Você está na página 1de 2

Uma nota sobre Enoque (Idrîs) em fontes árabes e hebraicas como a “Glória

Solitária da Raça Humana”*

(Imad Jafar)

O misterioso Idrîs (a.s.) mencionado no Alcorão


19:56–57/21:85–86 e descrito ali como “um sincero”
(sadîq), “um profeta” (nabi), “constante” (sâbir) e
dentre “os piedosos” (al-sâlihîn) — tem desempenhado
um papel multifacetado na Tradição Islâmica.
Frequentemente igualado pelos pensadores
muçulmanos com o patriarca antediluviano Enoque
(Gênesis 5:21–24), Idrîs (a.s.) aparece na Tradição
Islâmica como um profeta primordial, filósofo e
cientista, assim como o originador da arte da escrita.
Há uma compreensão em fontes islâmicas de que
Idrîs (a.s.) era, nos seus próprios dias, a “causa solitária
para a glória na existência do homem.” O grande
polímata maliquita andaluz 'Abd al-Mâlik Ibn Habîb
(m. 853) diz no seu famoso livro sobre a história do mundo, com referência ao patriarca
primevo:
“Na sua época, a recordação de Deus (dhikr Allah) era relativamente rara: a cada dia
subiria ao Céu mais recordações vindas dele do que subiria vindo [do resto] dos homens
da sua era.”
(Kitâb al-Târîkh, ed. Jorge Aguadé, Madri: al-Majlis al-A'lâ lil-Abhâth al-'Ilmiyya, 1991, 36:16–18)

Do mesmo modo, o enigmático historiador Pseudo-Asma'i (m. séc. XIX?) comenta:


“E ele era um consistente devoto [a Deus]: mais devoção ascendia a partir dele a
cada dia do que ascenderia do resto dos descendentes de Adão, porque a vasta maioria
daqueles dentre eles eram politeístas e empenhados na adoração de ídolos.”
(Nihâyat al-'Arab fî Akhbâr al-Furs wa-l-'Arab, ed. Muhammad Taqi Dânishpazhûh, Teerã: Anjuman-i
Âthâr va Mafâkhir-i Farhangi, 1996, 9:5–6)

E, novamente, o famoso historiador baçorino Ibn Sa'd (m. 845) afirma:


“Mais adoração [a Deus] ascenderia da parte dele em um dia do que ascenderia de
[todos os outros] humanos num mês.”
(Kitâb al-Tabaqât al-Kabîr, ed. Eduard Sachau, et al., Leida: Brill, 17–1/1:16.16, 40–1905)

Da mesma forma, o primeiro convertido israelita Ka'b al-Ahbâr (m. 652–56)


menciona uma revelação que Deus deu a Idrîs (a.s.) assim:
“Está na hora de Eu te elevar: a cada dia você desempenha tanta adoração como
todo o resto da humanidade, e eu quero que você aumente a [sua] adoração.”
(Citado in al-Tabari, Jâmi' al-Bayân 'an Ta'wîl âya al-Qur'ân [Tafsîr al-Tabari], n.e., Beirute: Dâr Ibn
Hazm, 2002, 9:127 [#23770])

A mesma ideia emerge da pena do historiador racionalista Mutahhar al-Maqdisi (m.


c. 980?), que afirma:
“Mais adoração ascenderia da parte dele a cada dia do que a adoração oferecida
por todos [os outros] humanos…”
(Kitâb al-Bad' wa-l-Târîkh, ed. Cl. Huart, Paris: E. Leroux, 1899–1919, 4–3:12.3)
E, novamente, de uma maneira ligeiramente diferente, da boca do primeiro
especialista muçulmano em tradições hebraicas Wahb Ibn Munabbih (m. 738):
“A cada dia ascenderia da parte dele tanta adoração quanto ascenderia de todas
as outras pessoas na terra na sua era.”
(Citado in: Tha'labi, 'Arâ'is al-Majâlis fî Qisâs al-Anbiyâ' or Lives of the Prophets [Vidas dos Profetas],
trans. William M. Brinner, Leida: Brill, 2002, 84)

Agora, o que é interessante é que a mesmíssima


ideia — do antigo patriarca sozinho ou
excepcionalmente adorando a Deus numa era do mais
pronunciado ateísmo — aparece do mesmo modo em
fontes rabínicas a respeito de Enoque (como adendo, é
importante notar que a ideia de um declínio gradual
consistente da sociedade humana do melhor para o
pior, enquanto talvez uma ideia de alguma importância
em linhas particulares da filosofia grega e hindu, não se
apresenta em fontes árabes ou hebraicas da mesma
forma). A coleção de narrações homiléticas do século
XI, Bereshit Rabbati, descreve a Deus dizendo:
“Toda a sua geração é perversa, mas este é
completamente devoto a Mim. Assim Eu o farei um
exemplo.”
(Citado in: Reeves and Reed [eds.], Enoch from Antiquity to the
Middle Ages [Enoque da Antiguidade à Idade Média], p. 44)

Do mesmo modo, outro texto hebraico — um


manuscrito anônimo de comentário das Escrituras —
nota, com referência a Provérbios 10:25 (“Um justo [é] a fundação do mundo”):
“O mundo perdura por causa do indivíduo justo, e este é Enoque, filho de Jarede.”
(Citado in: Reeves and Reed [eds.], Enoch from Antiquity to the Middle Ages [Enoque da Antiguidade à
Idade Média], p. 44)

De modo semelhante, o antigo Pseudo-Ben Sira [revisão A-22] afirma:


“[Quanto a] Enoque, toda a sua geração era completamente perversa, mas ele era
completamente justo.”
(Cf. Pseudo-Ben Sira [revisão B]: Toda a sua geração era completamente perversa, enquanto ele era
completamente justo; e veja Reeves and Reed [eds.], Enoch from Antiquity to the Middle Ages [Enoque da
Antiguidade à Idade Média], p. 41 para ambos)

*Usando a lista in: Enoch from Antiquity to the Middle Ages: Sources From Judaism, Christianity, and
Islam [Enoque da Antiguidade à Idade Média: Fontes do Judaísmo, Cristianismo e Islã], eds. John Reeves e
Annette Yoshiko Reed, Oxford: Oxford University Press, 2018, pp. 41–44.

Traduzido ao português por: Ya'qûb 'Abd al-Jabbâr Ghîmârâish (al-Brâzîli al-Tijâni)

Fonte: https://medium.com/@imadjafar/a-note-on-idr%C4%ABs-in-arabic-and-enoch-
in-hebrew-sources-as-the-solitary-glory-of-the-human-race-6160489f0434

Você também pode gostar