Você está na página 1de 16

3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

Cadernos de Arte e
Antropologia
Vol. 4, No 2 | 2015
Artivismo: poéticas e performances políticas na rua e na rede
Dossiê "Artivismo: poéticas e performances políticas na rua e na rede"
Artigos

Performances artivistas:
incorporação duma estética de
dissensão numa ética de
resistência
“Artivist” performances: Incorporating aesthetics of dissent into ethics of resistance

R M
p. 53-69
https://doi.org/10.4000/cadernosaa.938

Résumés
Português English
Ao longo da História foram-se construindo narrativas éticas e estéticas onde encaixar socialmente a
dissensão. Nomeadamente na arte e no ativismo, que num certo nível se têm aproximado. Por um
lado, com o crescente interesse da arte contemporânea pelo político, apesar de o sistema limitar
frequentemente a crítica política a uma mera estetização disciplinada. Por outro lado, com os novos
/ novíssimos movimentos sociais a recorrerem a práticas vindas das artes nos seus protestos. Neste
artigo, aponto o potencial do corpo como espaço político e artístico para integrar arte e ativismo.
Esse potencial reside na incorporação de uma emoção de entrega capaz de gerar mudanças a partir
da performance, num paradigma onde para além da “arte pela arte” emerge uma “arte atuante”.

Throughout history different forms of narratives have been used to describe dissent in a socially
acceptable way. This is especially the case within arts and activism, both of which have more and
more approached each other. On the one hand, contemporary art has become increasingly interested
in politics, even though the art industry tends to reduce political commentary to disciplined forms of
aestheticisation. On the other hand, recent social movements in their protests have been recurring to
practices borrowed from the arts world. In this article, I discuss the human body’s potential as a
political and artistic site for the integration of art and activism, a potential that derives from its
https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 1/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência
ability to embody an emotion of commitment, capable of generating changes through performance,
within a paradigm where beyond “Art for art's sake” emerges an “acting art”.

Entrées d’index
Keywords: artivism, body, performance, social movements
Palavras chave: arte, artivismo, corpo, performance, protesto, movimentos sociais

Notes de la rédaction
Recebido em: 2014-01-31
Aceitado em: 2015-09-19

Texte intégral

Construções estéticas e éticas em torno


da dissensão
To disobey in order to take action is the byword of all creative spirits. The history of
human progress amounts to a series of Promethean acts. (…) I would say that there is good
reason to study the dynamics of disobedience, the spark behind all knowledge. Bachelard,
Gaston; Prometheus, Fragments of a Poetics of Fire; 1961 (Flood, Grindon 2014: 7)

1 À primeira vista, arte e ativismo caracterizam-se por aspetos distintos: tradicionalmente


a arte situa-se de forma exclusiva no simbólico, o ativismo opera ações simbólicas que
intervenham ativamente no real; a valorização histórica da autoria levou a arte a
construir-se a partir do individual, o ativismo visa suscitar uma ação coletiva; a arte
paralelamente reinterpreta o mundo, o ativismo visa transformar o mundo. No entanto,
basta um simples exercício de reflexão antropológica, para se poder desmontar quaisquer
premissas conceptuais que identifiquem fronteiras exatas entre o que não são mais que
construções culturais erigidas com base em narrativas inscritas em tradições históricas
que se podem sempre alterar, reinventar, subverter ou sobrepor.
2 Num análogo processo de rotura de limites disciplinares, eu próprio perspetivarei o
artigo segundo diferentes tradições de abordagem. Alternarei entre uma abordagem de
rigor analítico inscrito na tradição científica e uma abordagem pessoal com base na minha
prática artística. Alternarei entre o distanciamento racional e a aproximação participativa
face a um objeto de estudo do qual também faço parte, num cruzamento interdisciplinar
antropológico-artístico-político.
3 Começando por uma perspetiva alargada, do tipo holístico, que entre inclusive em
aspetos semiológicos, podemos desde logo desestruturar os argumentos categóricos que
separam as águas entre o domínio da arte e o domínio do ativismo, colocando questões
como: Operando arte e ativismo com simbolismos, que fronteira separa o simbólico que
permanece apenas no simbólico – se tal é possível – do simbólico que intervém no real?
Não será sempre a partir de intersubjetividades simbólicas – via conceitos, imagens,
palavras, objetos ou atos – que tanto procedemos à compreensão e representação
(incluindo artística), como atuamos no real (incluindo o ativismo)? Até que ponto as
diferenças ao nível das categorizações culturais do simbólico não derivam de meras
convenções de posicionamento assumido e permitido em cada enquadramento definido
num determinado momento e contexto? Enquadramento que sendo definido
simultaneamente ao nível individual e coletivo – categorias psicoculturais parte e
resultado uma da outra –, consequentemente problematiza o que na criação artística é
produção individual ou no ativismo se faz apenas pelo coletivo.

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 2/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

4 Mesmo abordando o tema de forma menos relativista, verifica-se facilmente que a


criação artística e a ação política se movem em campos que não estão estanques entre si. É
possível detetar zonas de convergência. Afinal, na sua génese, arte e ativismo possuem um
forte elo comum: ambos se posicionam no mundo sonhando outros mundos. Isto é, ambos
se afirmam segundo uma praxis tão idealista quanto idealizada, criando representações
que na sua exposição pública pretendem reverberações exteriores ao que efetivamente
criam. Algumas dessas reverberações, pela assumida interseção artística/ativista, são já
chamadas de "artivistas". O seu impacto é tanto maior quanto mais disruptoras forem as
representações que as originam, estejam numa exposição, num palco, no meio da rua ou
na internet, podendo sobrepor-se os enquadramentos. Por exemplo, há quem performe
ações de contestação política no espaço público como se estivesse num palco, destinando
essas atuações não apenas ao público presente mas em grande medida a câmaras que
registam vídeos e/ou fotografias colocados posteriormente na internet. É o mesmo
processo usado por tantos artistas contemporâneos que realizam ações performativas para
a câmara usando vídeos e/ou fotografias dessas ações em exposições.
5 Na internet a expressão simbólica permanece mediaticamente disponível a ser
ressuscitada com um simples click. As ações passam do espaço público para o ciberespaço
público, gerando visualizações, partilhas e comentários. Eis aqui um exemplo artivista que
se pode ver na internet, cruzando linguagens como o vídeo, a dança, a música, a
performance, a representação etnográfica ou a intervenção politicosocial. Realizada pelo
coletivo espanhol flo6x8 num banco e colocada online a 24/05/2012, a ação contesta de
forma artística o processo de resgate do Bankia com avultados fundos públicos (um dos
casos em Espanha de apoio estatal, o de maior dimensão, ao setor financeiro), quando
paralelamente se optou por políticas públicas austeritárias ao nível social e por milhares
de desalojamentos por incumprimento nos pagamentos de hipotecas bancárias
(https://www.youtube.com/watch?v=RjZnfP-_fXs).1
6 Muito embora seja a partir da Modernidade que de forma mais profunda se implantam
contraculturas de dissensão e subversão artística em relação a lógicas hegemónicas, há
toda uma tradição multissecular de crítica criativa ao status quo (em particular nas artes
performativas, onde desde os primórdios do teatro na Antiga Grécia a sátira se impôs).
Ainda assim, as conexões entre arte e agitação política intensificam-se sobretudo a partir
do séc. XX (Goldberg 2007: 7), primeiro com as chamadas vanguardas históricas (por via
de movimentos como o Futurismo, o Expressionismo, o Construtivismo, o Dadaísmo ou o
Surrealismo) e mais tarde com o movimento Hippie ou o Maio de 68, na revolução
cultural ocorrida nas décadas de 60 / 70.
7 Atualmente, em grande medida por causa da crise socioeconómica,2 têm-se cruzado
práticas artísticas e posicionamentos relativos à Polis com uma renovada vitalidade. Por
um lado, na contestação de rua encontram-se usos criativos de linguagens artísticas. Por
outro, na arte contemporânea as criações em torno da dimensão política são uma das
tendências mais significativas (apesar dos paradoxos que de seguida abordarei). O fluxo
dá-se portanto nos dois sentidos: do protesto na rua para o espaço artístico e deste para a
rua. Acontece numa fluída contaminação mútua, com a vida social dos homens a
influenciar a arte, tal como a arte influencia a vida dos homens na sociedade.

No espaço expositivo: a ética como


estética
8 Apesar da enorme e crescente profusão de manifestações artísticas, textos e eventos
inseridos numa tendência simultaneamente estética e política, o discurso dominante no
sistema das artes visuais privilegia a narrativa de que a arte, embora inevitavelmente
política, não deve se posicionar demasiado sob risco de se tornar panfletária. Crê-se que
um artista não se deve expressar politicamente de forma demasiado ativa na criação ou

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 3/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

reduzirá a arte a instrumentalização ideológica. Parece-me porém impossível não


instrumentalizar a arte visto esta ser precisamente isso: um instrumento. Um instrumento
de expressão que serve inequivocamente quem a faz. Ora se quem a faz tem ideias e estas
são políticas, é natural que tal passe para a sua obra.
9 O desconforto do sistema com expressões artísticas mais comprometidas e
interventivas, parece estar em certa medida ligado ao receio de se cair no ato de
propaganda, algo ao qual está associada uma pesada conotação de comunicação ao serviço
de regimes totalitários – de forma mais traumática no séc. XX – e portanto com uma
memória histórica de autoritarismos, falta de liberdade, abusos de poder e terríveis formas
de violência, provação, guerra e morte.3 Compreendo esse receio histórico e é não só
legítimo como positivo questionar as politizações presentes nas expressões artísticas.4 O
problema está na implantação de padrões que excluam a intervenção sociopolítica na arte,
escudando-se em discursos antipropagandísticos que na prática inibem a liberdade de
expressão fora do alegado neutro.
10 Há que começar por ter consciência que a palavra propaganda, no seu sentido
etimológico, se refere apenas a propagação, difusão de ideias, não tendo porque ser algo
negativo. Portanto a questão não é se a arte é instrumentalizada ou não – pois é sempre! –
mas de que forma o é e com que intenções. Inclusivamente já existe toda uma propaganda
à volta da arte que beneficia a uma série de agentes da área. O sistema da arte, apesar das
suas especificidades, insere-se rizomaticamente no mesmo macrossistema histórico da
sociedade de onde resulta. A organização social que cria condições favoráveis para que a
arte possa acontecer, simultaneamente estrutura uma série de dinâmicas, legitimações,
hierarquias e relações de poder que instrumentalizam a arte de acordo com os interesses
dos agentes dominantes nesse mesmo sistema. Agentes que por sua vez estão geralmente
dependentes de uma série de outras relações de poder e interesses económicos,
financeiros, políticos e sociais. A prática artística surge portanto enquadrada por
premissas paradoxais e dificilmente tem condições de concretização ou legitimação
pública sem estar inserida no sistema da arte. Porém, inserida nesse sistema dificilmente
escapa a um certo fechamento à sociedade como um todo pelas inerentes dinâmicas
elitistas, capitalistas e individualistas. Nesse sentido o artista deve ser original e
competitivo – visto o sucesso ser acessível a poucos – apesar de enquanto produtor ser
frequentemente quem menos ganha materialmente na cadeia transacional.
11 Em suma, o sistema cria condições para que a arte possa acontecer e dá-lhe visibilidade
pública, mas em certa medida torna-a também exclusiva e excludente. Nas artes visuais, é
inclusive atribuído um valor de mercado à obra com base no sucesso propagandístico.
Esse valor depende de fatores como os contactos profissionais, o lobby comercial das
galerias, o percurso da obra e do artista, a sua fama, as leis da oferta e da procura, o tipo de
medium utilizado (uns têm mais aceitação que outros e vendem melhor, por ex: fotografia
ou pintura), o discurso envolvente (especializado, frequentemente retórico, com jargão
próprio, visando validar, seduzir, vender), entre outros elementos que não a real qualidade
intrínseca à obra, pois nas artes essa aferição é absolutamente subjetiva.
12 Entendendo como opera o meio da arte contemporânea podemos perceber até que
ponto o trabalho artístico vale per se ou se – em parte ou exclusivamente – é validado
pelos meios de legitimação económica e institucional. Por um lado há uma certa crença na
arte como expressão da alma, manifestando representações únicas de formas sensíveis,
que no pensamento de artistas como Kandinsky contribuem para alimentar o espírito
humano, pois há “na arte outro tipo de semelhança externa baseada numa verdade
fundamental." (tradução minha; Kandinsky 2006: 10). Por outro lado, vários especialistas
identificam dimensões económicas, culturais e políticas constituintes do sistema da arte
contemporânea (Melo 2012: 11) que lhe imprimem um caráter simultaneamente
estruturado pela arte e estruturante do que é arte – de acordo com convenções, gostos e
interesses de um conjunto de pessoas ligadas ao mercado, a estruturas culturais privadas
ou semiprivadas e a instituições culturais estatais – que acabam por ir definindo
narrativas dominantes de enquadramento e reconhecimento do que é valorizado na arte.

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 4/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

Não é por acaso que há cada vez mais tutoriais na internet e workshops em certas escolas
para os artistas melhor gerirem o seu percurso e o seu nome, isto é, a sua marca num
sistema profissional onde é vital o marketing pessoal. A propaganda artística instaura-se
portanto logo no ato de assinar a obra.5
13 Ora sendo a arte uma construção cultural – que no nosso tempo se constrói no
paradigma capitalista neoliberal vigente – assim se explica que se aceite de forma tão
pacífica propagandas individuais, mas não se dê lugar a formas de propaganda utópica
para o coletivo. Note-se que a alternativa não é a anulação do autor ou do indivíduo, pois a
liberdade é sempre um ato de escolha individual. Tão pouco se postula a obrigatoriedade
do artista apresentar preocupações sociopolíticas. E muito menos ter de servir
partidarismos. Porém pactuar com a exclusão de uma dimensão interventiva da arte, é
diminuir a liberdade numa sociedade que se queira democrática e participativa, inclusive
ao nível artístico.
14 É possível aspirar a uma espécie de pureza sagrada da arte, separando claramente as
águas entre a criação estética e a intervenção nas coisas do mundo (o que duvido que seja
possível, embora seja legítimo como escolha pessoal, não como imposição), contudo a
maioria dos artistas, curadores, críticos, galeristas, estudiosos e professores de artes,
defende atualmente um posicionamento artístico crítico e de reflexão na sociedade. Desse
modo, não se pode postular o valor da crítica e depois limitar essa crítica apenas a
composições estetizadas e superficiais de conteúdos inócuos, consensuais no meio.
Frequentemente produzem-se reflexões frouxas, desapaixonadas e desinteressantes na
moldura do politicamente correto. Nada acrescentam, nada inovam, nada abrem. Na pior
das hipóteses chegam a ser hipócritas e oportunistas. Expõem, sem se expor,
permanecendo numa posição confortável de observação crítica dos outros, mas a quem
não se pode apontar o erro de uma má-opção visto não assumirem opiniões próprias.
Exibem-se meramente num exercício de indagações intelectuais para as quais não
arriscam realmente respostas. O ónus das decisões, a responsabilidade da participação,
são eloquentemente endereçados para os outros, para os espectadores.6 Fica-se nas boas
intenções do mínimo denominador comum que é a “necessidade de refletir”, sem chegar
nunca a conclusões (nem sequer provisórias, até se apresentar nova dúvida, como
acontece por exemplo nas ciências). Tal tem a vantagem de não ameaçar lugares em
instituições e agradar a públicos diversos. Como refere Léger, aceita-se que os artistas
"operem críticas construtivas do sistema mas não ameacem as instituições públicas, as
classes hierárquicas e outros legados do liberalismo burguês; que intervenham na cultura
mas não pareçam agressivos ou seriamente preparados para lutar pela igualdade política"
(Léger 2012: 70).
15 O que questiono não é a necessidade da reflexão, nem a pertinência da dúvida
constante, mas a esterilidade de permanecer sem querer dar respostas, nem assumir que
cada trabalho artístico não deixa de transmitir explícita ou implicitamente conteúdos
políticos que dizem respeito àquilo que o artista pensa, sente e é. A colocação de subtis
barreiras ideológicas em relação ao ponto até onde convém ir a expressão política do
artista,7 traduz-se num tipo de pensamento único do que deve ser o espírito crítico e do
que não é aceitável junto dos que, pela posição privilegiada que ocupam no sistema, se
apresentam como detentores do espírito crítico apropriado ou correto (ou seja, os
produtores e mediadores especializados que dominam os códigos da arte contemporânea,
segundo discursos frequentemente herméticos e pouco claros). Paradoxalmente, estes
reproduzem de outro modo as relações de poder que predicam criticar.
16 Uma vez que a autoridade curatocrática concedida pelas principais instituições culturais
se sobrepõe, legitimando um sistema altamente hierarquizado em termos de valorização
artística, 8 compreendemos facilmente – aplicando as teorias de McLuhan ao sistema da
arte – como também aqui “o meio é a mensagem” (McLuhan 1964: 7). É no tipo de arte
que não tem visibilidade que se descortina a normatividade dominante. Por exemplo, nos
atuais sistemas capitalistas, uma das condições para uma obra de arte crítica se consagrar
dentro do espírito crítico apropriado é que se possa vender (ora quando algo que critica

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 5/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

um sistema mercantilista é mercantilizado cai automaticamente na incongruência, a sua


crítica é neutralizada; no entanto só sendo mercantilizada é que uma obra pode estar em
galerias de arte ou feiras e ser adquirida por entidades públicas e/ou privadas que
chancelem o valor de uma obra e lhe deem visibilidade). De forma oposta, mas
semelhante, nos antigos regimes comunistas, uma das condições para que uma obra de
arte crítica se consagrasse dentro do espírito crítico valorizado, é que não fosse crítica com
o próprio sistema comunista, mas sim com o capitalismo. Tanto num regime, como
noutro, como em qualquer regime passado, as obras que não se encaixam nas respetivas
lógicas de poder do momento são excluídas.9 Algumas dessas obras excluídas, são
valorizadas noutro momento, quando se podem encaixar de alguma forma nos interesses
das épocas seguintes.
17 Atualmente o afastamento da arte do fantasma do “panfletarismo” tem servido para
desvalorizar o que quer que se assemelhe a propagandas de éticas em defesa de valores
para a comunidade no seu todo, acabando por incentivar indiretamente o oposto:
propaganda individualista e competição. O contexto incentiva que o artista se centre em si
próprio e a propaganda tenha lugar, desde que não aparente ser propaganda e se
mantenha nos limites aceitáveis pelos valores do establishment vigente.10 Citando
Menand, "Art does not receive its reward in Heaven; it is one of the things that belong to
Caesar" (Menand 2005).
18 Resumindo, os limites do aceitável pelo sistema das artes visuais estabelece um certo
tipo de censura invisível à criação artística crítica.11 As éticas de resistência às lógicas
hegemónicas ficam relegadas para processos de mansa estetização de acordo com
convenções, gostos e interesses do mercado, das elites ou do estado, que anulam a
possibilidade da diferença aos padrões dominantes na arte e reduzem a liberdade de
expressão. Ainda assim, pela sua identidade criativa há sempre artistas e curadores a
transgredirem essas limitações, mesmo dentro do sistema. Veja-se como por exemplo na
Bienal de Veneza 2015,12 o curador Okwui Enwezor assumiu um posicionamento político
claramente engajado, com obras como a performance/instalação do artista Rirkrit
Tiravanija, onde se produzem tijolos com caracteres chineses apelando a que não se
trabalhe (à venda ao público por 10€/cada, revertendo o dinheiro para uma organização
não-governamental que apoia a luta pelos direitos dos trabalhadores na China).13 Se por
um lado na maioria dos espaços expositivos institucionais tal seria impensável, não deixa
de ser significativo que um tipo de arte tão diretamente interventiva já tenha ocorrido na
mais prestigiada bienal de artes visuais. Tal é inequivocamente fruto e dinamizador de
tendências ativistas na arte.

Na rua: a estética como ética


19 Na rua, as ligações entre arte e ativismo fazem-se de forma muito mais crua e
pragmática. Na realidade, com exceção de uma certa subcultura do graffiti, poucos são
aqueles que reivindicam um estatuto de arte para as suas demandas sociais e atos de
contrapoder. Sendo bastante consensual nos meios artísticos e académicos que a arte, de
forma consciente ou não, possui sempre uma dimensão política – até porque em última
instância tudo é político – não deixa de ser importante assinalar como no sentido inverso
também se tem vindo a verificar que a agitação política possui uma dimensão criativa com
pontos de contacto com a criação artística.14
20 Em particular, os novos movimentos sociais e os já chamados novíssimos movimentos
sociais (Feixa, Juris, Pereira 2009: 423) têm recorrido a representações no protesto que
podemos colocar em paralelo com o campo das artes, pela sua linguagem. Adotam
dramaturgias visuais nos atos reivindicativos que vão para além do padronizado em
manifestações partidárias e sindicais típicas, podendo se identificar na sua prática
recursos da arte contemporânea como o happening, o site-specific, a instalação, o ready-
made ou a performance (Mourão 2014: 101). Surge inclusive o termo já referido de
https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 6/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

"artivismo" para nomear estas práticas na esfera pública. É um neologismo híbrido que
estabelece uma “relação orgânica entre arte e ativismo” (Latorre, Sandoval 2008: 82).
Começou a partir da primeira década do séc. XXI em pequenos círculos de meios artísticos
e académicos norte-americanos, difundindo-se entretanto a nível internacional.
21 O recurso a estratégias de dissensão que podem ser colocadas em paralelo com as
dissensões formais do campo artístico, permitem a qualquer pessoa motivada ganhar voz
na esfera pública e tornar-se num ator político, aprofundando a Democracia para além do
sistema institucionalizado de partidos, sindicatos, associações patronais ou governos. É
aliás por isso que as práticas artivistas têm estado mais ligadas ao tipo de protesto dos
novos movimentos sociais e dos novíssimos movimentos sociais. Por comparação com os
velhos movimentos sociais que se movem dentro de uma mise-en-scène de protesto mais
convencional (vendo as manifestações partidárias ou sindicais na rua reconhecemos de
imediato a sua linguagem visual, ritmos, slogans ou estrutura de operacionalização no
espaço público). Nos protestos convocados pelos denominados novos / novíssimos
movimentos sociais há toda uma força menos domesticada de atores políticos que saem à
rua, não pela chamada do sindicato ou a obrigação do partido, mas única e exclusivamente
movidos pelo próprio sentimento de indignação. Em vez de atuarem na rua como
representantes da indignação, recusam o normativo papel de se manifestarem como mero
“espectador-figurante” (Soares 2013: 106) com narrativas pré-definidas e formatadas de
propaganda organizacional.
22 O recurso a expressões simbólicas de indignação revela identidades e posturas próprias,
convertendo a encenação do protesto no espaço público em instrumento político
particularmente importante na afirmação daqueles que se encontram exteriores ao
sistema institucional. Para esses é absolutamente vital a criação de uma performatividade
marcante de contrapoder, por ser das poucas armas políticas disponíveis, o que exige uma
muito maior criatividade, irreverência e eficácia na comunicação de protesto adotada.
23 Em Portugal a performance artivista com mais repercussão mediática e impacto foi a da
“Grândola Vila Morena”15 cantada no Parlamento (15/02/2013). Esta ação do
movimento Que se Lixe a Troika16 rompeu o status quo institucional por ocasião do
discurso do primeiro-ministro Passos Coelho. Das galerias da assistência, várias pessoas
inesperadamente levantaram-se e as suas vozes ocuparam o espaço da chamada “Casa do
Povo” afirmando “o povo é quem mais ordena”. Que ecoasse para a entidade máxima do
governo, vinda da zona dos representados para a dos representantes políticos, a força
daquela canção, veio pôr em cena um conflito ideológico que colocou o primeiro-ministro
no papel metafórico de opositor dos valores democráticos do 25 de Abril, tomando-o como
involuntário performer apropriado para o interior de uma ação artivista transmitida em
todos os telejornais nacionais.17 É possível visualizar imagens desse momento aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=OLzJ_EmKy14.
24 Apesar da separação entre o artístico e o político ser mais forte nos velhos movimentos
sociais, há que referir que as ações de velhos e de novos / novíssimos movimentos sociais
muitas vezes se contaminam mutuamente, não sendo raro encontrar membros de partidos
por entre os novos / novíssimos movimentos sociais ou membros destes movimentos em
manifestações de sindicatos e comemorações do 25 de Abril ou 1º de Maio.18
25 Há quem desvalorize os recursos artísticos em ações políticas de rua por achar que
retiram credibilidade às próprias exigências políticas. Para esses – sejam puristas críticos
da “cultura do espetáculo” (Debord 1967) ou simplesmente conservadores – o ativismo
estetizado não passa de folclore inútil, mero espetáculo alienante que distrai dos
conteúdos sociais que realmente importam. No entanto, tal parte de uma premissa de
divisão absoluta e monolítica entre arte e vida, quando podemos identificar uma profunda
interconexão recíproca entre dramas sociais e performances estéticas (Schechner 2003:
211). Nesse sentido, tanto Victor Turner como Richard Schechner, identificam um modelo
de loop infinito entre narrativas políticas e narrativas dramáticas, sendo os dramas
estéticos afetados pelos dramas sociais e os dramas sociais afetados pelos dramas

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 7/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

estéticos. Através da encenação do ato artístico-político molda-se a experiência do ato,


mas simultaneamente a experiência do ato também molda quem o pratica.
26 Uma vez que se aprende por via da experiência, a experiência dramática desenha-se
profundamente enriquecedora tanto ao nível artístico como político, ocorrendo num
“dinâmico feed-back positivo” (Schechner 2003: 214) que faz de toda a política algo
performativo e de toda a performance algo político – como num jogo de espelhos –
influenciando-se mutuamente os dois campos não só ao nível das formas como
consequentemente ao nível dos conteúdos.
27 Os Estudos da Performance chegaram ao ponto de expandir a toda a ação humana a
noção de performance, argumentando que todos nós, na vida, permanentemente
desempenhamos papéis sociais, psicológicos, culturais, etc (Hamera 2006: XII). Estando
conscientes disso é apenas uma questão de assumir o protesto no espaço público como
performance, adotar uma linguagem (realista, satírica, poética, etc) e fazê-la da melhor
forma possível. O maior problema é o infotainment – information + entertainment (Juris
2014: 242) – requerer sempre novas espetacularizações visuais e emocionais, pelo que tão
fatal como a ausência de espetacularidade é a sua banalização, algo a evitar. Diante deste
cenário cabe também a cada um a sua emancipação enquanto espectador (Ranciére 2010),
interpretando – no duplo sentido da palavra “intérprete” – todo o espetáculo artístico-
político numa base crítica.
28 No caso dos atos artivistas a sua expressão é feita através de uma estética aliada a uma
ética de resistência, subvertendo o status quo a partir de recursos económicos reduzidos
para traduzir de forma criativa conceitos e ideais que se consideram elevados. As ações
artivistas por serem efémeras, alternativas ou minoritárias, podem ser desvalorizadas, no
entanto, precisamente pelo caráter excecional, quando acontecem são extremamente
poderosas na sua intensidade. Essa “inteligência desconstrutiva” (Hansotte 2008: 227) dá-
lhes uma capacidade comunicativa especial, com impacto crítico face a algo que se
percepciona como injustiça, desigualdade ou má opção pública.

Incorporando o espaço expositivo e a


rua: a dissensão como performance
29 A desvalorização do artístico por aqueles que apenas se interessam de forma isolada
pelo resultado político, tal como a desvalorização do posicionamento político por aqueles
que apenas se interessam pela produção artística, prende-se com uma tradicional
construção cultural em torno da "arte pela arte".19 Essa noção da obra artística afastada do
mundano, idealizada como pura e asséptica, sem contaminações dos conflitos no real, ecoa
influências quer das suas origens identitárias (quando a arte estava ligada ao sagrado,
afastada do profano, possuindo ainda hoje uma certa aura de algo que eleva o espírito,
mas onde já não há lugar para o divino), quer do Romantismo (que se opôs à hegemónica
visão materialista e utilitária da sociedade burguesa, não obstante a arte ter sido capturada
pelos modernos sistemas capitalistas).
30 A “arte pela arte”, ao ter constituído uma moldura conceptual de Arte (também com
molduras de facto: da moldura do quadro ao plinto, à vitrine, ao limite do próprio espaço
expositivo ou ao enquadramento dado pelo sistema da arte), logrou estabelecer um espaço
culturalmente aceite nas sociedades contemporâneas ocidentais para formas de
experimentação, reflexão e expressão que de outra maneira dificilmente teriam o
necessário apoio e condições de criação, apresentação e visibilidade. Como já foi referido,
o enquadramento dessa arte faz-se por critérios que as elites culturais definem e
reproduzem, adquirindo com o domínio desse enquadramento um "capital cultural"
(Bourdieu 1986), mas em contraponto, têm surgido práticas fora desse enquadramento –
por vezes subvertendo-o – que se podem identificar como uma expandida conceção de
arte,20 numa dimensão simbólica tão interventiva no real que identifico como arte atuante.

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 8/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

Esse tipo de arte questionadora do status quo procura estar não só ao serviço dos
interesses de alguns, de uma subcultura, mas ao serviço da sociedade como um todo.
Numa época percecionada como sendo de crise, especulação financeira, desigualdade
social crescente, maior défice democrático, com constantes casos mediáticos de corrupção
e de desvalorização do que é de e para todos, a alternativa de uma arte à parte do mundo
envolvente ou mesmo em fuga face ao real, é válida e pode ser muito interessante – seja
pelo onírico, abstrato, fantasioso, inútil, religioso ou de que forma for – mas como
continuar a fazer arte que no seu alheamento político-social, de forma voluntária ou
involuntária, silencia de modo cúmplice, ou até alimenta, um sistema onde o real é tão
profundamente dominado pelo injusto como o da época em que vivemos?
31 Daí a emergência de uma estética aliada a uma ética, como resposta da arte mais
vanguardista a uma profunda crise de valores, integrando ao relativismo pós-moderno
algumas convicções que permitam uma vida melhor em sociedade. Este posicionamento
vai beber às próprias origens da Democracia, a filósofos gregos como Aristóteles ou Platão
para quem a essência do Belo se identifica com o Bom, tendo em conta valores morais
(Bayer 1995: 27). O ético é estético.
32 Uma arte atuante age simbolicamente quer em prol do bem comum, quer em prol da
conquista dum espaço de liberdade de expressão político-artística para a crítica dissonante
em relação ao injusto dominante. Claro que na realidade os campos da "arte pela arte" e de
uma “arte atuante” raramente são mutuamente exclusivos e estanques, no entanto o
artivismo tem-se vindo a afirmar como a vanguarda mais radical, interdisciplinar e
arriscada da ação artística no real.
33 De todas as formas possíveis de dissensão por elevados valores via meios diminutos, o
medium que me parece mais plenamente servir utopias éticas e estéticas é a performance
– pela inerente economia de recursos e impacto potencial inversamente proporcional. A
performance permite congregar as construções vindas das narrativas históricas do que é a
arte, com as construções vindas das narrativas históricas do que é o ativismo, uma vez que
recorre a um meio de expressão presente nessas duas tradições históricas: o corpo. E
corpo todos temos um. Seja qual for a ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição
social ou orientação sexual.21 Mesmo que seja um corpo doente ou deficiente, é um corpo.
Como afirmava Brecht: “um homem é um homem”.22 O que constitui a performance como
o mais acessível e democrático de todos os media artísticos. Do pouco permite fazer muito.
Bastam ações, atitudes e movimentos do corpo, criando uma comunicação simbólica de
expressões emocionais. Os custos financeiros são mínimos ou até nulos. Tão pouco existe a
necessidade de qualquer virtuosismo técnico ou qualidade especial que não seja estar
disponível para uma entrega emocional, pois a performance não segue o caminho do “faz
de conta” e o performer mais que representar, apresenta. Apresenta-se como indivíduo
sem máscaras e com o qual o espectador pode fazer empatia. Ao praticar a performance
assume a sua própria subjetividade. Expõe-se sem a composição de personagens, ao
contrário do que sucede na tradição teatral (Goldberg 2007: 9).
34 A performance tem a especificidade conceptual de dificultar qualquer definição exata
que vá para além da vaga afirmação de que se trata de uma atividade feita ao vivo com
uma intenção artística. Toma a presença corporal como eixo central, mas os seus
praticantes usam livremente quaisquer disciplinas e quaisquer meios como material a
articular com o corpo – literatura, poesia, teatro, música, dança, arquitetura, pintura,
vídeo, escultura, instalação, narrações, etc – utilizando-os nas mais diversas combinações.
Nenhuma outra forma de expressão artística tem um programa tão ilimitado (Goldberg
2007: 10), uma vez que cada performer cria a sua própria definição através dos processos
e modos de execução que adopta, que incorpora. Idealmente entrega-se a si próprio no ato
(Auslander 1997: 54).
35 Veja-se nesse sentido o exemplo de entrega artivista desenvolvido pelo coletivo Liberate
Tate,23 em Londres. O coletivo nasceu de um workshop de ativismo promovido pela Tate
Modern, que pretendia incentivar a consciência cívica, porém colocava limites,

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 9/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

nomeadamente a ações em relação às empresas mecenas. Tal abriu um conflito com os


participantes pelas suas convicções ecológicas contra petrolíferas (a BP é mecenas da Tate)
e contra a captura da arte/museus pelas lógicas capitalistas. As suas opções levaram-nos a
performances como esta: https://vimeo.com/45369224.
36 Numa análise antropológica da performance como medium, pode-se estabelecer uma
significativa questão ontológica na comparação entre a performance teatral e a
performance ritual, que permite colocar o ato da performance ritual em paralelo com o ato
da performance artística e, em particular, com os atos das performances artivistas.
Schechner defende que tanto no teatro como no ritual se passa uma fronteira dimensional,
mas enquanto na experiência teatral o ator é “transportado” da dimensão quotidiana para
a performativa e desta de novo para a dimensão quotidiana, na experiência ritual o agente
é “transformado” após a experiência performativa. No teatro, aquele que performa, ao
representar que é outro regista uma mudança apenas aparente, acompanhando a sua
consciência de forma autónoma e intocada o processo de entrada e saída do palco. O ator
regressa igual a si próprio à dimensão quotidiana com o fim da interpretação. Já na
experiência ritual, pelo despojamento de artifícios, aquele que performa incorpora uma
condição interior e nesse sentido é “transformado”. O ritual (por exemplo um ritual de
iniciação) muda o Eu através da ação da performance. Aí não é possível cruzar a linha do
quotidiano para a dimensão performativa e regressar-se ao quotidiano exatamente igual
(Schechner 1981: 95).
37 Aplicando esse modelo schechneriano ao caso das performances artivistas, há que
distinguir as ações que recorrem a uma linguagem mais teatral e adoptam o uso de
personagens, e aquelas em que o performer não se disfarça, enquadrando-se mais na
linguagem da performance contemporânea, onde não há uma persona.24 Nas
representações artivistas, mesmo quando há personagens (e a maior parte das vezes não o
há) estas não possuem profundidade psicológica, apenas funcionam como símbolo
genérico de algo que lhes permita viver a experiência. Nessa perspetiva não há uma grande
imersão emocional no outro representado e vive-se sobretudo o sentimento da experiência
subversiva, ficando as fronteiras entre “transportado” e “transformado” tão ténues, que se
quebram totalmente nas situações onde não há personagens e os performers totalmente
assumem e expõem a sua voz, o seu corpo, a sua opinião. Ao não representarem o papel de
outro que os “transporte” no seu disfarce, não há um trabalho de encarnação noutra pele e
é o próprio que se entrega à experiência, que se atreve a ultrapassar fronteiras. Tal cria
condições para se ser mais “transformado” pela vivência criada fora do estado quotidiano.
A sua transformadora intensidade emocional resulta da imprevisibilidade – por vezes de
alto risco – no confronto com a realidade exterior. Por norma nem sequer costuma haver
ensaios antes das performances artivistas e, posteriormente, se estas forem reproduzidas
após uma primeira apresentação, verão diluídos os seus sentidos. A sua força ontológica
passa por atuações intensas, únicas, irrepetíveis (Phelan 1993: 148).
38 As típicas manifestações de protesto com coletivos mais numerosos na rua, por vezes de
massas, dependem de fatores quantitativos: quantas mais pessoas incluírem, maior a sua
representatividade democrática, pois a quantidade atribui-lhes legitimidade enquanto
coletivo. As performances artivistas, pelo contrário, afirmam-se por fatores qualitativos: o
importante é a qualidade do impacto gerado na esfera pública com a dissensão artístico-
ativista praticada. Daí a importância da carga emocional. A comunicações banalizadas
correspondem banais emoções, enquanto comunicações extraordinárias desencadeiam
emoções extra.
39 Dentro dessa lógica, foi precisamente de forma inesperada e polémica que se desenrolou
o projeto no cruzamento da arte com a antropologia e o político que concebi como troika
artivista constituída por livro (Ensaio de Artivismo - Vídeo e Performance) +
videoinstalação 25 + performance em 3 Actos. No Acto I houve uma ocupação coletiva do
Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado na noite de inauguração da
própria exposição (em defesa do museu, contra o desinvestimento público na Cultura e
pela democratização do seu acesso); tendo-se-lhe seguido o Acto II (com 73 pessoas a

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 10/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

mimetizar corporalmente estátuas e pinturas no Museu Nacional de Arte Antiga, evocando


o direito à Cultura expresso no Art. 73º da Constituição Portuguesa); e finalmente o Acto
III (onde se realizou uma coreografia no Palácio Nacional da Ajuda – sede do poder
público da Cultura em Portugal – com porcos antropomorfizados, chapéus-de-chuva,
poesia e um drone que tudo filmou de cima). O Acto I teve como título OS NOSSOS
SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS, o Acto II, OS VOSSOS SONHOS NÃO
CABEM NAS NOSSAS URNAS, e o Acto III, MORREM LENTAS AS URNAS ONDE NÃO
CABEM OS SONHOS.26
40 É possível visualizar essas 3 performances artivistas, que no seu todo funcionam como
uma só performance em 3 Actos, a partir dos seguintes vídeos online: https://vimeo.com/
119287387; https://vimeo.com/120016187; https://vimeo.com/120014664. Citando o
Manifesto Artivista que escrevi, li e foi distribuído durante a performance de ocupação do
Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado denota-se a sua dimensão
relacional e participativa:

O espaço desta performance é o museu, mas convoca para o seu interior uma série de
simbolismos para além do museu. Traz a ocupação do espaço público, da Praça, da
Polis para dentro do museu e faz disso arte, evocando o espírito da Acampada do
Rossio, do Occupy Wall Street, das Acampadas espanholas e de todos os occupys
internacionais que há não muito tempo atrás, em inúmeros espaços públicos de todo
o mundo, trouxeram a discussão assembleária direta e sem representantes para a
esfera pública, utopia da sempre mítica agora grega, matriz do sonho Democrático.27

41 A prática base dessa enunciação democrática implica uma responsabilidade para os


cidadãos face ao estado de direito e aos seus sufragados representantes: questionar e
manter aberto o debate sobre a justiça das coisas, discernindo o legítimo do ilegítimo.
Mais que uma atividade gestora de administração, a política é uma praxis horizontal cujos
atores somos todos nós (Hansotte 2008: 11). As intersubjetividades constituintes da esfera
pública é que vão definir a qualidade do espaço democrático. Quanto mais participação e
diversidade de perspetivas houver, mais se afasta um alinhamento pelo diapasão
totalitário do pensamento único, de massas. Ora as performances artivistas possibilitam
uma voz independente na esfera pública, procurando interpelar o Outro a partir de certas
estratégias, arriscadas na sua audácia. Fazem-no com recurso à criatividade, à emoção, ao
inesperado, a um espaço e/ou tempo com significado especial e ao bom uso dos meios de
comunicação horizontal da internet ou de comunicação vertical dos mass media,
animando a enfraquecida Democracia para além do institucional.28
42 Citando novamente o Manifesto Artivista de ocupação do museu são necessários 4
fatores-chave para que uma performance artivista seja bem-sucedida:

1º - transmitir uma vibrante dimensão dissonante, recorrendo a formas de


comunicação mais emotivas e simbólicas que lógico-racionais;

2º - exercer-se de forma inesperada, criando impacto pelo elemento surpresa;

3º - em espaço e/ou tempo com significado especial, jogando com as noções artísticas
de site-specific (associado ao espaço) e de narrativa dramática (associada a datas e
eventos simbólicos);

4º - ser registada e transmitida pelos mass media e/ou pela internet, fazendo da
esfera pública e do ciberespaço público, o palco mediático que gera o público (note-se
que sem público não há performance).

43 Concluindo, a incorporação artivista com base em certas metodologias pretende chegar


ao outro, sensibilizá-lo, tocá-lo, provocá-lo para além do convencional. Partindo de uma
entrega emocional, o corpo torna-se um eixo de ação artístico-política que potencia uma
transformação interior em quem pratica a performance. O que simultaneamente potencia
uma transformação exterior. Para o Outro. Para o mundo. Pois interior e exterior estão

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 11/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

intimamente ligados. A transformação de um gera transformação no outro. E no fundo, o


que pretende a arte, o ativismo, o sonho, senão isso mesmo?

"Every man is a plastic artist who must determine things for himself." Joseph Beuys
(Harrison, Charles; Wood, Paul 2003: 905)

Bibliographie
Arendt, Hannah. 2001. A Condição Humana. Raposo, Roberto, Trad.. Obra original publicada em
1958. Lisboa: Antropos Relógio d'Água Editores.
Auslander, Philip. 1997. From Acting to Performance. Londres e Nova Iorque: Ed. Routledge.
DOI : 10.4324/9780203444269
Bayer, Raymond. 1995. História da Estética. Saramago, José (trad.). Lisboa: Ed. Estampa.
Bourdieu, Pierre. 1986. "The Forms of Capital" in Handbook of Theory and Research for the
Sociology of Education. Richardson, John (ed.). Nova Iorque: Greenwood.
DOI : 10.17323/1726-3247-2002-5-60-74
Debord, Guy. 1967. La Société du Spectacle. Paris: Ed. Gallimard.
Feixa, Carles, Jeffrey Juris e Inês Pereira. 2009. "Global Citizenship and The “new new” Social
Movements: Iberian Connections." Young Nordic Journal of Youth Research, 17. Los Angeles,
Londres, Nova Deli, Singapura e Washington: Sage publications.
Flood, Catherine e Grindon, Gavin (Editores) et al. 2014. Disobedient Objects, Victoria & Albert
Museum. Londres: V&A Publishing.
Goldberg, Roselee. 2007. A Arte da Performance: Do Futurismo ao Presente. Camargo, Jefferson
Luiz (Trad.), Oliveira, Carla, Lopes, Rui (Adapt. e Revisão). Obra original publicada em 1988 e
revista em 2001. Lisboa: Orfeu Negro.
Hamera, Judith e Madison, D. Soyini (Editores) et al. 2006. The Sage Handbook of Performance
Studies. Thousand Oaks, Londres e Nova Deli: Sage Publications.
Hansotte, Majo. 2008. As Inteligências Cidadãs, Como se Adquire e Inventa a Palavra Colectiva.
Duarte, Filipe (Trad.). Obra original publicada em 2005. Lisboa: Instituto Piaget, Coleção
Epistemologia e Sociedade.
Juris, Jeffrey. 2014. Conceptualizing Culture in Social Movement Research, Britta Baumgarten,
Priska Daphi, Peter Ullrich (Eds.), pp. 227-246. Palgrave Macmillan.
Kandinsky, Wassily. 2006. Concerning The Spiritual in Art. Sadler, Michael (Trad.). Obra original
publicada em 1911. Londres: Tate Publishing.
Kirshof, Edgar. 2008. “Transmidialidade e Estilo de Oposição na Arte Pós-moderna.” Comunicação
apresentada no I Congresso Nacional e II Regional de História da UFG. Universidade Federal de
Goiás. Online, confirmado a 23/09/2015
(http://www.congressohistoriajatai.org/anais2008/doc%20(23).pdf).
Latorre, Guisela, Sandoval, Chela. 2008. "Chicana/o Artivism: Judy baca's Digital Work with Youth
of Color." Learning Race and Ethnicity. Cambridge, Ma: MIT Press (online).
Léger, Marc James. 2012. Brave New Avant Garde - Essays on Contemporary Art and Politics.
Washington: Zero Books.
McLuhan, Marshall. 1964. “The Medium Is The Message.” Pp. 7-21 in Understanding Media: the
Extensions of Man. part I (1). Cambridge e Londres: The MIT Press.
Melo, Alexandre. 2012. Sistema da Arte Contemporânea. Lisboa: Ed. Documenta
Menand, Louis. 2005. "All That Glitters." New Yorker. Online, confirmado a 23/09/2015
(http://www.newyorker.com/magazine/2005/12/26/all-that-glitters).
Mourão, Rui. 2014. Ensaio de Artivismo – Vídeo e Performance. Lisboa: MNAC – Museu do
Chiado.
Obrist, Hans. 2014. Ways of Curating. UK: Penguin Books.
Phelan, Peggy. 1993. Unmarked, The Politics of Performance. Londres: Ed. Routledge.
DOI : 10.2307/432051
Raposo, Paulo. 2013. “Performance Activism and the “New/New Social Movements”. Comunicação
apresentada no Encontro Internacional de Estudos de Performance - Indirecções Generativas.
Montemor-o-Novo: Convento da Saudação.

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 12/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência
Sandino, Linda. 2012. "A Curatocracy: Who and What is a V&A Curator?" Pp. 87 - 100 in Museums
and Biographies: Stories, Objects, Identities. Woodbridge, Suffolk: Boydell and Brewer.
Schechner, Richard. 1981. "Performers and Spectators Transported and Transformed." Pp. 83-113 in
The Kenion Review, 3 (4). Sine Loco: Kenion College.
_____. Performance Theory. Pp. 152-156. Obra original publicada em 1977, revista e expandida em
2003. Londres e Nova Iorque: Ed. Routledge.
Soares, Vera. 2013. A Performatividade dos Movimentos Sociais Contemporâneos. Dissertação de
Mestrado em Teatro e Comunidade. Lisboa: Escola Superior de Teatro e Cinema.

Notes
1 Para mais informações sobre o coletivo flo6x8 consultar: http://www.flo6x8.com. De salientar que
todo o artigo beneficiará de uma leitura combinada do texto com a consulta dos hiperlinks
sucessivamente sugeridos (vídeos, artigos, fotos, redes sociais, etc), ilustrativos e contextualizadores
das reflexões apresentadas.
2 Centrando-se este artigo sobretudo no contexto europeu.
3 Embora o uso de propaganda não seja exclusivo de regimes totalitários. Atualmente, nas chamadas
democracias ocidentais também existe, tanto com aplicações positivas, como negativas. Apenas
acontece de forma mais subtil, indireta e sofisticada. Está inevitavelmente presente em inúmeras
áreas, das mais óbvias (ex: publicidade, marketing, relações públicas, política partidária, etc) àquelas
onde ocorre de forma mais camuflada (ex: educação, economia, arte, lei, etc).
4 Se por um lado o neoliberalismo dominante e o total relativismo de valores em que nos deixou o
Pós-modernismo afetam o espaço do comum (quando necessitamos de valores para viver em
comunidade), por outro lado não podemos cair em dogmatismos fundamentalistas, esquecendo os
ensinamentos pós-modernistas: posturas críticas, relacionais e de consciência das inevitáveis
subjetividades. A importância de certos valores convém ser acompanhada do questionamento dos
mesmos, sem contudo os abandonar como referencial ético. Pessoalmente, defendo
posicionamentos que passem pelas seguintes premissas utópicas: mais liberdade para o Eu, mais
respeito pelo Outro, mais empatia intersubjetiva. Na prática, por vezes estes valores excluem-se
mutuamente (ex: há lutas por maior liberdade que podem ter que pôr em causa o civismo ou a
empatia com o Outro, tal como o moralismo do respeito pelo Outro pode colocar em causa
liberdades individuais). É necessária uma permanente consciência crítica onde as respostas não
devem ser taxativas, únicas e fechadas, mas dadas em função de cada situação. Os compromissos
éticos entre a liberdade do Eu e do Outro impõem-se particularmente em situações de violência.
Agredir a integridade física de outrem – sobretudo sem o seu consentimento – é a linha ética a partir
de onde qualquer forma artística politizada entra num nível que contará sempre com a minha
oposição. Já quando se trata de violência psicológica tudo fica menos claro e dificilmente se podem
impor limites morais que não sejam subjetivos. No entanto, arrisco colocar o limite no ataque pela
ofensa pessoal, sem que tal impeça a crítica de opiniões, ideias ou atos, inclusive ao nível caricatural.
5 Pode-se até fazer um paralelismo entre a assinatura dum quadro e o logotipo duma marca
publicitária, ou entre a linguagem de autor e a imagem de marca. Faz parte da propaganda na arte
(usando semânticas menos assumidas também lhe podemos chamar identificação, informação,
comunicação, divulgação, marketing ou promoção do artista). É isso que vai permitir a construção
de uma narrativa de carreira que publicite e divulgue o artista junto dos agentes do sistema das artes
e do público, recorrendo a ferramentas como a realização de memórias descritivas, CVs, biografias,
portefólios, catálogos, publicidade às exposições, comunicados de imprensa e eventos sociais como
vernissages ou finissages (facilitadoras das relações sociais necessárias entre jornalistas/críticos,
galeristas, colecionadores, curadores e artistas).
6 Tome-se como exemplo o que refere Hans Obrist, curador de referência mundial, no seu livro
Ways of Curating, acerca de uma exposição realizada por um autor consagrado numa instituição de
topo do sistema como é o Centre Pompidou, em Paris: "Visitors wore headphones and listened to
radio transmissions that came in and out of focus as they moved through the space. (...) The multiple
pathways led to around sixty "sites" as Lyotard called them, which were dedicated to different
subjects and questions, from painting to astrophysics. As Lyotard explained in the exhibition
catalogue: "we wanted to awaken a sensibility, certainly not to indoctrinate minds. The exhibition is
a postmodern dramaturgy. No heroes, no myths. A labyrinth of situations organized by questions:
our sites... The visitor, in his solitude, is summoned to choose his way at the crossings of the webs
that hold him and voices that call him." (Obrist 2014: 158).
7 Tal raramente é apontado de forma direta. Simplesmente há certo tipo de arte mais polémica que
não é selecionada para galerias, museus, bienais, prémios, bolsas ou residências, assim como não
obtém crítica especializada ou credibilidade dos pares. Resumindo, na esfera pública da arte não tem
grande margem para existir. E diante desse contexto, quantos artistas consciente ou
inconscientemente não se autocensurarão para corresponder a esses padrões?

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 13/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência
8 Há autores que defendem que estamos perante uma autêntica "curatocracy" (Sandino 2012: 87-
100). Curatocracia é um neologismo que une as palavras curator (relativo à profissão de curador,
com origem no termo curator, vindo do latim e do seu atual uso em inglês no meio internacional da
arte contemporânea) + kratos (termo grego relativo a poder). Curatocracia nomeia um sistema onde
o poder é exercido por especialistas que controlam os discursos legitimadores e os subjetivos
critérios de mediação na arte (seleção, exposição, divulgação, análise escrita, etc). Tal implica
consequências para artistas e público, confrontados com o domínio pelos curadores dos mecanismos
de inclusão e exclusão que determinam para o resto da sociedade os cânones do que é arte, categoria
maior da chamada Alta Cultura.
9 Alguns artistas, muito poucos, conseguem o oposto: materializar um certo esprit du temps onde é
o seu estilo que se impõe junto do mercado, das elites ou do estado, servindo de referência às
convenções, gostos e interesses destes.
10 Com base na minha observação do meio português, como artista, noto que por exemplo
expressões artísticas feministas, pró-LGBT ou pós-coloniais (indiretamente antirracistas) são
relativamente bem aceites na arte, promovendo de forma “natural” a inclusão, de preferência sem
fazer desse ativismo o tema central, direto e explícito. Porém expressões anticlassistas e
antimarginalização socioeconómica são pouco frequentes, pelo menos ao nível dos artistas mais
reconhecidos no atual sistema da arte em Portugal.
11 Comparativamente, a expressão artística no cinema, no teatro, na literatura ou na música está
menos limitada. É melhor aceite a possibilidade de intervenção sociopolítica (ex: do
documentarismo de Michael Moore ao rap/hip-hop de Public Enemy, do teatro de Bertolt Brecht à
poesia de Richard Wilbur, entre inúmeros exemplos possíveis).
12 Ver: http://www.labiennale.org/en/art/exhibition/
13 Ver: http://universes-in-
universe.org/eng/bien/venice_biennale/2015/tour/all_the_worlds_futures_2/rirkrit_tiravanija +
http://www.labiennale.org/en/mediacenter/video/56-44.html
14 Não é por acaso que esse reconhecimento institucional já chegou a museus de peso que geram
legitimação sociocultural de valorização artística. Por exemplo através de coleções como a da Tate
Modern em Londres ou do Musée National d'Art Moderne em Paris (com significativos acervos de
cartazes de propaganda política do séc. XX) ou de exposições temporárias com conteúdos visuais
ativistas mais sintonizados com a contemporaneidade, como "Disobedient Objects" no Victoria &
Albert Museum (patente de 26/06/2014 a 01/02/2015 em Londres) ou "global aCtIVISm" no ZKM -
Zentrum für Kunst und Medientechnologie (patente de 14/12/2013 a 20/03/2014 em Karlsruhe,
Alemanha); havendo instituições museológicas que inclusive já dedicaram simpósios ao tema, como
é o caso do "Visual Activism Symposium" organizado pelo SFMOMA - San Francisco Museum of
Modern Art (a 14/03/2014 e 15/03/2014 em São Francisco, E.U.A.).
15 Canção de resistência composta por Zeca Afonso em 1971, durante o período da ditadura do
Estado Novo. A canção foi usada como uma das senhas transmitidas pela rádio que serviu de sinal
aos militares para o avanço das movimentações que originaram a revolução de 25 de Abril de 1974. A
sua letra, afirmando coisas como “o povo é quem mais ordena dentro de ti, ò cidade”, “terra da
fraternidade”, “em cada rosto igualdade”, converteu-se num hino da Democracia, da Liberdade, da
Igualdade, da Fraternidade e da “Revolução dos Cravos”.
16 Para mais informações sobre este movimento cívico criado em 2012 com o objetivo de se opor ao
modelo económico, financeiro e social desenhado pela Troika (BCE + UE + FMI) recomenda-se a
consulta dos seguintes links: http://queselixeatroika15setembro.blogspot.pt + https://pt-
pt.facebook.com/pages/Que-se-Lixe-a-Troika-Queremos-as-nossas-Vidas/177929608998626
17 Quando a expressão simbólica dum ato como este é forte, é documentado visualmente e é
disponibilizado online, há um potencial inspirador de tocar os outros que remanesce depois
disponível na internet, espalhando-se por vezes de forma viral, o que pode levar a que se executem
“reperformances” (Raposo 2013: 2) noutro lugar, noutro momento, estritamente miméticas ou com
variações (por exemplo, depois de “grandolarem”, isto é, cantarem a “Grândola, Vila Morena” ao
primeiro-ministro no parlamento, várias pessoas cantaram a mesma música a outros membros do
governo noutros lugares e noutros contextos públicos).
18 A própria CGTP - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses já aderiu, embora
pontualmente, a protestos mais teatrais. Por exemplo encenando uma praia com toalhas, chapéus-
de-sol e fatos-de-banho para funcionários públicos no Terreiro do Paço em 26/07/2012.
19 Conceito cunhado por Benjamin Constant em 1804.
20 Sem esquecer, como refere Umberto Eco, que uma obra de arte mesmo em rotura com
determinadas normas anteriores, não pode romper com todas, para ainda assim ser reconhecida
como arte (Kirshof 2008: 5).
21 Enumerado de acordo com o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da
República Portuguesa.

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 14/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência
22 Título de uma das mais importantes peças do teatro político de Beltolt Brecht (Mann ist Mann,
1926).
23 Para mais informações sobre os Liberate Tate, consultar: http://www.liberatetate.org.uk
24 No sentido etimológico de máscara, de personagem.
25 A exposição OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS esteve patente de
4/07/2014 a 28/09/2014, com curadoria de Emília Tavares, no Museu Nacional de Arte
Contemporânea - Museu do Chiado, em Lisboa. A videoinstalação multicanal exposta projetava 10
vídeos intersectados com 10 representações de performances artivistas documentadas no espaço
público português. Funcionava como metáfora visual onde cada projeção se ligava a outra e,
simultaneamente ao conjunto, num todo. A composição refletia virtualmente várias realidades
performadas, analogia do que Hannah Arendt chamou de “espaço da aparência” (Arendt 2001: 249)
– o espaço que permite estruturar a esfera pública e por ela ser estruturado, um espaço que só é
possível constituir pela pluralidade de atores. Neste caso, atores de contrapoder em diversas
performances artivistas no espaço público (Mourão 2014, 37). Para ver a documentação visual da
videoinstalação e obter mais informações sobre o conceito da obra consulte:
http://www.museuartecontemporanea.pt/pt/programacao/os-nossos-sonhos-nao-cabem-nas-
vossas-urnas . Pode-se também consultar o livro publicado pelo próprio museu: Ensaio de Artivismo
- Vídeo e Performance. Parte significativa do ensaio baseia-se na investigação que realizei para o
mestrado em Antropologia – Sociedade e Cultura, no ISCTE-IUL (orientação do Prof. Paulo
Raposo).
26 Encontra-se disponível informação detalhada sobre o projeto, com reflexões mais aprofundadas,
em: http://artecapital.net/estado-da-arte-45-rui-mourao-os-nossos-sonhos-nao-cabem-nas-vossas-
urnas-quando-a-arte-entra-pela-vida-adentro-parte-i + http://artecapital.net/estado-da-arte-46-
rui-mourao-os-nossos-sonhos-nao-cabem-nas-vossas-urnas-quando-a-arte-entra-pela-vida-
adentro-parte-ii. É possível visualizar essas 3 performances artivistas, que no seu todo funcionam
como uma só performance em 3 Actos, a partir dos seguintes vídeos online:
https://vimeo.com/119287387, https://vimeo.com/120016187, https://vimeo.com/120014664.
27 O Manifesto Artivista pode ser lido na íntegra aqui:
https://docs.google.com/document/d/1Hcz4QByYwYNdb5uQ7dy7JQHD7LQxht9UaNXogshdZp8/pub.
28 A necessidade de animar a Democracia, de lhe dar vida para além da dimensão institucional,
aumenta perante a debilidade dos vínculos do sistema institucional político com a base social. A
própria Democracia só existe se houver pressão exterior às instituições no sentido duma
manutenção democrática das estruturas públicas. Nesse sentido, qual o estado atual das relações
entre cidadãos e política institucional? Observem-se alguns dados estatísticos que ilustram a
situação. Segundo o barómetro da Edelman Trust, em 2013 apenas 7% dos inquiridos portugueses
acreditavam que os líderes governamentais “dizem a verdade” em qualquer circunstância (fonte:
http://www.gci.pt/2013/edelman-trust-barometer-2013-empresas-disputam-confianca-com-
ongs/). Registe-se ainda como são cada vez mais elevados os valores de abstenção eleitoral e
descrença nos partidos e políticos, havendo cada vez menos pessoas que se identificam e filiam em
partidos, com perda de confiança nas tradicionais instituições democráticas (incluindo os orgãos de
justiça). A taxa de abstenção para a eleição da Assembleia da República passou de 8,3% em 1975
para 41,1 % em 2011, nas Autárquicas a abstenção rondou em 2013 os 45,25%, tendo sido em 1976 de
35,4%. Na eleição do Presidente da República os valores oscilaram de 24,6% em 1976 para 53,5% em
2011. Para o Parlamento Europeu alcançou-se o valor de 66,1% em 2014 quando em 1987 foi de
27,8% (fonte: Pordata, disponível em:
http://www.pordata.pt/Tema/portugal/participacao+Eleitoral-44).

Pour citer cet article


Référence papier
Rui Mourão, « Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de
resistência », Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 4, No 2 | -1, 53-69.

Référence électronique
Rui Mourão, « Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de
resistência », Cadernos de Arte e Antropologia [En ligne], Vol. 4, No 2 | 2015, mis en ligne le 01
octobre 2015, consulté le 11 mars 2021. URL : http://journals.openedition.org/cadernosaa/938 ;
DOI : https://doi.org/10.4000/cadernosaa.938

Cet article est cité par

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 15/16
3/12/2021 Performances artivistas: incorporação duma estética de dissensão numa ética de resistência

Barbosa, Inês. Lopes, João Teixeira. (2020) “O Porto não se vende”: resistências à
gentrificação através da produção artística no período pós-austeritário. Cadernos
de arte e antropologia. DOI: 10.4000/cadernosaa.3201

Guerra, Paula. (2019) Nothing is forever: um ensaio sobre as artes urbanas de


Miguel Januário±MaisMenos±. Horizontes Antropológicos, 25. DOI:
10.1590/s0104-71832019000300002

Oliveira, Alessandro José. (2020) Mujeres Creando: militantes feministas e a arte


de habitar o contraditório*. Cadernos Pagu. DOI:
10.1590/18094449202000600009

Auteur
Rui Mourão
Artista e investigador independente, Lisboa, Portugal
mourao.rui@gmail.com

Droits d’auteur
© Cadernos de Arte e Antropologia

https://journals.openedition.org/cadernosaa/938?lang=fr 16/16

Você também pode gostar