Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Este artigo visa explorar o modelo de formalização da clínica psicanalítica, presente na teoria
lacaniana, por meio dos conceitos de estrutura, significante e sujeito. Assim como qualquer
língua possui sua sintaxe, o encadeamento entre os significantes pressupõe uma estrutura que
estabelece seu sistema de regras. Através da articulação entre os significantes, um saber é produ-
zido, permitindo supor que ali houve emergência de sujeito. Nosso propósito é o de fazer uma
leitura dos conceitos de estrutura, significante e sujeito de forma indissociada, pretendendo,
com isso, esclarecer o modelo de formalização da clínica psicanalítica proposto por Jacques
Lacan.
Palavras-chave: Psicanálise. Lacan. Estrutura. Significante. Sujeito.
Abstract
This article aims at exploring the model of formalization in psychoanalytic clinic, which is present
in Lacanian theory, through the concepts of structure, signifier and subject. Just as any language
has its syntax, the signifying chain presupposes a structure that establishes its system of rules.
Through the signifying chain, a certain knowledge is produced, allowing the assumption that there
was an emergence of the subject. Our purpose is to elaborate on the concepts of structure, signifier
and subject in an undissociated way, with the aim of clarifying the model of formalization in psy-
choanalytic clinic that was proposed by Jacques Lacan.
Keywords: Psychoanalysis. Lacan. Structure. Signifier. Subject.
*
Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Professor Associado Nível III da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.
charles.lang@ip.ufal.br
**
Membro aderente da Apertura Para Otro Lacan (APOLa). Graduado em Psicologia pela Uni-
versidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil. hudson.deandrade@hotmail.com
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 99
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
Introdução
100 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 101
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
Hoje podemos dizer que o convite feito por Lévi-Strauss não passou em
branco, pois o campo de influência do estruturalismo se estendeu, em maior
102 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 103
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
A estrutura opera de maneira autônoma e implica que seus efeitos são produ-
zidos antes do surgimento do próprio indivíduo, pois já está constituída antes
dele. Esse modelo teórico contradiz o paradigma evolucionista, já que o segun-
do presume existir primeiro o corpo biológico e posteriormente o sistema da
linguagem.
Lacan contrapõe o paradigma evolucionista com o paradigma criacionis-
ta, ao fazer referência ao Evangelho segundo São João, onde no começo está o
verbo, a palavra. “Mas quando falamos da ordem simbólica, há começos abso-
lutos, há criação. Eis porque in principio erat verbum [...]” (LACAN, 1954-
5/1985, p. 353). O começo da ordem simbólica parte de um momento de
criação absoluta, exnihilo, onde todos os elementos que compõem o seu siste-
ma são produzidos, sem que nada exista antes.
104 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 105
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
106 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 107
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
108 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 109
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
A metáfora, por sua vez, indica que um significante substitui outro signi-
ficante, o que possibilita o surgimento de novas significações no contexto clí-
nico. Lacan comenta que o processo metafórico produzido pela articulação do
discurso, onde um termo substitui outro, é menos evidente do que o processo
metonímico.
110 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 111
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
quando esse cálculo é eficaz o que se produz são novas significações pela
modificação do sentido que existia. A articulação significante pode ser des-
crita do seguinte modo:
Embora seja usada a palavra “fechar”, como possível tradução para bou-
cler, essa escolha deixa escapar algo importante sobre o movimento lógico do
inconsciente. No francês, boucle refere-se tanto ao formato de um cinto afive-
112 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
1
Ver em dicionário Linguee em:
<https://www.linguee.com.br/portugues-frances/search?source=auto&query=boucle>.
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 113
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
Lacan (1965/1998) argumenta que foi o advento da ciência moderna que tor-
nou possível o surgimento do sujeito com que se opera na psicanálise. A res-
peito disso, ele deixa claro seu débito junto à proposta de leitura feita por
Alexandre Koyré sobre o paradigma científico na modernidade. “Em tudo isso
nos parece radical uma modificação em nossa posição de sujeito, no duplo
sentido: de que ela é inaugural nesta e de que a ciência a reforça cada vez mais.
Koyré é nosso guia aqui, e sabemos que ele ainda é desconhecido” (LACAN,
1965/1998, p. 870).
A interpretação do mundo modificou-se profundamente com o advento
da ciência moderna, atributos como qualidade, essência e substância que eram
utilizados na ciência aristotélica foram destituídos dela (KOYRÉ, 1973/2011).
No lugar de propriedades intrínsecas aos objetos, eles são estudados através de
cálculos matemáticos. A queda de uma pedra deixa de ser descrita através de
sua afinidade com o elemento Terra, sendo analisada por meio de modelos
teóricos e fórmulas matemáticas. A forma empírica de conhecer o mundo sen-
sível cede lugar para o conhecimento abstrato, descrito através de letras.
Se o advento da ciência moderna foi o que tornou possível o surgimento
do sujeito da psicanálise, isso significa que ele não pode ser confundido com
o indivíduo empírico que possui um corpo biológico e tridimensional. Tam-
pouco podemos afirmar que esse sujeito possui qualquer propriedade intrín-
seca, que possa ser chamada de sua essência. Assim como na ciência
moderna, o sujeito da psicanálise depende da articulação de letras para ser
produzido, ou como também podemos dizer, ele depende da articulação en-
tre significantes.
Embora o conceito de sujeito tenha sido duramente criticado por sua car-
ga metafísica, Lacan o introduz na psicanálise retirando dele sua conotação
psicológica e afetiva. Ele tampouco permite ser equiparado com o conceito
metafísico de substância, pois não depende dele próprio para existir, mas surge
como efeito da articulação significante desde o Outro simbólico.
114 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 115
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
Conclusão
116 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Vimos que Lacan faz uso da polissemia presente da palavra sujet (sujeito)
em francês, que também pode significar assunto e tema. Nesse caso, podemos
afirmar que o Outro simbólico funciona com o lugar no qual as articulações
significantes são produzidas e como consequência delas, são criados assuntos
(sujet) inesperados no contexto analítico. Isso representa o afastamento da
concepção individualista de sujeito, visto que ele e o Outro simbólico estão
interseccionados sem que exista descontinuidade entre eles.
Concluímos que no modelo de formalização proposto por Lacan à clínica
psicanalítica, os conceitos de estrutura, significante e sujeito são indissociáveis
e precisam ser pensados de forma articulada. O conceito de estrutura em La-
can foi fortemente influenciado pelo método estrutural, tornando possível for-
malizar o modo no qual o discurso do inconsciente é produzido pela
articulação significante. Essas articulações produzem assuntos no contexto
analítico, permitindo supor que houve emergência do sujeito.
Tramitação
Recebido em 19/04/2019
Aprovado em 05/06/2019
Referências
ALTHUSSER, L. Freud e Lacan. Marx e Freud. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
BADIOU, A. O ser e o evento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
DESCOLA, P. Claude Lévi-Strauss, uma apresentação. Estudos Avançados, São Paulo,
v. 23, n. 67, p. 148-160, 2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0103-40142009000300019>. Acesso em: 14 mar. 2019.
DOSSE, F. História do estruturalismo: o campo do signo, v. 1. São Paulo: UNICAMP,
1993.
EIDELSZTEIN, A. La topologia en la clínica psicoanalítica. Buenos Aires: Letra Viva,
2006.
______. El origen del sujeto en psicoanálisis: del big bangdel lenguaje y el discurso en
la causación del sujeto. El rey está desnudo, Buenos Aires, v. 5, n. 5, p. 7-64, ago. 2012.
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 117
TRANSMISSÃO, TEMPO, HISTÓRIA ARTIGOS EM TEMA LIVRE
FREUD, S. (1913). O interesse da psicanálise. São Paulo: Companhia das letras, 2012.
(Obras completas, 11).
KOYRÉ, A. (1973). Estudos de história do pensamento científico. Rio de Janeiro:
Forense, 2011.
LACAN, J. (1953). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In:
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. (1954-5). O Seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da
psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
______. (1955-6). O Seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1985.
______. (1957a). A Instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In:
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. (1957b). A psicanálise e seu ensino. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.
______. (1957-8). O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar. 1999.
______. (1958). A significação do falo. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. (1960). Posição do inconsciente no Congresso de Bonneval. In: Escritos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. (1959-60). O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2008.
______. (1964). O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais em
psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
______. (1965). A ciência e a verdade. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. (1966). Of structure as an inmixing of an Otherness, pre requisite to any
subject whatever. In: MACKSEY, R.; DONATO, E. (Orgs.). The languages of criticism
and the sciences of man: the structuralist controversy. Baltimore: Johns Hopkins
University Press, 2007.
______. (1966). Pequeno discurso no ORTF. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2003.
______. (1967). Lugar, origem e fim do meu ensino. In: Meu ensino. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2006.
______. (1972-3). O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1985.
118 Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019
FORMALIZAÇÃO E CLÍNICA PSICANALÍTICA: A ESTRUTURA, O SIGNIFICANTE E O SUJEITO
Cad. Psicanál. (CPRJ), Rio de Janeiro, v. 41, n. 40, p. 99-119, jan./jun. 2019 119