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03 - Inabalável
03 - Inabalável
Pelos dias que se seguem, eu faço exatamente o que Manuela aconselhou: penso.
Penso, e penso muito.
Depois de desabafar com a minha amiga e estar mais tranquila para refletir sobre tudo o que
vem acontecendo, consigo chegar às seguintes conclusões:
Primeira: eu sou uma completa estúpida;
Segunda: eu me tornei tão imatura quanto uma criança de cinco anos;
Terceira: eu amo louca e desesperadamente John Berryann.
Por incrível que pareça, engolir essa terceira conclusão foi mais fácil do que as outras, afinal,
eu só precisava admitir a mim mesma que essa paixão já tinha evoluído para amor há muito
tempo. Mesmo querendo negar com todas as forças, principalmente, nestes últimos dias em
que eu estava fula da vida com o que ocorreu.
Quanto a minha imaturidade, céus, tenho vergonha só de lembrar. Certo que eu nunca fui a
pessoa mais paciente e que as minhas antigas experiências amorosas não contribuíram muito
para que eu soubesse lidar com situações como esta. Mas, arremessar um par de tênis? E,
ainda por cima, cogitar jogar o meu pobre notebook?
Desde quando eu me transformei esse projeto de trem desgovernado?
Okay, admito que deixei a raiva me cegar e simplesmente me aprisionei em suposições,
sendo que poderia ter resolvido a situação apenas escutando o que ele tinha a dizer. Porém, o
mínimo que eu poderia ter era um pouco de vergonha na minha cara. Não é à toa que o
garoto mal tem olhado para mim ao longo da semana.
Conversei com a minha amiga "ajuizada", procurando por um bom conselho, mas receber um
"para de frescura e vá falar com ele" não me valeu de muita coisa. Se Manuela soubesse o
quanto estou envergonhada por agir daquela maneira tão grosseira e tola, não teria aberto a
boca para dizer asneira.
Queria ver se fosse ela no meu lugar...
Diferente dos outros dias, eu não tenho mais evitado os olhares de John. Na verdade, tenho
feito o possível e o impossível justamente para que me olhe, nem que seja por uns segundos.
Porém, agora é ele que foge de qualquer interação. E estou sentindo na pele o quão doloroso
é ser menosprezada pela pessoa que se ama.
Pois é... Aqui se faz e aqui se paga, Clarinha.
Bem feito para mim. Talvez assim eu aprenda a ser menos idiota.
– Perdida no mundo da Lua à essa hora, Clara?
Dou um pulinho e olho para trás, deparando com um Jackson risonho.
– Oh, você me assustou!
– Me desculpe.
Sorrio, assim como ele.
– Indo para a próxima aula? – pergunta.
– Sim, a minha é no Terceiro C. E a sua?
– Terceiro B. Vamos juntos, então?!
Dou de ombros e seguimos para as escadarias. Nem lembro mais quando foi a última vez que
fizemos esse pequeno trajeto juntos. Depois da reunião pedagógica, os nossos horários
mudaram e quase não trombamos nos corredores. Se nos vemos, é apenas na sala dos
professores ou no refeitório, e mal conseguimos conversar graças ao trabalho.
Subimos as escadas para o terceiro andar trocando uma ou outra palavra, e cumprimentando
os alunos que passam por nós; uma vez diante a porta do Terceiro C, me despeço para entrar
na classe, contudo, Jackson segura sutilmente o meu ombro.
– Talvez seja um pouco invasivo da minha parte, mas percebi que anda meio distraída há
alguns dias. Está tudo bem?
– Sim, está. É apenas um problema bobo, não se preocupe.
"De bobo, não tem nada", penso.
– Tem certeza?
– Tenho sim, Jackson.
– Se for realmente um problema bobo, tente resolvê-lo logo. Não gosto de vê-la com essa
carinha abatida.
Forço um sorriso e assinto. Essa gentileza dele ainda me desconcerta, às vezes.
– Bem, vou para a minha classe. Nos vemos depois.
– Ah, okay...
Jackson dá um de seus sorrisos brilhantes e enfim entra na sala do Terceiro B. Solto o ar que
sequer reparei ter segurado e faço o mesmo que o meu colega.
Assim que o período termina, deixo que os alunos saiam primeiro e guardo os meus materiais
sem pressa, como gosto de fazer. Desço para a sala dos professores, escutando o baque dos
saltos ecoar nos corredores vazios enquanto matuto o que posso fazer para resolver as coisas
com o John. Pensamento esse que é bruscamente interrompido por um puxão repentino.
Meu coração dá um salto. Não sei se pelo susto ou por saber exatamente de quem é esse
toque ao redor do pulso. Sua mão encobre delicadamente a minha boca para que eu não grite
e chame a atenção de alguém do lado de fora, mas a última coisa na qual eu pensaria agora
seria gritar. Com certeza, não é a reação que eu teria.
Apesar da surpresa e de estar um tanto receosa, temendo que meus sentimentos falem mais
alto antes da hora, ergo o rosto e deparo com o infinito negro que são os seus olhos. Reprimo
um suspiro, guardando-o no fundo da minha garganta, e me limito a encará-lo com a mesma
intensidade que o faz.
– Não seria muito agradável se encontrassem uma professora e um aluno trancados no
armário do zelador, não é?! – sussurra, para que ninguém mais possa ouvir.
Sua voz baixa e carregada de atrevimento faz o meu corpo estremecer. Minha cabeça se
enche com as lembranças tórridas da primeira vez que estivemos neste armário e tenho
vontade de rir ao perceber que ele continua tendo tanto efeito sobre mim quanto antes. Até
alguns dias atrás, provavelmente eu sentiria raiva de mim mesma por isso, mas o que posso
fazer se é a realidade?
Aceitar de uma vez é melhor do que sofrer querendo provar o contrário.
Os meus olhos vagueiam por seu corpo robusto e se detêm no sorrisinho sem-vergonha que
continua em seus bonitos e apetitosos lábios. Meu estômago revira ansioso. Posso sentir o
calor da sua respiração bater contra os fios do meu cabelo, assim como o de sua palma que
permanece pousada sobre a minha boca, e o único pensamento que paira sobre mim é que eu
quero beijá-lo.
Oh, céus, e como quero!
Estar trancada aqui com ele não faz nada bem para a minha pobre sanidade. Menos ainda
para a minha débil dignidade. Principalmente por que a consciência de que eu o amo
loucamente, pisca igual a um outdoor no topo de um prédio na Times Square.
Tão grande e chamativo que é impossível não ver.
Porém, ainda que esse sentimento peça que eu lance tudo para o alto e me jogue nos braços
dele, o último fragmento do meu juízo diz que esclarecer essa história que vem nos
assombrando é crucial para decidir de uma vez o que acontecerá entre nós.
Recuperando o controle das minhas ações, ergo a mão para afastar o seu toque, mas sou
surpreendida quando ele mesmo o faz e dá três passos, escorando-se no pequeno móvel atrás
de si. Com os braços cruzados e a expressão mais séria, o garoto me observa por um instante
e suspira ao dizer:
– Eu disse que uma hora ou outra teríamos que conversar. E, bem, aqui estamos.
Tenho vontade de rebater, porém, fico quieta. Eu nem tenho motivos para isso, de qualquer
forma. Afinal, eu estava envergonhada o suficiente para não conseguir tomar uma iniciativa e
retomar essa conversa, logo, não posso criticá-lo por tê-lo feito. Embora esse não seja o
momento mais adequado.
– Me desculpe. – ele continua – Sei que o armário do zelador não é o melhor lugar, mas foi o
único que pude imaginar que você não fugiria de mim. – dá-me uma olhadela e solta um
risinho – Ah! E também o único onde eu provavelmente não vou ser atacado com algum
sapato voador.
Contenho a risada e balanço a cabeça devagar, concordando. Só de lembrar que o ataque com
o meu par de tênis, sinto as bochechas ardendo de constrangimento. Como eu pude ser tão
estúpida? Definitivamente, eu merecia o título de 'mulher mais estúpida' do ano - ou uma
camisa de força.
– Me desculpe. – murmuro, sem jeito.
Ele nega e sorri, como se dissesse que está tudo bem. Eu devolvo seu gesto, mesmo sabendo
que passei dos limites e poderia ter resolvido as coisas de outra maneira.
Se arrependimento matasse...
Deixo que um suspiro escapar, frustrada comigo mesma; John, até então calado, se remexe
um pouco desconfortável e trata de quebrar o silêncio:
– Eu sei que talvez você ainda não queria falar sobre o que aconteceu, mas eu peço que
escute o que tenho a dizer. Por favor.
O tom aflito em sua voz e o seu olhar suplicante me partem em duas. Respiro fundo e é o
bastante para que eu consinta. Ainda que certo receio me faça vacilar, eu preciso escutar as
suas explicações e tirar esse peso do meu peito. De uma vez por todas.
Tomando fôlego, ele crava seus grandes olhos escuros em mim e começa:
– Para explicar o que aconteceu, eu preciso primeiro esclarecer algumas coisas. Tudo bem? –
assinto e ele prossegue – Durante o ensino fundamental, eu queria vir para Londres. Como o
meu sonho é ser cantor e aqui na capital estão as maiores agências de músicos, não pensei
duas vezes em fazer de tudo para conseguir vir para cá. Afinal, é aqui que estão a maioria das
oportunidades.
Escuto-o atentamente. Saber dessa parte da sua vida, de como veio parar aqui por causa do
seu sonho, deixa-me estranhamente satisfeita. Embora eu estaria mais feliz se tivéssemos
entrado nesse assunto por outra razão, ao invés da nossa briga.
– Quando a minha antiga escola na Cornualha comunicou que este colégio tinha aberto vagas
para bolsistas, eu me inscrevi imediatamente. Os professores diziam que as chances de entrar
com bolsa eram praticamente impossíveis, por se tratar de um colégio de elite. Mas, como eu
sempre fui muito bom nos estudos, acreditei no meu potencial e estudei feito um maluco.
Acho que fiquei por quase dois anos me preparando.
Wow! Dois anos?! E eu achando que o 'aluno de ouro' tinha simplesmente feito a sua magia e
entrado no colégio sem muito esforço. Como sempre, eu estou enganada.
– Além disso, no tempo em que me preparei, juntei algum dinheiro para as despesas que
eventualmente teria aqui em Londres. Moradia, alimentação... O básico para sobreviver até
que eu arrumasse um emprego de meio período. Estava tudo planejado. Tudo! Mas as coisas
não aconteceram bem como eu esperava...
– O que aconteceu? – indago, incapaz de segurar a curiosidade.
– Depois que eu recebi a confirmação de que tinha passado, cheguei a capital com uma
pequena quantia em dinheiro, já que deixei o restante na conta do banco e logo tratei de
arrumar um lugar para ficar. Foi então, os meus planos começaram a desandar. – respira
fundo, inquieto, provavelmente relembrando do que passara – Descobri que as moradias
nessa cidade são bem mais caras do que havia pesquisado na internet. Tipo, beeeeem mais
caras. Então fui obrigado a dormir em um hotel caindo aos pedaços. Além disso, fiquei
sabendo que o colégio proíbe os alunos de ter qualquer tipo de trabalho, até os de meio
período. Ou seja, eu estava fodido!
Vejo-o coçar a nuca de maneira nervosa e em seguida enfiar as mãos nos bolsos da calça. Ele
fica em silêncio por uns segundos, mas não demora a recomeçar:
– No início, fiquei em pânico por pensar que não poderia arrumar um emprego, sem contar
que ainda estava sem casa. Mas, apesar de tudo, tentei ser positivo e continuar procurando
um lugar para viver e me virar com o dinheiro que estava no banco. Ah, sim, eu estava
realmente empenhado em fazer dar certo todo o meu esforço. Até sofrer um golpe e todo o
meu dinheiro desaparecer repentinamente da porcaria do banco.
– Como assim?
– Digamos que eu tenha sido roubado.
– Você o que? – solto, me esforçando para não gritar.
– Pois é. – dá de ombros, desgostoso – Da noite para o dia, todo o meu dinheiro desapareceu
e eu não consegui recuperá-lo. O pior é que o filho da puta dono do hotel me expulsou dias
depois, mesmo eu dizendo que não tinha para onde ir e, bem, eu acabei na rua.
Desacreditada com o que acabo de ouvir, encaro-o, sem a mais vaga ideia do que pensar.
Sinto o coração bater forte contra o peito.
Seus olhos cheios de sinceridade me vislumbram e não me deixam duvidar um segundo que
seja, e posso notar que a parte que tanto esperei finalmente chegou.
Inconscientemente, engulo em seco.
– E é nesse momento que o Andrew entra. – diz, em um suspiro – Graças ao Jimmy, nós nos
tornamos amigos muito facilmente e nós três vivíamos juntos, até que o grupo se formou.
Depois disso, nos tornamos inseparáveis. Na época, nenhum deles sabia da minha condição
financeira, sequer sabiam que eu era bolsista. Eu ainda estava receoso de que os meus três
anos aqui fossem virar um inferno caso alguém descobrisse.
Balanço a cabeça, como um bonequinho. Eu entendo o que quer dizer. Ser bolsista em um
lugar como este é quase ofensivo e a maioria dos alunos não gostam deles. Chega a ser
surpreendente como isso parece não fazer diferença quando se trata de John.
– Bem, a questão é que o Andy me encontrou naquele beco atrás do estacionamento do
colégio enquanto voltava para casa, depois de suas aulas extracurriculares. Era a minha
segunda semana na rua, se não me engano. Eu tinha dormido em todos os lugares que você
possa imaginar: terminais de ônibus, dentro das estações de metrô.... Até terminar em um
beco. – solta um riso debochado – Engraçado pensar que as coisas só acontecem comigo
quando estou em um beco.
Sei ao que se refere, do dia em que nos declaramos no beco atrás do karaokê. Sorrio triste ao
relembrar de como ele largou a bicicleta para me tomar nos braços e confessar que sentia o
mesmo. Eu estava tão feliz. Nós estávamos tão felizes.
– O Andy me acolheu na casa dele, embora nos conhecêssemos a pouco tempo. Não fez
perguntas ou apontou o dedo, só... Me deu um lugar para ficar. Claro que me vi na obrigação
de explicar o que tinha acontecido, afinal, ele foi muito bacana em ajudar. Foi aí que a ideia
do empréstimo veio à tona.
– Empréstimo?
– Sim. Ele me fez uma proposta, disse que emprestaria a quantia que fosse preciso para eu
conseguir uma casa decente e me mantivesse até arranjar um emprego, ainda que fosse
proibido. Os pais do Andy são produtores muito famosos e dinheiro é uma coisa que não
falta para eles, ao contrário de mim. Eu estava sem casa e um tostão para comer, então, não
precisou de muito para que eu concordasse.
Dá uma pausa e esfrega as mãos contra o rosto. Respira fundo. Pelo jeito, essa história está
longe de ser a sua preferida.
– Graças à ele, eu sai da rua e arrumei uma casa. Não é a mesma em que eu vivo hoje, antes
que pergunte. E por essa razão prometi que trabalharia e devolveria cada centavo o mais
rápido que eu pudesse. Mas, para um garoto de dezesseis anos, ter um trabalho que pagasse
bem era quase um milagre. Ou seja, eu só tinha dinheiro para comer e pagar uma ou outra
conta. E a dívida foi se estendendo...
Repentinamente, ficamos ambos quietos. Suas palavras giram e giram dentro da minha
cabeça, tão rapidamente que posso sentir uma enxaqueca se formando; John mantem seu
olhar preso em qualquer outro ponto do armário, com as bochechas inusitadamente
ruborizadas, enquanto eu tento assimilar o que contou.
E, como num estalo, juntando dois mais dois, tudo faz completo sentido. Meus olhos dobram
de tamanho e não posso segurar um ofego surpreso.
– Não me diga que você...
– Eu não me orgulho do que fiz, mas era a minha única opção. – suspira, aborrecido – Não
pense que o Andy me obrigou, longe disso. Por causa da nossa aproximação, acabamos
trocando alguns beijos no tempo em que fiquei na casa dele e uma coisa levou a outra.
Entende?!
– Então, você... Você transou com o Andrew para pagar sua dívida?! – questiono outra vez,
assombrada, mesmo sendo óbvio.
Ainda sem olhar para mim, ele assente e fico entre sentir alivio e espanto.
– Mas, e os seus pais? – indago – E o Jimmy? Vocês são melhores amigos desde que viviam
na Cornualha, não?! Poderia ter pedido ajuda a ele e...
– É mais complicado do que você imagina. O Jimmy não sabia de nada. E eu pedi para que o
Andy não contasse, pois já estava envergonhado demais para que alguém mais descobrisse a
minha situação. Embora, eventualmente, todos souberam depois.
– Tudo bem, isso eu até entendo. Mas, e os seus...
Calo-me ao receber um olha pesaroso. Pelo jeito, este assunto é algo que ele ainda não está
preparado para falar comigo. Apesar da curiosidade, eu vou respeitá-lo; um tanto
constrangida, pigarreio e volto ao rumo da conversa:
– Então quer dizer que, por todo esse tempo, você esteve dormindo com o Andrew somente
para quitar aquele empréstimo?!
– No começo, sim. Mas quando eu consegui um emprego melhor, o que eu tenho agora,
achei que o certo seria devolver tudo o que peguei, ao invés de simplesmente dar-lhe sexo em
troca. E foi exatamente o que eu fiz. No início do ano, eu quitei a dívida.
– Espera! Se você conseguiu pagá-lo, por que continuou transando com ele?
Uma sensação ruim se apossa do meu peito. Sem permitir que desvie os olhos de mim, noto-
o hesitar por um instante, e em seguida soltar o ar com força dos lábios.
– Porque era cômodo para nós dois. – explica, um pouco envergonhado – Por que somos
amigos e não haviam cobranças. Eu podia ficar com quem quisesse e o mesmo valia para ele,
mas, ainda assim, continuávamos dormindo juntos. Era... Sei lá... Só era conveniente. Além
disso, eu ainda matinha aquele sentimento de consideração e...
– Você transava com ele por consideração?!
– É estranho, eu sei. Mas ele me ajudou e muito, e eu não poderia ser indiferente a isso.
Andrew dizia que gostava de estar comigo e, bem, eu também gostava. Ainda que não
houvesse outro sentimento além de consideração e amizade nos envolvendo. Por isso que eu
levei adiante. Mas então apareceu você...
Seus redondos e expressivos olhos negros me encaram subitamente.
– Quando você entrou no colégio, Clara, eu perdi a cabeça. Te achei tão linda que, no
momento em que percebi, já não tirava mais os olhos de você. Claro que a minha intenção
era somente sexo e foi como de fato começamos, porém, com o passar do tempo, me senti
cada vez mais atraído e percebi que o meu coração batia mais intensamente do que jamais
bateu antes. Porque eu me apaixonei por você.
Minhas pernas se tornam duas gelatinas de tão moles, tanto que sou obrigada a me apoiar na
estante onde fizemos amor. Minha respiração acelera ao notar sua mão erguer-se no ar, com
desejo de me tocar, mas ele a recua e permanece no mesmo lugar. Sei que provavelmente
esteja se controlando para não fazer o mesmo que fez em minha casa e estragar outra
oportunidade de resolvermos as coisas. Eu o agradeço por isso, mas não posso deixar de ficar
decepcionada.
Eu quero o seu toque.
– Desde então, eu parei de encontrar outras pessoas e também o Andrew. – respira fundo,
mordendo o lábio logo depois – Pois a única que eu queria e continuo querendo é você,
Clara. Não fazia sentido estar com outras e outros se apenas você é capaz de dar o que eu
preciso.
– Johnie...
Um sorrisinho tímido surge em seus lábios e só então reparo que o chamei pelo apelido. Fico
um pouco encabulada, mas também sorrio. Estava com saudades de chamá-lo assim.
John continua explicando tudo o que não lhe dei a chance e eu apenas escuto
cuidadosamente. Ele conta como Andrew começou a ameaçá-lo por mensagens, dizendo que
revelaria para todo o colégio que os dois tinham um "caso" e que também falaria sobre nós,
embora tivesse quase certeza de que não faria isso.
Menciona ainda que tentou de todas as maneiras conversar com o amigo e ele sequer lhe deu
ouvidos, e a situação se tornou uma bola de neve. E só o que eu tenho vontade de fazer é me
estapear por ser uma completa idiota e chutar a bunda de Andrew Lee até mandá-lo para a
Lua.
Aquele patife juvenil, com certeza, está no topo da minha lista negra!
– Naquele dia, eu o chamei para conversar e esclarecer as coisas de uma vez por todas. Disse
tudo o que precisava dizer e fui sincero ao declarar que não sentia o mesmo que sentia por
mim. De começo, ele não aceitou bem e nós até chegamos a discutir, mas logo a ficha dele
caiu e as coisas "aparentemente" se resolveram. Foi aí que pediu o último beijo.
– Como é que é?
– Ele pediu que eu o beijasse a última vez, antes de terminarmos com tudo e cada qual seguir
o seu rumo. Bem, admito que achei muito estranho essa aceitação tão repentina, mas, ainda
que relutante, concordei em dar-lhe um beijo. Só que você apareceu de repente e tudo se
tornou um caos! Eu fiquei em choque e simplesmente não consegui abrir a porra da boca
para explicar que era, de alguma forma, um mal-entendido.
Posso sentir o frio do chão com o meu queixo, de tão caído que está.
Merda! Mil vezes merda!
– Eu fui muito estúpido em aceitar uma idiotice daquelas, admito. – prossegue – Mas, em
momento algum, eu fiz aquilo para te magoar. Eu deveria ter dito desde o começo o que
rolava entre Andrew e eu, mas fiquei com medo de que não aceitasse. Quer dizer, o fato de
eu ser bissexual, sem contar que eu agi praticamente como um garoto de programa...
– John! – corto-o, tendo sua total atenção – Não diga mais isso.
– Mas...
– Você não agiu como um garoto de programa e ponto final. E sobre a sua bissexualidade,
não importa. Foi surpreendente sim, mas eu nunca o julgaria por isso.
O garoto balança a cabeça e concorda. Silenciosamente, encaramos um ao outro.
A raiva dentro de mim ganha outro alvo. Na verdade, o verdadeiro causador de toda essa
confusão. Andrew Lee tem muita, muita sorte de ser meu aluno. Caso contrário, eu não
pensaria duas vezes em jogá-lo da Ponte da Torre de Londres.
Me pergunto até onde aquele garoto foi para separar nós dois e provocar toda essa bagunça.
Manu tinha razão ao dizer que eu deveria ter escutado John ao invés de ter cedido as pirraças
de Andrew. Assim como deveria ter presumido que a maioria das suas provocações não
passaram de mentiras e versões deturpadas da verdade.
Eu sou muito burra!
– Eu não estou pedindo para acreditar no que digo. E muito menos que entenda de uma vez.
O murmúrio dele me traz de volta à tona.
– Sei que, de alguma forma, eu machuquei você e que talvez... Que talvez a verdade não faça
muito diferença agora, mas eu precisava ser sincero e explicar o que realmente aconteceu. –
seus orbes escuros e inquietos me vislumbram intensamente, penetram a minha alma – Eu lhe
dei tempo para se acalmar e agora, depois de tudo o que contei, estou lhe dando tempo para
pensar se valemos a pena.
Pensar, pensar, pensar... Para a merda com essa coisa de pensar!
Será que as pessoas acham que eu sou capaz apenas disso?
– Eu quero, droga, e como quero estar com você. Não suporto ficar mais um segundo longe,
Clara, mas não posso pressioná-la ou fazer que isso dê certo se não estiver disposta a tentar,
apesar de todas as proibições que temos. Eu estou mais do que preparado para enfrentar o céu
e a terra por você, só que se for para amar sozinho, eu prefiro matar esse sentimento antes
que ele me destrua.
– Johnie...
Nesse momento, meu coração dá de dez à zero em uma escola de samba. Ele acabou de dizer
"amar"?! Ele disse mesmo isso? Ele também me ama?!
Oh, céus! Oh, céus!
Acho que vou ter um treco.
– O nosso recesso de duas semanas começa daqui a dois dias, não é?! – pergunta.
– Sim.
– Então, quando nós voltarmos... Você... Você pode me dar uma resposta?
Duas semanas? Ai, Berryann, eu não sei se sou capaz de esperar malditas duas semanas para
dizer o óbvio. Nós valemos muito, muito a pena. E eu não sei como pude ser tão idiota de
duvidar disso.
– Vou considerar o seu silêncio como um 'sim'. – diz e, por longos segundos, me observa –
Acho que já passamos tempo demais aqui dentro, alguém pode aparecer.
– É, eu... Eu também acho.
– Vou sair primeiro. Espere um pouco e depois saia, ok?!
Consinto, com as lembranças do dia em que estivemos aqui pela primeira vez sobrevoando
os meus pensamentos; John se vira para sair como disse, mas detém o passo ao levar a mão a
maçaneta. Seus olhos escuros encontram os meus, e há tanto desejo neles que sinto cada pelo
do meu corpo eriçar.
Me beije! Me beije! Me beije!
O meu interior grita, suplicante. O seu pomo de Adão sobe e desce, ansioso, e só falto gemer
ao vê-lo pressionar o lábio inferior com força entre os dentes, do jeito que sempre faz para se
conter.
Oh, droga! Não se contenha e apenas beije logo a minha boca, John Berryann.
– Tome cuidado ao sair. – ele sussurra e, simplesmente, desaparece porta a fora.
Todas as minhas forças se vão e desabo na estante atrás de mim. Mas que porcaria!
Como vou suportar mais duas semanas longe desse garoto?
Capítulo 02
Durante alguns segundos, com a pulsação à mil, observo o pequeno móvel onde até então
John estava, enquanto absorvo o que acaba de acontecer dentro deste armário.
Sua história, seus sentimentos e, principalmente, a forma como disse estar disposto a lutar
por nós. Tudo veio tão repentinamente e certeiro, que tenho vergonha de lembrar que o
julguei sem saber nem um terço da sua verdade.
E, céus, isso me perturba. Imaginar que fiz tantos prejulgamentos estando cega pela
ignorância e pela raiva me perturba. Só não perturba mais do que o pensamento de que eu
poderia ter tomado a iniciativa e o beijado ao invés de continuar parada como uma completa
tonta, do exato jeito que estou agora.
É uma atitude tão patética, que chega a me dar pena.
Sinto o sangue correr outra vez no corpo e, num ímpeto de coragem, abro a porta às pressas.
Olho para os dois lados no corredor e nem sinal dele, apenas o vazio e o som distante dos
alunos indo para as suas casas. Suspiro, desapontada. Óbvio que ele não estaria me
esperando do lado de fora, justo no lugar onde TODOS os professores e a excelentíssima
diretora vivem andando de um lado para o outro.
Ah, claro. Porque ele se daria ao luxo de levantar ainda mais suspeitas desse jeito.
Bato a testa contra a parede, tanto pela frustração de não encontrá-lo como por só agora notar
a estupidez que foi abrir a porta sem levar em consideração que alguém poderia estar
passando no corredor. Como se fosse super normal estar andando e encontrar uma professora
saindo do armário do zelador, sem sequer ter uma razão para isso. Oh, super normal e nada
suspeito...
Frustrada, volto para a sala dos professores e nem penso duas vezes em enfiar as atividades
para corrigir na bolsa e tomar o rumo de casa. Se eu continuar aqui, tenho certeza de que não
vou conseguir me concentrar em absolutamente nada - embora em minha casa possa
acontecer exatamente o mesmo. De qualquer forma, prefiro ficar me remoendo na presença
da Manuela do que sob os olhares dos outros professores.
Depois de despedir-me dos demais e do dono do armário na saída do estacionamento, com as
bochechas nitidamente coradas, pego um táxi na frente do colégio e em minutos estou na
frente de casa.
Para a minha surpresa, encontro Manuela assim que abro a porta, trabalhando em algo na
frente do laptop. Ela olha para trás, me cumprimentando com um sorriso rápido, mas ao notar
a expressão de "bocó" que provavelmente eu estou, franze as sobrancelhas e me chama com
um gesto.
– O que foi? – pergunta, dando espaço para que eu sente ao seu lado.
Largo a bolsa juntamente com as pastas na poltrona e solto um suspiro ao afundar no sofá.
Manuela fecha o laptop e se ajeita para ficar de frente para mim.
– Deixa eu adivinhar, o seu problema começa com John e termina com Berryan. Certo?!
Faço uma careta involuntária. Odeio quando ela fala desse jeito, me taxando de previsível -
ainda que seja verdade. Encaro-a, em dúvida se conto o que ocorreu ou fico calada só por sua
tentativa de ser engraçadinha. No fim, decido abrir o jogo.
Descrevo detalhadamente para a minha amiga o que se passou dentro daquele armário e
posso assegurar que suas caras e bocas são iguais as minhas. Assim como eu, Manuela não
esconde a surpresa por tudo o que está escutando, porém, esta surpresa logo é substituída
pelo ar de deboche no instante em que termino de falar.
– Está para nascer uma pessoa mais lerda do que você, Clara.
– Como é?
– Você não tem mãos, por acaso? Se você viu que o garoto não te beijaria, desse você um
beijão na boca dele. Ora essa... E ainda tem coragem de ficar se martirizando para cima de
mim.
– Consegue imaginar o quão sem reação eu fiquei depois de tudo o que ele contou? O garoto
nem espero que eu recuperasse um pouco os sentidos antes de sair do armário e me largar
para trás.
– Tivesse puxado ele de volta, ué. – dá de ombros.
Abro a boca, incrédula. Manuela crispa os lábios, em puro cinismo, e aquela vontade de jogá-
la para fora e colocar outra pessoa em seu lugar volta a ser bastante tentadora.
– Eu odeio você, sabia?! – digo.
– Odeio só porque sabe que eu estou com a razão.
Permaneço quieta e ela sorri, vitoriosa.
– Além disso, você me ama. E nem tente negar isso.
– Você tem sorte que eu amo mesmo. – solto uma risada e afundo mais no sofá. A seriedade
retornando a conversa – O que devo fazer, Manu? Sinceramente, eu acho que não sou capaz
de esperar duas semanas inteiras. Não se trata nem da explicação dele, apesar de ter feito
alguma diferença, mas é que eu não aguento mais.
– Olha, amiga, eu imagino como deve estar se sentindo. Mas se o John pediu essas duas
semanas do recesso, talvez seja melhor dar esse tempo a ele. Quer dizer, ele também deve ter
sofrido com toda a situação e o menosprezo que sofreu, sem contar os tênis voadores. – dá
uma risadinha, mas logo fica séria de novo – Talvez ele mesmo precise desse tempo para
colocar os sentimentos em ordem antes de confrontá-la e ter uma resposta definitiva.
Meu corpo entra em alerta. Me endireito no sofá, sentindo todos os músculos enrijecerem e
uma sensação ruim invadir o peito. Encaro a minha amiga, apreensiva.
– Você acha que o Johnie pode...
– Se arrepender? – completa e eu consinto – Óbvio que não, né, Clara. Ou você acha mesmo
que se ele fosse desistir de você, teria me implorado para deixá-lo entrar aquela no...
Manuela cobre a boca e arregala os olhos, sinais de que falou mais do que devia.
– Como é que é, Manuela? – estreito os olhos, mandando o fuzilar mais mortal – Foi você
que deixou o John entrar aquele dia?
Ela coça atrás do pescoço, olhando para todos os lados, menos para mim.
– Manuela!
– Ah, o que eu poderia fazer? O garoto estava desesperado, coitadinho. Eu lá iria saber que
você surtaria e o trataria daquela forma?
– Mas a senhora sabe muito bem como eu ajo quando estou nervosa.
– Ora, você disse que tudo estava sendo tão diferente com ele, que imaginei nesse quesito
também seria.
– Ah, claro. Foi bem diferente mesmo. Tanto que eu me descontrolei como nunca imaginei
que poderia na vida e quis destruir o quarto todo na cabeça dele.
– Está querendo dizer que a culpa do tênis voador é minha? – indaga.
– Tecnicamente, a culpa é sua mesmo. Você deixou ele entrar.
– Se eu não tivesse deixado o John entrar, vocês não teriam se pegado também. Ou seja, nem
foi de todo o ruim. – dá de ombros outra vez.
Reviro os olhos, desacreditada. Queria que tudo fosse simples assim, do jeito que ela faz
parecer ser. Bom, talvez seja mesmo e eu que estou complicando as coisas, como sempre.
– Pois bem. – bato nos joelhos, dando impulso para levantar – Vou fazer o que disse e o que
ele pediu. Vou esperar até que recesso acabe e então lhe darei uma resposta, por mais óbvia
que ela seja.
– Faça isso.
– A questão agora é: será que vou aguentar mais duas malditas semanas?
– Eu sei que você está ansiosa, Clara. Mas agora que o John explicou o que realmente
aconteceu e ainda contou uma parte bastante difícil da vida dele, o melhor é esperar ou você
pode acabar dando a entender que só voltou porque soube que ele não tem tanta... Como
dizem no seu país? Ah! Culpa no cartório assim.
– Ai, Manu... – respiro fundo – Eu vou tentar, okay?
Manu consente e belisca ambas as minhas bochechas.
– Ooowwwnnnn... Quem diria que a minha Clarinha estaria tão apaixonada assim?!
– Eu o amo, Manu. – confesso num sussurro e ela arregala os olhos, emocionada.
– Sério?!
Sorrio um tanto constrangida e balanço a cabeça, confirmando.
– Ai, meu Deus! Claaaaraaaaaa....
Ostentando um sorriso de orelha a orelha, Manuela me abraça com força e tombamos no
sofá. Ela me esmaga com um abraço de urso e caímos na risada, ambas loucamente
apaixonadas.
[...]
Apesar de ainda estarmos seguindo o sistema de nos ignorarmos mutuamente, posso sentir
que não há mais aquela tensão entre John e eu. Vez ou outra, pego-o me observando e já não
desvio ou lhe dou um de meus olhares gélidos, apenas o encaro do jeito que também o faz,
para então retomarmos os nossos respectivos lugares.
Eu, a professora.
Ele, o aluno.
Porém, a cada mísero instante, tenho vontade de quebrar essa barreira e tê-lo de volta. Meu
garoto, meu amante, meu amor. Contudo - e ainda que muito contrariada - sei que preciso dar
o seu espaço, da mesma forma que fez comigo, e esperar até que o tempo se esgote e eu
possa, enfim, dar-lhe a minha resposta.
Ocupo a minha cabeça com tudo o que me parece interessante, somente para conter as
lembranças de nós dois que vivem rondando os meus pensamentos e angustiando o meu
coração mais do que já está.
E é assim que os dias se vão e o recesso finalmente chega.
Sem atividades para corrigir e morrendo de saudades do meu garoto, me concentro nos
treinos para a competição de BMX que acontecerá e troco mensagens com Jimmy, que se
tornou o meu - ainda que inusitadamente - informante. Me sinto até uma stalker por saber
cada passo que o garoto dá, ainda que toda a informação esteja sendo passada pelo amigo
dele.
A semana se arrasta entre treinos de bicicleta e maratonas de séries no Netflix e, na sexta-
feira, decido tirar o dia para descansar. Afinal, a competição é amanhã e precisarei de toda a
energia que tiver para conseguir uma boa classificação.
Deitada na cama e sem um pingo de vontade de levantar, pego o celular para checar as redes
sociais e me surpreendo ao ver a data. Hoje é o dia da audição de John.
Cogito seriamente pegar o carro emprestado com Manu e dirigir até o local da audição,
porém, não faço a mais vaga ideia de onde seja e a essa hora ele já deve estar prestes a entrar,
então desisto. Além disso, tenho certeza de que ele não gostaria de me ver por lá.
Dou um impulso para sentar e encaro fixamente a tela do aparelho. Meus dedos coçam para
enviar-lhe nem que seja uma mensagem, desejando 'boa sorte', mas eu apenas continuo
observando o celular em minhas mãos, como se ele fosse captar os meus desejos e mandar a
mensagem sem que eu precise digitá-la.
Por longos segundos, fico nesse embate, até que Jimmy surge na minha cabeça. Se eu tenho
um "informante", posso muito bem perguntar a ele; procuro o seu número e disco assim que
encontro. Inquieta, espero que atenda.
"Alô?!"
– Jimmy?!
"Ah, professora Clara. Olá!"
– Oi...
"Aconteceu alguma coisa?" – pergunta, num tom preocupado.
– Para falar a verdade, não. É só que, bem, o John... Eu lembrei que hoje é a tal audição e eu
gostaria de saber se ele comentou algo com você.
De repente, a ligação fica muda. Franzo as sobrancelhas. Penso que desligou, mas posso
ouvir sua respiração do outro lado e então suponho que esteja fazendo alguma coisa. No
entanto, o silêncio torna-se incomodo depois de alguns segundos escutando o seu respiro.
– Jimmy?! Ainda está aí?
"Ah, sim. É só que..."
– Que?
"Escute, professora Clara." – ele respira fundo e é o suficiente para eu saber que algo não
está certo – "Eu não queria lhe contar isso, mas..."
– Mas...?
"O Johnie não vai participar da audição."
– O quê? – arregalo os olhos, perplexa – Por quê?
"Alguns funcionários estão de férias do karaokê e os garçons ficaram encarregados de
cobri-los, o que também o inclui. Ele até tentou encontrar alguém que pudesse substitui-lo,
eu mesmo me ofereci, mas aquele cabeça-dura negou alegando que eu não poderia faltar as
aulas de dança. E que estaria bem se precisasse fazer a audição só o ano que vem."
Ofego, desconcertada. Não posso acreditar que ele vai desistir da audição por causa do
trabalho. Eu sei que é o que lhe põe comida na mesa e paga as contas, mas... Céus... Como
pode agir tão trivialmente com o sonho que sempre o impulsionou?
Não. Eu não posso deixar que abra mão disso.
– Ligue para ele, Jimmy.
"O que?"
– Ligue para o Johnie e diga que encontrou alguém para substituí-lo no serviço.
Dou um salto da cama e vou direto para o armário. Pego a primeira roupa que encontro;
ajeito o celular no ombro e começo a me trocar.
– E depois mande-o ir direto para a tal audição. Se ele correr, talvez dê tempo de chegar e
participar.
"Professora, não me diga que..."
– Sim, eu vou fazer isso. – solto um suspiro, descrente da minha própria ideia – Eu sei o
quanto ele estava animado e se preparou para essa audição.
Alcanço a carteira sobre a cômoda e jogo dentro da bolsa, correndo feito louca de um lado
para o outro. Por um triz não meto o dedinho na quina da cama.
– Então, não posso simplesmente ficar de braços cruzados e deixá-lo perder essa
oportunidade. Seria muito injusto.
Novamente suspiro. Coço o pescoço. Apesar de ainda estarmos afastados e as coisas não
estarem totalmente resolvidas entre nós, eu o amo e não posso ser indiferente ao sonho que
tanto o incentivei a seguir. Se eu posso ajudá-lo, não hesitarei em fazê-lo.
Por ele, eu faço.
"Mas, professora Clara, a sua competição é amanhã. Você precisa descansar e..."
– Sim, eu sei. Mas, como você disse, é apenas amanhã. E hoje é hoje.
Ouço uma risada abafada do outro lado e sei que apoia totalmente a minha atitude doida e
repentina. Se tem alguém que deseja tanto quanto eu que John alcance a sua ambição de ser
musico, com certeza é o Jimmy.
Enquanto troco palavras com o garoto no celular, aproveito para abotoar a calça mesmo que
desajeitadamente e correr até o quarto da Manu para pedir as chaves do carro, as quais recebo
depois de uma mímica chinfrim e uma promessa de contar o motivo depois de voltar.
– Como eu conheço bem o seu amigo e sei que vai se opor caso saiba que sou eu, arrume
uma desculpa e diga que é um conhecido qualquer. Em hipótese alguma diga que sou eu a
substituta, entendeu?!
"Pode deixar."
– E convença-o rápido. Me ligue assim que tive certeza de que ele vai para a audição.
Sem mais, encerro a ligação e disparo para a garagem. Saio logo em seguida.
No caminho, recebo a mensagem de Jimmy, confirmando que o amigo foi para o lugar da
audição e não posso deixar de sorrir ao saber que ele ficou muito animado por ter a chance de
apresentar-se e, principalmente, por saber que estou ajudando-o a dar o primeiro passo para o
seu sonho.
Diante a porta dos fundos, no beco onde um dia nos declaramos, toco a campainha quase
escondida e percebo que as minhas mãos soam um pouco. Limpo no jeans e em segundos
surge uma mulher de cabelos curtos e escuros, que se identifica como a gerente. Apresento-
me como sendo uma amiga de John e penso em dar outro nome para não ser reconhecida
depois, mas acabo dando o verdadeiro para não causar problemas depois.
Sou levada para a área dos funcionários e recebo um uniforme para começar a trabalhar. É
praticamente igual ao que John usa, a não ser pela saia e a gravata borboleta; visto-me às
pressas, faço um coque simples nos cabelos e deixo as minhas roupas no armário indicado.
Após uma explicação breve, enfim, entro em ação. O trabalho em si não é difícil, só há muito
o que fazer, especialmente porque a equipe está desfalcada por aquele que estão de férias.
Contudo, nada que eu não possa dar um jeito.
No decorrer das horas, eu corro de um lado para o outro, atendendo os clientes e levando
aperitivos nas salas. Quando troco de posto com um garoto chamado Carlos, que lembro
vagamente da última vez que vim aqui, fico encarregada de preparar as salas para os
próximos clientes.
Limpo as mesas, o chão, recolho os utensílios sujos e organizo os equipamentos nas estantes
correspondentes, e começo a me arrepender por pensar que o serviço não seria tão puxado
quanto parecia ser.
Como o Johnie aguenta essa rotina?
Procuro não dar muita importância e sigo trabalhando. Pela milésima vez, penso nele e em
como deve estar agora. Oh, estou tão nervosa!
Será que chegou a tempo?
Será que se apresentou?
Será que foi bem?
Sinceramente, eu espero que a resposta seja 'sim' para todas essas perguntas.
Um pouco depois das cinco, o turno termina. Sentindo cada parte do corpo doer mais do que
o necessário, mas sem tirar um sorriso amável do rosto, vou até a sala da gerência para
receber o pagamento e surpreendo a tal gerente pedindo que guarde o dinheiro e entregue ao
seu empregado que substitui, no turno de amanhã.
– Mas, por que devo entregar esse dinheiro ao John? Você que trabalhou hoje e...
– Estou em débito com ele e essa é a quantia exata que faltava para pagá-lo. – minto, na
maior cara de pau. Eu não preciso desse dinheiro, de qualquer forma.
– Você tem certeza? Não quer entregar pessoalmente?
– Eu não tenho muito tempo disponível e mal o vejo, por isso prefiro que entregue.
– Bom, que seja. – dá de ombros e guarda o envelope na gaveta – Muito obrigada por vir
substitui-lo hoje e ter nos ajudado tanto.
Com uma breve reverência e sorriso, despeço-me da gerente e estou livre para tomar o meu
rumo e descansar. Finalmente!
Com cada centímetro latejando de tanto esforço, estaciono na garagem e me arrasto para
dentro de casa, a qual encontro escura. Manuela provavelmente está dando aula no horário da
noite; ainda rastejando, entro no banheiro e entrego-me a uma chuveirada quentinha e
relaxante. Fico debaixo d'água até os dedos enrugarem e o sono falar mais alto. Visto o
roupão felpudo depois de me secar e caio na cama, com um sorriso - mesmo que exausto - no
rosto, adormecendo sem ao menos perceber.
O alarme do celular toca estridente ao meu lado e tenho que lutar para não apertar o 'soneca'
e voltar a dormir. Ainda que relutante, abro os olhos e vejo que são oito da manhã. Ou seja,
falta um pouco mais de três horas para a competição e eu ainda nem comecei a organizar o
meu equipamento e inspecionar a bicicleta.
Embora o meu corpo doa, levanto o mais rápido que consigo e vou para o banheiro fazer o
que preciso fazer. Não demoro muito, coloco a primeira roupa confortável que encontro e
vou para cozinha atrás de comida. Manuela, milagrosamente, está acordada e fazendo o
nosso café da manhã. Sorrio para ela, mais feliz do que estou há dias.
– Como está se sentindo? – pergunta.
– Ansiosa.
– Tenho certeza de que vai se sair bem.
– Eu espero que sim. – respiro fundo, tentando conter a excitação – Você vai, não é?!
– Eu não perderia isso por nada. – sorri.
Tomamos o café juntas e, assim que termino de comer, vou checar tudo o que preciso levar
para o local da competição, deixando a louça a cargo da minha amiga.
Durante toda a manhã, não se escuta nada além dos meus passos apressados e gritos,
perguntando para Manuela onde está uma coisa ou outra; guardo todos os equipamentos
dentro de uma bolsa grande e, perto das onze, encaixo a BMX no porta-malas do carro
juntamente com a bolsa e vamos para o Olympic Park.
Independente do cansaço acumulado de ontem, estou eufórica por ser capaz de competir
novamente. Pelo olhar da minha amiga, devo estar parecendo uma criança, de tanto que me
remexo no banco. Mas, não importa, estou animada e ponto.
Por todo o caminho, gasto uma energia desnecessária cantando e dançando com a minha
amiga, e ao estacionarmos em frente ao grande complexo esportivo, sinto um friozinho
gostoso na barriga. Principalmente ao notar que várias pessoas estão indo assistir à
competição da qual participarei.
– Parece que você terá um público e tanto, hein?! – Manu brinca, me ajudando a descer a
bicicleta.
– Eu não imaginava que tantas pessoas gostassem de competições assim.
– Mais uma vez, fomos surpreendidas. – sorri e eu concordo – Vamos, você ainda precisa se
trocar e ajeitar os equipamentos.
Com a orientação de um segurança e a autenticação de participante, entramos na área dos
skatistas e posso ver a pista improvisada imitando os montes de terra e curvas que devemos
percorrer. Estou mais empolgada do que nunca!
– Aquele é o vestiário feminino. – a staff aponta para uma salinha atrás da arquibancada –
Assim que estiver pronta, se junte aos outros competidores.
– Muito obrigada! – agradeço e olho para Manu, pegando a bolsa do chão – Pode colocar a
bicicleta na concentração para mim?
– Deixa comigo.
Após uma piscadela, vou para o vestiário e encontro as outras duas competidoras, as quais
cumprimento gentilmente. Apesar de ser um campeonato misto, ainda são poucas as
mulheres que participam e aqui em Londres o número é bem mais reduzido. Comigo, somos
três, contra doze marmanjos.
Vestida com a camisola, a calça de malha e as sapatilhas antiderrapantes, pego o capacete e
as luvas e saio para arranjar o meu número de inscrição. Fico com o quarenta e oito, na
segunda bateria a sair. Para variar, sou a única mulher do grupo.
– Clara! Clara!
Me assusto ao ver Manuela correndo na minha direção igual a uma desesperada.
– O que foi, mulher? – indago.
– Antes que você veja e tenha um treco, é melhor eu avisar...
– O que?
Minha amiga aponta com a cabeça para a arquibancada e, mesmo sem entender, olho para
onde indica e - realmente - quase tenho um troço ao reconhecer a cabeleira castanha
ondulando com o vento e aquele par de olhos intensos que me encaram sem pudor algum.
Meu coração pulsa desenfreado. Meu estômago dá uma cambalhota.
Johnie está aqui. Oh, céus, ele está aqui!
Incrivelmente bonito com uma camisa preta larga e calça da mesma cor, além dos
inseparáveis Timberland, ele toma completamente a minha atenção. Entre Sebastian e
Jimmy, ao lado de Matthew, o garoto me observa com aquela expressão repleta de desejo e
seriedade, e começo a transpirar por debaixo da roupa.
'Paradise City' da banda Guns N' Roses começa a tocar e posso facilmente comparar os meus
batimentos com os acordes rápidos da guitarra do Slash. Sem conseguir tirar os olhos do
garoto que está enraizado em mim, dou uns passos perdidos para mais próximo da minha
amiga e sussurro, desorientada:
– O que ele está fazendo aqui?
– Não é óbvio?! Veio te ver, sua boba.
– Mas...
– Pelo amor de Deus, Clara, o que você quer afinal? Passo a semana inteira com cara de
cachorro abandonado e agora que o menino está aqui, fica com essa expressão de quem não
gostou? Definitivamente, eu não entendo você...!
– Lógico que não, sua idiota. É óbvio que estou feliz, é só que... Eu não pensei que ele
poderia vir. Quer dizer...
– Já entendi. – ela ri, apertando a minha bochecha – Mais um motivo para você ganhar essa
competição, ouviu?!
Sorrio, mas é de nervoso. Ótimo! Já estava ansiosa e agora estou mil vezes pior graças ao
olhar penetrante que, mesmo um tanto distante, parece despir a minha alma.
O anuncio do início da corrida soa e a pequena bolha que nos envolve é desfeita. Por mais
difícil que seja, agora é o momento de focar na competição; visto as luvas e com o capacete
encaixado no braço, levo a bicicleta rampa acima e me acomodo no lugar indicado, atrás do
primeiro grupo que sairá em largada.
A primeira bateria saí em disparado assim que o sinal de aviso toca. Agitada, de todas as
maneiras possíveis, respiro fundo uma e outra vez para me acalmar. E, por sorte, eu consigo.
Prendo bem o capacete, monto na bicicleta e espero o sinal para que o meu grupo também
saía. O que acontece quando os outros chegam ao final da rampa.
As travas se abrem e inclino corpo para pegar velocidade na descida. Salto os três primeiros
obstáculos com facilidade e ponho as pernas para trabalhar, ganhando mais e mais agilidade,
ficando ao lado entre a primeira e segunda posição, enfrentando o competidor número dez,
que parece não querer me dar trégua.
Na curva mais íngreme, ultrapasso o meu rival e tomo a liderança. O esforço extra do dia
anterior começa a dar sinais de vida, mas dou tudo de mim e atravesso a linha de chegada em
primeiro lugar. Com a adrenalina correndo nas veias, comemoro a minha classificação para a
próxima fase e instantaneamente os meus olhos procuram John na multidão e eu não demoro
nem meio segundo para achá-lo, vibrando ao lado de seus amigos, com aquele sorriso de
coelhinho que me derrete inteira.
As duas etapas seguintes seguem da mesma maneira e, enfim, chegamos a etapa final. Eu e
os últimos quatro competidores, ao som de Thunderstruck do AC/DC, nos preparamos para a
volta que decidirá os ganhadores e disparamos ferozes no instante em que as travas são
liberadas.
Passo os primeiros obstáculos sem problemas, mas, bem na curva, sou fechada e derrapo
com tudo. Faço uma manobra quase impossível para conseguir permanecer de pé e consigo,
diferente do competidor de trás, que cai e quase leva mais um consigo.
Pedalo com mais força e velocidade que sou capaz, mesmo sentindo as pernas cada vez mais
pesadas. Porém, na última e mais fechada curva, perco a terceira posição e acabo
atravessando a linha de chegada em quarto lugar. Bem, não posso reclamar. Para quem ficou
tanto tempo sem treinar, chegar em quarto está de bom tamanho.
Tiro o capacete e vejo a galera vibrando na arquibancada, descendo aos poucos para saudar
os ganhadores. Cumprimento e parabenizo a todos os que venceram, posamos para algumas
fotos, e a confusão ao nosso redor vai se formando. Querendo fugir de toda a aglomeração,
tento abrir espaço entre as pessoas para conseguir sair e paraliso ao ver Berryann parado em
meio a elas.
Meu coração martela contra o peito, forte e descontrolado.
Deixo que os sentimentos falem por mim e, antes que eu perceba, estamos a centímetros de
distância. O cheiro da sua colônia me acerta em cheio e o negrume dos seus olhos, que me
vislumbram com tanto ímpeto e paixão, trazem à tona o meu lado impulsivo.
Eu não posso mais esperar!
Me aproveitando da muvuca ao nosso redor, agarro-o pelo pulso, tomando cuidado para que
ninguém nos veja. Arrasto-o para a parte de trás da arquibancada e não posso conter um
sorriso ao reparar que o vestiário feminino está completamente vazio. Empurro o garoto para
dentro e passo o trinco na porta, consciente de que assim ninguém poderá nos interromper,
mesmo que queira.
Sozinhos, eu o encaro por um instante e sua expressão diz tudo. Incapaz de conter o furacão
de emoções que sinto, vou em sua direção e ao estar perto o suficiente para encostar o nariz
em sua camisa cheirosa, acaricio-o por cima do tecido fino e sussurro:
– Eu não posso esperar mais, Johnie.
– Clara...
– Eu juro que tentei dar o seu espaço, da mesma forma que fez comigo, mas... Eu não
consigo.
Tendo os seus olhos cheios de expectativa sobre mim, ponho-me nas pontas dos pés para
alcançar a sua boca e, num impulso de coragem, confesso:
– Eu amo você!
Noto que seus músculos enrijecem e seu coração acelera, assim como o meu. Estando com o
rosto próximo o bastante para sentir a sua respiração quente, observo a surpresa estampada
em seus orbes, mais escuros do que antes.
– Eu amo você e não vou cometer a mesma burrice duas vezes.
Sem dar-lhe tempo para dizer qualquer coisa, seguro firme o colarinho da sua camisa e o
beijo com toda a minha vontade. Por alguns segundos, ele continua surpreso, mas ao sentir
suas mãos fortes me reivindicando para si, esqueço até quem sou ao ser correspondida com
seus lábios selvagens colados fervorosamente sobre os meus.
Louca de saudades, eu o acolho dentro da minha boca e sua língua habilidosa me leva aos
céus. Seus dedos deslizam por meus braços e os guiam para o seu pescoço, eu o agarro e
ofego ao ser suspensa em seus braços fortes e posta contra a parede.
– Eu também amo você. – sussurra, sua boca colada a minha – Muito! Muito!
Eu sorrio. Sorrio, sorrio e sorrio. E o devoro com beijos como a mulher feliz que sou.
Capítulo 03
Deixo que o vestido caía no chão e debruço sobre o garoto estático no sofá. Sorrio, toda
safada, e dou uma mordidinha em seu lábio inferior. Ele suspira forte e eu fico louca. Suas
mãos se metem no tecido da cueca e agarram as minhas nádegas, massageando e apertando,
enquanto nosso beijo continua.
Intenso, quente e apaixonado.
As incômodas peças de roupa vão enfeitando o chão, uma a uma, e logo estamos ambos nus.
John pega-me outra vez nos braços, fazendo com que os meus mamilos esfreguem contra o
seu peito, e acabo gemendo ao senti-lo se posicionar.
– Segure firme. – ordena, tão ofegante quanto.
Eu o faço e sou incapaz de segurar um grito ao tê-lo inteiro dentro da minha vagina. Com a
força dos braços e como se eu fosse uma boneca, ele me move para cima e para baixo, me
empalando repetidas e repetidas vezes.
A sensação do choque entre as nossas pélvis é deliciosa, bem como do atrito entre os meus
seios e o seu torso duro, e eu só consigo gemer e implorar por mais.
Muito, muito mais.
Abro os olhos lentamente, sentindo um peso sobre as pernas e algo me enroscando pela
cintura, que logo identifico ser um braço. Bem forte, diga-se de passagem.
Forte e inegavelmente caloroso.
Fazendo certo esforço e tendo que reprimir um gemido ao receber com tudo as
consequências da noite louca e apaixonada que tivemos em minhas partes baixas, me reviro
no colchão e fico de frente para o rosto adormecido de John.
As lembranças da nossa farra noturna inundam instantaneamente a minha mente e eu me
pergunto como os vizinhos não chamaram a polícia depois de todo o barulho que fizemos
ontem, nas incontáveis vezes em que nos amamos.
Inevitavelmente, eu sorrio. Admito que seria um tanto engraçado se acontecesse.
Com as pernas entrelaçadas nas suas e o toque protetor ao meu redor, apoio a cabeça sobre a
palma da mão para observá-lo melhor, tão tranquilo em seu sono. A franja de fios castanhos
espalha-se por sua testa e cai desleixadamente por cima dos olhos, assim como os dentes
salientes à mostra, deixando-o com um ar realmente encantador.
Não que eu não tenha feito isso antes, mas, estranhamente, esse é um hábito que adquiri
desde que passei a frequentar a sua casa e dividir a cama consigo. E em todas as vezes que o
vislumbro assim, o meu coração enche-se de boas vibrações.
Esse é o meu mais querido segredo.
Suavemente, deslizo as pontas dos dedos sobre o seu rosto. A sensação dos pequenos pelos
ralos que crescem em seu queixo e abaixo do nariz, expressam a maturidade que, de longe,
sua aparência tem. Tão másculo e ao mesmo tempo tão juvenil. John é uma combinação
difícil de desvendar, e talvez seja exatamente por isso que eu amo tanto.
Sem qualquer vontade de parar, continuo a explorar sua pele amorenada. Acaricio a pequena
pinta sob os seus lábios, o seu pescoço, suas clavículas bonitas e saltadas, até chegar ao tórax
malhado e robusto. Porém, o que eu quero verdadeiramente tocar está mais para baixo,
coberto e delineado pelo fino lençol, o pedaço do qual me aproveitei enquanto me
embebedava com o seu desejo.
Me deleitando com a maciez do seu corpo, desço a mão por seu abdômen; afago sua coxa
encaixada por cima da minha; e me inclino um pouco para alcançar o seu belo traseiro, que
aperto sem muita força, só para sentir sua firmeza.
Oh, céus! Que bunda maravilhosa tem o meu garoto!
– Você realmente tem uma tara na minha bunda, né?! – sobressalto ao escutar sua voz áspera
de sono e afasto a mão por reflexo. Ele sorri – Bom dia!
– Bom dia.
Constrangida, tento recuar a mão e colocá-la em outro lugar, mas ele a segura com gentileza
e não permite que eu a afaste ainda mais.
– Pode continuar tocando, se quiser. Não me importo.
Feliz, eu concordo. Quem sou eu para dizer o contrário quando ele está tão disposto a aceitar
minha tara e deixar que eu o apalpe até cansar?
– Mas, é como dizem. – murmura.
– Como dizem o que?
– Olho por olho, dente por dente.
Sorrindo, dá-me uma palmada na nádega e a aperta. Porém, aquele incomodo de antes faz
com que eu resmungue de dor. Johnie se alarma com a minha reação e diz:
– O que foi? Machuquei você?
– Não. Não machucou, é só que... – solto um suspiro – Nossa brincadeira especial de ontem,
me deixou...Bem... Levemente dolorida.
Ele franze as sobrancelhas, confuso, mas logo entende ao que me refiro. Sua expressão se
fecha em constrangimento e culpa.
– Me desculpe.
– Ei, não faça essa carinha de culpado. Você foi perfeito, já disse. Mas como não fazia à
algum tempo, é normal que eu esteja sensível.
– Está doendo muito?
Sacudo a cabeça em negação. De fato, não dói, só é uma sensação desconfortável.
John me encara por um instante, procurando algum sinal de que seja mentira, mas ao notar
que realmente não há nada com o que se preocupar, sorri e beija a ponta do meu nariz,
arrancando-me uma risadinha.
Num silêncio agradável, observamos um ao outro. A palma de sua mão volta a acariciar
minhas nádegas e, subitamente, os seus dedos escorregam entre elas, num carinho sutil, sem
qualquer intenção que não seja esta. Me aconchego novamente no travesseiro e suspiro ao ser
tocada ali, num misto de dor e prazer.
Devagar, acaricia-me, movendo as pontas dos dedos ao redor das minhas dobras. O calor do
seu toque se alastra cada vez mais por todo o meu corpo e eu sei que ambos estamos sendo
afetados por ele, quando escuto sua lamúria escapar. Vislumbro-o e seus exorbitantes olhos
negros não escondem o desejo crescente que esse despretensioso e até então ingênuo carinho
está nos provocando.
– Johnie...
Eu suspiro, ao sentir como o seu membro desperto roça bem acima do meu púbis, pronto
para me amar mais uma vez; com a respiração ofegante, extasiado, beija a minha boca e
inconscientemente pressiona o dedo em meu ânus dolorido, fazendo-me gemer incômoda em
seus lábios. O que lhe desperta.
– Me desculpe. – sussurra, ressentido – Não queria machucar.
– Tudo bem, tudo bem.
– É melhor eu parar.
Ele respira fundo e me abraça, distanciando qualquer contato que possa nos levar além.
Contudo, apesar de sua complacência, a ereção evidente em meu estômago denuncia o
contrário. Bem como a sensação molhada que carrego entre as pernas.
Não posso negar que ainda sinto alguma dor e que, infelizmente, tentar alguma coisa fará
com que eu fique pior. Ou seja, sexo agora está longe de ser uma opção. O que não significa
que eu ainda não queria sentir e dar-lhe prazer.
Pensando em qualquer alternativa que possa resolver nosso "pequeno" probleminha, uma
ideia muito interessante me vem à cabeça.
Mesmo com o protesto do meu quadril ao levantar as pressas e sob o seu olhar curioso, saio
da cama e começo a caçar o frasco de lubrificante perdido.
– O que está fazendo? – o garoto pergunta.
– Logo saberá.
Perco alguns minutos na minha busca, que termina assim que eu encontro o recipiente em
baixo da cama, ao lado de algumas peças de roupa.
Deito na cama, abro o lubrificante e despejo uma boa quantidade nas coxas, próximo a
virilha. Espalho o máximo que posso com as mãos, até os joelhos, e fico de frente para ele
outra vez. Seu rosto é uma mistura de confusão e expectativa.
– Clara, o que...
– Já que não podemos brincar direito, vamos improvisar.
Lanço uma piscadela e tomo o seu pênis ainda duro na mão, melecando-o com lubrificante.
Sem perder tempo, sabendo que está tão necessitado quanto eu, pressiono as coxas uma na
outra, e o encaixo no meio delas, bem perto da minha umidade.
– Foda as minhas coxas. – murmuro, o mais libidinosa que posso ser.
Johnie pisca algumas vezes, perdido em minhas palavras, mas não demora a me pegar firme
pela cintura e impulsionar o quadril para a frente e para trás, literalmente fodendo as minhas
coxas encharcadas e escorregadiças.
– Aaahh, gostosa! – geme, se aproximando da minha boca.
Nós nos beijamos, eufóricos, enquanto deslizamos um no outro. Posso sentir toda a sua
extensão esfregar na minha vagina, apertando o meu clitóris inchado e excitado, fazendo-me
tremer de tanto tesão. Isso é tão bom! Tão, tão bom!
– Fique de costas, meu bem.
Com sua ajuda, viro-me e logo tenho seu pênis deslizando entre as minhas coxas empapadas
outra vez. Eu as aperto mais. John põe uma perna sobre mim, abraça-me e intensifica as
investidas, dando-me consciência de toda a sua virilidade.
Para a frente e para trás... Para a frente e para trás...
Para a frente e para trás... Para a frente e para trás...
Em seus braços, com o calor do seu peito em minhas costas, liberto-me em um orgasmo forte
e delicioso. Segundos depois, sinto como se desfaz, respirando fundo, e acaba por sujar
minhas coxas. A sensação da sua porra escorrendo da minha pele para os lençóis é
inusitadamente reconfortante.
Recebo um beijo molhado no ombro e sorrio ao ser agarrada igual a um filhote de coala. Sua
respiração ainda ofegante em meus cabelos causa um pouco de cócegas.
– Eu amo você. – ele sussurra, enchendo o meu peito de felicidade.
Me aconchego mais em seu abraço acolhedor e confesso:
– Eu também amo você, coelhinho.
Ouço sua risada abafada e acabo por rir também. Pelo jeito, somos dois bobos agora.
Sem dar importância para a bagunça que fizemos com a nossa mais nova brincadeira,
continuamos deitados e abraçados, curtindo a presença um do outro, isso até o meu estômago
resolver estragar o clima ao reclamar por comida.
– Parece que alguém está com fome.
O ronco do seu estômago acompanha o meu. E desatamos a rir.
– Pelo jeito, não sou a única.
– Melhor tomarmos banho e então arrumar alguma coisa para comer.
Concordo e, ignorando o meu quadril dolorido, saio da cama.
– Eu vou primeiro.
Por incrível que pareça, aceita sem reclamar. Fico contente que entenda que eu preciso de um
tempo; entro debaixo da água quente e cada músculo do meu corpo relaxa. Trato de me
limpar muito bem, lavo os cabelos cobertos de suor, e fico mais um tempinho aproveitando o
calor gostoso da água.
Ao sair do banheiro, encontro-o ainda nu, forrando a cama com lençóis limpos. Fico parada
observando terminar o que faz e, assim que nota a minha presença, sorri e me chama com os
dedos. Ele senta e me puxa para que fique entre suas pernas.
– O que foi? – pergunto.
– Você estava tão linda ontem, que não resisti.
Franzo o cenho, curiosa, e solto uma risada ao notar a cueca boxer sobre o travesseiro.
– Devo vesti-la e desfilar pela casa?
– Com toda a certeza! Vai ser uma visão maravilhosa.
Lançando um olhar divertido, me esgueiro para pegar a peça, que é instantaneamente levada
para longe.
– O que?
– Eu vou colocá-la.
A imensidão negra que são os seus olhos recaem sobre mim, quando desfaz o nó da toalha,
mandando-a para o chão. Com cuidado e a voz mais doce do que de costume, pede que eu
segure em seus ombros e assim faço. De cima, vejo-o passar a abertura da boxer por uma das
minhas pernas e depois pela outra, subindo o tecido lentamente até ajeitá-lo no lugar. Suas
mãos pousam em meus quadris e assim ficam.
– Acho que tenho um novo fetiche. – diz, sorrindo – Você com as minhas cuecas.
– Ah, é?! Então devo me livrar de todas as lingeries que comprei, pensando em usar com
você?
– Nem pense!
Dou uma gargalhada e o beijo. Eu o adoro! Eu o amo!
– A propósito, tenho mais uma coisa para você.
– E o que é?
– Feche os olhos e estenda a mão.
Mesmo curiosa, eu fecho os olhos e sinto algo ser colocado em minha palma aberta. Assim
que volto a abri-los, me espanto com pequeno acessório de cabelo.
– É um coelhinho?! – indago, encantada com a presilha – Por que isso?
– É um presente de agradecimento.
– Agradecimento?
– Eu sei que você foi me substituir no serviço. No dia da audição.
Encaro-o, ainda mais surpresa. Como será que ele sabe? Será que o Jimmy deu com a língua
nos dentes? Ah! Sua chefe. Deve ter sido ela quem comentou, afinal, eu dei o meu nome
verdadeiro no dia em que me apresentei para substitui-lo.
– Ah, não... Não foi nada demais. – constrangida, ajeito uma mecha do cabelo atrás da orelha
– Eu só queria ajudar.
Ele sorri, mostrando seus lindos dentes de coelhinho atrevido, e levanta. Sua altura me obriga
a ergue a cabeça para conseguir olhá-lo.
– Obrigado! – segura o meu rosto entre as mãos – Obrigado por tudo. Por estar ao meu lado,
por me ajudar e por... Me amar de volta.
Por alguma razão, sinto vontade de chorar. No fundo, que deveria estar dizendo isso sou eu.
Eu que devo agradecê-lo por estar ao meu lado e me amar, mesmo eu sendo essa pessoa
cheia de defeitos e sem talento algum para lidar com sentimentos.
John sorri novamente e beija-me com ternura. Meu coração parece que vai explodir de tanta
alegria. Tem como ficar mais perfeito?
– Gostou do presente? – pergunta ao se afastar.
– Eu adorei!
– Não sabia muito bem o que comprar e... Eu sempre reparo que você vive ajeitando os
cabelos atrás da orelha durante as aulas. Achei que a presilha poderia ajudar.
Me ponho nas pontas dos pés e roubo-lhe um selinho. Então, digo:
– Pode ter certeza que sim. Agora vai tomar banho, porque precisamos comer.
Meu garoto concorda e não me contenho em dar-lhe uma palmada assim que vira para ir ao
banheiro. Ele contesta, mas acaba sorrindo.
Sozinha, vou atrás da minha mochila e pego uma regata, a qual visto direto, sem colocar o
sutiã. De frente para o pequeno espelho pendurado na parede, penteio os cabelos e não resisto
em colocar a presilha que ganhei de presente.
Como uma pateta, observo o pequeno coelho reluzir na lateral da minha cabeça e abro um
sorriso. É algo tão simples, mas, ainda assim, cheio de significado.
– Fico muito bonito.
Encostado no batente da porta do banheiro, ele sorri, todo satisfeito.
Sigo-o com o olhar. Suas costas úmidas chamam a minha atenção, bem como a maneira
como as gotas de água desaparecem no limite da toalha presa em sua cintura. É realmente
uma imagem de tirar o fôlego.
– Clara, por favor, pegue uma camiseta na gaveta para mim?
Sou despertada do meu paraíso particular com o seu pedido. Meio abobalhada, vou até o
armário para fazer o que pediu, mas paraliso ao abrir a gaveta e encontrar o vibrador em
meio as suas roupas. Engulo em seco.
Mesmo com certo nojo, pego o tal vibrador e o encaro. Aquela conversa com Andrew me
acerta como um soco na boca do estômago e um sentimento ruim se apossa do meu peito.
– Clara? Ei, pode ser qualquer uma. Não precisa ficar escolhendo...
Me viro e noto o seu sorriso murchar, e logo desaparecer, provavelmente porque a expressão
no meu rosto não é nada boa.
– O que foi? – questiona, tenso. Olha para o vibrador em minhas mãos e então para o meu
rosto – Está chateada por que não usamos ele ontem? Bem, eu deixei separado para
brincarmos, mas acabou que nos empolgamos e, bem, eu não quis dividi-la.
Solta uma risadinha baixa, mas volta a ficar com a expressão séria.
– O que você tem?
– Vou te fazer uma pergunta e preciso que seja sincero comigo, independente do que a sua
resposta irá me causar.
Nitidamente aflito, John concorda e eu reúno toda a coragem que preciso para fazê-la.
Embora eu não saiba o que me espera, não posso evitar o nervosismo.
– Você comprou esse vibrador para usar com o Andrew?
Seus olhos triplicam de tamanho. Abrem tanto, que temo saltarem para fora.
– Mas que merda você está dizendo, Clara? – grita.
Sua reação me desconcerta. Encaro-o e seu rosto é puro transtorno, confusão.
– Só me responda, por favor. – insisto, notando a voz mais baixa que o normal – Você
comprou para usar com ele ou não?
– Mas é óbvio que não. Por que raios eu usaria isso com o Andrew?
– Bem, porque...
– Porque nós transávamos? – interrompe, nervoso.
Sacudo a cabeça, assentindo. Johnie passa as mãos entre os fios castanhos, puxando-os sem
muita força, e me encara atentamente.
– Diga-me: por que eu faria uma coisa dessas?
– Diga-me, você! – retruco, começando a ficar irritada – O Andrew disse que foram comprá-
lo juntos e já se divertiram muito com...
– Espera! Espera! – franze as sobrancelhas – Ele disse isso?
– Exatamente.
Antes que eu possa fazer qualquer coisa, ele arremessa a cadeira de sua mesa de estudos no
chão e grita um xingamento para o ar. Um tanto assustada por nunca tê-lo visto assim, dou
alguns passos para trás e assisto-o andar de um lado para o outro, perturbado. Suas
bochechas estão mais vermelhas do que a própria cor vermelha.
– Eu vou matar o Andrew! – rosna, apertando as mãos em punhos – Aquele maldito filho da
puta mentiroso!
À passos pesados, anda em círculos no pequeno cômodo e eu não tenho a mais vaga ideia do
que fazer em uma situação como essa.
– Foi por isso que disse tudo aquilo para mim, enquanto brigávamos? A história do "enfiar
aquele vibrador na sua goela"? Foi?!
– Sim, foi.
– Sério. Eu vou quebrar aquele cara.
– John...
– Ele mentiu, Clara. O Andrew mentiu! Eu nunca usei esse... Esse... – fecha os olhos com
força e respira fundo – Eu não usei o vibrador com ele, entendeu?!
– E como ele sabia? Hã?
– Porque nós fomos juntos a loja. Quer dizer, eu fui acompanhá-lo e acabei comprando. Foi
no mesmo dia que eu comprei aquelas algemas. – esfrega a mão no rosto corado de raiva –
Porra! Essa história fica cada vez pior.
Quieta e ainda parada, vislumbro-o praguejar contra o seu - talvez - ex-amigo e tudo o que
consigo pensar é que fui enganada como uma perfeita idiota. Andrew me enganou e eu cai
direitinho. Eu deveria ter desconfiado que não passava de uma mentira.
– Assim que eu encontrar o Andrew, eu vou... Eu vou...
– Johnie, se acalme.
– Me acalmar? Me acalmar? – explode outra vez – Como eu posso...
Sem permitir que termine, eu o abraço. Seus músculos estão muito tensos, sei que ainda está
com muita raiva, mas não posso deixá-lo assim. A culpa é toda minha por ter acreditado no
Andrew e eu não quero vê-lo dessa maneira por uma falha que cometi. E, apesar de querer
bater naquele mentiroso tanto quanto o próprio John, não vou tolerar que se machuque
entrando em uma briga.
– Está tudo bem. Vamos esquecer isso.
– Eu não vou esquecer. – dita, obstinado.
– Por favor. A última coisa que eu quero é vê-lo se machucar por minha causa.
– O Andrew não deveria... Cacete! Ele não deveria ter dito uma coisa dessas para você.
– Eu que fui burra em acreditar. – suspiro, derrotada – Tudo bem que eu estava cega pela
raiva, mas deveria ter notado o que era mentira e o que não era.
Ele suspira e enfim retribui o meu abraço. Beija os meus cabelos e então relaxa.
– Você não foi burra, só estava com raiva.
– Mesmo assim.
– Não se preocupe mais com isso, okay? – acaricia minhas costas, confortando-me – Como
você mesma disse, vamos esquecer. O importante é que já estamos bem.
– Promete que não vai se meter em uma briga com ele?
– Sinceramente? Eu não sei.
– John!
– Farei o possível, está bem?
– Apenas ignore-o. Tenha certeza de que será pior do que dar-lhe um soco no nariz.
– Pior que eu sei bem que é. – nossos olhares se encontram – Você é tão cruel, Clara.
Sorrio e o beijo. Talvez eu seja mesmo. Às vezes.
– Posso pedir uma coisa? – eu pergunto.
– O que quiser.
– Jogue fora. – aponto para o vibrador caído no chão – Apesar de saber que não fizeram
nada, eu...
– Pode deixar. Vou me livrar dele.
– Obrigada.
– Agora eu posso fazer uma pergunta?
– O que quiser.
– Por acaso, o fato de nós termos feito... Ãhn... Sexo anal ontem tem algo a ver...?
– Não. Eu propus porque queria experimentar com você, simplesmente.
– Você sabe que não precisa tentar compensar nada, não é?! Apesar de eu ser bissexual, eu
amo você e é somente você que eu quero.
– Eu sei. Eu não fiz para compensar, quero deixar isso claro. – cravo os meus olhos nos seus
– Mas também quero dizer que, se um dia você sentir vontade de...
– Clara!
– Deixe-me falar, sim?! Se um dia você sentir vontade ou sentir que não está feliz apenas
com o seu lado heterossexual, converse comigo, tudo bem?!
Acaricío os seus cabelos e o beijo outra vez. Meu menino grande abre um sorriso grato.
– Entendi. Obrigado.
Sentindo-me mais leve por finalmente tirar essa história do vibrador à limpo e esclarecer o
meu posicionamento quanto a sua bissexualidade, que eu o amo indiferente a qualquer coisa,
vou para a cozinha atrás de algo para comermos enquanto ele termina de se trocar.
Porém, surpreendo-me ao descobrir que tanto a geladeira quanto os armários não têm nada
que preste, à não ser copos e mais copos de macarrão instantâneo.
– John Berryann! – grito.
O garoto aparece diante mim em um piscar de olhos.
– O que foi? – aponto para dentro da geladeira aberta e ele suspira – Certo, certo. Sou
culpado. Passei os últimos dias comendo macarrão instantâneo.
– Poxa, John...
– A maioria das refeições eu faço no colégio ou no serviço e, bem, ultimamente não estava
muito animado para comer. Só comprei para não morrer de fome.
Suspiro profundamente. Ele vai acabar doente se continuar comendo somente essas porcarias
e eu duvido muito que fuja desse tipo de coisa quando não está em casa.
Oh, céus! É realmente um garotinho desajuizado.
– Tem algum mercado por perto? – questiono.
– À uns dois quarteirões daqui. Por que?
– Vamos fazer compras. Eu vou cozinhar hoje.
– Sério?
– Veja bem, eu não sou uma chefe com estrela Michelin, mas faço o que posso.
– Adoro a sua comida. Sabe disso.
– Sei e isso ainda me espanta. – eu rio e ele também.
Ao contrário dele, que está completamente vestido, vou atrás de uma roupa qualquer e acabo
por vestir um short jeans. Permaneço com a mesma regata, colocando apenas um sutiã por
baixo, por que a última coisa que eu quero é ficar com os mamilos a mostra para quem quiser
ver.
Pronta, pego a carteira e o celular, e vou ao seu encontro na sala. Ele se põe de pé e ajeita um
de seus bonés na minha cabeça.
– Você trouxe os seus óculos escuros? – pergunta e eu consinto – Ponha-os então. Assim
evitamos problemas.
Faço como pede. Coloco os óculos e estou devidamente disfarçada.
Descemos as escadas depois de nos certificarmos de pegar tudo e, ao estarmos na rua, falto
cair para trás ao sentir os dedos de John se entrelaçarem com os meus. Olho para as nossas
mãos unidas e então para o seu rosto, onde há um sorriso tímido.
– Quero andar de mãos dadas com você. – ele murmura, um pouco envergonhado.
Mordo o lábio, sem saber o que responder, mas com o coração batendo à mil. Sua mão
parece se encaixar tão bem a minha, como se fosse feita somente para ela.
– Tudo bem para você?
Chacoalho a cabeça freneticamente e ouço-o rir alto, possivelmente de toda a minha
repentina vergonha. Minhas bochechas ardem. Céus!
Sem pressa, caminhamos de mãos dadas rumo ao tal mercado, conversando sobre qualquer
coisa. John aponta para alguns lugares que costuma ir e cumprimenta uma ou outra pessoa
conhecida que passa.
Em poucos minutos, entramos no estabelecimento. Não é muito grande, mas acredito que
tenha bastante variedade. Ainda com os dedos encaixados nos meus, guia-me através dos
corredores, enquanto olho de um lado para o outro.
– O que pretende cozinhar? – indaga.
– Ainda não sei. O que você quer comer?
– O que fizer está ótimo para mim.
Sorrio e dou-lhe um selinho rápido.
– Que tal aquele negócio que fez quando fui a sua casa... Aaahh...
– Strogonoff?
– Isso!
– Pode ser. É rápido e não leva muitas coisas. Posso fazer uma salada também.
– Perfeito.
Com o cardápio escolhido, vamos atrás dos ingredientes. Percorremos o corredor e entramos
na parte de hortifrúti e também de carnes.
– Vou escolher o frango. – eu digo – Pode pegar alguns vegetais para a salada?
– Pode deixar comigo.
Abre um de seus sorrisos e se distancia, indo até as prateleiras do outro lado.
Eu, diante a extensa geladeira de carnes, olho os preços e os pacotes que parecem mais
atrativos. Cozinhar não é uma das minhas atividades favoritas, mas sei como escolher bons
ingredientes.
Durante alguns minutos, fico compenetrada em achar um pedaço de frango interessante para
fazer o strogonoff, até uma mão pousar em meu ombro. Olho por cima e sorrio a deparar com
a cabeleira de fios castanhos.
– Já terminou de escolher? Eu ainda estou um pouco confusa, o que acha...
Viro-me para mostrar a bandeja que escolhi e por muito pouco não deixo que vá ao chão.
Meus olhos se arregalam.
– Jackson?!
Capítulo 05
Paralisada diante o meu colega de trabalho, apenas observo-o, sem saber ao certo o que dizer
e muito menos o que fazer. O mundo não pode ser tão pequeno assim ou pode?
Céus, não é possível!
De tantos lugares, de tantos momentos, Jackson tinha que aparecer justamente agora? Mas
que porcaria de timing é esse? Isto é, se realmente esse encontro for pura casualidade, o que,
sinceramente, eu torço para que seja. Do fundo da minha alma, eu espero que Jackson não
tenha visto John e eu juntos, e por isso esteja aqui.
Entre todas as alternativas prováveis, antes que o meu coração exploda por bater mais rápido
do que já está e eu caia dura no chão desse mercado, eu prefiro acreditar que é somente uma
coincidência. Pois, se ele nos flagrou, só posso considerar um desastre.
Com a expressão gentil de sempre e os cabelos agora castanhos, Jackson sorri, ajeita a cesta
de compras na mão e então diz:
– Oh, então é você mesma! Por um minuto, achei que estava me confundindo, principalmente
porque está usando esse boné e também óculos escuros. – sorri mais uma vez, tocando a aba
do boné – O que está fazendo aqui? Está acompanhada?
– Eu? Ah... – pigarreio, tentando manter a calma e soar o mais normal que consigo – Não,
estou sozinha. Tive um compromisso nas redondezas e resolvi comprar algumas coisas que
estão faltando em casa. E você, o que faz por esses lados?
– O mesmo que você. Estou voltando da casa de um amigo e resolvi aproveitar para fazer
algumas compras, já que é caminho para a minha casa, de qualquer forma.
Consinto e fico calada. Meu coração aos poucos vai se acalmando, ainda que a tensão esteja
pensando em meus ombros. Jackson parece alheio a situação, não vejo repreensão ou
desconfiança em seus olhos, o que significa - assim espero - que ele não faz a mais vaga ideia
de que estou aqui com um de nossos alunos. O mesmo com o qual mantenho um caso secreto
há meses e se encontra a poucos passos de nós.
Disfarçadamente, olho por cima de seu ombro e noto que Johnie continua entretido
escolhendo as verduras. Ainda não percebeu a presença do outro e isso me dá a chance de
acabar com essa conversa o mais rápido possível. E é exatamente o que irei fazer.
Bem, o que eu pretendia, pelo menos.
– Como está passando o recesso? Conseguiu participar daquele campeonato de bicicleta que
mencionou?
– Aproveitando o máximo que posso. Descansando bastante. – dou-lhe um sorriso forçado.
De fato, não é mentira, mas estou descansando a minha maneira – Quanto ao campeonato, eu
consegui participar e fiquei em quarto lugar.
– Sério?
– Sim, sim.
– Parabéns!
– Muito obri...
Minha voz trava na garganta assim que deparo com o olhar de John direcionado a nós. As
sobrancelhas franzidas e o maxilar rígido demonstram que não está gostando nenhum pouco
da proximidade desse "estranho", que sequer imagina que é, ninguém mais e ninguém
menos, do que seu professor de matemática.
Vejo-o largar as compras sobre a bancada e fazer menção de se aproximar, e no mesmo
instante lhe mando uma súplica silenciosa para que não o faça. Ele detém o passo, por mais
contrariado que esteja. Seus intensos orbes escuros observam-me, buscando explicações, mas
como posso dá-las se qualquer movimento em falso e somos descobertos? Que angustiante!
A cada segundo que passa, o meu nervosismo só aumenta. Embora esteja de costas, nada
impede Jackson de virar e encontrar o seu (nosso) aluno nada feliz, e se eu tiver que
continuar trocando mensagens subliminares para que aquele coelhinho teimoso não chegue
perto, daí que o meu colega ficará mais tentado a olhar para trás.
– Está tudo bem, Clara?
Desperto com a sua pergunta e o encaro, um tanto aflita.
– Oh, sim. Está tudo bem. É só que...
De repente, o meu celular toca. Sorrateiramente, ergo os olhos por cima do ombro de Jackson
mais uma vez e vejo John com o seu aparelho em mãos.
– Não vai atender?
– Sim, sim.
Pego o celular e confiro a caixa de mensagens.
Para: Clara
Leio. Eu até riria de todo o seu ciúme, se não estivesse tão tensa.
Rapidamente, digito uma mensagem de volta.
De: Clara
"É o Jackson."
Inconscientemente, busco por seu olhar mais uma vez e seu espanto diz tudo. Trocamos um
olhar mais do que significativo e, sem hesitar, ele desaparece no corredor mais próximo.
Solucionando assim, ao menos, um terço do problema.
Suspiro, minimamente aliviada.
– Você realmente está bem, Clara? – Jackson volta a perguntar e, pela primeira vez desde
que nos encontramos, olha para trás – Algo está lhe incomodando?
Mordo o interior da bochecha para não soltar um sonoro "sim, você está!", afinal, ele não tem
culpa de nada. Então, respiro fundo e lhe dou um sorriso.
– Não há nada me incomodando, Jackson. De verdade, estou bem.
Ele me observa. Olha, olha e olha. E por fim, dá-se por convencido.
– Pois bem. Se você diz. – dá de ombros e sorri – O que acha de fazermos as compras juntos?
Assim, posso te dar uma carona depois.
Merda! Merda! Merda!
O universo deve me odiar muito, é a única explicação. Por que raios Jackson tinha que vir
com essa ideia idiota de fazermos as compras juntos? Eu já estou agindo muito
estranhamente para negar e não parecer suspeito. Droga! Mil vezes droga!
– Tudo bem. – eu digo, enfim. Querendo jogá-lo dentro da bancada das frutas – Façamos as
compras juntos. Mas, quanto a carona, não será necessária. A Manu virá me encontrar aqui
próximo.
– Certo, certo. Vamos as compras, então?!
– Deixe-me só enviar mais uma mensagem para a Manuela.
Depressa, digito outra mensagem de texto para John, pedindo que saia do mercado e me
espere no quarteirão de trás. Não explico o porquê, mas creio que ele deve deduzir; ao
devolver o celular para o bolso, a sensação de que esse bendito encontro com Jackson ao
acaso me causará problemas, me acerta em cheio.
Tudo estava tão perfeito, mas que merda!
Resgato a minha cesta esquecida no chão, enfio o pacote de frango dentro e sigo o meu
colega - bastante inconveniente - de trabalho. Durante alguns minutos, percorremos os
corredores do pequeno mercado e a cada vez que entramos em um novo, suspiro de alivio
por não encontrar o Johnie. Apesar do aviso que lhe mandei, ele é tão teimoso, que poderia
facilmente ignorar e brotar subitamente na nossa frente.
Felizmente, ele foi sensato o suficiente para não fazer isso. O que não significa que não deva
estar muito chateado com o que acontece. Sinceramente, não tiro a sua razão, pois eu estou
muito chateada. Mas esse aparecimento repentino do Jackson demonstra que precisamos ter
mais cuidado.
Foi pura sorte não termos sido flagrados.
Pego tudo o que preciso para fazer o almoço, até mesmo as verduras e legumes que ficaram
em sua responsabilidade, e enfim vamos para os caixas.
Ainda conversando sobre qualquer coisa, empacotamos nossas compras e saímos rumo ao
lugar em que Jackson deixou o carro estacionado.
– Tem certeza que não quer que eu espere? – ele pergunta.
Contendo a vontade de socá-lo dentro do próprio carro e prender o acelerador para que suma
o mais rápido possível daqui, apenas me limito a sorrir e digo:
– Pode ir. Daqui a pouco, a Manu estará aqui.
– Bem, então nos vemos daqui a alguns dias.
Sacudo a cabeça, assentindo, e ele sorri. Nos despedimos e, finalmente, Jackson entra em seu
carro e dispara avenida afora. Espero alguns minutos, para ter certeza de que, por sabe-se lá o
quê, ele não irá voltar. E ao ter essa confirmação, fecho os meus olhos e deixo um longo e
cansado suspiro escapar.
Como se eu precisasse salvar a humanidade da destruição, agarro as alças das sacolas com
força e corro em direção ao local em que pedi para que John me esperasse, há quase meia
hora atrás. Céus! Ele deve estar furioso, sem dúvidas.
Sentindo o coração acelerado, avisto a cabeleira de fios castanhos e me aproximo. Assim
como imaginei, a expressão em seu rosto, de longe, é uma das melhores.
Sentado na guia da calçada, ele me observa uns segundos, até levantar e impor toda a sua
altura. Trocamos olhares e eu estremeço com a fúria que há em suas imensidões negras.
– Comprou tudo? – ele pergunta. Seu tom é tão cortante quanto a mais afiada faca.
– Sim.
– Quando chegarmos em... Chegarmos na minha casa, lhe devolvo o dinheiro.
– Ei! Não precisa.
Johnie não responde, somente estica a mão para pegar as sacolas e faz um gesto para que eu
pegue a outra livre. Eu a encaro, suspensa no ar, e depois o seu rosto.
– Acho melhor... Não. – murmuro.
Por mais que eu queira andar de mãos dadas consigo, como fizemos antes, tenho receio de
que sejamos surpreendidos por mais uma esplêndida figura do colégio. E, daí sim, tenhamos
grandes - imensos - problemas.
É frustrante, eu sei, mas não quero arriscar.
Com uma expressão que não sei decifrar, ele concorda e se põe a andar. O caminho de volta
é silencioso, pesado. Sinto a frieza do abandono de sua mão, agora enfiada no bolso da
bermuda e a qual eu espio de cinco em cinco segundos, e começo a me arrepender
amargamente de negar o seu toque.
Seu olhar se mantém distante. Eu o conheço e sei que está fazendo isso porque não quer
brigar. Acho que, assim como eu, entende que não devemos piorar o que já está péssimo.
Ainda que essa conversa venha à tona, uma hora ou outra.
Entramos em sua casa do mesmo jeito que viemos o trajeto inteiro: calados. Começo a separa
as compras logo que John as coloca sobre a pequena mesa de dois lugares.
– Precisa de ajuda? – ele indaga.
– Eu ficaria grata.
Dou-lhe um sorriso, mas só o que ganho é um olhar magoado em troca. A atmosfera entre
nós continua tão densa, que pode ser cortada com uma faca, e eu não sei o que fazer para
remedia-la nem que seja um pouco. Vê-lo dessa maneira, tão melancólico, deixa o meu peito
mais e mais carregado. Eu preciso tomar uma atitude.
– Johnie...
– Por que você ficou com ele? – interrompe-me. A mágoa em sua voz é palpável.
Apoia-se na beirada da pia e respira fundo, como se fazer essa pergunta tivesse lhe tirado um
peso das costas. Eu o observo por um instante, em silêncio.
Apesar de não querer expor as minhas inseguranças, principalmente por medo de que não
sejam somente dúvidas, entendo que, se somos um casal, temos que ser sinceros um com o
outro.
– Eu acho que ele desconfia de nós, John. Por mais cuidadosos que sejamos, sei que estamos
dando brechas e esse episódio do mercado foi uma delas. Ele poderia ter nos flagrado e isso
seria péssimo. – mesmo hesitante, toco em seu ombro – Eu não queria levantar mais
suspeitas, entende?! Já estava agindo de forma estranha e se eu negasse, talvez o Jackson...
– Se ele não fosse tão intrometido, não encontraria nada que não precisa saber.
Suspiro. Okay, sei que tem razão.
Jackson é bem intrometido as vezes, querendo ou não.
– Eu não estou bravo com você, Clara, se é o que pensa. É só que... – respira fundo e vira,
ficando de frente para mim – Merda! Por que ele tinha que aparecer lá? Estava tudo tão
perfeito e... Porra! Por que ele sempre tem que se meter entre nós?
– Sei que está chateado e, acredite, eu também estou. Mas não vamos deixar que isso
estrague o tempo que temos para ficarmos juntos sem nos preocuparmos com mais nada,
ok?!
John torce os lábios, fazendo-se de difícil, e eu apenas rio da sua cara de coelhinho mimado;
me aproximo, envolvendo os braços ao redor do seu pescoço.
– Deixe o Jackson para lá. O que importa é que estamos juntinhos agora, não é?!
– Se fosse por ele e aquela mania desgraçada de querer chamar a sua atenção, não
estaríamos.
– Johnie.
– Tudo bem, tudo bem.
Sinto-o tomar pose da minha cintura e, enfim, seus ombros relaxam.
– A propósito, esqueci de perguntar uma coisa.
– O que?
– Posso passar a semana aqui com você? Bem, eu trouxe a minha mochila, mas nem
perguntei se...
– Mas é claro que você pode ficar. Eu vou adorar! – num impulso de seus braços forte e
estou outra vez agarrada a si como um filhote de coala. O clima ruim por fim se vai – Mas,
eu vou trabalhar nos próximos dias. Tudo bem para você?
– Eu que lhe pergunto. Tudo bem se eu ficar enquanto estiver no trabalho?
– Sim. Na verdade, eu... - engole em seco e noto suas bochechas tornarem-se coradas –
Gostaria muito de chegar e encontrar você aqui, me esperando.
Suas palavras vêm como uma flechada certeira no meu coração apaixonado. E quem fica
com as bochechas extremamente quentes sou eu, só de fantasia com essa cena.
– O que foi? – ele pergunta.
– Eu nunca imaginei que poderia amar tanto uma pessoa quanto amo você. – confesso.
Perdida no oceano de emoções que são os seus olhos, me aproximo lentamente e deixo que
minha testa pouse sobre a sua. Munida de coragem e tomada por esse sentimento que cresce
a cada dia que passa, tendo a necessidade de dizer o que está preso em mim, faço um singelo
carinho em suas madeixas castanhas e murmuro:
– Eu sei que manter um relacionamento escondido não é fácil. Sei que somos professora e
aluno, que temos uma diferença de idade grande, que há tanto o que você viver, assim
como... Há tantas outras coisas que vão contra nós, às vezes até eu mesma com essa
insegurança idiota. Mas, John...
– O que, meu bem?
– Não desista de mim. Não desista de nós.
Me apertando em seus braços, beija a minha boca com carinho e sem afastar os lábios depois
de tirar-me o fôlego, sussurra:
– Eu nunca vou desistir da melhor coisa que já aconteceu na minha vida.
Capítulo 06
Olho para o relógio mais uma vez, certificando-me de que ainda tenho alguns minutos, e
então me apresso para terminar de ajeitar as coisas na pequena mesa improvisada que montei
na sala à fim de deixar tudo pronto para quando ele chegar.
Infelizmente, hoje é o último dia do recesso. O que significa que a nossa linda semana de
amor acaba amanhã, às seis, quando voltarmos aos nossos respectivos papéis. Embora eu
esteja um pouco triste com isso, não posso negar que foram os melhores dias que tive com o
meu coelhinho, principalmente porque nos acertamos.
E apesar do susto que tomamos ao "encontrar" Jackson no mercado ou de eu ter ficado
sozinha a maior parte das tardes devido ao seu serviço no karaokê, não tenho do que
reclamar, pois, cada segundo foi mais do que perfeito.
Afinal, estar com ele é sempre perfeito.
Assim que termino de organizar o que preciso, ponho as mãos na cintura e observo todo o
trabalho que fiz, atrás de qualquer detalhe que eu posso ter esquecido. Mas, ao constatar que
não falta nada, suspiro animada e me dou ao luxo de beber uma cerveja gelada enquanto
espero-o voltar para casa.
Com a garrafa de Heineken na mão e sentada no sofá, vislumbro a mesa que preparei com
tanto capricho e sou incapaz de não rir. Tenho que admitir que essa atmosfera de recém-
casados é um pouco estranha, principalmente porque o meu "marido" tem apenas dezoito
anos. E, ainda por cima, é o meu aluno.
Sem contar que, até alguns meses atrás, eu sequer imaginaria estar em uma situação como
esta. Talvez seja por isso que as pessoas dizem que o "amor muda". Porque, sinceramente,
esperar ansiosamente e me empenhar para uma sessão de filmes com alguém que não seja a
Manuela, são duas coisas que não entrariam na minha lista de afazeres. Mas, agora, aqui
estou eu. Fazendo exatamente isso.
Oh, céus. Me transformei em uma boba apaixonada, e nunca me senti tão feliz.
Sou tirada dos meus devaneios ao ouvir o trinco da porta ser aberto. Olho para o lado e
deparo com John, que me cumprimenta com um de seus lindos sorrisos. Levanto num pulo e
me aproximo, deixando bem visível o vestidinho preto que geralmente uso em casa, fazendo-
o sorrir ainda mais.
Tiro as caixas de pizza que traz nas mãos e coloco sobre o balcão ao lado da porta. Lhe
ofereço um pouco da cerveja que bebo e assim que pega para dar um gole, me aninho em
seus braços e o beijo, sentindo o seu sabor misturar-se com o da bebida.
Huuuuummm... Gostoso!
– Olá, meu bem. – diz, me apertando contra o peito – Senti sua falta.
– Bem-vindo de volta. – sorrio e recupero a minha garrafa de cerveja, não sem antes roubar-
lhe mais um beijo – Também senti a sua falta.
– Está tudo pronto para a nossa maratona? – indico com a cabeça e ele olha para a mesa
arrumada no centro da sala – De onde tirou aquela mesa?
– Eu montei.
– Como é?
Dou de ombros. Nenhum pouco modesta.
Ele sorri novamente e morde o meu lábio inferior, arrancando-me um suspiro.
– Vamos começar logo, porque as proezas do Homem de Ferro não podem esperar.
– Ah, Johnie...
– Nada disso, espertinha. Ontem assistimos todos os filmes daquele tal Dan Brown porque
você me prometeu que hoje seria a trilogia do Homem de Ferro.
– 'Tá bom, 'tá bom. – suspiro, dando-me por vencida – Sua sorte é que eu gosto daquele
bilionário, gênio, playboy e filantropo.
Como uma verdadeira criança, ele soca o ar em um "yeah" e agarra as caixas de pizza,
levando para a mesa no centro da sala.
Rindo de toda a sua animação e fanatismo por Tony Stark que não imaginei ser tanto - apesar
de ver os figures na estante do seu quarto -, pego o refrigerante na geladeira e me junto a si,
sentando ao seu lado no tapete. Sem demora, ele coloca o primeiro filme para carregar e nos
servimos com fatias da primeira caixa de pizza.
Ainda na metade do primeiro filme, percebo que John já devorou quase todos os pedaços de
pizza, de ambas as caixas, enquanto eu comi dois ou três. Me pergunto para onde vai tanta
comida. Honestamente, eu só aguento o que comi e olhe lá.
Me enfio entre as pernas do meu menino e sou acolhida por um abraço aconchegante. Fico
deitada sobre o seu peito, controlando a vontade de rir de toda a atenção exagerada que dá ou
comentário que faz para o filme que já deve ter assistido - pelo menos - umas cem vezes.
Mas é tão bonitinho, seu olhar vibrando em cada cena, que somente sorrio para mim mesma.
As horas se passam e no meio da nossa maratona de Homem de Ferro, sinto meus olhos
pesando mais do que deveriam. Me esforço para ficar acordada, mas o cansaço aos poucos
vai vencendo e antes que eu perceba, a pista de corrida onde Tony Stark e Whiplash estão
lutando desaparece e eu caio no sono.
Acordo ao sentir o meu corpo se chocar com algo fofo e então percebo que John está me
colocando em sua cama. Nossos olhares se encontram e dou-lhe um sorriso preguiçoso,
ganhando um beijo na ponta do nariz. Ele se põe ao meu lado e, como sempre faz, me
envolve carinhosamente e puxa para mais perto.
– Me desculpe. – eu sussurro.
– Por que?
– Porque eu acabei dormindo.
– Tudo bem. Vamos dizer que estamos quites, já que ontem eu também dormi.
Concordo. Tinha até me esquecido disso.
– Terminou de assistir aos filmes?
– Os três, com direito a cenas pós-créditos.
Sorrio, tocando os seus cabelos castanhos num cafuné. Ficamos em silêncio, apenas
observando um ao outro. E ao notar a sua expressão um tanto tristonha, pergunto:
– O que foi?
– Amanhã teremos que voltar para as nossas vidas "normais". – murmura.
Suas palavras fazem o meu peito comprimir e aquela sensação de saudade se instalar antes da
hora. Ah, se eu pudesse, jamais sairia do seu abraço.
– Não fique triste, huh?! Isso não significa que não virei mais aqui, seu bobo.
– Sim, eu sei. Mas... É tão bom estarmos assim, juntos, sem ninguém para dizer o que é certo
ou errado. Poder encontrá-la quando chego em casa e sentir você dormindo sobre mim. –
acaricia a minha bochecha e solta um longo suspiro – Queria tanto que morasse comigo,
Clara. Ou que simplesmente não precisássemos...
– Sabe que não podemos.
– Isso é uma merda, às vezes.
– Eu sei, eu sei.
Agora sou eu quem suspira. Entendo a sua frustração, pois é a mesma que sinto todas as
vezes em que nos separamos. Mas, se nos dispusemos a seguir com o nosso amor e esse
relacionamento escondido, ainda que seja errado, temos que lidar com as limitações que -
infelizmente - nossa relação nos impõe.
Ninguém disse que seria fácil.
O silêncio torna a nos envolver e percebo que estamos à um passo de arruinar o que resta da
nossa maravilhosa semana. Sem um pingo de vontade de deixar que tal coisa aconteça,
espanto o restante do sono para longe e fico de joelhos sobre o colchão.
Sob o seu olhar atento e curioso, livro-me do vestidinho preto. E usando somente uma de
suas cuecas, me debruço para alcançar os seus lábios tentadores.
– Ao invés de ficarmos tristes e pensar em coisas que só devemos nos preocupar mais para a
frente, o que acha de aproveitarmos esse tempinho que nos resta?
Consigo lhe arrancar um sorriso, ainda que retraído. Com o polegar, acaricio seu lábio
inferior, puxando-o um pouco para cima, e toco a pequena pinta que lhe enfeita a pele. Cada
vez mais embriagada com o tesão que me causa, beijo-o fervorosamente, apaixonada e
loucamente. Saboreio-o sem pressa. Brinco com a sua língua dentro da minha boca, enquanto
suas mãos contornam os meus quadris, exigentes.
Sem parar de desfrutar os seus beijos, traço um caminho por toda a extensão do seu torso nu
e seguro com firmeza a evidente ereção que começa a se formar. John suspira
profundamente, e não preciso de muito para senti-lo inchar entre os meus dedos.
Seu pênis cresce, alonga-se em minha mão, e ofego só de pensar que logo o terei dentro de
mim. Num impulso, tão rápido quanto a paixão que se espalha entre os lençóis, caio de
costas no colchão. Mantendo-se apoiado nos braços, ele me observa. Seu corpo esguio e
atraente se impõe sobre mim.
A chama do nosso desejo alastra-se pelo quarto e a tensão sexual só não é insuportável,
porque sei que, no final, seremos acometidos pelo prazer.
– O que a minha professora quer hoje, huh?! Quer que eu te coma com força, ou
devagarzinho?
Mordo o lábio, excitada com a sua proposta cheia de indecência.
Eu o quero de qualquer jeito!
– E então. O que você quer?
Me ergo nos cotovelos para chegar mais próximo da sua orelha e, depois de prender a argola
em seu lóbulo e chupá-la, sussurro:
– Me come gostoso.
Um gemido sexy me atinge em cheio. Sem nenhuma delicadeza, John me empurra de volta
para o colchão e afunda a sua boca em meu pescoço, sugando como sabe que eu adoro. Sua
corpulência me obriga a afastar mais os joelhos, para encaixar-se melhor, à medida que seus
toques vagueiam por cada centímetro da minha carne.
Não espero por sua atitude e eu mesma trato de desaparecer com a cueca, ainda que suas
mãos completem o serviço, largando a peça em qualquer canto do quarto. Afoita, procuro dar
o mesmo destino a calça de moletom que usa, então agarro o elástico e puxo para baixo, até o
máximo que consigo. Com os pés e uma habilidade que até então desconhecia, termino de
abaixá-la e o garoto chuta o tecido para longe.
Sinto a cabeça do seu pênis pressionar a minha fenda e tomar aos poucos o meu interior
úmido. John fecha os olhos ao estar totalmente dentro e me vejo hipnotizada com a imagem
da gota de suor escorrendo entre as veias salientes do seu pescoço.
Acolho-o entre as minhas pernas e gememos juntos quando dá a primeira estocada. Minha
vagina se lubrifica, pulsa, e o recebe. Com as mãos no emaranhado de seus cabelos,
encurralada por seus braços musculosos, me arqueio para que vá mais fundo.
De novo, de novo e de novo.
Nossos sexos se encontram, úmidos e sensíveis, criando um som excitante e que ecoa
juntamente com os nossos suspiros de prazer. Tão primitivo e delicioso.
Ele beija a minha boca e volta a socar com força, fazendo-me revirar os olhos e gemer sem
dar importância para quem estiver passando na rua.
– Adoro fazer amor com você, teimosa.
Tento responder, mas tudo o que sai são gemidos e não posso conter. Encaro-o, querendo
transmitir tudo o que está guardado em mim e o brilho em seu olhar é a prova de que sabe
que eu o amo tanto quanto me ama.
Palavras não são mais necessárias para dize-lo.
Sugando o bico do meio seio, ondula os quadris e mete outra vez. E outra, e outra. Eu, no
limite do abismo, contraio a vagina para senti-lo melhor e a cada estocada que dá, ambos
trememos com um prazer crescente e avassalador.
Como os selvagens que somos, abarrotamos os lençóis da cama com movimentos
desesperados, e, ao sentir o orgasmo vir, travos os pés em suas costas e grito ao ter o seu pau
fincado no mais íntimo do meu ser. Dando-me toda a sua quente satisfação, John me penetra
lentamente, para prolongar a maravilhosa sensação que se apossa de nós e se joga para o lado
em seguida.
Busco sua mão estendida sobre o colchão e a seguro, entrelaçando os nossos dedos. Ele
pende a cabeça para me observar e sorri, um tanto ofegante, assim como eu.
– Você está bem? – ele pergunta, como sempre.
Apenas consinto, dando-lhe um selar desajeitado no canto da boca.
Entre beijos e carinhos, curtimos as poucas horas que nos restam. Porém, assim que notamos
ser mais de duas da manhã, decidimos tomar um banho rápido e descansar um pouco que
seja, já que devemos estar de pé antes das seis.
Depois de trocar os lençóis sujos e estar devidamente limpa, me aconchego em debaixo do
edredom e nos acomodamos um no outro; fecho os olhos, sentindo o cansaço vir, e aproveito
do carinho que o meu menino faz até finalmente adormecer.
[...]
Respiro fundo ao estar diante a fachada do colégio. Tantas coisas aconteceram durante as
duas semanas do recesso que este lugar, por alguma razão, não parece-me mais o mesmo. Ou
talvez, eu não seja mais a mesma. De qualquer forma, independente de qual é o caso, o fato é
que as coisas mudaram e isso é inegável.
– Bom... De volta ao batente.
Com as pastas em mãos, caminho pelo estacionamento e cumprimento o zelador, que sorri
depois de dias sem nos encontrarmos. Assim que coloco os pés no hall da entrada dos
funcionários, deparo com a professora de física e o professor de geografia, estes que me
saúdam com uma amabilidade que chega a desconcertar.
Ora essa! Até alguns dias atrás, essa mulher queria a minha cabeça em uma bandeja de prata
e agora está sorrindo, como se nada tivesse acontecido? E o professora de geografia, não era
o seu partidário nos bons costumes docentes? Definitivamente, o que duas semanas de
descanso não fazem com as pessoas, não é mesmo?!
Sem dar muita importância para a bipolaridade dos colegas que trabalham comigo, vou em
direção a sala de professores e sou recepcionada pelo mesmo clima descontraído de minutos
atrás. Ao que parece, eu não fui a única a ter um recesso agradável.
– Bom dia! – eu digo, uma vez que entro na sala.
Todos retribuem o meu cumprimento e Jackson, até então em sua mesa, se aproxima logo
que eu sento na cadeira. Inevitavelmente, o episódio do mercado e sua suposta desconfiança
do relacionamento que mantenho com um de nossos alunos rondam os meus pensamentos,
porém, trato de espanta-los e estampar o meu melhor sorriso.
Afinal, tenho que manter as aparências e ele não merece o meu menosprezo, somente por
uma desconfiança que eu sequer sei se existe ou não.
– Parece que o recesso fez bem para todo mundo. – comento, divertida.
– É porque você ainda não viu a diretora Charlotte.
– Como assim?
– Entrou aqui e a primeira coisa que disse, é que teremos um happy hour depois das aulas de
hoje. Estava com um sorriso tão grande, que, por pouco, não a confundi com o Coringa. – se
inclina um pouco e sussurra para que ninguém mais escute – Tenho quase certeza de que ela
tirou o atraso.
Luto para segurar uma gargalhada, mas a expressão hilariante do meu colega leva tudo por
água a baixo. Eu rio tão alto, que viro o centro das atenções.
– Me desculpem! – peço, ao recuperar o fôlego. Ao contrário do que aconteceria há dias
atrás, eles riem e voltam a conversar normalmente – Olha, isso está muito estranho. De
verdade.
– Não se preocupe. É assim mesmo. – Jackson ri e ajeita o cabelo castanho para trás – Dê
férias ou alguns dias de folga, e todos retornam como se tivessem encontrado a paz interior
num templo no Tibet.
– Como você é bobo!
– Só verdades. – dá de ombros. O assunto toma outro rumo – E aí, vai na confraternização de
hoje?
Eu pondero. Ir para uma confraternização de trabalho não estava nos meus planos para hoje,
que incluíam uma boa dose de fofoca com a Manu e talvez alguns episódios de alguma série
interessante, mas, acho que esses planos terão que esperar um pouco.
– Não perco a Charlotte risonha por nada!
Nós rimos e o primeiro sinal, o dos alunos, toca. A agitação na sala começa.
A primeira aula, na classe do Segundo A, transcorre normalmente. Bem como as demais, em
ambos os horários. Mesmo não tendo aula no Terceiro A, acabo esbarrando com John e seus
amigos no corredor do refeitório dos estudantes, na hora do intervalo. E me surpreendo ao
notar que Andrew não está junto deles.
O que será que aconteceu?
Apesar de toda aquela confusão, eles fingiam uma boa relação na frente dos demais, até
porque, todos ali são amigos. Que estranho.
No final do período, logo que os alunos saem para retornar as suas casas, já que não haverá
atividades nos clubes, organizo os materiais apressadamente, à fim de me reunir aos outros
professores para combinarmos o que faremos na confraternização.
Porém, a bendita apostila que peguei emprestado com a representante do clube de artes para
explicar algumas vanguardas europeias, reluz sobre a mesa, indicando que eu devo devolvê-
la antes de descer. Que ótimo!
Mesmo com preguiça e os pés doendo por ter ficado tantos dias sem andar em saltos, subo
para o quarto andar. Como os alunos já se foram, isso me dá a chance de entregar a tal
apostila sem precisar enfrentar a muvuca nos corredores.
– Você é um tremendo idiota, Andrew Lee!
Estanco no lugar ao escutar o seu nome, sendo pronunciado com raiva e talvez mais alto do
que deveria ser. Meus olhos vão direto para a porta do clube de música e posso ouvir vozes,
mesmo baixas, no que aparenta ser uma discussão. Com quem Andrew está discutindo e
ainda mais em um lugar como este?
– Mas, eu fiz tudo o que você pediu! Tudo!
Ele praticamente grita, bastante alterado. Mas o que raios está acontecendo ali dentro?
Ainda que hesitante e com um mal pressentimento, me aproximo à passos lentos e os mais
silenciosos que consigo com esses saltos. Esgueiro-me perto da porta e colo as costas na
parede. Apesar de querer olhar através do vidro, acho melhor escutar primeiro. Então, como
uma verdadeira fofoqueira, grudo o ouvido na porta.
– Não. Você não fez! – a outra pessoa grita. Uma mulher?
– Óbvio que fiz! Pelo amor de Deus, pare com essa loucura, e vamos resolver as coisas entre
nós. Temos assuntos bem mais importantes do que nos intrometermos na vida do Johnie. –
ouço-o suspirar – Eu fiz o que me pediu. Estraguei a minha amizade com ele e ainda magoei
alguém que não merecia, e tudo por você. Mas, já está claro que nada do que fizermos vai
separar esses dois.
Seus passos ressoam na sala, como se estivesse andando de um lado para o outro. Continuo
com a orelha na porta, chocada demais para fazer qualquer outra coisa a não ser ouvir. Então,
isso quer dizer que o Andrew era só um fantoche?
Capítulo 07
Bato com a cabeça na parede, confusa com tudo o que acabo de descobrir.
Isso quer dizer que o Andrew não foi o verdadeiro culpado? Que foi apenas um boneco nas
mãos de outra pessoa? Não, não. Se ele concordou em fazer tudo o que fez, mesmo que tenha
sido a mando de alguém, significa que é tão culpado quanto.
Afinal, ele poderia muito bem ter negado, certo?! Ou será que não?
Bem, indiferentemente de qual for a razão por trás de seus atos, não creio que fará com que
seja menos responsável. Ele tem a sua parcela, de qualquer forma.
O que me leva ao segundo problema: se ele agiu com alguém, Deus, quem mais sabe que
John e eu temos um caso? Isso é o que realmente me assusta agora.
Escorada o máximo que consigo na porta, sem denunciar a minha presença, volto a
aproximar a orelha da madeira para saber o que falam. Meu lado bisbilhoteiro está mais ativo
do que nunca. Sei que se eu for pega ouvindo conversa alheia, posso ser repreendida e ainda
ficar com uma fama pior do que já tenho, mas eu não sairei daqui até saber o que de fato está
acontecendo. É algo que envolve não só a mim, como ao John também. Eu tenho que correr
este risco.
– Apesar de tudo o que fizemos, eles ainda estão juntos. – ouço-o dizer, cessando os seus
passos – O que só confirma o que venho tentando lhe dizer desde que enfiou essa ideia
estúpida na cabeça e por pura birra não quis escutar. O John ama verdadeiramente a
professora Clara. Ele nunca se comportou dessa maneira por causa de uma mulher antes, nem
mesmo por você, que tanto dizia ser a queridinha dele.
– O Johnie não ama aquela vadia velha! – ela grita, aparentemente contrariada.
Eu rio, desacredita. Mas quem essa piranha pensa que é?
A vontade de olhar para a cara da infeliz que acaba de dizer o que não deve, sobe em mim
como labaredas. Mas, com muito custo, eu a detenho. Se souberem que estou aqui, vão parar
de falar e assim não saberei de mais nada.
Preciso me acalmar. Tenho que me acalmar.
– Desde quando John Berryann ama alguém, Andrew? Hã? – a voz da bendita soa outra vez
– Esse casinho ridículo com aquela professorazinha de quinta, que se acha a salvadora da
Terra, não é mais do que um dos joguinhos dele.
– Você sabe que não é. E mesmo que fosse, ele está feliz com ela, enquanto você está aqui se
remoendo de raiva. – o garoto diz e, inevitavelmente, deixo um sorriso escapar – Por favor,
vamos parar logo com esse absurdo. Deixe que o Johnie viva a vida dele e vamos viver a
nossa. Como eu disse, temos coisas mais importantes para...
– Eu não vou entregá-lo tão facilmente para aquela mulher.
– Você não tem que entregar o John. Ele sequer foi seu um dia, para que pudesse entregá-lo a
alguém. – Andrew solta o ar com força e novamente seus passos ressoam na sala – Aquela
época passou, não consegue entender?!
– Sempre fomos nós três, e então essa maldita Clara apareceu...
– Mas agora somos nós dois. – ele interrompe, um tanto nervoso – Nós dois e...
– Eu não quero que seja apenas nós dois!
– Só que as coisas são assim, droga! Uma hora ou outra iria acontecer, e poderia ser com
qualquer um de nós. Você deveria estar feliz que o Johnie finalmente encontrou alguém que
faz o coração dele bater e que também o cuida.
– Eu deveria cuidar dele, assim como...
– Você tem a mim, não é o suficiente? – pergunta e noto o seu timbre amargurado.
De repente, a sala fica em silêncio. Ela não responde. Segundo se vão e ninguém fala.
Por alguma razão, sinto-me mal pelo garoto.
– Deveria ser nós três, como antes. – a tal murmura, enfim.
– Mesmo que o plano tivesse funcionado, você acha mesmo que ele voltaria a estar conosco?
Acha mesmo que ele te olharia de outra maneira, depois de saber...
– Tenho certeza de que ele não se importaria.
– Eu me importaria!
Sobressalto com o seu grito repentino. O silêncio retorna e, como num estalo, aquele mau
pressentimento de minutos atrás se faz presente outra vez.
– Vocês não são amigos? – a fulana solta, com tamanho deboche que me embrulha o
estômago – Já me dividiram tantas vezes na cama, o que custa dividir isso também?
– Mas esse filho não é dele. Esse filho é meu, Scarlett!!
Andrew berra e eu só não caio para trás, porque a parede está me segurando. Com os olhos
quase saltando, de tão arregalados que estão, levo a mão a boca para cobrir a exclamação
mais do que escandalosa que, por um triz, não escapa.
Oh, céus!
Então a pessoa por trás de tudo isso, desde o início, era a Scarlett? A antiga amiguinha de
foda do John? E que, ainda por cima, está grávida? Grávida de Andrew Lee?
Meu Deus, é sério tudo isso?
Se for, isso explica muitas... Muitas coisas.
– Fale baixo, seu imbecil! – Scarlett exclama – E se alguém nos escutar?
– Que escutem! Estou farto de esconder, estou farto de fingir ser um grande filho da puta só
para realizar os seus caprichos e, principalmente, estou farto de aguentar as suas ameaças!
– Ameaças que eu vou cumprir, se não continuar fazendo o que eu mandei.
– Você é covarde demais, Scarlett. Tão covarde que me colocou para fazer o trabalho sujo no
seu lugar. Eu não acredito mais em nenhuma de suas intimidações.
– Você acha mesmo que eu estou brincando? Acha mesmo que eu não tenho coragem de
abortar essa maldita criança se não tirar o John daquela mulher?!
Para mim, essas palavras são a gota d'água. Sem dar importância para as consequências e
repetindo a cena de semanas atrás, abro a porta da sala do clube de supetão e
instantaneamente os dois se viram em minha direção. Scarlett empalidece, e mesmo com
raiva, fico receosa de que passe mal por conta do bebê que carrega.
O bebê de Andrew.
Ainda que eu repita e repita essa informação dentro da minha cabeça, a ficha não quer cair, e
tenho quase certeza de que levará um tempo até que isso aconteça.
– Professora Clara...
Olho para o garoto petrificado a poucos passos de mim e, pela primeira vez, não encontro
aquela arrogância em seu rosto. Muito pelo contrário. Posso notar que está abatido e
visivelmente deprimido. O que me parte o coração.
Eu não preciso ser nenhum gênio para compreender o que levou Andrew a fazer tudo o que
fez. Tudo está tão claro quanto água. E sinto-me péssima por, em momento algum, ter me
colocado em seu lugar e tê-lo julgado sem saber de absolutamente nada.
– Desde... Desde quando está aqui? – ele murmura, desconcertado.
– O suficiente para ouvir o que precisava.
Nós nos encaramos por um instante e não é preciso mais do que isso para que saiba que eu
descobri toda a verdade. Andrew lança-me um olhar pesaroso e eu apenas meneio a cabeça,
aceitando o seu pedido mudo de desculpas.
– O que você está fazendo aqui? – Scarlett esbraveja, chamando a minha atenção. Ela tem
muita sorte de eu não poder disparar raios laser dos olhos – Ouvindo conversas atrás da
porta, professora Clara? Isso não é um pouco decadente, mesmo para você?!
– Então quer dizer que foi você esse tempo todo? – eu sibilo, furiosa – Fingiu ser uma boa
moça enquanto obrigava-o a brigar com o próprio amigo, a troco de não abortar o bebê que
espera. Você não tem vergonha?
– E quem é você para falar alguma coisa? Huh? Uma professora de quase trinta anos, se
envolvendo com um aluno de dezenove. Não acha que a pessoa que deveria ter vergonha
aqui é você?
– Você realmente se prestou a isso, só para ter o John de volta?
– A maneira como as pessoas agem é diferente, professora. Algumas são fracas como você,
que apesar de estarem felizes, abrem mão facilmente do que amam. E outras são como eu,
que não medem esforços para conseguir o que querem.
– E isso implica em brincar com os sentimentos do Andrew e com o bebê que carrega? –
estarrecida, eu pergunto – A que ponto chega o seu egoísmo?
– Isso não é egoísmo, é saber lutar pelo o que deseja. Não estou fazendo nada de errado, a
única pessoa que não está fazendo o que deve é você.
Horrorizada com o tamanho de sua vaidade, encaro-a por um instante, até dizer:
– Apesar de ser errado o que John e eu fazemos, não estamos prejudicando ninguém, menos
ainda jogando com algo tão sério quanto uma gravidez.
– Acredita mesmo que não está prejudicando ninguém? O maior prejudicado em toda essa
história é o próprio John! Você está o envolvendo, brincando com ele, sem dar a mínima
importância para o que possa acontecer.
– Scarlett, já chega! – Andrew intervém.
– Ora essa, não estamos colocando a verdade sobre a mesa? Pois bem, ela terá que ouvir. Se
ninguém disse, eu digo agora: quem você acha que sairá perdendo se, "acidentalmente", a
diretora Charlotte descobrir esse casinho? Sim, exatamente. O John sairá perdendo e tudo por
sua causa. Por mantê-lo nessa palhaçada.
Calo-me. Ainda que me custe admitir, sei que ela está certa. Se um dia essa história vier à
tona, ele é o que mais sofrerá. E só de imaginar que eu posso destruir o futuro que tanto
ambiciona, quebra o meu coração em milhares de pedaços.
Olho de Scarlett para Andrew, mas desvio o rosto deste antes que possa notar a minha
inquietação. Tenho que me recompor.
Eu sei exatamente o que essa garota pretende. Quer me desestabilizar e assim sair vitoriosa,
confiando que eu vou abandonar o John por remorso. Só que esta é a última coisa que eu vou
fazer. Eu não vou me abalar perante ela.
Eu não sou essa Clara!
Apertando as unhas contra as palmas das mãos, respiro fundo uma e outra vez. Eu não vou
cair em seu jogo. Talvez a minha aposta seja arriscada, porém, a minha vida se tornou uma
verdadeira corda bamba desde que tudo começou.
Agora é hora de apostar alto.
– Me diga: e como a diretora Charlotte descobriria "acidentalmente" do meu relacionamento
com ele? Não acredito que seria por você. Afinal, se ama tanto o John quanto diz, não iria
querer vê-lo em problemas. Certo?! Além disso, do jeito que é covarde, a ponto de colocar o
pobre Andrew para fazer o seu trabalhinho sujo, eu duvido muito que teria coragem de abrir
a boca.
– Acha mesmo que eu sou tão covarde assim? – ela replica, irritada – Se eu fosse você,
professora Clara, não teria tanta certeza.
– Por tudo o que eu ouvi, tenho mais do que certeza. Só o que você sabe fazer é ameaçar e se
esconder atrás dos outros. É o típico cão que ladra, mas não morde.
Vejo o seu rosto tomar uma coloração vermelha. Seus olhos perfuram os meus, cheios de
ódio, e eu devolvo no mesmo nível. Mesmo que eu seja a sua professora, ela mexeu com o
meu lado mulher, e despertou o pior de mim.
Por longos segundos, nós nos enfrentamos diante Andrew. Fora de si, Scarlett arranca um
papel de dentro do bolso do uniforme e bate contra o meu peito com força. Sem entender a
sua atitude, pego o tal papel e leio. E antes não o tivesse feito. Arregalo os olhos mais uma
vez, que voam para o garoto afastado de imediato.
– Vamos, abra a boca agora para dizer que eu sou um cão que ladra, mas não morde.
Atônita, observo o papel em minha mão novamente. Este que repentinamente é arrancado de
mim e só sou capaz de fechar os olhos e deixar que um suspiro escape.
– O que você fez? – a voz trêmula de Andrew corta o ar – O que você fez??
– O que eu disse que faria desde o início. Me livrei daquele maldito bebê!
– Mas, você... Você disse que...
– Achou mesmo que eu teria aquela criança? Já estava nos meus planos fazer o aborto,
aceitasse você ou não me ajudar a separar esses dois.
Com pesar, vislumbro o garoto petrificado, segurando com força o papel do aborto contra o
peito. As lágrimas descem por seu rosto e, subitamente, ele cai de joelhos no chão. Corro
para acudi-lo, angustiada. Tomo-o em um abraço, enquanto soluça, devastado. Aperto-o mais
em meus braços, tentando mesmo que inutilmente lhe passar algum conforto, e sinto a
camisa que uso umedecer por conta de seu choro.
– Saia daqui! – rosno para Scarlett, mais do que nervosa. É mais que óbvio que a sua
presença não faz bem a ele, principalmente agora – Vamos, saia!
– Eu não vou até que me devolva o papel.
Ela cruza os braços, se impondo. Mesmo não querendo soltar o garoto que chora
copiosamente em meus braços, estou desacreditada demais com a cara de pau dessa menina
para não fazer nada.
Pego o papel largado ao lado de Andrew, dobro e enfio no bolso com zíper da saia. A passos
raivosos e decididos, me aproximo de Scarlett e rosno rente ao seu rosto:
– Você realmente está pensando que eu vou devolver esse papel?
– É meu! Por isso...
– "Por isso", uma ova! – interrompo-a, furiosa – Se você gosta de coagir as pessoas com
ameaças, então, que tal provar do próprio veneno?
– O que...
– Posso não ter nascido no seu país, mas eu sei muito bem como funcionam as leis. Assim
como eu sei que é proibido e cabível de punição a autorização de um adulto para que uma
menor de idade realize um aborto, mesmo que seja em uma clínica particular. Eu não sei o
que deu na cabeça da sua mãe para assinar esse papel, mas foi uma grande burrice tê-lo
trazido para cá.
– Me devolva! – ela grita, angustiada.
– Da mesma forma que você foi "corajosa" para tirar essa criança sem consultar o pai dela,
sendo que ele estava disposto a ajudar e ainda isso para ameaçá-lo. Da mesma forma que diz
ser corajosa para contar do meu relacionamento com o John, eu também serei para contar as
autoridades o que a sua mãe fez. E o melhor de tudo, é que eu tenho a prova bem aqui. – toco
o bolso da saia – Mais do que prestar contas com a justiça, você também terá que lidar com o
falatório dos seus colegas.
– Você não ousaria...
– Experimente. Não importa se mexer comigo ou não, mas ouse mexer com os meus
meninos de novo e você saberá do que eu sou capaz!
Assustada, ela me observa. Nós nos encaramos e sem que eu precise dizer outra vez, Scarlett
sai correndo porta a fora, largando-nos para trás.
Respiro fundo, trêmula. O que acabei de fazer foi uma loucura, mas também a única saída
para toda essa confusão e, tenho que admitir, a minha vingança para todo o mal que me fez
passar. Eu só espero que agora a Scarlett saiba qual é o seu lugar e mantenha-se bem longe. E
também espero não ter exagerado demais.
Um pouco exausta devido a tantas emoções, me aproximo novamente de Andrew e ajoelho a
sua frente. Com cautela, toco os seus cabelos acastanhados e deixo que continue chorando.
Entendo que precisa desabafar a sua mágoa, embora vê-lo tão desolado faça o meu peito se
comprimir de tristeza.
– Eu disse que ficaríamos bem, professora. – ele sussurra. A voz rachando aos poucos – Eu
disse que estaria ao lado dela, que daríamos um jeito...
– Quando ela engravidou?
– Nós descobrimos um pouco antes de aquela confusão acontecer. Eu acreditava que entraria
na quinta semana nos próximos dias. Claro que ela surtou quando soubemos, só que eu me
dispus a ajudá-la, disse que ficaríamos juntos e... Porque ela fez isso?
– Infelizmente, há pessoas que não se importam com os nossos sentimentos, Andrew. E
ainda que possa doer em você e sei que está, a Scarlett é uma delas.
– Me perdoe, professora Clara! – olha-me e posso sentir toda a sua agonia – Me desculpe por
tudo o que lhe fiz passar. Me desculpe por tentar separá-la do John e inventar todas aquelas
mentiras... Eu lhe magoei, sendo que sempre foi uma boa pessoa para mim, assim como
magoei o... O meu melhor amigo e... Eu nunca gostei dele, sabe?! Não como eu fiz com que
você e ele imaginassem.
– Não precisa explicar. Eu entendo.
– Não, eu devo isso à você, professora. Tudo o que eu queria era que a Scarlett não tirasse o
bebê. Eu fiz tudo por ela e... Eu a amava, droga!
Eu o abraço outra vez, apertando contra o peito. Tenho vontade de chorar, contudo, sei que
não conseguirei confortá-lo se o fizer. Por isso, engulo o nó de emoções que cresce em minha
garganta e torno a afagar suas madeixas castanhas.
– Ela foi a primeira garota que aceitou a minha bissexualidade. Sem julgamentos, a Scarlett
me aceitou como eu sou. Foi inevitável não me apaixonar. – prossegue – Mas agora eu
entendo que, se ela fez tudo isso, foi apenas para ficar perto do John. Porque sabia que nós...
Bem, nós estávamos... Ah, desculpe. Ele te contou tudo?
– Não tem problema. E sim, ele contou. – dou-lhe um sorriso – Continue.
– A Scarlett ficou louca ao levar um fora do John. Ela sempre acreditou que poderiam ser um
casal, ainda que, eventualmente, eu também estivesse no meio. Porém, não foi o que
aconteceu. Talvez ela tenha continuado comigo só para tentar se reaproximar dele, mas...
Acabou engravidando e tudo virou um caos.
– Em que momento ela começou a ameaçar você?
– Como eu disse, foi pouco depois de descobrirmos a gravidez. Eu contei a ela, professora.
Fui eu que contei que o John e você estavam se encontrando. E foi então que as ameaças
começaram. Sei que ela tinha o direito de... De não querer o bebê. Só que ela usou da
gravidez para que eu fizesse essas coisas ruins.
– Eu entendo, Andy. Entendo perfeitamente.
– Me perdoe, professora Clara. Me perdoe por contar e colocar vocês em risco.
Balanço a cabeça, pedindo silenciosamente que não se preocupe. Envolvo-o em meus braços
mais uma vez. Se algo vir a acontecer, eu lidarei com as consequências, como sempre soube
que teria que lidar. Embora a possibilidade me apavore só de pensar.
Durante longos segundos, permanecemos abraçados no silêncio da sala de música,
perdoando mutuamente todos os erros que cometemos.
– Você vai mesmo mostrar esse papel, professora? – o garoto pergunta, de repente.
– Não. Eu só quis assustá-la.
– Não se preocupe. Se tem algo que a Scarlett mais tem pavor é escândalo, especialmente se
envolver a família dela. E eu também não permitirei que faça nada, é o mínimo depois de
tudo o que causei.
– Já disse, não se preocupe.
Ao perceber que está mais calmo, ajudo-o a sentar em uma das cadeiras e me acomodo na
que está a sua frente. Pego em sua mão e a comporto entre as minhas, olhando-o fixamente
nos olhos e tentando passar algum conforto.
– Agora sou eu quem lhe pede perdão, Andy. – eu digo – Me perdoe por não levar em
consideração o seu lado, por não ter pensado que poderia ter algo por trás de tudo.
– Por favor, professora Clara, você não precisa...
Balanço a cabeça em negação, pedindo para que não fale.
– Sempre acreditei que era justa, mas provei a mim mesma que sou hipócrita, pois acabei
julgando-o sem saber. Você sofreu tanto e eu... Eu apenas lhe odiei e culpei por tudo o que
estava passando, e nem me dei a trabalho de entender o porquê de ter feito o que fez. –
acaricio gentilmente a sua mão e dou-lhe um sorriso triste – Me perdoe.
Ainda com lágrimas nos olhos, ele consente e o seu sorriso quadrado, tão bonitinho, aparece;
novamente, vislumbramos um ao outro em silêncio.
– Você acha que o Johnie vai me perdoar um dia? – pergunta.
– Eu...
– Eu perdoo você, Andy.
Alarmados, olhamos em direção a porta e lá está John, com uma das mãos no bolso e a outra
segurando uma partitura, a qual provavelmente veio devolver. Sua expressão é indecifrável.
Quando foi que ele chegou aqui? Será que até no quesito bisbilhotagem nós somos
parecidos? Pelo jeito, eu acho que sim.
Andrew e eu nos levantamos ao vê-lo se aproximar. Assim que estamos os três frente a
frente, o acastanhado ao meu lado diz - pela segunda vez:
– Desde quando está aqui?
– Tempo o suficiente para saber que você é um filho da puta corajoso.
O Lee sorri, mas o seu sorriso logo murcha e dá lugar a um semblante sério. Ele observa
fixamente o amigo diante si.
– Me perdoe, Johnie.
O meu lindo garoto de olhos intensamente escuros dá um passo em direção ao outro e
subitamente o captura em um abraço. Eu sorrio, encantada com a sua atitude. Andrew,
emocionado, devolve o abraço e derrama mais algumas lágrimas.
– Claro que eu perdoo você.
Tomada por uma felicidade e alivio que não cabem em mim, observo os meus meninos
fazendo as pazes e, por agora, isso é tudo o que importa.
Capítulo 08
Por Manuela
Ouvindo Clara tagarelar mais do que o normal, narrando toda a história por trás daquela
briga com o John e também sobre o tal de Andrew, estaciono na primeira vaga que vejo livre
e ambas saímos do carro, em direção ao supermercado.
– Então, quer dizer que a culpada de tudo foi aquela garota? – pergunto, apanhando um
carrinho, e a minha amiga consente – Eu teria dado na cara dela!
– E você acha que não faltou vontade?! – retruca, aborrecida – Só que, infelizmente, tive que
segurar as mãos ao lado do corpo. Sei que ela não teria coragem de contar, mas o que eu
menos precisava era de uma acusação "anônima" de que esbofeteei uma aluna. Sem falar que
John e eu poderíamos ser descobertos.
– Bem, de qualquer forma, você conseguiu colocá-la no devido lugar, ameaçando levar as
autoridades o tal papel que a mãe dela assinou para que pudesse abortar.
– Sinceramente, Manu, eu espero que isso sirva para alguma coisa. Mesmo que eu tenha
tocado na ferida, se a Scarlett foi capaz de fazer tudo o que fez, temo que ela seja capaz de
cometer qualquer besteira. Independente das consequências.
– Olha, eu duvido muito. – jogo uma caixa de cereal dentro do carrinho – Se você, por um
acaso, levar a ameaça adiante e entregar o documento para a polícia, não é apenas essa
cretina da Scarlett que sairá prejudicada. Imagina o escândalo que vai ser para a família
dela?! Além disso, com certeza essa história acabaria vazando para o colégio.
– Falando dessa forma, até parece que eu sou uma grande filha da puta por ameaçá-la,
sabendo tudo o que pode acontecer. De qualquer forma, não penso em levar isso adiante. Eu
só quis assustá-la para que não faça mais esse tipo de coisa.
– Vamos lá, amiga. Sem crises de bom samaritanismo, okay?! Lembre-se de todas as coisas
horríveis que aquela sujeitinha fez e todo o sofrimento que causou ao John e, principalmente,
ao pobre do Andrew.
– 'Tá bem, 'tá bem. – ela respira fundo.
– Eu te conheço bem para saber que não vai fazer nada sem uma boa razão, se fizer. Assim
como eu sei que você não vai simplesmente.... O que está escrito aqui?
Aponto para a pequena lista de compras em minha mão, a qual foi escrita por Clara e a sua
letra que mais parece inscrições egípcias.
– Sabão em pó, oras.
– Aqui pode estar escrito qualquer droga, menos sabão em pó. – aperto os olhos, tentando
distinguir as palavras – É sério. Às vezes, eu me pergunto como você pode ser professora
com um garrancho desses.
– Eu só escrevo dessa maneira quando estou com pressa. – defende-se, arrancando o papel de
mim – E a senhora praticamente me chutou para o mercado. Não me admira a lista estar
assim, se eu tive que escrevê-la às pressas dentro do carro.
– Que seja! Ainda é um garrancho.
– Enfim. – ela suspira – O que você dizia?
– Ah, sim. Eu dizia que a conheço bem o suficiente para saber que não vai simplesmente se
beneficiar disso para coagi-la. Quer dizer, se fizer algo.
– Óbvio que não. Sou ruim, mas nem tanto.
Nós nos olhamos e rimos. Ambas sabemos que a sua pose de durona é só fachada.
Ou nem tanto assim.
– De toda essa história, o que realmente me preocupa é o Andrew. – Clara volta a dizer – O
Johnie e eu já estamos bem. A inescrupulosa da Scarlett, bom, também já teve o que merecia.
Mas o Andrew... Aaahh... Eu preciso ficar de olho nele.
– Por que diz isso? Acha que ele pode fazer alguma coisa?
– Eu não sei. Quer dizer, foi um baque e tanto para ele, e é óbvio que aceitar o que aconteceu
não será fácil e ainda tem a dor envolvida. – suspira – É complicado.
– Por tudo o que você contou, Clara, deu para perceber que o Andrew é um garoto muito
forte. Não duvido que será difícil no começo, mas tenho certeza de que ele vai superar. E
também conhecer alguém legal no futuro, que o amará de verdade.
– Eu também espero, Manu.
– Se depender do seu apoio e do John, sem dúvidas.
Novamente, nós rimos.
Em meio à risos e mais fofocas acumuladas ao longo da semana, percorremos as seções do
mercado e vamos enchendo o carrinho de compras com os itens da lista - e mais um pouco;
pego os meus amados iogurtes de morango, os petiscos que costumamos comer assistindo
séries e ajudo Clara com os fardos de cerveja.
– E como foi a tal confraternização? – eu indago.
– O de sempre. A diretora Charlotte disse que o colégio tem um novo investidor.
– Ah, é?!
– Sim. Por isso toda aquela alegria esquisita.
– Aquela adora um dinheiro, hein?!
– Ela age como se aquele colégio já não tivesse investidores o suficiente. – debocha –
Aparentemente, vamos conhecê-lo ainda essa semana, em uma reunião.
– Provavelmente, é mais um daqueles velhos ricaços que gostam de mostrar que ajudam
alguma instituição.
– Como se "ajudar" um colégio de elite fosse muito digno de aplausos, não é?!
– Pois é.
– Bom, mudando de assunto. Como estão os preparativos para a próxima apresentação de
dança?
– Estão bem. Hoje eu tenho que comprar algumas coisas e... Aí, meu Deus! Que horas são,
Clara?
Um tanto confusa com o meu - quase - grito repentino, ela tira o celular do bolso.
– Quase uma da tarde. Por quê?
– Droga! Daqui a pouco o Sebby vai passar em casa e ainda estamos aqui.
– Sua safada! Então quer dizer que você só me arrastou mais cedo para fazer as compras,
porque vai sair com o Sebastian?!
– É óbvio! Ou achou mesmo que eu, de livre e espontânea vontade, sairia tão cedo de casa
para fazer as compras do mês?! Sendo que eu odeio fazer isso?
– Bem que eu desconfiei... – ela estreita os olhos, dando um sorrisinho – Cara de pau!
Dou de ombros, jogando-lhe um beijo.
Ora essa, eu tenho que adiantar o meu lado também.
Conferimos a lista mais uma vez, só para nos certificarmos que tudo o que precisamos está
dentro do carrinho, além das besteiras que pegamos, e enfim vamos para o caixa.
Como sempre, enfiar tudo no carro é uma batalha árdua. Principalmente, porque as sacolas
dividem espaço com os meus equipamentos de trabalho, os quais eu tive muita preguiça de
organizar e agora estão socados no fundo do porta-malas.
Não demoramos para chegar em casa, e antes mesmo de estacionar, vejo Sebastian encostado
em uma máquina de tirar o fôlego. Quer dizer, eu não sei quem tira mais o fôlego, mas
arrisco-me a dizer que é o meu menino, com certeza.
– Pelo jeito, terei que guardar as compras sozinha. – ouço Clara resmungar.
Eu até responderia, mas estou ocupada demais admirando o garoto a poucos metros e
tentando não bater o carro, o que, diga-se de passagem, não está sendo fácil.
Aí caramba! Como pode ser tão lindo?
Assim que paro diante o portão da casa que divido com a minha amiga, não penso duas vezes
em jogar as chaves do carro em seu colo e saltar para fora, indo em direção àquele que faz o
meu coração disparar e o meu corpo tremer por inteiro com apenas um olhar.
Mais do que perfeito, vestindo uma calça jeans de lavagem escura e uma simples camiseta
branca escondida por debaixo do casaco também escuro. Além dos seus típicos tênis All
Stars. Sebastian sorri no instante em que me ponho diante si e sequer dou importância para o
fato de estarmos em plena luz do dia, em uma rua residencial e com várias pessoas andando
de um lado para o outro. Apenas me lanço em seus braços e o beijo como se não nos
encontrássemos há anos.
Ele retribui, satisfeito, e me esbanjo com a doçura dos seus lábios fartos. Bem como do toque
de suas mãos que, mesmo despretensiosamente, me envolvem e apertam conforme o nosso
beijo se intensifica.
– Ei! Ei! – o grito da minha amiga nos obriga a parar – Você quer a polícia batendo aqui em
casa, Manuela? E a vizinhança inteira contra nós?
Estalo a língua no céu da boca e me afasto de Sebastian, totalmente contrariada. Ele apenas
sorri e acaricia a minha bochecha.
– Você é chata, hein?! – disparo contra a "puritana" a alguns passos de nós, tirando as sacolas
de compras do porta-malas – E bem inconveniente, quando quer.
– Só estou sendo sensata.
– Falou a pessoa que transa no armário do zelador.
– Manuela!
– De certa forma, a Clara tem razão. – Sebastian se pronuncia, aos risos – Sabe que não é
bem-visto os casais se beijarem em público. Não que eu me importe. Mas a probabilidade de
vocês se tornarem o mau exemplo do bairro é bem grande.
Suspiro, derrotada. Pior que eu sei e, bem, já temos um histórico bastante extenso.
Clara, com as mãos abarrotadas de sacolas, nos encara e volta a resmungar.
– Vocês dois ficarão parados aí? Se sim, vou arrastá-lo para me ajudar com as compras. E
então, o que vai ser?
– Eu não sei com o John te aguenta. De verdade.
– Do mesmo jeito que o Sebastian aguenta você, querida.
Ela retruca, fazendo-o soltar uma risada. Fico de frente para o meu menino, tão bonito, e o
abraço. Manhosa como sei que posso ser, pressiono os seios em seu peito, e sussurro:
– Eu sou um amorzinho, não sou, Sebby?!
– Você é o meu amor.
Como uma manteiga, me derreto toda com as suas palavras tão carinhosas. Se tiver como ser
mais feliz do que já sou, quero isso e para agora!
– É melhor nós irmos. – beija os meus cabelos e novamente sorri – Ainda quero passear
contigo, antes de voltarmos para casa mais tarde.
– Vai ser ótimo! A propósito, que carro é esse?
– É um Rolls-Royce Phantom Drophead.
– Ah, certo... Bem, e ele é seu?
– Digamos que sim. Na verdade, é do meu pai. Mas sou eu que uso.
– É uma bela máquina.
– E potente também.
– Não mais do que você.
– Pode ter certeza que não.
Tentada a beijá-lo outra vez, arrancar suas roupas e empurrá-lo para fazermos amor dentro do
carro, respiro o mais fundo que consigo e reprimo as minhas vontades por hora. Embora não
seja o que eu realmente desejo, vou me contentar em fantasiar com o que podemos fazer mais
tarde, quem sabe, em algum hotel pelo caminho.
Entramos em seu imponente Rolls-Royce prateado e seguimos rumo a Shepherd's Bush, o
famoso bairro de compras. O caminho, como sempre que estamos juntos, é divertido. E vez
ou outra, trocamos alguns beijos enquanto os faróis estão fechados.
Cerca de vinte minutos e estamos em nosso destino. Apanhando a minha mão, cheio de
cuidado e carinho, Sebastian me guia pelas ruas e um mar de lojas, com os mais variados
produtos, se abre a nossa frente. Comidas, cosméticos, roupas... Talvez encontrar tudo o que
eu preciso não seja tão fácil quanto pensei.
Com os dedos entrelaçados ao do meu garoto e aquela sensação gostosa no peito por ter sua
companhia, caminho entre a multidão de Shepherd's Bush e aos poucos vamos comprando o
que é preciso para a próxima apresentação que estamos organizando na escola de dança; o
número de sacolas vai gradativamente aumentando a cada nova rua em que entramos, e eu
tenho consciência disso quando nos sentamos para comer sorvete.
– Acho que devemos guardar as sacolas no carro. – eu comento, logo comendo mais uma
colherada do sorvete de morango.
– Comprou tudo o que precisava?
– Acredito que seja o suficiente. Se precisarmos de mais alguma coisa, posso vir buscar
depois ou peço para que alguns dos meninos faça isso.
– Se quiser, podemos vir juntos de novo. Apesar de cansativo, foi bem divertido.
– Foi ainda mais divertido, porque você está aqui comigo. – toco o seu rosto, numa carícia
sutil, ganhando um lindo sorriso de covinhas em troca.
– Tirou as palavras da minha boca.
Sabendo exatamente o que quero, ele se inclina e beija suavemente os meus lábios.
Huuuuummm... Sebastian e chocolate com morango. Eis uma combinação que eu preciso,
necessito, experimentar qualquer dia desses.
Sentindo o coração martelar dentro do peito, vislumbro os seus olhos castanhos escondidos
por trás da franja arroxeada e somente sorrio, como a boba que sou. Não há nada que faça
mais sentido do que esse amor que preenche cada pedaço do meu ser.
– Eu amo você. – sussurro, perto de sua boca – Muito, muito!
– Eu também amo você. Louca e profundamente.
Durante longos segundos, observamos um ao outro, transmitindo os sentimentos que
compartilhamos. Volto a desfrutar da textura de seus lábios, me delicio com cada pequeno
estalo que escapa no ar, e o desejo que tentei reprimir por toda a tarde retorna com ainda
mais força. Consumindo vorazmente a minha sanidade.
Eu o preciso. Eu o quero.
Tanto, tanto, tanto.
– Já está entardecendo. O que acha de procurarmos um hotel por aqui mesmo? – Sebastian
sugere. Seus olhos tão dilatados quanto os de um gato.
– Perfeito.
– Então, vamos deixar essas sacolas incomodas no carro.
Enfeitiçada pela ambição de sua luxúria, apenas balanço a cabeça, concordando. Afoito, ele
agarra as sacolas e saímos em disparado para o local em que o Rolls-Royce prateado está
estacionado, à algumas quadras de distância.
Como se estivéssemos fugindo do mundo, corremos de mãos dadas entre as pessoas, sem nos
importarmos de parecermos loucos ou ridículos. E sorrimos um para o outro ao avistarmos o
carro - nenhum um pouco chamativo - parado ao meio-fio.
Assim que todas as sacolas estão no porta-malas, ele me prende em seus braços longos e
firmes, e prensa o seu corpo no meu.
– Antes que eu perca a cabeça, é melhor acharmos logo um motel. Porque tudo o que eu
quero agora é fazê-la minha. Te amar e te fazer gritar de prazer.
Sua voz rouca sussurrada em meu ouvido é o suficiente para que eu trema, cheia de
expectativas. Sebastian e eu, sexo gostoso e selvagem. Ai caramba! Minha vagina se contrai
e umedece só de imaginar.
– Conheço alguns pelos lados do shopping Westfield.. – murmuro, tomada pelo tesão.
– Maravilha!
Pegando a minha mão com mais firmeza do que antes, praticamente me arrasta para a rua do
shopping de luxo, onde há uma dúzia de motéis escondidos entre as pequenas ruas paralelas
da região.
Apesar da movimentação ainda ser grande, caminhamos apressados, o desejo fluindo por
entre os nossos dedos entrelaçados e a cada segundo que nossos olhares se encontram. O
sangue pulsa em minhas veias mais e mais rápido, assim como a necessidade do seu corpo
em contato com o meu cresce desenfreada, tensa e febril.
Porém, como num piscar de olhos, Sebastian solta a minha mão em um movimento brusco e
se afasta. Surpresa com sua atitude e sem entender o porquê disto, olho-o em busca de uma
explicação, esta que não vem. Tento pegar a sua mão novamente, mas sou repelida com um
pequeno empurrão e a dor da rejeição me acerta em cheio.
– Seb...
– Sebastian!
Viro em direção a voz desconhecida e deparo com uma mulher, aparentemente em seus trinta
e poucos anos, com os cabelos escuros caindo graciosamente pelos ombros.
Seria muita hipocrisia minha não admitir que ela é bonita. Muito bonita.
– Ah, oi! – ele diz, quase sussurrando.
Eu estaria mentindo se dissesse que escutá-lo falar com essa mulher não me doeu.
Porque, sim, doeu.
– O que faz por aqui, huh? – ela pergunta e posso afirmar com todas as letras que a sua voz
se tornou a coisa mais repulsiva que já escutei na vida.
– Só... Passeando.
Subitamente, o silêncio paira sobre nós. Minha cabeça funciona a mil, querendo saber quem
é esta fulana e por qual razão Sebastian soltou a minha mão com tanta pressa ao vê-la. E,
para a minha infelicidade, todas as possibilidades que revoam os meus pensamentos são
bem... Bem ruins.
De novo, busco o seu olhar, sem sucesso. A indignação por falta de respostas começa a
encobrir qualquer demonstração de sensatez que eu possa ter. Chateada e ansiosa demais
para continuar calada, viro-me para o garoto estático ao meu lado, porém, minha pergunta é
interrompida pela da tal mulher:
– A propósito, quem é ela?
Mantenho-me atenta. Meu peito sobe e desce, agoniado.
Sebastian não me direciona o olhar nenhum segundo sequer e não preciso de muito para
saber que algo não está certo.
– Ela é... – ele engole em seco e, inevitavelmente, sinto que não vou gostar nenhum pouco do
que ouvirei – Uma colega. A professora de dança do Jimmy e do Matt.
Igual a uma vidraça, o meu coração se rompe em milhões de pedaços. Colega?
É isso o que eu sou? Somente uma colega? Nada mais do que uma colega?
– Oh, muito prazer! – tal fulana diz, esticando o braço para cumprimentar.
Contudo, não me mexo. Não posso e não quero. Sustento o meu olhar em seu rosto e deixo
que a minha decepção fale por si só; vejo-a dar de ombros para a minha aparente falta de
educação e sua atenção logo está no garoto outra vez.
– Você tem algo importante para fazer agora, Sebastian, querido?
"QUERIDO??"
– Ah, não... Eu acho que não.
– E as aulas?
– Estamos de folga hoje.
– Ótimo! Então, o que acha de me acompanhar até a sua casa?
– Como é que é? – praticamente grito, voltando à tona, e sem conseguir me conter.
– Algum problema, senhorita... Ah...
– Manuela. O meu nome é Manuela!
– Ah, sim. Algum problema, Manuela?
– Claro que sim! O que você quer na casa...
– Não há problema algum! – Sebastian se apressa em dizer, interrompendo-me – Ela só está
preocupada. Afinal, não lhe conhece direito e eu sou apenas um estudante.
– Quanto a isso, não se preocupe, Manuela. Eu conheço o Sebastian muito bem e te garanto
que não ofereço risco nenhuma a ele. – dá uma piscadinha e me seguro o máximo que posso
para não socar a sua fuça – Bem, vamos?
– Ah, sim. Vamos.
O maldito garoto me lança um último olhar e faço questão de dar-lhe todo o meu desprezo,
ainda que a minha real vontade seja agachar e chorar como uma desesperada. Sem permitir
que note a minha fraqueza, sustento o pequeno ato que nos une, deixando bem claro que, se
fizer o que está prestes a fazer, aqui será o fim.
Eu espero. Eu rezo e imploro que não tome a decisão errada. No entanto, para a minha
surpresa e decepção, ele se põe ao lado da megera e os dois caminham na direção oposta à
minha, distanciando-se mais e mais, e eu não posso acreditar que acabo de ser largada para
trás. Largada para trás por Sebastian.
Plantada em meio a calçada, segurando as emoções que lutam para escapar, continuo
observando até que desaparecem na esquina. Tudo o que acreditei se esvaindo, juntamente
com as lágrimas teimosas que desprendem-se dos meus olhos.
Tem como isso ficar pior?
– Há quanto tempo, Manuela!
Meu corpo trava ao ter uma mão em meu ombro.
Essa voz... Não, não pode ser.
Não era impressão minha, afinal? Mas que merda!
Engulo em seco e trato de limpar as lágrimas o mais depressa possível, deixando que a raiva
tome o lugar da mágoa. Viro-me e defronto o causador de tantos problemas do passado, com
o mesmo sorrisinho canalha de sempre e que revira o meu estômago.
– O mundo é realmente pequeno, não é?! – ele diz.
– Eu duvido muito disso.
– Acredite, ele é. – sorrindo ainda mais, dá um passo para frente e nos encaramos – Não está
feliz em reencontrar um antigo amigo, Manu?
Capítulo 09
Manuela anda muito estranha ultimamente. Eu não sei o que aconteceu realmente, mas,
levando em consideração que Sebastian também está com a mesma expressão de "cachorro
abandonado" esses dias, não precisei de muito para entender que estão desentendidos. Agora,
por qual motivo, eu não faço a mais vaga ideia.
Ainda que a curiosidade coce em mim, principalmente porque a minha amiga sempre teve o
costume de desabafar quando algo lhe angustia e até então não o fez - o que só torna tudo
mais estranho e me faz deduzir que foi algo bem sério -, prefiro dar-lhe espaço e esperar o
momento em que esteja mais confortável para vir falar comigo. Da mesma maneira que age
quando os papéis estão invertidos.
Se ela não quer se abrir por enquanto, eu vou respeitá-la, e dar todo o meu apoio.
Ajeito o coque em meus cabelos mais uma vez, tendo certeza de que está bem preso, e, como
se fosse atraída, os meus olhos voam diretamente para a pequena presilha em forma de
coelho sobre a cômoda. Sorrio. É o meu tesouro mais querido, cheio de boas lembranças.
Pego-a entre os dedos e consigo ver nitidamente o sorriso tímido e as bochechas coradas de
John depois de colocá-la em minha mão. Seu olhar era tão apaixonado, que senti como se
todas as minhas escolhas tivessem sido feitas apenas para que eu estivesse ali, naquele
momento. Sendo preenchida por um amor que eu sequer poderia imaginar receber ou sentir
na vida. Pelo menos, não depois de tudo o que passei a três anos atrás.
Mas agora é diferente. Tudo é diferente.
Aquela época já ficou no passado e a minha redoma de gelo foi completamente quebrada
pelo calor do meu lindo menino de olhos escuros. Com ele, eu aprendi que esse sentimento
pode ser tão lindo e pleno, e bom. Especialmente bom.
Sim, com ele.
Meu aluno, meu amante, meu antigo rival.
Com carinho, prendo a mecha longa da franja com o pequeno coelhinho e me olho no
espelho. É a primeira vez que vou usá-la para ir ao trabalho e sei que chamará uma atenção
desnecessária, sobretudo durante a reunião com o novo investidor, mas tudo valerá a pena
quando eu receber o olhar surpreso de Johnie ao notá-la. Tenho certeza de que sua reação
será impagável, visto que eu disse que preferia usar somente na rua.
– Manu, está pronta? – grito, alisando a saia para esticá-la.
Sua resposta não vem. Suspiro. Espero que ela não esteja fazendo a mesma coisa que tem
feito nos últimos dias.
Pego a minha bolsa e parto para o quarto ao lado do meu, encontrando Manuela dispersa,
encarando a janela fechada e as bochechas levemente úmidas.
Okay, estava chorando. De novo.
– Manu?
Ela se vira e, como se acordasse para a realidade, seca rapidamente as poucas lágrimas que
ainda escapam de seus olhos. Sorri sem graça.
– Oh, desculpe! Já está pronta? – pergunta.
– Sim. – largando a bolsa sobre a cama, me aproximo e a tomo em um abraço apertado – Vai
ficar tudo bem, huh?! Não chore mais.
– Clara...
– Eu amo você e fico triste por vê-la assim. Sei que não quer conversar, embora eu já
suspeite do que se trata, mas sabe que estou aqui para ouvi-la. Sempre vou estar.
– Eu sei.
– Enxugue esses olhinhos lindos e 'bora pra frente, certo?! A apresentação está chegando e
não queremos um remake de Titanic no palco, né?! Todo mundo afundando nas suas
lágrimas.
Ela solta uma risadinha, deixando-me mais aliviada.
– Tudo vai dar certo, Manu, acredite. – beijo os seus cabelos – Vamos? Eu preciso chegar
mais cedo, por que hoje é a reunião com o tal novo investidor.
Subitamente, sinto o corpo da minha amiga enrijecer. Me afasto um pouco e deparo com a
sua expressão preocupada. Estranho. Será que eu disse alguma coisa errada?
– Manu, o que foi?
– Ah... Nada, nada.
– Tem certeza?
– Sim, eu só... Me lembrei de algo que tenho que fazer para a apresentação.
Mesmo desconfiada de seu comportamento tão repentino, consinto. Ela anda tão avoada
esses dias, que não me admiraria que esquecesse a própria cabeça a qualquer hora dessas.
Seguimos para a garagem e logo estamos a caminho do colégio. O clima dentro do carro não
é dos melhores, mas consigo arrancar uma ou outra risada da minha amiga, o que é um
grande avanço se comparado aos dias anteriores.
As protagonistas de drama teriam inveja do tanto que Manuela chorou. Embora eu não possa
falar muita coisa, já que fiquei igual na época em que briguei com John - ainda que eu não
admita isso nem sob tortura.
– Se precisar, me ligue, okay?! Eu vou correndo. – eu digo, deixando outro beijo em seus
cabelos.
– Obrigada, minha flor...! – responde, fazendo-me sorrir.
– De nada, chuchu.
Saio do carro e vejo Manu partir antes de entrar no prédio.
Deveria eu ter uma conversinha com o senhor Wylie?
Não, não. Acho melhor esperar e deixar que se resolvam sozinhos. Se a situação continuar
assim, serei obrigada a puxar a orelha do garoto.
Giro nos calcanhares e caminho calmamente para a entrada dos funcionários. Assim que
coloco os meus pés no hall, deparo com uma correria incomum para o horário, o que,
acredito eu, seja reflexo da reunião que teremos depois das aulas com o novo investidor. Será
que ele é tão importante assim?
Bem, considerando todo esse fuzuê, talvez sim.
– Bom dia a todos! – cumprimento, igual a todas as manhãs.
A sala dos professores está uma falação só e logo me vejo inserida em uma das conversas,
sem ao menos perceber.
– Ao que parece, é um estrangeiro. – a professora de língua inglesa comenta – Isso explica o
porquê da diretora Charlotte estar tão animada.
– É a primeira vez que um estrangeiro investe no colégio? – pergunto, um tanto interessada.
– Não que eu me lembre.
– Acho que é a primeira vez, sim. – Jackson surge ao meu lado, sorridente como de habitual
– Ela está feliz demais para ser somente mais um estrangeiro querendo ser investidor.
– Algum pretendente, será? – alguém solta e me seguro para não rir.
Continuamos a falar sobre quem é o misterioso investidor e qual é a verdadeira intenção da
diretora com essa visita - além da profissional, é claro.
O sinal do início das aulas toca e nos traz à tona minutos depois.
– Gostei do acessório.
Jackson diz enquanto andamos para as nossas mesas e sei que está se referindo a presilha em
meus cabelos. Sorrio, um tanto sem jeito, mas agradeço.
Aquela sensação de desconfiança que anda rondando a minha percepção sobre Jackson
novamente aparece e me agita de uma forma nada boa. Porém, assim como tenho feito desde
que essa impressão cresceu em mim, forço-me a ignorar e seguir normalmente.
Sabendo como é a índole do meu colega de trabalho, tenho quase certeza de que ele viria
falar comigo caso suspeitasse, indiferente do que isto poderia acarretar.
Jackson é honesto demais para simplesmente ficar calado.
Para o meu azar, as primeiras aulas são com o pessoal dos Primeiros Anos, só depois que irei
para o terceiro andar. O que significa que, pacientemente, terei que esperar o intervalo passar
até que eu tenha a oportunidade de ver a reação de John ao notar a presilha. Talvez, haja uma
chance de nos esbarrarmos no corredor dos refeitórios, e espero que realmente aconteça.
No entanto, o primeiro período termina e eu não o encontro no corredor, já que fui
gentilmente "convidada" pela diretora, assim como os demais professores, para ir direto a sua
sala e onde tomamos o nosso lanche enquanto temos uma breve conversa do que acontecerá
hoje à tarde.
Ansiosa, eu praticamente subo as escadas de dois em dois degraus ao escutar o sinal bater. Se
eu soubesse que ficaria tão eufórica somente para mostrar que estou usando a bendita
presilha de coelhinho, eu teria a deixado exatamente no mesmo lugar, sobre a cômoda.
Mesmo que eu adore a forma como tudo relacionado a ele me faça feliz, as vezes ajo tão
bobamente, que tenho pena de mim mesma.
Acho que ainda preciso me acostumar com esses efeitos do amor.
Diferente da maioria dos dias, encontro John do lado de fora da classe, papeando
animadamente com seus amigos, incluindo Andrew, Austin e Lowell. Todos eles sorriem e
brincam, e eu não poderia ficar mais contente ao vê-los assim.
– Já bateu o sinal, sabiam?! – eu digo num tom divertido e todos olham para mim – O que
estão fazendo aqui fora, ainda?
Eles sorriem e eu acabo por fazê-lo também. Meus olhos recaem sobre John e, tentando ser
natural ou algo perto disso, toco a mecha onde está a presilha que me deu de presente e o
negrume de seu olhar ganha um brilho maravilhado. Um sorriso tão expressivo surge em seu
rosto, que, novamente, não posso conter o meu.
Entramos em nossa bolha particular, vislumbrando um ao outro, exteriorizando o que
ninguém no mundo pode entender, à não ser nós dois. Vejo um acanhado "linda" deslizar
silenciosamente por seus lábios, o rubor crescendo em sua pele, e tenho certeza absoluta de
que vou cometer uma loucura se ele continuar tendo essa reação tão fofa e alguma força do
universo não impedir.
Como se atendesse o meu pedido, ouço um pigarro ao meu lado e desperto. Alvoroçada, noto
Matthew rir cumplice pelo canto dos meus olhos e, virando para frente, assisto John
massagear a costela e reclamar qualquer coisa para Jimmy, que sorri maroto por dar uma
cotovelada no amigo.
Envergonhada por deixar que os meninos presenciassem as minhas emoções saindo de
controle, empurro Austin e Lowell de volta para a sala do Terceiro B e mando os demais
entrarem na classe em que teremos aula. Posso ouvir o risinho de Lowell antes de fechar a
porta, olho-o e ganho uma piscadela de volta.
Todos eles sabem e isso é tão óbvio. Contudo, pela primeira vez, sinto-me segura (ainda que
aquele inconveniente envolvendo Scarlett tenha acontecido) por ser exatamente esses
meninos que compartilham do meu segredo com Johnie.
Ao longo de toda a aula, sinto o peso do olhar do garoto sentado na penúltima mesa da fileira
do meio sobre mim. É intenso, despudorado e com uma pitada de ternura, e eu já não sei
mais se fico feliz por isso ou me arrependo amargamente de ter vindo com a presilha. Céus!
Como um coelhinho inofensivo como este pode causa tantas sensações?
Sensações estas que estão longe de ser inocentes.
Faço o meu melhor para ministrar a aula e - fingidamente - ignorar a atenção excessiva que
John impõe em mim, e enfim o sinal toca. Eu respiro fundo, aliviada. Aprendi a minha lição:
sem presilha de coelhinho no colégio!
Despeço-me dos alunos e dou uma última espiada no fundo da sala. Ao notar que eu o
observo, Johnie balança disfarçadamente o celular, indicando que devo olhar o meu. Saio da
classe e resgato o aparelho esquecido no bolso da sala, desbloqueando e lendo as mensagens
que acabam de chegar.
Para: Clara
Você me paga por ter feito o meu coração bater tão rápido a aula inteira"
De: Clara
Para: Clara
"Espertinha... kkk
Mas isso não tira a sua parcela de culpa. Porque você é linda e apareceu com o meu presente sem que
eu estivesse preparado. Por isso, ainda está encrencada."
O segundo sinal dispara e eu retomo o meu papel de professora. Sorte a minha que não há
ninguém no corredor para compartilhar essa cena constrangedora e rir da minha cara de
pateta olhando para o visor do celular.
Ninguém precisa sabe o quão feliz eu estou agora, bem como não precisam saber o quanto
meu peito está aquecido e palpitando loucamente nesse exato instante.
Entro na sala do Terceiro B com uns minutinhos de atraso, mas ajo como se nada tivesse
acontecido e dou a minha aula; no final da terceira e última do dia, passo um questionário
dos capítulos que estudamos antes do recesso e peço para entregar até a próxima semana, da
mesma maneira que fiz com as outras turmas.
Olho para o relógio e tenho pouco mais de quinze minutos para descer antes que a reunião
com o novo investidor comece. Guardo os materiais e me apronto para sair, e tudo teria sido
perfeito, se um dos alunos não tivesse brotado bem a minha frente pedindo ajuda com um
texto.
Não que eu realmente me importe com essa droga de reunião e o provável velho que quer
mostrar seu "altruísmo" patrocinando o colégio, contudo, eu sei que a diretora vai me encher
o saco se eu chegar atrasada.
– Precisa ser agora? – eu indago, pegando a bolsa.
– Se não for incomodar, eu realmente preciso da sua ajuda, professora Clara.
– Tudo bem. – solto um suspiro – Eu ajudo. Venha cá.
Sento ao seu lado na mesa e explico o que me pede. Não demora nem cinco minutos para que
sua dúvida seja sanada e ele se vai, deixando-me livre para seguir até a sala do professores.
Bem, esse era o plano, se ele não aparecesse de repente na porta.
– O que aquele babaca queria com a minha professora? – John pergunta.
– Aquele babaca... – ironizo, apontando com o queixo – Queria ajuda com a matéria.
– Conheço essa desculpa. Sempre funciona.
– É mesmo? Você é um perito?
– Sou.
Sinto suas mãos encaixarem-se nas laterais do meu corpo e guiar-me para dentro novamente,
não sem antes verificar que não há mais uma alma viva no corredor. A porta atrás de nós se
fecha com o empurrão do seu pé e, num segundo, estou entre ele e a parede do lado.
– Johnie, eu preciso descer.
– Só um minutinho. – sussurra.
– Você sabe que não é só um minutinho. Nunca é.
Ele sorri travesso e morde o lábio inferior, confirmando o óbvio.
– John, por favor.
– Você está tão graciosa com essa presilha no cabelo. – beija o pequeno coelhinho e depois a
minha bochecha – Não posso controlar.
Eu respiro fundo, uma e outra vez. Quem não está conseguindo controlar sou eu, com o seu
corpo forte colado a mim e o seu desejo rompendo as minhas barreiras.
– Quero te beijar. – sua voz arrepia até o meu último fio de cabelo.
Sem apresentar qualquer resistência, balanço a cabeça e deixo que me beije. Nós nos
entregamos aos nossos sentimentos e, pela primeira vez, eu experimento um orgasmo feroz e
maravilhoso em tão pouco tempo.
Definitivamente, eu adoro o que seus dedos fazem quando inspirados.
Malditamente atrasada e arrumando as roupas do jeito que posso, corro escadas a baixo
enquanto tento não transparecer que acabo de ser masturbada e ter um delicioso orgasmo
dentro de uma das salas de aula. Paro diante a porta da sala dos professores e respiro fundo.
Respiro... Respiro... Respiro. Talvez sirva de consolo saber que não vou tomar uma bronca
assim que entrar, por que a diretora não vai querer parecer uma louca - a louca que ela
verdadeiramente é - na frente do tal investidor.
Pigarreio e bato na porta. Dois toques firmes. Alguém no interior lança um "entre" e eu o
faço. De cabeça baixa, querendo demonstrar uma vergonha que eu realmente não tenho
agora, me aproximo da mesa e então ouço a diretora dizer:
– Professora Clara, por favor, cumprimente o nosso novo investidor.
Ergo os meus olhos para a figura na ponta da mesa e o meu mundo desaba, assim como as
pastas que estavam em minhas mãos, que caem pesadamente no chão.
Só pode ser brincadeira.
Por favor, que isto não esteja acontecendo. Por favor, não.
– Este é o novo investidor do colégio. O nome dele é Adrian.
Meus olhos estão fixos nele, mas, na verdade, é o passado que está ressurgindo diante mim.
Capítulo 10
Sem conseguir mover um músculo sequer, lutando para não sufocar a cada lufada de ar que
dou, continuo encarando o homem que tanto rezei para não voltar a ver e que agora está,
ironicamente, parado a poucos passos de mim. Com o mesmo semblante presunçoso que
deixei para trás e o par de olhos mentirosos, que tolamente acreditei um dia serem os mais
sinceros, e os quais eu passei a detestar.
As lembranças e sentimentos amargos que tranquei por tanto tempo, retornam com tamanha
força, que agradeço ao universo por ainda ser capaz de me manter em pé.
Divago até três anos atrás. A todos os momentos, todos os beijos, todas as carícias e
promessas, assim como todas as mentiras e humilhações. E meu estômago revira. A antiga
Clara se faz tão vívida como jamais fora em todo esse tempo, e só o que tenho vontade é de
sair daqui e fingir que essa merda de reencontro nunca aconteceu.
Perdida em uma avalanche de emoções, sendo raiva a mais forte entre elas, nem ao menos
percebo o instante em que o sujeito do qual quero distância, se põe a minha frente. Observo
sua mão estendida para me cumprimentar e tenho vontade de afastá-la com um tapa, mas,
inconvenientemente e para a sua sorte, todos os olhares da sala estão sobre nós e não pegaria
nada bem eu ser rude com o novo investidor do colégio.
Respiro fundo, querendo me recompor.
Preciso me acalmar.
Tenho que ficar calma ou não sobrará pedra sobre pedra, e certeza de que o corpo docente irá
de brinde e o meu trabalho também.
Preciso me acalmar!
Estar outra vez tão próxima a ele, de longe, traz boas sensações. Olhar para o seu rosto,
menos ainda. Odeio estar nessa posição e como odeio. Porém, ciente de que não há nada que
eu possa fazer contra isso, o que resta é bancar a profissional. O que não significa que não
lhe darei todo o meu desprezo. Bem, mais do que ele já tem.
– Muito prazer em conhecê-la. – ele diz em inglês, quebrando o silêncio e sorrindo
cordialmente, como se fossemos realmente estranhos.
Será que posso ser despedida se der um soco nele ao invés de apertar a sua mão?
– Eu sou Adrian, o novo investidor desse colégio. E você é...
– Clara. – respondo, mesmo relutante – Sou a professora Clara, de literatura.
Adotando o melhor estilo inglês, dou-lhe um apertar de mão breve. Sem mais.
Voltamos a nos encarar, isso até a voz da diretora Charlotte soar um tanto dura.
– Podemos começar?
Viro-me para ela e digo que sim. Recolho os meus pertences até então caídos e vou em
direção a cadeira vazia mais distante da ponta da mesa, onde Adrian se posta novamente.
Com todos em seus lugares, enfim, a reunião começa. O incomodo em meu peito parece
aumentar a cada segundo que estou dentro dessa sala, tão perto daquele homem. Finjo prestar
atenção assim como os demais professores, enquanto, na verdade, rabisco qualquer coisa no
meu bloco de anotações, o qual sempre trago comigo para momentos como este.
Ele fala, fala e fala. Mas sequer lhe dou ouvidos. Continuo rabiscando o papel, simulando ser
algo bem mais interessante do que a tal proposta de investimento, porém, ainda assim, tenho
plena consciência de que seu olhar não sai de mim. Posso sentir o peso de sua mirada,
buscando o que não estou nem um pouco disposta a ceder.
Penso em John e no que fizemos antes do mundo cair sobre a minha cabeça, querendo, de
alguma forma, tirar o foco da situação atual. Contudo, o que consigo é exatamente o
contrário. Sinto-me culpada e não sei o porquê. Talvez o fato de que o meu ex-namorado
agora seja um dos principais investidores do colégio possa ser o motivo. Pois, assim como eu
não estou nenhum pouco contente com isso, sei que Johnie também não ficará. E,
principalmente, porque eu não quero envolvê-lo nisso.
Se Adrian continua sendo a mesma pessoa que conheci, definitivamente, esta é a última coisa
que permitirei que aconteça.
O 'tic-tac' do relógio sobre a porta ecoa em meus ouvidos, um som insistente e irritante, que
aparenta fazer o tempo se arrastar. E instante a instante, torço para que essa maldita reunião
acabe logo e eu possa sair da sala, sem precisar lidar com aquele idiota patético mais do que
o necessário.
De repente, sinto alguém cutucar o meu ombro e só então me dou conta de que todos estão
de pé. Levanto depressa e ponho-me na mesma postura que os demais. E como não poderia
deixar de ser, recebo um olhar repressor da minha chefe.
– O contrato será assinado na próxima semana. – a diretora se pronuncia, comunicando, e
então volta-se para Adrian – Durante esse tempo, se for de sua vontade, podemos fazer uma
pequena confraternização. O que acha?
– Oh, claro. Eu adoraria.
Ele sorri e consente. Se Adrian soubesse como estou me segurando para não apagar esse
sorrisinho falso do seu rosto, não estaria o exibindo tanto assim.
– Será uma boa oportunidade de nos conhecermos melhor. – ela diz, um pouco mais
empolgada do que deveria. Notando isso, logo se apressa a retratar – Digo, a todos nós.
Conhecer melhor a todos nós.
De novo, Adrian abre um sorriso e então olha para mim. Eu não desvio e faço questão de
mostrar que não estou nada contente com a sua presença, muito menos com essa ideia de
confraternização. Contudo, como eu não tenho muita escolha e a minha cota de desculpas
esfarrapadas para faltar a esses encontros está quase esgotada, e, acredito eu, não funcionarão
dessa vez, tenho que me conformar em aceitar.
– E quando será? – alguém pergunta.
– Marcaremos em breve. Pode ser?
– Por mim, tudo bem.
– Bom, já que abordamos tudo o que precisava ser dito, vocês estão dispensados.
A diretora anuncia e eu quase dou um salto em direção a porta, pulando sobre a mesa só para
chegar mais rápido e sair da mesma maneira.
Bem, quase...
– Preciso dar uma palavrinha com você, professora Clara.
Fecho os olhos e respiro fundo. Permaneço sentada, vendo os demais professores saindo e o
olhar de Jackson recai sobre mim, rápido, mas que não me foge. Dou de ombros. Ele sempre
faz isso quando fico para receber as reclamações de Charlotte, ainda que a sua expressão
estivesse um pouco diferente do habitual.
Assim que a sala esvazia, sobrando apenas a diretora, eu e - para o meu total desgosto -
Adrian, um silêncio desconfortável se faz presente.
Eu sei porque pediu para ter uma palavrinha comigo, é sobre o meu atraso antes da reunião
começar e, bem, eu já esperava por isso. Mas, por que raios esse cara tinha que estar aqui
também?
A diretora se aproxima, parando ao meu lado, e fala:
– Sabe que eu não tolero atrasos, não é, professora Clara?
– Sim, senhora diretora. – reprimo um suspiro e limito-me a balançar a cabeça – Um aluno
pediu ajuda com a matéria, para concluir o trabalho que deve entregar até semana que vem.
Por isso acabei me atrasando.
Não é de todo mentira. Embora os outros minutos adicionais tenham sido graças à aparição
repentina de John e nossa rápida brincadeira na sala de aula.
– Bem, se for por esse motivo, eu entendo. Porém...
Um frio sobe por minha espinha ao escutar o seu "porém". Não é mentira quando dizem que
essa palavra nunca vem seguida por boa coisa e eu já tive a prova disso várias vezes.
– Eu gostaria que pedisse desculpas ao senhor Adrian, por sua falta de educação.
– O que? – me levanto, de supetão. Devo ter feito um movimento tão brusco e inesperado,
que a diretora recuou dois passos – Pedir desculpas a ele?
– Exatamente. – retruca com a voz firme, mesmo nitidamente surpresa com a minha atitude –
Sei que foi ajudar um aluno, mas também não posso negar que foi falta de respeito com o
nosso novo investidor.
Olho para Adrian, parado na ponta da mesa e de volta para a diretora. Minha expressão deve
estar longe de ser uma das melhores, pois Charlotte me encara um tanto receosa.
Aperto as mãos em punhos e respiro fundo. Me nego! Se tem uma coisa que eu não vou fazer
nem sob tortura, nem que custe o meu trabalho, é pedir desculpas a esse homem. Não me
importo nem um pouco de sair daqui e ir direto encaixotar as minhas coisas. Mas,
definitivamente, um pedido de desculpas não deixará a minha boca.
Nem agora e nem nunca!
Vendo que não dou indícios de fazer o que pediu, Charlotte se prepara para mandar outra vez
e eu para dizer-lhe em alto e bom som que não vou me rebaixar a tal coisa, mas a voz vinda
do fundo da sala nos interrompe.
– Não precisa disso, diretora. – Adrian diz, compreensivo – Está tudo bem.
– Mas, senhor Adrian.
– De verdade, não há necessidade de pedir que a sua professora me peça desculpas. Ela só
estava ajudando um aluno. É o trabalho dela, afinal.
Olho-o, sentindo asco por toda a sua arrogância. Me pergunto como um dia eu fui capaz de
amar alguém assim. Ou melhor, imaginar que amei.
– Se o senhor diz... – ela solta um suspiro e me observa sobre o ombro, visivelmente
contrariada, já que não teve a oportunidade de mostrar o quão "bem educados" são os seus
professores – Bem, senhor Adrian, eu vou ao banheiro. Daqui a pouco retomamos a
conversa, sim?! E quanto a você, professora Clara, pode se retirar.
Me curvo e tenho a imagem de seus pés se afastando. Endireito-me e sinto o desespero bater
ao ver a diretora cruzar a porta, indo para fora, e Adrian ficar para trás. Mais
respectivamente, sozinho comigo dentro da sala.
Meu primeiro pensamento é agarrar os materiais e sair o mais rápido possível, porém, mesmo
que eu faça isso, o inevitável já aconteceu: nos reencontramos e estamos à sós depois de três
longos anos.
Cara a cara.
– O mundo é realmente pequeno, não é?! – solta, em seu idioma, o espanhol – Nunca iria
imaginar que poderia encontrá-la logo aqui, mais perto do que eu imaginava.
Tenho a opção de jogar boas verdades e toda a mágoa que guardei por tanto tempo sobre si,
ou simplesmente ficar quieta e seguir com a minha vida, como se ele jamais tivesse voltado à
tona. Embora a primeira opção seja muito tentadora, eu sei como sempre odiou ser ignorado
e é exatamente o que farei agora.
Vou deliberadamente desprezá-lo.
Não respondo. Pego os materiais que largueis sobre a mesa, ajeito a alça da bolsa no ombro e
vou a passos decididos para a porta. Contudo e como imaginei, Adrian se põe a minha frente
e impede que eu saia. Nos confrontamos e, controlando todos os meus impulsos, dou-lhe um
sorriso forçado e digo:
– O senhor poderia sair da minha frente, por favor?
– Senhor? Acho que deixamos as formalidades para trás a muito tempo, Clara.
– Deixamos muitas coisas para trás, Adrian. Formalidades foram apenas uma delas.
Ele me olha e eu retribuo, impiedosa. Tento abrir a porta mais uma vez, e de novo sou
impedida. Meu sangue começa a ferver e a opção de jogar-lhe uma ou outra verdade n meio
da cara, se faz verdadeiramente interessante.
– Como tem passado, huh? O que anda fazendo?
– Vivendo. Algo que eu não fazia enquanto estava com você.
– Ei... Não fale assim.
– A propósito, você também está vivendo bastante, não é?! Quer dizer, para que dizia que
não conseguiria suportar estar longe de mim e que a melhor saída seria a morte, até que você
está bem vivo. Até investindo em colégio na Inglaterra você está.
Ele fica quieto, aquele olhar de peixe morto sobre mim, e a minha ira só aumenta.
– Você ama muito a si mesmo para tentar suicídio, Adrian. É egoísta demais.
– Talvez. – dá de ombros – O que não significa que eu não estava sendo sincero ao dizer que
não suportaria ficar longe de você. Eu senti muito a sua falta, sabia?!
– Sentiu tanto, que até se casou. – disparo, vendo arregalar brevemente os olhos – As notícias
correm...
– Ela nunca vai significar metade do que você significou para mim, Clara.
– E eu realmente espero que não. Porque, se sim, eu tenho muita pena dela.
– Você fala como se não tivéssemos passado nenhum momento bom.
– Ah sim, nós passamos. E todos eles foram destruídos e adivinha por quem? Sim, por você!
Adrian abre um sorriso desaforado.
– E você? Se casou?
– Isso não é da sua conta!
– Pelo jeito, não. – noto um sorrisinho brotar outra vez em seus lábios – E, além de ser
professora e servir de capacho daquela velhota, o que mais você faz? Eu pensei que você iria
realizar aquele sonho de ser competidora de BMX ou evoluir para alguma coisa mais
interessante, mas, pelo o que vejo, está na mesma vidinha patética de sempre.
Sou eu quem sorri. E lá vamos nós para os seus famosos ataques psicológicos.
– Sinceramente, é melhor servir de capacho dela, do que ser o seu. E, bem, eu estou muito
bem com a vida que levo agora. Se você está insatisfeito com a sua, mesmo casado e dando
uma de prodígio dos negócios, e quer destilar o seu veneno para tentar se sentir melhor, sinto
em dizer, mas não vai funcionar.
O seu sorriso repentinamente desaparece. Reparo que a sua postura muda e fico atenta.
Porém, agora que o pior de mim se libertou, vou dizer tudo o que tenho vontade.
– O que foi? Está triste porque agora eu não abaixo mais a cabeça para você? – alfineto, sem
hesitar – Além disso, não duvido nada que eu esteja mil vezes mais feliz com a minha
vidinha patética, do que você com a sua "aparentemente" vida bem-sucedida. Você não é
feliz, Adrian, e nunca vai ser. Sabe disso, não é?!
Ele me encara, intensa e profundamente. Um calafrio corre por todo o meu corpo e, ainda
que eu me repreenda por isso, sinto minha confiança esvair um pouco.
– Eu esqueci o quanto você podia ser irritante... – Adrian solta, num tom levemente raivoso.
Dá um passo à frente e eu me mantenho firme, ou perto disso – E também lembrei porque eu
tinha que viver mandando você calar a boca.
Tento permanecer impassível, mesmo perante o seu olhar tempestuoso, aquele que eu bem
conheço de outras épocas. Eu o superei. Superei tudo e esse é o momento de colocar isso a
prova. Não vou permitir que volte a fazer o de antes.
Não vou permitir!
– Você sempre se achou muito segura de si, não é?! – debocha, se aproximando mais – Mas,
até quando essa segurança toda vai resistir, huh?
Mordo o lábio, tomando coragem para enfrentá-lo, mas a maçaneta começa a se mexer e a
diretora Charlotte surge a nossa frente. Confusa por eu ainda estar aqui, sendo que me
mandou embora a minutos atrás, olha para mim a procura de alguma explicação e eu apenas
solto o que me vem primeiro a cabeça:
– Não achei certo sair sem pedir desculpas pela a minha falta de educação.
Ela esboça um 'Ah!' e então sorri, satisfeita. Sem olhar para Adrian, despeço-me e saio de
vez da sala dos professores. A porta atrás de mim se fecha e eu solto o ar que sequer percebi
estar segurando.
À passos nervosos, caminho em uma direção qualquer e praticamente corro ao ver um
bebedouro no meio do corredor. Preciso de água.
Deixo tudo no chão e bebo o maior gole d'água que sou capaz. Minha garganta está muito,
muito seca. Bebo como se a minha sede fosse insaciável e me apoio na beirada do bebedouro
ao sentir que não posso engolir mais nada.
Respiro fundo uma... Duas... Três... Vinte vezes.
Sentindo que as minhas pernas não suportam mais o peso de tantos acontecimentos
repentinos e do passado que teimou a vir me assombrar, me agacho no corredor e deixo um
longo suspiro escapar, o qual ecoa no vazio.
Tudo estava tão bom, tão perfeito, por que justo agora o Adrian tinha que reaparecer na
minha vida? Melhor dizendo, por que ele simplesmente tinha que reaparecer?
Por que?
– Professora Clara?!
Olho para o lado e deparo com Lowell vindo rapidamente em minha direção. Forço as
minhas pernas a se mexerem e levanto um pouco desajeitada, sendo ajudada pelo garoto
agora ao meu lado. Passo as mãos soadas no tecido da saia e tento sorrir.
– Ah, Lowell. Precisa de alguma coisa?
– Está tudo bem, professora?
– Sim, sim.
– Você está pálida. – analisa-me um instante – Tem certeza de que está bem? Quer que eu
chame o Johnie? Ele está ali no refeitório comprando alguns lanches e...
– Não! Não precisa chamá-lo. Eu realmente estou bem. – novamente tento dar-lhe um sorriso
reconfortante, sem sucesso – Só estou cansada. Tive uma reunião longa e que acabou faz
pouco tempo. O que eu preciso é de descanso.
Lowell me observa atentamente, talvez procurando alguma brecha de que eu esteja mentindo.
Novamente, tento parecer estar bem, ainda que seja quase impossível.
Ficamos em silêncio por uns segundos. Eu sei que não acredita em mim, mas também não
parece disposto a insistir no assunto, o que me alivia profundamente. Só preciso me
assegurar de que não vai comentar nada com o seu amigo.
– Lowell... Huh... Se você puder não comentar que me encontrou dessa maneira para o John,
eu agradeceria imensamente. Ele já anda ocupado com tantas coisas, não quero que se
preocupe com uma coisa boba com esta. Tudo bem?
Lanço lhe um olhar suplicante e, mesmo contrariado, ele consente e eu sorrio.
– Fique tranquilo, eu estou bem. Pode voltar para as atividades do clube.
– Tem certeza? – pergunta mais uma vez.
– Sim. – tento sorrir – Vou chamar um táxi e ir direto para casa descansar.
Ainda relutante, consente e despede-se, caminhando de volta para o refeitório. Embora tenha
concordado em não contar nada para o Johnie, me apresso em sair do corredor e ando direto
para o estacionamento.
Eu preciso conversar com a Manuela.
Capítulo 11
Entre o choque e a indignação, eu encaro a minha amiga sentada do outro lado do balcão,
esta que mantem a cabeça abaixada. Ando de um lado para o outro, tentando controlar a raiva
crescente em meu peito, mas, ainda que em me esforce, é impossível.
– Como assim você sabia que ele estava em Londres e não me contou nada, Manuela?
Ela me espreita por debaixo dos cílios e solta um suspiro. E não precisa de muito para decidir
que o balcão é mais inofensivo do que eu e voltar a encará-lo.
Continuo andando de um lado para o outro, sem temer abrir um buraco no chão da cozinha.
Meu olhar paira sobre Manuela e me obrigo a respirar fundo para segurar a acidez em minha
língua, que coça para sair da boca.
Estou com os nervos à flor da pele e eu gostaria muito de não usar essa desculpa para
simplesmente despejar toda a angústia que sinto sobre a desmiolada sentada a minha frente.
Ainda que fosse muito justificável eu lançar a bomba sobre a Manu, principalmente nesse
momento, eu não serei insensível à ponto de não ligar para o fato de que ela já tem os
próprios problemas.
Estes que, diga-se de passagem, estão perdurando mais do que eu imaginava.
Forço os meus pés a estancarem diante o balcão e cruzo os braços sobre o peito. O clima é
tão pesado, que posso senti-lo nos ombros. Manu permanece calada e cabisbaixa, até mesmo
pensativa, e eu não posso deixar de notar que é a primeira vez em tantos anos que nos
estranhamos dessa maneira.
O que só me faz perceber que Adrian mal chegou e já trouxe dores de cabeça.
Por mais alguns minutos, limito-me a observar ao redor e fazer com que a raiva se esvaia
com esse gesto. Sentindo-me um pouco mais calma, solto um longo suspiro e sento na
banqueta rente a minha amiga, ainda calada.
Sei que está agindo assim porquê sabe exatamente que eu tendo a ficar ainda mais nervosa
conforme discuto e essa é à sua maneira de me dar tempo para esfriar a cabeça. E eu a
agradeço imensamente por isso.
– Por que você não me contou, Manu? – pergunto, largando mais um suspiro no ar.
– Me desculpe, Clara. Não foi a minha intenção esconder de você, acredite.
Trocamos olhares por um instante, cheios de significado, e sou incapaz de permanecer
irritada por mais tempo. Afinal, eu sei que ela não fez com uma má intenção.
Pego a sua mão estendida sobre o balcão e a aconchego entre as minhas. Dou-lhe um sorriso
reconfortante.
– Eu sei que não, Manu. Eu sei.
Minha amiga sorri fraco e aceita as desculpas, ainda que esdrúxulas; respeito o silêncio que
segue momentaneamente, esperando que ela tome a iniciativa de começar a falar.
– Tudo começou a algumas semanas atrás, enquanto eu estava andando nos arredores do
estúdio de dança com o... Com o Sebastian. – Manu inspira e noto o quão doloroso foi dizer
o nome dele – Eu vi um rosto conhecido na multidão enquanto esperava na frente de uma
cafeteria na qual paramos. De primeira, eu tomei um grande susto. Tentei enxergar melhor,
mas a tal pessoa havia desaparecido tão rápido quanto apareceu. E, bem, como aquela área é
frequentada por muitos estrangeiros, eu pensei ser apenas impressão minha. Afinal, qual era
a chance de ele estar logo aqui?
Faz uma pausa e suspira. O aperto de seus dedos nos meus se intensifica.
– Mas há alguns dias, eu o encontrei em frente ao shopping Westfield, depois que...
– Depois que brigou com o Sebastian?
Ela fica em silêncio e finge não entender a minha pergunta, quando volta a falar:
– Enfim. Eu o encontrei e a minha suspeita se fez verdadeira. Óbvio que eu fiquei sem reação
ao tê-lo parado bem na minha frente e apenas o encarei, isso até que toda aquela raiva
revivesse em mim.
Eu consinto. O mesmo aconteceu comigo quando deparei com ele na sala dos professores.
Além de ficar chocada, é claro.
– Naquele dia, o Adrian me convidou para tomar café, acredita?! Filho da puta! Como se eu
fosse aceitar uma merda dessas. – ela solta, desgostosa – Além disso, eu não estava com
cabeça e nem disposição para aguentar ficar mais tempo do que o necessário com aquele
canalha.
Faz outra pausa e sacode a cabeça, cada vez mais irritada.
– Mas, ainda assim, fui obrigada a ouvi-lo falar e respondi da forma mais rude possível,
principalmente quando perguntou por você. E tudo o que eu conseguia pensar era em como
ele tinha coragem de agir tão normalmente, como se nada tivesse acontecido.
– Você sabe bem como o Adrian é. O mundo pode estar caindo e ele ser o responsável, mas
isso não o fará sentir remorso em agir com aquela maldita naturalidade. – expiro o ar com
força – Eu sempre odiei isso nele!
– A questão é que, em todo o papo furado que tive que suportar, teve um momento em que
fiquei tão estressada, que lhe rosnei o que raios estava fazendo aqui e então ele comentou que
era uma viagem a negócios. Adrian veio como investidor, em nome da universidade do pai
dele. Foi então que eu lembrei da tal história do seu colégio. De imediato, eu entrei em
pânico com a possibilidade, mas quais eram as chances de uma coincidência dessas
acontecer?
Solto uma risada sem humor. Bem grandes, levando em consideração tudo o que está
acontecendo; Manu parece ler os meus pensamentos e também sorri amarga.
– Veja bem. – ela prossegue – Uma coisa era encontrá-lo nas ruas e outra era ele fazer
negócios logo com o colégio onde você trabalha. "Com tantas instituições, o pai do Adrian
não investiria justamente na que a Clara leciona, não é?!", foi o que eu pensei. E foi pela
mesma razão que resolvi não lhe contar que ele estava em Londres e também que suspeitava
que fosse o tal novo investidor do seu colégio.
Mais uma vez, eu balanço a cabeça, concordando.
– A minha intenção foi simplesmente não deixá-la alarmada. Com medo de, a qualquer
instante, entrar no colégio e encontrar o Adrian bem a sua frente. Eu ainda lembro como foi
difícil para você na época em que ele vivia te perseguindo depois que romperam e como
ficou receosa até de sair na rua. Definitivamente, eu não queria ver você, a minha melhor
amiga, nessa situação de novo.
Manuela põe o ar para fora em uma lufada profunda e olha atentamente para o meu rosto,
esperando que eu diga algo.
Em parte, eu entendo perfeitamente o porquê de ter tomado essa atitude de manter em
segredo o tal encontro com Adrian e suas suspeitas. Mas esta é uma daquelas circunstâncias
em que você não sabe o que é pior. A frase "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come",
nunca fez tanto sentindo para mim quanto agora.
– Eu não sei o que é pior. – eu murmuro, quebrando o silêncio – O impacto de reencontrá-lo
tão repentinamente ou a ideia da sombra que seria a sua presença, caso você tivesse me
contado. Realmente, eu não gostaria de passar por aquilo de novo.
– De qualquer forma, me perdoe por não ter contado.
– Não precisa se desculpar, Manu. De verdade.
Mesmo desajeitada, debruço sobre o balcão e alcanço a minha melhor amiga do outro lado,
dando-lhe um abraço apertado e desengonçado, seguido por um beijinho na ponta do nariz.
Manuela sorri e estapeia o meu ombro, um pouco corada.
Sento corretamente e tomo suas mãos outra vez.
– Você vai contar ao John, não é?! – ela pergunta, pegando-me desprevenida.
Meu corpo retesa. Eu a observo, sem saber o que lhe dizer.
Manu estreita os olhos, indignada.
– Sério que você vai cometer o mesmo erro que ele? Já não basta tudo o que passaram por
causa daquele segredo envolvendo o Andrew?
– Manu...
– Manu, uma ova! Eu não estou acreditando que pretende esconder esse assunto dele,
principalmente depois de tudo o que o Adrian falou para você.
– É óbvio que eu não quero esconder isso dele, mas como você acha que o John vai reagir
quando eu disser que o Adrian, o novo investidor do colégio onde ele é bolsista, foi um ex-
namorado meu? E outra, se eu contar sobre... Sobre o que aquele patife fez comigo durante
aqueles anos, o garoto vai pirar!
– E daí? Acha que não contar vai poupá-lo de alguma coisa? Olha, é mil vezes melhor ele
surtar com essa história, sabendo diretamente por você, do que descobrir por outros. – ela
bufa e afasta as mãos das minhas, contrariada – Vocês são um casal e não adianta dizer o
contrário. Você o ama assim como ele te ama. Achei que tinha aprendido alguma coisa com
todo aquele sofrimento, por exemplo, que um relacionamento é feito na base da confiança e
da sinceridade.
– O John pode ter dezoito anos e aparentar ser um "homem maduro", mas ele é tão impulsivo
às vezes, que acaba agindo como um menino de dez anos. Eu tenho receio de que, num
momento de descontrole, ele vá tirar satisfações com o Adrian.
– Sinceramente, eu não me importaria de saber que ele deu um soco bem dado na fuça
daquele cretino!
– Sendo honesta, eu também não. Eu mesma quero meter o soco naquele homem. Mas a
questão é que, aquele cretino, é o mais novo investidor do colégio e se houvesse uma briga
entre eles, quem seria o mais prejudicado?
Minha amiga fica calada. Entende ao que me refiro.
Eu continuo:
– Sim, seria o John. Ele está prestes de terminar o colegial e tem um futuro promissor pela
frente, e a última coisa que eu quero é que sofra uma expulsão por bater em um dos
investidores. A diretora Charlotte não pensaria duas vezes em fazê-lo. Sem contar que
seríamos expostos e, então, tudo viria abaixo.
– Então, você não vai mesmo contar?
Respiro fundo, passando a mão entre os cabelos. Eu pensei muito sobre isso, desde que
encontrei Adrian mais cedo e depois esbarrei com Lowell. Apesar de eu ter pedido que não
contasse ao amigo, sei que essa história pode vir à tona e não quero que o John descubra por
outra pessoa que não seja eu.
Como a minha amiga disse: "um relacionamento é feito na base da confiança e da
sinceridade." E nós temos um relacionamento. Eu o amo como ele me ama.
– Sim, eu vou contar. – eu digo, enfim.
– O que? Mas...
– Ainda que hajam todos esses riscos, esconder seria uma burrice. Mas eu preciso contar isso
pessoalmente e em um lugar calmo, onde possamos conversar sem interrupções e eu possa
fazê-lo entender a posição em que estamos.
Manu sorri e agarra as minhas mãos, que abandonou instantes atrás.
– Boa escolha!
– Admito que estou nervosa e um pouco hesitante, mas, como disse, já aprendi a minha lição
com o caso do Andrew e não serei tola em deixar que aconteça de novo.
Ela concorda, contente com a minha decisão.
De mãos dadas, observamos uma a outra por alguns minutos, e, embora eu saiba que estou
pisando em terreno minado, não me contenho em perguntar:
– E o Sebastian, amiga? Eu sei que ainda não quer conversar sobre isso, mas fazem dias,
quase uma semana ou mais. Você anda abatida e triste e, assim como não gosta de me ver
dessa maneira, eu lhe digo o mesmo. – faço um carinho singelo em sua pele – Quando irá se
resolver com ele, hein?! Eu sei que o ama muito.
Manuela engole em seco e desvia a atenção para o balcão. Porém, mesmo que eu respeite os
seus sentimentos e a sua privacidade, estou cansada e aflita em vê-la tão abatida. Sem contar
o Sebastian, que mais parece estar em outro mundo em todas as vezes que eu o vejo. Ele
tenta disfarçar em meio as risadas com os amigos, mas eu posso notar a tristeza em seus
olhos.
– Vamos, Manu, abra-se comigo. Somou ou não somos a alma gêmea uma da outra?
Ela sorri contido e deixa um suspiro cansado escapar. Até que diz:
– Eu pedi um tempo a ele.
– Como?
– Eu pedi um tempo. Disse que precisava pensar e pedi que não me procurasse, até que eu o
fizesse.
Vou encorajando-a e, pouco a pouco, a história por trás da separação do casal que tanto gosto
é esclarecida. E, por incrível que pareça, vejo a situação em que estive com o John até poucas
semanas atrás refletida na que a minha amiga está.
– Falou tanto de mim e acabou fazendo o mesmo. Você ao menos deu chance para o garoto
se explicar, Manuela. Talvez tenha sido apenas um mal-entendido.
– Sim, eu sei. Eu sei, eu sei. Mas tenho medo de que não seja.
– Mas, você nunca vai saber se não perguntar a ele e esclarecer essa história.
– Eu não tenho coragem, Clara. – olha-me suplicante – Foi uma decepção muito grande. Ter
sido chamada de "colega" e depois largada como se fosse um nada.
– Eu sei que tem uma justificativa, Manu. Da mesma maneira que eu tive uma conversa com
o John, você também terá com o Sebastian, só precisa dar uma oportunidade. Ele também
anda muito triste e está fazendo o máximo para dar o seu espaço. Sequer tem perguntado
sobre você, provavelmente com medo de que eu comente e fique ainda mais brava.
– Talvez ele apenas não se importe...
– Ele se importa e muito! Tenho certeza disso. Tenho porque o vejo tão cabisbaixo quanto
você, ainda que tente esconder.
– Estou confusa demais para dar uma chance a ele agora. Além disso...
– Além disso?
– Não é nada. – balança a cabeça em negação – Não é nada demais.
Penso em insistir, mas acho que já exigi muito da minha amiga por um dia. Acaricio as suas
mãos que estão entre as minhas e dou-lhe um sorriso confortador.
– Vou lhe dar o mesmo conselho que me deu a uns tempos atrás: Pense, e se os seus
sentimentos forem mais fortes do que tudo, dê uma chance ao relacionamento de vocês. –
Manuela me encara e, rompendo toda a seriedade do momento, eu rio – Não acredito que
invertemos os papéis. Eu, conselheira? Essa é nova.
Minha amiga ri e sinto-me aliviada por fazê-la feliz, nem que por poucos segundos.
Tomamos uma xícara de chá antes de cada uma seguir para o seu quarto. Me livro do
uniforme incomodo e caio sobre a cama, sem me importar de estar vestida apenas com a
calcinha. O frio se foi e a primavera resplandeceu da melhor forma, trazendo bastante calor.
O que me permite fazer coisas desse tipo.
Olhando para o teto branco do quarto, reflito sobre tudo o que aconteceu e logo os meus
pensamentos estão em Johnie. O meu corpo estremece.
Oh, céus. Como vou contar essa história a ele?
Esconder está fora de cogitação, eu sei, mas não é como se fizesse o ato de lhe contar mais
fácil. Tenho medo de tudo o que, por impulsividade, acabe fazendo uma besteira. A minha
intenção é conversar e tentar fazê-lo entender que qualquer passo em falso e estaremos
perdidos, o que não necessariamente o impede de querer cobrar satisfações.
O que torna tudo ainda mais complicado.
Pego o celular sobre o criado-mudo e o encaro. Desbloqueio e a foto em que estou abraçada
com ele na cama se ilumina diante os meus olhos. Relutei muito para colocar essa foto de
papel de parede, temendo que alguém pudesse ver, mas como o aparelho tem senha e uma
que as vezes nem eu mesma lembro, dei-me a esse luxo.
Não quero começar esse assunto por telefone ou mesmo dizer "nós precisamos conversar"
por mensagem, porque sei que ele ficaria muito angustiado e pensando bobagens. Assim
como eu sei que é horrível estar sobre esse tipo de expectativa.
Eu preciso falar com ele pessoalmente e o mais rápido possível.
Sinto o celular vibrar em minhas mãos e, por um triz, não o deixo cair no meu rosto. Como
se soubesse que é o centro dos meus pensamentos, vejo o seu nome brilhar no visor e sinto o
meu peito comprimir. Hesito um instante, mas aceito a ligação.
– Alô?!
"Clara!" – a voz do meu garoto soa estranhamente animada, o que aquece um pouco o meu
coração inquieto.
– Ah, olá Johnie.
"Está ocupada? Pode falar agora, nem que seja um pouquinho?"
– Não, estou livre. Posso falar sem problemas. – solto uma risadinha – A propósito, você
parece bastante animado. Aconteceu alguma coisa?
"Sim! Aconteceu e é muito, muito boa!"
Me ajeito na cama, verdadeiramente curiosa. Ouço um barulho do outro lado da linha e ele
gritar para alguém que já está indo. Acredito que esteja no trabalho.
– E então? O que de tão bom aconteceu?
"Eu vou me apresentar!"
– O que?
"Me convidaram para cantar e tocar em um pub, aqui próximo do trabalho. Bem, não foi um
convite mesmo, um amigo me arranjou essa oportunidade, porque o cara que iria se
apresentar precisou viajar e o dono queria um substituto. Daí, fiquei com a vaga."
– Não posso acreditar! – tão eufórica quanto, praticamente grito – Parabéns!
"Ah, obrigado. Acabei de receber a confirmação, você é a primeira pessoa para quem estou
contando. Algo especial precisa ser contado primeiro para alguém especial, não é?!"
Ruborizo com a sua declaração e sua risada do outro lado da linha me dá a certeza de que ele
sabe que conseguiu me constranger.
"Suas bochechas estão quentes e vermelhas agora, não é?!"
– Não. Claro que não.
"Se eu estivesse aí, te encheria de beijos." – ele suspira baixo e sussurra – "E te comeria, do
jeito que passei a tarde inteira querendo, depois da nossa brincadeira na sala."
– John! – sua risada faz o meu coração palpitar e todos os problemas se esvaírem para longe,
ao menos um pouco. Pigarreio, mudando de assunto – Quando vai ser a apresentação?
"No próximo final de semana. Por isso, terei que encontrar o meu amigo para ensaiar
durante essa semana. Apesar de ter aceitado e estar muito feliz, não sei se estou pronto."
– Claro que você está pronto. Eu tenho certeza de que vai ser um sucesso.
"Sinceramente, eu espero que seja."
– Sei que vai. – encorajo-o e, num relance, uma dúvida surge – Espera, como você vai
ensaiar durante a semana? E as aulas, o clube e o seu trabalho?
"Pois é, esse é outro ponto que precisava conversar com você. Talvez eu tenha que ensaiar
de madrugada. Não vai ser muito, te garanto. Vai ser depois que eu largar o serviço até a
uma da manhã, no mais tardar até as duas."
– Johnie, isso não vai sobrecarregar você?! Não acho que seja uma boa ideia. Quer dizer,
quero muito que se apresente, mas acho que vai exigir...
"Eu sei, eu sei. Mas, de verdade, quero muito me apresentar. É uma grande oportunidade,
não é?!"
– Claro que é.
"Não fique chateada comigo, por favor. Prometo que não vou passar dos meus limites,
afinal, de nada adiantaria tanto esforço, se no final de semana eu ficasse doente por
exaustão."
De novo, escuto alguém ao fundo gritar para que ele volte ao trabalho.
"Meu bem, eu tenho que voltar, o meu descanso terminou. Talvez com esses ensaios, a gente
não possa se ver muito fora do colégio, mas assim que eu me apresentar, compensarei o
tempo perdido. Tá bom?! Ah! Acho que vou ganhar um cachê e se rolar, vamos sair para
comer ou fazer algo bem legal, ok?!"
– Sim, tudo bem.
"Eu te amo muito, Clara. Muito, muito!"
– E eu te amo demais.
Com uma breve despedida, ele encerra a ligação e eu encaro o aparelho em minha mão. Toco
o pequeno coelhinho que ainda está em meus cabelos e suspiro.
Meu coração está pleno por saber que ele terá a chance de se apresentar e mostrar o talento,
quem sabe, até conseguir outros trabalhos como este.
Porém, isso também significa que o plano de conversar sobre Adrian fora do colégio acaba
de ir por água abaixo.
Capítulo 12
Já fazem dois dias. Dois dias desde o meu desastroso reencontro com Adrian. Dois dias
desde a última vez que eu o vi.
Embora eu esteja aliviada por não encontrar com ele dentro do colégio, sei que a situação
pode mudar a qualquer instante. Afinal, aquele bendito contrato ainda não foi assinado e está
mais do que óbvio que a figura do meu ex-namorado ressurgirá uma hora ou outra por aqui,
onde ele é o mais novo investidor e o meu antigo pesadelo.
Como se não bastasse essa expectativa nada agradável de poder esbarrar com Adrian sem
prévio aviso, há também o misto de orgulho e frustração que sinto em relação ao John. Agora
que ele começou os ensaios depois do trabalho para a sua primeira apresentação, mal temos
visto um ao outro, à não ser na escola.
Ainda que eu esteja torcendo para que tudo dê certo nesse novo passo para o seu sonho de ser
cantor, não posso negar a frustração de não ter uma chance de conversar sobre tudo o que
está acontecendo. O meu coração está angustiado. Pois, a última coisa que eu quero é manter
esse assunto longe do seu conhecimento e muito menos que a minha antiga história com
Adrian seja um empecilho entre nós.
Por mais que eu sabia que, de uma maneira ou de outra, não seja uma daquelas conversas
fáceis de engolir.
Sentada em um dos bancos da área de descanso dos professores, ao lado do refeitório, eu
bebo do copo de café que seguro enquanto observo o farfalhar das folhas nas árvores causado
pelo vento. A manhã está mais quente do que o habitual e fico feliz por ter escolhido uma
camisa de mangas curtas, ao invés da usual de mangas compridas.
A brisa sopra suavemente, remexendo mais as folhas e desalinhando os meus cabelos -
ineditamente - presos em um rabo de cavalo. Essa calmaria contrasta com o turbilhão
desordenado que estou por dentro nos últimos dias, e eu até riria se não soubesse que isto
está longe de ser cômico e não estivesse cheia de apreensão.
Odeio me sentir assim!
Tiro o celular do bolso. Faltam poucos minutos até que o sinal do segundo período bata, mas
é tempo o suficiente. Encosto o aparelho na orelha assim que encontro a música que me
acompanha desde aquela época e eu sempre ouço quando tudo parece estar perdendo a
direção.
'Stop Crying Your Heart Out' da banda Oasis começa a soar baixo e reverbera em meu
tímpano e na minha alma. Preciso da minha dose de autoconfiança ou me tornarei
pateticamente melancólica. Mais do que já estou.
Fecho os olhos e deixo que a voz de Noel Gallagher inunde o meu interior, como fiz tantas e
tantas vezes no passado.
"Aguente!
Aguente!
Não se assuste
Você nunca mudará o que aconteceu e passou
Que seu sorriso (que seu sorriso)
Brilhe (brilhe)
Não tenha medo (não tenha medo)
Seu destino talvez te mantenha aquecido
Tal como naquela época, escutar tais palavras me dá um chacoalhão de volta para a
realidade. Hoje, mais do que nunca, eu vejo as estrelas que pareceram sumir da minha vida.
John é a mais brilhante e bonitas entre todas elas. Aquela que reluz e ilumina cada pedaço de
mim. Meu coração, minha mente, minha alma.
A estrela que entrou bruscamente em meu caminho, enchendo-o e ofuscando-o com
sentimentos tão intensos, estes que sequer fui capaz de imaginar que um dia poderia sentir e,
inesperadamente, retribuir. E tornaram-se tão necessários, tanto quanto o ar.
Como diz a letra da música, eu nunca poderei mudar o que aconteceu e passou, mas posso
mudar o agora e fazer o meu próprio destino. E é por essa razão que não permitirei que
Adrian ou qualquer coisa relacionada a ele esteja na minha vida de novo. Menos ainda que
deixe o seu rastro de destruição para trás.
Assim que a canção acaba, coincidentemente, o sinal toca. Bebo num gole o que sobrou do
café já frio e me dirijo a sala dos professores, mais leve do que a minutos atrás, mesmo
sabendo que logo vou enfrentar outra das pessoas que me deu bastante dor de cabeça por
esses tempos.
Com os materiais em mãos, entro na sala do Segundo C e lá está ela, Scarlett, sentada entre
algumas amigas e conversando. Mais animadamente do que eu esperava. Porém, o seu
sorriso murcha no instante em que ponho os meus pertences sobre a mesa. Eu lhe lanço um
olhar censurador, ainda que não seja necessariamente a minha vontade.
Depois de tudo o que essa garota fez, eu não posso evitar. É repugnância demais para deixar
guardada. Por sorte, ela tem se mantido quieta e bem, bem longe do Andrew, o que é o
principal. Ele está lidando como pode com a situação, tentando seguir em frente, e eu não
quero que essa cretina coloque tudo a perder. Então, por enquanto, posso me sentir tranquila
referente a isso. Porém, não menos atenta.
Apesar dos olhares descontentes da garota e uma ou outra advertência por causa de falatório
alto, a aula transcorre bem. Estou prestes a sair da classe em direção ao terceiro andar,
quando o inspetor surge na porta e pede a todos que aguardem.
– Aconteceu alguma coisa? – eu pergunto.
– Na verdade, eu tenho um comunicado.
Eu consinto e dou espaço para que entre. O senhor de quase cinquenta anos se põe diante a
lousa e tem a nossa atenção. Ele fala:
– Teremos uma reunião no auditório, no final da próxima aula, e a diretora solicitou que
todos estejam presentes. Incluindo os professores.
– E sobre o que seria essa reunião? – questiono, incapaz de segurar a curiosidade e com um
pressentimento estranho dando voltas no meu estômago.
– A diretora irá apresentar o novo investidor do colégio.
Por um breve instante, a minha respiração trava.
Que merda!
E eu achando que passaria mais um dia sem precisar olhar para a cara daquele homem. Belo
engano...
O inspetor, da mesma forma que chegou, se vai. Sem chance para objeções ou perguntas. Um
murmurinho começa a aumentar na sala e logo todos estão comentando sobre o novo
investidor do colégio. Ótimo... MIL VEZES ÓTIMO!
Soltando fumaça pelo nariz, saio da classe do Segundo C e o alvoroço crescente só me dá
certeza de que o comunicado já passou por várias turmas. E então será a vez do Terceiro A -
quiçá, já tenha sido. A questão é que, mesmo Johnie não fazendo a mais vaga ideia de quem
seja o novo investidor e qual é a sua relação com a minha vida, eu queria ter conseguido falar
com ele antes de qualquer interação entre os dois.
Ou talvez seja melhor assim. Pois eu nem quero imaginar o que aconteceria se o meu garoto
já soubesse de toda a história e ficasse "frente a frente" com Adrian.
– Já ficou sabendo?
Assusto-me com a presença repentina de Jackson ao meu lado. Ele sorri, pedindo desculpas
pelo susto, e eu apenas sorrio. E então respondo:
– Sim.
– Pelo jeito, os alunos estão bem curiosos agora para saber quem é ele.
Aparentemente indo o mesmo andar que eu, Jackson me segue no corredor.
– Posso fazer uma pergunta? – mesmo incerta, arrisco.
– Claro!
– Apesar de ele ser um dos investidores do colégio, é realmente necessário apresentá-lo aos
alunos? Veja bem, é um assunto puramente burocrático e não creio que tenha sentido
envolvê-los nisso. Entende?!
– Eu sei que não faz sentido, mas a diretora Charlotte gosta de apresentar todo e qualquer
investidor para os alunos. É quase uma tradição, sabia?!
– Ah, é?
– Sim. Ela sempre organiza essas reuniões para tais apresentações. Geralmente, o contrato
também é assinado nessa ocasião, mas como ele é estrangeiro, eu ouvi falar que as cláusulas
precisam ser lidas pela instituição que o enviou. Por isso, a assinatura vai demorar até a
semana que vem.
– Entendi.
Subimos as escadas e chegamos ao terceiro andar. Respiro fundo ao vislumbrar a porta do
Terceiro A se aproximando e mais ainda ao parar em frente a ela. Pela algazarra do lado de
dentro, suponho que o inspetor já tenha passado por aqui.
Jackson, até então ao meu lado, coloca-se a minha frente e me observa. Durante alguns
segundos, é tudo o que faz. Pode ser apenas impressão, mas desde que Adrian chegou e nos
reencontramos na sala dos professores, tenho reparado que o meu colega de trabalho anda um
tanto estranho. Aquele olhar ao sair da sala, naquele dia, é um exemplo disso.
Será que desconfia de alguma coisa?
Já bastam suas desconfianças em relação ao John. Se ele estiver desconfiando de Adrian
também, serei obrigada a mandá-lo mudar de profissão.
De professor para detetive.
– Quer me dizer algo? – indago, tentando arrancar-lhe alguma coisa.
Jackson me olha e olha, e, como sempre, somente sorri.
– Só que tenha uma boa aula.
– Obrigada. O mesmo para você.
Ele concorda, mas continua parado. Encaro profundamente os seus olhos amendoados, atrás
de algum indício e por menos que seja, mas desisto ao ouvir o segundo sinal tocar.
– Boa aula. Nos vemos na reunião. – ele diz e se afasta.
Vejo-o entrar na sala do Terceiro A e solto um suspiro no ar. Não querendo pensar muito no
que acaba de acontecer, abro a porta da classe e entro. Meus olhos voam diretamente para
John sentado no fundo, no mesmo instante em que os seus voam até mim. O meu garoto dá
um sorriso contido e sou incapaz de não corresponder, apesar de os meus nervos estarem
mais alvoroçados do que nunca.
– Bom dia, pessoal! Por favor, abram na página cento e quarenta e dois.
O característico som das folhas sendo viradas misturam-se com o vibrar do meu celular no
bolso da saia. Não preciso nem olhar para saber de quem é.
Para: Clara
Eu sorrio e lanço lhe um olhar, querendo demonstrar que também sinto muito a sua falta.
Entramos em nossa bolha particular enquanto tento ignorar o incomodo que se forma em
meu peito, mas logo somos trazidos a realidade e trato de dar início a aula.
Cada minuto que se passa, mais perto ficamos da tal reunião organizada por Charlotte.
Pensar que terei que aturar a presença de Adrian mais uma vez me tira do sério,
especialmente porque John também irá vê-lo e eu não quero que aquele cretino sequer
imagine que há algo entre nós. Quero-o o mais longe possível do meu menino, nem que eu
tenha que virar o mundo de cabeça para baixo.
Quando o sinal toca, tenho que disfarçar o meu nervosismo com o talento de uma verdadeira
atriz. Peço a todos os alunos que desçam para o auditório em ordem e luto contra a vontade
de pedir para Johnie que fique e me acalme com os seus beijos. Ou simplesmente me abrace.
Em seu rosto, posso ver que tem a mesma vontade, mas ambos sabemos que a situação nos
impede. Temos que chegar com os outros.
O auditório está lotado. Todos os alunos e funcionários estão presentes. Eu corro para me
juntar aos demais professores na fileira da frente, perto do grande palco, e sento ao lado do
professor de geografia. Nos cumprimentamos e trocamos algumas palavras, isso até a
diretora entrar no palco e pedir atenção pelo microfone.
– Olá a todos! Vocês já devem saber o porquê estão aqui, mas eu gostaria de salientar que
pedi a presença de todos para apresentar o mais novo investidor do colégio. Como fazemos
sempre que recebemos apoios generosos como o que estamos prestes a receber, nos juntamos
para conhecer a pessoa benevolente por trás disso.
Reviro os olhos para o discurso, no mínimo, patético da minha chefe e fico indignada ao ter
que ouvir "pessoa benevolente" ser uma frase usada para descrever Adrian. Talvez o pai dele
seja uma pessoa benevolente, ele, com certeza, está longe de ser.
– Eu quero que todos aplaudam o nosso mais novo investidor, o senhor Adrian.
As palmas começam a soar no instante em que Adrian surge no palco. Ele acena para os
alunos, como se fosse um astro de Hollywood, enquanto agradece em inglês pela recepção;
me limito a manter as mãos paradas nos braços da cadeira e deixar bem claro que este é o
último lugar da Terra onde eu queria estar agora.
Os olhos por trás do par de óculos não demoram a estar sobre mim e eu o enfrento pelo o que
parece a eternidade. Enfrentamento este que é interrompido pela diretora.
– Agora o nosso investidor dirá algumas palavras.
Charlotte indica o microfone e, fazendo-se de constrangido, Adrian sorri sem jeito e pigarreia
antes de começar a falar. Sua voz um tanto quanto potente ressoa no auditório e não evito de
revirar mais uma vez os olhos ao ouvir um grupo de meninas atrás de mim suspirar por ele.
Adrian pode até ser bonito por fora, mas seu caráter é podre!
Como aconteceu da primeira vez que nos reencontramos, ele fala e fala, e sinto o peso de seu
olhar em meus ombros. Mesmo querendo procurar John no meio da multidão de alunos e ter
conforto em seus orbes negros, contenho-me. Se Adrian está me rodeando, não posso deixá-
lo notar o meu garoto.
Bons minutos se vão nessa ladainha e depois de responde algumas perguntas dos alunos,
como "de onde você veio" e "o que você espera investindo nesse colégio", a diretora faz as
últimas considerações e libera a todos. Como já passou metade da última aula, os alunos
foram orientados a irem para casa ou mais cedo para as atividades dos clubes.
Aos poucos, o pessoal vai deixando o auditório e seguindo para os corredores. Logo que eu
levanto para fazer o mesmo, recebo uma mensagem e me apresso para ler.
Para: Clara
Meu coração acelera com o seu convite. Tudo que eu mais desejo é beijá-lo e sentir que estou
com o meu mundo nos braços. Sem contar que é uma oportunidade de iniciar a conversa que
tenho adiando por causa dos nossos desencontros na semana.
Tentando conter o sorriso que teima em escapar dos meus lábios, coloco o celular no bolso
da saia e caminho apressadamente em direção ao galpão de educação física; tanto o portão de
saída quanto as salas dos clubes ficam do outro lado do prédio, o que significa que o caminho
está livre para que eu vá até o lugar marcado sem ser vista.
A passos rápidos e cheia de ansiedade, entro no corredor que leva a área das quadras, porém,
sou bruscamente puxada para trás por uma mão. Aturdida e sentindo o braço cada vez mais
dolorido, viro-me e deparo com Adrian. Seu semblante é sombrio.
– Me solta! – eu digo, controlando a voz para não gritar e alarmar os demais.
Ele continua parado e o aperto de seus dedos grandes em volta do meu braço se intensifica.
Puxo o braço para me desvencilhar, mas não consigo. E com mais força sou apertada. Não
preciso pensar muito para saber que as suas marcas ficarão na minha pele, mais uma vez...
– Eu já disse para me soltar!
– Você acha que eu não vi?!
Arregalo os olhos. Minha respiração se agita.
Será que ele me viu com o John?
– Viu o quê? – pergunto o mais firme que sou capaz.
– Aquele seu deboche.
Praticamente suspiro aliviada quanto diz isso. Menos mal.
– Pois era para você ver mesmo. – retruco, geniosa – O que foi? Não gostou?
Novamente, tento soltar do seu aperto. Dou um impulso com o corpo para trás e não me
movo. Seu aperto é tão forte, que vai acabar destroncando o meu braço.
– Solta o meu braço agora! – exclamo, mais alto do que antes.
– Ué?! Onde está toda a sua confiança? E toda a sua coragem?
Adrian me puxa para si e acabo esbarrando contra o seu peito. Sua mão livre segura
rudemente a minha nuca, obrigando-me a ficar olho no olho.
– Você sempre gostou disso, não é?! – murmura, tão perto que sinto o seu hálito revirar o
meu estômago – Sempre gostou que eu fosse bruto, de ser tratada assim... Admita!
– Você é nojento, Adrian!
Ele sorri. Abre um sorriso tão largo, que me dá vontade de vomitar.
Suas mãos permanecem em meu corpo, fortes e repugnantes. Penso em todas as maneiras
para me afastar, porém, entro em pânico ao sentir sua boca próxima da minha. Ele pretende
me beijar?
Mas, nem fodendo!
Empurro-o, desesperada. Empurro e empurro. Mas ao notar que seu rosto já perto demais e
não vou conseguir sair de seu aperto desse jeito, faço a única coisa que me vem à cabeça:
mordo o seu queixo com toda a força que eu tenho.
Adrian solta um grito raivoso e trato de manter uma boa distância entre nós. Com a mão no
queixo, ele me encara, seus olhos faiscando de ódio.
– Isso é para você aprender a nunca mais se aproximar de mim, desgraçado!
– Como você se atreve, sua...
– O que está acontecendo aqui?
Uma voz reverbera da ponta do corredor. Tanto eu quanto Adrian olhamos para trás;
provavelmente notando o meu nervosismo, ele vem para o meu lado e volta a falar:
– Vou perguntar de novo: o que está acontecendo aqui?
Adrian, furioso, massageia o queixo mordido e nos encara.
– Isso não é da sua conta!
– Se não fosse, eu não estaria perguntando. Não acha?
– E o que você tem a ver com isso?! – Adrian questiona, dando um passo à frente.
– Tudo!
– E eu posso saber por quê? – com seu jeito arrogante, volta a perguntar.
Subitamente, sinto o toque de Jackson ao redor da minha cintura e o seu corpo grudar- se ao
meu possessivamente. Minha respiração trava no peito.
– Simples. Porque eu sou o namorado dela!
Capítulo 13
Para: Clara
"Meu bem, desculpe! Acabei de receber uma mensagem da minha gerente e ela precisa que eu entre
mais cedo para cobrir um dos garçons que faltou.
Me desculpe!"
Para: Clara
"Eu sei que não estou lhe dando tanta atenção esses últimos dias, mas, por favor, não fique chateada
comigo."
Termino de ler as mensagens e sinto o meu peito se apertar, apesar de estar levemente
aliviada. Pelo o horário de envio, ele sequer conseguiu chegar no galpão de educação física,
deve ter desviado e foi direto para casa.
Por um lado, foi bom, já que não teve que ficar esperando e não correu o risco de presenciar
a cena entre Adrian, Jackson e eu. Teria sido muito pior, com certeza. Mas por outro lado...
Ah, droga! Perdi mais uma chance de conversar com ele.
Mando uma mensagem, dizendo que está tudo. Mesmo que a verdade não seja exatamente
essa.
Cansada e aborrecida, faço o caminho de volta e vou pegar os meus pertences na sala dos
professores; apesar das minhas preces, dou de cara com Jackson assim que entro, mas ele
finge que não me viu e cada um toma o seu rumo, sem dizer uma palavra.
No trajeto para casa, a minha perna parece ter vida própria, uma vez que não para de
balançar. Os meus pensamentos também estão agitados e só vou conseguir me acalmar
quando colocar tudo para fora. E eu sei bem quem me ajudará nisso.
Após pagar a corrida e descer do carro, ando apressada para abrir a porta. Porém, ao
contrário do que eu imaginava, me deparo com todas as luzes apagadas.
Manu não está.
Que ótimo! Com que eu vou desabafar agora?
Ela deve ter pego a turma da noite hoje, embora não tenha me avisado. Ou talvez tenha dito
alguma coisa e eu que não lembro graças à pilha de nervos que estou.
Jogo a bolsa e as pastas sobre a cadeira, arremesso a camisa e a saia do uniforme na cama e
me ponho a andar de um lado para o outro, quase arrancando os cabelos de tanto nervosismo.
Rodo em torno do tapete como aqueles cachorros atrás do rabo.
Oh céus... Eu preciso extravasar ou vou enlouquecer!
Eu me conheço. Se eu ficar aqui, remoendo o que aconteceu, vai ser bem pior.
Pego um jeans escuro no armário, seguido por uma camiseta branca com a estampa do The
Clash, apanho os meus equipamentos de treino e corro para a área dos fundos onde está
guardada a minha BMX; monto sobre ela assim que a coloco no chão e saio pedalando rua a
fora, em direção a pista em que costumo ir.
Tenho certeza de que alguns saltos e umas manobras me deixarão mais calma ou, ao menos,
ocuparão a minha mente por algumas horas.
Pedalada por pedalada, percorro a avenida principal enquanto ouço os sons ao meu redor. A
noite está fresca, perfeita para andar, e fico contente por ter resolvido sair um pouco com a
bicicleta ao invés de ficar mofando em casa. Gosto de pedalar em climas como este.
Chego a pista e não há mais do que duas almas vivas perambulando entre os obstáculos. Um
pessoal mais afastado, nos bancos, parece conversar e não dar a mínima para o que acontece.
Então, eu estou livre para tentar brincar um pouco e sem precisar me preocupar com
espectadores.
Enfim coloco os fones de ouvidos e Cindy Lauper começa a soar, com a sua 'Girls Just Want
To Have Fun'. E apesar de eu estar bem longe dessa vibe, quem sabe, deixar no modo
repetitivo me faça acreditar que estou me divertindo.
Seguindo a mania de sempre, dou uma volta na pista e então me preparo para fazer os saltos.
Estou a todo o vapor e quero voar com a bicicleta o máximo que eu conseguir.
Bem, esse era o plano.
Uma... Duas... Três...
Três tentativas, três majestosas falhas.
Respiro fundo uma e outra vez. O suor brota e se acumula na minha testa. Eu tenho que
esvaziar a cabeça e me concentrar. Só assim serei capaz de saltar.
Quatro... Cinco... Seis...
Outro salto. Outro erro.
Mais irritada do que relaxada, tomo velocidade para subir no corrimão, empenhada em fazer
a bendita manobra. Dou impulso, engancho as rodas no metal e deslizo escadaria abaixo.
Mas, pouco antes do final, me desequilibro e vou direto para o chão.
Minha queda é digna de cinema.
Vou para um lado, a bicicleta para o outro, e eu giro duas vezes antes de parar de bruços no
asfalto. Sem dúvida, James Bond teria inveja de mim agora - ou pena.
Fico estirada por alguns segundos, tentando sentir se algo se partiu ou alguém presenciou o
meu tombo. Mas como não sinto dor e ninguém vem para ajudar, levanto devagar e tiro o
capacete assim que estou de pé.
Permaneço parada, estática, sentindo a raiva, a frustração, a mágoa e tantos outros
sentimentos borbulharem em mim. Como um vulcão prestes a entrar em erupção.
Sem pensar duas vezes, levada pela impulsividade, jogo o capacete com toda a força contra o
chão e grito o mais alto que posso, sem dar a mínima importância para quem esteja passando.
Preciso extravasar. Preciso libertar tudo o que está guardado em mim ou ficarei realmente
maluca.
Depois de chutar o ar e soltar alguns bons palavrões em português, verifico se a minha
querida MBX não sofreu nenhum arranhão sério e me sento em um dos bancos.
Isso não pode continuar assim!
Já estou arrastando esse assunto a muito tempo e eu sei, melhor do que ninguém, que ficar
postergando nunca resulta em boa coisa.
Além disso, eu também preciso falar sobre o que aconteceu essa tarde envolvendo o Jackson.
Mesmo que mais ninguém tenha visto a cena, prometemos não esconder mais nada um do
outro, e é exatamente o que farei. Serei sincera.
Pego o celular no bolso, confiro se também está inteiro, e procuro o número de Johnie. É o
primeiro na lista de chamadas recentes; encaro o visor por um instante, mas, não dou tempo
para nada e trato de apertar o 'chamar'.
Ansiosa, preocupada e suando frio, eu espero que atenda. Meu coração parece que vai sair
pela boca a qualquer momento. A cada novo toque.
Contudo, apenas chama e chama, para cair na caixa postal. Tento ligar novamente, mas,
assim como da vez anterior, vai direto para a caixa postal.
Ele só não atende o telefone quando está no trabalho ou, muito provavelmente, no ensaio.
São quase nove da noite. Como eu não lembro os seus horários no karaokê, principalmente
com tantas mudanças, agora ele deve estar em um ou em outro.
Ou seja, não vai atender.
Penso em ligar pela terceira vez, mas não quero preocupá-lo e muito menos atrapalhar o que
esteja fazendo. Apesar de ser um assunto urgente, não quero deixá-lo ansioso. Eu o conheço
bem o suficiente para saber que vai largar tudo se perceber que algo está errado.
Independente se isso lhe custar o emprego ou a apresentação.
E a minha determinação se vai.
Com um nó entalado na garganta, guardo o celular de volta no bolso e me inclino para
observar as estrelas. Suspiro. Quando ele estiver livre e retornar as ligações, direi para nos
encontrarmos em sua casa e assim vamos conversar.
Acredito que não vai acontecer nos próximos dois dias por causa dos ensaios. Mas, quem
sabe, na noite antes da apresentação ele esteja mais desocupado. Ou será que eu posso
esperar até que o final de semana tenha passado?
Céus!
Decido pedalar um pouco mais. Sem saltos ou manobras, somente andar e sentir a brisa
fresca da noite. Sinceramente, eu não quero parecer uma linguiça estendida no chão de novo
e menos ainda arriscar quebrar o que eu - por sorte - não quebrei.
Faltando vinte minutos para as onze, vou para casa. Preciso de um longo banho e descansar o
máximo que eu puder, para amanhã ter que encarar, não só o Adrian, como o Jackson
também. E eu não sei o que pior, ter que defrontar o meu passado ou o julgamento do meu
presente por estar em um relacionamento com um aluno.
De qualquer forma, está longe de ser o que eu gostaria para as minhas manhãs.
Ao chegar em casa, guardo a bicicleta no lugar e entro sem fazer barulho. Encontro Manuela
adormecida no sofá e a televisão ligada em um filme romântico e que, se não me engano, se
chama Diário de uma Paixão.
Bem, temos maneiras diferentes de sofrer por amor.
Notando que está em um sono profundo e que precisa descansar mais do que eu, apenas
ajeito a manta que costumamos deixar para casos como este e ponho uma almofada debaixo
de sua cabeça. Deixo um beijo de boa noite em seus cabelos e dou uma última espiada nela
antes de ir para o meu quarto.
Eu só espero que a minha amiga e o seu garoto se acertem em breve.
Depois de uma boa chuveirada, visto a camiseta que geralmente uso como pijama nos dias
quentes e deito na cama com o celular em mãos. Navego nas redes sociais e assisto alguns
vídeos, esperando que John ligue ou mande uma mensagem. Espero e espero. Mas não
acontece.
Eu adormeço e ele não me retorna.
De manhã, atrasada como há semanas eu não fico, coloco as roupas na velocidade da luz e
obrigo o café da manhã a descer goela abaixo da mesma forma. Mordo um pedaço do pão e o
engulo com o café. Repito o processo até que sobra apenas farelos.
Manuela, apesar de tristinha, se esforça para comer nem que seja uns pedaços de frutas. Ela
continua um tanto pálida e amuada, e isso verdadeiramente me preocupa. Embora ela tenha
pedido um tempo ao Sebastian e o idiota esteja cumprindo com o prometido, sem contar o
meu próprio problema para resolver, eu preciso tomar uma atitude ou esses dois ficarão
assim até sabe-se lá quando.
Querendo poupar a minha amiga, decido ir para o colégio de táxi. Por sorte, embarco em um
assim que saio de casa e chego com alguns minutos de folga antes de o sinal bater; pago o
motorista e desço equilibrando as minhas pastas, porém, todas elas quase vão ao chão com o
baque que sofro ao encontrar John encostado no muro de entrada do estacionamento.
Meu coração acelera. Vai de zero à mil em um segundo.
Eu já vi essa cena antes e o desfecho dela não foi dos melhores. E eu duvido muito que seja
diferente agora, porque a sua expressão enquanto se aproxima é tão sombria, que arrepia até
a minha alma. Seu maxilar está tenso e posso ver uma veia saltando do seu pescoço, o que só
acontece quando ele está muito irritado ou quando fazemos amor. E a resposta aqui está bem
óbvia.
Sem sequer me dar um momento para respirar, o garoto se põe a minha frente e seus olhos
escuros subjugam-me de imediato. Então, ele rosna:
– Que merda de história é essa de que o babaca do Jackson é o seu namorado?
Capítulo 14
Eu o encaro e não sei o que dizer. Como raios essa história chegou a ele?
Adrian? Será que foi ele? Ou... Oh, não! Jackson?! Será que o Jackson teve coragem de
contar uma mentira como essa depois que praticamente discutimos no corredor?
Se sim, decididamente, eu não vou perdoá-lo.
– Vamos, Clara, diga alguma coisa!
Foco os meus olhos em John. A veia de seu pescoço parece cada vez maior.
– Como você ficou sabendo disso? – digo o que me vem primeiro.
– Estão todos falando! O colégio inteiro!
Minhas sobrancelhas se juntam no meio da testa e uma súbita raiva se apodera de mim.
Quem quer que seja o responsável por espalhar esse boato, foi longe demais.
Eu praguejo, pouco me lixando se alguém passar e escutar o palavrão cabeludo que acabo de
soltar. Merda! Mil vezes merda!
É uma mentira. Lógico que é. Mas John está tão nervoso, que eu duvido muito que esteja se
dando conta disso. O ciúme está lhe nublando a mente, deixando-o cego.
– Quem te contou isso?
– Eu chego aqui, louco para te ver, e sou obrigado a ouvir uma coisa dessas... – rebate. Noto
sua voz subindo alguns decibéis – Acha mesmo que faz alguma diferença?
Eu o enfrento, decidida a mostrar que não vou recuar, que quero respostas. Ele parece
vacilar. Solta um palavrão, esfrega os cabelos, e então diz:
– Aparentemente, duas meninas escutaram uma conversa enquanto voltavam do ginásio e,
adivinha só, era o Jackson apresentando você para o novo investidor como a namorada dele.
Céus! Era só o que me faltava. Mais uma droga de mal-entendido.
De repente, me dou conta de algo e as minhas mãos começam a soar. Se essas meninas
escutaram a conversa que tivemos no corredor, significa que... Não, não. Se tivessem
escutado mais do que deveriam, John não estaria aqui tirando satisfações somente desse meu
suposto namoro com o professor de matemática.
Provavelmente as meninas escutaram apenas a parte da namorada e deduziram o resto por
Jackson estar abraçado a mim.
Bem, a situação não é tão ruim quanto parece.
Conhecendo os alunos como conheço, esse rumor se dissipará em uma ou duas semanas, é só
não dar atenção. Enquanto o meu passado com Adrian estiver seguro, longe dos ouvidos de
quem não interessa, tudo o que eu preciso fazer é dar um jeito de convencer esse cabeça-dura
a acreditar que eu não tenho absolutamente nada com o seu professor de matemática. E, de
quebra, contar todo o resto.
Respiro fundo, procurando me acalmar para então tentar acalmar o meu garoto. Nada de bom
sairá se continuarmos alterados dessa maneira.
– Johnie, por favor, me escute. – toco de leve em sua mão, tomando cuidado para que
ninguém veja, e consigo a sua atenção. Procuro em seus olhos uma fagulha de seu calor, mas
só encontro frieza – Não é o que parece.
Ele me olha... Olha.. Olha... Mas continua calado.
Tenho que ser categórica.
– O Jackson sabe sobre nós.
John arregala os olhos e fica totalmente de frente para mim.
– O que você disse?
– O Jackson sabe de tudo.
– Você...
– Não, eu jamais contaria, sabe disso. Mas o Jackson não é bobo, e nós demos muitos
motivos para que ele chegasse a essa conclusão.
Olho de um lado para o outro, para trás e para frente, querendo ter plena certeza de que não
há pessoas ao redor. Embora isso não me dê segurança alguma.
– Ele disse o que disse para... Nos proteger. Acredite em mim. Eu jamais deixaria que o
Jackson dissesse uma coisa dessas se não houvesse uma razão.
– E qual é a razão? Por que ele teve que "nos" proteger?
Ainda que eu queira abrir o meu coração agora e lhe explicar cada mínimo detalhe, a situação
não favorece nem um pouco, uma vez que estamos diante a entrada do estacionamento dos
professores e faltando apenas uns minutos para o sinal tocar.
Se alguém, por um grande infortúnio, nos encontrar parados aqui e tão perto um do outro, aí
sim será um verdadeiro desastre.
– Essa é uma história muito longa.
– Temos tempo o bastante. Vamos, pode começar.
– John...
Eu suspiro. Ele suspira. Ficamos calados por um instante.
– Me desculpe...! – diz, enfim. Sabe que está errado em exigir uma conversa aqui e agora.
Balanço a cabeça, demonstrando que está tudo bem.
– Você confia em mim? – pergunto.
– Claro que confio.
– Então, por favor, vamos conversar em outro momento?! Eu prometo que lhe contarei tudo,
mas temos que fazer isso em um lugar onde não correremos o risco de sermos pegos e
ninguém irá nos atrapalhar.
Johnie consente e aperta seus dedos nos meus.
– Irei a sua casa. – eu digo.
– Essa semana está muito corrida. Tenho o trabalho e os ensaios...
– Quando você estará livre?
– Só daqui a três dias, na sexta. Estarei de folga do trabalho e vou ensaiar mais cedo.
– Na sexta eu tenho que ir à porcaria da confraternização que a diretora organizou para o
novo investidor. – agora sou em quem suspira contrariada – Tudo bem se eu for depois? Lá
para as dez ou onze?
– Tudo bem.
Mesmo concordando, percebo que ainda está tenso. E, bem, não posso lhe tirar a razão. Eu
mesma estou tensa por ter que lidar com mais três longos dias.
O primeiro sinal soa ao longe. Quanto tempo ficamos conversando aqui?
Observo-o e lhe afago a mão antes de me afastar.
– Não fique bravo com o que disserem, tudo bem? Apenas ignore. São rumores.
Com o coração pesado, vislumbro uma última vez a expressão do meu menino antes de girar
nos calcanhares e entrar às pressas no colégio.
Corro para a sala dos professores, terrivelmente atrasada e chateada. E se eu achava que o
meu dia não podia ser pior, tenho plena certeza de que sim ao entrar e ter todos os meus
colegas virados em minha direção.
O rumor, pra variar, já chegou aqui.
De soslaio, observo Jackson sentado em sua mesa e trocamos olhares rápidos. Aparenta estar
tão incomodado quanto eu com toda essa história.
Sou forçada a lidar com os comentários nada discretos dos outros professores, como "no
fundo, eu sabia que estavam juntos" e "você até que formam um bonito casal", e tantos
outros que prefiro abstrair da minha cabeça.
E assim três longos e exaustivos dias se passam.
Entre os comentários dos professores, os cochichos dos alunos nos corredores e os olhares
estranho da diretora Charlotte desde que ficou sabendo do meu "namoro" com o professor de
matemática - o qual eu estou ignorando, diga-se de passagem -, a sexta-feira chega e hoje é a
confraternização que será oferecida ao Adrian, assim como a minha tão esperada conversa
com Johnie.
Ele e eu mal nos falamos depois daquele dia, à não ser por mensagem. Sempre que nos
encontramos nos corredores por acaso, trocamos olhares. Vejo que está magoado, mas não
fala nada e tenta não transparecer. Está me dando um voto de confiança por tudo o que temos
e eu o agradeço imensamente por isso.
Eu o amo. Eu o adoro. E por isso não suporto mais esse clima entre nós.
Isso acaba hoje!
Quando o sinal toca e eu vou para a sala dos professores no final do período, à fim de corrigir
algumas lições até a hora de sairmos para a porcaria da confraternização, deparo com
Jackson encostado na parede próxima as escadas e acabo suspirando.
– Clara, precisamos que conversar.
Passo direto, disposta a não lhe dar ouvidos, mas ele se coloca a minha frente.
Respiro fundo.
– Não pode me evitar até o final do ano.
– Quer apostar?
Ele sorri, achando graça do que digo. Eu não.
– Eu sei que está chateada comigo, ainda mais porque não desmenti a história de estarmos
namorando. Mas, tente entender, talvez seja melhor assim.
– Melhor? – encaro-o. Troco o peso do pé para o outro – Pode me explicar como?
– O tal do Adrian ficará longe de você.
– Eu não preciso que seja o meu guarda-costas, Jackson.
– Eu sei que não. Só quero ajudar e aquele cara parece que não vai deixá-la em paz se não ter
certeza de que você está realmente namorando.
Tenho vontade de lhe dizer que Adrian não me deixará em paz de qualquer forma, contudo,
prefiro ficar quieta; coço atrás da nuca, pensando no que responder.
– Eu sei que a sua intenção é me ajudar. Mas veja a confusão que esse rumor causou.
– Diz isso por causa do Berryann?
– Sim, é por causa dele! Você sabe que sim.
– Ele não pode ajudar você, Clara. E se ele não pode, eu quero, ainda que seja muita
pretensão da minha parte, tomar esse lugar. Quero proteger você!
Minha cabeça dá uma volta. O que ele está dizendo?
– Vamos apenas fingir. – ele continua – Continue fingindo que estamos juntos, que é a minha
namorada, e então...
– Me desculpe. – interrompo-o – Eu sei dos seus sentimentos por mim, sei que tenta fazer
isso com a melhor das intenções, mas eu não posso lhe enganar e muito menos me enganar.
Nos encaramos por longos segundos e, preparada para aceitar o que for, eu o enfrento:
– Se você quiser contar o que sabe, tudo bem. Eu estou ciente de que, uma hora ou outra,
essa história virá à tona e...
– Eu não vou falar nada.
Observo-o espantada e ele dá um sorriso fraco, depois de soltar o ar com força.
– Como eu posso contar alguma coisa depois de tudo o que disse no outro dia e com o que
diz agora? E ainda que não falasse nada, eu não sou o canalha que talvez você pense que eu
sou.
– Jackson...
– Sou grato por você sempre ser honesta comigo e é exatamente por essa razão que
continuarei mantendo o seu segredo. Então, não se preocupe.
Eu o olho... Olho... E olho.
Realmente, ele não é o canalha que presumi que fosse. Nunca será.
– Obrigada!
Recebo um tapinha amistoso no ombro e um sorriso. Típico dele.
Em silêncio, caminhamos um ao lado do outro até a sala dos professores e ignoramos
qualquer olhar sugestivo que nos é dado.
Perto das sete, nos reunimos para seguir a diretora até o local da confraternização. Mesmo
insistindo em pegar um táxi, acabo indo de carona no carro de Jackson, junto com a
professora de literatura coreana e a professora de sociologia.
O caminho é agradável, apesar dos comentários chatos que as nossas colegas teimam em
fazer. Eu desconsidero. Jackson também.
Chegamos no lugar marcado em menos de trinta minutos e o meu queixo cai assim que
coloco os pés para fora.
Ah não! Não, não e não!
Isso só pode ser uma piada e de muito mau gosto. É a única explicação.
Encaro a fachada do karaokê por um instante e suspiro profundamente. Com tantos lugares
nessa porcaria de cidade, tínhamos que vir justo aqui? Logo aqui?
Não fode!
Olho de relance para a minha chefe. Ela sorri feito uma imbecil para o Adrian, enquanto fala
qualquer coisa que não me importa e anda praticamente pendurada com o seu braço
enroscado no dele. O que posso ver de longe que não está o agradando nenhum pouco.
Bem feito! Que ela lhe arranque o braço de tanto puxar.
Ainda alheia a mim, a diretora começa a arrastar os demais professores consigo para dentro
do karaokê. Eu estou começando a acreditar que, em algum momento das nossas vidas
passadas, Charlotte e eu realmente fomos inimigas. Talvez Manu não estivesse enganada em
dizer que essa mulher é a reencarnação de um soldado abatido em busca de vingança. Só isso
para justificar essa constante vontade de me ferrar.
Ou talvez ela só não vá com a minha cara nessa vida mesmo.
Entramos no prédio e não posso evitar de ficar nervosa. Apesar de saber que Johnie não está
escalado para trabalhar hoje, estar aqui e ainda por cima na companhia de Adrian e de
Jackson - mesmo que os outros professores também estejam juntos e até a diretora -, faz com
que uma sensação desagradável vibre na boca do meu estômago.
Somos guiados para a maior sala, como da vez anterior, e o garoto que lembro se chamar
Carlos espanta-se ao me ver. Eu o cumprimento discretamente com um sorrisinho e
acompanho os meus colegas. Nos espalhamos entre os assentos e tenho a sorte de sentar o
mais longe possível de Adrian, contudo, bem ao lado de Jackson.
A conversa que tivemos pela tarde continua rondando a minha cabeça. Embora tenha dito
que vai manter o segredo, o meu lado desconfiado não permite que eu fique cem por cento
segura disso. Claro que o Jackson já provou ser uma pessoa íntegra ao não espalhar o que
sabe e duvidar de sua palavra agora seja até uma desconsideração, mas com tantas coisas
acontecendo, eu não sei mais no que devo ou não acreditar.
– Traga meia dúzia de garrafas de cerveja. – a diretora pede ao garçom.
Assim que as bebidas chegam, brindamos ao mais novo investidor do colégio. Eu, óbvio, a
contragosto. Todos viramos de uma vez as cervejas e a rodada de cantoria começa com a
professora de língua inglesa e o professor de filosofia.
Durante a primeira hora em que passamos dentro da sala, tento não transparecer o meu
incomodo do jeito que posso. Bebo um pouco de cerveja, o suficiente apenas para relaxar -
ou algo perto disso. A expectativa do encontro que terei com Johnie depois que sair daqui
começa a se fazer presente.
Adrian não tira os olhos de mim, me busca sorrateiramente de tempos e tempos, e só o que
tenho vontade é de levantar e meter a garrafa de cerveja que seguro em sua cabeça. Porém,
apesar de querer demonstrar todo o desprezo que sinto por suas atitudes, me nego a encarar
de volta e incentivá-lo a buscar ligações onde não tem.
Jackson me convida para cantar uma música. Percebe como Adrian me observa e que estou
desconfortável, e tenta me tirar de foco. Eu aceito e cantamos 'Russian Roulette' de um grupo
chamado Red Velvet. Pela primeira vez desde que chegamos, eu sorrio, e através de um olhar
peço desculpas a ele por questionar sua amizade.
Outra hora se vai e o meu ex-namorado já não se preocupa mais em ser sutil. Me encara com
tamanha intensidade, que sou obrigada a virar de costas para ele. Vinte minutos depois e
invento que preciso ir ao banheiro. Não suporto mais o seu olhar em mim. Tenho que arejar
um pouco a mente ou acabarei cometendo uma besteira.
Jogo água contra o rosto e encaro o meu reflexo no espelho. Sabia que ter concordado em vir
seria uma burrice. Preferia mil vezes ter perdido ainda mais créditos com a minha chefe do
que ser obrigada a lidar com Adrian.
Não tenho mais paciência para aturá-lo, nem aqui e nem em lugar algum.
Pego o meu celular no bolso da saia. Ainda são nove horas. Talvez esteja cedo demais para ir
até a casa do John, mas eu não quero ficar um segundo a mais que seja nesse lugar. Sei que
ele não vai se importar de eu esperar por lá e é exatamente o que vou fazer. Vou arrumar uma
desculpa e sair o mais rápido possível daqui.
Tenho que estar calma para conversar e insistir em continuar com essa encenação só para dar
uma de sociável é, definitivamente, a última coisa que me deixará calma.
Molho um pouco mais o rosto e prendo os cabelos em um rabo de cavalo. Estou com calor.
Passo o batom que carrego para cima e para baixo, somente para colorir levemente os lábios
e enfim saio do banheiro. E me deparo com o homem que insiste em trazer a merda do
passado à tona. Toda a minha compostura se vai.
– Até quando você pretende me perseguir? Hein, merda?! – pergunto, cansada do seu
joguinho ridículo de gato e rato.
– Agora que eu finalmente te reencontrei, até que volte para casa comigo.
Adrian sorri e dá um passo à frente. Eu dou um para trás e rosno:
– Chega mais perto e você vai levar mais do que uma mordida no queixo. Eu estou avisando.
Ele sorri outra vez. Tão prepotente, que tenho vontade de gritar de tanta raiva.
– Você não tem vergonha nessa cara? – eu continuo – E a sua esposa? A coitada deve estar
lhe esperando e você vem com essa palhaçada de me levar para casa?!
– É para isso que servem os divórcios, cariño.
Ouvi-lo me chamar de cariño me dá nojo. Como eu pude me sujeitar a um homem desses?
Como eu pude jogar cinco anos da minha vida fora por alguém como ele?
– Me chame de cariño outra vez e eu juro que você vai se arrepender!
Adrian solta uma gargalhada e o tom tenebroso em sua voz me arrepia dos pés à cabeça.
Mas, mantenho-me firme.
– Desde quando você se tornou tão nervosinha assim, hein, Clarinha? – ele debocha e tenta
se aproximar – Bem, não importa. Eu até que gosto desse seu novo jeitinho.
Mais um passo, mais um passo. Meu coração bombeia desenfreado.
– Vai ser uma delícia te domar outra vez...
Ele sussurra, seguro de si. Segurança essa que parece se esvair quando a mão de Jackson
agarra firmemente o seu ombro; Adrian olha para trás.
– Além da paciência da Clara, você está acabando com a minha também.
Ambos se encaram, como autênticos rivais. O meu colega estica a mão livre em minha
direção e, apesar de dizer que não precisava de sua ajuda, eu a pego e vou para o seu lado
rapidamente.
– Eu já disse, professor Jackson, a Clara é apenas uma amiga. – Adrian fala.
Tomando uma atitude que me desconcerta por inteira, Jackson segura firme a minha cintura e
aproxima o seu corpo do meu, como a dias atrás no colégio, mas dessa vez mantem uma
distância segura de mim. Apesar disso, os meus músculos retesam e quero me afastar.
De soslaio, percebo que olha por cima do meu ombro, direto para Adrian. O silêncio segue
impassível entre nós três, isso até o meu colega de trabalho me virar para si e segurar o meu
rosto entre as mãos.
Ele dá uma última olhada provocativa no meu ex e então murmura:
– Você está bem, meu amor?
O estrondo de algo metálico caindo direto no chão e vidro se partindo me faz dar um pulo.
Giro o corpo em uma velocidade sobre-humana e perco o fôlego ao encontrar John estático a
poucos passos de mim, rodeado por garrafas e copos quebrados.
O que ele está fazendo aqui? Não estava de folga?
Oh céus!! Oh céus!!
– Me desculpem...!
Ele murmura e se ajoelha, começando a recolher o que deixou cair.
Sinto que empalideço. Mesmo com as pernas trêmulas, tento me aproximar com a desculpa
de que vou apenas ajudar um funcionário, mas o olhar raivoso e extremamente decepcionado
que recebo faz com que eu trave no lugar.
Não falo. Não respiro.
Vejo-o se levantar com a bandeja cheia de cacos de vidros e, sem olhar para nenhum de nós,
voltar pelo mesmo lugar de onde veio e levar junto um pedaço de mim.
Como um ato espontâneo, dou um passo para segui-lo corredor a dentro, mas sou detida pela
mão de Jackson ao redor do meu pulso.
Furiosa, eu o encaro como se pudesse lhe arrancar a mão do braço, mas ao ler a palavra
"calma" de seus lábios e notar o movimento que faz com a cabeça, percebo que Adrian
permanece no mesmo lugar e nos observando.
Ótimo! Era tudo o que eu precisava - só que não.
– Vamos sair daqui. – é o que Jackson diz.
Me deixo ser levada. Não tenho forças para me opor.
Quando nos afastamos o suficiente, dobramos o corredor ao lado da sala em que os demais
estão e paramos. Nós nos observamos por um instante, até o meu colega perguntar:
– O John está trabalhando aqui?
Balanço a cabeça como uma verdadeira tola. Não posso negar. Ele o viu de uniforme e com a
bandeja, e só um idiota não perceberia que é um funcionário do lugar.
– Me desculpe, Clara. Eu sei que pediu para não me intrometer, mas acabei vendo os dois e...
Sério, eu só quis ajudar.
"Muito ajuda quem não atrapalha", tenho vontade de gritar, mas engulo as minhas palavras.
No fundo, eu sei que não fez por mal. Bem como sei que não teria me livrado daquela praga
do Adrian sem a sua ajuda.
– Eu sei, Jackson. Eu sei. – respiro fundo – A culpa não foi sua. Eu sei que estava fazendo
aquilo só para provocar o Adrian e evitar que ele chegasse perto. Além disso, você sequer
imaginava que ele trabalha aqui, então...
– De verdade, não foi a minha intenção.
Faço um gesto com a mão pedindo que pare. Jackson se cala.
– Eu preciso ir fala com o John. Mas também preciso arrumar uma boa desculpa para sair
dessa droga de confraternização.
– Bom, já que todos acreditam que estamos juntos, eu posso te acobertar.
– Como assim?
– Vamos entrar e fingir que nada aconteceu. Damos alguns minutos e você diz que não está
se sentindo bem, e então eu digo que vou levá-la para casa. Assim a diretora não terá do que
reclamar e... Aquele cara não vai se atrever a ir atrás de você.
Eu o olho. Olho e olho. E acabo concordando.
Não tenho uma ideia melhor do que essa.
Assim que voltamos para a sala, todos os olhares recaem sobre nós, inclusive o de Adrian
que já está sentado ao lado da diretora. Vejo o professor de geografia dar uma risadinha e
sinto-me mal. A pessoa que eu verdadeiramente amo está lá fora, magoado, enquanto todos
aqui acreditam no meu conto de fadas com o Jackson.
Inquieta, espero que os minutos passem. Espero, espero e espero. Mas quando vejo que quase
vinte e cinco minutos já se foram, incorporo a atriz que vive dentro de mim e finjo que não
estou bem. Jackson se apressa em me acudir e, com seu jeito de convencer a todos, me ajuda
a sair da sala do karaokê sem levantar suspeitas.
Enfim, livre!
– Obrigada Jackson!
– Não precisa agradecer. É o mínimo que posso fazer.
Sem querer dar margem para mais mal-entendidos e também por não saber onde John está,
apenas aperto a sua mão e saio atrás de quem eu preciso.
Sorrateira, vou até a área dos funcionários em busca de alguma informação e encontro o tal
Carlos sentado no pequeno sofá, mexendo no celular. Ao reparar na minha presença, se
levanta e chega perto da porta.
– Ah, olá. No que eu posso ajudá-la?
– O John... Sabe me dizer onde ele está?
– O Berryann?! Ele saiu mais cedo. Disse que não estava se sentindo bem e foi liberado pela
gerente. – olha para o visor do aparelho em sua mão – Já fazem uns trinta minutos.
Trinta minutos? Isso quer dizer que ele saiu praticamente depois de flagrou aquela cena.
Agradeço o garoto e saio em disparada para a saída do prédio. Ao colocar os pés na rua,
procuro por um táxi vago e entro no primeiro que aparece. Peço ao motorista que vá o mais
depressa que puder e, diante a minha nítida cara de desespero, o coitado do senhor se
desdobra em dois para conseguir.
No instante em que o carro para em frente à casa dele, o meu coração parece que vai sair pela
boca. Pago o motorista, dado mais do que o necessário para compensar as quase quatro vezes
que passamos os semáforos vermelhos, e então ele segue o seu rumo. E eu encaro o meu.
Pé ante pé, subo as escadas que levam até a porta de entrada e tenho que respirar fundo assim
que estou rente a ela. Fico entre apertar a campainha ou entrar direto. Mas sabendo que eu
corro o risco de ser ignorada depois do que aconteceu a quase uma hora atrás, digito a senha
no painel e levo a mão a maçaneta com certo receio.
Entro devagar e a minha desorientação é total ao encontrar tudo revirado: o pequeno sofá
tombado, as cadeiras caídas, os livros espalhados pelo chão...
Parece que um furacão passou por aqui.
Um furacão descontrolado chamado John Berryann.
Engulo em seco e continuo analisando as coisas jogadas num aceso de raiva. Não me movo.
Sigo a trilha de destruição com o olhar e o meu corpo tenciona no segundo em que ele surge
na porta que une o banheiro a sala. Seus cabelos estão molhados, assim como o rosto e a
nuca, o que me leva a crer que jogou água para se acalmar.
Nós nos encaramos. Seus olhos estão injetados de ódio e mágoa.
Respiro fundo outra vez e me preparo para falar, mas igual a uma locomotiva desgovernada,
Johnie cruza a sala e se põe diante de mim. E sem me dar a mínima chance de sequer abrir a
boca, vocifera de um jeito que me parte em duas:
– Ou nós contamos a verdade para todo mundo, ou acaba por aqui!
Capítulo 15
Me aninho em seu peito e aproveito para aspirar mais do seu perfume. O momento é tão
romântico, que nem me reconheço por estar tão arrebatada por ele. Mas, não ligo. Se for ao
seu lado, eu viro a própria rainha do romance.
Curtimos um ao outro. Nosso calor, nosso toque, nossa respiração. Não precisamos de
palavras para expressar o que sentimos. Não agora.
Porém, curiosa como só eu posso ser, tenho que perguntar:
– Como sabia para onde eu estava indo?
– Eu estava observando você do topo das escadas. – ele sorri sem jeito enquanto eu arregalo
os olhos – Sai para te procurar, mas não tive coragem de descer quando notei que ainda
estava parada na calçada. Então fiquei apenas observando.
– Estava esperando por um táxi, e por você também.
– Me desculpe!
– Posso fazer uma pergunta?
– O que quiser, meu bem.
– O que estava fazendo no karaokê hoje? Não era a sua folga?
– Fui chamado de última hora para cobrir um dos garçons que faltaram.
– Me desculpe por fazê-lo passar por aquilo. Não deve ter sido fácil.
– Não vamos falar sobre isso agora. Apenas dance comigo, huh?!
John me aperta mais contra si enquanto continuamos balançando de um lado para o outro ao
compasso da melodia.
Desde que Clara me contou sobre o tal ex-namorado e os abusos que sofreu nas mãos deles,
eu não consigo tirar esse assunto da cabeça.
Apesar de ter conseguido afastá-lo por algum tempo enquanto conversávamos e fazíamos
amor outras duas vezes ("uma e meia", já que fomos interrompidos pela ligação do
Sebastian), sua confissão está me perturbado tanto que nem mesmo o fato de estarmos em
um hospital no meio da noite faz com que os meus pensamentos parem de girar em torno
disso.
Depois de quase uma hora, esperando Sebastian desgrudar da namorada, entro para visitar a
Manu e fico feliz por vê-la bem. Trocamos algumas palavras, mas prefiro não prolongar
muito. Ainda que se mostre mais disposta, sei que precisa descansar e também que o meu
amigo está se coçando para estar com ela de novo.
Passamos um pouco mais de duas horas no hospital e deixamos que Seb tome conta da
Manu, sendo o seu acompanhante no quarto, uma vez que não temos muito mais o que fazer
para ajudá-la. Nos despedimos dos dois e digo que podem ligar para mim ou para a Clara, no
caso de precisarem de alguma coisa.
Decidimos descansar o restante da noite na minha casa. Assim que chegamos, quase as duas
da manhã, tomamos um banho juntos e depois eu coloco o seu uniforme e o meu para lavar.
Afinal, as aulas de sábado ainda não terminaram.
Quando nos deitamos, eu abraço Clara junto ao meu corpo e beijo os seus cabelos. Posso
notar como está cansada e, ainda que a sua pele nua contra a minha seja muito estimulante e
desperte o meu desejo de terminar o que Sebastian interrompeu, também preciso de
descanso. Amanhã - hoje, na verdade - será um longo dia.
Então, aconchego minha tão amada namorada, que agora ressoa baixinho, entre os meus
braços e me entrego ao cansaço. Logo adormeço.
[...]
Acordo sobressaltado pela segunda vez. As imagens daquele verme encostando nela e o som
do seu choro, ainda tão vívido, me deixaram agoniado. Com uma sensação ruim no peito.
Não vou conseguir mais dormir, tenho certeza disso. Se esse pesadelo me assombrar outra
vez, sou capaz de sair e ir caçar aquele maldito agora mesmo.
Deitado ao lado de Clara e mantendo o seu corpo tão próximo quanto é possível, observo o
seu sono pelo o restante da madrugada, pensando em como um cara teve coragem de agir de
maneira tão violenta com ela.
Mesmo que eu tenha tentado empurrar esses pensamentos para o mais longe possível,
imaginar a minha Clara sendo machucada, tanto física quanto psicologicamente, faz com que
eu fique com ainda mais vontade de enterrar o meu punho nos dentes daquele filho da puta, e
quebrar cada um de seus dedos para que ele aprenda a nunca mais encostar numa mulher.
Mas, eu não posso. Merda! Eu não posso!
Quer dizer, eu prometi a Clara que não me envolveria em confusão e que - totalmente a
contragosto - deixaria que as pessoas continuassem acreditando que Jackson é o seu
namorado, isso até aquele cretino dar o fora.
Porém, em momento algum eu prometi que não me vingaria e estou contando com essa
"falha nas regras" para colocar o tal Adrian no lugar onde ele merece. E se depender de mim,
vai ser com a cara enfiada na merda. Se for no sentido literal, melhor ainda.
De qualquer forma, por enquanto, eu não vou pensar nisso. Hoje à noite é a minha
apresentação no bar e tenho que estar preparado. Uma coisa de cada vez. Assim que o final
de semana passar, vou começar a lidar com esse assunto.
Sua hora vai chegar, babaca, mais cedo ou mais tarde.
Embora o meu sono não tenha sido dos melhores, me empurro para fora da cama assim que o
despertador toca e vou me aprontar. Uma vez que estou arrumado, acordo Clara para que
também vá se arrumar e vou preparar o café da manhã enquanto ela toma o seu banho.
Comemos juntos, do jeito que adoramos fazer quando temos a oportunidade, mas acabamos
nos separando para ir ao colégio. Eu pego o ônibus e ela um táxi.
– Aqui está o nosso futuro astro da música. – Andrew diz, assim que ponho a bolsa sobre a
mesa – Ansioso para a apresentação dessa noite?
– Você sabe que sim.
– Vai ficar ainda mais, por que estaremos todos lá. Na primeira mesa. – Jimmy sorri e me dá
um soco fraco no ombro depois que sento – A propósito, o Sebastian vai? Ou melhor, você
sabe porque ele não apareceu hoje?
Conto para eles o que aconteceu ontem à noite e que talvez o nosso amigo não apareça no bar
para a apresentação, mas nenhum deles vê mal algum nisso.
– A profe... Ela também vai? – Matt cochicha, para que ninguém além de nós escute.
– Vai sim. Por isso não espalhei que me apresentaria. Não quero nenhum problema.
– Você está certo.
Quando o professor entra na sala, cessamos a conversa. O restante do pessoal toma os seus
lugares e, enfim, a aula começa.
Ao longo de toda a manhã, não paro de pensar na apresentação. Nela e naquele outro assunto
não resolvido. Porém, o nervosismo causado pela expectativa dessa noite fala mais alto. Fico
repassando mentalmente as letras das canções que pretendo cantar hoje e a sequência que
combinei com os outros músicos que me acompanharão.
No intervalo e até o final do período, a mesma coisa. Me deixo levar e suspiro de alívio ao
escutar o sinal bater, liberando para irmos embora.
É, acho que estou mais nervoso do que imaginava.
– Então, nós encontramos você mais tarde. – Austin fala, junto aos outros quatro.
– Ok. Eu estarei esperando por vocês.
Nós nos despedimos e eu entro no primeiro ônibus que aparece, em direção a minha casa.
Não posso perder tempo, pois ainda tenho muito o que organizar até a noite.
Durante a tarde, quase surtando por não saber o que fazer primeiro, tenho o meu momento de
puro estresse interrompido pelo som do celular. É uma mensagem da Clara: "Fique calmo e
faça o que precisa sem pressa. Vai dar tudo certo".
Como um tremendo idiota, eu sorrio para a tela do aparelho e suspiro. Ela tem razão. Preciso
ficar tranquilo ou tudo vai por água abaixo antes mesmo de começar.
Perto das sete, vou para o banho. Fico mais tempo do que o normal debaixo do chuveiro.
Assim que saio e termino de secar os cabelos, visto uma das minhas calças jeans escuras,
uma camiseta branca e a jaqueta de estampa camuflada que comprei há tempos e nunca tomei
vergonha na cara para usar. Coloco os tênis pretos e me dou por satisfeito. Não sei se é o
melhor visual, mas é o que tem pra hoje.
Pego o violão e saio de casa. Decido ir de táxi, já que estou com volume extra e também para
não me atrasar. Ainda tenho que conversar com o dono do bar e repassar o som com os
outros caras antes da apresentação. Nem acredito que isso está mesmo prestes a acontecer.
Minha primeira apresentação em público.
– Oh! Aí está você, meu garoto! – o dono do pub, um cara chamado Daniel, me cumprimenta
– Está pronto para essa noite?
– Acredito que sim. – tento sorrir, mas deve ter saído uma careta muito bizarra, porque o
homem dá risada.
– Venha, vou te levar até o palco. Os seus companheiros já chegaram e vocês podem repassar
o som. O bar abre apenas as oito e a apresentação começa as nove.
Consinto e me deixo ser guiado local adentro. Christian e Lucas são os músicos que fazem a
percussão para os "artistas" que se apresentam aqui. São, respectivamente, o tecladista e o
guitarrista. De primeira, já nos demos muito bem e agora não é diferente. Nos
cumprimentamos e logo estamos repassando o som em meio a risadas.
Fico tão empolgado com o nosso pequeno ensaio, que sequer percebo quando o pub é aberto
e algumas pessoas nos observam de suas mesas. Assim que terminamos a última canção do
repertório dessa noite, olho para o relógio e vejo que são oito e vinte. Ou seja, mais quarenta
minutos e será pra valer.
– Mais um! Mais um!
Viro o pescoço na direção da pessoa que grita, e dou risada ao notar que é Andrew.
Literalmente ocupando a primeira mesa na frente do palco, ele está ao lado de Jimmy, Matt,
Austin e Lowell. Rostos conhecidos, afinal. Bem, nem todos. Onde está Clara?
– Pode descansar um pouco, John. Quando o horário estiver perto, nós chamamos. –
Christian avisa e eu concordo – Nos fundo, tem um camarim. É pequeno, mas aconchegante.
Pode ficar por lá, se quiser.
– Ah, obrigado.
Precisando de um tempo sozinho, aceno para os meus amigos e aponto para os fundos,
mencionando que ficarei por lá até o horário da apresentação.
Eu me refugio no pequeno camarim improvisado que o dono do pub fez e que deduzo já ter
sido um depósito, e deixo que o meu nervosismo enfim venha à tona novamente. Estou com
os nervos à flor da pele. Ainda que eu esteja feliz com a oportunidade, não posso mentir e
dizer que estou completamente preparado para tocar na frente de um bar, que, se bem
consigo ouvir daqui, parece ficar cada vez mais lotado.
– Respira fundo, John. – digo a mim mesmo, numa tentativa de encorajamento – Relaxa!
Relaxa, que vai dar tudo certo.
Repito essa frase como um mantra dentro da minha cabeça. Repito e repito.
De repente, a porta se abre e Clara põe a cabeça timidamente pela fresta, procurando por
mim. Finalmente, quem eu precisava ver!
Ela me dá um lindo sorriso, aquele que eu tanto gosto, e eu não posso deixar de sorrir
também. Ainda que não seja a sua intenção, ela está tão adorável com metade do rosto
escondido do lado de fora, que simplesmente não posso pensar o contrário.
– Posso entrar ou o artista está muito ocupado com a preparação?
Solto uma risada e me aproximo para abrir completamente a porta.
– Para você, nunca. – pego em sua mão e a puxo para dentro – Estou tão feliz que esteja aqui,
meu bem. A propósito, você está linda!
Usando um short jeans e uma blusa lilás de mangas compridas, Clara está divinamente
maravilhosa. Seu pescoço está pecaminosamente tentador por causa do cabelo preso.
– Eu não perderia a sua primeira apresentação por nada. Quem seria eu se faltasse a estreia
do meu futuro astro da música?
Meu sorriso aumenta e eu a beijo com todo o meu coração. Francamente, nada faria sentindo
se ela não estivesse aqui para compartilhar esse momento comigo.
Assim que nos afastamos, ofegantes como só os nossos beijos nos deixam, ela esfrega as
mãos em meus ombros por debaixo da jaqueta e diz:
– Você está muito tenso, coelhinho.
– Não vou mentir. Estou nervoso pra caralho!
– Tenho certeza de que vai se sair bem. – acaricia os meus cabelos, a lateral do meu rosto, até
parar no sinal que tenho abaixo do lábio inferior. Onde beija suavemente – Você fará uma
apresentação incrível. Não se preocupe.
Suas palavras doces me acalmam. Bom, ou perto disso. Apesar de estar mais "tranquilo",
continua sendo a minha primeira apresentação na frente de dezenas de pessoas. Uma coisa é
cantar para uma câmera ou os meus amigos, outra é fazer isso diante vários desconhecidos.
Tudo bem que eu quero um dia estar em um grande palco, na frente de milhares de fãs, mas
nem isso me impede de estar tremendo de ansiedade. Me pergunto como será o meu primeiro
show quando eu finalmente estrear como um profissional.
Sentada no sofá, Clara me observa enquanto ando de um lado para o outro, sem pretensão de
parar. Falta menos de meia hora para entrarmos no palco e já perdi as contas de quantas
vezes aqueci a voz desde que entrei aqui.
Como o violão está com os outros instrumentos, não pude ensaiar mais um pouco com ele, o
que piora as incertezas que pairam sobre a minha cabeça. E se eu errar as notas? E se eu não
conseguir seguir o ritmo com a minha voz? E se? E se?
– Johnie.
Olho para o lado e tomo um leve susto ao vê-la tão perto - mesmo que o camarim minúsculo
contribua para tanta proximidade.
Sem permitir que eu faça qualquer pergunta, ela me beija e em segundos estou desnorteado
no vício que são os seus lábios. Do jeito que me deixa doido, segura firme os fios do meu
cabelo e me devora. Chupa a minha língua, o meu lábio, e o morde dando aquele sorrisinho
sacana que faz o meu pau endurecer num instante.
– O que...
– Ssshhh!
Retoma o nosso beijo, tão quente quanto como começou. Submerso em um mar de
sensações, não demonstro qualquer resistência ao sentir o seu corpo levar o meu para trás.
Em poucos passos, esbarro e caio sentado no sofá. Meio zonzo, observo-a de pé na minha
frente e o seu olhar ardente penetra a minha alma. Endureço mais.
Como uma verdadeira predadora, Clara se debruça sobre mim e agarra outra vez os meus
cabelos. Puxando com certa força, me obriga a erguer a cabeça e lambe o meu pescoço até
chegar ao lóbulo da minha orelha e prende a argola que costumo usar nos dentes. Posso
sentir como brinca com ela dentro da boca, enquanto suspira bem rente ao meu ouvido, me
fazendo vibrar de tesão.
Ah, porra! Como gosto quando geme.
Fecho os olhos no momento em que seus dedos escorregam na minha garganta, sobre o meu
pomo de Adão, que sobe e desce em expectativa, e seguem através do meu peito sob a
camiseta branca. Seu toque me arrepia por completo.
Uma fisgada forte no baixo ventre me faz respirar profundamente. Estou com o pau tão duro,
que poderia facilmente estourar o zíper da minha calça jeans. E isso nem é o pior. Como
raios eu vou entrar no palco com uma ereção dessas?
– Calma, coelhinho. – como se lesse os meus pensamentos, Clara sussurra com um tom de
voz malditamente sensual – A professora vai te ajudar a relaxar.
Meu coração bombeia rápido, enviando sangue para o único ponto do meu corpo que parece
funcionar.
Assim que volto a abrir os olhos, encontro Clara agachada diante mim e, num movimento
rápido, afasta as minhas pernas e se põe entre elas. Suas mãos sobem desde os meus joelhos,
fazem pressão em minhas coxas, e param na braguilha da calça. Meu pênis pulsa forte e eu
simplesmente acho que desaprendi a respirar como uma pessoa normal.
– Coelhinho mimado. – ainda usando seu timbre libidinoso, solta o botão e então desce o
zíper. Quando liberta o meu pau, deixo que um gemido vá junto – Ora, ora... Você está todo
molhado, Johnie.
Eu rosno, feito um animal. Se ela soubesse o quão enlouquecedor é ouvi-la dizer o meu
apelido com esse tom safado e como tenho vontade de pegá-la com força até que não consiga
andar por vários dias, sem dúvida, ela pensaria duas vezes antes de falar.
Se bem que, tratando-se dela, tenho certeza de que é exatamente o que quer.
Seu polegar desliza na minha glande úmida, espalhando o líquido seminal vem cada vez
mais, acariciando a fenda por onde ele sai e a apertando devagar. Me levando dolorosamente
ao prazer que só ela sabe me dar.
No instante em que fecha sua pequena mão em torno do meu mastro, perco todo o bom
senso. Mas nada se compara com a sua boca cobrindo a cabeça do meu pau e sugando para
dentro, tomando tudo de mim. Eu arquejo e instintivamente seguro o seu cabelo preso num
rabo de cabelo. Os movimentos de sobe e desce, me engolindo, me saboreando, fazem como
que eu me contorça inteiro.
Abro mais as pernas e Clara pega as minhas bolas num carinho gostoso pra caralho.
Enquanto me mama, diverte-se com os meus testículos e bate uma punheta com a outra mão,
e sinto que o mundo poderia estar desabando lá fora e eu não daria a mínima.
Ofegando mais do que uma locomotiva, mexo os quadris para cima, querendo me abrigar
ainda mais dentro da sua deliciosa boca, e ela me engole até o fundo uma e outra vez, me
conduzindo a um orgasmo fodidamente maravilhoso.
– Onde você quer gozar? – pergunta, metendo uma das minhas bolas na boca e sugando, ao
passo que me masturba com mais rapidez. Sabe que estou prestes a vir.
– Ah, porra! Na sua boca... Na boca...
Clara volta a me chupar e acariciar com a mão. Sua cabeça vai para cima e para baixo mais
depressa do que os meus olhos entorpecidos podem acompanhar. E então eu gozo. Esporro
com força e estremeço dos pés até o último fio de cabelo, sendo obrigado a morder o lábio
para não anunciar ao bar inteiro que acabei de receber o boquete mais incrível da minha vida.
Minha devassa engole cada gota do meu prazer e é uma das cenas mais eróticas que eu
poderia assistir. Instantaneamente, meu corpo amolece e deixo a cabeça cair no encosto do
sofá, tentando recobrar a respiração.
Embora meus olhos estejam pesados pelo orgasmo recente e fantástico, noto os joelhos de
Clara avermelhados quando se levanta. Pego em sua mão e, fazendo um esforço tremendo,
trago-a para perto e acaricio sua pele marcada.
– Você está bem? – pergunto.
– Estou sim. – sorri e beija o topo da minha cabeça – E você, está mais relaxado?
– Eu? – solto uma risada satisfeita – Eu estava nervoso por algum motivo?
Ela dá uma gargalhada gostosa de se ouvir e leva as mãos até o meu instrumento agora
flácido. Eu tremo de leve.
– Clara, definitivamente, eu não vou aguentar uma segunda rodada.
– E quem disse que eu vou fazer de novo, coelhinho tarado? – sorri e me ajeita dentro da
boxer. Fecha o zíper e o botão do jeans – Só quero garantir que mais ninguém, além de mim,
vai olhar para o Johniezinho aí embaixo.
– Sério que você acabou de chamar o meu pau de 'Johniezinho'?
– É um nome bonitinho.
– Sim, e que acaba com todo o meu orgulho masculino.
Clara dá de ombros e sou incapaz de não rir. Ok, acho que posso conviver com isso.
Ponho minha mulher no colo e a beijo. Ficamos trocando carinhos durante alguns minutos,
até uma batida na porta soar. Lucas surge detrás dela.
– Oh! Desculpa, eu...
– Tudo bem. Só estamos conversando.
"Se você não se atentar aos nossos cabelos bagunçados e rostos provavelmente corados,
além da minha cara de quem acabou de gozar, vai parecer isso mesmo".
– Entramos em cinco minutos. Você está pronto?
– Sim, sim.
– Ok então. Estamos te esperando aqui fora.
Faço um sinal de positivo e ele se vai. Clara levanta e me dá um último beijo.
– Como dizem no teatro: quebre a perna! – brinca e então sai.
Dou um jeito no cabelo, na roupa amarrotada e respiro fundo. É agora!
Abro a porta e vou em direção ao palco. O lugar está realmente lotado e aquele friozinho na
barriga me acerta. Avisto minha linda mulher sentada na mesa da frente e, de imediato, o
nervosismo desaparece.
Ela é o meu amuleto da sorte. O meu tudo.
– É a sua namorada? – Lucas pergunta, olhando-a de canto.
– É sim.
– Garoto de sorte! – me empurra com o ombro num gesto divertido e eu sorrio.
Tento ignorar que a maioria dos olhares estão sobre nós e passo a correia do violão atrás do
pescoço. Me sento e ajeito o microfone para que fique na altura ideal. Verifico os últimos
detalhes e é isso. Não posso mais ignorar ninguém.
– Boa noite! – eu digo, chamando a atenção de todos para o palco. Os olhos estão em mim –
Olá, o meu nome é Johnie. Hoje é a primeira vez que me apresento aqui, então, antes de
jogarem os ovos e os tomates, me deem uma chance. Ok?!
A galera dá risada e me sinto mais confiante. Opa, já começamos bem.
– Brincadeiras à parte, nós preparamos um setlist especial para essa noite. Espero que
gostem. – posiciono os dedos nas cordas e faço uma vibração rápida para aquecer a voz, já
que minha garganta fico seca por conta do gemido que eu tive que afogar enquanto gozava –
A primeira canção de hoje é Chandelier, da SIA.
Canto os primeiros versos perfeitamente e os meus dedos acompanham com os acordes. Me
entrego a canção, as sensações que me provoca, e a melodia flui tão naturalmente como se
fizesse parte de mim. Deixo-me levar.
Não olho para ninguém, apenas para o violão. Eu e a música. É o que existe nesse momento;
quando a última palavra sai da minha boca e ressoa através das caixas de som, palmas
explodem por todo o bar. Finalmente ergo a cabeça e vejo todos aplaudindo, até mesmo os
meus companheiros de palco.
O sentimento de satisfação que me atinge não poderia ser melhor.
Seguindo a sequência que ensaiamos, canto 'Lost Stars' do Adam Levine, seguida por 'Paper
Hearts' da Tori Kelly e 'Fools' do Troye Sivan.
Algumas meninas acenam para mim e tentam chamar a atenção, mas eu só tenho olhos para a
mulher sentada ao lado dos meus amigos, graciosa em seu short jeans e blusa lilás. E que me
pagou um boquete delicioso só para que eu pudesse ficar mais relaxado e o meu nervosismo
não estragasse tudo, ainda que apenas uns minutos ao seu lado fosse o suficiente - mas é
claro que eu não negaria sentir aquela boca perfeita no meu pau.
Me preparo para tocar a próxima música: Whistle For The Choir, da banda The Fratellis, que
ensaiei essas últimas duas semanas. Lucas que está me acompanhando no teclado, vai para a
bateria e eu puxo o ar para soltar o primeiro verso.
Conforme vou cantando, meus olhos vagam pelo pessoal no bar e então recaem nela outra
vez. Ali está, Clara, me assistindo tão admirada e tentando acompanhar a letra enquanto sorri
ao notar que estou olhando diretamente para ela.
"Então se você está sozinha, por que você diz que não está sozinha?
Oh você é uma menina tola, eu ouço dizer
que é típico o seu vir e ir
E conhecer... você sequer me conhece
É doce você tentar, oh meu (Deus), você chamou minha atenção
Uma garota como você é simplesmente irresistível".
Ela continua acompanhando, me encarando com aqueles olhos redondos e brilhantes. cheios
de orgulho. Meu peito se aquece. Como eu posso não amar essa mulher tão
desesperadamente quanto já amo?
Por um instante, me sinto mal por tudo o que lhe disse na noite passada, sobre ela se
preocupar tanto com esse meu sonho de ser cantor. Sei que me desculpei, mas nunca será o
bastante. Então eu vou me esforçar e chegar aonde for por ela.
Seja apenas em um pub com uma dúzia de pessoas ou num estádio lotado, eu farei com que
ela sempre sinta orgulho de mim.
Assim que a canção termina, o bar inteiro aplaude de novo e uma voz vinda do fundo grita:
"Você é perfeito!". Reviro os olhos disfarçadamente.
Tocamos mais três músicas e o dono do bar sinaliza que devemos fazer uma pausa. Largo o
violão no apoio do palco e desço para a mesa onde a minha namorada e os rapazes estão.
Embora eu queira muito beijá-la até perdermos o fôlego, apenas aperto gentilmente o seu
ombro e lhe dou um sorriso largo, que é retribuído e me dá mais vontade de tomar a sua
boca.
– Você foi fantástico! – ela diz, empolgada – Simplesmente incrível!
Eu enrubesço. Ficar vermelho na frente dos meus amigos não estava nos planos, mas não
posso conter quando Clara é a causadora disso; reprimindo os meus impulsos de enchê-la de
beijos mais uma vez, volto a sorrir e digo:
– Não é para tanto. Mas, de qualquer forma, muito obrigado!
– Vou concordar com a pro... Com a Clara. Você foi demais, cara! – Matt exclama e batemos
os punhos fechados.
– Valeu...!
– Se eu não soubesse, diria que você já se apresenta a muito tempo. – Jimmy, dando um gole
em sua cerveja, comenta.
– Tiraram a noite para me encher de elogios?! Hum... Acho que posso me acostumar com
isso.
Rimos e continuamos a conversar animadamente. Isso até duas garotas surgirem ao meu
lado, uma delas com o celular na mão.
– Ah, olá. – a de cabelos curtos e avermelhados se pronuncia, meio envergonhada.
Um pouco desconcertado pela aproximação repentina, mantenho as mãos nos ombros da
minha namorada e respondo:
– Olá.
– Nós queríamos saber se... Se podemos tirar uma foto com você?!
Abaixo a cabeça para Clara, agora realmente desconcertado, e ela pisca um olho.
– Ah, tudo bem.
– Você pode tirar? – a segunda garota empurra o celular para o Lowell, que sequer tem
tempo de entender o que está acontecendo, menos ainda de responder.
Entre as duas, tento abrir o melhor sorriso enquanto o meu amigo dá alguns click's. Me
despeço de ambas e, de repente, mais quatro aparecem próximo da nossa mesa. Antes que eu
me dê conta, estou tirando fotos com mais gente do que o esperado.
– Iiiiiihhhh... Parece que alguém está saboreando os seus minutos de fama. – ouço Andy
zombar e as vozes dos outros se erguendo para caçoar também.
No entanto, a única voz que eu não escuto é a de Clara. Será que está brava com todo esse
assédio inesperado? Me desvencilho das pessoas e observo-a tomar um gole da cerveja que
pediu. No instante em que seu rosto se ergue em direção ao meu, percebo o seu olhar
brincalhão e fico mais calmo. Certo, não está incomodada - eu acho.
Consigo me livrar da pequena aglomeração formada ao meu redor, mas logo tenho que estar
no palco de novo. Fico um tanto desanimado por não ser capaz de dar mais atenção a minha
namorada e aos meus amigos, mas me convenço de que posso comemorar com eles depois de
sairmos daqui. Clara me joga um beijo e eu retomo o meu lugar atrás do microfone.
O restante da apresentação corre bem. A galera acompanha a maioria das músicas e até vejo
algumas pessoas dançando pelos cantos. Terminamos perto das onze, depois de tocar a setlist
completa. Digo algumas palavras de agradecimento e aviso que amanhã também estarei
tocando, e noto certa animação feminina graças a isso.
Daniel, o dono do bar, me parabeniza pela ótima performance e disponibiliza uma mesa mais
reservada para que eu e os meus convidados possamos curtir sem que ninguém atrapalhe,
como aconteceu no intervalo.
Bebemos e tagarelamos até a uma da manhã, quando Clara e eu resolvemos ir para casa.
Óbvio que os idiotas que eu chamo de amigos não perderiam a oportunidade de me encher o
saco, falando o que não devem, mas eu apenas ignoro, enquanto ela sorri das besteiras que
saem das bocas deles.
Fico feliz que ela não se importe com o que dizem, porque é exatamente tudo o que eu vou
fazer assim que colocarmos os pés no meu quarto (ou em qualquer outro lugar que o meu
tesão me permitir chegar).
Depois de transarmos contra a porta da sala, no balcão da cozinha e eu retribuir o oral que
ganhei no camarim, finalmente nos deitamos. Exaustos e saciados.
– Meu bem, posso perguntar uma coisa?
– Sim. O que foi?
– Por acaso, você... Bem... Ficou chateada com aquelas garotas me rondando e pedindo por
fotos?
Clara apoia o queixo no meu peito e me encara por um instante. Preparo-me para a possível
comida de rabo que estou prestes levar, mas ela sorri e beija bem em cima do meu coração.
– Você é lindo e talentoso, Johnie. Impossível as garotas não quererem tirar uma casquinha.
Além disso, se eu pretendo ser a namorada de um cantor famoso, acho que tenho que me
acostumar com isso, não é?!
– Mas, não te incomoda?
– Contanto que você sempre volte para mim, claro, sem fazer nem um desvio no caminho. –
sorri mais uma vez e me beija – Eu realmente não me importo. Afinal, quanto mais fãs você
tiver, mais famoso será. Não é essa a lógica?
Sou eu quem dá risada e, num impulso, prendo seu corpo debaixo do meu e a encho de
beijos. Nossos olhares se encontram.
– Eu sempre vou voltar para você, meu bem.
[...]
A apresentação de domingo também é um sucesso. Clara não pôde vir por causa da Manu,
mas os meus amigos estão aqui, incluindo o Sebastian.
Os assédios de ontem também acontece. Tiro fotos com uma dúzia de garotas enquanto Andy
e Austin me infernizam com suas piadinhas. Como de costume, eu ignoro.
– Com licença, você é o rapaz que estava se apresentando com a banda, certo?!
Olho para cima e deparo com um cara, aparentemente bem mais velho do que eu.
– Ah, sim. Sou eu.
– Podemos conversar um instante?
Intrigado, me levanto e o acompanho até o balcão do bar. Ele pede uma bebida.
– O que gostaria de falar comigo? – pergunto.
– Assisti sua apresentação desde que chegou e fiquei sabendo que ontem também foi um
sucesso. O pessoal realmente gostou de você.
– Obrigado.
– Por acaso, você já fez alguma audição?
Lembro da audição que fiz a uns meses atrás e suspiro. Eu não passei, a resposta saiu na
sexta. Fiquei tão chateado, que acabei descontando na Clara enquanto discutíamos. Uma
coisa levou a outra. Agora estou tão envergonhado por ter misturado as coisas, que talvez o
melhor seja continuar calado.
– Bem, respondendo a sua pergunta. Sim, eu já participei de uma audição. Mas não passei.
– Então, você tem planos de seguir uma carreira profissional?
Balanço a cabeça, sem entender onde ele quer chegar. De repente, o cara tira um cartão do
bolso e empurra para mim sobre o balcão. Eu o pego.
– Você é realmente talentoso, John, e faria muito sucesso como profissional.
Continuo olhando o cartão. Mas a curiosidade é maior.
– O que é isso? – indago.
– Uma audição que acontecerá no próximo mês, da agência na qual eu trabalho. O que acha
de participar?
O que? Ele está me chamando para participar de uma audição? Tipo, pessoalmente?
– Eu...
– De verdade, você tem potencial. Acredito que essa é uma chance de começar a sua
carreira.
Meio atordoado, balanço a cabeça que nem um imbecil. Isso é realmente muito surreal.
Trocamos mais algumas palavras e eu volto para a mesa.
Quando Jimmy pergunta o porquê do tal cara vir falar comigo, conto da proposta para
participar da audição, e todos começam a algazarra. Nós brindamos com as cervejas a minha
mais nova chance.
Capítulo 18
Por John
Veja bem, não estava nos meus planos vir parar aqui. Mas depois de tantas garrafas de
cerveja, algumas doses de tequila e uma ansiedade que não cabia em mim, fazer aquela
ligação e aparecer na porta de quem eu menos imaginaria soou como uma boa ideia. Só que,
depois de ficar sóbrio com o trajeto de quase quarenta minutos e comer as balas que eu
encontrei no bolso da jaqueta, já não parece tão boa assim.
Observo a fachada do prédio da classe média por um instante e enfio as mãos nos bolsos,
pensativo. Apesar de eu ter planejado essa conversa para acontecer o mais rápido possível,
provavelmente ainda amanhã, dar as caras em plena madrugada, às duas da manhã e
praticamente sem aviso, não foi a coisa mais sensata a se fazer.
Pois bem, se estou aqui de qualquer forma, vamos logo acabar com isso.
Aperto o número no interfone ao lado da entrada e não demoro a ser atendido. A porta se
abre e eu vou direto para o elevador no final do corredor bem iluminado, apesar do horário.
Pressiono o botão do quinto andar e me recosto no espelho.
Meus pensamentos trabalham à mil. Eu ainda não sei exatamente o que fazer, só tenho uma
vaga noção do que pretendo. Contudo, preciso começar por algum lugar e espero que esse
seja realmente o primeiro passo dentro desse tempo limitado.
As portas da caixa de metal se abrem e de imediato encontro-o parado em sua porta, a alguns
metros de distância. Ainda com as mãos nos bolsos, começo a caminhar, observando-o com
os braços cruzados e me olhando com as sobrancelhas franzidas, como se tentar bancar o
"machão" fosse surtir efeito comigo.
Ah, faça-me o favor!
Se não tivéssemos assuntos em comum, eu riria da sua cara.
– Eu não acredito que você está aqui, ainda mais bêbado. – é a primeira coisa que diz, assim
que me aproximo.
– Eu não estou bêbado.
– E esse cheiro?
Dou de ombros, parando bem a sua frente.
– Eu disse que não estou bêbado, não que não bebi. – eu respondo.
– Você tem consciência de que só tem dezenove anos, não é?!
– Já sou maior de idade. Não estou indo contra a lei, professor.
Solto, sem poder conter o meu deboche. Jackson passa a mão no rosto e suspira.
– O que está fazendo aqui, John? Imagina o susto que eu tomei ao receber a sua ligação?! A
propósito, como conseguiu o número do meu celular?
– Primeiro: eu consegui o seu número com um conhecido da classe onde é responsável.
Segundo: admito que não foi a melhor das ideias aparecer aqui à essa hora, mas trata-se de
algo importante. E antes que pergunte, eu não vim aqui como o seu aluno, eu vim aqui como
o homem que sou.
Sua expressão muda com o que digo. Acho que a seriedade em minha voz demonstra que não
estou para brincadeiras. E do jeito que me encara, creio que saiba exatamente do que iremos
falar.
– Venha. Entre. – ele diz.
Abre espaço ao dar um passo para o lado e eu entro. Como imaginei, seu apartamento é
amplo, nem se compara com o lugar onde vivo. O tamanho da sua sala de estar equivale
praticamente ao meu sobrado inteiro.
Caminho até o sofá e não me contenho em dar mais uma analisada ao redor. De canto de
olho, no entanto, observo Jackson circular e parar do outro lado da mesinha de centro.
– Eu te ofereceria uma bebida, mas só tenho chá e cerveja. Pelo o que presumo, chá não deve
ser muito do seu gosto, e com certeza não vou contribuir para que fique bêbado de novo.
– Não se preocupe. Posso apenas tomar um copo com água?
Ele abre o pequeno frigobar próximo a um estante e me lança uma garrafa com água gelada,
a qual pego no ar. Até que os meus reflexos não estão de todo o ruim.
– Obrigado.
Observo-o se aproximar enquanto bebo um longo gole direto do gargalo, e estamos um
diante o outro novamente. Jackson me convida a sentar. Afundo no sofá de couro branco
atrás de mim, tão macio que toma a forma da minha bunda em segundos.
Móveis de qualidade são outra coisa.
Um silêncio profundo se instala entre nós. Mesmo que eu esteja aqui com um propósito, não
é fácil para mim. De jeito nenhum.
Estar ao lado do cara que todo mundo considera o namorado da minha Clara, que já teve a
audácia de beijá-la e uma audácia maior ainda de continuar desejando-a, de longe, é algo que
estou realmente pronto para enfrentar.
Acho que os monges tibetanos se orgulhariam do esforço que estou fazendo para me manter
calmo agora. A situação me obriga e um motivo maior também. Embora eu não goste e nem
queira admitir.
– Antes de começarmos essa conversa. – eu digo, tomando a dianteira – Quero deixar claro
que não estou nem um pouco feliz de estar aqui ou prestes a dizer o que direi, mas acho que
você já sabe que tenho uma boa razão para engolir o meu orgulho e...
– É a Clara, não é?!
Bebo mais água, engolindo a irritação que sobe pela garganta. Ouvir o nome dela sair da sua
boca com tanta intimidade me parte ao meio de tanto ciúme. Não posso conter.
– Se isso tem a ver com o tal rumor...
– Pare! – lanço lhe um olhar enraivecido – Não vim falar sobre essa droga de rumor. Ainda
que, lá no fundo, eu queira muito tirar satisfações por causa disso.
Torço a tampa da garrafa com força ao fechá-la e ponho no chão.
– A Clara me contou tudo, disse que você sabe sobre nós. Mesmo que tenha feito para ajudá-
la e eu seja grato, sou um homem e saber que outro cara se passa por namorado da minha
namorada, não me agrada nada. Principalmente porque eu não posso desmentir sem nos
colocar em risco. Mas, tudo bem. Apesar de eu detestar a ideia, sou maduro o suficiente para
aceitá-la. Faço qualquer coisa para proteger a mulher que eu amo, então posso lidar com essa
palhaçada também.
Jackson me observa atentamente, quase como se não acreditasse em minhas palavras. Ok, até
eu estou surpreso com esse meu posicionamento. Se fosse em outra época, certeza que a
história seria outra. Mas assim como acabo de lhe dizer: eu amo a Clara e faço o que for para
protegê-la.
De novo, caímos no silêncio. Tudo o que ouço é o som de um ou outro carro que passa na rua
lá em baixo e do meu pé batendo nervosamente contra o piso. Dentro da minha cabeça, esse
cenário pareceu bem mais simples. Admito.
– O que você veio fazer aqui, então? – Jackson pergunta, enfim – Para se sujeitar a vir até o
meu apartamento, às duas da madrugada, só posso supor...
– Eu preciso da sua ajuda. – solto tão rápido, que sai mais embolado do que tudo.
– O que?
– Eu preciso da sua ajuda, Jackson. – suspiro, me acalmando. Estou aqui para isso, afinal de
contas, não vou e nem posso voltar atrás – Preciso que me ajude a colocar aquele filho da...
O tal do Adrian no lugar onde ele merece.
Como se eu tivesse acabado de dizer a maior besteira do mundo, ele me encara com uma
expressão incompreensível, mesmo que os seus olhos digam que está com tanta vontade de
dar uma bela lição naquele traste quanto eu. O que, para ser sincero, não sei me incomoda ou
me anima a continuar.
Nenhum de nós fala por longos minutos. Ficamos cada qual com nossos pensamentos. Isso
até Jackson dizer:
– Por que eu?
– Porque você, assim como eu, também quer muito dar uma lição naquele cara. – nós nos
encaramos e eu continuo – Se você fez tudo o que a Clara disse, não tenho dúvida que sente a
mesma indignação do que eu. Mas, levando em consideração as nossas posições, eu aluno e
você professor, ambos sabemos que agir sozinhos não vai dar em boa coisa. Mas se nós nos
juntarmos...
Jackson permanece calado. Me olha, olha e olha. Está visivelmente maquinando a ideia. E
eu, apesar de ansioso, dou-lhe um tempo.
– Supondo que eu aceite essa proposta maluca, o que você tem em mente?
– Fiquei sabendo que o contrato será assinado ainda essa semana, certo?! – resgato a
informação que ouvi correr entre os outros alunos.
– Sim. Será na quinta-feira.
– Não podemos deixar que ele assine. Em hipótese alguma.
– Como assim, John? O que uma coisa tem a ver com a outra?
– No início, ele pode ter vindo apenas para fazer negócios, mas eu conheço esse tipo de
palerma. O Adrian vai se aproveitar do seu vínculo com o colégio por ser um investidor e vai
tentar de todas as maneiras continuar infernizando a Clara.
– Mas que eu saiba, ele vai embora nesse próximo final de semana. Então...
– Ele até pode ir embora, só que se tornará um constante fantasma para a Clara. Ela viverá
com medo, sempre na expectativa de que uma hora ou outra ele possa voltar. E eu não quero
isso. E outra, se ele conseguir assinar, automaticamente se tornará inalcançável para nós e
tudo irá por água abaixo.
– Tudo bem, até aí eu concordo com você. Mas o que vamos fazer para que isso não
aconteça?
Eu sorrio, um tanto satisfeito. Já começamos bem com esse "o que vamos fazer". No fundo,
eu sabia que concordaria. Agora eu tenho que simplesmente acreditar que está fazendo isso
apenas por odiar o Adrian, e não por querer defender a minha Clara.
– Eu prometi a ela que não iria me meter em problemas. Ou seja, temos que agir com cautela.
Vim pedir a sua ajuda, porque você é o único que está "próximo" daquele cara, além dos
outros professores e a diretora, e também tem razões para ferrá-lo.
– Entendi.
– Eu ainda não tenho um plano completamente formado. Mas precisamos fazer com que ele
mesmo perca a chance de assinar aquele contrato.
– Ele mesmo? – reflete por um instante – Por exemplo, dando um fora com a diretora?
– Mais do que isso. Precisamos descobrir algum podre sobre ele. Não podemos usar o
assédio que cometeu com a Clara sem expor o passado dela. E, infelizmente, mesmo que
tivéssemos isso ao nosso favor, sabemos muito bem como esses velhos não tem o menor
interesse quando o assunto são negócios. Tendo dinheiro, foda-se o resto.
Jackson concorda e fica pensativo outra vez. De repente, me lança um olhar convicto.
– Se queremos humilhar o Adrian e, de quebra, anular todas as chances de ele assinar o
contrato de investidor e não ter mais credibilidade para fazer negociações aqui no país, nós
temos que descobrir um podre que seja sobre negócios.
– Atividades ilegais, por exemplo?
– Exatamente. – balanço a cabeça, concordando, e ele continua – Nós sabemos que corrupção
existe em qualquer lugar, mas ninguém gosta de admitir e muito menos se "relacionar" com
quem é corrupto. Logo, se conseguirmos alguma prova de que o Adrian ou mesmo a
instituição que ele veio representar já esteve envolvida em algum escândalo, teremos como
quebrar a assinatura do contrato.
– Cara, isso é uma puta ideia!
– Você já perdeu todo o respeito, não é?! – caçoa e apenas dou de ombros – No entanto, eu
não sei como faremos para obter essas informações.
– O Jimmy é bom com computadores. Sabe o que fazer para conseguir qualquer tipo de
informação. O Matt também, mas ele está mais para "fofoqueiro profissional". Descobre
tantas coisas, que ainda me pergunto como ele não foi recrutado pelo FBI.
Jackson solta uma gargalhada e concorda. Todo mundo conhece essa fama dele.
– Bom, podemos contar com a ajuda deles então?! – pergunta.
– Ainda tenho que falar com eles, porém, acredito que sim.
– Ótimo! Já temos um passo andando.
Continuamos conversando, aprimorando o nosso plano, e eu mal percebo as horas passarem.
Diferente de como começamos, bebemos uma garrafa de cerveja cada um e aquela tensão -
embora eu ainda possa senti-la em alguns momentos - já não é tão densa na atmosfera quanto
antes. Num geral, entramos em uma trégua. Bom, ou quase isso. Ao menos, até Jackson abrir
a boca depois de bastante tempo calado.
– John.
– Huh?
– Eu sei que passou por cima do seu orgulho para vir pedir a minha ajuda e realmente
valorizo o que está fazendo apenas para ajudar e proteger a Clara, mas...
– Eu sei que só concordou porque ainda gosta dela.
Ele dá um gole largo em sua cerveja, como se quisesse esconder os verdadeiros pensamentos,
e inevitavelmente meu coração se agita de uma maneira nada boa.
– Não é?!
– Eu amo a Clara. – sentencia e sinto a cerveja voltando por onde veio.
Encaro-o com os olhos praticamente esbugalhados, com o mesmo misto de raiva, ciúme e
insegurança que experimentei há dias atrás. Não é uma novidade para mim, óbvio que não,
mas ouvi-lo confessar tão abertamente é como um soco no estômago.
– Porém, eu não sou tolo e muito menos um canalha. – quebra o silêncio e dou outro gole na
cerveja, impedindo a mim mesmo de lhe socar a cara – A Clara te ama, e é indiscutível que
nunca abrirá mão do que sente por você e não tem qualquer intenção de deixá-lo,
independentemente do que for.
Nós nos defrontamos por um demorado momento.
– Ainda que eu não queira enxergar e muitas vezes fique irritado por saber que fui trocado
por um adolescente... Bem, nem isso. – bufa e dá um sorriso sem graça – Eu tenho plena
consciência do amor de vocês e é por isso que estou ajudando. Sei que não é fácil lidar com
essa coisa de a Clara e eu sermos namorados, embora você diga que sim, e sei que suportar o
assédio que ela anda sofrendo por causa daquele babaca deve ser pior. Então, no que eu
puder, irei colaborar. Ah, e manter o segredo.
Sua franqueza de alguma maneira me atinge. Mesmo que, no fundo, seu amor pela Clara
continue me incomodando, saber que ele reconhece o próprio fracasso e ainda assim está
disposto a me ajudar é admirável. Não posso ser indiferente a isso.
– Obrigado! – respondo, por fim.
Estendo a mão e ele a segura, em um cumprimento. Sorri e então diz:
– Nós vamos colocar aquele imbecil no lugar onde ele merece.
Meia hora depois da nossa inusitada parceria, eu adormeço no seu confortável sofá de couro
branco.
Leia os primeiro trechos de "Inesquecível" - Quarto e Último Livro
da Série Irresistível
Eu sempre acreditei que não tinha vocação para cuidar de alguém. Afinal de contas,
paciência e destreza nunca foram os meus pontos fortes. Porém, sempre fiz o meu melhor
quando a situação me exigia isso, por exemplo, como agora. Sobretudo quando se trata de
cuidar das pessoas que eu amo, e por Manu, ainda mais.
E é exatamente por essa razão que estou colocando o meu lado cuidadora em ação.
Embora os meus dotes culinários não sejam muito bons, preparo uma canja de galinha bem
caprichada, com direito a pedacinhos de legumes e frango. Assim como a receita indica,
deixo o caldo ferver um pouco mais para engrossar e aproveito esse tempinho para dar as
vitaminas que o médico indicou para Manu depois que foi liberada.
Pego o frasco sobre o balcão e um copo com água.
– 'Tá na hora do remediiiiiinhoooooo!! – grito, erguendo as mãos para mostrar a minha
amiga deitada no sofá.
Geralmente eu não sou a animada e sim a chata e resmungona, mas quero alegrar a Manu e
não me incomodo de tomar o seu lugar por uns dias; ela sorri e levanta devagar, até estar
apoiada no encosto do móvel, ainda envolta por sua manta favorita.
– São vitaminas, sua boba. – ela diz.
– Tem forma de remédio, está em um frasco tipo de remédio e provavelmente tem gosto de
remédio. Ou seja...
– Me dá logo esse treco!
Ponho uma das cápsulas gelatinosas em sua mão, a qual leva a boca e engole com ajuda da
água. Sento ao seu lado depois de largar o copo sobre a mesinha de centro, lembrando-me de
ficar atenta a panela no fogo. O sorriso que antes enfeitava o meu rosto se vai, assim como o
seu.
– Você está bem? – pergunto, mesmo sabendo a resposta.
– Apesar dos pesares, sim. Estou bem melhor.
Solta um suspiro e junta os joelhos contra o peito, abraçando-os. Olho para a TV, onde passa
um programa qualquer e ficamos as duas em silêncio por um instante.
– Sabe que não pode esconder isso para sempre, não é?! – me pronuncio.
– Ainda que eu queira fingir, sei que não.
– E quando pretende...
– Não sei! – corta-me, aflita – Tenho pensado nisso desde que sai do hospital. Na verdade,
desde que recebi a notícia. Mas, mesmo que eu pense e pense, me vejo perdida no mesmo
lugar.
Agora sou eu quem solta um longo e profundo suspiro. Não faço ideia do que dizer. Apesar
de eu defender a ideia de que deve logo falar e fazer o certo, tenho consciência de que não é
tão fácil quanto parece, especialmente porque o cenário está longe de ser dos mais favoráveis
para ela. Quer dizer, para ambos.
Se o que me contou for verdade, isso vai ser uma bomba - se bem que, seria uma bomba de
qualquer maneira. A questão agora é: quando ela será detonada.