geografia e o sentido da prática. n. 2, p. 91-114, jul.1987.
16) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Análise dos planos de ensino da Geografia. n. 2, p. 115-127,
jul.1987.
17) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Para a construção do espaço geográfico na criança. n. 2,
p. 129-148, jul.1987.
18) VIANA, P.C.G., FOWLER, R.B, ZAPPIA, R.S., MEDEIROS, M.L.M.B.de. Poluição das águas
internas do Paraná por agrotóxico. n. 2, p. 149-154, jul.1987.
19) AB’ SABER, Aziz Nacib. Espaço territorial e proteção ambiental. n. 3, p. 9-31, mar.1988.
20) GOMES, Horieste. A questão ambiental: idealismo e realismo ecológico. n. 3, p. 33-54, mar.1988.
21) BERRÍOS, ROLANDO. Planejamento ambiental no Brasil. n. 3, p. 55-63, mar.1988.
22) BRAGA, Ricardo Augusto Pessoa. Avaliação de impactos ambientais: uma abordagem
sistêmica. n. 3, p. 65-74, mar.1988.
23) LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. n. 3, p. 75-88, mar.1988.
24) SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes e SCHÄFFER, Neiva Otero. Análise ambiental: a atu-
ação do geógrafo para e na sociedade. n. 3, p. 89-103, mar.1988.
25) ESTRADA, Maria Lúcia. Algumas considerações sobre a Geografia e o seu ensino - o caso da
industralização brasileira. n. 3, p. 105-120, mar.1988.
26) MESQUITA, Zilá. Os “espaços” do espaço brasileiro em fins do século XX n. 4, p. 9-38, jul.1988.
27) RIBEIRO, Wagner Costa. Relação espaço/tempo: considerações sobre a materialidade e dinâ-
mica da história humana. n. 4, p. 39-53, jul.1988.
28) SILVA, José Borzacchiello da. Gestão democrática do espaço e participação dos Geógrafos. n.
4, p. 55-76, jul.1988.
29) REGO, Nelson. A experiência de autogestão dos trabalhadores agrários de Nova Ronda Alta e
o seu significado para o Movimento dos Sem Terra. n. 4, p. 65-76, jul. 1988.
30) VALLEJO, Luiz Renato. Ecodesenvolvimento e o mito do progresso. n. 4, p. 77-87, jul.1988.
31) VLACH, Vânia Rubia Farias. Rediscutindo a questão acerca do livro didático de Geografia
para o ensino de 1° e 2° graus. n. 4, p. 89-95, jul.1988.
32) SCHÄFFER, Neiva Otero. Os estudos sociais ocupam novamente o espaço... da discussão. n.
4, p. 97-108, jul.1988.
33) SANTOS, Milton. O espaço geográfico como categoria filosófica. n. 5, p. 9-20, 1988.

193
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
34) SOUZA, Marcelo José Lopes de. “Espaciologia”: uma objeção (crítica aos prestigiamentos
pseudo-críticos do espaço social). n. 5, p. 21-45, 1988.
35) GOMES, Paulo César da Costa e COSTA, Rogério Haesbaert da. O espaço na modernidade).
n. 5, p. 47-67, 1988.
36) SILVA, Mário Cezar Tompes da. O papel do político na construção do espaço dos homens). n. 5,
p. 69-82, 1988.
37) SOUZA Marcos José Nogueira de. Subsídios para uma política conservacionista dos recursos
naturais renováveis do Ceará). n. 5, p. 83-101, 1988.
38) KRENAK, Ailton. Tradição indígena e ocupação sustentável da floresta. n. 6, p. 9-18, ago.1989.
39) MOREIRA, Ruy. A marcha do capitalismo e a essência econômica da questão agrária no Bra-
sil. n. 6, p. 19-63, ago.1989.
40) SADER, Regina. Migração e violência: o caso da Pré-Amazônia Maranhense. n. 6, p. 65-76,
ago.1989.
41) FAULHABER, Priscila. A terceira margem: índios e ribeirinhos do Solimões. n. 6, p. 77-92,
ago.1989.
42) TARELHO, Luiz Carlos. Movimento Sem Terra de Sumaré. Espaço de conscientização e de
luta pela posse da terra. n. 6, p. 93-104, ago.1989.
43) OLIVEIRA, Bernadete de Castro. Reforma agrária para quem? Discutindo o campo no estado
de São Paulo. n. 6, p. 105-114, ago.1989.
44) BARBOSA, Ycarim Melgaço. O movimento camponês de Trombas e Formoso. n. 6,
p. 115-122, ago.1989.
45) MENDES, Chico. A luta dos povos da floresta. n. 7, p. 9-21, 1990.
46) BARROS, Raimundo. O seringueiro. n. 7, p. 23-42, 1990.
47) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A defesa da natureza começa pela terra. n. 7,
p.4 3-52, 1990.
48) COLTRINARI, Lylian. A Geografia e as mudanças ambientais. n. 7, p. 53-57, 1990.
49) SILVA, Armando Corrêa da. Ponto de vista: o pós-marxismo e o espaço cotidiano. n. 7,
p. 59-62, 1990.
50) COSTA, Rogério Haesbaert da. Filosofia, Geografia e crise da modernidade. n. 7,
p. 63-92, 1990.
51) RIBEIRO, Wagner Costa. Maquiavel: uma abordagem geográfica e (geo)política. n. 7,
p. 3-107, 1990.
52) CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos e GOULART, Lígia Beatriz. Uma contribuição à refle-
xão do ensino de geografia: a noção de espacialidade e o estatuto da natureza. n. 7,
p. 109-118, 1990.
53) CORDEIRO, Helena K. Estudo sobre o centro metropolitano de São Paulo. n. 8,
p. 7-33, abr.1991.
54) MAURO, C.A., VITTE, A.C., RAIZARO, D.D., LOZANI, M.C.B., CECCATO, V.A. Para salvar
a bacia do Piracicaba. n. 8, p. 35-66, abr.1991.
55) PAVIANI, Aldo. Impactos ambientais e grandes projetos: desafios para a universidade. n. 8, p.
67-76, abr.1991.
56) FURIAN Sônia. “A nave espacial terra: para onde vai?” n. 8, p.77-82, abr.1991.
57) ALMEIDA, Rosângela D. de. A propósito da questão teórico-metodológica sobre o ensino de
Geografia. n. 8, p. 83-90, abr.1991.
58) FILHO, Fadel D. Antonio e ALMEIDA, Rosângela D. de. A questão metodológica no ensino da
Geografia: uma experiência. n. 8, p. 91-100, abr.1991.
59) ESCOLAR, M., ESCOLAR, C., PALACIOS, S.Q. Ideologia, didática e corporativismo: uma
alternativa teórico-metodológica para o estudo histórico da Geografia no ensino primário e secundá-
rio. n. 8, p. 101-110, abr.1991.
60) ARAÚJO, Regina e MAGNOLI, Demétrio. Reconstruindo muros: crítica à proposta curricular
de Geografia da CENP-SP. n. 8, p. 111-119, abr.1991.
61) PEREIRA, D., SANTOS, D., CARVALHO, M. de. A Geografia no 1° grau: algumas reflexões. n.
8, p. 121-131, abr.1991.
62) SOARES, Maria Lúcia de Amorim. A cidade de São Paulo no imaginário infantil piedadense.
n. 8, p. 133-155, abr.1991.
63) MAMIGONIAN, Armen. A AGB e a produção geográfica brasileira: avanços e recuos. n. 8,
p.157-162, abr.1991.

194
Terra Livre - n. 33 (2): 191-205, 2009
64) SANTOS, Milton. A evolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. n. 9,
p. 7-17, jul.-dez.1991.
65) LIMA, Luiz Cruz. Tecnopólo: uma forma de produzir na modernidade atual. n. 9, p. 19-40,
jul.-dez.1991.
66) GUIMARÃES, Raul Borges. A tecnificação da prática médica no Brasil: em busca de sua
geografização. n. 9, p. 41-55, jul.-dez.1991.
67) PIRES, Hindemburgo Francisco. As metamorfoses tecnológicas do capitalismo no período atual.
n. 9, p. 57-89, jul.-dez.1991.
68) OLIVEIRA, Márcio de. A questão da industrialização no Rio de Janeiro: algumas reflexões. n.
9, p. 91-101, jul.-dez.1991.
69) HAESBAERT, Rogério. A (des)or-dem mundial, os novos blocos de poder e o sentido da crise.
n. 9, p. 103-127, jul.-dez.1991.
70) SILVA, Armando Corrêa da. Ontologia analítica: teoria e método. n. 9, p. 129-133,
jul.-dez.1991.
71) SILVA, Eunice Isaías da. O espaço: une/separa/une. n. 9, p. 135-141, jul.-dez.1991.
72) ANDRADE, Manuel Correia de. A AGB e o pensamento geográfico no Brasil. n. 9,
p. 143-152, jul.-dez.1991.
73) MORAES, Rubens Borba de. Contribuições para a história do povoamento em São Paulo até
fins do século XVIII. n. 10, p. 11-22, jan.-jul. 1992.
74) AZEVEDO de Aroldo. Vilas e cidades do Brasil colonial. n. 10, p. 23-78, jan.-jul. 1992.
75) PETRONE, Pasquale. Notas sobre o fenômeno urbano no Brasil. n. 10, p. 79-92,
jan.-jul. 1992.
76) CORRÊA, Roberto Lobato. A vida urbana em Alagoas: a importância dos meios de transporte
na sua evolução. n.10, p.93-116, jan.-jul. 1992.
77) VALVERDE, Orlando. Pré-história da AGB carioca. n. 10, p. 117-122, jan.-jul. 1992.
78) SOUZA, Marcelo José Lopes de. Planejamento Integrado de Desenvolvimento: natureza, va-
lidade e limites. n. 10, p. 123-139, jan.-jul. 1992.
79) ANDRADE, Manuel Correia de. América Latina: presente, passado e futuro. n. 10,
p. 140-148, jan.-jul. 1992.
80) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografia política e desenvolvimento sustentável.
n. 11-12, p. 9-76, ago.92-ago.93.
81) RODRIGUES, Arlete Moysés. Espaço, meio ambiente e desenvolvimento: reeleituras do terri-
tório. n. 11-12, p. 77-90, ago.92-ago.93.
82) EVASO, A.S., VITIELLO, M.A., JUNIOR, C.B., NOGUEIRA, S.M., RIBEIRO, W.C. Desenvol-
vimento sustentável: mito ou realidade? n. 11-12, p.91-101, ago.92-ago.93.
83) DAVIDOVICH, Fany. Política urbana no Brasil, ensaio de um balanço e de perspectiva. n. 11-
12, p. 103-117, ago.92-ago.93.
84) MARTINS, Sérgio. A produção do espaço na fronteira: a acumulação primitiva revisitada.
n. 11-12, p. 119-133, ago.92-ago.93.
85) IOKOI, Zilda Márcia Gricoli. Os dilemas históricos da questão agrária no Brasil.
n. 11-12, p. 135-151, ago.92-ago.93.
86) FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma agrária e modernização no campo.
n. 11-12, p. 153-175, ago.92-ago.93.
87) ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. Ensino de Geografia e a formação do geógrafo-educador.
n. 11-12, p. 177-188, ago.92-ago.93.
88) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Licenciandos de Geografia e as representações sobre o “ser
professor”. n. 11-12, p. 189-207, ago.92-ago.93.
89) VESENTINI, José William. O novo papel da escola e do ensino da Geografia na época da
terceira revolução industrial. n. 11-12, p. 209-224, ago.92-ago.93.
90) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Iniciação às ciências sociais: os grupos, os espaços, os tempos. n.
11-12, p. 225-236, ago.92-ago.93.
91) RIBEIRO, Wagner Costa. Do lugar ao mundo ou o mundo no lugar? n. 11-12, p. 237-242,
ago.92-ago.93.
92) PINHEIRO, Antonio Carlos e MASCARIN, Silvia Regina. Problemas sociais da escola e a
contribuição do ensino de Geografia. n. 11-12, p. 243-264, ago.92-ago.93.
93) SILVA, Armando Corrêa da. A contrvérsia modernidade x pós-modernidade. n. 11-12,
p. 265-268, ago.92-ago.93.

195
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
94) ROSA, Paulo Roberto de Oliveira. Contextos e circuntâncias: princípio ativo das categorias.
n. 11-12, p. 269-270, ago.92-ago.93.
95) CALLAI, Helena Copetti. O meio ambiente no ensino fundamental. n. 13, p. 9-19, 1997.
96) CAMARGO, L.F. de F., FORTU-NATO, M.R. Marcas de uma política de exclusão social para a
América Latina. n. 13, p. 20-29, 1997.
97) KAERCHER, Nestor André. PCN’s: futebolistas e padres se encontram num Brasil que não
conhecemos. n. 13, p. 30-41, 1997.
98) CARVALHO, Marcos B. de. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? n. 13, p.
42-60, 1997.
99) PONTES, Beatriz Maria Soares. Economia e território sob a ótica do estado autoritário
(1964-1970). n. 13, p. 61-90, 1997.
100) SOUSA NETO, Manuel Fernandes de. A ágora e o agora. n. 14, p. 11-21, jan.-jul. 1999.
101) FILHO, Manuel Martins de Santana. Sobre uma leitura alegórica da escola. n. 14, p. 22-29,
jan.-jul. 1999.
102) COUTO, Marcos Antônio Campos e ANTUNES, Charlles da França. A formação do professor
e a relação escola básica-universidade: um projeto de educação. n. 14, p. 30-40, jan.-jul. 1999.
103) PEREIRA, Diamantino. A dimensão pedagógica na formação do geógrafo. n. 14, p. 41-47, jan.-
jul. 1999.
104) CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. A formação de professores e o ensino de Geografia. n. 14,
p. 48-55, jan.-jul. 1999.
105) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia no ensino médio. n. 14, p. 56-89, jan.-jul. 1999.
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107) CAVALCANTI, Lana de Souza. Propostas curriculares de Geografia no ensino: algumas refe-
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120) FERREIRA, Darlene Ap. de Oliveira. Geografia Agrária no Brasil: periodização e conceituação.
n. 16, p. 39-70, 2001.
121) MAIA, Doralice Sátyro. A Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. n. 16,
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122) SPOSITO, Eliseu. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicas na Geo-
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196
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125) PIRES, Hindenburgo Francisco. “Ethos” e mitos do pensamento único globaltotalitário.
n. 16, p. 153-168, 2001.
126) REGO, Nelson. SUERTEGARAY, Dirce Maria. HEIDRICH, Álvaro. O ensino de Geografia
como uma hermenêutica instauradora. n. 16, p. 169-194, 2001.
126) SUERTEGARAY, Dirce M. Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza da Geogra-
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geográficos. n. 17, p. 99-118, 2001.
132) NETO, Manuel Fernandes de Sousa. Geografia nos trópicos: história dos náufragos de uma
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133) ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. O espaço geográfico dos remanecentes de antigos quilombos
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135) CAPEL, Horácio. A Geografia depois dos atentados de 11 de setembro. Ano 18, v. 1, n. 18, p.
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136) HAESBAERT, Rogério. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda. Ano 18, v.
1, n. 18, p. 37-46.
137) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Globalização, Estado e culturas crimonosas. Ano 18, v.1,
n. 18, p. 47-62.
138) SEGRELLES, José Antonio. Integração regional e globalização. Uma reflexão sobre casos do
Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Área de Livre Comércio das Américas desde uma perspecti-
va européia. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 63-74,
139) RIBEIRO, Wagner Costa. Mudanças climáticas, realismo e multilateralismo. Ano 18, v. 1, n.
18, p. 75-84.
140) MANGANO, Stefania. Evolução do conceito da planificação territorial na Itália. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 85-94.
141) STRAFORINI, Rafael. A totalidade do mundo nas primeiras séries do ensino fundamental:
um desafio a ser enfrentado. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 95-114.
142) KEINERT, Tânia M. M., KARRUZ, Ana Paula, KARRUZ, Silvia Maria. Sistemas locais de
informação e a gestão pública da qualidade de vida nas cidades locais. Ano 18, v. 1, n. 18,
p. 115-132.
143) GOMES, Edvânia Tôrres Aguiar. Dilemas nas (re)estruturações das metrópoles. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 133-142.
144) DINIZ Filho, Luis Lopes. Contribuições e equívocos das abordagens marxistas na Geografia
Econômica: um breve balanço. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 143-160.
145) CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Geografia brasileira, hoje: algumas reflexões. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 161-178.
146) NUNES, Luci Hidalgo. Discussão acerca de mudanças climáticas (notas). Ano 18, v. 1,
n. 18, p. 179-184.
147) MELAZZO, Everaldo Santos. Renda de cidadania: a saída é pela porta (resenha). Ano 18, v. 1,
n. 18, p. 185-186.
148) RAMIREZ, Blanca. Terra Incognitae: el surgimiento de nuevas regiones y territorios em el
marco de la globalización (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 187-190.
149) MARTIN, Jean-Yves. Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexões a partir
do caso do MST. Ano 18, v. 2, n.19, p. 11-35.
150) CALLE, Angel. Análisis comparado de movimientos sociales: MST, Guatemala y España. Ano
18, v. 2, n. 19, p. 37-58.
151) CALDERÓN ARAGÓN, Georgina. Un lugar en la bandera (la marcha zapatista). Ano 18,
v. 2, n. 19, p. 59-74.

197
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
152) FABRINI, João Edmilson. O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos assentamentos
e campesinato. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 75-94.
153) MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Ano 18, v. 2, n. 19, p.
95-112.
154) FERNANDES, Bernardo M., DA PONTE, Karina F. As vilas rurais do Estado do Paraná e as
novas ruralidades. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 113-126.
155) SMITH, Neil. Geografia, diferencia y las políticas de escala. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 127-146.
156) ARANA, Alva Regina Azevedo. Os avicultores integrados no Brasil: estratégias e adaptações –
o caso Coperguaçu Descalvado – SP. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 147-162.
157) GÓES, Eda, MAKINO, Rosa Lúcia. As unidades prisionais do Oeste Paulista: implicações do
aprisionamento e do fracasso da tentativa da sociedade de isolar por completo parte de si mesma.
Ano 18, v. 2, n. 19, p. 163-176.
158) LEAL, Antonio Cezar, THOMAZ Jr., Antonio, ALVES, Neri, GONÇALVES, Marcelino A.,
DIVIESO, Eduardo P., CANTÓIA, Silvia, GOMES, Adriana M., GONÇALVES, Sara Maria M. P. S.,
ROTTA, Valdir E. A reinserção do lixo na sociedade do capital: uma contribuição ao entendimento do
trabalho na catação e na reciclagem. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 177-190.
159) SANTOS, Clézio. Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente. Ano 18, v. 2, n. 19, p.
191-198.
160) REGO, Nelson. Geração de ambiências: três conceitos articuladores. Ano 18, v. 2, n. 19,
p. 199-212.
161) SILVA, Silvio Simione. A liberdade no “fazer ciência” em Geografia. Ano 18, v. 2, n. 19,
p. 213-228.
162) SILVA, Tânia Paula da. Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST. Ano 18, v. 2,
n. 19, p. 229-242.
163) TFOUNI, Leda Verdiani, ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso sobre Canudos e a retórica
do massacre. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 243-256.
164) FRANCO GARCÍA, Maria, THOMAZ Jr., Antonio. Trabalhadoras rurais e luta pela terra no
Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 257-272.
165) STACCIARINI, José Henrique Rodrigues. Ética, humanidade e ações por cidadania:
do impeachment de Collor ao Fome Zero do governo Lula. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 273-284.
166) BESSAT, Frédéric. A mudança climática entre ciência, desafios e decisões: olhar geográfico. Ano
19, v. 1, n. 20, p. 11-26.
167) SARTORI, Maria da Graça Barros. A dinâmica do clima do Rio Grande do sul: indução empírica
e conhecimento científico. Ano 19, v. 1, n. 19, p. 27-49.
168) SANT’ANNA Neto, João Lima. Da complexidade física do universo ao cotidiano da sociedade:
mudança, variabilidade e ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 51-63.
169) ZAVATINI, João Afonso. A produção brasileira em climatologia: o tempo e o espaço nos estudos
do ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 65-100.
170) NUNES, Lucí Hidalgo. Repercussões globais, regionais e locais do aquecimento global. Ano 19,
v. 1, n. 20, p. 101-110.
171) SILVA, Maria Elisa Siqueira, GUETTER, Alexandre K. Mudanças climáticas regionais obser-
vadas no Estado do Paraná. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 111-126.
172) PACIORNIK, Newton. Mudança global do clima: repercussões globais, regionais e locais. Ano
19, v. 1, n. 20, p. 127-135.
173) VERÍSSIMO, Maria Elisa Zanella. Algumas considerações sobre o aquecimento global e suas
repercussões. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 137-143.
174) ASSIS, Eleonora Sad de. Métodos preditivos da climatologia como subsídios ao planejamento
urbano: aplicação em conforto térmico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 145-158.
175) FRAGA, Nilson César. Clima, gestão do território e enchentes no Vale do Itajaí-SC. Ano 19, v. 1,
n. 20, p. 159-170.
176) BEJARÁN, R., GARÍN, A. De, SCHWEIGMANN, N. Aplicación de la predicción meteorológica
para el pronóstico de la abundancia potencial del Aedes aegypti en Buenos Aires. Ano 19, v. 1, n. 20,
p. 171-178.
177) FERREIRA, Maria Eugenia M. Costa. “Doenças tropicais”: o clima e a saúde coletiva. Altera-
ções climáticas e a ocorrência de malária na área de influência do reservatório de Itaipu, PR. Ano 19,
v. 1, n. 20, p. 179-191.
178) CONFALONIERI, Ulisses E. C. Variabilidade climática, vulnerabilidade social e saúde no Bra-

198
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sil. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 193-204.
179) MENDONÇA, Francisco. Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica – notas
introdutórias. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 205-221.
180) CLAVAL, Paul. The logic of multilingual cities and their political problems. Ano 19, v. 2, n. 21,
p. 11-23.
181) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI.
Ano 19, v. 2, n. 21, p. 25-39.
182) BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia Agrária e responsabilidade social da ciência. Ano 19, v. 2,
n. 21, p. 41-53.
183) GRABOIS, José, CEZAR, Lucia Helena da S., SANTOS, Cátia P. dos, GREGÓRIO Filho, Gregório.
O habitat e a questão social no Noroeste Fluminense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 55-71.
184) ALMEIDA, Rose Aparecida de. O conceito de classe camponesa em questão. Ano 19, v. 2, n 21,
p. 73-88.
185) FERNANDES, Bernardo M., SILVA, Anderson A., GIRARDI, Eduardo P. DATALUTA – Banco
de Dados da Luta pela Terra: uma experiência de pesquisa e extensão no estudo da territorialização
da luta pela terra. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 89-112.
186) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o
agronegócio no Brasil. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156.
187) BERNARDES, Júlia Adão. Territorialização do capital, trabalho e meio ambiente em Mato
Grosso. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 157-167.
188) ABREU, Silvana de. Racionalização e ideologia: o domínio do capital no
espaço matogrossense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 169-181.
189) OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. A busca do desenvolvimento sustentável na gestão dos
recursos hídricos brasileiros. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 183-192.
190) PASSOS, Messias Modesto dos. A construção da paisagem no Pontal do Paranapanema – uma
apreensão geo-foto-gráfica. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 193-211.
191) MARTINS, César Augusto Ávila. Empresas na pesca e aqüicultura: anotações do
uso do território. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 213-223.
192) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Desterritorialização da violência no capitalismo globalitário: o caso
do Brasil e do Espírito Santo. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 225-240.
193) MORATO, Rúbia G., KAWAKUBO, Fernando S., LUCHIARI, Ailton. Mapeamento da qualidade
de vida em áreas urbanas: conceitos e metodologias. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 241-248.
194) HENRIQUE, Wendel. A natureza nos interstícios do social – uma leitura das idéias
de natureza nas obras de Milton Santos. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 249-262.
195) PANCHER, Andréia M. FREITAS, Maria Isabel C. de. Mapeamento do crescimento urbano em
áreas de várzea na passagem do Rio Corumbataí por Rio Claro/SP. Ano 19, v. 2, n.21, p. 263-279.
196) SPOSITO, Eliseu Savério. Dinâmica regional e diversificação industrial (Resenha). Ano 19, v.
2, n. 21, p. 281-284.
197) SEABRA, Manoel. Os primeiros anos da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ano 20,
v. 1, n. 22, p. 13-68.
198) VIEIRA, Alexandre B., PEDON, Nelson R. O papel das comunidades científicas: a AGB Nacio-
nal e a Seção Local de Presidente Prudente/SP. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 71-83.
199) Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Dourados. AGB – Seção Dourados: memória e
história de um processo de construção coletiva. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 85-97.
200) SANTANA, Mário Rubem C., AMORIM, Itamar G. De, GOMES, Denize S. AGB
– Salvador, quase 50 anos de Geografia. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 99-112.
201) FONTOURA, Luiz Fernando M., DUTRA, Viviane S. Os 30 anos da Associação dos Geógrafos
Brasileiros – Seção Porto Alegre. Ano 20, v. 1, n. 22, p.113-123.
202) CROCETTI, Zeno Soares. AGB: Desejos de transformação. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 125-132.
203) CHAVES, Manoel R., MESQUITA, Helena A. da, MENDONÇA, Marcelo R. Inserção, crítica e
intervenção na realidade: a AGB e a Geografia em Catalão – GO. Ano 20, v. 1, n. 22,
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204) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. AGB-Rio: 68 anos de história. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 145-152.
205) FONSECA, Valter Machado da. A história da AGB – Uberaba (MG) e a perspectiva de constru-
ção de um pólo do pensamento geográfico no Triângulo Mineiro. Ano 20, v. 1, n. 22,
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206) ROMANCINI, Sônia R., SILVESTRI Magno. Trajetória histórica e perspectivas da AGB – Seção

199
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
Local Cuiabá. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 161-168.
207) GOMES, Horieste. Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Goiânia. Ano 20, v. 1,
n. 22, p. 169-176.
208) ANTUNES, Charlles da França. AGB-Niterói: notas de um começo de história. Ano 20, v. 1, n.
22, p. 177-189.
209) Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Bauru. O trabalho técnico-
político-pedagógico da Associação dos Geógrafos Brasileiros na Seção Local Bauru – AGB/Bauru.
Ano 20, v. 1, n. 22, p. 189-195.
210) RODRIGUES, Arlete Moysés. Contribuição da AGB na construção da Geografia Brasileira:
uma outra Geografia sempre é possível. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 199-209.
211) ANDRADE, Manuel C. De. A AGB – 1961/62 – Um depoimento. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 211-212.
212) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB 1934 – 2004. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 213-230.
213) ALVES, William Rosa. A permanente busca do horizonte: a história da AGB-BH. Ano 20,
v. 1, n. 22, p. 231-255.
214) RODRIGUES, Renata M. de A. Estudos de Impacto Ambiental e o perfil do geógrafo.
Ano 20, v. 1, n. 22, p. 237-248.
215) ELIAS, Denise, RODRIGUES, Renata M. de A. Os presidentes da Associação dos
Geógrafos Brasileiros. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 251-260.
216) BENKO, Georges. Murano et les verries: um district industriel pas comme les autres. Ano 20, v.
2, n. 23, p. 15-34.
217) HAESBAERT, Rogério. Precarização, Reclusão e “exclusão” territorial. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 35-
51.
218) GOETTERT, Jones Dari. “Lúcia Gramado Kaigang”: como me redescobri na Serra Gaúcha. Ano
20, v. 2, n. 23, p. 53-74.
219) REFFATTI, Lucimara Vizzotto, REGO, Nelson. Representações de mundo, geografias adversas
e manejo simbólico – proximações entre clínica psicopedagógica e ensino de Geografia. Ano 20, v. 2,
n. 23, p. 75-85.
220) SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Ano 20, v. 2, n. 23,
p. 87-96.
221) LIMA, Luiz C., MONIÉ, Frédéric, BATISTA, Francisca G. A nova geografia econômica mundial
e a emergência de um novo sistema portuário no Estado do Ceará: o Porto do Pecém.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 97-109.
222) KAWAKUBO, Fernando S., MORATO, Rúbia G., CORREIA JUNIOR, Paulo A., LUCHIARI,
Ailton. Utilização de imagens híbridas geradas a partir da transformação de IHS e aplicação de
segmentação no mapeamento detalhado do uso da terra. Ano 20, v. 2, n. 23,
p. 111-122.
223) SCOLESE, Eduardo. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessas de refor-
ma agrária. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 123-138.
224) OLIVEIRA, Ivanilton José de. Sustentabilidade de sistemas produtivos agrários em paisagens
do cerrado: uma análise no município de Jataí-GO. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 139-159.
225) GADE, Daniel W. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 163-164.
226) CLAVAL, Paul. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 1165-167.
227) CLAVAL, Paul. The nature and scope of Political Geography. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 13-28.
228) VLACH, Vânia R. F. Entre a idéia de território e a lógica da rede: desafios para o ensino
de Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 29-41.
229) AUED, Idaleto M.; ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de O método de desconstituição do capital
e a Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 43-60.
230) HASSLER, Márcio L. Áreas de proteção ambiental e unidades territoriais de planejamento na
porção leste da região metropolitana de Curitiba. Ano 21, v. 1, n. 24, p.
61-75.
231) MORETTI, Edvaldo C.; LOMBA, Gilson K. Precarização do trabalho e territorialidade da ativi-
dade turística em Bonito-MS. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 77-99.
232) SOUSA, Givaldo V. de; DUTRA JUNIOR, Wagnervalter. O imaginário social e território no
distrito de José Gonçalves – BA. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 101-117.
233) GIL FILHO, Sylvio F. Geografia da religião: o sagrado como representação. Ano 21, v. 1, n. 24,
p. 119-133.

200
Terra Livre - n. 33 (2): 191-205, 2009
234) SUERTEGARAY, Dirce M. A. ; VERDUM, Roberto ; BELLANCA, Eri T. ; UAGODA,
Rogério S. Sobre a gênese da arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 135-
150.
235) HENRIQUE, Wendel. Proposta de periodização das relações sociedade-natureza: uma aborda-
gem geográfica de idéias, conceitos e representações. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 151-175.
236) PINHEIRO, Antonio C. Tendências teórico-metodológicas e suas influências nas pesquisas aca-
dêmicas sobre o ensino de Geografia no Brasil. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 177-191.
237) CUSTODIO, Vanderli. Inundações no espaço urbano: as dimensões natural e social do proble-
ma. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 193-210.
238) LORENTE, Silvia Díez. Propuesta metodológica y conceptual para el estudio de los Riesgos
Naturales: la situación en España. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 211-230.
239) SEEMANN, Jörn. Geografia: ciência do complexus: ensaios transdisciplinares (Resenha). Ano
21, v. 1, n. 24, p. 233-236.
240) PINHEIRO, Antonio C. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais
(Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 237-241.
241) ELIAS, Denise; PEQUEÑO, Renato. Espaço urbano no Brasil agrícola moderno e desigualda-
des socioespaciais. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 13-33.
242) SERPA, Ângelo. Espaço público, cultura e participação popular na cidade contemporânea. Ano
21, v. 2, n. 25, p. 35-48.
243) FABREGAT, Clemente Herrero. La formación simbólica del profesorado en Geografía. Ano 21,
v. 2, n. 25, p. 49-65.
244) MARANDOLA JR, Eduardo. Arqueologia fenomenológica: em busca da experiência.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 67-79.
245) MIZUSAKI, Márcia Yukari. Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 81-93.
246) CARVALHO, Márcia S. de. A Geografia da Alimentação em frente pioneira (Londrina-Paraná).
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 95-110.
247) CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro - entre o ativismo e a ciência, a
introdução da Geografia da Fome na história do pensamento geográfico no Brasil. Ano 21, v. 2,
n. 25, p. 111-120.
248) IORIS, Antônio A. R. Água, cobrança e commodity: a Geografia dos Recursos Hídricos
no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 121-137.
249) SOUZA, Bartolomeu Israel de; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Contribuição ao debate
sobre a transposição do Rio São Francisco e as prováveis conseqüências em relação a desertificação
nos Cariris Velhos (PB). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 139-155.
250) CASTRO, João Alves de. Tantos cerrados: múltiplas abordagens sobre a biodiversidade e singu-
laridade sociocultural (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 159-162.
251) CHASE, Jacquelyn. Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (Resenha). Ano
21, v. 2, n. 25, p. 163-166.
252) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Amazônia e a nova geografia da produção da soja. Ano 22,
v. 1, n. 26, p. 13-43.
253) SILVA, Sílvio Simione da. Camponeses da floresta: apontamentos para a compreensão da dife-
renciação dos trabalhadores seringueiros do campesinato acreano. Ano 22, v. 1, n. 26,
p. 45-61.
254) CRUZ, Valter do Carmo. R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia. Ano 22, v.
1, n. 26, p. 63-89.
255) NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. A geograficidade dos comandantes de embarcação no Ama-
zonas. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 91-108.
256) SZLAFSZTEIN, Claudio.; STERR, Horst.; LARA, Rubén. Estratégias e medidas de proteção
contra desastres naturais na zona costeira da região amazônica, Brasil. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 109-
125.
257) CAMPOS, Agostinho C.; CASTRO, Selma S. de. Unidades de Conservação, a importância dos
parques e o papel da Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 127-141.
258) ROCHA, Genylton O. R. da; AMORAS, Izabel C. R. O ensino de geografia e a construção de
representações sociais sobre a Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 143-164.
259) COSTA, Maria A. F.; RIBEIRO, Willame de O.; TAVARES, Maria G. da C. Entre a valorização
da diversidade humana e a negação da historicidade sócio-espacial: o que pode o ecoturismo na

201
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
Amazônia? Ano 22, v. 1, n. 26, p. 165-175.
260) TRINDADE JR, Saint-Clair C. da. Grandes projetos, urbanização do território e metropolização
na Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 177-194.
261) BRITO, Lílian S. A.; COSTA, Léa M. G. Estratégias de desenvolvimento regional para a Amazô-
nia pós-1950: lições do passado, possibilidades do futuro. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 195-205.
262) SILVA, José Borzacchiello da. La fabrication du Brasil: une grande puissance en devenir (Rese-
nha). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 209-210.
263) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB-1934-2004 (Depoimento). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 213-
221.
264) MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Aziz Nacib Ab’Saber – geógrafo brasileiro. Ano 22,
v. 2, n. 27, p. 15-30.
265) VITTE, Claudete de Castro Silva. Integração, soberania e território na América do
Sul: um estudo da IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul- Americana). Ano
22, v. 2, n. 27, p. 31-48.
266) GÓES, Eda; ANDRÉ, Luis André. Violência e fragmentação: dimensões complementares da
realidade paulistana. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 49-68.
267) ANTUNES, Ricardo. Perenidade e superfluidade do trabalho: alguns equívocos sobre a
desconstrução do trabalho. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 71-84.
268) MASSEY, Doreen. Travelling thoughts / Pensamentos itinerantes. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 85-92 /
93-100.
269) LINDÓN, Alicia. Os hologramas sócio-espaciais e o constructivismo geográfico. Ano 22, v. 2, n.
27, p. 101-120.
270) NUNES, João Osvaldo Rodrigues; SANT’ANNA NETO, João Lima; TOMMASELLI, José Tadeu
Garcia; AMORIM, Margarete Cristiane de Costa Trindade; PERUSI, Maria Cristina. A influência
dos métodos científicos na Geografia Física. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 121-132.
271) HESPANHOL, Antonio Nivaldo; HESPANHOL, Rosangela Aparecida de Medeiro. Dinâmica do
espaço rural e novas perspectivas de análise das relações campo-cidade no Brasil. Ano 22, v. 2, n. 27,
p. 133-148.
272) FERREIRA, Maria da Glória Rocha. (Re)organização do espaço a partir da produção de soja:
Balsas-MA. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 149-164.
273) QUEIROZ FILHO, Alfredo Pereira de. Considerações sobre a interatividade na Cartografia.
Ano 22, v. 2, n. 27, p. 165-184.
274) NUNES, Flaviana Gasparotti. A importância do econômico na Geografia atualmente: algumas
questões para o debate. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 185-196.
275) REOLON, Cleverson Alexsander; SOUZA, Edson Belo Clemente de. Reestruturação sócio-espa-
cial: as estratégias espaciais de ação adotadas pelas empresas do Paraná. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 197-
210.
276) FERRAZ, Cláudio Benito O. Geografia de exílio (resenha). Ano 22, v. 2, n. 27, p. 213-216.
277) Manuel Correia de Andrade, Correinha: (Terra e) Homem do Nordeste. Jones Dari Goettert.
Ano 23, v. 1, n. 28, p. 15-26
278)A Geografia escolar: gigante de pés de barro comendo pastel de vento num fast food?
Nestor André Kaercher. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 27-44.
279) Ensino de Geografia, Mídia e Produção de Sentidos. Iara Guimarães. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 45-
66.
280) O Raciocínio na era das Tecnologias Informacionais. Valdenildo Pedro da Silva. Ano 23, v. 1, n.
28, p. 57-90.
281) Lugar e Cultura Urbana: Um Estudo Comparativo de Saberes Docentes no Brasil. Helena
Copetti Callai; Lana de Souza cavalcanti; Sonia Maria V. Castellar. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 91-108.
282) O Lugar da escola na Cidade: A Escola Normal da Parahyba no início do século XX. Carlos
Augusto de Amorim Cardoso. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 109-128.
283) O ensino de Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental: uma análise dos descompassos
entre a formação docente e as orientações das políticas públicas. Maria Cleonice B. Braga. Ano 23, v.
1, n. 28, p. 129-148.
284) Estudos em Geografia: Um desafio para o Licenciando em Pedagogia. Marcea Andrade Sales.
Ano 23, v. 1, n. 28, p. 149-162.
285) Ensino e pesquisa: refletindo sobre a formaçãoprofissional em Geografia pautada no desenvol-
vimento da competência investigativa. Ana Maria Radaelli da Silva; Juçara Spinelli. Ano 23, v. 1, n.

202
Terra Livre - n. 33 (2): 191-205, 2009
28, p. 163-176.
286) A Geografia, a educação e a construção da ideologia nacional Rogata Soares del Gáudio; Rosali-
na Batista Braga. ANO 23, V. 1, N. 28, P. 177-196.
287) A Ideologia nos Livros Didáticos de Geografia Durante o Regime Militar no Brasil. Edinho
Carlos Kunzler; Carme R. F. Wizniewsky. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 197-220.
288) A educação docente: (re)pensando as suas práticas e linguagens. Ângela Massumi Katuta. Ano
23, v. 1, n. 28, p. 221-238.
289) A Educalçao Ambiental como Possibilidade de Unificar Saberes. Graça Aparecida Cicillini; Sandra
Rodrigues Braga; Walter Machado da Fonseca. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 239-256.
290) Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais: Educação, Geografia,
Interdisciplinaridade. Cláudia Luiza Zeferino Pires (resenha). Ano 23, v. 1, n. 28, p. 259-261.
291)SANTOS, Avacir Gomes dos; ALMEIDA, Maria Geralda de. Culturas Desviantes: Espacialidades
dos Povos Ribeirinhos do Vale do Guaporé. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 17-31
292) ANDRADE, Luiz Antônio Evangelista de. Espaço, política e periferia: as políticas sociais na re–
produção das relações sociais de produção. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 33-48
293) ALONSO, Sergio Fernandes; SANTOS FILHO, Ernani Martins dos. O papel dos fatores
locacionais na criação do tecnopólo Campina Grande-PB. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 49-62
294) CARVALHAL, Marcelo Dornelis; JUNIOR, Antonio Thomaz. A formação profissional na dinâ-
mica territorial do capital. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 63-74
295) CANDIOTTO, Luciano Zanetti Pessôa. A relevância do lugar na interpretação geográfica em
tempos de globalização. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 75-91
296) SILVA, Marcio Rufino. A renda da terra em Marx e a questão da moradia urbana em Engels.
Ano 24, v. 2, n. 31 p. 93-101
297) REOLON, Cleverson Alexsander. Metropolização, áreas metropolitanas e aglomerações urba-
nas: revisitando conceitos. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 103-110
298) ROMA, Cláudia Marques. Segregaçao socioespacial interurbana: uma hipótese? Ano 24, v. 2, n.
31 p. 111-132
299) BRAGA, Sandra Rodrigues; SOUZA, Murilo Mendonça de Oliveira. A (in)justiça social e a cida-
de: notas sobre acesso e equidade no transporte público urbano. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 133-144
300) TORRES, Avaní Terezinha Gonçalves; VIANNA, Pedro Costa Guedes. Hidroterritórios a influ-
ência dos recursos hídricos nos territórios do semi–árido nordestino. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 145-162
301) ALBUQUERQUE, Maria Adailza Martins de. A autoria de livro didático de geografia em
pernambuco no século xix: uma relação entre a legislação e a elaboração. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 163-
171
302) SILVA, Jorge Luiz Barcellos da; RAMIRES, Regina Rizzo. Onde se constrói a identidade formativa
do geógrafo e do professor de geografia? ou ainda, é possível fazer geografia nos cursos de geografia?
Ano 24, v. 2, n. 31 p. 173-179
303) MARTINS, César Augusto Ávila. Território e Política Estatal: A Indústria da Pesca no Brasil.
Ano 24, v. 2, n. 31 p. 181-201
304) LIMA, Maria do Céu de. Pesca artesanal, carcinicultura e geração de energia eólica na zona
costeira do Ceara. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 203-213
305) SANTOS, Leandro Bruno. (Resenha). Adam Smith em Pequim: Origens e Adam Smith em
Pequim: Origens efundamentos do século XXI. fundamentos do século XXIAno 24, v. 2, n. 31 p. 217-
219
306) HARVEY, David. Discurso de abertura na Tenda de Reforma Urbana, 29 de Janeiro de 2009,
Fórum Social Mundial, Belém. Ano 24, v. 2, n. 31 p. 221-227
307) KIMURA, Shiko. Território de luzes e sombras:a proposta de ensino de Geografia da Cenp. Ano
25, v. 1, n. 32 p. 17-30
308) TREVISAN, Fernanda Lodi, PAES, Maria Tereza Duarte. Conservação Ambiental E Urbaniza-
ção - As Contradições Sócio-Espaciais Na Área De Proteção Ambiental Municipal De Campinas. Ano
25, v. 1, n. 32 p. 31-46
309) QUEIROZ FILHO, Antônio Carlos. Sobre Política e Território no Espaço da Narrativa Fílmica.
Ano 25, v. 1, n. 32 p. 47-61
310) FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira, PINHEIRO, Robinson Santos. O Dom Nacional: diálogo em
torno da identidadenacional. Ano 25, v. 1, n. 32 p. 63-75
311) GOMES, Rodrigo Dutra . Aspectos do determinismo científico e a geografia. Ano 25, v. 1, n. 32
p. 77-91

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COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
312) BAUAB, Fabrício Pedroso . Matrizes Modernas Da Ideia De Natureza: Galileu Galilei (1564-
1642) E René Descartes (1596-1650). Ano 25, v. 1, n. 32 p. 93-104
313) VITTE, Antônio Carlos, SILVEIRA, Roberison Wittgenstein Dias da. Kant e as Ciências da
Natureza: a Construção da Geografia Física. Ano 25, v. 1, n. 32 p. 105-120
314) RIBEIRO, Guilherme. Para ler geografia ou a geografia segundo Lucien Febvre. Ano 25, v. 1, n.
32 p. 121-136
315) FABRINI , João E. A reprodução contraditória do rural nas pequenas cidades. Ano 25, v. 1, n. 32
p. 137-152
316) SANTOS, Jucélia Bispo dos. Território e Identidade: uma análise da comunidade quilombola da
Olaria em Irará, Bahia. Ano 25, v. 1, n. 31 p. 153-172
317) MONDARDO, Marcos Leandro. Mobilidade sulista do capital e da força de trabalho para o mato
grosso do sul: modernização agroindustrial, descompassos e contradições sócio-territoriais. Ano 25,
v. 1, n. 32 p. 173-187
318) PANIS, Marcelo, OLIVEIRA, Melissa Ramos da Silva. Turismo, patrimônio cultural rural e
imigração italiana: a refuncionalização espacial na Colônia Maciel – Município de Pelotas/RS. Ano
25, v. 1, n. 32 p. 189-200
319) RIBEIRO, Júlio Cézar. Sobre as Possíveis Geografias do Império em Tempos de III Revolução
Industrial: Biotecnologia, Caçadores de Genes E Extrativismo da Matéria-Prima-Homem. Ano 25, v.
1, n. 32 p. 201-218
320) GOETTERT, Jones Dari. O espaço e o vento: olhares da migração gaúcha para o Mato Grosso de
quem partiu e de quem ficou. Dourados- MS: editora da UFGD, 2008, 487p. (Resenha). Ano 25, v. 1,
n. 32 p. 221-222

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Título OS DISCURSOS E AS PRÁTICAS
GEOGRÁFICAS
Preparação de originais
e revisão de textos Edvaldo César Moretti
Arte final da capa Marise Massem Frainer
Editoração eletrônica Tiago Bassani Rech
Formato 18x26
Tipologia Century
Papel Sulfite 75g
Número de páginas 221
Tiragem 300 exemplares
impressão Solidus Gráfica e Editora
(solidus@graficasolidus.com.br)

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